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Magda Dimenstein Yalle Fer nandes dos Santos


Fernandes
Profa. do Programa de Pós-Graduação em Mestranda do Programa de Pós-
Psicologia da UFRN e Dra. em Saúde Mental Graduação em Psicologia da UFRN.
pelo IPUB/UFRJ. Rua Rio Mearim, 7945. Cidade
UFRN, CCHLA, Depto. de Psicologia, Campus Satélite. Natal - RN. 59.068-410
Universitário, Lagoa Nova, Natal/RN. CEP: yalles@yahoo.com
59.078-970 magdad@uol.com.br

Monique Brito Ana Kalliny Severo Clariana Morais


Aluna do curso de gradua- Aluna do curso de Aluna do curso de
ção em Psicologia da graduação em Psicologia graduação em Psicologia
UFRN. Bolsista de da UFRN. Bolsista de da UFRN. Bolsista de
IC - PIBIC/CNPq. IC - PPG/UFRN. IC - PPG/UFRN.
Rua Madre Teresa de Rua Pintor Rodolfo de Rua Prof. Etelvino Cunha
Calcutá 2000 casa 115. Arnaldo 528. Pitimbú. 2887. Cidade Jardim.
Nova Parnamirim. Natal/RN. Natal/RN. 59.069-150 Natal/RN. 59.078-350
59.150-000 F: 84. 3218.6058 F: 84. 3207.3602
monique_brito@yahoo.com.br kallinysevero@yahoo.com.br clarianamorais@ig.com.br

Resumo
A atenção básica tem conquistado espaço privilegiado nas intervenções em saú-
de mental devido à possibilidade que oferece de superar o modelo psiquiátrico,
ainda hegemônico. Foi realizada uma investigação focalizada no histórico de aten-
ção em saúde mental dos moradores da zona norte de Natal, identificados pelos
critérios de “uso de medicação psicotrópica” e “egresso de hospital psiquiátrico”.
Observou-se a existência de demanda reprimida em saúde mental, por meio do
elevado percentual de usuários sem acompanhamento profissional nos serviços
de atenção primária; o uso constante e elevado de benzodiazepínicos com uso
crônico e sem acompanhamento sistemático por parte da equipe de saúde; pou-
ca procura dos serviços substitutivos como os do Centro de Atenção Psicossocial
- CAPS; elevado número de casos de transtorno mental nas famílias dos pacien-
tes, assim como de internações psiquiátricas, muitas das quais, involuntárias.

Palavras-chave
saúde mental; serviço público de saúde; atenção primária à saúde; Programa de
Saúde da Família - PSF; psicotrópico.

Mental - ano III - n. 5 - Barbacena - nov. 3005 - p. 33-42


23 Magda Dimenstein, Yalle Fernandes dos Santos, Monique Brito, Ana Kalliny Severo, Clariana Morais

Demanda em saúde mental


em Unidades de Saúde da Família

esde 1990, com a Declaração de Caracas, enfatiza-se a reestruturação


da atenção psiquiátrica vinculada à atenção primária à saúde e na cons-
tituição de redes de apoio social e serviços comunitários que possam dar
suporte aos indivíduos em seus contextos de vida. A reforma psiquiátrica de
inspiração basagliana propõe a substituição do modelo de atendimento hos-
pitalizado que distancia o louco do seu espaço social para o trabalho
desinstitucionalizante e territorial caracterizado, essencialmente, pela
desconstrução prática e teórica da instituição psiquiátrica. O processo objeti-
va criar novas perspectivas de vida para os indivíduos considerados loucos.
Busca-se, pois, desconstruir a lógica excludente atualizada pelas internações,
proporcionando aos sujeitos estratégias de circulação social.
No campo da saúde pública brasileira, a atenção básica tem, progressiva-
mente, tornado-se uma prática privilegiada nas intervenções em saúde mental,
em virtude da necessidade de produzir ações focadas no eixo territorial. Nesse
contexto, tal como indicam os trabalhos de Sampaio e Barroso (2001), Casé
(2001), Silva et al. (2001) entre outros, o Programa de Saúde da Família - PSF -
se configura como campo de práticas e produção de novos modos de cuidado
em saúde mental, na medida em que tem como proposta a produção de cuida-
dos culturalmente sensíveis (SPECTOR, 1999), dentro dos princípios da
integralidade e da territorialidade. Cuidados culturais é um conceito que descre-
ve os tipos de cuidados que o profissional de saúde deve desenvolver no sen-
tido de serem culturalmente sensíveis, congruentes e competentes.
O Programa de Saúde da Família - PSF - nasceu da necessidade de se
romper com o modelo assistencial em saúde, hegemônico no Brasil, caracte-
rizado por oferecer atenção curativa, medicalizante, verticalizada, individualis-
ta, centrada no médico e de pouca resolutividade em termos dos problemas
dos usuários do sistema. Além disso, o Programa tem como proposta a criação
de novo modelo de atenção que prioriza ações de promoção à saúde e servi-
ços mais próximos da comunidade. Dessa forma, é visto como dispositivo
essencial na reorganização da atenção básica à saúde e na reorientação do
modelo assistencial, visto que visa imprimir nova dinâmica de trabalho na
saúde pública. Segundo Lancetti (2001), o PSF tem como propostas:

