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Coordenação Editorial
Irm ã Jacin ta Tu rolo Garcia

Assessoria Administrativa
Irm ã Teresa An a Sofiatti

Assessoria Comercial
Irm ã Áu rea de Alm eida Nascim en to

Coordenação da Coleção História


Lu iz Eu gên io Véscio
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(1968

Maria Aparecida de Aquino


Ru a Irm ã Arm in da, 10-50
17044-160 - Bau ru - SP
Tel.: (14) 235-7111 - Fax: (14) 235-7219
e-m ail: edu sc@u sc.br

A657c
Aqu in o, Maria Aparecida de
Cen su ra, Im pren sa e Estado au toritário
(1968-1978): o exercício cotidian o da dom i-
n ação e da resistên cia: O Estado de São Pau lo e
Movim en to/ Maria Aparecida de Aqu in o. --
Bau ru : EDUSC, 1999.
270p.; 23cm .

ISBN 85-86259-94-2

1. Govern o e Im pren sa - Brasil-Brasil.


2. Liberdade de Im pren sa-Brasil. I. Títu lo.
II. Série.

CDD-079.81

Copyright © 1999 EDUSC


Ao Elpídio, com quem partilho este trabalho, com amor.

In memorian, ao reverendo Jaime Wright, exemplo de luta


generosa na defesa dos Direitos Humanos.
Cartaz da peça Mortos Sem Sepu ltu ra, de Jean-Paul Sartre, encenada em São Paulo, em
1977, com a inscrição "Uma discussão sobre a psicologia do torturador e do torturado”,
vetado em Movimento, SP, n.º 116.
Qu an do u m m u ro separa, u m a pon te u n e.
Se a vin gan ça en cara, o rem orso pu n e.
Você vem m e agarra, algu ém vem e m e solta.
Você vai n a m arra, ela u m dia volta.
E se a força é tu a, ela u m dia é n ossa.
Olh a o m u ro! Olh a a pon te!
Olh a o dia de on tem ch egan do...
Qu e m edo você tem de n ós!
Olh a aí...

Você corta u m verso, eu escrevo ou tro.


Você m e pren de vivo, eu escapo m orto.
De repen te...
Olh a eu de n ovo!
Pertu rban do a paz, exigin do o troco.
Vam os por aí, eu e m eu cach orro.
Olh a o verso, olh a o ou tro,
Olh a o velh o, olh a o m oço ch egan do...
Qu e m edo você tem de n ós!
Olh a aí...

O m u ro caiu . Olh a a pon te!


Da liberdade, gu ardiã.
O braço do Cristo, o h orizon te,
Abraça o dia de am an h ã.
Olh a aí...

Pesadelo , Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro


SUMÁRIO

13 Prefácio

15 Apresen tação

21 In trodu ção

37 O Jorn al O Estado de São Paulo: Um Liberal Con victo

119 O Sem an ário Movim en to: Dem ocracia, Nacion alism o e


os In teresses Popu lares

205 Relações en tre o Estado Au toritário, a Cen su ra e a


Im pren sa Escrita

255 Considerações finais

259 Bibliografia
P re fácio

H ISTÓRIA D E JORN A L, JORN A L D A HISTÓRIA : OS


A N OS D E CHUMBO
Alberto Dines
A tan gên cia é clara. O pon to on de acaba o jorn alism o e com eça a
h istoriografia situ a-se n a esfera da ótica: perspectiva. É tam bém qu estão
de esm ero. Um laço a m ais, n a vin cu lação de acon tecim en tos e perso-
n agen s, faz da reportagem História.
Relação era com o design avam -se as crôn icas detalh adas dos fatos
passados. Relatar tem a m esm a origem . História e jorn alism o relacion am
e relatam circu n stân cias. Com prom issos e deveres idên ticos, as técn icas
n ão diferem m u ito: a diferen ça reside n a en ton ação do qu e é reportado
ou relatado. E n a am plitu de da relação.
O fato de ser periódico n ão tira do jorn alism o a su a peren idade,
n em o propósito alargado con fere au tom aticam en te à obra h istórica o
diplom a de defin itiva. Um n ovo depoim en to revelado n o dia segu in te, ou
o docu m en to in édito localizado u m an o m ais tarde, podem alterar radi-
calm en te a im agem e o sen tido de fatos ou situ ações tidos com o in a-
baláveis.
Esta trepidan te Era da In form ação, an tevéspera da Era do
Con h ecim en to, apesar da aparên cia caótica, tem o m érito de relativizar e
torn ar perecíveis n ossas percepções do qu e é in tocável e acabado. E ofe-
rece u m desafio igu al para jorn alistas e h istoriadores.
Na h istória do jorn alism o, a aproxim ação en tre os dois tipos de
relato fica ain da m ais clara. Ou (se qu iserm os desen volver o paradoxo),
m ais con fu sa. Costu rar e in terpretar o relato in term iten te das edições é
tarefa para h istoriadores ou jorn alistas?
A professora Maria Aparecida de Aqu in o con torn ou brilh an te-
m en te o dilem a. Historiadora social, m as visivelm en te in clin ada para o
jorn alism o, escapou da estreiteza da con ju n ção altern ativa (ou) e apostou
n a providen cial com bin ação oferecida pela con ju n ção aditiva (e). Este seu
trabalh o sobre a segu n da fase da ditadu ra m ilitar (1968-1978) é h istória
de jorn al e jorn al da h istória.
O cotidian o n u m jorn alão (O Estado de S. Paulo) e n u m sem an ário
altern ativo (Movimento), du ran te a fase m ais agu da da cen su ra, pode ser
visto com o u m caso de estu do sobre o au toritarism o e tam bém com o fla-
gran te de dois tipos de resistên cia. É tam bém o retrato de u m a sociedade
con viven do com a m en tira.

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Os An os de Ch u m bo têm sido in su ficien tem en te estu dados n a
academ ia e estão sen do in su ficien tem en te pau tados n as redações. Razão
pela qu al volta e m eia som os su rpreeen didos com revelações sobre o qu e
ocorreu du ran te aqu eles 21 an os e seu s an teceden tes.
Tam bém perm an ecem os desaten tos às con seqü ên cias e seqü elas
daqu ele período de exceção germ in an do até h oje n os com portam en tos
pessoais, códigos de con du ta e in stitu ições. A repressão política e m ilitar
deixou m arcas n as su as vítim as. O processo psicológico da iden tificação
com o adversário, pertu rbador e n o en tan to tão real, tam bém ocorreu
en tre n ós. A abom in ável ditadu ra acabou sen do assim ilada, ain da está à
n ossa volta. Razão pela qu al o estu do do au toritarism o pressu põe u m a
atitu de an ti-au toritária, lim in ar e cabal. Com o a qu e foi precon izada e
person alizada por Han n ah Aren dt.
O saber deve desagu ar n u m com prom isso existen cial e ético coe-
ren te e con seqü en te. O estu do da in tolerân cia n ão se faz in vitro.
Com preen de u m a disposição ín tim a de com batê-la.
Maria Aparecida de Aqu in o estu dou com afin co e brilh o a
repressão política tan to n a su a dissertação de Mestrado com o n a su a tese
de Dou torado. Im portan te con sign ar, igu alm en te, qu e sou testem u n h a e
ben eficiário da su a seren a coragem em en fren tar a arrogân cia e a
in ju stiça.

Alberto Dines
São Pau lo, Ju n h o de 1999.

14
A PRESEN TA ÇÃ O

O trabalho que ora apresentamos ao leitor foi fruto de uma pesqui-


sa desenvolvida na área de história social, no programa de pós-graduação,
do Departamento de História da FFLCH/USP e defendida, sob a forma de
dissertação de mestrado, em dezembro de 1990.
Na realidade, as preocu pações com a qu estão da cen su ra à im pren -
sa n o Brasil apareceram , com o u m a in qu ietação acadêm ica ain da, du ran -
te o cu rso de gradu ação em História, n o in ício dos an os de 1970. A opor-
tu n idade da realização de u m a pesqu isa aos jorn ais do Segu n do Rein ado
m e fez ch egar a u m a con statação in teressan te. Du ran te o govern o de D.
Pedro II, em con traste com a rígida cen su ra viven ciada pelo país n aqu ele
m om en to, parecia rein ar gran de liberdade de expressão, o qu e ch egava
ao extrem o de expor ao ridícu lo a própria figu ra do im perador. Ato con -
tín u o, a partir desse in stan te n ão m ais pu de deixar de refletir sobre essas
du as gran des paixões descobertas: a pesqu isa en focan do a im pren sa com o
docu m en tação privilegiada, e o desven dar do caráter da cen su ra a órgão
de divu lgação du ran te o regim e m ilitar.
Os an os dedicados ao estu do do regim e m ilitar 1 fizeram -m e com -
preen der qu e, n o período de 1964 a 1985, os m ilitares tiveram am pla
preocu pação com o ch am ado setor de in form ações.
De u m lado, procu raram arm ar-se de vasto m aterial, coletan do in -
form ações sobre a sociedade com o u m todo, a partir de variados órgãos do
aparato repressivo: o Serviço Nacion al de In form ações (SNI) e su as ram i-
ficações region ais, as Segu n das Seções (de In form ações) das Forças Arm a-
das, O Cen tro de In form ações do Exército (CIE), o Cen tro de In form ações
da Aeron áu tica (CISA), o Cen tro de In form ações da Marin h a (CENIMAR),
o(s) DOI/ CODI(s) (Departam en to de Operações de In form ações - Cen tro
de Operações de Defesa In tern a) e os DOPS (Departam en to de Ordem Po-
lítica e Social) estadu ais. Esse form idável in stru m en tal repressivo objetiva-
va o exercício de u m a vigilân cia cerrada sobre todos os setores da socieda-
de, visan do detectar e pu n ir toda e qu alqu er ten tativa explícita ou im plí-
cita de “su bversão” à ordem in stau rada.
Por ou tro lado, a preocu pação dos govern os m ilitares, a partir de
1964, atin giu a ou tra face da m esm a m oeda do setor de com u n icação so-
cial: a in form ação veicu lada aos cidadãos. En carava-se com o n ecessário o
con trole da in form ação a ser divu lgada, para preservar a im agem do regi-
m e, n u m exercício de ocu ltação qu e passa, in clu sive, pela n egação de vi-
sibilidade, ao leitor, de su as próprias con dições de vida. Afin al, n ada pode
ser m ais “su bversivo” do qu e en xergar a si próprio!
É a esse in trin cado exercício de ocu ltação qu e este trabalh o se de-
dica, apon tan do para seu caráter m u ltifacetado, para su as relações com

15
as con tradições do Estado au toritário brasileiro e com a diversidade de
papéis viven ciados pela im pren sa n esse período (1968-78).
Mu itos an os se passaram após o lacôn ico com u n icado de Ru bem
Lu dwig, por ordem do presiden te Ern esto Geisel, em ju n h o de 1978, n o-
tifican do aos periódicos: Tribuna da Imprensa (Rio de Jan eiro), O São Pau-
lo (São Pau lo) e Movimento (São Pau lo) qu e, oficialm en te, a cen su ra pré-
via estava extin ta. Qu e balan ço podem os fazer? Qu e lições h istóricas re-
tiram os desse du ro apren dizado?
Um a das m aiores preocu pações dos profission ais da im pren sa, n a
época, referia-se à in trojeção da cen su ra, n u m a explicitação da au tocen -
su ra, m esm o após o térm in o de su a vigên cia. Ou seja, após tan tos an os de
con vivên cia com “orden s su periores” ou com o cen sor in stalado n as re-
dações, im pedin do ou m u tilan do o exercício de seu trabalh o, tem iam os
jorn alistas qu e, retirada a cen su ra prévia, a au to cen su ra viesse tom ar o
seu lu gar, com o u m alter ego, bloqu ean do a su a produ ção e a fu n ção de
in form ar o leitor.
Não existem dados estatísticos ou trabalh os qu e apon tem para essa
h eran ça cen sória n o cotidian o da prática jorn alística n estes m ais de vin te
an os de au sên cia de u m a cen su ra política explícita.
O balanço que pode ser feito refere-se às mudanças processadas na
imprensa brasileira contemporaneamente. O início dos anos de 1980 assis-
tiu ao término daquela rica experiência conhecida como imprensa alterna-
tiva, oficialmente, inaugurada com o surgimento do anárquico Pasquim, em
1969. Diversidades de concepções à parte, hoje, pode-se dizer que o que
essa imprensa representou não foi substituído por nenhuma das variadas
publicações que se sucederam nestes anos. Delineou-se uma tendência,
cada vez mais forte, de concentração em conglomerados jornalísticos em-
presariais e no eixo regional Rio de Janeiro/São Paulo que segue pontifi-
cando com as maiores publicações que, de modo mais acentuado, ditam as
normas para os órgãos de publicação nacionais. Ou seja, assistimos, apesar
da variedade numérica dos periódicos em circulação, à ditadura, mais e
mais ferrenha, das agências noticiosas nacionais e internacionais, configu-
radas em parâmetros para todas as publicações que alteram suas denomi-
nações, mas mantêm temário e conteúdo pouco diversificados.
Esses an os de pau latin a dem ocratização in stitu cion al brasileira vi-
ram , paradoxalm en te, desen volver-se o reverso da dem ocratização da in -
form ação, objetivo sem pre persegu ido, m as qu ase n u n ca alcan çado, da
prática jorn alística.
Do mesmo modo, não existem dados sobre o outro lado da censura,
a empresarial. Refiro-me àquela que aparece sob a forma de “linha edito-
rial” e se concretiza nos impedimentos à liberdade de expressão do jorna-
lista, algemado pela “voz do dono”. Esta se manifesta através dos “interes-
ses superiores da empresa”. Pode-se afirmar que, aqui, também o balanço
é negativo. A prática da concentração em grandes conglomerados jornalís-

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ticos diminui o espaço de atuação do jornalista e facilita as formas de con-
trole e censura interna.
O au toritarism o é algo qu e deve ser an alisado n o plan o da lon ga du -
ração h istórica. Se, in stitu cion alm en te, ele pode ser defin ido em m arcos
cron ológicos rígidos, socialm en te, ele ten de a proliferar seu s ten tácu los ra-
m ifican do-se por todo o tecido social, apresen tan do gran des dificu ldades
de desativação m esm o após en cerrada a su a fase in stitu cion al. En tretan to,
m om en tos de au toritarism o estatal explícito (caso do regim e m ilitar brasi-
leiro recen te) acarretam n ovas h eran ças au toritárias para a sociedade, tor-
n an do, cada vez m ais com plexa, a dem ocratização das relações sociais. En -
tre o plan o in stitu cion al (m acro) e o social (m icro) estabelece-se u m a u r-
dida tram a de m ú tu a alim en tação e recíproca depen dên cia.
Dessa form a, do m esm o m odo com o a im pren sa altern ativa flores-
ceu n os du ros an os do regim e m ilitar, é esse m esm o regim e o respon sável
direto pela su a extin ção. Em bora n ão se possa estabelecer u m a relação tão
direta n o qu e tan ge à form ação de con glom erados jorn alísticos, os gover-
n os m ilitares têm su a parcela de respon sabilidade n esse processo. Patroci-
n aram o desaparecim en to de experiên cias tradicion ais n a im pren sa com o
o Correio da Manhã e in ovadoras com o a Última Hora, su focadas am bas por
terem com etido o pecado de serem in côm odas vozes disson an tes.
Abriu -se o cam in h o para a padron ização e oligopolização n a im pren sa.
Não se con vive im pu n em en te com u m regim e discricion ário, e
su as seqü elas podem ser sen tidas n a lon ga du ração apesar de seu s m ar-
cos cron ológicos estarem fixados n a cu rta du ração h istórica de vin te e u m
an os (1964-85).
O fin al dos an os de 1960 e o in ício dos an os de 1970 n os Estados
Un idos testem u n h aram , n a im pren sa, dois episódios qu e, apesar de dis-
tan ciados, con vergem n a m esm a direção. Refiro-m e, de u m lado, à cober-
tu ra jorn alística da gu erra do Vietn ã e, de ou tro, ao desven dar dos m ean -
dros da política n o ru m oroso caso Watergate. Esses dois episódios exer-
cem o papel de tu fões varren do o m u n do con h ecido por on de passam e
trazen do o in sólito descon h ecido para den tro de todos os lares. As rela-
ções políticas, o exercício de dom in ação “colon ial”, o sen tim en to dos ci-
dadãos para com seu país, n ão m ais seriam os m esm os.
As vitórias da Segu n da Gu erra Mu n dial obscu receram o h orror de
seu espetácu lo san gren to, fazen do parecer válidos a m orte, a m u tilação,
o sofrim en to, em n om e de u m ideal qu e viria a ser con stan tem en te rea-
firm ado n os an os su bseqü en tes.
A gu erra do Vietn ã traz o espetácu lo san gren to para den tro das ca-
sas das pessoas sem qu e h aja qu alqu er reden ção. Lu tar pela defesa dos
ch am ados “valores da civilização ociden tal”, parece su pérflu o, perdido n o
terror da distân cia, do desaparecim en to, da lou cu ra do “am argo regres-
so”. Tran sform a esses valores em “rebeldes sem cau sa”, cu jo sen tido per-
m an ece irrem ediavelm en te com prom etido.

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As revelações de Watergate cu lm in an do n a ren ú n cia de Rich ard
Nixon , o m esm o qu e se elegera com a plataform a da retirada das tropas
n orte-am erican as do Vietn ã, vêm colocar em dú vida a con fian ça dos ci-
dadãos n a “su a” dem ocracia, daí para fren te, tam bém , irrem ediavelm en -
te m acu lada.
Nesses even tos, a im pren sa exerceu papel fu n dam en tal, in vesti-
gan do e in form an do dign am en te o cidadão.
En tretan to, paradoxalm en te, tam bém n ão se con vive im pu n e-
m en te com essas revolu ções tran sform adoras. Com o os regim es au tori-
tários elas deixam su a h eran ça.
A cobertu ra da gu erra do Vietn ã e as revelações de Watergate são
“m ães”, à su a m an eira, da cobertu ra da gu erra do Golfo, de 1991. Aqu ela
em qu e os bom bardeios “cirú rgicos” n os im pediram de ver e saber qu al-
qu er coisa além da produ ção da sen sação de estar fren te a u m a gu erra de
vídeo gam es, tão adaptada ao m u n do con tem porân eo. Os bom bardeios
“cirú rgicos” produ ziram u m a gu erra asséptica da qu al foram extirpados o
san gu e, a m orte, o sofrim en to. Com ela parecia ch egada u m a n ova era de
dom in ação, adequ ada ao m u n do globalizado, à distân cia, sem n ecessidade
de ocu pação e con tato com o dom in ado. A verdadeira “gu erra n as estre-
las” em qu e o in im igo é exterm in ado pelo apertar de botões.
Porém , qu an do todos os problem as pareciam resolvidos e os “valo-
res da civilização ociden tal” preservados ad infinitum, o “fim do com u n is-
m o” decretado oficialm en te, a globalização e o n eoliberalism o im peran do
sob a lógica perfeita do m ercado, ocorre a ru ptu ra da padron ização global
e o sofrim en to dos h abitan tes de Kosovo in vade in com odam en te os lares.
Nu m a ten tativa de repetição do espetácu lo de m ágica da dom in ação
qu e destrói sem deixar rastros, os “líderes” do m u n do ociden tal em preen -
dem n ova cru zada qu eren do varrer, com su a lógica de m ercado, o m u n do
“ilógico” das ten sões m ilen ares balcân icas. Os bom bardeios “cirú rgicos” da
tecn ologia de vídeo gam e se viram in explicavelm en te con fron tados com o
m u n do real. As cobertu ras assépticas precisaram abrir espaço à dor. Os cál-
cu los perfeitos n ão se adaptam ao m u n do desigu al, h eterogên eo, in espe-
rado, im previsível..., n u m a palavra, h u m an o, da Iu goslávia.
A lógica de mercado cede lugar à dialética lógica dos contrários. Da
dor, do sofrimento, é possível extrair lições que trazem consigo a crença na
possibilidade de um mundo em que haja espaço para a diferença.
Esse en sin am en to precisa ser tran sportado para o m u n do das co-
m u n icações on de o im pério dos con glom erados n os faz con viver com
u m a qu ase absolu ta padron ização. A im pren sa precisa reapren der o ca-
m in h o da reportagem , da in vestigação, da cobertu ra variada qu e dá voz
aos qu e n ão têm voz. Só assim , o fan tasm a da cen su ra será, defin itiva-
m en te, afastado e serão varridos os seu s ten tácu los.

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Este trabalh o preten de ser u m a con tribu ição para a verdadeira de-
m ocratização da in form ação, objetivo do trabalh o jorn alístico, tarefa do
h istoriador com prom etido com o seu tem po 2.
A realização de u m trabalh o de pesqu isa se, por u m lado, represen -
ta u m exercício absolu tam en te solitário de con stru ção de u m cam in h o
ú n ico, cu jos percalços vão sen do trilh ados len tam en te, por ou tro, é a
con statação con creta de qu e n ão se estru tu ra esse processo sem o con cu r-
so de u m con ju n to de pessoas e in stitu ições, n a au sên cia das qu ais, o seu
resu ltado seria in viável. Esta é a su a faceta com oven te e fascin an te.
Ao trilhar esse caminho que só “se constrói ao andar”, acumulam-se
dívidas qu e n ão podem ser pagas a n ão ser com a gratidão.
Em prim eiro lu gar, ao prof. dr. Arn aldo Daraya Con tier, pela
orien tação sem pre eivada de su gestões estim u lan tes e de leitu ras, tan to
rigorosas qu an to m in u ciosas, respon sáveis por parcela con siderável do
en cam in h am en to deste projeto. Aos profs. drs. Maria Helen a Capelato e
Sérgio Adorn o, presen tes n as Ban cas de Qu alificação e Defesa da
Dissertação de Mestrado, por su a leitu ra cu idadosa e observações perti-
n en tes qu e em m u ito au xiliaram n a otim ização deste trabalh o. À Coor-
den ação de Aperfeiçoam en to do Pessoal do En sin o Su perior (CAPES),
cu ja bolsa con tribu iu para o fin an ciam en to desta pesqu isa. Aos fu n cio-
n ários do jorn al O Estado de S. Paulo qu e m ostraram qu e é possível con -
verter u m a relação de trabalh o em ligação am istosa, especialm en te n as
figu ras do sr. Arm an do Bordallo (in memorian), lem bran ça de dedicação
e am or ao jorn al m erecedoras de adm iração; de Marlen e Sim ões de Pau -
la, exem plo de com petên cia e seriedade qu e só possu em os qu e dom i-
n am com pletam en te o seu métier; de Magaly Gon zales, a u m só tem po
gen til e eficien te, respon sável pela liberação das im agen s qu e ilu stram
este texto. Ao pessoal do Cen tro de Im pren sa Altern ativa e Cu ltu ra Po-
pu lar/ RIOARTE, receptácu lo, n o m om en to de realização desta pesqu isa,
do m aterial preservado de Movimento, através de Lu iz Moreira Gon çalves
e Lu cian o Du ffrayer, pelo au xílio prestado, pela con fian ça depositada,
pela paciên cia dispen sada, por ter am en izado a estadia n a cidade do Rio
de Jan eiro. Aos am igos do Arqu ivo Pú blico do Estado de São Pau lo qu e
cederam m aterial ilu strativo para com por este trabalh o, com a boa von -
tade e espírito de colaboração qu e os caracterizam , particu larm en te, ao
Fern an do Braga qu e, com a capacidade costu m eira, realizou as fotos. Ao
Marco Au rélio Van n u cch i Lem e de Mattos, estu dioso do período, con s-
tan tem en te preocu pado com a su a an álise, qu e fez a pesqu isa de atu ali-
zação do m aterial bibliográfico. Ao jorn alista Raim u n do Rodrigu es Perei-
ra, u m exem plo de lu ta diária pela dign idade ao jorn alism o, sem o qu al
n ão teria sido realizada a pesqu isa a Movimento e qu e, gen erosam en te,
con cedeu dois im portan tes depoim en tos. Ao jorn alista Alberto Din es, a
qu em sigo adm iran do ao lon go dos an os, pelo valor qu e dem on stra n o

19
exercício profission al, pela coerên cia de toda u m a vida con stru ída com
fidelidade aos seu s prin cípios e qu e en gran dece este trabalh o prefacian -
do-o. Ao prof. Lu iz Eu gên io Véscio, editor com peten te e am igo gen ero-
so de lon gas, estim u lan tes e divertidas con versas a h oras várias. À An a
Novais por ter en fren tado e realizado com precisão esse exercício de
revisão/ em bate qu e os textos acadêm icos n ecessitam para serem apre-
sen tados ao leitor. A todos, h om en s e m u lh eres qu e fazem da prática do
jorn alism o u m exercício de resistên cia à dom in ação, lu tan do pela am -
pliação do acesso à in form ação, en ten dida com o u m direito h u m an o,
peça essen cial n a lu ta por m aior ju stiça social.

N OTA S
1. Em n ovem bro de 1994, defen di, pelo m esm o program a de pós-gradu ação, tese de dou -
toram en to in titu lada Caminhos Cruzados: Imprensa e Estado Autoritário no Brasil (1964-80), on de
con tin u o a desen volver m eu s estu dos sobre as relações Im pren sa/ Estado n o regim e m ilitar.
Atu alm en te pesqu iso, visan do à realização da livre-docên cia, os processos da ju stiça m ilitar
m ovidos con tra jorn alistas/ m ilitan tes, n o período de 1964-1979.
2. O leitor en con trará, ao fin al do volu m e, u m a bibliografia atu alizada sobre o tem a e o pe-
ríodo en focados n este trabalh o.

20
IN TROD UÇÃ O

O trabalh o de reflexão acerca da problem ática da cen su ra política à


im pren sa escrita n o Brasil, em su as in ter-relações com o Estado au toritá-
rio e com os órgãos de divu lgação determ in ados, restrito aos lim ites tem -
porais do regim e m ilitar in stau rado n o país, após o m ovim en to arm ado
de 1964, carrega con sigo algu m as qu estões.
A primeira é a tendência a se considerar a censura política como um
exercício unilinear, uma prática geralmente vivenciada à distância, sob a
proteção do anonimato – por trás de um telefone, de um bilhete sem assi-
natura e mesmo sob a impessoalidade dos organismos estatais representan-
do-se como “de ordem superior”, por meio da fórmula clássica de “fica ter-
minantemente proibido” e por intermédio da capa protetora de uma ima-
gem burocrática e asséptica do funcionário público “cumpridor de ordens”.
Em segu n do lu gar, a im agem con stru ída de u m Estado todo pode-
roso, dotado de von tade ú n ica, livre de con tradições in tern as e de in te-
resses diferen ciados, con du tor dos destin os da n ação, tan to n o m om en to
de recru descim en to da repressão (a partir de 1968), com o qu an do “resol-
ve” disten der as pressões políticas sobre a sociedade civil (a partir do pro-
jeto de abertu ra “len ta, gradu al e segu ra”).
Em terceiro, a represen tação de u m a im pren sa escrita, vítim a do al-
goz da cen su ra e in divisível n a batalh a pela restau ração da plen a liberda-
de de expressão.
En ten de-se qu e essas qu estões trazem a m arca de u m a m em ória
con stru ída 1, tam bém ela, parte da estratégia de dom in ação, a qu em in te-
ressa preservar a represen tação da cen su ra, da im pren sa e do Estado au -
toritário, sem a dim en são da experiên cia de h om en s e m u lh eres2 qu e
agem de m odo con traditório e con flitu oso. Nessa con stru ção, acredita-se,
a própria ação dos h om en s en qu an to su jeitos fica perdida, n ecessitan do
ser redim en sion ada.
Esta é a preocu pação deste livro – a lu ta pela restau ração dos m ú l-
tiplos e diferen ciados aspectos, escon didos atrás da in ter-relação qu e, em
m om en to h istórico determ in ado (1968-1978), reu n iu a cen su ra política,
a im pren sa escrita e o Estado au toritário brasileiro pós-64, para n arrar
u m a h istória qu e n ão pode dar lu gar a visões m an iqu eístas (vítim a x al-
goz) e lin eares (A cen su ra, A im pren sa, O Estado).
A pesqu isa com a tem ática da cen su ra à im pren sa escrita exige qu e
se façam algu m as opções. Prim eiram en te, a qu estão da cen su ra da qu al se
fala. Qu an do se con versa com jorn alistas, de m odo geral, a preocu pação
m ais recorren te refere-se à problem ática das pressões exercidas in tern a-
m en te den tro dos órgãos de divu lgação, o qu e caracteristicam en te se n o-
m eia cen su ra em presarial, presen te em todos os períodos e n ão presa a de-

21
term in adas circu n stân cias h istóricas. En tretan to, ao optar-se pelo trabalh o
com a cen su ra política (gen ericam en te restrita a lim ites tem porais especí-
ficos) de orien tação extern a ao periódico, o propósito foi o de captar, a u m
só tem po, as in ten ções do Estado au toritário brasileiro por trás de u m in s-
tru m en tal repressivo (a cen su ra política) e as reações dos órgãos de divu l-
gação sobre os qu ais este in stru m en tal se im põe. A cen su ra em presarial
aparece aqu i m en cion ada lateralm en te, n a m edida em qu e se trabalh a
com periódicos diferen ciados e se discu te a problem ática específica da di-
versidade de con cepções acerca da fu n ção da im pren sa escrita n o país.
A segu ir, den tro da dim en são própria da cen su ra política qu e agiu
de m odo con stan te sobre a im pren sa escrita n o Brasil é n ecessário deci-
dir a form a de atu ação sobre o órgão de divu lgação a ser con siderada.
Pode-se trabalh ar com as orden s telefôn icas ou bilh etes en cam in h ados
às redações por parte das in stitu ições en carregadas (de m odo geral, o
Min istério da Ju stiça, por in term édio da Polícia Federal) 3 . En tretan to,
dois problem as advêm deste tratam en to. Trata-se da dim en são da au to-
cen su ra, n a m edida em qu e, após a tran sm issão das proibições, cabia ao
órgão de divu lgação acatá-las, cen su ran do in tern am en te a divu lgação
de determ in adas n otícias. Tran sfere-se, desse m odo, a respon sabilidade
do âm bito do Estado para a direção do periódico. Além disso, estas or-
den s com an dadas à distân cia ocu ltam a prática dos su jeitos en volvidos
n a ação – de u m lado, os cen sores, de ou tro, os jorn alistas.
Para captar esse exercício recíproco, con com itan te e m u ltidirecio-
n ado de dom in ação e resistên cia 4 n o âm bito da cen su ra política à im pren -
sa escrita n o Brasil, n os lim ites do Estado au toritário brasileiro pós-64, é
n ecessário ocu par-se da dim en são da cen su ra prévia qu e en volve a práti-
ca cotidian a viven ciada por h om en s e m u lh eres, captados en qu an to su -
jeitos qu e agem n a produ ção de n otícias (jorn alistas) e, em con trapartida,
n o veto ao acesso à in form ação (cen sores).
Além desses aspectos, a escolh a atin giu tam bém a problem ática da
atu ação cen sória sobre u m órgão de divu lgação determ in ado. Um a vez
qu e a in ten ção, ao trabalh ar com a cen su ra prévia, é a de captá-la den tro
da m u ltiplicidade de aspectos qu e a com põem , foi n ecessário pesqu isar
m ais de u m periódico, com a preocu pação de qu e apresen tassem visões
diferen ciadas acerca do m om en to h istórico vivido pelo país e tam bém so-
bre o papel da im pren sa escrita; igu alm en te im portan te foi determ in ar
qu e fase da cen su ra prévia foi experien ciada pelos distin tos periódicos.
Além disso, prem issa fu n dam en tal, h avia a n ecessidade da preservação de
m aterial produ zido pelo periódico e vetado pelos cen sores, com possibili-
dade de acesso ao pesqu isador. A opção recaiu sobre O Estado de S. Paulo
e Movimento5 qu e viveram a cen su ra prévia em m om en tos distin tos (res-
pectivam en te, 1972-1975 e 1975-1978) e qu e represen tam tipos especí-
ficos de caracterização da im pren sa escrita: OESP, típico produ to da im -
pren sa con ven cion al de gran de porte (gran de im pren sa) e M, represen -

22
tan do a im pren sa altern ativa em fase áu rea de desen volvim en to n o país
(fin al dos an os de 1960 e com eço dos an os de 1980).
A an álise da cen su ra prévia em órgãos de divu lgação diversos e em
m om en tos h istóricos variados perm itiu tam bém qu e fossem captados as-
pectos con traditórios, en volven do diferen tes in teresses e os con flitos de-
corren tes da parte dos gru pos en volvidos n a partilh a da ação execu tiva do
Estado au toritário brasileiro pós-64. Porém , tan to a gran de im pren sa com o
a altern ativa viveram a prática cotidian a da cen su ra prévia.
No que diz respeito à grande imprensa foi necessário preocupar-se
com a preservação do material. Como seus órgãos de divulgação, de modo
geral, optaram pela aceitação das ordens transmitidas enquadrando-se no
âmbito da autocensura, entre as escolhas possíveis estavam OESP, Jornal da
Tarde e a revista Veja. O Jornal da tarde, entretanto, não preservou o mate-
rial vetado e (para a exclusão da revista Veja, considerando OESP a opção
definitiva no âmbito da grande imprensa) o interesse localizou-se na cons-
trução de estratégias cotidianas e diferenciadas de resistência utilizadas pelo
jornal para dizer ao leitor que matérias estavam sendo censuradas. A refe-
rência aqui é às formas variadas de substituição utilizadas por OESP6. A re-
vista Veja não desenvolveu estratégias constantes que indicassem a censu-
ra 7. Tendo em vista a importância conferida pela censura na construção de
uma imagem de regime político que ocultasse a existência concreta dos ins-
trumentos repressivos, a denúncia ao público-leitor da presença de censo-
res na redação por intermédio da substituição dos cortes por elementos que
causassem estranhamento pelo insólito de sua presença, constituiu-se em
uma importante medida de resistência à dominação.
Em relação à imprensa alternativa, diversos foram os órgãos de di-
vulgação submetidos à censura prévia, de modo que o boom alternativo des-
te momento histórico acaba por se confundir com a própria periodização
censória. O M entretanto apresenta um interesse especial, pois o programa
que o embasa e sua concepção de imprensa permitem a um só tempo esta-
belecer os limites de sua resistência (forjou-se na luta contra o que o Esta-
do autoritário brasileiro pós-64 representava essencialmente, tendo nasci-
do já censurado) e indicar o significado de uma imprensa de fato alternati-
va – abrangência da cobertura dos fatos, jornalismo engajado e montagem
de uma estrutura interna de co-gestão administrativa e funcional. Além
disso, é interessante atentar para o que a memória construiu em relação à
imprensa alternativa. Ela vinculou umbilicalmente este tipo de jornalismo
à censura, justificando o término de sua fase áurea com base na hipótese
da inexistência de motivações para a sua continuidade, a partir da extinção
da repressão. A sobrevivência do M além dos limites da atuação censória
transformou-se em importante forma de aquilatar a relação imprensa alter-
nativa x censura e a reação do Estado autoritário à sua manutenção.
Por ú ltim o, du ran te a evolu ção da presen te pesqu isa, paralelam en -
te ao trabalh o realizado com o m aterial cen su rado, o testem u n h o de pes-

23
soas qu e viven ciaram a experiên cia da cen su ra prévia foi se revestin do de
im portân cia fu n dam en tal. Na bu sca de respostas a dú vidas ou h ipóteses
levan tadas, ora pelo próprio tem a, ora pelo desen volvim en to da pesqu i-
sa, realizou -se u m a coleta de depoim en tos em form a de en trevistas gra-
vadas, m an u scritos, con tatos telefôn icos ou m esm o con versas in form ais
qu e con tribu íram para com por o m osaico da recon stitu ição da m em ória
recen te acerca da cen su ra política.
O depoimento atua como contraponto à pesquisa empírica. Entende-
se que no esforço de interpretação da experiência humana, o depoimento
do contemporâneo assume o papel de um instrumento de análise privilegia-
do, na medida em que se reveste, ao mesmo tempo, das problemáticas vi-
venciadas no presente e no passado.

A evidência oral é importante não apenas como uma fonte de informação,


mas também pelo que faz para o historiador que entra no campo como um fis-
cal invisível. Pode ajudar a expor os silêncios e as deficiências da documenta-
ção escrita e revelar ao historiador – na frase fina de Tawney – o tecido celu-
lar ressecado que quase sempre é tudo que tem em mãos. Serve como uma
medida de autenticidade, um lembrete compulsório de que as categorias do
historiador devem, no fim, corresponder ao feitio da experiência humana e se-
rem constituídas por ela, caso elas tenham força explicativa.8

A questão levantada por Raphael Samuel vem de encontro às preo-


cupações deste trabalho. Buscou-se enxergar, por meio da documentação
analisada, as experiências sociais concretas9, e nesse sentido, os depoimen-
tos são fundamentais para dar consistência à análise.
A documentação utilizada – ao contrário dos bilhetes e ordens telefô-
nicas que privilegiam a visão do Estado e, mais do que isso, de um Estado
concebido como monolítico, livre de contradições e portador de uma só voz
– procura resgatar a complexidade das relações sociais, expondo vozes silen-
ciadas através do concomitante exercício da dominação e da resistência. O
testemunho oral representou quase sempre um contraponto e um comple-
mento do que se buscou na documentação e daquilo que, mesmo não ten-
do sido previamente cogitado nas hipóteses, acaba por se fazer notar.
En tretan to, com o a prática social n ão pode estar desvin cu lada da
fala do su jeito, n ão se preten de en carar com o n eu tros e objetivos os tes-
tem u n h os, u m a vez qu e, de an tem ão, en con tram -se en trem eados da su b-
jetividade das h ipóteses qu e n ortearam esta pesqu isa. Desse m odo, acre-
ditam os qu e:

O valor dos testem u n h os depen de do qu e o h istoriador traz a eles assim


com o daqu ilo qu e ele leva, da precisão das pergu n tas e do con texto m ais
exten so de con h ecim en to do qu al eles derivam . O relato vivo do passado
deve ser tratado com respeito, m as tam bém com crítica: com o o m orto.10

24
Para se perceber as diferen tes abordagen s m etodológicas, realizou -
se in icialm en te u m estu do acerca de diversos trabalh os acadêm icos qu e
tivessem com o tem ática cen tral a an álise da im pren sa, in depen den te-
m en te do período en focado, do órgão de divu lgação abran gido ou m es-
m o do aspecto abordado.
O qu e dem an dou , en tretan to, m aiores cu idados foi a an álise de ou -
tros trabalh os referen tes à tem ática da cen su ra política escrita n o Brasil
n o período proposto n esta pesqu isa.
In icialm en te, destaca-se a obra de Paolo Marcon i, A Censura Políti-
ca na Imprensa Brasileira (1968-1978). O au tor realizou u m a coleta de bilh e-
tes e de telefon em as en viados às redações de jorn ais, rádios e televisões,
en tre 1969 e 1978, além de tom ar o depoim en to de diversos jorn alistas e
proprietários de jorn ais, qu e apresen ta, n a ín tegra, n o apên dice de seu
trabalh o. Com base n esse m aterial, extrai con clu sões acerca do caráter da
cen su ra, vin cu lan do-a à dou trin a de segu ran ça n acion al e estabelecen do
as bases para u m a an álise da cen su ra em presarial qu an do in dica, após
1978, a su bstitu ição da cen su ra política por ou tra con stan te e su til form a
de produ ção do silên cio n as gran des em presas jorn alísticas. En ten de-se
este trabalh o com o o m ais com pleto, n o sen tido do resgate das proibições,
qu ase sem pre apócrifas, dirigidas aos m eios de com u n icação. Possu i tam -
bém o registro da cen su ra prévia à gran de im pren sa e à altern ativa, em -
bora n ão se dediqu e, em particu lar, a essa tem ática, restrin gin do-se a con -
siderações de caráter geral.
O jorn alista Élio Gaspari, logo após o en cerram en to da cen su ra, pu -
blica em 18 de ju n h o 1978, n o Jornal do Brasil, o artigo “Os Docu m en tos
da Cen su ra”. Ele tom a por base 270 orden s (tam bém pu blicadas) en viadas
por telefon e ou por escrito ao Jornal do Brasil, en tre 1972 e 1975. Fu n da-
m en tan do-se som en te n o qu e estava coletado n aqu ele m om en to, con si-
dera qu e as orden s cen sórias se in iciam em 14 de setem bro de 1972 e se
en cerram em 8 de ou tu bro de 1975. Estabelece u m a periodização em qu a-
tro fases para a cen su ra (en tre 13 de dezem bro de 1968 e 8 de ju n h o de
1978) e an alisa os porqu ês da atu ação cen sória em cada etapa. En fatiza as
proibições m ais recorren tes e profere con siderações a respeito do caráter
desse in stru m en to repressivo, com base n essas n otas. Com o seu referen -
cial são as proibições rigidam en te periodizadas, Gaspari con sidera gen eri-
cam en te qu e após 8 de ou tu bro de 1975 a cen su ra en tra em decadên cia,
cu m prin do apen as fu n ção de vigilân cia e segu ran ça. A an álise se m odifica
se tom arm os por base u m ou tro tipo docu m en tação com o, por exem plo, a
cen su ra prévia estabelecida em órgão de im pren sa altern ativa.
A pesqu isadora n orte-am erican a Joan R. Dassim possu i du as pu bli-
cações sobre a cen su ra política à im pren sa escrita n o Brasil após 1964 –
“Press Cen sorsh ip: How an d Wh y”, Index on Censorship, 1979 e “Press
Cen sorsh ip an d th e Military State in Brazil”, Press Control around the World,
1982 – qu e represen tam u m a ten tativa de an álise do veto à in form ação

25
do qu e a au tora ch am a de “Estado de Segu ran ça Nacion al latin o-am eri-
can o”, u tilizan do com o m odelo a cen su ra à im pren sa n o Brasil en tre
1964 e 1978. A au tora discu te in icialm en te a Dou trin a de Segu ran ça Na-
cion al com o fu n dam en to para o cerceam en to da in form ação n o Con e
Su l. A segu ir, passa a an alisar o sistem a político de cen su ra propriam en -
te dito, en fatizan do seu aspecto legal. Con clu i qu e a cen su ra do Estado foi
criada e su sten tada pelos altos escalões m ilitares. Disserta acerca das or-
den s recebidas n as redações qu e foram su ficien tem en te divu lgadas e afir-
m a ter an alisado, em bora n ão apresen te dados qu e con firm em a realiza-
ção de u m a pesqu isa exten siva, diversos arqu ivos (Tribuna da Imprensa, M,
OESP, O São Paulo etc.) para ch egar à con clu são de qu e a cen su ra possu ía
critérios discrim in atórios qu e variavam de acordo com o editor-ch efe e
com a orien tação ideológica da pu blicação.
Com base em análise informal de artigos do arquivo da Tribuna da
Imprensa e do acervo censurado de O São Paulo, e pela realização de uma
pesquisa intensa ao material vetado em M e OESP, entende-se que, se há
uma diversidade neste material que varia de órgão para órgão, isto não se
deve somente ao caráter “discriminatório” da censura. Compreende-se que
a censura agiu de modo multifacetado, presa a variáveis de ordem tempo-
ral e de acordo com o órgão de divulgação atingido e afetando sempre os
pontos sensíveis do regime.
Entende-se que o problema central da análise de Dassin está em en-
carar a Doutrina de Segurança Nacional como exclusivamente vinculada a
áreas de interesse político (tortura, guerrilha, a repressão em si). A própria
autora reconhece que, no caso da imprensa alternativa, temas de política
econômica ou de críticas às condições sociais do país foram vetados. Com-
preende-se que, na ótica do regime, essas também são áreas de segurança
nacional, muito sensíveis para o Estado autoritário, sendo que a eficácia da
atuação censória também se faz sentir com intensidade nesses aspectos.
Qu an to ao fato con siderado por Dassin de qu e ocorreram persegu i-
ções e vin gan ças de caráter pessoal n o caso de cen sores, acredita-se qu e a
in cidên cia desses acon tecim en tos ten h a sido m u ito baixa, de m odo qu e
n ão se possa en ten der a cen su ra com o aleatória.
Ou tro aspecto apon tado por Dassin , o dos efeitos deixados pela cen -
su ra política relacion ada à qu estão da resistên cia da im pren sa, pen sa-se
qu e esta tem ática m erece u m a an álise m ais acu rada qu e leve em con ta as
diferen tes con cepções qu an to ao papel adotado pela im pren sa e n o qu e
tan ge às su as relações com o Estado au toritário brasileiro pós-64.
Gláu cio Ary Dillon Soares, em artigo in titu lado “A Cen su ra Du ran -
te o Regim e Au toritário”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1986, relata
su a pesqu isa sobre a cen su ra, realizada n a u n iversidade da Flórida, Esta-
dos Un idos. Este trabalh o apresen ta u m esforço de reu n ir ou tras pesqu i-
sas sobre a m esm a tem ática e tam bém u m a ten tativa de abordagem
m etodológica dos m ateriais referen tes à produ ção cen sória.

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A análise do autor, ao reunir outros trabalhos correlatos, permite-lhe
ch egar a algu m as con clu sões (objeto de con siderações posteriores) e
m on tar qu adros estatísticos sobre a in cidên cia da ação cen sória en tre
1970 e 1978, tom an do por base, en tretan to, som en te as orden s telefôn i-
cas e os bilh etes en viados às redações. Trabalh a com u n idades tem áticas
e su btem as qu e lh e possibilitam an alisar a in cidên cia da cen su ra, en fati-
zan do, porém – u m a vez qu e o seu m aterial de an álise é som en te o das
proibições à distân cia qu e caracterizaram prin cipalm en te órgãos da gran -
de im pren sa –, as tem áticas políticas11.
Na abordagem m etodológica feita pelo au tor, destacam -se as se-
gu in tes fon tes: proibições n a form a de bilh etes e de telefon em as coleta-
dos por jorn alistas; m atérias cen su radas arqu ivadas qu e, segu n do o au tor,
devem ser con trastadas com as pu blicadas para qu e se obten h am in for-
m ações sobre os dados objetivos da cen su ra; en trevistas com pessoas qu e
participaram desse processo, tan to jorn alistas com o cen sores.
É n ecessário acen tu ar qu e, en tre as possibilidades m etodológicas
detalh adas por Gláu cio Soares, optou -se pelo trabalh o com os m ateriais
preservados de dois periódicos e realizou -se u m a ch ecagem em relação ao
qu e foi efetivam en te pu blicado em su bstitu ição ao veto do cen sor. Con -
tu do n ão se an alisou a totalidade do qu e foi pu blicado em cada u m dos
órgãos de divu lgação já qu e esta an álise n ão n ecessariam en te con tribu i-
ria para u m a explicitação do caráter da cen su ra, qu e se pen sa estar deli-
n eado n a ação política de im pedim en to da veicu lação, bem com o se acre-
dita qu e a prática efetiva do órgão de divu lgação en con tra-se presen te n a
su a produ ção, depois su bm etida a veto.
Trabalh ou -se tam bém com depoim en tos de jorn alistas en volvidos
com o m om en to de vigên cia da cen su ra prévia. Não h ou ve, en tretan to, a
possibilidade de con tato com os cen sores por du as razões: m u dan ças ope-
radas n a legislação e n o departam en to de relações pú blicas da polícia fe-
deral, du ran te o processo de abertu ra política e dificu ldades em se tratar
de u m tem a politicam en te espin h oso com pessoas qu e, em m om en to de
vigên cia m ín im a de liberdades dem ocráticas, m ostraram -se con trárias à
su a associação com u m a im agem socialm en te desairosa.
O padre An tôn io Aparecido Pereira escreveu , em 1982, A Igreja e
a Censura Política à Imprensa no Brasil: 1968-1978, em qu e vin cu la a cen su -
ra política à Dou trin a de Segu ran ça Nacion al e a u m a bu sca de con sen -
so n a sociedade civil. Dedica su a aten ção às con flitu osas relações en tre a
Igreja e o Estado n esse período e, em particu lar, à cen su ra estabelecida
ao sem an ário O São Paulo. En tretan to, apesar de an alisar especificam en -
te a cen su ra a esse órgão de divu lgação, n ão trabalh a com os textos ve-
tados pelos cen sores.
Graças ao depoim en to do padre Aparecido, en trou -se em con tato
com as caixas de m aterial preservado da cen su ra a O São Paulo, às qu ais
se fez u m a pesqu isa in form al e n ão exten siva.

27
José Lu iz Braga trabalh ou com o sem an ário de im pren sa altern ati-
va Pasquim, daí resu ltan do a tese Pasquim – Hebdo brésilien d' humour, 1984.
Elaborou u m a an álise global do sem an ário através de dois ân gu los de ob-
servação: a h istória factu al, distribu ída cron ologicam en te em fases distin -
tas e as form as e os con teú dos do Pasquim in seridos n o con texto h istórico.
Apesar de n ão se tratar de u m trabalh o específico sobre a cen su ra, o au -
tor, n a cron ologia qu e estabelece, dedica-se a u m a an álise do m om en to
(1970-1975) em qu e ele esteve sob a ação de vetos, con verten do-se em
m ais u m a fon te de in form ação para a presen te pesqu isa.
O sem an ário Opinião foi alvo do trabalh o de J. A. Pin h eiro Mach a-
do, Opinião x Censura, 1978. O au tor en fatizou a cen su ra qu e se abateu so-
bre este órgão da im pren sa altern ativa, en tre 1972 e 1977, revelan do o
m odo pelo qu al se deram a asfixia e o posterior fech am en to do periódi-
co. Descreve su a in stau ração, os prin cipais atos de violên cia, in clu sive fí-
sica, sofridos pelos seu s respon sáveis, o processo m ovido pelo sem an ário
con tra a Un ião, com provan do a existên cia da cen su ra, o qu e era sistem á-
tica e oficialm en te n egado e a decisão de en cerrar tem porariam en te as
atividades em abril de 1977. Não h á, n esta obra, u m a an álise do m aterial
cen su rado de Opinião. En tretan to, o depoim en to de seu proprietário, o
em presário e politíco Fern an do Gasparian , qu e revela os porm en ores da
atu ação cen sória, bem com o a discu ssão sobre legalidade da cen su ra n o
processo defen dido pelo ju rista Adau to Lú cio Cardoso, represen ta u m im -
portan te in stru m en to de an álise para o estu dioso do tem a.
Além disso, n o in teresse de com por a trajetória h istórica de
OESP e M, foi n ecessária a con su lta a pu blicações específicas qu e en -
focassem estes órgãos de divu lgação.
No qu e diz respeito a OESP, con su ltou -se Pequena História de um
Grande Jornal: De 1875 a 1940 de Pau lo Du arte; A Nova Fase de Vida d' O Es-
tado de S. Pau lo: De 1945 a 1964, de Marcelin o Ritter 12; História da Impren-
sa no Brasil, 1983, de Nelson Wern eck Sodré 13; Liberalismo & Oligarquia na
República Velha: O Estado de S. Pau lo e a Campanha Civilista, 1909-1910,
1976, de José Flávio Oliveira 14; Suplemento do Centenário, OESP, 1975 15; O
Bravo Matutino – Imprensa e Ideologia: O Jornal O Estado de S. Pau lo, 1980,
de Maria Helen a Capelato e Maria Lígia Prado 16; Os Arautos do Liberalismo:
Imprensa Paulista (1920-1945), 1989, de Maria Helen a Capelato 17.
Para com por a h istória de M, em du as oportu n idades (30 dez. 1987
e 22 fev. 1990), recorreu -se à en trevista com o jorn alista Raim u n do Ro-
drigu es Pereira e com o professor de cin em a e colaborador do sem an ário,
Jean -Clau de Bern ardet, cu jo depoim en to foi colh ido em 8 ago. 1990. No
caso de OESP, especificam en te en trevistou -se o professor e jorn alista Oli-
veiros S. Ferreira, em 11 set. 1989.
A con su lta a pu blicações referen tes a M restrin giu -se a: pu blicações
do Cen tro de Im pren sa Altern ativa e Cu ltu ra Popu lar/ RIOARTE, órgão
vin cu lado à Secretaria Mu n icipal da Cu ltu ra da cidade do Rio de Jan eiro,

28
con ten do an álises diversificadas relativas à im pren sa altern ativa e ao M
em especial, por m eio de trabalh os de pesqu isas en com en dadas e de rela-
tos de even tos patrocin ados pela in stitu ição 18; “Escapada – Con siderações
em torn o à Cen su ra Im posta a u m Jorn al Altern ativo, Movimento, n os
An os de 1975-1981”, de João An tôn io; Nicolau, 1987 19; coleções com ple-
tas do M en con tradas n a ECA/ USP e n o RIOARTE20.
No qu e se refere a OESP, o m aterial en con tra-se n o arqu ivo do jor-
n al, disposto em três volu m es cron ologicam en te orden ados, de m odo qu e
o prim eiro se refere às m atérias cen su radas en tre 29 m arço e 31 de de-
zem bro de 1973; o segu n do en globa o período de 1º de jan eiro a 30 de
ju n h o de 1974; e o terceiro acom pan h a tu do o qu e foi vetado en tre 1º de
ju lh o de 1974 e 3 de jan eiro de 1975.
Os artigos aparecem em folhas comuns de jornal, já impressas na
gráfica. Estes eram submetidos diariamente ao censor que riscava o trecho
ou a totalidade do artigo, indicando o que não deveria ser publicado.
Com o n ão existiam du plicatas desse m aterial, n ão foi possível fo-
tocopiar n en h u m a dessas págin as. En tretan to, en con travam -se em bom
estado de con servação, além do qu e a organ ização cron ológica rigorosa
au xiliou o trabalh o de pesqu isa.
Segu iu -se, en tão, u m fich am en to de todas as m atérias ou trech os
qu e receberam vetos, recorren do-se à cópia m an u scrita n a ín tegra qu an -
do o tem a parecia m ais sign ificativo. Tom ou -se o cu idado de in dicar a pá-
gin a e a localização do m aterial cen su rado para depois poder com parar
com o tem a geral do jorn al e com o qu e foi pu blicado em su bstitu ição ao
corte do cen sor.
O trabalh o com o m aterial vetado resu ltou n o fich am en to de 1136
m atérias, en tre total ou parcialm en te cen su radas. Esse n ú m ero refere-se à
m atéria tal e qu al con cebida pelo jorn al e n ão à qu an tidade de cortes em
u m m esm o artigo, crôn ica ou editorial. Não foi estabelecida proporção em
relação ao tam an h o. Às vezes, o corte podia in cidir sobre u m a palavra per-
dida n o m eio de u m gran de artigo, bem com o referir-se a u m a reportagem
qu e ocu passe toda u m a págin a. Apesar de se con ferir o m esm o peso, in -
depen den tem en te de qu an to foi cen su rado, realizou -se em cada fich a u m a
n otação referen te ao tam an h o do qu e foi cortado.
Utilizou -se u m a fich a para cada págin a de jorn al, o qu e sign ifica
qu e ela pode con ter u m a ou m ais m atérias cen su radas qu e aparecem , iso-
ladam en te, classificadas por tam an h o, localização, págin a e au toria (caso
se tratasse de u m a reportagem assin ada). Tom ou -se o cu idado de tam bém
in dicar a presen ça de editorial (represen tan te direto do pen sam en to do
periódico) cen su rado, qu an do foi o caso.
Após o en cerram en to desta prim eira fase do trabalh o, su bm ete-
ram -se as m atérias cen su radas a u m a classificação em u n idades tem áticas,
su bdivididas em su btem as para a apresen tação de u m a tabu lação de todo
o m aterial.

29
A seguir, optou-se por uma demonstração do material, analisando-se,
de m odo gen érico, as u n idades tem áticas e especifican do o con teú do das
m atérias vetadas n os su btem as arrolados, procu ran do refletir acerca do
qu e m otivara o veto do cen sor, em u m a relação con stan te en tre a cen su -
ra prévia, o órgão de divu lgação an alisado e o Estado au toritário brasilei-
ro pós-64, n o m om en to h istórico em qu estão.
Em relação ao M, todo o m aterial produ zido pelo sem an ário, cen -
su rado ou n ão, en tre 7 de ju lh o de 1975 e 5 de ju n h o de 1978, foi reu n i-
do em caixas de papelão e doado por Raim u n do R. Pereira, ao Cen tro de
Im pren sa Altern ativa e Cu ltu ra Popu lar/ RIOARTE.
É n ecessário explicitar com o o m aterial en con trava-se organ izado
e qu e opções de pesqu isa foram realizadas n o tran scorrer deste trabalh o.
Cada u m a das caixas de papelão con tin h a artigos de dois n ú m eros
do sem an ário. En tretan to, du ran te a pesqu isa, con staram -se con fu sões
com o a troca de n u m eração das caixas e a presen ça de ou tras qu e con ti-
n h am tem as u n itários ou ilu strações vetadas em vez de tem as variados.
In icialm en te, con su ltou -se a totalidade das caixas, reorden an do e
separan do n ovam en te, alteran do a n u m eração se n ecessário, m as dada a
qu an tidade do m aterial n ão foi possível u m a con su lta in tegral. As 77 cai-
xas repletas de lau das, com folh as diferen tes, cen su radas ou n ão, às vezes
m an u scritas, ou tras datilografadas, em u m m au estado de con servação,
dificu ltava e atrasava a pesqu isa. Além disso, os cen sores, u tilizan do a téc-
n ica de cortar, riscan do por cim a do qu e fora escrito, torn avam algu m as
vezes im possível a leitu ra do trech o vetado.
Sen tiu -se tam bém a dificu ldade de se obter u m qu adro da totali-
dade do m aterial cen su rado a cada n ú m ero, pelo fato de qu e, com o já
foi dito, h avia caixas qu e con tin h am tem as específicos ou m esm o ilu s-
trações e ch arges. Esse m aterial, n ão se sabe em qu e circu n stân cias foi
retirado das caixas n u m eradas, e, u m a vez perdida a su a localização,
com o às vezes, n ão se en con trava n o alto da lau da a in dicação de data,
torn ou -se im possível datá-lo.
Além disso, em 1986, o jorn alista e escritor João An tôn io, a con vi-
te do RIOARTE, realizou u m a pesqu isa relativa a esse m aterial, selecion an -
do 344 m atérias qu e deveriam servir para u m a posterior pu blicação do
Cen tro, o qu e acabou n ão acorren do. Du ran te su a pesqu isa, ele separou as
m atérias qu e con siderou m ais sign ificativas. Com elas ocorreu o m esm o
qu e com as caixas de tem as ou ilu strações. Qu an do n ão con têm in dicação
precisa, torn a-se im possível datá-las.
Fren te a essas dificu ldades, tivem os de fazer algu m as opções. Com
a con sciên cia de qu e n ão era possível abordar a totalidade do m aterial e
qu e, n a con su lta às caixas n ão se en con trava o total de vetos por n ú m e-
ro, resolveu -se, para m an ter a periodicidade, pesqu isar parte do m aterial
da segu in te form a: a cada três caixas, observan do-se a seqü ên cia tem po-
ral, an alisava-se u m a, assim fazen do até ch egar ao n ú m ero 153. Na im -

30
possibilidade de localizar determ in ada caixa ou n ú m ero, an alisava-se a
im ediatam en te an teceden te ou su bseqü en te. Deste m odo, a pesqu isa co-
briu pou co m ais de u m terço do m aterial – 30 caixas.
In icialm en te, separava-se o m aterial vetado daqu ele qu e fora libe-
rado. A segu ir, ten tava-se localizá-lo n a pu blicação real para verificar
even tu ais su bstitu ições ao m aterial vetado. Nem sem pre em M isso foi
possível, pois às vezes, decidia-se pela n ão pu blicação de u m a m atéria ve-
tada apen as em parte.
A segu ir, preparava-se u m a fich a con ten do a localização tem poral
do artigo vetado, seu títu lo, au toria (qu an do possível), m arcas da cen su -
ra n a pu blicação (se localizada), tam an h o do veto e fich am en to do qu e
fora cen su rado. Qu an do se con siderava o trech o sign ificativo, optava-se
pela cópia n a ín tegra, ou , caso fosse m u ito exten so, e estivesse em boas
con dições de con servação, pela fotocópia do m aterial.
Ch egou -se, desse m odo, a u m total de 496 fich as, correspon den do
ao m esm o n ú m ero de m atérias cen su radas pesqu isadas. En tretan to, con -
clu iu -se qu e o m aterial selecion ado por João An tôn io apresen tava gran -
de in teresse, m erecen do tam bém u m a pesqu isa paralela. Assim , elabora-
ram -se m ais 344 fich as qu e con tin h am todas as in dicações possíveis, có-
pia n a ín tegra ou fotocópia qu an do n ecessário. Dessa form a, obteve-se
u m total de 840 m atérias an alisadas qu e represen tam apen as parte do
qu e foi vetado em qu ase três an os de cen su ra ao M. Este m aterial con sti-
tu iu -se em u m in dicador para a an álise.
A segu ir, para apresen tar a tabu lação dos dados, processou -se a di-
visão dessas m atérias em u n idades tem áticas e a su bdivisão em su btem as
(os m esm os verificados n o OESP, qu an do possível, an otan do-se a varie-
dade, qu an do n ecessário).
Para dem on strar o m aterial, procedeu -se a u m a apresen tação gen é-
rica das u n idades tem áticas e a u m a an álise detalh ada das m atérias arro-
ladas n os su btem as, sem pre se levan do em con ta o periódico, a cen su ra e
o m om en to h istórico.
Por ú ltim o, é n ecessário qu e se explicite qu e, n o caso do OESP, op-
tou -se por u m a an álise m ais detalh ada dos editoriais e das m atérias assi-
n adas, n a m edida em qu e se vin cu lam m ais diretam en te ao pen sam en to
do gru po represen tan te dos in teresses do periódico, poden do con tribu ir
assim para a com preen são do caráter da cen su ra prévia. Qu an to a M, se-
lecion aram -se algu m as m atérias den tro de su btem as específicos qu e pu -
dessem traçar o perfil do jorn al para depois poder con fron tar a an álise dos
dois periódicos de m odo a m ostrar a diversidade da atu ação da cen su ra.
Este livro com põe-se de três capítu los. No prim eiro an alisa-se o
m aterial relacion ado ao OESP. In icialm en te, bu sca-se caracterizar teori-
cam en te o periódico, qu alifican do-o de liberal con victo, n a m edida em
qu e plen am en te afin ado com os ideais propostos pelo liberalism o (basi-
cam en te lockeano) qu e podem explicar tan to a su a adesão à con spiração

31
qu e derru bou em 1964 o presiden te João Gou lart, bem com o su a atitu -
de oposicion ista em m om en to de recru descim en to da repressão política
do regim e, o qu e, em ú ltim a in stân cia, explica os lim ites da cen su ra pré-
via ao órgão de divu lgação. Posteriorm en te, vem a an álise detalh ada do
m aterial cen su rado, com a apresen tação de tabelas de dados qu an titati-
vos e explicitação do con teú do das u n idades tem áticas, ao lado dos su b-
tem as correspon den tes. En fatizam -se ain da algu m as m atérias assin adas
ou oriu n das de editoriais. Por ú ltim o, apresen tam -se as estratégias u tili-
zadas pelo OESP n a su bstitu ição dos vetos deixados pelo cen sor, n a ten -
tativa de alertar o leitor para a em ergên cia da cen su ra. Destaca-se a im -
portân cia dessa estratégia com o form a de resistên cia qu e atin ge o cen tro
das preocu pações da cen su ra.
O segundo capítulo é completamente dedicado ao M. Em primeiro lu-
gar, procura-se definir com precisão o significado da imprensa alternativa,
por comparação a órgãos de imprensa convencional de pequeno, médio e
grande porte. A seguir, procura-se caracterizar a originalidade do M no pa-
radigma mais amplo da imprensa alternativa, por meio de suas intenções
programáticas e de sua montagem administrativa. Em segundo, do mesmo
modo como o realizado em OESP, busca-se apresentar o material vetado do
M, destacando já alguns pontos de diversidade entre os dois órgãos de divul-
gação. Em terceiro, a tentativa é a de caracterizar o espírito geral da censu-
ra prévia a M dentro dos parâmetros programáticos do periódico e dos obje-
tivos do Estado autoritário brasileiro pós-64. Ao lado disto, procura-se ana-
lisar as razões que contribuíram para o término do projeto do M, em parti-
cular, e para o encerramento da fase áurea da imprensa alternativa.
O terceiro capítu lo procu ra associar os elem en tos do trin ôm io en fo-
cado prim ordialm en te n este trabalh o – cen su ra prévia à im pren sa escrita,
reação de órgãos de divu lgação diferen ciados e Estado au toritário brasilei-
ro. Desse m odo, delin eiam -se os m arcos cron ológicos da cen su ra à im -
pren sa escrita com a m on tagem de u m h istórico qu e m ostra as oscilações
e alterações de percu rso ao lon go desses dez an os. A partir daí, u tilizan do-
se os dados levan tados pela pesqu isa, procu ra-se caracterizar a cen su ra
prévia com o fu n dam en talm en te n ão-aleatória (en fatizan do-se o perfil do
cen sor) e m u ltifacetada, varian do de acordo com o m om en to h istórico e
com o periódico sobre o qu al atu a, e sem pre de acordo com os objetivos
do regim e m ilitar brasileiro. Para fin alizar, traça-se u m estu do com parati-
vo da cen su ra realizada em OESP e da efetu ada n o M, procu ran do-se, ao
m esm o tem po, com parar dados e con fron tar a an álise com ou tras pesqu i-
sas qu e levam em con ta a u tilização de fon tes diversificadas.

32
N OTA S
1. Aqu i, está sen do iden tificada a problem ática da con stitu ição de u m a m em ória h istórica
dotada de u m poten cial de redu ção ao silên cio dos possíveis n ão con cretizados, através da
u tilização de u m a docu m en tação qu e privilegia gru pos e circu n stân cias. Essa visão crítica
em relação à con stitu ição da m em ória aparece explicitada n as con cepções de Walter Ben ja-
m in , preocu pado com a tem poralidade e a experiên cia h u m an a. Para u m a m elh or com -
preen são dessas qu estões ver Walter Ben jam in , Magia e Técnica, Arte e Política, 1986. No Bra-
sil, ver os trabalh os iden tificados com essas in qu ietações: Edgar S. Decca, 1930 – O Silêncio
dos Vencidos, 1986, Edgar S. Decca e Carlos Alberto Vesen tin i, “A Revolu ção do Ven cedor”,
Revista de Ciência e Cultura (SBPC), 1977; Carlos Alberto Vesen tin i, “A In stau ração da Tem po-
ralidade e a (Re)fu n dação n a História: 1937 e 1930”, Tempo Brasileiro, 1986.
2. Aqu i, a referên cia é a E. P. Th om pson dada a su a preocu pação com a experiên cia h u m a-
n a qu e ele con sidera u m a form a de recu peração dos h om en s en qu an to su jeitos. São estas
as su as palavras qu an do se pron u n cia em m eio à crítica feita a Alth u sser: “O qu e descobri-
m os (em m in h a opin ião) está n u m term o qu e falta: experiência humana. É esse, exatam en -
te, o term o qu e Alth u sser e seu s segu idores desejam expu lsar, sob in jú rias, do clu be do pen -
sam en to, com o n om e de empirismo. Os h om en s e m u lh eres tam bém retorn am com o su jei-
tos, den tro deste term o – n ão com o su jeitos au tôn om os, indivíduos livres, m as com o pessoas
qu e experim en tam su as situ ações e relações produ tivas determ in adas com o n ecessidades e
in teresses com o an tagon ism os, e em segu ida ‘tratam ’ essa experiên cia em su a con sciên cia e
su a cu ltu ra [grifos do au tor] (as du as expressões exclu ídas pela prática teórica) das m ais
com plexas m an eiras (sim , relativamente autônomas), e em segu ida (m u itas vezes, m as n em
sem pre, através das estru tu ras de classes resu ltan tes) agem , por su a vez, sobre su a situ ação
determ in ada”. (A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros, 1981, p. 182.)
3. Ver Paolo Marcon i, A Censura Política na Imprensa Brasileira (1968-1978), 1980; Élio Gaspa-
ri, “Os Docu m en tos da Cen su ra”, Jornal do Brasil, 1978; e Gláu cio Ary Dillon , “A Cen su ra
du ran te o Regim e Áu toritário”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1989.
4. O u so dos term os dom in ação e resistên cia cam in h a n a direção da crítica à u tilização frag-
m en tada e redu zida qu e tem sido feita da con ceitu ação clássica m arxista de “lu ta de clas-
ses”. Ao se trabalh ar com essa term in ologia acredita-se abran ger as con flitu osas relações en -
tre os diversificados gru pos qu e com põem a sociedade. En con tram -se estas preocu pações de
crítica ao econ om icism o das leitu ras feitas por algu n s dos divu lgadores da obra de Karl Marx
(bem com o à u tilização dos term os “classe” e “lu ta de classes” de form a qu e n ão se possa
perceber a h eterogen eidade den tro de u m a h om ogen eização con stru ída) n as obras do gru -
po in glês organ izado em torn o da revista History Wokrshop Journal, en tre as qu ais con side-
ram -se dign as de destaqu e: E. P. Th om pson , op. cit.; E. P. Th om pson , A Formação da Classe
Operária Inglesa, 1987; E. P. Th om pson , “Tiem po, Disciplin a de Trabajo y Capitalism o In du s-
trial”, em Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase, 1979; Raph ael Sam u el (org.), Historia Po-
pular y Teoria Socialista, 1984. A preocu pação com a am pliação da an álise da exploração para
além do cam po m eram en te econ ôm ico qu e opõe capital e trabalh o, com a dissociação en -
tre “exploração” e “dom in ação” (qu e aparecem n o m arxism o com o sin ôn im os, pois só se
adm ite o pen sar crítico em relação ao capitalism o) en con tra-se presen te n a ch am ada “teo-
ria crítica” ou “escola de Fran kfu rt”. Nesse cam po, foi de fu n dam en tal valia a leitu ra das
obras: Bárbara Freitag, A Teoria Crítica Ontem e Hoje, 1986; Olgária C. F. Mattos, “A Melan co-
lia”, Leia, 1987, pp. 16-17; e Olgária C. F. Mattos, Os Arcanos do Inteiramente Outro, 1989.
Qu an to ao trabalh o com a rotin a diária, en caran do o cotidian o com o espaço de alien ação,
m as tam bém com o local privilegiado para a desalien ação, n a m edida em qu e plen o de con -
flitos, espaço para a expressão da dom in ação e, dialeticam en te, para a m an ifestação da re-
beldia, lu gar on de se dão as tran sform ações sociais; estas preocu pações podem ser explicita-
das n a obra de Agn er Heller, O Cotidiano e a História, 1985; e em u m trabalh o qu e pode ser
en carado com o aplicação prática das con cepções hellerianas: Maria Helen a Patto, A Produção
do Fracasso Escolar: Histórias de Submissão e Rebeldia, 1970.

33
5. A partir deste m om en to será u tilizada para O Estado de S. Paulo a sigla OESP, e para o jor-
n al Movimento, M, exceto em títu los ou iten s de destaqu e e citações.
6. É im portan te destacar a form a origin al qu e a em presa de OESP escolh eu para cobrir os
espaços deixados pela cen su ra. No caso de OESP, após m ú ltiplas variáveis, acabou por se re-
correr ao u so de poem as, optan do-se, fin alm en te pela pu blicação d’Os Lusíadas de Cam ões.
Qu an to ao Jornal da Tarde, perten cen te à m esm a em presa, a su bstitu ição recaiu n a veicu la-
ção de receitas cu lin árias.
7. Segu n do o apên dice da obra de Paolo Marcon i (op. cit.), em m om en to qu e descreve a cen -
su ra im posta à revista Veja, esta resolve n o fin al de fevereiro de 1974, a partir do n .º 285,
m ostrar aos leitores qu e estava sen do cen su rada e o faz por m eio da colocação de gravu ras
de en tidades diabólicas e an jos. Mas essa n ão foi u m a estratégia con stan te, ten do sido in ter-
rom pida n o n .º 291.
8. Raph ael Sam u el, História Local e História Oral, 1988, p. 27.
9. Qu an do se destaca a qu estão da experiên cia e do silên cio qu e perm eia a docu m en tação,
o qu e se qu er dizer é qu e se en con tra teoricam en te ao lado de preocu pações con stan tes n a
h istoriografia con tem porân ea. É o caso dos problem as levan tados por E. P. Th om pson n o
sen tido de aprofu n dar os silên cios deixados pelas obras de Karl Marx e vu lgarizados pelos
seu s segu idores, e tam bém n o seu trabalh o de com preen são do social com o u m con stan te
refazer-se, com o u m a revisita qu e o presen te pode realizar em relação ao passado, n a su a
estratégia de recon stru ção.
10. Raph ael Sam u el, op. cit., p. 31.
11. Apesar de n ão ter sido possível o acesso a ou tros trabalh os qu e tratam da m esm a tem á-
tica, o artigo referido destaca três ou tras obras: Su lam ita Maria Barbosa Assis, Censura à Im-
prensa no Regime Brasileiro Pós-64: Seus Fundamentos Ideológicos e seus Parâmetros Políticos, 1987;
Sílio Boccan era, An Experiment in Prior Restraint Press Censorship in Brazil, 1972-1975, 1978; Al-
berto Din es, trabalh o sem títu lo apresen tado n o In stitu to de Estu dos Latin oam erican os da
Colu m bia Un iversity, 1975. Segu n do Gláu cio, os trabalh os de Alberto Din es e Sílio Bocca-
n era adotaram u n idades tem áticas diferen tes, en fatizan do do m esm o m odo as qu estões po-
líticas. Estes trabalh os são baseados n a an álise de bilh etes e orden s telefôn icas en cam in h a-
dos às redações, fu n dam en talm en te do Jornal do Brasil. Alberto Din es trabalh ou com as se-
gu in tes u n idades tem áticas: terrorism o, oposição política, problem as econ ôm icos, prision ei-
ros políticos, tortu ra e atividades estu dan tis. Sílio Boccan era, por ou tro lado, trabalh ou com
atividades policiais, política in tern a e in tern acion al, su bversão, Igreja Católica, au toridades,
im pren sa e assu n tos econ ôm icos.
12.Essas obras foram realizadas a pedido do próprio jorn al e estão dispon íveis para con su l-
ta n o arqu ivo de OESP.
13. É u m a retrospectiva de toda a h istória da im pren sa n o país, desde seu s prim órdios n a
colôn ia até m eados da década de 1960.
14. Obra sobre a participação do jorn al n a cam pan h a à presidên cia da repú blica qu e en vol-
ve a dispu ta do m arech al Herm es da Fon seca.
15. Pu blicação qu e con ta toda a h istória do periódico, desde su a fu n dação até o cen ten ário,
e qu e foi lan çada n a data de su a com em oração. Além disso, a em presa pu blicou , ao lon go
do an o de 1975, sem an alm en te, su plem en tos en tre os qu ais se destaca a coleção de cin co
n ú m eros (46 a 50), editados en tre 15 de n ovem bro e 13 de dezem bro de 1975, relativos à
tem ática “A liberdade de In form ação n o Brasil”, de au toria do jorn alista Flávio Galvão. Ne-
les está presen te a lu ta do jorn al pela liberdade de expressão, desde su a fu n dação (1875) até
1975.
16. Nesta obra, as au toras discu tem , fu n dam en tadas n os editoriais de OESP, a problem ática
do liberalism o n o Brasil en tre 1927 e 1937.

34
17. Aqu i, a au tora discu te os discu rsos dos liberais e an ti-liberais n a im pren sa pau lista para
com por u m pain el em qu e são delin eados a atu ação dos periódicos e seu projeto para a so-
ciedade. Em u m capítu lo de su a tese Os Intérpretes da Luzes. Liberalismo e Imprensa Paulista:
1920-1945, referen te ao Estado Novo e à cen su ra à im pren sa, Maria Helen a en fatiza a atu a-
ção de OESP e su a resistên cia.
18. Destacam -se: Catálogos de Imprensa Alternativa, 1986; Imprensa Alternativa & Literatura --
Os Anos de Resistência, 1987; e Antologia Prêmio Torquato Neto, 1984, 1985.
19. O au tor tam bém foi colaborador do M e con cedeu u m a rápida en trevista em 27 ou t.,
1989. Neste artigo, ele realiza u m a com pilação da pesqu isa e u m a seleção do m aterial veta-
do em M, a con vite do RIOARTE, ten do em vista o lan çam en to de u m a pu blicação especí-
fica sobre o M.
20. En fatizam os o n ú m ero in icial, 7 ju l., 1975, em qu e aparecem explicitados o program a e
a con cepção adm in istrativa do sem an ário; os n ú m eros 154/ 155/ 156, 12 a 26 ju n ., 1978, qu e
em reportagen s especiais n arram a h istória da cen su ra ao periódico; e o n ú m ero 334, 23
n ov., 1981, qu e apresen ta u m a sín tese da h istória viven ciada em seis an os e m eio de exis-
tên cia do M, bem com o as razões do en cerram en to do projeto jorn alístico.

35
capítu lo 1
O JORNAL O ESTADO DE
S. PAULO: UM LIBERAL CONVICTO

An alisan do-se a tem ática da cen su ra prévia à im pren sa escrita n os


lim ites tem porais estabelecidos pelo Estado au toritário pós-64, depara-se
com a gran de qu an tidade de periódicos qu e sofreram a su a ação. Isto de-
m an dou dem orada reflexão e pesqu isa in icial referen te aos cortes n eces-
sários derivados da im en sidão do m aterial à disposição.
O prim eiro pon to a ch am ar a aten ção – n a realidade u m desdobra-
m en to do m esm o m ovim en to de dom in ação e resistên cia – foi a varieda-
de da atu ação da cen su ra, ao lado da diversidade de reações por parte dos
órgãos de divu lgação, qu alificados n orm alm en te com o fazen do parte da
gran de im pren sa.
Qu alifica-se de gran de im pren sa – e aqu i o term o aparece por opo-
sição a u m a im pren sa de m en or porte – os órgãos de divu lgação cu ja vei-
cu lação pode ser diária, sem an al ou m esm o qu e atu em em ou tra periodi-
cidade, m as cu ja dim en são, em term os em presariais, atin ja u m a estru tu -
ra qu e im pliqu e n a depen dên cia de u m alto fin an ciam en to pu blicitário
para a su a sobrevivên cia. À gran de im pren sa, com o aliás, de m odo geral,
à toda im pren sa con ven cion al de con otação liberal (de pequ en o, m édio
ou gran de porte), n ão se perm ite viver som en te com a ven da em ban cas
ou com as assin atu ras, dado qu e costu m a atin gir u m gran de estado da fe-
deração ou , n a m aior parte das vezes, a qu ase totalidade do país. A dife-
ren ça, portan to, en tre u m a im pren sa con ven cion al de pequ en o, de m é-
dio e de gran de porte está n o tam an h o do em preen dim en to e n a divu l-
gação qu e possu i. A gran de im pren sa con ta com esqu em as de distribu i-
ção n acion al e m esm o, às vezes, com u m a veicu lação qu e abran ge algu -
m as praças in tern acion alm en te.
Em term os de im pren sa escrita diária, apon tam -se exem plos de
gran de im pren sa n os jorn ais: O Globo, do gru po Roberto Marin h o, origi-
n ário do Rio de Jan eiro, Jornal do Brasil, de propriedade de Nascim en to
Brito do Rio de Jan eiro; Folha de S. Paulo, perten cen te à fam ília Frias de
São Pau lo, OESP e Jornal da Tarde, dos Mesqu ita de São Pau lo. Com o
exem plo de revista sem an al represen tan te da gran de im pren sa: Veja, da
editora Abril Cu ltu ral de São Pau lo.
Portanto, não se colocam na qualidade de grande imprensa, órgãos de
divulgação diária limitados às suas respectivas praças de origem como é o
caso da Tribuna da Imprensa, cuja veiculação permanece muito restrita ao Rio

37
de Janeiro, ou mesmo de revistas semanais de menor porte, cuja estrutura
não lhes permite a abrangência nacional.
Restrin gin do-se à gran de im pren sa diária e aos jorn ais de m aior
circu lação do eixo Rio-São Pau lo (Folha de São Paulo, OESP, Jornal da Tar-
de, O Globo, Jornal do Brasil), o sen so com u m costu m a estabelecer, den -
tre eles, com o o bastião do con servadorism o político e, além disso,
com o o defen sor dos ch am ados ideais do m ovim en to de 1964, de qu e
foi con spirador con fesso, o jorn al OESP. Já em relação à lu ta pelo resta-
belecim en to das liberdades dem ocráticas, particu larm en te, pela volta
das eleições diretas para Presidên cia da Repú blica, com o m ovim en to
das “Diretas-já”1 , en tre o fim de 1983 e o in ício de 1984, o sen so com u m
ju lgou a Folha de S. Paulo com o u m dos balu artes da defesa de u m a so-
ciedade m ais ju sta e dem ocrática.
Su rpreen den tem en te, porém , ao in iciar a pesqu isa verificou -se
qu e den tre os jorn ais de gran de circu lação do eixo Rio-São Pau lo e m es-
m o em toda a gran de im pren sa diária, som en te o OESP e o Jornal da Tar-
de foram alvos de cen su ra prévia (en tre ago./ set. 1972 e jan . 1975), en -
qu an to qu e os dem ais praticavam a au tocen su ra 2 , acatan do as determ i-
n ações oriu n das da Polícia Federal, seja n a form a de bilh etin h os, geral-
m en te apócrifos, seja por m eio de orden s telefôn icas às redações, e cen -
su ran do in tern am en te determ in ados assu n tos con siderados proibidos
por essas orden s. O jorn al OESP, a partir de agosto e setem bro de 1972,
viven cia a experiên cia da cen su ra prévia, receben do a presen ça do cen -
sor diariam en te em su a redação – o qu e som en te se en cerra em jan eiro
de 1975 – cortan do n a ín tegra ou m u tilan do textos escritos, já editados
e diagram ados para pu blicação.
In depen den tem en te das razões e ju stificativas dessas postu ras dife-
ren ciadas, a su rpresa n a aproxim ação de OESP – u m a vez qu e a pesqu isa
foi realizada com o m aterial oriu n do da cen su ra prévia, e n ão com a an á-
lise dos bilh etes e orden s telefôn icas – relacion a-se com a problem ática do
liberalism o ligada à gran de im pren sa e, con com itan tem en te, à postu ra
desse jorn al em especial.

A GRA N D E IMPREN SA E OS PRIN CÍPIOS LIBERA IS:


OESP (1964-1968)
No qu e diz respeito à atu ação de OESP, h á u m a con tradição apa-
ren te, tom an do-se o liberalism o 3 com o m odelo teórico de defesa das ch a-
m adas liberdades n atu rais do in divídu o e com o a teoria política de con -
ten ção da in terferên cia do Estado.
Fala-se em con tradição porqu e pode cau sar espan to o fato de qu e
o gru po qu e represen ta os in teresses dos proprietários do jorn al, tradicio-

38
n alm en te defen sores de u m a postu ra liberal dem ocrática, em vários edi-
toriais do período qu e an tecede ao golpe de 1964, n ão h esita em propor
até a in terven ção por in term édio da ação das Forças Arm adas para a der-
ru bada de u m govern o dem ocraticam en te con stitu ído. Nestes term os, as
idéias do jorn al OESP aproxim am -se m ais do m odelo do liberalism o do
qu e dos ideais pu ram en te dem ocráticos4.
Lim itan do as idéias liberais às postu ras professadas por Joh n Loc-
ke, o pen sador m ais próxim o das reflexões exibidas por OESP, explicita-
das em diversos editoriais e m esm o por seu s editores e colaboradores m ais
con stan tes, observa-se qu e a posição do gru po qu e represen ta os in teres-
ses dos proprietários do jorn al, con spiran do abertam en te con tra o gover-
n o con stitu cion al de João Gou lart, é teoricam en te ju stificável n os m oldes
do liberalism o lockeano.
Joh n Locke adm ite qu e para viver coletivam en te e, ao m esm o tem -
po, defen der os direitos n atu rais do in divídu o, para qu e o estado de n a-
tu reza n ão se con verta em estado de gu erra, os h om en s igu alm en te livres
estabelecem u m pacto social qu e cria a sociedade civil. O govern an te, en -
tretan to, apen as deve execu tar as leis n atu rais preservan do a vida, a li-
berdade e a propriedade. Seu poder de govern an te é ou torgado pelos
m em bros da sociedade, poden do ser revogado pela in su rreição destes,
caso as au toridades com etam o abu so do m an do. Assim , apesar de defen -
der a dem ocracia, OESP en ten dia as atitu des de João Gou lart com o in ter-
ferên cia dem asiada do govern an te e u su rpação dos direitos n atu rais dos
in divídu os, portan to, com o alvo de resistên cia da sociedade civil.
Além disso, n as reflexões de C. B. Macph erson 5, qu e tece lon gas
con siderações para explicitar o qu e erron eam en te pode ser con siderado
com o con traditório em Locke – a qu estão dos lim ites da igu aldade en tre
os h om en s e o direito de propriedade ilim itada dos in divídu os –, en con -
tram -se ou tras ju stificativas para o pen sam en to liberal de OESP.
Na bu sca de u m a explicação para a afirm ação da igu aldade n atu ral
en tre os h om en s, ao lado da desigu aldade su rgida a partir da apropriação
ilim itada de algu n s em detrim en to de ou tros, Macph erson observa qu e a
partir do m om en to em qu e Locke trabalh a com a idéia do u so do din h ei-
ro, in valida a n oção de qu e só é lícito apropriar-se de algo qu e se possa
u tilizar. Ao m esm o tem po cai por terra a con den ação da apropriação ili-
m itada pela proibição do desperdício, n a m edida em qu e se con vertem os
ben s em elem en tos sem elh an tes ao ou ro e à prata (din h eiro), qu e n ão es-
tragam , e, por con segu in te, n ão são alvo do desperdício con den ável. Pros-
segu in do n essa lin h a de argu m en tação, u m a vez ju stificada a diferen ça
en tre os h om en s (aqu eles qu e têm propriedade são diversos dos qu e n ão
a têm ), coloca-se a qu estão da racion alidade separan do os in divídu os de
m odo a adm itir qu e os n ão-proprietários, apesar de serem “parte in dis-
pen sável à n ação, [...] n ão vivem e n ão podem viver u m a vida racion al”6.

39
Ao lado destas con siderações, observa-se qu e com o os n ão-proprietários
n ão têm capacidade de u m a ação política racion al, n ão têm tam bém di-
reito à revolu ção, reservada som en te àqu eles qu e têm possibilidade de
u m a “decisão racion al”7. Deste m odo, en con tram -se plen am en te ju stifica-
dos os proprietários de OESP n a proposição da rebelião arm ada con tra u m
govern o dem ocraticam en te in stitu ído, u m a vez qu e acreditam estar de-
fen den do os direitos n atu rais dos h om en s con tra o abu so do poder do go-
vern an te; en qu an to proprietários, ach am -se n o direito, pois dotados da
capacidade de ação política racion al, de propor a revolu ção.
É bastan te elu cidativa a posição do jorn al n o qu e se refere à qu es-
tão das diferen ças en tre os h om en s, n o trech o qu e se segu e:

Não preten dem os cobrar de n in gu ém os serviços prestados a este país e à


cau sa das liberdades e dos direitos h u m an os n o m u n do in teiro. Apren de-
m os de n ossos m aiores qu e as sociedades h u m an as se dividem em dois
gru pos: o dos qu e são credores da sociedade, form ado pela im en sa m aio-
ria dos desprivilegiados, e o dos qu e são devedores da sociedade, con stitu í-
do pela in sign ifican te m in oria dos qu e são privilegiados. Na lu ta diária do
jorn alism o, três gru pos de diretores deste jorn al vêm pagan do su a dívida.
Se deixássem os de existir h oje, estaríam os com a con sciên cia tran qü ila de
qu em tem a dívida qu itada.8

Essas palavras de Ru y Mesqu ita, u m dos proprietários da em presa


e, du ran te an os, diretor-respon sável pelo Jornal da Tarde9 , proferidas n a
data de com em oração do cen ten ário do jorn al (4 jan . 1975), n a abertu -
ra do prim eiro de u m a série de su plem en tos com em orativos qu e o jor-
n al lan çou ao lon go de 1975, apon tam com o “n atu ral” a diferen ciação
en tre os h om en s, com base n a apropriação ilim itada de algu n s em detri-
m en to de ou tros.
Acredita-se, com esta explicitação, ter sido su ficien tem en te esclare-
cido o qu e poderia parecer con traditório a algu n s n a posição defen dida
por OESP e n os lim ites estabelecidos en tre o liberalism o e a dem ocracia,
em qu e cabem , ao m esm o tem po, as qu estões da apologia à dem ocracia e
a defesa da in terven ção arm ada con tra o govern o legalm en te in stitu ído,
além da con ciliação dos direitos n atu rais de igu aldade e propriedade en -
tre os h om en s.
Porém , ou tras problem áticas se an tepõem ao con siderar a qu estão
da gran de im pren sa em geral e a posição específica de OESP, n o qu e tan -
ge à cen su ra à im pren sa escrita.
Com o se pode explicar a defesa in tran sigen te qu e o jorn al faz do
Estado au toritário brasileiro in stau rado em 1964 ao lado de su a recu sa n a
aceitação de seu s desdobram en tos, n a form a de en rijecim en to do regim e
político? Os proprietários do jorn al n ão teriam percebido o “m on stro” qu e
estavam aju dan do a criar e qu e acabaria por en goli-los?

