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Segundo Stengers, estas definições estão entrelaçadas, em tensão, definindo-se sempre contextualmente. Em
suas palavras: “não se trata de identificar nômades e sedentários, mas sim, com relação a cada interação dada,
de identificar um contraste em que a inclinação não exceda essa interação” (STENGERS, 1999, p. 99). Quem
aparece como sedentário (não moderno) em uma interação pode ser considerado nômade (moderno) em outros
espaços.
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Esse processo mobilizador não se restringiria ao âmbito dos laboratórios científicos,
mas estende-se para a criação de um mundo que se interesse por aquilo que os cientistas
fazem. Essas estratégias conduzidas pelos cientistas são exemplificadas por Stengers por meio
da retomada da narrativa desenvolvida por Latour sobre o trabalho de um cientista, diretor de
um laboratório em que se identifica um hormônio denominado pandorina (STENGERS,
2002).
Segundo Stengers, a pandorina não existe anteriormente às negociações, promessas e
viagens do cientista-chefe de laboratório, que busca arregimentar o maior número de aliados
possíveis para “fazê-la” existir, acreditando, financiando e apoiando suas pesquisas. No
entanto, a existência da pandorina não depende apenas das estratégias conduzidas pelo
cientista, mas igualmente da sua confrontação com testes severos. A estabilidade social e
natural da pandorina permite que ela seja considerada um “fato”, uma “verdade”, ou, ainda,
“aquilo que conta”, que condena ao mesmo tempo outros saberes como ilegítimos, irracionais
e “fadados a desaparecer” (STENGERS, 2002).
Essa mobilização de elementos conduzida pelos cientistas em uma rede de alianças
locais afirma um poder de “falar” no lugar de outro saber que se cala. Aquilo que não pode ser
verificado, manipulado nos termos padronizáveis dos laboratórios – que separaria humanos e
não humanos, verdade e política – é ignorado. O “erro”, a “irracionalidade” é produto da rede
e aparece nos momentos em que cessam as negociações, em que as “palavras são dirigidas a
atores definidos como ‘incompetentes’, aqueles de quem se fala, aqueles sobre cujas crenças,
temores, exigências se especula, porém no sentido em que são definidos como
‘influenciáveis’, alvo de estratégias e não protagonistas de uma estratégia” (STENGERS,
2002, p. 164). Portanto, aqui se instala um problema político, social e cultural de exclusão de
atores considerados “desqualificados”, disponíveis à ciência em nome do progresso. Ainda
nas palavras da autora:
Enquanto as casas dos dois primeiros porquinhos, feitas de palha ou de galhos secos,
constituem apenas soluções fictícias diante da necessidade de “estar protegido”, e
não irão resistir à prova concreta que fará o lobo mau “verdadeiramente” entrar em
ação, a casa do terceiro porquinho, de tijolo e cimento, “resiste de verdade”. Não se
trata, portanto, de se abandonar à ironia relativista que, remetendo toda diferença à
ficção, nos estimula a esquecer que o lobo não está submetido às nossas ficções, ou
seja, a esquecer que nossas práticas devem enfrentar uma realidade que, como o
lobo, as põe efetivamente à prova. Entretanto, antes de ouvir os experts que
discutirão tijolos e cimento, é necessário poder questionar o que a solução tijolos e
cimento considera incontestável, o que a história dos três porquinhos, como história
moral, tem como certo. Não teria sido possível criar outras relações com o lobo? De
que depende a definição do lobo como ameaça, isto é, a definição do problema como
“problema de proteção”? (STENGERS, 2002, p. 210).
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Assim, o Parlamento das Coisas, que não seria moral no sentido de definir uma
“causa” mais digna de ser levada em conta (a solução tijolos e cimento), faria proliferar
distintas interpretações a respeito do problema (o lobo). Aqui, outros lobos são possíveis,
talvez menos destruidores, menos ameaçadores, o que implicaria na possibilidade de
encontrar outras soluções. Desta maneira, Stengers não julga a crença em uma verdade
objetiva, já que é herdeira desta, mas busca meios para a “civilizar”, para que essa crença
possa conviver com aquilo que ela não é, para que possa também ser reinventada com outros
dados, “outras maneiras de colocar os problemas, avaliar as consequências, inventar os
significados” (STENGERS, 2002, p. 217).
Assim, abre-se espaço para ouvir outras vozes que, se contassem, fariam com que
novas articulações fossem possíveis. Nessa imagem, os cientistas não são mais juízes,
representantes legítimos dos fatos, capazes de julgar e desqualificar outros saberes em nome
do progresso. A autonomia da ciência, que a erige em representante legítimo da “natureza”, é
questionada pela autora por meio da modificação do sentido da distinção entre sujeito e objeto
– fruto da Grande Separação –, enfatizando a potencialidade do objeto de pôr à prova o
sujeito. As questões formuladas pelos cientistas interessariam de modos distintos, tanto a eles
quanto ao seu universo pesquisado. O que anteriormente era definido como “objeto de
pesquisa”, intervém ativamente nos resultados da prática científica, por meio de
questionamentos como: “o que este cientista quer de mim?”, recursos de especulação e
autoprodução. “O ‘objeto’, aqui, olha, escuta e interpreta o ‘sujeito’” (STENGERS, 2002, p.
198).
A proposta cosmopolítica de Stengers e seu questionamento a respeito da separação
entre sujeito e objeto de pesquisa é retomada por Donna Haraway em seu artigo intitulado A
partilha do sofrimento: relações instrumentais entre animais de laboratório e sua gente, onde
a autora irá problematizar as relações estabelecidas entre aqueles definidos como humanos –
os cientistas – e não humanos – ratos, camundongos e outros seres que habitam os
laboratórios. Haraway considera que os animais devem ser vistos como respondentes das
perguntas que lhes são feitas pelos cientistas. O reconhecimento de “resposta” dos animais
poderia “ajudar a combater as máquinas de matar”, construindo novas considerações sobre a
vida e a morte humana e de animais, em que “não tornarás matável” passa a ser importante,
em vez de “não irás matar” (HARAWAY, 2011).
Seguindo a imagem cosmopolítica introduzida por Stengers e recuperada por
Haraway, percebemos uma redefinição não apenas do papel do cientista experimental, mas
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igualmente do sociólogo engajado nos estudos em ciência: não se trata de analisar
causalidades sociais ou naturais que supostamente interferem no conteúdo do conhecimento,
mas acompanhar o processo de produção ou invenção deste, como já havia sido proposto por
Latour. Trata-se de “seguir aqueles que se ativam, especulam, se sujeitam a constrangimentos
a que atribuem significações interessantes”, mapeando os seres humanos e não humanos
envolvidos e suas formas de agenciamentos, observando como as redes são mobilizadas,
mantidas ou desfeitas (STENGERS, 2003, p. 142).
Considerações finais
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REFERÊNCIAS
STENGERS, I. A invenção das ciências modernas. São Paulo: Editora 34, 2002.