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Blaise Pascal
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Cf. B. Pascal, Œuvres complètes, Prefácio de Henri Gouhier, apresentação
e notas de Louis Lafuma. Paris: Éditions du Seuil, 1963, p. 366.
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Em primeiro lugar, está aqui pressuposta a inteira reflexão
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pascaliana de segunda natureza embasa a crítica das noções
de lei natural e direito natural; constitui sua distinção entre
grandezas de estabelecimento e grandezas naturais e, em decorrência,
sua afirmação de que o historicamente estabelecido (como
nós diríamos hoje) só em si mesmo pode encontrar
legitimidade. Qualquer violação do que foi estabelecido
constitui-se, diz Pascal, numa “injustiça”. Ora, se tivermos
em vista vários dos fragmentos dos Pensamentos, observa-se
claramente que aqui Pascal mantém “em segredo” sua
concepção de que todo o estabelecimento legal nasce da força
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justiça, deveres proporcionais. É, portanto, uma concepção
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Cf., entre outros, G. Ferreyrolles, Pascal et la raison do politique, Paris,
PUF, 1984; C. Lazzeri, Force et justice dans la politique de Pascal, Paris, PUF,
1993; B. M. Delamarre, Pascal et la cité des hommes, Paris, Ellipses, 2001.
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TRÊS DISCURSOS SOBRE A CONDIÇÃO DOS GRANDES
BLAISE PASCAL
Primeiro Discurso
Para entrar no verdadeiro conhecimento de vossa
condição, considerai-a nesta imagem.
Um homem é jogado pela tempestade numa ilha
desconhecida cujos habitantes estavam inquietos por
encontrar seu rei, que se perdera; e, tendo muitas semelhanças
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ele: e não somente não vos encontrais filho de um duque, mas
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dos legisladores que puderam ter boas razões, das quais porém
nenhuma é tomada de um direito natural que tenhais sobre essas
coisas. Se lhes tivesse agradado ordenar que esses bens, após haver
sido possuídos pelos pais durante sua vida, retornariam à república
após sua morte, não teríeis nenhum motivo para disso vos lamentar 3.
Assim, todo o título pelo qual possuíeis vosso bem não
é um título de natureza, mas de um estabelecimento humano.
Um outro giro de pensamento naqueles que fizeram as leis vos
teria tornado pobre; e é somente esse encontro do acaso que
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Rencontre: encontro; aqui no sentido de um encontro não marcado, não-
planejado, isto é, não-proposital. Distinto de rendez-vous, encontro marcado.
Pascal busca justamente acentuar nesta passagem a natureza casual, não-
necessária, da existência de quaisquer indivíduos, neste caso, dos reis.
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Em toda essa passagem, encontra-se a crítica pascaliana da moderna teoria
do direito natural. Para ele, a vida civil não se regula por lei e/ou direito
natural, mas apenas pelo convencional, pelo historicamente estabelecido, ao
qual concorrem os acasos. Mas não se trata, por isso, de uma impossibilidade
de legitimidade do estabelecimento humano, mas sim que tal legitimidade
só pode encontrar-se no próprio estabelecimento humano, o qual, entendido
como situado no estado de concupiscência, deve buscar garantir a justiça
das concupiscências e, justamente assim, evitar a tirania.
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vos fez nascer com a fantasia das leis favoráveis a vosso respeito
que vos coloca em possessão de todos esses bens.
Não quero dizer que eles não vos pertencem
legitimamente e que seja permitido a um outro de vos os
violar; pois Deus, que delas é o senhor, permitiu às sociedades
fazer leis para as partilhar; e quando essas leis são uma vez
estabelecidas, é injusto violá-las. É o que vos distingue um
pouco daquele homem que possuiria seu reino somente por
engano do povo; porque Deus não autorizaria aquela posse e
o obrigaria a renunciar a ele, enquanto autoriza a vossa. Mas
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O povo que vos admira não conhece talvez este segredo.
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Segundo Discurso
É bom, senhor, que saibais o que se vos deve a fim de
que não pretendais exigir dos homens o que não vos é devido;
pois isso é uma injustiça visível: e contudo ela é muito comum
àqueles de vossa condição, porque desta eles ignoram a natureza.
Há no mundo dois tipos de grandezas; pois há
grandezas de estabelecimento e grandezas naturais. As
grandezas de estabelecimento dependem da vontade dos
homens que acreditaram com razão dever honrar alguns estados
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falar aos reis de joelhos; é preciso manter-se em pé no quarto
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geômetra 7. Do mesmo modo se, sendo duque e igual, vós
não vos contentásseis que eu me mantenha às claras diante de vós,
e que quisésseis ainda que eu vos estimasse, eu vos pediria mostrar-
me as qualidades que merecem minha estima. Se o fizésseis, ela
vos seria adquirida, e eu não vos a poderia recusar com justiça;
mas se não o fizésseis, seríeis injusto ao ma solicitar, e seguramente
não a teríeis alcançado, fósseis o maior príncipe do mundo.
Terceiro Discurso
Quero vos fazer conhecer, senhor, vossa verdadeira
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Essas pessoas são cheias de concupiscência. Elas vos solicitam
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