40
Aliás, essa mesma indagação está presente na entrevista concedida
por Ruy Mesquita a José Álvaro Moisés e Maria Victória Benevides, para a
revista Lua Nova.
A u m a in dagação de José Álvaro Moisés:

Dr. Ruy, deixe eu entrar num aspecto que sempre foi uma dúvida, uma per-
plexidade. Por que houve engajamento dos liberais naquilo que levou a 64?
Finalmente foi um golpe, rompeu a ordem instituída. Como explicar? 10

Ru y Mesqu ita assim se pron u n cia:

É qu e o Jan go, pelas su as próprias con dições cu ltu rais, era u m in capaz. Era
até u m a boa pessoa para o con vívio social, m as com pletam en te desprepa-
rado para algu m dia ser Presiden te da Repú blica, m u ito m en os n u m m o-
m en to com o aqu ele. [...] Mas o fato é qu e [...] os m ilitares perceberam qu e
n ão h avia ch an ce de con trolá-lo (ele com eçou a se cercar da esqu erda e a
in iciar aqu ele projeto de reform a qu e ch am ava de repú blica sin dicalista).
Militares de segu n do escalão n os procu raram , aqu i em São Pau lo. Dois
an os an tes do desfech o. [...] O esqu em a jan gu ista com eteu , n a m in h a opi-
n ião, o erro qu e o levou à su a derrota defin itiva. Com eçou a prom over a
su bversão den tro das Forças Arm adas. [...] Aí, n essa fase, sem an alm en te o
n osso gru po de civis reu n ia-se com qu aren ta, cin qü en ta oficiais e discu tia
o qu e fazer para resistir ao golpe qu e ach ávam os in evitável. [...] Com a
participação de civis, qu e esses m ilitares organ izaram em gru pos, qu e trei-
n avam até m ilitarm en te, o qu e era, n a m in h a opin ião, até m eio in cipien -
te... Em n en h u m m om en to, n ós qu e participávam os dessas reu n iões, tí-
n h am os a preten são de derru bar o govern o. Nós ach ávam os qu e, n a h ora
em qu e ele declarasse a reform a in stitu cion al, poderíam os resistir e aí fa-
zer u m a espécie de guerra de guerrilhas [grifo do au tor] e ten tar criar pro-
blem as para ele até qu e recon h ecesse u m estado de beligerân cia den tro do
Brasil... Nós éram os os su bversivos con tra o govern o deles. E ele errou ...
José Álvaro Moisés – Insisto: eis aqui um aspecto que interessa para um exa-
me do significado prático do pensamento liberal. Na prática, isso levou exa-
tamente ao contrário, ao oposto do que se proclamava: à ditadura.
Ruy Mesquita – Levou . Isso são “ou tros qu in h en tos m il-réis” qu e vêm
m ais tarde. [...] Havia u m projeto de qu e os m ilitares tin h am qu e ficar n o
govern o pelo m en os cin co an os. [...] Mas m eu pai, qu an do foi solicitado
pelos m ilitares a apresen tar u m a su gestão, ach ava u m absu rdo (por aí vo-
cês vêem com o depois as coisas m u daram ) o prazo de cin co an os qu e es-
tava sen do proposto. Ach ava qu e se devia fazer u m a coisa m u ito m ais rá-
pida, n o m áxim o três an os. E, depois, qu e se deveria pôr im ediatam en te
em vigor (com algu m as m odificações para perm itir o expu rgo) a Con sti-
tu ição de 1946 para qu e o país ficasse tran qü ilo qu an to às in ten ções do
m ovim en to. Para prom over, im ediatam en te, depois, a redem ocratização
do país e tu do bem . Essa era a idéia. O Castelo Bran co, n o m om en to em
qu e assu m iu a Presidên cia da Repú blica, tin h a o firm e propósito de pro-
m over u m a eleição para eleger u m civil. [...] A m aioria esm agadora, 80%
dessa oficialidade qu e con spirou con osco, m eses depois, n o govern o Cos-

41
ta e Silva, já tin h am aban don ado as Forças Arm adas, com pletam en te de-
cepcion ados com o ru m o qu e a revolu ção estava tom an do. Qu em acabou
dom in an do a revolu ção, com o acon tece em todas as revolu ções, ao lon -
go da h istória, n ão foram os revolu cion ários au tên ticos. Qu e n ão eram
h om en s capazes de praticar tortu ras, n em n ada disso. 11

Aqu i aparecem delin eados os m otivos qu e explicam , n a con ceitu a-


ção de u m dos proprietários da em presa, a coerên cia da postu ra liberal
com o apoio ao golpe de 1964, e posteriorm en te su a oposição qu an do do
recru descim en to repressivo do regim e m ilitar.
En tretan to, acom pan h an do-se os editoriais de OESP n o período qu e
an tecede im ediatam en te ao golpe de 1964, observa-se o tom alarm ista de
crítica ao govern o de João Gou lart, apon tan do para as possibilidades de
con tin u ísm o presen tes atrás de m an obras do presiden te; con clam an do a
sociedade civil e as Forças Arm adas n a defesa do qu e con sideram com o in -
teresses gerais e direitos n atu rais dos h om en s e con spiran do abertam en te
con tra o govern o in stitu ído. Na seqü ên cia, tom an do os editoriais qu e su -
cedem o m ovim en to arm ado de derru bada do presiden te, n ota-se qu e
OESP n ão som en te apóia o golpe, m as en cara-o com o viva aspiração n a-
cion al; além de aprovar a escolh a do n om e do m arech al Hu m berto de
Alen car Castelo Bran co para assu m ir a presidên cia e de su sten tar a tese da
n ecessidade das arbitrariedades com etidas pelo ato in stitu cion al n .º 1, edi-
tado a 9 de abril de 1964.
An tes qu e se elu cidem estas qu estões com algu n s exem plos, é con -
ven ien te u m a explicitação de ordem técn ica.
Tradicion alm en te, até os dias atu ais, OESP reserva a págin a n .º 3
para os editoriais. Na época e m esm o m ais tarde, n o período da cen su ra
prévia, estes costu m avam aparecer sob o títu lo “Notas e In form ações”
(m an tido desde os prim eiros tem pos do jorn al até h oje) – cerca de três a
cin co m atérias versan do sobre tem áticas n acion ais e in tern acion ais qu e
represen tavam diretam en te o pen sam en to do periódico, estan do sob a
respon sabilidade da direção ou da ch efia de edição. Estas m atérias apare-
ciam em colu n as verticais (h oje se posicion am h orizon talm en te) e ocu pa-
vam o lado esqu erdo e o cen tro da págin a. No lado direito (do topo até
u m pou co abaixo da m etade da págin a, u m a vez qu e a parte in ferior era
reservada ao su m ário do periódico), localizavam -se as m atérias assin adas
pelas su cu rsais, espalh adas pelos estados do país, de respon sabilidade de
su as ch efias qu e, obviam en te, gozavam de con fian ça extrem a dos pro-
prietários de OESP, pois ocu pavam altos cargos n a em presa. Portan to, es-
tas m atérias represen tavam tam bém o pen sam en to do periódico.
Segu em -se algu n s exem plos:

a) No dia 3 de março de 1964, na página 3, nos artigos de responsa-


bilidade das sucursais, a sucursal de Brasília manifesta-se, alertando o Pre-

42
sidente da República, João Goulart, para a temeridade da realização da “re-
formas de base”12 e da efetivação do Comício da Central do Brasil13, onde
localizavam a presença ostensiva de “elementos comunistas”. O artigo inti-
tulado “Goulart Teria Sido Alertado sobre os Riscos do Comício”, assim se
posicionava, em relação às Forças Armadas:

O ch efe de govern o estaria advertido de qu e a solidariedade com qu e con -


ta, n o setor m ilitar, para a su a política “reform ista”, n ão irá em n en h u m
m om en to além dos lim ites traçados pela legalidade.14

b)No mesmo dia 3 de março, a sucursal do Rio de Janeiro, sob o títu-


lo “Receio”, manifestava-se a respeito de uma reunião de governadores dos
estados que ocorrera recentemente em Salvador, sendo que o temor apon-
tado desde o título era o de um golpe continuísta, em marcha, nos planos do
Presidente da República. Segundo OESP, o tema constante das conversas dos
governadores seria: “[...] o medo de um golpe, o receio de que ele está sen-
do preparado pelo senhor João Goulart, inconformado com a hipótese de ter
que passar o governo ao seu sucessor legitimamente eleito”15. Ao mesmo
tempo, já estava presente o tom de ameaça:

O golpe é u m a preocu pação de todos, em bora n in gu ém com ele se decla-


re de acordo, sen do u n ân im es as afirm ações de qu e o regim e será defen -
dido com u m a determ in ação qu e talvez n ão esteja sen do con siderada n os
plan os presiden ciais.16

É n ecessário qu e se apon te para a am bigü idade do trech o su praci-


tado, qu an do se refere ao “golpe” qu e, em m om en to an terior, h avia sido
atribu ído às in ten ções do Presiden te da Repú blica e, n este m om en to,
aparece com o u m cam in h o possível (su tilm en te colocado) aos govern a-
dores qu e agiriam com “determ in ação” n a defesa do regim e aviltado pe-
los “plan os presiden ciais”.

c) Alu sões à “su bversão da ordem ”, patrocin ada pelo próprio go-
vern o, eram com u n s n as m atérias alarm istas de OESP, com o é o caso des-
te trech o de artigo assin ado por Pedro Dan tas17 qu e se referia ao film e En-
couraçado Potemkim:

É qu e esse cu riosíssim o órgão estu dan til em qu e se tran sform ou a UNE18,


prom oveu u m a exibição do film e n o au ditório do Min istério da Edu cação.
Ou a UNE ou os elem en tos qu e lh e são ligados. E levaram para assistir à
exibição seu s con vidados especiais qu e eram , ju stam en te, m arin h eiros e
fu zileiros19, para os qu ais o film e pode ser im próprio. Dizem as n otícias
qu e, n ão satisfeitos com a estran h ável in iciativa, dispu n h am , os patrocin a-
dores da exibição de u m com en tarista, para acom pan h ar as cen as m ais ex-
pressivas, de u m in citam en to expresso, apon tan do, com o exem plo a se-
gu ir, a revolta e a su bversão.

43
O fato n ão se passou n o recin to de u m clu be fech ado: teve o patrocín io in -
direto do govern o, já qu e prom ovido pela en tidade dita dos estu dan tes, em
salão do Min istério e, portan to, com a an u ên cia, o placet da au toridade pú -
blica, do poder estatal e do govern o qu e o en carn a. É o con vite oficial à in -
su bordin ação, pela apresen tação especial e com en tada, ao pú blico m ais
sen sível ao argu m en to, de u m film e qu e esse m esm o pú blico só poderia ser
adm itido a assistir se o fizesse n orm alm en te, in do ao cin em a por su a con -
ta, para ver esse film e ou ou tro qu alqu er. Com o con vidado do govern o, só
m esm o on de o govern o é isso qu e vem os aí.20

d) Causa espécie o tom de referência ao Presidente da República em


editorial (o primeiro de “Notas e Informações”) do dia 4 de março de 1964.
Criticando o Sr. Seixas Dória, governador do estado de Sergipe que, em
reunião de governadores em Salvador, apesar de pertencer UDN21, saiu em
defesa das “reformas de base” de João Goulart, o editorial aproveita para fa-
zer referência de modo pejorativo e pouco polido ao chefe da nação:

Mas o atu al ch efe do Execu tivo Sergipan o, com o o Sr. Presiden te da Re-
pú blica e ou tras figu ras da política brasileira, perten cem u m a fau n a, h oje
in titu lada “bossa n ova”22, qu e n ão sen te a m en or relu tân cia em se apresen -
tar ao eleitorado com os ju ram en tos e as prom essas m ais con cordes com a
respectiva lin h a partidária, e tran sm u darem -se depois de eleitos n os m ais
in con seqü en tes e irrespon sáveis trân sfu gas.23

e) O prim eiro editorial de “Notas e In form ações”, datado de 5 de


m arço de 1964, apon ta claram en te para a n ecessidade de in terven ção das
Forças Arm adas e de proclam ação do impeachment por parte do con gres-
so, u tilizan do com o pretexto a greve geral qu e se desen cadeava n aqu ele
m om en to em Pern am bu co. Em m eio a críticas violen tas ao govern ador
Migu el Arraes e ao presiden te João Gou lart, o jorn al se coloca ao lado das
“tem erosas classes produ toras”:

O próprio clim a de ten são gerado pelos provocadores com u n o-n acion alis-
tas torn a, en tretan to, difícil con ter os ân im os m ais exaltados, sen do n u m e-
rosos os proprietários qu e à força, qu erem respon der com a força, u m a vez
qu e n ada esperam de u m govern o qu e prega o ódio en tre classes e difu n -
de o com u n ism o n as escolas e n os qu artéis. [...]
Nesse caso, resta u m a ú n ica solu ção: a qu e desde o prim eiro m om en to n os
acu diu ao espírito, aqu ela qu e está n a m en te de todos e qu e só n ão foi pos-
ta em prática até agora porqu e o Sr. Presiden te da Repú blica aceitou deli-
beradam en te ferir a lei para prestigiar a Revolu ção com a su a au toridade.
Em qu alqu er ou tro país, u m ch efe de Estado qu e se visse em situ ação se-
m elh an te, en fren tan do u m a con ju n tu ra tão dram ática, n ão h esitaria u m
m in u to em decretar o estado de sítio. Mas com o n a ch efia do Execu tivo Na-
cion al se en con tra u m cau dilh o, n ão acreditam os qu e essa ou qu alqu er ou -
tra solu ção seja aceita pelo ocu pan te do Palácio da Alvorada.

44
Assim , pergu n tam os, até on de irão as coisas? E até qu an do perm an ecerá
de braços cru zados o Exército? Não podem os adm itir qu e os seu s ch efes
n ão ten h am con sciên cia dos perigos qu e n os am eaçam e do san gu e qu e
acabará fatalm en te corren do em torren tes, se as Forças Arm adas con tin u a-
rem a con fu n dir o qu e aí está com u m regim e legal. Do Con gresso Nacio-
n al n ão é de esperar a solu ção qu e n o caso seria o impeachment [grifo do
au tor]. E a con clu são a tirar de tu do isso é qu e am bas os in stitu ições – For-
ças Arm adas e Parlam en to – se resign aram a colocar acim a dos direitos do
povo brasileiro o seu tem or em assu m ir a respon sabilidade qu e o m om en -
to h istórico lh es dita.24

O Estado de São Pau lo apoiou claramente o golpe de 1964. Com a posse de Ranieri
Mazzilli declara que os “Democratas dominam toda a nação” e anuncia que a “vitória”
repercute no Exterior.

45
f) No dia 1º de abril de 1964, a colu n a “Notas e In form ações”
abria-se com a com paração en tre a participação de São Pau lo n o m ovi-
m en to arm ado qu e se com pletava n aqu ele m om en to, para depor João
Gou lart, com a revolta con stitu cion alista de 1932. Nestas du as ocasiões, a
posição de OESP é a de jú bilo pela solu ção arm ada, en caran do a atu ação
pau lista com o u m ato de h eroísm o n ecessário:

Obstin adam en te su rdo às advertên cias qu e en tão lh e fizeram os velh os


com baten tes de 1932 e os seu s descen den tes, en ten deu o Presiden te da
Repú blica afron tar m ais u m a vez o País, fazen do su a a rebelião da m ari-
n h agem sediciosa. E sem m edir as con seqü ên cias desse flagran te acin te
ao qu e a Nação tem de m ais caro e dign o de respeito, passou à prática de
atos por m eio dos qu ais se lh es afigu rava possível com pletar a su a obra
destru idora, tran sform an do as in stitu ições vigen tes n aqu ela repú blica
sin dicalista cu ja visão in cessan tem en te o persegu e. Ora, qu ais foram es-
ses atos? O prim eiro e o m ais grave de todos eles foi assin ar o decreto
exon eran do do com an do do II Exército, o gen eral Am au ri Kru el. Não era
segredo para os qu e estavam a par do qu e se tram ava n os corredores do
Palácio da Alvorada ser esse u m dos prin cipais objetivos do Sr. Gou lart.
Por isso m esm o, an te a im in ên cia desse ato presiden cial, decidiu o alto
com an do das forças aqu arteladas n este Estado, e de acordo, n esse pon -
to, com o govern o ban deiran te, en tabu lar os en ten dim en tos n ecessários
para, n o m om en to oportu n o, estarem em con dições de revidar ao acin -
te com a m obilização geral dessas forças as qu ais n ão desejavam ou tra
coisa sen ão m arch ar, com o em 1932 e com a m esm a disposição, sobre a
Gu an abara. E foi o qu e se fez.
Com o u m só h om em , São Pau lo ach a-se h oje em plen a m obilização e, com
o m esm o espírito de h á três décadas atrás, levan ta-se em defesa da Con s-
titu ição vigen te.25

g) Em 4 de abril de 1964, OESP posicionava-se na defesa de uma can-


didatura única à Presidência da República, saída das altas patentes militares;
encarando como o melhor perfil para compor esse modelo traçado, o mare-
chal Humberto de Alencar Castelo Branco. Desse modo, o periódico criticava
as tentativas de “petebistas e pessedistas” de impor a continuidade interina da
presidência do Sr. Ranieri Mazzilli (que entendiam como defesa da campanha
de Juscelino Kubitschek em 1965) ou de realizar imediatamente a eleição com
a candidatura de Amaral Peixoto (genro de Getúlio Vargas). Apontando nes-
sas tentativas as manobras de continuísmo de dezenove anos de predomínio
político “dos que incondicionalmente apoiaram o golpe de 10 de novembro de
1937 e o regime que dele resultou”26, OESP assim se manifestava:

Já, neste momento, as forças revolucionárias se arregimentam para fazer sa-


ber àqueles senhores que também elas têm um candidato à Presidência da
República, candidato que, como elas, nenhum compromisso tem com o pas-
sado ignominioso que eles representam. As circunstâncias especiais que,
neste momento, influem na evolução política brasileira exigem que o pro-

46
blema da sucessão do atual chefe do Executivo nacional seja equacionado
num âmbito muitíssimo mais amplo do que aquele em que costumam con-
finar as suas escusas manobras os pessedistas e petebistas. Essas circunstân-
cias estão a dizer que não se tolerará a escolha, para o Executivo nacional,
de um nome saído apenas daqueles que, neste momento, exercem um man-
dato legislativo. Fora daqueles que desempenham as funções de represen-
tantes dos partidos na Câmara e no Senado, outros há que, neste instante,
muito melhor simbolizariam o espírito revolucionário. Fala-se já na conve-
niência de se indicar como candidato único da nação à presidência uma das
nossas altas patentes militares. O movimento avoluma-se nesse sentido e sai
logrando grande receptividade no meio daqueles a quem o Brasil deve a es-
plêndida campanha que nos restituiu a confiança em nós mesmos e nos des-
tinos de nossa Terra. E essa figura é a do Sr. general Humberto Castelo Bran-
co ao qual todos devemos o ele ter, como chefe do Estado-Maior do Exérci-
to, conclamado os seus companheiros de armas contra o insulto que o Sr.
João Goulart lançara à face da Marinha de Guerra do Brasil ao declarar-se,
em público, solidário com a marinhagem sediciosa. [...]
Qu e ou tro n om e estará em con dições de dispu tar a s. exa. a h on ra de con -
clu ir com felicidade u m qü in qü ên io in iciado de m odo tão desastroso? Qu e
saibam os, n en h u m m em bro da oficialidade brasileira lh e dispu tará a pri-
m azia n a escolh a, assim com o paten te algu m a, da ativa ou da reserva, re-
presen taria m elh or n o Palácio da Alvorada o espírito qu e fez do Du qu e de
Caxias o sím bolo das n ossas virtu des m ilitares e o con destável das in stitu i-
ções n acion ais da su a época.27

É in teressan te observar qu e, já n este m om en to, para OESP a can -


didatu ra do Sr. Hu m berto de Alen car Castelo Bran co apresen tava-se
com o u m m an dato tam pão para “con clu ir com felicidade u m qü in qü ên io
in iciado de m odo tão desastroso”28.

h) O Ato Institucional número 1, de 9 de abril de 1964, também foi


alvo de comentários airosos dos responsáveis pela edição de OESP. Nesse mo-
mento, havia uma disputa pelo poder de três candidaturas militares, o que é
esclarecido pela nota de redação acrescida ao editorial em questão que traça
comentários elogiosos ao marechal Castelo Branco e conclui com a seguinte
observação: “N. da R. – Já estava composto este comentário, quando nos che-
gou a notícia que tanto o marechal Dutra como o general Kruel haviam de-
sistido das suas candidaturas”29. Entretanto, o referido editorial que abre a co-
luna “Notas e Informações”, a 10 de abril de 1964, continha também elogios
às arbitrariedades cometidas pelo Ato e, ao mesmo tempo, já uma pontinha
de descontentamento e discordância amainadas pelos incensos ao futuro che-
fe de Estado deixando, porém, muito claros os limites do referido Ato, bem
como os do mandato do presidente que não deveriam exceder à posse de seu
sucessor a ser eleito em prazo legal previsto constitucionalmente.

Elaborado em pou cos dias, para n ão dizerm os em pou cas h oras, o Ato
In stitu cion al con tém todos os elem en tos qu e o fu tu ro govern o vai n eces-

47
sitar para em preen der, n as m elh ores con dições, o trabalh o de recon stru -
ção qu e a exten são dos m ales cau sados pelo govern o deposto está a exi-
gir. Nele estão previstos, desde o processo qu e deverá presidir à eleição do
fu tu ro Presiden te da Repú blica, aos recu rsos de qu e o fu tu ro Presiden te
disporá para torn ar possível a total rem odelação do Tesou ro Nacion al. E é
desse critério objetivo a qu e os redatores do Ato se ativeram , qu e dá ao
docu m en to u m caráter de eficiên cia qu e n ão poderá deixar de repercu tir
do m odo m ais favorável, tan to n os m eios econ ôm icos in tern os com o, e
sobretu do, n o estran geiro. [...]
Ou tro pon to n ão m en os im portan te do referido docu m en to é o qu e con -
cede ao Execu tivo Nacion al os poderes n ecessários para proceder ao ex-
pu rgo em todos os setores do Estado. [...]
Ainda, pelo artigo 3º, confere o Ato Institucional ao Presidente da Repúbli-
ca a autoridade para submeter ao Congresso Nacional projetos de emenda
da Constituição. Confessamos que nesse ponto nos causou certa apreensão
o documento. Sempre fomos intransigentemente contrários às tentativas fei-
tas nesse sentido pelo caudilho deposto, e não atinamos com as razões que
terão levado os redatores do Ato a incluírem nele essa faculdade do futuro
Presidente da República e os atuais ministros militares a sancioná-la. Todo o
projeto de emenda à Constituição de 1946 é um risco que as nossas institui-
ções correm. E não fosse a certeza absoluta em que estamos de que o nome
a sair vitorioso das eleições desta tarde é o do general Humberto Castelo
Branco, sentir-nos-íamos neste instante ameaçados no que temos de mais
caro na democracia brasileira. Pelo seu passado e pela elevação com que
soube desempenhar o seu papel de Chefe de Estado-Maior de nossas Forças
de Terra, s. exa. mostrou-se digno de ter em mãos essa faculdade. Mas per-
mitam-nos a franqueza: qualquer outro candidato que viesse a ser sufraga-
do pela maioria dos votos parlamentares não nos deixaria tranqüilos, embo-
ra essa faculdade, como de resto, todo o Ato Institucional vigore apenas no
espaço de tempo que mediará entre a posse do futuro presidente e a posse
do seu sucessor em 31 de janeiro de 1966.30

Estão su ficien tem en te explicitadas as posições de OESP n o qu e se


refere às circu n stân cias qu e en volvem o m ovim en to arm ado de 1964.
Através destes exem plos, en ten de-se ter ficado clara: 1) A postu ra favo-
rável a u m a in terven ção em govern o con stitu cion alm en te eleito, sem qu e
isso, n a opin ião dos respon sáveis pelo jorn al, represen tasse u m a qu ebra
n os preceitos da professada e defen dida dem ocracia liberal, n a m edida em
qu e, por parte dos govern an tes, estariam sen do com etidos vários atos qu e
paten teavam o abu so do poder em detrim en to dos direitos n atu rais dos
h om en s (exem plos: m an obras de con tin u ísm o, prom oção de su bversão
da ordem , exortação à ilegalidade por parte do ch efe da n ação, tolerân cia
para com a su blevação de algu n s em detrim en to das classes produ toras).
No m ais pu ro liberalism o lockeano, en ten dem com o ju sta a “revolu ção”,
por parte dos qu e fazem u so da racion alidade em su as ações (os proprie-
tários) para im pedir os excessos com etidos pelos qu e ocu pam a ch efia po-
lítica do país. Assu m em , desse m odo, abertam en te a con spiração. 2) A de-
fesa da su blevação e de seu s atos de exceção, com o a escolh a in terin a de

48
u m n ovo ch efe de Estado e as m edidas de fortalecim en to do Poder Exe-
cu tivo. En tretan to, a legalidade n ão deve ser u ltrapassada além do n eces-
sário, de m odo qu e as regras con stitu cion ais sejam plen am en te restabele-
cidas. Um a vez fin do o m an dato presiden cial in iciado com a posse do Sr.
Jân io da Silva Qu adros, em 1961, espera-se a abertu ra de u m n ovo pro-
cesso eleitoral e o fim da excepcion alidade do ato in stitu cion al com a de-
volu ção dos poderes n os m oldes estabelecidos pela Con stitu ição de 1946.
Compreendendo-se as opiniões expressas por OESP em 1964, são
claras suas posições professadas em 1968, já em franca oposição a aspectos
do desenvolvimento político do movimento militar. Daí tornar-se possível
entender sem hiatos a sua passagem de defensor para crítico do regime que
ajudara a criar, circunstância assumida coerentemente com seus princípios.
O editorial “In stitu ições em Fran galh os”31 apon ta, em diversos m o-
m en tos, os pon tos de ten são qu e separam os ru m os do regim e político do
país das con vicções de OESP:
a) Já n o seu prim eiro parágrafo a “vitória de 64” aparece creditada
a toda a coletividade da n ação, e n ão, exclu sivam en te, às Forças Arm adas,
com o a dizer ao ch efe do Execu tivo qu e a sociedade civil, alijada da polí-
tica, deve ocu par o espaço a qu e fez ju s pelo seu esforço participativo. Ao
lado disto, in terpõe-se u m a cu n h a en tre esta m esm a sociedade e as Forças
Arm adas, destru in do a idéia de coesão en tre seu s in teresses.

É qu e, com o correr do tem po e o con tato com a realidade, vai s. exa. per-
ceben do qu e govern ar u m a n ação de m ais de 80 m ilh ões de h abitan tes e
qu e acaba de dar, com a vitória de 64 – qu e, em bora s. exa. a con sidere
com o obra das Forças Arm adas, se deve ao próprio esforço da coletividade
– u m a dem on stração viva de fé dem ocrática, é coisa m u ito diferen te do co-
m an do de u m a divisão ou de u m exército.32

b) Em u m a crítica qu e faz lem brar as violen tas con den ações às con -
tu rbações sociais do govern o João Gou lart, en ten didas com o su bversão à
ordem , OESP lan ça-se con tra as m an ifestações popu lares n o govern o Cos-
ta e Silva, qu e ju lga respon sável por essas explosões. Um a das referên cias
presen tes n o texto é a fam osa "passeata dos cem m il" ocorrida n o cen tro
do Rio de Jan eiro n o fin al do m ês de ju n h o de 1968, au ge das diversas
m an ifestações estu dan tis do período. Nessa passeata, expoen tes da socie-
dade civil m arcaram presen ça, in clu in do m em bros destacados da Igreja
Católica qu e se fizeram represen tar.
Além disso, a alu são textu al à participação do clero n as praças pú -
blicas diz respeito tam bém aos episódios qu e en volvem a m issa de sétim o
dia em h om en agem ao estu dan te m orto n o restau ran te Calabou ço n o Rio
de Jan eiro, Edson Lu ís Lim a Sou to. Ao térm in o da m issa celebrada n a
igreja da Can delária, os participan tes só pu deram se retirar sem m aiores
violên cias graças à in terven ção dos padres qu e os acom pan h aram e ga-
ran tiram su a in tegridade física 33.

49
O famoso Editorial “Instituições em frangalhos” que na noite do 13 de dezembro de 1968
data da promulgação do AI-5, foi o motivo da apreensão do jornal O Estado de S. Pau lo.

Os excessos do regim e são qu alificados com a alcu n h a de “ditadu -


ra m ilitar”. Mais u m a vez, os govern an tes u ltrapassam o poder a eles con -
ferido. Portan to, n as n orm as do liberalism o lockeano, n ada m ais ju sto do
qu e a m an ifestação da sociedade civil.

Umas após outras, começaram a manifestar-se as contradições do artificialis-


mo institucional que pela pressão das armas foi o país obrigado a aceitar. A
desordem passou a campear nos arraiais estudantis, ao mesmo tempo em
que, ante o mal-estar geral, o clero revoltoso fazia sentir a sua presença até
mesmo nas praças públicas. Dentro dos próprios limites do feudo aparente-

50
mente submisso à vontade do Palácio da Alvorada, não se passava dia sem
que se manifestassem sintomas da insurreição latente. A Arena aderia à re-
beldia geral com tamanha evidência que o próprio MDB sentiu que era che-
gado o momento da desforra. Resolveu então com uma ousadia 37, que a to-
dos espantou, enfrentar a ditadura militar em que vivemos desde 1964, fe-
rindo na suscetibilidade as Forças Armadas Brasileiras.34

Aten te-se para o fato de qu e o tom é o m esm o de 1964 e a preo-


cu pação idên tica: as in stitu ições estavam sen do afron tadas n a ótica do
gru po qu e represen ta os in teresses dos proprietários do jorn al devido às
m esm as razões, ou seja, o abu so do poder por parte dos govern an tes, pe-
cado capital n os parâm etros de u m a dem ocracia liberal.
c) Finalmente, o texto aponta para a desagregação institucional com
base em duas atitudes diferenciadas: a transgressão legal cometida pelo pró-
prio Presidente da República ao pressionar a comissão de justiça da Câmara
dos Deputados no sentido de conceder a licença para processar o deputado
Márcio Moreira Alves; e a quebra da fidelidade partidária por parte da Arena
que, apesar de situacionista, votou contrariamente à indicação governamen-
tal. Configura-se o que o título do texto sugere: “Instituições em Frangalhos”.
Confirma-se o caráter da matéria jornalística: preocupação com a derrocada
legal do regime, o que dará vazão a rebeliões não consentidas, uma vez que
levadas adiante por aqueles que estão privados da racionalidade em suas ati-
tudes. Volta à cena o temor dos detentores da razão (de que os proprietários
de OESP são representantes) que falam em nome da sociedade civil na defe-
sa de seus direitos naturais.

É en tão qu e o ex-gen eral do Exército, h abitu ado a n ão adm itir qu e lh e dis-


cu tam as orden s, se viu n a pou co edifican te posição de deixar de lado
aqu eles escrú pu los qu e o tin h am levado a afirm ar qu e jam ais tran sgredi-
ria u m m ilím etro sequ er as lin h as da legislação qu e ele m esm o traçou para
com eter u m a série de desm an dos con tra a Lei e o regu lam en to in tern o do
Con gresso, ten tan do arran car da Com issão de Ju stiça da Câm ara, sob o
protesto de seu dign o presiden te e o sen tim en to de n ojo do país, a licen ça
para processar o au tor das in jú rias aos m ilitares.
Con form e o h avia decidido, a su a von tade foi obedecida n aqu ela Com issão,
m as à cu sta da con fian ça qu e s. exa. depositaria em si m esm o e da excelên -
cia das in stitu ições vigen tes. E é dian te desse qu adro, todo ele feito de to-
n alidades som brias, qu e n os ach am os. Até aqu i os coisas pareciam su scetí-
veis de u m a recom posição. Apesar de tu do, a passividade do Con gresso Na-
cion al, aliada à disciplin a m ilitar, poderia ain da fazer as vezes do apoio da
opin ião pú blica. Agora, porém , qu e são claros os sin ais da desagregação ir-
redu tível da m aioria parlam en tar, com o o com prova a estron dosa derrota
sofrida on tem pelo govern o, qu an do m ais de 70 depu tados da Aren a vota-
ram con tra a con cessão de licen ça para processar o depu tado Márcio Mo-
reira Alves, pergu n ta-se: qu e é qu e poderia resu ltar de u m estado de coisas
qu e tan to se assem elh a ao desm an telam en to total do regim e qu e o Sr. pre-
siden te da Repú blica ju lgara fosse o m ais con ven ien te àqu ele delicadíssim o
e frágil arqu ipélago de gru pos sociais a qu e se referia ain da on tem , cu ja in -
tegridade, é s. exa. o prim eiro a recon h ecê-lo, está por u m fio? 35

51
Edição aprendida nas bancas do jornal O Estado de S. Pau lo do dia 13 de dezembro de
1968 quando foi promulgado o AI-5. Nessa edição (motivo da apreensão) constava o
Editorial “Instituição em Frangalhos”.

É possível agora respon der a problem áticas an teriorm en te lan çadas


e qu e im plicam n a defin ição do perfil de OESP qu e, ao lon go desta pes-
qu isa, delin eou -se com o o de liberal con victo.
Tom an do de em préstim o o títu lo do artigo de abertu ra do “Su ple-
m en to do Cen ten ário”, de 4 de jan eiro de 1975, assin ado por Jú lio de
Mesqu ita Neto, “O Estado Mu dará Con tin u an do Igu al”36, apon ta-se para a
fidelidade de OESP aos prin cípios liberais.
Com base n a an álise de editoriais de OESP, n o período en tre 1927
e 1937, Maria Helen a Capelato e Maria Lígia Prado, con stroem as su as
“balizas ideológicas”37 sen do qu e, n aqu ele m om en to, já iden tificam , com o
prin cípios n orteadores, os ideais do liberalism o, con su bstan ciados n a prá-
tica da dem ocracia. Destacam a defesa do direito de propriedade e dos de-
m ais direitos n atu rais do h om em (com o a liberdade, a igu aldade, a ju sti-
ça, a segu ran ça) qu e devem ser assegu rados pelo Estado. A dem ocracia
seria garan tida pelo equ ilíbrio en tre os poderes Execu tivo, Legislativo e
Ju diciário, qu e defen deria a n ação con tra o perigo do predom ín io do Exe-
cu tivo. O qu e valida o govern o é a von tade expressa da m aioria do povo
através da opin ião pú blica, da qu al se con sideram in térpretes.
Gu ardadas as devidas proporções, esses prin cípios en con tram -se de-
lin eados n os editoriais destacados em m om en tos distin tos: 1964 e 1968. A
im portân cia da opin ião pú blica com o base de su sten tação do poder n o re-
gim e dem ocrático sobressai n o segu in te trech o:

52
Até aqu i as coisas pareciam su scetíveis de u m a recom posição. Apesar de
tu do, a passividade do Con gresso Nacion al, aliada à disciplin a m ilitar, po-
deria ain da fazer as vezes do apoio da opin ião pú blica.38

Aqu i fica clara a colocação, apon tada pelas au toras, da im portân cia
da opin ião pú blica com o base de su sten tação do poder n o regim e
dem ocrático.
Por outro lado, encontra-se de modo onipresente, na manifestação
das opiniões do jornal, a concepção liberal de opinião pública que preten-
de “salvar, em meio a uma esfera pública em desintegração, a comunicação
entre um círculo interno de representantes, publicamente capacitados e
formadores de opinião, que constituiria um público raciocinador em meio
àquele apenas aclamador”39.
Retom an do as teses de C. B. Macph erson , essas idéias se com ple-
m en tam n o liberalism o lockeano. Assim , do m esm o m odo qu e é vedada a
capacidade de ação racion al aos n ão-proprietários, fican do o direito da re-
volu ção restrito aos deten tores da propriedade (e con seqü en tem en te, da
racion alidade política), é exclu sivo a estes ú ltim os o direito de expressão,
de form a qu e falem em n om e de todos e, através da im pren sa, sejam os
form adores da “opin ião pú blica”. Portan to, n ão h á con tradição en tre o
apoio con ferido pelo gru po qu e represen ta os in teresses dos proprietários
de OESP ao m ovim en to m ilitar arm ado e su a postu ra oposicion ista em
1968. Os m esm os ideais qu e orien tam a con testação ao regim e represen -
tado pelo govern o João Gou lart n orteiam a crítica ao poder m ilitar tal e
qu al era exercido pelo m arech al Costa e Silva. O abu so do poder pelos
ch efes da n ação, u su rpan do os direitos n atu rais dos h om en s, con stitu i o
fu n dam en to da oposição de OESP; em am bos os casos, de base liberal. A
advertên cia, presen te em u m dos editoriais, de qu e deveria h aver u m li-
m ite tem poral, baseado n as n orm as con stitu cion ais, para o m an dato pre-
siden cial e para os poderes do Execu tivo, con firm a a postu ra liberal do
jorn al. Na realidade, o “m on stro" criado n ão se adaptou ao m odelo do
criador, qu e se acreditou ú n ico elaborador n a su a con cepção.
A m esm a con cepção liberal en con tra-se, por ou tro lado, presen te
n a recu sa da aceitação do cerceam en to à liberdade de im pren sa. Den tre
os direitos n atu rais do h om em , o direito à liberdade de expressão (e, con -
seqü en tem en te, à liberdade de im pren sa) assu m e papel fu n dam en tal.
Em u m a m esa-redon da prom ovida pela 2ª Sem an a de Estu dos de
Jorn alism o, organ izada pela ECA/ USP en tre 15 e 19 de ju n h o de 1970,
Jú lio de Mesqu ita Neto, expon do sobre o tem a “Liberdade de Im pren sa
n a Am érica Latin a”, assim se m an ifesta:

A aspiração do h om em à liberdade de expressão precedeu de m u itos sécu -


los o aparecim en to da im pren sa. Ela é in eren te à própria con dição h u m a-
n a e m an ifestou -se n as prim eiras sociedades organ izadas on de os m ecan is-
m os repressivos para a sobrevivên cia da coletividade geraram dialetica-
m en te o espírito de crítica e o desejo de m u dan ça. Abordar, portan to, o
tem a da liberdade de im pren sa n a Am érica é determ o-n os n u m breve ca-

53
pítu lo de u m gran de tem a: o relativo a u m a liberdade qu e n ão é privilégio
dos jorn alistas, m as sim , direito in alien ável de todos os h om en s, qu e têm
sobrevivido a todas as tiran ias, e sobre a qu al se assen ta o sistem a dem o-
crático, ú n ico com patível com a plen a realização dos in divídu os e das so-
ciedades n acion ais.40

É possível, portan to, en ten der com clareza a colocação da liberda-


de de expressão com o u m direito n atu ral do h om em e a defesa do regi-
m e dem ocrático. Reiteran do, m ais liberal qu e seu s com pan h eiros, OESP
parte n a defesa do ideal de liberdade de im pren sa, receben do com o con -
trapartida a cen su ra prévia qu e pou pou os qu e aceitaram a au tocen su ra.

CEN SURA PRÉVIA IN STA URA D A (1972-1975)


DA AUTOCENSURA À CENSURA PRÉVIA

A apreen são do Jornal da Tarde e de OESP, além de ou tros periódi-


cos, en tre os dias 13 e 14 de dezem bro de 1968 41, n a realidade, represen -
ta apen as u m en treato do lon go dram a qu e a h istória da cen su ra à im -
pren sa escrita traçou .
No qu e se refere especificam en te a OESP, depreen de-se, em bora
n ão h aja u m parecer con clu sivo a esse respeito, qu e, n o período en tre de-
zem bro de 1968 e agosto/ setem bro de 1972, ocorreram telefon em as e bi-
lh etin h os en tre os órgãos respon sáveis pela cen su ra e a redação do jorn al
qu e, com o os dem ais, perm an eceu atu an do n o cam po da au tocen su ra.
Em en trevista (11 set. 1989), com o professor e jorn alista Oliveiros
S. Ferreira – n a época, editor-ch efe e, posteriorm en te, u m dos diretores de
OESP – alu diu ao fato de qu e eram com u n s os telefon em as à direção do
jorn al, acen tu an do o qu e n ão poderia ser veicu lado pelo m esm o. Portan -
to, du ran te certo tem po (1968 a 1972), OESP acedeu em acatar orden s te-
lefôn icas até a ru ptu ra, qu an do se in stau rou a cen su ra prévia.
Porém, já no ano de 1968 o conflito era explícito. Na noite de 13 de de-
zembro, o jornal recebe a visita da Polícia Federal que sugere a alteração do fa-
moso editorial “Instituições em Frangalhos”; a postura do jornal é de resistên-
cia e recusa, o que motiva a apreensão. O Dr. Júlio de Mesquita narra a con-
versa, durante a madrugada, com o general Silvio Correia de Andrade (dele-
gado regional da Polícia Federal em São Paulo); este lhe propusera a liberação
do jornal, desde que houvesse a substituição do editorial por outro que não
comentasse a derrota do governo na Câmara. O general recebia ordens de Bra-
sília. Mais tarde, o Dr. Júlio de Mesquita comparece a uma reunião no Palácio
dos Bandeirantes com o governador Abreu Sodré e o general Silvio, onde co-
loca explicitamente que competia ao Departamento de Polícia Federal, em São Pau-
lo, o exercício da censura, uma vez que O Estado não podia se auto censurar42.

54
No dia 14 de dezembro de 1968, O Estado de S. Pau lo aponta para a existência do AI-5
e narra a história de sua apreensão no dia anterior, colocando-se (Júlio de Mesquita Filho)
contra o exercício de autocensura por parte do jornal.

É esclarecedor citar a fala de Jú lio de Mesqu ita Neto, diretor-res-


pon sável, n a abertu ra da 11ª Sem an a de Estu dos de Jorn alism o
(ECA/ USP, ju n . 1970) sobre o tem a “Cen su ra e Liberdade de Im pren sa” –
m om en to posterior à edição do AI-5, m as an terior à in stau ração da cen -
su ra prévia a OESP. Ao respon der à pergu n ta do au ditório sobre o proble-
m a da liberdade de im pren sa n o Brasil, assim se posicion a:

55
Se o Sr. lê O Estado de S. Paulo, sabe que o jornal vem sendo editado pratica-
mente sob protesto. Desde o dia 13 de dezembro de 1968 que não publica-
mos nosso primeiro editorial43. Não comentamos matéria política por não dis-
pormos de liberdade suficiente para dizer o que pensamos. O senhor aludiu
à liberdade de publicação de notícias. Como jornalista, conhece o assunto. A
verdade é que há uma censura e que essa censura freqüentemente não per-
mite a divulgação de uma série de fatos. Temos de agir nesse contexto. Publi-
camos o que, dentro do possível, podemos, e chegamos ao ponto de ter edi-
ções apreendidas na boca da rotativa. Isso aconteceu quando, num momen-
to de excepcional gravidade, fizemos um editorial sobre a situação geral do
país. É um fato. Contra a força não há argumentos.44

Aqu i su tilm en te percebe-se a qu estão da au tocen su ra em OESP,


bem com o a problem ática da tão decan tada resistên cia do jorn al, o qu e se
deu em circu n stân cias determ in adas, n ão sen do u m a con stan te du ran te
toda a vigên cia da cen su ra à im pren sa escrita.
Além disso, o qu adro dos prim órdios da cen su ra e de seu com por-
tam en to é delin eado qu an do, em plen a vigên cia da cen su ra prévia, OESP,
em m atéria cen su rada, com en tan do sobre o AI-5 e a repressão do regim e
in stau rado em 1964, afirm a:

Desen cadeia-se n ova e m ais am pla on da de repressão: prisões, in qu éritos,


dem issões, aposen tadorias, reform as alcan çan do cen ten as de políticos,
fu n cion ários civis e m ilitares, in telectu ais, estu dan tes e professores. Pela
prim eira vez, desde 1964 a im pren sa – qu e Castelo Bran co e m esm o Cos-
ta e Silva, n u m a prim eira fase, con sideraram in tocável – é atin gida pela re-
pressão, in stau ran do-se a cen su ra. Mu ito am pla n os prim eiros m om en tos
da crise, ela se torn ará u m pou co m ais bran da tem pos depois, m as n ão
m ais deixará de existir, au m en tan do e dim in u in do o con trole sobre as in -
form ações con form e as oscilações da situ ação político-social do país.45

É relativam en te claro qu e, após o AI-5, n os prim eiros tem pos, h ou -


ve essa ten dên cia ao recru descim en to/ relaxam en to das im posições cen -
sórias até qu e ela viesse se in stalar defin itivam en te em 1972. A partir de
agosto/ setem bro desse an o, as posições (cen su ra x direção de OESP) radi-
calizam -se e in stau ra-se a cen su ra prévia n o periódico.
Para com preen der m elh or o m om en to h istórico de agosto/ setem bro
de 1972 com o m arco de in stitu ição da cen su ra prévia é n ecessário ter em
m en te qu e, exatam en te n este período, travava-se a lu ta su rda da su cessão
presiden cial: estava em qu estão a escolh a do fu tu ro Presiden te da Repú -
blica qu e tom aria o lu gar do gen eral Em ílio Garrastazu Médici. Isto traz à
ton a a problem ática das cisões in tern as dos m ilitares, com alas de diferen -
tes visões qu an to ao en cam in h am en to do processo político brasileiro.
A fim de explicitar essas qu estões é preciso u m recu o n o tem po
para u m a rápida in cu rsão n os m eios m ilitares brasileiros, a partir de fin s
da Segu n da Gu erra Mu n dial, até a su a participação n o golpe de 1964,
para com preen der as divisões qu e en cerram con cepções diversificadas
qu an to ao en cam in h am en to h istórico dado à “revolu ção”46.

56
Em 1949, foi fu n dada a Escola Su perior de Gu erra (ESG), u m or-
gan ism o qu e, por m eio da prom oção de cu rsos, palestras e con ferên cias,
form ava m ilitares e m esm o civis, afin ados com as con cepções assu m idas
pelas Forças Arm adas Brasileiras. Estas, logo após a Segu n da Gu erra
Mu n dial, foram in flu en ciadas pela participação n o even to, por cu rtas per-
m an ên cias de algu n s oficiais n os Estados Un idos e pela filosofia desen vol-
vida n aqu ele país n os an os in iciais da Gu erra Fria. Dessas con cepções, se
origin a a ch am ada Dou trin a de Segu ran ça Nacion al qu e possu i du as ver-
sões: n o caso das n ações econ om icam en te m ais avan çadas, iden tifica o
in im igo n o com u n ism o extern o, represen tado pelos países do Leste eu ro-
peu ; e n o caso das n ações m en os desen volvidas, o in im igo está alojado in -
tern am en te, por in term édio da su bversão à ordem visan do sem pre cor-
roer os ideais dem ocráticos e in stau rar o socialism o.
Esta dou trin a tam bém aliava o con ceito de segu ran ça in tern a com
o de desen volvim en to econ ôm ico, vistos com o elos de u m a m esm a cadeia
qu e levaria o país à con dição de potên cia h egem ôn ica n o qu adro das n a-
ções ociden tais abaixo do Equ ador.
Os m ilitares, form ados n os m oldes das con cepções dissem in adas
pela ESG, foram particu larm en te atu an tes n o golpe de 1964 e é de su as
fileiras qu e sai o prim eiro presiden te, após a m u dan ça de regim e. En tre-
tan to, ain da n o govern o do m arech al Castelo Bran co, com eçam a au m en -
tar as divergên cias en tre os m ilitares, basicam en te, n o qu e se refere à de-
volu ção do poder aos civis, ou seja, qu an to à du ração do período por eles
con siderado com o revolu cion ário. As divergên cias acen tu am -se n o go-
vern o do m arech al Artu r da Costa e Silva. Nesse m om en to, u tilizan do-se
das pressões exercidas pela sociedade civil, n o sen tido da liberalização do
govern o, forças, en tre os próprios m ilitares ao lado de algu n s civis, aca-
bam por levar ao recru descim en to da repressão política do regim e, com a
edição do ato in stitu cion al n ú m ero 5 (AI-5), em 13 de dezem bro de 1968.
Estava con figu rada a cisão dos m ilitares basicam en te em dois
gru pos: o da “Sorbon n e” e o da “lin h a-du ra”.
O gru po da “Sorbon n e”, m ais vin cu lado diretam en te à ESG, era as-
sim ch am ado, por ser visto pelos próprios colegas com o form ado por m ili-
tares m ais in telectu alizados. En tre eles, aparecem expressões com o o ge-
n eral Golbery do Cou to e Silva, o gen eral Ern esto Geisel e o m arech al
Hu m berto de Alen car Castelo Bran co. O gru po desejava u m a rápida tran -
sição dem ocrática, m as, após as pressões exercidas pelo gru po da “lin h a-
du ra” du ran te os govern os Castelo Bran co e Costa e Silva, passou a crer
qu e a tran sição deveria ser con du zida por in term édio de u m len to proces-
so de disten são ou abertu ra.
Aos atritos en tre a “Sorbon n e” e a “lin h a-du ra” pode-se creditar: o
im pedim en to da passagem rápida do govern o para os civis após Castelo
Bran co; as pressões n o episódio da edição do AI-5; o veto ao civil Pedro
Aleixo, im pedin do-o de assu m ir o govern o em virtu de da doen ça de Cos-
ta e Silva, colocan do em seu lu gar a Ju n ta Militar qu e govern ou até a

57
posse do gen eral Em ílio Garrastazu Médici; processo de m u ltiplicação de
órgãos de repressão, desfigu ran do as in stitu ições origin ais do Serviço Na-
cion al de In form ações (SNI), criado pelo gen eral Golbery do Cou to e Sil-
va, e organ izan do a rede do Cen tro de In form ações do Exército (CIE) e os
Departam en tos de Operações de In form ações – Cen tros de Operações de
Defesa In tern a (DOI/ CODIs). Para os m ilitares da “lin h a-du ra”, o in im igo
in tern o com u n ista con tin u ava à espreita e precisava ser con tido através
de u m a repressão m ais du ra em qu e todos os m eios eram válidos. En tre
eles, destacam -se os gen erais Sylvio Frota e Hu go Abreu , m ais tarde en -
volvidos n u m a crise m ilitar du ran te o govern o Geisel47.
Em en trevista, Oliveiros S. Ferreira relacion a o recru descim en to da
cen su ra a OESP com a briga in tern a pela su cessão ao presiden te Médici
travada en tre as facções m ilitares (“Sorbon n e” X “lin h a-du ra”) com dife-
ren tes con cepções sobre a con tin u idade do projeto político desen cadeado
com o m ovim en to de 1964. O em bate, apesar das resistên cias, acaba por
levar à im posição, para a su cessão, do n om e do gen eral Ern esto Geisel, re-
presen tan te da lin h a da “Sorbon n e”, e qu e já h avia sido ch efe da Casa Mi-
litar do govern o Castelo Bran co. Toda a discu ssão em torn o da su cessão
presiden cial ficou proibida n os m eios de com u n icação por vários m eses.
Nesta m esm a lin h a de argu m en tação, Joan R. Dassin 48, citan do u m
depoim en to do jorn alista Carlos Ch agas, diz qu e, em 24 de agosto de
1972, o jorn al foi in vadido por policiais arm ados, com orden s de parar as
m áqu in as, em bu sca de u m editorial qu e estaria lan çan do a can didatu ra
do gen eral Geisel à presidên cia. Segu n do Carlos Ch agas, o artigo n u n ca
existiu , m as se con stitu iu n u m pretexto para a in vasão do jorn al e o in í-
cio da cen su ra prévia.
Sabe-se qu e ou tra é a versão de Hélio Fern an des, proprietário da
Tribuna de Imprensa, para o m esm o fato; con form e con tato telefôn ico e
pela leitu ra de seu artigo pu blicado n a Tribuna em 20 de ju lh o de 1978,
den tro da série “Dez An os de Cen su ra”, sob o títu lo “O En qu adram en to
d’O Estado de S. Paulo”. Segu n do ele, a qu estão do estabelecim en to da cen -
su ra prévia a OESP se in icia com u m a reportagem con ju n ta qu e o perió-
dico iria fazer com o Jornal do Brasil sobre o tem a da an istia, com declara-
ções de qu atro ex-presiden tes vivos: m arech al Du tra, Ju scelin o Ku bits-
ch ek, Jân io da Silva Qu adros e João Gou lart. A reportagem versaria so-
bre a capacidade da an istia de realizar a pacificação n acion al, am pla e ir-
restrita, e seria lan çada n os dois jorn ais em 7 de setem bro de 1972. Jor-
n alistas foram en viados à procu ra de João Gou lart, em Mon tevidéu , e de
Ju scelin o, em Portu gal; en trevistaram Du tra e Jân io n o Brasil. As opi-
n iões dos qu atro eram favoráveis à an istia.
Ain da segu n do Hélio Fern an des, o SNI, ch efiado n a época por Car-
los Alberto Fon tou ra, tratou de con versar com a direção dos dois jorn ais
para im pedir a pu blicação da reportagem . O resu ltado foi o segu in te: o
Jornal do Brasil capitu lou e resolveu n ão m ais pu blicar, porém , OESP n em
adm itiu con versar e se n egou a receber Carlos Alberto Fon tou ra. Este, en -

58
tão, lan ça u m ultimatum afirm an do, n o dia 2 de setem bro qu e a reporta-
gem n ão poderia sair. OESP m an da dizer qu e ela sairia de qu alqu er m a-
n eira e, em 3 de setem bro de 1972, o jorn al foi ocu pado pelos cen sores.
Con trariam en te à posição defen dida por Hélio Fern an des, u m tre-
ch o de m atéria cen su rada de OESP, em 31 de m arço de 1974, com en ta a
relação do govern o Médici com a im pren sa:

As restrições im postas à liberdade dos jorn ais in depen den tes são cada vez
m ais severas. A partir de agosto de 1972, in stau ra-se a cen su ra prévia con -
tra O Estado de São Paulo. O pretexto é a su cessão presiden cial, qu e se pro-
cessaria sem abalos com o próprio presiden te Médici an u n cian do o n om e
de seu su cessor, gen eral Ern esto Geisel, m as qu e foi decidida à revelia do
país, sem qu e perm itisse a m en or discu ssão, ou m esm o referên cia pú blica
ao problem a.49

Em bora n ão seja m atéria assin ada, é a m esm a posição qu an to à


m otivação da in stau ração da cen su ra prévia con tida n os depoim en tos de
Oliveira S. Ferreira e Carlos Ch agas. Porém , u m a vez qu e o m aterial da
fase in icial da cen su ra prévia (ago./ set. 1972 a m ar. 1973) se en con tra
perdido, as con siderações a esse respeito foram feitas com base em an á-
lise e pesqu isa.

A CON STRUÇÃ O D O D ISCURSO D A CEN SURA EM UM


ÓRGÃ O D A GRA N D E IMPREN SA

No período de 29 de m arço de 1973 a 3 de jan eiro 1975 ch egou -se


à espan tosa cifra de 1136 m atérias cen su radas (n o todo ou em parte), dis-
tribu ídas, em term os qu an titativos, de m odo desigu al en tre os diferen tes
m eses do an o e de form a diversificada em seis u n idades tem áticas. É im -
portan te a observação detalh ada tan to do Qu adro 1, on de se en con tram
as m atérias cen su radas divididas m ês a m ês, qu an to do Qu adro 2, qu e
apresen ta as m atérias cen su radas classificadas pelas u n idades tem áticas,
ao lado de su as respectivas qu an tificações percen tu ais. No Qu adro 1 fo-
ram in clu ídas a distribu ição m en sal dos editoriais e das m atérias assin a-
das pelos articu listas de OESP, pelo grau de im portân cia qu e assu m em n a
defin ição do pen sam en to do periódico. En fatiza-se qu e, apesar de existir
u m a gran de oscilação m en sal n o qu e diz respeito ao n ú m ero de m atérias
vetadas, in du bitavelm en te, o an o de 1974, com parado ao de 1973, apre-
sen ta u m a sen sível elevação n u m érica n o tocan te aos cortes do cen sor.
Dign os de n ota são os m eses de 1974 em qu e a in cidên cia das proibições
é m aior: m arço (84 vetos), ou tu bro (128 vetos), n ovem bro (139 vetos) e
dezem bro (87 vetos).

Qu adro 1 – Matérias Cen su radas

59
Fon te: O Estado de São Paulo
Período: 29/ 3/ 1973 a 3/ 1/ 1975
Distribu ição Men sal de Matérias Vetadas

An o Mês Qu an t. Editoriais Matérias


Assin adas
1973 Março 3 – 1
Abril 16 – –
Maio 24 3 1
Ju n h o 23 3 1
Ju lh o 25 1 3
Agosto 54 2 2
Setem bro 37 1 1
Ou tu bro 31 – 1
Novem bro 29 3 4
Dezem bro 43 2 –

1974 Jan eiro 48 1 2


Fevereiro 27 1 –
Março 82 5 5
Abril 58 1 1
Maio 74 2 2
Ju n h o 37 – 4
Ju lh o 57 1 4
Agosto 53 – 5
Setem bro 59 1 2
Ou tu bro 128 4 3
Novem bro 139 3 7
Dezem bro 87 2 5

1975 Jan eiro 2 – –


Total 1136 39 54
Em u m a prim eira an álise, observa-se a elevação da qu an tidade de
m atérias en tre 1973 e 1974. O an o de 1974, a partir de 15 de m arço, já
é govern o do presiden te Ern esto Geisel. Isto traz algu m as problem áti-
cas. Geisel, represen tan te da ala m ilitar da “Sorbon n e”, assu m e o poder
com o com prom isso de prom over a disten são política (processo n o qu al
se in sere o térm in o da cen su ra à im pren sa) n o país. En tretan to, con tra-
ditoriam en te, o qu e se dá é o recru descim en to da repressão e da cen su -
ra. Este fato m ostra o jogo de forças travado n o m eio m ilitar en tre as
du as corren tes, cada qu al qu eren do im prim ir a su a visão sobre a con ti-
n u idade do Estado au toritário brasileiro.
In icialm en te, con form e os dados qu an titativos da cen su ra prévia a
OESP, a balan ça pen de m ais para o lado da “lin h a-du ra” qu e con segu e
im prim ir seu ritm o (ou a au sên cia dele) ao processo de abertu ra políti-
ca. O térm in o da cen su ra prévia em OESP, a partir de 4 de jan eiro de
1975, represen ta u m a vitória da ala da “Sorbon n e” – m om en to em qu e

60
o presiden te Geisel com eça a im por seu con trole sobre os ch am ados
“bolsões radicais” do regim e 50 . En tretan to, os atritos en tre os m ilitares te-
riam u m a con tin u idade.
Exemplos claros desses atritos, encontram-se na crise desencadeada
pela morte do jornalista Wladimir Herzog, em outubro de 1975, seguida
pela do operário Manuel Fiel Filho, ambas no DOI-CODI de São Paulo, em
conseqüência de torturas, apesar da tentativa de fazer passar para o públi-
co a imagem inacreditável de suicídio. Essa crise traz como decorrência a
rápida demissão do Comandante do II Exército (São Paulo), general Ednar-
do D'Ávila Melo (representante da “linha-dura”), substituído pelo general
Dilermando Gomes Monteiro (homem de confiança do presidente Geisel).
A demissão, por sua vez, foi seguida pela remoção do general Confúcio
Danton de Paulo Avelino (também da “linha-dura”) do comando do CIE.
Os atritos entre os militares no governo Geisel encerram-se com a
demissão do general Sylvio Frota do Ministério do Exército, em outubro de
1977. O ministro Sylvio Frota apresentava-se como candidato da “linha-
dura” à sucessão presidencial, entrando em rota de colisão com o presi-
dente Geisel, cujo candidato era o general João Baptista de Oliveira
Figueiredo 51.
An alisan do-se os m eses de m aior qu an tidade de vetos, observa-se
qu e são m eses m arcados por acon tecim en tos politicam en te destacáveis.
Em m arço, dá-se a posse do n ovo presiden te da Repú blica. Por su a vez,
ou tu bro, n ovem bro e dezem bro, referem -se ao período qu e en volve a
realização de eleições para o Legislativo. Estas in dicam u m crescim en to
sen sível do n ú m ero de votos e de can didatos vitoriosos do partido de
oposição, Movim en to Dem ocrático Brasileiro (MDB), n otadam en te n os
m aiores estados da Federação. Observa-se, tam bém , qu e a fase fin al do
an o de 1974 pode represen tar o ú ltim o recru descim en to dos setores re-
pressivos, an tes da qu eda da cen su ra prévia em OESP, o qu e defin itiva-
m en te m arca o in ício da abertu ra política com a devolu ção da liberdade
de expressão à im pren sa escrita do país.
Qu an to ao Qu adro 2, o qu e salta aos olh os é a im en sa disparidade
n a distribu ição das m atérias cen su radas por en tre as u n idades tem áticas.
A u n idade “Qu estões Políticas” en qu adra m ais da m etade do m aterial ve-
tado. A segu ir, correspon den do a praticam en te u m qu in to da totalidade,
aparecem os cortes qu e se referem à u n idade tem ática “Cen su ra”.

61
Qu adro 2 – Matérias Cen su radas
Fon te: O Estado de São Paulo
Período: 29/ 3/ 1973 a 3/ 01/ 1975
Un idades tem áticas* Qu an t. %
Qu estões Políticas 601 52,91
Qu estões Econ ôm icas 91 8,01
Qu estões Sociais 128 11,27
Questões Educacionais e Culturais 75 6,60
Questões de Política Internacional 33 2,90
Cen su ra 208 18,31
Total 1136 100,0
*No que se refere às unidades temáticas, constatou-se que muitas são as formas de temati-
zação do material censurado. Após uma demorada reflexão, quando do encerramento do
trabalho de pesquisa aos dois periódicos, chegou-se a uma série de unidades temáticas que
atendem melhor aos objetivos da análise pretendida.

O fato de as temáticas políticas aparecerem privilegiadas nos vetos do


censor diz respeito, de um lado, à problemática temporal. Em outras pala-
vras, o momento histórico vivenciado pela censura prévia a OESP é um pe-
ríodo em que está em pleno vigor o recrudescimento da repressão política
com prisões arbitrárias e torturas a presos políticos, derivados do desman-
telamento dos grupos que atuavam na luta armada contra o regime. Para-
lelamente a isso, ocorre o crescimento desmesurado e descontrolado dos
organismos de repressão com a corrupção e violência que lhes são ineren-
tes. Estes atos, por sua vez, são alvo de críticas por parte de elementos va-
riados da sociedade civil, do partido de oposição, de outros países, que con-
denam as arbitrariedades cometidas pelo regime político brasileiro, incom-
patíveis com as mais elementares regras do jogo democrático. Trata-se de
um momento em que, dialeticamente, ao aumento da imposição do Esta-
do autoritário pela força, há a resposta da sociedade civil que começa a dar
seus passos rumo a uma organização na defesa de seus direitos. Essas vozes
discordantes, entretanto, precisam ser caladas. É uma prioridade do ponto
de vista dos setores radicalizados do governo, atuando, dentre outros locais,
na comunidade de informações cujo contraponto é o da censura.
O fato de a cen su ra prévia recair sobre m atérias qu e tratam de
qu estões políticas está tam bém relacion ado ao tipo de in form ação ofere-
cida pela im pren sa de gran de porte, com o é o caso de OESP. A gran de im -
pren sa com circu lação garan tida n os gran des estados do país e cu ja divu l-
gação, às vezes, atin ge caráter n acion al, n ecessita de u m esqu em a em pre-
sarial m u ito forte qu e garan ta a distribu ição em larga escala, além de as-
segu rar a periodicidade con stan te. Isso cria a depen dên cia de an u n cian -
tes para a com posição de su as receitas m u ito m ais do qu e a ven da em
ban cas ou a com pra de assin atu ras. Este fato, além de gerar u m esqu em a

62
de pressão para a pu blicação relacion ada diretam en te aos in teresses dos
gru pos econ ôm icos qu e su sten tam o periódico, é respon sável tam bém por
u m a determ in ada con cepção de in form ação.
O esqu em a de cobertu ra da gran de im pren sa, de m odo geral, pri-
vilegia os cen tros do poder com o o Palácio do Govern o, as Câm aras dos
Depu tados, o Sen ado Federal, as Assem bléias Legislativas e as Câm aras
Mu n icipais. Cobrem -se tam bém os gran des cen tros fin an ceiros, com o as
Bolsas de Valores ou as an tecâm aras dos Min istérios da Fazen da e do Pla-
n ejam en to. Em su m a, esse tipo de cobertu ra n ão perm ite a em ergên cia
dos fatos do dia-a-dia qu e atin gem o h om em com u m . Assim , o qu e se
con ven cion a en ten der com o área política aparece de m odo privilegiado
n a gran de im pren sa. A seleção prévia de in form ação, a partir do esqu e-
m a de cobertu ra, traz con sigo u m a con cepção de h istória qu e en ten de o
acon tecim en to com o u m desvio do cu rso “n atu ral” e “h arm on ioso” das
coisas, com o u m aciden te de percu rso qu e precisa ser corrigido para qu e
tu do retom e seu cu rso “n orm al”. Tal con cepção selecion a e privilegia fa-
tos e h om en s do m esm o m odo com o se selecion a a in form ação por in -
term édio da cobertu ra 52 .
A grande imprensa, ao veicular os “acidentes” de percurso, deixan-
do de lado, silenciando, o que ocorre no cotidiano do homem comum, tra-
balha com um conceito elitizante de história que concebe o acontecimento
como um desvio de um curso previamente traçado e que deve ser retoma-
do na direção da manutenção da ordem pública. Ora, este é também um
reforço da dominação, uma representação ideológica que, com sua dissemi-
nação, vem confirmar o silêncio imposto pela desigualdade de condições
materiais da população.
Deste m odo, as problem áticas n itidam en te políticas aparecem
com m aior força, e isto represen ta u m dos fatores qu e explicam o por-
qu ê dessa gran de qu an tidade de m atérias vetadas n a tem ática “Qu es-
tões Políticas”.
Ou tro problem a qu e su rge com bastan te destaqu e é o veto a todas
as referên cias à cen su ra. Ou seja, a cen su ra preocu pava-se em vetar toda
e qu alqu er m en ção à su a existên cia.
O zelo em se ocu ltar fica m u ito claro n o depoim en to con cedido por
Fern an do Gasparian a J. A. Pin h eiro Mach ado, n arran do a cen su ra pré-
via in stitu ída ao sem an ário Opinião, a partir de seu oitavo n ú m ero, em
1972. An tes qu e esta se in stau rasse, Fern an do Gasparian (proprietário do
sem an ário) é ch am ado a depor n a Polícia Federal on de u m oficial lh e
m ostra as regras de “boa con du ta” a serem segu idas, ou seja, os tem as
cu ja divu lgação estava proibida. Ao solicitar do oficial a lista, para qu e pu -
desse ser estu dada, Gasparian teve seu pedido in deferido e ain da segu ido
da alegação de qu e a cen su ra n ão existia. E assim foi, du ran te todo o tem -
po da cen su ra prévia até qu e, após u m a apreen são em ban cas, qu an do
parte do sem an ário já h avia sido rodada, con segu iu -se a prova n ecessária
da existên cia do veto. Isso possibilitou a in stau ração de u m processo con -

63
tra a apreen são in devida, alegan do-se a ilegalidade da m esm a com base
n o decreto-lei n ú m ero 1077.
Este decreto de 26 de janeiro de 1970, aqui reproduzido, baseia-se no
artigo 153, parágrafo 8º da Emenda Constitucional número l de 1969 que
não admite publicações contrárias à moral e aos bons costumes53.
Fu n dam en tado n esse artigo, ele prom ove u m a relação en tre os
aten tados à m oral e u m even tu al plan o su bversivo com os decorren tes
riscos à segu ran ça n acion al. Aliás, esta é u m a característica do an ticom u -
n ism o doen tio das Forças Arm adas, ju stificado n a Dou trin a de Segu ran ça
Nacion al qu e en con tra n esse regim e as m arcas da dissolu ção dos costu -
m es da civilização cristã-ociden tal. O decreto em basa o estabelecim en to
da cen su ra prévia, a proibição da veicu lação e a apreen são, por parte da
Polícia Federal, dos periódicos qu e se en qu adrassem n estas in frações.
É im portan te n otar a preocu pação com o arsen al legal, por parte do
Estado au toritário brasileiro pós-64 qu e produ ziu u m batalh ão de leis,
projetos, decretos, regu larizan do e legislan do sobre qu ase tu do, m as qu e
deixa n a ilegalidade u m de seu s in stru m en tos de repressão m ais n otórios.

Decreto-lei 1077 de 26 de jan eiro de 1970:


Dispõe sobre a execu ção do art. 153, § 8.º, parte fin al, da Con stitu ição da
Repú blica Federativa do Brasil.
O Presiden te da Repú blica, u san do da atribu ição qu e lh e con fere o artigo
55, in ciso I da Con stitu ição; e
Con sideran do qu e a con stitu ição da Repú blica, n o artigo 153, § 8.º dispõe
qu e n ão serão toleradas as pu blicações e exteriorizações con trárias à m o-
ral e aos bon s costu m es;
Considerando que esta norma visa a proteger a instituição da família, preser-
var-lhe os valores éticos e assegurar a formação sadia e digna da mocidade;
Con sideran do, todavia, qu e algu mas revistas fazem pu blicações obscen as e ca-
n ais de televisão execu tam programas con trários à moral e aos bon s costu mes;
Con sideran do qu e se tem gen eralizado a divu lgação de livros qu e ofen dem
fron talm en te à m oral com u m ;
Considerando que tais publicações e exteriorizações estimulam a licença, in-
sinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores da sociedade brasileira;
Con sideran do qu e o em prego desses m eios de com u n icação obedece a u m
plan o su bversivo, qu e põe em risco a segu ran ça n acion al, decreta:
Art.1.º – Não serão toleradas as pu blicações e exteriorizações con trárias à
m oral e aos bon s costu m es, qu aisqu er qu e sejam os m eios de com u n icação.
Art.2.º – Caberá ao Min istério da Ju stiça, através do Departam en to de Po-
lícia Federal, verificar, qu an do ju lgar n ecessário, an tes da divu lgação de li-
vros e periódicos, a existên cia de m atéria in frin gen te da proibição en u n -
ciada n o artigo an terior.
Parágrafo ú n ico – O Min istro da Ju stiça fixará, por m eio de portaria, o
m odo e a form a da verificação prevista n este artigo.
Art.3.º – Verificada a existên cia de m atéria ofen siva à m oral e aos bon s cos-
tu m es, o Min istro da Ju stiça proibirá a divu lgação da pu blicação e deter-
m in ará a bu sca e apreen são de todos os seu s exem plares.

64
Art.4.º – As pu blicações vin das do estran geiro e destin adas à distribu ição
ou ven da n o Brasil tam bém ficarão su jeitas, qu an do de su a en trada n o
país, à verificação estabelecida n a form a do artigo 2.º deste Decreto-lei.
Art.5.º – A distribu ição, ven da ou exposição de livros e periódicos qu e n ão
h ajam sido liberados ou qu e ten h am sido proibidos, após a verificação pre-
vista n este Decreto-lei, su jeita os in fratores, in depen den tem en te da res-
pon sabilidade crim in al:
I – À m u lta n o valor igu al ao do preço de ven da da pu blicação, com o m í-
n im o de NCr$10,00 (dez cru zeiros n ovos);
II. – À perda de todos os exem plares da pu blicação, qu e serão in cin erados
à su a cu sta.
Art.6.º – O disposto n este Decreto-lei n ão exclu i a com petên cia dos Ju izes
de Direito, para adoção de m edidas previstas n os artigos 61 e 62 da Lei n .º
5250, de 9 de fevereiro de 1967.
Art.7.º – A proibição con tida n o artigo 1.º deste Decreto-lei aplica-se às di-
versões e espetácu los pú blicos, bem com o à program ação das em issoras de
rádio e televisão.
Parágrafo ú n ico – O Con selh o Su perior de Cen su ra, o Departam en to de
Polícia Federal e os ju izados de Men ores, n o âm bito de su as respectivas
com petên cias, assegu rarão o respeito ao disposto n este artigo.
Art.8.º – Este Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, revo-
gadas as disposições em contrário.
Em ílio G. Médici – Presiden te da Repú blica
Alfredo Bu zaid.

O Tribu n al acaba dan do gan h o de cau sa ao jorn al Opinião, o qu e


obriga o presiden te Médici, em u m despach o, a au torizar a cen su ra
prévia ao sem an ário com base n os poderes extraordin ários a ele con fe-
ridos pelo AI-5 54 .
A im portân cia de escon der do pú blico leitor a existên cia da cen su -
ra prévia é expressa pela qu an tidade de m atérias vetadas qu e versam so-
bre essa tem ática. É fu n dam en tal para o regim e au toritário ocu ltar a di-
m en são de seu próprio au toritarism o sob u m a capa de aparen te jogo de-
m ocrático 55 .
Observan do-se o Qu adro 3, em qu e as u n idades tem áticas apare-
cem distribu ídas em diversos su btem as com as respectivas qu an tificações,
e após breve an álise dos su btem as m ais n u m erosos, destacan do-se as m a-
térias qu e n ele aparecem arroladas, é possível com por u m qu adro m ais
geral de cada u n idade tem ática e, con seqü en tem en te, con tribu ir para de-
lin ear m elh or o discu rso da cen su ra con stru ído pelo qu e ela su btrai.

65
Qu adro 3 – Matérias Cen su radas
Fon te: O Estado de São Paulo
Período: 29/ 3/ 1973 a 3/ 1/ 1975
Su btem as Qu an t.
Repressão Política 142
Críticas da Oposição 107
Críticas do Exterior 85
Relações Igreja/ Estado 85
Críticas ao Regim e 80
Violên cia Policial/ Esqu adrão da Morte 38
Comentários Referentes a Políticos Anteriores a 64 15
Su cessão Presiden cial 14
Corru pção Govern am en tal 12
Corru pção Militar 6
Cassação de Prefeitos 5
Caso An a Lídia 5
Caso Carlin h os 3
Seqü estro de In du strial 2
Qu estão de Drogas 1
Movim en to Sion ista Brasileiro 1
Total 601
Unidade Temática: Questões Políticas

Su btem as Qu an t.
Críticas à Política Econ ôm ica 84
Petróleo/ Petrobrás 7
Total 91
Unidade Temática: Questões Econômicas

Su btem as Qu an t.
Aciden tes 35
Qu estão In dígen a 26
Reivin dicações Sociais 24
Críticas à Política de Saú de Pú blica 24
Situação dos Presídios/Criminalidade/Menores 12
Qu estão da Terra 7
Total 128
Unidade Temática: Questões Sociais

Su btem as Qu an t.
Movim en to Estu dan til 69
Corru pção n o En sin o 2
Críticas ao Atraso Tecn ológico 1
Ciên cia/ SBPC 1
Racism o n o Fu tebol 1
Qu estão Nu clear –
Total 75
Unidade Temática: Questões Educacionais e Culturais

66
Su btem as Qu an t.
Ch ile 21
Uru gu ai 3
Portu gal 3
Caso Patrícia Hearst 3
Peru 2
EUA x URSS 1
Total 33
Unidade Temática: Questões de Política Internacional

Su btem as Qu an t.
Im pren sa 151
Artes e Espetácu los 34
Meios de Com u n icação em Geral 22
Moral/ Costu m es 1
Total 208
Unidade Temática: Censura

QUESTÕES POLÍTICAS *

REPRESSÃO POLÍTICA

As matérias censuradas, enquadradas no subtema da repressão polí-


tica, ocupam um grande espaço no total de vetos a OESP. Entre elas, mere-
cem destaque especial, pois correspondem à maior parte dos cortes, as re-
ferências a prisões arbitrárias, maus tratos, torturas, desaparecimentos e ao
esquema de incomunicabilidade para os presos políticos. Além disso, apa-
recem vetos quando ocorrem alusões a partidos clandestinos, bem como a
elementos relacionados a eles e seus eventuais pronunciamentos: menções
ao MR-8 56, à presença do PCB em administrações regionais da prefeitura
paulista, às relações entre o PCB e o MDB no processo eleitoral de 1974, à
fala de Luiz Carlos Prestes que elogia a revolução portuguesa de 25 de abril
de 1974 e, em outra ocasião, critica o imperialismo. São também sistema-
ticamente proibidas as notícias relativas ao andamento dos inquéritos mo-
vidos contra elementos da luta armada, assim como a solicitação de soltu-
ra de presos políticos, ou comentários relacionados à questão da pena de
morte para terroristas. Há cortes nas matérias que veiculam informações
sobre assaltos realizados por grupos terroristas e ameaças de seqüestro (caso
da filha de Spiro Agnew que saiu do Brasil por haver recebido ameaças de
morte), ou mesmo, a narrativa da morte de agente de segurança por orga-
nizações de esquerda (como a de um professor que pertencia aos órgãos de
segurança, morto pela ALN57) e críticas ao terrorismo. As proibições atin-
gem as menções à prisão e tortura de estrangeiros no Brasil (caso do jorna-

* Descreverem os sem pre os su btem as m ais n u m erosos, en ten den do qu e


su a im portân cia está clara, tan to do pon to de vista da cen su ra qu e os
vetou , com o do jorn al qu e os produ ziu .

67
lista norte-americano Frederick Morris, preso por ter escrito matéria sobre
D. Helder Câmara) e as alusões a desaparecimentos em países do Cone
Sul58. Existem, além disso, matérias esporádicas, como a que menciona a
volta do compositor Geraldo Vandré ao Brasil, ou como o relato de um en-
contro acontecido entre o governador paulista Paulo Egydio Martins e um
ex-deputado cassado, em Campos de Jordão.
Den tro deste su btem a destacam -se:

• Matérias vetadas e depois liberadas n a ín tegra. Por exem plo, u m a n otí-


cia sobre a prisão de cin co estu dan tes da USP qu e foi cen su rada n o dia 20
de ju n h o de 1974, sen do qu e, n o dia segu in te, foi perm itida a su a veicu -
lação den tro de ou tra m atéria qu e tam bém recebeu cortes do cen sor.
• Ten tativas de OESP de fazer passar determ in adas in form ações em m eio
a m atérias com as qu ais elas n ão teriam , n ecessariam en te, con exão. Isto
ocorre claram en te n o dia 3 de setem bro de 1974 qu an do, em m eio a u m a
n otícia sobre en torpecen tes e con traban do, su rge u m com en tário sobre
u m desaparecim en to político. En tretan to, o cen sor estava aten to, e este
trech o aparece vetado.
• Liberação de m atérias qu e n a “lógica” estabelecida seriam vetadas, e cor-
tes em ou tros trech os. É o caso de u m a m atéria in titu lada “Con den ados 13
por Reorgan izar o PCB”, pu blicada n o dia 23 de ou tu bro de 1974 – o ú n i-
co trech o cen su rado diz respeito a u m a den ú n cia pela Au ditoria Militar de
Brasília acu san do por crim e de segu ran ça n acion al Jam es Alen Lu z. O re-
ferido crim e acon teceu após a m orte do acu sado. O in teressan te é qu e o res-
tan te da m atéria sobre a ten tativa de reorgan ização do PCB foi liberado. Em
ou tros m om en tos, referên cias ao PCB foram sistem aticam en te vetadas.

CRÍTICAS DA OPOSIÇÃO

Neste su btem a, destacam -se os vetos ao discu rso oposicion ista.


Aqu i aparecem , com realce, as opin iões dos políticos do partido de oposi-
ção, MDB, de m an eira geral, com u m a postu ra crítica em relação ao Es-
tado au toritário brasileiro pós-64.
Esses cortes assu m em particu lar relevân cia n a m edida em qu e, ao
cen su rar o discu rso crítico oposicion ista, im pede-se a veicu lação de com -
prom isso do político iden tificado com postu ras con trárias ao regim e, caso
o seu partido ven h a a assu m ir o poder n o Legislativo ou n o Execu tivo.
Esse fato con tribu i para acen tu ar a im agem do político com o u m a pessoa
qu e desvin cu la com pletam en te o discu rso de u m a prática efetiva. Os cor-
tes sistem áticos im postos pela cen su ra relegavam o discu rso oposicion ista
a den ú n cias fech adas n as paredes das Câm aras, do Sen ado e das Assem -
bléias Legislativas dos estados. Desse m odo, a m argem de com prom isso as-
su m ido e de posterior cobran ça da popu lação ficou bastan te redu zida. A
cen su ra, n esse aspecto, cu m pre u m papel de m ão du pla: se, por u m lado,
fru stra o político im possibilitan do-o de veicu lar su a crítica, por ou tro, lim i-
ta a am plitu de de participação dem ocrática da popu lação n a exigên cia do
cu m prim en to de com prom issos even tu alm en te assu m idos.
Neste teor aparecem com realce:

68
• As alu sões ao qu e ficou con h ecido com o “caso Ch ico Pin to”. Esclareci-
m en tos se fazem n ecessários. O depu tado em edebista baian o Fran cisco
Pin to, por ocasião do período qu e an tecedeu im ediatam en te à posse do ge-
n eral Ern esto Geisel (l5 m ar. 1974), dirigiu -se à Câm ara dos Depu tados
para protestar, in dign ado, con tra o con vite e possível com parecim en to ao
país do gen eral Au gu sto Pin och et, ch efe de Estado ch ilen o. A in dign ação
devia-se ao fato de qu e o povo ch ilen o se en con trava em plen a fase da
m ais alta repressão, e o parlam en tar adm irava-se do con vite qu e en ten dia
com o u ltraje ao Ch ile e ao Brasil. Im ediatam en te, o discu rso adqu iriu n o-
toriedade in u sitada e, sob a alegação de ofen sa a ch efe de Estado de n ação
estran geira, Ch ico Pin to acaba processado, ju lgado e con den ado a seis m e-
ses de prisão e perda de m an dato parlam en tar.
É in teressan te n otar qu e, n o m esm o período, o depu tado aren ista Clóvis
Sten zel dirige-se, tam bém à tribu n a, para criticar violen tam en te o ch efe de
Estado cu ban o, Fidel Castro. Dú vidas pairavam qu an to a u m a even tu al
pu n ição, n os m esm os m oldes de Ch ico Pin to, a Clóvis Sten zel, qu e com e-
tera o m esm o delito. En tretan to, n ada acon teceu 59.
A partir do m om en to em qu e Ch ico Pin to proferiu o discu rso, todas as
alu sões a ele – processo, ju lgam en to e con den ação – foram vetadas pelos
cen sores. Por vezes, som en te a m en ção ao seu n om e já era proibida. Re-
gistram -se u m total de 35 m atérias vetadas n este item .
• Opin iões de políticos em edebistas favoráveis à restau ração das liberdades
dem ocráticas, en fatizan do: a n ecessidade do fim da cen su ra, da qu eda do
AI-5 e do decreto-lei n ú m ero 477 60; o sistem a eleitoral an ti-dem ocrático; a
con cen tração excessiva de poderes em m ãos do Execu tivo.
• Algu n s políticos em edebistas m erecem destaqu e, pois foram particu lar-
m en te afetados pela cen su ra. Assim ocorre com as críticas à arbitrariedade
do regim e político brasileiro por parte de Ulysses Gu im arães, Fran co Mon -
toro, Marcos Freire, Pau lo Brossard e Orestes Qu ércia (n o m om en to can -
didato ao Sen ado – m ais tarde vitorioso – pelo estado de São Pau lo).
• Críticas à política econ ôm ico-social do govern o n o qu e se refere à im po-
sição de u m m odelo em qu e o ch am ado “desen volvim en to” se estabelece
às cu stas de arroch o salarial qu e vitim a os trabalh adores.
• Em relação à cam pan h a eleitoral (n ov. 1974), foram alvo de vetos co-
m en tários ao crescim en to eleitoral do MDB, bem com o n o caso específico
do Rio Gran de do Su l, m en ções à in flu ên cia de Leon el Brizola e su as crí-
ticas ao regim e n a cam pan h a (vitoriosa) em edebista n o estado.

CRÍTICAS DO EXTERIOR

Pela dim en são qu e assu m e este su btem a n a u n idade tem ática n ão


m en os im portan te Questões Políticas, percebe-se qu e h á u m a gran de preo-
cu pação da cen su ra em coibir todas as críticas desabon adoras advin das de
ou tras n ações, ten tan do m an ter, pelo m en os in tern am en te, a im agem fa-
vorável qu e o país teria n o exterior. É, portan to, m u ito in teressan te saber
qu al o tipo de críticas recebidas do exterior:

• Adm oestações con tra a repressão política existen te n o Brasil, bem com o
ao regim e qu e m an tém m argin alizada a m aioria da popu lação. Estas m an i-
festações partem , ora da im pren sa estran geira, ora de reu n iões in tern acio-

69
n ais de religiosos. Um exem plo in teressan te m ostra a acu idade da cen su ra.
Em u m dos artigos vetados, referen tes a esta tem ática em especial – talvez
em u m a ten tativa de OESP de bu rlar os cen sores – n o dia 2 de ou tu bro de
1974, a atu ação desabon adora ao Brasil por parte do exterior aparece ape-
n as n o resu m o in icial de apresen tação da m atéria, n ão sen do citada depois
n o corpo da m esm a. O trech o foi cen su rado som en te n a crítica do exterior.
• Diversas vezes n ações latin o-am erican as tecem críticas através dos ch efes
de Estado, de person alidades ou da im pren sa (com o exem plo, as m an ifes-
tações de Fidel Castro e de Gabriel García Marqu ez) con tra o qu e den om i-
n am de im perialism o brasileiro n a Am érica Latin a. Iden tificam , n as atitu -
des do govern o brasileiro (qu e in terpretam com o agin do a m an do dos in -
teresses dos Estados Un idos), u m a in terferên cia n os dem ais países latin o-
am erican os e, ao m esm o tem po, u m a ten tativa de dom ín io e exploração
econ ôm ica (é o caso do criticado acordo para extração de gás en tre Brasil e
Bolívia) qu e fere os in teresses dessas n ações.
• Críticas (geralmente, por parte da imprensa estrangeira) ao modelo de de-
senvolvimento econômico adotado pelo Brasil (e por outros governos mili-
tares latino-americanos), principalmente no que se refere ao privilégio con-
cedido às multinacionais e ao incentivo ao capital estrangeiro. No caso bra-
sileiro, aparecem críticas específicas ao chamado “milagre brasileiro”.
O qu e se con ven cion ou ch am ar de “m ilagre brasileiro" correspon dia ao
m odelo de desen volvim en to econ ôm ico adotado, prin cipalm en te, du ran te
o govern o Médici em qu e a tu tela fin an ceira do país cou be ao m in istro
Delfim Netto. Nesse período, era com u m o u fan ism o e a cren ça em qu e o
Brasil h avia atin gido o estatu to de n ação “desen volvida” graças aos in ves-
tim en tos estran geiros elevados (gran de pen etração de em presas m u ltin a-
cion ais) e à “teoria do bolo”, em qu e a con cen tração de ren da era explica-
da com o u m a etapa n ecessária para u m a posterior distribu ição do capital
acu m u lado. No fin al de 1973 (en cerram en to do govern o Médici), vem à
ton a a fragilidade desse decan tado “m ilagre” de desen volvim en to brasilei-
ro: os in vestim en tos estran geiros con verteram -se em vu ltosa dívida exter-
n a, a en trada das m u ltin acion ais fez-se com o su cateam en to da in dú stria
brasileira e sem tran sferên cia de tecn ologia, a con cen tração de ren da so-
m en te acelerou o em pobrecim en to de parcelas cada vez m aiores da popu -
lação brasileira. Em ergiu o m alogro do “m ilagre”.
• Aparecem com destaqu e ain da, críticas ao Brasil qu an do de su a partici-
pação da feira Export 73, n a Bélgica. Se, por u m lado, h á elogios ao desen -
volvim en to econ ôm ico do país, por ou tro, cen su ra-se a repressão política
im posta pelo Estado brasileiro.
• Man ifestações con trárias à visita do presiden te Ern esto Geisel à Bolívia,
n otadam en te em relação ao acordo econ ôm ico en tre os dois países visan -
do à exploração do gás bolivian o.
• Críticas à in dicação do ex-ch efe do Serviço Nacion al de In form ações
(SNI), Carlos Alberto Fon tou ra, para em baixador de Portu gal n o govern o
Geisel, em m eio à explosão da Revolu ção dos Cravos61 – ele era iden tifica-
do com a PIDE62 portu gu esa.
• Den ú n cias de en volvim en to de policiais brasileiros n a tortu ra a presos
políticos ch ilen os, logo após o golpe qu e depôs Salvador Allen de 63.

Além desses destaques, uma série de outras críticas aparecem uma só


vez, sendo que a tônica é a da condenação estrangeira ao Estado autoritário

70
brasileiro pós-64 no seu aspecto repressor e marginalizador da população,
em termos políticos e no que tange ao modelo de desenvolvimento econô-
mico adotado. Também no dia 31 de julho de 1974, surgem críticas à cen-
sura dos dados sobre o surto epidêmico da meningite que assolava principal-
mente São Paulo. Destaca-se a utilização de uma imagem que enfatizava o
aspecto negativo da censura e mesmo sua inoperância. Segundo o texto, o
governo brasileiro acreditava que, por intermédio de vetos, conseguiria fa-
zer desaparecer a realidade concreta.