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1- Singularizar a relação usuário/equipe: as pessoas deixam de ser um pron-


tuário, um número, para transformarem-se em biografias;
2- Descentralizar a relação médico-paciente para a relação usuário-equipe;
3- Desenvolver vínculos com a comunidade, com a ajuda do agente comu-
nitário de saúde;
4- Aperfeiçoar a cobertura, pois o Programa atende por necessidade e não
por demanda;
5- Abordar problemas na própria região, evitando-se encaminhamentos des-
necessários e contando com os recursos da comunidade;
6- Contribuir para a participação e o protagonismo de todas as pessoas implicadas.
Considera-se, pois, que a articulação entre saúde mental e atenção básica
se impõe como algo inadiável para os atuais gestores em saúde. Organizar a
atenção à saúde mental em rede é uma prioridade no sentido de se produzir
cuidado integral, contínuo e de qualidade ao portador de transtorno mental.
Diariamente, diversas demandas em saúde mental são identificadas por
profissionais das equipes de PSF e agentes comunitários de saúde. São situ-
ações que requerem intervenções imediatas, na medida em que podem
evitar a utilização de recursos assistenciais mais complexos desnecessaria-
mente. Trata-se de problemas associados ao uso prejudicial de álcool e de
outras drogas, aos egressos de hospitais psiquiátricos, ao uso inadequado de
benzodiazepínicos, aos transtornos mentais graves e a situações decorrentes
da violência e da exclusão social. A identificação e o acompanhamento des-
sas situações, incorporados às atividades que as equipes de atenção básica
desenvolvem são passos fundamentais para a superação do modelo psiqui-
átrico medicalizante e hospitalar de cuidados em saúde mental.
Segundo Teixeira (2005, p. 228), são características fundamentais da
Atenção Primária à Saúde (APS):
A extensão e a capilaridade da rede de serviços de atenção primária
à saúde, que não encontra paralelo em nenhum outro equipamento
da rede; 2. Sua atuação referida a demandas de saúde mais freqüentes,
que se encontram muitas vezes na fronteira entre os “problemas da
vida” e a “patologia” objetivamente definida e que, portanto, nem
sempre estão claramente configuradas como demandas cuja resposta
mais adequada possa ser encontrada exclusivamente no arsenal
diagnóstico-terapêutico da biomedicina; desta última característica
decorrem duas outras fundamentais: a importância excepcional

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que adquire neste espaço [as chamadas] “tecnologias de escuta e


de negociação das regras comportamentais e organizacionais”,
ou em outras palavras, a importância das tecnologias de conversa
que facilitariam a identificação, elaboração e negociação com os
usuários das necessidades que podem vir a ser satisfeitas naquele
ou em outros espaços institucionais; e a importância da ação
multiprofissional e da articulação intersetorial, já que a atenção
primária possui inevitavelmente essa vocação de “porta de entrada”
não apenas para a rede de serviços de saúde, mas para uma
multiplicidade de outras demandas sociais, que acabam por se
traduzir em demandas de saúde ou simplesmente aí se apresentam
pela ausência de outros espaços sociais de expressão.

Tais características indicam claramente a potencialidade de a atenção bási-


ca se constituir no plano privilegiado para o acolhimento das necessidades em
saúde mental, com intervenções que rompem com o modelo manicomial e
segregador, assim como com as relações de tutela e controle social do louco.
Além disso, consideramos que a inserção da saúde mental nesse nível de
atenção é estratégia importante para a reorganização da atenção à saúde que
se faz urgente em nossa realidade, na medida em que rompe dicotomias tais
como saúde/saúde mental, exigindo a produção de práticas dentro do princí-
pio da integralidade. A inclusão das questões de saúde mental na política de
implantação do PSF mostra-se como uma efetiva forma de inibir a fragmenta-
ção, a parcialização do cuidado, pois há uma proposta de atuação baseada na
integralidade das ações, concebendo o indivíduo de forma sistêmica e elegen-
do a família como locus privilegiado da intervenção.
Dentro desse contexto, as unidades básicas de saúde devem funcionar
como eixos de assistência que visam dar suporte técnico e institucional ao
trabalho realizado pelos profissionais do PSF. Centrar o trabalho na atenção
básica em saúde a partir do atendimento domiciliar “aponta para uma
reestruturação e reorganização das práticas de saúde para além dos muros
dos serviços de saúde, deslocando seu olhar para o espaço-domicílio das
famílias e comunidades nas quais as práticas estão enraizadas” (TRAD e
BASTOS, 1998, p. 431).
A integração do PSF com as políticas de saúde mental, por sua vez,
implica também transformações profundas nas práticas de saúde
institucionalizadas. A lógica dos ‘especialismos’, ainda muito arraigada à cul-

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tura médico-hospitalocêntrica, encontrada entre os técnicos e mesmo entre


a população usuária, dificulta a implementação de novas formas de cuidado.
Tal lógica pressupõe relações hierarquizadas de saberes e poderes entre os
diferentes membros da equipe e desta com os usuários. Isso quer dizer que
é preciso pôr em curso alterações na forma de organização dos serviços,
pautadas por mudanças nos saberes instituídos que delimitam quem é com-
petente e quem tem autoridade para lidar com a loucura. Tal perspectiva
conduz inevitavelmente a uma discussão a respeito do caráter ideológico do
mandato social das profissões envolvidas no campo da saúde e da “vaidade”
que atravessa o mundo “psi”, que sedimenta a saúde mental como espaço
privativo dos profissionais que nele atuam.
Ao partir da concepção de que a articulação entre saúde mental e aten-
ção básica é um desafio a ser enfrentado atualmente, que a melhoria da
assistência prestada e a ampliação do acesso da população aos serviços com
garantia de continuidade da atenção dependem da efetivação dessa articula-
ção, estabeleceu-se como objetivo de pesquisa traçar o perfil da demanda
em saúde mental em áreas de abrangência de duas equipes do Programa
Saúde da Família. As equipes trabalham na comunidade de Nordelândia e
Boa Esperança, no bairro Lagoa Azul, localizado no distrito sanitário norte de
Natal. Para tanto, delimitou-se como foco de investigação os usuários que
fazem uso de medicação psicotrópica e/ou têm histórico de internação psi-
quiátrica. Objetivou-se ainda mapear os casos de transtorno mental na famí-
lia, as estratégias de cuidado e serviços procurados, o recebimento de bene-
fício, o histórico medicamentoso e de internação psiquiátrica e a forma pela
qual se deu a(s) internação(ões).
A realização desse mapeamento justifica-se por várias razões. Em pri-
meiro lugar, pelo fato de as unidades básicas de saúde ou do PSF responde-
rem, geralmente, por um percentual mínimo da demanda em saúde mental,
quando poderiam ser as primeiras opções de acolhida e atenção. Isso evita-
ria que o hospital psiquiátrico se mantivesse como a porta de entrada na
rede de saúde. Em segundo lugar, de acordo com as diretrizes da política da
Secretaria Municipal de Natal (2005), é preciso conhecer o perfil
epidemiológico em saúde mental do território adscrito de cada Unidade de
Saúde da Família - USF.
Por fim, a focalização nos egressos de hospitais psiquiátricos e usuários
de psicotrópicos justifica-se por comporem um grupo que apresenta pro-
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blemas crônicos e precisa de atenção prioritária, que demanda ações que


impeçam o retorno ao manicômio e que quebrem a lógica da medicalização
generalizada, da utilização maciça e crônica de psicofármacos pela popula-
ção de bairros periféricos de Natal, prescritos pelos mais diversos especialis-
tas médicos e sem acompanhamento profissional adequado, tal como relata-
do por Alverga & Dimenstein (2005).
Entretanto, mesmo com todas as experiências bem sucedidas realizadas
pelo país, as iniciativas de alguns gestores locais e a existência de um cam-
po de discussão consolidado em termos da articulação saúde mental/aten-
ção básica, acredita-se que os modos de cuidado produzidos na perspectiva
da integralidade são ainda muito incipientes. As equipes não estão capacita-
das para atender essa demanda e, na maioria das vezes, atribuem esse papel
a profissionais como psiquiatras e psicólogos, delimitando o campo de aten-
ção a esses dois especialistas.
Sabemos também que ainda há muitos entraves para a acessibilidade do
usuário ao campo da saúde mental, pois as unidades básicas de saúde vêm
tradicionalmente respondendo por menos de 10% da demanda, quando
deveria ser o local privilegiado de acolhimento, evitando que o hospital
psiquiátrico se configure enquanto porta de entrada para os serviços. Esta
realidade confirma a dificuldade de inserção da saúde mental na atenção
básica e o papel centralizador ocupado pelo hospital psiquiátrico na rede de
cuidados. Considera-se que é preciso conhecer a qualidade do atendimento
que é ofertado, que práticas de saúde são produzidas, ou seja, que estratégi-
as podem ser produzidas pelos serviços de atenção básica para que essa
demanda em saúde mental encontre resolutividade na própria unidade bási-
ca e não seja necessário recorrer ao hospital psiquiátrico.
Nota-se que a tendência hospitalocêntrica ainda não foi abandonada por
completo, o que dificulta o crescimento do sistema extra-hospitalar e
multiprofissional que já vem sendo alvo de debates desde a I Conferência
Nacional de Saúde Mental, realizada em 1987. Na ocasião, foi proposto tam-
bém o não credenciamento pelo setor público de leitos hospitalares em
hospitais psiquiátricos tradicionais, com redução progressiva dos existentes;
a proibição da construção de novos hospitais psiquiátricos; a implantação de
recursos assistenciais substitutivos como CAPS, hospital-dia, lares protegidos
etc; a recuperação de pacientes crônicos em serviços extra-hospitalares e a
emergência psiquiátrica funcionando em hospitais gerais.
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Apesar disso, inúmeros problemas ainda se apresentam para a


concretização dos objetivos e princípios da reforma psiquiátrica em todo o
país. Um deles concerne à necessidade de desconstrução da visão
essencializada e psiquiatrizada de loucura circunscrita à doença mental. É
preciso também se trabalhar com a noção ampla de saúde mental, que
contemple as condições concretas de vida dos sujeitos, evitando a
institucionalização e a patologização do sofrimento e de experiências
disrruptivas. Segundo Amarante (1995, p.52):
[...] torna-se preciso desmontar as relações de racionalidade/
irracionalidade que restringem o louco a um lugar de desvalorização e
desautorização para falar sobre si, da mesma forma que é preciso
desmontar o discurso/prática competente que fundamenta a diferenciação
entre aquele que trata e o que é tratado.

Outra questão refere-se à articulação entre atenção básica e atenção


secundária, isto é, entre equipes inseridas em unidades de atenção primá-
ria e em serviços substitutivos. Essas duas formas de prestação de cuidados
devem estar articuladas, de forma que o princípio da referência/contra-
referência possa ser atendido, e o usuário não vá direto ao hospital psiqui-
átrico, nível terciário de atenção. De acordo com documentação do Minis-
tério da Saúde (2003),
A ampliação do acesso e da resolutividade da atenção básica é
condição sine qua non para reorientação e redimensionamento dos
fluxos de referência para outros níveis de atenção, facilitando o
acesso da população a ações e serviços o mais próximo possível de
seu domicílio. A reorientação dos fluxos de usuários deverá resultar
na diminuição da pressão de demandas inadequadas sobre serviços
de maior complexidade liberando-os para absorver melhor as
demandas para as quais de fato foram constituídas (p. 121).

De acordo com o Projeto de Saúde Mental elaborado pela Secretaria


Municipal de Saúde de Natal (2005), atualmente, o eixo norteador da políti-
ca de saúde mental em todas as esferas de governo é a consolidação e a
expansão de uma rede extra-hospitalar e a articulação entre os diversos
dispositivos existentes. Nesse sentido, foi definido como uma das priorida-
des do Projeto a organização das ações de saúde mental na atenção básica,
através de estratégias metodológicas tais como: a capacitação continuada

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para os profissionais da rede e a sistematização do apoio matricial às unida-


des de saúde da família, com conseqüente desenvolvimento de ações com-
partilhadas entre as equipes especializadas e de atenção básica.

Metodologia

Nordelândia e Boa Esperança dispõem de uma unidade de saúde que


oferece cobertura a essas localidades, composta por duas equipes de saúde
da família, totalizando 22 profissionais. Para a realização da pesquisa foi ne-
cessário seguir as diversas etapas:
Durante o segundo semestre de 2004 foram feitos contatos com os respon-
sáveis pela unidade de saúde para obter permissão para realizar o trabalho de
campo, além de contatos com o administrador, os profissionais das duas equipes
e os agentes comunitários de saúde, para explicitar os objetivos do trabalho.
Obtido o compromisso de colaboração dos profissionais e a aprovação do
comitê de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foram con-
sultados os prontuários da unidade de saúde e identificados, por meio da ajuda
dos agentes comunitários, os participantes da pesquisa. Após a identificação,
iniciaram-se as visitas domiciliares, sempre acompanhadas pelos agentes.
A coleta de dados foi iniciada ainda em 2004 e finalizada entre fevereiro
e março de 2005. Foi realizada na casa dos participantes e contou com a
participação de estagiárias do curso de psicologia da Universidade.
Utilizou-se um questionário semi-estruturado para identificar os dados sócio-
demográficos, o histórico de internação psiquiátrica e o uso de medicação psico-
trópica entre os moradores da comunidade. Tal instrumento já tinha sido utilizado
numa pesquisa anterior (com objetivos semelhantes), no bairro de Cidade Nova,
no ano de 2001. Optou-se por reutilizá-lo, por atender aos objetivos da pesquisa
e por Nordelândia e Boa Esperança apresentarem um quadro socioeconômico e
cultural semelhante ao de Cidade Nova, caracterizado por extrema pobreza, au-
sência de saneamento básico, de coleta regular de lixo, de vagas para as crianças
nas escolas e utilização de drogas por adolescentes e jovens.

