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Resumo
A atenção básica tem conquistado espaço privilegiado nas intervenções em saú-
de mental devido à possibilidade que oferece de superar o modelo psiquiátrico,
ainda hegemônico. Foi realizada uma investigação focalizada no histórico de aten-
ção em saúde mental dos moradores da zona norte de Natal, identificados pelos
critérios de “uso de medicação psicotrópica” e “egresso de hospital psiquiátrico”.
Observou-se a existência de demanda reprimida em saúde mental, por meio do
elevado percentual de usuários sem acompanhamento profissional nos serviços
de atenção primária; o uso constante e elevado de benzodiazepínicos com uso
crônico e sem acompanhamento sistemático por parte da equipe de saúde; pou-
ca procura dos serviços substitutivos como os do Centro de Atenção Psicossocial
- CAPS; elevado número de casos de transtorno mental nas famílias dos pacien-
tes, assim como de internações psiquiátricas, muitas das quais, involuntárias.
Palavras-chave
saúde mental; serviço público de saúde; atenção primária à saúde; Programa de
Saúde da Família - PSF; psicotrópico.
Metodologia
Resultados
predominante situa-se acima dos 30 anos (n = 30). Três mulheres têm idade
inferior a essa e uma não respondeu. Entre os homens, a faixa etária tam-
bém se concentra acima de 30 anos (n = 14). Dez participantes estão abaixo
dessa faixa etária e apenas uma pessoa não respondeu.
A maioria das mulheres (n = 19) é natural do interior do Rio Grande do
Norte, ao contrário dos homens que, em sua maioria (n = 16) é de Natal. Os
dados acerca da situação conjugal dos participantes demonstraram que 11
mulheres e 14 homens são solteiros, 14 mulheres e 10 homens vivem em
união consensual, seis mulheres e dois homens são divorciados, e três mulhe-
res viúvas. A média de filhos é de um a três entre homens e mulheres (n = 18
mulheres e n = 9 homens). Nove mulheres e três homens possuem mais de
quatro filhos. Observou-se que os participantes do sexo masculino, em sua
maioria, não possuem filhos (n = 13).
Quanto à escolaridade, a maior parte dos entrevistados possui o ensino fun-
damental incompleto (n = 20 mulheres; n = 17 homens). Em relação à ocupa-
ção, tanto na amostra feminina quanto na masculina há um grande número de
pessoas que não tem ocupação definida (n = 23 mulheres; n = 22 homens).
Dez mulheres e três homens trabalham e uma mulher e três homens não
responderam a esta questão. Dentre as 23 mulheres que não estão traba-
lhando, 13 já exerceram alguma profissão; entre os homens, apenas oito já
trabalharam. Entre as mulheres que possuem ocupação, encontram-se tam-
bém donas-de-casa.
A renda pessoal dos entrevistados se concentra na faixa de um a dois
salários mínimos mensais (n = 11 mulheres; n = 9 homens); entre eles, quatro
participantes têm renda pessoal menor que um salário mínimo. Poucos entre-
vistados têm renda superior a essa faixa: um deles declarou receber de um a
três salários mínimos e outro, de três a quatro salários. Os que não têm renda
somam 19 pessoas, enquanto 14 não responderam às questões.
Dois participantes relataram morar sozinhos, 12 moram com cônjuge e
filhos, nove participantes vivem com pai, mãe e irmãos e dois não especifi-
caram. Entretanto, percebeu-se que a maior parte das pessoas (n = 33) vive
em configurações familiares complexas e variadas, que incorporam paren-
tes e amigos. Dos entrevistados, 45 têm moradia própria, 11 moram em
imóveis alugados e três moram em residências cedidas por outrem.
Em relação ao recebimento de benefícios, 36 participantes afirmaram
não tê-los e 23 disseram receber pensão ou aposentadoria ou o benefício do
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32 Magda Dimenstein, Yalle Fernandes dos Santos, Monique Brito, Ana Kalliny Severo, Clariana Morais
programa bolsa-família.
A maioria dos entrevistados (n = 40) registrou a existência de casos de
transtorno mental na família. Dezoito afirmaram não apresentar o problema
e um respondeu não saber. O grau de parentesco dos que responderam ter
caso desse transtorno na família concentrou-se nos irmãos (n = 15), seguido
de primos (n = 11), pai e mãe (n = 8), tios (n = 6), avós e filhos (n = 5) e, por
fim, cônjuge (n = 13).