RELAÇÕES IGREJA/ ESTADO

Este su btem a é particu larm en te im portan te n ão som en te n a su a


dim en são qu an titativa, m as tam bém pelo fato de qu e é con stan tem en te
referido n as orden s telefôn icas ou n os bilh etes en viados às redações dos
periódicos pela Polícia Federal qu e, m ais tarde, con vertiam -se em vetos
in tern os, ou seja, em au tocen su ra. Aparece citado n o m aterial relacion a-
do pelo Jornal do Brasil64 n a in ten siva coleta feita por Paolo Marcon i65 e
n os dados de an álise levan tados por Gláu cio Ary Dillon Soares66 .
Além disso, setores da Igreja Católica assim como parcelas da impren-
sa escrita (por exemplo, OESP) que haviam apoiado e incentivado o golpe
militar de 1964, a partir de 1967, retiram o seu apoio posicionando-se cada
vez mais na oposição. Neste momento, o recrudescimento da repressão po-
lítica torna-se claro com a continuidade do regime militar e a exclusão dos
civis quando da substituição de Castelo Branco por Costa e Silva.
Maria Helen a Moreira Alves, referin do-se a episódio do an o de
1968 afirm a:

A firm e posição adotada pela h ierarqu ia religiosa propiciou u m a alian ça in -


form al, os estu dan tes eram agora abertam en te apoiados pela Igreja, a im -
pren sa e, de m odo geral, as classes m édias do Rio de Jan eiro, qu e pou cos
an os an tes h aviam apoiado o golpe m ilitar por m edo de u m a ditadu ra co-
m u n ista. [...] O Estado de Segu ran ça Nacion al ficou m ais isolado da socie-
dade civil; com eçava a fech ar-se o círcu lo do poder.67

Assim como OESP, a Igreja Católica entra em conflito com o Estado


autoritário brasileiro. Os cortes da censura destacados a seguir expõem as
divergências:

• Vetos sistemáticos a quaisquer menções ao nome do arcebispo de Olinda e


Recife, D. Helder Câmara, seja para referir-se a uma indicação ao prêmio No-
bel da Paz, ou a saudações que recebera na Assembléia Legislativa de Per-
nambuco. A simples alusão a seu nome era censurada, às vezes, em meio a
matérias que tratavam de outros assuntos. É interessante notar a trajetória
política oscilante de D. Helder – tendo sido alinhado ao pensamento integra-
lista durante a década de 1930, chegou nos anos de 1970, a ser considerado
“inimigo católico número 1 do governo” que o intitulava de “Bispo Verme-
lho” por alusão ao comunismo.

71
• Opin iões políticas da Igreja Católica m an ifestan do-se con tra prisões arbi-
trárias de seu s au xiliares e tortu ras a presos políticos; em su m a, a postu ra
da Igreja n a defesa do respeito aos direitos h u m an os.
• Alu sões a en con tros de D. Pau lo Evaristo Arn s, cardeal arcebispo de
São Pau lo e o m in istro ch efe da Casa Civil do govern o Geisel, o gen eral
Golbery do Cou to e Silva. Esses en con tros acon tecem a in tervalos regu -
lares, a partir de jan eiro de 1974. Represen tam u m a ten tativa do n ovo
govern o de retom ada de diálogo com a Igreja Católica e ou tros setores
da sociedade civil68 parte da estratégia de abertu ra política. Neste sen ti-
do, é im portan te destacar m atéria cen su rada n o dia 28 de agosto de
1974 em qu e aparecem claram en te os pon tos de atrito en tre o Estado e
a Igreja: a exigên cia da soltu ra dos presos políticos, o térm in o da cen su -
ra à im pren sa, a n ecessidade de distribu ição de ren da e o fim dos con -
flitos de terra, assegu ran do-se as propriedades am eaçadas dos colon os.
• O caso da prisão de religiosos e leigos da diocese de São Félix do Ara-
gu aia, en tre eles o bispo D. Pedro Casaldáliga. Além disso, destacam -se as
repercu ssões in tern acion ais dessa prisão, pois além de bispo, D. Pedro é
u m respeitado poeta espan h ol. Após a soltu ra dos religiosos e leigos, são
m an tidos os vetos à con tin u idade das atividades do bispo Casaldáliga.
• A con den ação a 10 an os de prisão do padre fran cês Jen tel, acu sado de
in citar à su bversão posseiros n a fazen da Codeara, em Mato Grosso. O re-
ferido padre, em m eio a ru m oroso caso in tern acion al, é solto para voltar à
Fran ça em m aio de 1974.
• Críticas da Igreja Católica à cen su ra à im pren sa.

CRÍTICAS AO REGIME

Mu itas das críticas deste su btem a apareceram arroladas n a im -


pren sa estran geira, crian do u m a im agem n egativa do país n o exterior,
com o o discu rso crítico do MDB e as expressões das con flitu osas relações
en tre Igreja e o Estado n esse período. Às vezes, as críticas se repetem ,
en tretan to, n ão estão referidas in stitu cion alm en te ou n ão se en caixam
n os padrões an teriorm en te citados.
Prin cipais críticas gen éricas ao Estado au toritário brasileiro pós-64:

• As m aiores adm oestações dizem respeito à n ão participação dos políticos


em processos decisórios critican do, de u m lado, o isolam en to im posto pelo
regim e m ilitar à sociedade civil e, de ou tro, a con cen tração de poderes do
Execu tivo em detrim en to do Legislativo.
• Referên cias às san ções econ ôm icas im postas a OESP pelo govern ador
Lau do Natel69 e m en ções gen éricas à cen su ra à im pren sa.
• Expressões do ju rista Sobral Pin to con tra a violên cia do Estado brasileiro.
• Críticas ao regim e m ilitar, n o sen tido do con trole excessivo exercido pe-
las Forças Arm adas sobre a sociedade civil.
• O partido da “situ ação” – Alian ça Ren ovadora Nacion al (Aren a), m an i-
festa-se con trariam en te ao regim e, critican do seu s aspectos repressivos;
n otadam en te n o qu e se refere à vigên cia do decreto-lei n .º 477 e à cen su -
ra à im pren sa. Nesta tôn ica, a Aren a cu lpa a falta de liberdade pela derro-
ta do govern o n as eleições de n ovem bro de 1974, em qu e o MDB obteve
u m a sen sível elevação do n ú m ero de votos (em relação a eleições an terio-
res), prin cipalm en te, n os gran des estados da Federação.

72
QUESTÕES ECONÔMICAS

CRÍTICAS À POLÍTICA ECONÔMICA

An tes da explicitação dos prin cipais assu n tos vetados den tro deste
su btem a, é preciso en fatizar qu e as críticas, de m odo geral, n ão represen -
tam divergên cias profu n das em relação à con du ção da política econ ôm i-
ca por parte dos govern os “revolu cion ários”. Isto se deve ao fato de qu e
o jorn al qu e, n esta época, possu ía claras divergên cias em relação ao siste-
m a político vigen te n o país, respon sável pela in stau ração da cen su ra pré-
via n o periódico, por ou tro lado, n ão discordava em profu n didade do m o-
delo econ ôm ico con cen trador de ren da, baseado n o en dividam en to ex-
tern o e n os privilégios das m u ltin acion ais e em u m a política de debela-
m en to da in flação fu n dam en tada n o arroch o salarial. Esta postu ra torn a-
se clara a partir da an álise dos editoriais vetados do jorn al, o qu e explica,
em parte, a baixa in cidên cia de vetos às qu estões econ ôm icas (se com pa-
radas com as políticas) e esclarece o tipo de cortes efetu ados pelos cen so-
res n esse tópico qu e, gen ericam en te, referem -se a com en tários relativos
a crises tem porárias n a econ om ia do país.
Prin cipais cortes efetu ados:

• Em dezem bro de 1973, ocorre u m a crise n o abastecim en to de carn e en -


volven do problem as de tabelam en to im posto pelo govern o, o qu e con tra-
ria in teresses dos pecu aristas e dos açou gu es. O govern o am eaça os pecu a-
ristas com o con fisco dos bois, caso a carn e n ão aparecesse n o m ercado, e
com pu n ições, os açou gu es qu e ven dessem acim a da tabela. Os pecu aristas
den u n ciam a política govern am en tal de fin an ciam en to de gado aos gran des
frigoríficos em preju ízo dos de pequ en o e m édio porte. Todas essas críticas
represen tam divergên cias em relação à con du ção econ ôm ica do m in istro
Delfim Netto – já, n esse m om en to, en carado com o “su perm in istro”.
• Em m aio de 1973, dá-se a ren ú n cia do Min istro de Agricu ltu ra Cirn e
Lim a qu e, em carta ao presiden te Médici, explica su as divergên cias em re-
lação ao m in istro Delfim Netto, critican do seu statu s de “su perm in istro”,
os m étodos de redu ção da in flação, a política de proteção às m u ltin acio-
n ais e a im posição de pesada carga tribu tária aos produ tores agrícolas. É
im portan te destacar qu e os pecu aristas reagem n egativam en te à ren ú n cia
de Cirn e Lim a relacion ada à crise de abastecim en to de carn e qu e se m an i-
festará m eses depois (já m en cion ada n o item an terior). Todas as referên -
cias à ren ú n cia do m in istro, às reações provocadas pela divu lgação de su a
carta e ao retorn o do m in istro à su a região resu ltaram em vetos. O n ú m e-
ro ch ega a ser tão gran de n o dia 10 de m aio de 1973 (oito m atérias e u m a
ch arge) qu e leva o jorn al a m over u m processo con tra a Un ião por perdas
e dan os, do qu al obteve gan h o de cau sa em 1978.
• Com en tários sobre u m a proposta de abon o salarial de em ergên cia aos
trabalh adores a ser con ferido pelo govern o, ten do em vista os elevados ín -
dices de in flação (para a época) e a dim in u ição do poder aqu isitivo com a
política de reaju stes an u ais de salário. Isto ocorre n o fin al de 1974, e é vis-
to, por políticos oposicion istas, com o u m a m edida m eram en te eleitoreira

73
(em face das eleições de n ovem bro) e, por algu n s articu listas do jorn al,
com o con tradição à política de con ten ção da in flação e qu ebra das m etas
do II Plan o Nacion al de Desen volvim en to. Por ou tro lado, os lojistas m a-
n ifestam -se con trariam en te à con cessão do abon o, en qu an to os trabalh a-
dores criticam a política salarial do govern o, con sideran do-o in su ficien te.
• Críticas à im portação de carn e con gelada do Uru gu ai, en carada com o
form a de proteção aos frigoríficos m u ltin acion ais qu e adqu iriram a carn e
desse país. A carn e do Uru gu ai n ão foi bem aceita pela popu lação e correu
o risco de ficar en calh ada. O govern o, en tão, su spen deu o abate para ga-
ran tir o escoam en to da carn e im portada.

Por haver ganho a causa contra a censura, o jornal O Estado de S. Pau lo, posteriormente,
obtém a condenação da União que foi obrigada a ressarcir a empresa por perdas e danos.

74
QUESTÕES SOCIAIS

ACIDENTES

Neste su btem a, aparecem as m atérias vetadas en volven do a reali-


zação de assaltos e rou bos, am eaças telefôn icas de explosão de bom bas e
in cên dios em prédios (geralm en te, n o cen tro de São Pau lo), ou possibili-
dades de calam idades pú blicas com o a presen ça de u m a lata de form icida
(en ferru jada e com vazam en to) em caixa d’águ a de u m gran de edifício e
referên cias à in toxicação de fu n cion ários da VASP com a refeição. Além
disso, destacam -se aciden tes com tran sporte de m assa e depredação de
tren s por descon ten tam en to da popu lação.
Dign o de n ota aqu i é o fato de qu e a m aior parte das m atérias ve-
tadas relacion am -se som en te a qu an tias levadas em assaltos. A descrição
do even to perm an ece e o corte in cide só sobre o valor rou bado. E essa
preocu pação em escon der o m on tan te do rou bo vai perm an ecer até o fi-
n al da cen su ra prévia em OESP, pois a ú ltim a m atéria a esse respeito data
de 31 de dezem bro de 1974 e a cen su ra se en cerra a 4 de jan eiro de 1975.
Ou tro pon to acen tu ado diz respeito a du as m atérias (10 ju l. e 19 set.
1974) em qu e foram liberadas partes referen tes à violên cia policial e ao
Esqu adrão da Morte (am bos alvo tam bém da cen su ra), vetan do-se ape-
n as as m en ções a qu an tias rou badas.
A proibição sistem ática de veicu lação de n otícias qu e represen tem
possibilidade de com oção social, violên cia, crise, ou seja, elem en tos qu e
possam tradu zir u m a visão diferen te daqu ela qu e en cara a sociedade li-
vre de ten sões e con flitos, con diz com a idéia de qu e o regim e m ilitar
preocu pou -se em passar a im agem de u m tecido social h arm on ioso em
qu e a rota da n orm alidade n ão pode ser in terrom pida.
Tan to n este su btem a, com o n aqu eles arrolados n as qu estões políti-
cas en volven do seqü estros, parece existir a preocu pação de produ zir u m a
even tu al ligação desses fatos com os gru pos de lu ta arm ada qu e, n o fin al
da década de 1960 e in ício dos an os de 1970, realizaram diversos assaltos
para fin an ciam en to de su as ações e seqü estros para a libertação de presos
políticos. Porém n ão se crê qu e, n o caso destes seqü estros cen su rados ou
dos assaltos alu didos, exista a vin cu lação com o crim e político, tratan do,
pois, de atos realizados n a esfera do crim e com u m .
O fato de h aver a explícita preocu pação em ocu ltar qu an tias rou -
badas em assaltos revela u m a in ten ção de proteger as corporações m ilita-
res qu e, n aqu ele m om en to, às cu stas da m ilitarização da sociedade e de
an os de com pleta im pu n idade, estavam en volvidas em exten sas redes de
corru pção qu e u n iam o policial ao ban dido e cu jo sin tom a m ais claro foi
a em ergên cia dos esqu adrões da m orte. Havia u m desejo ocu lto de pre-
servar as corporações m ilitares de u m a possível den ú n cia relacion ada ao
crim e e, con seqü en tem en te, à n ão devolu ção do m on tan te m on etário se,
even tu alm en te, fosse recu perado.

75
QUESTÃO INDÍGENA

De um modo geral, as matérias vetadas constantes deste subtema es-


tão ligadas à problemática da demarcação das terras indígenas e aos confli-
tos decorrentes entre índios, posseiros, latifundiários aliados à política da
FUNAI70, criticada em muitos artigos por não manter uma eficiente proteção
ao indígena, tanto no que diz respeito às suas terras como em relação à dis-
seminação de doenças provenientes do contato com o homem branco. Ou-
tro ponto de destaque refere-se à atuação da Igreja Católica na questão in-
dígena que denuncia a omissão dos órgãos governamentais e a violência dos
grandes proprietários e seus jagunços na invasão das terras indígenas. Em
maio de 1974, a Igreja Católica lança um documento veiculado somente no
exterior, devido à proibição no Brasil, intitulado “Y Juca Pirama, o Índio,
Aquele que Deve Morrer”, alusivo ao poema Y-Juca-Pirama, do poeta ro-
mântico brasileiro Antônio Gonçalves Dias. Neste poema, estão presentes a
narração das qualidades dos indígenas e seu modo de pensar. O significado
do título em tupi é “aquele que deve morrer”.
É dign o de m en ção o fato de qu e, en tre as várias ten tativas de m os-
trar ao leitor qu e estava sob cen su ra, OESP u tilizou poem as, sen do qu e o
prim eiro foi exatam en te Y-Juca-Pirama71.

REIVINDICAÇÕES SOCIAIS

Este su btem a con tém algu n s iten s cu jas m atérias vetadas revelam
a existên cia de in cipien tes m an ifestações de categorias de trabalh adores
em lu ta pelo respeito aos seu s direitos e pela m elh oria salarial:

• Manifestações de motoristas de taxi (início em 3 jan. 1974) pelo aumento


de tarifas. As manifestações e as tentativas de greve são violentamente repri-
midas pela polícia, ao passo que o Sindicato dos Taxistas permanece comple-
tamente ausente do movimento; e greve de motoristas e cobradores de ôni-
bus em São Paulo.
• In gerên cia do Min istério do Trabalh o n os sin dicatos, com o é o caso de
su a atu ação n o episódio qu e en volve o em presário Abdalla e os operários
qu e lu tam para receber o qu e ele lh es deve. A in terven ção do m in istério é
favorável ao em presário e con trária aos trabalh adores.
• Recu rso dos policiais m ilitares m an ifestan do-se con tra o sistem a de pro-
m oções n a carreira.
• Lu ta do Sin dicato dos Trabalh adores de São José dos Cam pos por u m a
n ova política salarial.
• Mobilização dos fu n cion ários da San ta Casa de San tos con tra a falta de
pagam en to. É in teressan te observar qu e, n o fin al dessa m atéria qu e seria
pu blicada em 23 de ju lh o de 1974, a adm in istração da San ta Casa in sin u a
qu e tal n otícia deveria ser cen su rada (com o de fato foi).

76
CRÍTICAS À POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA

As m atérias cen su radas n este su btem a dizem respeito exclu siva-


m en te ao su rto epidêm ico de m en in gite qu e assolou o país, particu lar-
m en te forte em São Pau lo, em 1974. As prim eiras n otícias deveriam ter
sido pu blicadas em 27 de ju lh o de 1974. Basicam en te, os artigos tratam de:

• Dados sobre o número de doentes internados e de óbitos decorrentes da me-


ningite; referências ao aumento da incidência do surto, incluindo um quadro
estatístico fornecido pela Secretaria de Saúde de São Paulo.
• In form ações tran qu ilizadoras e son egação de dados por parte do gover-
n o do estado de São Pau lo e da Secretaria de Saú de dos estados.
• Críticas sobre a in su ficiên cia de doses da vacin a con tra a m en in gite cu ja
respon sabilidade da com pra com petia ao govern o federal; reclam ações da
popu lação qu an to ao sistem a de saú de pú blica do país.
• Den ú n cia n o Sen ado sobre a cen su ra aos dados de su rtos epidêm icos n o
país.
• Mobilização dos alunos da PUC/SP contra o comparecimento às aulas, en-
quanto providências não fossem tomadas em relação ao surto de meningite.

Neste caso, a ten tativa de ocu ltar da popu lação a existên cia de
qu aisqu er crises qu e pu dessem am eaçar a im agem con stru ída de h arm o-
n ia social, atin giu u m elevado grau de paroxism o n a m edida em qu e, des-
ta vez, o ato de escon der dados sobre a gravidade de u m su rto epidêm ico
letal acarretou o au m en to de m ortes e de doen tes acom etidos pela m e-
n in gite. É u m a in teressan te m edida para aqu ilatar a efetiva pericu losida-
de da existên cia da cen su ra prévia à im pren sa escrita.

QUESTÕES EDUCACIONAIS E CULTURAIS

MOVIMENTO ESTUDANTIL

As notícias censuradas referentes à mobilização dos estudantes co-


meçam a aparecer a partir de março de 1974. Dizem respeito basicamente
à reclamações dos alunos contra as condições de ensino (particularmente
no ensino superior), envolvendo, inclusive, críticas às reitorias das univer-
sidades pelas dificuldades que, geralmente, criam para a participação dos
alunos nas decisões a serem tomadas nos campi. Além disso, surgem protes-
tos dos alunos contra o aumento das anuidades e o preço das refeições co-
bradas nos restaurantes estudantis.
As m atérias qu e m ais apareceram foram :

• Greve n a Facu ldade de Medicin a da USP em protesto con tra o esqu em a


de residên cia m édica – em pecilh o ao acesso às vagas e au sên cia de regu la-
m en tação com o cu rso de especialização.

77
• Greve n a Medicin a do ABC con tra a falta de professores.
• Mobilização dos alu n os do Macken zie con tra o n ovo reitor (diretório
cen tral dos estu dan tes alega n eu tralidade n o caso).
• Greve n a Un iversidade Federal do Rio Gran de do Su l con tra a dispen sa
de professores.
• Crítica estudantil contra o sistema de avaliação e o projeto de jubilamento.
• Mobilização dos estu dan tes ju n to ao MEC pedin do m ais verbas para a
edu cação.
• Man ifestação de alu n os con tra a falta de participação estu dan til n as de-
cisões edu cacion ais e con tra a baixa qu alidade de en sin o.

É im portan te destacar qu e n o an o de 1973, a partir de 29 de m arço


(data de referên cia in icial), n ão foram localizadas m atérias vetadas refe-
ren tes ao m ovim en to estu dan til, o qu e pode levar a du as h ipóteses dife-
ren tes: ou a falta de m obilização estu dan til decorren te da prom u lgação do
decreto-lei n .º 477 e dos rescaldos do desbaratam en to dos gru pos de lu ta
arm ada (fin al da década de 1960 e in ício dos an os de 1970) n os qu ais os
estu dan tes possu íam participação destacada, ou a au sên cia de in teresse da
cen su ra em vetar essas m atérias ao lon go de 1973. A prim eira h ipótese pa-
rece-n os m ais plau sível, m esm o porqu e a form a pela qu al se m an ifesta o
m ovim en to estu dan til n as m atérias detectadas ao lon go de 1974 faz pres-
sen tir o recom eço de u m a organ ização in terrom pida pela força e qu e rei-
n icia seu s passos em u m a escalada cau telosa, abordan do tem as relacion a-
dos qu ase qu e exclu sivam en te às con dições de en sin o n o país, sem en vol-
ver diretam en te qu estões m ais gerais de crítica à política n acion al.

QUESTÕES DE POLÍTICA INTERNACIONAL

CHILE

Todas as m atérias cen su radas n este su btem a referem -se aos acon -
tecim en tos qu e en volvem a qu eda do presiden te ch ilen o Salvador Allen -
de por in term édio de u m golpe ocorrido em 11 de setem bro de 1973; bem
com o as circu n stân cias de violên cia con tra a popu lação em decorrên cia
da resistên cia ao putsch m ilitar qu e levou ao poder u m a ju n ta coorden a-
da pelo gen eral Au gu sto Pin och et.
Destacam -se as segu in tes tem as:

• Críticas à repressão política n o Ch ile.


• Man ifestações con trárias ao im perialism o brasileiro, iden tifican do a par-
ticipação do Brasil n o golpe qu e depôs Salvador Allen de.
• Com en tários elogiosos ao govern o de Salvador Allen de.
• Referên cias à prisão, tortu ra e desaparecim en tos de brasileiros asilados
n o Ch ile.
• Men ções à explosão n o escritório da LAN-Ch ile n o Brasil.

78
É im portan te destacar qu e os cortes da cen su ra n o qu e diz respeito
ao Ch ile relacion am -se ao tem or de possíveis an alogias, por parte dos lei-
tores, en tre a realidade ch ilen a e o processo político desen rolado n o Brasil
– aqu i tam bém u m presiden te con stitu cion alm en te eleito foi derru bado
por u m golpe m ilitar ao qu al, em bora em m en or grau , se segu iu u m a es-
calada de violên cia qu e derrotou as possibilidades de oposição n o país. Este
m esm o tem or explica a pu n ição exacerbada do depu tado Fran cisco Pin to
pelo pron u n ciam en to de u m discu rso con trário à presen ça do gen eral Pi-
n och et n o Brasil, por ocasião da posse do presiden te Ern esto Geisel.

CENSURA

IMPRENSA

Este su btem a versa sobre a problem ática dos com en tários relativos
a cen su ra à im pren sa, e é o item qu an titativam en te m ais elevado. Logo
abaixo dele vem o qu e se refere à repressão política, den tro da u n idade
tem ática “Qu estões Políticas”.
Ten do em vista a especificidade desta pesqu isa, resolveu -se criar
u m a u n idade tem ática à parte, in titu lada “Cen su ra”. En tretan to, com o a
cen su ra é con siderada u m in stru m en to do aparato repressivo, n a realida-
de, é parte da u n idade “Qu estões Políticas” e está particu larm en te en qu a-
drada n o su btem a “Repressão Política”. Nu m ericam en te, ten do em vista
os elem en tos reu n idos, este su btem a apresen taria u m percen tu al m u ito
m ais elevado do qu e os dem ais.
O fato de h aver u m a porcen tagem tão sign ificativa de m atérias ve-
tadas qu e tratam especificam en te da cen su ra à im pren sa n ão é irrelevan -
te. Do pon to de vista da cen su ra, era m u ito im portan te ocu ltar do pú bli-
co a su a própria existên cia e, con seqü en tem en te, m u ito gran de a preocu -
pação em n ão deixar provas con cretas qu e pu dessem vir a con stitu ir ele-
m en tos qu e im plicassem em ações ju diciais con tra a Un ião, por parte dos
órgãos de divu lgação afetados72.
O decreto-lei n .º 1077, de 1970, em basa a existên cia da cen su ra
prévia n os órgãos de divu lgação. Os casos em qu e, m esm o ilegalm en te 73,
a cen su ra poderia ser aplicada, referem -se a aten tados à m oral e aos bon s
costu m es, o qu e n a ideologia da Dou trin a de Segu ran ça Nacion al está
vin cu lado a u m am plo projeto de su bversão aos valores da civilização
cristã ociden tal por parte do com u n ism o in tern acion al. Ora, salvo em ca-
sos de im portação de revistas com o a Playboy, em qu e se pode alegar o
aten tado m oral, são raríssim as ou in existen tes as ocorrên cias qu e pu des-
sem ferir os bon s costu m es n os periódicos alvo da cen su ra prévia, com o
OESP, Jornal da Tarde, Tribuna de Imprensa, O São Paulo, Opinião e Movimen-
to. Não h á, portan to, ju stificativa legal para a im posição da cen su ra pré-

79
via. E sob pen a de com prom etim en to do govern o federal, era n ecessário,
en tão, ocu ltar os rastros da cen su ra.
A in ten cion alidade do ocu ltam en to pode ser sen tida com clareza n a
form a com o agiam os m ecan ism os cen sórios para os periódicos qu e acei-
tavam trabalh ar n o lim iar da au tocen su ra. Atu avam por m eio de recados
telefôn icos ou bilh etes n em sem pre iden tificados, u tilizan do-se de fórm u -
las clássicas com o as expressões: “de ordem su perior”, “Polícia Federal
‘pede’”, “fica term in an tem en te proibida a divu lgação...”, “da ordem do
Exm o. Sr. gen eral diretor-geral do D. P. F.”, “assin ado pelo gen eral An tô-
n io Ban deira, diretor-geral da Polícia Federal”, “assin ado pelo coron el
Moacir Coelh o”, etc. Os respon sáveis pelos periódicos sabiam qu e o n ão
cu m prim en to dessas orden s “fan tasm as” im plicava em represálias, tais
com o a presen ça de cen sores n a redação ou a apreen são do m aterial n a
gráfica e em ban cas, o qu e gerava im en sos preju ízos.
Por outro lado, esse tipo de atuação tomou de assalto proprietários,
direção e jornalistas. Muitas empresas acabaram por não deixar qualquer
registro que pudesse recuperar mais tarde a memória desse tempo de exce-
ção. Outras começaram a montar arquivos tardiamente, é o caso do Jornal
do Brasil que, sob censura desde 1968, somente começa a catalogar essas or-
dens em 1972, quando principia a montagem do famoso Livro Negro do JB.
Este fato m ostra com n itidez a im portân cia da resistên cia à cen su -
ra para forçar m edidas con cretas da parte da Polícia Federal qu e, qu an do
atu a pela cen su ra prévia ou realiza apreen sões, sem pre deixa provas n o
m aterial produ zido, vetado e n ão-pu blicado. O trabalh o de recu peração
da m em ória con tribu i para traçar e am pliar as lin h as qu e defin em o con -
torn o do Estado au toritário brasileiro pós-64, dos m ecan ism os da cen su -
ra e da atu ação da im pren sa n o país.
Con form e Maria Helen a Moreira Alves74 , a cen su ra faz parte da
estratégia de o Estado au toritário, n a ten tativa de criar a im agem de u m
país h arm on ioso e livre de con flitos, produ zir u m a represen tação de n a-
ção dem ocrática. Se as regras do jogo dem ocrático foram qu ebradas m o-
m en tan eam en te, o foram por extrem a n ecessidade, u m a vez qu e n o pe-
ríodo (1964) h avia, segu n do os m en tores do golpe, a possibilidade de
m an obras con tin u ístas por parte do presiden te João Gou lart, ele sim ,
in teressado em destru ir a liberdade n o Brasil. Essa in versão do qu adro
político (cu jo exem plo n otório en con tra-se n os editoriais de OESP) ten -
ta ju stificar a in terru pção do processo dem ocrático (o golpe e a derru -
bada do presiden te) em n om e da m an u ten ção dos ideais de liberdade.
Da m esm a form a se explica o recru descim en to da repressão política – os
m ilitares estariam sen do forçados a in cu rsões violen tas em virtu de de
acon tecim en tos qu e, segu n do su a ótica, su bvertiam a ordem in stitu cio-
n al. É, portan to, n a defesa dessa ordem qu e se ju stifica a ação represso-
ra. Não é à toa qu e o discu rso, em todas as m an ifestações pú blicas dos
presiden tes após 1964, tivesse sido con stru ído n o sen tido de devolver o

80
país à plen itu de dem ocrática. O caso típico é o de Médici, govern o n o
qu al a repressão foi m ais in ten sa, m as cu jos discu rsos eram plen os de
propósitos dem ocratizan tes. A m an u ten ção dessa im agem é, portan to, a
base sobre a qu al se m an tém a própria saú de do Estado au toritário. Po-
rém , a su sten tação do regim e im plica em garan tir o respaldo de im por-
tan tes setores da sociedade civil qu e, n a época, vin h a se arrefecen do
com a escalada de violên cia, m esm o para setores qu e h aviam apoiado o
golpe, com o é o caso de OESP.
O padre An tôn io Aparecido Pereira em seu trabalh o, A Igreja e a
Censura Política à Imprensa no Brasil: 1968-1978, m ostra a n ecessidade de
u m con sen so por parte dos regim es au toritários; n esse sen tido, a propa-
gan da cu m pre u m papel fu n dam en tal. No caso brasileiro, ela atu ou an tes
da perpetração do golpe e ao lon go do regim e com o parte da estratégia da
dou trin a da segu ran ça n acion al em criar u m in im igo com u m : o com u n is-
m o, estigm atizado com o am eaça con creta e con tra a qu al toda a socieda-
de deve se lan çar n a defesa dos “ideais de liberdade”. Ao lado disso, ela
bu sca criar a em patia da sociedade civil em relação ao Estado através dos
fam osos slogan s de u fan ism o e con vocação qu e trabalh am com du as
idéias: a da existên cia de u m bloco con sen su al e de u m ou tro, de exclu í-
dos; a estes ú ltim os, com o oposicion istas “m in oritários”, só resta a expu l-
são do corpo social. É a m en sagem can den te daqu ele qu e se torn aria o
m ais fam oso dos slogans do govern o Médici: “Brasil, am e-o ou deixe-o”.
O padre Aparecido assim apresen ta cen su ra e propagan da n o Esta-
do au toritário brasileiro pós-64:

Se a propagan da bu scou , através de seu s m étodos, criar u m clim a de sim -


patia ao regim e e im plan tar a dou trin a qu e o su sten ta, a cen su ra será, ao
lado de ou tros tipos de repressão, o in stru m en to qu e bu scará elim in ar toda
possibilidade de debate, crítica e oposição. Neste sen tido, propagan da e
cen su ra n os regim es au toritários cam in h am ju n tas, u m a su sten tan do a ou -
tra. A propagan da apóia a cen su ra dan do-lh e as ju stificativas. A cen su ra
favorece a propagan da perm itin do-lh e u m a m aior eficácia pela elim in ação
de qu alqu er possibilidade de in stân cia crítica.75

A segu ir, apresen tam os os prin cipais tópicos das m atérias vetadas:

• Com en tários sobre o jorn al OESP e su a lu ta con tra a cen su ra, abran gen -
do m an ifestações de políticos qu e con den am a repressão ao periódico; e,
n o fin al do an o de 1974, m atérias qu e con têm h om en agen s prestadas por
diversas represen tações do corpo social ao cen ten ário do periódico a ser
com em orado em 4 de jan eiro de 1975. É dign o de n ota (u m a vez qu e es-
clarece as postu ras de OESP) destacar a m atéria qu e, n o dia 31 de dezem -
bro de 1974, apon ta u m a observação de Ru y Mesqu ita n a qu al ele se re-
porta ao pai, Jú lio de Mesqu ita Filh o, qu e o acon selh ara sem pre a desen -
volver u m a atitu de de proteção aos persegu idos políticos, u m a vez qu e a
fam ília Mesqu ita fora obrigada a se exilar n a Eu ropa, n o período do Esta-
do Novo. Ru y Mesqu ita diz qu e jorn alistas e colaboradores con siderados
“esqu erdistas” tin h am voz e presen ça n a redação de seu s jorn ais.

81
• Críticas gen éricas de person alidades pú blicas con tra a cen su ra à im pren -
sa, en volven do a fala de sen adores e depu tados e o estabelecim en to de re-
lações en tre o processo de abertu ra política e a n ecessidade de abolir as res-
trições im postas aos m eios de com u n icação.
• Alu sões elogiosas e cu m prim en tos a Jú lio de Mesqu ita Neto pelo recebi-
m en to do prêm io “Pen a de Ou ro da Liberdade – 1974”, con cedido pela Fe-
deração In tern acion al de Editores de Jorn ais (FIEJ). É im portan te m en cio-
n ar o discu rso proferido (e vetado) por Jú lio de Mesqu ita Neto n a cerim ô-
n ia de en trega do prêm io qu e seria pu blicado n o dia 4 de setem bro de
1974 e on de estão delin eadas as con cepções do jorn al sobre a qu estão da
liberdade de expressão:

“Não aceitam os, n ão aceitarem os com o verdades absolu tas, as verdades oficiais.
Essa m esm a atitu de leva-n os a n ão en carar a cen su ra à im pren sa com o re-
su ltan te do in elu tável. Batem o-n os pelo seu desaparecim en to, esforçam o-
n os para qu e a plen a liberdade de expressão seja restabelecida n o Brasil.
[...] Não tem sido fácil sobreviver, m an ten do in tacta a n ossa in depen dên -
cia. O Estado su portou , ao lon go de su a existên cia, toda sorte de pressão.
Apren dem os a en fren tá-las. Sabem os o qu e sign ificam in vasões da oficin a
e da redação, as am eaças pessoais, a ocu pação do próprio jorn al, a cen su -
ra prévia, toda a gam a de pressões econ ôm icas. As gerações qu e m e prece-
deram su portaram , in clu sive, a perda do jorn al du ran te an os. Não capitu -
laram e o exem plo qu e n os legaram n ão foi esqu ecido.
[...] Há sempre beleza na luta cotidiana de um jornal, quando as circunstân-
cias da história o transformam em porta-voz de justas aspirações coletivas.
[...] Eu diria qu e sem ditadu ras e ditadores n ão h averia n a Am érica Latin a
jorn ais com o O Estado de S. Paulo, n ão h averia ju stificativa para prêm ios
com o “A Pen a de Ou ro”, n ão con taríam os com organ izações com a FIEJ e
a AII, qu e en carn am a etern a lu ta do h om em pela liberdade.
[...] Recon h eço qu e editar diariam en te u m jorn al cen su rado é u m a tare-
fa in grata. Mas capitu lar será bem pior. Qu an to m ais opressivo é u m re-
gim e, m ais n ecessário se torn a abrir brech as n a cortin a do silên cio. Mais
fu n dam en tal é a recu sa de u m a verdade oficial m on olítica e tritu radora.
Há sem pre n otícias e artigos qu e passam pelo crivo da cen su ra. A sim ples
existên cia da cen su ra provoca, aliás, a reação do corpo social, estim u la a
com u n idade n a bu sca daqu ilo qu e dela procu ram ocu ltar. Um jorn al in -
depen den te, m esm o am ordaçado, serve sem pre à cau sa da liberdade. Essa
é a n ossa con vicção n o Estado. Por isso, trabalh am os dia após dia, n a fron -
teira do proibido. 76

O discu rso tem a virtu de de, além disso, paten tear a im portân cia do
tipo de resistên cia viven ciada pelo jorn al, com parativam en te à capitu la-
ção da au tocen su ra qu e ocorria com ou tros periódicos.

• Con den ações à cen su ra expressas pela Associação In teram erican a de Im -


pren sa (AII) qu e elegeu com o presiden te Jú lio de Mesqu ita Neto, em 1974.
• Men ções a reu n iões da AII. Os relatórios a respeito da situ ação da im -
pren sa n o Brasil, geralm en te, eram apresen tados por Jú lio de Mesqu ita
Neto qu e revelava su as esperan ças de m elh oria da situ ação n o govern o do

82
presiden te Geisel, ten do em vista o m an ifesto desejo de diálogo e o con ta-
to efetu ado com jorn alistas. No dia 19 de ou tu bro de 1974, foi cen su rado
o discu rso de Jú lio de Mesqu ita Neto qu an do de su a eleição com o presi-
den te da AII. No dia 20 de ou tu bro, o m esm o discu rso foi liberado com
veto, som en te n a parte em qu e se referia especificam en te ao Brasil. Talvez
já h ou vesse n egociações en tre a direção do jorn al e os cen sores ou , m en os
plau sível, u m a m u dan ça de cen sores com ou tras preocu pações.
• Men ções ao caso da cen su ra prévia ao sem an ário Opinião, apon tan do a
qu estão da in con stitu cion alidade desta e destacan do a existên cia de u m a
n ova portaria govern am en tal qu e exige a an tecipação da en trega do m a-
terial aos cen sores, além de en fatizar o ju lgam en to do processo m ovido
pelo periódico con tra a Un ião. Alu são à apreen são do n ú m ero 24 de Opi-
nião (alvo do processo m ovido) qu e con tin h a, en tre ou tras, u m a m atéria
de capa sobre OESP in titu lada “Um Jorn al Con tra o Govern ador”. A m até-
ria tratava sobre a represália de Lau do Natel qu e su spen deu a pu blicidade
paga pelo govern o. Com o as lau das vetadas n ão voltaram a tem po da Po-
lícia Federal, o jorn al foi rodado e depois apreen dido – prova para a pro-
m oção de processo ju dicial. Cortes em m atérias qu e versavam sobre os
atrasos n a devolu ção do m aterial vetado de Opinião im plican do em altos
preju ízos, além de vetos a 27 artigos de u m só n ú m ero qu e in viabilizaram
su a circu lação.
• In sisten tes pedidos de com parecim en to, por parte da ban cada oposicio-
n ista, do Min istro da Ju stiça Alfredo Bu zaid à Câm ara, para respon der so-
bre as qu estões relativas à problem ática da cen su ra. O pedido de com pare-
cim en to obteve o veto da Aren a.
• Leitu ras n a Câm ara e n o Sen ado dos discu rsos de Jú lio de Mesqu ita Neto
(n a AII) e do telegram a de Ru y Mesqu ita en viado ao Presiden te da Repú -
blica qu e den u n cia a cen su ra im posta à im pren sa,
• Críticas da AII às restrições im postas à im pren sa escrita n o Brasil.

M ATÉRIA S A SSIN A D A S
Da totalidade dessas m atérias, u m n ú m ero sign ificativo recebe a as-
sin atu ra de Carlos Ch agas; jorn alista qu e du ran te m u itos an os foi u m dos
m ais im portan tes articu listas políticos de OESP, e qu e, n aqu ele m om en -
to, dirigia a su cu rsal do jorn al em Brasília. Tam bém torn ou -se con h ecido
com o com en tarista de política n acion al, sediado em Brasília, da rede
Man ch ete de Televisão e colaborador do jorn al carioca Tribuna da Impren-
sa. A prim eira m atéria cen su rada data de 30 de m arço de 1973 e a ú lti-
m a, de 28 de dezem bro de 1974. Con sideran do-se qu e a preocu pação de
OESP em gu ardar o m aterial vetado com eça em 29 de m arço de 1973 e os
ú ltim os cortes dos cen sores ocorreram em 3 de jan eiro de 1975, con clu i-
se qu e Carlos Ch agas recebeu vetos aos seu s com en tários ao lon go de
toda a vigên cia da cen su ra prévia.
O pen sam en to político de OESP, os m otivos das discordân cias em
relação ao regim e in stau rado em 1964 e as razões da cen su ra ficam evi-

83
den tes n os cortes verificados em m atérias assin adas por Carlos Ch agas.
Reiteradas vezes, critican do o en cam in h am en to dos govern os pós-64, ele
en fatiza o qu e con sidera com o n ecessário, m as n ão efetivado até o m o-
m en to, ou seja, a con ciliação da “revolu ção” com a “dem ocracia”. Nos
seu s term os, a du reza in icial, os expu rgos, os aspectos de ilegalidade e ex-
ceção eram n ecessários, m as deveria h aver u m retorn o gradativo à “de-
m ocracia” e à legalidade in stitu cion al.
No dia 19 de ju n h o de 1973, o jorn alista afirm a qu e “a revolu ção
e a dem ocracia são expressões qu e se com pletam da m esm a form a com o
segu ran ça e desen volvim en to”77. A m esm a idéia da in desejada ru ptu ra
dos dois term os su rge n este texto:

Com o a política parece a arte do possível, o prim eiro a evitar são as pro-
m essas. De n ada adian tará ao n ovo Presiden te da Repú blica [aqu i a refe-
rên cia é ao presiden te Ern esto Geisel] prom eter retoricam en te o reen con -
tro da Revolu ção com a Dem ocracia – dissociadas desde 68.78

E é reiterada qu an do da an álise do au tor a respeito do processo


“revolu cion ário” em qu e aparecem referên cias elogiosas ao govern o Cas-
telo Bran co e Costa e Silva, ao con trário dos qu e m erecem críticas, n o
caso a Ju n ta Militar e o govern o Médici. Por su a vez, o in ician te gover-
n o Geisel recebe o apoio do com en tarista qu e critica o radicalism o de al-
gu n s setores da sociedade:

Qu an do isso acon tecer – se pu der acon tecer u m dia – terá a Revolu ção re-
tom ado às su as origen s e in spirações. Porqu e a Revolu ção, apesar de tu do,
n asceu dem ocrática. Assen tou -se n a n ecessidade de resistên cia n ão só ao
caos econ ôm ico-fin an ceiro e social, m as tam bém n a im portân cia de garan -
tir a dem ocracia am eaçada pela an arqu ia.79

Carlos Ch agas, ao se posicion ar con trariam en te ao caráter de per-


m an ên cia do AI-5, acaba por fazer a defesa da tran sitoriedade dos Atos
an teriores e de su as in spirações govern am en tais:

Na realidade institucional, portanto, os Atos eram efêmeros, transitórios e


jamais incorporados à temática revolucionária como permanentes. Havia em
cada governante, de Castelo Branco a Costa e Silva, a intenção declarada de
apresentar os Atos como fórmulas eventuais de fazer apressar o aprimora-
mento do regime, a institucionalização definitiva, o fim das dificuldades eco-
nômicas ou a normalização administrativa.
[...] À su a som bra, n o en tan to, trabalh aram os fazedores de tem pestade,
radicais de u m e de ou tro lado. [...] O resu ltado foi u m presiden te com pri-
m ido en tre du as tem pestades e obrigado a ceder a u m a delas, obviam en te
à m ais forte. A 13 de dezem bro de 1968, pela prim eira vez, su rgia u m Ato
In stitu cion al sem prazo, m ais au toritário qu e os an teriores e forn ecen do ao
poder revolu cion ário h ipóteses de in terven ção ain da m ais profu n das n os
direitos h u m an os, n a vida política, adm in istrativa e econ ôm ica do país.

84
[...] Era o in stru m en to perm an en te, a n ova fase da Revolu ção qu e se es-
tratificava.80

Além disso, por várias vezes, aparece a defesa do au tor n a direção


de u m a abertu ra política len ta e gradu al, e a con den ação, em con trapar-
tida, das ten tativas de apressar o processo de redem ocratização por parte
de Castelo Bran co e Costa e Silva, o qu e, n a su a con cepção, provocou o
recru descim en to da repressão:

Agora é falar do presen te, pois, o passado, afin al acabou passan do m esm o.
A partir de h oje, objetivam en te, ele im porta pou co, qu ase n ada. Para qu al-
qu er projeção fu tu ra, n o en tan to, con vém n ão esqu ecer o passado. Pelo
plan o su bjetivo, h á qu e u tilizar su as experiên cias, su as distorções e até
su as falh as com o u m tesou ro valioso. A m aior h eran ça poderá n ão estar
n as con qu istas ou realizações recebidas pelos qu e ch egam , m as n o volu m e
dos erros com etidos pelos qu e saem . Esse volu m e n ão dirá o qu e deve ser
feito, m as com certeza in dicará o qu e precisa ser evitado. E h á o qu e evi-
tar agora. [...]
Castelo Bran co e Costa e Silva avan çaram rápido dem ais com os fatos,
obrigan do-se depois a retrocessos am argos n o AI-2 e AI-5. Garrastazu
Médici, de seu tu rn o, discu rsou com rara felicidade pelo m en os por três
vezes, ao prom eter en tregar ao su cessor o País em plen itu de dem ocráti-
ca. Teve, porém , de ficar com as palavras, qu e os fatos h oje con tradizem
severam en te. [...]
Há m u ito o qu e evitar. A m argin alização de determ in adas classes especí-
ficas, com o os operários, a Igreja, os in telectu ais e os estu dan tes, aos
qu ais n ão se pode con tin u ar con ceden do a ben esse de cu m prirem fu n -
ções sociais isoladas e sem vín cu lo com o con ju n to n acion al. [...]
Dian te do qu arto govern o revolu cion ário, su rge u m desafio n ão colocado
apen as sobre seu s om bros, m as pertin en te a todo processo in iciado com
Castelo Bran co. Ou se estabelece o divisor de águ as, livran do-se a Revolu -
ção da exceção, ou breve, u m a terá su cu m bido às fragilidades da ou tra.81

Com o se vê, con cretam en te ch egou a h ora de a Revolu ção pen sar n a for-
m a, ain da qu e len ta e gradativa, de in stitu cion alizar o País e acabar com os
Atos perm an en tes. Porqu e, caso con trário, estará corren do o risco de ver
a oposição defen der a su a perm an ên cia para, m ais tarde, aplicá-los con tra
seu s próprios in spiradores.82

In teressan te tam bém a postu ra do jorn alista (qu e o jorn al assu m e,


com o se verá) n a defesa do “san eam en to” econ ôm ico realizado pela “re-
volu ção”. É com o se o aspecto econ ôm ico dos “ideais de 1964”, fosse u m
divisor de águ as qu e devesse ser defen dido em m eio ao “desvio da rota”,
ocorrido com a repressão do regim e. Apen as se posicion a con tra expecta-
tivas en gan osas e ilu sórias provocadas pelo ch am ado “m ilagre brasileiro”.

Ao crescim en to do Produ to Nacion al Bru to e ao au m en to das exportações,


à redu ção da in flação e à abertu ra de m ais algu n s qu ilôm etros de estradas
n a selva, é preciso opor e fazer correspon der a liberdade, o respeito pelos
direitos fu n dam en tais da pessoa h u m an a, a garan tia dos m an datos eleitos

85
e da represen tatividade popu lar – em su m a, a dem ocracia. Fora disso, ou
sem isso, estarão com pactu an do com o estado totalitário.83
“O Brasil cresceu, graças à ação de s. exa. [aqui a referência é ao presidente
Médici], isto é inegável. Mas já se imaginou como teria crescido muito mais,
caso não relegasse à meta democrática o sentimento de verdadeiro pavor? 84

Qu an to às esperan ças depositadas n o govern o Geisel, Carlos Ch a-


gas apon ta para o “térm in o do triu n falism o econ ôm ico e a expectativa da
reform a dem ocrática”85 e ao fazer críticas ao regim e, assim qu alifica o sis-
tem a qu e rege o país: “im obilizado n os traços capitais de u m regim e de
exceção in stitu cion al e de ilu são econ ôm ica”86.
Fin alizan do, é possível apon tar algu m as críticas feitas pelo jorn alis-
ta à qu estão da cen su ra à im pren sa, relacion an do-a com o m om en to fu n -
dam en tal n o processo de abertu ra política 87 e aproveitan do para con stru ir
ju lgam en tos sobre o com portam en to de ou tros represen tan tes da im -
pren sa escrita. Su rge aqu i u m a breve referên cia à cen su ra dos acon teci-
m en tos relativos ao processo de su cessão, de Médici para Geisel:

Mas o qu e dizer da qu arta su cessão, aparen tem en te a m ais pacífica e tran -


qü ila, m as tam bém a m ais m isteriosa? Médici in stitu iu , du ran te o seu go-
vern o, o prim ado do silên cio, o costu m e do m on ólogo e a tática dos fatos
con su m ados, dos qu ais o País apen as tom ava con h ecim en to. Com o pen sar,
falar (baixo) e escrever (com cau tela) ain da su bsistiam com o práticas espe-
cu lativas da atividade h u m an a, foi n atu ral qu e o n om e de Ern esto Geisel
gan h asse as colu n as de jorn ais, em m eio a ou tros. Logo, dos m ais altos cen -
tros de poder, veio a decisão: pen sar sim , o resto n ão.88

Com o con seqü ên cia de qu em evita o m on ólogo h á qu e ser in cen tivado o


debate. Com o a crítica. Aqu i sobressai o papel dos órgãos de com u n ica-
ção. Mesm o sem se colocarem com o objetos estan qu es e desvin cu lados da
realidade n acion al e in tern acion al, eles precisam adqu irir u m m ín im o de
con dições de in depen dên cia para a crítica e o debate. Valores com o o in -
teresse n acion al ou a segu ran ça n ecessitam estar presen tes, m as n u n ca
u ltrapassan do os próprios lim ites ou transformando a tarefa de informar o pú-
blico num sarau poético ou num exercício culinário [grifo n osso]. 89

O trech o grifado aparecia circu n dado n o m aterial cen su rado, o


qu e, provavelm en te, represen ta u m a m arca de in teresse especial do cen -
sor. A referên cia aqu i é clara: o “sarau poético” diz respeito às poesias pu -
blicadas por OESP em lu gar dos trech os cen su rados e o “exercício cu lin á-
rio” relacion a-se à form a com o o Jornal da Tarde reagia, pu blican do recei-
tas para cobrir os espaços deixados pelos cortes do cen sor.
Em uma matéria, sintomaticamente intitulada “A Premissa da Refor-
ma”, Carlos Chagas diz que o término da censura à imprensa é premissa bá-
sica para o processo de abertura. Além disso, em outro trecho, o autor alu-
de às desastrosas conseqüências da censura à imprensa ao criticar a política

86
econômica do governo, no que tinha de enganoso e excessivo. Aproveita
também para comentar a atitude de outros órgãos de divulgação:

“[...] os que puniam passaram a achar que, se não havia notícias desagradá-
veis, também não havia atos e fatos desagradáveis. Daí nasceram aberrações
do tipo milagre brasileiro [grifo do autor]. Aqui tudo era diferente do resto do
mundo. Inexistiam crises, lamentações, abusos de poder ou fracassos. Basta-
va ler os jornais ou assistir à televisão para se notar o Brasil como um oásis
de paz, tranqüilidade, justiça e fartura. [...]
Por acom odação, m edo ou in teresse, breve, m u itos dos respon sáveis pelas
n otícias deixaram de lu tar por elas. Aderiram à m esm a prática, fech an do
o círcu lo da ilu são. Do Olim po ton itru an te, os deu ses de plan tão pu n iam
a n otícia. Da plan ície árida, gran de parte de seu s sú ditos om itiam a n otí-
cia. Assim , ela se tran sform ou n u m agen te a serviço do Estado, ou m elh or,
dos in teresses dos h om en s ou dos gru pos qu e em determ in ado m om en to
dirigiam o Estado. [...] A restau ração da n otícia, m elh or seria dizer su a res-
su rreição, su rge com o exigên cia prim eira para o in ício do processo de apri-
m oram en to do regim e. Será im possível perm itir qu e determ in ados even -
tos ou pessoas preten dam ficar im u n es às n otícias, ain da m ais qu an do as
estiverem produ zin do.90

Ain da n o qu e diz respeito às m atérias assin adas, é preciso en fatizar


qu e in ú m eras abordagen s podem ser feitas n a an álise deste m aterial. Po-
rém a preocu pação foi extrair do pen sam en to afin ado ao dos proprietá-
rios do periódico o discu rso diferen ciado da cen su ra.
Entre as matérias assinadas vetadas, assumem especial relevo aquelas
escritas por jornalistas, pensadores ou professores, de alguma forma próxi-
mos ao jornal.
In icialm en te, situ am -se du as m atérias cen su radas de au toria do
pen sador católico e de m atriz n itidam en te con servadora 91, Gu stavo Cor-
ção. Elas se in serem n o su btem a em qu e se destacam as con flitu osas re-
lações en tre Igreja e Estado n esse período.
Na prim eira delas, datada de 16 de agosto de 1973, Gu stavo Cor-
ção com en ta a carta pastoral dirigida pelo arcebispo m etropolitan o de
Goiân ia, D. Fern an do Gom es, aos seu s diocesan os, em 29 de ju n h o de
1973. Nela, o arcebispo exprim ia diversas críticas ao regim e político bra-
sileiro pós-64. Gu stavo Corção critica a carta dizen do qu e o arcebispo,
apesar de recon h ecer m éritos do regim e, form u la u m a in terpretação m al-
dosa: “país rico de povo pobre”. Diz tam bém qu e D. Fern an do n ão expli-
cita a situ ação de an arqu ia an terior a 1964 e qu e os ideais de con scien ti-
zação do povo 92, expressos n a carta pastoral, são dign os de críticas; con -
clu i qu e a carta represen ta u m a agressão ao atu al govern o 93.
A segu n da m atéria vetada data de 24 de ou tu bro de 1974 e refere-
se a críticas feitas a du as au toridades religiosas in tern acion ais (m on se-
n h or Casaroli, secretário do con selh o para assu n tos pú blicos do Vatican o,
e padre Frederick McGu irre, diretor da divisão para a Am érica Latin a da
con ferên cia católica dos Estados Un idos) qu e, segu n do ele, m in im izam o

87
sofrim en to dos presos e dos católicos em Cu ba. A segu ir, com en ta qu e
n ão aceita qu e o m esm o tratam en to seja dado aos su bversivos de Cu ba e
do Brasil, afirm an do:

Repilo a idéia de qu e am bos sejam su bversivos, e portan to m erecedores do


m esm o castigo. Não! Mil vezes n ão! Acim a da torpeza liberal qu e talvez
seja pior qu e o com u n ism o, existe u m absolu to en tre o bem e o m al, exis-
te u m a lei de Deu s, ou u m a lei n atu ral, pela qu al o cidadão cu ban o qu e se
ergu e con tra Fidel Castro n ão é u m su bversivo, é u m patriota, talvez, u m
h erói, even tu alm en te u m m ártir. Ao con trário, os padres socialistas “qu e
con spiravam con tra o regim e brasileiro, n o aparelho recen tem en te estou -
rado n o Nordeste”... [grifo n osso] 94

Ou tro alvo de cen su ra foi o jorn alista Flávio Galvão, qu e teve u m a


m atéria vetada qu an do criticou a cen su ra à im pren sa. Ele foi colaborador
de OESP du ran te m u itos an os, e, du ran te a articu lação do golpe, u m de
seu s m aiores en tu siastas; segu n do depoim en tos de an tigos fu n cion ários
do arqu ivo do jorn al, h om em m u ito ligado aos círcu los do poder qu e se
in stau rou n o país após 1964.
Nesta m atéria, Flávio Galvão apon ta para a ilegalidade da apreen -
são da revista Argumento, lan çada n a época, ten do com o u m de seu s dire-
tores Barbosa Lim a Sobrin h o, presiden te da Associação Brasileira de Im -
pren sa (ABI). A alegação da Polícia Federal para a apreen são da revista,
seria a de qu e ela era clan destin a u m a vez qu e n ão estava registrada n a
divisão de cen su ra do Departam en to de Polícia Federal. A n ecessidade de
tal registro advin h a da portaria n .º 209, de 16 de abril de 1973 qu e n o ar-
tigo 1º estabelece qu e:

As pu blicações periódicas qu e circu lam n o país do gên ero revistas n acio-


n ais ou estran geiras ficam su jeitas a registro n a Divisão de Cen su ra de Di-
visões Pú blicas do Departam en to de Polícia Federal, m edian te requ eri-
m en to do editor, im portador ou respon sável, para verificar da existên cia
de m atéria in frin gen te da proibição en u n ciada n o artigo 1º do Decreto-lei
n ú m ero 1077, de 26 de jan eiro de 1970.95

Ocorre qu e, argu m en ta o jorn alista, o decreto-lei n .º 1077, pode


ter su a in con stitu cion alidade decretada, n a m edida em qu e fere o artigo
153 n o qu al foi baseado. Tal artigo afirm a qu e “a pu blicação de livros,
jorn ais e periódicos n ão depen de de licen ça de au toridade”, o qu e foi re-
gu lam en tado pela Lei de Im pren sa, n .º 5250, de 10 de fevereiro de 1967
– “é livre a pu blicação e a circu lação, n o território n acion al, de livros, de
jorn ais e de ou tros periódicos salvo se clan destin os ou qu an do aten tem
con tra a m oral e os bon s costu m es”.
Flávio Galvão con sidera a portaria n .º 209 “u m resqu ício do espíri-
to qu e im perou n o Brasil du ran te o Estado Novo, regim e totalitário im -
posto ao País pelo golpe de 10 de n ovem bro de 1937, desferido por Var-
gas com o apoio das Forças Arm adas”.96

88
Ou tro caso de veto recaiu sobre du as m atérias (classificadas n o su b-
tem a “Críticas ao Regim e”) de Pedro Dan tas, tam bém velh o colaborador
de OESP e, em 1964, au tor de artigos extrem am en te críticos ao govern o
do presiden te João Gou lart.
Em uma das matérias, o autor comenta a diferença entre os regimes
autocrático e democrático, dizendo que, no último, há divergências de en-
tendimento dos direitos do grupo social que outorga o poder ao mandatá-
rio, baseadas nas diferenças de interesses individuais e coletivos. Afirma a
similaridade com o que ocorre na literatura, em que os textos são sujeitos
a interpretações várias. Cita, entre os autores, Camões, e acrescenta: “Este
último, nosso eminente e operoso companheiro de redação, aqui no Estado”97, refe-
rindo-se à tática do jornal em publicar nos espaços em branco trechos de Os
Lusíadas. Existe apen as u m a m atéria cen su rada de au toria do professor e
jorn alista Oliveiros S. Ferreira qu e, du ran te certo período de cen su ra pré-
via, era editor-ch efe do jorn al, cargo qu e, m ais tarde, foi ocu pado por Fer-
n an do Pedreira.
Em seu artigo, dispõe-se a analisar o resultado das eleições de novem-
bro de 1974 e afirma haver três interpretações diversas para o mesmo fato:
enquanto o MDB atribui a vitória à aceitação de suas teses sócio-econômi-
cas, a Arena atribui a derrota à infidelidade dos correligionários e o governo
minimiza os resultados, dizendo ainda possuir maioria das cadeiras na Câ-
mara e no Senado. A seguir, aponta os riscos dessa avaliação governamen-
tal, pois, segundo ele, não se apagam os descontentamentos com o masca-
ramento da realidade e os ânimos exaltados têm todas as condições de per-
ceber as alterações que se dão na realidade. Diz que nem da parte do gover-
no nem da oposição houve sensibilidade para que se pudessem produzir as
mudanças almejadas pelas massas quando se expressaram pelo voto e que
“nesse momento, quando a frustração produzir seus frutos, o mar da alma
humana, nauseado, poderá lançar nova vaga que virá assolar a praia – mas
desta vez não encontrará os canais eleitorais para dirigir sua força”98.
Também há duas matérias censuradas de Alberto Tamer, durante
muitos anos colaborador de OESP, tendo sido ainda comentarista econômi-
co da rede de televisão SBT. A temática das duas é a mesma: Alberto Tamer
comenta a feira brasileira Export-73, ocorrida na Bélgica. Foi uma feira de
exposição da indústria nacional que acabou sendo alvo de protesto contra
o Brasil. Os manifestantes foram até o Sheraton Hotel, onde estava hospe-
dada a maioria dos brasileiros, e tentaram derrubar a bandeira brasileira,
além de atirarem pedras. Foram contidos e dispersos pela polícia. O motivo
do protesto foi o fato de o governo brasileiro ter sido o primeiro a reconhe-
cer o regime militar chileno que depôs Salvador Allende, no momento em
que a opinião pública mundial se voltava contra esse regime, além de ser
uma manifestação contra a falta de liberdade no Brasil. Alberto Tamer as-
sim descreve os acontecimentos:

89
“A m aioria do povo belga con fu n de o Brasil com o Ch ile, acredita qu e os
produ tos aqu i expostos foram feitos com o san gu e do operário, qu e a m i-
séria cam peia à solta e qu e os pobres m orrem ao desabrigo n as praças pú -
blicas. Tu do isso é fru to de vários fatores defin idos, tais com o a falta de co-
n h ecim en to qu ase total do Brasil e da Am érica Latin a, o even to ch ilen o e
a ação bem orien tada de elem en tos de esqu erda, m u itos dos qu ais brasi-
leiros, qu e vivem em Paris, distan te apen as 45 m in u tos por via aérea.
Neste qu adro, a Igreja Católica represen ta u m papel im portan te n os pro-
testos da opin ião pú blica con tra o país, realizan do u m a pregação liderada
pelo padre Jean Talpe, expu lso do Brasil. [...]
A feira qu e trou xe para a Eu ropa a im agem de dois brasis con traditórios.
Um rico e em expan são, ou tro pobre, in ju sto e fam in to. Decididam en te, é
m u ito difícil explicar a u m povo de apen as 9 m ilh ões de h abitan tes e ren -
da per capita de 3.000 dólares qu e u m país de m ais de 100 m ilh ões de h a-
bitan tes tem ren da de 500 dólares e u m a popu lação qu e cresce de 2 m i-
lh ões e 500 m il h abitan tes an u alm en te.99

Essas palavras rem etem às dem ais m atérias assin adas e cen su radas,
pois n elas tran sparece a recu sa a u m a an álise da realidade brasileira qu e
levasse em con ta as con dições de vida e trabalh o do povo; bem com o as
arbitrariedades do regim e político. Há u m a tran sferên cia de cu lpabilidade:
n ão se n ega a precariedade da ren da per capita n acion al, en tretan to, se a
im agem do país n o exterior aparece n egativam en te, a cu lpa é dos “su bver-
sivos” de plan tão qu e con fu n dem e detu rpam as con dições em qu e se en -
con trava o país.
As m atérias assin adas e vetadas, n a m aior parte das vezes, su gerem
a qu estão: Por qu e h ou ve cen su ra? De m odo geral, as críticas ao regim e
são leves e n ão h á con testação qu an to às su as origen s; bem com o se des-
tacam as virtu des do desen volvim en to econ ôm ico alcan çado. Em su m a,
tu do cam in h a n a direção da explicitação de n ossa h ipótese, qu al seja, a
de qu e a cen su ra prévia a OESP se in sere n u m qu adro de atrito aberto en -
tre as du as alas m ilitares (“lin h a-du ra” e “Sorbon n e”), assim com o parte
das divergên cias do jorn al em relação ao Estado au toritário brasileiro
pós-64 relacion avam -se ao recru descim en to da repressão, o qu e se acen -
tu a após a edição do AI-5. A cen su ra prévia se en cerra n o periódico n o
m om en to em qu e se in icia o processo de disten são/ abertu ra. A teoria do
“desvio da rota” dos acon tecim en tos pode servir para explicar, de u m
lado, os atritos en tre OESP e o Estado au toritário brasileiro pós-64 e, de
ou tro, os dan os cau sados pelo sistem a con tra o jorn al até a in stau ração da
cen su ra prévia.

90
O Estado de S. Pau lo possui muitos editoriais censurados. Esta página nos dá uma
mostra da censura a eles e da quantidade de vetos do censor. Atentar para o anúncio no
final da página apontando para o centenário do jornal que se aproximava. OESP, porém,
só contava 95 anos de vida independente, pois extraía os 5 anos em que esteve sob inter-
venção no governo Vargas.

ED ITORIA IS
Con sidera-se a an álise dos editoriais vetados, ao lado das m atérias
assin adas, u m m aterial privilegiado, n a m edida em qu e possibilitam u m a
com preen são m aior acerca das relações da cen su ra, en qu an to in stru m en -
tal repressivo do Estado au toritário brasileiro pós-64, e u m órgão de divu l-
gação determ in ado qu e teve im portan te papel n a con stru ção desse m esm o
Estado. Além disso, perm ite aprofu n dar o en ten dim en to do caráter m u lti-

91
facetado da cen su ra, preparan do o terren o para a an álise posterior do m a-
terial vetado em M.
Propõe-se in icialm en te, u m a con sideração qu an titativa distribu in -
do-se os editoriais cen su rados n os su btem as já referidos. Con sideran do-se
apen as os editoriais cu jas tem áticas se repetem é possível ch egar-se ao
qu adro qu e se segu e.

EDITORIAIS CENSURADOS QUANTIDADE


QUESTÕES POLÍTICAS
1. Críticas ao regim e 08
2. Violên cia Policial/ Esqu adrão da m orte 06
3. Repressão Política 04
4. Su cessão Presiden cial 03
QUESTÕES ECONÔMICAS
1. Críticas à Política Econ ôm ica 12
CENSURA
1. Im pren sa 02
QUESTÕES DE POLÍTICA INTERNACIONAL
1. Peru 02
TOTAL 37

Observa-se, em prim eiro lu gar, qu e, n o côm pu to geral, se repete


aqu i o qu e já foi con statado. As m atérias referen tes à u n idade tem ática
“Qu estões Políticas”, acen tu an do-se o su btem a “Críticas ao Regim e”, pre-
dom in am sobre as dem ais, com a presen ça in sólita do su btem a “Críticas
à Política Econ ôm ica”, com dados qu an titativos m ais elevados com parati-
vam en te à totalidade do m aterial vetado. Ain da n esta direção debatem -se
su btem as qu e, em term os gerais, possu em qu an tidades relativam en te ele-
vadas qu an to à freqü ên cia, m as qu e n o total dos editoriais cen su rados
n ão apresen tam o m esm o destaqu e (caso de “Repressão Política” e de
“Cen su ra à Im pren sa”). Por ú ltim o, ou tra n ota aparen tem en te in sólita é
a presen ça de dois editoriais vetados sobre a problem ática do Peru .
Propõe-se, agora, destacar a análise de alguns desses subtemas:

a) Críticas à Política Econ ôm ica


OESP com en ta as críticas da popu lação aos exageros da Receita Fe-
deral qu e devolveu as declarações devido a “in correções n o preen ch im en -
to”100. O editorial é favorável ao im posto de ren da qu e con sidera com o “a
m ais ju sta das form as a qu e o n eocapitalism o liberal pode recorrer para a
ju stificação da desn ecessidade dos coletivism os distribu ístas”101. Acredita
qu e o im posto seja ju stificável para deter o avan ço da “ditadu ra do prole-
tariado”, sen do qu e teria u m a “fu n ção social regu ladora sem qu e por isso
desestim u le a liberdade de in iciativa e o direito de propriedade”102.

92
Após a afirm ação dos prin cípios do liberalism o, as críticas vêm n a
direção da con cen tração de poder do govern o:

Tu do isto parece de secu n dária im portân cia se n ão fosse pelo sin tom a de
prepotên cia govern am en tal qu e revela. A m áqu in a estatal brasileira está
fican do im bu ída de u m sen tido m ajestático do poder qu e já am eaça redu -
zir o cidadão an ôn im o das ru as, e até o represen tan te ilu stre do povo e do
em presariado, a u m a su bserviên cia tim orata.103

Três dos editoriais referem -se à dem issão do m in istro da Agricu ltu -
ra, Cirn e Lim a, por divergên cias com o m in istro Delfim Netto qu an to à
con du ção da política agrícola do país. OESP possu ía atritos em relação à
posição de “su perm in istro” do Sr. Delfim Netto, e, m esm o, m ais tarde,
con tra o u fan ism o do propalado “m ilagre”. É in teressan te observar su as
posições em relação à referida dem issão:

Con stitu i su rpresa a su a [do m in istro Cirn e Lim a] repen tin a acu sação con -
tra os im agin ários m ales advin dos dos in vestim en tos de capital n o desen -
volvim en to in du strial do país. É bem verdade qu e s. exa. con cen tra a su a
discordân cia n a participação das corporações m u ltin acion ais n o pan oram a
econ ôm ico brasileiro. Mas h á n os corsi e riccorsi deste argu m en to u m ar tão
den so de fam iliaridade com o u n iverso do discu rso nacionalisteiro, en tre
n ós rein an te desde o fim da Segu n da Gu erra Mu n dial até m eados da dé-
cada de 60, qu e a prim eira dú vida a in stalar-se n a m en te de qu em a lê [re-
fere-se à carta de dem issão do m in istro] é a de saber se o Sr. Cirn e Lim a
faz dem agogia por con vicção ou por descon h ecim en to de cau sa. De fato,
trai u m a in gen u idade palm ar o h om em político qu e n este m u n do in terde-
pen den te, em qu e os próprios países socialistas abrem de par em par as
su as portas ao capital e à tecn ologia in tern acion ais, preten desse lim itar a
expan são de qu alqu er econ om ia n acion al à participação exclu siva dos ca-
pitais in tern os. [...]
Dir-se-ia que ao retirar-se de uma equipe cujo mandato se aproxima do tér-
mino, em sinal de protesto contra uma política que vem sendo consistente-
mente desenvolvida não a partir de ontem, mas desde os primeiros dias da Re-
volução de 64, s. exa. não teve presente o valioso apoio que lhe emprestou du-
rante mais de três anos de colaboração à frente da pasta da agricultura.104

Ou tras três m atérias com en tam a qu estão da m u dan ça n a política


salarial com a correção de resídu os do an o an terior (1973) e com base de
cálcu lo estabelecido por 12 m eses e n ão m ais por 24 m eses. Além disso,
n aqu ele m om en to (fin al de 1974), com o as m odificações som en te passa-
riam a en trar em vigor a partir de jan eiro de 1975, o govern o estava pro-
pon do u m abon o im ediato de 10% .
A posição do jorn al é a de crítica a essa atitu de, alegan do a n ecessi-
dade de se m an ter a coerên cia com os ideais “revolu cion ários” de com ba-
te à in flação (para OESP, salário gera in flação). Segu em algu n s trech os:

93
A coerên cia é atribu to in dispen sável a qu alqu er revolu ção qu e aspire à
perm an ên cia.
Eles [referindo-se a Roberto Campos e a Delfim Netto] souberam trocar o
efêmero da popularidade pelo ideal, ainda que longínquo de uma economia
em bases estáveis e de sua pré-condição: uma política salarial realista.105

Mas é de se pergu n tar se o govern o con segu irá deter o au m en to in flacio-


n ário e se será real o au m en to salarial e se o crescim en to da dem an da n ão
lesará o crescim en to da im portação o qu e preju dicaria o crescim en to eco-
n ôm ico. 106

b) Críticas ao Regim e
O jorn al critica a au sên cia de diálogo n o país e a falta de garan tias
con stitu cion ais para o cidadão. En tretan to, aproveita para deixar clara
su a posição qu e n ão é totalm en te con trária ao sistem a eleitoral in direto e
fazer a defesa da dem ocracia. A m atéria faz u m com en tário da fala do pre-
siden te n acion al da Aren a, Petrôn io Portella:

[...] o sistem a de eleição in direta n ão im plica a su pressão do diálogo. Não


h aven do u m debate profu n do, com am pla participação popu lar, n u m qu a-
dro caracterizado pela plen a vigên cia do Estado de Direito, com todas as
garan tias in eren tes aos direitos in dividu ais – a prin cipiar pelo habeas corpus
– o pleito jam ais será dem ocrático. [...]
Nu m pon to, estam os totalm en te de acordo com o Sr. Petrôn io Portela: “as
in stitu ições têm n ecessariam en te de ser m oldadas pelas in spirações da
h istória”. E n ossa h istória n os apon ta o cam in h o da dem ocracia. Aí aca-
bam as coin cidên cias. A dem ocracia, tal com o a con cebem os, é u m regi-
m e sem qu alqu er afin idade com a “Dem ocracia” [grifo do au tor] qu e se-
du z o Presiden te da Aren a. 107

Em u m balan ço do govern o Médici, o jorn al an alisa o Min istério da


Ju stiça ocu pado n esse período por Alfredo Bu zaid, dizen do qu e o Ju diciá-
rio em su a gestão redu ziu -se a velar pela segu ran ça n acion al: “a su bver-
são foi sobretu do u sada com o u m bich o-papão para ju stificar o desrespei-
to da lei por parte daqu eles qu e deveriam defen dê-la.”108 Qu an to ao gabi-
n ete civil, o jorn al apon ta a h ipertrofia de su as fu n ções qu e, n esse gover-
n o, foram assu m idas pelo Sr. Leitão de Abreu :

Agiu [refere-se ao Sr. Leitão de Abreu ] com o rígido in térprete de u m siste-


m a para o qu al os partidos n ão passam de m eras excrescên cias decorativas.
Aren a e MDB cu m priram , assim , em atm osfera de in diferen ça geral, o tris-
te papel qu e o regim e lh es atribu iu . Realizaram su as con ven ções, lan çaram
seu s can didatos a u m a eleição [grifo do au tor] da qu al o povo n ão partici-
pou , travaram escaram u ças floridas n u m Con gresso privado de qu alqu er
fu n ção política sign ifican te.109

94
Com en tan do as eleições (n ovem bro de 1974), o jorn al apon ta para
m u dan ças em m arch a e, de qu ebra, tece elogios ao acerto do m ovim en to
de 1964, m as critica seu s desvios:

A Revolu ção Brasileira em 1964 foi in discu tivelm en te u m a vigorosa afir-


m ação da con sciên cia política n acion al. Por cerca de três lu stros fora ela
com prim ida e oprim ida ilicitam en te, em bora sen sivelm en te m ajoritária.
Majoritária, m as dividida, in erm e e, além de tu do, cerim on iosa e protoco-
lar. Mesm o assim , teve, por du as vezes, breves períodos in tercorren tes de
vitória qu e acabou por deixar qu e se escoasse pelos ladrões esses operosos
descu idistas da ch eia, os qu ais, pelo con trário, n ada têm de con ven cion ais.
Fin alm en te, produ ziu -se o pron u n ciam en to das arm as, sen sibilizadas an te
a im in ên cia de colapso do regim e. Com esse m ovim en to ven ceu a m elh or
tradição dem ocrática, lon gam en te espezin h ada, n a Repú blica pela in fide-
lidade de m u itos e de seu s su postos servidores.[...] Acon tecer, propriam en -
te, n ão acon teceu n ada. Talvez pelo con trário, esteja desacon tecen do algu -
m a coisa: a eu foria do m ilagre qu e h á u m an o ten de a en trar em recesso.
Ou o m ilagre qu e acabou por torn ar-se a gran de ju stificativa da Revolu ção
n a atu al con ju n tu ra m u n dial e depois de algu m as n otórias extravagân cias
n ossas, parece ter ido por águ a abaixo de vez. Seria preciso su scitar ou tro
para su prir-lh e a falta. Com isso, veio u m a geral e repen tin a tom ada de
con sciên cia da situ ação n acion al. Certo ou errado, gen eralizou -se a con -
vicção de qu e “desse m ato n ão sai coelh o”. Aparen tem en te, o sistem a já
disse ao qu e veio, m as n em assim prepara o terren o para m u dan ça fu n da-
m en tal qu e todos esperam e qu e seria sim plesm en te o m odo de voltar ao
n orm al. O qu e n ão se corrigiu em dez an os, n ão se corrige m ais com o
m esm o equ ipam en to. É h ora de sair para táticas diferen tes, ain da qu e con -
servan do a m esm a con cepção estratégica essen cial.110

An alisan do o resu ltado das eleições, o periódico apresen ta a su a


con cepção de dem ocracia represen tativa n eoliberal:

Mais qu e u m a dou trin a econ ôm ica, a dem ocracia represen tativa n eolibe-
ral é u m a teoria política cu ja m eta con siste em edu car o h om em para a li-
berdade. Trata-se portan to de u m a experiên cia qu e, a exem plo de todas
qu e in cidem sobre sociedades h u m an as, n u n ca se esgota. É a esta lu z qu e
se im põe an alisar as con seqü ên cias do ato eleitoral de 15 de n ovem bro.111

c) Cen su ra à Im pren sa
Um dos editoriais vetados sobre a problem ática da cen su ra à im -
pren sa com en ta, in icialm en te, qu e a seleção brasileira de fu tebol pu bli-
cou u m com u n icado n os jorn ais de dom in go con tra a im pren sa devido
às críticas à su a atu ação. O editorial cen su rado, ao criticar a atitu de dos
atletas, aproveita para reiterar a im portân cia da liberdade de im pren sa
n o m u n do para a con stru ção da h istória. Estabelece, de qu ebra, u m a
com paração en tre a falta de liberdade de expressão n a Un ião Soviética e
n o Brasil:

95
[...] em qu e m edida as restrições opostas u m pou co em toda a parte ao di-
reito de in form ação obedecem ao propósito deliberado de im pedir qu e a
h istória de am an h ã registre os corsi e riccorsi da h istória da atu alidade. Por
ou tras palavras, se o boicote a certas in form ações, o veto à divu lgação a
certos fatos n ão con stitu i en tre n ós u m su cedân eo m ais in sidioso m as in -
fin itam en te m ais eficaz das reedições expu n gidas de obras com o por
exem plo a En ciclopédia Soviética. Com efeito, en qu an to estas refazem a
h istória, a coação da im pren sa execu ta u m trabalh o precu rsor, ao n ão per-
m itir qu e se con sign e o ato h istórico con su m ado. Assim o falso estadista de
h oje gostaria de aparecer à face das gerações de am an h ã revestido da pú r-
pu ra dos u n gidos pela abn egação.112

Ou tro editorial cen su rado traz à ton a a qu estão da respon sabilida-


de dos m eios de com u n icação ao com en tar a proibição, por parte do Mi-
n istério da Ju stiça, da pu blicação de u m a revista especializada n o crim e e
em crim in osos fam osos. OESP afirm a qu e a irrespon sabilidade de certas
pu blicações acaba por ju stificar o exam e prévio por parte do govern o pre-
ju dican do toda a im pren sa. É m u ito in teressan te este editorial, pois se
pron u n cia a respeito da con cepção do jorn al sobre a qu estão da respon -
sabilidade do jorn alista com o u m lim ite da liberdade de expressão.

À ordem , oposto do caos, ch ega-se pela respon sabilidade – cam in h o n em


sem pre fácil m as o ú n ico con cebível E ela n ada tem a ver com a su bser-
viên cia e o servilism o. Com o acon tece com o ser h u m an o, tam bém , os veí-
cu los de com u n icação são pessoas de direitos e deveres.113

d) Peru
Os dois editoriais censurados tratam sobre a questão da política in-
terna peruana; de um lado, acentuam a posição conservadora do jornal, e,
de outro, o caráter da censura que, na sua rigidez, chega a vetar opiniões
teoricamente semelhantes às do regime autoritário. Um dos editoriais con-
tém referências (mesmo que críticas) a D. Helder Câmara, cujo nome era
virtualmente cortado em todas as publicações, e o outro, alude ligeiramen-
te às condenações internacionais à repressão chilena e brasileira, embora o
tom seja de cobrança no sentido de que também houvesse, internacional-
mente, manifestações contra a repressão peruana.
O jorn al m an ifesta-se n os dois editoriais con tra o regim e político
peru an o do gen eral Ju an Velazco Alvarado qu e con sidera au toritário e re-
pressivo. A todo o m om en to cobra dos setores “progressistas ou avan ça-
dos” u m posicion am en to crítico con tra o regim e peru an o. Com o exem -
plo, o segu in te trech o:

É o silên cio com qu e a con sciên cia revolu cion ária do m u n do para tradu zir
em rom ân tica h ipérbole aqu ela corren te cu ja m oral política se defin e pela
frase segu n do a qu al n ão h á in im igos à esqu erda, assiste ao sacrifício de u m
povo dian te da fria determ in ação de u m regim e apostado em perpetu ar-se.

96
Qu em já se acostu m ou ao au toritarism o da in dign ação do arcebispo de
Olin da e Recife e de tan tos ou tros corações regu larm en te sen síveis an te as
violên cias praticadas por vários regim es de facto [grifo do au tor] existen tes
n o m u n do, estran h a-lh es h oje a com pu n gida in diferen ça. Ter-se-á em pe-
dern ido o espírito de s. exm a. revm a., pelo u so e abu so das em oções h u m a-
n itárias? Ou n ão passará o seu desin teresse de u m reflexo au tom ático da
apatia de certa im pren sa, de en tre a qu al é ju sto salien tar em Paris Le Mon-
de e em Nova York o Times, peran te o direito qu e a revolu ção peru an a tem
de se defen der como julgar melhor e com as armas que estão ao seu alcance,
qu an do lh e assiste o carism a da ideologia an tiim perialista? 114

En cerrado este m om en to de an álise, é preciso firm ar algu n s pon tos.


Parece claro qu e o m aterial cen su rado dem on strou , a u m só tem -
po, os parâm etros n os qu ais se in screveu a cen su ra prévia a u m órgão da
gran de im pren sa en tre 1973 e 1975 e a relação estabelecida en tre a cen -
su ra e a época viven ciada pelo Estado au toritário brasileiro pós-64.
Há u m a coerên cia cristalin a n o pen sam en to político de OESP to-
m an do-se o período qu e an tecede im ediatam en te o golpe m ilitar, as pri-
m eiras resolu ções do govern o “revolu cion ário”, o m om en to-ch ave de
1968 com o recru descim en to repressivo do regim e, person ificado n a
edição do AI-5, bem com o ao lon go da vigên cia da cen su ra prévia. O
jorn al sem pre se posicion ou n a defesa da “dem ocracia represen tativa
n eoliberal”, cu jos prin cípios en con tram -se claram en te explicitados n o
liberalism o lockeano. Com o “desvio da rota revolu cion ária” e o
recru descim en to da repressão política do regim e, ten de-se a calar qu ais-
qu er vozes destoan tes. Assim se explica o com eço da repressão defin iti-
va a OESP, com a apreen são do jorn al em 13 de dezem bro de 1968 e ex-
plicita a in stau ração da cen su ra prévia, a partir do episódio da divu lga-
ção da su cessão presiden cial de Médici (“lin h a-du ra”) por Geisel (“Sor-
bon n e”). Além disso esclarece o fin al da presen ça diária do cen sor n a
redação, com o u m presen te de 100 an os, parte da estratégia de con tro-
le do processo de abertu ra política do govern o Geisel. A leitu ra dessa su -
cessão de acon tecim en tos é a de qu e ela pode ser com preen dida à lu z
de diferen tes con cepções qu an to aos ru m os políticos segu idos pelo país
en tre alas m ilitares divergen tes: “lin h a-du ra” X “Sorbon n e”.
A an álise do m aterial vetado de OESP, seu s dados percen tu ais, as
u n idades tem áticas e os su btem as apresen tam m u itas sem elh an ças com
os dados obtidos em ou tras pesqu isas qu e têm com o objeto de an álise as
orden s telefôn icas e os bilh etes en viados às redações. Com o exem plo dis-
so, en con tra-se a m esm a predom in ân cia da u n idade tem ática “Qu estões
Políticas” sobre as dem ais, com claro predom ín io do su btem a “Repressão
Política” (aqu i in clu ída a cen su ra à im pren sa). Tam bém , observam -se o
percen tu al relativam en te baixo das qu estões econ ôm icas e sociais e as
proibições aparen tem en te in sólitas, aos assaltos e dem ais aciden tes e às
con flitu osas relações en tre a Igreja e Estado.

97
O qu e ju stifica a pesqu isa in ten siva do m aterial produ zido e veta-
do em u m jorn al com o OESP? Em prim eiro lu gar, a produ ção realizada
por u m periódico m ostra su as cren ças, con cepções políticas e as cau sas
qu e abraça; em su m a, represen ta u m pain el aberto à leitu ra de su a visão
de m u n do e dos seu s referen ciais a partir dos qu ais ele fala. Em segu n -
do, a cen su ra realizada diretam en te pelo cen sor evita a ten tação de se
crer n a n eu tralidade e objetividade a qu e as orden s en viadas à distân cia
podem con du zir. A m ão do cen sor ao vetar m ostra a diferen ça en tre a
ordem recebida e a prática viven ciada, sofren do a du pla in flu ên cia: o
texto a ser lido pode n ão con ter exatam en te o qu e a in stru ção diz e tam -
bém exerce in flu ên cia o pon to de vista do su jeito (cen sor) em face do
m aterial a ser vetado.
Somente nessa perspectiva podem ser compreendidos vetos a elogios
à política econômica, porque tocavam na questão tabu da política salarial,
e cortes em textos que criticavam a postura da Igreja Católica (contrária ao
regime), porque era citado o nome proibido de D. Helder Câmara.
An álises sim plistas levan tam dú vidas qu an to à capacidade in telec-
tu al do cen sor, visto com o u m bu rocrata. A an álise pu ra e sim ples das or-
den s en viadas às redações faz crer n a existên cia de divergên cias m u ito
m aiores en tre o Estado au toritário brasileiro pós-64 e u m órgão da gran -
de im pren sa, com o OESP. Por ou tro lado, o trabalh o com a m atéria pro-
du zida pelo jorn alista e diretam en te vetada pelo cen sor, pela práxis ali
en volvida, pode dar a ju sta m edida das com plexas relações estabelecidas
en tre a im pren sa e o Estado, afastan do os redu cion ism os qu e esm aecem
a riqu eza de com preen são dessas relações sociais.
A excessividade dos vetos às m atérias qu e tratam diretam en te da
liberdade de expressão é u m fato revelador e u m m eio fecu n do para a
an álise. A cen su ra cen su ran do a si m esm a evoca a im portân cia da resis-
tên cia dos órgãos de divu lgação qu e n ão capitu laram às orden s apócrifas
e, com o castigo, receberam a cen su ra prévia.

CRIATIVID A D E: UMA ESTRATÉGIA D E RESISTÊN CIA


EM CON STRUÇÃ O

Já foi su ficien tem en te en fatizada a im portân cia da resistên cia de


OESP a atu ar n o lim ite da au tocen su ra com o os dem ais órgãos represen -
tan tes da gran de im pren sa, assim com o o m érito qu e a cen su ra con fere
ao ato de ocu ltar su a própria existên cia. Este aspecto en con tra-se in te-
grado ao objetivo m aior do Estado au toritário brasileiro pós-64 n o sen -
tido da m an u ten ção de u m a im agem dem ocrática qu e escon desse su a
face repressiva. Isso com o u m a ten tativa de m an ter o apoio da socieda-
de civil a seu projeto, garan tin do u m m ín im o de con sen so em torn o de
su a legitim idade.

98
De um lado, OESP, ao se opor ao regime, passa a sofrer a censura
prévia, ou seja, provoca uma reação repressiva declarada; de outro, força o
leitor a um exercício de busca e descoberta a partir do insólito da substitui-
ção que leva ao questionamento do que poderia estar oculto e o que teria
motivado o corte do censor, ou seja, explicita a existência da censura.
Se a cen su ra prévia preocu pa-se em ocu ltar do pú blico su a existên -
cia n u m jogo de gato e rato, eviden tem en te, a su til e criativa form a de m a-
n ifestação ao leitor u tilizada por OESP atin ge em ch eio os objetivos do Es-
tado au toritário: em prim eiro lu gar, porqu e den u n cia a repressão e rom pe
com a im agem dem ocrática criada pelo regim e; em segu n do, porqu e pode
levar o leitor m ais aten to e disposto ao exercício reflexivo a ten tar adivi-
n h ar qu al o objetivo do cen sor n aqu ele m om en to determ in ado, con stru in -
do a u m só tem po, a in form ação ocu ltada e o perfil da repressão.
Deste m odo, du plam en te OESP trava u m a batalh a ven cedora con -
tra a dom in ação im posta pelo regim e m ilitar através de su a estratégia de
resistên cia. Con segu e bu rlar o objetivo m aior da cen su ra prévia n a form a
do du plo ocu ltam en to da in form ação e da su a existên cia. Sobressai-se, as-
sim , em relação aos ou tros represen tan tes da im pren sa escrita qu e acata-
ram as orden s en viadas pela Polícia Federal às redações. Su a resistên cia
estabelece u m m arco divisório qu e con tribu i para a com preen são do ca-
ráter m u ltifacetado das postu ras ditas liberais e do exercício con com itan -
te da dom in ação e resistên cia.
No depoim en to do professor e jorn alista Oliveiros S. Ferreira, sen -
te-se u m a certa ten dên cia a m in orar a im portân cia dessa estratégia,
qu an do ele afirm a o aspecto aleatório da escolh a do m aterial a ser colo-
cado em su bstitu ição ao trech o vetado, realizada por ele m esm o. Além
disso, m en ospreza a com preen são do pú blico-leitor n o qu e diz respeito a
essa estratégia, qu an do diz qu e foram u tilizadas várias fórm u las até se
ch egar a u m a qu e ch am asse a aten ção pelo in sólito de su a presen ça: a pu -
blicação em “su aves prestações” d’Os Lusíadas, de Lu ís de Cam ões.
O poeta aparece, pela prim eira vez, pu blicado n o dia 19 de ju lh o
de 1973, em su bstitu ição a u m a m atéria relativa à volta ao país do com -
positor Geraldo Van dré. Neste dia, pu blicou -se u m son eto qu e faz parte
da lírica cam on ian a e qu e se in icia com os versos:

Qu e poderei do m u n do já qu erer,
Qu e n aqu ilo em qu e pu s tam an h o am or,
Não vi sen ão desgosto e desam or
E m orte en fim ao qu e m ais n ão pode ser!