Resultados

Foram realizadas 59 entrevistas com 34 usuários do sexo feminino e 25


do sexo masculino. Os dados sobre as mulheres apontaram que a faixa etária
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predominante situa-se acima dos 30 anos (n = 30). Três mulheres têm idade
inferior a essa e uma não respondeu. Entre os homens, a faixa etária tam-
bém se concentra acima de 30 anos (n = 14). Dez participantes estão abaixo
dessa faixa etária e apenas uma pessoa não respondeu.
A maioria das mulheres (n = 19) é natural do interior do Rio Grande do
Norte, ao contrário dos homens que, em sua maioria (n = 16) é de Natal. Os
dados acerca da situação conjugal dos participantes demonstraram que 11
mulheres e 14 homens são solteiros, 14 mulheres e 10 homens vivem em
união consensual, seis mulheres e dois homens são divorciados, e três mulhe-
res viúvas. A média de filhos é de um a três entre homens e mulheres (n = 18
mulheres e n = 9 homens). Nove mulheres e três homens possuem mais de
quatro filhos. Observou-se que os participantes do sexo masculino, em sua
maioria, não possuem filhos (n = 13).
Quanto à escolaridade, a maior parte dos entrevistados possui o ensino fun-
damental incompleto (n = 20 mulheres; n = 17 homens). Em relação à ocupa-
ção, tanto na amostra feminina quanto na masculina há um grande número de
pessoas que não tem ocupação definida (n = 23 mulheres; n = 22 homens).
Dez mulheres e três homens trabalham e uma mulher e três homens não
responderam a esta questão. Dentre as 23 mulheres que não estão traba-
lhando, 13 já exerceram alguma profissão; entre os homens, apenas oito já
trabalharam. Entre as mulheres que possuem ocupação, encontram-se tam-
bém donas-de-casa.
A renda pessoal dos entrevistados se concentra na faixa de um a dois
salários mínimos mensais (n = 11 mulheres; n = 9 homens); entre eles, quatro
participantes têm renda pessoal menor que um salário mínimo. Poucos entre-
vistados têm renda superior a essa faixa: um deles declarou receber de um a
três salários mínimos e outro, de três a quatro salários. Os que não têm renda
somam 19 pessoas, enquanto 14 não responderam às questões.
Dois participantes relataram morar sozinhos, 12 moram com cônjuge e
filhos, nove participantes vivem com pai, mãe e irmãos e dois não especifi-
caram. Entretanto, percebeu-se que a maior parte das pessoas (n = 33) vive
em configurações familiares complexas e variadas, que incorporam paren-
tes e amigos. Dos entrevistados, 45 têm moradia própria, 11 moram em
imóveis alugados e três moram em residências cedidas por outrem.
Em relação ao recebimento de benefícios, 36 participantes afirmaram
não tê-los e 23 disseram receber pensão ou aposentadoria ou o benefício do
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programa bolsa-família.
A maioria dos entrevistados (n = 40) registrou a existência de casos de
transtorno mental na família. Dezoito afirmaram não apresentar o problema
e um respondeu não saber. O grau de parentesco dos que responderam ter
caso desse transtorno na família concentrou-se nos irmãos (n = 15), seguido
de primos (n = 11), pai e mãe (n = 8), tios (n = 6), avós e filhos (n = 5) e, por
fim, cônjuge (n = 13).
Quanto ao histórico medicamentoso, observou-se que a maioria dos en-
trevistados (n = 50) faz uso de psicotrópicos (n = 31 mulheres e n = 19
homens) e nove não o fazem (n = 3 mulheres e n = 6 homens). O período
de utilização dos medicamentos varia de menos de um ano a mais de 30
anos. Percebeu-se que entre as mulheres, a maioria faz uso de psicotrópicos
durante o período de um a cinco anos (n = 9) e a segunda maior parte
registra de 21 a 30 anos de consumo (n = 8). A maior parte dos homens
utiliza psicotrópicos por um período de um a cinco anos.
Os medicamentos psicotrópicos mais utilizados pelos participantes são:
Diazepan, Gardenal, Haldol e Amplictil, que são indicados para tratar os
sintomas de depressão, epilepsia, deficiência mental (citados pelos homens)
e nervosismo, insônia, sintomas psicomotores (rigidez da musculatura e tre-
mores) e convulsões (citados pelas mulheres).
Os psicofármacos, em sua maioria, são receitados por psiquiatras (n = 29),
clínicos gerais (n = 13), pediatras (n = 5) e neurologista (n = 1). Dois entrevis-
tados não informaram por quem eles foram receitados. As receitas dos medi-
camentos são válidas, em média, por períodos de dois a três meses. Os princi-
pais pontos de aquisição das receitas são hospitais psiquiátricos (n = 16),
posto de saúde (n = 11), a pastoral (n = 6), hospitais gerais (n =13), Caps
(n = 1) e hospital-dia (n = 1). Apenas dois participantes não responderam
a questão. Os entrevistados relataram renovar suas receitas em postos de
saúde (n = 16), em hospital psiquiátrico (n = 9), na pastoral (n = 6), em
hospitais gerais (n = 8) e no Caps (n = 1). Dez entrevistados não deram
informações sobre esse item.
A maioria dos participantes procurou ajuda logo após o aparecimento
dos sintomas. Os principais lugares procurados foram os hospitais gerais e,
em segundo lugar, os usuários recorreram principalmente aos hospitais psi-
quiátricos (n = 15) e ao posto de saúde (n = 13). Destaca-se o baixo percentual
de busca pelos serviços substitutivos: apenas dois usuários buscaram atendi-
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mento no Caps e um no hospital-dia.


Verificou-se que 40,7% (n = 24) dos entrevistados (16 mulheres e oito
homens) já sofreram internação. Destes, 41,7% (n = 10) já registraram de
uma a três internações, 12,5% (n = 3) de quatro a seis, 12,5% (n = 3) acima
de seis internações (nove e 33 vezes) e 25,2% (n = 7) não lembram quantas
vezes já foram internados.
Entre clínicas e hospitais psiquiátricos, o Hospital João Machado recebeu
o maior número de internações (47,7%), a Clínica Santa Maria recebeu 31,4%
delas e a Casa de Saúde Natal, 17,1%. Um entrevistado não respondeu a
questão e outro foi internado em um hospital no interior do estado e não se
lembrou do nome da instituição. A média do período de internação foi de
um a dois meses.
Grande parte das internações foi involuntária (75%, n = 18). Foram
registradas três internações voluntárias e três entrevistados não responde-
ram a essa questão. Entre todas as internações involuntárias, apenas quatro
foram notificadas ao Ministério Público.
Os principais motivos alegados para a ocorrência de internação voluntá-
ria ou não, citados pelos participantes, foram: agressividade, agitação, des-
maios, pensamento incoerente, alucinações, insônia, comportamento
infantilizado, delírios, inapetência. Alguns participantes disseram não saber
por que foram internados.
Com relação ao diagnóstico, dez pessoas disseram não o terem recebido;
17 pessoas não sabem qual é, não lembram ou não responderam a questão.
Dos que conhecem seu diagnóstico, encontramos casos de depressão (ex-
clusivamente entre as mulheres), esquizofrenia (exclusivamente entre os
homens), transtorno esquizo-afetivo, desvio cerebral, epilepsia, deficiência
mental, “loucura”, convulsão, estresse, lesão cerebral, alcoolismo e “proble-
ma na cabeça”.
Em relação ao tratamento para esses usuários, os medicamentos ocupam
o lugar de destaque (51), seguidos de psicoterapia (11), internação (qua-
tro), terapia ocupacional (dois), fonoaudiologia (dois), serviços substitutivos
(dois) e exames (um).
Foi registrado que, atualmente, 18 pessoas (30,5%) não recebem qual-
quer tipo de acompanhamento. Trinta e oito usuários (64,4%) disseram
recebê-lo e três não responderam. Dentre os profissionais responsáveis por
esse acompanhamento, em primeiro lugar se encontra o psiquiatra (44,7%,
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n = 17), seguido pelo clínico geral (23,7%, n = 9), além de psicólogo (três),
neurologista (um), pediatra (um), fonoaudiólogo (um), e profissionais do
Centro de Reabilitação Infantil (dois) e Caps (um). Para 13 participantes,
esse acompanhamento esteve restrito a uma visita ao médico para renova-
ção da receita.

Discussão e Considerações Finais

De acordo com os resultados apresentados, consideramos que a saúde


mental tem se configurado ainda como um campo de saber e de práticas não
articulado às ações básicas de saúde desenvolvidas no Sistema Único de Saúde
- SUS. Apesar de estarem referenciados pelos princípios da interdisciplinaridade
e da intersetorialidade, de conceberem que suas ações precisam estar articula-
das a outras que extrapolam o setor saúde, os atores do campo da saúde
mental precisam, ainda, construir caminhos pra efetivar tal articulação.
Como conseqüência dessa realidade, constatou-se a existência de consi-
derável demanda reprimida em saúde mental, por meio do elevado
percentual de usuários sem acompanhamento profissional nos serviços de
atenção primária. Observou-se, ainda, o uso constante e elevado de
benzodiazepínicos na população pesquisada. O problema em relação a es-
ses medicamentos está, especialmente, na falta de acompanhamento siste-
mático por parte da equipe de saúde e em seu uso crônico.
Nota-se que a utilização de medicamentos é vista como a principal prá-
tica terapêutica na rede pública de saúde, em seus diferentes níveis. Aliada
à assistência em saúde mental desvinculada da atenção básica de cuidados
primários, que supervaloriza a internação psiquiátrica, a questão da
medicalização se agrava, pois se firma como o único recurso disponível
àqueles que necessitam desse tipo de cuidado e como recurso que se per-
petua na vida desses sujeitos, tornando-os dependentes de tais medicamen-
tos. A prescrição e o consumo excessivo de medicamentos psicotrópicos é,
pois, fenômeno presente no cotidiano dos serviços públicos de saúde, mas
não só em nossa realidade. Tal consumo está relacionado ao papel prepon-
derante exercido pela indústria farmacêutica na atenção à saúde, à força do
modelo biomédico ancorado na biologização do processo saúde/doença, às
concepções e práticas de saúde, bem como às demandas de felicidade ca-
racterísticas da modernidade, “concretizáveis” por meio dos medicamentos,
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especialmente os psicotrópicos.
Nota-se também o alto índice de internações em instituições psiquiátri-
cas entre os participantes, muitas de forma involuntária e sem comunicação
ao Ministério Público. Consideramos que uma internação se justifica somen-
te depois de esgotadas todas as tentativas terapêuticas e recursos extra-
hospitalares disponíveis na rede assistencial. Sabe-se que toda internação psi-
quiátrica involuntária deve, no prazo de 72, ser comunicada ao Ministério
Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento onde tenha
sido feita. Esse mesmo procedimento também deve ser adotado na ocasião
da alta. Ao Ministério Público Estadual, segundo o art. 10º da portaria nº 2391/
GM/2002, cabe instaurar uma Comissão Revisora das Internações Psiquiátricas
Involuntárias (IPI e IPVI), que deve iniciar o acompanhamento desses casos
no prazo de 72 horas após o recebimento da comunicação do fato. O órgão
deve emitir laudo de confirmação ou suspensão do regime de internação em
um período de sete dias. A Comissão deve ser formada por equipe
multiprofissional que deve conter, no mínimo, um psiquiatra ou clínico-geral
com habilitação em Psiquiatria (não pertencente ao corpo clínico do estabele-
cimento onde for feita a internação), um profissional de nível superior da área
de Saúde Mental (na condição anterior) e um representante do Ministério
Público Estadual. Essas revisões são permanentes e devem ser realizadas pe-
riodicamente, enquanto o paciente estiver internado (Inverso, 2005).
Sabe-se que tal prática não foi estabelecida em Natal. As internações
involuntárias são eventuais ocorrências na condução do tratamento psiquiá-
trico e, assim, não podem ser sumariamente condenadas. Entretanto, há
uma infinidade de aspectos médicos, jurídicos, éticos e sociais que as tor-
nam, muitas vezes, extremamente suscetíveis à violação de direitos huma-
nos e civis. Por isso, somente devem ser indicadas quando os recursos extra-
hospitalares se mostrarem insuficientes. Além disso, elas podem ocorrer nos
domicílios e em instituições não psiquiátricas que dispõem de leitos especí-
ficos para a saúde mental.
Entretanto, consideramos que a redução do número de internações psi-
quiátricas, que no Brasil representa um dos índices mais elevados de gastos
do Sistema Único de Saúde, possa ser efetivada com a inserção das equipes
de saúde nas comunidades, especialmente no Programa de Saúde da Famí-
lia. Entretanto, são poucos os estudos que tratam da questão de orientar o
trabalho das equipes em termos de problemas e necessidades de saúde da
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35 Magda Dimenstein, Yalle Fernandes dos Santos, Monique Brito, Ana Kalliny Severo, Clariana Morais

população, bem como do impacto das novas práticas de atenção e de cuida-


do à saúde na perspectiva da integralidade.
Alguns pontos importantes para essa reflexão são trazidos por Silva Jr.,
Merhy e Carvalho (2003), especialmente no plano micropolítico do cotidia-
no dos serviços, no qual é possível pensar a criação de novos modos de se
produzir saúde. Tais autores ressaltam três eixos norteadores: a capacidade
de ouvir o usuário e acolher sua demanda, a capacidade de articular conhe-
cimentos gerais e especializados na investigação dos problemas e a constru-
ção de projetos terapêuticos individualizados.
As estratégias substitutivas à internação podem ser os cuidados psiquiá-
tricos em hospitais gerais, em hospitais-dia, em residências terapêuticas, nos
CAPS com tratamento ambulatorial (sobretudo os atendimentos em grupo),
em oficinas terapêuticas etc. Além dessas possibilidades, deve-se investir no
atendimento domiciliar como estratégia extremamente importante e eficaz,
especialmente porque se trata de uma técnica presente no cotidiano das
equipes dos serviços de atenção primária à saúde. Além disso, observou-se
o percentual de usuários que se referiram à existência de transtorno mental
em membros de suas famílias, o que aponta para a necessidade de se traba-
lhar os espaços familiares, já que inexistem especialistas e/ou recursos para
tratar de muitas delas. Isso significa que a atenção familiar é uma estratégia
que precisa de maior atenção não só por reduzir e organizar a demanda de
usuários na unidade de saúde, mas por possibilitar a prática do acolhimento,
da escuta, entendidos enquanto encontro de subjetividades. A prática tam-
bém permite que a equipe possa captar a dinâmica familiar, conhecer mais
de perto os conflitos cristalizados e as dificuldades enfrentadas para o acolhi-
mento ao portador de transtorno mental.
Consideramos, tal como Romagnoli (2004), que o trabalho com as fa-
mílias possibilita romper com os fortes sentimentos de impotência e culpa
vividos pelas mesmas, tirando-as do isolamento, bem como captar as li-
nhas de forças, de ruptura com o estabelecido, de reprodução das rela-
ções, inaugurando novas formas de convivência, novos territórios existen-
ciais familiares, promovendo encontros que ativem a capacidade de criar
outras possibilidades de vida.
A utilização das equipes ligadas à atenção básica (entre as quais se situ-
am as do PSF), como estratégia de assistência à saúde mental no nível pri-
mário, não vem conseguindo oferecer atenção desse tipo à crescente de-
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manda de sujeitos que necessitam de cuidados, o que estimula a maior


procura pelos hospitais psiquiátricos. Tal situação, em parte, deve-se à falta
de capacitação das equipes, à dinâmica institucional, à organização do traba-
lho e estrutura dos serviços, mas também à dificuldade de sermos
“antimanicomiais até o último fio de cabelo” (LANCETTI, 2001, p. 41), ou
seja, de ativarmos a capacidade de
[...] percepção lúcida das formas de existência que a favorecem
ou não, a delimitação e a recusa conscientes das formas de agir e
existir empobrecedoras da vida social e opressora da subjetividade,
e finalmente, a recuperação do gosto pelo fato da vida ser, por
essência, perecível, renovável e variada, matéria plástica à
disposição do homem que se faz criador de si mesmo e de modos
mais solidários de convivência. (NORONHA, 2005, p. 1)