Quanto ao histórico medicamentoso, observou-se que a maioria dos en-
trevistados (n = 50) faz uso de psicotrópicos (n = 31 mulheres e n = 19
homens) e nove não o fazem (n = 3 mulheres e n = 6 homens). O período
de utilização dos medicamentos varia de menos de um ano a mais de 30
anos. Percebeu-se que entre as mulheres, a maioria faz uso de psicotrópicos
durante o período de um a cinco anos (n = 9) e a segunda maior parte
registra de 21 a 30 anos de consumo (n = 8). A maior parte dos homens
utiliza psicotrópicos por um período de um a cinco anos.
Os medicamentos psicotrópicos mais utilizados pelos participantes são:
Diazepan, Gardenal, Haldol e Amplictil, que são indicados para tratar os
sintomas de depressão, epilepsia, deficiência mental (citados pelos homens)
e nervosismo, insônia, sintomas psicomotores (rigidez da musculatura e tre-
mores) e convulsões (citados pelas mulheres).
Os psicofármacos, em sua maioria, são receitados por psiquiatras (n = 29),
clínicos gerais (n = 13), pediatras (n = 5) e neurologista (n = 1). Dois entrevis-
tados não informaram por quem eles foram receitados. As receitas dos medi-
camentos são válidas, em média, por períodos de dois a três meses. Os princi-
pais pontos de aquisição das receitas são hospitais psiquiátricos (n = 16),
posto de saúde (n = 11), a pastoral (n = 6), hospitais gerais (n =13), Caps
(n = 1) e hospital-dia (n = 1). Apenas dois participantes não responderam
a questão. Os entrevistados relataram renovar suas receitas em postos de
saúde (n = 16), em hospital psiquiátrico (n = 9), na pastoral (n = 6), em
hospitais gerais (n = 8) e no Caps (n = 1). Dez entrevistados não deram
informações sobre esse item.
A maioria dos participantes procurou ajuda logo após o aparecimento
dos sintomas. Os principais lugares procurados foram os hospitais gerais e,
em segundo lugar, os usuários recorreram principalmente aos hospitais psi-
quiátricos (n = 15) e ao posto de saúde (n = 13). Destaca-se o baixo percentual
de busca pelos serviços substitutivos: apenas dois usuários buscaram atendi-
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Demanda em saúde mental em Unidades de Saúde da Família 33
n = 17), seguido pelo clínico geral (23,7%, n = 9), além de psicólogo (três),
neurologista (um), pediatra (um), fonoaudiólogo (um), e profissionais do
Centro de Reabilitação Infantil (dois) e Caps (um). Para 13 participantes,
esse acompanhamento esteve restrito a uma visita ao médico para renova-
ção da receita.
especialmente os psicotrópicos.
Nota-se também o alto índice de internações em instituições psiquiátri-
cas entre os participantes, muitas de forma involuntária e sem comunicação
ao Ministério Público. Consideramos que uma internação se justifica somen-
te depois de esgotadas todas as tentativas terapêuticas e recursos extra-
hospitalares disponíveis na rede assistencial. Sabe-se que toda internação psi-
quiátrica involuntária deve, no prazo de 72, ser comunicada ao Ministério
Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento onde tenha
sido feita. Esse mesmo procedimento também deve ser adotado na ocasião
da alta. Ao Ministério Público Estadual, segundo o art. 10º da portaria nº 2391/
GM/2002, cabe instaurar uma Comissão Revisora das Internações Psiquiátricas
Involuntárias (IPI e IPVI), que deve iniciar o acompanhamento desses casos
no prazo de 72 horas após o recebimento da comunicação do fato. O órgão
deve emitir laudo de confirmação ou suspensão do regime de internação em
um período de sete dias. A Comissão deve ser formada por equipe
multiprofissional que deve conter, no mínimo, um psiquiatra ou clínico-geral
com habilitação em Psiquiatria (não pertencente ao corpo clínico do estabele-
cimento onde for feita a internação), um profissional de nível superior da área
de Saúde Mental (na condição anterior) e um representante do Ministério
Público Estadual. Essas revisões são permanentes e devem ser realizadas pe-
riodicamente, enquanto o paciente estiver internado (Inverso, 2005).