Segu n do Oliveiros, som en te qu an do o lon go poem a com eçou a


ser pu blicado 115 é qu e o pú blico pareceu n otar qu e algo estran h o estava
acon tecen do 116 . Qu an to ao Jornal da Tarde, o jorn alista afirm ou qu e a re-
dação ch egou a receber telefon em as de leitores reclam an do qu e as recei-

99
tas cu lin árias n ão davam certo. En tretan to, a m em ória coletiva qu e res-
ta n o im agin ário das pessoas gu arda lem bran ças qu e revelam a sen sibi-
lidade dos leitores.
Du ran te a realização desta pesqu isa, n ão foram raros os qu estion a-
m en tos a esse respeito, partin do de pessoas das m ais diferen tes con dições
socio-econ ôm icas, faixas etárias e ram os de ocu pação. Qu an do seu s refe-
ren ciais perm itiam o estabelecim en to de u m diálogo, in variavelm en te, n a
m em ória delas restou desses tristes tem pos de in stitu cion alização da au -
sên cia de liberdade de expressão a recordação de u m a cen su ra qu e se efe-
tivava através de bilh etin h os e telefon em as às redações, e aqu i a referên -
cia m arcan te é ao trabalh o de coleta realizada pelo Jornal do Brasil117. Res-
tou tam bém a idéia presen te de qu e h ou ve u m a época em qu e existiu a
cen su ra prévia qu e se abateu com m u ita violên cia sobre os periódicos da
im pren sa altern ativa (os casos citados com freqü ên cia são Pasquim, Opi-
nião e M) e sobre algu n s jorn ais (a lem bran ça destaca OESP, Jornal da Tar-
de e Tribuna da Imprensa); assim com o u m a im agem m esclada de cen su ra
e pu blicação de Cam ões e receitas de bolo.
Assim , a repercu ssão qu e essa estratégia de su bstitu ição n ão n os
deixa m en osprezar su a im portân cia qu e su pera, m u itas vezes, os espaços
em bran co deixados pela Tribuna da Imprensa.
Em relação aos espaços em bran co deixados n o local dos cortes efe-
tu ados pelos cen sores, são n ecessárias du as ressalvas. Ao ser qu estion ado
se os cen sores reclam avam qu an do se su bstitu ía as m atérias vetadas por
poem as, cartas, an ú n cios ou pela colu n a “Ju rispru dên cia”, Oliveiros n e-
gou e disse qu e a ú n ica coisa qu e n ão podia acon tecer era deixar o espa-
ço em bran co n o local on de ocorrera o veto. Hélio Fern an des, da Tribuna
da Imprensa, con firm a essa proibição em u m a série de artigos qu e escreveu
sobre os dez an os de cen su ra do periódico, logo após o fim da cen su ra pré-
via. Ele m en cion a o esforço h ercú leo do jorn al para produ zir n ovas m até-
rias diariam en te em su bstitu ição às vetadas, o qu e n em sem pre era possí-
vel. Até qu e, esgotado, o jorn al ch egou a u m acordo com a cen su ra qu e,
en tão, perm itiu os espaços em bran co. Essa foi u m a eloqü en te estratégia
de den ú n cia da cen su ra para o leitor.
OESP construiu sua estratégia lentamente, utilizando formas variadas
de substituição dos vetos, sempre com sutileza e inteligência, o que nos faz
repensar o aspecto aleatório aludido no depoimento de Oliveiros.
An tes de passar para a an álise das form as de su bstitu ição u tilizadas,
é preciso estabelecer u m a ligação en tre a criatividade tradu zida n a estra-
tégia do jorn al n a con stru ção dessas form as e a possibilidade de percep-
ção do pú blico-leitor.
Con sideran do-se a estratégia de su bstitu ição u m processo criati-
vo, en ten de-se qu e ele n ão é aleatório, m as aparece vin cu lado a todos
os referen ciais do criador. Observe-se a m an ifestação de Fayga Ostrow er
a esse respeito:

100
“Os processos de criação ocorrem n o âm bito da in tu ição. Em bora in tegrem
[...] toda experiên cia possível ao in divídu o, tam bém a racion al, trata-se de
processos essen cialm en te in tu itivos [...]. Esses processos se torn am con s-
cien tes n a m edida em qu e são expressos, isto é, n a m edida em qu e lh e da-
m os u m a form a. En tretan to, m esm o qu e a su a elaboração perm an eça em
n íveis su bcon scien tes, os processos criativos teriam qu e referir-se à expe-
riên cia dos h om en s, pois só assim poderiam ser in dagados a respeito dos
possíveis sign ificados qu e existem n o ato criador. En ten de-se qu e a própria
con sciên cia n u n ca é algo acabado ou defin ido. Ela vai se form an do n o
exercício de si m esm a, n u m desen volvim en to din âm ico em qu e o h om em ,
procu ran do sobreviver e agin do, ao tran sform ar a n atu reza se tran sform a
tam bém . E o h om em n ão som en te percebe as tran sform ações com o sobre-
tu do n elas se percebe. [...]
Daí poderm os falar da in ten cion alidade da ação h u m an a. Mais do qu e u m
sim ples ato proposital, o ato in ten cion al pressu põe existir u m a m obilização
in terior, n ão n ecessariam en te con scien te, qu e é orien tada para determ in ar
a fin alidade, an tes m esm o de existir a situ ação con creta para qu al a ação
seja solicitada. É u m a m obilização laten te, seletiva. Assim , circu n stân cias
em tu do h ipotéticas podem repen tin am en te ser percebidas in terligan do-se
n a im agin ação e propon do a solu ção para u m problem a con cebido. Repre-
sen tariam m odos de ação m en tal a dirigir o agir físico.
O ato criador n ão n os parece existir an tes ou fora do ato in ten cion al, n em
h averia con dições, fora da in ten cion alidade de se avaliar situ ações n ovas
ou bu scar n ovas coerên cias. Em toda criação h u m an a, n o en tan to, reve-
lam certos critérios qu e foram elaborados pelo in divídu o através de esco-
lh as e altern ativas.”118

Portan to h á u m a in ten cion alidade n a criação h u m an a; se o proces-


so criativo é in tu itivo, relacion a-se n ecessariam en te com a con sciên cia
dos h om en s, e a sen sibilidade e a cu ltu ra atu am n a produ ção de su as “es-
colh as e altern ativas”. Deste m odo, acredita-se n ão ser possível im agin ar
qu e a seleção dos m ateriais para o preen ch im en to dos espaços deixados
pelos cortes do cen sor h ou vesse sido aleatória. En ten de-se, isto sim , qu e
h ou ve u m a in ten cion alidade n a escolh a qu e orien tou , in clu sive, u m a
bu sca in cessan te até se ch egar a u m a fórm u la qu e atin gisse m ais direta-
m en te a percepção do leitor.
Ainda sobre a percepção, Fayga Ostrower afirma:

As form as de percepção n ão são gratu itas n em os relacion am en tos se esta-


belecem ao acaso. Ain da qu e, talvez, a lógica de seu desdobram en to n os
escape, sen tim os perfeitam en te qu e h á u m n exo. Sen tim os, tam bém , qu e
de certo m odo som os n ós o pon to focal de referên cia, pois ao relacion ar-
m os os fen ôm en os, n ós os ligam os en tre si e os vin cu lam os a n ós m esm os.
Sem n os darm os con ta, n ós os orien tam os de acordo com as expectativas,
desejos, m edos, e sobretu do de acordo com u m a atitu de de n osso ser m ais
ín tim o, u m a orden ação in terior. Em cada ato n osso, n o exercê-lo, n o com -
preen dê-lo e n o com preen der-n os den tro dele, tran sparece a projeção de

101
n ossa ordem in terior. Con stitu i u m a m an eira específica de focalizar e de
in terpretar os fen ôm en os, sem pre em bu sca de sign ificados.119

De acordo com Jerome Bruner, a percepção não é isolada, indepen-


dente de um sistema, mas interage com outros grupos de sistemas psicoló-
gicos. Assim, não é um produto primitivo ou determinado apenas por estí-
mulos, mas também por fatores da experiência, motivacionais e sociais. Des-
te modo, o ato de perceber não é passivo, mas é antes uma atividade de se-
lecionar informações, criar hipóteses de formas perceptuais que recompõem
os input para reduzir a surpresa e para atribuir valor aos objetos. A forma de
percepção é, de algum modo, a representação externa do mundo 120.
Os dois au tores preocu pam -se em desven cilh ar a n oção de percep-
ção da idéia de ato isolado, gratu ito ou casu al. Segu n do eles, a percep-
ção relacion a-se profu n dam en te com o receptor e com os seu s referen -
ciais – visão de m u n do e experiên cias – qu e in dicam ou n ão su a possibi-
lidade de apreen der e a form a com o essa com preen são ocorre. Nesta li-
n h a de argu m en tação, para qu e o leitor “percebesse” a ocorrên cia da
cen su ra através dos m ateriais u tilizados n o lu gar dos espaços vetados,
era preciso qu e estivessem de algu m m odo relacion ados com su as expec-
tativas e vivên cias; em su m a, dissessem algo ao m u n do in terior do leitor,
perm itin do-lh e decodificar a m etáfora sob a qu al se escon dia a m en sa-
gem tran sm itida pelo jorn al.
Neste m om en to, relacion a-se a n oção de criação e a de percepção,
u tilizan do a expressão de Jerom e Bru n er qu e in trodu z u m n ovo elem en -
to n o processo criativo: a su rpresa.
A criação su rpreen de ain da qu e seja fam iliar, am olda-se à form a da
experiên cia h u m an a; sen do verdade ou ficção, ela tem verossim ilh an ça.
Para Bru n er, a su rpresa n o ato criativo assu m e três form as, m as, som en -
te u m a delas, tem relação com o raciocín io aqu i desen volvido: é a su rpre-
sa m etafórica, cu jo valor depen de do m eio de lin gu agem estru tu rado em
sím bolos. Ela abre n ovas con exões em percepção, relata on de as relações
estavam , an tes n ão su speitadas. Ain da de acordo com Bru n er, a produ ção
da su rpresa criativa exige u m perfeito con trole do m eio, n ão sen do pro-
du to de u m ato espon tân eo 121.
No caso específico de OESP, observa-se qu e n a escolh a de m ateriais
de reposição, o elem en to qu e capta a aten ção do leitor é a su rpresa do in -
sólito cau sado pela presen ça de textos em local on de n ecessariam en te n ão
deveriam estar, cu ja pu blicação n ão faz sen tido. En tretan to, para qu e se
ch egu e à percepção, é n ecessário falar à experiên cia do leitor e perm itir
qu e se redu za o grau de su rpresa, possibilitan do o estabelecim en to de re-
lações, atin gin do verossim ilh an ça para com a visão de m u n do do leitor. E
isto se produ ziu n o caso da pu blicação d’Os Lusíadas em OESP e das recei-
tas de bolo n o Jornal da Tarde, am bos exem plos de percepção da m etáfora
e rem an escen tes n a m em ória das pessoas.

102
Pen san do a qu estão dessa m em ória e, para fin alizar estas con side-
rações, cita-se n ovam en te Fayga Ostrower qu e relacion a a m em ória com
a percepção e, con seqü en tem en te, com a vivên cia:

Nota-se uma seletividade que organiza os processos em que a própria me-


mória vai se estruturando. À semelhança do que sucede no sensório, onde
a percepção ordena certos dados que chegam a ser percebidos por nós, a me-
mória também ordena as vivências do passado. Em nossa experiência viven-
cial estruturam-se configurações de vida anterior, formas psíquicas, que sur-
gem em determinados momentos e sob determinadas condições, e são lem-
bradas, percebidas em configurações. De modo similar ao da percepção pe-
los processos ordenadores da memória, articulam-se limites entre o que lem-
bramos, pensamos, imaginamos e a infinidade de incidentes que se passa-
ram em nossa vida. De fato, se não houvesse essa possibilidade de ordena-
ção, se viessem anarquicamente à tona todos os dados da memória, seria im-
possível pensarmos ou estabelecermos qualquer tipo de relacionamento. Se-
ria impossível funcionarmos mentalmente. Surgindo por ordenações, a me-
mória se amplia, o que não exclui especificidade maior. Além de renovar um
conteúdo anterior cada instante relembrado constitui uma situação em si
nova e específica. Haveria de incorporar-se ao conteúdo geral da memória e,
ao despertá-lo, cada vez o modificaria, se modificaria em repercussões, rede-
lineando-lhe novos contornos com nova carga vivencial. Nossa memória se-
ria, portanto, uma memória não-factual. Seria uma memória de vida vivida.
Sempre com novas interligações e configurações, aberta às associações.122

En ten de-se qu e a criação, ao produ zir a su rpresa, o processo de


bu sca da m elh or fórm u la para se atin gir o leitor com base n as su as expe-
riên cias e a percepção, qu e perm ite a decodificação da m etáfora, geraram
a form ação de u m a m em ória viven ciada, essen cial para a com preen são da
h istoricidade. A própria ju stificativa desse processo con tribu i para legiti-
m ar a im portân cia do trabalh o de resgate de u m a m em ória perdida n a
form a da recu peração do m aterial cen su rado qu e represen ta a possibili-
dade de delin ear aqu ele m om en to h istórico.
Todas essas reflexões vêm con firm ar a im portân cia da resistên cia
de OESP qu e, ao provocar a in stau ração da cen su ra prévia, im pu lsion ou
esse in teressan te processo criativo de su bstitu ição dos espaços deixados
pelos vetos do cen sor.
A segu ir, apresen ta-se u m a breve an álise dos procedim en tos u tili-
zados por OESP n a seleção dos m ateriais de su bstitu ição n o período de 29
de m arço de 1973 a 3 de jan eiro de 1975.
A pesqu isa en volveu a con su lta às págin as com a existên cia de ve-
tos123, n u m total de 911 págin as.
O qu e in teressa ao jorn al é dem on strar ao leitor qu e algo estran h o
estava acon tecen do. Isto som en te poderia acon tecer se o jorn al con se-
gu isse su rpreen dê-lo pelo in sólito da presen ça de algu m a coisa em local
on de n atu ralm en te n ão deveria estar. Nesse sen tido, várias estratégias fo-
ram u tilizadas para in stigar o leitor a procu rar as razões das alterações.

103
Os Lu síadas, de Camões, publicados em “suaves prestações” no lugar dos cortes da censura.
Tal é a dimensão dos cortes que chegaram a publicá-lo (na íntegra) duas vezes e meia. Isto
nos dá a mostra da intensidade censória.

Um a delas refere-se à m odificação ou a m an u ten ção da diagram a-


ção origin al. Nota-se qu e, n o in ício, a ten dên cia foi a de m an ter in altera-
da a diagram ação da págin a em qu e ocorrera a cen su ra, ao m esm o tem -
po em qu e se observa a propen são a cortes em m atérias n a ín tegra ou ,
pelo m en os, em gran des trech os. Com o passar do tem po (n otadam en te
a partir da segu n da m etade de 1974), os cortes do cen sor são redu zidos
ao estritam en te n ecessário, vetan do apen as palavras ou frases. Nesse m o-

104
m en to, a ten dên cia foi a de alterar a diagram ação, deixan do pequ en os es-
paços em bran co n o local on de h ou ve o veto e, ao m esm o tem po, in se-
rin do n o fin al da m atéria u m a su bstitu ição qu e in dicava a cen su ra (geral-
m en te, trech os d’Os Lusíadas).
Ou tras estratégias foram u tilizadas: in trodu ção de assu n tos diferen -
ciados e in trodu ção de poem as.
Inicialmente 124, observa-se que não era comum a substituição dos ve-
tos por poemas; destacam-se nessa fase a presença básica de três métodos:

a) Cartas aos leitores


Introduzia-se em todos os locais onde o censor fazia os cortes a colu-
na “Dos Leitores”, que é reservada especificamente para a publicação de car-
tas dos leitores com queixas, sugestões e, mesmo, congratulações. O jornal in-
tencionava não apenas surpreender o leitor, mas também fazer com que ele
percebesse o teor das substituições, seja pela ironia que causava a inserção de
cartas fora de contexto, seja pela publicação de cartas diretamente relaciona-
das com a matéria vetada. Exemplos explicitam melhor estas colocações:
• No dia 10 de m aio de 1973, veicu lação de u m a carta com referên -
cia a Salom ão in titu lada “Salom ão e Rosas”, qu e, n o Cântico dos Cânticos,
fala sobre a “Rosa de Sh aron ” qu e person ifica os ideais de liberdade. Se-
gu em -se com en tários de OESP sobre a n ão-existên cia de rosas azu is qu e
seria u m son h o irrealizável (com o a existên cia de liberdade n o Brasil).
• Duas cartas publicadas em 11 de maio de 1973: uma, solicitando
que não se plantem marmeleiros, e sim, rosas brancas que simbolizam o si-
lêncio (alusão à censura), e outra que congratula OESP por sua campanha
em defesa das rosas, recordando Fernando Pessoa e Virgílio. Essas duas car-
tas têm endereços metafóricos: praça da República e avenida da Liberdade.

b) An ú n cios
As su bstitu ições m ais com u n s desse gên ero foram as da rádio El-
dorado (em issora perten cen te à em presa de OESP), da Agên cia Estado,
dos Classificados e de au topropagan da (com o por exem plo, o in cen tivo
à assin atu ra do jorn al); além desses, an ú n cios particu lares, com o é o
caso de ven da de aparelh os n áu ticos ou de propagan da do cu rso de ca-
ligrafia de Fran co. Destaca-se a in serção de an ú n cio n o dia 10 de m aio
de 1973, su bstitu in do m atérias qu e tratavam da dem issão do m in istro
Cirn e Lim a: u m an ú n cio da rádio Eldorado qu e u tilizava iron icam en te
a frase “Agora é sam ba”125 . Ou tro an ú n cio dizia “Som estereofôn ico qu e
leva a m en sagem da rosa ao Brasil”126 .

c) Ju rispru dên cia


Preenchia-se os espaços com matérias da coluna “Jurisprudência”,
que tratava das mais variadas questões do direito e das leis. No dia 19 de ju-
nho de 1973, destacam-se uma matéria sobre o abuso de autoridade e ou-
tra, sobre a arbitrariedade. Ambas as temáticas aludem claramente à situa-
ção de censura prévia no jornal.

105
Parte da estratégia de resistência do jornal à censura realiza-se através da substituição do
corte pelo insólito para provocar a reflexão do leitor. Aqui, a rosa e a coluna “Dos Leitores”
sobre as rosas, uma coleção de metáforas a serem descodificadas.

Posteriorm en te, a gran de m aioria dos vetos da cen su ra foi su bs-


titu ída por poem as de au tores n acion ais e estran geiros de variadas
épocas e escolas literárias. O h ábito da su bstitu ição por peças literárias
com eça em 29 de ju n h o de 1973, com a pu blicação de u m trech o do
poem a Y-Juca-Pirama, de An tôn io Gon çalves Dias. A partir daí h á o
predom ín io desse gên ero de su bstitu ição, em bora com recu os, pois, às
vezes, retom a-se a pu blicação da colu n a “Ju rispru dên cia” ou dos
an ú n cios da rádio Eldorado, até se in stau rar, em defin itivo, a veicu la-
ção d’Os Lusíadas, em 9 de ju lh o de 1974. Con vém esclarecer qu e a
pu blicação em pequ en os trech os desse lon go poem a épico com eça em
2 de agosto de 1973, m as é in terrom pida in ú m eras vezes para a divu l-

106
No dia 10 de maio de 1973, quando ocorre a demissão do ministro Cirne Lima, o jornal foi
muito censurado. Na primeira página, dois exemplos de substituição dos cortes do censor: o
anúncio do Radio Eldorado, ironizando, “Agora é samba” e a introdução da coluna “Dos
Leitores” com a carta “Salomão e Rosas”.

gação de ou tros au tores. Hou ve, portan to, m u itas dú vidas e oscilações
qu an to a qu al seria a m arca registrada para qu e o leitor tivesse a per-
cepção clara da cen su ra.
Du ran te todo o tem po em qu e h ou ve a su bstitu ição das m atérias
vetadas por poem as, m an teve-se o h ábito de pu blicar parte da peça lite-
rária, u tilizan do-se o expedien te de deixar, ao fin al da in serção, os term os
continuação e continua qu e, às vezes, apon tava a págin a do m esm o dia em
qu e ocorreria a seqü ên cia do poem a. Isso era, certam en te, u m a in dicação
de ou tro local em qu e a cen su ra estaria presen te.

107
Ou tras estratégias in teressan tes foram criadas com o, por exem plo,
o h ábito de, n a pu blicação d’Os Lusíadas, m u dar a ordem das estrofes.
Além disso, u tilizou -se a n orm a de repetir determ in adas estrofes, com o
n o caso do Can to Décim o, em qu e, an tes de en cerrar defin itivam en te o
poem a, repetiu -se várias vezes algu m as estrofes. Ch egou -se, tam bém , a
pu blicar partes d’Os Lusíadas sem qu e aparecesse o títu lo, ou m esm o, a
veicu lar com o títu lo do poem a de Cam ões, trech o qu e, n a realidade, per-
ten cia a Y-Juca-Pirama.
Utilizou -se tam bém a grafia an tiga da lín gu a portu gu esa para a pu -
blicação do poem a Meus Oito Anos, de Casem iro de Abreu . E, para su r-
preen der ain da m ais o leitor, ch egou -se a divu lgar trech o de poem a rim a-
do em latim – é o caso de Carmina Burana.
As Carmina Burana, de autores anônimos, cuja ênfase satírica é dirigi-
da contra a Igreja e seus dignitários, muitas vezes são paródias de hinos lati-
nos ou de trechos da liturgia – são pemas importantes para a compreensão da
mentalidade medieval. É significativo o aparecimento de uma delas como
uma estratégia de substituição de OESP, levando-se em conta o fato de que
representam uma forma não-institucional de resistência 127.
No dia 30 de ju lh o de 1974, pu blicou -se u m an ú n cio, in dican do a
proxim idade do cen ten ário do jorn al, com o logotipo qu e caracterizou to-
das as h om en agen s à data: o n ú m ero 100 e tam bém o n ú m ero 95. A re-
ferên cia é aos 100 an os de existên cia e aos 95 an os de in depen dên cia, pois
du ran te o período getu lista, en tre 1940 e 1945, OESP sofreu in terven ção
e a fam ília Mesqu ita foi ao exílio. Nesse an ú n cio com em orativo, fazia-se
alu são a Os Lusíadas e a Lu ís de Cam ões.
Tam bém foi m u ito com u m , n o fin al do período cen sório, o corte a
frases ou apen as a palavras; n esse caso, a su bstitu ição era feita u san do-se
o títu lo Os Lusíadas e/ ou o n om e do au tor e/ ou o n ú m ero do Can to, sem
in serção de versos ou estrofes.
Reafirmando as considerações anteriormente expressas, a diversidade
das estratégias utilizadas, bem como a variedade das indicações, a todo mo-
mento, deixadas ao leitor, mostram um exercício constante de pesquisa das
fórmulas mais adequadas para atingir o público, provocando pela surpresa a
compreensão das razões que levaram à modificação da estrutura cotidiana
do jornal. Deste modo, a publicação passa a identificar imediatamente a
existência da censura.
Assim com o a cen su ra possu i u m a lógica in tern a qu e raras vezes
perm ite o ato aleatório e sem explicação, a estratégia de su bstitu ição das
m atérias vetadas tam bém tem u m sen tido preciso, explicitado n a repeti-
ção qu e criava o h ábito de iden tificar poetas e poem as con h ecidos. Era
n ecessário, para qu e h ou vesse a percepção, qu e o sím bolo u tilizado ti-
vesse relação com as experiên cias das pessoas. Esse fato explica, ao m es-
m o tem po, a escolh a n ão-casu al de OESP e a estratégia bem -su cedida

108
com a in serção d’Os Lusíadas. O poem a épico faz parte de u m a m em ória
escolar m ín im a e h oje ficou n o im agin ário coletivo com o lem bran ça de
u m tem po em qu e os cortes dos cen sores prom overam a su a pu blicação.
Restou com o sím bolo de resistên cia con stru ído n o cotidian o de u m jor-
n al qu e, de m u itas e variadas m an eiras, procu rou , n aqu ele m om en to
h istórico, fu gir da dom in ação exercida sobre o corpo social.

Marcas da censura. O censor instalado na redação do Jornal O Estado de S. Pau lo assi-


nala circundando o quadro, com que não deve ser publicado. O jornal já está pronto e dia-
gramado. Agora é preciso resolver como substituir o espaço deixado pelo corte...

109
O jornal emprega sua estratégia e o artigo falando sobre a opção, segundo Ulisses
Guimarães, entre democracia ou repressão, é substituído por parte do Canto Terceiro de Os
Lu síadas de Camões.

110
N OTA S
1. A esse respeito é interessante a consulta a Ciro Marcondes Filho em O Capital da Notícia
(1986, cap. 5, pp. 168-176), onde comenta a Folha de São Paulo e o movimento das “Diretas-
já”; e a entrevista de Otávio Frias Filho a Edison Nunes, Hamiltom Cardoso e Marília Garcia,
sob o título “A Folha e as Diretas”, Lua Nova – Cultura e Política, 2(1):31-36, jul. – set. 1984.
2. Nestes term os é sign ificativo destacar a fala do jorn alista Cláu dio Abram o qu e, du ran te
u m a fase do período de cen su ra à im pren sa escrita, foi editor-ch efe da Folha de S. Paulo, re-
ferin do-se a essa qu estão n esse m om en to determ in ado: “Segu íam os as orden s qu e vin h am
pelo telefon e. Acatar a cen su ra foi u m a opção da em presa. A redação das m atérias torn ou -
se u m discu rso m etafórico. Eu m esm o fazia a cen su ra, salvagu ardan do os colegas”. (Trech o
retirado do periódico Unidade/Debate, in titu lado “A Cen su ra”, u m a pu blicação do Sin dicato
dos Jorn alistas Profission ais n o Estado de São Pau lo, ju l. 1978, p. 8.)
3. Acerca do liberalism o, su gerem -se algu m as leitu ras de fu n dam en tal valia. A respeito dos
pen sadores liberais dos sécu los XVII a XIX, ver Joh n Locke, Segundo Tratado sobre o Governo,
1963; Joh n Mill, O Governo Representativo, 1981; e Alexis Tocqu eville, O Antigo Regime e a Re-
volução, 1982. A respeito dos com en tadores do liberalism o, ver Joh n Dewey, Liberalismo, Li-
berdade e Cultura, 1970; Harold Joseph Laski, O Liberalismo Europeu, 1973; C. B. Macph erson ,
Teoria Política do Individualismo Possessivo de Hobbes até Locke, 1979; Fitzgerald Ross (org.), Pen-
sadores Políticos Comparados, 1980; Norberto Bobbio e Mich elan gelo Bovero, Sociedade e Esta-
do na Filosofia Política Moderna, 1986; Norberto Bobbio, Liberalismo e Democracia, 1988; Sh el-
don S. Wolin , Política y Perspectiva, 1960; e Célia Galvão Qu irin o e Maria Teresa Sadek R. de
Sou za (orgs.), O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau,
1980. A respeito do pen sam en to liberal n o Brasil, ver Roberto Sch warz, “As Idéias Fora do
Lu gar”, Estudos Cebrap 3, 1973; Maria Sylvia de Carvalh o Fran co, “As Idéias Estão n o Lu gar”,
Cadernos de Debate, 1976; e Marilen a de Sou za Ch au í e Maria Sylvia de Carvalh o Fran co,
Ideologia e Mobilização Popular, 1978.
4. Con sidera-se de particu lar im portân cia para a defin ição dos lim ites e even tu ais an tago-
n ism os en tre liberalism o e dem ocracia a leitu ra da obra de Norberto Bobbio, op. cit.
5. Ver particu larm en te o capítu lo 5, “A Teoria Política da Apropriação” em C. B. Macph er-
son , op. cit., pp. 205-262.
6. C. B. Macph erson , op. cit., pp. 233-234.
7. Idem, p. 236.
8. Ru y Mesqu ita, “Nu n ca Tão Jovem com o aos Cem An os de Idade”, Suplemento do Centená-
rio, OESP, São Pau lo, 4 jan . 1975, p. 2.
9. Periódico perten cen te à m esm a em presa dos Mesqu ita e criado em 1966 com o propósi-
to de fazer u m jorn alism o m ais leve e irreveren te do qu e o apresen tado por OESP, propósi-
to aliás qu e h avia sido o de O Estadinho, fu n dado, com o u m a edição n otu rn a, em 1915, qu e
teve, porém , cu rta du ração.
10. “O Estadão e o Golpe de 64”, Lua Nova – Cultura e Política, 2(1): 26-31, jul. – set. 1984, p. 27
11. Idem, pp. 27-30.
12. As “reform as de base” vin cu lavam -se ao Plan o Trien al elaborado, du ran te parte do go-
vern o de João Gou lart, pelo m in istro do Plan ejam en to Celso Fu rtado. Este plan o tin h a por
fin alidade san ear a econ om ia, acom etida por u m a in flação elevada, bem com o recu perar o
desen volvim en to econ ôm ico e elevar as taxas de crescim en to. As “reform as de base” con s-
titu íam -se em reform as estru tu rais qu e deveriam atin gir diversos setores, com o a edu cação
(program as de alfabetização das m assas e edu cação ru ral) e a h abitação, con ju gado com u m
program a de reform a agrária qu e visava m odificar o arcaico sistem a de latifú n dio ru ral,
além das reform as adm in istrativa, fiscal e fin an ceira.
13. Esse fam oso com ício realizou -se em u m a sexta-feira, dia 13 de m arço de 1964, ju n to à
estação Cen tral do Brasil, n o Rio de Jan eiro. Com u m discu rso in flam ado, o presiden te João
Gou lart explicitou as “reform as de base”, bem com o a in ten ção de realizá-las.
14. “Goulart Teria Sido Alertado sobre os Riscos do Comício”, OESP, São Paulo, 3 mar. 1964, p. 3.

111
15. “Receio”, OESP, São Pau lo, 3 m ar. 1964, p. 3.
16. Idem, ibidem.
17. Pedro Dan tas, n a época, u m dos articu listas m ais ativos de OESP, qu e, du ran te a fase da
cen su ra prévia, teve m atérias vetadas pelos cen sores.
18. O texto se refere à Un ião Nacion al dos Estu dan tes, órgão n acion al de represen tação es-
tu dan til do país qu e, posteriorm en te ao golpe, teve su as atividades proibidas, som en te sen -
do rein tegrada du ran te o processo de abertu ra política in iciado com o presiden te Geisel a
partir de 1974.
19. O texto refere-se ao clim a de ebu lição existen te n essa época en tre m arin h eiros e fu zi-
leiros qu e acabou por levar ao “m otim dos m arin h eiros”, ocorrido en tre 25 e 27 de m arço
de 1964, qu an do cerca de 1200 m arin h eiros, sob a lideran ça da Associação dos Marin h eiros
e Fu zileiros Navais, rebelaram -se. A am bigü idade da posição govern am en tal e a n ão
pu n ição exem plar dos revoltosos cau sou in dign ação n as Forças Arm adas, sen do con stan te-
m en te apon tadas com o m otivo para o golpe de 1964.
20. Pedro Dan tas, “En cou raçado de Potem kim ”, OESP, São Pau lo, 3 m ar. 1964, p. 3.
21. Un ião Dem ocrática Nacion al, partido político fu n dado aproxim adam en te n o m esm o
m om en to do PSD (Partido Social Dem ocrático) e do PTB (Partido Trabalh ista Brasileiro),
qu an do do en cerram en to do govern o au toritário de Getú lio Vargas (1930-1945). O PSD,
criado basicam en te por represen tan tes das velh as oligarqu ias latifu n diárias do país, e o PTB,
form ado por elem en tos qu e preten diam apen as – u m a vez qu e a estru tu ra sin dical m on ta-
da por Getú lio Vargas estava eivada de pelegu ism o – represen tar os trabalh adores u rban os
da n ação, h aviam sido m on tados para se con stitu ir em bases de su sten tação do próprio ge-
tu lism o. A UDN, ao con trário, era form ada por represen tan tes do pen sam en to liberal típi-
co, de base essen cialm en te pau lista (ain da rem an escen tes do velh o PD – Partido Dem ocrá-
tico – de 1926), com elem en tos oriu n dos da in dú stria e dos profission ais liberais. Con stitu ía-
se em u m bloco caracterizado com o “oposição” ao qu e represen tava a política getu lista,
opon do-se, assim , fron talm en te ao govern o do Sr. João Gou lart, qu e fora can didato a vice-
presiden te em ch apa en cabeçada pelo m arech al Lott e apoiada pela alian ça PSD-PTB. Sin -
tom aticam en te, o brasilian ista Th om as E. Skidm ore den om in a o PSD e o PTB de 1945 com o
os “de den tro” (os qu e h aviam apoiado Vargas du ran te o Estado Novo) e a UDN, do m esm o
período, com o oriu n da dos “de fora” qu e h aviam sido exclu ídos do poder desde 1937. Su -
gere-se a esse respeito a leitu ra da obra con h ecida desse au tor, Brasil: De Getúlio Vargas a Cas-
telo Branco (1930-1964), 1976, particu larm en te o capítu lo 2. Apon ta-se para a artificialidade
dessas separações – situ ação, oposição; “de den tro”, “de fora” – qu e pou co têm a ver com o
tecido social tão en trecru zado de situ ações diferen ciadas qu e fogem com pletam en te a essas
com partim en tações estan qu es. Essas den om in ações são u tilizadas por referên cia a an álises
já assim iladas de ou tros au tores e cristalizadas pelo sen so com u m .
22. A referên cia aqu i su rge n ão apen as relacion ada ao m ovim en to de ren ovação da m ú sica
popu lar brasileira qu e su rgiu em fin s da década de 1950 e em voga n os an os 1960, m as tam -
bém com o crítica ao estilo político (em bora diferen ciado) dos adversários das idéias profes-
sadas pelo periódico (afin ado politicam en te com a UDN), com o o an terior presiden te Ju sce-
lin o Ku bitsch ek e o Sr. João Gou lart (iden tificados com a alian ça dos partidos PSD-PTB).
Aliás, é in teressan te lem brar qu e Ju scelin o Ku bitsch ek fora ch am ado de presiden te “bossa
n ova” em m odin h a bastan te popu lar de au toria do com positor Ju ca Ch aves.
23. “Ain da a Reu n ião da Bah ia”, OESP, São Pau lo, 4 m ar. 1964, p. 3.
24. “O Estado de Revolu ção em Pern am bu co”, OESP, São Pau lo, 5 m ar. 1964, p. 3.
25. “São Pau lo Repete 32”, OESP, São Pau lo, 1º abr. 1964, p. 3.
26. “A Solu ção Revolu cion ária”, OESP, São Pau lo, 4 abr. 1964, p. 3.
27. Idem, ibidem.
28. Idem, ibidem.
29. “O Ato In stitu cion al”, OESP, São Pau lo, 10 abr. 1964, p. 3.
30. Idem, ibidem.
31. Dezem bro de 1968, especificam en te, o m om en to da edição do ato in stitu cion al n ú m e-

112
ro 5 (13 dez. 1968), represen ta u m m arco tem poral n o qu e diz respeito à qu estão da cen -
su ra à im pren sa escrita. Medidas de exceção, con trárias às posições do periódico, h aviam
sido tom adas an teriorm en te, o qu e certam en te m otivou críticas qu e poderiam explicitar o
pen sam en to de OESP con verten do-se em alvo de an álises. Optou -se, porém , por pin çar o
referido editorial, n a m edida em qu e resu m e as discordân cias ao regim e e se con stitu i em
u m elem en to desen cadeador de postu ras au toritárias con tra o jorn al. Ao m esm o tem po, re-
presen ta u m m arco da resistên cia do jorn al con tra os ataqu es à liberdade de expressão, prin -
cípio básico do liberalism o.
32. “In stitu ições em Fran galh os”, OESP, São Pau lo, l3 dez. 1968. p. 3.
33. Esses e ou tros acon tecim en tos do an o de 1968 en con tram -se descritos n a em ocion ada e
em ocion an te n arrativa de Zu en ir Ven tu ra, 1968: O Ano que Não Terminou, 1988.
34. A “ou sadia” qu e feriu a “su scetibilidade das Forças Arm adas Brasileiras” referida pelo
texto sem dú vida é a qu e en volve o caso do depu tado Márcio Moreira Alves, peça prim or-
dial para a com preen são dos acon tecim en tos qu e con vergem n a edição do AI-5.
35. “In stitu ições em Fran galh os”, cit.
36. Idem, ibidem.
37. O Estado de S. Paulo, p. 2.
38. Con form e trabalh o das du as au toras O Bravo Matutino (Imprensa e Ideologia no Jornal O Es-
tado de S. Pau lo), São Pau lo, 1980, particu larm en te o capítu lo 3.
39. “In stitu ições em Fran galh os”, cit.
40. Cf. fala com pleta de Jú lio de Mesqu ita Neto, bem com o todos os debates deste even to
em José Marqu es de Melo, Censura e Liberdade de Imprensa, 1984. (pp. 27-45)
41. Edição do AI-5 (13 dez. 1968), m arco h istórico da cen su ra à im pren sa escrita n a vigên -
cia do Estado au toritário brasileiro pós-64.
42. Este depoim en to con sta da 1ª págin a de OESP do dia 14 de dezem bro de 1968, data pos-
terior à apreen são do periódico e do Jornal da Tarde.
43. O editorial a qu e Jú lio de Mesqu ita Neto se refere era tradicion alm en te com posto de te-
m as de política n acion al e ficava sob a respon sabilidade de Jú lio de Mesqu ita Filh o. A par-
tir da edição do AI-5 e da apreen são do jorn al por cau sa do editorial “In stitu ições em Fran -
galh os” de su a au toria, Jú lio de Mesqu ita Filh o n ão m ais escreveu , vin do a falecer em 1969.
44. José Marqu es de Melo (org.), op. cit. (pp. 41-47)
45. “Crise Mu n dial Atin ge o Brasil”, OESP, São Pau lo, 3l m ar. 1974, p. 18.
46. Utilizou -se o term o “revolu ção” devidam en te aspeado para tom ar de em préstim o a con -
cepção dos participan tes n o golpe de Estado, n o m ovim en to arm ado desfech ado em 1964,
pen sado por eles com o ato revolu cion ário. Porém , n ão passou de u m putsch, de u m a depo-
sição ilegal e in con stitu cion al de u m presiden te con stitu cion alm en te eleito, por parte de eli-
tes n acion ais qu e se arvoraram o direito de se au tocon ceber com o represen tan tes dos in te-
resses e aspirações de todo o tecido social. A referên cia a essa “qu artelada” com o processo
“revolu cion ário” é feita por alu são irôn ica à posição de seu s m en tores.
47. Sobre a dou trin a da segu ran ça n acion al, é fu n dam en tal o con h ecim en to do pen sam en -
to daqu ele qu e foi tido com o o m ais in telectu alizado den tre os m ilitares e qu e se colocou
com o a “em in ên cia parda” do regim e au toritário pós-64: o gen eral Golbery do Cou to e Sil-
va. Su a obra de m aior destaqu e é Conjuntura Política Nacional, o Poder Executivo & Geopolítica
do Brasil, 1981. A respeito das in trin cadas qu estões m ilitares é im portan te a con su lta a Ma-
ria Helen a Moreira Alves, Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984, 1984; Ren é Arm an d Drei-
fu ss, 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe, 1981; Alfred C. Stepan ,
Os Militares: Da Abertura à Nova República, 1986.
48. “Press Cen sorsh ip an d th e Military State in Brazil”, em Press Control Around the World,
1982, p. 166.
49. “O Êxito n a Econ om ia e o Im passe Político”, p. 18.
50. Gru pos m ilitares e param ilitares iden tificados com a “lin h a-du ra” das Forças Arm adas e
in con form ados com o processo de abertu ra política qu e atu avam à m argem da lei n a ten ta-
tiva de deter a con tin u idade da disten são política.

113
51. Sobre os atritos entre os militares no governo Geisel, consultar Alfred C. Stepan, op. cit. cap.
3; e sobre a relação dessas questões com a problemática da liberalização da imprensa ver Celi-
na Rabelo Duarte, “Imprensa e Redemocratização no Brasil”, Dados, 26 (2): 181-195, 1983.
52. Sobre a qu estão da seleção das in form ações ao pú blico por parte da gran de im pren sa,
con su ltar José Marqu es de Melo, A Opinião no Jornalismo Brasileiro,1985. O au tor distin gu e
diversos “m ecan ism os de expressão opin ativa” qu e, n a estru tu ra da em presa vão filtran do
o qu e será veicu lado ao leitor. Sobre a qu estão da con cepção de h istória com o “aciden te” ou
“desvio de percu rso” são pertin en tes as observações de Marilen a Ch au í acerca da idéia de
crise: “A crise serve, assim , para opor u m a ordem ideal a u m a desordem real, n a qu al a n or-
m a ou a lei são con trariadas pelo acon tecim en to, levan do a dizer qu e a conjuntura põe em
risco a estrutura ou en tão, qu e a estru tu ra é in adequ ada para absorver a n ovidade. O acon -
tecim en to (portan to, a h istoricidade) é en carado com o u m en gan o, aciden te ou algo in ade-
qu ado. Tal represen tação perm ite, assim , im agin ar o acon tecim en to h istórico com o u m des-
vio. Crise e desvio são n oções qu e pressu põem u m dever ser [grifo da au tora] con trariado
pelo acon tecer, m as qu e poderá ser restau rado, porqu e é u m dever ser. Há exterioridade en -
tre o acon tecim en to e o sistem a, en tre a con ju n tu ra e a estru tu ra, en tre a h istoricidade e a
racion alidade. Lon ge, portan to, de su rgir com o algo qu e ateste os lim ites da represen tação
su postam en te objetiva e racion al, a n oção de crise realiza a tarefa oposta, qu e é su a tarefa
ideológica: con firm a e reforça a represen tação. Assim , a crise n om eia os con flitos n o in te-
rior da sociedade e da política para escon dê-los” (“Crítica e Ideologia”, em Cultura e Demo-
cracia: O Discurso Competente e Outras Falas, 1989, p. 37).
53. A redação do artigo, en tretan to, versava qu e: “É livre a m an ifestação do pen sam en to, de
con vicção política ou filosófica, bem com o a prestação de in form ações in depen den tem en te
de cen su ra, salvo qu an to a diversões e espetácu los pú blicos, respon den do cada u m n os ter-
m os da lei, pelos abu sos qu e com eter. É assegu rado o direito de resposta. A pu blicação de li-
vros, jorn ais e periódicos n ão depen de de licen ça de au toridade. Não serão, porém , toleradas
a propagan da de gu erra, de su bversão da ordem , ou de precon ceitos de religião, de raça ou
de classe e as pu blicações e exteriorizações con trárias à m oral e aos bon s costu m es”. Apesar
de su a am bigü idade fin al, o referido artigo era bastan te taxativo ao afirm ar qu e livros, jor-
n ais e periódicos n ão depen deriam da licen ça da au toridade, o qu e legalm en te in viabilizava
a cen su ra prévia a essas pu blicações e torn ava in con stitu cion al o decreto-lei 1077.
54. O depoim en to de Fern an do Gasparian , bem com o a h istória das lu tas de Opinião con tra
a cen su ra prévia, en con tram -se reprodu zidos em Opinião x Censura, de J. A. Pin h eiro Ma-
ch ado (1978).
55. Em obra já citada, Maria Helen a Moreira Alves (“In trodu ção” e Cap. 3) m ostra a n eces-
sidade de m an u ten ção de u m a lin gu agem dem ocrática por parte do Estado au toritário bra-
sileiro pós-64, para preservar-se de u m com pleto isolam en to n a sociedade civil.
56. Movim en to Revolu cion ário 8 de ou tu bro, con h ecido, in icialm en te, com o n om e de DI
da Gu an abara – Dissidên cia da Gu an abara do PCB. Com eçou a atu ar em 1966 com força n o
m eio u n iversitário. Em 1969, em con ju n to com a ALN, seqü estrou o em baixador n orte-
am erican o Ch arles Bu rke Elbrick, m edian te o qu al, obtiveram a soltu ra de qu in ze presos
políticos. Seu n om e represen ta u m a h om en agem ao líder gu errilh eiro Ern esto Ch e Gu eva-
ra, m orto em 8 de ou tu bro de 1967, n a Bolívia. (Dados extraídos de Brasil: Nunca Mais, cit.).
57. Ação Libertadora Nacion al, organ ização clan destin a voltada para a lu ta arm ada, dissi-
dên cia do PCB. Realizou , en tre 1968 e 1973, ações n os cen tros u rban os. Su a m aior lideran -
ça foi Carlos Marigh ella. (Dados extraídos de Brasil: Nunca Mais, cit.).
58. Du ran te os an os de 1970, qu an do em qu ase todos os países da Am érica Latin a h avia go-
vern os m ilitares in stitu ídos por in term édio de golpes de Estado, estabeleceu -se u m a relação
de “troca”, en volven do a prisão de elem en tos ligados a organ izações de esqu erda e à lu ta
arm ada, en tre algu n s países. Basicam en te, Argen tin a, Paragu ai, Uru gu ai, Brasil, Ch ile, rea-
lizavam u m a “caça” coorden ada aos “su bversivos”, in depen den tem en te do território em
qu e estivessem , efetu an do u m a extradição ilegal dessas pessoas qu e eram “seqü estradas” e
en viadas de u m país a ou tro, desrespeitan do as fron teiras estabelecidas. Em bora, n esse m o-
m en to em qu e estão ocorren do os vetos a OESP, esse esqu em a ain da n ão estivesse com ple-
tam en te m on tado, já existem referên cias a “desaparecim en tos” políticos n o Con e Su l.
59. Por du as vezes, m en ções ao episódio Clóvis Sten zel foram vetadas pelos cen sores.

114
60. O decreto-lei 477, prom u lgado em 1969, en qu adrava as u n iversidades e proibia (sob
pen a de rigorosas pu n ições) estu dan tes, professores e fu n cion ários de exibirem qu aisqu er
m an ifestações políticas.
61. Em 25 de abril de 1974, por in term édio de u m a articu lação m ilitar, foi derru bado o go-
vern o represen tan te do salazarism o em Portu gal qu e dom in ava o país h á m ais de qu aren ta
an os. Esse m ovim en to gerou gran des tran sform ações n a n ação portu gu esa e ficou con h eci-
do com o a Revolu ção dos Cravos.
62. A PIDE era a polícia secreta portu gu esa, toda poderosa du ran te os an os de dom ín io sa-
lazarista, altam en te repressiva e, con seqü en tem en te, odiada n o país. Daí a desairosa com -
paração com o n osso Serviço Nacion al de In form ações, a serviço e n o con trole da repressão
brasileira.
63. Em 11 de setem bro de 1973, n o Ch ile, u m golpe m ilitar depôs o presiden te, con stitu cio-
n alm en te eleito, Salvador Allen de qu e foi su bstitu ído por u m a Ju n ta Militar ch efiada pelo
gen eral Au gu sto Pin och et. Após o golpe, segu iu -se u m a violen ta on da repressiva com m i-
lh ares de desaparecidos, m ortos e presos políticos su bm etidos a violen tas sessões de tortu ra
das qu ais fariam parte m ilitares brasileiros, coorden an do o apren dizado a colegas ch ilen os.
64. Refere-se ao ch am ado "Livro Negro do JB", u m a coleta realizada por jorn alistas das or-
den s telefôn icas e bilh etes en viados ao jorn al, en tre 1972 e 1974, pela Polícia Federal, reco-
m en dan do o qu e n ão deveria ser pu blicado.
65. Paolo Marcon i, A Censura Política na Imprensa Brasileira (1968-1978), 1980. No apên dice
(pp. 225-303) reú n e cerca de 565 orden s da Polícia Federal dirigidas a diversos órgãos de
divu lgação.
66. Em seu artigo “A Cen su ra Du ran te o Regim e Au toritário” (Revista Brasileira de Ciências
Sociais, 4(10): 21-43, ju n / 89), Gláu cio Soares com en ta obras com o as de Alberto Din es, Sí-
lio Boccan era, Élio Gaspari qu e tratam das orden s telefôn icas e bilh etes da cen su ra da Polí-
cia Federal.
67. Maria Helen a Moreira Alves, op. cit., p. 119. Com o aparece destacado n este trech o, a au -
tora u tiliza a term in ologia “Estado de Segu ran ça Nacion al” para referir-se ao qu e se den o-
m in a de Estado au toritário brasileiro pós-64.
68. A esse respeito é in teressan te a leitu ra do artigo de Celin a Rabello Du arte, “Im pren sa e
Redem ocratização n o Brasil” (cit.) em qu e apresen ta a liberalização gradu al da im pren sa
com o form a de aproxim ação de certos setores da sociedade civil. Além disso, Alfred C. Ste-
pan (op. cit.) m ostra a aproxim ação de Golbery do Cou to e Silva à Igreja Católica n a recom -
posição de forças, aliados ao projeto de abertu ra do govern o Geisel.
69. Em 1973, após críticas à su a atu ação política, apon tadas por OESP, o govern ador pau lis-
ta Lau do Natel resolve su spen der a pu blicidade paga pelos órgãos govern am en tais ao perió-
dico, de m odo a pen alizá-lo econ om icam en te. É esta form a de pressão, criticada n estas m a-
térias, qu e aparece com o m ais u m tipo de cen su ra política.
70. Fu n dação Nacion al do Ín dio, criada em 1967 – órgão estatal para defesa dos in teresses
in dígen as.
71. Isto aconteceu no dia 29 de junho de 1973, quando a notícia proibida versava sobre censu-
ra no cinema. O poema que a substitui é exatamente Y-Juca-Pirama no canto VIII, que narra a
maldição do pai, iniciando com os versos: Tu choraste em presença da morte?/Na presença de estra-
nhos choraste?/Não descende o cobarde do forte;/Pois choraste, meu filho não és!
72. En fatiza-se a im portân cia da in stru tiva leitu ra da obra de J. A. Pin h eiro Mach ado Opi-
nião x Censura, para u m m aior con h ecim en to do caso específico da lu ta do sem an ário Opi-
nião con tra a cen su ra prévia.
73. Con form e ficou claro n o processo m ovido e gan h o por Opinião, o artigo 153 da Con sti-
tu ição, em seu parágrafo 8º qu e fu n dam en ta a existên cia do decreto-lei n .º 1077, proíbe a
apreen são prévia de periódicos. É, portan to, in con stitu cion al o referido decreto.
74. Segu n do Maria Helen a Moreira Alves, o Estado au toritário brasileiro pós-64, den om i-
n ado por ela de “Estado de Segu ran ça Nacion al”, possu i graves con tradições qu e se m an i-
festam , en tre ou tras form as, n a su a im possibilidade de elim in ar com pletam en te a oposição
e, con sequ en tem en te, n ecessitar fazer u so de coerção cada vez m aior, o qu e coloca em po-

115
sições an tagôn icas ao regim e, m ais e m ais, setores da sociedade civil. Desse m odo, segu n do
a au tora, esse Estado é in trin secam en te in stável e ten de a isolar-se cada vez m ais. Ela m os-
tra qu e en tre 1967 e 1968, de certa form a, cu m pre-se esse ciclo de isolam en to qu an do es-
tu dan tes, Igreja Católica, m ovim en to sin dical e setores políticos afastam -se do regim e. A
reação é a edição do AI-5 em plen a crise política qu e en volve a m aioria do Con gresso Na-
cion al. Segu n do Maria Helen a: “[...] a crise en tre o Execu tivo e o Legislativo qu e term in ou
com o fech am en to do Con gresso Nacion al por período in determ in ado, m ais u m a vez lan -
çou lu z sobre a con tradição en tre o u so da lin gu agem da dem ocracia e a prática da repres-
são por parte do Estado. Forçado a u tilizar su as ú ltim as fon tes de poder – a força física –, o
Estado sofreu n ova perda de legitim idade. A perda de legitim idade e seu crescen te isolam en -
to, por su a vez, só lh e deixaram a altern ativa de con tin u ar a escalada do em prego da força”.
(op. cit, p. 136.) É im portan te ao Estado au toritário a m an u ten ção da legitim idade. Aqu i está
presen te a con cepção liberal lockeana qu e con cebe a su sten tação do govern an te com base n o
apoio de setores da sociedade civil qu e o recon h ecem com o legítim o. Se essa au ra de acei-
tação for perdida, esses m esm os setores podem desejar a su bstitu ição govern am en tal. Daí a
im portân cia do u so da “lin gu agem da dem ocracia” para escon der a “prática da repressão”.
75. An tôn io Aparecido Pereira, A Igreja e a Censura Política à Imprensa no Brasil: 1968-1978,
1982, p. 47.
76. Discu rso proferido (trech os) por Jú lio de Mesqu ita Neto qu e seria pu blicado em OESP
ao lon go de du as m atérias, com pletam en te vetadas: “A Defesa da Liberdade de Im pren sa
Não é Solitária” e “Com bate é de Todo o Jorn al”. OESP, SP, 04 set. 1974, p.4.
77. “Con sideração em Torn o do Can didato”, OESP, São Pau lo, p. 8.
78. “E Agora?”, OESP, São Pau lo, 16 m ar. 1974, p. 6.
79. “O Tem po da Cobran ça”, OESP, São Pau lo, 15 ago. 1974, p. 4.
80. “Porqu e o Fim do Ato”, OESP, São Pau lo, 28 dez. 1974, p. 4. A esse respeito ver Maria
Helen a Moreira Alves, op. cit.
81. “E Agora?”, cit.
82. “Porqu e o Fim do Ato”, cit.
83. “Dois Cam in h os”, OESP, São Pau lo, 30 m ar. l973, p. 4.
84. “Obscu ridades do Passado”, OESP, São Pau lo, 13 m ar. 1974, p. 3.
85. “O Tem po da Cobran ça, cit.
86. “Dian te do Descon h ecido”. OESP, SP, 28 n ov. 1974, p.12.
87. Destacam -se os trabalh os de Celin a Rabello Du arte, Imprensa e Redemocratização no Brasil:
Um Estudo de Duas Conjunturas, 1945 e 1974-78, 1987; e artigo an terior, 1983, cit. A au tora, re-
lacion an do a im pren sa ao processo de abertu ra política do govern o Geisel, in dica qu e a li-
beralização gradu al da im pren sa escrita, com eçan do pelo fim da cen su ra prévia a OESP, em
4 de jan eiro de 1975, represen tou u m im portan te com pon en te para qu e o regim e político
restabelecesse o con tato, in terrom pido pelo processo de repressão, com im portan tes parce-
las da sociedade civil.
88. “Os Processos Eleitorais da Revolu ção” OESP, São Pau lo, l5 jan . l974, p. 5.
89. “E agora?”, cit.
90. “A Prem issa da Reform a”, OESP, São Pau lo, ago. 1974, p. 6.
91. As expressões direita e esqu erda, con servador e avan çado, com o qu aisqu er den om in a-
ções m an iqu eístas correm o risco do redu cion ism o rasteiro, além de, depen den do do con tex-
to, poderem assu m ir con otações diversas. Aqu i, en tretan to, por n ecessidade de caracteriza-
ção são tom adas, às vezes, de em préstim o, cien tes, n o en tan to, de seu poten cial lim itador e
en gan oso. Aqu i, a expressão “con servadora” é referida a u m tipo de pen sam en to qu e adm i-
te a adoção da violên cia con tra a in stitu ição dem ocrática n a defesa de privilégios m in oritá-
rios (proprietários) qu e acreditam represen tar os in teresses de todo o tecido social. A preocu -
pação com a m an u ten ção da ordem , con tra a an arqu ia gerada pelo caos das ten sões sociais
em aberto con fron to, ju stifica m edidas in con stitu cion ais, ilegais e au toritárias. Além disso,
destaca-se seu an ticom u n ism o ferren h o. Nesta caracterização, está claro o pen sam en to libe-

116
ral dem ocrático, defen dido por OESP com o “con servador”, em bora h aja diferen ças en tre am -
bos, n a m edida em qu e Gu stavo Corção repu dia o liberalism o. En fatiza-se tam bém a im por-
tân cia da resistên cia do periódico, perfeitam en te coeren te com o perfil do liberalism o defen -
dido, à dom in ação im posta pela cen su ra à im pren sa escrita, n o qu adro m aior da organ ização
da sociedade civil con tra o Estado au toritário brasileiro pós-64. Está im plícito tam bém qu e o
liberalism o assu m e as m ais variadas facetas, h aja vista qu e dem ais órgãos da gran de im pren -
sa, sob algu n s aspectos, podem ser con siderados liberais, m as assu m em postu ras diferen tes
da de OESP, cam in h an do até o fin al n a estreita trilh a traçada pela au tocen su ra.
92. No con tato rápido com o m aterial cen su rado de O São Paulo (sem an ário da Arqu idioce-
se de São Pau lo, de respon sabilidade da Cú ria Metropolitan a da cidade), as m atérias qu e
m ais se destacam , em term os n u m éricos, são exatam en te estas em qu e fica expresso o in te-
resse da Igreja Católica (pelo m en os da parcela represen tada por O São Paulo) em esclarecer
o pú blico leitor sobre su as próprias con dições de vida e trabalh o, afirm an do qu e são passí-
veis de tran sform ação pela participação popu lar organ izada. A cen su ra a esse sem an ário es-
tava preocu pada em deter a veicu lação desse tipo de discu rso religioso. Isto m ostra o cará-
ter m u ltifacetado assu m ido pela cen su ra n a an álise de u m a m esm a tem ática, vetan do, de
u m lado, a crítica ao trabalh o “con scien tizador” da Igreja (caso de Gu stavo Corção em OESP)
e, de ou tro, a expressão desse m esm o papel católico (caso de O São Paulo).
93. Estas citações foram pin çadas da m atéria de Gu stavo Corção in titu lada “Carta Pastoral
do Arcebispo de Goiân ia”, qu e seria pu blicada em OESP, n o dia 16 de agosto de 1973, p. 22.
94. Gu stavo Corção, Cuba e a Nova Igreja, OESP, São Pau lo, p. 23. A parte grifada aparece
com a m arca (talvez do cen sor) assin alada em verm elh o. Refere-se à repressão da polícia a
u m “aparelh o” su bversivo n o Nordeste qu e levou ao desbaratam en to de u m gru po atu an te
do PCB e da Ação Popu lar (vin cu lado à Igreja Católica) e con tan do com a participação do
jorn alista n orte-am erican o Frederick Morris, caso de prisão, tortu ra e extradição do Brasil.
95. O decreto-lei 1077, citado n a referida portaria, teoricam en te (pois é discu tível), in stitu iu
a cen su ra prévia, com base n o artigo 153, parágrafo 8º da Con stitu ição Federal. O artigo 1º
desse decreto estabelece qu e: Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à mo-
ral e aos bons costumes, quaisquer que sejam os meios de comunicação.
96. Flávio Galvão, “Registro Policial para as Revistas”, OESP, São Pau lo, 28 ou t. 1973, p. 52.
97. Pedro Dan tas, “Sign ificado do Sign ifican te”, OESP, São Pau lo, 10 dez. l974, p. 4.
98. Oliveiros S. Ferreira, “Não Com preen der, Pior qu e Perder”, OESP, São Pau lo, 24 n ov.
l974, p. 29.
99. Alberto Tam er, “Feira: Êxito Econ ôm ico, Porém Malogro Político”, OESP, São Pau lo, 10
n ov. l973, p. 16.
100. “Declaração de Ren da e Prepotên cia”, OESP, São Pau lo, 4 abr. 1973, p. 3.
101. Idem, ibidem.
102. Idem, ibidem.
103. Idem, ibidem.
104. “A Ren ú n cia de Cirn e”, OESP, São Pau lo, 11 m aio 1973, p. 3.
105. “A Coerên cia em Crise”, OESP, São Pau lo, 24 ou t. 1974, p. 3.
106. “A Reviravolta n a Política Econ ôm ica”, OESP, São Pau lo, 26 ou t. 1974, p. 3.
107. “A Falta de Portella”, OESP, São Pau lo, 20 jan . 1974, p. 3.
108. “Balan ço de u m Govern o: Ju stiça”, OESP, São Pau lo, 3 m ar. 1974, p. 3.
109. “Balan ço de u m Govern o: Gabin ete Civil”, OESP, São Pau lo, 7 m ar. 1974, p. 3.
110. “E Agora?”, OESP, São Pau lo, 10 n ov. 1974, p. 3.
111. “Os Novos Eleitos” OESP, São Pau lo, 3 dez. 1974, p. 3.
112. “Fu tebol e Im pren sa”, OESP, São Pau lo, 3 ju l. 1973, p. 3.
113. “In form ação e Respon sabilidade”, OESP, São Pau lo, 21 set. 1974, p. 3.
114. “Qu al a Diferen ça?”, OESP, São Pau lo, 25 n ov. 1973, p. 3.

117
115. A veicu lação d’Os Lusíadas em OESP in icia-se n o dia 2 de agosto de 1973 (lem bran do
qu e a cen su ra ao jorn al su rge en tre agosto/ setem bro de 1972, portan to, o u so dessa estra-
tégia, qu e viria a ser defin itiva, acon tece qu ase u m an o após a in stau ração da cen su ra pré-
via) em su bstitu ição a u m editorial vetado, in titu lado “Um a fórm u la esdrú xu la”. Pu blica-se
parte do Can to Prim eiro, destacan do as estrofes de l a 9 qu e in iciam com os versos clássicos:
As armas e os barões assinalados/ Que, da Ocidental praia lusitana [...].
116. Neste sen tido, seria in teressan te a con su lta, caso h aja esse registro, às cartas en viadas
pelos leitores de OESP n esse período. Pela am plitu de do m aterial con su ltado, n ão foi possí-
vel realizar esse in ten to. Fica aqu i, n o en tan to, a su gestão para u m a ou tra pesqu isa qu e aju -
daria a traçar o perfil do leitor do jorn al, m ostran do com o o atin gia a falta de liberdade de
expressão, além de servir para aqu ilatar a real eficácia dessa estratégia.
117. Cf. Livro Negro do JB.
118. Fayga Ostrower, “Poten cial”, em Criatividade e Processos de Criação, 1987, pp. 10-11.
119. Idem, p. 9.
120. Baseado em tradu ção livre da obra de Jerom e Bru n er, Play: Its Role in Development and
Evolution, 1976(“In trodu ção”).
121. Idem, ver capítu lo “Play an d Criativity”, p. 66.
122. Fayga Ostrower, op. cit., p. 19.
123. Em m u itas págin as n ota-se a existên cia de du as ou m ais m atérias vetadas. Com o fo-
ram feitas fich as para cada u m a das págin as em qu e foram detectados vetos, têm -se 911 fi-
ch as qu e correspon dem a 911 págin as de jorn al com in cidên cia de cortes do cen sor. O total
de m atérias vetadas, en tretan to, é de 1136. A diferen ça diz respeito ao fato de qu e h á, às
vezes, m ais de u m a m atéria vetada por págin a.
124. Efetivam en te, ch ecou -se o qu e foi pu blicado pelo jorn al em su bstitu ição aos vetos do
cen sor, som en te n o período qu e su cede a 29 de m arço de 1973. O qu e an tecede a essa data
n ão foi pesqu isado, n a m edida em qu e en volveria u m a con su lta a todas as págin as do jor-
n al, a todas as m atérias, a todos os dias; com o, n esse m om en to, a estratégia de su bstitu ição
de OESP n ão estava defin ida, seria bastan te problem ático localizar com certeza a evidên cia
do corte. Assim , de certa form a, pode-se avaliar a dificu ldade do leitor em iden tificar com
clareza a ocorrên cia da cen su ra som en te pelo m aterial su bstitu ído.
125. Essa expressão, além do sign ificado literal, assu m e tam bém o sen tido de qu e as coisas
teriam piorado, qu e a situ ação seria n egativa. Correspon de ao qu e h oje se tradu z em gíria
pelo verbo “dan çar” – se algu ém “dan çou ”, sign ifica qu e perdeu , “en trou bem ”.
126. Aparece aqu i a “cam pan h a” das rosas prom ovida por OESP com o u m a estratégia qu e
possibilita ao leitor a percepção da cen su ra.
127. Os poem as den om in ados Carmina Burana su rgem n a Idade Média por volta dos sécu -
los XII e XIII, em latim ou , parcialm en te, em alem ão m edieval, divu lgados pelos goliardos –
estu dan tes u n iversitários, poetas ou religiosos itin eran tes qu e se dedicavam à fu n ção de jo-
gral para a sobrevivên cia. As can ções con testam o establishment religioso e a m oral ascética.

118
capítu lo 2
O SEMANÁRIO MOVIMENTO:
DEMOCRACIA, NACIONALISMO E
OS INTERESSES POPULARES

A IMPREN SA A LTERN ATIVA E A PROPOSTA


D O SEMA N Á RIO

Para qu e se ten h a clara a qu estão da em ergên cia da cen su ra prévia


em M, é n ecessário qu e se explicite su a proposta, en qu an to sem an ário qu e
se con stitu iu em 1975 e teve a circu lação in terrom pida por força de u m a
con ven ção in tern a em 1981. Do m esm o m odo com o se observou em
OESP, são os prin cípios qu e defen de, os respon sáveis pela defin ição dos li-
m ites da cen su ra a ele im posta. São eles qu e explicam , em ú ltim a in stân -
cia, o porqu ê da con tin u idade da ação repressiva sobre o periódico, en -
qu an to ela h avia sido su spen sa em ou tros órgãos de divu lgação a partir de
jan eiro de 1975. É, portan to, fu n dam en tal o esclarecim en to dos objetivos
qu e n ortearam a m on tagem e a sobrevivên cia desse projeto jorn alístico.
En tretan to, assim com o é difícil desligar a existên cia de M da vigên -
cia da cen su ra prévia qu e m arcou profu n dam en te su a h istória, n ão é pos-
sível desvin cu lá-lo daqu ilo qu e se ch am a “im pren sa altern ativa” e, em es-
pecial, de certo m om en to viven ciado por esse tipo de im pren sa escrita. É
n ecessário ter clareza a respeito da con cepção de im pren sa altern ativa
adotada, em m eio a m u itas discu ssões travadas n esse cam po.

IMPRENSA ALTERNATIVA

As opiniões relativas à imprensa alternativa são bastante variadas, di-


versificando-se quanto ao momento de seu aparecimento no Brasil e quan-
to às caraterísticas que a definem e a separam de outro tipo de imprensa.
Leila Miccolis, n o Catálogo de Imprensa Alternativa, organ izado pelo
Cen tro de Im pren sa Altern ativa e Cu ltu ra Popu lar do RIOARTE, órgão
vin cu lado à Secretaria Mu n icipal da Cu ltu ra do Rio de Jan eiro, preocu -
pada em defin ir o critério qu e u tilizou para listar os periódicos de im pren -
sa altern ativa estu dados n o referido catálogo, afirm a:

Em m atéria de altern ativos tu do pode acon tecer – de revistas de lu xo a pá-


gin as datilografadas, de en cartes qu e crescem tan to a pon to de se tran sfor-
m arem em revistas su plem en tos e colu n as literárias qu e divu lgam n otícias
e textos sobre produ ção in depen den te, m esm o den tro de jorn ais da gran -

119
de im pren sa. Dian te disso, o critério qu e adotam os para defin ir o qu e se-
ria alternativo [grifo do au tor] foi o de listar o qu e oferecesse algu m tipo de
resistên cia con tracu ltu ral, n o sen tido am plo: pu blicações u n iversitárias, de
teatro, de m ú sica, de van gu arda, de asa delta, de cin em a, m ístico-filosófi-
cas, de fan zin es, de gru pos estigm atizados (n egro, m u lh er, h om ossexu al,
ín dio), de literatu ra, de alim en tação n atu ral, de qu adrin h os, de h u m or, de
crítica aos costu m es, de ecologia, de variedades etc.1

Ciro Marcondes Filho relaciona a imprensa alternativa à experiên-


cias de imprensa européia não alinhada, ligando-a ao jornalismo que não
quer reproduzir relações de dominação e exploração de capital. Estabelece
um elo com o marco histórico do Movimento Estudantil de 1968 e diz:

0 característico dessa nova imprensa é a proposta de desvinculação das cor-


rentes políticas. A “linha” desses jovens, se é que se pode dar esse nome à
sua orientação, é somente a de se dar espaço e publicidade aos grupos pos-
tos à margem dos processos políticos, econômicos e sociais. São, portanto,
jornais-instrumento [grifo do autor] antes de serem jornais-ideologia. Sua pro-
posta é a de serem apenas porta-vozes e não condução desses movimentos.2

Reunião da Política Editora. À direita, o primeiro da mesa, é o jornalista Raimundo


Rodrigues Pereira, um dos mais importantes nomes da Imprensa alternativa.

120
Falan do da experiên cia brasileira recen te com a im pren sa altern a-
tiva, Sôn ia Virgín ia Moreira, estabelece qu e os jorn ais altern ativos apare-
ceram em gran de qu an tidade e represen taram u m a opção ao jorn alism o
praticado pela gran de im pren sa. Ela con clu i qu e:

[...] con ven cion ou -se ch am ar de altern ativos os jorn ais e revistas qu e n as-
ceram n os ú ltim os vin te an os e n ão estavam ligados, via cordão u m bilical,
à ch am ada gran de im pren sa ou im pren sa oficial.3

Alberto Dines localiza a origem da expressão imprensa alternativa,


nos anos de 1960, nos Estados Unidos, onde se criaram em todos os meios
de comunicação uma série de veículos independentes, numa tentativa de
desvencilhar-se de compromissos comerciais e políticos com o poder esta-
belecido. Considera os alternativos como a vanguarda do jornalismo, não
amarrada a “conchavos, compromissos e Tordesilhas mercadológicas”4. Seu
desejo é o de informar e procurar a verdade, sem fazer disso um negócio.
Ao con ceitu ar o term o “altern ativa” para u m determ in ado tipo de
im pren sa, Sérgio Caparelli diz:

É um dos termos mais apropriados, principalmente porque esse conceito su-


gere imediatamente referência ao contexto de seu aparecimento. Alternati-
va indica uma relação com outro, um alter [grifo do autor] que chama a si
os que se desviam de um caminho inicial, no caso, a imprensa tradicional.5

Raim u n do Rodrigu es Pereira, editor de M, defin e a im pren sa alter-


n ativa com o u m a “im pren sa dem ocrática, n acion alista e popu lar de resis-
tên cia ao m odelo em im plan tação”6, sen do qu e o m odelo ao qu al ele se re-
fere é o capitalista de desen volvim en to. E relacion a essa im pren sa ao “m o-
vim en to dem ocrático e popu lar n o ociden te, qu e im pôs a discu ssão de for-
m as altern ativas de vida, de experiên cias com u n itárias, de contraculturas
[grifo do au tor], de rebelião dos joven s e tem as correlatos”7. Ele se con tra-
põe à con cepção de Sérgio Caparelli, n o sen tido de qu e ela seria u m a cor-
reção da rota n orm al da “im pren sa tradicion al”. Para ele, en qu an to a gran -
de im pren sa se m on opolizava, ligada ao gran de capital n acion al e in tern a-
cion al, e, apesar das divergên cias setoriais, apoiava o regim e, a im pren sa
altern ativa defen dia in teresses n acion alistas e popu lares e con den ava o sis-
tem a político do país. Raim u n do tam bém opõe-se à possibilidade, su geri-
da n a con cepção de Caparelli, de qu e h ou ve u m desvio aciden tal da gran -
de im pren sa qu e depois retom aria seu cu rso, torn an do, portan to, desn e-
cessária a con tin u idade da experiên cia da im pren sa altern ativa. Segu n do
ele a “im pren sa tradicion al” n ão retorn aria de seu aciden te de percu rso a
u m a rota qu e desse voz a in teresses n acion alistas e popu lares, n a m edida
em qu e estava cada vez m ais com prom etida com objetivos m on opolistas
de gran des corporações n acion ais e m u ltin acion ais.

121
Levan do-se em con ta essas con ceitu ações, em m u itos pon tos diver-
gen tes, é n ecessário qu e se afirm e qu e, se a ch am ada im pren sa altern ati-
va, n a su a própria design ação, tem im plícito o fato de ser opção a u m ou -
tro tipo de im pren sa, isto n ão sign ifica qu e essa ou tra form a, a qu al ela se
opõe, ten h a se desviado de u m a rota qu e lh e é n atu ral.
É n ecessário distin gu ir, fu n dam en talm en te, dois tipos de im pren sa:
a con ven cion al e a altern ativa. Em u m prim eiro m om en to, as con sidera-
ções n ão levarão em con ta a qu estão da circu n stân cia h istórica.
A im pren sa con ven cion al organ iza-se em torn o dos prin cípios libe-
rais, estru tu ran do-se com o u m a em presa capitalista qu e pode atin gir pe-
qu en o, m édio e gran de porte (e, n esse caso, é ch am ada de gran de im -
pren sa). Na m edida em qu e se orien ta pelos prin cípios do liberalism o, ela
se pau ta n a su posta defesa da im parcialidade da apu ração dos fatos. Dis-
tin gu e, deste m odo, dois tipos básicos de jorn alism o: o in form ativo (arti-
gos e reportagen s com a presen ça apen as de descrição dos even tos) e o
opin ativo (os editoriais e as m atérias assin adas, con siderados com o ex-
pressão da opin ião do gru po represen tan te do periódico ou de seu au tor
em particu lar) 8. Assim , é preten sam en te u m veícu lo para a exposição das
m ais variadas corren tes com su posta igu aldade de vez e de voz em seu s
órgãos de divu lgação. Su a sobrevivên cia advém , em gran de parte, dos
an u n cian tes qu e su sten tam fin an ceiram en te as pu blicações, e som en te
pequ en a parcela de seu s recu rsos deriva das ven das em ban cas e assin an -
tes. No n ível da produ ção de in form ações, a im pren sa con ven cion al tra-
balh a com o esqu em a de gran des em presas, com pran do, em term os de
n otícias in tern acion ais, as in form ações produ zidas pelas gran des agên cias
com o Associated Press, Fran ce Press, UPI e ou tras e, em term os n acion ais,
pode-se afirm ar qu e o m ercado é dom in ado pelos gran des gru pos com o
Agên cia Estado (de OESP), Agên cia Globo (do jorn al O Globo), Agên cia
Folh as (do gru po Em presa Folh a da Man h ã) etc.
A im pren sa altern ativa é u m a opção n a m edida em qu e ocu pa, de
variadas form as, o espaço deixado pelo tipo de im pren sa qu e segu e o m o-
delo con ven cion al. Pode ser organ izada em term os em presariais (com o,
por exem plo, o sem an ário Opinião, de propriedade do em presário e depu -
tado Fern an do Gasparian ) ou com o propriedade coletiva de u m gru po de
jorn alistas e represen tan tes de gru pos sociais diferen ciados ( o caso típico
foi o de M, con stitu ído com o u m a sociedade an ôn im a, com o capital ban -
cado por u m gran de qu an tidade de acion istas). A altern ativa n ão se pre-
ten de n eu tra, assu m in do-se a serviço da defesa de in teresses de gru pos
com o, por exem plo, partidos, sin dicatos, associações, m in orias raciais e se-
xu ais, e m esm o en tidades religiosas. Faz u m jorn alism o en gajado, orien ta-
do a n ão separar a in form ação da opin ião. Su a su sten tação fin an ceira ad-
vém basicam en te da ven da em ban cas ou de assin atu ras (caso de Opinião
e M), de seu s associados ( im pren sa sin dical e de associações), dos filiados
(com o n a partidária) e de fiéis (com o n a religiosa). Com o altern ativa à im -

122
pren sa con ven cion al, de u m a m an eira geral, seu esqu em a de produ ção de
in form ações bu sca recu perar a figu ra do jorn alista/ repórter qu e con strói
pela pesqu isa a m atéria a ser veicu lada, ten tan do fu gir da h om ogen eiza-
ção da in form ação qu e ocorre n as em presas dos países econ om icam en te
m ais poderosos ou dos gran des gru pos jorn alísticos n acion ais.
A am plitu de dessas con siderações n ão preten de lim itar o apareci-
m en to deste ou daqu ele tipo de im pren sa a u m m om en to h istórico deter-
m in ado. En tretan to, é n ecessário qu e se faça u m a distin ção, n o caso da
im pren sa altern ativa, em relação ao período de gran de desen volvim en to
qu e alcan çou , n o Brasil, en tre o fin al dos an os de 1960, a década de 1970
e o in ício dos an os de 1980, m om en to n o qu al se in sere o aparecim en to
e o térm in o do projeto de M. A fase de boom da im pren sa altern ativa coin -
cide, portan to, em gran des lin h as com o recru descim en to do Estado au -
toritário brasileiro pós-64, em qu e se in sere a vigên cia da cen su ra.
José Lu iz Braga, ao an alisar as con dições de desen volvim en to da
im pren sa altern ativa relacion an do-a com a qu estão da cen su ra in stau rada
após 1968, assin ala algu n s fatos qu e con tribu íram para su a expan são: a
dispon ibilidade, n o m ercado, de u m gran de n ú m ero de jorn alistas profis-
sion ais qu alificados e críticos à repressão do regim e e à au sên cia de liber-
dade de expressão; a existên cia de vozes qu e h aviam perdido seu espaço
de m an ifestação, com o os in telectu ais, e qu e en xergavam n a im pren sa u m
cam in h o para a expressão de su as idéias; o em pobrecim en to, graças à cen -
su ra, dos con teú dos da im pren sa e da televisão, qu e n ão m ais correspon -
diam às expectativas de parcela da popu lação con su m idora.9
Em con cordân cia com as idéias defen didas por Braga, é n ecessário
acrescen tar qu e o recru descim en to do Estado au toritário, a im possibilida-
de de expressão de todas as corren tes partidárias e o con seqü en te agru -
pam en to de ten dên cias políticas diversas den tro da sigla do partido da
oposição MDB fazem com qu e esse período seja propício ao desen volvi-
m en to de u m tipo específico de im pren sa altern ativa da qu al M faz parte.
A im pren sa altern ativa tem su a fase áu rea n o m om en to em qu e
a repressão política leva à form ação de u m a “fren te” oposicion ista qu e,
apesar de agru par ten dên cias com os m ais variados grau s de divergên -
cia qu an to à con tin u idade do processo político, u n e-se para fazer opo-
sição ao regim e m ilitar, form an do u m gran de bloco progressista n o qu e
diz respeito à an álise das circu n stân cias h istóricas do Brasil. Em torn o
dessa “fren te oposicion ista”, vão se estru tu rar projetos jorn alísticos
com o os de Opinião e M.

PROPOSTA DO SEMANÁRIO

O sem an ário M n asceu em 7 de ju lh o de 1975 ten do com o n ú cleo


básico u m gru po de jorn alistas qu e se retirou de Opinião em protesto con -
tra o afastam en to da direção do periódico de Raim u n do Rodrigu es Perei-

123
ra, por decisão de seu proprietário Fern an do Gasparian 10 em 25 de feve-
reiro do m esm o an o.
Esse m esm o n ú cleo de jorn alistas era origin ário da equ ipe qu e
m on tara a revista Realidade. Assim Raim u n do R. Pereira descreve a disso-
lu ção da redação da revista:

O fim da prim eira equ ipe de Realidade se devia a u m desses dilem as a qu e


sistem aticam en te ch ega u m a equ ipe qu e cria u m jorn al para u m a em pre-
sa qu e, com o passar do tem po, e com o su cesso da pu blicação, com eça a
acreditar qu e a pu blicação é dela, e n ão do don o. O resu ltado da crise foi
qu e a equ ipe saiu , e o don o ficou .11

A equ ipe fu n dou , algu m tem po depois, a editora Arte & Com u n i-
cação qu e fez algu m as pu blicações im portan tes (com o Bondinho, Grilo,
Jornalivro), m as en trou em processo de falên cia dois an os após su a fu n -
dação. Parte desse gru po dedicou -se à m on tagem de u m projeto qu e n u n -
ca passou de u m “bon eco” (m odelo gráfico), ch am ado Assunto. Segu n do
Raim u n do Pereira, esse projeto

[...] mostra a continuidade de todos os projetos, a preocupação que se tor-


nara constante entre um grupo de jornalistas de São Paulo – a mesma que
sempre se repetira entre outros jornalistas, em diferentes épocas e lugares –
em fazer um jornal independente. E a convicção de que isso não se faria nos
quadros das grandes empresas jornalísticas existentes, aferradas a grandes
interesses econômicos, defensoras interessadas de um modelo de desenvol-
vimento baseado nas grandes empresas como elas e seus anunciantes.12

Bern ardo Ku cin ski (u m dos editores de M du ran te certo período) já


trabalh ara com Raim u n do R. Pereira n a revista Veja, con h ecera Fern an -
do Gasparian em Lon dres e sou bera de seu in teresse em lan çar u m jorn al
n o Brasil. Com o o projeto o in teressasse, Ku cin ski acabou in dican do Rai-
m u n do R. Pereira para ser o editor de Opinião e o gru po qu e elaborava As-
sunto ach ou o con vite u m a boa oportu n idade, acatan do a idéia com as se-
gu in tes expectativas:

O sentimento geral do grupo, se é que consigo expressá-lo, era mais ou me-


nos o seguinte: sentia-se um sério cansaço do jornalismo da grande empre-
sa, acreditava-se que a tarefa do jornalista não era apenas a de descrever o mun-
do, mas de ajudar a transformá-lo [grifo nosso]; e que as grandes empresas jor-
nalísticas tinham, quase todas, se acomodado àquela situação de censura
progressista que vinha asfixiando a imprensa brasileira há algum tempo.13

En tretan to, o acerto defin itivo en tre o gru po e Opinião ain da levou
algu m tem po porqu e a equ ipe in sistia em possu ir u m a boa parcela das
ações da em presa (49% ) para ter garan tida su a presen ça em todas as de-
cisões. Fern an do Gasparian n ão aceitou e in sistiu em m an ter a proprie-
dade ju rídica da em presa, com prom eten do-se a n ão se tran sform ar tam -

124
bém em proprietário das idéias do sem an ário. Com o a equ ipe n ão con se-
gu iu viabilizar fin an ceiram en te seu próprio projeto, aceitou os term os do
acordo qu e, segu n do Raim u n do R. Pereira, foi cu m prido por Fern an do
Gasparian du ran te os prim eiros 121 n ú m eros do periódico até su a deci-
são pelo afastam en to do editor.
Após u m a sem an a de discu ssões, o gru po dissiden te de Opinião re-
solveu n om ear u m a com issão plen ipoten ciária com posta de dezesseis
pessoas com a preocu pação de qu e estivessem represen tadas todas as ten -
dên cias existen tes den tro da equ ipe 14. Essa com issão, ao elaborar o proje-
to de M, decidiu in icialm en te se m an ter fiel aos prin cípios n orteadores do
jorn al Opinião. Ela tin h a poderes para decidir qu em seria o editor-geral e
opin ar n as relações in tern as da redação.
O jorn al foi m on tado com o u m a sociedade an ôn im a com o con tro-
le acion ário distribu ído en tre aproxim adam en te du zen tas pessoas. A for-
m a da sociedade acabou sen do defin ida por exigên cias legais, pois a idéia
origin al era a de qu e o sem an ário fosse propriedade dos qu e lá trabalh a-
vam . O com prom isso foi o de, com o passar do tem po, preservar o con -
trole para a redação de M. Assim n asceu a Edição S.A., u m a editora qu e
possibilitou a existên cia do jorn al, distribu in do cotas de 5000 cru zeiros
até o total de l m ilh ão – capital n ecessário para o em preen dim en to.
Optou-se por um periódico mais popular que se não pudesse ser
comprado amplamente “por exemplo, por trabalhadores sindicalizados, fa-
lasse de temas que pudessem interessar a esses trabalhadores e numa lin-
guagem que pudesse ser entendida por eles quando os artigos, de uma for-
ma ou de outra, chegassem até eles. Disso decorreu uma preocupação de
Movimento em descrever as condições de vida das massas [grifo nosso], apre-
sentar a cena brasileira, a gente brasileira”15.
Tam bém foi aprovado u m program a político m ín im o e u m a lista de
n om es para o con selh o editorial com poderes de escolh er o editor-ch efe.
Tal program a con sistia em : “apresen tar, an alisar e com en tar os prin cipais
acon tecim en tos políticos, econ ôm icos e cu ltu rais da sem an a; descrever a
cen a brasileira, as con dições de vida da gen te brasileira; acom pan h ar a
lu ta dos cidadãos brasileiros pelas liberdades dem ocráticas, pela m elh oria
da qu alidade de vida da popu lação; con tra a exploração do país por in te-
resses estran geiros; pela divu lgação dos reais valores artísticos e cu ltu rais
do povo; pela defesa de n ossos recu rsos n atu rais e por su a exploração pla-
n ejada em ben eficio da coletividade”16.
Raimundo R. Pereira foi escolhido como editor-chefe e o grau de
abrangência de suas atribuições consistia em: escolher os editores, nomear
e demitir os funcionários da redação, devendo responder pelos seus atos
perante o conselho da redação. As discordâncias surgiram quanto ao fato
do editor (eleito por um ano) poder ou não ler as matérias com direito de
veto às diferentes seções que compunham o semanário. A decisão (favorá-
vel à leitura e eventual veto) foi tomada em votação e provocou o primei-
ro “racha” em M – quatro pessoas, discordantes, retiraram-se da comissão.

125
A imprensa alternativa também propiciou o surgimento de jornais que tratavam das questões
das chamadas minorias. O fim da imprensa alternativa faz proliferar os jornais de sindicatos.

A com issão foi tran sform ada em con selh o de redação provisório
(doze pessoas). Tam bém criou -se u m con selh o editorial form ado por n ove
person alidades “dem ocráticas” (en tre elas, Orlan do Villas-Boas, Ch ico
Bu arqu e de Holan da, Fern an do Hen riqu e Cardoso, Au dálio Dan tas). Em
torn o desses dois con selh os eram tom adas todas as decisões do jorn al.
Em 23 n ovem bro de 1981, qu an do de seu en cerram en to, o sem a-
n ário prom oveu u m a edição especial (Últim a Edição, Movimento, São Pau -
lo, 334) em qu e foram expostas as razões de seu fech am en to ao lado de
u m retrospecto do qu e tin h a sido o periódico du ran te os seis an os e m eio
de existên cia. Algu m as dessa con siderações são im portan tes para qu e se
possa com por o perfil de M.
Um a das reportagen s da h istórica edição relem brava o apoio con -
segu ido n a época de seu lan çam en to e resu m ia de m odo claro a recu sa do
órgão de divu lgação em aceitar a tese da isen ção jorn alística:

0 qu e m otivava o apoio, con tu do, eram as propostas de u m jorn al dem o-


crático a ser feito em plen o regim e terrorista. Um jorn al político qu ase as-
su m ia su a parcialidade e aju dava a destru ir o m ito de qu e o jorn alista é u m
técn ico, se n ão da n eu tralidade ao m en os da objetividade.17

Na página final de sua última edição, M reafirmou seu programa edi-


torial e político aprovado em julho de 1980. O texto iniciava-se com a fra-
se: “Por um jornal democrático e popular, independente e pluralista”18. Esta
frase abrangente aparece à exaustão como uma reafirmação de princípios
na edição de lançamento, ao longo de toda a última edição, em diversas
matérias censuradas e nas fórmulas criadas para substituição dos vetos do
censor. Tomando-se cada um dos termos dessa frase, os quais definem o pe-
riódico na opinião dos próprios criadores, obtém-se o perfil do jornal.
A qu estão da dem ocracia tradu zia-se em defesa da lu ta pelas liber-
dades dem ocráticas, pelo retorn o do país ao plen o Estado de Direito o

126
qu e, n a con cepção de M, in clu ía a qu estão da an istia am pla, geral e irres-
trita e a form ação de u m a Assem bléia Nacion al Con stitu in te livre e so-
beran am en te eleita.
A con cepção de u m órgão de divu lgação popu lar expressava-se
para M através da lu ta pela m elh oria das con dições de vida da popu lação,
m an ifestada n a descrição das cen as da gen te brasileira, u m dos tem as
m ais recorren tes do periódico e tam bém alvo con stan te dos cen sores. A
esse respeito é im portan te qu e se reflita acerca da form a pela qu al M en -
carava essa lu ta, n as su as próprias palavras:

Um dos pontos inseridos no programa político-editorial de Movimento é a luta


pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Coerente com esse
item de seu programa, o jornal publicou desde as suas primeiras edições, uma
numerosa série de matérias sobre as condições de vida dos operários.19

A problemática das condições de vida da população é vista sob a ótica


do trabalho. A esse respeito quando, no seu número 45, M preparou uma edi-
ção especial sobre a condição feminina, a temática central era a da “Mulher
no Trabalho”. Ao lado disto, é importante que se acentue a maneira pela qual
o jornal se dirige à população, utilizando a expressão “massas”. Uma breve
reflexão a esse respeito pode mostrar o ângulo sob o qual o periódico encara
a questão da exploração: apesar do esforço em se tratar da problemática fe-
minina e mesmo da discriminação racial que escapam à mera dominação do
capital exercida sobre o trabalho, a tendência geral será a da abordagem eco-
nomicista, claramente exposta na preocupação com a exploração do traba-
lhador. O termo “massas” apresenta duas faces de uma mesma moeda: con-
tém ao mesmo tempo a indiferenciação e a preocupação com a maioria. De
fato, problemáticas que atingem minorias discriminadas (sexuais, raciais, re-
ligiosas) não encontram expressão em M, francamente preocupado com a ex-
ploração de largas parcelas da população.
No tocan te à qu estão da in depen dên cia, tem ática tão cara aos
prin cípios liberais, M in verte o assu n to qu an do assu m e a lu ta por u m
projeto político defin ido e por u m en gajam en to qu e n ão possibilita a
n eu tralidade. Aos jorn ais liberais, a qu estão da in depen dên cia resu m e-
se n a expressão do descon ten tam en to e da crítica, qu an do o Estado in -
terfere em seu s in teresses, ou seja, qu an do, por exem plo, aden tra n o
problem a da liberdade de expressão con siderado com o u m direito n atu -
ral. Sob esta capa de rebeldia espelh am su a “in depen dên cia” em relação
aos órgãos govern am en tais. M desloca a idéia de in depen dên cia para
u m terren o distan te da con cepção de im pren sa dos órgãos liberais. In -
depen dên cia em relação à possibilidade de pressões econ ôm icas, seja
por in term édio dos an u n cian tes (do Estado ou particu lares), seja atra-
vés das relações em presariais estabelecidas den tro da redação e m esm o
em relação ao setor de produ ção das in form ações por parte das gran des
em presas n acion ais e estran geiras.