Outro ponto importante no que se refere ao tipo de atendimento é o


baixo índice de pessoas que são atendidas em serviços substitutivos. Conclui-
se que os serviços existentes são numericamente insuficientes e têm pouca
capacidade de absorção da crescente demanda, talvez pelo excessivo tempo
de utilização desses recursos, com insuficiente registro de altas. Esse fato im-
plica a produção de um tipo de atenção à saúde mental pouco diversificada
na rede, que se torna ineficiente para a produção de saúde no meio social do
indivíduo. Dessa forma, o tipo de cuidado que vem sendo produzido contrasta
com o proposto pela reforma psiquiátrica em dois de seus aspectos mais
fundamentais: a desconstrução de saberes e práticas restritas à mera
desospitalização e a produção de cuidados em núcleos de base comunitária,
na concretude cotidiana dos espaços por onde circula a loucura.
É preciso, dessa maneira, avançar mais na expansão da atenção na rede
básica e fortalecer o lugar do CAPS, por exemplo, como dispositivo transitório
que funciona preferencialmente na interface com a comunidade, potencializando
os recursos de suporte social existentes e promovendo a discussão da cultura
manicomial que perpassa os mais diferentes espaços de convívio.
Basaglia (AMARANTE, 1995), acreditava que a desmontagem do aparato
manicomial e do paradigma psiquiátrico clássico estava diretamente relacio-
nada à luta contra a desigualdade social, a exclusão das diferenças, a
marginalização da figura do louco associado ao perigo e à desordem social,
ou seja, ele partia do pressuposto de que as más condições de vida (a
pobreza, a miséria), o estado de degradação social e subjetiva em que vive
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uma população, eram fontes de mal-estar coletivo que, por sua vez, são
fonte de enfermidades, incluindo a loucura. Ele lutava pela produção de
novas formas de sociabilidade e reinvenção de práticas ancoradas numa
racionalidade solidária que se relaciona com o sofrimento e a diferença, sem
excluí-los da experiência existencial humana.
Em certo sentido, a proposta da atenção básica é produzir cuidados pri-
mários em saúde, construindo “uma nova ordem relacional, pautada no re-
conhecimento da alteridade e no diálogo” como afirma Deslandes (2004),
indicando que não se trata apenas de operacionalizar novos serviços, mas de
produzir relações, encontros, coletividades, territórios existenciais pautados
por novas sensibilidades. Sobre isso, Guattari (1993, p. 34) esclarece:
A suavidade é um dado imediato da subjetividade coletiva. Ela
pode consistir em amar o outro em sua diferença, em vez de tolerá-
lo ou estabelecer código de leis para conviver com as diferenças
de um modo tolerável. A nova suavidade é o acontecimento, o
surgimento de algo que se produz e que não é eu, nem o outro,
mas, sim, o surgimento de um foco enunciativo.

Trata-se, portanto, da instauração de processos micropolíticos cuja dimensão


ética é evidente, pois “o cuidado com a existência, própria e dos outros, passa
a ser orientado pelo desejo de reorganização de relações sociais caracterizadas
pela multiplicidade de forças e recursos acrescido do aumento na apreciação
dos diferentes modos de ser sujeito.” (NORONHA, 2005, p. 5).
Ou seja, se acionam movimentos de apreço à vida, ações no mundo,
cuja direção é subjetiva e social.
Por fim, podemos dizer que o que foi discutido até o momento reforça a
importância de um trabalho de análise e de integração dos cuidados em
saúde mental ao nível primário de assistência à saúde, com especial desta-
que às unidades de saúde da família. Assim, é necessário produzir, junto à
equipe de PSF, modos mais eficazes de efetuar a atenção integral, valorizan-
do o sujeito e seu sistema de relações sociais.
A partir desses dados pretendemos produzir uma reflexão junto às equi-
pes de PSF dos bairros pesquisados sobre os resultados da investigação, bem
como em termos da produção de cuidados em saúde mental com realização
de grupos focais.

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Agradecimentos

À equipe técnica, aos agentes comu-


nitários da Unidade de Saúde de
Nordelândia e às estagiárias do curso
de Psicologia da UFRN que partici-
param do início da coleta de dados e
nos ajudaram com o desenvolvimen-
to da pesquisa.

Artigo recebido em: 5/9/2005


Versão revisada para publicação recebida em: 20/9/2005
Aprovado para publicação em: 3/10/2005
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Demand for mental health in the Family Health Units

Abstract

Primary health care in the basic health units has become the ideal space for
mental health interventions. We conducted an investigation of the mental
health individuals that reside in the North Zone district in Natal. The criteria
to identify the participants were: that they made use of psychotropic
medication and that they had been released from a psychiatric hospital.
Among other aspects, we observed that there is a repressed demand for
mental health services, as evidenced by the high percentage of users that
did not have professional follow-up in the primary care service units; high,
constant, sometimes chronic use of benzodiazepinic agents, with no systematic
control by the health team; lack of demand for alternative services such as
the CAPS; the high number of cases of mental health problems in families
and of psychiatric hospitalizations, sometimes involuntary.

Key words

mental health; public health services; primary health care; PSF; psychotropic.

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