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Coelho Bravo
Autor: Diogo Fontes
Co-Autor: Diogo Fontes, Carla Azevedo - Médicos Veterinários
04-09-2006 11:00:00
Em Portugal e Espanha, o coelho bravo é uma das espécies cinegéticas de maior interesse (se
não mesmo a mais popular), mas é também um elemento chave dos ecossistemas
mediterrâneos pois é presa de pelo menos 27 aves de rapina, 11 espécies de carnívoros e 2
espécies de serpentes, onde se destacam as espécies emblemáticas do lince ibérico (Linx
pardinus) e a águia imperial (Aquila adalberti), ambas em vias de extinção, em parte devido à
diminuição da sua presa principal, o coelho.
Este declínio foi o resultado de um conjunto de factores tais como: perda de habitat e sua
fragmentação devido a práticas desajustadas na pecuária, agricultura e silvicultura,
desertificação do mundo rural, incêndios florestais, caça excessiva e principalmente, surtos de
doença (Mixomatose e DHV).
Este artigo pretende ser um alerta, nomeadamente a todos os caçadores e gestores de zonas
cinegéticas para o conhecimento de algumas das principais doenças que afectam o coelho
bravo no sentido de evitar o desaparecimento desta espécie cinegética dos nossos campos,
não dispensando a consulta de bibliografia mais detalhada.
MIXOMATOSE
Trata-se de uma doença vírica altamente contagiosa causada por um vírus originário do
continente americano (família Poxviridae) em que o coelho selvagem americano (género
sylvilagus) e a lebre são resistentes à doença mas portadores do vírus. Contudo, quando
infectados, o coelho bravo e as raças domésticas que dele derivam, desenvolvem uma doença
quase sempre fatal num prazo de 6 a 15 dias.
O vírus é transmitido por via directa através do contacto com coelhos doentes, ou por via
indirecta através de vectores artrópodes como mosquitos, pulgas, carraças ou piolhos, em
cujos aparelhos bucais o vírus se aloja sem no entanto se replicar. A transmissão pode
também ocorrer através de vectores mecânicos como jaulas, agulhas, comedouros, alimentos
contaminados por excreções e exsudados naso-lacrimais.
A Mixomatose está sujeita a surtos epidémicos anuais, dependendo do clima, da região, da
quantidade e tipo de insecto vector presente, logo os meses mais quentes e húmidos
(Primavera, Verão e Outono) são os períodos de maior risco.
As principais manifestações clínicas e lesionais da Mixomatose podem surgir sob duas formas
clínicas:
Também designada por septicemia vírica ou peste chinesa, foi detectada pela primeira vez na
China em 1984, disseminando-se rapidamente na Europa a partir de 1988. Actualmente a DHV
é considerada a principal responsável pela elevada mortalidade do coelho bravo na Península
Ibérica, contribuindo para o desequilíbrio do ecossistema mediterrâneo, nomeadamente sobre
as espécies predadoras do coelho bravo.
É uma doença altamente contagiosa provocada por um vírus do género Calicivirus, com taxas
de mortalidade de 50 a 100 %, afectando o coelho bravo europeu e os coelhos domésticos que
dele derivam. A lebre europeia (Lepus sp.) e outras espécies de coelho não padecem desta
doença.
A transmissão ocorre mediante contacto directo com coelhos infectados (via oral, conjuntival e
respiratória) e também por transmissão indirecta, onde insectos, aves e mamíferos podem
actuar como vectores importantes. O homem pode também desempenhar um papel
involuntário importante na disseminação da doença, nomeadamente na realização de
repovoamentos com animais infectados.
O sinal clínico mais evidente é a morte súbita e rápida (período de incubação de 24-48 horas)
dos coelhos adultos e jovens adultos, não afectando coelhos com idade inferior a 2-3 meses.
Alguns animais podem apresentar sangue espumoso no nariz, edema, hemorragia e congestão
da traqueia e pulmão, fígado, baço, coração e tecido linfático.
É um vírus muito resistente no meio ambiente, podendo permanecer na matéria orgânica dos
campos 105 a 225 dias, resistindo à congelação, a temperaturas elevadas (uma hora a 50°c) e
a pH baixo.
O vírus é sensível a hidróxido de sódio 10% (soda caustica), formol 1,4 % e hipoclorito de sódio
10% (lixívia).
VACINAÇÃO ACTUAL
Existe na actualidade várias vacinas comerciais para a Mixomatose e a DHV, onde apenas são
permitidas em países com elevadas taxas de prevalência destas doenças, como é o caso de
Portugal e Espanha. Estas vacinas são usadas nomeadamente nas cuniculturas (onde se inclui
a criação de coelho bravo em cativeiro) e nos coelhos domésticos, possibilitando uma
protecção imunitária na ordem dos 100% nestes coelhos.
Existem dois tipos de vacina para a Mixomatose: as vacinas homólogas, preparadas a partir de
estirpes atenuadas vivas deste vírus ou as vacinas heterólogas, ou seja a partir do vírus do
Fibroma de Shope (vírus semelhante ao vírus da Mixomatose, mas que apenas afecta a lebre e
não o coelho, mas induz uma excelente resposta imunitária). Esta última vacina feita a partir do
vírus do Fibroma de Shope é em termos de biosegurança a mais indicada para os coelhos
bravos de cativeiro, pois a outra vacina feita a partir de estirpes atenuadas (mas vivas) do
mixovírus, está completamente contra-indicada a sua utilização em meios infectados!