127
O plu ralism o é dem on strado n a ação con stan te do sem an ário com o
u m a “fren te”:

Movimento deve continuar sendo, como sempre, um jornal de frente [grifo do


autor], sem vinculação partidária, que tem como aspecto principal o comba-
te ao regime ditatorial-militar e a defesa de um programa democratizador de
acordo com os interesses populares; mas que tem também, como aspecto su-
bordinado, o debate das posições divergentes no seio do movimento demo-
crático e popular com o sentido de contribuir para a superação de suas de-
bilidades.20

A defin ição do projeto político alm ejado pelo periódico ao lon go do


processo de abertu ra política, com a adoção de ban deiras de lu ta m ais es-
pecíficas (por exem plo, a da Assem bléia Nacion al Con stitu in te e a da
An istia am pla, total e irrestrita) irá dificu ltar en orm em en te a con tin u ida-
de do jorn al en qu an to “fren te” progressista. Além disso, o plu ralism o fica
irrem ediavelm en te com prom etido em m eio a con cepções rígidas com o a
de povo en qu an to “m assa”, de con dições de vida en caradas sob a ótica da
exploração do trabalh o e de popu lação en qu an to expressão de u m a h o-
m ogen eidade da m aioria, sem espaço para a diferen ciação das m in orias
qu e expõem a m u ltiplicidade de aspectos da dom in ação. Esses lim ites di-
ficu ltam o exercício da dem ocracia in tern a n a redação, expressan do-se
n os “rach as” ocorridos n o sem an ário e n a difícil decisão de fech am en to
em n ovem bro de 1981.
M con viveu com a cen su ra du ran te 153 sem an as, desde seu lan ça-
m en to até o m om en to em qu e oficialm en te ela foi su spen sa, qu an do per-
m an ecia apen as sobre M, Tribuna da Imprensa e O São Paulo. Du ran te esse
período (7 ju l. 1975 a 5 ju n . 1978), segu n do dados do próprio periódico 21,
a cen su ra cortou 3093 artigos n a ín tegra, 3162 ilu strações e u m a m édia
de 4500000 palavras.
A segu ir, m ostram -se os qu adros de m atérias vetadas e an alisadas de
M. É im portan te n otar qu e n ão se trabalh ou com u m a am ostragem proba-
bilística, fazen do-se, dadas as con dições do m aterial preservado, u m a
am ostra de u m u n iverso possível, u m in dicador para a an álise. Os qu adros
e a an álise do m aterial, acim a de qu aisqu er con siderações program áticas
acerca do sem an ário, torn am claro qu e a cen su ra n ão som en te apresen ta
u m a gran de diversidade de in teresses se com parada com o qu e se obser-
vou em OESP, com o dem on stra u m a com preen são n ítida das críticas rea-
lizadas pelo órgão de divu lgação a diversas facetas do Estado au toritário e
o grau de desestabilização qu e su a veicu lação poderia cau sar.

128
No dia 8 de junho de 1978, depois de um comunicado do governo federal, Movim en to
deixa de ser censurado. Esta edição, de nº. 154, do dia 12 de junho é a primeira sem cen-
sura. A história da censura ao semanário começa a ser contada.

129
Finalmente livre da censura, Movim en to pode falar de assuntos outrora proibidos como a
temática da tortura e torturadores. Neste número, 155, de 19 de junho de 1978, as cifras e
a história impressionantes da censura ao jornal continuam a ser contadas.

130
Esta edição, de número 156, de 26 de junho de 1978, a terceira livre da censura para
Movim en to, encerra a história dos três anos vividos sob censura prévia.

131
A CEN SURA PRÉVIA EM MOVIMEN TO (1975-1978)

Primeiramente é necessário apresentar os quadros demonstrativos


dos dados levantados na pesquisa. O Quadro 1 possui a especificação das
unidades temáticas trabalhadas com as respectivas quantificações e o per-
centual correspondente em relação ao total analisado. O Quadro 2 represen-
ta o detalhamento dos subtemas em cada uma das unidades temáticas com
suas respectivas potencialidades numéricas.
Con vém explicitar tam bém qu e, ao trabalh ar com o m aterial veta-
do de M, optou -se por u tilizar as m esm as u n idades tem áticas e os m esm os
su btem as aplicados n a an álise de OESP. Ressalva-se apen as a em ergên cia
de algu n s elem en tos n ovos22 qu e aparecem em M, dadas as características
específicas qu e distin gu em u m órgão de divu lgação de ou tro e as im pli-
cações de ordem tem poral.
Ou tra escolh a foi a de u sar a m esm a seqü ên cia de aparecim en to
para as u n idades tem áticas da an álise do m aterial vetado de OESP, em bo-
ra h aja diversidade em relação ao aspecto qu an titativo 23.

Qu adro 1 – Matérias Cen su radas


Fon te: Movimento
Período: 7/ 7/ 1975 a 5/ 6/ 1978
Un idades Tem áticas Caixas J. An tôn io Total %*
Qu estões Políticas 149 65 214 25,48
Qu estões Econ ôm icas 82 26 108 12,86
Qu estões Sociais 100 115 215 25,60
Qu estões Edu cacion ais e Cu ltu rais 78 63 141 16,79
Qu estões de Política In tern acion al 57 32 89 10,60
Cen su ra 21 28 49 5,83
Recon stitu ições Históricas** 9 15 24 2,84
Total Parcial 496 344
Total Geral 840 100

*Este resultado percentual refere-se ao total de cada uma das unidades temáticas sem que
se leve em consideração a divisão efetuada no material analisado (retirado das caixas e se-
lecionado por João Antônio).
**Esta unidade temática envolve reportagens vetadas sobre acontecimentos não contempo-
râneos ou que fazem uma retrospectiva histórica de determinados assuntos. O fato de não se
encontrarem matérias vetadas com esse teor em OESP, não significa que o jornal não comen-
te assuntos passados ou que não se dedique a reconstituições históricas. Dois motivos expli-
cam a ausência desta temática em OESP: uma forma sutil de autocensura impedindo, na-
quele momento, a veiculação de notícias relacionadas a acontecimentos passados que melin-
drassem o regime autoritário; não entram nas preocupações do periódico determinados as-
suntos (por exemplo, a organização dos trabalhadores) sem que seja um evento de destaque.

132
Qu adro 2 - Matérias Cen su radas
Fon te: Movimento
Período: 7/ 7/ 1975 a 5/ 6/ 1978

Su btem as Caixas J. An tôn io Total


Críticas ao Regim e 73 12 85
Repressão Política 22 21 43
Corru pção Govern am en tal 8 12 20
Críticas da Oposição 16 – 16
Violên cia Policial/ Esqu adrão da Morte 10 6 16
Relações Igreja/ Estado 6 10 16
An istia 6 – 6
Críticas do Exterior 2 1 3
Assem bléia Nacion al Con stitu in te 3 – 3
Com en tários Ref. a Políticos An teriores a 1964 1 1 2
Caso An gela Din iz – 1 1
An ticom u n ism o/ TFP – 1 1
Casos Aracelli/ Cláu dia/ An a Lídia 1 – 1
Qu estão de Drogas 1 – 1
Total Parcial 149 65
Total Geral 213
Unidade Temática: Questões Políticas

Su btem as Caixas J. An tôn io Total


Críticas à Política Econ ôm ica 81 25 106
Petróleo/ Petrobrás 1 1 2
Total Parcial 82 26
Total Geral 108
Unidade Temática: Questões Econômicas

Su btem as Caixas J. An tôn io Total


Con dições de Vida e Trabalh o da Popu lação 53 38 91
Críticas à Política de Saú de Pú blica 11 15 26
Qu estão da Terra 6 15 21
Gru pos Diferen ciados 6 15 21
Qu estão In dígen a 4 16 20
Reivin dicações Sociais 11 8 19
Aciden tes 4 6 10
Polu ição Am bien tal 5 2 7
Total Parcial 100 115
Total Geral 215
Unidade Temática: Questões Sociais

133
Su btem as Caixas J. An tôn io Total
Movim en to Estu dan til 12 26 38
Críticas à Política Edu cacion al 14 12 26
Im posição Cu ltu ral 12 4 16
Críticas à Im pren sa 6 5 11
Ciên cia/ SBPC 7 4 11
Cin em a* 5 2 7
Mú sica* 5 1 6
Teatro* 5 – 5
Críticas ao Nível de En sin o 3 2 5
Esporte 3 2 5
Rádio e Televisão* 3 1 4
Críticas à Política Cu ltu ral – 4 4
Crítica Religiosa 2 – 2
Literatu ra* 1 – 1
Total Parcial 78 63
Total Geral 141
Unidade Temática: Questões Educacionais e Culturais
*Estes subtemas computam as opiniões expressas pelos colaboradores de M às respectivas
áreas culturais. Não são comentários sobre a censura. Estes estão relacionados na unidade
temática "Censura".

Su btem as Caixas J. An tôn io Total


Relações EUA x Terceiro Mu n do 11 4 15
Defesa In tern acion al dos Direitos Hu m an os 8 2 10
Espan h a 3 6 9
Ch ile 5 2 7
Portu gal 3 2 5
URSS 4 1 5
Cu ba 2 2 4
Partidos Com u n istas 4 – 4
Argen tin a 2 2 4
Peru 2 1 3
In don ésia 1 2 3
An gola 1 2 3
Ch in a 1 2 3
Relações In tern acion ais 2 1 3
Equ ador – 1 1
Israel 1 – 1
Ven ezu ela 1 – 1
Uru gu ai 1 – 1
Bolívia 1 – 1
México 1 – 1
Moçam biqu e 1 – 1
In glaterra 1 – 1
Tailân dia – 1 1
Etiópia – 1 1
Gu in é-Bissau 1 – 1
Total Parcial 57 32
Total Geral 89
Unidade Temática: Questões de Política Internacional

134
Su btem as Caixas J. An tôn io Total
Im pren sa 2 23 25
Artes em Geral 10 2 12
Moral/ Costu m es 7 2 9
Meios de Com u n icação em Geral 2 1 3
Total Parcial 21 28
Total Geral 49
Unidade Temática: Censura

Su btem as Caixas J. An tôn io Total


Organ ização dos Trabalh adores 1 6 7
Críticas ao Govern o Vargas 1 2 3
An álise Historiográfica 1 1 2
Govern o JK – 1 1
Redem ocratização 1 – 1
Segu n do Rein ado 1 – 1
Colonização Espanhola/Genocídio Indígena 1 – 1
Gen eral Fran cisco Fran co/ JK 1 – 1
Con ju ração Baian a 1 – 1
Histórico da Dívida Extern a – 1 1
Sacco e Van zetti – 1 1
Con stitu ição de 1967 1 – 1
Hitler – 1 1
Experiên cia de Govern o Popu lar – 1 1
Fren te Am pla – 1 1
Total Parcial 9 15
Total Geral 24
Unidade Temática: Reconstituições Históricas

QUESTÕES POLÍTICAS

Com o m ostra o Qu adro 1, esta u n idade tem ática aparece em M


com u m peso relativizado n o qu e tan ge a u m a com paração com as “Qu es-
tões Sociais”.
Mais u m a vez, en tretan to, percebe-se a presen ça com destaqu e dos
vetos a críticas aos govern os m ilitares e às m en ções ao aspecto repressivo
do Estado au toritário brasileiro pós-64, com o se n ota n o Qu adro 2 e pela
descrição de algu n s dos su btem as desta u n idade tem ática, apresen tada a
segu ir 24.

CRÍTICAS AO REGIME

Numa análise em grandes linhas deste subtema, observa-se como mais


enfatizadas as matérias censuradas versando sobre o assunto da crítica à au-
sência de democracia no regime militar e, ao mesmo tempo, a manifestação
da luta pela volta ao Estado de Direito no país. Ao lado dessa questão, desta-

135
cam-se as proibições aos comentários relativos ao processo de distensão polí-
tica encaminhado pelo governo Geisel, a críticas ao comportamento de deter-
minados oficiais militares e aos governos que se sucederam ao golpe de 1964,
em geral. Paralelamente a isto, a censura cortava alusões desairosas ao siste-
ma eleitoral vigente e menções às eleições a serem realizadas em novembro
de 1976. Foram vetadas, também, matérias referentes a organizações de em-
presários que se manifestavam a favor de uma maior participação política da
categoria nas decisões governamentais.

O deputado federal Francisco Pinto, cassado em 1974, tinha uma coluna em MOVIMENTO:
“A Semana em Brasília”, alvo de constantes cortes do censor.

136
A n atu reza desse gru po de vetos deve-se à preocu pação govern a-
m en tal, de u m lado, em escon der seu caráter au toritário e repressivo e,
de ou tro, em ocu ltar o descon ten tam en to da popu lação e o an seio por
m aiores liberdades dem ocráticas.
A seguir, observam-se as matérias condenatórias da Arena, principal-
mente, tendo em vista seu desempenho nas eleições25. A tônica é a de pro-
cura de explicações para a fraca atuação do partido em termos eleitorais e
sua sentida diminuição de popularidade. Do mesmo modo, são sistematica-
mente vetados os artigos que fazem admoestações ao MDB, criticando seu
adesismo, visto por analistas como uma falha oriunda de sua criação 26. Al-
guns textos reconhecem o MDB como uma “frente”, distinguindo posturas
mais avançadas no grupo dos chamados “autênticos” e posições conserva-
doras e adesistas no dos “moderados” do partido que, eleitos para determi-
nados cargos em novembro de 1974, demonstraram prática semelhante a
dos arenistas no exercício do poder, decepcionando a população que depo-
sitou sua confiança na expressão do voto. Nesse grupo de vetos também es-
tão presentes matérias que criticam a atuação dos políticos (de maneira ge-
ral) no Congresso Nacional e as que condenam a Arena e o MDB, indistin-
tamente, ou mesmo aquelas em que a tônica é de crítica à corrupção elei-
toral, ou seja, ao hábito clientelista disseminado entre os políticos, de ofe-
recimento ao eleitor de alguma “benesse” futura em troca de seu voto.

Nas charges, alvos constantes da tesoura do censor, as críticas e ironias aos militares e ao regime

É in teressan te n otar qu e o corte do cen sor tan to atin ge o ju lga-


m en to n egativo da Aren a qu an to do MDB, apresen tan do dois elem en -
tos distin tos. Em prim eiro lu gar, torn a paten te a am bigü idade dos ter-
m os “situ ação” e “oposição”, u tilizados para os partidos (respectivam en -
te Aren a e MDB) dada, em algu n s casos, a sem elh an ça de su a prática
política. Em segu n do lu gar, h á a preocu pação da cen su ra em preservar

137
a atu ação parlam en tar para im pedir o qu estion am en to da pequ en a
m argem de atu ação do Legislativo n o país devido à con cen tração exces-
siva dos poderes n o Execu tivo, após o golpe de 1964.

Embora não se caracterize como um subtema das Questões Políticas de Movim en to, a
sucessão Presidencial do Presidente Geisel foi alvo do censor. Em julho de 1977, ao falar de
sucessão, o jornal foi censurado.

REPRESSÃO POLÍTICA

O su btem a da repressão política divide-se, n o m aterial con su ltado


de M, em três gran des tópicos qu e se resu m em a: den ú n cias dos excessos
da repressão; n arrativas de ten tativas de resistên cia ao regim e m ilitar; e
resistên cia/ repressão n o n ível partidário.
No primeiro tópico, aparecem com destaque as descrições das condi-
ções vivenciadas pelos presos políticos, a evolução de seus processos, a pro-
cura pelos familiares, as conseqüências das prisões. Uma série de seis arti-
gos denuncia o seqüestro e prisão do estudante pernambucano Edval Nu-
nes da Silva (maio 1978), conhecido como Cajá. Era aluno de Ciências So-

138
ciais da UFPE, pertencia à Pastoral da Juventude, vinculada à Arquidioce-
se de Olinda e Recife, e vinha sendo seguido até ser seqüestrado e preso,
ficando incomunicável, sob acusação de tentar reestruturar o PCR27.
Três artigos deveriam ter sido publicados, respectivamente nos nú-
meros 18, 116 e 151 de M, tratando do caso Herzog28. A primeira reporta-
gem, realizada logo após a morte do jornalista, representa uma solicitação
de investigações para apuração do caso. A segunda relata o envolvimento
do legista Harry Shibata, processado por ter assinado o laudo de morte de
Herzog sem ver o corpo. A terceira apresenta depoimentos de testemunhas
confirmando a existência de torturas no jornalista.
Dois artigos relatam o caso do estu dan te An tôn io dos Três Reis, de-
saparecido em São Pau lo em 1970. A n arrativa vem a propósito da reali-
zação de u m a m issa em h om en agem ao estu dan te (m aio de 1978) em
Apu caran a/ PR.
Além disso, e ain da n este tópico, várias reportagen s tratam de ca-
sos isolados:

• O pedido de esclarecim en to de Zu zu An gel sobre o desaparecim en to de


seu filh o, Stu art An gel Jon es, ocorrido em 1971. A figu rin ista, casada com
u m cidadão n orte-am erican o, teve seu filh o desaparecido, ten do procu rado
descobrir o seu paradeiro du ran te an os, até m orrer em trágico aciden te de
au tom óvel29.
• Den ú n cia de dois estu dan tes con den ados por participarem de aten tado e
por perten cerem ao MOLIPO 30.
• Alu são ao caso PARA-SAR qu e en volveu o capitão Sérgio Miran da de
Carvalh o pela recu sa n o cu m prim en to de orden s de seu su perior, o briga-
deiro João Pau lo Pen ido Bu rn ier 31.
• Narrativa relativa à m ãe do padre An tôn io Hen riqu e Pereira, assassin a-
do em 1969. Ela escreve ao presiden te Geisel, dizen do qu erer estu dar Di-
reito para rever o processo arqu ivado de seu filh o.
• Solicitação da m ãe da m édica presa, Selm a Ban deira Men des, in terce-
den do pela filh a.
• Narrativa das con dições viven ciadas pelo filh o do preso político Altin o
Dan tas Jú n ior, afastado do pai por m otivo da prisão deste e da m ãe, por
processo m ovido pelos avós.
• Notificação da dem issão do professor José Golden berg dos cargos qu e
ocu pava n o In stitu to de Física/ USP por cau sa da con den ação de seu filh o,
Clau dio Golden berg, ex-estu dan te do ITA, con den ado a dois an os e m eio
de prisão por su bversão.
• Den ú n cia do caso da estu dan te Marie Hélèn e Ru ssi presa e am eaçada de
deportação para a Su íça.

No segu n do tópico, estão relacion adas as form as de resistên cia ao


Estado au toritário brasileiro pós-64, abarcan do desde m en ções à lu ta
arm ada, com o n otas relativas ao PCB e a seu s m ilitan tes. Du as m atérias
referem -se exclu sivam en te a com en tários sobre u m a en trevista dada

139
pelo secretário-geral do partido, n a época, Lu ís Carlos Prestes, em Paris.
As opin iões de Prestes apon tavam para qu estões passadas, com o o epi-
sódio do apoio ao m arech al Lott n a cam pan h a de 1960 32 , con tra o qu al
o secretário se posicion ava, e sobre as célebres cadern etas qu e foram
en con tradas em su a residên cia em 1964, sen do respon sáveis, m ais tar-
de, pela qu eda de in ú m eros com u n istas33 . Além disso, estabeleciam u m a
relação en tre o PCB e o MDB n as eleições de 1976, in dican do u m a sé-
rie de can didatos com u n istas alojados n a sigla do partido recon h ecido
pelo govern o m ilitar.
Ain da n este tópico, aparece o abaixo-assin ado qu e seria pu blicado
em 13 de m arço de 1978 on de in telectu ais se m an ifestam con tra as pri-
sões de Fern an do Morais, An tôn io Callado e Ch ico Bu arqu e de Holan da.
Em m aio de 1978, foi vetada a m en ção a u m ato pú blico realizado em São
Pau lo, em solidariedade a presos políticos qu e se en con travam em greve
de fom e. Registra-se tam bém a prisão de atores em ato pú blico pelas li-
berdades dem ocráticas efetu ado pela classe teatral (São Pau lo) em ex-
pressão de lu ta pelas liberdades dem ocráticas.
O terceiro tópico, relacion a a resistên cia partidária ao regim e m ili-
tar, apon tan do para a lu ta do MDB con tra a repressão e para a situ ação
de políticos cassados. A esse respeito, u m a m atéria qu e seria pu blicada em
21 de dezem bro de 1977, foi vetada por con ter referên cia à cassação do
vereador Marcos Klassm an n , em Porto Alegre.
De todas as matérias vetadas, as que parecem mais transparentes
quanto às intenções do censor são as que compõem este subtema da “Re-
pressão Política”. É característico de regimes de opressão ou de força o não
permitir a divulgação de seus aspectos repressivos, na medida em que eles
se mantêm às custas da construção de uma imagem em que a aparência de
um mínimo de relação consensual para com o público é fundamental. Des-
te modo, a existência de uma resistência ao regime e a contrapartida da rea-
ção repressiva do mesmo, precisam estar ocultas a qualquer custo. E, neste
parecer, o controle dos meios de comunicação, impedindo a divulgação de
notícias incômodas que venham obscurecer o brilho do regime, ocupa papel
primordial na manutenção do Estado.

QUESTÕES ECONÔMICAS

Tom an do-se com o referên cia o Qu adro 1, observa-se qu e esta u n i-


dade tem ática adqu ire u m peso m aior (em term os apen as qu an titativos),
se a com paração for feita en tre os percen tu ais de M e de OESP; apesar de
m an ter-se a m esm a divisão de su btem as e, n este sen tido, M n ão apresen -
tou n ovos assu n tos qu e n ão tivessem sido detectados em OESP. O qu e
ch am a a aten ção é o tom dos textos apresen tados, n otadam en te, n o qu e
se refere ao su btem a das “Críticas à Política Econ ôm ica”, em qu e o

140
en foqu e sen tido é o de con testação ao m odelo de desen volvim en to ado-
tado pelos regim es m ilitares, bem com o o de den ú n cia de seu caráter de
n ão aceitação da opção pelos gran des gru pos n acion ais e in tern acion ais.
A an álise deste su btem a desvela u m m u n do de diversidade n a con cepção
de im pren sa en tre os dois periódicos e o aspecto m u ltifacetado da cen su -
ra aten ta a esta essa variedade.

CRÍTICAS À POLÍTICA ECONÔMICA

Em lin h as gerais, pode-se dividir este su btem a em três gru pos de


críticas. Em prim eiro lu gar, em term os gen éricos, é o m odelo de desen -
volvim en to econ ôm ico adotado após 1964 qu e é con testado e su as face-
tas estim u ladoras da desigu aldade social foram den u n ciadas, e vetadas.
Em segu n do lu gar, desdobram en to do m esm o m odelo, a con testação
atin ge profu n dam en te o qu e os colaboradores de M iden tificam com o u m
caráter “en tregu ista” desse m esm o m odelo, dada a extrem a facilidade de
con cessões fan tásticas às em presas m u ltin acion ais para operar em n osso
território com preju ízo am bien tal, social e econ ôm ico do país. Em tercei-
ro lu gar, o qu e se critica é a política adotada em relação aos gran des gru -
pos econ ôm icos n acion ais em detrim en to das pequ en as e m édias em pre-
sas e da popu lação em geral.
As críticas ao m odelo de desen volvim en to econ ôm ico adotado atin -
gem o ch am ado “m ilagre brasileiro”, qu e n ão se efetivou , exceto n a retó-
rica dos govern an tes, o au m en to excessivo dos preços paralelam en te a u m
ach atam en to crescen te dos salários, o processo in flacion ário n u m a espiral
de con stan te crescim en to, e a dívida extern a atin gin do cifras excessiva-
m en te elevadas. Ao lado disto, n ão escapam das adm oestações do sem a-
n ário os tecn ocratas n a con du ção da política econ ôm ica, bem com o a cres-
cen te in terven ção do Estado n a econ om ia do país. Su rgem den ú n cias re-
lativas ao fato de qu e u m dos objetivos do m ovim en to de 1964 era a rea-
lização da reform a agrária o qu e acabou n ão se efetivan do. O tom crítico
abran ge tam bém as cam pan h as feitas con tra a estatização, ao lado de u m a
defesa do periódico n a qu estão da reserva da in form ática. Os lu cros exces-
sivos dos ban cos são apon tados, ao m esm o tem po em qu e se dem on stram
as dificu ldades crescen tes do país em fazer face ao déficit com ercial n a dis-
paridade da balan ça de pagam en tos. Os artigos vetados criticam a idéia
corren te en tre os econ om istas da equ ipe govern am en tal de qu e au m en to
salarial gera elevação da in flação e relacion am a crise econ ôm ica e a reces-
são ao m odelo de desen volvim en to segu ido pelo país.
Con stan tem en te em m atérias cen su radas, o govern o brasileiro apa-
rece com o “en tregu ista”, n a m edida em qu e opta pela proteção às em pre-
sas de capital m u ltin acion al em detrim en to de in teresses n acion ais. Este
fato é den u n ciado de m ú ltiplas e variadas form as: n as críticas ao em presá-
rio n orte-am erican o Dan iel Lu dwig e ao con trovertido Projeto Jari34; n o

141
artigo relativo a Ku rt Mirow, au tor do livro Ditadura dos Cartéis, em qu e são
den u n ciadas as n egociatas das gran des em presas m u ltin acion ais para ob-
ten ção de m on opólios e com veicu lação su spen sa n o Brasil; n a exposição
da política do govern o brasileiro para o setor de m edicam en tos, liberan do
som en te a produ ção do artigo sim ilar ao do exterior o qu e expõe, a u m só
tem po, a deficiên cia do in vestim en to em pesqu isa cien tífica e o cam po
aberto ao dom ín io dos gru pos estran geiros; e n a revelação da proteção por
in term édio do Delegado do Trabalh o à Coca-Cola, n o caso de m orte de
dois operários em serviço.
O au m en to do con trole exercido pelas em presas m u ltin acion ais so-
bre o país é den u n ciado ao lado da crítica à destru ição am bien tal prom o-
vida por in dú strias de gran de porte (com o, por exem plo, a da produ ção
de celu lose). Aparecem tam bém vetadas m atérias tratan do sobre a qu es-
tão dos im en sos fin an ciam en tos às em presas estran geiras pelo govern o
brasileiro, ao lado da política in tern a dessas in dú strias de in vestim en tos
m aciços n as su as m atrizes. O discu tível Projeto Carajás com a plan ejada
exploração de m in érios em área de riqu eza e diversidade de gran des di-
m en sões, m esm o con sideran do-se o plan o in tern acion al; e a con traparti-
da do favorecim en to a preços baixos às n ações estran geiras, dilapidan do
o país em m atéria de recu rsos n ão ren ováveis, tam bém n ão escaparam às
den ú n cias e, con seqü en tem en te, à cen su ra.
A política de favorecim en to aos gran des gru pos n acion ais em de-
trim en to das pequ en as e m édias em presas aparece dem on strada em to-
das as su as cores som brias, apon tan do para a corru pção e a m alversação
de verbas pú blicas, com o é o caso dos gru pos Copersu car e Lu tfalla e
m esm o n a crítica à prática do Ban co Nacion al de Habitação (BNH),
geran do gran des ben efícios som en te aos em presários do setor de con s-
tru ção civil. No terren o agrícola, os artigos en volvem a con testação aos
latifu n diários do café e à política desen volvida pelo setor voltada, exclu -
sivam en te, para a exportação. Tratam tam bém das den ú n cias de m on o-
pólio do abastecim en to exercido pelos gran des gru pos econ ôm icos.
O con ju n to de m atérias vetadas n este su btem a com põe u m a fasci-
n an te radiografia do m odelo de desen volvim en to econ ôm ico adotado
pelo país a partir de 1964, em con tin u idade ao projeto qu e se delin eia
com clareza n os an os de 1950 (n otadam en te a partir do govern o JK). Um
m odelo de con cen tração da ren da e de aceleração das diferen ças sociais,
paralelo a u m a política de favorecim en to aos gran des gru pos econ ôm icos,
tan to n acion ais qu an to in tern acion ais.
É n ecessário qu e se observem algu m as qu estões para qu e se possa
en ten der m ais claram en te a diferen ça do caráter da cen su ra em M e em
OESP. A prim eira diz respeito à articu lação do golpe de 1964 – h ou ve u m a
gran de con spiração dos “gru pos m u ltin acion ais e associados”35 en volvidos
n a perpetração do golpe de 1964, ao lado dos m ilitares vin cu lados à ESG
e aos ideais da Dou trin a de Segu ran ça Nacion al iden tificados com o rela-

142
cion ados à ala da “Sorbon n e”. Em segu ida, observa-se a variável tem po-
ral qu e separa a cen su ra prévia de M (1975-1978) da de OESP (1972-
1975), en trem eadas pelo en cam in h am en to do projeto de disten são polí-
tica do govern o Geisel. Por fim , n ão se deve descon siderar as diferen ças
de con cepção da im pren sa exibidas em cada u m dos periódicos trabalh a-
dos. Assim , torn am -se claras, a u m só tem po, o caráter da cen su ra em M
e su a diferen ça relativam en te à qu e se observa em OESP. Para os m ilita-
res da “Sorbon n e”, n o com an do do projeto de abertu ra política, dialetica-
m en te, é qu estão de segu ran ça n acion al a m an u ten ção da cen su ra prévia
(in stru m en tal repressivo, aparen tem en te con traditório a u m processo de
disten são) a u m periódico com o M, dedicado à defesa dos ch am ados in te-
resses n acion ais, pois, cen su ran do M, estão defen den do seu projeto de
desen volvim en to para o Brasil em n om e do qu al a “revolu ção” de 1964
foi plan ejada e execu tada.

PETRÓLEO/ PETROBRÁS36

Em M a qu estão da exploração do petróleo n o país e a do m on o-


pólio estatal da Petrobrás foram m otivo da apreen são de u m n ú m ero do
sem an ário, dedicado à discu ssão do projeto dos con tratos de risco, an u n -
ciado em cadeia n acion al de televisão pelo presiden te Geisel, em ou tu -
bro de 1975.
Os con tratos de risco, n a ótica govern am en tal, represen taram u m a
form a de au m en tar a produ ção de com bu stível, con du zin do a exploração
para áreas con sideradas de risco, n a m edida em qu e n ão h avia certeza da
obten ção de petróleo n essas regiões. Com o a Petrobrás, segu n do estim a-
tivas govern am en tais, n ão tin h a con dições de arcar com o alto cu sto fi-
n an ceiro da apu ração, con tratos em dez áreas de risco foram oferecidos a
em presas estran geiras, às qu ais o govern o oferecia toda a an álise geológi-
ca da região pelo preço de 400 m il dólares.
O número 15 de M era, portanto, destinado ao debate deste contro-
vertido projeto que, na prática, representava uma quebra no monopólio es-
tatal e a abertura da concessão da exploração do petróleo para companhias
estrangeiras. A censura, entretanto, além de mutilar terrivelmente o mate-
rial preparado para a edição, acabou apreendendo este número 37 que, ao
lado dos números 45 (dedicado à “Mulher no Trabalho”) e 116 (versando
fundamentalmente sobre a Constituinte e a Anistia), representaram as três
edições apreendidas durante a vigência da censura prévia a M.
O m aterial preservado por M con tém algu m as caixas tem áticas,
sen do qu e u m a trata sobre o tem a da Petrobrás, porém , elas n ão se con s-
titu íram em objeto de an álise, por u m a opção feita ao lon go da pesqu isa.
No m aterial con su ltado foram localizadas apen as du as m atérias relativas
ao su btem a acim a descrito. Um a delas, datada de m arço de 1978, seria
pu blicada n o n ú m ero 141 do sem an ário e a ou tra, cu ja data n ão foi pos-

143
sível localizar, faz parte da seleção realizada por João An tôn io, m as qu e
se in feriu perten cer ao apreen dido n ú m ero 15 (ou t. 1975) de M. Am bas
tratam sobre a problem ática dos con tratos de risco, exibin do postu ras
con trárias à su a efetivação. Su rgem críticas à gestão do gen eral Geisel n a
presidên cia da Petrobrás (du ran te o govern o Médici). Na an álise feita dos
con tratos de risco, u m en trevistado (Eu zébio Roch a) posicion a-se n o sen -
tido de con siderá-los com o “o m aior erro h istórico dos ú ltim os tem pos” e
ch ega-se a detectar o fato de qu e as em presas estran geiras n ão dem on s-
traram tan to en tu siasm o, com o era de se esperar, n a com pra das in form a-
ções geológicas sobre as áreas de risco.
Do m esm o m odo com o ocorre n as críticas ao m odelo de desen vol-
vim en to econ ôm ico adotado pelo país, a qu estão do Petróleo/ Petrobrás
con tém su bjacen te a tem ática da in tern acion alização da econ om ia brasi-
leira versus u m a postu ra qu e se pode defin ir com o de defesa do n acion a-
lism o. Tal tem a é tam bém , n a ótica govern am en tal, u m a qu estão de se-
gu ran ça n acion al, n a m edida em qu e a abertu ra ao capital estran geiro
era, com clareza, u m dos objetivos defin idos pelo m ovim en to de 1964.

QUESTÕES SOCIAIS

Esta u n idade tem ática apresen ta o ín dice percen tu al m ais elevado


den tre as u n idades trabalh adas em M, bastan te próxim a da porcen tagem
exibida pela tem ática “Qu estões Políticas”. Em com paração aos dados
percen tu ais observados em OESP, a m édia obtida em M foi sen sivelm en -
te m ais elevada. Há relativam en te m aior diversidade n os su btem as apre-
sen tados e observa-se u m destaqu e especial ao qu e trata das Condições de
vida e trabalho da população qu e n ão se en con trava presen te n o m aterial
an alisado de OESP. Este su btem a m ostra u m pu n gen te pain el em qu e fi-
cam claram en te expostas as con dições de m iserabilidade a qu e foi su b-
m etida a m aior parte da popu lação brasileira. De m an eira geral, obser-
va-se qu e o tom em todos os su btem as con stan tes desta u n idade tem áti-
ca é o da descrição das sofridas con dições de n osso povo. Isto decorre do
fato de qu e u m dos objetivos a qu e se propôs o sem an ário foi o da lu ta
pela m elh oria do modus vivendi da popu lação. Daí a ên fase n atu ral, n es-
ta tem ática, qu e as reportagen s depositavam n as qu estões sociais e a
con trapartida da cen su ra vetan do a divu lgação destas feridas expostas
em u m regim e qu e se preten dia prom otor de u m desen volvim en to eco-
n ôm ico aliado à m aior ju stiça social.

144
Movim en to pôde noticiar a renúncia do Ministro da Indústria e Comércio do Governo
Geisel, Severo Gomes, somente através das palavras de outros jornais: Folha de S. Paulo, O
Estado de S. Paulo e Jornal de Brasil. Seu texto, entretanto, foi vetado ao público leitor.

CONDIÇÕES DE VIDA E TRABALHO DA POPULAÇÃO

Neste su btem a, são abordados os vetos a reportagen s qu e traba-


lh am basicam en te sobre as dificu ldades de sobrevivên cia de trabalh ado-
res do cam po ou da cidade fren te a con dições extrem am en te desfavorá-
veis im postas pelo processo de con cen tração de ren da, cada vez m ais
acelerado, delin ean do u m som brio qu adro de in ju stiça social.
Optou -se por distribu ir estas m atérias em três blocos, apen as para
facilitar su a com preen são, já qu e essas divisões n ão correspon dem a com -
partim en tos estan qu es, m as a u m a diversidade de assu n tos en trelaçados.

145
Prim eiram en te, o qu e se con ven cion ou ch am ar de bloco das con -
dições de trabalh o trata basicam en te de:

• Descrição da situ ação dos bóias-frias e a lu ta pela exten são dos direitos
dos trabalh adores u rban os aos ru rais.
• Den ú n cia da falta de proteção aos trabalh adores de cou ro da fábrica Kel-
son ’s.
• Narração gen érica das con dições de vida dos trabalh adores abordan do os
baixos salários, as lu tas con tra os proprietários, as violên cias exercidas con -
tra eles, a existên cia de regim es de sem i-escravidão, a batalh a diária con -
tra o en lou qu ecim en to provocado pelo sistem a de trabalh o a qu e são su b-
m etidos.
• Su bem prego dos m igran tes n ordestin os n as gran des cidades.
• Situ ação dos plan tadores de fu m o n o Rio Gran de do Su l e as relações de
exploração estabelecidas pelas em presas produ toras de cigarros.
• Den ú n cia da m orte de operários n a Coca-Cola.
• Diversas m atérias tratan do da qu estão dos aciden tes de trabalh o en tre
várias categorias, com o os operários da con stru ção civil e os ferroviários
(apresen tação dos dados de 1974 sobre os altos ín dices de aciden tes de tra-
balh o em in dú strias correspon den do a 14% dos trabalh adores).
• Descrição das con dições de trabalh o dos professores em diversas regiões
do país.
• Con dições específicas de exploração do trabalh o en tre os carregadores do
Mercado Mu n icipal (São Pau lo), de m en in os (8 a 10 an os) britadores de pe-
dras, de jorn alistas de O Globo, e de cobradores e m otoristas de Lon drin a.
• Críticas à Legislação plen ipoten ciária para o patron ado, especialm en te,
n o qu e se refere ao Fu n do de Garan tia por Tem po de Serviço.
• Críticas à farsa da in stitu ição do operário-padrão e à falta absolu ta de la-
zer en tre os trabalh adores qu e vivem corren do atrás da n ecessidade de
realização de h oras-extras para com pletar o orçam en to fam iliar .

Em segu ida, n a abordagem das ch am adas con dições de vida da po-


pu lação estão presen tes su as dificu ldades em relação à falta de in fra-es-
tru tu ra e san eam en to básico, elem en tos geradores de problem as de saú -
de e de altos ín dices de m ortalidade in fan til. Além disso, a au sên cia de
tran sportes coletivos adequ ados, com o fator com plican te das já pen osas
con dições de trabalh o e a decorrên cia desse con ju n to desfavorável n a de-
terioração das relações fam iliares com os tradicion ais problem as de vio-
lên cia e alcoolism o. No qu e tan ge, especificam en te, às con dições de m o-
radia, lon gas reportagen s descrevem a situ ação de desalojam en to das fa-
m ílias de baixa ren da, desde as con dições de despejo por irregu laridades
n a ocu pação de terren os até a tran sferên cia de elevado n ú m ero de pes-
soas para con stru ção de arqu iban cadas para o carn aval do Rio de Jan ei-
ro. Ain da n o qu e se refere à problem ática da h abitação, várias m atérias
dedicam -se a descrever a con dição de vida dos favelados n os gran des cen -
tros, n otadam en te em São Pau lo e Rio de Jan eiro. Corroboran do este
qu adro n egativo da au sên cia de con dições m ín im as de vida para a popu -
lação m en os favorecida, algu m as m atérias tratam das calam idades – en -

146
ch en tes e o fen ôm en o das secas – qu e atin gem e destroem o pou co qu e
as pessoas têm com o con dição de sobrevivên cia.
Por ú ltim o, para coroar este perfil traçado da vida das cam adas po-
pu lares n o Brasil, diversas m atérias apon tam especificam en te para a pro-
blem ática das disparidades e da in ju stiça social, dem on stran do com o as
au toridades costu m am agir em visitas oficiais, osten tan do riqu eza, em
clara descon sideração pela m iséria das pessoas. Nessas m atérias destacam -
se a fala dos trabalh adores revelan do a distân cia en tre seu padrão de vida
e o das categorias m ais abastadas, e os com en tários de pesqu isadores e
cien tistas sociais sobre as reais dim en sões da pobreza n o Brasil. Com o
exem plos, destas qu estões, colocam -se dois artigos qu e, em regiões dife-
ren tes do país (Araru am a/ RJ e San tos/ SP), com en tam as m edidas tom a-
das pelos respectivos prefeitos para deter a u tilização das praias pelos ch a-
m ados “farofeiros”, ou seja, por m oradores de regiões distan tes do m ar
qu e, com o ú n ica con dição de lazer n os fin ais de sem an a, têm o h ábito de
se dirigir às praias m ais próxim as à cu sta de m u itos sacrifícios devido à
distân cia e à dificu ldade de tran sportes. Com o n ão possu em con dições fi-
n an ceiras de arcar com refeições n o próprio local, trazem de su as casas a
com ida para con su m ir n o dom in go en solarado, sen do por isso alcu n h a-
dos de “farofeiros”. Provocam o descon ten tam en to da popu lação local
qu e os acu sa de polu idores das praias. Na realidade, o ch oqu e ocorre pela
divergên cia dos h ábitos e costu m es de popu lações diferen ciadas. Daí a
reação dos prefeitos, preocu pados em m an ter a “beleza” de su as praias.
Em bora se observe qu e a an álise da in ju stiça social n a ótica de M,
raram en te, u ltrapassa a dim en são da exploração econ ôm ica, deixan do de
lado ou tras form as de dom in ação, a gran de n ovidade de seu en foqu e,
com parativam en te às m atérias de u m órgão da gran de im pren sa com o
OESP, reside n o fato de qu e su as reportagen s trazem à ton a com o su jei-
tos os an ôn im os perdidos n a m u ltidão , com o, por exem plo, Hiroito, “Rei
da Boca do Lixo”, e Mariazin h a “Tiro a Esm o” da favela da Rocin h a n o
Rio de Jan eiro. São eles as person agen s de destaqu e desta h istória con s-
tru ída n o seu cotidian o sofrido, su jo, m al ch eiroso e pobre qu e su a fala
tem o m érito de expor. Apesar do fato de con statar qu e M silen cia deter-
m in adas vozes (com o, por exem plo, os h om ossexu ais), represen tou u m a
ten tativa de em ergên cia de m u itas falas caladas, en tre ou tros elem en tos,
pela própria con cepção qu e a gran de im pren sa im põe ao pú blico. Esse
discu rso, profu n dam en te in côm odo e su bversivo aos padrões de eu gen ia
do regim e, m ais u m a vez foi silen ciado pela tesou ra do cen sor.

CRÍTICAS À POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA

As matérias vetadas destacadas neste subtema tratam basicamente


do descaso do Estado em relação às condições precárias de saúde a que se

147
vê submetida a maioria da população brasileira. Essa desconsideração co-
meça na falta de infra-estrutura e rede de saneamento básico, cuja ausên-
cia é responsável por um sem número de doenças e mortes e termina na
concepção e execução da política previdenciária e no descalabro em que se
converteu a Previdência Social. Ao lado destas questões, M denunciou as
mais sutis formas de privatização da medicina, dificultando ainda mais o
acesso público ao serviço médico. Alguns artigos destacam especificamente
determinadas doenças em estado de proliferação pela desatenção dos ór-
gãos públicos:

• Doen ça de ch agas, cu jo m étodo de preven ção pela aplicação de BHC n as


paredes das m oradias é pern icioso à saú de, pois o produ to é u m in seticida
de com pon en tes can cerígen os.
• Tu bercu lose qu e, segu n do o cálcu lo do sem an ário, tem u m ín dice de in -
cidên cia qu e u ltrapassa as estatísticas oficiais.
• Desidratação e a im precisão de seu s dados relativos aos óbitos con se-
qü en tes dessa doen ça.
• Esqu istossom ose, cu jo m aior foco do país en con tra-se con cen trado n a fa-
vela da Vila Socó (Cu batão/ SP).
• Men in gite qu e afeta particu larm en te a popu lação operária de São Pau lo
e qu e por diversos fatores (alim en tação deficien te/ baixos salários, can sa-
ço/ h oras-extras, aglom eração/ fábricas) n ão tem con dições de evitá-la.

Ain da n o qu e diz respeito à política con du zida pela Previdên cia


Social, diversos artigos criticam a con dição de saú de den tal da popu lação
brasileira, apon tan do para o fato de qu e oficialm en te os problem as den -
tários são solu cion ados com o apelo à extração su m ária de den tes.
Relacion an do a problem ática da saú de pú blica com a qu estão da
in tern acion alização da econ om ia brasileira, dois aspectos m ereceram
aten ção especial: a n ão-regu lam en tação da com ercialização de san gu e e
rem édios n o país. Um artigo critica as m u ltin acion ais qu e u tilizam form as
de exploração n o qu e se refere ao san gu e: extraem -n o das pessoas para
depois reven der o plasm a. Além disso, com o n ão são realizados testes, o
san gu e con tam in ado é com ercializado livrem en te. O artigo discu te u m
projeto de lei para disciplin ar a com ercialização de san gu e n o Brasil. Du as
ou tras m atérias debatem a qu estão de projeto de lei para regu lam en tar a
com ercialização de rem édios n o país, argu m en tan do qu e a con cepção do
referido projeto facilita a en trada das m u ltin acion ais e a con cen tração de
ren da n o setor. Situ am tam bém a CPI do con su m idor e con clu em qu e
m u itos m edicam en tos com ercializados livrem en te (com o, por exem plo, a
Novalgin a) são preju diciais à saú de.
Este su btem a apon ta para a problem ática do plan ejam en to fam i-
liar, exibin do a u m só tem po a posição de colaboradores do sem an ário
qu e criticam a in ten ção govern am en tal de dem ocratização som en te da pí-
lu la an ticon cepcion al e n ão do leite ou do feijão, e a postu ra da Igreja

148
Católica m an ifestan do-se con trariam en te ao Estado n a qu estão, n a m edi-
da em qu e n ão aceita qu aisqu er m étodos con traceptivos, seja a pílu la, o
dispositivo in tra-u terin o (DIU) ou as lavagen s.
As m otivações qu e m ovem o braço da cen su ra n o veto às qu estões
tratadas n este su btem a aqu i são as m esm as qu e explicam os cortes às Crí-
ticas à Política Econômica e às Condições de vida e trabalho da população, ou
seja, a exposição n u a e cru a das opções govern am en tais pelas elites m ais
favorecidas, n o plan o n acion al e in tern acion al. A con trapartida é o des-
caso dos órgãos pú blicos n o qu e se refere à falta de acesso da m aioria da
popu lação aos serviços m édicos, à proliferação de doen ças, à crescen te
privatização da m edicin a, e ao dom ín io de setores (m edicam en tos, co-
m ercialização do san gu e) por con glom erados m u ltin acion ais.

GRUPOS DIFERENCIADOS38

Este su btem a apresen ta u m in teresse pecu liar, n a m edida em qu e


explicita a diversidade das aten ções do sem an ário n o trato dado à qu es-
tão social. Sob a alcu n h a de “Gru pos Diferen ciados”, classificam -se aqu i
as m atérias cen su radas tratan do de tem as específicos com o, por exem plo,
o da m u lh er n o trabalh o, do n egro e da discrim in ação racial de qu e é ví-
tim a n a sociedade brasileira, e da situ ação de aban don o qu e atin ge m e-
n ores e velh os en carados, oficialm en te, com o cidadãos de segu n da classe.
O pan o de fu n do dos diversos artigos é sem pre o da m argin alização social
qu e, em m eio à qu estão da m á distribu ição de ren da, cin de a sociedade
em privilegiados e desfavorecidos sob o pon to de vista da exploração eco-
n ôm ica e destaca a m u ltiplicidade das form as de dom in ação para além de
con siderações m eram en te econ om icistas. Negros, m u lh eres, velh os e
crian ças são con siderados cidadãos de segu n da categoria de acordo com a
padron ização social qu e valoriza o h om em adu lto ativo e bran co, in de-
pen den tem en te e apesar da con dição fin an ceira qu e osten tem .
É n ecessário ressalvar qu e os gru pos qu e se destacam n a an álise
crítica de M, n ão são exatam en te m in orias. Nessas m atérias n ão h á m en -
ção a elas, o qu e dem on stra os lim ites da con cepção de in ju stiça social
do periódico e perdem -se os m ú ltiplos e diversificados aspectos de abran -
gên cia da dom in ação.
En tretan to, tam bém é sign ificativo apon tar qu e os “cidadãos de se-
gu n da classe” n ão ocu pam espaço n as m atérias cen su radas de OESP, o
qu e vem ressaltar a diferen ça de com preen são do papel e da dim en são da
im pren sa n os dois jorn ais qu e represen tam u m a gran de im pren sa, e ou -
tro, u m m om en to rico e sign ificativo da im pren sa altern ativa n o país.O
Estado au toritário brasileiro pós-64 n a m esm a m edida em qu e deseja u m
corpo social h arm ôn ico, escam otean do as diferen ciações en tre as cam a-

149
das da sociedade e, particu larm en te, os con flitos derivados de postu ras
an tagôn icas, alm eja tam bém e, por isso, precisa ocu ltar as divergên cias
en tre as classes sociais, h om ogen eizan do a diversidade e escon den do a
dom in ação. Nestes term os, é relativam en te fácil com preen der a atu ação
cen sória im pedin do a divu lgação da existên cia dessas fratu ras expostas n o
corpo social.
Registram -se em m aior n ú m ero m atérias cen su radas abordan do
problem áticas relacion adas com a con dição fem in in a. A m aior parte des-
sas reportagen s é oriu n da do n ú m ero 45 de M, apreen dido e dedicado ex-
clu sivam en te à tem ática cen tral da “Mu lh er n o Trabalh o” e qu e n ão pôde
ser pu blicado. O elem en to n orteador das discu ssões é a con dição de dis-
crim in ação a qu e ela, a m u lh er, é su bm etida n o trabalh o, n o aviltam en -
to salarial, n a acu m u lação de u m a du pla jorn ada e n a su a relação com os
h om en s. Destacam -se algu n s artigos:

• An álise do papel da m u lh er n a legislação, con clu in do qu e n a ótica do li-


beralism o, ela é colocada com o exclu ída, ju n tam en te com os n egros e
n ão-proprietários.
• Artigo propõe a lu ta pelas liberdades dem ocráticas e a defesa dos direi-
tos da m u lh er, com o qu estões qu e devem ser tratadas separadam en te.
• Ên fase n a qu estão da du pla jorn ada, an alisan do o acú m u lo de fu n ções
para a m u lh er qu e trabalh a fora e den tro de casa. Desvalorização social do
trabalh o dom éstico.
• Apresen tação da an álise estatística da participação econ ôm ica fem in in a
em todas as regiões do globo, con clu in do qu e as taxas m ais baixas con cen -
tram -se n a Am érica Latin a.
• Reportagem n arran do as con dições de preparação do n ú m ero 45 do se-
m an ário. In icialm en te, estava prevista a realização de u m gran de artigo
an alisan do as con dições das 33 m ilh ões de m u lh eres trabalh adoras do Bra-
sil (dados do an o de 1976). Posteriorm en te, a equ ipe se em polgou e aca-
bou receben do in ú m eras colaborações, até m esm o espon tân eas. O resu lta-
do foi a participação de 60 pessoas, den tre as qu ais 33 m u lh eres qu e ela-
boraram 440 lau das su ficien tes para escrever u m livro sobre a tem ática da
“Mu lh er n o Trabalh o”.
• Artigo do jorn al fran cês Le Monde qu e seria pu blicado em n ovem bro de
1977, tratan do da violên cia sexu al con tra a m u lh er. Refere-se ao estu pro
e posicion an do su a discrim in ação legal, en qu an to crim e ao lado das con -
dições de con stran gim en to social a qu e é su bm etida a vítim a.
• Estu dos sobre as con dições de trabalh o da m u lh er com filh os, levan tan -
do o problem a da au sên cia de crech es. Faz referên cias à associação de la-
vadeiras de Ju azeiro/ BA e o avan ço qu e a organ ização represen ta. Narra
u m dia n a vida de u m a h orista trabalh an do n a Volkswagen de São Bern ar-
do do Cam po: revelan do as con dições de repressão in tern a n a fábrica, a
repetição e au sên cia de sen tido n a lin h a de m on tagem , e a in terpen etra-
ção do m u n do do trabalh o ao lado im possibilidade de lazer.
• A respeito das esperan ças e das con dições de vida e de trabalh o das pros-
titu tas. A violên cia e a exploração m ascu lin a , a m argin alização social e o
son h o de ascen são social.

150
A tem ática do racism o, n a sociedade brasileira, en con tra-se presen -
te em reportagem qu e traça u m a com paração en tre a n ossa situ ação e a
n orte-am erican a fren te aos n egros, apon tan do n o Brasil a qu estão da
bu sca de u m a u n idade n acion al com o elem en to dissem in ador do m edo
da explicitação do ódio en tre as raças. O tem a da discrim in ação aparece
em artigo m ostran do o episódio de u m garoto qu e, barrado por ser n egro
n o Hotel Méridien (Rio de Jan eiro), ao se dizer filh o do jogador Pelé, pas-
sou oito h oras con viven do com todas as m ordom ias até qu e, descoberta,
a m en tira foi n otificada à polícia. Ou tro artigo n arra a segregação a qu e
foi su bm etido u m estu dan te de m edicin a n egro n o San atório Psiqu iátrico
em Botafogo (Rio de Jan eiro). A qu estão da resistên cia tam bém é con -
tem plada em reportagem qu e an alisa as favelas com o n ovos qu ilom bos
con tra a exploração do n egro pelo bran co.
O aban don o de m en ores e velh os é an alisado em u m artigo descre-
ven do o recolh im en to de m en digos em Belo Horizon te e o en cam in h a-
m en to a asilos das pessoas de m ais de 60 sessen ta an os e, ao ju izado, dos
m en ores de idade. Toda a com plexidade da problem ática do m en or aban -
don ado tran sparece em pu n gen te reportagem in titu lada “0 Diário de Do-
rin h a”. Este diário é u m folh eto distribu ído às m en in as recolh idas n a
Fu n dação para o Bem -Estar do Men or (FEBEM) em qu e se estim u la su a
preparação fu tu ra para atu arem com o em pregadas dom ésticas, su bm issas
às orden s da patroa e en caran do os baixos salários recebidos com o perfei-
tam en te adequ ados aos padrões de seu com portam en to n o trabalh o. A
person agem fictícia Dorin h a, m u lh er e oriu n da de u m reform atório fem i-
n in o, com o todas m en in as da FEBEM, deve se con ten tar em se preparar
para ocu par o posto de “cidadã de segu n da categoria”.

QUESTÕES EDUCACIONAIS E CULTURAIS

As Questões Educacionais e Culturais em M possu em u m ín dice per-


cen tu al bastan te elevado se com paradas com os dados apresen tados por
OESP. Além disso, a variedade dem on strada e a riqu eza in tern a de cada
u m dos su btem as revelam , de u m lado, a am plitu de das preocu pações do
sem an ário e, de ou tro, os m ú ltiplos parâm etros para a an álise da cen su -
ra prévia à im pren sa de acordo com as variáveis de tem po e de diferen -
tes órgãos de divu lgação. Isto pode ser claram en te sen tido pelos aspectos
cu ltu rais em qu e a m ú sica, o teatro, o cin em a e a televisão aparecem
com destaqu e, in depen den tem en te de tratarem da problem ática da cen -
su ra qu e sofriam n aqu ele m om en to. Portan to, den tro das preocu pações
do sem an ário localizavam -se, com variedade e con stân cia, as tem áticas
ligadas à cu ltu ra, in depen den tem en te, de terem sido alvo da repressão
cen sória do regim e.

151
No qu e se refere às qu estões m ais especificam en te edu cacion ais, o
su btem a do “Movim en to Estu dan til” qu e ocu pa a m aioria avassaladora
das m atérias vetadas n essa u n idade tem ática em OESP, em M, divide su a
força, em term os qu an titativos, com ou tro su btem a n ão relacion ado em
OESP, a saber, o das “Críticas à Política Edu cacion al”. Nos artigos de M,
n o prim eiro destes dois su btem as acim a citados, n ota-se u m a reestru tu -
ração do m ovim en to estu dan til com as gran des m obilizações ocorridas,
prin cipalm en te, em 1977. E, n o segu n do, en fatiza-se a problem ática da
dificu ldade de acesso da m aioria da popu lação aos diversos grau s de es-
colaridade e, n este sen tido, a crítica ao sistem a de vestibu lares é bastan -
te acen tu ada.
De m an eira geral, os assu n tos m ais recorren tes n esta u n idade te-
m ática são: a discu ssão em torn o de u m a arte e cu ltu ra cu ja produ ção e
acesso atin jam a m aioria da popu lação, e a reorgan ização da sociedade ci-
vil n a lu ta por u m en sin o de qu alidade e acessível a todos. Aqu i, n ova-
m en te, está em ch equ e a discu ssão (n o caso da edu cação e cu ltu ra) do Es-
tado au toritário brasileiro pós-64, com o u m regim e de exclu são qu e se-
para do corpo social u m a m in oria de privilegiados, colocan do de fora a
m aior parte da popu lação.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

A m obilização estu dan til aparece, n as m atérias vetadas, particu lar-


m en te vin cu lada à lu ta dos alu n os pela m elh oria global das con dições vi-
ven ciadas n as escolas. Isto tran sparece em artigos qu e discorrem acerca de:

• Greve estu dan til con tra o au m en to das an u idades.


• Reu n ião de alu n os (DCE/ USP) para a elaboração de u m estatu to n a lu ta
por u m a m aior dem ocracia in tern a en tre os estu dan tes.
• Ato pú blico n a Pon tifícia Un iversidade Católica de São Pau lo, em m aio
de 1977, reu n in do estu dan tes da PUC/ SP e da USP con tra a prisão de ope-
rários, a situ ação das prisões políticas e pela lu ta da an istia – reu n ião de
m ais de 5000 pessoas.
• Mobilização estu dan til para a realização do III En con tro Nacion al de En -
tidades Estu dan tis, em ju lh o de 1977, im pedido pelo com an dan te do II
Exército, Dilerm an do Gom es Mon teiro, pelo govern ador de São Pau lo,
Pau lo Egydio Martin s e pelo secretário de Segu ran ça Pú blica do Estado,
An tôn io Erasm o Dias.
• Greve dos alu n os de Com u n icação Social da Un iversidade Estadu al de
Lon drin a con tra a dem issão de u m professor.
• Con gresso da PUC/ RJ organ izado pelo DCE com apoio da reitoria, em
m aio de 1978. (Du ran te u m a sem an a con segu iram reu n ir 6000 pessoas
para discu tir as qu estões n acion ais)
• Man ifestação con trária dos estu dan tes da UFRS ao DEE/ RS qu e con de-
n a todos os m ovim en tos estu dan tis e qu e é su sten tado por em presários e
pelo govern o.

152
• Lu ta de estu dan tes (UFPB e UFPE) con tra a situ ação do tran sporte su b-
sidiado para os alu n os: desejam carteira de estu dan tes e qu erem acabar
com o lim ite de passes con cedidos por m ês.
• Mobilização dos alu n os da Un B e da UFRS con tra as con dições de ali-
m en tação n os restau ran tes u n iversitários.
• Críticas dos estu dan tes aos cu rsos qu e freqü en tam : alu n os da Facu ldade
Medicin a da UFBA, da Un iversidade Católica de Min as Gerais e do In sti-
tu to de Teologia da PUC/ RS.
• Greve de alu n os da UFBA con tra o ju bilam en to e am eaças de aplicação
do decreto-lei n .º 477.

Além dessas qu estões en volven do a organ ização do m ovim en to es-


tu dan til em todo o país, o veto dos cen sores atin giu igu alm en te as alu sões
à repressão presen te ou passada relacion ada com a problem ática edu ca-
cion al:

• Men ções ao fech am en to do CRUSP, em 1968, e à ilegalidade da UNE,


alu din do ao fato de ter sido torn ada ilegal pelo m ovim en to de 1964.
• Proibição da circulação do jornal dos estudantes da Faculdade de Comuni-
cação de Santos por conter matéria sobre o bispo D. Davi Picão dos Santos.
• Afastam en to de alu n o da Escola Politécn ica da USP du ran te 10 m eses
por discu ssão com professor.
• Am eaças e in vasão das u n iversidades pelos m ovim en tos an ticom u n istas
(CCC n a Arqu itetu ra do Macken zie, Fren te An ticom u n ista n a UFRJ).
• Expu lsão de alu n os do colégio Pio XII de Porto Alegre por su a participa-
ção em ch apa altern ativa às eleições estu dan tis.
• Dia n acion al de protesto estu dan til, em m arço de 1978. Man ifestação de
estu dan tes relem bran do as m ortes do secu n darista Edson Lu iz Sou to n o
Rio de Jan eiro, em 1968, e a do u n iversitário Alexan dre Van n u ch i Lem e
em São Pau lo, em 1973.
• Form as de repressão à m obilização estu dan til: in vasão do cam pu s da
PUC/ SP, em 1977, com requ in te de extrem a violên cia e com vítim as estu -
dan tis (o relatório da CPI qu e apu rou a respon sabilidade n a ocorrên cia dos
fatos, em ou tu bro do m esm o an o, acu sou o secretário da Segu ran ça Pú bli-
ca de São Pau lo por abu so de poder e crim e de respon sabilidade); can ce-
lam en to de debates da sem an a cu ltu ral program ada pelos estu dan tes da
UFPR (ago. 1977); proibição do debate sobre Assem bléia Nacion al Con sti-
tu in te plan ejado pela Un iversidade Federal Flu m in en se – e fech am en to
do DCE (n ov. 1977); can celam en to do sh ow do can tor e com positor Lu iz
Gon zaga Jú n ior con tratado pelo DCE/ UFMG; presen ça de equ ipam en to de
rádio-escu ta n o DCE/ Un B.
• Carta dos estu dan tes de Medicin a do Brasil, m an ifestan do-se con tra a
u tilização da Medicin a com o prática de tortu ra e especificam en te con tra a
ou torga da “Medalh a do Pacificador” ao legista Harry Sh ibata (ago. 1977).

153
Movim en to censurado publica, em fundo negro, a portaria do Reitor da UnB com
punições aos alunos da Universidade de Brasília.

CRÍTICAS À POLÍTICA EDUCACIONAL

En con tram -se três gran des tem áticas n as m atérias cen su radas den -
tro deste su btem a. Há as qu e criticam o sistem a de en sin o e a política edu -
cacion al de u m a form a m ais gen érica, ou tras qu estion am a dim in u ição de
verbas para a Edu cação e su as con seqü ên cias, e ain da as qu e apon tam
para a dificu ldade do acesso da m aioria da popu lação ao en sin o.
Na qu estão geral do sistem a de en sin o, aparece criticado o u fan is-
m o das au toridades referen te à situ ação da edu cação. Tam bém , profes-
sores da área de Ciên cias Hu m an as repu diam a im plan tação dos cu rsos
de Estu dos Sociais qu e represen tam u m a redu ção do seu m ercado de tra-
balh o. São igu alm en te alvos de adm oestações o projeto Min erva (critica-
se a idéia de apren dizado por m eio de rádio ou televisão) e os exam es de

154
Madu reza (repu dia-se o tipo de in form ações qu e se exigem dos can dida-
tos e a realização dos exam es aos sábados e dom in gos, bem adaptada à
m oral capitalista de qu e n ão se deve preju dicar o trabalh o). A repressão
a docen tes en con tra-se presen te n a form a de den ú n cia: cin co professo-
res da Associação Flu m in en se da Edu cação foram delatados ao SNI por
fazerem crítica à in stitu ição en qu an to ou tros três foram dem itidos da
Fu n dação Arm an do Álvares Pen teado de São Pau lo por terem sido pre-
sos sob a acu sação de ligações com o PCB (são eles os jorn alistas Marco
An tôn io Roch a, Rodolfo Kon der e Jorge Du qu e Estrada qu e, in clu sive,
foram testem u n h as das tortu ras n o caso Herzog). As con dições de traba-
lh o e en sin o n o Hospital das Clín icas de São Pau lo são con den adas bem
com o a am pliação da residên cia m édica n as escolas de Medicin a, vista
com o form a de u tilização de m ão-de-obra barata do m édico residen te.
Por ú ltim o, n ão foram exclu ídas con siderações relativas aos objetivos do
sistem a edu cacion al. Um artigo critica a ideologia su bjacen te n os livros
didáticos qu e reforçavam o m ito do ch am ado “jeitin h o” brasileiro. Um a
carta con den a o sistem a edu cacion al do país, taxan do-o de rígido, in di-
vidu alista, e voltado exclu sivam en te para a tran sm issão e form ação de
in divídu os adaptados e su bm issos.
Darci Ribeiro, em artigo de n ovem bro de 1977, critica a dim in u i-
ção dos in vestim en tos n o setor edu cacion al. Tam bém a qu estão da cres-
cen te defasagem salarial do professor aparece apon tada n o III Sim pósio
Nacion al de Física e n a con statação da n ecessidade de au m en to da carga
h orária de trabalh o para os professores, ten do em vista os baixos salários
percebidos o qu e é observado por edu cadores m in eiros qu e fazem , in clu -
sive, u m a relação en tre a desvalorização salarial e a fem in ização da pro-
fissão. Fin alizan do, esta problem ática, aparece con den ada a con cen tração
e m á distribu ição (aplicação, prin cipalm en te, n a con stru ção de prédios)
de verbas para o en sin o su perior.
Diversas reportagen s dedicam -se à tem ática do vestibu lar, critican -
do a disparidade en tre o n ú m ero de vagas e can didatos, a criação de cli-
m a de ten são en tre os participan tes estim u lado pelos cu rsin h os prepara-
tórios, e o sistem a dos exam es vistos com o elitistas e, ao m esm o tem po,
den u n ciadores do n ível de en sin o (an álise das redações dos can didatos)
além de, em algu n s casos, se prestarem a realizar u m a triagem ideológica
(por exem plo, da prova técn ica do vestibu lar de Arqu itetu ra da UFPR qu e
pedia o desen h o de u m a cadeira com o slogan “este é u m país qu e vai pra
fren te”). A problem ática da dificu ldade de acesso da popu lação à edu ca-
ção en con tra-se tam bém docu m en tada em artigos qu e registram críticas
à im possibilidade de a m aioria da popu lação pagar m en salidades em es-
colas privadas (aliado à pequ en a qu an tidade de vagas n os cu rsos su perio-
res das escolas pú blicas), den ú n cias do fato de qu e apen as 2% da popu -
lação é atin gida pela edu cação pré-escolar (II Con gresso Brasileiro de

155
Edu cação Pré-escolar, em ju lh o de 1976), e adm oestações con tra a m ar-
gin alização da popu lação qu an to ao acesso à leitu ra, alu din do ao preço
elevado dos livros in fan tis.

Em Movim en to as críticas à política educacional do governo são muito fortes. Em setem-


bro de 1977, o jornal mostra ao leitor a censura da temática.

156
CRÍTICAS À IMPRENSA39

Este su btem a possu i im portân cia capital n a m edida em qu e é espe-


cífico de M. Além disso, revela a con cepção de im pren sa do sem an ário n a
colocação da respon sabilidade da im pren sa bem distan te da postu ra libe-
ral de difu são de u m a alm ejada objetividade n a cobertu ra dos fatos. Nesse
m om en to, a im pren sa sai de cen a com o “palm atória do m u n do” e ocu pa
o in côm odo ban co dos réu s. É im portan te situ ar qu e, n esta pesqu isa, ao se
trabalh ar com a cen su ra em OESP, observou -se qu e a im pren sa som en te
figu ra com o vítim a da repressão de u m regim e au toritário.
É fundamental refletir sobre a posição da censura neste particular.
Vetou desde a Declaração dos Direitos e Deveres da Imprensa Livre feita
pela resistência francesa, em 1943, em trecho no qual a imprensa é reafir-
mada não como instrumento de obtenção de lucros, mas como elemento
que deveria servir ao progresso humano, até críticas ao fechamento de um
vespertino chamado Hoje, editado em Porto Alegre (ligado a uma emissora
de televisão e a outro jornal) sob a alegação de estar provocando prejuízos.
M contesta, afirmando que o motivo real foi a agressividade do periódico,
pois, se existissem prejuízos seriam forçosamente cobertos pelos outros
meios de comunicação pertencentes à empresa.
Os vetos neste subtema ultrapassam a mera análise do viés da censu-
ra a qualquer explicitação da repressão política. Nos dois exemplos destaca-
dos acima, o corte é a expressão da existência de uma censura empresarial.
Nos vetos do censor, identifica-se, portanto, a defesa dos interesses dos gran-
des grupos econômicos, no caso, pertencentes ao setor das comunicações.
Mais uma vez aqui, localiza-se claramente o aspecto multifacetado da cen-
sura prévia à imprensa escrita e a impossibilidade de exame da questão por
um único plano sob pena de cometimento de reducionismos analíticos.
Além dos exemplos já situados, outros há que merecem destaque:

• M faz duas críticas ao semanário paulista O Expresso (fev. -mar.


1976). Em uma delas, o questionamento atinge um artigo escrito
pelo semanário em que se relaciona a Revolução Francesa com uma
problemática de crendice popular. O autor do texto pergunta que pe-
cado cometeram os leitores para serem obrigados a ler um artigo da-
quela natureza. Em outra, afirma-se que um dos diretores desse jor-
nal é presidente da Liga Anticomunista do Brasil, possuindo ligações
com o II Exército, o que justifica suas posições em defesa do DOI e
sua interpretação da questão africana como de segurança nacional,
alegando a proximidade de Angola em relação ao litoral brasileiro.
• Notícia da criação de u m a revista ch am ada Vai! (abr. 1976) por
u m a cooperativa de desen h istas m in eiros represen tan do u m a aber-
tu ra para os artistas n o sen tido de ficarem lon ge de pressões patro-
n ais (abr. 1976).

157
• Críticas ao Correio Braziliense e ao jorn alista Edson Lobão qu e em
su a colu n a afirm a qu e à revolu ção de 1964 só falta fazer propagan -
da de seu s feitos. M con den a, pelo con trário, exatam en te o exces-
so de propagan da do regim e e o com prom etim en to do jorn alista e
do jorn al com o govern o, exem plifican do qu e Edson Lobão é am i-
go de Arm an do Falcão (Min istro da Ju stiça), ten do sido recebido
por Geisel.
• Den ú n cia de u m a reportagem de OESP (m ar. 1978) de au toria do
jorn alista Flávio Galvão em qu e o caso PARA-SAR é n arrado sob a
ótica da defesa do brigadeiro João Pau lo Pen ido Bu rn ier. M con tes-
ta a m atéria com o detu rpadora dos fatos.
• Críticas às gran des agên cias tran sm issoras (France Press, Associated
Press, UPI e ou tras) e à depen dên cia da im pren sa latin o-am erican a
qu an to ao papel, m aqu in aria e in form ações via satélite da In tern a-
tion al Teleph on e an d Telegraph Corporation (ITT). M afirm a ser fa-
vorável à criação de u m pool latin o-am erican o n o sen tido de qu e,
pelo m en os, poderia fazer u m con trapon to às todo-poderosas em -
presas tran sm issoras. A posição do sem an ário expressa su a preocu -
pação com o fato de a im pren sa ser con siderada u m privilégio e
u m a propriedade dirigida por m in orias, em qu e, com os flu xos de
in form ação, coin cidem os eixos de poder econ ôm ico. A qu estão
gira em torn o de u m a m aior participação da sociedade n a geração,
ben efício e distribu ição da in form ação. Os artigos tam bém expõem
o fato de qu e a Sociedade In teram erican a de Im pren sa (SIP) assu -
m e u m a postu ra liberal, n ão aceitan do o con trole da in form ação
via satélite (o qu e de fato acon tece) e discu tin do a problem ática da
verdade, im parcialidade e objetividade n o jorn alism o. Com o con -
trapon to, M cita a form a com o as gran des agên cias vêm tratan do os
problem as ocorridos n o Cam bodja (1976), após a derru bada de
Lon Nol e da ch egada ao poder do Kh m er Rou ge: afirm am qu e o
exército de 60.000 h om en s é u m a h orda de bárbaros san gu in ários.
Deste m odo, existiria a isen ção n a in form ação?
• Narração do episódio ocorrido n a Folha da Manhã da em presa jor-
n alística Caldas Jú n ior de Porto Alegre. Esse periódico expu rgou
u m gru po de jorn alistas por h averem pu blicado n otícias sobre o fu -
zilam en to de u m h om em qu e h avia assassin ado u m m ajor da Bri-
gada Militar.
• Entrevista com o jornalista Mino Carta, logo após a sua saída da re-
vista Veja. Mino faz a críticas à editora Abril Cultural e relaciona o seu
desligamento da revista à problemática da censura imposta a ela 40.

158
QUESTÕES DE POLÍTICA INTERNACIONAL

É n ecessário assin alar, in icialm en te, qu e os dados percen tu ais desta


u n idade tem ática, se com parados aos da m esm a u n idade em OESP, apre-
sen tam u m a sen sível elevação relativam en te ao total do m aterial an alisa-
do. O qu e su rpreen de, en tretan to, é a gran de qu an tidade de su btem as qu e
aparecem em M. O sem an ário, portan to, dem on strou u m a am plitu de bas-
tan te expressiva n o tratam en to de qu estões in tern acion ais abarcan do te-
m áticas de todas as regiões do globo. A ên fase perten ce ao bloco dos paí-
ses do ch am ado Terceiro Mu n do, den tre os qu ais as n ações da Am érica
Latin a ocu pam posição de destaqu e, segu idas, de lon ge por países africa-
n os e asiáticos.
En qu an to em OESP, observou -se qu e a m aior preocu pação dos
cen sores residiu em vetar artigos referen tes aos problem as viven ciados
pelos ch ilen os, qu an do do golpe m ilitar qu e derru bou o presiden te Salva-
dor Allen de; já n as m atérias vetadas em M, a ên fase in cidiu sobre as rela-
ções (qu ase u m a on ipresen ça) dos EUA com os países do Terceiro Mu n -
do – destaqu e-se o in terven cion ism o em term os políticos e fin an ceiros –
e a lu ta in tern acion al em defesa dos direitos h u m an os em diversas regiões
do m u n do. Estas du as qu estões são extrem am en te capciosas n a ótica do
regim e m ilitar.
Observa-se que, de maneira geral, as preocupações da censura, ao ve-
tar tantos artigos sobre grande quantidade de países e que analisam proble-
máticas de regiões tão diversificadas, mostram o temor de que uma alusão
crítica pudesse servir de comparação com a realidade nacional, alvo igual-
mente de uma avaliação desairosa. Além disso, nota-se o cuidado em evitar
a divulgação de fatos relacionados, de algum modo, com países ou organiza-
ções comunistas, já que poderia suscitar idéias indesejáveis ao público leitor.

RELAÇÕES EUA X TERCEIRO MUNDO

A prin cipal tem ática den tro destas m atérias vetadas é o in terven -
cion ism o dos EUA n o qu e tan ge às n ações do Terceiro Mu n do. Essa situ a-
ção m an ifesta-se em variados artigos:

• An álise dos gru pos progressistas n orte-am erican os com o u m avan ço n o


sen tido de desm ascarar o im perialism o dos EUA (dez. 1975).
• Com paração en tre a polícia brasileira e o FBI.
• Opin iões de Hen ri Kissin ger a respeito da dívida extern a do Terceiro
Mu n do e com en tários sobre o au m en to do déficit do balan ço de pagam en -
tos e o m on tan te de em préstim os à Am érica Latin a (m etade do total para
o Brasil, México e Colôm bia) (dez. 1975).

159
• Posição do Brasil, Ch ile, Paragu ai e Uru gu ai, favoráveis à perm an ên cia
da Com issão Especial de Segu ran ça con tra a Su bversão Com u n ista n o He-
m isfério, criada em 1962 para fazer fren te à am eaça cu ban a (dez. 1975).
• Com en tários sobre o en volvim en to da CIA com os gru pos de libertação
de An gola, para ten tar assegu rar n o país u m govern o con iven te com os in -
vestim en tos estran geiros (fev. 1976). O Movim en to Popu lar de Libertação
de An gola (MPLA) é en carado com o a ú n ica organ ização capaz de u n ir os
an golan os em bu sca da in depen dên cia e de u m Estado dem ocrático.
• Com provação pelo con gresso n orte-am erican o da in terferên cia da CIA
n o golpe m ilitar ch ilen o (m aio 1976).
• Possibilidade aven tada de qu e o acordo n u clear Brasil/ Alem an h a pu des-
se criar dificu ldades n as relações en tre Brasil e EUA (m ar. 1977).
• In vestigação do Sen ado n orte-am erican o sobre m on opólios petrolíferos
acu san do as gran des com pan h ias (Exxon , Texaco, Sh ell etc.) de atu ação
con ju n ta com a Organ ização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),
n o sen tido de estocar o produ to para obter u m a elevação dos preços e di-
visão do m ercado.

DEFESA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

A lu ta pelo estabelecim en to das liberdades dem ocráticas, con tra a


tortu ra, pela devolu ção ao Estado de Direito em diversas regiões do m u n -
do, é a tem ática cen tral deste su btem a e aparece de m odo diversificado
em algu m as m atérias:

• Dois artigos (fev. 1976, fev. 1977) m ostram a lu ta da Associação dos Cris-
tãos pela Abolição da Tortu ra (ACAT), den u n cian do o crescim en to em
todo o m u n do das violações aos direitos h u m an os, em especial n o Ch ile,
n a Jam aica e n o Uru gu ai. En vio de carta ao Papa Pau lo VI com assin atu ra
de 36.000 fran ceses católicos pedin do a con den ação dos países qu e prati-
cam a tortu ra.
• Com en tários às prom essas de vários govern os m ilitares (Uru gu ai, Bolí-
via, Gan a, Paqu istão, Ch ile) de eleições diretas e processo de redem ocrati-
zação (ago. 1977) e análise do calendário eleitoral com a promessa de elei-
ções regulares em regimes militares na América Latina, relacionando-o com
a nova política de defesa dos direitos humanos dos EUA (mar. 1978). Nar-
rativas de crise econ ôm ica, de cisões n as Forças Arm adas, de m u dan ças
n as forças in tern as e de con flitos bin acion ais en tre esses países, m u itos dos
qu ais, segu n do o artigo, qu erem , através das eleições, legitim ar os regim es
existen tes em vez de prom over a dem ocratização de fato.
• Descrição da situ ação da Rodésia com o fim das prescrições às organ iza-
ções gu errilh eiras, dos en forcam en tos su m ários e das prisões sem ju lga-
m en to. Con cessão de u m a sem i-an istia aos presos n ão ju lgados. Referên -
cias ao isolam en to dos povoados com cercas e ju stiça su m ária para evitar
a con tam in ação da gu errilh a (set. 1977).
• Declarações de Ulrike Mein h of (do gru po Baader-Mein h of de terroris-
tas alem ães, Baader-Mein h of). Para ele, a gu errilh a n ão acon teceu so-
m en te n a Alem an h a, existiu , de certo m odo, tam bém n o Brasil. Ele con -
sidera qu e assim com o o Estado depen de do povo, e n ão o con trário, o

160
im perialism o n orte-am erican o tem n ecessidade de países com o o Brasil.
Faz críticas tam bém à polícia tortu radora e à m iséria do Terceiro Mu n do
(set. 1977).

CHILE41

Em bora com u m a in cidên cia m en or do qu e a observada em OESP,


em M várias m atérias vetadas exibem críticas aos excessos do regim e m i-
litar ch ilen o em diferen tes direções:

• Relatório da Com issão de Direitos Hu m an os da ONU apon tan do apara a


prática de tortu ra a presos políticos n o Ch ile (fev. 1976).
• An ú n cio de qu e o govern o ch ilen o deseja n ão apen as expu rgar os in di-
vídu os in desejáveis da u n iversidade ch ilen a, m as tam bém torn ar privado
o en sin o u n iversitário (fev. 1976).
• Com en tários do presiden te fran cês Valéry Giscard D’Estain g sobre a exis-
tên cia de u m a ditadu ra n o Ch ile (m aio 1976).
• An álise do clu be popu lar ch ilen o Colo-Colo apon tan do para o fato de
qu e o pú blico deixou de com parecer aos estádios, pois devido à crise eco-
n ôm ica possu i ou tras prioridades (m aio 1976).
• Artigo sobre o am erican o acu sado de en volvim en to n o assassin ato de
Orlan do Letelier (com o en volvim en to participação da DINA) 42 qu e, após
a extradição para os EUA, den u n ciou a essa organ ização em m ais dois
aten tados. Mich el Tow lez acu sou -a de participação n o assassin ato de
Carlos Prates e n o aten tado qu e in u tilizou o líder dem ocrata-cristão Ber-
n ardo Isigh ton , am bos opositores do regim e Pin och et (m aio 1978).
• Artigo com en ta qu e dois an os após o golpe, o govern o ch ilen o en con tra-
se com pletam en te isolado (set. 1975).
• Com en tários sobre o su icídio em ou tu bro de 1976, em Cu ba, de Beatriz
Allen de, filh a e secretária do ex-presiden te ch ilen o (ou t. 1977).

CENSURA

Assim com o apareceram relativizadas as Questões Políticas em M,


com parativam en te a OESP, o n ú m ero de m atérias vetadas n a u n idade te-
m ática da “Censura” é m u ito in ferior n o sem an ário do qu e o observado
n o órgão da gran de im pren sa.
An alisan do-se os su btem as n o in terior desta u n idade tem ática, ob-
serva-se qu e n ão h á gran des diferen ças em term os de variedade , com -
paran do-se OESP e M. En tretan to, n ota-se qu e, apesar do su btem a tra-
tan do da “Im pren sa” en con trar-se com o m aior n ú m ero de m atérias ve-
tadas relativam en te aos ou tros da m esm a u n idade, su a qu an tidade (25
m atérias) n em de lon ge se aproxim a daqu ela verificada em OESP (151
m atérias), ressalvadas as diferen ças qu an titativas qu e separam o total de
artigos an alisados de M (840) do de OESP (1136). Além disso, é im por-

161
tan te qu e se observe qu e o ou tro su btem a a m erecer destaqu e qu an tita-
tivo em M é o da “Moral/ Costu m es”, qu e em OESP aparece represen ta-
do por som en te apen as u m artigo. Isto se deve às in ovações lin gü ísticas
in trodu zidas pelo sem an ário. M, m esm o em su as m atérias de n oticiário
político, opta por u m a lin gu agem m ais coloqu ial do qu e aqu ela n orm al-
m en te observada n a gran de im pren sa. Ao lado disso, está o fato de qu e
o jorn al abre espaço para o discu rso corriqu eiro do dia-a-dia das pessoas
com u n s em colu n as criadas com o “Gen te Brasileira”, “Cen as Brasileiras”
e “Estórias Brasileiras”. Nas du as prim eiras, m u ito da expressão dos h o-
m en s e m u lh eres das cam adas popu lares é preservada, registran do-se
su a fala coloqu ial. A terceira dessas colu n as é destin ada a crôn icas de es-
critores joven s. Portan to, trata-se n este aspecto da lin gu agem literária.
Com isso aparecem n os textos m u itos palavrões ou expressões con side-
radas aten tatórias à m oral e aos bon s costu m es, qu e eram rapidam en te
cortados pelos cen sores.

IMPRENSA

As m atérias vetadas em M sobre a tem ática da cen su ra à im pren sa,


ao con trário das qu e se observam em OESP, som en te de m odo periférico
tratam da qu estão específica da cen su ra prévia ao próprio sem an ário. Clas-
sificam -se em três gru pos: as qu e dizem respeito a com en tários sobre a
cen su ra prévia à im pren sa escrita de u m m odo geral; as qu e se referem à
cen su ra realizada a órgãos de divu lgação em particu lar; e as form as de ex-
pressão da cen su ra de m odo local, com o, por exem plo, a atu ação dos go-
vern os estadu ais n a in terferên cia em periódicos de alçada govern am en tal.
No prim eiro caso, são dign os de destaqu e os segu in tes artigos cen -
su rados:

• Com en tário relativo ao ch efe da assessoria de im pren sa do Itam araty


afastado para o departam en to cu ltu ral do Min istério de Relações Exterio-
res. Gu y Marie de Castro Bran dão possu ía péssim as relações com a im -
pren sa, cen tralizan do o forn ecim en to das in form ações, dificu ltan do o
acesso às fon tes pelos repórteres, além de ten tar im pedir qu e se divu lgas-
se seu n om e com o fon te.
• Artigo sobre a suspensão da censura prévia a OESP, Jornal da Tarde e Pas-
quim, e a manutenção em Opinião, Veja, Tribuna da Imprensa, O São Paulo e M.
• Narração da reu n ião da SIP qu e declarou a n ão-in existên cia da liberda-
de de im pren sa n o Brasil, após u m exam e do relatório da Com issão de Li-
berdade de Im pren sa do órgão, con ten do o depoim en to de Fern an do Gas-
parian afirm an do a con tin u idade da cen su ra prévia sobre algu n s periódi-
cos (abr. 1976).
• Relatório sobre a com em oração do Sesqu icen ten ário do Sen ado realiza-
da pela ABI. Expressão de opin iões de Magalh ães Pin to (Sen ado) e de Pru -
den te de Moraes Neto (ABI) sobre a n ecessidade de liberdades dem ocráti-
cas n o país com destaqu e para a existên cia de u m a im pren sa livre (ago.
1976).

162
• Ato pú blico realizado pela ABI pelo Dia da Liberdade de Im pren sa (ju n .
1977). Apresen tação de u m m an ifesto de jorn alistas con tan do com a assi-
n atu ra de m ais de 2000 profission ais a ser en cam in h ado ao Con gresso Na-
cion al. Cerim ôn ia de posse da Com issão de Liberdade de Im pren sa da en -
tidade a ser presidida pelo jorn alista Pru den te de Moraes Neto.
• Divu lgação de u m docu m en to por person alidades e en tidades baian as
con tra a cen su ra e as pressões à im pren sa e m an ifestan do-se ain da pelo
térm in o da cen su ra prévia a M, Tribuna da Imprensa e O São Paulo (dez.
1977). Narrativa do caso do jorn alista Lou ren ço Diaféria, colaborador da
Folha de S. Paulo, preso e processado em con seqü ên cia de u m artigo in titu -
lado “Herói Morto. Nós”43. Este fato acabou m otivan do o afastam en to do
editor do jorn al, Cláu dio Abram o, e a im posição de restrições ao diretor da
su cu rsal do Rio de Jan eiro, Alberto Din es.
• Debate realizado na ABI sobre a imprensa independente. O trecho vetado
considera que a opção para a imprensa alternativa está na sua coesão, uma
vez que para ela a abertura não chegou, e convive com a censura e que deve
continuar resistindo às custas de assinaturas e de vendas em bancas.
• Men ção ao discu rso de David Moraes ao tom ar posse n o Sin dicato dos
Jorn alistas Profission ais do Estado de São Pau lo, para a gestão de 1978-
1981, em su bstitu ição a Au dálio Dan tas (m aio 1978). A tôn ica do discu rso
é a defesa da liberdade de im pren sa e da n ecessidade de reform as sin dicais.

No segu n do caso, as m atérias vetadas referem -se à descrição de


even tos de cen su ra à im pren sa em diversos órgãos de divu lgação em m o-
m en tos variados ao lon go do tem po:

• O jorn al Posição (Espírito San to) foi im pedido de circu lar, pois o seu dis-
tribu idor foi con fu n dido com alu n os qu e participavam do III En con tro Na-
cion al de Estu dan tes a ser realizado em Min as Gerais (ju n . 1977).
• Cen su ra ao editorial de lan çam en to do periódico Lampião de Porto Ale-
gre, on de o m odelo de desen volvim en to econ ôm ico brasileiro é criticado
por privilegiar u m a m in oria (m ar. 1976).
• Matérias sobre o fech am en to do sem an ário Opinião, após 4 an os e m eio
de existên cia (abr. 1977). Destacam -se a lu ta em defesa do n acion alism o de
seu proprietário Fern an do Gasparian e os objetivos cen trais do periódico
(críticas ao m odelo econ ôm ico brasileiro e defesa das liberdades dem ocráti-
cas), além de en fatizar a cen su ra prévia n o jorn al.
• Reprodução de um artigo publicado no jornal da ABI sobre o Coojornal de
Porto Alegre que perdeu 80% de sua publicidade, após visita da Polícia Fede-
ral a seus anunciantes com ameaças de novos “incômodos” (set. 1977). O mo-
tivo dessas visitas foi uma reportagem veiculada pelo periódico – publicação
da Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre –, em que eram especificadas to-
das as cassações e suspensões de direitos políticos ocorridas no país após 1964.
• Den ú n cia de u m periódico do Rio de Jan eiro especializado em econ o-
m ia – Relatório Reservado – qu e recebeu a visita de u m in divídu o qu e se
dizia in spetor federal do Min istério do Trabalh o, m as cu jas in dagações
u ltrapassaram qu estões m eram en te trabalh istas (jan . 1978).
• Pressões sofridas pelos periódicos Mutirão (Ceará), Debate (Alagoas) e Em
Tempo (São Pau lo), além da coerção sobre as distribu idoras Fon -Fon , do ór-

163
gão de divu lgação Bagaço (Rio de Jan eiro), e Fern an do Ch in aglia, do Repór-
ter (Rio de Jan eiro). Exposições gen éricas sobre o au m en to de pressão n a
im pren sa altern ativa e afirm ação da n ecessidade de solidariedade en tre os
diversos órgãos de divu lgação (abr. 1978).
• Notícia de cen su ra prévia sobre o jorn al am azon en se A Notícia (abr.
1978).

No terceiro caso, os vetos são referen tes a form as de coação exer-


cidas localm en te sobre periódicos diversificados:

• Matéria sobre editor e três repórteres do Jornal de Santa Catarina con vi-
dados a se retirar do órgão, pois n ão aceitaram a n eu tralização im posta
pelo govern ador do estado qu e ch egou a proibir a circu lação do Diário da
Assembléia porqu e possu ía u m m aterial de crítica.
• Jorn alistas m in eiros fu n daram o jorn al A Retaguarda, por oposição ao
Vanguarda, con siderado porta-voz oficial do govern o local (cidade de Cás-
sia/ MG) (ju l. 1976).
• Den ú n cias do en volvim en to do ex-govern ador An tôn io Carlos Maga-
lh ães n a com pra do con trole acion ário do Jornal da Bahia sobre o qu al
exerceu diversas pressões du ran te a su a gestão. O jorn al, du ran te esse pe-
ríodo, catalisou o sen tim en to de oposição de várias cam adas da popu lação
qu e ch egaram a su sten tá-lo em m eio a persegu ições de An tôn io Carlos
Magalh ães, qu e ch egou a ser con siderado pela SIP com o in im igo pú blico
n ú m ero u m da im pren sa (ou t. 1976) .

RECONSTITUIÇÕES HISTÓRICAS

Do m esm o m odo com o ocorreu em Questões de Política Internacional,


esta u n idade tem ática vem dem on strar o tem or qu e o Estado au toritário
brasileiro pós-64, espelh ado pela atu ação da cen su ra, possu i de qu aisqu er
expressões críticas qu e atin jam n ão só a realidade viven ciada pelo país,
m as tam bém qu e divu lgu em ou tros m om en tos e espaços, possibilitan do
an alogias in côm odas ao regim e m ilitar.
De certa form a, o qu e se observa é a repetição de algu m as tem áti-
cas já sen tidas em ou tras u n idades e su btem as, m as agora referem -se a
ou tras circu n stân cias h istóricas. Com o a repetição é m u ito acen tu ada n es-
ta u n idade tem ática e com o os su btem as, n a su a gran de m aioria, são re-
presen tados som en te por u m artigo, optou -se por reu n i-los em algu n s
gru pos, tratan do-os em bloco.
O prim eiro deles refere-se à cen su ra a ten tativas de organ ização e
reivin dicação da popu lação em lu ta pela m elh oria de su as con dições. Nes-
te bloco, agru pam -se os su btem as da “Organ ização dos Trabalh adores”,
“Sacco e Van zetti” e “Experiên cia de Govern o Popu lar”. No prim eiro su b-
tem a, en con tram -se n arrativas h istóricas das gran des greves pau listas
ocorridas em 1917, 1953 e 1957. Um artigo dedica-se à descrição da h is-

164
tória da lu ta pelo direito de greve, bem com o de seu s obstácu los com o
m ovim en to de 1964 e a Lei de Segu ran ça Nacion al de 1969. A h istória da
participação estu dan til desde a criação de u n iversidades n o país tam bém
foi vetada; h aven do ou tro artigo qu e destaca especialm en te a repressão à
organ ização dos estu dan tes a partir de 1964, ch egan do até à su a reestru -
tu ração do m ovim en to com a criação do DCE/ Livre da USP, em 1976, e
com as passeatas de 1977. Por ú ltim o, dois artigos con testam as versões
oficiais da organ ização dos trabalh adores n o Brasil: u m deles estabelece
relação en tre as lu tas in iciais do proletariado brasileiro com a lu ta aboli-
cion ista, n a m edida em qu e n as prim eiras fábricas trabalh avam operários
livres e escravos; e, n o ou tro, critica-se a con cepção estereotipada de qu e,
n a au sên cia de m obilização popu lar, o govern o de Getú lio teria elabora-
do as leis trabalh istas com o u m a “con cessão” aos trabalh adores. No se-
gu n do su btem a, u m artigo vetado relem bra as reações dos trabalh adores
brasileiros ao assassin ato de Sacco e Van zetti, com m obilizações n as fábri-
cas, greves e citações n a im pren sa escrita. No terceiro su btem a, o ex-de-
pu tado Fran cisco Pin to ao n arrar su a experiên cia com o prefeito eleito da
cidade de Feira de San tan a/ BA, en tre 1963 e 1964, en fatiza a ten tativa de
fazer u m govern o de organ ização, de u m a m aior participação popu lar n as
decisões políticas du ran te o tem po qu e assu m iu o cargo.
No segu n do bloco, en con tra-se de m odo bastan te claro o tem or da
an alogia com a realidade viven ciada pelo país. Assim , n o su btem a in titu -
lado “Redem ocratização”, en con tra-se u m artigo cen su rado em qu e se co-
loca qu e o ch am ado processo de redem ocratização ocorrido, após o tér-
m in o do govern o de Getú lio, foi n a realidade u m a ten tativa de evitar a
possibilidade de m u dan ças m aiores e m ais progressistas. A an alogia tem í-
vel, aqu i, está bastan te clara: a possível com paração com o processo de
abertu ra política a partir do govern o Geisel gu ia a m ão do cen sor. No su b-
tem a “Segu n do Rein ado”, a crítica atin ge n ão só a política do govern o de
D. Pedro II baseada n o clien telism o e n a m an ipu lação eleitoral, m as tam -
bém as elites qu e qu eriam se portar segu n do padrões eu ropeu s con side-
rados “civilizados”. O artigo tem a virtu de de dem on strar qu e as elites po-
líticas brasileiras pou co in ovaram , a n ão ser, talvez, n a m u dan ça de pa-
drão para realizar o h ábito do en tregu ism o. Naqu ele m om en to, em voga,
o padrão” civilizado” era o n orte-am erican o.
A resistên cia (n egada pela h istoriografia oficial) e a destru ição dos
costu m es e da própria com u n idade In ca (elim in ação de cerca de oito m i-
lh ões de in dígen as) com a pen etração espan h ola são os assu n tos tratados
n o su btem a “Colon ização Espan h ola/ Gen ocídio In dígen a”. Os vetos pre-
sen tes tan to em OESP com o em M relativos à “Qu estão In dígen a” in dicam
qu e a con tin u idade do gen ocídio in dígen a n o Brasil , das m ais variadas for-
m as, era u m assu n to bastan te in côm odo para a im agem do regim e m ilitar.

165
O terceiro dos blocos con cen tra os su btem as qu e perm item u m a
an alogia com a problem ática da repressão política presen te em diferen tes
m om en tos da h istória brasileira, aos qu e se opu seram ao regim e em vi-
gor. No su btem a das “Críticas ao Govern o Vargas”, três artigos vetados
tratam de m odo diferen ciado o tem a da repressão du ran te o govern o de
Getú lio Vargas: u m deles con sidera com o u m fato ain da con troverso a
m orte dos qu atro rapazes pau listas du ran te a rebelião con stitu cion alista
de 1932; o ou tro n arra a realização do I Con gresso Brasileiro de Escrito-
res em 1945 com a fin alidade de dem an da da redem ocratização do país;
e, por ú ltim o, o depoim en to de Jorge Am ado descreven do as persegu i-
ções de qu e foi alvo a partir de 1937, a qu eda da ditadu ra e, su a eleição
com o con stitu in te em 1946. No su btem a da “Con ju ração Baian a” en con -
tra-se u m a m atéria cu jo veto recaiu sobre u m trech o qu e descreve os
ideais dos rebeldes de 1798 (as idéias de liberdade e igu aldade social) e a
cerim ôn ia de en forcam en to de qu atro deles.
Qu aisqu er críticas ao m odelo de desen volvim en to econ ôm ico ado-
tado foram alvo de cen su ra. Assim , n o su btem a “Govern o JK” foram ve-
tados os com en tários sobre o projeto desen volvim en tista de Ju scelin o e
su as relações com as am eaças de u m a crise econ ôm ica e a con stru ção de
Brasília. O m odelo econ ôm ico do regim e m ilitar orien tou -se n as m esm as
bases daqu ele adotado n o govern o JK: con cen tração da ren da, abertu ra ao
capital estran geiro e en dividam en to extern o. No su btem a “Histórico da Dí-
vida Extern a”, com o o próprio títu lo in dica, o artigo cen su rado faz u m a
retrospectiva da dívida extern a brasileira desde a in depen dên cia. O ex-
traordin ário crescim en to da dívida após 1964 (in icialm en te con siderada
u m dos fatores propiciadores do ch am ado “m ilagre brasileiro”) era u m
tem a sen sível ao regim e m ilitar.
A comparação com outros regimes repressivos também não era bem
vista pelo Estado autoritário brasileiro pós-64, caso dos subtemas “General
Francisco Franco/JK” e “Hitler”. No primeiro deles, uma matéria descreve
a visita de Juscelino Kubitschek, quando presidente, à Espanha e o ofere-
cimento de um jantar ao chefe de Estado espanhol na embaixada brasilei-
ra. O general Franco, como sempre temeroso de envenenamento, ordenou
que sua comida fosse preparada por seu próprio cozinheiro. No segundo, o
artigo vetado narra a tomada do poder por Hitler e a ação dos grupos para-
militares SA e SS.
Do m esm o m odo qu e n o bloco an teriorm en te descrito, en qu adra-
vam -se n os tem as con siderados in côm odos as referên cias a atitu des re-
pressivas realizadas pelo govern o brasileiro, após o m ovim en to de 1964,
m esm o qu e n ão fossem con tem porân eas ao m om en to viven ciado pelo
periódico. Assim ocorreu com o su btem a “Con stitu ição de 1967”, em
qu e esta Carta foi criticada, sen do vista com o u m retrocesso em relação
à de 1946, n a m edida em qu e lim itou as atribu ições do Con gresso Nacio-
n al n o tocan te às qu estões orçam en tárias e au m en tou os poderes do pre-

166
siden te, bem com o os m ecan ism os de in terven ção do Estado. No su bte-
m a “Fren te Am pla”44 , a m atéria estabeleceu u m a relação en tre as m ortes
das três person agen s diretam en te en volvidas n a form ação da Fren te:
Carlos Lacerda, Ju scelin o Ku bitsch ek e João Gou lart, ocorridas todas n o
espaço de apen as u m an o (1976-1977). A m atéria ain da situ a as razões
de oposição de Lacerda ao m ovim en to de 1964 (a partir da am pliação do
m an dato de Castelo Bran co, en tre 1966 e 1967) e a oposição da “Fren te
Am pla” ao govern o Costa e Silva. A segu ir, descreve a cassação de qu e
Lacerda foi alvo e a colocação da “Fren te” n a ilegalidade pelo m in istro
da Ju stiça n a época, Gam a e Silva (abr. 1968).
Por ú ltim o, observa-se qu e a an álise das m atérias arroladas n esta
u n idade tem ática revelou u m a preocu pação especial da cen su ra com a
preservação da ch am ada “versão oficial” da h istória. Isto acon teceu n o
veto à m atéria em qu e se con testava a opin ião corren te sobre a Legisla-
ção Trabalh ista n o govern o de Getú lio Vargas e n o corte ao artigo qu e
destacava a resistên cia in dígen a ao explorador espan h ol. O m esm o ocor-
reu n o su btem a “An álise Historiográfica”, em qu e du as m atérias foram
cen su radas. Um a delas distin gu e du as ten dên cias h istoriográficas n a h is-
tória do Brasil: a qu e ch am a de “oficialista” (exem plifican do com Varn h a-
gem ) e a da “in terpretação h istórica con creta” (exem plifican do com Ca-
pistran o de Abreu ). A ou tra m atéria apresen ta u m a crítica à obra de José
Hon ório Rodrigu es relativa à in depen dên cia do Brasil. José Hon ório co-
loca a in depen dên cia com o realizada a serviço de u m a m in oria. As críti-
cas do sem an ário con testam o fato de o au tor n ão trabalh ar com u m a
con cepção de classes e com as con tradições sociais. Certam en te, a sim ples
m en ção à existên cia da possibilidade de in terpretação diferen ciada dos fa-
tos, colocan do em ch equ e a n oção de verdade qu e poderia con tradizer a
h istória oficial, represen tava u m pen sam en to extrem am en te perigoso do
pon to de vista da cen su ra.

CON SID ERA ÇÕES SOBRE O MATERIA L VETA D O D E


MOVIMENTO
A an álise do m aterial cen su rado deve servir n ão som en te para qu e
se ten h a u m qu adro do Estado au toritário brasileiro pós-64, através de u m
seu in stru m en tal de repressão, m as tam bém para qu e se extraia u m perfil
do periódico estu dado e de su as preocu pações tão bem pressen tidas pelos
cen sores qu e, vigilan tes, cortaram fu n do em M.
Neste m om en to, procu ra-se defin ir, através de trech os de m atérias
vetadas, algu m as das tem áticas cen trais de M. Além disso, bu sca-se traçar
o perfil do jorn al e delin ear u m pou co do qu e sign ificou a im pren sa alter-
n ativa deste periodo. Assim , acen tu a-se a su a diferen ça em relação a u m
tipo de im pren sa m ais in stitu cion alizada e con ven cion al, com o a gran de
im pren sa, person ificada por OESP.

167
Um dos aspectos fu n dam en tais qu e distin gu e M da im pren sa de
con otações liberais é su a posição em face do próprio papel qu e a im pren -
sa escrita desem pen h a. Lon ge da posição liberal de aparen te n eu tralida-
de da in form ação, qu e separa a apresen tação objetiva dos fatos do edito-
rial opin ativo e com prom etido, em M, está clara a idéia do com prom eti-
m en to, presen te n a própria edição ou diagram ação, seleção e apresen ta-
ção dos fatos qu e n ão são con siderados com o im parciais. Assim , a im -
pren sa escrita, ao con trário da idílica im agem de form adora da opin ião
pú blica por m eio da divu lgação das idéias de u m a elite racion al e abali-
zada, típica da cren ça liberal qu e adicion a a isto a con fian ça n a postu ra
de paladin o da verdade, aparece em M com u m a rou pagem m ais crítica
e m en os en deu sada. Assim , as in ten ções su bjacen tes à su a produ ção
aparecem desm ascaradas, e, portan to, o en volvim en to é explícito e n ão
ocu lto sob u m a m áscara de aparen te in depen dên cia.
São sign ificativos estes trech os qu e foram com pletam en te vetados
pelos cen sores:

Jorn ais latin o-am erican os são im pressos em papel im portado, com postos
em velh os lin otipos ou n ovíssim as m áqu in as eletrôn icas, u n s e ou tros
tam bém im portados, qu ase sem pre dos Estados Un idos. Rodam em rotati-
vas im portadas, ain da dos EUA, e veicu lam n otícias qu e com pram de
agên cias in tern acion ais, m as orien tadas desde Nova York e capitais eu ro-
péias. Recebem as in form ações por teletipos tam bém im portados, acion a-
dos via Satélite de propriedade da In tern ation al Teleph on e an d Telegraph
Corporation , a ITT.
De qu an tas depen dên cias – freqü en tem en te tran sform adas em su bm issões
– padece a im pren sa desta região e de ou tras igu alm en te su bdesen volvi-
das? Com o esses extraordin ários m eios de com u n icação podem servir às
popu lações de países su bdesen volvidos?
[...] a “circu lação livre” ten de n ecessariam en te a favorecer as agên cias, os
jorn ais, as ideologias dos países in du strializados. É preciso, portan to,
“equ ilibrar a circu lação da in form ação”.
Todo o raciocín io é u m a tran sposição. Há an os, os países do Terceiro Mu n -
do vêm afirm an do qu e a livre circu lação de m ercadorias e capitais só favo-
rece às n ações econ om icam en te m ais fortes. A idéia ju stifica, por exem plo,
políticas protecion istas às in dú strias n acion ais. Ju stifica a reivin dicação por
tratam en to preferen cial para os produ tos do Terceiro Mu n do.
Em algu n s países, essas regras já vêm sen do aplicadas n o setor de com u n i-
cações. No Brasil, por exem plo, as agên cias estran geiras n ão podem veicu -
lar n oticiário brasileiro para órgãos brasileiros. Só podem tran sm itir de
den tro para fora e in versam en te, fican do o m ercado n acion al reservado
para as agên cias n acion ais com o as do Jornal do Brasil e de O Estado de S.
Paulo. É o protecion ism o repu tado legítim o.
A plena liberdade de comércio, princípio sempre defendido pelos mais ricos,
gera e aprofunda desigualdades, isto é, aniquila a liberdade. A absoluta liber-
dade de circulação de informações não pode esconder o caminho para o mo-
nopólio dos capitais mais fortes? Pois como notou o presidente da Associated

168
Press, informação é hoje “negócio de milhões de dólares”. Quem dispõe des-
ses milhões para desfrutar da liberdade de imprensa?
[...] Dito de ou tro m odo – a in form ação será sem pre con trolada. O qu e im -
porta é saber qu em a con trola. Ela será tan to m ais livre e dem ocrática
qu an to m aior a participação “de todos os m em bros da sociedade” n a gera-
ção, distribu ição e ben efício.45

Qu an do o m ovim en to dos países n ão-alin h ados propôs a criação de u m a


agên cia de n otícias, ligada aos govern os desses países, qu e se en carregasse
de tran sm itir as n otícias oficiais, a gran de im pren sa e as agên cias de n otí-
cias ficaram in dign adas. Argu m en tavam as agên cias e os gran des jorn ais
qu e u m a agên cia de n otícias ligada aos govern os de países do terceiro
m u n do iria propagar apen as a n otícia distorcida, de acordo com as n eces-
sidades de cada govern o, descu m prin do assim , o m an dam en to básico da
im pren sa respeitável – a objetividade n a apreciação dos fatos, a isen ção fria
do observador descom prom etido. De fato, n em o m ais otim ista dos otim is-
tas iria esperar qu e, por exem plo, Idi Am im perm itisse à agên cia n oticiosa
oficial de Ugan da produ zisse u m a reportagem isen ta e objetiva sobre a si-
tu ação in tern a do país.
Mas, se observarm os com o se desen rolou a cam pan h a da im pren sa e as
agên cias respeitáveis con tra a agên cia do terceiro m u n do, su rgem várias
dú vidas. Seria a ú n ica preocu pação dos in im igos do terceiro m u n do a pre-
servação da verdade? Aparen tem en te n ão, pois sen do a agên cia proposta
apen as u m serviço com plem en tar, as agên cias respeitáveis, com o a UPI, a
AP, a Fran ce Press, e ou tras, poderiam con tin u ar tran qü ilam en te n a per-
segu ição de seu s ideais con fessos de verdade, objetividade e isen ção. Um
serviço n oticioso a m ais, n essas circu n stân cias, só, iria en riqu ecer os lei-
tores, qu e teriam assim ou tras fon tes de in form ação além das tradicion ais.
É pú blico e n otório qu e a verdade, para certos fin s, pode se equ ilibrar bem
n u m a só pern a: m as, an dar, a verdade só an da sobre du as pern as. Assim ,
as agên cias respeitáveis n ada teriam a tem er desse n ovo con corren te,
m u ito pelo con trário.
Mas an tes de acu sar a agên cia do terceiro m u n do de facciosidade an tes
m esm o dela com eçar a fu n cion ar, é u m com portam en to sin tom ático [sic].
Acu sar os ou tros de facciosidade n ão seria u m a form a de ocu ltar a própria
facciosidade? Para com preen der m elh or essa acu sação, n ada m elh or qu e
exam in ar u m caso específico, para se avaliar a objetividade e isen ção da
ch am ada gran de im pren sa. Tom em os com o exem plo o Cam bodia [sic]. Essa
pequ en a n ação asiática de 6 a 7 m ilh ões de h abitan tes torn ou -se h á pou co
tem po u m dos assu n tos preferidos dos n oticiários in tern acion ais. Mas, da
leitu ra das in form ações pu blicadas pela gran de im pren sa e pelas televisões,
pou co se pode en ten der do qu e realm en te acon tece n o Cam bodia. Em
com pen sação, n o en tan to, por essas n otícias, m u ita coisa se apren de sobre
os gran des jorn ais e as gran des agên cias.46

M colocou o dedo em ou tra das gran des feridas da im pren sa libe-


ral: a problem ática da cen su ra em presarial. Em vários artigos vetados,
esta crítica é u m a presen ça m arcan te. Selecion an do-se u m deles, a en tre-
vista con cedida pelo jorn alista Min o Carta a Marcos Faerm an qu e con sta

169
de 13 lau das com pletam en te vetadas, observa-se o sign ificado de fato da
au ton om ia jorn alística. Min o Carta esteve du ran te 7 sete an os n a redação
do Jornal da Tarde e foi respon sável pela criação da revista Veja, perten -
cen te à editora Abril. In icialm en te, n a en trevista, faz u m a distin ção en tre
a Abril Cu ltu ral e a em presa de OESP, (proprietária, tam bém do Jornal
da Tarde). Con sidera qu e “o ideário político da editora Abril é mínimo”47. A se-
qü ên cia da en trevista é elu cidativa de su as posições:

A entrevista de Mino Carta não pôde ser publicada porque foi completamente cortada pela
censura. Aqui se encontra a lauda inicial com a marca (VETADA) do censor.

170
P: Qu e idéias são estas?
R: Digam os: “eu sou a favor da in iciativa privada” ou “sou a favor da civi-
lização ociden tal”... O ideário da Abril é este. O sen h or Victor [Victor Civi-
ta] e o dou tor Roberto [Roberto Civita] ach am até h oje qu e a Veja é amar-
ga [grifo do au tor] – é assim qu e eles ch am am a revista qu e eu fiz: “é am ar-
ga...” é u m a “revista triste” – “devem os ser m ais descon traídos...”, “deve-
m os ser m ais am en os...”, “o leitor se assu sta com tan ta am argu ra...”, “é
u m a revista pessim ista...”. O fato prim ário é qu e estes adjetivos n ão sign i-
ficam n ada, e eles n ão percebem isto. Por qu e eu tive u m a au ton om ia tão
gran de em Veja? Não apen as porqu e ao ser con vidado pela Editora Abril
para dirigir u m a revista eu com o prem issa pedi u m a gran de au ton om ia,
praticam en te total. Eu qu eria qu e os don os da casa se torn assem leitores
igu ais aos ou tros. Este foi u m trato in icial, in clu sive respeitado pela em pre-
sa. Mas h avia m ais. Havia a falta de u m ideário. E isto acabou exigin do qu e
eu , qu e era o editor de u m a revista de in form ação, respon desse a certas
qu estões. As qu estões políticas eram situ adas tan to n os episódios políticos
– digam os da prática política até o in stan te em qu e ela estava falan do de
u m livro qu e acabava de ser lan çado... ou de u m a peça qu e está sen do le-
vada... ou de fen ôm en os característicos do m om en to qu e vivem os. Dian te
dos aspectos da vida qu e estam os viven do, a revista tin h a qu e assu m ir
u m a atitu de, u m a posição. Mas a Abril é pobre em idéias. Não estava pre-
parada para dizer. : “é isto qu e pen sam os”. Eu tive à m in h a fren te u m ter-
ren o vazio e tive de ocu pá-lo. Não era o desejo de ser “im portan te”. Era a
n ecessidade de cu m prir decentemente [grifo do au tor] u m papel. Den tro des-
ta em presa qu e produ z ton eladas de pu blicações fabricadas pelos m on stros
de aço qu e ela foi estacion an do n o seu labirin to, n a su a gráfica, eu tin h a
qu e assu m ir u m a fu n ção qu e foi m u ito m aior do qu e deveria ser. Eu aca-
bei, de certa form a, sen do árbitro dos destin os da Abril.
P: Já n o Jornal da Tarde [grifo do au tor] existia o fam oso ideário...
R: Sim . Eu tin h a u m a gran de au ton om ia (com o im agin o qu e o pessoal qu e
está lá ain da tem ) m as era u m a au ton om ia técn ica. O ideário da em presa
era den so e defin idíssim o. Eu podia até n ão con cordar com vários pon tos
deste ideário m as de qu alqu er m an eira ele era claro.
Pau tado por esse ideário, eu fazia u m jorn al qu e se destin ava a certo pú -
blico, qu e saía den tro de certa h ora etc.48

São fu n dam en tais as con siderações acim a n a m edida em qu e n ão


só expõem os lim ites da “in depen dên cia” e da “au ton om ia” n a gran de
im pren sa, com o tam bém explicitam a diversidade das postu ras liberais.
Na seqü ên cia, Min o Carta n arra o episódio de su a saída da revista Veja,
m ostran do qu e após m arch as e con tram arch as os m otivos acabaram fi-
can do claros e con tribu in do para explicar a cen su ra em presarial, bem
com o a cen su ra prévia:

[...] No dia 20 de jan eiro, voltei de u m a viagem à Fran ça e à Itália. Voltei e


fu i procu rado pelo Sr. Victor Civita, qu e qu eria falar com igo. Eu fu i e ele
m e disse qu e preten dia tran sferir o Plín io Marcos para a revista Placar. Ele
disse qu e Plín io criava problem as para a revista, e qu e sem ele, em qu in ze
dias, retirava a cen su ra da revista. Ele disse qu e n ão con cordava n em com
a lin h a n em com o estilo de Plín io Marcos... Eu disse qu e só falaria com ele
n o fim de m in h as férias, em abril... Aí ele disse qu e até o Tratado de Versa-
lh es foi ren egociado. Eu disse qu e n ão sabia qu e h avia u m a gu erra en tre a

171
em presa e Min o Carta, e qu e u m a n egociação su ben ten de n egociadores, e
qu e ele n ão estava n u m a atitu de de n egociador, estava n u m a atitu de dita-
torial, in clu sive escu dado n o fato de qu e ele era o Don o da em presa, e ti-
n h a a ú ltim a palavra. Se ele estava pron to a rasgar n osso tratado, eu esta-
va pron to a rasgar o m eu com prom isso com ele. Se Plín io Marcos fosse afas-
tado de Veja, eu ia em bora. Lá pelas tan tas eu disse: “até logo, passar bem ”.49

A crítica m ais viru len ta, en tretan to, fica reservada diretam en te
para OESP em m atéria totalm en te vetada sobre artigo pu blicado pelo jor-
n al a respeito do caso PARA-SAR, de au toria do jorn alista Flávio Galvão
(qu e teve artigos seu s cen su rados n a fase da cen su ra prévia ao jorn al).
Esta m atéria, além de trazer à ton a a falácia da “isen ção n a apresen tação
dos fatos”, separa a postu ra de OESP da de M qu e, em u m a in terpretação
m ais aligeirada, poderiam ser aproxim adas pela circu n stân cia da vigên -
cia da cen su ra prévia sobre am bos. A cen su ra possu i, en tretan to, u m ca-
ráter qu e se explicita, cada vez m ais, com o m u ltifacetado. Este lon go tre-
ch o de abertu ra da m atéria vetada de M, é bastan te esclarecedor:

No in ício do govern o Geisel, seu ch efe do gabin ete civil, gen eral Golbery
do Cou to e Silva, defen dia a extin ção da cen su ra de algu m as pu blicações,
idéia qu e acabou prevalecen do. Dizia ele em defesa da su a tese qu e basta-
ria restitu ir a liberdade a estes órgãos, até en tão con siderados liberais, e em
pou co tem po eles exibiriam todo o seu con teú do con servador. Para qu em
n ão acreditou em Golbery pelo m en os dois jorn ais resolveram dem on strar
à saciedade, n a sem an a passada, a ju steza das su as observações.
Os jorn ais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde dedicaram três págin as ao
caso PARA-SAR, em m atéria sob o títu lo de “As Revelações sobre u m Epi-
sódio de 1968”, fazen do a defesa sistem ática do seu person agem cen tral, o
brigadeiro João Pau lo Bu rn ier. Para con segu ir esta façan h a, o au tor da m a-
téria Flávio Galvão, repórter de política local de 0 Estado e u m dos preferi-
dos da fam ília Mesqu ita, n ão vacilou em lan çar m ão de in verdades, em
tru n car fatos, em sofism ar, em detu rpar n otícias, em citar episódios verda-
deiros e tirar deles con clu sões falsas, en fim , em se u tilizar de todos os m eios
possíveis para ju stificar o in ju stificável e para dem on strar o absu rdo. E para
o leitor m en os aten to certam en te o artigo terá (re) con du zido a vítim a, o
capitão Sérgio Ribeiro de Carvalh o, para o pen oso ban co dos réu s.
O qu e o artigo procu ra dem on strar é qu e tu do o qu e o capitão Sérgio dis-
sera sobre os plan os im agin ados pelo brigadeiro Bu rn ier n ão passavam de
m en tiras. E em n en h u m trech o do artigo se du vida da san idade m en tal do
capitão. O qu e en tão teria levado este m ilitar zeloso a im agin ar tan tos ab-
su rdos, tan tos diálogos in existen tes com o brigadeiro Bu rn ier e tam bém a
se recu sar a cu m prir orden s n ão dadas? Em determ in ado trech o da m até-
ria o au tor su gere o m otivo. : “O capitão Sérgio Ribeiro de Carvalh o n ão
foi u m revolu cion ário, em 1964”.50

Uma das críticas constantemente presentes em M atinge o descaso


das autoridades governamentais em relação às condições de vida da maio-
ria da população brasileira. Diversos artigos vetados põem em cena a pro-
blemática da visão elitizada da sociedade que possui o Estado autoritário:
governa em função e para uma minoria de privilegiados, partilha da con-

172
cepção liberal da diferenciação entre os indivíduos de acordo com a posse
dos bens. Deste modo, a uns poucos são reservadas as benesses, enquanto
aos outros (a maioria da população) deve-se prepará-los para que aceitem
a sua situação de desfavorecidos. Entre estes artigos, “O Diário de Dorinha”,
apresenta um quadro da crueldade dessa atitude de forçar a assimilação da
condição de cidadãos de “segunda classe”, por parte dos órgãos oficiais, no
caso em relação ao menor abandonado. O artigo refere-se a um livrinho
produzido pela FEBEM, em Minas Gerais, na forma de uma historinha ilus-
trada cuja personagem Dorinha é uma menor que vai trabalhar em casa de
família como empregada doméstica. Este trecho mostra como o livrinho
descreve as relações entre a patroa e a empregada, bem como suas reações:

Com o veto do censor o leitor de Movim en to foi impedido de conhecer a “edificante”


história da menina Dorinha que, na FEBEM, “aprende” a se “comportar socialmente”.
(Matéria para ser publicada em Movim en to, nº. 109, 01/08/1977)

173
Mas Dorin h a n ão sabia fazer as tarefas, e segu n do ela: “Don a Mariza (a pa-
troa), m u ito bon dosa, con versava com igo e m e en sin ava todo san to dia as
m esm as coisas qu e eu fazia errado. No fim do m ês ela m e ch am ou e disse:
“Veja aqu i este din h eiro” – era u m a n ota de Cr$ 100,00. (San to Deu s! Vou
gan h ar todo este din h eiro. Qu e bom !)
– É para m im , Don a Mariza?
– Seria para você se você fizesse as coisas com o lh e en sin o. Este m ês, m i-
n h a filh a, você vai receber apen as Cr$ 50,00; sem dar con ta de su a tarefas,
n ão é possível lh e pagar o orden ado com pleto”. Não se en ten de com o a FE-
BEM, destin ada a proteger o m en or da exploração a qu e ele possa ser su b-
m etido e aju dá-la lo a su perar su a con dição de m argin alizado, perm ita qu e
se rem u n ere u m a m en or com estes valores e, além disso, aju de a con ven -
cer à m en or qu e se trata de m u ito din h eiro. Além de ser u m orden ado m i-
serável, o livrin h o u sa ain da de m étodos baseados n a coação e n a im posi-
ção do m edo, n a m edida em qu e a am eaça é exatam en te a perda daqu ilo
qu e o livro qu alifica com o segu ran ça: o din h eiro.51

Na seqü ên cia destas con siderações, o projeto de M se distin gu e do


de OESP pela con cepção qu e possu i de acon tecim en to dign o de cobertu -
ra. En tre todas as u n idades tem áticas classificadas, a qu e m ereceu m ais
vetos dos cen sores em M foi a das ch am adas Questões Sociais e n elas, de
m an eira geral, pode-se sen tir a opção por determ in ados fatos qu e n ão
costu m am ter vez n a gran de im pren sa. Trata-se da descrição das con di-
ções de vida e de trabalh o das cam adas popu lares em seu dia-a-dia. Além
da cobertu ra aos ch am ados even tos de política n acion al, com o eleições,
debates em Con gresso, Assem bléias Legislativas, Câm aras, projetos de m i-
n istérios, atu ação do Execu tivo n os três n íveis, m ovim en tos de oposição
in stitu cion alizada (sin dicatos e partidos), relações exteriores e com ou tras
in stitu ições (por exem plo, a Igreja Católica); M tam bém dedica-se a trazer
com o person agem o h om em com u m , em su a lu ta pela sobrevivên cia.
É im portan te destacar qu e h á u m esforço da parte do periódico
para n ão dem on strar a con dição de exploração som en te sob a ótica da re-
lação capital x trabalh o, estigm atizada n a con dição de classe patrão x em -
pregado. A m u ltiplicidade da dom in ação aparece exem plificada pelo m e-
n os n o trato da con dição fem in in a qu e u ltrapassa a qu estão da classe.
Ao lado destas colocações, localiza-se em M com u m peso sign ifica-
tivo o estím u lo às form as n ão in stitu cion alizadas de resistên cia, com o as
associações de trabalh adores, os m ovim en tos de bairros, e as organ iza-
ções de m ães trabalh adoras.
Assu m e u m papel prim ordial tam bém a descrição das con seqü ên -
cias qu e a exploração do trabalh o produ z n o estabelecim en to das relações
sociais n o n ível in dividu al: a deterioração das ligações afetivas, a repro-
du ção da dom in ação n o n ível fam iliar, a im possibilidade do ócio com o
con trapon to ao m u n do do trabalh o.
O depoim en to de Raqu el, u m a h orista qu e trabalh a n a fábrica da
Volks de São Bern ardo do Cam po, descreve bem a con dição de trabalh o
n u m a gran de in dú stria:

174
Aqu ela m u ltidão sobe a escadaria da Volks, o relógio da firm a tem u n s
pon teiros gigan tes bem em fren te, e os h om en s ficam se em pu rran do de
om bro com om bro, n ão respeitam m u lh er n em n ada, porqu e está qu ase
n a h ora de m arcar o cartão. E m arcou cartão é peão, se for h om em , e m u -
lh er qu e m arca cartão é piorra. É ch am ado assim , os ou tros são m en salis-
tas. Peão e piorra é h orista, eu gan h o seis e oiten ta a h ora.
A Volks é tão gran de, m ais tão gran de qu e é m aior qu e m u itas cidades qu e
tem por aí. Eu pego às seis m as ch ego às 5 e m eia porqu e perco 30 m in u -
tos cam in h an do do portão da en trada ao lu gar do trabalh o. O m eu setor é
o qu e produ z ch icotes e espagu etis qu e parecem u n s can in h os de borrach a
ch eios de fios den tro, serve para a parte elétrica dos carros. Às seis eu en -
con tro a m esa on de trabalh o com o eu deixei n o dia an terior. E fico de pé
defron te daqu ela m esa du ran te todo o dia até às 4 e m eia da tarde.52

A m u ltiplicidade da h ierarqu ia n as relações de trabalh o aparece as-


sim descrita:

E todo setor de peão ou de piorra tem seu líder. Em cada ala tem u m fei-
tor do líder, qu e tam bém é cu idão, e acim a do líder tem o capa am arela,
acim a o su pervisor, depois o en gen h eiro geral e aí já com eça os diretores.
Todos eles m an dam n a gen te...53

O dilem a da n ecessidade de h oras-extras para retirar o básico para


a du ra sobrevivên cia é retratado através da descrição da vida de Migu el,
u m trabalh ador da Com pan h ia Siderú rgica Pau lista (COSIPA):

Às vezes o m ês de Migu el Pereira da Silva tem 47 dias de trabalh o. Su a


m édia, n o en tan to, é trabalh ar 43 dias por m ês. Nem m esm o ele sabe
com o con segu e tal façan h a. Apen as explica, con form ado:
“Trabalh an do oito h oras por dia eu ten h o salário de Cr$ 3.260, 00. Mas
isso é m u ito pou co, porqu e ten h o cin co filh os, o m aiorzin h o com 15 an os.
En tão ten h o qu e m e virar com h oras-extras. Tem dia qu e faço dois tu rn os
direto, de oito h oras cada u m . Por isso é qu e m eu m ês é m aior”.
Em m arço passado, por exem plo, o velh o Migu el fez 108,5 h oras-extras –
o qu e lh e proporcion ou Cr$ 1.842,00. Isso sign ifica qu e ele trabalh ou m ais
13 dias, con sideran do a jorn ada n orm al de 8 h oras. O pern am bu can o Mi-
gu el está com 65 an os e m u ita disposição, apesar do corpo can sado: “Só
sin to u m a son eira...” 54

As con dições de exploração do trabalh o n o cam po, em regim e de


sem i-escravidão, su rgem n o relato da vida dos trabalh adores da
Reflorest S. A.:

Du ran te 18 dias, Pau lo da Costa trabalh ou 15 h oras diárias n a Fazen da Sa-


fira, em Ju qu iá, cidadezin h a às m argen s da BR 116. A com ida qu e lh e ser-
viam ch egava fria, às vezes azeda. E os capatazes costu m avam dar su rras
n os em pregados, apen as por fazerem u m a parada para descan so. E n in -
gu ém podia deixar a fazen da, todas as saídas eram vigiadas, o alojam en to

175
tran cado a n oite toda. Por isso, Pau lo pediu as con tas: e recebeu só 20 cru -
zeiros. Su a h istória acabou ch egan do à polícia qu e, n a ú ltim a sem an a de
n ovem bro, descobriu n o Vale do Ribeira, u m a das regiões m ais pobres de
São Pau lo, u m foco de aliciam en to de lavradores para trabalh o escravo. Lá
foram en con trados ou tros 11 h om en s qu e, com o Pau lo, h aviam sido ilu -
didos por Raim u n do Roch a San tan a (Araribá), em preiteiro da em presa de
reflorestam en to Reflorest S. A., de Elias Abraão de São Pau lo. Araribá qu e
até a sem an a passada con tin u ava foragido, h á dois an os foi con den ado
pelo m esm o crim e, e deveria cu m prir 8 an os de prisão.
Os capatazes Joaquim Henzel Amaral (Polaco) e Sérgio Morais (Delegado)
estão presos em Juquiá, e as vítimas foram alojadas num hotel da cidade, por
conta da prefeitura. O gerente da Fazenda Safira, agrônomo Flaviano Clavi-
jo Villaroel, garante que ele e os proprietários nada sabiam a respeito.55

As con dições de m igração e desen raizam en to do trabalh ador em


bu sca de u m a m elh oria de su a existên cia, ao lado do descaso das em pre-
sas e das au toridades locais aparecem n o segu in te trech o:

Aos 30 an os de idade o pern am bu can o José Man u el da Silva n u n ca con -


segu iu passar do cargo de “aju dan te”. Filh o do m u n icípio de Poção, Per-
n am bu co, em 1973 partiu para São Pau lo, deixan do para trás toda su a tra-
dição e experiên cia de trabalh ar a terra. No dia 10 de setem bro tirou pela
prim eira vez carteira de trabalh o, já em São Pau lo, m as só con segu iu em -
prego fixo 17 m eses depois n u m a m etalú rgica, gan h an do Cr$ 1,60 por
h ora com o aju dan te de pren sista. No dia 19 de m aio de 1975, qu atro m e-
ses depois, trocou de em prego atraído pelos 20 cen tavos a m ais por h ora
oferecidos por u m a fábrica de tecidos. Foi ser aju dan te de tin tu raria.
Menos de um mês depois pediu demissão e disse à sua mulher Benedita da
Silva, doméstica em São Paulo ganhando 900 cruzeiros por mês, que volta-
ria a Pernambuco para visitar os pais. Viajou e de lá escreveu que iria traba-
lhar uns tempos na construção da barragem de Sobradinho no Rio São Fran-
cisco, 560 Km de Salvador, onde estariam pagando bem. Essa indicação che-
gou até o sertão pernambucano através de um dos cinco aliciadores de tra-
balhadores da construtora Servix Engenharia S. A., empresa encarregada da
obra, que pemanentemente percorrem os estados nordestinos à procura de
mão-de-obra não qualificada. Foi contratado por Cr$ 2,50 a hora no cargo
de ajudante de carpinteiro.
Dia de Finados
“Recebi u m a carta do seu cu n h ado qu e tam bém trabalh a n a obra, m e di-
zen do qu e fazia três m eses qu e estava procu ran do ele pois de repen te Ma-
n u el deixou de ir n a casa dele o qu e n ão era n orm al. Mas a com pan h ia es-
tava en rolan do, n ão qu eria con tar. Um a h ora dizia qu e ele tin h a sido
tran sferido, ou tra h ora falava qu e tin h a ido em bora e pedido a con ta. Não
diziam n ada qu e ele tin h a m orrido. Seu cu n h ado, casado com a irm ã dele,
de tan to procu rar o pessoal da Servix pra saber o destin o de Man u el foi até
am eaçada pelos gu ardas (da SBIL) de qu e tom aria u m a su rra se con tin u as-
se a ch atear. Qu an do foi n o dia de Fin ados ele foi ao cem itério daqu i (So-
bradin h o) e n u m a relação de todos os en terrados en con trou o n om e de
m eu m arido”. Ben edita da Silva, cozin h eira e lavadeira em São Pau lo, m u -

176
lh er de José Man u el da Silva com qu em estava casada h á oito m eses, só
sou be da m orte de seu m arido em dezem bro do an o passado, cin co m eses
depois de ter sido m orto atropelado pelo delegado de Sobradin h o Eliel
Gon çalves Con du ru , ten en te da Polícia Militar da Bah ia.
“Eles dizem qu e foram dois rapazes qu e estavam com ele qu e esm u rraram
Man u el n a fren te da Ru ral em qu e estava o ten en te. Mas eu n ão sei, n ão
en con tro n en h u m a testem u n h a. Eu pergu n tei a eles (à polícia) qu e eram
as testem u n h as, m as eles m e en rolam , m e en rolam ”.56

A problem ática da m u lh er trabalh adora com filh os e qu e precisa se


preocu par com o local on de as crian ças ficam n a su a au sên cia su rge n es-
te trech o:

“Nós, m ães e don as de casa qu e já lu tam os h á tan tos an os por u m a cre-


ch e, ten do percorrido vários órgãos pú blicos, voltam os h oje aqu i com a es-
peran ça de qu e desta vez a gen te seja aten dida”, dizia o m em orial qu e
pou co m ais de seten ta m u lh eres preten diam en tregar ao coorden ador do
Bem -Estar-Social, Lu is Felipe Soares Baptista, n o ú ltim o dia 28, em n om e
de 15 bairros da periferia da zon a su l de São Pau lo. Um m ês an tes, o pró-
prio coorden ador prom etia a elas, du ran te a in au gu ração de u m a obra as-
sisten cial n o Bairro de Cam po Lim po, u m a resposta defin itiva sobre a pos-
sibilidade de elas con segu irem realizar u m son h o pelo qu al vin h am lu tan -
do h á m ais de 4 an os: a con stru ção de crech es on de deixar seu s filh os en -
qu an to trabalh avam fora de casa.57

Como o referido coordenador não se encontrasse em seu posto, as


mulheres foram recebidas por um assessor. Não acreditaram que Luis Feli-
pe não estivesse. O assessor solicitou que uma delas entrasse para verificar,
se ele se encontrava em sua sala ou não. Elas retrucaram que ou entrariam
todas ou nenhuma. Ele com o cinismo do descaso oficial, respondeu: “Vo-
cês precisam ter paciência”, insiste o Dr. Roberto, “eu também tenho qua-
tro filhos e nem por isso estou impaciente atrás de uma creche”. “Mas que
diferença”, diz uma mulher, “meu marido ganha uma mixaria”58.
A violên cia da con dição de vida da m u lh er e a exploração do tra-
balh o pelo h om em , aparecem docu m en tadas n este depoim en to, parte de
u m artigo, totalm en te vetado, en volven do a problem ática da prostitu ição:

“Sim , m as tam bém n ão é u m a vida fácil”, com o ch am am . “A gen te tem


qu e ter m u ita psicologia. Se n ão dá problem a, com o aqu ele qu e m e acon -
teceu n a sem an a passada”, con ta Diva. “Men in a, qu e su sto eu levei! En -
trei n u m carro e com bin ei, qu e eu sem pre com bin o tu do direitin h o, o qu e
eu faço, o qu e eu n ão faço, o preço, tu do. Aí su bim os n o carro e ele foi an -
dan do e pegou a estrada para Osasco. Aqu ilo é escu ro, n ão tem u m a casa,
n ada. Aí eu falei qu e com bin am os qu e n ão ia n a estrada. E ele tirou u m a
faca e m e disse: “Men in a, você sai n a ru a m esm o, e vai fazer o qu e eu qu i-
ser, do jeito qu e eu qu iser”. “Me deu u m m edo! Eu n ão sabia o qu e fazer.

177
Descer do carro, n ão dava, qu e ele corria m u ito. Tam bém n ão dava para
discu tir m u ito, qu e com aqu ele faca, ele m e m atava, m esm o. Aí fiqu ei
qu ieta, pen san do. De repen te passam os por u m a casa, e tin h a n a porta u m
h om em com u n s cach orros. Aí eu botei a boca pela jan ela e gritei, m as gri-
tei com o n u n ca: “Socorro, ele está qu eren do m e m atar”. Aí eu vi qu e o h o-
m em vin h a corren do a pé atrás de n ós e gritou para m im qu e ia ch am ar a
polícia. O cara do carro pisou n o acelerador para fu gir e depois brecou de-
vagar. Falei com igo “É agora qu e ele vai m e esfaqu ear. Abri a porta do car-
ro e m e jogu ei fora. Acordei n o Pron to Socorro, com todas essas feridas
qu e você vê aí. Diz qu e ten taram ir atrás dele, depois, m as ele já tin h a su -
m ido. Um tarado, m en in a! Um , su sto daqu eles! Depois daqu ele caso, eu
até falei pro m eu h om em qu e eu estava m eio can sada, grávida e tu do. Não
estava m ais com von tade de voltar para a ru a. Aí ele foi tão bon zin h o co-
m igo! Disse qu e era para eu ficar em casa, qu e ele arran java em prego para
su sten tar a gen te. E você sabe qu e ele arran jou , m esm o? Hoje ain da. Pra
gan h ar cem cru zeiros por dia. Men in a, eu fiqu ei tão com ovida! Mas eu já
tin h a voltado para a ru a e tu do, já tin h a passado o su sto e falei para ele
qu e n ão, ele fica aí e eu vou trabalh ar. Porqu e eu n ão ia largar, m esm o. Eu
n ão largo disso n ão”.59

O estím u lo à resistên cia n ão in stitu cion alizada e à organ ização dos


trabalh adores com o form a de m in orar as su as difíceis con dições de vida e
de trabalh o são tam bém u m a con stan te n os artigos vetados de M. Este tre-
ch o vetado m ostra u m tipo de associação bem -su cedida, em bora n ão es-
pon tân ea:

Edite Maria dos San tos é u m a das lavadeiras da Associação das Lavadeiras
de Ju azeiro qu e con grega atu alm en te cerca de 130 m u lh eres qu e vivem
exclu sivam en te da lavagem de rou pas.
Criada em 1971 por in iciativa da Diocese de Ju azeiro, a Associação da La-
vadeiras tem du as u n idades: a prim eira n o bairro do Cru zeiro, com 10 tan -
qu es, u m coradou ro, varais e três fogões a len h a para ferver as rou pas. A
ou tra n o alto da Maravilh a, com 20 tan qu es.
Ao lado de Edite, com u m a gran de bacia de rou pas qu e vai colocar n o co-
radou ro para tom ar sol, don a Babu , presiden te da prim eira u n idade, expli-
ca sorriden te o qu e é a Associação: “aqu i é a sociedade das lavadeiras on de
n ós lava as rou pas pro pessoal da cidade. Prá associar a gen te só paga só a
taxa de águ a qu e é de 3,00 por m ês e m ais 1,00 para o n osso pecú lio co-
m u m qu e fica gu ardado n o ban co, pro caso de algu m a n ecessidade. Aqu i
n ós tem m édico e dois den tista qu e cu idam da gen te, por in flu ên cia da Dio-
cese. Esse sistem a de Associação é u m a m aravilh a, porqu e a gen te lava a
von tade, n ão pan h a ch u va, n ão pan h a sol. Eu an tes lavava rou pa n os bu -
racos, n o m eio da caatin ga, qu an do ch ovia e a águ a ficava em poçada ali
Qu an do n ão ch ovia a gen te ia lavar n o rio, sair daqu i pra lavar. En tão essa
lavan deria aqu i foi m u ito bom m esm o. A rou pa a gen te pega n a cidade, n os
popu lares. A lavagem é m u ito barata, tem gen te qu e paga 50, 40, 30 cru -
zeiros por m ês para lavar a rou pa da casa toda e en gom ar, dar a rou pa pron -
tin h a. Um a lavadeira pega de três a cin co casas para lavar a rou pa, depen -
de. A lavadeira sen do bem in stru ída n o serviço pega até cin co casas”.60

178
O relato de Migu el, trabalh ador da COSIPA, m ostra a dificu ldade
de su as con dições de vida qu e u ltrapassam a du ra realidade do trabalh o:

“Meu s com pan h eiros de trabalh o sem pre gu ardam pra m im o pãozin h o
qu e eles recebem n as refeições lá n a u sin a. En tão, trabalh an do dois tu rn os
n u m dia eu con sigo levar u m pou co m ais pra casa. Mas a m in h a m u lh er
n ão dá tu do n o dia, n ão, porqu e su cede qu e tem dia qu e eu n ão levo n ada.
En tão, ela tá sem pre separan do u m pou qu in h o pra am an h ã”.
A seca tirou Miguel de Pernambuco. Havia feito empréstimo num banco
para tocar sua roça de milho, mamona e algodão, mas o sol acabou com a
lavoura e Miguel teve que vender duas ovelhas, a cabrita e o burrico mais a
casinha para pagar o financiamento. Sem nada, veio para o Sul ser pedrei-
ro. Até que surgiu a oportunidade de trabalhar em Cubatão, na Cosipa [sic].
Com as horas-extras Miguel conseguiu até mesmo comprar uma nova casi-
nha, embora bem no meio do complexo industrial mais poluído do Brasil:
“Tem dia qu e n ós tem os qu e pôr u m pan o n a cara pra poder respirar direi-
to. Mas fazer o qu ê? Pelo m en os a casin h a é n ossa. Tô pagan do 600 cru -
zeiros por m ês, e vai dem orar 20 an os pra term in ar tu do. Só fiqu ei triste
de ter qu e fazer o piso, colocar os azu lejos e os ladrilh os, porqu e a COHAB
m e en tregou a casa depen ada”.61

O alh eam en to provocado pelo esqu em a de trabalh o fica m u ito cla-


ro n a fala de Raqu el, operária da Volks:

“An tes qu an do faltava cin co m in u tos para 4 e m eia o pessoal já estava de


saída. E era u m a correria m edon h a, todos qu eriam ch egar prim eiro n a
porta de saída. Agora é proibido correr. Tem os qu e sair em fila, bon itin h os,
com portadin h os e redu ziram os cin co m in u tos qu e a gen te m atava para
dois m in u tos.
Cada operária tem o seu ban h eiro para se lavar an tes de ir em bora. Mas eu
n u n ca tom o ban h o n a Volks, qu ero ir em bora logo. Mas é gozado. Qu an do
eu saio da fábrica m e dá u m a sen sação qu e n ão sei fazer ou tra coisa a n ão
ser m eter fio n o espagu eti. Parece qu e o m eu m u n do é lá den tro. Na ru a
m e vem u m a rápida sen sação de n ão saber o qu e fazer. Mesm o qu an do vou
à praia com o n oivo, qu e é m u ito difícil de ir, eu m e deito de bru ços e fico
firm e olh an do a areia. Olh o a areia, esfrego o dedo n a areia, o n oivo até pa-
rece u m h om em estran h o, e a vida, absu rda e sem sen tido. Mas aí eu leio
u m a revista de foton ovela e tiro essas bobagen s da cabeça, lou cu ras”.62.

Um con cu rso prom ovido pela Eletro-Radiobraz em todo o estado


de São Pau lo, foi o m ote para m ais u m artigo vetado de M. O con cu rso es-
tim u lava as crian ças de 6 a 12 an os, de escolas de 1º grau (en sin o fu n da-
m en tal), a escreverem cartas pessoais ao presiden te da Repú blica com o
títu lo: “Sr. Presiden te, Este é o Meu Pai”. O m otivo da prom oção era a
proxim idade do Dia dos Pais. O prêm io para a m elh or carta era três dias
de estadia em Brasília para a crian ça e seu pai. M cita vários trech os de
cartas escritas por alu n os do Gru po Escolar Maria Au gu sta Siqu eira da

179
Vila dos Rem édios, distrito de Osasco, periferia de São Pau lo. Algu n s des-
ses relatos trazem a relação en tre as difíceis con dições de vida e de traba-
lh o, a dissolu ção das relações afetivas, o alcoolism o, a violên cia, e a im -
possibilidade do lazer:

“Meu pai é um homem que trabalha demais. Ele trabalha de eletricista en-
canador. Tem que levantar às 5 horas da manhã todos os dias. Começou a
vida trabalhando na roça. Só teve até o 2º ano de escola. Agora está aprovei-
tando o tempo para estudar o Mobral. Confesso que às vezes bebe, mas não
para se embriagar. Só se embriaga mesmo quando está com muita raiva”. [...]
“Meu pai se ch am a João. Sr. Presiden te, m eu pai tem vezes qu e ele é bom
e tem vezes qu e ele m ostra su a ru in dade. Meu pai trabalh a n a An derson
Cleito, ele gan h a pou co e com prou u m terren o e m in h a m ãe está sofren -
do dem ais para pagar m as estam os con segu in do. Mas m eu pai é m u ito
bom . Ele bebe u m pou co m as ele com eçou a beber qu an do era m oço. O
pai dele n ão deixava ele sair e ele fu giu de casa”. [...]
“Meu pai n ão gosta de ficar sem trabalh ar. Ele n ão gosta de ficar de férias
ele diz qu e n ão sabe passar o dia sem trabalh ar”. [...]
Mas o caráter violento desse mergulho no trabalho aparece na carta de Vir-
gínia, cujo pai “Sr. presidente, trabalha até aos domingos”. Segundo ela,
quando está em casa sozinho “ele pega o revólver e fica atirando na parede”.63

Ou tra gran de tem ática de M con stitu iu -se n a crítica ao m odelo eco-
n ôm ico adotado pelo govern o brasileiro após 1964, m odelo este qu e já vi-
n h a se an u n cian do desde o pós-gu erra com a abertu ra desen freada ao ca-
pital extern o, com a aceleração do processo de in du strialização, m as às
cu stas da en trada de gran des em presas estran geiras sem a correspon den -
te tran sferên cia de tecn ologia e com o recu rso do en dividam en to progres-
sivo. A con trapartida foi a elevação da con cen tração da ren da e do pro-
cesso in flacion ário, com a m argin alização crescen te de parcelas cada vez
m ais sign ificativas da popu lação em relação ao crescim en to econ ôm ico.
Neste aspecto, a diferen ça en tre M e OESP é m arcan te, n a m edida em qu e
OESP, ao con trário de M, defen dia este m odelo de desen volvim en to para
o país, em defesa do qu al atu ou de m odo sign ificativo n a con spiração para
o golpe de 1964.
É m u ito gran de o n ú m ero de artigos vetados de M com a crítica à
política econ ôm ica adotada pelo Estado au toritário. O trech o selecion ado
abaixo (parte de u m artigo com parcelas cen su radas tratan do, de m an ei-
ra geral, da situ ação econ ôm ica das n ações do Terceiro Mu n do) represen -
ta u m a previsão da aceleração da crise n os países qu e adotaram u m a teo-
ria econ ôm ica qu e relacion ava a u tilização dos recu rsos extern os com a
possibilidade con creta de su a tran sform ação em gran de potên cias:

E esses países se verão n a im in ên cia de situ ação gravíssim a, de con seqü ên -


cias fin ais ain da im previsíveis, m as qu e com eçam a despon tar e de qu e es-
tam os sofren do o an tegosto. Será o resu ltado de u m a in con seqü en te polí-
tica econ ôm ica em term os das reais con dições e n ecessidades desses países
e da m assa de seu povo qu e, se deixan do ilu dir com as facilidades propor-

180
cion adas pelo abu n dan te aflu xo de recu rsos extern os qu e u m a con ju n tu -
ra in tern acion al excepcion al tin h a determ in ado, ju lgou – ou qu is ju lgar,
preferivelm en te – qu e esses países h aviam en trado em n ova etapa de su a
evolu ção econ ôm ica, em take of rostovian o, isto é, a decolagem descrita n os
term os ortodoxos da teoria econ ôm ica qu e em breve prazo elevaria esses
países à categoria de gran de potên cia...64.

Ou tro artigo vetado, em parte, diz respeito à CPI das m u ltin acio-
n ais organ izada pelo Con gresso Nacion al. A m atéria an alisa qu e dificil-
m en te esta com issão poderia con du zir a algu m resu ltado con creto da for-
m a com o vin h a sen do organ izada: de u m lado seu relator, o depu tado
Herbert Levy, era favorável às m u ltin acion ais, de ou tro, su as in vestiga-
ções, segu n do o regu lam en to, n ão poderiam u ltrapassar o âm bito de Bra-
sília, n ão têm n em tin h am poderes para alteração do qu adro, sen do qu e
o m áxim o qu e poderiam fazer era su gerir para o Con gresso as alterações
n a legislação qu e regu lam en tava in vestim en tos estran geiros. Tam bém a
im pren sa n ão vin h a m ostran do gran de in teresse, e parte de seu s depoi-
m en tos perdeu a im portân cia devido à om issão deliberada de dados ou às
m en tiras com provadas. A parte do artigo vetada, tran scrita abaixo, cor-
respon de a u m a am ostragem do com portam en to típico govern am en tal
fren te aos riscos represen tados pela falta de con trole m an tido sobre as
m u ltin acion ais:

O depoim en to do presiden te do Ban co Cen tral, Pau lo Pereira Lira – a pri-


m eira au toridade govern am en tal a depor n a CPI, n o dia 22 de m aio, e até
agora o elem en to m ais im portan te do govern o a com parecer n a com issão
– é típico. A su a explan ação in icial, an tes dos debates com os depu tados,
foi con siderada u m a verdadeira lou vação à participação das m u ltin acion ais
(“os prim eiros h abitan tes da aldeia global”, disse ele) n a econ om ia n acio-
n al. Segu n do Pau lo Lira, n in gu ém precisava se preocu par m u ito com as
m u ltin acion ais porqu e o govern o teria “u m a parafern ália” m on tada para
con trolar o capital estran geiro. Mas n egou -se a respon der a u m a pergu n -
ta do depu tado Rosseti sobre o m on tan te dos em préstim os pelas filiais das
m u ltin acion ais às su as m atrizes. “Só n u m a reu n ião secreta”, ju stificou -se
Lira, alegan do m otivos de segu ran ça n acion al. An tes Pau lo Lira h avia de-
fen dido a volu m osa dívida extern a do Brasil com o u m in dicativo de pro-
gresso, en dividam en to qu e ao in vés de apreen são, deveria trazer orgu lh o
ao povo brasileiro, in sistiu ele com u m depu tado. E a ou tro depu tado qu e
in sistiu n o verbo confessar [grifo do au tor], Pau lo Lira refu tou irritado:
“Não estou aqu i para con fessar n ada”.65

Ou tra m atéria vetada em parte qu e possu i u m con teú do bastan te


forte para elu cidação dessa tem ática é a qu e se refere ao pedido de em -
préstim o de 200 m ilh ões de dólares por parte do bilion ário Dan iel Lu d-
wig, proprietário de im en sa gleba de terra n o país e respon sável pela im -
plem en tação do con trovertido Projeto Jari. A crítica presen te n este trech o

181
refere-se ao absu rdo da con cessão do referido em préstim o para qu em já
gozara de su ficien tes benesses por parte do govern o brasileiro n a aqu isição
de seu im en so território. A qu estão cen tral é a da atribu ição da caracte-
rística de en tregu istas às au toridades brasileiras:

Um a das h ipóteses qu e pode explicar a decisão de o govern o dar cobertu -


ra a u m em préstim o tão elevado para u m gru po tão poderoso é a pressão
do balan ço de pagam en tos: preocu pado em au m en tar rapidam en te as ex-
portações, o govern o teria m an ifestado in teresse em qu e Lu dwig apressas-
se seu projeto de im plan tação de u m a fábrica de celu lose visan do exata-
m en te a exportação do produ to e m esm o su prin do o m ercado in tern o de
u m a m atéria-prim a qu e h oje pesa n a pau ta das im portações do país. Mas
aí o excên trico Lu dwig teria en tão preferido tom ar u m em préstim o garan -
tido pelo BNDE do qu e desem bolsar im ediatam en te din h eiro próprio. Esse
caso talvez dem on stre bem a pou ca “m argem de m an obra” de qu e dis-
põem atu alm en te os plan ejadores oficiais para con du zir a econ om ia em
virtu de da situ ação de n ossas con tas extern as. O resu ltado, à parte seu lado
grave, é tam bém pitoresco: Dan iel Lu dwig, u m dos m aiores bilion ários
n orte-am erican os en divida o país e recebe cobertu ra de u m ban co oficial
qu e só deveria operar – em operações de crédito, fin an ciam en to e m esm o
de garan tia – com em presas n acion ais.66

O OCA SO D A EXPERIÊN CIA A LTERN ATIVA : FIN A L D E


MOVIMENTO (N OV. 1981)
Neste m om en to discu tem -se fu n dam en talm en te du as qu estões: de
u m lado, a proposta apresen tada pelo sem an ário, segu n do seu s próprios
docu m en tos, relacion ada à su a prática viven ciada aqu i an alisada sob a
ótica da docu m en tação vetada pela cen su ra; de ou tro, as circu n stân cias
qu e produ zem e levam ao térm in o da experiên cia altern ativa – processo
segu ido pela m aioria dos órgãos de divu lgação altern ativos in seridos n a
fase áu rea deste período –, represen tada particu larm en te por M.
Em prim eiro lu gar, trata-se de en fatizar o tripé qu e represen ta, ao
m esm o tem po, as m aiores preocu pações de M e as dos cen sores: a lu ta
pelo restabelecim en to das ch am adas liberdades dem ocráticas, a ên fase
n a defesa do n acion alism o e o apoio aos in teresses popu lares. Há u m a
con vergên cia en tre o destaqu e dado a essas qu estões apresen tado em
term os program áticos e viven ciado tan to n o program a do jorn al qu an to
n a prática cotidian a de produ ção jorn alística e as in qu ietações dom in an -
tes dos cen sores, reveladas n os cortes m ais con stan tes.
Esses objetivos program áticos qu e já direcion avam o program a in i-
cial do jorn al lan çado, ju n tam en te com o sem an ário, em 7 de ju lh o de
1975, ach am -se claram en te descritos n o program a editorial e político
aprovado em ju lh o de 1980 e qu e o periódico tran screve, n ovam en te, n o
seu n ú m ero de en cerram en to (23 n ov. 1981):

182
Movim en to cobria os enormes espaços deixados pelos violentos cortes do censor com lem-
bretes ao leitor.

Com preen dem os qu e a lu ta por liberdades dem ocráticas sign ifica, h oje, a
defesa da an istia am pla, geral e irrestrita; o fim de todos atos, em en das e
leis de exceção, a dissolu ção dos órgãos de repressão política; a exigên cia
de u m a efetiva liberdade de organ ização sin dical e partidária; e a n ecessi-
dade de u m a Assem bléia Nacion al Con stitu in te soberan a e livrem en te
eleita, con vocada por u m govern o qu e garan ta as m ais am plas liberdades
dem ocráticas; u m a Assem bléia Con stitu in te com essas características ja-
m ais poderá ser con vocada pelo govern o ditatorial do gen eral Figu eiredo
ou por qu alqu er ou tro sem elh an te.

183
A lu ta pela m elh oria das con dições de vida dos trabalh adores expressa-se
h oje n o m ovim en to con tra a n ova política salarial e con tra a alta do cu sto
de vida, pelo direito à terra para qu em n ela trabalh a e pelo com bate à idéia
de qu alqu er “pacto social” ou qu alqu er trégu a n os m ovim en tos reivin di-
catórios qu e facilitassem ao regim e descarregar o peso da crise econ ôm ica
sobre os trabalh adores.
Em relação à independência do país, entendemos que são as massas traba-
lhadoras que mais sofrem com a espoliação imperialista; no entanto, o jor-
nal deve assumir também a denúncia da situação das pequenas e médias
empresas, que sofrem as conseqüências tanto da dependência do país como
da monopolização do capital. Ainda quanto à independência nacional, o jor-
nal deve combater qualquer atrelamento de uma nação a outra – grande,
média ou pequena. Ora, o princípio que conta é o de que cada povo deve li-
bertar-se por si mesmo, longe de pressões, ameaças, boicotes e invasões.67

Nu m breve parên tese, trata-se agora de estabelecer u m a relação


en tre essa tem ática e a form a trabalh ada qu an do da an álise da cen su ra
em OESP. Naqu ela ocasião, dedicou -se aten ção especial à estratégia de
su bstitu ição das m atérias vetadas u tilizada pelo jorn al, con siderada com o
u m a form a m arcan te de resistên cia, qu e de m odo absolu tam en te criativo
e origin al, fazia o leitor en ten der a violên cia qu e se estava desen rolan do,
in stigan do-o a prossegu ir n a descoberta do qu e se escon dia por detrás da
pu blicação in u sitada. Esta m esm a an álise da estratégia de su bstitu ição
n ão será realizada em relação a M, n ão qu e n ão seja con siderada com o for-
m a de resistên cia, m as, basicam en te, por du as razões: en ten de-se qu e a
resistên cia m aior, n o caso do sem an ário, con cen trou -se n a ên fase dada às
su as reportagen s, o qu e ju stificou da parte da cen su ra u m m aior rigor n os
cortes e n as form as de abordagen s; e, além disso, o m odo pelo qu al o pe-
riódico su bstitu iu os vetos dos cen sores, n ão teve a m esm a riqu eza e cria-
tividade u tilizadas por OESP, con sistin do qu ase sem pre n a repetição das
m esm as fórm u las.
Em su bstitu ição às m atérias vetadas pela cen su ra, M costu m ava pu -
blicar lem bretes de au topropagan da ou de ên fase program ática, tais com o:
retân gu los com fu n do bran co ou n egro, com a in scrição “Leia Movimento”
ou “Leia e assin e Movimento”, ou ain da “Os Jorn ais In depen den tes Depen -
dem do Leitor – Leia, assin e e divu lgu e Movimento”, ou tam bém “Leia,
assin e e divu lgu e Movimento, u m jorn al dem ocrático”. Podia in serir, n o lo-
cal dos cortes, pequ en os textos com o, por exem plo: 1. “Com o é feito o jor-
n al Movimento? Cada sem an a, qu ase u m a cen ten a de pessoas estão en vol-
vidas diretam en te n a con fecção de Movimento. Desde as su cu rsais e corres-
pon den tes qu e en viam o m aterial n oticioso e an alítico até a redação. Mas,
ao con trário da m aioria dos jorn ais, em Movimento, os leitores tam bém são
u m a peça im portan te n a produ ção do jorn al. Movimento é su sten tado ape-
n as pela ven da em ban cas e assin atu ras: portan to, qu an to m ais leitores e
assin an tes, m elh or qu alidade podem os oferecer. Leia, divu lgu e e faça seu s
am igos assin arem Movimento, a im pren sa do leitor”. 2. “Mobilize seu s am i-

184
gos para ler e assin ar Movimento. Movimento depen de apen as de seu s leito-
res. A im pren sa do leitor depen de exclu sivam en te das ven das e assin atu -
ras para sobreviver. Leia, divu lgu e e m obilize seu s am igos para assin ar Mo-
vimento. ”. 3. “Movimento em defesa das liberdades dem ocráticas, da in de-
pen dên cia n acion al e da elevação do padrão de vida dos trabalh adores.
Leia, assin e e divu lgu e”. Destaca-se este ú ltim o pequ en o trech o qu e, m ais
u m a vez, é u m a ên fase n o su porte program ático do periódico.

Movim en to também criou estratégias para avisar ao leitor que estava sob censura. Uma
delas são os retângulos negros com propagandas do jornal.

185
Apesar de não variadas, as estratégias de substituição dos cortes de censor foram impor-
tantes: não podiam deixar de ser vistas pelo leitor e divulgavam o jornal e suas plataformas.

Tom an do-se agora, n as m atérias vetadas an alisadas, as u n idades te-


m áticas e su btem as qu e tratam m ais diretam en te destas qu estões acen tu a-
das n o tripé destacado, observa-se qu e, n a u n idade tem ática Questões Polí-
ticas, em qu e lato sensu con cen tram -se m ais as problem áticas vin cu ladas à
defesa das liberdades dem ocráticas – restrin gin do-se apen as aos su btem as
m ais próxim os à qu estão (“Críticas ao Regim e”, “Repressão Política”, “Crí-
ticas da Oposição”, “Relações Igreja/ Estado”, “An istia”, “Críticas ao Exte-
rior, ” e “Assem bléia Nacion al Con stitu in te”) –, ch ega-se a u m a cifra n u -
m érica bastan te sign ificativa (172 vetos) se com parada percen tu alm en te
(20,47% ) em relação ao total. Observa-se tam bém qu e n a u n idade tem á-
tica Questões Econômicas, tom an do-se os dois su btem as destacados (“Críticas
à Política Econ ôm ica” e “Petróleo/ Petrobrás”) em qu e aparece com clare-
za a defesa da in depen dên cia n acion al, a qu an tidade de vetos (108 vetos)
represen ta 12,86% do total. E fin alm en te, n a u n idade Questões Sociais, em
qu e se en fatiza a lu ta pela elevação do padrão de vida dos trabalh adores,

186
prin cipalm en te, n os su btem as “Con dições de Vida e de Trabalh o da Popu -
lação”, “Qu estão da Terra”, “Gru pos Diferen ciados”, “Qu estão In dígen a, ”
e “Reivin dicações Sociais” (destacan do-se os qu e atacam esta problem áti-
ca m ais diretam en te), o dado qu an titativo é de 172 vetos, ou seja, 20,47%
do total an alisado.
Con clu i-se, portan to, em bora a an álise correspon da a u m a am os-
tragem do u n iverso possível, n ão abran gen do o todo do m aterial vetado,
qu e a cen su ra realizada em M atin giu os pon tos con siderados fu n dam en -
tais e qu e defin iam a própria essên cia do periódico. Não foi, deste m odo,
u m a cen su ra circu n stan cial (com o a de OESP), qu e estivesse vin cu lada a
u m determ in ado m om en to h istórico, pois, percebe-se qu e, apesar de da-
tada (1975-1978), ela dirigiu -se ao sign ificado de fu n do, às bases form a-
doras do sem an ário. Este fato con tribu i para explicar a perm an ên cia dos
vetos a M e a su spen são da cen su ra em ou tros órgãos de divu lgação com
preocu pações diferen ciadas.
Ao se tom ar, en tretan to, o trin ôm io dem ocracia/ n acion alism o/ in -
teresses popu lares, qu e, em lin h as gerais, defin em M, algu m as qu estões
precisam ser pen sadas:

• Relação dem ocracia x liberalism o, em qu e pese a u m a com paração pos-


sível da gran de im pren sa (person ificada em OESP) e a da im pren sa alter-
n ativa (exem plificada com M).
• Com patibilidade da liberdade e da igu aldade den tro dos preceitos dem o-
cráticos.
• Problem áticas da h om ogen eidade x h eterogen eidade n a ên fase n acion a-
lista e n a defesa dos in teresse popu lares.
• Presen ça de u m a con cepção van gu ardista qu e con sidera o in telectu al o
tradu tor dos in teresses da popu lação, o qu e, gu ardadas as proporções,
pode ser com parado à cren ça n a form ação de u m a “opinião pública” por
parte de u m a elite racion al pen san te, típica do pen sam en to liberal; qu an -
do se qu er u m jorn alista cu ja tarefa n ão seja apen as “a de descrever o mun-
do, mas de ajudar a transformá-lo68.

Acom pan h an do o pen sam en to de Norberto Bobbio, qu e an alisa a


relação en tre liberalism o e dem ocracia, pode-se, de m an eira geral, con -
siderar o projeto de M com o u m a ten tativa de aproxim ação en tre a de-
m ocracia e o socialism o; en qu an to o de OESP represen ta a bu sca da pro-
xim idade en tre o liberalism o e a dem ocracia. São estas as palavras do
au tor:

No bin ôm io liberalism o m ais dem ocracia, dem ocracia sign ifica prin cipal-
m en te su frágio u n iversal e, portan to, u m m eio de expressão da livre von -
tade dos in divídu os sin gu lares; n o bin ôm io dem ocracia m ais socialism o,
dem ocracia sign ifica ideal igu alitário qu e apen as a reform a da propriedade
proposta pelo socialism o poderá realizar. No prim eiro bin ôm io é con se-
qü ên cia, n o segu n do u m pressu posto. Com o con seqü ên cia, n o prim eiro

187
com pleta a série das liberdades particu lares com a liberdade política; com o
pressu posto, n o segu n do, será com pletada tão-som en te pela fu tu ra e espe-
rada tran sform ação socialista da sociedade capitalista.69

En tretan to, essas m esm as ten tativas de aproxim ação trazem à


ton a a discu ssão do peso con ferido à liberdade e à igu aldade n os proje-
tos liberal-dem ocráticos ou de u m a dem ocracia social. No prim eiro pro-
jeto, aparen tem en te o en foqu e privilegiado cabe à tem ática da liberda-
de iden tificada com a qu estão do in divídu o sobrepon do-se ao corpo so-
cial. Já n o segu n do, a preocu pação prim ordial in cide sobre a igu aldade
de con dições, e aqu i, o corpo social u ltrapassa as aspirações in dividu ais.
É bastan te con h ecido o tem or da in stitu ição da dem ocracia, com o u m a
form a atu alizada de tiran ia, com o predom ín io da von tade da m aioria,
abafan do as diversidades in dividu ais. Tratan do sobre a qu estão da fu n -
dação das Revolu ções Fran cesa e Am erican a, Han n ah Aren dt assim se
m an ifesta a respeito:

Um a vez qu e n in gu ém é capaz de form ar su a própria opin ião sem o con -


cu rso de u m a diversidade de opin iões defen didas por ou tras pessoas, a su -
prem acia da opin ião pú blica põe em risco até m esm o a opin ião dos pou -
cos qu e têm a ou sadia de n ão com partilh ar dela. Essa é u m a das razões do
n egativism o cu riosam en te estéril de todas as opin iões qu e se opõem a u m a
tiran ia aclam ada pelo povo. Não é apen as, e talvez m esm o n ão fu n dam en -
talm en te, em razão do poder esm agador da m aioria qu e a voz da m in oria
perde, n essas circu n stân cias, toda a força e toda a plau sibilidade; a opin ião
pú blica, por cau sa de su a u n an im idade, provoca u m a oposição u n ân im e e,
por con segu in te, su foca as verdadeiras opin iões qu e su rjam em qu alqu er
lu gar. Essa é a razão pela qu al os fu n dadores ten diam a equ iparar o gover-
n o baseado n a opin ião pú blica à tiran ia; n esse sen tido, a dem ocracia era,
para eles, u m a n ova form a atu alizada de despotism o.70

A m esm a au tora, en tretan to, prossegu e e faz u m a distin ção en tre


in teresses e opin ião:

In teresse e opin ião são fen ôm en os políticos com pletam en te diversos. Poli-
ticam en te, os in teresses só são relevan tes com o in teresses de gru pos, e para
a depu ração desses in teresses gru pais parece ser su ficien te qu e eles se fa-
çam represen tar de tal form a qu e seu caráter parcial seja preservado em
qu aisqu er con dições, m esm o n a circu n stân cia em qu e o in teresse de u m
gru po possa even tu alm en te ser o in teresse da m aioria. As opin iões, ao con -
trário, n u n ca dizem respeito a gru pos, m as exclu sivam en te a in divídu os,
qu e “m an ifestam livre e desapaixon adam en te os seu s pon tos de vista”, e
n en h u m a m u ltidão, seja ela represen tativa apen as de u m a parte da socie-
dade, seja de su a totalidade, jam ais será capaz de form ar u m a opin ião.71

Levan do-se em con sideração a problem ática do in divídu o x corpo


social, ressalvan do-se a diferen ciação acim a exposta relativam en te à opi-

188
n ião e aos in teresses e pen san do-se n a con ven iên cia com a diversidade,
u m dos atribu tos da dem ocracia; é n ecessário refletir sobre as colocações
de Marilen a Ch au í acerca da dem ocracia:

Na esfera político-in stitu cion al, u m a das afirm ações cen trais con cern en tes
à dem ocracia con siste em adm itir qu e se trata de u m a form a política n ão
só aberta aos con flitos, m as essen cialm en te defin ida pela capacidade de
con viver com eles e de acolh ê-los, legitim an do-os pela in stitu cion alização
dos partidos e pelo m ecan ism o eleitoral. Tem sido tam bém u m a das ban -
deiras de lu ta dem ocrática a n egação do partido ú n ico com o u m a im pos-
sibilidade de fato e de direito para a prática dem ocrática. Essas afirm ações,
qu er feitas por liberais, qu er por con servadores, qu er por sociais-dem ocra-
tas, om item o fu n dam en tal (exatam en te com o n o caso da esfera econ ôm i-
ca): a qu estão da qu alidade. Em ou tras palavras, o elogio do plu ripartida-
rism o com o essên cia da dem ocracia pode dissim u lar o fato de qu e u m par-
tido, seja ele qu al for, carrega den tro de si a sociedade com o u m todo, ex-
prim in do-a de u m pon to de vista determ in ado (u m a classe, u m a fração de
classe, u m gru po) com o pars totalis. Isto sign ifica qu e se, por u m lado, o
plu ripartidarism o im plica aceitação das divergên cias, por ou tro, en qu an to
m u ltiplicidade de posições, é apen as um signo [grifos da au tora] da possibi-
lidade dem ocrática e n ão a efetividade dem ocrática. Tan to isto é verdade
qu e cada u m dos partidos pode organ izar-se de tal form a qu e n ele n ão h aja
dem ocracia in tern a, com o ain da serve de álibi para aqu eles qu e apon tam
os partidos com o prova da in existên cia de vida dem ocrática.
[...] Fazen do da su posta n ecessidade do desen volvim en to do aparelh o esta-
tal e do n acion alism o as arm as da lu ta de classes, os partidos e organ izações
de esqu erda prim aram pelo au toritarism o in tern o e dos program as. No caso
dos liberais, a crítica con stan te ao perigo da in terven ção estatal n u n ca im -
pediu qu e, em m om en tos de con vu lsão política e social, apelassem para as
Forças Arm adas e para aceitação “provisória” de regim es ditatoriais.72

Ou tro pon to levan tado pela m esm a au tora é o da qu estão da in for-


m ação:

Talvez a con dição social m ais prem en te da dem ocracia, aqu ela qu e in cide
n as an teriores (qu e, n ão por acaso, levou Marx a in iciar a qu estão da gê-
n ese da ideologia com a separação en tre trabalh o m an u al e in telectu al,
com o levou Gram sci às lon gas an álises acerca do papel dos in telectu ais e à
esperan ça de u m partido n o qu al todos os m em bros fossem in telectu ais,
porqu e com igu al direito ao saber), seja a qu estão da in form ação.
Seja qu al for o estatu to econ ôm ico, a posição den tro de u m sistem a global
de depen dên cias sociais, u m in divídu o participa da vida social em propor-
ção ao volu m e e à qu alidade das in form ações qu e possu i, m as, especial-
m en te, em fu n ção de su a possibilidade de acesso às fon tes de in form ação,
de su as possibilidades de aproveitá-las e, sobretu do, de su a possibilidade de
n elas in tervir com o produ tor do saber.[...]
Ora, sabem os qu e n as sociedades n ão dem ocráticas (e sob esse aspecto par-
ticu lar será difícil en con trar algu m a sociedade qu e seja dem ocrática) u m a
fórm u la precisa rege o processo de in form ação e pode ser assim resu m ida:

189
n ão é qu alqu er u m qu e pode dizer qu alqu er coisa a qu alqu er ou tro em
qu alqu er lu gar sob qu alqu er circu n stân cia. Há, portan to, regras de in terdi-
ção qu an to ao em issor, ao receptor, à m en sagem , seu tem po e seu lu gar.73

Fin alizan do, Marilen a Ch au í trata das con dições sociais da dem o-
cracia, fech an do com a problem ática da liberdade x igu aldade em óticas
diferen ciadas:

Se qu iséssem os resu m ir n u m a só palavra a qu estão das con dições sociais


da dem ocracia, talvez devêssem os recu perar u m con ceito qu e a “ciên cia”
n os fez aban don ar por cau sa de su as resson ân cias h u m an istas e filosóficas:
o con ceito de alienação [grifo da au tora] e o de su a form a n a sociedade ca-
pitalista, a reificação. Em resu m o, o problem a da divisão social do traba-
lh o, com o divisão das classes para e pela exploração social da m ais-valia,
exploração qu e n ão é realizada pelo Estado, m as através do Estado. Eis
por qu e a qu estão da dem ocracia, ao ser redu zida à esfera estreitam en te
político-in stitu cion al, acaba sen do redu zida a u m a discu ssão qu e se con -
cen tra, em ú ltim a in stân cia, n as tran sform ações do aparelh o do Estado,
isto é, discu tida “pelo alto” e com as len tes dos dom in an tes. Se, do lado so-
cialista, a ên fase n o econ ôm ico parece fazer com qu e a discu ssão se reali-
ze a partir “de baixo” e reforce o tem a da igu aldade, con trapon do-se à dis-
cu ssão liberal qu e en fatiza o tem a liberdade, em term os estritam en te h is-
tóricos a igu aldade, afirm ada por u n s, e a liberdade, defen dida por ou tros,
deixaram in tacta a qu estão da alien ação e com ela a da dem ocracia, por-
qu e deixaram in tacta a qu estão do Poder.74

Porém , além destas qu estões qu e en volvem a problem ática da con -


cepção dem ocrática adotada n a perspectiva de u m órgão de divu lgação
com todas as con tradições e dificu ldades qu e lh e podem ser decorren tes,
as ban deiras de lu ta de M trazem com clareza as qu estões do n acion al e
do popu lar qu e m erecem con siderações específicas:

Tan to o adjetivo “n acion al” qu an to o adjetivo “popu lar” reen viam a m a-


n eiras de represen tar a sociedade sob o sign o da u n idade social, isto é, Na-
ção e Povo são su portes de im agen s u n ificadoras qu er n o plan o do discu r-
so político e ideológico qu er n o das experiên cias e práticas sociais. Con si-
deran do-se a n ação com o “existên cia geográfica e an tropológica” para u sar
a expressão de Hegel, ou com o a face extern a do social (território, lín gu a,
m ores, in stitu ições), e o povo com o a face in terior da sociedade, ou com o
u n idade política e ju rídica, tan to u m term o com o ou tro, n a qu alidade de
“faces” de u m a m esm a realidade, têm com o referên cia ú ltim a a im agem de
u m todo u n o, ain da qu e diversificado (a diversidade sen do apen as a plu -
ralidade daqu ilo qu e é em si idên tico).75

Levan do-se em con ta todas essas colocações, ao lado das aspirações


program áticas de M, bem com o tom an do-se su a prática viven ciada a par-
tir da an álise do m aterial produ zido e vetado pelos cen sores, é preciso ob-
servar algu m as qu estões.

190
Em prim eiro lu gar, se com parado, em term os de proposta e de prá-
tica com OESP, M possu i u m a con cepção diferen ciada a respeito da im -
pren sa e de seu papel social. Em M discu te-se a dem ocratização do aces-
so à in form ação para a m aioria da popu lação; a respon sabilidade da im -
pren sa n a divu lgação de n otícias; o jorn alism o en gajado com u m projeto
político defin ido e pú blico, fora das m alh as de u m a preten sa n eu tralida-
de, im parcialidade e isen ção n os fatos; a am pliação do direito de voz aos
em issores qu e são e fazem n otícias; e a con cepção n ão elitizada de fato
jorn alístico a ser coberto.
Em segu n do lu gar, ao lado dessas propostas qu e am pliam en orm e-
m en te a con cepção de im pren sa tal com o é con cebida n os m oldes de u m a
gran de em presa jorn alística, percebem -se algu m as lim itações: a visão da
exploração qu ase sem pre relacion ada com a ótica do trabalh o, em u m a
perspectiva de dom in ação qu e raram en te u ltrapassa a órbita econ ôm ica; a
iden tificação da popu lação com as m assas e a ên fase n a preocu pação com
as m aiorias; e a defesa do n acion alism o qu e resvala para u m a perspectiva
u n ificadora da n ação, bem com o a lu ta pelos in teresses popu lares qu e
pressu põe, de u m lado, u m a h om ogen eização desses objetivos e, de ou tro,
u m a iden tificação en tre os colaboradores do sem an ário, en carados com o
in térpretes dos an seios de diferen ciados gru pos popu lacion ais.
Em terceiro lu gar, com o decorrên cia da con cepção de u m jorn alis-
m o iden tificado com os “in teresses popu lares”, em erge u m a perspectiva
van gu ardista em qu e ao órgão de divu lgação e ao jorn alism o cabe o pa-
pel de con tribu ição para a tran sform ação da sociedade. Essa fu n ção “re-
volu cion ária” vem su bstitu ir a cren ça liberal da possibilidade de form ação
de u m a “opin ião pú blica”.
Em quarto lugar, na concepção democrática de convivência com an-
tagonismos, M formou-se como uma “frente progressista” que, dentre ou-
tras coisas, pressupunha que o jornal pertencesse àqueles que o fizessem,
sendo dotado de mecanismos (conselho editorial e conselho de redação)
que garantissem a existência de uma democracia interna na redação. En-
tretanto, o fato desse objetivo de “frente” ser datado, preso a um determi-
nado momento histórico muito específico, ao lado de uma paulatina defi-
nição, cada vez mais nítida de um projeto político, contribuem para a in-
viabilização desse projeto.
Este qu arto e ú ltim o pon to con du z à segu n da preocu pação des-
te tópico, a saber: o estu do das razões qu e con du ziram ao térm in o da
experiên cia de M, paralelam en te ao fim da m aioria dos periódicos da
im pren sa altern ativa, su rgidos n esse m om en to (fin s dos an os de 1960
e in ício dos de 1970).
Já foi citada a con cepção de im pren sa altern ativa e, den tro dela, a
cren ça n a existên cia de u m m om en to especial de desen volvim en to qu an -
do diversos periódicos adqu iriram gran de força e proliferaram em vários
pon tos do país. Em bora existam diferen ças de opin ião a respeito deste su r-

191
to de expan são da im pren sa altern ativa, qu an to ao seu in ício 76, con sidera-
se qu e esta fase da im pren sa altern ativa ten h a com eçado com o apareci-
m en to do Pasquim, em 1969. Depois dele m u itos ou tros foram su rgin do, e
alcan çaram tiragen s bastan te sign ificativas e abran gên cia n acion al77. Po-
rém , o fin al dos an os de 1970 e o in ício dos de 1980 assistiram à su a qu e-
da, desaparecen do qu ase todos por com pleto. Pode-se dizer qu e apen as o
Pasquim sobreviveu por m ais tem po 78.
É n ecessário en con trar as razões qu e expliqu em esse fen ôm en o de
desaparecim en to gen eralizado, após u m a fase áu rea de desen volvim en to
da im pren sa altern ativa.
A decisão de fech am en to do sem an ário M veio após u m a reu n ião
de dois dias (l4 e 15 n ov. 1981) n a sala do Cu rso Politécn ico, n o bairro do
Bom Retiro, em São Pau lo. Ch egou -se a essa con clu são, após a certeza da
in con torn abilidade da crise fin an ceira qu e vin h a ron dan do M h á bastan -
te tem po. En tretan to, as explicações para seu fech am en to, bem com o o
desaparecim en to de gran de parte da im pren sa altern ativa n esse período,
an tecedem e u ltrapassam essa crise fin an ceira.
A prim eira das razões qu e acode ao sen so com u m é a de relacion ar
o térm in o de M com o fim da cen su ra prévia, ou seja, n ão h averia m ais
m otivo para a existên cia de u m sem an ário de den ú n cia e da im pren sa al-
tern ativa em geral; u m a vez qu e com a liberalização da im pren sa escrita,
o espaço ocu pado por esses órgãos de divu lgação seria retom ado pela
gran de im pren sa. A esses periódicos restou som en te o fech ar as portas .
Sobre esta qu estão con versou -se com Raim u n do R. Pereira, Carlos
Lem os (agên cia O Globo – Rio de Jan eiro) e Jean -Clau de Bern ardet (pro-
fessor de cin em a – ECA/ USP). As opin iões foram diferen ciadas. Raim u n -
do R. Pereira, n egou veem en tem en te a h ipótese, Carlos Lem os acreditava
qu e o fim da cen su ra tivesse sido u m a das m otivações, aliado à falta de ca-
pacidade de geren ciam en to por parte da im pren sa altern ativa; e Jean -
Clau de Bern ardet n ão descartou a h ipótese de u m a ligação en tre o térm i-
n o da cen su ra e o en cerram en to de M.
An alisan do-se as estatísticas do próprio sem an ário, observa-se qu e:

A cen su ra tem reflexos im ediatos n a ven da em ban cas de u m a pu blicação.


Um a in ten sificação da cen su ra prévia correspon de a u m abatim en to das
ven das em ban ca.79

[...] n o período an terior à qu eda da cen su ra a ven da de Movimento h avia


caído para cin co m il jorn ais em ban ca; depois su biu a u m patam ar de 16
m il jorn ais.80

Além dos dados demonstrados pelas estatísticas de M, outro fato dig-


no de nota refere-se à própria concepção implícita na consideração de uma
relação diretamente proporcional entre o fim da censura e o término do se-
manário. Conforme já foi citado, não se entende, juntamente com Raimun-

192
do R. Pereira, que a imprensa alternativa ocupe um espaço deixado pela
grande imprensa em momento que esta demonstre um desvio de sua rota
“natural”. Essa concepção pressupõe que a grande imprensa quando força-
da pela censura prévia deixou de tratar de determinados assuntos, desvian-
do-se, então, de sua rota “natural”. E esse espaço teria sido ocupado justa-
mente pela imprensa alternativa.
No entanto, a grande imprensa, pela sua estrutura, concepção e in-
teresses, vinculados a pressões econômicas de seus anunciantes, nunca se
preocupou (mesmo em momentos de liberdade de expressão) em veicular
determinadas temáticas. Por exemplo, a crítica ao modelo econômico con-
centrador da renda e de abertura ao capital externo, ou mesmo, denúncia
das condições de vida das camadas populares, temas constantes e absoluta-
mente importantes na produção jornalística de M, não tendo a mesma re-
levância em OESP.
Além disso, a própria concepção jornalística da imprensa alternativa
garantia a possibilidade de manifestação popular, muito distante da já dis-
cutida concepção liberal. A imprensa alternativa conquistou um espaço
novo e não foi à toa que assumiu tamanha importância no processo políti-
co daquele período nem que tenha sido um alvo marcado violentamente
pela repressão.
Portanto, não se justifica dizer que, com o término da censura prévia a
grande imprensa passou a ocupar o lugar da alternativa, agora liberada, nem
que esta tenha, em algum momento, ocupado o espaço deixado por aquela.
Para corroborar esta hipótese, há o fato de que, de modo geral, a censura na
grande imprensa deixou de existir bem antes do que sobre os órgãos da im-
prensa alternativa, nos quais, inclusive, atuou com muito mais violência.
Um a vez esclarecido este pon to, acredita-se serem ou tros os m oti-
vos qu e explicam o térm in o de M, em particu lar, e o da im pren sa alter-
n ativa, de m odo geral. Pren dem -se a dois fatores. De u m lado, rela-
cion am -se ao próprio m om en to h istórico viven ciado, ao lado dos objeti-
vos do gru po represen tado n o poder do Estado. De ou tro, à situ ação in -
tern a do periódico (con cebido com o u m órgão de “fren te progressista”)
com as decorren tes dificu ldades de m an u ten ção de corren tes divergen tes
face a u m projeto político cada vez m ais defin ido.
A partir de 1974, tem in ício, com o govern o Geisel, a lon ga fase de
tran sição para a dem ocracia, con cebida com o u m a “abertu ra len ta, gra-
du al e segu ra”. No qu e se refere à qu estão da liberdade de im pren sa, em -
bora n as su as proclam adas in ten ções, o n ovo presiden te desejasse acabar
im ediatam en te com a cen su ra, tal n ão ocorre e, o processo de su a extin -
ção, do m esm o m odo, com o a disten são política, foi pau latin o.
Celin a Rabello Du arte, em seu artigo “Im pren sa e Redem ocratiza-
ção n o Brasil”81 e Alfred C. Stepan 82 m ostram qu e o próprio govern o u ti-
lizou a liberação gradu al de certos setores da im pren sa, com o arm as de
reaproxim ação de elem en tos da sociedade civil. O govern o teve o cu ida-

193
do de m an ter con tatos (até an teriores à posse de Geisel) com don os de
gran des em presas jorn alísticas, o qu e, m ais tarde, faz tam bém com a
Igreja Católica, n u m esforço de recon stru ção de laços en tre o Estado/ po-
der católico/ em presários, rom pidos qu an do do recru descim en to da re-
pressão política do regim e. Deste m odo, len tam en te e, com o form a de re-
con qu istar a con fian ça perdida da sociedade civil, con ferin do credibilida-
de ao projeto de tran sição dem ocrática, o govern o com eça a devolver a li-
berdade de expressão a setores da im pren sa escrita.
Um artigo cen su rado de M (já citado), apresen ta a declaração do
gen eral Golbery do Cou to e Silva, elu cidativa desta qu estão, aqu i repro-
du zida n a ín tegra de ou tra fon te:

Tiran do-se a cen su ra de O Estado de S. Paulo, n ão vai em ergir u m jorn al de


esqu erda n em h ostil ao regim e. Sairá o jorn al con servador qu e ele é. Mais
con servador qu e eu . Hoje, n o lu gar dos textos cen su rados, o Estado pu bli-
ca versos de Cam ões e os leitores pen sam qu e lá h avia u m a im portan te de-
n ú n cia. Nem sem pre h á.83

Assim , de u m lado tem -se a retirada da cen su ra a im portan tes ór-


gãos de divu lgação o qu e recon cilia o govern o com parcela sign ificativa
da sociedade civil e, de ou tro, h á a certeza, por parte do Estado, de qu e
essa atitu de acabará por n ão apresen tar perigo ao regim e.
Deste m odo, a cen su ra qu e atin giu OESP foi circu n stan cial, presa a
u m m om en to h istórico específico, de excepcion alidade den tro de u m re-
gim e de exceção (lato sensu, o período qu e vai da edição do AI-5 até o co-
m eço do govern o Geisel e o en cam in h ar do processo de abertu ra). A pu -
n ição a OESP, atin giu basicam en te essa crítica à excepcion alidade, n a m e-
dida em qu e o gru po represen tado pelos proprietários do jorn al con cor-
dava e defen dia o m odelo de desen volvim en to econ ôm ico e social adota-
do pelo regim e pós-64.
Já n o caso de M, n ão foi a crítica à exceção do Estado au toritário
qu e foi vetada, m as sim , su a regra, seu caráter m ais profu n do. A cen su ra
prévia a M atin giu , a u m só tem po, as m atérias qu e criticavam os pilares
do regim e e os da própria estru tu ra do periódico. Era o projeto político
m on tado pelo Estado au toritário brasileiro pós-64, qu e estava em qu es-
tão n as críticas de M, in depen den tem en te de u m a m aior ou m en or re-
pressão política. A cen su ra qu e o atin giu u ltrapassou as m eras dim en sões
das cisões en tre os m ilitares e as qu erelas palacian as para ver qu al ala
(“Sorbon n e” ou “lin h a-du ra”) deteria o con trole do poder. Com preen de-
se, portan to, qu e, esteve n os projetos do regim e m ilitar, m esm o du ran te
o processo de abertu ra, destru ir essa parcela da im pren sa (altern ativa)
qu e, essa sim , represen tava u m perigo para seu projeto de con tin u idade.
En tretan to, após o térm in o da cen su ra (ju n . 1978), com o o gover-
n o prossegu iria n o ataqu e de m orte a esses periódicos?
Algu n s in stru m en tos foram u tilizados. No caso de M, a con tin u ida-
de das pressões deu -se através da abertu ra de u m in qu érito con tra seu di-

194
retor-respon sável An tôn io Carlos Ferreira, qu e, n o fin al de 1978, foi
am eaçado com pen a de dois a seis an os de prisão pela cobertu ra a u m a
série de reportagen s sobre corru pção govern am en tal, in titu ladas “Geisel
n u m Mar de Lam a”. A pen alidade sobre o jorn alista som en te foi revoga-
da, após o processo de an istia em 1979.
Outro fato foi a série de explosões de bombas em bancas de jornais,
em 1980. As detonações atingiam, particularmente, as bancas que vendiam
jornais alternativos. Estas, temerosas, passaram a recusar a distribuição,
vindo a se constituir no que ocasionou o estrangulamento financeiro des-
ses órgãos de divulgação dependentes de vendas e não de anunciantes, para
compor suas receitas. M assim se posicionou a esse respeito:

Em m eados de 80, os jorn ais oposicion istas são du ram en te golpeados pe-
los setores fascistas abertu ristas, atin gin do de m an eira m ais profu n da jor-
n ais qu e, com o Movimento, depen dem essen cialm en te da ven da em ban cas.
Os n ú m eros são claros para Movimento, qu e an tes dos aten tados ven dia
m ais de n ove m il jorn ais e passa a ven der m en os de qu atro m il n o perío-
do posterior. Foi o com eço de u m a crise defin itiva.84

No m esm o período, a Tribuna da Imprensa sofreu u m aten tado à


bom ba qu e destru iu qu ase todas su as in stalações. A Tribuna, ao lado de M
e de O São Paulo, foram os ú ltim os periódicos a terem revogada a cen su -
ra prévia, em ju n h o de 1978.
Os inquéritos abertos para averiguar esses atos de violência não fo-
ram adiante, embora fosse de domínio público o fato de terem sido perpe-
trados pelos chamados “bolsões radicais”, identificados com a “linha-dura”
militar. Isto quer dizer que o grupo da “Sorbonne”, controlador do proces-
so de abertura política, não teve muito interesse no desvendamento desses
casos que ficaram à espera de uma eficiente apuração.
Ain da ou tra qu estão se coloca n o sen tido de pen sar os objetivos
m ais am plos do Estado au toritário n este m om en to. Acom pan h an do-se o
depoim en to do gen eral Golbery do Cou to e Silva, é possível realizar u m a
tran sferên cia de raciocín io exem plar:

A estratégia recom en daria - com o requ eria, aliás, tam bém a própria in -
ten ção dem ocratizan te – pron ta desarticu lação do sistem a oposicion ista,
propician do-se o su rgim en to de m ú ltiplas fren tes distin tas em relação às
qu ais voltasse a ser possível levar a cabo n ovo tipo, m ais am pliado, da
m esm a m an obra em posição cen tral qu e fora pen h or do êxito alcan çado
n a fase an terior.
A heterogeneidade inata da oposição facilitaria alcançar-se tal objetivo, nem
por isso menos essencial também ao progresso da própria causa democratizan-
te e liberalizadora, tão insistentemente patrocinada pelos setores mais articu-
lados das elites nacionais, de longa data abeberadas nos velhos ideais indivi-
dualistas e liberais. Em termos políticos, estaria aí, à disposição, a tese vigoro-
sa do pluripartidarismo, instituído afinal pelas reformas dos fins de 1979.85

195
Diretoria do Movim en to em 1980. Raimundo, Tonico, Celia, Paulinho, Roldão, Perseu.

Essas palavras do gen eral explicitam a in ten ção do govern o, qu an -


do da su bstitu ição do sistem a bipartidário pelo plu ripartidarism o: a de
destru ir a fren te oposicion ista am parada n a sigla do MDB. Con fian do n a
h eterogen eidade in ata da oposição, a abertu ra partidária propiciaria di-
versos e, assim esperava o govern o, fracos partidos. Reeditava-se assim , a
velh a m áxim a “dividir para rein ar”.

196
O m esm o plu ripartidarism o qu e possibilitou a fragm en tação da
fren te oposicion ista represen tada pelo MDB, em diversos partidos, torn ou
viável o aparecim en to de jorn ais de ten dên cia, an tes abrigados den tro de
u m a im pren sa altern ativa qu e se caracterizava com o u m a “fren te pro-
gressista” com o M. O próprio sem an ário sen te esta qu estão, com o u m a
problem ática a m ais adicion an do ou tra dificu ldade:

As frentes oposicionistas agrupadas na Imprensa Alternativa se diluem e aparecem os jor-


nais de “tendências” políticas.

A “abertu ra” perm itiria tam bém qu e os jorn ais de ten dên cia su rgissem :
Hora do Povo, Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operária vêm se som ar às ou -
tras vozes já existen tes da oposição. Passam a lu tar bravam en te para divu l-
gar e defen der seu s program as, ban deiras e visão das in ú m eras qu estões,
con tribu in do para o fortalecim en to da lu ta popu lar e dem ocrática.
O esforço despen dido pelas diversas corren tes para con stru ir seu s jorn ais
coloca in evitavelm en te em debate o fu tu ro da “im pren sa altern ativa” tal
com o existia an tes de 1978.
Su rge a n ecessidade de se levar adian te u m a du pla tarefa: fortalecer as pu -
blicações de ten dên cias para qu e estas possam defen der seu s program as e
pon tos de vista, e ao m esm o tem po aglu tin ar forças em torn o de u m pro-
gram a oposicion ista am plo, popu lar e dem ocrático, de form a a levar m u i-
ta in form ação a m u itos, on de caibam m u itos pon tos de vista sobre gran de
n ú m ero de qu estões.86

A em ergên cia do plu ripartidarism o e a defin ição de ban deiras de


lu ta m ais n ítidas qu e espelh assem u m projeto de con torn os m ais claros
para a con tin u idade do país, distan ciam , n esse m om en to, gru pos qu e an -
tes se abrigavam todos sob a m esm a “fren te”, em u m a lu ta gen érica qu e
a todos u n ificava, con tra o Estado au toritário brasileiro pós-64. O desdo-
bram en to do processo de abertu ra vem , en tretan to, trazer à ton a a diver-
sidade de projetos escon didos ou trora sob a m esm a capa abran gen te.

197
Para M, essa qu estão aparece n as dificu ldades de con vivên cia com
o alm ejado projeto de dem ocratização in tern a n a redação. Avolu m am -se
os “rach as”, fru tos de diferen tes con cepções qu an to ao en cam in h am en to
do processo político brasileiro. Dois deles foram bastan te sign ificativos e
são citados pelo periódico:

Em 77, Movimento passou por u m a crise advin da desta vez de divergên cias
in tern as. Aglu tin ou -se u m gru po de fu n cion ários às vésperas da Con ven -
ção an u al do jorn al levan tan do críticas à dem ocracia in tern a de Movimen-
to. A qu estão se acirrou , dividin do o jorn al em dois cam pos, e u m a propos-
ta de m ecan ism os n ovos feita pela diretoria n ão foi capaz de evitar o “ra-
ch a”. Esta proposta tin h a por pressu posto qu e a origem da crise era a in -
ten ção de seu s críticos de alterar o program a do jorn al, escam oteada sob a
qu estão da dem ocracia in tern a, e qu e m esm o a aprovação dos n ovos m e-
can ism os n ão resolveria o im passe. Com a vitória da proposta da direção,
u m gran de n ú m ero de profission ais deixou o jorn al n ão aceitan do a deci-
são da Con ven ção. Esses profission ais criariam posteriorm en te os jorn ais
Amanhã (de cu rta du ração) e Em Tempo.87

É im portan te esclarecer qu e, em en trevista com Raim u n do R. Pe-


reira, foi citado o fato de qu e o elem en to deflagrador dessa crise locali-
zou -se n o lan çam en to da cam pan h a por u m a Assem bléia Nacion al Con s-
titu in te com a qu al esses gru pos (trotskistas) n ão con cordaram .

Mas n ovam en te o jorn al teria qu e passar por u m a crise in tern a e u m “ra-


ch a”, após a pu blicação de vários docu m en tos sobre a gu errilh a do Ara-
gu aia, o qu e algu m as pessoas den tro do jorn al ju lgaram in correto. A dire-
ção do jorn al alegou qu e os docu m en tos eram do con h ecim en to da polícia
e era u m absu rdo qu e o povo brasileiro n ão pu desse tam bém ter acesso a
in form ações sobre u m m ovim en to tão im portan te qu an to a gu errilh a. O
gru po dissiden te n ão con corda, alegan do qu e os docu m en tos eram assu n -
to particu lar, e sai do jorn al.88

É sign ificativo n otar qu e n o prim eiro caso (o “rach a” ocorrido em


1977), o pivô foi o PC do B (Partido Com u n ista do Brasil) qu e, n aqu e-
le m om en to, in cen tivava a cam pan h a pela Assem bléia Nacion al Con s-
titu in te, ao lado de ou tras forças den tro do sem an ário. A discu ssão qu e
en volveu a problem ática da dem ocracia in tern a im plicava n a acu sação
dos gru pos descon ten tes com o qu e con sideravam o predom ín io dessa
ten dên cia n as decisões de M. Porém m ais tarde, n o segu n do “rach a”, o
gru po qu e saiu do periódico (n ão m en cion ado n o texto) foi o próprio
PC do B, qu e fu n dou a Tribuna da Luta Operária.
Além disso, n a ocasião do fech am en to de M, tam bém era difícil se
ch egar a u m con sen so e, segu n do o próprio docu m en to do sem an ário,
h avia n aqu ele m om en to posições diversificadas:

198
“Nu m debate m u itas vezes áspero, on de as ten sões da discu ssão se som a-
vam à ten são gerada pela crise, estavam em pau ta basicam en te du as opi-
n iões, em bora h ou vesse ou tras: u m a qu e defen dia a m an u ten ção do atu al
program a do jorn al, bastan te am plo; e ou tra qu e defen dia u m estreita-
m en to desse program a, qu e deveria ser apen as an tiim perialista, an tim on o-
polista e an tilatifu n diário.89

A posição qu e defen dia o estreitam en to do program a, tin h a a in -


ten ção de afastar do periódico os setores liberais bu rgu eses, vistos com o
con ciliadores.
Com o se pode observar, m u itas e variadas foram as cisões in tern as
em M. Porém , além da discu ssão sobre o alcan ce efetivo qu e obteve a de-
m ocracia in tern a n o sem an ário, in teressa posicion ar o fato de qu e o pro-
jeto de abertu ra política e, den tro dele, o plu ripartidarism o torn am a im -
pren sa altern ativa de “fren te”, tal com o a fren te oposicion ista do MDB, ir-
rem ediavelm en te datados, circu n scritos àqu ele período h istórico. Apon -
tam para a n ecessidade, n aqu ele m om en to, da con stitu ição de jorn ais al-
tern ativos vin cu lados a partidos qu e, en tretan to, sem pre se m an tiveram
em u m patam ar de pú blico e de in teresse despertado, m u itas vezes in fe-
rior àqu ele represen tado pela im pren sa altern ativa n a su a fase áu rea. O
debate aí está para ser repen sado. As tran sform ações da sociedade brasilei-
ra e a ten dên cia cada vez m ais forte à form ação de con glom erados n a im -
pren sa faz com qu e esse debate n ão perca su a atu alidade.

Os três maiores exemplos de Imprensa Alternativa extintos. Vive a Imprensa Alternativa!

199
N OTA S
1. Catálogo de Imprensa Alternativa, 1986, pp. 3-4. Ver tam bém da m esm a au tora, “As Diver-
sas Man ifestações da Cu ltu ra Altern ativa – Décadas de 60/ 70”, em Antologia Prêmio Torqua-
to Neto, Rio de Jan eiro, Cen tro de Im pren sa Altern ativa e Cu ltu ra Popu lar do RIOARTE,
1984, an o I, pp. 75-101.
2. Op. cit., p. 141.
3. “Retratos Brasileiros: 20 An os de Im pren sa Altern ativa”, Antologia Prêmio Torquato Neto,
Rio de Jan eiro, Cen tro de Im pren sa Altern ativa e Cu ltu ra Popu lar do RIOARTE, 1984, an o
II, p. 17.
4. “Os Altern ativos e as Aspas”, Pasquim, Rio de Jan eiro, 8 ago. 1980, p.3.
5. Comunicação de Massa Sem Massa, 1982, p. 44.
6. “Vive a Im pren sa Altern ativa. Viva a Im pren sa Altern ativa”, em Regin a Festa e Carlos
Edu ardo Lin s e Silva (orgs.), Comunicação Popular e Alternativa no Brasil, 1986, p. 61.
7. Idem, ibidem.
8. Ver José Marqu es de Melo, op. cit.
9. La disponibilité sur le marché d’un grand nombre de journalistes professionnels qualifiés et criti-
ques, concevant leur travail dans une perspective qui s’acommode mal des contraintes de la presse-in-
dustrie. lls se voient plus comme des professionnels libéraux et intellectuels comme des salariés ayant
des tâches à accomplir. Ils sont aussi critiques par rapport à la répression du régime et à l’absence de
la liberté d’expression;
L’existence de voix qui ont perdu leur espace de manifestation: des intellectuels, des groupes d’opinion qui
n’ont pas le journalisme comme profession mais qui trouvaient dans la presse un achéminent regulier
d’expression de leurs idées et position: à ces voix s’ajoutent celles qui, dans la presse politico-partidaire d’a-
vant-64 étaient plus des militantes que des journalistes;
Un appauvrissement des contenus de la presse et de la télévision, conséquent à la censure, aux aligne-
ments des entreprises avec le régime, à une production dirigée à une consommation d’évasion et de mas-
se. Cette production ne peut pas répondre aux expectatives de la part du lectorat habituellement bien
renseignée. José Lu iz Braga, Pasquim – Hebdo brésilien d’humour, 1984, pp. 369-370.
10. Existem várias versões a respeito da saída do editor de Opinião. Assim elas são explicita-
das n o su plem en to de lan çam en to de M redigido por Raim u n do R. Pereira, in titu lado “Nas-
ce u m Jorn al” (7 ju l. 1975): “Os ru m ores n ascidos com a crise em baralh aram extraordin a-
riam en te as discu ssões. Havia dois textos básicos de explicação dos acon tecim en tos, m as qu e
n ão saciavam a cu riosidade dos in teressados: o de Fern an do Gasparian , pu blicado em Opi-
nião, u m a n ota cu rta falan do da saída da equ ipe, e o da redação redigido pela equ ipe e lido
n a Associação Brasileira de Im pren sa, n o Rio. Com o a redação explicava a saída em term os
políticos e o Fern an do em term os pessoais, m ais especialm en te das m in h as características
pessoais, h avia ru m ores desses dois tipos”. Raim u n do R. Pereira, em depoim en to, assin alou
qu e a divergên cia política qu e provocou o seu afastam en to de Opinião dizia respeito à qu es-
tão de se con ferir ou n ão o apoio ao govern o Geisel e ao projeto de abertu ra política.
11. “Nasce u m Jorn al”, cit., p.4.
12. Idem, ibidem.
13. Idem, ibidem.
14. A esse respeito Raim u n do R. Pereira afirm ou qu e existiam in divídu os represen tan tes de
u m a bu rgu esia liberal n acion alista, trotskistas, pessoas ligadas ao Partido Com u n ista do Bra-
sil (PC do B) e o qu e ele ch am ou de u m a “esqu erda in depen den te”.
15. Raim u n do R. Pereira, “Nasce u m Jorn al”, cit., p. 5.
16. Idem, ibidem.
17. “Nos Bastidores de Movimento”, Movimento, São Pau lo, 334, 23. Nov. 1981, p. 20.
18. Idem, p. 24.
19. Idem, p. 11.
20. Idem, p.24.

200
21. Dados apresen tados n a reportagem especial sobre a cen su ra, “Os Nú m eros do Arbítrio –
18,6 Milh ões de Preju ízos” (Movimento, São Pau lo, 154, 12. Ju n . 1978, p. 4). Nessa m atéria
n ão fica esclarecido on de foram in clu ídos os artigos vetados parcialm en te. Devido às dificu l-
dades de con su lta ao m aterial, n ão se ch egou a u m a cifra defin itiva em relação ao total dos
vetos. João An tôn io n o artigo “Escapada – Con siderações em torn o da Cen su ra Im posta a
u m Jorn al Altern ativo, Movimento, n os An os 1975-1981” (Nicolau, an o I, 6, 1987, pu blica-
ção da Secretaria do Estado do Paran á) afirm a qu e “foram mais de 4.200 matérias de toda natu-
reza, da nota oficial à grande entrevista ou reportagem”. Ain da sobre esse aspecto é im portan te
destacar qu e tan to a seleção de João An tôn io e qu an to a da presen te pesqu isa ativeram -se
apen as ao m aterial escrito.
22. Refere-se aos casos da u n idade tem ática “Recon stitu ições Históricas” presen te som en te
em M, dos su btem as “Movim en to Sion ista Brasileiro” e “An ticom u n ism o/ TFP”, exclu sivos
a OESP e M, respectivam en te.
23. No terceiro capítu lo trabalh a-se com o qu adro com parativo, destacan do-se a diferen ça
en tre os percen tu ais resu ltan tes em OESP e M. Aqu i, apen as está acen tu ado qu e a ordem de
aparecim en to n ão sign ifica a adoção do critério decrescen te em term os n u m éricos.
24. É im portan te assin alar qu e, apesar de ter ocorrido u m a apresen tação dos dados separa-
dam en te em relação ao extraído das caixas e da seleção realizada por João An tôn io, n a an á-
lise qu e se segu e será discu tido, n os su btem as, con ju n tam en te, o todo do m aterial.
25. Particu larm en te, refere-se às eleições de n ovem bro de 1976, em qu e se observou a se-
qü ên cia do qu adro já sen tido em n ovem bro de 1974 com a ten dên cia à elevação do n ú m e-
ro de votos obtidos pelo MDB, n otadam en te n os gran des cen tros e n os estados m ais popu -
losos do país.
26. O MDB, bem com o a Aren a, foram criados pelo Ato In stitu cion al n ú m ero 2, prom u lga-
do em 1965 pelo en tão Presiden te da Repú blica, m arech al Castelo Bran co. Desse m odo,
com o foi criado n o e pelo regim e au toritário, algu m as an álises en caram o MDB com o fru to
do sistem a, pron to à adesão às exigên cias do Estado, e n ão com o oposição.
27. Partido Com u n ista Revolu cion ário. Con vém explicitar qu e esse m aterial de den ú n cia do
caso do estu dan te Cajá en con tra-se tam bém vetado n as caixas cen su radas de O São Paulo.
28. O jorn alista Wladim ir Herzog foi m orto em con seqü ên cia de tortu ras n as depen dên cias
do DOI-CODI de São Pau lo. Na época forjou -se a causa mortis com o su icídio por en forca-
m en to n a própria cela, o qu e viria ser provado com o in verossím il. A m orte do jorn alista
ocorreu n o dia 25 de ou tu bro de 1975 e abriu u m a crise n os escalões m ilitares qu e seria re-
solvida som en te com o afastam en to do gen eral Edn ardo D’Ávila Melo do com an do do II
Exército, em jan eiro de 1976.
29. Zu zu An gel ch egou a in terceder in clu sive ju n to à em baixada dos Estados Un idos. Teste-
m u n h as (com o, por exem plo, o preso político Alex Polari) con tam qu e o estu dan te de 20
an os teria sido am arrado a u m jipe aspiran do o escapam en to e o veícu lo deu várias voltas
n o pátio do presídio; seria essa, portan to, a cau sa de su a m orte.
30. Movim en to de Libertação Popu lar, dissidên cia da Ação Libertadora Nacion al (ALN), su r-
gido em 1971.
31. Plan ejava-se u tilizar o PARA-SAR (Serviço da Salvam en to da Força Aérea Brasileira)
para execu tar plan os de assassin ato a person alidades políticas e diversos aten tados qu e, co-
m etidos pelo gru po, seriam atribu ídos a com u n istas. A ordem para a execu ção foi dada pelo
brigadeiro Bu rn ier (vin cu lado ao gabin ete do Min istro da Aeron áu tica) em 13 de ju n h o de
1968. Nesse dia, o capitão Sérgio Miran da, perten cen te à equ ipe, recu sou -se a cu m prir as
orden s e den u n ciou o plan o aos su periores. Por cau sa disso foi pu n ido e teve u m processo
m ovido polo Su perior Tribu n al Militar, sen do reform ado em 1969.
32. O m arech al Fran cisco Texeira Lott con correu n as eleições presiden ciais de 1960, dispu -
tan do, en tre ou tros can didatos, com Jân io Qu adros, qu e acabou vitorioso. Na ocasião, o
PCB apoiou a can didatu ra Lott.
33. Essas carden etas con tin h am preciosas an otações sobre os m ilitan tes do PCB. Após o gol-
pe, o líder pecebista precisou refu giar-se e su a casa foi vascu lh ada, ten do sido en con tradas
as fam osas cadern etas.
34. O bilion ário n orte-am erican o Dan iel Keith Lu dwig, con vidado a in vestir n o Brasil, em

201
1964, qu an do o ex-m in istro Roberto Cam pos foi aos Estados Un idos explicar a n ova ordem
política brasileira aos em presários locais, criou aqu i o Projeto Jari. Este projeto, estabeleci-
do ao lon go do rio Jari n o Am apá, foz do Am azon as, u m dos m aiores projetos em presariais
in stalados n o local, correspon dia, em term os territoriais a u m a área de 1,5 m ilh ões de h ec-
tares equ ivalen te a m ais da m etade da Holan da. Dan iel Lu dwig ali in stalou a Jari Florestal
e Agropecu ária, além de possu ir vários ou tros projetos (com o, por exem plo, de m in eração
em Min as Gerais) espalh ados pelo Brasil. Segu n do a pesqu isa em M, h avia en volvim en to do
secretário particu lar do presiden te Geisel, Heitor de Aqu in o, com o projeto, para o qu al h a-
via trabalh ado. A qu estão cen tral era a de con cessão de em préstim os im en sos (200 m ilh ões
de dólares) a Dan iel Lu dwig, au m en tan do em 1% (padrão da época) n ossa dívida extern a,
com o aval do Ban co Nacion al de Desen volvim en to Econ ôm ico (BNDE). Assim , o podero-
so em presário n ão desem bolsaria din h eiro próprio, en dividan do ain da m ais o país.
35. A term in ologia u tilizada é tom ada de em préstim o à obra de Ren é Arm an d Dreifu ss (op.
cit.). O au tor iden tifica n a articu lação do golpe de 1964 (por ele den om in ado golpe de classe,
n o sen tido de qu e recon h ece n os gru pos qu e com põem essa articu lação os in teresses de u m a
classe) o gran de capital n acion al qu e aparece associado a gru pos m u ltin acion ais e a oficiali-
dade das Forças Arm adas brasileiras qu e, desde o fin al da Segu n da Gu erra Mu n dial, en con -
trava-se con cen trada n a ESG, elaboradora da Dou trin a de Segu ran ça Nacion al.
36. Apesar de, n u m ericam en te, n ão ser tão expressivo, optou -se pela descrição deste su b-
tem a dada a su a im portân cia n a h istória da cen su ra ao sem an ário.
37. O m aterial (78 lau das) produ zido por M foi en tregu e, com o de costu m e, à Polícia Fede-
ral, retom an do terrivelm en te m u tilado En tretan to, n a avaliação do sem an ário, ain da restava
m aterial su ficien te para produ zir u m a boa edição. Qu an do o m aterial, já diagram ado, foi en -
cam in h ado para a gráfica e, com o era de praxe, a cópia pron ta foi de n ovo en viada á cen su -
ra, veio a con tra-ordem : a edição n ão poderia ser veicu lada e n ada disso (as idas e vin das da
cen su ra) poderia ser divu lgado. O depoim en to relativo a esta e a ou tras h istórias da cen su ra
a M en con tra-se docu m en tado n os seu s n ú m eros 154, 155 e 156 (12 a 26 ju n . 1978), em qu e,
logo após o en cerram en to form al da cen su ra prévia (8 ju n . 1978), o sem an ário dedicou três
lon gas reportagen s para con tar em detalh es a h istória de três an os de cen su ra.
38. In clu ím os a descrição deste su btem a pela su a im portân cia n o esclarecim en to da
plataform a do sem an ário e do caráter assu m ido pela cen su ra n o m esm o.
39. A an álise deste su btem a deve-se à su a im portân cia para a tem ática cen tral deste livro.
40. Con vém destacar qu e o jorn alista Min o Carta con cedeu u m depoim en to a Paolo Mar-
con i (op. cit., pp. 116-122) em qu e as qu estões qu e en volvem su a saída e a cen su ra prévia à
revista Veja, en con tram -se claram en te colocadas.
41. A an álise deste su btem a explica-se pela possibilidade de com paração com a cen su ra a
OESP em su btem a sem elh an te.
42. O ex-ch an celer ch ilen o Orlan do Letelier foi assassin ado em setem bro de 1976 em Was-
h in gton em aten tado provocado pela explosão de u m carro bom ba. Naqu ele m om en to, Le-
telier trabalh ava n os EUA em u m cen tro de pesqu isas. A DINA, sem elh an te à CIA n orte-am e-
rican a, era a Direção de In teligên cia Nacion al do Ch ile.
43. O artigo de Lou ren ço Diaféria, pu blicado n a Folha de S. Paulo, em 1º de setem bro de
1977, en altecia o gesto de u m sargen to qu e pu lara n u m lago de ariran h as para salvar u m
garoto qu e ali caíra. O m en in o foi salvo, m as o sargen to em con seqü ên cia dos ferim en tos
qu e sofrera, m orreu . Na con clu são da m atéria, o jorn alista com parava a atitu de de bravu ra
do m ilitar com os feitos do patron o do exército Du qu e de Caxias, situ an do o gesto do sar-
gen to em plan o m ais elevado. Este artigo foi tom ado com o ofen sivo ao Exército brasileiro e
levou à prisão Lou ren ço, apesar de su a declaração n o sen tido de qu e n ão h ou vera in ten ção
de ofen sa n a su a crôn ica.
44. A Fren te Am pla foi u m a articu lação de lideran ças políticas civis, a partir dos ex-gover-
n adores Carlos Lacerda e Magalh ães Pin to qu e h aviam sido parte fu n dam en tal n a participa-
do da con spiração qu e levou ao golpe de 1964. En tretan to, ain da du ran te o govern o Caste-
lo Bran co, am bos torn aram -se oposicion istas e, assim , em 1967, deram in ício à Fren te qu e
visava catalizar setores oposicion istas ao regim e. As articu lações prossegu iram com a adesão
dos ex-presiden tes Ju scelin o Ku bitsch ek e João Gou lart (cassado e exilado n o Uru gu ai). O
docu m en to in titu lado Pacto de Mon tevidéu estabeleceu os objetivos da Fren te qu e iam des-

202
de a redem ocratização do país com a realização im ediata de eleições diretas, até o estabele-
cim en to do direito de greve. A Fren te adqu iriu n otoriedade e m obilizou políticos, lideran -
ças sin dicais e estu dan tis e m esm o m ilitares. Plan ejaram -se com ícios e m an ifestações de ru a.
A atração qu e exerceu , en tretan to, cavou o fosso em relação ao regim e m ilitar qu e passou
a en cará-la com o u m aten tado à segu ran ça n acion al. Em 6 de abril de 1968, Gam a e Silva,
m in istro da Ju stiça do govern o Costa e Silva, torn ou -a ilegal.
45. “O Direito à Com u n icação”, artigo com pletam en te vetado, produ zido para pu blicação
em M, São Pau lo, s./ d.
46. “A Im pren sa e a Gu erra do Cam bodge”, artigo com pletam en te vetado produ zido para
ser pu blicado em M, São Pau lo, 61, 30 ago. 1976.
47. Marcos Faerm an , “En trevista com Min o Carta, Ex-Diretor da Revista Veja”, com pleta-
m en te vetada, produ zida para pu blicação em M, São Pau lo, s./ d.
48. Idem, ibidem.
49. Idem, ibidem.
50. Márcio Bu en o, “A Visão da Im pren sa”, artigo com pletam en te vetado, produ zido para ser
pu blicado em M, São Pau lo, 142, 15 m ar. 1978.
51. Lu cília Mach ado, “O Diário de Dorin h a”, artigo com pletam en te vetado, produ zido para
ser pu blicado em M, São Pau lo, 109, 1º ago. 1977.
52. Caco Barcelos, “Raqu el - A Mu lh er n a In dú stria Au tom obilística”, artigo com pletam en -
te vetado, produ zido para ser pu blicado em M, São Pau lo, 45,18 m aio 1976.
53. Idem, ibidem.
54. José Meirelles Passos, “Migu el, o Trabalh ador”, artigo com pletam en te vetado, produ zi-
do para ser pu blicado em M, São Pau lo, 151, 22 m aio 1978.
55. José Meirelles Passos, “Trabalh adores n a Reflorest”, artigo totalm en te vetado, produ zi-
do para ser pu blicado em M, São Pau lo, 128, 12 dez. 1977.
56. Paolo Marcon i, “Os h om en s qu e con stróem barragen s”, artigo totalm en te vetado, pro-
du zido para ser pu blicado em M, São Pau lo, 40, 13 abr. 1976.
57. “A Crech e”, artigo totalm en te vetado, produ zido para ser pu blicado em M. São Pau lo,
106, 11 ju l. 1977.
58. Idem, ibidem.
59. Rach el Moren o, “Elas”, artigo totalm en te vetado, produ zido para ser pu blicado em M,
São Pau lo, 124, 13 n ov. 1977.
60. “130 Mu lh eres”, artigo totalm en te vetado, produ zido para ser pu blicado em M, São Pau -
lo, s./ d.
61. José Meirelles Passos, “Migu el, o Trabalh ador”, cit..
62. Caco Barcelos, “Raqu el - A Mu lh er n a In dú stria Au tom obilística”, cit.
63. Ricardo Maran h ão, “Sr. Presiden te, Este é Meu Pai”, artigo totalm en te vetado, produ zi-
do para pu blicação em M, São Pau lo, s./ d.
64. “A Crise In tern acion al e seu s Reflexos n o Terceiro Mu n do”, artigo parcialm en te vetado,
produ zido para pu blicação em M, São Pau lo, s./ d.
65. “CPI das Mu ltin acion ais”, artigo parcialm en te vetado, produ zido para pu blicação em M,
São Pau lo, s./ d.
66. “O Aval a Mr. Lu dwig, o Midas do Jari”, artigo parcialm en te vetado, produ zido para pu -
blicação em M, São Pau lo, s./ d.
67. Movimento, São Pau lo, 334, 23 n ov. 198l, p. 24.
68. Raim u n do Rodrigu es Pereira, “Nasce u m Jorn al”, Movimento, São Pau lo, 7 ju l. 1975, p. 4.
69. Norberto Bobbio, Liberalismo e Democracia, op. cit., 1988, p. 84.
70. Han n ah Aren dt, Da Revolução, 1988, p. 180.
71. Idem, p. 181.
72. Marilen a de Sou za Ch au í, Cultura e Democracia: O Discurso Competente e Outras Falas, op.

203
cit., 1989, p. 145.
73. Idem, pp. 146-147.
74. Idem, p. 148.
75. Idem, p. 92.
76. Opin iões desen con tradas existem a esse respeito. Millôr Fern an des, em depoim en to n o
(sem in ário Im pren sa Altern ativa & Literatu ra – Os An os de Resistên cia, organ izado pelo
Cen tro de Im pren sa Altern ativa e Cu ltu ra Popu lar do RIOARTE (Rio de Jan eiro, 1987, p.
14), em ; m esa redon da m on tada sobre o tem a “Im pren sa Altern ativa: Histórico e Desdo-
bram en tos – A Literatu ra n a Im pren sa Altern ativa dos An os 70/ 80”), situ a o com eço desta
fase áu rea da im pren sa altern ativa, n os an os de 1950, ao n arrar su a experiên cia de m on ta-
gem da revista Voga. Raim u n do R. Pereira e Sérgio Caparelli con cordam qu an to à vin cu la-
ção da im pren sa altern ativa com a revista de h u m or e sátira Pif-Paf qu e se origin ou de u m a
seção escrita por Millôr Fern an des n a revista O Cruzeiro (RJ) e depois ficou in depen den te.
Su a pu blicação foi qu in zen al e teve du ração de oito n ú m eros en tre 21 de m aio e 27 de agos-
to de 1964. Já José Lu iz Braga acredita qu e razões políticas e econ ôm icas determ in aram as
con dições de aparecim en to e a n ecessidade de u m a im pren sa altern ativa, em 1969, com o
lan çam en to do Pasquim. Para ele, os periódicos qu e o an tecederam apen as foram precu rso-
res, m as n ão con tin h am todos os aspectos qu e caracterizavam a im pren sa altern ativa.
77. Exem plo claro disto é o Pasquim, sem an ário de h u m or e sátira qu e, lan çado n o Rio de
Jan eiro em ju n h o de 1969, ch egou , em 1970, a possu ir u m a tiragem de 200.000 exem pla-
res qu e se assem elh a às tiragen s de jorn ais da gran de im pren sa.
78. Deve-se fazer u m a ressalva ao sem an ário Pasquim, decan o dessa fase da im pren sa alter-
n ativa. O Pasquim sem pre se caracterizou por se dedicar a tem as m ais relacion ados com o
qu e se classifica de críticas de costu m es, h u m or e sátira. Em m arço de 1975, qu an do teve
retirada a cen su ra prévia, a direção do periódico passa passou das m ãos de Millôr Fern an -
des para as de Jagu ar qu e, segu n do José Lu is Braga (op. cit., p. 80) “repren d la présiden ce
de l’en treprise et la con du it pen dan t l’effort libéral” (op. cit., p. 80). O qu e o au tor ch am a de
“l’effort libéral”, correspon de, segu n do ele, a u m a fase em qu e (1975 a 1978) a sociedade
brasileira estava em pen h ada n a recon qu ista das liberdades dem ocráticas, m as den tro do es-
pírito da abertu ra len ta e gradu al, tal e qu al foi con du zido o processo de disten são pelo go-
vern o Geisel. Em su m a, u m a con du ção qu e im plicou em avan ços e recu os, ten do em vista
os riscos apresen tados pelos “bolsões radicais” do regim e, portan to, a atu ação típica de “u m a
n o cravo ou tra n a ferradu ra”(José Lu iz Braga, op. cit., p. 82). O qu e in teressa reter é qu e, a
partir desse m om en to, a veia h u m orística do Pasquim irá predom in ar sobre qu estões políti-
co-sociais, o qu e pode explicar su a lon gevidade.
79. Movimento, São Pau lo, 154, 12 ju n . 1978, p. 14.
80. Movimento, São Pau lo, 334, 23 n ov. 1981, p. 18.
81. Celin a Rabelo Du arte, “Im pren sa e Redem ocratização n o Brasil”, cit., pp. 181-184.
82. Op. cit., Cap. 3.
83. Celin a Rabelo Du arte, op. cit, p. 183.
84. Movimento, São Pau lo, 334, cit.
85. Golbery do Cou to e Silva, op. cit., p. 28. Este trech o faz parte da con ferên cia proferida
pelo gen eral n a ESG em 1980, sob o títu lo “Con ju n tu ra Política Nacion al – O Poder Execu -
tivo”. Neste m om en to da con ferên cia, o au tor está ju stifican do a opção, den tro do projeto
de abertu ra política do país, pelo plu ripartidarism o qu e veio, em 1979, su bstitu ir o sistem a
bipartidário (Aren a e MDB) in stitu ído em 1965, pelo Ato In stitu cion al n ú m ero 2.
86. Movimento, São Pau lo, 334, cit.
87. Idem, ibidem.
88. Idem, ibidem.
89. Idem, pp. 18-19.

204
capítu lo 3
RELAÇÕES ENTRE O ESTADO
AUTORITÁRIO, A CENSURA E A
IMPRENSA ESCRITA

Por in term édio da pesqu isa ao m aterial cen su rado, oriu n do da cen -
su ra prévia qu e vetou diretam en te o texto produ zido, acredita-se ser pos-
sível esclarecer algu n s pon tos:

• As form as de atu ação do Estado au toritário brasileiro pós-64, en carado


n ão sob u m a perspectiva de h om ogen eidade, m as sob a ótica da diversifi-
cação. Seu caráter n ão-m on olítico en con tra-se presen te n a ação diferen -
ciada da cen su ra prévia, ao lon go de m om en tos distin tos, e agin do sobre
órgãos de divu lgação de orien tação específica.
• O caráter m u ltifacetado e n ão-aleatório de cen su ra prévia à im pren sa es-
crita. Com o expressão de u m a prática viven ciada por cen sores e jorn alis-
tas, os vetos refletem a m u ltiplicidade de ân gu los sob os qu ais o Estado au -
toritário e a im pren sa escrita se m an ifestam n o período.
• A gran de im pren sa, represen tada por OESP, e a altern ativa, por M, pos-
su em con cepções diversas acerca do papel da im pren sa e da relação in for-
m ação/pú blico leitor. Essas opin iões expressam -se n o m aterial produ zido,
vetado e preservado pelos órgãos de divu lgação.

A explicitação desses aspectos e o esclarecim en to de su as in ter-re-


lações, é o qu e trata este capítu lo.

H ISTÓRICO D A CEN SURA POLÍTICA À IMPREN SA


ESCRITA : D A IN STA URA ÇÃ O À EXTIN ÇÃ O (1968-1978)
A atitu de de in gerên cia govern am en tal n os órgãos de divu lgação
sem pre foi m ais ou m en os in stitu cion alizada n o Brasil1.
En tretan to, en ten de-se qu e, n a h istória repu blican a do país, so-
m en te em dois m om en tos a ação da cen su ra política pôde ser con sidera-
da con tín u a, exercida de m an eira con stan te du ran te u m período determ i-
n ado: n o prim eiro govern o Vargas, particu larm en te n o Estado Novo,2 e
n o regim e m ilitar in stau rado após 1964.
É de con h ecim en to pú blico qu e ações repressivas foram com etidas
pelo govern o con tra a im pren sa e con tra jorn alistas en tre 1964 e 1968.
Assim ocorreu com Hélio Fern an des, qu e teve seu s direitos políticos cas-
sados du ran te dez an os e, por críticas ao ex-presiden te Castelo Bran co,
qu an do de su a m orte em 1967, foi aprision ado n a Ilh a de Fern an do de

205
Noron h a 3 . Porém , o m arco de u m a cen su ra política len tam en te in stitu -
cion alizada é estabelecido a partir de 13 de dezem bro de 1968, data da
edição do AI-5.
O AI-5 foi editado pelo presiden te Costa e Silva, em m eio ao ru m o-
roso caso do depu tado Márcio Moreira Alves. O depu tado, por época do
7 de setem bro de 1968, fez u m discu rso, n a Câm ara, em qu e in stava a po-
pu lação a boicotar a parada m ilitar com em orativa da In depen dên cia e su -
geria às m u lh eres brasileiras qu e n ão n am orassem m ilitares en volvidos
n a repressão. O discu rso n ão teve gran de repercu ssão n a im pren sa. En -
tretan to, serviu aos setores in teressados n o recru descim en to da repressão
para exercer pressões sobre o presiden te, n o sen tido de qu e tom asse m e-
didas m ais drásticas, pois con sideraram o discu rso u m grave u ltraje às
Forças Arm adas. Foi requ erido por m in istros m ilitares, ju n to ao Su prem o
Tribu n al Federal, o ju lgam en to do depu tado por ofen sa às Forças Arm a-
das brasileiras. O requ erim en to, com o rezava a legislação, foi en cam in h a-
do ao Con gresso Nacion al, qu e poderia aceitar a su gestão e levan tar a
im u n idade parlam en tar de Márcio Moreira Alves, para qu e este pu desse
ser processado. Ou en tão, o Con gresso, por votação, rejeitaria o pedido,
im possibilitan do qu alqu er form a de pu n ição ao parlam en tar. Em u m a
sessão con tu rbada e, por m aioria esm agadora, o Con gresso optou pela
n egação da solicitação de pu n ição.
A vitória e a recu peração da dign idade do Poder Legislativo, rapi-
dam en te tran sform aram -se em derrota qu an do, m en os de 24 h oras após
a votação, o Execu tivo pu blicou o AI-5, con cen tran do e con ferin do ex-
cepcion alidade m aior ao presiden te; lim itan do ou extin gu in do liberdades
dem ocráticas e su spen den do garan tias con stitu cion ais. Ao con trário dos
atos in stitu cion ais an teriores, n ão h avia prazo estipu lado para su a vigên -
cia. O Con gresso Nacion al foi fech ado por tem po in determ in ado 4.
A edição do AI-5 represen ta, para o regim e in au gu rado em 1964,
u m a gu in ada de posição. A partir desse m om en to, com o en du recim en to
político propu gn ado pelo Ato, torn a-se claro qu e as rédeas da con du ção
do país, n o âm bito m ilitar, h aviam m u dado defin itivam en te de posição.
Deixan do de lado os atritos, presen tes n os govern os de Castelo Bran co e
de Costa e Silva, en tre as alas m ilitares da “Sorbon n e” e da “lin h a- du ra”,
passava a h aver agora claro predom ín io destes ú ltim os. No setor das co-
m u n icações, e n a im pren sa escrita em particu lar, as m u dan ças n ão dem o-
raram a se fazer sen tir.
Na realidade, an tes m esm o da edição do AI-5, o jorn al carioca Tri-
buna da Imprensa h avia recebido diversas visitas de u m oficial m ilitar, co-
ron el Carlos Pin to, qu e em seis en con tros com o proprietário, Hélio Fer-
n an des, acabou por con segu ir in stau rar a cen su ra prévia n o jorn al a par-
tir de 23 de ou tu bro de 1968 5.
Na data da edição do Ato, OESP preparou o editorial “In stitu ições
em Fran galh os”, qu e acabou sen do respon sável pela apreen são de OESP
e do Jornal da Tarde (ver capítu lo 1).

206
O caso do Jornal do Brasil tam bém elu cida o AI-5 com o u m m arco
represen tativo n a h istória da cen su ra. Logo após su a edição, o jorn al re-
cebeu a visita de dois oficiais do Exército, para vistoriar a pu blicação do
dia su bseqü en te (14 de dezem bro de 1968). O m aterial a ser pu blicado foi
en tregu e aos cen sores para exam e e devolvido para pu blicação. Segu n do
depoim en to de Carlos Lem os6 a ú n ica coisa n ão en tregu e foi u m a pequ e-
n a n ota, a ser colocada n o topo da prim eira págin a, ao lado direito do tí-
tu lo, com a segu in te afirm ação: “On tem , foi o dia dos Cegos”. Carlos Le-
m os argu m en tou qu e tivera essa idéia para estabelecer u m sím bolo do AI-
5 – 13 de dezem bro é o dia de San ta Lu zia, a Padroeira dos Cegos.
Além deste fato, os oficiais cen sores n ão se aperceberam de dois
elem en tos qu e trou xeram gran de repercu ssão. O prim eiro in serido n o
alto, ao lado esqu erdo do títu lo – Alberto Din es (editor-ch efe n a época)
tivera a idéia de com en tar o tem po n os segu in tes term os: “Tem po n egro.
Tem peratu ra su focan te. O ar está irrespirável. O país está sen do varrido
por fortes ven tos. Máx.: 38ºC, em Brasília; Mín .: 5ºC, n as Laran jeiras”. A
m etáfora era óbvia. A referên cia do local dizia respeito aos dois cen tros
em qu e se situ ou o Execu tivo n a Repú blica (Palácio do Catete/ Laran jei-
ras e Palácio do Plan alto/ Brasília). As m arcas da tem peratu ra represen ta-
vam o AI-5 e o Ato Com plem en tar n ú m ero 38, pu blicado n a m esm a data
(13 de dezem bro) e qu e decretava o recesso do Con gresso Nacion al. O se-
gu n do elem en to localizava-se n a págin a reservada ao editorial do jorn al:
bem n o cen tro dos com en tários políticos, u m a foto qu ase de págin a in tei-
ra m ostrava u m h om em m u ito alto e forte (An ton Geesin k, cam peão
m u n dial de ju dô) lu tan do e m assacran do u m h om em de estatu ra bem re-
du zida. Ou tro exem plo de sim bologia deixado para o pú blico-leitor.
Com o os cen sores n ão n otaram a su tileza das m en sagen s, foram re-
preen didos, e retorn aram ao jorn al m u ito bravos; n o dia segu in te foram
su bstitu ídos por ou tros qu e, segu n do o depoim en to de Carlos Lem os, ti-
n h am m ais experiên cia e n ão eram facilm en te en gan ados. Os oficiais cen -
sores do Exército perm an eceram n o jorn al du ran te aproxim adam en te
u m m ês, até jan eiro de 1969 7.
Esses exem plos com provam qu e o AI-5 foi u m m arco divisório n a
h istória da cen su ra n este país. A partir de 13 de dezem bro de 1968, a cen -
su ra à im pren sa escrita viveu períodos de m aior ou m en or in ten sidade e
variou seu m odo de atu ação de acordo com o periódico, a exten são de
su as den ú n cias e com a in ten sidade de su a resistên cia.
Um a vez estabelecido este m arco, e an tes de se passar para a cro-
n ologia adotada por esta, é n ecessário qu e se afirm em algu n s aspectos.
Em prim eiro lu gar, acredita-se qu e a cen su ra prévia possu i u m a ligação
u m bilical com o Estado au toritário brasileiro pós-64, n a m edida em qu e
é u m de seu s in stru m en tos repressivos. Em segu n do, em bora ten h a sido
u tilizada sem pre a m esm a term in ologia para se referir ao regim e m ilitar,

207
é preciso esclarecer qu al a con cepção de Estado adotada. Em terceiro, en -
ten de-se qu e as alterações processadas n a cen su ra prévia relacion am -se
diretam en te com m u dan ças de orien tação n os círcu los do poder.
Por referên cia ao regim e político in stalado n o Brasil após o m ovi-
m en to de 1964, u tilizou -se sem pre a term in ologia de Estado au toritário.
Algu n s au tores, ao escrever sobre o m esm o m om en to h istórico, u sam ou -
tras term in ologias.
Alfred C. Stepan 8, em prega, para o período de 1964 a 1974, a con -
ceitu ação de Gu illerm o O’Don n el, qu e estu da regim es políticos da Am éri-
ca do Su l, ch am an do-os de “bu rocrático-au toritários”. Tam bém adota u m a
den om in ação específica para o Brasil – regim e au toritário “exclu den te”9 –,
trabalh an do, a partir de diferen tes perspectivas teóricas, os estu dos de An -
tôn io Gram sci e Max Weber acerca do Estado m odern o au toritário.
Nu m trabalh o em qu e procu ra an alisar as relações con flitu osas en -
tre o Estado e a oposição, n o período de 1964 a 1984, Maria Helen a Mo-
reira Alves10 u tiliza a expressão “Estado de Segu ran ça Nacion al”, pois acre-
dita qu e o caráter defin idor deste Estado, criado após 1964, seja a Dou tri-
n a de Segu ran ça Nacion al e su as con exões com o bin ôm io básico: m an u -
ten ção da segu ran ça (in tern a), aliada ao desen volvim en to econ ôm ico
(con cen trador da ren da e da propriedade, aberto ao capital extern o).
Gláu cio Ary Dillon Soares11, em artigo sobre o tem a da cen su ra po-
lítica da im pren sa escrita n o Brasil, em bora u tilize n o títu lo a expressão
“regim e au toritário”, n o in terior do texto a ele se refere com o “ditadu ra”.
Apesar de esses au tores n ão adotarem , para con ceitu ar o Estado
brasileiro, a expressão “totalitário”, optou -se por con siderar essa possibi-
lidade, com a preocu pação de defin ir seu s lim ites.
In icialm en te, é preciso qu e se caracterize, n o regim e m ilitar pós-64,
a au sên cia de traço dem ocrático, tan to n o sen tido dado pelos “an tigos”
(dem ocracia direta), com o n o u tilizado pelos “m odern os” (dem ocracia re-
presen tativa) 12.
Trabalh an do com m odelos diversos de dem ocracia liberal (adotan -
do Sch u m peter e Mcph erson ), Marilen a Ch au í diz qu e a “pecu liaridade
liberal está em tom ar a dem ocracia estritam en te com u m sistem a político
qu e repou sa sobre os postu lados in stitu cion ais qu e se segu em , tidos, en -
tão com o con dições sociais da dem ocracia”13. Após defin ir dem oradam en -
te esses critérios, a au tora con clu i:

Ora, esse con ju n to de critérios políticos e sociais con figu ra a dem ocracia
com o u m a form a de vida social (cidadan ia, direito, eleições, partidos e as-
sociações, circu lação das in form ações, divisão de gru pos m ajoritários e m i-
n oritários, diversidade de reivin dicações etc.) qu e se m an ifesta apen as n o
processo eleitoral, n a m obilidade do poder e, sobretu do, em seu caráter re-
presen tativo.14

208
Contrapondo-se a esta visão liberal da democracia, mas ainda no âm-
bito político-institucional, Marilena Chauí afirma que as condições sociais
para a existência da democracia implicam na superação da divisão social do
trabalho “como divisão das classes para e pela exploração social da mais-va-
lia, exploração que não é realizada pelo Estado, mas através do Estado”15.
Sain do do cam po político-in stitu cion al da an álise dem ocrática, Ma-
rilen a Ch au í afirm a qu e a sociedade dem ocrática é h istórica, ou seja,
aqu ela qu e se “efetua como tempo [grifo da au tora], isto é, u m a sociedade
qu e n ão pode cessar de se rein stitu ir porqu e para ela su a gên ese e su a for-
m a são u m a qu estão in cessan tem en te colocada”16.
Explicitan do m elh or a su a con cepção, a au tora prossegu e:

Há h istória qu an do h á relação com o qu e é Ou tro. Nas sociedades h istóri-


cas h á alteridade en tre classes, en tre sociedade civil e poder político, en tre
poder e Estado, en tre o atu al e o possível, en tre saber e ideologia, en tre
pen sar e agir.17

O que importa colocar aqui é que, dentro da variedade de conceitua-


ções usadas para definir a abrangência de uma sociedade democrática, o re-
gime político instaurado no Brasil pós-64 não se enquadra em nenhuma
delas. A análise de um de seus instrumentos repressivos (no caso a censu-
ra prévia à imprensa escrita), mostrou que durante todo o tempo foram uti-
lizados mecanismos para impedir a participação e a representação dos cida-
dãos no nível institucional. Acentuou-se a divisão social do trabalho, atra-
vés da acelerada concentração da renda e do privilégio concedido aos gran-
des grupos nacionais e estrangeiros. Buscou-se mascarar a alteridade social,
criando-se uma imagem de sociedade harmônica, livre de conflitos.
Segu n do a term in ologia u tilizada por Ren é Arm an d Dreifu ss, já
referida, pode-se recon h ecer n o golpe de 1964 a ação de gru pos “n acio-
n ais e associados”, n os qu ais se situ am in teresses de u m a classe, m as é
n ecessário fazer u m a distin ção. Os gru pos participan tes do “golpe de
classe” (gran de capital n acion al associado a in teresses m u ltin acion ais e à
oficialidade das Forças Arm adas, organ izadas em torn o de ESG e da Dou -
trin a de Segu ran ça Nacion al), m om en tan eam en te coesos por ocasião do
golpe, sofrem adu lterações n a com posição. Gru pos da sociedade civil,
com o, por exem plo, os represen tan tes do capital n acion al, n o percu rso
dos govern os m ilitares, retiram -se desse con glom erado, ao m en os tem -
porariam en te, assim com o os m ilitares, in icialm en te u n idos, viverão
u m a lon ga e com plexa cisão.
Não é possível con ceber o regim e político pós-64 com o ditatorial,
ten do em vista o con fron to en tre a con ceitu ação e a prática viven ciada.
Con ceben do-se a ditadu ra, n a acepção rom an a, com o u m m om en -
to de excepcion alidade an te u m a crise em qu e se torn a in viável a con ti-
n u idade da vigên cia das in stitu ições, com seu s m ecan ism os de participa-

209
ção dos cidadãos, observa-se qu e o apelo ditatorial, em bora con fira pode-
res excepcion ais ao govern an te, é provisório.
Pode-se dizer qu e, em u m prim eiro m om en to, as in ten ções dos en -
volvidos n o golpe de 1964 – com o OESP e algu n s dos articu ladores da fu -
tu ra Fren te Am pla e m esm o os m ilitares m ais diretam en te vin cu lados à
ESG, perten cen tes ao gru po da “Sorbon n e” qu e, lato sensu, se en qu adram
n os m oldes do liberalism o lockean o – eram u m a in terru pção tem poral da
in stitu cion alidade, para depois, con torn ada a “crise”, retom ar a n orm ali-
dade dem ocrática. O lim ite dessa tem poralidade estava fixado n o en cer-
ram en to do govern o de João Gou lart, previsto para term in ar em 1965.
En tão, n a con cepção desse gru po, seriam recolocadas as regras de alter-
n ân cia do poder, com o restabelecim en to do jogo eleitoral. Fica claro qu e
a n orm alidade só seria in terrom pida por cau sa de u m a circu n stân cia ex-
cepcion al e in con torn ável de crise. Aqu i se vê, reprodu zido, o m odelo di-
tatorial, tal com o con cebido en tre os an tigos rom an os.
En tretan to, o desen rolar da tram a h istoricam en te tecida vem de-
m on strar divergên cias, on de an tes só h avia coesão, e con tin u idade, on de
se previa ru ptu ra. A em ergên cia de cisões en tre os gru pos (tan to en tre
m ilitares qu an to civis), relativam en te à form a pela qu al prossegu iria o
processo h istórico brasileiro, coloca a con tin u idade da excepcion alidade,
e m esm o u m recru descim en to da m esm a, após o govern o Castelo Bran -
co e du ran te o de Costa e Silva, com a edição do AI-5. Os m ilitares per-
ten cen tes ao gru po da “lin h a-du ra” e os civis qu e n ão se afastam dos cír-
cu los do poder, em u m a con cepção teórica qu e, por oposição ao liberalis-
m o lockean o, pode ser delin eada com o de m atriz con servadora, prom o-
vem a con tin u idade e o recru descim en to da exceção, através da acelera-
ção da con cen tração n o Execu tivo e do in crem en to da in terferên cia esta-
tal, elem en tos distin tos de qu aisqu er con otações liberais18.
Um a vez feitas essas con siderações, é n ecessário esclarecer qu e, n o
regim e político in stalado n o Brasil após 1964, n ão se recon h ecem caracte-
rísticas básicas do totalitarism o, com o as estu dadas por Han n ah Aren dt em
su a obra O Sistema Totalitário, particu larm en te n a terceira e ú ltim a parte
(“Totalitarism o”). Para a au tora, os fen ôm en os totalitários recon h ecidos n o
n azism o h itlerian o e n o stalin ism o im plicam o con trole absolu to sobre a
popu lação, qu e se esten de até a dom in ação sobre ou tros povos. Nessa es-
tratégia, n ão h á possibilidade de m argem de m an obra ou de oposição, ao
lado do fascín io e dom ín io exercido pelo ch efe sobre as m assas.
Pode-se iden tificar algu m as destas características n os govern os m ili-
tares brasileiros com o, por exem plo, a ten tativa de obten ção de u m con -
sen so, por in term édio da propagan da, com a criação da im agem de u m
ch efe iden tificado com as m assas, particu larm en te n o govern o Médici,
através da estratégia de difu são da vitória n o fu tebol – o “esporte do povo”;
ou tro exem plo é o exercício da h egem on ia sobre os países latin o-am erica-

210
n os. En tretan to, a prática veio bu rlar as in ten ções do govern o, destacan -
do-se a resistên cia da im pren sa à dom in ação im posta pela vigên cia da cen -
su ra prévia. No Estado au toritário brasileiro pós-64, pode ser iden tificada
a du ra política reservada aos qu e a ele se opõem , porém , n ão se ch egou ao
exterm ín io físico de largas cam adas da popu lação, n em ao terror estabele-
cido pelos regim es totalitários a toda a popu lação, oposicion ista ou n ão.
No qu e se refere à qu estão partidária, ain da segu n do a au tora, o to-
talitarism o n ão adm ite a existên cia legal de partidos qu e a ele se opõem , o
qu e, gu ardadas as devidas proporções, ocorreu n o Brasil, qu an do, em
1965, o Ato In stitu cion al n ú m ero 2 extin gu iu partidos. En tretan to, criou
o sistem a bipartidário qu e, com ressalvas, abria u m a brech a para u m a opo-
sição con sen tida.
Han n ah Aren dt em Entre o Passado e o Futuro (capítu lo 3) m an ifes-
ta su as preocu pações em relação à crise de au toridade em n osso sécu lo.
Segu n do a au tora, essa crise, essen cialm en te política, acen tu ou -se com o
estabelecim en to de form as totalitárias de govern o qu e detu rparam o sen -
tido origin al de au toridade. Ela se refere ao sen tido qu e fora válido em
todo o m u n do ociden tal, e qu e exclu i a u tilização de m eios extern os de
coerção, ou seja, o u so da força qu e, em si m esm a, é a n egação do con -
ceito. A au toridade, n essa acepção, segu n do a origem grega, baseia-se em
u m a relação h ierárqu ica – n ão igu alitária ou de força – en tre qu em m an -
da e qu em obedece, cu jo direito e legitim idade am bos recon h ecem .
O qu e se ch am a com u m en te de au toridade, com recu rso à força, a
au tora in terpreta com o su a n egação. Com preen de-se, assim , qu e a atu al
con cepção de au toridade, sem o recon h ecim en to da legitim idade e do di-
reito h ierárqu ico, n avega n a direção da exacerbação de seu u so, portan -
to, do au toritarism o. Neste sen tido, o Estado au toritário, an te a acepção
da filosofia política grega e da tradição rom an a, n ão tem au toridade, m as
u sa a força extern a de coerção dos dom in adores sobre os dom in ados.
Adotou -se o term o Estado au toritário, por acreditar-se qu e am plia
a con cepção e m elh or se adapta ao u so extrapolado da au toridade, du ran -
te os govern os posteriores ao golpe de 1964.
Ou tro esclarecim en to se faz n ecessário n este m om en to: n ão se par-
tilh a de u m a con cepção de Estado com o algo qu e paire acim a das classes;
ao con trário, ele é con cebido com o fru to das con traditórias e con flitan tes
relações sociais estabelecidas en tre as cam adas da sociedade.
Neste sen tido, a an álise de Marilen a Ch au í sobre a produ ção h isto-
riográfica brasileira dos an os de 1920 e 1930, é reveladora, pois, segu n do
ela, todos os au tores qu e escreveram sobre o período com eteram o erro
de determ in ar o in determ in ado, tran sportan do para o pon to de partida
do con h ecim en to (in determ in ação) as con clu sões e os resu ltados obtidos
n o pon to de ch egada. Deste m odo:

211
[...] a im pressão deixada por gran de parte dos textos é a de u m a con cep-
ção dem iú rgica da h istória do Brasil, as in terpretações oscilan do n a esco-
lh a do demos ourgoi qu e ora é o Estado (e h á u m h egelian ism o laten te), ora
é o em presariado (e a som bra de Sch u m peter paira sobre a letra dos tex-
tos), ora deveria ter sido o proletariado (e a au ra de Lên in refu lge n o es-
plen dor do ocaso). Essa con cepção dem iú rgica perm ite determ in ar de an -
tem ão o in determ in ado e faz com qu e a lu ta de classes, sempre presente nas
análises dos melhores intérpretes [grifo da au tora], n ão ch egu e a assu m ir a di-
m en são qu e lh e é própria, isto é, a da efetu ação das relações h istóricas.19

Com a im agem da “con cepção dem iú rgica”, a au tora iden tifica al-
gu n s trabalh os, n os qu ais o Estado vem preen ch er u m vazio qu e teria
sido deixado pela au sên cia de participação das classes sociais. Deste
m odo, esse m esm o Estado aparece com o ú n ico su jeito h istórico real, au -
tôn om o e distan te das relações sociais qu e o en gen dram . Estu dar o Esta-
do au toritário brasileiro pós-64, com o fru to de in teresses de classes e en -
gen drado por relações sociais reais e con flitu osas, é u m cu idado qu e n ão
se pode perder de vista.
Qu an to à periodização, relativa à vigên cia da cen su ra política do
Estado au toritário brasileiro, en tre os an os de 1968 (edição do AI-5) e de
1978 (abolição da cen su ra prévia n os três ú ltim os órgãos de divu lgação
sobre os qu ais ela ain da atu ava: Tribuna da Imprensa, M e O São Paulo),
pode-se dividir esse período em du as fases distin tas e qu e, obviam en te,
relacion am -se com as circu n stân cias h istóricas do país.
Em u m prim eiro m om en to, en tre 1968 e 1975, a cen su ra assu m e
u m caráter am plo, agin do in distin tam en te sobre todos os periódicos. De
1968 a 1972 tem -se u m a fase in icial em qu e h á u m a estru tu ração da cen -
su ra, do pon to de vista legal e profission al, e em qu e o procedim en to
praticam en te se restrin ge a telefon em as e bilh etes en viados às redações20.
Na segu n da fase (de 1972 a 1975) h á u m a radicalização da atu ação
cen sória, com a in stitu cion alização da cen su ra prévia aos órgãos de divu l-
gação qu e oferecem resistên cia. Observa-se qu e em parte desse período o
regim e político recru desce em term os repressivos, m om en to em qu e o
con trole do Execu tivo perten ce aos m ilitares iden tificados com a “lin h a-
du ra”. O an o de 1972 m arca a radicalização e a in stau ração da cen su ra
prévia, e coin cide com a discu ssão da su cessão presiden cial qu e levará à
escolh a do gen eral Ern esto Geisel, oriu n do da ala m ilitar da “Sorbon n e”
e qu e terá u m a gran de dificu ldade de aceitação por parte dos m ilitares da
“lin h a-du ra”. Estes prossegu irão con trolan do altos cargos (por exem plo,
o Com an do do II Exército em São Pau lo), du ran te algu m tem po.
O presiden te Ern esto Geisel assu m e, com a in ten ção alegada de
con du zir u m processo de disten são política, den tro do qu al estava in clu í-
da a liberação da im pren sa escrita. En tretan to, o an o de 1974 n ão trará
m u dan ças sign ificativas n o qu adro da cen su ra, sen do qu e, em algu n s ca-
sos, até se pode perceber u m a elevação n a qu an tidade das proibições.

212
De acordo com as orden s telefôn icas, ou os bilh etes, recebidos pelo
Jornal do Brasil, qu e con stam do ch am ado “Livro Negro”, observa-se qu e
– levan do-se em con ta qu e essas orden s foram dadas n o período de 14 de
setem bro de 1972 a 19 de abril de 1974 – en tre 1º de jan eiro de 1973 e
19 de abril de 1973, o jorn al recebeu vin te orden s, en qu an to qu e para o
m esm o período em 1974, o n ú m ero de orden s elevou -se para 39. Com -
pu tan do-se o período de 15 de m arço de 1973 a 19 de abril de 1973 – to-
m an do-se por parâm etro o fato de qu e a posse de Geisel ocorreu a 15 de
m arço de 1974 – o Jornal do Brasil recebeu 11 orden s, e u m a a m ais para
o m esm o período de 1974.

As ordens oriundas da Polícia Federal e compiladas pela própria redação do Jornal do


Brasil receberam o nome de “Livro Negro do JB”. Essas ordens caracterizam-se pela impre-
cisão, tanto no que se refere ao mandatário, como em relação ao atingido (vide P.S. da ordem
de 16 de outubro de 1972).

Muitas vezes não havia identificação de quem emanavam as ordens. D. Hélder Câmara foi
figura notoriamente proibida ao longo de todo o período censório.

213
Pequena foi a variedade das expressões utilizadas para explicitar as proibições: “De ordem
superior”, “Fica terminantemente proibido”, “Proibida a divulgação”. Os chamados “ter-
roristas” e os genericamente conhecidos como “comunistas”, inimigos públicos do regime, e
portanto alvos inegáveis de perseguição, não podiam ter divulgada a ação de sua repressão.

As mortes por “atropelamento”, por “tiroteio” em perseguição com a polícia, os “suícidios”


forjados – versões oficiais das mortes cometidas pela repressão política – não podiam ser
noticiados. De acordo com o momento e com os interesses em questão, assuntos anterior-
mente permitidos poderiam passar a ser proibidos.

Tam bém a pesqu isa de Paolo Marcon i21 n os arqu ivos de vários jor-
n ais de Salvador, do Rio de Jan eiro (Jornal do Brasil) e de São Pau lo (Fo-
lha de S. Paulo), assim com o das rádios Jorn al do Brasil, n o Rio de Jan ei-
ro, Rádio e TV Ban deiran tes, em São Pau lo, e Rádio e TV, em Salvador,
além das con su ltas n o arqu ivo do Sin dicato dos Jorn alistas Profission ais
de Porto Alegre, com pu tou , en tre 15 de m arço de 1973 e 31 de dezem -
bro do m esm o an o, u m total de 143 orden s. Já para o período de 15 de
m arço a 31 de dezem bro de 1974, h ou ve 130 orden s (m ais u m a vez to-
m an do-se com o m arco a posse de Geisel a 15 de m arço de 1974).

214
Fin alm en te, con sideran do-se os dados colh idos n a pesqu isa com o
m aterial cen su rado de OESP con tabilizados n os m eses de abril a dezem bro
de 1973 (u m a vez qu e o m aterial dispon ível data de apen as 29 de m arço
desse an o), ch egou -se ao total de 282 m atérias vetadas in tegralm en te ou
em parte. Já para o m esm o período do an o su bseqü en te, o total atin giu a
espan tosa cifra de 692 m atérias cen su radas n o todo ou em parte.
A n ão dim in u ição sen sível, ou o au m en to do rigor da cen su ra im e-
diatam en te após a posse do presiden te Ern esto Geisel, pode ser explicado
n as dificu ldades en con tradas pelos m ilitares (lin h a “Sorbon n e”) em m an -
ter sob con trole a ala da “lin h a-du ra”.
O processo de disten são política atin ge a cen su ra à im pren sa escrita
a partir de 1975, qu an do a 4 de jan eiro os cen sores se retiram da redação
de OESP, on de h aviam perm an ecido por m ais de dois an os in in terru ptos.
Em u m segu n do m om en to, en tre 1975 e 1978, observa-se qu e a
cen su ra passa a ser m ais restritiva e seletiva: len tam en te vai se retiran do
dos órgãos de divu lgação, bem com o dim in u em de in ten sidade as orden s
telefôn icas e os bilh etes às redações.
Qu an to aos periódicos, restrin gin do-n os aos exem plos m ais n otó-
rios, após a liberação de OESP (e tam bém do Jornal da Tarde), em m arço
de 1975 ch ega a vez do Pasquim ter en cerrada a su a fase de cen su ra pré-
via (presen te desde 1970). Em ju n h o de 1976, a revista Veja teve retirada
a cen su ra prévia (a revista con h eceu fases in term iten tes de cen su ra des-
de 18 de dezem bro de 1968).
Em relação aos bilh etes e orden s telefôn icas, basean do-se n os da-
dos levan tados por Paolo Marcon i, com pu tam -se 497, en tre 1969 (m o-
m en to em qu e com eçam os seu s registros) e 1974. Já en tre 1975 e 1978,
o n ú m ero cai para seten ta proibições.
A atu ação da cen su ra prévia, en tretan to, se con serva, de m odo in -
ten so, sobre algu n s periódicos da im pren sa altern ativa, qu e acabam por
su cu m bir à su a ação. Com o exem plos, podem ser destacados dois casos:

• O sem an ário Opinião existiu en tre 1972 e 1977, ten do sido cen su rado
desde seu oitavo n ú m ero. No n ú m ero 230, em abril de 1977, n ão resistin -
do às pressões – qu e in clu íram desde prisões de pessoas da equ ipe da re-
dação e in terrogatórios ao proprietário Fern an do Gasparian , até apreen -
sões de edições in teiras e ou tras coerções de caráter fin an ceiro – resolveu
fech ar su as portas.
• Extra sobreviveu du ran te 17 n ú m eros, en tre 1974 e 1975, com periodi-
cidade variada. Depois EX teve o n ú m ero 17 apreen dido, o qu e acarretou
seu fech am en to. Isto ocorreu após u m a reportagem n o n ú m ero 16 sobre a
m orte de Wladim ir Herzog e a ven da de 30 m il exem plares (m édia extre-
m adam en te elevada para os altern ativos).

215
A edição de nº. 300 do Pasqu im , no final de março de 1975, será a primeira “Sem Censura”
desde 1970, quando o Jornal começou a ser censurado. Em editorial lapidar, Millôr
Fernandes explica ao leitor que a censura se retira deixando a ameaça velada: “Agora a
responsabilidade é de vocês”. Mais uma forma expressa do autoritarismo impregnado em
todas as facetas do regime.(Pasquim - RJ, 29/03 a 04/04/1975, ano VI, nº. 300, p. 3).

216
Opin ião, que continua censurado, noticia na capa o centenário de OESP que, nesse
momento, tinha retirada a censura prévia. Uma mostra da diversidade de atuação censória.

217
Em abril de 1977, Opin ião, vencido pela censura, fecha suas portas. O número 230 é o fim
de uma experiência singular, de resistência, da imprensa alternativa.

218
O editorial de Opin ião, nº. 230, explicava ao leitor o fim do projeto, prometendo retornar
em tempos melhores. Infelizmente, isso nunca ocorreu, e com esse número encerrou-se uma
etapa da própria imprensa alternativa.

219
A cen su ra m an tém -se até o fin al desse período (1978), in cidin do
sobre órgãos de divu lgação qu e, em bora n ão se en qu adrem todos n os
m oldes da im pren sa altern ativa (caso da Tribuna da Imprensa), n ão podem
ser con siderados represen tan tes da gran de im pren sa. Dos três periódicos
– Tribuna da Imprensa, M, O São Paulo – som en te o prim eiro era diário, po-
rém su a estru tu ra fin an ceira e circu lação ju stificam con siderá-lo, do pon -
to de vista das em presas jorn alísticas con ven cion ais, com o de pequ en o
porte e dedicado prim ordialm en te à defesa dos in teresses n acion ais. M,
caracteristicam en te perten cen te à im pren sa altern ativa de “fren te pro-
gressista”, possu ía circu lação n acion al, e procu rava m an ter vivo o debate
em torn o da lu ta pelas liberdades dem ocráticas, do n acion alism o e da de-
fesa dos in teresses popu lares. O São Paulo, sem an ário da Arqu idiocese de
São Pau lo, foi u m represen tan te da im pren sa altern ativa afin ado com a
lin h a progressista da Igreja Católica. Voltava-se preferen cialm en te aos po-
bres, preocu pan do-se com as con dições de vida e de trabalh o da popu la-
ção h u m ilde, com a defesa dos direitos h u m an os do cidadão e com a res-
tau ração das liberdades dem ocráticas.
Nessa fase, a con tin u idade do processo de abertu ra política esteve
assegu rado. Apesar dos atritos, o con trole sobre a “lin h a-du ra” m ilitar se
m an teve, garan tin do o processo de su cessão n o âm bito do gru po da “Sor-
bon n e”.
A in ten ção do gru po qu e con trolava o Execu tivo e, con seqü en te-
m en te, a len ta tran sição dem ocrática, foi de liberar algu m as vozes, n o caso
da im pren sa escrita, o qu e con tribu iu para m otivar o apoio da sociedade
civil. Ao m an ter a cen su ra sobre ou tros jorn ais, o Estado desejava bloqu ear
o risco, qu e eles represen tavam , para o projeto de desen volvim en to eco-
n ôm ico delin eado n as m etas da Dou trin a de Segu ran ça Nacion al.
Tribuna da Imprensa, O São Paulo e M som en te foram liberados
qu an do o processo de abertu ra política en con trava-se con trolado e já h a-
via sido restabelecido, m edian am en te, o con sen so com algu m as parcelas
da sociedade civil. As explosões de bom bas em ban cas de jorn ais qu e ven -
diam altern ativos, a destru ição das in stalações gráficas das em presas jor-
n alísticas e a pu lverização partidária da oposição, com a proliferação de
diferen ciados projetos políticos para o país, deram o golpe fin al para calar
as vozes discordan tes e in côm odas.
Em 8 de ju n h o de 1978, u m lacôn ico com u n icado do assessor de
im pren sa do Plan alto, coron el Ru bem Lu dwig, in form ou qu e estava ex-
tin ta a cen su ra prévia ao jorn al Tribuna da Imprensa (Rio de Jan eiro) e
aos sem an ários O São Paulo e M (São Pau lo). As redações foram com u n i-
cadas através de telefon em as, o qu e em São Pau lo foi assu m ido pelo Dr.
Rich ard de Bloch , qu e ch efiava, n o Departam en to de Polícia Federal, a
cen su ra n o Estado.

220
O número 120 de Movim en to, de 17 de outubro de 1977, sob censura, publica o ato de
exoneração do Ministro do Exército, General Sylvio Frota. Este momento é considerado um
dos pontos altos nas lutas entre as tendências militares: “Sorbonne” X “linha-dura”.

221
O CA RÁ TER MULTIFA CETA D O E N Ã O-A LEATÓRIO D A
CEN SURA POLÍTICA À IMPREN SA ESCRITA
Mu itas e variadas são as form as de atu ação da cen su ra n o âm bito da
im pren sa escrita. Existe u m tipo qu e se exerce in tern am en te e pode ser
den om in ado de em presarial, pois é fru to de pressões econ ôm icas, às qu ais,
particu larm en te, os órgãos da gran de im pren sa cedem , já qu e parcela sig-
n ificativa de su as receitas se origin a da pu blicidade. Essas pressões podem
advir n ão apen as do gru po cu jos in teresses são represen tados pelos pro-
prietários do periódico, m as tam bém dos an u n cian tes. Am bos podem sen -
tir-se in com odados com a divu lgação de determ in adas n otícias e, assim ,
in terferir n a veicu lação da in form ação. Esse tipo de cen su ra, en tretan to,
in depen de do con texto h istórico, sen do in eren te à estru tu ra de u m a gran -
de em presa capitalista, obrigada a fazer con cessões e a ceder a pressões.
Há, porém , u m ou tro tipo de cen su ra, tem a da presen te pesqu isa,
qu e vigora em u m m om en to h istórico preciso e determ in ado, atu an do de
form a extern a em relação às redações dos periódicos: trata-se da cen su ra
política, exercida pelo Estado qu e, para proteger seu s in teresses, in terfe-
re n a divu lgação de in form ações, determ in an do o qu e pode ou n ão ser
veicu lado.
En tre 1968 e 1978, a cen su ra política à im pren sa escrita n o Brasil
agiu de du as form as: através de telefon em as, an ôn im os ou n ão, de orden s
escritas, apócrifas ou n ão, en cam in h ados às redações dos jorn ais22, e de
acordos fech ados com os proprietários de gran des órgãos de divu lgação 23,
ou através de cen su ra prévia.
Esses acordos/ orden s têm a fin alidade de decidir sobre o qu e deve
ou n ão deve sair pu blicado, e su a aceitação im plica n a con trapartida da
au tocen su ra. De certo m odo, em bora even tu ais resistên cias possam ocor-
rer – crian do-se im agen s figu radas qu e forçam u m a leitu ra n as en treli-
n h as, ou m esm o bu rlan do-se orden s expressas –, a au tocen su ra represen -
ta u m a capitu lação, u m a vez qu e o papel cen sório é tran sferido do Esta-
do para a direção do órgão de divu lgação, qu e assu m e a fu n ção de com u -
n icar a seu s repórteres o qu e podem ou n ão escrever.
A au tocen su ra diz respeito à aceitação, por parte das direções e de
todos aqu eles ligados n a produ ção das m atérias, das orden s tran sm itidas
pelos organ ism os govern am en tais, o qu e n ão se pode afirm ar com certe-
za, u m a vez qu e n em sem pre era explicitado de on de vin h a exatam en te
a ordem . Mu itas discu ssões e ju stificativas foram feitas qu an do algu n s
gran des jorn ais optaram n essa direção.
Hélio Fern an des, da Tribuna da Imprensa, qu e se m an teve in in ter-
ru ptam en te cen su rada du ran te dez an os, afirm ou qu e os don os de gran -
des jorn ais gostavam da cen su ra, pois assim n ão precisariam assu m ir a res-
pon sabilidade da pu blicação. Disse tam bém qu e, n o período au toritário

222
A revista VEJA, sob censura, quer alertar o leitor. Para mostrar que está sendo vetada,
constrói a estratégia de anexar diabinhos e anjinhos, como é o caso da figura acima.

pós-64, h ou ve m ais au tocen su ra do qu e cen su ra prévia. Deste m odo, ele


vin cu la a au tocen su ra, praticada pela gran de im pren sa, à cen su ra em pre-
sarial qu e decide o qu e in teressa à em presa ver ou n ão pu blicado.
Carlos Lemos, em entrevista, ao responder porque o Jornal do Brasil
optara pela aceitação da censura e não pela resistência, disse que a filosofia
do jornal sempre foi a de não enfrentar a censura, para poder noticiar o má-

223
ximo possível por vias indiretas. Apontou, como exemplo desse comporta-
mento que considera um “primor”, a “Coluna do Castello”24 que durante
todos os anos de censura utilizou de subterfúgios para comunicar, nas en-
trelinhas, o que estava proibido. Essa coluna de política nacional aparecia
diariamente na página 2 do Jornal do Brasil, além de ter direitos de divulga-
ção para vários outros jornais do país. Deste modo, compreende-se o por-
quê de o jornalista Carlos Lemos considerar a forma de atuação do Jornal
do Brasil um modelo de resistência e a estratégia mais correta.
Em relação à h ierarqu ização n a aceitação das orden s, Carlos Lem os
m ostra com o, du ran te o dia, os repórteres de cam po, en carregados da
realização das m atérias, faziam o qu e ele ch am ou de lobbies, ju n to às ch e-
fias de redação, para assegu rar qu e determ in ado artigo, a seu cargo, tives-
se garan tida a divu lgação. En tretan to, n o fin al de cada tarde, ocorria a
reu n ião das ch efias com a direção do jorn al, em qu e se discu tia a orien -
tação da cen su ra, o qu e poderia ou n ão ser pu blicado e com o. Essa deci-
são era depois tran sm itida aos jorn alistas, qu e adaptavam seu s textos às
orien tações recebidas. O texto resu ltan te era lido pela ch efia, para even -
tu ais m odificações caso n ão estivesse den tro das regras estabelecidas.
A cen su ra prévia qu e, n a m aioria das vezes, foi u m recu rso repres-
sivo estabelecido n os órgãos de divu lgação qu e se recu savam aceitar as
orden s, pu blican do as m atérias apesar da proibição, tam bém estabeleceu -
se in depen den tem en te de u m a recu sa à aceitação das orden s, com o foi o
caso da im pren sa altern ativa (destacan do-se M, qu e já n asceu cen su rado)
e da Tribuna da Imprensa – con siderados pelo govern o órgãos de divu lga-
ção perigosos, pela postu ra de in depen dên cia e pelo teor das den ú n cias.
Esse gên ero de cen su ra atu ava de du as m an eiras:

a) In stalan do os cen sores n a redação do periódico, sen do qu e estes, após a


preparação de todas as m atérias, realizavam u m a leitu ra, selecion an do e
cortan do aqu ilo qu e, segu n do su as in stru ções, n ão poderia ser divu lgado.
Esse foi o caso de OESP e do Jornal da Tarde, cujas redações conviveram com
os censores diariamente, entre 1972 e 1975. Também ocorreu com a Tribu-
na da Imprensa, que conviveu com eles todos os dias durante dez anos. Se-
gundo informações de Antônio Aparecido Pereira 25, aconteceu também com
O São Paulo, mantido sob censura entre 1971 e 1978. A censura prévia, pro-
priamente dita, inicia-se em O São Paulo em 1972, pois de março de 1971 até
maio de 1972 ela era feita através de telefonemas da Superintendência da
Polícia Federal. Houve um período de abrandamento da censura prévia e,
entre junho e novembro de 1972, continuaram os telefonemas. Em dezem-
bro do mesmo ano, apresentou-se no jornal uma pessoa credenciada para
realizar a censura na redação às quartas feiras. Pouco tempo depois, entre-
tanto, a medida foi suspensa, ante a exigência, por parte do semanário, de
um ofício ao cardeal arcebispo de São Paulo, que apontasse de quem era a
responsabilidade pela censura em Brasília (de onde se dizia vir a ordem) e
em São Paulo. A primeira metade de 1973 assiste à continuidade da censu-

224
ra telefônica ao semanário. A volta da censura prévia, realizada na tipogra-
fia onde o periódico era impresso, ocorreu em agosto de 1973, mantendo-se
até junho de 1976, quando sucedeu nova mudança de orientação.
b) No caso de órgãos de divu lgação cu ja periodicidade n ão fosse diária,
m u itas vezes, para pen alizá-los ain da m ais, a cen su ra exigia qu e em data
prefixada todo o m aterial preparado para pu blicação fosse en tregu e n a de-
legacia region al da Polícia Federal ou en viado diretam en te a Brasília, on de
o departam en to respon sável n a Polícia Federal exam in aria reportagen s,
ch arges, fotos, capas e an ú n cios. Esse m aterial, após leitu ra e cortes, era
devolvido para pu blicação pela delegacia region al ou pela Polícia Federal
de Brasília, de acordo com o caso.
Isto acon teceu com M qu e, desde a su a fu n dação e, du ran te 153 sem an as
(ju l. 1975 -ju n . 1978) foi obrigado a en viar a Brasília todo o m aterial a ser
pu blicado.

A revista Veja, do m esm o m odo com o O São Paulo, sofreu u m a va-


riedade de atu ação cen sória – períodos de telefon em as e orden s escritas e
de cen su ra prévia. Du ran te a ú ltim a fase, ch egou a ter u m cen sor n a re-
dação, en viar m aterial para a casa do m esm o, para a delegacia region al de
São Pau lo e m an dar partes para Brasília. Estes trech os são sign ificativos
da diversidade de situ ações:

Esta revista sem an al con h eceu a cen su ra pela prim eira vez em su a edição
n .º 15, de 18 de dezem bro de 1968. A capa program ada – sobre o AI-5 –
trou xe u m cen sor qu e vetou algu m as declarações do político gaú ch o Bri-
to Velh o. Mesm o assim , n a segu n da-feira a revista com eçou a ser apreen -
dida n as ban cas. A partir de en tão, com eça u m período de “Cen su ra Bran -
ca” – qu an do com u n icados e telefon em as da Cen su ra Federal in form avam
sobre assu n tos qu e n ão deveriam ser divu lgados. [...]
Em 1972, a lista de proibições au m en ta para 24 assu n tos. E du ran te algu n s
m eses (até 16/ 9/ 72) a redação passa a ter u m cen sor. A partir desta data,
segu n do o com u n icado, con fia-se “n a respon sabilidade editorial da Abril,
afim de qu e áreas proibidas n ão sejam abordadas”. No an o de 1973 Veja
con tin u a ten do problem as. Em m arço, u m a m atéria sobre su cessão presi-
den cial (edição n .º 237) desagrada às áreas de segu ran ça n acion al. A par-
tir disso, qu alqu er m atéria sobre su cessão passa a ser en cam in h ada à cen -
su ra prévia. [...]
Em 1974, in stala-se a cen su ra prévia em Veja. A cau sa disso seria u m a pe-
qu en a n ota n a seção de Datas (edição n .º 283, de 6 de fevereiro), sobre a
in dicação de D. Helder Câm ara, arcebispo de Olin da e Recife, para prêm io
Nobel da Paz. No dia 8 de fevereiro, in stitu i-se o modus operandi da cen su -
ra, com o fu n cion ário Rich ard de Bloch (da Polícia Federal) len do todas as
m atérias pron tas. O m aterial passa a ser levado em su a casa ou n o Depar-
tam en to de Polícia Federal, in stalan do-se u m a “cen su ra de circu lação”.
“Veja recebe u m a lista de proibições e n o dom in go, com a revista pron ta,
Rich ard de Bloch recebe dois exem plares, exam in a-os e libera ou n ão a
circu lação”. [...]
O m ês de abril trou xe o fim da cen su ra prévia em Veja, apesar de con ti-
n u ar através de telex e telefon e. Doze assu n tos são proibidos só em abril.

225
No m ês de m aio, a edição n .º 296 traz u m a ch arge de Millôr – u m prisio-
n eiro posto em ferros e do lado de fora o carcereiro afirm an do “Nada
Con sta” – m otivo da volta da cen su ra prévia. Em 13 de m aio, o m in istro
da Ju stiça, Falcão, determ in a qu e Veja seja cen su rada em Brasília, com
todo o m aterial ten do qu e ser m an dado até terça feira à n oite. Depois de
n egociações en tre a revista e Brasília, n o dia 15 estabelece-se o esqu em a
an terior de cen su ra. Em 26 de ju n h o, Millôr, qu e vin h a sen do terrivel-
m en te cen su rado desde o n .º 297 (som en te a frase “Livre pen sar é só pen -
sar” foi vetada oito vezes, e n o dia 16 de ou tu bro o cen sor avisava qu e
“con vin h a n ão in sistir pela aprovação. Con siderarei esta in sistên cia com o
falta de respeito à Cen su ra”) passa a ser cen su rado em Brasília, decisão
qu e só é revogada em 24 de setem bro. Em 11 de ou tu bro, h á u m a ordem
para qu e a capa passe a ser cen su rada, por cau sa da repercu ssão da capa
n .º 318 sobre os m ilitares em Portu gal (desen h o de Elifas An dreato com
3 m ilitares perfilados). No an o de 75, a cen su ra em Veja já se con stitu ía
rotin a. A correspon dên cia é escassa: apen as a in form ação de qu e u m cen -
sor ficaria n a revista (depois revogada). No an o de 76, u m a in form ação
“preven tiva” do cen sor, qu e seriam vetadas três m atérias: m orte do ope-
rário Man u el Fiel Filh o, exon eração do gen eral Edn ardo, e n om eação do
gen eral Dilerm an do (o aviso era para n ão criar “problem as” de fech am en -
to para a revista, segu n do o cen sor).
Em 3 de ju n h o de 1976, u m telefon em a da Polícia Federal in form ava qu e
a revista, a partir daqu ela data, estava liberada de en viar o m aterial para a
cen su ra.26

O exem plo do sem an ário O São Paulo tam bém é elu cidativo. Em ju -
lh o de 1976, o periódico, cen su rado diretam en te n a tipografia, recebe u m
telex da Su perin ten dên cia Region al da Polícia Federal dizen do qu e, a par-
tir daqu ela data, a cen su ra seria realizada n a sede da Su perin ten dên cia
em São Pau lo, deven do ser en viado todo o m aterial até às 17 h oras de
cada qu in ta-feira.
O caso do sem an ário Opinião é sem elh an te. In icialm en te, a cen su ra
era realizada n a redação. Nu m segu n do m om en to, trocou -se a equ ipe de
cen sores, porqu e se acreditava qu e estes estavam deixan do passar m u ita
coisa. Cen sores m ais rígidos vieram para a redação. Por ú ltim o, resolveu -
se qu e o m aterial deveria ser en viado sem an alm en te a Brasília, para ser,
posteriorm en te, devolvido com os cortes con siderados n ecessários27.
A m u dan ça de regras, tran sferin do-se a cen su ra para ou tro local,
qu e n ão a própria redação ou a gráfica do periódico, represen ta u m a pu -
n ição, n a m edida em qu e can cela-se todo o con tato en tre o órgão de di-
vu lgação e os cen sores, elim in an do-se assim todas as possibilidades de n e-
gociação en tre as partes. Além disso, apressa-se o fech am en to das m até-
rias, desatu alizan do as n otícias e corren do-se o risco de even tu ais atrasos
e con sideráveis preju ízos.
Além desta variedade de atu ação cen sória, ou tras m u dan ças pu de-
ram ser verificadas n o cu rso de su a ação.

226
Encerrada a censura na Tribu n a da Im pren sa, Hélio Fernandes, em uma série de artigos,
narra a espantosa história de dez anos ininterruptos sob censura prévia. Explica seus con-
tatos iniciais com o Coronel Carlos Pinto, resistindo à instauração da ação censória e poste-
rior capitulação. Duramente censurado, o jornal “vence uma batalha”, conseguindo ir às
bancas com espaços em branco, nos locais dos cortes do censor.

227
Em u m prim eiro m om en to, a cen su ra era realizada por oficiais do
Exército, n o período próxim o à edição do AI-5. Segu n do Hélio Fern an des,
n a h istória dos dez an os de cen su ra prévia à Tribuna da Imprensa, n arrada
em seu s 81 artigos, esse período situ a-se en tre ou tu bro de 1968 e m aio de
1969. A partir desse m om en to, o con trole de cen su ra passa ao Min istério
da Ju stiça, qu e atu a por in term édio da Polícia Federal em Brasília e n as su -
perin ten dên cias region ais. Segu n do o au tor, essa passagem represen ta a
m u dan ça de u m a cen su ra “ética” para ou tra a serviço de in teresses m ais
escu sos. Em con tato telefôn ico com o jorn alista, qu estion ado a respeito da
diferen ça sen tida n os dados em píricos desta pesqu isa, em relação ao m a-
terial de OESP e o de M, n o sen tido do in teresse da cen su ra em vetar de-
term in adas tem áticas, respon deu qu e, de fato, n o seu relacion am en to diu -
tu rn o com os cen sores, realm en te h ou ve u m m om en to em qu e a cen su ra
passou a servir a in teresses qu e ele con sidera desvin cu lados da n ação, aco-
bertan do o ilícito en dividam en to extern o e o acelerado processo de desn a-
cion alização da econ om ia. Ao ten tar precisar o m om en to exato em qu e,
n a su a opin ião, esta m u dan ça ocorrera, foi-lh e su gerido se o fato relacio-
n ava-se com o govern o Geisel, m as Hélio Fern an des n ão sou be precisar,
n em qu is estabelecer relação en tre o fato e este govern o. A leitu ra de seu s
artigos, en tretan to, m ostra qu e a m u dan ça de orien tação da cen su ra (de
m ais “ética” para absolu tam en te im oral, segu n do su as palavras) deu -se n a
tran sferên cia do con trole cen sório do Exército para a Polícia Federal.
Sabe-se qu e os cen sores vin cu lados à Polícia Federal, com o tem -
po, passaram por u m processo de u n iform ização, qu e in clu ía a exigên cia
de n ível u n iversitário, a realização de cu rsos n a Academ ia Nacion al de
Polícia e a su bm issão a exam es qu e u n ificavam , teoricam en te, su a capa-
citação. En tretan to, pelos depoim en tos das pessoas qu e con viveram com
eles, pode-se perceber qu e su a form ação, bem com o o m odo pelo qu al
en caravam a fu n ção, eram m u ito variados.
En tre os cen sores, h ou ve espaço para pessoas com o D. Marin a, des-
crita pelo pessoal do Pasquim com o algu ém com qu em se podia n egociar
parcelas ou a totalidade de determ in adas m atérias. Segu n do Ziraldo, em
1970, os vetos do Pasquim eram realizados por ela qu e, ao lon go do dia,
con versava e bebericava com a equ ipe. Ele diz qu e, en tre u m gole e
ou tro, todas as m atérias eram liberadas. En tretan to, esse período ch am a-
do de “dion isíaco”, se en cerrou qu an do D. Marin a deixou passar u m a
brin cadeira feita com u m qu adro de Pedro Am érico, tran sform ado em
cartoon . A cen su ra en du rece com a su bstitu ição de D. Marin a (dem itida)
pelo Gen eral Ju arez Paz Pin to.28

228
O Pasqu im foi duramete censurado entre 1970 e 1975. Chegou a ter sua equipe de articu-
listas presa, como mostra a irônica capa desta edição, trazendo grandes dificuldades de
manutenção de sua publicação.

229
Segu n do depoim en to de Fern an do Gasparian 29 , h avia en tre os
cen sores h om en s com o Galen o, qu e cen su rava a Tribuna da Imprensa, e
qu e foi cen su rar Opinião com a firm e in ten ção de n ão deixar passar n ada.
Hou ve cen sores, cu ja profissão an terior era a de jogador de fu tebol,
com o Alfredo da Costa qu e (segu n do Hélio Fern an des e o Sr. Joaqu im ,
ch efe do arqu ivo da Tribuna da Imprensa du ran te algu m tem po), ch efiou
a equ ipe de cen sores do jorn al. Em su a fich a n a Con federação Brasileira
de Desportos (CBF/ RJ), descobriu -se qu e fora jogador do Vasco (Rio de
Jan eiro) e in tegrara a seleção brasileira de fu tebol em 1950. Ou tro pe-
riódico, O São Paulo, teve, du ran te algu m tem po, às qu artas-feiras, reu -
n ião sem an al para discu ssão da pau ta, qu e con tava com a participação
do cardeal arcebispo de São Pau lo, D. Pau lo Evaristo Arn s, e com a pre-
sen ça de u m estu dan te de m edicin a, cu ja fu n ção adicion al era de cen sor.
OESP, segu n do depoim en to de Oliveiros S. Ferreira, con viveu con stan -
tem en te com o já citado Dr. Rich ard de Bloch qu e, n a su a con cepção, era
“u m a boa alm a”, e ch egou a ser cen su rado por u m geren te de ban co qu e
era cen sor n as h oras vagas.
Esses depoim en tos, as m u dan ças verificadas n a orien tação da cen -
su ra e a tran sferên cia de respon sabilidade en tre as in stitu ições, podem
con du zir a du as h ipóteses. A prim eira é de qu e a cen su ra foi aleatória,
atu an do ao sabor dos ven tos, n a depen dên cia do órgão ou do cen sor; a
segu n da é de qu e o cen sor era apen as u m bu rocrata, cu m pridor de or-
den s, agin do de m odo objetivo e com isen ção.
Porém , a an álise do m aterial pesqu isado n ega essas du as asserções.
Para esclarecer, propõe-se agora a con traposição de du as opin iões. O es-
critor João Ubaldo, falan do sobre a violên cia con tra as pessoas e, especi-
ficam en te, sobre a cen su ra, assim se m an ifesta:

Em Au sch witz, ten h o certeza, devem ter existido gu ardas sim páticos. Im a-
gin o qu e algu n s gu ardas pen savam qu e podiam ter sido design ados para
ou tras m issões, m as qu e, já estavam n aqu ela, n in gu ém os podia cen su rar,
pois, afin al, todos tem os de gan h ar a vida e orden s são orden s. [...]
En tão é possível qu e se pen se, prin cipalm en te n a distân cia qu e a História
sem pre n os im põe e n a frieza qu e ren dem as estatísticas, qu e h avia algu n s
bon s h om en s, en tre os gu ardas de Au sch witz ou de Treblin ka, ou de Bu -
ch en wald. Mas u m a verdade qu e precisa ser estabelecida de u m a vez por
todas é qu e n u n ca h ou ve bon s h om en s em Treblin ka, em Bu ch en wald, em
Au sch witz. Eram todos m on stros e assassin os, eram todos traidores das h e-
ran ças m ais caras da Hu m an idade. Da m esm a form a devem ser vistos os
assassin os da cu ltu ra. [...] Não existe o bom cen sor. Para qu alqu er artista,
n ão im porta o qu e ele faça, a con vivên cia am istosa com u m cen sor é u m a
traição. Não se deve apertar a m ão de u m cen sor. Não h á n ada qu e defen -
da a posição de u m cen sor, a n ão ser qu e h aja algo qu e defen da a castra-
ção, o ódio ao pen sam en to, o h orror à in qu ietação, o m edo da vida.
O cen sor é a m orte. [...]
O cen sor n ão é u m fu n cion ário pú blico com o ou tro qu alqu er, n ão é o seu
vizin h o. O cen sor é o diabo é o dem ôn io.30

230
In depen den tem en te do con teú do passion al, essas palavras têm o
m érito de en fatizar a im possibilidade da n eu tralidade da ação qu e, en tre
ou tras coisas, ju stifica a atitu de de isen ção do bu rocrata-cen sor.
Na apresen tação do livro de Han n ah Aren dt (Eichmann em Jerusa-
lém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal), em qu e a au tora an alisa, basica-
m en te, o com portam en to do crim in oso n azista Adolf Eich m an n du ran te
o ju lgam en to a qu e foi su bm etido, em 1961, em Jeru salém , Tércio Ferraz
Jú n ior afirm a:

No pon to cen tral desta obra está u m processo ju dicial e, n ele, u m ser de
carn e e osso, u m a pessoa com o ou tra qu alqu er, ela e su a circu n stân cia,
com o diria Ortega y Gasset. É óbvio qu e por con ta desta circu n stân cia tu do
m ais acaba por ser relevan te: o aparelh o de dom in ação bu rocrática, a ideo-
logia an ti-sem ita, a gu erra, a respon sabilidade dos Estados e dos povos.
Mas tu do isto é, para Han n ah Aren dt, apen as circu n stân cia. [...]
Aliás é esta su a postu ra dian te do tem a, su a com preen são do ju lgam en to
com o o ju ízo sobre o com portam en to de u m ser h u m an o, n ão de ou tro,
m as daqu ele – Adolf Eich m an n – qu e n os perm ite en ten der o su btítu lo do
livro: sobre a ban alidade do m al. Não se trata, com o poderia parecer, de
u m a reflexão u n iversal, u m m odelo sh akespearian o da m aldade n a su a
gran diosidade m esqu in h a. Aren dt trabalh a sobre fatos e traz a ban alidade
do m al ao n ível do cotidian o: o Eich m an n qu e se apresen ta n ão é u m per-
verso, n em u m tipo crim in oso cín ico e atrevido, n ão é u m am bicioso, ca-
paz de m atar ou de fech ar os olh os para progredir, m as é apen as algu ém
qu e jam ais teria im agin ado o qu e realm en te estava fazen do. Note-se qu e
isto n ão parece à au tora com o sin ôn im o de obtu sidade in gên u a. Eich m an n
n ão era u m sim plório, u m tolo, sabia m u ito bem o qu e fazia. O qu e o ca-
racterizava era u m vazio de pensamento [grifo do au tor] qu e n ão qu er dizer
ser tolo, m as qu e o predispôs a torn ar-se o gran de crim in oso qu e acabou
sen do. E aí está toda a ban alidade referida. [...]
Era u m fu n cion ário do govern o, qu e n u n ca pen sou qu e aqu ilo em qu e se
aplicava pu desse ser realm en te algo de tão m on stru oso.
O vazio de pen sam en to, con dição para a ban alidade de u m crim e, dificu l-
ta o ju ízo qu e possam os ter sobre o com portam en to do h om em , m as n ão
torn a m en os h edion do os atos qu e com eteu .31

Essas colocações rem etem ao qu e se pen sa ser a ju sta m edida de


an álise do crim in oso político, aqu ele qu e com ete u m crim e em n om e do
Estado, obedecen do a orden s su periores. Não h á possibilidade de com pla-
cên cia sob a capa con ven ien te da bu rocracia am orfa e in sípida. Do m esm o
m odo qu e n ão se acredita n a separação estan qu e en tre in form ação e opi-
n ião, n a veicu lação de u m jorn al, n ão se pode com preen der a preten sa
n eu tralidade da ação do fu n cion ário pú blico a serviço do poder. O qu e Tér-
cio Ferraz ch am a de “vazio de pen sam en to”, ou seja, a in capacidade de re-
flexão acerca dos atos cotidian os, n ão ju stifica a descu lpa de ign orân cia. O
cen sor (e a pesqu isa em pírica com provou ) sabia m u ito bem o qu e fazia, e
isso dá a m edida da respon sabilidade a ser assu m ida por su as ações.

231
Ao lado disto, a ou tra qu estão diz respeito à existên cia de u m a cen -
su ra aleatória, qu e m u tilava sem sen tido, atu an do ao sabor dos ven tos e
da person alidade de cada cen sor.
É n ecessário esclarecer qu e n ão se exclu i a diferen ça en tre a ati-
tu de de u m a D. Marin a e a de u m Galen o, qu e variava de acordo com
a con vicção e o en gajam en to n o trabalh o. Do m esm o m odo, n ão se
afasta a possibilidade de ter h avido casos em qu e, por in terferên cia pes-
soal, fru to de u m favorecim en to específico, a cen su ra atu asse aleatoria-
m en te, im pedin do, a veicu lação de m atérias qu e, em ou tras circu n stân -
cias, seriam divu lgadas livrem en te. In clu em -se aí determ in ados cortes a
m atérias arroladas n o su btem a “Aciden tes”, in depen den tem en te da im -
portân cia dos person agen s en volvidos, com o é o caso da m orte da m e-
n or An a Lídia, qu e in crim in ava person alidades govern am en tais. Tam -
bém é o caso do garoto Carlin h os qu e, cen su rado em determ in ado m o-
m en to, depois aparece liberado, voltan do a ser vetado, talvez por in ter-
ferên cia de u m pedido pessoal da m ãe da vítim a. Isto se deve, provavel-
m en te, ao fato de se ter algu m con h ecido qu e tivesse o poder de segu -
rar a veicu lação do desen rolar do caso.
Nessa categoria, en qu adra-se tam bém a h istória n arrada n o depoi-
m en to de Carlos Lem os. Con tou ele qu e, u m dia, u m colega (de redação)
ch egou aflito, pedin do-lh e qu e n ão desse u m a n otícia relacion ada a u m
caso ocorrido em su a casa. A em pregada escon dera a gravidez de su a es-
posa, acaban do por dar à lu z n o qu arto, e en cerran do por jogar a crian ça
pela jan ela do apartam en to. A pu blicidade do referido fato estava cau san -
do m u ito con stran gim en to à fam ília. Segu n do Carlos Lem os, su a respos-
ta foi a de qu e, se a n otícia n ão tivesse repercu ssão, ele n ão daria, m as se
o fato repercu tisse, ele m in im izaria. Com o a n otícia repercu tiu , a segu n -
da proposta seria efetu ada. Qu al n ão foi seu espan to, qu an do ch egou a
ordem da Polícia Federal para qu e o fato n ão fosse n oticiado. Seu colega
lh e explicou qu e u m paren te de su a esposa, oficial do Exército, in terferi-
ra ju n to à Polícia Federal. Esses casos, em bora ilu strem a im agem de u m a
cen su ra aleatória, são m eram en te circu n stan ciais, n ão servin do com o pa-
râm etro de ju lgam en to do qu adro cen sório en tre 1968 e 1978.
Para u m a m elh or caracterização da cen su ra, a escolh a do objeto de
estu do – m aterial produ zido pelo órgão de divu lgação e diretam en te ve-
tado pelo cen sor – foi fu n dam en tal, n a m edida em qu e a u tilização, com o
m aterial em pírico, som en te das orden s produ zidas à distân cia, poderia
con du zir a u m a im agem u n ilateral da cen su ra, captan do-se apen as a re-
pressão, adm itida n os próprios círcu los do poder, e afastan do-se da diver-
sidade da tram a, con stru ída n o cotidian o, das relações sociais qu e en vol-
vem o exercício diversificado da dom in ação e da resistên cia.
Tam bém foi fu n dam en tal a opção de se trabalh ar com órgãos de
divu lgação diferen ciados, represen tan do a gran de im pren sa (OESP) e a

232
altern ativa (M), qu e sofreram a atu ação da cen su ra em m om en tos dis-
tin tos. As variáveis de ordem tem poral e a diversidade dos periódicos em
face dos objetivos do Estado au toritário brasileiro, perm itiram a elabora-
ção de u m perfil, m u ltifacetado e n ão-aleatório, da atu ação da cen su ra.
Ao privilegiar a an álise do m aterial cen su rado (fru to da produ ção
jorn alística e do corte do cen sor) em detrim en to das orden s telefôn icas e
dos bilh etes en viados às redações, procu rou -se eviden ciar a experiên cia
real, base das con flitu osas relações sociais, estabelecidas n aqu ele período,
por m eio do con com itan te exercício da dom in ação e da resistên cia. Do
m esm o m odo, com preen de-se a coleta de depoim en tos dos en volvidos n o
processo de cen su ra prévia com o u m a form a de recu perar u m a m em ória
perdida, estratégia dos qu e sabem qu e o “vencedor é apenas o vencedor do
momento”32.
Em bora a presen te pesqu isa ten h a se restrin gido à an alise dos jor-
n ais OESP e M, para se en ten der a m an u ten ção da cen su ra som en te sobre
três periódicos, até a data fin al de 8 de ju n h o de 1978, foi n ecessário am -
pliar o cam po em pírico, in clu in do os jorn ais Tribuna da Imprensa e O São
Paulo, n o sen tido de delin ear o qu e orien tava os cen sores.
No caso da Tribuna da Imprensa, en trevistou -se o proprietário, Hé-
lio Fern an des, e con su ltou -se o arqu ivo do jorn al, on de foram an alisados
os artigos, escritos por ele, para con tar a h istória dos dez an os de cen su -
ra. Em bora esses artigos n ão con ten h am dados con clu sivos sobre o m on -
tan te do m aterial cen su rado, fica a certeza de qu e o tem a-alvo dos cen so-
res era o das den ú n cias da in tern acion alização da econ om ia e do en divi-
dam en to extern o. Hélio Fern an des cita artigos desse teor, vetados em
1974, qu an do M n ão existia e OESP ain da se ach ava cen su rado.
No caso de O São Paulo, procedeu -se, in icialm en te, a u m a con ver-
sa in form al com Frei Gorgu lh o, da ordem dos dom in ican os, qu e n a épo-
ca trabalh ava n o sem an ário. Este in dicou o padre An tôn io Aparecido Pe-
reira, editor-ch efe, qu e além de u m a en trevista cedeu , gen tilm en te, o
trabalh o realizado sobre o tem a e as caixas de m aterial cen su rado, para
pesqu isa. De posse do m aterial preservado por O São Paulo, efetu ou -se
u m a seleção de tem as, datas e qu an tidade de m atérias vetadas pelos cen -
sores. En con traram -se 190 artigos vetados, n o todo ou em parte. Destes,
o tem a m ais recorren te trata da “con scien tização da Igreja Católica ju n -
to à popu lação” (classificado n a u n idade tem ática Questões Sociais). Esses
artigos, qu e correspon dem a 28,42% do total, descrevem as con dições de
vida e de trabalh o da popu lação, acen tu am a qu estão dos direitos dos
trabalh adores, apon tam para a n ecessidade de lu ta con tra a opressão e
orien tam os joven s. Ou tras 37 m atérias (19,47% ), com ên fase n a lu ta
pelo restabelecim en to das liberdades dem ocráticas, foram in seridas n o
su btem a “Críticas ao Regim e”. A segu ir vem o su btem a “Repressão Polí-
tica”, com 30 vetos (15,78% ). Em bora ten h am sido en con trados m u itos
artigos sem data, den tre os datados os an os qu e apresen taram m aior n ú -

233
m ero de proibições foram : 1977, com 65 m atérias vetadas (34,21% ), e
1978, com 41 (21,57% ).
Existe u m a “lógica” in tern a, n a atu ação da cen su ra, qu e explica
su a freqü ên cia e seu objeto de ação. E essa “lógica”, qu e acom pan h a os
con flitos de in teresse presen tes n os gru pos represen tados n o Estado au to-
ritário brasileiro pós-64, pode explicar:

• Predom ín io das u n idades tem áticas Questões Políticas (ên fase n o su btem a
“Repressão Política”) e “Cen su ra” (ên fase n o su btem a “Im pren sa”); em
su m a, o tem ário característico da repressão qu e m oveu a cen su ra prévia a
OESP.
• Predom ín io das u n idades Questões Sociais (ên fase n o su btem a “Con dições
de Vida e de Trabalh o da Popu lação”), Questões Políticas (ên fase n o su btem a
“Críticas ao Regim e”) e Questões Econômicas (ên fase n o su btem a “Críticas à
Política Econ ôm ica”) em M; a cen su ra ao sem an ário n ão foi circu n stan cial;
ao con trário, atin giu as bases do periódico qu e, por su a vez, tam bém m i-
n ou os pilares do regim e.
• Predom ín io da u n idade Questões Econômicas (ên fase n o su btem a “Críticas
à Política Econ ôm ica”) n a Tribuna da Imprensa; a econ om ia foi u m a das
m aiores preocu pações do periódico, n a crítica ao regim e m ilitar do qu al foi
fiador n o m om en to da explosão do golpe.
• Predom ín io das u n idades Questões Sociais (ên fase n o su btem a “Con scien -
tização da Igreja Católica ju n to à Popu lação”) e Questões Políticas (ên fase n o
su btem a “Críticas ao Regim e”) em O São Paulo; m otivos prim ordiais dos
con flitos en tre a Igreja e o Estado, tão bem explicitados n os docu m en tos
da cen su ra.

Os chargistas ironizam os excessos da censura e a face repressiva sempre alerta do regime,


prendendo “os culpados de sempre”.

234
ESTUD O COMPA RATIVO D A ATUA ÇÃ O D A
CEN SURA PRÉVIA : GRA N D E IMPREN SA X
IMPREN SA A LTERN ATIVA
De todos os trabalh os con su ltados33 qu e tratam da problem ática da
cen su ra à im pren sa escrita n o Brasil en tre 1968 e 1978, o de Gláu cio Ary
Dillon Soares realiza o m aior esforço n o sen tido da com paração com ou -
tras pu blicações sobre a cen su ra política, trabalh an do exclu sivam en te
com os bilh etes e as orden s telefôn icas. Ele con clu i qu e as “proibições fo-
ram m u ito n u m erosas du ran te a ditadu ra de Garrastazu Médici; m an tive-
ram -se altas du ran te o prim eiro an o de Geisel, declin an do rapidam en te a
partir de 1975”34. Acrescen ta qu e os “bilh etin h os (e as proibições) cresce-
ram rapidam en te de 1970 a 1973; 1973 e 1974 represen taram o au ge, de-
cain do aceleradam en te a partir daí”35.
Ao traçar com parações en tre a cen su ra à revista Veja e a de M, pelo
total de m atérias, lin h as, lau das e ilu strações, observa qu e a diferen ça foi
m u ito gran de, sen do qu e em m édia M sofrera o veto de 20 artigos por n ú -
m ero, en qu an to a Veja recebera vetos a u m artigo a cada dois n ú m eros.
Parte da explicação reside n o “tipo de m aterial qu e se preten dia pu blicar,
n o fato de qu e Veja era u m a revista de am pla cobertu ra, e n ão, exclu siva-
m en te política”36. O au tor apresen ta dados decorren tes da leitu ra dos te-
m as das proibições e critica algu m as teses qu e m ostram a cen su ra com o
u m a “sim ples n ecessidade decorren te da aceleração da acu m u lação de ca-
pital”37e, ju n to com as ou tras form as de repressão, com o u m in stru m en -
to de “im plem en tação de u m a política socialm en te in ju sta”38.
Diz qu e esses dados possibilitam con clu sões su rpreen den tes com o,
por exem plo, de qu e “as proibições de tratar da política econ ôm ica, assim
com o das reações a ela – greves e m an ifestações operárias – foram pou co
freqü en tes e pou co en fatizadas”39. Gláu cio critica as teses qu e ele atribu i
a u m a “esqu erda dedu tivista (isto é, a qu e n ão pesqu isa)”40, ch egan do a
com pará-las com a teoria oficial do regim e m ilitar baseada n a Dou trin a de
Segu ran ça Nacion al qu e vin cu la segu ran ça com desen volvim en to econ ô-
m ico. O au tor an alisa 639 proibições (bilh etes e orden s telefôn icas oriu n -
das da seleção realizada por Paolo Marcon i) en tre os an os de 1970 a 1978
e ch ega aos dados apresen tados n o Qu adro 1.
Con clu i qu e a prim eira u n idade tem ática em todos os an os atin -
ge a m aioria absolu ta em relação às dem ais, represen tan do 84% do to-
tal. A partir desses dados, o au tor in fere qu e a cen su ra é u m in stru m en -
to de proteção do Estado, u tilizado para escon der o próprio au toritaris-
m o e, con seqü en tem en te, m an ter a aparên cia dem ocrática; e tam bém
qu e a ditadu ra n ão foi in tegrada n em h arm ôn ica, sen do com posta de di-
feren tes setores com variados grau s de au ton om ia. Critica, assim , n ão

235
só as teses qu e an alisam a cen su ra com o u m in stru m en to a m ais para
m an ter a aceleração da con cen tração de ren da, m as tam bém aqu elas
qu e se espan tam com seu aparen te caráter aleatório. Segu n do o au tor,
essas visões partem de u m a con cepção u n ificada e h arm ôn ica do Esta-
do da qu al ele n ão partilh a.

Qu adro 1

Un idades Tem áticas Qu an tidades %


1. Proteção do Estado
Su btem as
Atividades repressivas 228 36
Atividades da oposição 230 36
Problem as in tern os do regim e 79 12
Total Parcial 537 84
2. Problemas Sociais 38 6
3. Problemas Econômicos 34 5
4. Outros Temas 30 5
Total Geral 639 100

Tom an do-se por base esta an álise e con fron tan do-a com os dados
e con clu sões levan tados pela presen te pesqu isa, propõe-se agora u m a
com paração en tre os percen tu ais extraídos do m aterial vetado e an alisa-
do n os dois periódicos.

Qu adro 2 – Com parativo de Matérias Cen su radas


Fon tes: O Estado de S. Paulo e Movimento
Período: 29/ 3/ 1973 a 3/ 1/ 1975, e 7/ 7/ 1975 a 5/ 6/ 1978, respectivam en te.

Un idades Tem áticas OESP M*


Q** % Q %
Qu estões Políticas 601 52,91 214 25,48
Qu estões Econ ôm icas 91 8,01 108 12,86
Qu estões Sociais 128 11,27 215 25,60
Qu estões Edu cacion ais e Cu ltu rais 75 6,60 141 16,79
Qu estões de Política In tern acion al 33 2,90 89 10,60
Cen su ra 208 18,31 49 5,83
Recon stitu ições Históricas – – 24 2,84
Total 1136 100,00 840 100,00

*Os dados apresentados de Movim en to representam a soma do que se obteve com o mate-
rial retirado das caixas e o selecionado por João Antônio.
**Aparece em destaque a quantidade de matérias vetadas no todo ou em parte em cada
uma das unidades temáticas.

236
Em u m a abordagem rápida, o Qu adro 2 m ostra qu e m ais da m eta-
de das m atérias vetadas de OESP estão in seridas n a u n idade tem ática
Questões Políticas, e h á som en te u m a elevação qu an titativa con siderável n a
u n idade Censura, já qu e os dem ais dados apresen tam percen tu ais baixos.
No caso de M, percebe-se u m a distribu ição eqü itativa n o qu e tan ge às
u n idades Questões Políticas e Questões Sociais, represen tan do, cada u m a de-
las respectivam en te, u m qu arto do total, e am bas, a m etade das m atérias
an alisadas.
Tom an do-se os su btem as, con sideram os dign os de destaqu e os qu e
apresen tam dados qu an titativos elevados.

Qu adro 3 – Em O Estado de S. Paulo


Un idades Tem áticas/ Su btem as Qu an tidades %*
Questões Políticas
Repressão Política 142 12,50
Críticas da Oposição 107 9,41
Críticas do Exterior 85 7,48
Relações Igreja/ Estado 85 7,48
Críticas ao Regim e 80 7,04
Questões Econômicas
Críticas à Política Econ ôm ica 84 7,39
Questões Educacionais e Culturais
Movim en to Estu dan til 69 6,07
Censura
Im pren sa 151 13,39
*O percentual refere-se aos dados em relação ao total de matérias analisadas, e, para efeito de
cômputo neste quadro, contaram-se os subtemas que apresentaram número superior a 50 vetos.

Os dados apresen tados n o Qu adro 3 ao lado da an álise do con teú -


do dos su btem as propostos apon tam para a con sideração de qu e a cen -
su ra em OESP foi caracteristicam en te voltada para en cobrir os aspectos
de recru descim en to político do regim e. Não é casu al o fato de qu e os ín -
dices n u m éricos m ais elevados con cen tram -se em “Repressão Política” e
“Cen su ra à Im pren sa”.
Os percen tu ais do su btem a “Críticas à Política Econ ôm ica”, qu e
aparen tem en te n ão se en caixam n essa lin h a de argu m en tação, podem
tam bém ser explicados segu n do a “lógica” da atu ação cen sória. Con form e
já foi visto, n a con cepção de OESP h avia u m a con cordân cia com o m ode-
lo econ ôm ico adotado após 1964 qu e ju stificava a participação do gru po
n a con spiração qu e levou à derru bada do presiden te João Gou lart. Os
editoriais classificados n o su btem a “Críticas à Política Econ ôm ica” de-
m on stram a aceitação do paradigm a econ ôm ico adotado; defen dem o
m odelo, m as criticam os “desvios” de rota com o, por exem plo, o episódio
da con cessão de u m abon o em ergen cial para os trabalh adores qu e m ere-

237
ceu a con den ação do periódico, defen sor ferren h o da teoria de qu e o sa-
lário gera in flação. Nas dem ais m atérias deste su btem a, observa-se u m a
crítica circu n stan cial qu e atin ge tan to m edidas de força (caso da dem issão
do m in istro da Agricu ltu ra, Cirn e Lim a), qu an to problem as esporádicos
(caso da crise de abastecim en to da carn e). O pan o de fu n do dessas críti-
cas, de u m lado, foi a an álise n egativa do u fan ism o criado com o preten -
so “m ilagre brasileiro”, en volven do a figu ra do “su perm in istro” Delfim
Netto; de ou tro, a excessiva in terferên cia govern am en tal n o plan o econ ô-
m ico, pecado capital n a con cepção dos liberais de OESP.
O m esm o ocorre com o su btem a “Movim en to Estu dan til”. Há u m
n ú m ero relativam en te alto de vetos às m atérias qu e tratam das m an i-
festações dos estu dan tes em diferen tes partes do país em lu ta por u m a
m elh oria das con dições de en sin o e por u m a m aior participação n as de-
cisões edu cacion ais in tern as. En tretan to, con stata-se qu e essas m an ifes-
tações n ão estão preocu padas com u m a crítica m ais geral do regim e po-
lítico. Tam bém con sidera-se qu e n esse caso os cortes do cen sor m ostram
n itidam en te o tem or de iden tificação com a força do m ovim en to estu -
dan til da segu n da m etade da década de 1960. Tratar desse período, prin -
cipalm en te as m an ifestações de 1968, era u m assu n to tabu , pois a lu ta
estu dan til, n aqu ele m om en to, m an teve u m a estreita relação com o de-
sen cadear da lu ta arm ada. Com o se vê, de m odo tan gen cial, essa proble-
m ática relacion a-se à preocu pação em ocu ltar os aspectos repressivos do
Estado au toritário.
Con sidera-se, con form e já foi acen tu ado, a cen su ra a OESP cir-
cu n stan cial, n a m edida em qu e diretam en te relacion ada a u m descon -
ten tam en to m om en tân eo do gru po qu e represen tava os in teresses do
periódico com os ru m os políticos do país – n otadam en te, a con du ção
dada n aqu ele m om en to pelos m ilitares da “lin h a-du ra” qu e u ltrapassa-
ram os lim ites de in terferên cia estatal n o âm bito econ ôm ico e político.
Além disso, saíram das fron teiras traçadas n a dim en são tem poral (o re-
torn o ao Estado de Direito após o govern o Castelo Bran co, en carado
com o tran sitório para debelar a “crise”) e n o âm bito dos direitos n atu -
rais do h om em (aqu i in clu ídas a tortu ra aos presos políticos e a cen su -
ra à im pren sa). De m an eira geral, a cen su ra a OESP apresen ta a m esm a
preocu pação sen tida n os bilh etes e orden s telefôn icas coletadas por
aqu eles qu e aceitaram a au tocen su ra.
No qu e se refere a M, observa-se qu e a cen su ra apon ta para u m
corte m ais profu n do, atin gin do todas as dim en sões do Estado au toritário,
in depen den tem en te do m om en to circu n stan cial por ele viven ciado. O ca-
ráter do regim e é criticado e, con seqü en tem en te, vetado. Não som en te
seu aspecto de recru descim en to da repressão política, cercado por lim ites
tem porais n ítidos e en carado pelos liberais (com o OESP) com o “desvio da
rota” da “revolu ção”, a ser con sertado pelo processo de len ta e gradu al
disten são política.

238
Qu adro 4 – Em Movimento

Un idades Tem áticas/ Su btem as Qu an tidade %*


Questões Políticas
Críticas ao Regim e 85 10,11
Repressão Política 43 5,11
Questões Econômicas
Críticas à Política Econ ôm ica 106 12,61
Questões Sociais
Con dições de Vida e de Trabalh o da Popu lação 91 10,83
Questões Educacionais e Culturais
Movim en to Estu dan til 38 4,52
*O percentual aparece em relação ao total de vetos, e como em Movim en to o número de
matérias analisadas é menor do que as de OESP, proporcionalmente consideraram-se com-
putáveis os subtemas que apresentassem dados superiores a 37 vetos.

Tam bém e, prin cipalm en te, foram con den adas e cen su radas as op-
ções do regim e n o plan o econ ôm ico e social. O m odelo econ ôm ico e o
exacerbado grau de in ju stiça social, con ferin do à m aioria da popu lação
u m a situ ação de m iserabilidade absolu ta, foram alvo de violen tas críticas
do sem an ário e, con seqü en tem en te, con viveram con stan tem en te com a
tesou ra do cen sor. Assim se com preen de a elevada qu an tidade de vetos
n os su btem as “Críticas à Política Econ ôm ica”, “Con dições de Vida e de
Trabalh o da Popu lação”, “Críticas ao Regim e” e “Repressão Política”. Em
M, con den ava-se o Estado au toritário em todos os aspectos, in clu in do n ão
apen as o projeto origin al de su a con cepção, m ais próxim o de u m a orien -
tação liberal, en ten dido com o u m a in terferên cia m om en tân ea, m as tam -
bém o “desvio da rota” com o recru descim en to da repressão política e a
perm an ên cia n o poder. Por isso, a voz de M n ão podia ser liberada com o
foi a de OESP (n ão casu alm en te o prim eiro órgão de divu lgação a se ver
livre da cen su ra prévia).
Tam bém n ão é casu al o fato de qu e M n asce cen su rado e som en te
vai ser liberado com o térm in o defin itivo da cen su ra prévia à im pren sa
escrita. En qu an to as divergên cias de OESP com o regim e político vigen te
pu deram ser reparadas com o processo de abertu ra política, para M o qu e
estava em jogo era a m u dan ça de projeto com o u m todo – m odelo qu e
privilegiava in teresses de gru pos “n acion ais e associados” u n idos para o
deflagrar do golpe de 1964. Isto, a disten são do regim e a partir do gover-
n o Geisel n ão corrigiu .
Qu an to aos dados (tam bém elevados) referen tes às m an ifestações
estu dan tis, deve-se ter em m en te qu e, n esse m om en to, o m ovim en to es-
tu dan til com eçava u m a len ta reorgan ização, depois qu e fora qu ase des-
tru ído n o fin al da década de 1960 e o com eço dos an os de 1970. In iciam -
se as gran des m obilizações (1976 e 1977) qu e, ao lado de ou tros setores

239
da sociedade civil, irão represen tar u m im portan te con trapon to ao proje-
to de u m a abertu ra “con cedida”, forçan do-a a trilh ar u m cam in h o m u i-
tas vezes n ão esperado ou m esm o in desejado pelo govern o. Essas m obili-
zações con du ziram à reestru tu ração do m ovim en to estu dan til, ao ren as-
cim en to da lu ta sin dical e à reorgan ização dos in telectu ais por in term édio
da ação da SBPC, da ABI e da OAB, aliados à atu ação da Igreja Católica
n o cam po gen érico da lu ta pelas liberdades dem ocráticas e n o âm bito da
organ ização de parcelas sign ificativas da popu lação com as Com u n idades
Eclesiais de Base (CEB) e pela atu ação do Con selh o In digen ista e Missio-
n ário (CIMI). Não estava previsto n os plan os de u m a disten são “con sen -
tida” a participação de setores da sociedade qu e con tribu íssem para o re-
dim en sion am en to do projeto. É isto qu e a cen su ra corta n as m atérias
classificadas n o su btem a “Movim en to Estu dan til”. A cen su ra a M vem
m ostrar u m qu adro diversificado e m u ltian gu lar qu e a m era dim en são
dos bilh etes e orden s telefôn icas, ou m esm o a m aior parte do m aterial
an alisado de OESP, n ão podem tradu zir.
É im portan te, n este m om en to, retom ar a an álise de Gláu cio Soares
à lu z destas con siderações.
Já foi acen tu ado o fato de qu e du ran te o prim eiro an o do govern o
Geisel (1974), em relação a OESP, h ou ve u m au m en to con siderável do
n ú m ero de m atérias cen su radas com parativam en te a 1973. Desse m odo,
pode-se con cordar com Gláu cio Soares qu an do destaca qu e o au ge das
proibições se deram em 1974. En tretan to, con siderar qu e a partir de 1975
h ou ve u m declín io da cen su ra, só se pode fazê-lo levan do-se em con ta
apen as os bilh etes e as orden s telefôn icas ou m esm o a cen su ra m om en tâ-
n ea com o a de OESP. A an álise do m aterial vetado de M perm ite con statar
qu e a cen su ra estava viva e atu an te até a su spen são defin itiva em 1978;
n ão h ou ve trégu as n o período em qu e o sem an ário esteve cen su rado.
Além disso, Gláu cio Soares afirm a qu e diferen ça en tre a cen su ra à
gran de im pren sa e à altern ativa reside n o fato de M ser, segu n do su a con -
cepção, u m jorn al caracteristicam en te “político”, en qu an to en cara a re-
vista Veja com o de “am pla cobertu ra”. Porém , o exam e das m atérias ve-
tadas de M, in clu sive n o qu e tan ge à con statação de m aior equ ilíbrio en -
tre as u n idades tem áticas, dem on stra qu e o sem an ário en fatizava o tom
crítico e diversificava a abran gên cia de su as reportagen s. Qu an do com pa-
rados os vetos sobre os jorn ais OESP e M, percebe-se qu e a ên fase do pri-
m eiro – qu e ao lado da revista Veja pode ser con siderado tam bém u m ór-
gão de divu lgação de “am pla cobertu ra”, para u tilizar a term in ologia de
Gláu cio Soares – in cidia sobre a tem ática política; en qu an to em M os ve-
tos se distribu íam de m odo m ais h om ogên eo en tre os tem as políticos, so-
ciais, econ ôm icos, edu cacion ais, cu ltu rais e de política in tern acion al.
Restrin gir o objeto da pesqu isa à an alise de bilh etes e orden s tele-
fôn icas bem com o destacar som en te u m tipo de im pren sa pode in cen ti-
var u m a con cepção de h istória qu e privilegia o político sobre os dem ais

240
cam pos das relações h u m an as; do m esm o m odo, a con cepção positivista
referen da u m a h istória produ zida por h eróis, e n ão por h om en s com u n s.
A an álise dos bilh etes e orden s telefôn icas reprodu z a con cepção de proi-
bição n os m oldes da gran de im pren sa a qu em foi dada a possibilidade de
exercer a au tocen su ra, acatan do os vetos verbais ou escritos.
Por isso, em term os de levan tam en to de dados, a an álise dessas
proibições coin cide com a pesqu isa do m aterial cen su rado em OESP. Nele
está presen te a con cepção de in form ação e de h istória qu e orien ta a gran -
de im pren sa, n o sen tido de selecion ar os fatos a serem tran sm itidos a par-
tir do filtro de su a própria cobertu ra qu e dá ên fase ao qu e ocorre n as es-
feras do poder. Nessa visão, a favela, a ru a da periferia, só aparecem em
caso de in cên dio, tu m u lto, en ch en te e a fábrica som en te em casos de gre-
ves ou dem issões em m assa. Em su m a, faz-se referên cia a “aciden tes” qu e
são “desvios” da rota “n orm al” da h istória qu e “n atu ralm en te” é produ -
zida por “gran des h om en s”.
Por esta razão, en fatiza-se a im portân cia de se trabalh ar com docu -
m en tos qu e reflitam a experiên cia viven ciada por h om en s con cretos. A
an álise dessa docu m en tação (produ ção do jorn alista e n egação do produ -
to pelo cen sor), n o caso de OESP, pode atestar os lim ites da produ ção jor-
n alística, n o sen tido do perigo qu e represen tam ao regim e au toritário. No
caso de M, a in teração ten sa e cotidian a estabelecida en tre jorn alistas e
cen sores revela u m a cen su ra m u ltifacetada e n ão u n itária, preocu pada
com u m a gam a variada de qu estões e aten ta ao caráter diversificado das
den ú n cias a qu e a “am pla cobertu ra” do sem an ário con du z.
Em resposta à crítica de Gláu cio Soares em relação àqu elas teses
(cu ja au toria n ão especifica) da “esqu erda dedu tivista qu e n ão pesqu isa”
é n ecessário con siderar algu n s pon tos. A con cepção do au tor parece com -
partim en tar teoria e prática, n o sen tido de qu e as teses criticadas extrai-
riam seu s con ceitos com base em form u lações teóricas, e n ão, n a pesqu i-
sa em pírica. Fica claro qu e, deste m odo, Gláu cio Soares acaba separan do
o in separável. Em oposição a esse raciocín io, as palavras de E. P.
Th om pson são adequ adas para tradu zir o trabalh o de elaboração do co-
n h ecim en to, n o caso específico, a produ ção h istórica:

Por “lógica h istórica” en ten do u m m étodo lógico de in vestigação adequ a-


do a m ateriais h istóricos, destin ado, n a m edida do possível, a testar h ipó-
teses qu an to à estru tu ra, cau sação etc., e a elim in ar procedim en tos au to-
con firm adores (“in stân cias”, “ilu strações”). O discu rso h istórico disciplin a-
do da prova con siste n u m diálogo en tre o con ceito e evidên cia, u m diálo-
go con du zido por h ipóteses su cessivas, de u m lado, e a pesqu isa em pírica,
do ou tro. O in terrogador é a lógica h istórica: o con teú do da in terrogação é
u m a h ipótese (por exem plo qu an to à m an eira pela qu al os diferen tes fe-
n ôm en os agiram u n s sobre os ou tros); o in terrogado é a evidên cia, com
su as propriedades determ in adas. [...]
O con h ecim en to h istórico é pela su a n atu reza, (a) provisório e in com ple-
to (m as n ão, por isso, in verídico), (b) seletivo (m as n ão, por isso, in verídi-

241
co), (c) lim itado e defin ido pelas pergu n tas feitas à evidên cia (e os con cei-
tos qu e in form am essas pergu n tas) e, portan to, só “verdadeiro” den tro do
cam po assim defin ido. [...]
A relação en tre o con h ecim en to h istórico e seu objetivo n ão pode ser com -
preen dida em qu aisqu er term os qu e su pon h am ser u m deles fu n ção (in -
terferên cia de, revelação, abstração, atribu ição ou “ilu stração”) do ou tro.
A in terrogação e as respostas são m u tu am en te determ in an tes, e a relação
só pode ser com preen dida com o um diálogo [grifo do au tor] 41.

Claro está qu e n a m an u ten ção desse diálogo en tre con ceito e evi-
dên cia reside a raiz da produ ção do con h ecim en to. Con ferin do dem asia-
do peso a qu alqu er u m dos dois term os, in dissolu velm en te ligados, pode-
se ch egar a con clu sões apressadas e a produ zir o qu e Marilen a Ch au í, ci-
tan do Clau de Lefort, ch am a de discurso sobre qu e elim in a o discurso de al-
gu m a coisa. A au tora discu te esta qu estão qu an do explica a con cepção de
ideologia, desfazen do a oposição en tre ideologia e ciên cia. Segu n do ela, o
discurso sobre (prim eiro m om en to de elaboração da ideologia) su rge qu an -
do a teorização se destaca e passa a pairar au tôn om a em relação à práxis
social. Esse discu rso cien tífico, em su a opin ião, ao in vés de con tribu ir
para desven dar a dom in ação, con firm a-a. Desse m odo, ela en xerga a
ciên cia com o parte do exercício de dom in ação ideológica.
Assim, acredita-se que a ênfase na pesquisa empírica e, conseqüente-
mente, no raciocínio indutivo, ou o peso desfechado sobre a teorização e,
portanto, sobre a dedução, pode conduzir à produção de um conhecimento
que se crê como dado, totalmente determinado, universal, verdadeiro e...
morto. A concepção que se adota é a de um conhecimento que se produz
como algo em constante reconstrução, fruto da reflexão do pesquisador:

O pen sam en to n ão se apropria de n ada – é u m trabalh o de reflexão qu e se


esforça para elevar u m a experiên cia (n ão im porta qu al seja) à su a in teligi-
bilidade, acolh en do a experiên cia com o in determ in ada, com o n ão-saber (e
n ão com o ign orân cia) qu e pede para ser determ in ado e pen sado, isto é,
com preen dido. Para qu e o trabalh o do pen sam en to se realize é preciso qu e
a experiên cia fale de si para voltar-se sobre si [grifos da au tora] m esm a e com -
preen der-se.42

Neste trech o, Marilen a Ch au í está trabalh an do com a separação


en tre a atividade do con h ecim en to e a do pen sam en to, n o sen tido de
acen tu ar de qu e m odo o con h ecim en to, en ten dido com o a determ in ação
com pleta de algu m objeto, pode distan ciar-se da práxis social e, ao se
tran sform ar em discu rso sobre, reforçar a estratégia de dom in ação. En tre-
tan to, com o con h ecim en to produ zido por in term édio da atividade do
pen sam en to qu e carrega a experiên cia, m an ten do vivo o diálogo en tre os
con ceitos e a realidade social, en ten de-se estar con tribu in do para a pro-
du ção do con tradiscu rso, o discu rso crítico.

242
Con form e já foi con statado, o m aterial cen su rado de M, ao con trá-
rio das con clu sões de Gláu cio Soares, m ostra u m n ú m ero con siderável de
artigos vetados sobre tem áticas econ ôm icas e sociais. Com base n a pesqu i-
sa realizada, h á elem en tos su ficien tes para con statar qu e u m a das gran des
preocu pações da cen su ra foi ocu ltar a opção do Estado au toritário por u m
m odelo de desen volvim en to qu e, ao privilegiar os in teresses extern os e
con cen trar a ren da, acabou por pen alizar largas parcelas da popu lação.
A liberação da gran de im pren sa e a m an u ten ção da cen su ra prévia
sobre órgãos de divu lgação com o M vêm com provar qu e o regim e m ilitar
m ostrava-se m ais in com odado com os ataqu es da im pren sa altern ativa do
qu e com o esclarecim en to da opin ião pú blica de seu poten cial de repres-
são política. E essas con clu sões, acreditam os, n ão in correm n o erro do
econ om icism o, com o Gláu cio Soares parece su gerir em su a crítica ao de-
du tivism o de esqu erda.
Reitera-se a con cepção da com preen são da cen su ra prévia à im -
pren sa escrita com o parte do in stru m en tal de repressão m on tado pelo Es-
tado au toritário brasileiro pós-64. Com o tal, foi u tilizada para qu e esse
m esm o Estado, n o qu al se alojam an seios de parcelas da sociedade, se
protegesse das aspirações das dem ais cam adas da popu lação, m an ten do-
se com o defen sor de objetivos m in oritários.
O exercício de dom in ação levado a efeito pela cen su ra prévia cu m -
pre, en tão, seu papel de ocu ltar ao pú blico leitor, através da perm issão
apen as da difu são de u m discu rso h arm ôn ico de u m lado e igu alitário de
ou tro, parte do qu e se dava n o âm bito da produ ção das con dições m ate-
riais da existên cia: a violên cia das con tradições en tre in teresses de cam a-
das an tagôn icas e a opção por objetivos m in oritários geradores de desi-
gu aldades e in ju stiça social. Assim se dissem in am in teresses particu lares,
com o se represen tassem objetivos de todo o corpo social.
Acredita-se, entretanto, que ao utilizar a temática da proteção do Es-
tado para temas eminentemente políticos Gláucio Soares acaba por vinculá-
lo ao campo da política, como se pairasse autônomo diante das relações so-
ciais que o engendram. Entretanto, conforme já foi acentuado, o Estado é
fruto de contraditórios interesses de classes, e desse modo o instrumento uti-
lizado para protegê-lo atinge os mais variados campos das relações humanas.
Firm an do este qu adro com parativo do m aterial an alisado n os dois
órgãos de divu lgação trabalh ados, é n ecessário qu e se observe m ais u m a
qu estão qu e separa a cen su ra realizada em OESP daqu ela efetu ada em M.
A in dagação refere-se à problem ática da existên cia ou n ão de u m m aior
rigor dos cen sores em relação à gran de im pren sa, em com paração com a
im pren sa altern ativa, reafirm an do seu caráter m u ltifacetado, in depen -
den tem en te do fato de qu e o térm in o da cen su ra prévia ten h a ocorrido
an tes para a prim eira do qu e para a segu n da.
En con traram -se diversos recortes de pu blicações de ou tros periódi-
cos com o OESP, Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, O Globo, boletim da ABI;
liberados para su as pu blicações específicas, porém , vetados em M.

243
A censura em Movim en to chega ao extremo de vetar material do jornal francês Le Monde,
reproduzido pelo alternativo, num acordo firmado de colaboração entre os dois jornais.

244
Para corroborar esta maior rigidez da censura no caso de M, é neces-
sária uma referência. Na semana de 19 a 27 de agosto de 1989, a Secretaria
Municipal da Cultura do Município de São Paulo organizou uma série de
eventos em comemoração ao bicentenário da Revolução Francesa, em tor-
no do tema dos Direitos Humanos, sob a designação geral de: “1789-1989 –
Cidade-Cidadão-Cidadania: pela Declaração dos Direitos do Homem”. Em
meio a esses acontecimentos, no dia 24 de agosto, preparou-se uma mesa-
redonda intitulada: “Censura e Democratização dos Meios de Comunica-
ção”, realizada às 20 horas no salão do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
de São Paulo. O painel contou com a participação dos seguintes jornalistas:
Jair Amorim (coordenador dos trabalhos), Raimundo R. Pereira, Perseu
Abramo e Marcos Fonseca (respectivamente expositores e debatedores).

Movim en to foi duramente censurado, apresentando páginas inteiras com cortes

245
Nesta ocasião, qu estion aram -se as diferen ças en tre a cen su ra da
gran de im pren sa e da altern ativa; ao qu e Raim u n do R. Pereira respon deu
lem bran do a existên cia de m aterial vetado n a altern ativa e liberado para
a con ven cion al de gran de porte, o qu e foi con statado pela pesqu isa em -
pírica. Além disso, Perseu Abram o rem em orou o fato de qu e a gran de im -
pren sa geralm en te tin h a u m cen sor n a redação, sen do qu e a altern ativa
m an dava seu m aterial para a Polícia Federal, h abitu alm en te em Brasília,
o qu e acarretava m aiores dificu ldades para o periódico. A esse respeito é
preciso esclarecer qu e este fato se relacion a com a diferen ça en tre u m a
im pren sa diária (caso da Tribuna da Imprensa) e ou tra de periodicidade
diferen ciada (caso da revista Veja, pu blicada sem an alm en te).

Matérias liberadas em outros jornais, foram censuradas em Movim en to.

246
Texto liberado com cortes (“C/C”) para ser publicado em Movim en to. A famosa caneta
“pilot preta” do censor mutilava (“N”) a produção jornalística.

247
An alisan do-se o m aterial cen su rado de OESP e de M, sen tiu -se a
violên cia da cen su ra m u ito m aior n o caso do segu n do do qu e n o prim ei-
ro. O m aterial cen su rado de OESP aparece apen as circu n dado com lápis
de cor ou can eta azu l, verm elh a ou preta, de m odo qu e a leitu ra do tre-
ch o é absolu tam en te possível. Já n o caso de M, variadas são as m arcas do
cen sor: u tilizavam -se carim bos (“liberados com corte”, “vetado”), can eta
pilot preta, azu l ou verm elh a com as m arcas, n o topo da págin a, assin a-
lan do “N” sign ifican do qu e a m atéria n ão podia ser veicu lada, ou , n a capa
da reportagem , m arcan do “V” para dizer qu e tin h a sido vetada, ou “C/ C”
para explicitar qu e estava liberada, m as com cortes. Além disso, n os tre-
ch os vetados, m u itas vezes o texto fica com pletam en te in u tilizado para
qu alqu er leitu ra posterior, pois, a can eta pilot risca por cim a de tu do o qu e
foi escrito, ou a parte do texto aparece circu n dada com vários riscos e com
u m im en so “N” em seu in terior. A on ipresen ça e o desrespeito da cen su -
ra são, portan to, m u ito m aiores.
Ain da a esse respeito, em visita realizada ao arqu ivo da Tribuna da
Imprensa n o Rio de Jan eiro, observaram -se algu n s recortes de m aterial da
época vetado pelos cen sores. Con statou -se qu e, n ão con ten tes em circu n -
dar o qu e n ão devia ser pu blicado – procedim en to u tilizado em OESP –,
os cen sores riscavam várias vezes e em direções diversas, deixan do o tex-
to com o se fosse resu ltado do desen h o de u m a crian ça cu ja coorden ação
m otora fin a ain da n ão estivesse perfeitam en te defin ida. Com o se vê, o afã
de destru ição defin itiva da produ ção jorn alística n ão é exclu sivo dos cen -
sores da Polícia Federal de Brasília ou das su perin ten dên cias region ais da
Polícia Federal, atin gin do tam bém cen sores in stalados n as redações e va-
rian do de acordo com o órgão de divu lgação com qu e trabalh am .
Fin alizan do estas con siderações acerca da com paração en tre a cen -
su ra prévia realizada em M e a qu e se efetu ou em OESP, é preciso qu e se
reafirm em as razões das diferen ças percebidas n o trabalh o com o m aterial
vetado, basicam en te em torn o de du as variáveis:

• Variável tem poral, devido ao fato de qu e se trata de docu m en tação data-


da de m om en tos h istóricos distin tos: OESP (29 m ar. 1973 a 3 jan . 1975) e
M (7 ju l. 1975 a 5 ju n . 1978).
• Distin ção en tre órgãos de divu lgação fu n dam en tados em diferen tes con -
cepções, qu an to ao papel da im pren sa e da in form ação, presen tes n a
orien tação diversa dada a u m periódico da gran de im pren sa e ou tro da im -
pren sa altern ativa.

Con sideran do-se qu e a cen su ra prévia a OESP foi desen volvida du -


ran te a m aior parte do tem po n o govern o Médici (ago. -set. 1972 a m ar.
1974); saben do-se das con ju n tu ras de força n ele represen tadas, n o qu e se
refere à cisão en tre as du as alas m ilitares e som an do-se o fato de qu e M
foi cen su rado som en te du ran te o govern o Geisel (ju l. 1975 a ju n . 1978),
é possível tirar u m a con clu são sign ificativa.

248
A ala dos m ilitares da “lin h a-du ra” qu e predom in ava du ran te o go-
vern o do presiden te Médici e m an teve gran de in flu ên cia em parte do go-
vern o do presiden te Geisel n ão aceitava a devolu ção das liberdades de-
m ocráticas e pregava a con tin u idade do regim e de exceção com toda su a
carga repressiva, sem qu e fossem feitas con cessões à sociedade civil. Eles
se in teressavam em ocu ltar da popu lação todas as expressões de repres-
são política, en tre as qu ais a existên cia da própria cen su ra. Desejavam
m ostrar a im agem de u m Estado h arm on ioso, livre de con flitos de clas-
ses, apagan do todas as críticas ao regim e n esse sen tido.
Os m ilitares con h ecidos com o gru po “Sorbon n e” aos pou cos recu -
peraram o predom ín io, ao lon go do govern o Geisel. Neste govern o, acre-
ditavam qu e era preciso devolver liberdades dem ocráticas e o con trole do
Execu tivo à sociedade civil de m odo len to, con trolado e gradativo. Pen -
savam qu e o objetivo da segu ran ça estava assegu rado com a destru ição
da lu ta arm ada pela ação repressiva n o com eço dos an os de 1970. Te-
m iam , en tretan to, pela m eta do desen volvim en to econ ôm ico, visto qu e
era cada vez m ais eviden te a falên cia do “m ilagre brasileiro”43. Daí a su a
ên fase em ocu ltar a m iserabilidade da m aioria da popu lação brasileira,
fru to de u m m odelo econ ôm ico qu e tran sparece com o acirrador da desi-
gu aldade social e respon sável pela destru ição do parqu e in du strial n acio-
n al, m ergu lh an do a econ om ia n u m in con trolado processo de desn acion a-
lização e n a corru pção desen freada.
En ten de-se, en tretan to, qu e h á u m a in teração dessa variável tem -
poral com a distin ção do órgão de divu lgação cen su rado. Observou -se
qu e OESP e M possu em estru tu ra, in teresses, prin cípios, caráter, total-
m en te distin tos. Percebeu -se qu e a gran de im pren sa parte de u m a con -
cepção de in form ação e de h istória qu e orien tam a produ ção jorn alística
n a direção da cobertu ra da exceção, oficializan do a con cessão da palavra
aos privilegiados. A im pren sa altern ativa, especificam en te n o caso de M,
trabalh a n o cam in h o da socialização do acesso à in form ação, tecen do a
h istória através da rede de relações cotidian as e das experiên cias social-
m en te vividas pelo h om em com u m . Seu lem a é a cobertu ra da regra qu e
dá voz aos exclu ídos, com todas as ressalvas qu e possam ser feitas ao seu
en foqu e econ ôm ico (cen trado n a exploração do trabalh o) e voltado para
o processo de dom in ação das m aiorias, deixan do de lado a m u ltiplicidade
dos aspectos presen tes n a h eterogen eidade dos gru pos m in oritários.
A cen su ra esteve aten ta à diversidade da produ ção dos vários ór-
gãos de divu lgação sobre os qu ais atu ou , varian do n a defesa do regim e
au toritário, m as côn scia de seu s in teresses e, raram en te, agin do de m odo
aleatório ao sabor das in flu ên cias de caráter esporádico e in dividu al. So-
freu a ação do tem po e reagiu às flu tu ações in tern as do Estado.
Assim pode ser explicado o en du recim en to da cen su ra a OESP n o
an o de 1974, vin cu lado à reação dos setores da “lin h a-du ra” em dispu ta
com a ala m ilitar qu e desejava a retirada da cen su ra prévia aos órgãos da

249
gran de im pren sa para restau rar as relações en tre o Execu tivo e setores da
sociedade civil. E assim se explica a m an u ten ção da cen su ra prévia sobre
algu n s periódicos (n otadam en te da im pren sa altern ativa) cu jas den ú n cias
in com odavam o gru po (“Sorbon n e”) en castelado n o poder e represen tan -
do in teresses qu e tin h am em m eta a extin ção desta form a de expressão.

Tão “subversivo” quanto o conteúdo das matérias censuradas era possibilitar ao leitor o
conhecimento da existência da própria censura. Daí a preocupação com ocupar os claros
deixados pela “tesoura” do censor. Tribu n a da Im pren sa foi tão censurada que a ela foi
permitida a exceção. Exaurida pelo exercício de substituição dos cortes pôde publicar espaços
em branco.

250
N OTA S
1. Millôr Fern an des em depoim en to já citado assim se m an ifesta qu an to à cen su ra política
n o Brasil:“0 único governo com que não tive problemas de censura foi o governo do general Dutra [...].
Olha, eu fui censurado por Juscelino Kubitschek. Quer dizer, curioso porque ele é o governo mais libe-
ral do país e proibiu duas pessoas de irem à televisão, o Hélio Fernandes e o Carlos Lacerda” (pp. 26-
27). Ain da sobre a qu estão da ação da cen su ra política em diferen tes m om en tos de n ossa
h istória ver Fern an do Jorge, Cale a Boca, Jornalista!, 1987, e Sam u el Wain er, Minha Razão de
Viver – Memórias de um Repórter, 1987.
2. Maria Helen a Capelato, em su a tese de dou toram en to – Os Intérpretes das Luzes. Liberalis-
mo e Imprensa Paulista: 1920-1945 (1986) – discu te a cen su ra política à im pren sa pau lista du -
ran te o Estado Novo. Parte dessa tese en con tra-se pu blicada (Os Arautos do Liberalismo – Im-
prensa Paulista, 1920 – 1945, 1989), sen do im prescin dível su a con su lta para o con h ecim en to,
n ão só do procedim en to do govern o em relação à im pren sa escrita, bem com o das in gerên -
cias da im pren sa pau lista n a órbita govern am en tal en tre 1920 e 1945.
3. Ao estabelecer u m a cron ologia para a cen su ra política n o Brasil após 1964, Joan R. Das-
sin afirm a qu e, apesar da alegada liberdade de im pren sa viven ciada n os govern os Castelo
Bran co e Costa e Silva, m u itos jorn alistas e editores foram presos n esse período. Além do
caso de Hélio Fern an des, ela assin ala qu e “also in the 1964-68, many leftist and pro-Goulart
newspaper were invaded and destroyed, for example, the small tabloids Política and Folha da Sema-
na. Nor were established neswspaper exempt. Across the country, editorial offices of the newspaper
chain that employed the most jounalists in the country Última Hora, were literally devasted. A police
invasion demaged Correio da Manhã, Rio’s venerable hundred-year-old daily”. (cf. “Press Cen sors-
h ip an d th e Military State in Brazil”, cit., p. 162.)
4. Um a an álise acu rada do AI-5 pode ser en con trada em Maria Helen a Moreira Alves, op.
cit., cap. 5. E u m a descrição fascin an te e docu m en tada da atm osfera desse período qu e an -
tecedeu ao Ato, em Zu en ir Ven tu ra, op. cit.
5. Esta data con sta do depoim en to de Hélio Fern an des con cedido a Paolo Marcon i (op. cit.,
pp. 167-169). A h istória da cen su ra prévia n a Tribuna da Imprensa foi con tada pelo próprio
Hélio Fern an des em 79 artigos pu blicados en tre 15 de ju n h o e 29 de setem bro de 1978 logo
após o térm in o da cen su ra, sem pre precedidos do su btítu lo “Dez An os de Cen su ra”, com ex-
ceção de dois qu e aparecem n a seqü ên cia. Nos prim eiros, o au tor relata os seis en con tros
qu e m an teve com o coron el Carlos Pin to, a pressão sofrida, e, fin alm en te, sem saída, a ren -
dição em aceitar da cen su ra prévia n a redação. A data de in ício da cen su ra prévia, en tretan -
to, n ão aparece n om eada n os artigos. Este m aterial con tém u m pou co da h istória do regim e
m ilitar e m u ito sobre a cen su ra à im pren sa escrita.
6. Na época era ch efe de redação do Jornal do Brasil. O depoim en to referido foi con cedido
n a sede de O Globo em 2 de m arço de 1990.
7. Estas afirm ações são corroboradas n o depoim en to de Alberto Din es, pu blicado em Paolo
Marcon i, op. cit., pp. 181-187.
8. Alfred C. Stepan , op. cit.
9. Idem, p.18.
10. Maria Helen a Moreira Alves, op. cit.
11. Gláu cio Ary Dillon Soares, op. cit.
12. Estas expressões, “dem ocracia dos an tigos” e “dem ocracia dos m odern os” foram tom a-
das de em préstim o à Norberto Bobbio (op. cit., cap. 6).
13. Marilen a de Sou za Ch au í, op. cit., p.140.
14. Idem, p. 141.
15. Idem, p. 148.
16. Idem, p 155.
17. Idem, p. 162.
18. Utiliza-se o term o con servador para se fixar u m a diferen ciação com o liberal, em bora es-

251
teja clara a in terpen etração en tre os term os e a existên cia de variadas m atizes em am bos.
19. Marilen a de Sou za Ch au í, “Apon tam en tos para u m a Crítica da Ação In tegralista”, em
Marilen a de Sou za Ch au í e Maria Sylvia de Carvalh o Fran co, op. cit., pp. 29-30.
20. Exceto em algu n s casos, com o por exem plo, a Tribuna da Imprensa qu e sofre com a cen -
su ra prévia diária desde 23 de ou tu bro de 1968 até 8 de ju n h o de 1978.
21. op. cit., pp. 225-303.
22. Com o exem plos desse tipo de orden s, o levan tam en to m ais com pleto é o de Paolo Mar-
con i. Obteve-se tam bém a coleção de telefon em as e bilh etin h os do Jornal do Brasil, den om i-
n ado de “Livro Negro” – essas orden s, n u m total de 173, além de u m a série con ten do dez re-
gras gerais da cen su ra, foram coletadas en tre 14 de setem bro de 1972 e 19 de abril de 1974.
23. Ver depoim en to de Alberto Din es em Paolo Marcon i, op. cit., pp. 181-187. O jorn alista
cita dois acordos feitos com o Jornal do Brasi:. u m , para o levan tam en to da cen su ra prévia,
logo após o AI-5, em jan eiro de 1969, e ou tro, n o fin al de 1973, qu e resu ltou em su a saída
do jorn al – segu n do su a in terpretação, ele foi u m “bode expiatório”, oferecido pelo periódi-
co para con segu ir a con cessão de u m can al de televisão.
24. O jorn alista Carlos Castello Bran co, n acion alm en te con h ecido e respeitado, m an teve
du ran te m u itos an os u m a colu n a qu e passou , por alu são ao seu n om e, a ser ch am ada “Co-
lu n a do Castello”. O “Castelin h o”, com o tam bém era ch am ado, foi con siderado pelos pró-
prios colegas o cron ista m ais rápido e u m dos m ais bem in form ados jorn alistas do país.
25. Op. cit., cap. 10.
26. Trech os extraídos de Paolo Marcon i, “A Cen su ra Vista Através de Docu m en tos In tern os
da Revista Veja “(Apên dice 2), em op. cit., pp. 197-199. Em n ota de rodapé o au tor esclare-
ce qu e este relato foi copiado de u m trabalh o feito pela própria revista in titu lado “Breve Re-
su m o da Cen su ra em Veja”.
27. Para m aiores esclarecim en tos sobre os m ean dros da cen su ra em Opinião, con su ltar J. A
Pin h eiro Mach ado, op. cit.
28. Descreven do a fase áu rea desse sem an ário (m om en to de m aior ven dagem ) paralela-
m en te à vigên cia da cen su ra prévia, período descrito com o “dion ysien n e”, José Lu iz Braga,
assim se refere: La période dionysienne arrive à sa fin. L’innocence est perdue ainsi que l’euphorie
du succès économique. Jusqu’ici même sous la pression, les menaces et la censure préalable, l’ambian-
ce de fête persistait. Ziraldo raconte dans une interview donnée au Coojorn al (janvier 1980): en 1970,
‘le censeur était Dona Marina [...] qui mettait ses vétos dans la rédaction même du Pasqu im . Elle était
une personne cordiale. Nous buvions au long de la journée et Dona Marina aimait bien picoler. Vous
voyez le cadre: entre un drin k [grifo do autor] et un autre elle libérait toutes les matières. Sa perte s’est
faite au moment où nous étions en taule: elle a laissé passer le cartoon [grifo do autor] que j’avais fait
avec ce tableau de Pedro Américo [...] et elle a du démissionner. Sa carrière était terminée’. Jaguar com-
plète dans la même interview: “Le général Juarez Paz Pinto l’a remplacée, il est resté à nos côtés pen-
dant deux ou trois ans”. Entre dona Marina et le Général, les choses sont différentes. La dette atteint 1
million de cru zeiros [grifo do autor]... José Lu iz Braga, op. cit., pp. 53-54.
29. J. A. Pin h eiro Mach ado, op. cit.
30. João Ubaldo, “ O Bom Cen sor”, Folha de S. Paulo, São Pau lo, 18 ju n . 1978.
31. Tércio Sam paio Ferraz Jú n ior, “Apresen tação”, em Han n ah Aren dt, Eichmann em Jerusa-
lém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal, 1983, pp. 7-9.
32. Walter Ben jam in , “Sobre o Con ceito de História”, em Walter Ben jam in , Magia e Técnica,
Arte e Política, 1987, p. 224.
33. Os trabalh os con su ltados foram : Paolo Marcon i, op. cit.; Élio Gaspari, “ Os Docu m en tos
da Cen su ra”, Jornal do Brasil, Rio Jan eiro, 18 ju n . 1978; Joan R Dassin , 1979, op. cit.; Joan
R Dassin , 1982, op. cit.; Gláu cio Ary Dillon Soares, cit.; An tôn io Aparecido Pereira, op. cit.;
José Lu iz Braga, op. cit.; J. A. Pin h eiro Mach ado, op. cit.
34. Gláu cio Ary Dillon Soares, op. cit., p. 26.
35. Idem, p. 27.
36. Idem, ibidem.

252
37. Idem, p.29.
38. Idem, ibidem.
39. Idem, ibidem.
40. Idem, ibidem.
41. E. P. Th om pson , “In tervalo: A Lógica Histórica”, em A Miséria da Teoria ou um Planetário
de Erros, 1981, pp. 49-50.
42. Marilen a de Sou za Ch au í, “Ideologia e Edu cação”, Educação & Sociedade, 1980, p. 26.
43. Tal a situação política com que nos defrontamos hoje – o pluripartidarismo em processo: de afir-
mação legal de um lado, de permeação de toda a sociedade nacional, de norte a sul, por outro lado, à
busca de raízes definitivas e sólidas em bases municipais e estaduais.
Enquanto isso, no campo econômico, a batalha ingente contra a inflação e os sérios desequilíbrios do
balanço de pagamentos prossegue incansável, sem a segurança ainda – embora não faltem elementos
objetivos para renovadas esperanças – de resultados promissores, na segunda metade deste ano.
De qualquer forma, aprofunda-se o fosso de retardo cultural entre a marcha institucional para uma de-
mocracia que se deseja mais progressista e liberal e participativa e a rigidez da frente econômica, a exi-
gir, esta, maior amplitude e eficiência dos controles governamentais. Estas palavras fin ais da con fe-
rên cia do gen eral Golbery do Cou to e Silva, proferidas n a ESG sob o títu lo de “Con ju n tu ra
Política Nacion al – O Poder Execu tivo”, apesar de datadas de 1980, portan to fora da vigên -
cia da cen su ra prévia, são ilu strativas. Não con segu em disfarçar a preocu pação, ain da qu e
abu sem do eu fem ism o, com a política econ ôm ica n o m om en to em qu e o processo de aber-
tu ra política n ão m ais in spirava cu idados.

253
CON SID ERA ÇÕES FIN A IS

A m em ória h istórica con stru ída acerca da problem ática da cen -


su ra política à im pren sa escrita n o Brasil, n a vigên cia do Estado au to-
ritário pós-64, tem en fatizado a con cepção de u m a cen su ra aleatória
qu e atu ou ao sabor dos ven tos e de persegu ições pessoais e in dividu ais
e, deste m odo, su as variáveis devem -se exclu sivam en te a fatores rela-
cion ados à person alidade deste ou daqu ele cen sor em particu lar e a co-
n h ecim en tos ocasion ais qu e determ in adas pessoas pu dessem ter com
au toridades. Isto porqu e esta m esm a con cepção aleatória con cebe u m a
voz u n ificada da cen su ra advin da de u m Estado tam bém u n itário e po-
deroso, livre de con tradições. Ao lado disto, con ven cion ou -se, em u m a
visão redu cion ista, en carar a totalidade da im pren sa com o vítim a de
u m m esm o algoz, o Estado. Há tam bém a ten dên cia de im agin ar qu e
som en te determ in ados periódicos da im pren sa altern ativa ofereceram
resistên cia ao regim e, en qu an to qu e os represen tan tes da im pren sa
con ven cion al (particu larm en te da gran de im pren sa) eram su bm issos
ao regim e m ilitar, u m a vez qu e parcela sign ificativa deles con tribu iu
ativam en te para a su a criação.
A lin earidade dessas visões n ão perm ite en xergar a diversidade do
tecido social em relação à cen su ra, à im pren sa e ao Estado au toritário.
Por isso, a escolh a de u m a docu m en tação privilegiada qu e perm i-
tisse captar, para além das in ten ções do Estado, a prática cotidian a dos
su jeitos en volvidos n o processo de produ ção (jorn alistas) e de corte
(cen sores). Por isso, a opção pelo trabalh o com órgãos de divu lgação di-
feren ciados qu e sofreram a ação da cen su ra prévia em m om en tos h istó-
ricos distin tos. Por isso, a u tilização de depoim en tos de pessoas direta-
m en te en volvidas n aqu ele processo, para fazer u m con trapon to sen sível
à docu m en tação qu e é dialeticam en te vibran te e fria, pela distân cia tem -
poral e pela au sên cia de com prom etim en to m om en tân eo qu e o papel
pode carregar.
A pesqu isa realizada em OESP teve o m érito de dem on strar qu e
n ão se pode con siderar a gran de im pren sa sob u m a ú n ica ótica n o qu e
tan ge à resistên cia aos ataqu es à liberdade de expressão, prin cípio básico
da con cepção liberal. Por ou tro lado, m ostrou qu e o liberalism o n ão pos-
su i u m a só faceta, deven do su a prática ser en carada com diversidade.
Com provou com o podem ser redu cion istas as term in ologias “con serva-
dor” e “reacion ário”, presas a u m a determ in ada circu n stân cia, deixan do-
se de en carar a coerên cia das atitu des do jorn al ao lon go do processo. A
an álise en con trou coerên cia on de só se an tevia con tradição, ao dem on s-
trar com o perfeitam en te in serida n os prin cípios do liberalism o lockean o

255
a ação do jorn al n a con spiração deflagradora do golpe de 1964 e, ao m es-
m o tem po, su a oposição, n o tran scorrer dos regim es m ilitares. Posicion ou
a im portân cia e a diferen ça fu n dam en tal do sign ificado da resistên cia: o
jorn al ao se n egar fazer a au tocen su ra, u tiliza a in stau ração da cen su ra
prévia com o estratégia de den ú n cia da repressão. Tal resistên cia adqu iriu
con torn os m ais n ítidos e con tu n den tes n as variadas e criativas form as de
su bstitu ição dos espaços deixados pelos cortes da cen su ra. A estratégia de
den ú n cia u ltrapassou a m era dim en são tem poral, e, h oje, já faz parte da
m em ória coletiva do país.
A pesqu isa realizada em M elu cidou o abism o qu e separa as dife-
ren tes con cepções de jorn alism o e o sign ificado da lu ta pela socialização
da in form ação, fora dos parâm etros das gran des em presas n acion ais e in -
tern acion ais qu e con trolam a produ ção de n otícias. Além disso, posicio-
n ou a im portân cia da n ecessidade de u m a im pren sa em qu e os don os do
jorn al sejam ju stam en te todos os en volvidos n a produ ção jorn alística.
En fatizou , assim , a lu ta diu tu rn a pela bu sca ideal da dem ocracia n a re-
dação, fora do m odelo de u m a lin h a editorial rigidam en te traçada n o
âm bito das decisões do gru po qu e represen ta os in teresses dos proprie-
tários da em presa ou m esm o de seu s an u n cian tes. A produ ção jorn alís-
tica de M e os cortes processados pelos cen sores vieram dem on strar u m a
con cepção de cobertu ra jorn alística m u ito diferen te daqu ela processada
n a gran de im pren sa, com a em ergên cia de tem áticas e person agen s au -
sen tes n a im pren sa con ven cion al de gran de porte; além de possibilitar a
con statação da diversidade de atu ação cen sória. A violên cia da atu ação
da cen su ra qu e se m an teve até 1978, bem com o a con tin u idade de ou -
tras form as de pressão, dem on straram , de u m lado, as con tradições in -
tern as presen tes n o Estado au toritário brasileiro pós-64 e a am plitu de de
seu projeto político, para além de divergên cias circu n stan ciais; e, de ou -
tro, o con teú do altam en te con testador do regim e m ilitar brasileiro con -
tido n a program ação e n a efetivação prática de M.
A com paração en tre os m ateriais vetados oriu n dos de M e de
OESP com provou qu e a cen su ra apen as ocasion alm en te foi aleatória;
possu ía, com certeza, u m a “lógica” in tern a en raizada n a defesa dos in -
teresses dos gru pos presen tes n o Estado au toritário e n o projeto políti-
co qu e con ceberam para o país. Essa “lógica” foi assu m ida pelos cen so-
res qu e cortavam m u ito ou pou co, n egocian do ou n ão com os órgãos de
divu lgação; e ju stam en te por isso n ão podem ser vistos pela côm oda
capa da n eu tralidade bu rocrática e devem ser respon sabilizados pelos
seu s atos. O fato de a pesqu isa ter en globado m om en tos h istóricos dis-
tin tos e órgãos de divu lgação variados m ostrou qu e o Estado au toritá-
rio viven ciou con flitos in tern os qu e explicam as orien tações diversas n o
corte destas (relacion adas às qu estões políticas) ou daqu elas (relacion a-
das às qu estões econ ôm icas e sociais) m atérias, depen den do do pre-

256
dom ín io assu m ido por este (“lin h a-du ra”) ou aqu ele (“Sorbon n e”) gru -
po qu e represen tam du as con cepções qu an to à con du ção do processo
h istórico do país.
O objetivo deste livro é con tribu ir para u m a com preen são m ais
am pla daqu ele m om en to, recu peran do m em órias perdidas, lan çan do lu z
sob as n u an ças de u m terren o an tes aparen tem en te h om ogên eo, revelan -
do con flitos on de rein ava a lin earidade h arm ôn ica. As visões h om ogê-
n eas e lin eares tam bém represen tam u m exercício de dom in ação qu e n ão
possibilita espaço para a com preen são dos m ú ltiplos e variados aspectos
im plicados, com o da própria resistên cia.
É n ecessário qu e se en fatize qu e este é u m trabalh o in icial aberto
para u m a diversidade m u ito gran de de abordagen s e para o u so de u m a
vasta gam a de m ateriais qu e aí restam para con su lta den tro da tem ática
da cen su ra prévia à im pren sa escrita n o país n a vigên cia do Estado au to-
ritário pós-64.
É fu n dam en tal qu e se diga qu e a recu peração da m em ória de
tem pos de recru descim en to da dom in ação possibilita a em ergên cia de
estratégias diversificadas de resistên cia, recu rso básico para u m país
qu e a todo m om en to precisa estar alerta n a lu ta pela dem ocratização
plen a e pelo alcan ce de su a dign idade qu e, por su a vez, só pode ser
atin gida em padrões am pliados de ju stiça social para o seu povo. A pos-
sibilidade de acesso à in form ação certam en te tem u m papel cen tral em
todo esse processo.
Lu ís de Cam ões foi m u itas vezes relem brado em m om en tos de n e-
cessidade cru cial de resistên cia em qu e o país se en con trava qu al fren te
ao Gigan te Adam astor:

Porém já cin co Sóis eram passados


Qu e dali n os partíram os, cortan do
Os m ares n u n ca de ou trem n avegados,
Prosperam en te os ven tos assopran do,
Qu an do hũa n oite, estan do descu idados
Na cortadora proa vigian do,
hũa n u vem , qu e os ares escu rece,
Sobre n ossas cabeças aparece.

Tão tem erosa vin h a e carregada,


Qu e pôs n os corações u m gran de m edo;
Bram in do, o n egro m ar de lon ge brada,
“Ó Potestade (disse) su blim ada:
Qu e am eaço divin o ou qu e segredo
Este clim a e este m ar n os apresen ta,
Qu e m or cou sa parece qu e torm en ta?”

257
Não acabava, qu an do hũa figu ra
Se n os m ostra n o ar, robu sta e válida,
De disform e e gran díssim a estatu ra;
O rosto carregado, a barba esqu álida,
Os olh os en covados, e a postu ra
Medon h a e m á e a cor terren a e pálida;
Ch eios de terra e crespos os cabelos,
A boca n egra, os den tes am arelos.1

No m ais, Mu sa, n o m ais, qu e a Lira ten h o


Destem perada e a voz en rou qu ecida,
E n ão do can to, m as de ver qu e ven h o
Can tar a gen te su rda e en du recida.
O favor com qu e m ais se acen de o en gen h o
Não n o dá a pátria, n ão, qu e está m etida
No gosto da cobiça e n a ru deza
De hũa au stera, apagada e vil tristeza.2

N o tas
1. Lu ís de Cam ões, Os Lusíadas, s./ d., Can to V (37, 38 e 39), p. 84.
2. Idem, Can to X (145), p. 335.

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269
So bre o Livro

Formato: 16x23,5 cm
Mancha: 27x43 paicas
Tipologia: Meriden Rom an 10 (texto),
Meriden Rom an 12 (títu los)
Papel: 75g/ m 2 (m iolo),
Cartão Su prem o 250g/ m 2 (capa)
Fotolito da capa: STARPLUS Gráficos e Editores
Impressão: Docu m en t Cen ter
Docu Tech 135 (m iolo),
São João (capa)
Acabamento: Docu m en t Cen ter
Perfect Bin der
Tiragem: 1.000

Equ ip e d e re alização

Coordenadora Executiva
Lu zia Bian ch i

Preparação e Revisão de Texto


An a Novais
Carlos Valero
Mariza In es Mortari Ren da
Walderez San cin etti Ribeiro

Catalogação
Valéria Maria Cam pan eri

Projeto Gráfico e Criação da Capa


Cássia Letícia Carrara Dom ician o

Diagramação
Carlos Fen del
Hilel Hu go de Oliveira Mazzon i

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