Sabe-se que tal prática não foi estabelecida em Natal. As internações
involuntárias são eventuais ocorrências na condução do tratamento psiquiá-
trico e, assim, não podem ser sumariamente condenadas. Entretanto, há
uma infinidade de aspectos médicos, jurídicos, éticos e sociais que as tor-
nam, muitas vezes, extremamente suscetíveis à violação de direitos huma-
nos e civis. Por isso, somente devem ser indicadas quando os recursos extra-
hospitalares se mostrarem insuficientes. Além disso, elas podem ocorrer nos
domicílios e em instituições não psiquiátricas que dispõem de leitos especí-
ficos para a saúde mental.
Entretanto, consideramos que a redução do número de internações psi-
quiátricas, que no Brasil representa um dos índices mais elevados de gastos
do Sistema Único de Saúde, possa ser efetivada com a inserção das equipes
de saúde nas comunidades, especialmente no Programa de Saúde da Famí-
lia. Entretanto, são poucos os estudos que tratam da questão de orientar o
trabalho das equipes em termos de problemas e necessidades de saúde da
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uma população, eram fontes de mal-estar coletivo que, por sua vez, são
fonte de enfermidades, incluindo a loucura. Ele lutava pela produção de
novas formas de sociabilidade e reinvenção de práticas ancoradas numa
racionalidade solidária que se relaciona com o sofrimento e a diferença, sem
excluí-los da experiência existencial humana.
Em certo sentido, a proposta da atenção básica é produzir cuidados pri-
mários em saúde, construindo “uma nova ordem relacional, pautada no re-
conhecimento da alteridade e no diálogo” como afirma Deslandes (2004),
indicando que não se trata apenas de operacionalizar novos serviços, mas de
produzir relações, encontros, coletividades, territórios existenciais pautados
por novas sensibilidades. Sobre isso, Guattari (1993, p. 34) esclarece:
A suavidade é um dado imediato da subjetividade coletiva. Ela
pode consistir em amar o outro em sua diferença, em vez de tolerá-
lo ou estabelecer código de leis para conviver com as diferenças
de um modo tolerável. A nova suavidade é o acontecimento, o
surgimento de algo que se produz e que não é eu, nem o outro,
mas, sim, o surgimento de um foco enunciativo.
Referências
SILVA JR., Aloísio Gomes; MERHY, Emerson; ELIAS, & CARVALHO, Luis Clau-
dio. Refletindo sobre o ato de cuidar da saúde. In: PINHEIRO, Roseni &
MATTOS, Rubem A. (Orgs.). Construção da Integralidade: cotidiano, saberes
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SPECTOR, Rachel. Cultura, Cuidados de Salud y Enfermería. Cultura de los
Cuidados. Universidad de Alicante - Espanha, ano III, n. 6, p. 66-72, 1999.
TEIXEIRA, Ricardo Rodrigues. Humanização e atenção primária à saúde. Ci-
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TRAD, Leny Alves Bonfim e Bastos; DE SOUSA, Ana Cecília. O Impacto
Sócio Cultural do Programa de Saúde da Família (PSF): uma Proposta de
Avaliação. Cadernos de Saúde Pública, FIOCRUZ. Rio de Janeiro, v. 14, n. 2,
p. 429-435, 1998.
Agradecimentos
Abstract
Primary health care in the basic health units has become the ideal space for
mental health interventions. We conducted an investigation of the mental
health individuals that reside in the North Zone district in Natal. The criteria
to identify the participants were: that they made use of psychotropic
medication and that they had been released from a psychiatric hospital.
Among other aspects, we observed that there is a repressed demand for
mental health services, as evidenced by the high percentage of users that
did not have professional follow-up in the primary care service units; high,
constant, sometimes chronic use of benzodiazepinic agents, with no systematic
control by the health team; lack of demand for alternative services such as
the CAPS; the high number of cases of mental health problems in families
and of psychiatric hospitalizations, sometimes involuntary.
Key words
mental health; public health services; primary health care; PSF; psychotropic.