As vacinas disponíveis para a DHV, são obtidas a partir de triturado de fígado de animais
infectados experimentalmente, purificada, onde depois o vírus é inactivado.
No entanto estas vacinas são ineficazes para o controle destas doenças nas populações
cinegéticas por razões óbvias que aqui vamos enumerar:
1. Requerem uma administração individualizada para cada animal e para cada doença;
2. Não existe qualquer transmissão horizontal coelho-coelho;
3. Não existe qualquer transmissão vertical de imunidade coelha-láparos;
4. Necessitam de revacinações mínimas de 6 em 6 meses;
5. Necessitam que os coelhos a vacinar estejam em boas condições higiénicas, livres de
parasitas e de qualquer doença, e que não sejam submetidos a qualquer tipo de stress,
a fim de assegurar uma boa resposta imunitária.
Como se compreende, este tipo de vacinas é inviável para vacinação da população silvestre,
mas extremamente útil para os coelhos de repovoamentos.
Os resultados deste projecto permitiram seleccionar uma estirpe (estirpe 6918) do mixovírus “in
vivo” (dos campos cinegéticos infectados), com baixa mortalidade e morbilidade, mas com uma
boa capacidade de transmissão coelho-coelho. Após seleccionada esta estirpe, através de
engenharia genética, foi inserido nesta estirpe de mixovírus a sequência genética que codifica
uma proteína estrutural do vírus DHV (proteína VP60). Esta proteína viral, revelou-se ser
altamente imunogénica, sendo capaz de produzir imunidade total frente a doses letais do vírus
DHV.
Concluindo, construiu-se uma vacina com um vírus recombinante denominado Mixoima 6918-
VP60, capaz de proteger os coelhos vacinados frente à Mixomatose e a DHV, transmitindo-se
também de forma eficaz de coelho recém-vacinado para coelhos sãos.
No entanto este tipo de vacina tem de obedecer a uma série de requisitos relacionados com a
biosegurança. Assim, com a autorização da Comissão de Biosegurança e da Agência do
Medicamento Espanhol, foi levado a cabo uma série de ensaios desta vacina recombinante em
condições naturais, nomeadamente no que respeita:
Assim foi autorizada a utilização experimental desta vacina na ilha de Aire em Menorca, onde
estavam recenseados uma população de 300 coelhos, tendo sido vacinados cerca de 75
destes. Concluiu-se que todos os coelhos vacinados adquiriram uma boa imunidade frente a
estas doenças e que 45% dos coelhos desta colónia possuíam anticorpos vacinais. Inclusive,
durante esta experiência, surgiu um surto de mixomatose, onde sobreviveram cerca de 75% da
colónia.
Nestes ensaios mostrou-se que a transmissão da vacina 6918-VP60 dá-se por contacto directo
entre os coelhos mas também através das pulgas e outros insectos, mas apenas durante os
primeiros oito dias após a vacinação, transmitindo-se a cerca de 50% dos coelhos próximos
aos coelhos inoculados e destes 50%, apenas transmitiram o vírus vacinal a 10% dos coelhos
que contactaram. Ou seja, o vírus vacinal é auto-limitante, pois a capacidade de transmissão
vai-se perdendo de coelho para coelho, o que torna a vacina ainda mais segura.
A conclusão global destes ensaios preliminares mostra que esta vacina 6918-VP60 é segura e
respeita os principais requisitos de biosegurança. Assim com base nestes resultados
promissores e cientificamente validados na comunidade científica, levou a que o INIA-Ministério
Ciência e Tecnologia de Espanha apresentasse uma patente nacional e internacional, onde foi
solicitado à Agência Europeia do Medicamento (EMEA), organismo onde a nova vacina irá ser
avaliada e autorizada a sua comercialização e uso nos programas de recuperação do coelho
bravo, já que se trata de uma vacina geneticamente modificada a partir de um organismo vivo.
Até agora apenas existe uma vacina deste género autorizada pela EMEA, para a doença de
Aujeszky nos suínos. Também existem algumas pressões internacionais contra a
comercialização da vacina, nomeadamente da Austrália, que introduziu propositadamente a
Mixomatose para controlo da proliferação dos coelhos, onde estes são considerados uma
praga.
Gostaríamos de acrescentar que a utilização desta nova vacina, apesar de ser uma ferramenta
essencial na luta para a recuperação do coelho bravo, não será a solução milagrosa de todos
os problemas do coelho. Será necessário a contribuição de todos os agentes ligados à caça
(cientistas, técnicos especializados, instituições, gestores cinegéticos, caçadores,
ambientalistas, etc) de modo a criar uma correcta política de recuperação do nosso coelho
bravo.
Como já foi referido anteriormente, ainda não está disponível uma vacina que proteja os
coelhos silvestres, no entanto existe uma série de medidas que podemos e devemos realizar
na gestão cinegética do coelho de modo a minimizar os efeitos nefastos destas doenças.
Assim recomendamos as seguintes medidas: