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I SOEITXAWE

Congresso Internacional de Pesquisa Científica na Amazônia

CT Paiter Suruí, Cacoal, Rondônia - Brasil.

1ª Edição

Campinas

Volume 82
Equipe da Metareilá :
Da esquerda para a direita:
Almir Narayamoga Suruí
Ubiratan Gamalodtaba Suruí
Kachia Téchio
Jamiria Suruí
Adlanes Osmídio
Rubens Naraikoe Suruí
Arildo Gapamé Suruí
Enoque Mopidgasoten Suruí

Equipe do CLE :
Da esquerda para a direita:
Vinícius Ferreira Costa
Claudia Marinho Wanderley
Guilherme Carneiro

Centro de Lógica, Epistemologia


e História da Ciência - Unicamp

Apoio:

Associação de Defesa Etnoambiental


Claudia Marinho Wanderley é licenciada em Letras -
Língua Portuguesa pela Fundação Universidade de
Brasília (UnB), Mestrado e Doutorado em Linguística
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
e Pós Doutorado em Linguística Computacional
Université Sorbonne Nouvelle (Univ. Paris 3). Foi a
catedrática responsável pela criação e execução da
primeira Cátedra UNESCO Multilinguismo no Mundo
Digital, sediada na UNICAMP. Atualmente é
pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e
História da Ciência da UNICAMP onde desenvolve
pesquisas na área do multilinguismo, multiculturalismo
e epistemologias locais, e atua junto a comunidades
tradicionais no sentido de promover o contato e
interlocução entre a produção acadêmica e o
conhecimento tradicional.

Kachia Hedeny Téchio é licenciada em


Administração (UniPan), Especialização em
Pós Colonialismo e Cidadania Global pela
Faculdade de Economia na Universidade de
Coimbra (FE/UC), Mestrado e Doutorado em
Antropologia pela Universidade Nova de
Lisboa (FCSH/UNL). É professora adjunta na
Universidade Federal de Rondônia (UNIR). É
pesquisadora no E-Lab Multiculturalismo no
Mundo Digital da UNITWIN UNESCO de
Sistemas Complexos. Atualmente desenvolve
pesquisas na área de multiculturalismo e
educação, atua junto a povos indígenas em
Rondônia em projetos de mitigação ambiental,
plantas medicinais, formação de professores e
conhecimentos tradicionais.
Nossa amada Miriam Osmidio faleceu
em 17 de maio de 2017. Infelizmente
Deus levou uma de nós e deixou tantos
corações amassados, mas sabemos que
nenhuma folha vai ao chão sem a vontade
de Deus. O que nos resta é somente
saudades e memórias de tantos e tantos
momentos únicos e alegres ao lado dessa
pessoa que nos amou, que se juntou a nós
para sermos mais fortes. Que Deus cuide
de nossos corações e de força a todos
familiares e amigos. Nosso trabalho não
será mais o mesmo sem a presença desse
ser tão amável e admirável, mas tudo
será por amor a ela que tanto se dedicou
a cada detalhe. Te amamos Miriam
Osmidio. Este livro é dedicado a você.
Descanse em paz!
I SOEITXAWE
Congresso Internacional de Pesquisa Científica na Amazônia
CT Paiter Suruí, Cacoal, Rondônia-Brasil.

1ª edição
Claudia Marinho Wanderley
Kachia Téchio
Guilherme dos Santos Carneiro
Vinícius Ferreira Costa

I SOEITXAWE
Congresso Internacional de Pesquisa Científica na Amazônia
CT Paiter Suruí, Cacoal, Rondônia-Brasil.

1ª edição

Campinas
Volume 82 – 2017
Universidade Estadual de Campinas
Reitor: Macelo Knobel
Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência
Coordenador: Marcelo Esteban Coniglio
Coordenador-Associado: Fábio Maia Bertato
Editor: Itala M. Loffredo D’Ottaviano
Editor Convidado: Claudia Marinho Wanderley
Editor Associado: Fabio Maia Bertato
Conselho Editorial: Ana Maria Alfonso-Goldfarb - UNESP/Marília; Newton Carneiro Affonso da Costa
CLE/UNICAMP, PUCSP; Atocha Aliseda Liera – - CLE/UNICAMP, USP, UFSC; Oswaldo Porchat
UNAM; Décio Krause – UFSC; Evandro Luís de Assis Pereira da Silva - CLE/UNICAMP, USP;
Gomes – UEM; Flavia Marcacci - Pontificia Otávio Augusto Santos Bueno - University of Miami;
Università Lateranense; Francisco Miraglia Neto - Rafael Capurro - Stuttgart Media Universitat;
CLE/UNICAMP, USP; Gregori Chaitin - IBM/New Rodolfo Cristian Ertola Biraben - CLE/UNICAMP;
York, UFRJ; José Ferreirós - Universidad de Sevilla; Steven Richard Douglas French - University of
Joseph Warren Dauben - City University of New Leeds; Ubiratan D'Ambrosio - CLE/UNICAMP;
York; Leandro Oliva Suguitani – UFBa; Maria Zeljko Loparic-CLE/UNICAMP , PUCSP.
Eunice Quilici Gonzalez - CLE/UNICAMP,

Projeto Gráfico e Capa Revisão


Fabio Luis Basso Karina Lombardi Fernandes
Karina Lombardi Fernandes Robson Rodrigues Monteiro

Centre for Logic, Epistemology and the History of Science (CLE)


Cidade Universitária “Zeferino Vaz” - C.P. 6133 - 13083-970 Campinas, SP.
www.cle.unicamp.br \ publicacoes@cle.unicamp.br

Copyright by Coleção CLE, 2015


ISSN: 0103-3247

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca do CLE


Catalog Record prepared by the CLE Library

W183m Wanderley, Claudia Marinho.


I SOEITXAWE : Congresso Internacional de Pesquisa Científica
na Amazônia / Claudia Wanderley. – 1° edição.
– Campinas : Claudia Marinho Wanderley, Káchia Téchio...[et al], 2017.
792p.

ISBN 978-85-86497-33-9

1. Epistemologia 2 . Sistemas auto organizadores. 3. Linguagem-


multilinguismo.
CDD – 121
001.533
409

Índice para catalogo sistemático


1. Epistemologia 121
2. Sistemas auto organizadores 001.533
3. Linguagem-multilinguismo 409

Projeto FAPESP: 2013/09763-7 e 2015/03321-8

Impresso no Brasil
Coleção CLE

I SOEITXAWE
Congresso Internacional de Pesquisa Científica na Amazônia
CT Paiter Suruí, Cacoal, Rondônia-Brasil.

1ª edição

Sumário
v. 82, pp. 13-792, 2017.

Prefácio 13
Maria Eunice Quilici Gonzalez
Itala M. Loffredo D’ Ottaviano

Apresentação 19

Reflexão do Prof. Dr. Almir Suruí para I Soeitxawe 61


Transcrição feita por Pedro Paulo de Jesus Silva

Labiway EY SAD – Sistema de Governança Paiter Surui 65


Rubens Naraikoe Surui

1. Ritual com a ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 109


Regina Clara Aguiar

2. Psicologia e dependência química: análise preliminar de uma 133


pesquisa-intervenção em uma comunidade terapêutica de
Cacoal-RO
Rosangela C.R. Aniceto

3. Fluxos de CO2 em regiões de floresta e pastagem no 135


sudoeste da Amazônia
Bárbara Antonucci

4. Impactos socioambientais de UHE e PCH em Rondônia: 143


uma breve análise
Neiva Araújo
5. Psicologia e gravidez: análise preliminar de uma pesquisa- 161
intervenção junto a mulheres grávidas de
Cacoal - RO
Cleber Lizardo de Assis

6. Psicologia e adolescência: análise preliminar de uma 163


pesquisa-intervenção em um centro de referência em
assistência social de Rondônia
Cleber Lizardo de Assis

7. Vivências e estratégias de enfrentamento em crianças 165


hospitalizadas
Cleber Lizardo de Assis

8. Avaliação da lei Maria da Penha por gestores de Cacoal - RO 167


Cleber Lizardo de Assis

9. Intervenção psicossocial junto a um grupo de grávidas de 169


Cacoal - RO
Cleber Lizardo de Assis

10. Extensão universitária e enfrentamento à violência de 171


gênero em Cacoal - RO
Cleber Lizardo de Assis

11. Prática profissional em psicossomática em profissionais de 173


saúde da região norte
Cleber Lizardo de Assis

12. Representações sociais sobre a psicologia e o psicólogo em 175


universitários de uma faculdade privada de Rondônia
Cleber Lizardo de Assis

13. Pesquisa-intervenção em psicologia comunitária junto a 177


usuários de um CAPS da região Norte
Cleber Lizardo de Assis

14. Estratégias de enfrentamento em acompanhantes 221


hospitalares de familiar
Cleber Lizardo de Assis
15. Intervenção psicossocial junto ao adolescente autor de ato 223
infracional
Cleber Lizardo de Assis

16. Arte e psicologia em pesquisa-intervenção junto a usuários 225


do CAPSII de Cacoal - RO
Cleber Lizardo de Assis

17. Pesquisa-intervenção em psicologia comunitária com um 227


grupo social LGBT da cidade de Cacoal - RO
Cleber Lizardo de Assis

18. A constitucionalização dos princípios e sua aplicação no 229


cotidiano da segurança pública brasileira
Fábio Silva Cardoso

19. Reflexo dos passivos ambientais as margens do rio Barão 241


do Melgaço no estado de Rondônia, Brasil
Rogério Antônio Carnelossi

20. O programa de aquisição de alimentos – PAA e o 259


fortalecimento da agricultura familiar: a percepção dos
agricultores do município de São Felipe D’Oeste - RO
Yasmin Paiva Correa

21. Ciência ou religião? A psicografia como meio de prova no 281


processo penal
Adriana Cristina Cury

22. A organização social e as formas de produção do 303


assentamento 14 de agosto em Ariquemes – RO
Maria Estélia Araújo

23. Levantamento de animais atropelados na Rodovia-471 que 321


liga o município de Ministro Andreazza à BR 364, estado de
Rondônia
Eder Fermiano

24. Monitoramento da Biodiversidade da Terra Indígena Sete 327


de Setembro do Povo Paiter Suruí, Rondônia, Brasil.
Alexsander Santa Rosa Gomes
25. Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 329
Acursio Ypiranga Benevides Júnior

26. Pequenos agricultores e o código florestal: desafios, 347


pressões e consciência de preservação nas linhas 180, 184 e 188
do município de Rolim de Moura (RO)
Josiane Fernandes Keffer

27. Os Zoró e a identidade etnica 359


Maria Conceição de Lacerda

28. Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia – espécies 373


florestais, solos, aptidão agrícola
Marilia Locateli

29. Associativismo rural: um estudo de caso de um laticínio no 389


município de Alta Floresta D’Oeste – Rondônia
Marlon Martinelli Roberto

30. A Casa de Cultura Fazenda Roseira e a Comunidade Jongo 399


Dito Ribeiro – Campinas SP
Alessandra Ribeiro Martins

31. A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 417


Sidiclei Viana Meireles

32. Povos indígenas amazônicos: uma análise político-legal 435


relacionada a aspectos do desenvolvimento sustentável
Matilde Mendes

33. Desenvolvimento sustentável: uma análise dos mecanismos 451


e práticas adotadas por uma empresa rural situada no
município de Vilhena - RO no cultivo da silvicultura para fins
comerciais.
Vanessa Morais

34. O desmatamento na Amazônia e seus impactos 465


econômicos e sociais
Adanor Pereira Porto Neto
35. Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 475
a partir do materialismo dialético
Francisco Cetrulo Neto

36. Educação das Relações Étnico-Raciais: desafios das Leis 495


10.639/2003 e 11.645/2008.
Simone Gilbran Nogueira

37. O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural do 511


povo Paiter Suruí na Floresta Amazônica e sua inserção
tecnológica
Claudia Ribeiro Pereira Nunes

38. Gênero, economia e espaço: o mercado de trabalho na 529


capital rondoniense
Adriana Correia de Oliveira

39. A mulher na economia rural amazônica: estudo de caso no 547


município de Nova Mamoré, Rondônia, Brasil
Adriana Correia de Oliveira

40. A consciência de liberdade no contexto social do povo 563


Manaura: uma reflexão a partir da realidade periférica
Elias Sarmento Pereira

41. Perda da identidade cultural: uma reflexão filosófica a partir 581


da realidade Manauara
Alef Braga Pinto

42 . Análise de redes sociais como instrumento de identificação 613


de atores na cadeia extrativa da Castanha-da-Amazônia em
Rondônia
Eslei Reis

43. A Ação Garimpeira na Terra Indígena Roosevelt uma 641


análise histórica (1999-2005)
Devanir Santos
44. O desenvolvimento político na Amazônia: uma reflexão a 655
partir de Aristóteles
Ivo Carneiro Santos

45. A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 673


João Barros da Silva

46. Impacto da antropização sobre a ictiofauna em um riacho 705


pertencente á bacia hidrográfica do Rio Pirarara, no município
de Cacoal, RO
Odair Diogo Silva

47. Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de 713


Ji-Paraná/RO
Naara Souza

48. Momentos de Magia: processo de construção de 729


significados sobre os rituais e discursos do Povo Paiter Suruí a
partir do olhar do antropólogo
Kachia Techio

49. Qualidade de vida e bem-estar subjetivo em adeptos de 737


ayahuasca
Lais Lins Tenório

50. Cultura do povo indígena Gavião e como tratam a respeito 739


da saúde.
Wendril Tomé

51. Reflexão geográfica: o indígena no município de Pimenta 755


Bueno/RO/Brasil
Claudia Cleomar Araújo Ximenes Cerqueira

52. Lógicas e Epistemologias Locais: encontro com os Paiter 777


Suruí
Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros
Prefácio

“O melhor que o mundo tem é a diversidade de mundos que contém”


(Eduardo Galeano)

Como olhamos o outro (e a nós mesmos) no complexo emaranhado


da vida? A reflexão sobre essa questão brotou e cresceu rapidamente à
medida que íamos lendo a profusão dos textos deste livro e tentando
descobrir um caminho de conexão entre eles. O que dizer das inúmeras
visões de mundo nele impressas? Não elaboramos este prefácio como
especialistas, mas apenas como apaixonadas pelo tema da valorização da
diversidade cultural que, no fundo, expressa o desejo de uma sociedade
melhor.
Seguindo as trilhas de Boaventura de Souza Santos, reconhecemos
que a forma dominante de saber, hegemônica na sociedade ocidental
contemporânea, repousa em uma linha abissal, “invisível”, que estabelece
uma distinção entre colonizadores e colonizados. De um lado dessa linha
encontram-se os saberes canonizados do norte ocidental, que
determinam o que é científico/não científico, verdadeiro/falso,
aceitável/não aceitável enquanto programas de pesquisa. Do outro lado
dessa linha abissal se amontanham as supostas “especulações” populares,
as opiniões do senso comum, as superstições dos camponeses, indígenas
e grande parte da humanidade contra-hegemônica, destituída de direitos
fundamentais, sem o reconhecimento de suas formas de saberes.
Em partes significativas do mundo, a linha abissal já não se impõe em
seu pleno vigor; ela está sendo questionada, não apenas por filósofos e
cientistas, mas por cidadãos vivendo na era pós-colonizadora, que
reconhecem o fundamental valor da diversidade de saberes para a
própria manutenção da existência humana. Entendemos que a presente
obra, organizada por Claudia Marinho Wanderley, Kachia Téchio,
Guilherme Carneiro e Vinícius Ferreira, retrata uma valiosa contribuição
para esse questionamento.
Na Era do pós-tudo, já não podemos ignorar a visão ecológica de
formas alternativas de vida dos povos da floresta, seus saberes que
preservam o meio ambiente, seu conhecimento milenar, por exemplo de
ervas medicinais para curas de doenças que não encontram respaldo na
14 Maria Eunice Quilici Gonzalez e Itala M. Loffredo D’ Ottaviano

medicina dominante. Também não podemos deixar de refletir, com


apreço, sobre o ritmo de vida dos povos da floresta que contrasta com o
ritmo frenético e doentio do “homo-celulare“.
Descobrimos que a presente coletânea pode ser lida em tópicos que
se delineiam, em diversas ordenações, através dos vários temas
apresentados no I SOEITXAWE Congresso Internacional de
Pesquisa Científica na Amazônia CT Paiter Suruí, Cacoal,
Rondônia-Brasil, que ocorreu em maio de 2015. O termo Soeitxawe,
significa, na língua tupi mondé suruí, conhecimento. Esse congresso,
de que tivemos a sorte de participar, expressou um dinâmico e criativo
movimento auto-organizado de amantes do conhecimento, que se
expressa através da valorização da diversidade cultural, possibilitando um
fértil diálogo entre povos da floresta, intelectuais nacionais e
internacionais, jornalistas da cidade de Cacoal e membros da
comunidade em geral.
Iniciamos a nossa leitura pelo instigante relato da antropóloga
Kachia Téchio, pesquisadora do grupo de estudos Multilinguismo e
Multiculturalismo no Mundo Digital, coordenado pela pesquisadora
Claudia Wanderley na Unicamp. Kachia nos brinda com o texto:
Apresentação e breve narrativa do I Soeitxawe, no qual descreve seus primeiros
contatos com o chefe Almir Surui, líder do Povo Paiter Surui, e sua
experiência na organização do evento com o Povo Paiter Surui e a
incansável Claudia Wanderley, encontro esse que resultou, entre outros,
na elaboração da presente obra.
Impossíveln deixar de compartilhar com Kachia uma imensa
admiração pelos Paiter Surui que, em suas palavras: é um povo
extremamente generoso, receptivo e coletivo. Ela nos conta que os
temas do evento escolhidos pelos indígenas foram: saúde, educação,
tecnologia e ambiente, temas esses que “… curiosamente formaram a
palavra SETA, um sinônimo para flecha, e a proposta divertida
divulgada nas conversas entre os indígenas era de atingir a comunidade
científica com seus conhecimentos tradicionais.”
A SETA (Saúde, Educação, Tecnologia e Ambiente) se expressa
dinamicamente em grande parte dos capítulos do livro, tornando
impraticável a descrição de todos eles neste limitado espaço. De modo a
dar uma pequena amostra da rica variedade de textos aqui presentes,

Soeitxawe
Prefácio 15

iniciamos o nosso percurso da SETA seguindo a perspectiva geral bem


elaborada por Rubens Naraikoe Surui, no artigo Labiway EY SAD-
Sistema de Governança Paiter Surui. Nesse artigo, o leitor encontrará um
pouco da realidade vivenciada pelo povo Surui nos âmbitos da saúde,
educação, tecnologia e ambiente. O relato narrado pelo olhar do
estudioso de Direito desvela uma corajosa e emocionante história de luta
para a manutenção da existência e autonomia de seu povo.
No que diz respeito à Saúde, dentre as diversas perspectivas
proporcionadas nesta obra, Wendril da Cruz Tomé apresenta
interessantes resultados de uma pesquisa sobre a concepção de saúde dos
indígenas da etnia Gavião. Em seu texto: Cultura do povo indígena Gavião e
como tratam a respeito da saúde, Wendril reúne aspectos da entrevista com o
cacique Catarino, da Aldeia Ikolen, em Ji-Paraná, Rondônia, sobre
formas de vida fundamentadas em hábitos de alimentação não
industrializada e em recursos naturais de cura para doenças.
Quanto ao tema da Educação, novamente a SETA percorre grande
parte dos capítulos, mas a ênfase é dada a esse tema por Claudia
Wanderley e Beatriz Raposo no belo texto: Lógicas e Epistemologias Locais:
encontro com os Paiter Suruí. O leitor atento descobrirá nesse texto uma
reflexão sobre a fertilidade dos processos de auto-organização no acesso
democrático à produção do conhecimento e no reconhecimento
respeitoso de saberes de diversos grupos sociais, elementos esses que,
nas palavras da autora, “... são necessários para quem deseja trabalhar
coletiva e intelectualmente em prol do bem comum e de uma cultura de
paz”. Nesse mesmo contexto, Simone Gibran Nogueira, no capítulo
intitulado Educação das Relações Étnico-Raciais, discute a situação de
afrodescendentes brasileiros, criticando a perspectiva eurocêntrica
colonial vigente em nossa sociedade. Ela ressalta a importância de se
repensar a educação das relações étnico-raciais, de modo a, não apenas
respeitar, mas, valorizar a pluralidade e a diversidade das culturas
existentes na nação brasileira.
O tema da Tecnologia é representado principalmente no texto de
Claudia Ribeiro Pereira Nunes: O plano de sustentabilidade socioeconômica e
cultural do povo Paiter Suruí na floresta amazônica e sua inserção tecnológica.
Nesse capítulo, a autora busca compreender o plano de sustentabilidade,
para os próximos 50 anos, do povo Paiter Suruí no contexto da

Soeitxawe
16 Maria Eunice Quilici Gonzalez e Itala M. Loffredo D’ Ottaviano

globalização. O leitor compreenderá, na leitura do texto, os seguintes


objetivos específicos da pesquisa em questão, que se propõe a: (i)
diagnosticar os efeitos da inovação tecnológica inserida no referido
plano, bem como (ii) descrever a efetiva contribuição do plano para o
desenvolvimento sustentável do povo Paiter Suruí e a sua visibilidade
internacional.
Finalmente, a SETA percorre amplamente o tema do Ambiente,
com ênfase na fundamental importância da manutenção das reservas
florestais, das nascentes, do reflorestamento sustentável e do respeito aos
povos da floresta. Com essa preocupação, encontramos, entre outros, o
texto: Desenvolvimento sustentável: Uma análise dos mecanismos e das práticas
adotadas por uma empresa rural situada no munícipio de Vilhena-RO no cultivo da
Silvicultura para fins comerciais, elaborado por Vanessa Rodrigues do Prado
Morais; que apresenta e discute o projeto de reflorestamento, para fins
comerciais, no estado de Rondônia. O tema da água é também
investigado por Naara Ferreira Carvalho de Souza no texto: Avaliação de
impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO. A autora discute
problemas ambientais decorrentes da urbanização acelerada que afeta
recursos hídricos de nascentes localizadas no município de Ji-Paraná,
RO.
Ainda no contexto ambiental, Yasmin Paiva Correa investiga, no
capítulo intitulado Programa de aquisição de alimentos (PAA: a percepção de
trabalhadores rurais do município de São Felipe do Oeste – RO, o fortalecimento
da agricultura familiar, após o ingresso de agricultores no PAA, bem
como as dificuldades enfrentadas por esses trabalhadores.
A amostra de textos acima indicados representa apenas um pequeno
sinal da riqueza do volume aqui apresentado. Convidamos o leitor a
percorrer a obra elaborando sua própria visão dos capítulos, com uma
mente aberta para a compreensão da fertilidade inerente à diversidade
cultural.
Não poderíamos encerrar este prefácio sem destacar o papel
fundamental do cacique, batalhador incansável, Almir Suruí, que recebeu
o título de Doutor Honoris causa pela Universidade Federal de Rondônia,
na organização do evento e no encaminhamento dos planos de
sustentabilidade de seu povo. O leitor poderá apreciar a tentativa do
chefe Almir de dialogar com membros da sociedade nacional e

Soeitxawe
Prefácio 17

internacional que se abrem para um diálogo franco e respeitosos dos


vários saberes que começam a ter voz no século XXI. Em seu recente
contato com a nossa civilização, Almir reconhece que “... cada povo tem
seus próprios ideais, seus próprios princípios, sua visão, sua missão de
lutar para manter sua autonomia, sua cultura, sua religião, sua história
como povo.” Em seu texto, ele ressalta que esse reconhecimento o levou
a refletir sobre o valor da vida das sociedades “que precisam ser
respeitadas e valorizadas, dentro do princípio de mantê-lo como povo.
…com essa visão eu luto bastante para que eu possa então fazer minha
parte como um dos líderes do povo Suruí”.
Acreditamos que a ecologia dos saberes que encontramos nesta obra
vem trazer um raio de luz na trilha da monocultura das mentes que se
instaurou em nossa civilização, desvelando um pouco da sociologia das
ausências inseridas no silêncio das culturas marcadas pela exclusão. A
poesia abaixo, de Oswald de Andrade, talvez expresse com elegância,
propriedade e senso de humor as complexas nuances da dinâmica
história da colonização de nosso país, que fortaleceram os elos da
colonização no estabelecimento da linha abissal que, para a felicidade de
muitos, já mostra sinais de mudanças.

Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Oswald de Andrade

Maria Eunice Quilici Gonzalez


Itala M. Loffredo D’ Ottaviano

Soeitxawe
"I Congresso Internacional de Pesquisa Científica na Amazônia -
Soeitxawe: resumos e trabalhos completos"

Org. Claudia Wanderley e Kachia Téchio , Guilherme Carneiro, Vinícius Ferreira.

Rede de Pesquisa Multilinguismo e Multiculturalismo no Mundo


Digital (CNPq/CLE-UNICAMP)

Org. Claudia Wanderley, Kachia Téchio, Guilherme Carneiro, Vinícius Ferreira.

Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência - UNI-


CAMP
E-Lab Multilingualism in Digital World, Unitwin UNESCO Com-
plex System Digital Campus Campinas, SP, Brasil, novembro de
2016
Apoio: FAPESP

Índice:
I. Apresentação (Kachia Techio e Claudia Wanderley)
II. Carta Aberta I Soeitxawe
III. Manifesto Soeitxawe
IV. Comitê Científico e organização
V. Programação do evento



 
20

Apresentação e breve narrativa do I Soeitxawe

Há muitos anos, quando vivi nos Estados de Santa Catarina e no Pa-


raná, vi alguns índios. Eles andavam pela cidade vendendo cestos de
palha. As mulheres de pés descalços, usavam saias longas e camisetas
(algumas de campanhas políticas), carregavam crianças de colo amarradas
em panos, ficavam sentadas embaixo de árvores ao pé de sinaleiros mo-
vimentados, cuidavam das crianças e teciam mais cestos enquanto crian-
ças maiores se deslocavam entre os carros oferecendo seus artesanatos.
Também os vi na mesma condição em vários trechos das rodovias que
cruzam áreas indígenas daquela região.
Em 2013, quando cheguei a Rondônia essa era a única experiência de
proximidade que eu havia tido com um índio. Em Rondônia comecei a
encontrar índios em todos os lugares, nas filas de bancos, no supermer-
cado, em lojas de roupas ou calçados, em postos de combustíveis. Re-
cordo que a primeira vez, o primeiro contato foi exatamente em um
posto de combustíveis. Eu fiquei parada, olhando admirada um índio
desembarcar de seu carro, abastecê-lo, pagar e seguir. Ele vestia roupas
comuns, usava sapatos, meias, cinto. Naquele momento eu sorri, lembrei
dos índios do sul e pensei que era bom ver um índio ter uma vida cotidi-
ana igual a “nossa”. Obviamente foi um registro precoce da realidade
vivida pelos indígenas em Rondônia. Com o decorrer dos meses, encon-
trar índios, diariamente, em diferentes lugares nos espaços sociais, des-
pertou meu interesse em aprofundar estudos sobre as etnias indígenas
locais.
Descobri que quase dentro da cidade de Cacoal havia uma área indí-
gena que poucos residentes conheciam. Com um bocado de ansiedade e
sem saber ao certo o que iria encontrar, me dirigi a essa associação e
então pela primeira vez em toda minha vida, cumprimentei e conversei
com índios. Fui apresentada ao Chefe Almir Suruí, e ao entrar em sua
sala glamourosa, decorada com artefatos de guerra e troféus internacio-
nais, vivi um misto de encanto e perplexidade.
Ele me contou sobre a história do seu povo, sobre o contato, sobre
as muitas mortes, sobre a violência diária ao longo dos anos de contato.
Também me falou do seu pai e de toda responsabilidade que havia rece-
bido, ainda jovem, de salvar a identidade, a cultura, a floresta do seu
 21

povo Paiter Suruí.


Nesse dia nos cumprimentamos para simbolizar um acordo, ainda
sem imaginar como, me comprometi a auxiliar o povo Paiter Suruí na
execução do seu Plano de Vida de 50 anos.
Uma das áreas do plano, e que enchia de brilho os olhos do chefe
Almir e dos demais índios que estavam ali, era algo que eles chamavam
de Soeitxawe, uma palavra na língua Tupi Mondé para designar “conhe-
cimento”. Eles estavam muito preocupados em não esquecer os seus
conhecimentos, em garantir que eles fossem registrados para a história e
que pudessem ser passados de geração em geração, mas principalmente
que não fossem modificados, que seus jovens e suas crianças, todos
aqueles que viessem a nascer pudessem ter acesso aos mesmos conheci-
mentos como haviam sido transmitidos por seus antepassados na forma
de cantos, de histórias, de pinturas e enfeites corporais, de artesanatos,
nas rodas de conversa, nas viagens de caça, nos múltiplos rituais e festas
tradicionais.
O Povo Paiter Suruí é um povo extremamente generoso, receptivo e
coletivo. Ouvindo suas histórias percebi que os momentos importantes
onde decisões eram tomadas giravam em torno dos rituais e das festas. A
partir disso sugeri a eles fazermos um grande encontro entre saberes
científicos e tradicionais, um encontro diferente, que pudesse trazer mais
pesquisadores e acadêmicos que, como eu, não conheciam ou não ti-
nham tido oportunidades para conhecer um povo indígena.
Também percebi que alguns Suruís frequentavam o sistema de ensino
superior ocidental e então sugeri mapearmos as pesquisas que esses jo-
vens Surís estavam fazendo nas escolas ou nas faculdades da região.
Conversamos durante a tarde toda. Eles falavam em Tupi Mondé e
eu esperava como uma alienígena, não tenho outra palavra para definir
aquela situação. Após alguns minutos um deles traduzia o que o grupo
havia discutido, eu respondia e novamente eles se abrigavam na sua lín-
gua materna da qual eu não compreendia nem uma única palavra. Ao
final da tarde tínhamos desenhado o que chamamos de um congresso,
que recebeu o único nome possível “Soeitxawe” (sabedoria em portu-
guês) - I Congresso Internacional de Pesquisa Científica da Amazônia.
Eu havia regressado após 12 anos na Europa, tudo me parecia possí-
vel, inclusive um povo tradicional organizar um congresso científico.
22

Porém, nos primeiros contatos com as universidades locais a receptivi-


dade foi de estranhamento, simplesmente a maioria das pessoas com
quem falei nunca tinha imaginado um congresso organizado por um
povo indígena. Me ouviam como seu eu fosse a “branca” vinda da Eu-
ropa com idéias absurdas.
Mas, os Suruís estavam decididos e tinham assentado sua confiança
em sua Sodig Emakid, professora em tupi mondé, nome com o qual eles
haviam me “batizado”. Decidi recorrer ao grupo de pesquisa do qual
faço parte desde 2006, “Multilinguismo e Multiculturalismo no Mundo
Digital”. Falei com a coordenadora Profª Claudia Wanderley e após três
ou quatro frases o espírito livre e genial da Profª Claudia compreendeu a
inovação proposta e se apaixonou pela idéia.
A partir daí as coisas seguiram com arraigada raiz teórica e o I So-
eitxawe em toda sua singular complexidade injetou-se nas veias acadêmi-
cas e científicas de muitos outros pesquisadores que vieram contribuir
com sua construção.
Em maio de 2015 foi realizado o I Soeitxawe, na sede da Associação
Indígena Metareilá do Povo Paiter Suruí, em Cacoal. Fomos honrados
com a participação de cento e vinte trabalhos científicos, dentre eles
dezenas de trabalhos de estudantes indígenas, não apenas de Rondônia
mas de vários Estados brasileiros.
As áreas do congresso escolhidas pelos indígenas foram a saúde, a
educação, a tecnologia e o ambiente que juntas curiosamente formaram a
palavra SETA um sinônimo para “flecha” e a proposta divertida divulga-
da nas conversas entre os indígenas era de atingir a comunidade científica
com seus conhecimentos tradicionais.
O I Soeitxawe celebrou o encontro entre o conhecimento tradicional
e o científico de várias formas, houve apresentação de cantos e danças,
houve discussão de pesquisas, houve seminários proferidos por doutores
de notório saber, houve interrupção de palestras porque grupos indíge-
nas interrompiam e informavam que era a hora certa para tal dança ou
para fazer o fogo, houve doutores que foram incrivelmente “acultura-
dos” pelos indígenas e se dispuseram a enfrentar a chuva, fazer suas
palestras em formatos e espaços inéditos, embaixo de árvores e em ten-
das espalhadas na pequena floresta da associação.
As partilhas foram inumeráveis e inomináveis. Houve acadêmicos
 23

não indígenas a se deslumbrar com o contato com os indígenas e a tietá-


los através de fotos, pinturas corporais, de selfies e muitas outras formas
carregadas de alegria em conhecer algo tão diferente.
A comunidade da região compareceu e também muitos professores.
Pessoas que haviam nascido em Rondônia, mas que nunca tinham tido a
oportunidade de cumprimentar, de conversar, de conviver, mesmo que
por três dias, com uma cultura indígena com todas as suas dinâmica e
complexidades.
Também houveram momentos históricos como a assinatura do do-
cumento fundador da tão sonhada Universidade Indígena Paiter Suruí
que reuniu centenas de assinaturas e deu seguimento a um acordo de
cooperação entre os professores Paiter Suruí, o Povo Indígena Paiter
Suruí e a Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e do Centro
de Lógica, Epistemologia e História das Ciências - CLE. Essa coopera-
ção prevê, durante o ano de 2016 e 2017 a construção conjunta de emen-
tas para as disciplinas que formarão o primeiro curso de Especialização
Paiter Suruí, com previsão de inauguração para 2018.
Como se pode ver, através do Soeitxawe, muitas sementes foram
plantadas, trocadas, partilhadas e lançadas ao futuro. O que se apresenta
a seguir é o conjunto formado por 120 trabalhos científicos propostos
em formato de resumo e destes, 50 se transformaram em artigos comple-
tos que fizeram parte desse memorável I Soeitxawe – Congresso Inter-
nacional de Pesquisa Científica da Amazônia.

Kachia Téchio
Antropóloga
Universidade Federal de Rondônia
24

Breve narrativa e agradecimentos do I Soeitxawe

A realização do "I Soeitxawe" é um sinal claro de que estamos em


uma época propícia para a circulação de saberes. É uma alegria mostrar
aos leitores esta possibilidade de maneira concreta.
Quando conversamos com as lideranças Paiter Suruí e com os sábios
das comunidades indígenas, o interesse pela preservação, valorização e
representação do seu conhecimento ancestral é evidente. O que houve
conosco, durante tantos anos, que no contato com estes povos originá-
rios do continente americano insistimos em apagar e cancelar seu conhe-
cimento sobre a vida, o ecossistema, as relações sociais, o bem viver? O
que houve que, em geral, consideramos os bens materiais do território
em que habitam e não consideramos respeitosamente os bens simbólicos
que estes grupos ameríndios aportam quando os tratamos como interlo-
cutores dignos?
Até onde entendo a proposta de democratização do acesso ao conhe-
cimento, percebo que todo sabedor, todo/a sábio/a, todo/a mestre/a,
todo/a professor/a deve poder ensinar e dar continuidade ao ciclo de
ensino e aprendizagem do qual faz parte. E sem dúvida, melhorá-lo,
aprimorá-lo, atualizá-lo dentro do bom senso da tradição de conheci-
mento na qual está inserido/a. A tradição acadêmica, ou a tradição dos
mais velhos, ou a tradição dos contadores de estórias, entre outras, são
sistemas de transmissão de conhecimento que mantém vivos modos de
conhecer e dar a conhecer o mundo. O que faz um modo ser melhor que
o outro, desconheço. Podemos elencar vários elementos que fazem um
modo de conhecer o mundo ser diferente do outro, e - é bom lembrar -
nada nos impede de compartilhar de várias fontes e construir nossa pró-
pria perspectiva a partir do ponto em que estamos inseridos. Entre estas
diferenças, é preciso que nós possamos nos reconhecer na mesma tarefa
de formação das gerações futuras. Buscando um gesto de articulação em
que seja possível pensar com o diferente, sem necessariamente competir
com (e/ou desqualificar) o sistema de produção, transmissão e circulação
de conhecimento alheio.
Esta compreensão que tenho hoje relativa ao trabalho entre línguas e
culturas está ligada a construção de um entendimento sobre a necessida-
de de fortalecer e representar línguas e culturas locais no mundo digital.
 25

Debate que iniciamos em 2005 através da realização de um evento na


UNESCO, em Paris, chamado Technologies du Langage. A partir deste
evento criamos uma rede de aproximadamente 14 instituições de educa-
ção superior entre países de língua portuguesa, que vem se desenvolven-
do desde então com interlocutores em várias partes do mundo.
Pois, para resumir, em 2014 a Profa. Kachia Téchio (que é parceira de
reflexão desde 2006) entrou em contato comigo para promovermos um
evento acadêmico internacional junto com os Paiter Suruí, que têm se-
melhante percepção do valor de seu conhecimento. O Chefe Almir Suruí
se mostrou disponível para construir em parceria conosco um evento
chamado "Soeitxawe" ("sabedoria" em Tupi Mondé Suruí) no Centro de
Formação Paiter Suruí Metareilá em Cacoal, Rondônia. Nós escrevemos
uma proposta para obter financiamento da FAPESP para a ida de três
pesquisadores ligados ao projeto, com a qual felizmente fomos contem-
plados.
A resposta do avaliador da FAPESP para o relatório do I Congresso
Internacional de Pesquisa Científica na Amazônia - Soeitxawe
2015/03321-8 - foi a seguinte:

"O auxílio da FAPESP, objeto deste processo, garantiu a participação de


três pesquisadores no I SOEITXAWE, com apresentação de trabalho. O
evento em questão ocorreu entre os dias 01 a 03 de maio de 2015, em Cacoal
- RO, reunindo um público acadêmico de aproximadamente 600 alunos e
professores de instituições de ensino superior locais. Segundo o relatório cientí-
fico em exame, ao longo do evento, que contou também com a participação de
aproximadamente 500 indígenas, entre palestrantes e participantes, foram
apresentados 132 comunicações, 13 conferências, 7 mini-cursos e 5 mesas re-
dondas. O exame do material apresentado não deixa dúvidas quanto à rele-
vância acadêmica e originalidade da iniciativa."

Para nós, sempre dispostos a encontrar nossos pares acadêmicos com


afinidade de interesse em relação às dinâmicas multilingues e multicultu-
rais, muito nos alegra em ver a disposição e interesse da FAPESP nesta
iniciativa original de encontro de conhecimentos. A pesquisa entre cultu-
ras, entre línguas e a partir daqui, aproximando-nos da formulação de
Gilles Deleuze e Felix Guattari (___), entre "rostos e linguagens e mun-
dos", pode ser de excelente qualidade quando temos um grupo de profis-
26

sionais com afinidade ética, afinidades teóricas, além de contarmos com


apoio institucional e apoio para desenvolvimento de pesquisa junto aos
órgãos de fomento à pesquisa. O evento I Soeitxawe realizado em 2015
teve tudo isso.
Assim, imagino que não seja por acaso que durante o evento, em 2 de
maio de 2015, o Chefe Almir Suruí e o Prof. Arildo Suruí nos chamaram
para uma reunião (foto abaixo feita pelo Prof. Arildo Suruí), em que nos
apresentaram o Plano de 50 anos do povo Paiter Suruí. Neste plano, que
hoje está em seu 17o ano de desenvolvimento, há a previsão da constru-
ção de uma Universidade dos Paiter Suruí. E eles, que gostaram do mo-
do que realizamos o evento, nos convidaram para construir esta proposta
em conjunto. Convite que aceitamos com muita honra e com clareza da
dimensão da responsabilidade que nos compete neste encontro entre
mundos.

(Prof. Dr. Almir Suruí, Prof. Me. Ivaneide Bandeira, Profa. Dra. Maria Eunice Quilice
Gonzalez, Profa. Dra. Kachia Téchio, Profa. Dra. Claudia Wanderley)

O evento "I Soeitxawe" pode se transformar portanto na semente de


um trabalho conjunto sobre a "Universidade Paiter Suruí a Soeitxawe".
Graças a sensibilidade e determinação da Profa. Dra. Kachia Techio em
nos incluir na relação que ela estabeleceu com o Povo Paiter Suruí, e
 27

graças ao seu vasto conhecimento em antropologia, podemos entrar em


contato e avançar com uma a proposta de pensar concretamente cami-
nhos para a realização de uma educação superior indígena. Proposta
elaborada conjuntamente a partir da perspectiva indígena e certamente
considerando as possibilidades de aproximação com teorias, metodologi-
as e reflexões acadêmicas afins. Pela parceria e amizade de mais de dez
anos com a Profa. Kachia Techio, só posso agradecer e esperar que con-
tinuemos a desenvolver estas relações voltadas para a construção de
conhecimento em prol do bem comum.
É preciso igualmente agradecer a Profa. Maria Eunice Quilice Gon-
zalez, filósofa da UNESP Marília, que é - desde que nos conhecemos, em
2010 no Grupo Interdisciplinar CLE Auto-Organização, grande incenti-
vadora da reflexão sobre o tema. Profa. Maria Eunice prontamente acei-
tou o convite para estar presente no I Soeitxawe. Com sua experiência se
dispôs a participar da dinâmica trazendo as relações entre os processos
de auto-organização e os sistemas complexos, para nos incentivar a refle-
tir sobre nosso encontro mais fundamentados na teoria dos sistemas e
nos processos de auto-organização como pensados por Michel Debrun.
Apresento meus agradecimentos a Profa. Simone Nogueira, que ao
entrar em contato com a rede de trabalhos Multilinguismo e Multicultu-
ralismo no Mundo Digital prontamente percebeu as possibilidades e
afinidades com a discussão e crítica pós-colonial. É neste encontro, em
2013, que elaboramos juntas o Cultural Lab, o E-Laboratory on Multilin-
gualism and Multiculturalism in Digital World, que tem um programa de
trabalhos que vai de 2014 a 2019 junto a UNITWIN UNESCO Campus
Digital de Sistemas Complexos. É preciso refletir sobre os motivos pelos
quais o conhecimento gerado por comunidades e povos tradicionais tem
pouca representatividade ou visibilidade [como conhecimento] no âmbi-
to acadêmico brasileiro e possivelmente também nos países de língua
oficial portuguesa. E fico feliz com sua disposição para trilhar conosco as
reflexões e deslocamentos necessários para a construção de um saber
acadêmico articulado ao saber tradicional do povo Paiter Suruí.
O agradecimento também se estende ao Guilherme Carneiro e ao Vi-
nícius Ferreira, alunos bolsistas que em tempos diferentes contribuíram
para a organização da plataforma do evento e na sequência para organi-
zação deste livro. Dentro do princípio de reconhecer o trabalho realiza-
28

do, eles figuram como co-organizadores também. Hábito que temos


interesse em cultivar em nosso grupo de pesquisa, de forma a deixar
claro o imenso trabalho que é o de conviver mais de cem autores de
resumos e mais de cinquenta autores de artigos e ajudá-los a apresentar
seus resumos e artigos revisados para publicação. Sim, reconhecemos
que vocês fizeram um belo trabalho e somos gratos.
Agradeço ao Chefe Almir Suruí, Prof. Arildo Suruí, Profa. Ivaneide
Bandeira, Miriam Osmídio, Adlanes Osmídio, Mopirí Suruí, Celso Suruí,
Rubens Suruí e toda equipe do Centro de Formação Paiter Suruí Meta-
reilá em Cacoal pela ultra eficiente parceria na realização do evento. Te-
nham certeza que a recepção dos professores e alunos no I Soeitxawe foi
impecável. Vemos o potencial administrativo e intelectual desta equipe, e
é uma honra para nós hoje considerá-los como nossos parceiros.
Finalmente, agradeço ao Centro de Lógica Epistemologia e História
da Ciência (CLE) na UNICAMP, que nos últimos cinco anos vem inves-
tindo conosco em uma discussão sobre epistemologias locais, que não
necessariamente se definem pela compreensão de episteme grega. Esta
liberdade intelectual que temos o privilégio de viver em nosso local de
trabalho, é - por experiência - condição necessária para quem trabalha
com novas perspectivas no espaço acadêmico. Este trabalho é possível
porque nossos interlocutores são bem vindos, os vários tempos das dife-
rentes culturas envolvidas são respeitados e as dinâmicas propostas são
submetidas a todo o grupo de pesquisa para apreciação. Certamente é
tudo muito trabalhoso, e portanto é muito prazeroso também ver um
resultado como o que apresentamos hoje ao leitor. Um viva para a pro-
dução científica e para os povos ameríndios!

Campinas, abril 2017

Claudia Wanderley
Linguista
 29

II. Carta Aberta I Soeitxawe

[Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí]

Carta aberta I Soeitxawe – I Congresso Internacional de Pesquisa Cientifica na


Amazônia 2015

Nos dias 1, 2 e 3 de maio de 2015, na sede da Associação Metareilá


do Povo Indígena Suruí em Cacoal, Rondônia, Brasil, nós, povos indíge-
nas Paiter Suruí, Gavião, Cinta Larga, Wajuru, Tupari, pesquisadores da
rede multilinguismo no mundo digital, professores e estudantes das di-
versas áreas do conhecimento e cidadãos que subscrevem esse documen-
to, vimos declarar o apoio ao Plano de 50 anos do Povo Paiter Suruí de
educação inclusiva que reconhece a importância da diversidade e igual-
dade dos saberes.
O povo Paiter Suruí, inspirado no seu plano de 50 anos, tem a estra-
tégia de gestão de território através da valorização de nossa cultura, pro-
teção e conservação do nosso meio ambiente, promovendo o diálogo
pensado no desenvolvimento sustentável a médio e longo prazo. Uma
das metas é utilizar e fortalecer a educação e investir no fortalecimento
cultural para fazer intercâmbio de conhecimentos. Dentro dos objetivos
específicos de nosso plano estão: promover a cultura Paiter Suruí, com a
criação do Centro de Formação e Pesquisa Indígena para divulgação da
cultura na sociedade regional, nacional e internacional; e implantar a
Universidade Indígena. O sistema de governança considerou que é che-
gado o momento de implementar esta ideia, que tem como objetivo
nossa atuação e desenvolvimento autônomo nas áreas: direitos indígenas,
segurança alimentar, saúde integral, culturas indígenas, sustentabilidade
ambiental, habitações e construções indígenas, meios e vias de transpor-
te, matriz energética, educação, línguas, geopolítica, geografia indígena,
gestão de território, história das culturas indígenas, sistemas de gover-
nança, inclusão digital e novas tecnologias, sustentabilidade econômica,
filosofia indígena, biologia, matemática, arte, agricultura indígena, rela-
ções culturais, serviço ambiental, entre outras.
30

Em 2005 em contato com os oficiais da UNESCO e dentro dos prin-


cípios do Programa Informação para Todos, pesquisadores de Angola,
Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guine Bissau, Macau
/China, Timor Leste, Goa/Índia, Portugal e Brasil, se juntaram com
pesquisadores de vários países que compreendem a importância da valo-
rização e representação dos conhecimentos e culturas através da valori-
zação das línguas locais. Este processo gerou um trabalho entre países de
língua oficial portuguesa em prol das línguas e culturas locais, que foi
reconhecido em 2007 como Cátedra UNESCO Multilinguismo no Mun-
do Digital na Unicamp, Brasil. Desde então este grupo se expandiu em
uma rede que trabalha de forma aberta e colaborativa em prol da demo-
cratização do acesso e representação dos conhecimentos tradicionais.
Nós congressistas vimos por meio desta reafirmar junto ao público
em geral e participantes, nosso compromisso coletivo de implementar a
Universidade Soeitxawe1 junto aos parceiros e estamos abertos às insti-
tuições, indivíduos e organizações que queiram juntar-se a essa proposta.
A Universidade Soeitxawe deverá se desenvolver por meio de metodolo-
gias e epistemologias inclusivas de todos os saberes, que atendam nossa
diversidade territorial e cultural.
Nestes termos, concordamos e assinamos:

Almir Narayamoga Suruí - Labiway Esagah (Líder Maior) do povo


Paiter Suruí
Arildo Gapame Suruí, Associação Metareilá do Povo Indígena Paiter
Suruí

Kachia Téchio, Rede Multilinguismo no Mundo Digital, UNESCO


Claudia Wanderley, Unicamp
Maria Eunice Quilice Gonzalez
Simone Nogueira

Mopiry Suruí


1 Soeitxawe na língua Tupi Mondé Suruí significa sabedoria.
 31

Agamenon Gamasakaka Suruí


José Napo Suruí
Nat Hot Ipatara Suruí
André Gatag Suruí
Yawatin Suruí
José Itabira Suruí
Pedro Kabetem Suruí
Pamadeli Suruí
Naraykosar Júlio Suruí
Chicoepab Suruí
Associação Garah Pameh do Povo Paiter Suruí, Clã Kaban
Instituto Florestal Yabner Suruí
Ivaneide Bandeira Cardozo, KANINDE – Associação de Defesa Et-
no Ambiental
Heliton Tinhawamba Gavião, Coord. dos Povos Indígenas de Ron-
dônia
Rubens Naraikoe Suruí, Coord. dos Povos Indígenas de Rondônia

Antonio Romero
Alessandra Ribeiro-Martins, Comunidade Jongo Dito Ribeiro/Casa
de Cultura Afro Fazenda Roseira
Marcelo Gustavo Aguilar Calegare
Maria Conceição Santos
Miguel Cerqueira Santos
Dermânio Tadeu Lima Ferreira
Ortência Gonzalez
...




32

III. Manifesto Soeitxawe

Manifesto Soeitxawe

Os participantes do I SOEITXAWE Congresso Internacional sobre


Pesquisa Científica na Amazônia realizada no Centro de Formação Paiter
Suruí no município de Cacoal – RO, nos dias 01 a 03 de maio de 2015,
vem manifestar seu REPUDIO a forma como o Governo Brasileiro e o
Congresso Nacional vêm colocando em risco os direitos constitucionais
dos povos indígenas, populações tradicionais e unidades de conservação,
com Propostas de Emendas Parlamentares que criminalizam, deslegiti-
mam, discriminam e contribuem para o extermínio físico e para a perda
dos territórios. Alertamos a todos os povos do mundo e em especial aos
brasileiros para que nos ajudem e façam gestão junto aos políticos eleitos
em seus estados e a presidente Dilma Rousseff, para que sejam definiti-
vamente revogadas as seguintes PECs e Projetos de Lei que tramitam no
Congresso Nacional, REVOGAÇÃO IMEDIATA de:

PEC 215 – tem como objetivo inviabilizar os direitos territoriais dos


povos indígenas, quilombolas e as unidades de conservação;
Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011- determina a intimação dos
entes federados para que participem dos procedimentos de identifica-
ção e delimitação de terras indígenas;
Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011- restringe o
prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem
os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infraestrutura
que atingem terras indígenas e Decreto nº 7.957, de 13 de março de
2013, que institui instrumento estatal para repressão militarizada de
toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações
e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendi-
mentos que impactem seus territórios;
Projeto de Lei 1610 da mineração em terras indígenas, que colocam
em risco a vida dos povos indígenas, as Unidades de Conservação, os
quilombos e a biodiversidade do território brasileiro.
 33

Exigimos do Estado Brasileiro, do Poder Judiciário, que respeitem a


Constituição Federal, garantam os direitos dos povos indígenas e popu-
lações tradicionais e a proteção da biodiversidade brasileira, assegurando
a proteção física e territorial, retirando os invasores e demarcando as
terras indígenas, os quilombos, e implementando as Unidades de Con-
servação.
34

IV. Comitê Científico e Organização

Comissão Científica:

Dr.ª Andrea Damacena — Universidade de Tilburg/ Holanda (Ciências


Sociais)
Dr.ª Brenda Maribel Carranza Davila – PUC – Campinas (Ciências Soci-
ais)
Ms. Bruno Valverde – Pesquisador no CEJAM – Centro de Estudos
Jurídicos da Amazônia, UNIR
Dr.ª Claudia Marinho Wanderley – UNICAMP (Linguística)
Dr. Demânio Tadeu Lima Ferreira – Doutorado pela UNESP em Agro-
nomia - área de concentração "Energia na Agricultura"; Coordenador do
curso de Tecnologia em Alimentos - FAG/DOM BOSCO
Coordenador do Centro Vocacional e Tecnológico da Cadeia do Trigo –
FAG (Agronomia)
Dr. Donizete Rodrigues – Universidade da Beira Interior, Portugal, (An-
tropologia)
Esp. Eder Junior Matt - Faculdade Rolim de Moura, Especialista em
Direito Civil e Processual Civil, Direito Penal e Proceso Penal (Direito)
Dr. Ewerton Machado - Universidade Federal do Acre, (Biologia)
Dr. Francisco Cetrulo Neto – doutorado em Sociologia pela UNESP;
docente na UNESC (Teologia, Sociologia)
Ms. Janaína Bueno de Araújo – Universidade Nova de Lisboa (Museolo-
gia)
Dr. Joanildo Albuquerque Burity - Doutorado em Ideology and Discour-
se Analysis (Ciência Política) pela University of Essex, Inglaterra, Pós-
Doutorado na University of Westminster, Inglaterra
Dr.ª Kachia Téchio – Universidade Federal de Rondônia (Antropologia)
 35

Dr.ª Maria Gonçalves Conceição Santos – Universidade Estadual da


Bahia (Geografia)
Dr. Mansueto Dal Maso – Universidade Estadual de Campinas (Ciências
Sociais)
Dr. Mario Jorge Coelho Freitas – Universidade do Minho, Portugal,
Professor do Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial e
Desenvolvimento Socioambiental na Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) (Biologia)
Ms. Marcos Vinicius de Freitas Cunha – Universidade Federal do Amapá
(Sociologia)
Dr. Miguel Cerqueira dos Santos – Universidade Estadual da Bahia (Ge-
ografia)
Dr.ª Ortência Leocádia Gonzalez da Silva Nunes - Doutorado pela
UNESP em Agronomia - área de concentração "Energia na Agricultura";
Pós-Doutoranda CAPES/PNPD pela UNIOESTE em Engenharia de
Pesca e Recursos Pesqueiros
Dr. Paul Freston - Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid
Laurier University, Waterloo, Ontário, Canadá. Docente na Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar) (Antropologia)
Dr.ª Vania Téchio - Universidade Federal de Lavras (Genética)
Dr.ª Valeska Fortes Oliveira – Universidade Federal de Santa Maria
(Educação)
Dr.ª Valda de Oliveira Fagundes - Ecomuseu
Dr. Agobar Fagundes-EDAF-SC
Dr. Osmar Siena – Universidade Federal de Rondônia (Ambiente)
Dr. Rafael Oliveira – Universidade Federal de Roraima (Geografia)



36

Comitê Organizador

Diretores

1. Dra. Kachia Techio, Grupo de Pesquisas Multilinguismo no


Mundo Digital, Brasil
2. Dra. Claudia Wanderley, Centro de Lógica, Epistemologia e His-
tória da Ciência, Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP)
3. Míriam Carvalho da Silva Osmídio, Brasil


Diretores de Modalidade

1. Míriam Carvalho da Silva Osmídio, Brasil


2. Dra. Kachia Techio, Grupo de Pesquisas Multilinguismo no
Mundo Digital, Brasil
3. Dra. Claudia Wanderley, Centro de Lógica, Epistemologia e His-
tória da Ciência, Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP)
4. Prof. Guilherme Carneiro, UNICAMP

Grupo de Pesquisa Multilinguismo e Multiculturalismo no


Mundo Digital, E-Lab Multiculturalismo no Mundo Digital da
UNITWIN UNESCO de Sistemas Complexos
Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência - UNI-
CAMP, Campinas, São Paulo
GAMEBEY – Associação Metareilá do Povo Indígena Paiter Suruí -
Rondônia
 37

Apoio:

Água Mineral Lind'Água


Kanindé
Centro de Estudos Políticos, Religião e Sociedade - CEPRES,
UNIFAP, Amapá

Agências de Fomento

Fundação de Amparo a Pesquisa no Estado de São Paulo - FAPESP

Apoio:
ʀ Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência - UNI-
CAMP, São Paulo
ʀ Centro de Estudos Políticos, Religião e Sociedade - CEPRES,
UNIFAP, Amapá
1 de maio de 2015
2 de maio de 2015
3 de maio de 2015
43

01 de maio de 2015
02 de maio de 2015
03 de maio de 2015
Grupos de Trabalho para Soeitxawe – I Congresso Sobre Pesquisa
Cientifica Na Amazônia.
GT 1 - Saúde: 01/05/2015, 15h15 - Oca 2
GT 2 - Saúde: 01/05/2015, 15h15 - Tenda 1
GT 3 - Desenvolvimento Sustentável: 01/05/2015, 16h45 - Oca 2
GT 4 - Educação: 01/01/2015, 16h45 - Tenda 1
GT 5 - Saúde: 02/05/2015, 15h15 - Tenda 1
GT 6 - Identidade e Linguística: 02/05/2015, 16h45 - Tenda 3
GT 7 - Imaginário Religioso: Um Enfoque Multidisciplinar:
02/05/2015, 15h10 - Tenda 3
GT 8 – Saúde: 02/05/2015, 16h45 - Tenda 1
GT 9 - Direito: 02/05/2015, 16h45 - Tenda 2
GT 10 - Ambiente: 02/05/2015, 15h10 - Tenda 2
GT 11 – Ambiente: 02/02/2015, 15h10 - Oca 2
GT 12 – Ambiente: 02/05/2015, 16h45 - Oca 2
GT 13 - Biodiversidade: 01/02/2015, 15h10 - Tenda 2
GT 14 – Ambiente: 01/02/2015, 15h15 - Tenda 3

SESSÃO DE POSTERES - 03/05/2015, 10h00 as 12h00 - TENDA 1


e TENDA 2
44

Grupos de trabalho para Soeitxawe – I Congresso Sobre Pesquisa


Científica na Amazônia.

Cacoal - RO, de 1, 2 e 3 de maio 2015

GT 1 - SAÚDE: 01/05/2015, 15h15 - OCA 2


Debatedores: Dr. Ewerton Machado e Dra. Simone Nogueira

Ɣ Cultura do povo indígena Gavião na aldeia Ikolen e como tratam


determinada patologia
Wendril Tomé

Ɣ Comunidade terapêutica de Cacoal - RO


Rosângela C. Ribeiro Aniceto, Simone Muniz, Cleber Lizardo de Assis.

Ɣ Psicologia e gravidez: análise preliminar de uma pesqui-


sa-intervenção junto a mulheres grávidas de Cacoal – RO Nádia
Valéria Moreira Santos, Elizeu Diniz Medeiro, Cleber Lizardo de Assis.

Ɣ Prática profissional em psicossomática em profissionais de saúde


da região norte
Simone Muniz de Oliveira, Erica Barbosa, Elizeu Diniz, Lucineide Santa-
na, Nádia Valéria Santos, Uiara Diane Costa Lima, Cleber Lizardo de
Assis.
45

GT 2 - SAÚDE: 01/05/2015, 15h15 - TENDA 1


Debatedores: Dr. Antonio Romero e Dra. Simone Oliveira

Ɣ Extensão universitária e enfrentamento à violência de gênero em


Cacoal - RO
Simone Muniz Oliveira, Lucineide Santana, Nádia Valéria Moreira San-
tos, Cleber Lizardo de Assis.

Ɣ Psicologia e dependência química: Análise preliminar de uma pes-


quisa-intervenção em uma Habermas, Rouanet e o caráter solidá-
rio da justiça.
Antonio Enrique Fonseca Romero, Acursio Ypiranga Benevides Júnior.

Ɣ Arte e saúde mental em pesquisa-intervenção de psicologia junto a


usuários do CAPS II de Cacoal - RO
Judite Dias Lima, Cleber Lizardo de Assis.

Ɣ Representações sociais sobre a psicologia e o psicólogo em uni-


versitários de uma faculdade privada de Rondônia
Géssica Alves de Souza Matthes, Cleber Lizardo de Assis.

Ɣ Pesquisa-intervensão em psicologia comunitária com um grupo


social LGBT da cidade de Cacoal - RO
Tiago Antônio Santos, Elizabete Santos, Juliane Domingues, Greiciely Pau-
la, Cleber Lizardo de Assis.
46

GT 3 - DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: 01/05/2015,


16h45 - OCA 2
Debatedores: Dr. Mario Freitas e Dra. Ortencia Gonzalez

Ɣ O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA E o fortalecimen-


to da agricultura familiar: a percepção dos agricultores do municí-
pio de São Felipe D’Oeste - RO
Yasmin Paiva Correa, Andréa Rodrigues Barbosa, Abraão Roberto Fonseca

Ɣ Gênero, economia e espaço: o mercado de trabalho na capital


rondoniense.
Adriana Correia Oliveira.

Ɣ A mulher na economia rural amazônica: estudo de caso no muni-


cípio de Nova Mamoré, Rondônia, Brasil.
Adriana Correia Oliveira
47

GT 4 - EDUCAÇÃO: 01/01/2015, 16h45 - TENDA 1


Debatedores: Dr. Miguel Santos e Prof. Adriano Pawah Suruí

Ɣ Sobre o olhar do Psicopedagogo: a importância desse profissional


no âmbito escolar.
Osana Scalzer

Ɣ A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus


Antonio Enrique Fonseca Romero, João Barros da Silva, Luan Sena da Sil-
va, Marcelo Frazão

Ɣ Interdisciplinaridade: evolução histórica e as novas perspectivas no


sistema educacional
Andreia Cristina Silva.

Ɣ A influência do desenho animado em relação ao comportamento


infantil.
Tiago José Antonio Santos

Ɣ Aplicação da educação ambiental nas séries iniciais.


Brenda Corteze Soares, Thais Luana Botter, Marifatima Cruz Lira, Kachia
Téchio

Ɣ A formação docente inicial e continuada


Fabiana Renata da Silva

Ɣ Relação do ementário do curso de Ciências Contábeis, das atribui-


ções privativas do CFC e das habilidade e competências exigidas
pelo MEC: análise em uma instituição de ensino superior.
Glauber Candido Fagá, Marcia Francisco Tosti Faquim.
48

GT 5 - SAÚDE: 02/05/2015, 15h15 - TENDA 1


Debatedores: Dra. Maria Gonçalves Conceição Santos e Dr. Miguel Santos

Ɣ Vivências e estratégias de enfrentamento em crianças hospitaliza-


das
Gislaine Federichi, Cleber Lizardo de Assis

Ɣ Psicologia e adolescência: análise preliminar de uma pesqui-


sa-intervenção em um centro de referência em assistência social de
Rondônia.
Kely Cristina de Matos, Daieli Cristina de Oliveira Sechini, Cleber Lizardo
de Assis

Ɣ Avaliação da lei Maria da Penha por gestores de Cacoal-RO


Bruna Angélica Borges, Luana Sampaio, Cleber Lizardo de Assis.
49

GT 6 - IDENTIDADE e LINGUISTICA: 02/05/2015, 16h45 - TEN-


DA 3
Debatedores: Dra. Kachia Téchio, Dra. Claudia Wanderley e Prof. Naraykopega
Suruí

Ɣ O povo Zoró e a identidade étnica.


Maria Conceição de Lacerda

Ɣ A crise do sentido de existência dos jovens Tukano.


Antonio Enrique Fonseca Romero, Sidiclei Viana Meireles

Ɣ Perda da identidade cultural: uma reflexão filosófica a partir da re-


alidade manauara
Antonio Enrique Fonseca Romero, Alef Braga Pinto, Alex Mota, Edinei
Lima

Ɣ Representação Paiter Suruí: as territorialidades na ritualística Ma-


pimaí
Kelli Carvalho Melo

Ɣ Resgate e preservação da identidade e memória do povo Wajuru


em Porto Rolim de Moura.
Kachia Téchio

Ɣ A defasagem da língua materna (ou da terra) em línguas menores.


Lucas Manca Dal'Ava

Ɣ Atitudes linguísticas dos Rikbaktsa (Macro-Jê)


Mileide Terres de Oliveira
50

GT 7 - IMAGINARIO RELIGIOSO: UM ENFOQUE MULTIDISCI-


PLINAR: 02/05/2015, 15h10 - TENDA 3
Debatedor: Dr. Francisco Cetrullo Neto

Ɣ Elementos teóricos metodológicos para estudos da religião a partir


do materialismo dialético.
Francisco Cetrulo Neto

Ɣ Ciência ou religião? A psicografia como meio de prova no proces-


so penal.
Adriana Cristina Cury Azevedo.

Ɣ Comportamento religioso como subtipo de comportamento su-


persticioso
Abraão Roberto Fonseca

Ɣ Ciência e religião: o uso do “Santo Nome” em tempos de redes


sociais
Marcia Rita Malheiros, Ana Rita Leite Malheiros

Ɣ O Brasil é laico mas falta feriado para todos os credos


Rudhy Marssal Bohn, Larissa Cristino Marreiro, Marilsa Miranda de Sou-
za
51

GT 8 – SAÚDE: 02/05/2015, 16h45 - TENDA 1


Debatedores: Me. Marcelo Borges e Dra. Simone Oliveira

Ɣ Pesquisa-intervenção em psicologia comunitária junto a usuários


de um CAPS da região norte.
Luciana Roa, Rosângela Aniceto, Priscila Assis, Lucineide Santana, Cleber
Lizardo de Assis

Ɣ Estratégias de enfrentamento em acompanhantes hospitalares de


familiar
Aline Letícia Vitória, Cleber Lizardo de Assis

Ɣ Intervenção psicossocial junto ao adolescente autor de ato infraci-


onal
Luciana Laura Maciel, Poliana Galvão, Valdirene Lima, Cleber Lizardo
de Assis

Ɣ Qualidade de vida e bem-estar subjetivo em adeptos de Ayahuas-


ca.
Deyse Ferraciolli, Lais Lins, Cleber Lizardo de Assis

Ɣ Compreendendo as emoções vividas pela equipe de enfermagem


frente ao paciente oncológico: revisão de literatura
Géssica Crivelaro Roza, Edileuza Alves Machado Costa

Ɣ Cultura do povo indígena Gavião e como tratam a respeito da sa-


úde
Wendril Tome
52

GT 9 - DIREITO: 02/05/2015, 16h45 - TENDA 2


Debatedores: Dr. Antonio Romero, Dr. Marcelo Calegari

Ɣ A constitucionalização dos princípios e sua aplicação no cotidiano


da segurança pública brasileira.
Antonio Enrique Fonseca Romero, Fábio Silva Cardoso, Marlison Carva-
lho, Sebastião Brito

Ɣ Direito e povos indígenas: uma relação necessária.


Rafael Barasuol Mallmann, Odete Alice Marão de Carvalho, Julinês Bega
Peixe

Ɣ O desenvolvimento político na Amazônia: uma reflexão a partir de


Aristóteles
Antonio Enrique Fonseca Romero, Ivo Carneiro Santos, Jean Holanda Pe-
reira, Lucas Monteiro da Silva

Ɣ A consciência de liberdade no contexto social do povo manauara:


uma reflexão a partir da realidade periférica.
Antonio Enrique Fonseca Romero, Elias Sarmento Pereira, Jair Vieira Al-
ves

Ɣ Consciência e pena: relações harmônicas ou antagônicas.


Elenara Ues Cury
53

GT 10 - AMBIENTE: 02/05/2015, 15h10 - TENDA 2


Debatedores: Dr. Mario Freitas e Dr. Miguel Santos

Ɣ Desenvolvimento sustentável: uma análise dos mecanismos e


práticas adotadas por uma empresa rural situada no município
de Vilhena - RO no cultivo da silvicultura para fins comerciais.
Vanessa Rodrigues do Prado Morais, Andrea Rodrigues Barbosa

Ɣ Análise de redes sociais como instrumento de identificação de ato-


res na cadeia extrativa da castanha-da-amazônia em Rondônia.
Eslei Justiniano Reis, Theóphilo Alves de Souza Filho

Ɣ Desenvolvimento sustentável e o mercado de crédito de carbono:


um estudo de caso da parceria entre a Natura e o povo Paiter Su-
ruí.
Nauama Dias Suruí, Andrea Rodrigues Barbosa, Matilde Mendes.

Ɣ Comunidades tradicionais no Rio Madeira e os impactos decor-


rentes dos empreendimentos hidrelétricos no Rio Madeira.
Neiva Araujo, Anna Virgínia Cardoso, Felipe Z. de Oliveira Kloos

Ɣ Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de


Ji-Paraná/RO
Naara Ferreira Carvalho de Souza
54

GT 11 – AMBIENTE: 02/02/2015, 15h10 - OCA 2


Debatedores: Dr. Mario Freitas e Me. Ivaneide Bandeira

Ɣ Povos indígenas amazônicos: uma análise político-legal relaciona-


da a aspectos do desenvolvimento sustentável.
Matilde Mendes, Andréa Rodrigues Barbosa, Alceu Zoia

Ɣ Arco de fogo e arco verde: Pimenta Bueno, Rondônia, prioritário


ao combate do desmatamento no bioma amazônico.
Claudia Cleomar Araujo Ximenes Cerqueira, Marilia Locatelli, Nubia De-
borah Araujo Caramello, Tatiana Regina Araujo Ximenes da Silva, Rogério
Antônio Carnelossi

Ɣ As comunidades ribeirinhas existem e resistem no Baixo Madeira,


Rondônia
Francisco de Assis Costa

Ɣ Desafios, pressões e consciência de preservação nas linhas 180,


184 e 188 do município de Rolim de Moura (RO) a partir do Có-
digo Florestal.
Josiane Fernandes Keffer
55

GT 12 – AMBIENTE: 02/05/2015, 16h45 - OCA 2


Debatedores: Dra. Conceição Santos e Dr. Dermanio Tadeu Lima Ferreira

Ɣ Reflexão geográfica: o indígena Nambiquara no município de Pi-


menta Bueno/RO/Brasil
Claudia Cleomar Araujo Ximenes Cerqueira, Adriana Correia de Oliveira,
Marilia Locatelli, Sônia Maria Teixeira Machado, Elenice Duran da Silva

Ɣ Meio ambiente na educação infantil


Nati Natiele Santos Pereira

Ɣ O desmatamento na Amazônia e seus impactos econômicos e so-


ciais.
Antonio Enrique Fonseca Romero, Adanor Pereira Porto Neto, Thaís Sou-
za de Oliveira.

Ɣ A ação garimpeira na terra indígena Roosevelt: uma análise histó-


rica (1999-2005).
Devanir Aparecido dos Santos

Ɣ Entre a representação e a experiência: o ecoturismo indígena Pai-


ter Suruí
Kelli Carvalho Melo, Maria Ivanilse Calderon Ribeiro

Ɣ Fluxos de CO2 em regiões de floresta e pastagem no sudoeste da


Amazônia.
Bárbara Antonucci

Ɣ O desmatamento em Rondônia e a eficácia da tutela legal.


Paulo Roberto Meloni Monteiro, Theophilo Alves de Souza Filho

Ɣ Reflexo dos passivos ambientais as margens do Rio Machado no


estado de Rondônia, Brasil
Rogério Antônio Carnelossi, Claudia Cleomar Araujo Ximenes Cerqueira,
Viviane Gomes, Nubia Deborah A. Caramello, Marineire G. Mariano.
56

GT 13 - BIODIVERSIDADE: 01/02/2015, 15h10 - TENDA 2


Debatedores: Dr. Miguel Santos e Dra. Ortência Gonzalez

Ɣ Conhecimento sobre a distribuição geográfica das espécies de Cal-


licebus spp como estratégia de conservação
Almério Câmara Gusmão

Ɣ Status de conservação e endemismo da avifauna em terras indíge-


nas no sudeste do estado de Rondônia.
Tatiana Lemos Machado

Ɣ Método participativo para levantamento da biodiversidade em ter-


ras indígenas - revisão bibliográfica
Thamyres Mesquita Ribeiro

Ɣ Sensibilização ambiental como estratégia para conservação do ga-


vião real (Harpia harpja) no sul do estado de Rondônia, Amazônia
Brasileira.
Thatiane Martins da Costa, Thiago Weiller Velten, Odair Diogo da Silva,
Almerio Camara Gusmão, Lucas Simão de Souza

Ɣ Manejo e proteção de quelonios no Rio Guaporé, distrito de Porto


Rolim de Moura do Guaporé-RO
Lucas Simão de Souza, Thatiane Martins da Costa, Almério Camara
Gusmão

Ɣ Monitoramento da biodiversidade da terra indígena Sete de Se-


tembro do povo Paiter Surui, Rondônia, Brasil.
Alexsander Santa Rosa Gomes

Ɣ Levantamento de Animais Atropelados na Rodovia-471


Fabricio Gatagon Suruí, Eder Correa Fermiano, Rafael Costa dos Santos,
Pablo Junior Barros, Michely Gonçalves Silva
57

Ɣ Impacto da antropização sobre a ictiofauna em um riacho perte-


cente a bacia hidrográfica do Rio Piarara, município de Cacoal-RO
Odair Diogo da Silva, Jhonata Soares da Silva
58

GT 14 – AMBIENTE: 01/02/2015, 15h15 - TENDA 3


Debatedores: Dr. Mario Freitas e Dr. Dermanio Tadeu Lima Ferreira

Ɣ Sentidos da terra coletiva num assentamento rural do MST em


Rondônia
Juliana da Silva Nóbrega

Ɣ Utilização de sistemas agroflorestais em Rondônia, Amazônia Bra-


sileira – procedência dos produtores, espécies, solo e aptidão agrí-
cola.
Marilia Locatelli, Eugênio Pacelli Martins, Cláudia Cleomar Araújo Xi-
menes Cerqueira

Ɣ Resistência e enfrentamento às políticas do agro e hidronegócio


das comunidades ribeirinhas do Baixo Madeira em Porto Ve-
lho-RO
Luciomar Monteiro Costa

Ɣ A organização social e formas de produção o assentamento "14 de


agosto" em Ariquemes -RO
Maria Estélia Araújo
59

SESSÃO DE POSTERES - 03/05/2015, 10h00 as 12h00 - TENDA 1 e


TENDA 2

Ɣ Associativismo rural: um estudo de caso de um laticínio no muni-


cípio de Alta Floresta D’Oeste – Rondônia
Marlon Martinelli Roberto

Ɣ Tendências e recursos tecnológicos da educação no ensino a dis-


tância
Adriana Lopes Barbosa

Ɣ Tendências do e-commerce para Pimenta Bueno e região


Fernando, Eduardo, Hebertson, Jean, Kác Faria, Gonschorowski, Batista,
Bueno, Téchio.

Ɣ Cultura digital em Cabo Verde e Feriados Oficiais.


Augusto Machado Ramos

Ɣ Intervenção psicossocial junto a um grupo de grávidas de Cacoal -


RO
Bruna Angélica Borges, Luana Sampaio, Tatiane Mendes, Cleber Lizardo
de Assis
Reflexão do Prof. Dr. Almir Suruí para I Soeitxawe

Eu, Almir Suruí, nasci a frente de uma grande desafio enfrentado pelo
povo Paiter Suruí. Nasci e cresci durante esse grande desafio e isso tam-
bém me ensinou bastante: que cada povo tem seus próprios ideais, seus
próprios princípios, sua visão, sua missão de lutar para manter sua auto-
nomia, sua cultura, sua religião, sua história como povo. E isso me levou
a refletir sobre o valor da sua vida, da sua sociedade, que precisam ser
respeitadas e valorizadas, dentro do princípio de mantê-lo como povo. E
depois de 47 anos de contato, do povo Paiter Suruí com a cultura do não
índio, ainda enfrentamos grande desafio. Porque não há qualquer pessoa,
qualquer sociedade, que entenda, de fato, a outra sociedade, o valor dela,
a importância dela, e como ela pode contribuir para o bem comum de
todos. E a cultura, o princípio de cada povo, tem seu valor histórico e
atual, dentro do processo, que mantém a nossa natureza viva, dentro do
que você faz, dentro da sua luta, e isso faz com que nossa vida, nossa
natureza, ou então, todos os planetas, girem para o sustento da nossa
humanidade como um todo. E com essa visão eu luto bastante para que
eu possa então fazer minha parte como um dos líderes do povo Suruí.
E quando eu fui eleito, para liderar meus clãs dentro do povo Suruí
em 1992, com dezessete anos de idade ainda, foi um grande desafio para
mim como jovem, mas, mesmo assim, eu sabia que eu tinha uma missão
muito grande: de buscar solução para que eu pudesse dialogar com a
sociedade mais avançada no séc. XXI. E isso trouxe a possibilidade de
dialogar com vários setores da área de comunicação, de áreas de pensa-
mento e de todos os instrumentos que mantém a sociedade estruturada
juridicamente, politicamente, economicamente, culturalmente. Assim,
compreender e respeitar os serviços que a natureza oferece, entre eles, a
floresta e tudo o que ela oferece de grande importância no mundo. É
necessário se estruturar, ter responsabilidade e competência para forne-
cer essas informações ao mundo a partir de seus conhecimentos. Como
povo, como líder, com nossa própria organização, hoje fazemos parte
dessa organização, uma das associações mais antigas do Brasil, ou de
Rondônia, ou da Amazônia, que é a associação Metareilá do Povo Indí-
gena Suruí. E através dessa organização eu tive a oportunidade de coor-
62 Almir Suruí

denar uma atividade histórica do povo indígena aqui no Brasil: de criar


um plano estratégico de 50 anos para o povo Suruí.
E através dessa estratégia de criar o plano de 50 anos do povo Suruí,
nós criamos várias metas e planos como melhores programas, que são
doze, entre eles, a educação. E através dessa estratégia de educação, de
como manter a nossa educação cultural e lidar com a educação tecnoló-
gica, inovadores da sociedade, nós pensamos que poderíamos ajudar e
valorizar o nosso conhecimento. E valorizar o nosso conhecimento não
significa que nós queremos disputar com outra sociedade, mas sim com-
partilhar os nossos conhecimentos, os nossos saberes, nossa cultura,
com o mundo, com experiência que nós temos com educação cultural.
Então tendo essa responsabilidade, de como compartilhar e como respei-
tar o saber de outros, temos uma grande autonomia que cada povo tem.
Então, ele (o plano) precisa avançar. E nesse pensamento, dentro do
plano de 50 anos, um dos nossos métodos é criar uma universidade indí-
gena, para a gente então respeitar, valorizar e manter a nossa cultura.
Nossa cultura é nossa educação, é nossa autonomia e é com ela que
nós geramos nossos potenciais econômico e políticos, e que nos permite
prestar solidariedade ao nosso mundo. Porque ninguém faz um mundo
melhor sozinho.
Com esse processo nós entendemos também que “poder a poder”
não consegue avançar. Porque precisamos compartilhar a nossa respon-
sabilidade com a sociedade, nós precisamos ouvir e também sermos
ouvidos dentro desse processo participativo na sociedade e, dessa forma,
é necessário e, de grande importância, criar essa Universidade Indígena
do Povo Paiter.
Estamos avançando com o apoio de outras parcerias, outras universi-
dades, e, em especial, quero citar aqui a Unicamp, Universidade Estadual
de Campinas, que é um parceiro nosso que está acreditando que essa
possibilidade (de criar a Universidade Indígena) pode acontecer e se
transformar em realidade, mostrar nossa cultura, nossa luta, nossa histó-
ria, nossas filosofias, nossa educação, nossa religião para outro mundo.
Mas nós não queremos fazer de qualquer jeito e nem a qualquer custo.
Nós queremos compartilhar nossas sabedorias e nossa história como
povo Paiter, com responsabilidade técnica, de pesquisa, e jurídica. E,
assim, sempre falamos que, não há sociedade superior ou inferior às

Soeitxawe
Reflexão do Prof. Dr. Almir Suruí 63

demais, pois todos nós temos falhas, como seres humanos, e a partir de
nossas falhas, temos de refletir e pedir orientação de nossa fé e também
de nossa ligação entre “terra e céu”, para que a gente possa manter a
nossa história viva para as próximas gerações. Eu acredito nisso, senão
não teria começado esse trabalho. Nós (povo Paiter) estamos acreditan-
do cada vez mais, estamos também ampliando as nossas parcerias nacio-
nais e internacionais, sobre essa Universidade Indígena, e acreditando
que um dos mecanismo para manter a autonomia de um povo é valorizar
a educação do seu povo. Um dos princípios maiores do nosso povo, é
que nosso povo possa contribuir com sua sabedoria, com sua cultura,
com sua visão e com missão ao mundo, desses grandes desafios que
passam hoje como crise política, econômica, de religiões, que passam a
guerras, que passam por poder a poder, mas não existe, a partir dessas
reflexões, quando a gente pensa que nós estamos em um planeta só. E
cada um tem que fazer sua parte. E como povo Paiter estamos tentando
fazer os nossos grandes esforços para contribuir e sonhar juntos, sonhar
junto com as pessoas que pensam igual a gente. Ver um mundo melhor
para nossas futuras gerações. E assim queremos avançar, compartilhar e
participar de todas as construções políticas que podem fortalecer através
de melhor educação. Não para o povo Suruí (Paiter Suruí), do Brasil
também, o qual é o nosso país. E se depender de nós, sempre lutamos
para que o nosso país Brasil seja sempre um exemplo, de país que deve-
ria respeitar seu povo, suas culturas, suas diferenças. Em nossos princí-
pios filosóficos, nós acreditamos que precisa fazer uma gestão política,
participativa, consciente e justa para todos. Vamos lutar para isso, vamos
continuar acreditando que piores crises que pode trazer ao nosso país, ao nosso
povo, para trazer o melhor caminho. Nesse momento acreditamos que isso
pode acontecer, e acreditar que a Universidade Soeitxawe do Povo Paiter
Suruí está nascendo, não pra disputar com outras universidades, mas
para compartilhar e contribuir com outras universidades para que o Bra-
sil seja um país consciente, de que tem um papel importante para mos-
trar o novo caminho para outros países também que precisam das refle-
xões porque estão em crise. Crises ambientais, crises religiosas, crises
econômicas, e crises de todas as formas que pode acontecer. Então va-
mos acreditando que a nossa luta é que irá mostrar, cada vez mais, o
caminho para a gente. E aqui quero dizer que é muito importante que a

Soeitxawe
64 Almir Suruí

gente participe dos nossos espaços conquistados, e um desses, quero


dizer que foi uma grande honra quando eu recebi o título de Doutor
Honoris causa pela Universidade Federal de Rondônia. Que é do meu
estado, que reconheceu e valorizou a luta do povo Paiter que eu coorde-
no hoje, que é um dos grande desafios do mundo: acreditarem e adota-
rem essa política, que é o Desenvolvimento Sustentável.

(Transcrição feita por Pedro Paulo de Jesus Silva)

Soeitxawe
Labiway EY SAD – Sistema de Governança Paiter Surui

Rubens Naraikoe Surui

Resumo: Nesta pesquisa, se dará em torno da realidade vivenciada pela comu-


nidade do Povo Indígena Suruí, localizada entre Municípios de Cacoal (RO) e
Espigão D'Oeste, e Noroeste do Estado de Mato Grosso, Município de Rondo-
lândia (MT), que desde os tempos do contato o povo Suruí, vem sofrendo com
a intervenção e aproximação de colonizadores que em decorrência disso houve
início de devastação, que vem causando mudanças climáticas e intempéries do
tempo, que afetam significativamente a saúde humana de forma direta e indire-
tamente. No Estado de Rondônia, as únicas áreas que ainda se observa a pre-
sença de floresta são dentro das Terras Indígenas e Unidades de Conservação,
sendo estas constantemente ameaçadas. O Parlamento Paiter Suruí, criado no
mês de Novembro de 2010, surge como uma instância de debates democráticos
de ideias, reflexões e deliberações, que representam o povo Paiter Suruí em suas
decisões, reivindicações, implantação de políticas internas e na interface com as
políticas públicas governamentais consolidando com direito indígena e indige-
nista.
Palavras-Chave: Governança; Indígena; Políticas; Paiter Surui.

Abstract: This research will take place around the reality experienced by Indig-
enous People Surui the community, located between the municipalities of
Cacoal (RO) and Spike Western, and Northwest State of Mato Grosso, Munici-
pality of Rondolândia (MT), which since time contact the Surui have suffered
from the intervention approach and settlers, due to this there was the beginning
of devastation that is causing climate change and causing storms, which signifi-
cantly affect human health directly and indirectly. In the State of Rondônia, the
only areas that still observed the presence of forest are within Indigenous Lands
and Conservation Units, which are constantly threatened. Parliament Surui,
created in November 2010, appears as a forum for democratic debate of ideas,
reflections and deliberations, which represents the people Surui in their deci-
sions, claims, implementation of internal policies and interface with public poli-
cy consolidating government with indigenous and indigenous rights.
Keywords: Governance; Indigenous; Policies; Paiter Surui.
66 Rubens Naraikoe Surui

1. Introdução

No início, a decisão de cursar o Curso de Direito, veio-me por moti-


vo de presenciar e ver a necessidade do meu povo, por falta de pessoas
profissionais na área jurídica que atua diretamente na questão indígena
em todos os segmentos, que realmente conheçam a cultura indígena, que
entendam seu olhar sobre outras culturas na área jurídica, principalmente
pela falta de operadores de Direito que atuem próximos ao povo indíge-
na, já que os indígenas sempre que precisam tem que recorrer ao Minis-
tério Público, onde a maioria das vezes os promotores são pessoas que
tem pouco conhecimento sobre as situações e cultura indígena, embora
sejam pessoas compromissadas com a causa indígena.
Assim sendo, conversei com a minha família, meu povo, meu clã
Gamep e a diretoria da Associação Metareilá do Povo Indígena Surui,
que consideraram ser importante a minha decisão para fazer o curso de
Direito e futuramente ser o defensor da causa indígena.
Quando realizei o vestibular na UNESC – Faculdades Integradas de
Cacoal fui aprovado, iniciei o curso, tive que morar na cidade, encontrar
e conviver com outra realidade, conhecer o novo mundo diferente da
minha cultura. Portanto, entre várias dificuldades as mais difíceis foram
pagar a mensalidade da faculdade e me manter na cidade estudando.
Assim, busquei apoio junto a Associação Indígena do Povo Paiter Surui,
que concedeu Bolsa de Estágio remunerado, através de uma entidade
parceira que é Associação de Defesa Etnoambiental – KANINDÉ, para
que assim eu pudesse me manter fora da aldeia, longe da minha família e
dos costumes diferentes que aprendi a conviver mesmo sem deixar de
ser quem sou, e assim, dando oportunidades e abrindo as portas para
meu novo mundo.
Após passar um semestre na Faculdade UNESC em Cacoal, por pas-
sar dificuldade financeira sem condições perante as mensalidades atrasa-
das pensei em desistir. Nesse momento, recebi informação que fui con-
templado pela Faculdade Interamericana de Porto Velho – UNIRON,
com uma Bolsa de Estudo Integral, através de dialogo e parceria firmado
de Kanindé com a UNIRON.
A Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé tem um programa
de estágio que envolve estudantes indígenas e não indígenas e para me

Soeitxawe
Labiway EY SAD 67

manter financeiramente para dar continuidade nos meus estudos em


Porto Velho na Faculdade UNIRON. Nesse momento, a família Kanin-
dé me acolheu, onde me foi concedido uma Bolsa de Estágio remunera-
do pela instituição, mesmo assim, passei por várias dificuldades, princi-
palmente na linguística, como falo em Tupi-Mondé, as palavras cientifi-
cas em português era de difícil compreensão, o que me fez demorar a
entender as pesquisas repassadas na faculdade e nos livros, mesmo assim,
obtive várias oportunidades de aprendizagem, apoio e incentivo dos
professores e técnicos da Kanindé que me fez superar algumas dificulda-
des, de fazer conhecer pessoas novas, profissionais de vários ramos.
Assim, a decisão de fazer a monografia sobre o labiway Ey Sad (Par-
lamento Paiter Surui), se deu porque se fazia necessário para meu povo
entender como suas leis culturais interagiam com as leis brasileiras, e para
eu como operador de Direito, defensor da causa indígenas, entender
como estas duas legislações funcionavam, certamente aumentariam meu
conhecimento e me auxiliariam no futuro na defesa dos direitos indíge-
nas.
A análise teórica se orientou por duas perspectivas: uma que compre-
ende a legislação brasileira e a indígena, tendo como principais instru-
mentos de análise a Constituição Federal de 1988 e o Código e Normas
Paiter Surui.
Como o estudo de caso é o povo indígena Paiter Surui, buscamos
analisar a partir da percepção destes povos e da sociedade brasileira so-
bre a legislação indígena, que muitas das vezes é confundida com a indi-
genista.
Esta monografia foi realizada em quatro etapas:

A) Bibliográfica se pautou no levantamento de material escrito, so-


bre a legislação brasileira que tratam da questão indígena, e a
busca por legislação indígena, enfatizando a questão indígena ao
longo da História do Brasil, em especial as situações históricas
de contato do povo Paiter Surui no Estado de Rondônia.
B) Reuniões com as lideranças Paiter Surui e com o Labiway Ey Sad
(Parlamento Paiter Surui).

Soeitxawe
68 Rubens Naraikoe Surui

C) Trabalho de campo, tendo como técnicas de pesquisa: observação


participante, onde busquei observar como agiam os Paiter Surui
que estão envolvidos no Parlamento.
D) Entrevistas com indigenistas que vêm há muito tempo trabalhan-
do com o povo Paiter Surui e busca de orientação com profes-
sores do curso de direito.

Esta monografia realizou uma pesquisa sobre o Código e Normas


Paiter Surui e busca demonstrar como um povo indígena de Rondônia
implementa suas normas, leis e costumes, e como se relaciona com as
leis brasileiras.
O primeiro capítulo traz um histórico dos povos indígenas no Brasil e
como estes são tratados pelas políticas e pelo direito do Estado Brasileiro
e minhas motivações para cursar o Direito.
No segundo capítulo traço um breve relato da história do povo Paiter
Surui, como se organizam, como se deu o contato com a sociedade bra-
sileira, as transformações socioculturais advindas do contato e a luta para
manter a cultura Paiter.
O terceiro capítulo se constituiu do Código e Normas Paiter Surui, e
como os Paiter Surui tomaram a decisão de publicá-lo.
Já o quarto capítulo desta monografia traz um estudo sobre o Código
Paiter Surui e como este se relaciona com a lei brasileira, faz um revisão
bibliográfica e busca ofertar uma visão sobre a questão indígena no que
se referem às políticas públicas, a partir do referencial teórico e dos capí-
tulos que compõe a monografia.

2. A Legislação Brasileira e a Questão Indígena

Este capítulo traz o processo histórico de contato entre os povos in-


dígenas no Brasil, e como estes perderam seus territórios e tiveram sua
população reduzida e o meu caminhar para fazer o curso de Direito.
Buscamos neste capítulo fazer uma revisão bibliográfica, utilizando a
legislação brasileira.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 69

2.1 Povos Indígenas e a Legislação Brasileira

Falar de povos indígenas no Brasil significa tratar de uma diversidade


de povos, que há milhares de anos habitavam estas terras. Os indígenas
sofreram desde os primeiros contatos diversas transformações jurídicas.
Pensar como estes são tratados na legislação brasileira contribui para
saber como eram pensados ao longo da historia e o tratamento legal
dado a estes povos (PERRONE-MOISÉS, 2002).
Os indígenas entre os séculos XVI e XVIII, eram vistos como selva-
gens que precisavam ser “civilizados” nos moldes europeus tanto por
religiosos, quanto pela sociedade em geral, devendo mudar sua forma de
vida, suas normas e costumes para assimilar o modo de vida e religião
europeia, única maneira de serem salvos. Esta forma de pensar e tratar os
indígenas influenciou a legislação, no tratamento com os povos indíge-
nas, submetendo-os a aldeamentos, ao sedentarismo e a novos modos de
produção. Passando estes a serem considerados livres e sobre a proteção
do Estado. Os que resistiam a este tipo de coesão eram considerados
inimigos e perigosos, devendo ser salvos, sendo neste caso, justificada as
guerras justas, que permitiam a escravização dos indígenas capturados e
desta maneira se justificava a ocupação e usurpação dos territórios indí-
genas.
Com este olhar foi influenciada a legislação brasileira no que se trata
da questão indígena, onde os indígenas deveriam ser escravizados para
que houvesse a usurpação de suas terras, se concretizando o ideal de
ocupação dos territórios no período colonial.
A partir do século XIX, o Brasil sofre uma série de transformação,
com a corte portuguesa se transferindo para o Brasil, passando os indí-
genas serem considerados importantes objetos de pesquisa.
Como os indígenas eram considerados selvagens, seres humanos atra-
sados no inicio da evolução da humanidade, estes eram considerados elo
perdido da humanidade, portanto objeto de pesquisa cientifica (CAR-
NEIRO DA CUNHA, 2002). A teoria da evolução trazia a noção de
raças, para explicar a diferença entre os diferentes povos (negros, branco,
amarelos e indígenas), devendo os indígenas ser estudados pela ciência
(SCHWARCZ, 2001).

Soeitxawe
70 Rubens Naraikoe Surui

A política nesta época se pautava pelas diretrizes do Diretório dos


Índios, que era uma política de assimilar os indígenas ao Império portu-
guês (CELESTINO DE ALMEIRA, 2008). Com a extinção do Diretó-
rio, pela Carta Régia de 1798, outras políticas foram adaptando suas
normas de acordo com a conveniência dos governantes. Se precisarem
ocupar a região se estabelecia aldeias, se precisavam tomar os territórios
se expulsava os indígenas promovendo guerras justas. Onde a coloniza-
ção já estava consolidada, se acabava com as aldeias e se dizia que os
indígenas já estavam civilizados, deixando de ser índios, portanto não
precisavam mais viver como suas normas e costumes. Estas políticas
assimilacionista se mantêm até os tempos atuais.
Devemos lembrar que o “Diretório dos Índios” incentivava a misci-
genação e a presença de não índios nas aldeias, a obrigatoriedade da lín-
gua portuguesa para que desta forma os indígenas assimilassem a cultura
local e onde eram tutelados por fazendeiros e outros moradores, restrin-
gindo o direito destes povos de terem sua própria cultura e territórios.
Já em 1845, o Império traz na legislação o olhar sobre os indígenas,
considerando-os órfãos, instituindo a tutela de um Juiz, tirando dos indí-
genas o poder de reivindicar seus direitos (CARNEIRO DA CUNHA,
2002).
Outra lei criada antes da tutela foi a Lei da Terra do Governo Imperi-
al, Lei de 06 de junho de 1755 que garantia aos índios o direito a terra
“os índios [...] no inteiro domínio e pacífica posse das terras [...] para
gozarem delas por si e todos seus herdeiros”, no entanto foram criadas
normas para burlar a Lei, que foi a Carta Régia de 02 de dezembro de
1808, que tornou as terras de indígenas exterminados e indígenas que
foram obrigados a viver aldeados, como terras devolutas. Deste modo,
houve as frentes de expansão que se apossaram das terras indígenas. Esta
política direcionou a economia e a política agrária no Brasil. Esta política
assimilicionista, que perdura até os tempos atuais é a maneira pelo qual
se justificam a usurpação dos territórios indígenas.
Em 1889, se inicia o período republicano, que mantém lógica da as-
similação, buscando incorporar os indígenas a sociedade nacional, trans-
formando coletores em pequenos agricultores e usurpando os territórios
indígenas para dar lugar aos pecuaristas e trabalhadores rurais.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 71

O olhar para os indígenas continua o mesmo de torná-lo um ser “ci-


vilizado”, agora não apenas para catequizá-lo ou evangelizá-lo, mas para
que seja um produtor de alimentos, com função social de produzir e
proteger o território nacional, principalmente nas regiões de fronteira
(RIBEIRO, 1982; LIMA, 2002).
O governo republicano sob influência do positivismo e dos militares,
traz para si a proteção e assistência aos indígenas, criando em 1910 o
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacio-
nais (SPILTN), que tem o comando do Marechal Candido Mariano da
Silva Rondon, que tinha como objetivo dar assistência e “civilizar” os
povos indígenas, transformando-os em trabalhadores rurais (LIMA,
2002).
O que podemos observar é que há continuidade da tutela, e que man-
tém a ideia do indígena como mão-de-obra a ser utilizada dentro do
sistema capitalista, sem respeitar os direitos indígenas, dando continuida-
de ao processo de tornar o indígena um “ser civilizado”.
Com o SPI (Serviços de Proteção aos índios) trouxe a formalização
da tutela no Código Civil de 1916, tornando o órgão estatal o mediador
da relação dos indígenas com a sociedade brasileira. Isto trouxe uma
série de conflitos, usurpação das terras indígenas e a perca da autonomia
indígena. Situação que passa a se modificar na Constituição Federal de
1988, onde tem um capítulo voltado para os povos indígenas.
Para melhor entender essas mudanças vamos tratar de definir o que
são povos indígenas.
As Nações Unidas (1986) definiu os indígenas como:

“As comunidades, os povos e as nações indígenas são aqueles


que, contando com uma continuidade histórica das sociedades
anteriores à invasão e à colonização que foi desenvolvida em seus
territórios, consideram a si mesmos distintos de outros setores da
sociedade, e estão decididos a conservar, a desenvolver e a trans-
mitir às gerações futuras seus territórios ancestrais e sua identida-
de étnica, como base de sua existência continuada como povos,
em conformidade com seus próprios padrões culturais, as insti-
tuições sociais e os sistemas jurídicos”.

Soeitxawe
72 Rubens Naraikoe Surui

Em 1950 o antropólogo Darcy Ribeiro, no seu texto “Culturas e Lín-


guas Indígenas do Brasil” elaborou a definição do indígena como:

(…) aquela parcela da população brasileira que apresenta proble-


mas de inadaptação à sociedade brasileira, motivados pela con-
servação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam
a uma tradição pré-colombianas. Ou, ainda mais amplamente:
“índio é todo o indivíduo reconhecido como membro por uma
comunidade pré-colombiana que se identifica etnicamente diversa
da nacional e é considerada indígena pela população brasileira
com quem está em contato”. (RIBEIRO, Darcy, Culturas e Lín-
guas indígenas do Brasil).

A Lei 6001/73, Estatuto do Índio até a promulgação da Constituição


Federal de 1988, definem da seguinte maneira:

Art. 3º Para os efeitos da lei, ficam estabelecidas as definições a


seguir discriminadas:
I - Índio ou Silvícola - É todo indivíduo de origem e ascendência
pré-colombiana que se identifica e é identificado como perten-
cente a um grupo étnico cujas características culturais o distin-
guem da sociedade nacional;
II - Comunidade Indígena ou Grupo Tribal - É um conjunto de
famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de com-
pleto isolamento em relação aos outros setores da comunhão na-
cional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem con-
tudo estarem neles integrados.

Já Eduardo Viveiros de Castro, pesquisador e professor de antropo-


logia do Museu Nacional (UFRJ), define a palavra “Índio e Comunidade
Indígena” como:

Índio é qualquer membro de uma comunidade indígena, reconhe-


cido por ela como tal.
Comunidade Indígena é toda comunidade fundada em relações
de parentesco ou vizinhança entre seus membros, que mantém

Soeitxawe
Labiway EY SAD 73

laços histórico-culturais com as organizações sociais indígenas


pré-colombianas.

Já as diversas etnias existentes no território brasileiro, preferem ser


chamados por sua autodenominação, a exemplo dos Surui, que se auto-
denominam Paiter.
Para a autodenominação são adotados alguns critérios, usados para
reconhecer uma etnia:

• “Exatamente, não se sabem de onde vieram, os povos


“originários” ou nativos” porque já estavam por aqui no país
chamado Brasil, antes da ocupação européia.
• Continuidade histórica com sociedades pré-coloniais.
• Estreita vinculação com o território.
• Sistemas sociais, econômicos e políticos bem definidos.
• Língua, cultura e crenças definidas.
• Identificar-se como diferente da sociedade nacional.
• Vinculação ou articulação com a rede global dos povos
indígenas.

O movimento indígena desde a década de 1970 vem utilizando o


termo indígena ou parente, por acreditar ser o mais apropriado como
uma identidade que une, articula, visibiliza e fortalece todos os povos
originários do atual território brasileiro. Como o termo parente, este
deixa como mensagem que tem os mesmos interesses, os direitos são
coletivos, uma história de luta para manter a autonomia e garantir seus
territórios.
Voltando ao SPI este mantinha a velha prática do passado de aldea-
mentos, agora com a denominação de “Posto de Atração, vigilância e
pacificação”, locais para onde os grupos indígenas eram atraídos para ser
feito o contato e processo de assimilação à sociedade nacional; Posto de
Assistência, nacionalização e educação – espaço onde os indígenas eram
sedentarizados e transformados em trabalhadores rurais para a produção
de alimentos e recebiam educação na língua portuguesa e repassado en-

Soeitxawe
74 Rubens Naraikoe Surui

sinamentos sobre técnicas agrícolas; Posto de Fronteira, que tinha os


mesmos objetivos só que voltados à proteção fronteiriça (LIMA, 2002).
O certo é que o período do SPI não mudou muito a forma como o
estado brasileiro via o indígena. Depois de acusações de corrupção o SPI
foi transformado em Fundação Nacional do Índio - FUNAI em 1967,
período da ditadura. O órgão recém-criado traz junto à tutela e o contro-
le por parte dos militares que tiram da FUNAI os sertanistas, indigenistas
e antropólogos que não concordam com suas teorias e práticas. Interes-
sante cita que mesmo com esses procedimentos, estes ao mesmo tempo
demarcam terras e profissionalizam seus funcionários. Já no período de
1979 a 1984 o órgão é acusado de corrupção e falta de compromisso
com a causa indígena, havendo poucas demarcações de terra e perca de
autonomia na demarcação de terra que passam a ser realizado por um
grupo constituído pelo Ministério de Reforma Agrária, Ministério Interi-
or, Ministério da Agricultura e Conselho de Segurança Nacional (GO-
MES, 1991; OLIVEIRA FILHO, 1999).
Na década de 1980 os movimentos indígenas e indigenistas passam a
reivindicar a garantia dos direitos indígenas, e força deste movimento
junto com outros movimentos sociais que lutam para democratizar o
Brasil, culminam com a votação da Constituição de 1988 que traz garan-
tia dos direitos indígenas.
A Constituição busca criar um sistema de normas que protejam os di-
reitos e interesses dos indígenas, trazendo uma capitulo só para os indí-
genas, onde dispõe da garantia aos territórios, a relação com a sociedade
nacional e preservação da cultura (FERREIRA LIMA, 2004).
A Constituição de 1988 consagrou o princípio de que os indígenas
são os primeiros e naturais ocupantes do território brasileiro. O que
define seu direito a terra que é anterior a qualquer outro, o que garante
ao mesmo o direito a viver na terra que ocupam independe de reconhe-
cimento formal.
A definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encon-
tra-se nos arts. 20, XI e 22, XIV e parágrafos do artigo 231 da Constitui-
ção Federal:

Art. 20. São bens da União:


XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Art. 22. Compete privativamente a União legislar sobre:

Soeitxawe
Labiway EY SAD 75

XIV – populações indígenas.


Art. 231,§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários o seu bem-estar e as necessárias a
sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se
a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponí-
veis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os
atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das
terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas na-
turais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado re-
levante interesse público da União, segundo o que dispuser lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a in-
denização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto
às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

Observa-se que os dispositivos constitucionais trazem à valoração do


direito a diferença, sendo de relevância a valorização social aos povos
indígenas que habitam a terra muito antes da sociedade nacional.
Os art. 20, XI e 22, XIV, da Constituição Federal, estabelece que as
terras são bens da União, sendo reconhecidos aos índios a posse perma-
nente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes. Tendo o Poder Público a obrigação de promover tal
reconhecimento. Sempre que uma comunidade indígena ocupar deter-
minada área nos moldes do artigo 231, o Estado terá que delimitá-la,
realizar a demarcação física dos seus limites e proceder com a homologa-
ção, e registrar em cartórios de registro de imóveis e protegê-la.
A própria Constituição estabeleceu um prazo para a demarcação de
todas as Terras Indígenas (Tis), que não foi cumprido.
Para regulamentar o processo de demarcação que é um ato adminis-
trativo, foi instituído Decreto nº 1.775/96, que regulamenta o artigo 2º,
inciso IX, da lei nº 6.001/73, definindo o que são os limites do território

Soeitxawe
76 Rubens Naraikoe Surui

tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas e dando o direito ao


contraditório a outros ocupantes que venham a estar nas terras indíge-
nas.
As determinações legais existentes são, por si só, suficientes para ga-
rantir o reconhecimento dos direitos indígenas sobre as terras tradicio-
nalmente ocupadas pelos índios, independentemente da sua demarcação
física. Porém, a ação demarcatória é fundamental e urgente enquanto ato
governamental de reconhecimento, visando a precisar a real extensão da
posse indígena a fim de assegurar a proteção dos limites demarcados e
permitir o encaminhamento da questão fundiária nacional.
É bom lembrar que no Brasil existem terras com diferentes situações
jurídicas o que proporciona invasões de mineradores, pescadores, caça-
dores, madeireiros e posseiros. O Governo Federal tem programas e
projetos para desenvolvimento do país como estradas, ferrovias, linhas
de transmissão e usinas hidrelétricas que não respeitam os direitos indí-
genas, pois são implantados em seus territórios independentes de suas
vontades, gerando conflitos, poluição de rios por agrotóxicos, desmata-
mentos, e perca de terras.
Podemos assim dizer que a Constituição Federal fixou conceitos di-
versos que são utilizados para a resolução de problemas atinentes aos
cidadãos não índios, quando em discussão a posse e a propriedade de
terras denominadas como “tradicionalmente ocupadas” pelos indígenas,
estes vêm sendo prejudicados.
O conceito utilizado para a demarcação das terras indígenas, cujo
pressuposto é a ocupação tradicional, é do que o exercício da posse se
dar em decorrência do indigenato, e que a Constituição Federal seja ela
promulgada ou outorgada, é denominada absoluta, tem o poder de ino-
var todas as situações jurídicas e fáticas postas.
Moraes nos traz as características do poder constituinte originário.

O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, au-


tônomo e incondicionado.
O Poder Constituinte é inicial, pois sua obra – a Constituição – é
a base da ordem jurídica.
O Poder Constituinte é ilimitado e autônomo, pois não está de
modo algum limitado pelo direito anterior, não tendo que respei-
tar os limites postos pelo direito positivo antecessor.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 77

O Poder Constituinte é também incondicionado, pois não está


sujeito a qualquer norma prefixada para manifestar sua vontade;
não tem ela que seguir qualquer procedimento determinado para
realizar sua obra de constitucionalização.

O que torna claro que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indí-


genas são de propriedade da União, reconhecendo-se a nulidade de
quaisquer títulos porventura existentes ressalvados o direito à indeniza-
ção das benfeitorias aos ocupantes de boa-fé.
Cabe esclarecer que a posse dos indígenas sobre a terra não é aquela
estabelecida no Código Civil, mas sim, uma posse alicerçada em concei-
tos antropológicos, onde se buscará saber, considerados os costumes da
etnia, se aquela área era ou não considerada pelos próprios indígenas
como de seu domínio.
Nosso entendimento escuda-se no constitucionalista José Afonso da
Silva que diz:

O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal,


mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as
terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradi-
cional de como eles se relacionam com a terra, já que há comuni-
dades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços
mais amplos pelo qual se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se
realiza segundo seus usos, costumes e tradições (SILVA 2004, P.
836-837).

Sendo assim, José Afonso da Silva diz que a posse é a que decorre do
conceito do indigenato,

O INDIGENATO. Os dispositivos constitucionais sobre a rela-


ção dos índios com suas terras e o reconhecimento de seus direi-
tos originários sobre elas nada mais fizeram do que consagrar e
consolidar o indigenato, velha e tradicional instituição jurídica lu-
so-brasileira que dita suas raízes já nos primeiros tempos da Co-
lônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela
Lei de 06 de junho de 1755, firmara o principio de que, nas terras

Soeitxawe
78 Rubens Naraikoe Surui

outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos ín-


dios, primários e naturais senhores delas.

João Mendes, vai mais além, trazendo seu conceito sobre o indigena-
to.

É que conforme ele mostra, o indigenato não se confunde com a


ocupação, com a mera posse. O indigenato é a fonte primária e
congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a
ocupação é título adquirido. O indigenato é legitimo por si, “não
é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação,
como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem”.

No Censo 2010, as 505 terras indígenas reconhecidas compreendiam


12,5% do território brasileiro (106.739.926 hectares), com significativa
concentração na Amazônia Legal. Foram consideradas “terras indígenas”
as que estavam em uma de quatro situações: declaradas (com Portaria
Declaratória e aguardando demarcação), homologadas (já demarcadas com
limites homologados), regularizadas (que, após a homologação, foram
registradas em cartório) e as reservas indígenas (terras doadas por terceiros,
adquiridas ou desapropriadas pela União). No momento do Censo, o
processo de demarcação encontrava-se ainda em curso para 182 terras.
Após a Constituição, vários governos se sucedem e a terra indígena
que deveria ser demarcadas pouco se fez no período do Governo da
presidente Dilma Rousseff, é um período onde há um retrocesso com
pouquíssimas demarcações de terra e onde o Governo propõe tirar os
poderes da FUNAI de demarcação e passar para o Congresso Nacional,
o que certamente se inviabilizaria qualquer demarcação futura. Surge
várias PEC – Proposta de Emendas Parlamentar, em especial a PEC 215
com esse propósito, gerando no movimento indígena uma reação contra-
ria a proposta governamental, além de várias manifestações de organiza-
ções não governamentais que afirmam ser inconstitucional essa proposta
do Governo Federal.
Neste cenário nada promissor para os povos indígenas, os Paiter Su-
rui discutem a necessidade de se retomar as suas bases culturais, e inici-

Soeitxawe
Labiway EY SAD 79

am a discussão sobre seu sistema de governança tradicional e a necessi-


dade de escrever e publicar seu Código e Normas.
A luz da Constituição de 1988 é que trataremos do Código e Normas
Paiter Surui nesta monografia.

3. Paiter Suruí

O Suruí de Rondônia se autodenominam PAITER, que significa


“Gente de Verdade”, nós mesmos. A etnia fala uma língua do grupo
Tupi e da família linguística Mondé. Atualmente, a população é de apro-
ximadamente 1.400 pessoas que se distribuem em 25 aldeias na Terra
Indígenas Sete de Setembro.
Desde a decisão de publicar seu Código e Normas, os indígenas deci-
diram que se denominariam Paiter Surui, juntando a autodenominação à
denominação dada pela FUNAI e pela qual são conhecidos, passando
assim a se a denominarem Paiter Surui.
O Povo Paiter Surui, foi contatado oficialmente em 7 de Setembro de
1969, por expedição da FUNAI, chefiada pelo sertanista Francisco Mei-
relles. Antes do contato, segundo informações oficiais, possuíam uma
população de aproximadamente 5.000 pessoas.
A Terra Indígena Sete de Setembro, e um território de aproximada-
mente 248.147 mil hectares, que está localizada entre Municípios de Ca-
coal (RO) e Espigão D'Oeste, e noroeste do Estado do Mato Grosso,
Município de Rondolândia (MT), foi demarcada em 1976, e a posse per-
manente foi declarada pela Portaria 1561 de 29 de Setembro de 1983,
pelo então presidente da FUNAI Octavio Ferreira Lima, momento em
que recebeu o nome oficial de “Área Indígena Sete de Setembro”. Sua
homologação saiu no mesmo ano através do Decreto nº 88.867 de 17 de
Outubro de 1983, pelo Presidente João Figueiredo (FIG 01).

Soeitxawe
80 Rubens Naraikoe Surui


Figura 01. Terra Indígena Sete de Setembro
Fonte: ACT, 2010.

A Terra Indígena Sete de Setembro está localizada na região Sudeste


do Estado de Rondônia nos municípios de Cacoal e Espigão D’Oeste e
no Noroeste do Estado de Mato Grosso no Município de Rondolândia.
Delimitações: NORTE – O perímetro demarcado desenvolve-se a
partir do marco 09 (nove) de coordenadas geográficas 10º45'03',9" S e
61º25'47,7" Wgr.; daí, segue por uma linha reta de azimute 88º27'45,2"
com uma distância de 54.908,82m, até o Marco 14 (quatorze) de coorde-
nadas geográficas 10º44'16,0" S e 60º55'41,4" Wgr. LESTE - Do Marco
14 (quatorze) segue por uma linha reta de azimute 178º44'50,4" com
distância de 24.007,68m, até o Marco 16 (dezesseis) de coordenadas
geográficas 10º57'16,9" S e 60º55'23,4" Wgr.; daí segue por uma linha
reta de azimute 217º16'33,0" e uma distância de 40.711,33m, até o Marco
20 (vinte) de coordenadas geográficas 11º14'51,6" S e 61º08'55,1" Wgr.
SUL - Do Marco 20 (vinte) segue por uma linha reta de azimute
269º32'55,5", com uma distância de 18.017,15m, até o Marco 01 (um) de

Soeitxawe
Labiway EY SAD 81

coordenadas geográficas 11º14''56,2" S e 61º18'49,0" Wgr.; daí segue por


uma linha reta de azimute 359º51''11,8", com uma distância de
15.005,61m, até o Marco 02 (dois) de coordenadas geográficas
11º06'47,'9" S e 61º18'50,2", Wgr.; daí segue por uma linha reta de azi-
mute 269º47''12,1"com uma distância de 12.060,15m, até o Marco 5
(cinco) de coordenadas geográficas 11º06'49,2" S e 61º25'27,6" Wgr.
OESTE - Do Marco 5 (cinco) segue por uma linha reta de azimute
359º04'59,0" com uma distância de 40.110,29m, até o Marco 09 (nove)
ponto inicial da presente descrição perimétrica (FUNAI, 1996).
Entre 1971 a 1974, após contato, contraíram doenças para as quais
não tinham imunidade como sarampo, gripe e tuberculose, que resulta-
ram em muitas mortes, reduzindo a população para 250 (duzentos e
cinquenta) pessoas. Com a migração humana oriunda do Sul do país para
Rondônia, em busca de terras e melhores condições de sobrevivência de
vida, e o estimulo do Governo Federal, através do INCRA – Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária, se agravaram as mudanças
sociais entre os Paiter Surui e a violência que vitimaram pessoas indíge-
nas e não indígenas.
Com a ocupação dos territórios Paiter Surui pelos colonos, os indíge-
nas foram cada vez mais expulsos para região mais distante e suas terras
sendo dadas pelo Governo Federal para os imigrantes, a exemplo do que
se fazia no período colonial (FIG 02).
Com a diminuição do território os indígenas e seus aliados começa-
ram a pressionar o Governo para demarcar o pouco que restava de terra
para os Paiter Surui, o que veio a ocorrer em 1983, com recursos do
Programa POLONOROESTE.
Demarcada a terra os indígenas passaram a conviver com a corrupção
dentro da FUNAI cuja corrupção e omissão proporcionavam a invasão
de grileiro, madeireiras e mineradoras dentro de seu território.
O conflito com os não indígenas levou os Paiter Surui a criarem a
primeira organização indígena de Rondônia, a Associação Metareilá do
Povo Indígena Surui, criada em 1988 para combater o roubo de madeira
na terra indígena.

Soeitxawe
82 Rubens Naraikoe Surui

Figura 02. Fotografias do primeiro contato com a sociedade não indígena.


Foto: Primeiro contato, Jesco, 1969.

O Povo Paiter Surui se organiza em metades compostas por grupos


exogâmicos patrilineares, onde cada indivíduo herda o pertencimento
por linha paterna. Os clãs são: Gamep, Gapgir, Makor e Kaban (CAR-
DOZO, 2013).
O Povo Paiter Surui nesse sentido busca garantir a integridade do seu
sistema de governança, na sua estrutura organizacional tradicional, que é
politicamente diferenciado. Aponta para a preocupação mais ampla, com
as condições de vida dos Paiter e da sociedade nacional e planetária.
Nesse contexto, o estudo mostra como este povo entende a forma orga-
nizativa de sua sociedade em contraponto a sociedade ocidental.
Embora com o contato seu modo de vida tenha sofrido modifica-
ções, estes ainda tem forte ligação com a natureza e o uso dos recursos

Soeitxawe
Labiway EY SAD 83

naturais. Durante a realização do Diagnóstico Agroambiental Participati-


vo realizado pela Kanindé, se pode observar que a caça e a pesca ocupam
um lugar importante na subsistência e segurança alimentar e a coleta
proporciona os elementos para a produção de artesanato que é uma das
formas de obtenção de renda da comunidade. Os três aspectos – caça,
pesca e coleta – ainda são fundamentais para aprofundar os laços de
reciprocidade e cooperação entre familiares e amigos, sendo importantes
para a sociabilidade e organização social dos Paiter Suruí (CARDOZO,
2002).
A arquitetura indígena deu lugar às casas de madeira no estilo dos
trabalhadores rurais da região, mas ainda há nas aldeias grandes malocas
onde as famílias durante o dia ficam produzindo artesanato, cozinhando
e conversando, enquanto os homens produzem objetos, como flechas
com taquaras, que são enfeitadas com pêlos de porco-do-mato, algodão
pintado de urucum ou com desenhos de jenipapo, sendo usada uma
resina escura. Cada flecha possui um estilo cujo autor é facilmente identi-
ficado. Cada uma tem uma forma, um desenho, uma finalidade (para
caçar animais diferentes, peixe e guerrear).
Outro objeto confeccionado pelos homens é a betiga ou tembetá,
adorno usado num orifício abaixo do lábio inferior por homens e mulhe-
res, feito de resina de jatobá na época seca, polido e lixado com delicade-
za durante horas. Há ainda os chocalhos para as pernas, usados nas fes-
tas; cocares, enfeites de penas variados para as festas; pentes; as cabelei-
ras ou coroas de palha, que devem ser lavadas, secadas e pintadas; e as
flautas do Hoeyateim.
São os homens que pintam as mulheres de jenipapo nas festas. Os
homens é que faziam as tatuagens do rosto e ainda hoje furam os lábios
de algumas crianças de sete ou oito anos, este costume vem sendo deixa-
do de ser praticados, atualmente apenas os mais velhos possuem a tatua-
gem no rosto.
O homem e a mulher buscam a sua alimentação para dentro da sua
casa para alimentar a sua família, fazem suas roças tradicionais e suas
plantações e colheitas. Produz lavouras brancas, como: plantação de
arroz, feijão, café e comidas tradicionais.
Ainda possuem piscicultura em algumas aldeias, que são utilizadas pa-
ra alimentar a comunidade.

Soeitxawe
84 Rubens Naraikoe Surui

Mantém as regras do casamento avuncular, isto é, a regra de casamen-


to em que o homem se casa com a filha de sua irmã. Também há ocor-
rência de casamentos entre primos cruzados. Já primos paralelos são
considerados irmãos, portanto não devem se casar.
Paiterey Garah é como os Paiter Surui denominam a Terra Indígena
Sete de Setembro, território onde mantém a cultura e desenvolvem suas
relações sociais (FIG 03).
A terra indígena demarcada pelo Governo reconhece a presença do
povo Paiter, mas o Estado através da FUNAI – Fundação Nacional do
Índio passa a exercer o controle sobre o território indígena e a influenci-
ar algumas lideranças, de modo que parte do que vemos hoje de influên-
cia cultural está muito ligada aos funcionários da FUNAI, Igrejas,
ONGs, Instituições de Ensino e das pessoas que vivem no entorno da
terra indígena. No entanto, podemos afirmar que mesmo com essas
influências os Paiter Suruí mantêm sua cultura.
O Labiway Esaga (líder maior) do povo Paiter Suruí, ao falar do terri-
tório e da relação com o Estado, costuma dizer “No dia 07 de setembro
o Brasil comemora sua independência de Portugal, para nós é a data em
que nos tornamos dependentes do Estado Brasileiro” (SIC em 2011).
Registramos ainda por considerar ser importante e mostrar a resistên-
cia dos Paiter, o fato que estes indígenas tiveram contatos conflituosos
com seringueiros e membros da linha telegráfica do Marechal Rondon
no início do Século XX, antes mesmo de ter o encontro com a FUNAI.
Isto certamente junto com o contato feito pelo órgão indigenista contri-
buiu para reduzir a população que segundo os indígenas eram de 5.000
que reduziram para 250 pessoas.

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Labiway EY SAD 85

Figura 03: Aldeias do território Paiter Surui


Fonte: Equipe de Conservação da Amazonia, 2010

3.1 O Contato

Os Paiter relatam que teriam emigrado dos lados de Cuiabá para


Rondônia, no século XIX, fugindo à perseguição de não índios, época
em que lutam com outros grupos indígenas causando mortes dos dois
lados. Ao relatarem os primeiros contatos com os não índios, lembram a
história de Waiói que convivera com os não índios no início do século
que contava que eles tinham hora certa para comer, que cozinhavam
arroz e feijão, possuíam panelas, facões e armas de fogo.

Soeitxawe
86 Rubens Naraikoe Surui

Havendo um período de certa tranquilidade até a década de 60, quan-


do reiniciaram os confrontos com os nãos índios, o que trouxe a morte e
perseguições, os impedindo de manterem seus roçados. Parte do territó-
rio tradicional, onde existiam as antigas aldeias e malocas ficaram de fora
da atual demarcação. Com a pressão sofrida pelas frentes colonizadoras,
e cansados de tantas guerras, os Paiter se sentiram tentados pela presença
amistosa de funcionários da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que
lhes ofereciam presentes tais como facas, facões, machados (FIG.04).
No dia 07 de Setembro de 1969 na aldeia Nambekô-dabadaqui-ba (o
lugar onde os facões foram pendurados), hoje Posto Indígena Sete de
Setembro deu-se o primeiro contato com a FUNAI, passando os Paiter,
com uma população calculada em aproximadamente 600 a 700 indiví-
duos, a viverem próximo aos Postos Indígenas.
Entre 1971 a 1974 contraem sarampo, gripe e turbeculose, que dizi-
mou aproximadamente 300 pessoas, reduzindo a população à metade.
Alguns indígenas relatam que “Francisco Meirelles trouxe a amizade e
os presentes como facões, facas, etc, mas que na ponta destes trouxe a
desgraça e a morte” (FIG 05).

Figura 04: O primeiro Contato/Jesco, 1969.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 87

Figura 05: O local onde os facões foram pendurados/Jesco, 1969.

3.2 As Invasões

De 1971 a 1981 há uma sucessão de choques armados entre Paiter


Surui e invasores, calcula-se que havia cerca de mil famílias na terra indí-
gena, e o INCRA Instituto de Colonização e Reforma Agrária, promovia
e estimulava a entrada de imigrantes em Rondônia e no território indíge-
na.
Passam a existir vários conflitos a ponto do Governador do Territó-
rio de Rondônia Sr. Humberto da Silva Guedes, o Ministro do Interior
Sr. Rangel Reis, o presidente da FUNAI, Sr. Ismarth de Araújo e o Co-
ordenador de Projetos do Instituto Nacional de Reforma Agrária – IN-
CRA, Sr. Hélio de Palma Arruda se deslocarem da terra indígena para
fazerem com que os indígenas se acalmassem com promessas de demar-
cação dos limites da terra.

Soeitxawe
88 Rubens Naraikoe Surui

Ao demarcar o Governo diminuir o território em sua parte sul, mes-


mo assim foi necessário o apoio policial para impedir os invasores de
entrarem em conflito com os Paiter Surui.
Em 1978 os invasores fecham a estrada de Riozinho até o Posto In-
dígena Sete de Setembro, impedindo a entrada de funcionários e veículos
da FUNAI, o que gera atrito entre os índios e os invasores (Kanindé,
2008).
O Exército participa da demarcação são cadastrados 652 pessoas
num total de 169 famílias para serem retiradas da terra indígena. Em
1979 se acentuam as invasões na parte sul do território e em 1980 os
indígenas ameaçam expulsar os invasores diante da falta de providencias
do Governo Brasileiro.
No mês de outubro de 1980 os Paiter Surui expulsam os invasores,
fazendo com que os mesmos saiam despidos e sem armas de suas terras.
A partir de 1981 todos os invasores haviam sido expulsos, passando os
Paiter a viverem em aldeias, formadas onde havia as plantações de café
deixadas pelos invasores.
Nos anos seguintes 1982 a 1986 se inicia o Programa de Desenvolvi-
mento Integrado do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE), onde há
o investimento de 1,55 bilhões de dólares, onde apenas 2,5% seriam para
o componente ambiental e 1,4% para o indígena. Nos acordos contratu-
ais o Governo Federal e o Governo de Rondônia, assumem o compro-
misso de proteção das áreas legalmente definidas como reservas (Em-
préstimo nº 2060-BR).
O Território Federal de Rondônia se transforma economicamente e
recebe aproximadamente 200 mil imigrantes por ano, trazendo consigo
as madeireiras, empresas mineradoras, especuladores e grileiros de terra e
inúmeras invasões e desmatamento nas terras indígenas. A terra dos
Paiter é novamente invadida, causando a desorganização social e o au-
mento de doenças de forma assustadora.
A partir de 1984, a FUNAI promove a entrada de mineradoras na
Terra Indígena da Cinta Larga e as madeireiras nas terras indígenas dos
Mequéns, todas próximas à terra indígena dos Paiter.
Com uma política indigenista nacional contrária aos direitos e interes-
ses dos índios, em 1986 o Presidente da FUNAI defende abertamente a
exploração de madeira em terra indígena e assina contratos ilegais com

Soeitxawe
Labiway EY SAD 89

madeireiras. Nessa mesma época a Terra dos Zoró e Cinta Larga são
invadidas por madeireiras e fazendas, sem que a FUNAI tomasse ne-
nhuma providência.
Alegando não dispor de orçamento para atender a saúde e a comerci-
alização dos produtos dos Paiter, em 1987 os funcionários da FUNAI
persuadem algumas lideranças indígenas a venderem madeira. Esta venda
era feita sem controle e calcula-se que aproximadamente dois milhões de
dólares em madeira tenha sido retirado da área indígena (CEDI, 1992).
As principais madeireiras que atuaram no período de 1987 a 1991, re-
tirando apenas mogno foram:

x Imperial – Lence e Moschen;


x Gralha Azul – Sebastião Fiorotti;
x Magral – Sebastião Fiorotti;
x Imperador;
x E.G.P. Fênix;
x Espírito Santo;
x Imatal – Fernando J. Matana;
x Meridional;
x Noroeste;
x Turatti – Família Turatti;
x FAB. Ind. E Com. De Cabos P. Branca;
x José da Mercantil;
x Donizeti Fernandes.

O incentivo da FUNAI à venda de madeireira e minério não tinha


justificativa, já que o Programa POLONOROESTE havia investido no
Parque do Aripuanã entre dois a quatro milhões de dólares, sendo que,
parte investida na terra indígena Sete de Setembro, na construção de
enfermarias, estradas, veículos, contratação de médicos, enfermeiras e
auxiliares de enfermagem, aquisição de medicamentos, exames laborato-
riais entre outros benefícios.
Apesar de todo este investimento, ao término do POLONOROES-
TE os índios estavam desassistidos, devido à má administração de recur-

Soeitxawe
90 Rubens Naraikoe Surui

sos por parte da FUNAI, que não promoveu a assistência à saúde e ainda
introduziu um padrão alimentar baseado em arroz, feijão e açúcar, ge-
rando nos Paiter Surui uma nova forma de plantar e um novo costume
com horas marcadas para as atividades alimentares, recreação e plantio.
Com novos hábitos sobrava pouco tempo para caçar, pescar e realizar
as festas tradicionais. Os índios em péssimas condições de saúde procu-
ravam assistência nos hospitais de Cacoal e na Casa do Índio em Riozi-
nho. Em condições precárias era fácil render-se ao engodo dos madeirei-
ros e funcionários corruptos.
Apesar de todas as dificuldades em 1988, as lideranças Paiter Surui
investiram contra os madeireiros e criaram a Associação Metareilá do
Povo Indígena Paiter, que tem como objetivo a defesa dos direitos indí-
genas.
A organização expulsa os madeireiros da Terra Indígena, destituir as
lideranças que vendiam madeira e escolhem lideres compromissado com
a defesa do meio ambiente. Esta não foi uma decisão fácil, pois significa-
va ter menos dinheiro e “benefícios” aos quais já estavam acostumados.
Passam a defender junto aos demais povos indígenas do Estado à pre-
servação dos recursos naturais, fazendo declarações públicas em jornais
contra a venda ilegal de madeira.
Durante o ano de 1988 a 1990 não há venda de madeira com a coni-
vência indígena. No entanto, a partir de 1991, sem apoio as suas ativida-
des e sem recursos para dar atendimento às necessidades da comunidade
a Metareilá perde poder e os líderes voltam a fazer acordo com madeirei-
ros, sendo os principais madeireiros a roubarem madeira com a permis-
são dos índios e omissão da FUNAI:

x Zaquel da Silva;
x Toreiro Clemente;
x Toreiro Zildem;
x Toreiro Sidney;
x Toreiro Carlinhos;
x Isac Félix.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 91

Desde 1999, os Paiter Surui vêm investindo em estudos e pesquisas


com seus parceiros buscando uma saída para os problemas dos indíge-
nas. Realizando diagnósticos, etnozoneamento, etnomapeamento, Plano
de Gestão, todos voltados para a conservação dos recursos naturais, o
desenvolvimento econômico sustentável e valorização cultural, o que
tem contribuído para melhorar a qualidade de vida do povo.
A Associação Metareilá do Povo Indígena Surui procurou acompa-
nhar a execução de projetos governamentais, tais como o PLANAFLO-
RO e o Projeto Úmidas, bem como as políticas nacional e regional sobre
a saúde, educação, a terra, e demais assuntos se referem à questão indí-
gena. Isto exigiu esforços e principalmente recursos, que foram tirados
dos bolsos dos diretores, trazendo muitas vezes dificuldades de acompa-
nhamento por falta de dinheiro para deslocamento, alimentação e hos-
pedagem.
A Metareilá procurou promover a formação e informação das lide-
ranças indígenas na construção de sua autonomia, incentivou a economia
tradicional e alternativa econômica de forma sustentável ao meio ambi-
ente. Buscou articular-se com organizações indígenas nacionais e inter-
nacionais, procurando sempre fortalecer os direitos indígenas.
A participação dos Paiter no acompanhamento do PLANAFLORO
foi decisiva para garantir que o povo indígena de Rondônia pudesse
apresentar projetos ao Programa de Apoio a Iniciativa Comunitária –
PAIC/PLANAFLORO.
Desde 1995 até os momentos atuais (2014) os Paiter Surui vêm de-
senvolvendo projetos de proteção territorial, de reflorestamentos, de
venda de produção agrícola e artesanato e um projeto de Carbono, sendo
este o primeiro projeto indígena no Brasil a negociar venda de emissões
de carbono.
Os Paiter têm realizado parcerias com instituições estaduais, munici-
pais e entidades não governamentais, entre os principais parceiros encon-
tram-se a KANINDÉ – Associação de Defesa Etno Ambiental, ECAM
– Equipe de Conservação da Amazonia, Forest Trends, Empresa Natura.

Soeitxawe
92 Rubens Naraikoe Surui

4. Código e Normas Paiter Surui

O estudo no ramo do direito nos mostra que as normas jurídicas re-


conhecem a existência e os direitos dos povos indígenas, e que existe o
direito objetivo e o subjetivo, o direito positivo e o direito consuetudiná-
rio. Onde a fonte do direito são as leis, os princípios gerais, a doutrina, a
jurisprudência e os costumes. Desta forma, temos claro que há diferença
entre o direito indígena e o direito indigenista.
O direito indigenista é um ramo do direito que congrega o conjunto
de leis, princípios e demais atos normativos que tem por objetivo regular
questões que dizem respeito aos povos indígenas. Portanto, é abordado
alguns princípios dos seus direitos originais que devem orientar esse
direito positivo quando de sua regulação aos povos indígenas, visto que
estes já possuem também suas instituições próprias de resolver seus con-
flitos internos e formas próprias de se organizar.
Neste sentido o Código e Normas Paiter Surui, atende a Constituição
Federal de 1988 afirma o artigo 231 […] “São reconhecidos aos índios
sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direi-
tos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam […]”.
Já a Convenção 169 faz referência à Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos de 1948, aos Pactos Internacionais dos Direitos Civis e
Políticos – PIDCP, e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais –
PIDESC, de 1966, e destacam: "Todos os povos têm direito à autode-
terminação. Em virtude desse direito determinam livremente seu estatuto
político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social
e cultural".
Assim, o Direito Internacional, traz o conceito de autodeterminação
dos povos que se vincula ao reconhecimento da existência dos povos e
da preservação de suas identidades culturais. O reconhecimento se es-
tende a forma como os povos indígenas tratam suas autoridades e seu
sistema de governança.
O sistema de governança do povo indígena Paiter Surui, busca man-
ter os usos e costumes deste povo Paiter Surui garantindo na Constitui-
ção Federal de 1988 e no direito internacional. A seguir veremos como
funciona o Sistema de Governança dos Paiter Surui.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 93

4.1 Labiway EY SAD – Sistema De Governança Paiter Surui

O Labiway Ey Sad Paiter Surui é o primeiro parlamento indígena no


Brasil. É a instância responsável por promover o diálogo entre as 4 (qua-
tro) linhagens clânicas, a saber, Gamep, Kaban, Makor e Gapmir, que
formam a totalidade do povo Paiter.
A primeira reunião para decidir se os Paiter Surui tornariam acessíveis
seus usos e costumes, ocorreu no auditório da Associação Metareilá do
Povo Indígena Surui em 16 de fevereiro de 2011, onde foi esclarecido
que se tratava de uma estrutura cultural, tradicional, voltada para os Pai-
ter, e que não podia ser confundida com uma estrutura como a do Go-
verno Brasileiro (CARDOZO, 2013).
Estes esclarecimentos foram importantes para evitar futuras interpre-
tações de que os indígenas estavam propondo se separar do Brasil. O
líder Almir Narayamoga Surui explicou a todos, que o território indígena
pertence ao Brasil e os Paiter Surui são brasileiros natos e eles estavam
tratando do Sistema de Governança ancestral, garantido pela Constitui-
ção Federal (FIG 06).

Figura 06: Líder Maior do Povo Paiter Surui discursando no Labiway


Ey Sad/TPizer, 2013.

Soeitxawe
94 Rubens Naraikoe Surui

Diante do fato que alguns jovens desconheciam alguns costumes, foi


decidido que seriam criadas comissões para sentar com os mais velhos e
os jovens para que estes repassassem como eram os códigos, normas,
uso e costumes dos Paiter Surui antes do contato, e o que foi sendo mo-
dificados pós-contato. Estas comissões coletaram as informações, discu-
tiram, analisaram e anotaram o que seria inserido no Código e Normas
Paiter Surui (CARDOZO, 2013).
Em Novembro de 2010 os Paiter Surui publicaram uma Carta de
Princípios, que trazia desde a composição dos Labiway Ey Sad em espe-
cial os princípios que geriam o Sistema de Governança do povo. O Pa-
matot Ey é composto pelo Conselho de Anciões que é a instância supe-
rior de sabedoria, os Labiway Ey que são representantes escolhidos pela
população e o Labiway Esaga.
Os princípios do Labiway Ey Sad são:

1. Principio da União e Integração;


2. Principio da proteção do território tradicional e da gestão sus-
tentável;
3. Principio do fortalecimento do conhecimento tradicional;
4. Principio da ampla participação.

Conforme citado por Cardozo (2013), o Labiway Ey Sad assegura os


princípios fundamentais do povo Paiter Surui que são:

I. A autodenominação Paiter Surui deve ser respeitada por todos;


II. A língua Paiter Surui (Tupi Mondé) deve ser preservada e falada
por todos;
III. O território e a ancestralidade são os princípios norteadores da
cultura Paiter Surui;
IV. Preservação da Cultura Paiter Surui;
V. Respeito às crenças e espiritualidade tradicionais;
VI. A união e solidariedade entre o Povo Paiter Surui devem ser
preservadas, especialmente quando da elaboração de planos e
propostas;

Soeitxawe
Labiway EY SAD 95

VII. Solidariedade entre os clãs Gamep, Gapmir, Makor e Kaban;


VIII. Solidariedade com outros povos indígenas e não indígenas;
IX. Lutar pela paz para todos os povos;
X. Respeitar os direitos dos povos indígenas;
XI. Respeitar a vida das pessoas, dos animais e da floresta;
XII. Valorização e utilização da medicina tradicional;
XIII. Valorização e utilização do conhecimento tradicional;
XIV. A comunidade deve respeitar as decisões dos labiway, labiway
esaga e conselho dos anciões;
XV. Respeitar o etnozoneamento da Terra Indígena Paiterey Garah
(Terra Sete de Setembro);
XVI. Manutenção da tradição educacional;
XVII. Todo Paiter Surui tem direito a participar nos espaços de decisão
do povo.
XVIII. A economia Paiter Suruí deve considerar os valores culturais e a
relação de respeito com a natureza;
XIX. A economia Paiter Suruí está baseada na produção coletiva, soli-
dária e proveniente da autogestão.

Vimos que os princípios e a representação da organização social dos


Paiter Surui no labiway Ey Sab demonstram a unidade do povo (CAR-
DOZO, 2013).
Os Pamatod Ey (Conselhos de clãs) anciões são a sabedoria do povo;
o Labiway Ey detém o conhecimento sobre a cultura indígena e não
indígena; o Labiway Esaga (líder maior) representa a vontade e direcio-
namento dado pelo Pamatod Ey e Labiway Ey, e para assessorá-los exis-
tem as associações indígenas, e juntos são uma unidade representativa do
povo (FIG 07).


Soeitxawe
96 Rubens Naraikoe Surui


Figura 07: Estrutura Sistema de Governança Paiter Surui.
Fonte: CARDOZO, 2013

O Labiway Ey Sad demonstram como se dar a organização dos Paiter


Surui e como estes pós-contato reinventam sua organização política, com
base em seus clãs, sendo fonte inesgotável de estudos para quem tem
interesse em legislação indígena (RODRIGUES, 2012).

4.2. Saúde Paiter Surui

O atendimento à saúde indígena nunca respeitou os usos e costumes


indígenas como determina a Constituição Federal. O Estado sempre foi
assistencialista, mesmo havendo as Conferencias de Saúde Indígena,
onde estes colocaram a necessidade de respeitar os costumes dos povos.
Embora haja os Distritos Sanitários de Saúde Indígena, que deveriam
ter um atendimento diferenciado, isto não ocorre e os indígenas são

Soeitxawe
Labiway EY SAD 97

atendidos pelos SUS – Sistema Único de Saúde como qualquer cidadão,


não havendo diferenciação, nem respeito à cultura.

“No caso da saúde indígena este conceito implica em considerar:


que a saúde das nações indígenas é determinada num espaço e
tempo histórico e na particularidade do seu contato com a socie-
dade nacional, pela forma de ocupação do seu território e adja-
cências; que a autonomia, a posse territorial e o uso exclusivo pe-
las nações indígenas dos recursos naturais do solo e subsolo, de
acordo com as necessidades e especificidades etnoculturais de ca-
da nação, bem como a integridade dos seus ecossistemas específi-
cos, sejam assegurados e garantidos; que a cidadania plena, asse-
gurando todos os direitos constitucionais, seja reconhecida como
determinante do estado de saúde; que o acesso das nações indí-
genas às ações e serviços de saúde, bem como sua participação na
organização, gestão e controle dos mesmos, respeitadas as especi-
ficidades etnoculturais e de localização geográfica, é dever do Es-
tado. (...) assegurar o respeito e o reconhecimento das formas di-
ferenciadas das nações indígenas no cuidado com a saúde; ao ní-
vel local, os serviços devem fundamentar-se na estratégia da aten-
ção primária à saúde, respeitando as especificidades etnoculturais
das nações envolvidas. (...) estímulo à formação de pessoal em sa-
úde, nas próprias comunidades envolvidas, dos diversos níveis
(agentes de saúde, auxiliares de enfermagem, enfermeiros, etc.)
que a remuneração de agentes de saúde indígenas deve obedecer
aos critérios e definições das comunidades a que pertencem os
mesmos; garantia de vagas para pessoas indígenas em Universi-
dades Públicas brasileiras, nos cursos de formação de saúde, à
semelhança dos convênios de cooperação internacional já em prá-
tica (I Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio,
1986).”

O Código e Normas Paiter Surui busca fortalecer a maneira tradicio-


nal de tratar a saúde indígena e alia a esta a segurança alimentar do povo
indígena e definir três princípios:

I. Valorizar e utilizar a medicina tradicional do povo Paiter Surui;

Soeitxawe
98 Rubens Naraikoe Surui

II. Valorizar e utilizar o conhecimento tradicional do povo Paiter


Surui;
III. Valorizar os rituais de cura;

Neste caso o Código e Normas está de acordo com a Constituição


Federal, pois valoriza os usos e costumes ancestrais.
Há ainda o reconhecimento dos novos tempos pós contato, trazendo
a proibição ao uso de agrotóxicos, represamento dos corpos d’ água,
construções que prejudiquem os rios, igarapés e nascentes.
Traz como deve ser a formação sobre o uso do lixo e a necessidade
de se ensinar sobre higiene ambiental.

4.3. Meio Ambiente

A gestão ambiental e territorial no Código e Normas Paiter Surui es-


tão de acordo com o que diz a PNGATI – Política Nacional de Gestão
Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Decreto nº 7.747 de 05 de
junho de 2012):

Art.3º São diretrizes da PNGATI:


I - reconhecimento e respeito às crenças, usos, costumes, línguas,
tradições e especificidades de cada povo indígena.

E o que diz o Art. 2º:


Art. 2º São ferramentas para a gestão territorial e ambiental de terras
indígenas o etnomapeamento e o etnozoneamento.
Parágrafo único. Para fins deste Decreto, consideram-se:
I - Etnomapeamento: mapeamento participativo das áreas de rele-
vância ambiental, sociocultural e produtiva para os povos indí-
genas, com base nos conhecimentos e saberes indígenas;
II – Etnozoneamento: instrumento de planejamento participativo
que visa à categorização de áreas de relevância ambiental, socio-
cultural e produtiva para os povos indígenas, desenvolvido a
partir do etnomapeamento.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 99

No caso do etnozoneamento no Código este é um dever dos Paiter


Surui respeitar.

4.4. Economia e Uso dos Recursos Naturais

O Código e Normas Paiter Surui tem como princípio o desenvolvi-


mento econômico sustentável, o que está de acordo com a PNGATI:
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Gestão Territorial e Am-
biental de Terras Indígenas - PNGATI, com o objetivo de garantir e
promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável
dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a
integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as
condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gera-
ções dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural, nos
termos da legislação vigente.

4.5. Educação Cultura e Religiosidade

Os Paiter Surui vêm buscando unir o conhecimento tradicional e o


conhecimento acadêmico cientifica, e que realmente se implante uma
formação diferenciada, que valorize o conhecimento indígena.
O Código e Normas Paiter Surui mantém o princípio de valorização
de educação tradicional e da espiritualidade indígena, que são colocados
como princípios norteadores do povo.
O que se percebe é que os Paiter Surui estão de acordo com o que diz
o artigo 210 da Constituição Federal de 1988 e a LDB – Lei de Diretriz e
Base de 1996, que traz o respeito à cultura e a forma tradicional de
aprendizagem indígena.

Soeitxawe
100 Rubens Naraikoe Surui

4.6. Fortalecimento Institucional

O fortalecimento das instituições Paiter Surui, é colocado necessário


para o respeito aos princípios instituídos pelo povo indígena entre estes
os de respeito ao próximo e ao Sistema de Governança Paiter Surui.

4.7. Composição Do Labiway EY SAD

O Labiway Ey Sad é composto por:


¾ O Pamatod Ey (Conselho dos Anciãos) instância superior de sa-
bedoria, que possui 3 (três) representantes de cada clã que forma
12 pessoas;
¾ Labiway Esaga que é o líder maior do povo;
¾ Labiway Ey representado por 10 membros eleitos nas aldeias.
¾ O mandato dos Pamatod Ey é vitalício, sendo substituído por
outro ancião indicado pelo seu clã em caso de impedimento ou
renúncia.

4.8. Pamatod EY (Conselhos De Clãs)

O Pamatod Ey é os Conselhos dos Ançiões, instancia superior de sa-


bedoria. É formada por 3 (três) representantes de cada clã Paiter, totali-
zando 12 (doze) integrantes.
Pamatod Ey são um grupo de conselhos de anciões, grupo de lideres
que tem uma visão do geral. Tanto da integração do Paiter no contexto
de hoje quanto do contexto do passado, sendo dessa forma, o papel
deles é cuidar com carinho de toda a estrutura do povo surui.

4.9. Atribuição Pamatod EY

Orientar o povo em especial os lideres e os jovens Paiter Surui sobre


o universo social e político tradicional.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 101

Orientar o Labiway esaga e Labiway-ey sobre as questões que afetam


o povo Paiter Surui para que estes possam liderar para o beneficio do
povo.
Promover a resolução de conflitos que houver entre o povo e caso
haja entre os Labiway Ey.

4.10. Labiway Esagah (Líder Maior do Povo Paiter)

O Labiway Esagah é o Líder Maior do Povo Paiter e Presidente do


Labiway Ey Sad. Este é escolhido pelo Pamatod Ey e um Labiway Aãh-
led, que substituirá o Labiway em caso de sua ausência, renúncia, impe-
dimento ou substituição.
Este presidirá as reuniões e assembleias, faz a representação na políti-
ca interna e externa e orienta o povo indígena.
Para o líder maior do povo Suruí a nova estrutura de organização tem
possibilidades de respeitar os outros e ao mesmo tempo ser respeitados.
Por isso e muito bom tratar de novos planos com visão de construção de
um futuro para o povo. Com essa organização também terá possibilidade
de acompanhar o sistema do governo brasileiro e outras políticas públi-
cas. O povo Paiter Surui está avançando aos poucos na organização
política, pois quando foram contatados pelos não índios, nunca imagina-
ram que este momento chegaria que o povo sempre teve o conhecimen-
to tradicional, mas nos dias atuais, precisam estar preparados e adaptar a
política dos não índios. O ideal mesmo seria que as políticas públicas
cheguem até a comunidade indígena e não os indígenas chegarem até as
políticas públicas. Portanto, o povo precisa usar a política do homem
branco, sem deixar a nossa que é tradicional.

4.11. Labiway EY

O Labiway Ey são representantes indicados pelo povo, escolhidos 02


representantes por zona para compor o Labiway Ey, sendo 04 candida-
tos por zonas sendo 01 de cada clã.

Soeitxawe
102 Rubens Naraikoe Surui

O Povo Paiter Surui reunirá ordinariamente a cada 5 (cinco) anos, pa-


ra escolha dos Labiway Ey e extraordinariamente sempre que necessário.

4.12 Competem aos Labiway Ey

I - Integrar as Comissões Temáticas para regulamentar a organização


e convivência dos Paiter, definindo os direitos e deveres de to-
dos os integrantes do povo e específicos das mulheres, crianças
e idosos e criar diretrizes para as ações de interesse do povo Pai-
ter;
II - Definir, juntamente com o Labiway Esaga, estratégias para o al-
cance dos objetivos e metas do Plano de Gestão de 50 Anos Pai-
ter;
III - Avaliar e acompanhar a execução de projetos e atividades das
associações, grupos ou pessoas Paiter de modo a garantir que es-
tejam de acordo com as diretrizes e estratégias traçadas pelo Par-
lamento, que sejam bem executadas e não deponham contra a
imagem do Povo Paiter;
IV - Aprovar declarações ou ações que visem o fortalecimento de lu-
tas em questões de interesse do Povo Paiter e dos povos indíge-
nas em geral;
V - Manter diálogo constante com as aldeias que representam para
levar às sessões do Parlamento as suas reivindicações e mantê-las
informadas sobre as decisões tomadas e ações desenvolvidas;
VI - Escolher alguns Labiway-ey para acompanhar as discussões ex-
ternas a serem feitas pelo Labiway Esaga a fim de construírem
também sua experiência na política dos não índios.

O Labiway Ey Sad vem funcionando com os Paiter Surui buscando


valorizar sua cultura e trabalhar com os dois conhecimentos, o indígena e
o do não indígena.
Neste caminhar estes tem buscado entender os códigos da sociedade
brasileira, que nem sempre estão de acordo com os códigos da sociedade

Soeitxawe
Labiway EY SAD 103

indígena, além de tentar exercer autonomamente seus direitos, já que


apesar de estar garantido na Constituição Federal de 1988, o governo via
a FUNAI e outros órgãos governamentais buscam minimizar estes direi-
tos, interferindo nas decisões indígenas.
A falta de conhecimento dos funcionários públicos sobre os usos e
costumes indígenas, e mesmo o fato de a grande maioria destes servido-
res não conhecerem a própria legislação brasileira (indigenista), tem sido
uma das maiores dificuldades para os Paiter Surui exercerem seus direi-
tos.
A importância do Curso de Direito na UNIRON, trabalhar com a le-
gislação indigenista e a indígena certamente contribuirá para que se possa
avançar na implementação da Constituição Federal, e para realmente se
respeitar os usos e costumes indígenas.

Conclusão

Os estudos realizados sobre a legislação indigenista nos mostraram as


diversas transformações jurídicas no que se referem aos direitos indíge-
nas no Brasil, também nos mostraram que não existe registro dos códi-
gos e normas indígenas, sendo o Código e Normas Paiter Surui um
avanço para que se possam conhecer os usos e costumes do povo Paiter
Surui.
A publicação do Código e Normas Paiter Surui contribuirá para man-
ter o patrimônio cultural indígena e servirá para que se possam acompa-
nhar as transformações no uso e costumes deste povo.
Os estudos mostraram que o Labiway Ey Sad traz a unicidade do po-
vo indígena, informações sobre educação, saúde, economia, cultura e
meio ambiente dos Paiter Surui, dados estes que podem ser utilizados na
educação escolar indígena e nos cursos de Direito.
Esse conhecimento sobre a legislação indígena sendo estudado nas
salas de aula pode ser uma maneira de respeitar e valorizar o conheci-
mento indígena, de modo que possamos contribuir na orientação sobre
as transformações sócio culturais por que passam os povos indígenas e
desta forma diminuir o preconceito, que muitas das vezes tem origem no
desconhecimento da cultura indígena.

Soeitxawe
104 Rubens Naraikoe Surui

Outra contribuição para o direito é que o respeito ao conhecimento


indígena passa a ser utilizado não em suposição de como se dar uma
decisão, mas baseada em estudo dos códigos e normas indígena e não
indigenista o que ganha legitimidade nas decisões, que passam a ter com-
provação científica e não no que é mera suposição ou normas e leis escri-
tas por não indígenas, sendo garantido o protagonismo indígena e o uso
de dois conhecimentos importantes para a humanidade – conhecimento
indígena e cientifico e tecnológico, respeitando o que diz a Constituição
Federal de 1988 e as leis internacionais de garantia dos direitos humanos.
A legislação indígena e a indigenista, juntas poderão ser estudadas e
utilizadas com respeito aos direitos dos cidadãos indígenas, introduzir na
sociedade brasileira a garantia dos direitos, melhorar o diálogo entre
sociedades ocidentais e indígenas, gerando decisões na justiça que respei-
tem as diferenças culturais garantidas nas leis brasileiras.
A identificação e publicação de códigos e normas de outros povos
indígenas são importantes para aumentar o conhecimento sobre os direi-
tos indígenas e no auxílio aos legisladores quando estes tiverem que to-
mar decisões em tribunais.
Os Paiter Surui são exemplo de sociedade preocupada com sua cultu-
ra e as transformações que esta vem sofrendo. A decisão de registrar
parte de seu código, normas e costumes demonstra o compromisso deste
povo em manter seus conhecimentos, direitos ancestrais e os adquiridos
em 45 anos de contato com a sociedade brasileira, além de contribuir
com a legislação brasileira a implementar o que diz a Constituição Fede-
ral de 1988 e ajudar os legisladores nas tomadas de decisão quando trata-
rem da questão.
Estudar o Código e Normas Paiter Surui me ajudou a entender como
a legislação brasileira pouco conhece dos povos indígenas, e a necessida-
de de aprofundamento do tema, ao qual me proponho no futuro.

Soeitxawe
Labiway EY SAD 105

Abreviaturas

ART - Artigo
CF - Constituição Federal
CP - Código Penal
CPP - Código de Processo Penal
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
FUNAI - Fundação Nacional do Índio
GAMEB - Linhagem clânica dos Paiter Suruí (O povo do marim-
bondo preto)
GABGIR - Linhagem clânica dos Paiter Suruí (O povo do marim-
bondo amarelo)
KABAN - Linhagem clânica dos Paiter Suruí (O povo da frutinha
Kaban)
KABANEY - Associação do Povo Indígena Kabaney Suruí
KANINDÉ - Associação de Defesa Etno Ambiental
MAKÓR - Linhagem clânica dos Paiter Suruí (O povo da taquara)
MMA - Ministério do Meio Ambiente
METAREILÁ - Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí
ONU - Organização das Nações Unidas
PAMAUR - Associação de Proteção ao clã Makor do Povo Indígena
Suruí
SPI - Serviço de Proteção ao Índio
TI - Terra Indígena
TISS - Terra Indígena Sete de Setembro
TJ - Tribunal de Justiça
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça

Soeitxawe
106 Rubens Naraikoe Surui

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Soeitxawe
108 Rubens Naraikoe Surui

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do em 19 de outubro de 2014.
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1602/Os-indios-
em-face-a-Constituicao-Federal-88>. Acessado em 19 de outubro
de 2014.

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia

“Para mi solo recorrer los caminos


que tienen corazón,
cualquier camino que tenga corazon.
Por ahi yo recorro, y la única prueba que vale
es atravesar todo su largo.

Y por ahi yo recorro


mirando, mirando, sin alento”.

Carlos Castañeda
A Erva do Diabo

Regina Clara de Aguiar


Dra. em antropologia
USAL/ES e Jornalista UFPE

Resumo: O artigo trata de um estudo etnográfico do uso ritualístico da


ayahuasca, conhecida também como a Luz do Daime. O tema tem como foco o
"Centro de Irradiação Espiritual Casa de Jesus e Lar de Frei Manoel", localizado
na cidade de Ji-Paraná, no estado de Rondônia. O estudo envolve o sistema de
crenças e rituais daimista, levando em conta conceitos da Antropologia, sistemas
de crenças e rituais amazônicos.
Palavras-Chave: Religiosidade; Ayahuasca; Ritual.

O seguinte artigo traz informações recolhidas num templo daimista


no norte do Brasil. Aqui são apresentadas algumas impressões dessa
investigação de cunho etnográfico, realizada de outubro de 2014 a março
de 2015, no "Centro de Irradiação Espiritual Casa de Jesus e Lar de Frei
Manuel". A pesquisa está relacionada a um ritual dentro de um contexto
urbano, com a ingestão do chá da ayahuasca. De acordo com o
presidente/dirigente do centro, Edilson Fernandes da Silva, “o rito se
configura como uma prática religiosa universalista”. Mas o rito também possui
forte tendência a uma configuração ritualística sincrética e eclética.
110 Regina Clara de Aguiar

Vivendo na cidade de Ji-paraná, região amazônica rondoniense, em certa


ocasião, visitei o referido Centro onde acontecia um café da manhã estilo
colonial, constante no calendário anual de atividades da casa daimista,
popularmente conhecida por Barquinha, Igreja ou Missão.

Café colonial na Barquinha1



O evento é realizado em função da manutenção do Centro que está
localizado numa chácara em área urbana, num bairro afastado do
município, que é o segundo do estado de Rondônia.
Na medida em que houve uma aproximação com a casa, o dirigente e
os fiéis participantes, a pesquisa foi evoluindo para se conhecer
plenamente e espontaneamente, os procedimentos relacionados à
ingestão do chá considerado sagrado dentro de um ritual com a
ayahuasca, realizado num contexto urbano, adquirindo, portanto, uma
dimensão diferente dos ritos realizados por nossos ancestrais, pajés e
xamãs, em meio à floresta.


1 Todas as fotos contidas neste artigo são de autoria da própria autora.

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 111

A chácara é uma propriedade, encravada em área privada de reserva


florestal amazônica. O anfitrião explicou que antes faziam a coleta do
cipó de jagube e da folha da chacrona ou rainha, cuja liga destas duas
plantas produz a ayahuasca, diretamente na floresta, in natura, mas hoje
contam com uma produção própria que satisfaz a toda a comunidade
com cerca de 150 pés de cipó e uns 200 da chacrona.

Flor do cipó Jagube. Chácara Barquinha.

Por questões de tempo e outros compromissos o retorno à casa


daimista aconteceu após dois meses, no dia 4 de outubro de 2014, data
em homenagem a um dos santos católicos, São Francisco das Chagas, e
se pode observar que o ritual naquele dia tinha um tom bem especial, já
que o santo dentro da simbologia santeira da casa é homenageado com
uma celebração denominada de romaria.







Soeitxawe
112 Regina Clara de Aguiar

Reserva florestal amazônica. Chácara Barquinha.



Há uma curiosidade intensa em se tratando de um universo
cosmogônico bastante difundido em alguns estados da região amazônica
e que acontece ainda de forma discreta em comparação às outras práticas
religiosas consideradas mais comuns. Nesse sentido, a pesquisa leva em
conta desmistificar rituais com ingestão da substância sagrada dos
povos amazônicos, tendo como exemplo, a Barquinha, com sessões
ritualísticas que duram de quatro a dez horas, aproximadamente.
A princípio observa-se que o rito possui uma estrutura liminar, que
busca romper por meio dos dogmas ensinados, com uma ordem
presente no grupo, transformando o ato ritual, em um evento
significativo para o conjunto de trabalhadores da irmandade.
O objetivo principal da investigação foi centrado na observação
quanto à ingestão do chá no ritual, uma vez que tem conotação com o
sagrado e as diversas formas de atuação do êxtase, que nesse caso é
induzido por meio de substância considerada enteógeno. Sabemos que
existem numerosas técnicas de indução para se alcançar o estado de

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 113

êxtase ou percepção alterada, seja por mecanismos puramente de


manipulação da mente como yoga, meditação, danças, sons percussivos
que podem levar a um transe temporário além de drogas psicoativas e
psicotrópicas que atuam diretamente no funcionamento do cérebro.

Processo Ritualístico

A sessão tem início com o toque de um pequeno sino na entrada


principal do espaço templo em que se transforma o salão para os
trabalhos com o chá da ayahuasca. O dirigente, chamado por alguns fiéis
de padrinho, dar início a chamada e explica, que quando se bate a campa
é um aviso, é para vibrar. Tem uma nota musical que vibra e harmoniza
o ambiente.

São três toques, sendo o primeiro para chamar as pessoas a se


amalgamarem em volta da vibração. O segundo é para harmonizar as
pessoas que vão chegando e o terceiro para manter a vibração constante,

Soeitxawe
114 Regina Clara de Aguiar

“eu bato pammm, o pessoal já silencia, procura o caminho, o segundo tamm, o pessoal
tá na fila. O terceiro, eu to avisando que vou distribuir o Daime”2.

A beberagem que tem uma cor levemente marrom, com sabor forte,
é recebida das mãos do dirigente em pequenos copos de plástico, aonde
é dosada a quantidade do chá, dependendo de quem vai receber. Os
seguidores após ingerirem a bebida, tem sempre algum bombom à mão,
que já seguram sem a embalagem, para pôr na boca na intenção de cortar
o sabor amargo. Os participantes vão se aproximando silenciosamente da
igreja que tem paredes vazadas para que se aproveite ao máximo do
ambiente natural do lugar, circundado pela floresta. Vestem roupa branca
e formam filas em duas colunas. Os homens do lado esquerdo e as
mulheres do direito, incluindo as crianças que também ingerem a
ayahuasca e ficam na frente de todos nas filas. O último a beber é o
próprio dirigente. Esse momento solene da entrega sacramental da
ayahuasca pode ser interpretado como uma espécie de comunhão, a
exemplo da prática do rito final da missa no catolicismo. Mas ao

2Entrevista realizada na Barquinha de Ji-Paraná ou Centro de Irradiação Casa
de Jesus e Lar de Frei Manuel, no dia 08 de março de 2015, com o dirigente da
entidade, Edilson Fernandes da Silva.

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 115

contrário da celebração católica, é aí que começa a sessão daimista, no


caso específico do ritual do sacramento com a ayahuasca na Barquinha.

Circulando e observando na vivência e convivência com o grupo


daimista, surge uma impressão forte de ligação das dimensões
determinantes entre relações do sagrado e profano na cosmovisão do
Centro. De certa forma as tarefas espirituais já indicam a dimensão do
sagrado. Mas, o grupo também conta com todo um lado de práticas
profanas, quando realiza encontros casuais nas residências dos membros
da irmandade, além do café colonial aberto ao público em geral. E os
intervalos entre a sessão e o bailado, são momentos para se relaxar dos
trabalhos pesados com a espiritualidade; e é quando é oferecida uma
mesa farta aos crentes, e dependendo da data, também se parabeniza os
aniversariantes da ocasião.

Soeitxawe
116 Regina Clara de Aguiar

Obras de Caridade

É considerada a tarefa mais importante desenvolvida na casa,


acontecendo geralmente aos sábados em sessões normais e também em
datas comemorativas ou romarias, quando o ritual é dedicado às
festividades dos principais patronos: São Sebastião, S. José e São
Francisco. Nessas ocasiões o chá é distribuído normalmente, e em
seguida os adeptos recebem uma vela e se posicionam em filas na
entrada da chácara. Entoando hinos e orações, o santo homenageado é
levado num andor, em procissão de luz, até a mesa em formato de cruz,
onde é colocado para o início do rito.



Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 117

Soeitxawe
118 Regina Clara de Aguiar

Os frequentadores nessas reuniões de trabalhos, voltadas à


espiritualidade, tem toda uma orientação dos lugares onde deverão
sentar. Os homens se posicionam do lado direito e as mulheres do
esquerdo, de frente para o altar. O mestre ayahuasqueiro Fernandes, ao
ser indagado sobre o porquê da divisão de gêneros no seio do ritual, faz
uma verdadeira digressão do sentido de separar o homem da mulher, ou
o trabalhador da trabalhadora, durante os trabalhos no templo, pois
nessa relação de significados está contida toda uma simbologia, voltada
ao conjunto de dogmas e preceitos que compõem o ato ritualizado.
Segundo explica, isso funciona desde a criação do rito nos anos 30, com
o mestre Raimundo Irineu Serra, originário do Maranhão, que migrou
para o Acre vindo a ser o fundador da doutrina daimista em religiões não
indígenas.

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 119

A questão da separação por sexo tem dois sentidos, relacionados com


a divisão física entre o cipó e a folha, uma representa a rainha, que é a
mãe, que tem o carinho, o respeito, e é a portadora da paz. O homem é o
guerreiro portador da mensagem, quem traz a segurança e também a
rigidez. Enquanto um é duro, o outro é amoroso simbolizando também
a dualidade.

O mestre segue com a reflexão,



“Tem o lado masculino e o lado feminino, o positivo e o negativo... Porque a
divisão? Primeiro prá simbolizar as energias, que são diferentes. Segundo,
prá que ninguém, dentro da ritualidade... Isso já é um cuidado moral..., fique
acariciando sexualmente uma pessoa, sem necessidade. Porque quando a
pessoa tá dentro de um trabalho espiritual..., tem que tá estritamente voltada
à espiritualidade. O cipó e a folha... Simbolizam a terra e o céu... Ambos,
tanto o cipó como a folha tem o lado masculino e o lado feminino. Os quatro
elementos..., água, terra, fogo e ar. Então, a folha da chacrona e o cipó se
fundem, porque tem a parte humana e a parte divina. Tem a parte material e
a parte espiritual. Tá fundindo a terra pelo elemento fogo e o elemento água.
O elemento água simboliza a mulher, o feminino. O fogo o masculino.”

Soeitxawe
120 Regina Clara de Aguiar

(Entrevista com o dirigente da Barquinha Edilson Fernandes da


Silva).

Crianças Ayahuasqueiras

As crianças recebem o Daime na fila, antes dos adultos, obedecendo


a divisão de gêneros. Contam com seu próprio espaço na casa, onde se
alojam durante a sessão ritualística no salão principal. Após a ingestão do
chá elas se recolhem a esse quarto adaptado a uma cosmovisão infantil,
com ilustrações nas paredes, estantes contendo em suas prateleiras lápis
coloridos e papel, para quem quiser pintar e desenhar; livros e jogos
infantis; fantoches para se trabalhar os ensinamentos, dogmas e
doutrinas, pregados na casa, por meio do teatrinho de bonecos etc. E é aí
onde ficam mais a vontade, sob o efeito da beberagem. Brincam e
descarregam a energia “irradiada”, potencializada e sensibilizada com o
enteógeno, mas sempre sob os cuidados de um adulto. Quando uma
criança tem comportamento hiperativo, o adulto tem que impor a
ordem, a disciplina, para não incomodar os trabalhos em
desenvolvimento com a espiritualidade. Segundo o orientador espiritual
da casa, as crianças não tomam o mesmo Daime dos adultos. O transe
ou êxtase é proporcionado pelo poder das músicas, invocações e do
trabalho em que se encontram os adultos sob o efeito do chá, ou seja, é
uma espécie de irradiação indireta do Daime dos adultos. A ingestão é
mais simbólica com o intuito de inseri-los nos trabalhos da casa, uma vez
que estão sempre na companhia dos pais ou responsáveis.

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 121

Enquanto isso, no salão da igreja, os adeptos participam, em meio ao


silêncio, cantos e orações, do rito sincrético, eclético, universalista.
Fernandes afirma categoricamente, “o Daime não é religião, e sim, um
instrumento psíquico que ensina”. Neste momento do rito sagrado se pode
visualizar como os corpos sentados expressam contornos faciais e
movimentos com leves tremores das mãos e pernas, muitas vezes de
extrema sutileza, que só os olhos do observador mais atento, podem
captar, como a lente da câmera fotográfica; e se relacionam assim,
individualmente com o que esse Instrumento ensina, ou seja, a
experiência que abre a percepção e proporciona o estado alterado da
consciência em profundo êxtase; mesmo sendo uma manifestação
experimentada em grupo, o estado mental individualizado dentro do
ritual, adquire significados diferenciados, de acordo com a decodificação
de cada participante no grupão, coletivamente, dependendo da
subjetividade em lidar com a situação individualmente, nesses estados de
grande concentração. É normal se ouvir após o encerramento da sessão,
quando os participantes saem da viagem transcendental, do êxtase,
comentários como: o Daime estava muito forte hoje..., ufa!
Nesta intensa entrega dos crentes, vemos de vez em quando uma
criança correndo, imbuída do seu próprio êxtase infantil, em busca de

Soeitxawe
122 Regina Clara de Aguiar

um adulto, pai, mãe ou responsável. Podemos observar que seus corpos


e mentes em formação, de certa forma funcionam como uma repetição
de aparências e posturas dos adultos que convivem no espaço sagrado e
sacralizado pela ingestão do Daime.

Bailado

Acontece em alguns encontros marcados no calendário da casa, em


datas de celebrações festivas, sempre na segunda parte do ritual, após a
finalização e encerramento dos trabalhos no salão principal. As pessoas
presentes ajudam na adaptação do local quando é encerrada a sessão.
Recolhem as cadeiras e afastam a grande mesa central em forma de cruz,
transformando assim o espaço, numa metamorfose de “terreiro” ou
“parque” para as danças. Nesse sentido identifica-se uma demarcada
fronteira entre o sagrado e o profano, já que intermedia a divisão do ato
ritualizado. Nesse intervalo os adeptos se encaminham para o salão atrás
do ambiente da nave da igreja e ali se deparam com uma mesa posta, rica
com frutas, caldos, bolos, sanduiches, café, sucos etc. Iguarias que
segundo o orientador da casa reduz o efeito do enteógeno, por isso ele
fica vigilante e está sempre lembrando as pessoas para não comerem
muito. O Daime é distribuído novamente para inicio das danças.
Os pontos do hinário entoados aos mais diversos orixás, erês, pretos
velhos, botos, sereias etc., convidam os participantes, que para
executarem suas modalidades performáticas junto aos seres invisíveis e
deixarem seus corpos receberem essas irradiações, tem direito a uma
segunda dose do chá, que na ocasião é redistribuído à medida que os fiéis
sentem o chamado e a necessidade da substância para abrir o contato e a
conexão com o sagrado. A música vai pontuando a entrada das
entidades. Nesse momento do rito podemos observar fortes ingredientes
das religiões afro-brasileiras, a exemplo da umbanda, levemente
misturados com danças meditativas circulares e é quando ocorre a
categoria conceituada como miração, que é uma espécie de canal para a
comunicação com outros planos no mundo espiritual.
É curiosa a participação das crianças nesse espaço considerado
parque sagrado das danças, ou seja, na vivencia do “Bailado”, dançando

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 123

de maneira deslumbrante, misturadas aos adultos na transmutação


imaginária da festa. Participam intensamente, brincam, bailam soltas e
leves, e até cantam hinos com incrível entusiasmo e energia, ao
microfone. Os fieis por meio da música percussiva e sob o efeito do chá,
podem ou não vislumbrar a miração.

Fotos: Bailado. Barquinha em Ji-Paraná-RO. 19/03/2015.

O desenvolvimento performático dos crentes no Bailado vai criando


desenhos incríveis no cenário circular, dentro do quadrado e começa a se
impor com o ritmo da música percussiva, tambores, guitarras,
instrumentos de sopro, flautas, e vozes, muitas são tão estridentes que se
confundem com sons da mata que circunda o local. A duração atinge de
4 a 5 horas, quando se pode repetir o consumo da ayahuasca.

Soeitxawe
124 Regina Clara de Aguiar

Dentro desse enfoque a investigação congrega um sentido


antropológico que também contém indícios da comunicação não verbal,
observada com especificidade no Bailado. E se busca entender a grande
procura por essas casas de culto e oração que usam como intermediadora
e canal de comunicação com o sagrado, a ayahuasca, utilizada nos ritos
de ancestralidade entre os indígenas da região amazônica, levando em
conta que no Brasil questões relacionadas à hibridação cultural têm
revelado um verdadeiro sincretismo religioso, objeto de muitos estudos
no campo das Ciências Humanas e Sociais. Nesse sentido, a despeito da
formação do povo brasileiro, originário segundo Darcy Ribeiro, da
mistura de diversas raças e etnias, que foram se misturando ao longo do
tempo, desde os povos indígenas autóctones, ao europeu. E por último,
ao africano, trazido à força bruta em navios negreiros para a servidão e
escravidão. Esse fenômeno da diversidade de religiosidade no país se faz
legítimo se observarmos as diversas modalidades referentes às questões
da fé que marcaram momentos de conflitos, se hibridando e se
manifestando no decorrer dos séculos, passando pelo descobrimento,
colonização, república, até aos dias atuais. O fenômeno da fé no Brasil

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 125

tem sido a causa de verdadeiros palcos de lutas relacionadas com


manifestações de crenças e profetas que se auto identificam salvadores.
A princípio a intenção era simplesmente compreender empiricamente
as estruturas ritualísticas produzidas sob o efeito da ayahuasca que é
elaborada a partir da mescla de duas plantas de poder que produzem a
liga, considerada pelos etnobotânicos um enteógeno. E se pensou
observar de forma sutil o funcionamento e utilização do chá no ritual de
prática ayahuasqueira. Mas foi interessante poder verificar
posteriormente, após a imersão da observação direta, alguns efeitos
relativos à padronização com relação ao comportamento das pessoas,
assim como o sincretismo, ecletismo ou universalismo do rito, que vai
desde o catolicismo, culto pentecostal, passando pela maçonaria,
budismo, kardecismo, xamanismo, hinduísmo além de religiões de
origem africana, e os salmos que se aproximam aos mantras recitados em
religiões de matrizes no oriente.
A utilização da ayahuasca entre os povos tradicionais da Amazônia,
não é algo novo. Nesse sentido o trabalho de Wladimir Sena,
antropólogo que estudou a Barquinha matriz, com sede na cidade de Rio
Branco, capital do estado do Acre, serviu como obra de consulta e
suporte para um melhor entendimento sobre o tema. A Barquinha de Ji-
Paraná, existe desde o dia 13 de fevereiro de 1991 e atualmente conta
com cerca de 80 frequentadores assíduos, segundo afirmativa do
presidente/dirigente.
Atualmente há uma necessidade de se ampliar as perspectivas sobre
fenômenos voltados a questões envolvendo imaginário e sistemas de
crenças. A pesquisa em tela representa uma articulação no que diz
respeito a esses temas muitas vezes polêmicos, mas também visa a uma
contribuição especifica no campo cientifico brasileiro.
Observamos que essas entidades ayahuasqueiras enquanto grupos
sociais organizados visam inclusive a contribuir com um trabalho de
inclusão social e educação para a inserção no mercado de trabalho. Por
exemplo, no caso da “Barquinha” de Ji-Paraná, a casa recebe para
participar das sessões ritualísticas e outras atividades, apenados e
egressos presidiários, além de pessoas em plena recuperação de alguma
dependência química com psicoativos, para tratamento. Nesse caso
pode-se dizer que a entidade ayahuasqueira também funciona como uma

Soeitxawe
126 Regina Clara de Aguiar

espécie de hospital. O dirigente explica que a proposta dos trabalhos na


casa utilizando a ingestão do Daime está dividida em estruturas - corpo
(físico); imaginário mental (lógica); emocional (sentido); sensações,
conjunto mental e emocional (espiritual). E dogmas que se referem à
ética, educação moral, cívica, religiosa, ordem, leis, condutas, posturas,
além de uma busca dos seus fragmentos para retornar a unidade.
Sobre o apoio que vem oferecendo a Associação Cultural e de
Desenvolvimento do Apenado e Egresso - ACUDA, que faz um
trabalho com os apenados em Rondônia, reflete o dirigente espiritual
ayahuasqueiro, enfatizando que ele não é propriamente o projeto, mas
que faz parte de um projeto na medida em que pode ajudar pessoas à
margem da sociedade a ter uma recuperação mais digna e humana e
voltar ao convívio social. Conta que há quase três anos atrás, alguns
membros da ACUDA estiveram na Barquinha,

Vieram aqui, tomaram o Daime duas vezes, e aí viram como é que era a
casa. Aí, me perguntaram se eu estava disposto a receber os apenados aqui.
Eu prontamente disse, claro... isso aqui, meu filho, é uma igreja. A casa
aqui é de todos, pode vir quem quiser... Agora em torno de trinta apenados
vem aqui. O projeto na ACUDA atende cem... Mas não é obrigado a
tomar Daime, e nem é obrigado a vir aqui... Na associação tem oficina
mecânica, tecelagem, cerâmica, horta comunitária, granja... Além disso...
Terapia Ocupacional. Depois tem Reik, constelação familiar... É uma série
de coisas. Quando chega aqui... O apenado já chega aqui mansinho...,
aceitando a condição dele, a situação dele, e respeitando a doutrina...
Evolução? Claro. Até a cor deles muda, a cútis, a pele muda, o olhar deles
muda, a postura deles, o comportamento deles. Eles vêm meio arredios, depois
vão se libertando, eles vão se soltando, vão relaxando, vão se entrosando...
Ficam com todo mundo..., ninguém sabe quem é quem... É isso que eu quero
mesmo, que ninguém saiba quem é quem prá ninguém ter preconceito... Todos
eles participam..., inclusive a gente os agrega a família... (Entrevista com
o dirigente da Barquinha Edilson Fernandes da Silva).

Nesta relação espaço/tempo/cosmovisão há todo um ritual de


procedimentos antes e depois dos trabalhos, assim como uma divisão
das tarefas entre os participantes que atualmente vestem roupas brancas,
mas sem serem padronizadas, pois após a ruptura com a casa em Rio

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 127

Branco-Acre, a Barquinha de Ji-Paraná passou a ter uma maior


autonomia e nesse sentido foi desenhada uma nova farda e redistribuídos
os símbolos para o fardamento dos fiéis por ocasião das sessões. Mas os
crentes vestem o branco espontaneamente, normalmente as mulheres
usam saias amplas e confortáveis para o Bailado; e os homens, roupas
confeccionadas com tecidos leves e soltos.

Feitio do chá

A palavra ayahuasca é originária do quéchua e tem o significado ao pé


da letra, de ‘cipó do morto’ ou ‘cipó do espírito’. Recebe também outras
denominações tais como: daime, auasca, iagê, mariri e uasca.

Soeitxawe
128 Regina Clara de Aguiar

A partir de duas plantas de poder, típicas da região amazônica, é


produzida a poção visionária, considerada psicodélica, utilizada há
séculos pelos povos amazônicos. A liga consiste numa combinação que
une o caule do cipó jagube, (Banisteriopsis caapi) e as folhas da chacrona
(Psycotria viridis). Estes vegetais são cozidos dentro de um processo ritual
resultando na elaboração do chá sagrado. O dirigente diz que na
confecção do chá não se pode incluir outras plantas, por se tratar de uma
formula de produção milenar e afirma que existem algumas religiões
daimistas que fazem uso de outras substancias, mas o Conselho Nacional
Antidrogas - CONAD proíbe. Atualmente a ayahuasca é legitimada
apenas para uso dentro de rituais religiosos com a ingestão do chá.
Indagado sobre qual a melhor época da colheita dos vegetais, o
presidente Edilson Fernandes esclarece que depende muito do critério
do dirigente de cada trabalho, “eu por exemplo, tenho a lua certa para isso. Se
eu quero lua pra um tipo de trabalho é lua nova, pra outro tipo de trabalho é lua
minguante”. Diz que faz todo o trabalho de colheita e feitio do chá, pelo
calendário lunar, produzindo um Daime para cada categoria a ser
utilizada. Afirma que para o bailado produz um Daime mais suave. No
caso da ingestão em festividades como a romaria, é um Daime que não
vai abalar fisicamente a pessoa. Geralmente para a primeira vez oferece
apenas um pouquinho do chá, para que não ocorra mal estar, já que a

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 129

pessoa não conhece a reação física que poderá causar uma ingestão
irresponsável, sem critério. Para o feitio do chá há um ritual específico. E
toda uma preparação. Tudo é feito no espaço da igreja.
Não é mais necessário ir à floresta para a coleta do cipó e das folhas,
já que atualmente o plantio é próprio, no terreno da Barquinha, sendo
suficiente, pois na verdade é feita uma quantidade para oferecer às
pessoas, não para elas ficarem fora de si, mas para que abra a
sensibilidade, para que se possa entender um salmo, um hino, a
profundidade da palestra, que saibam que são médiuns de irradiação, que
possam receber e trabalhar com as entidades. E ter consciência, porque o
que se procura com a ingestão do chá, é o efeito benéfico que o Daime
pode produzir. A natureza sacralizou o Daime como um poder, os índios
já usavam desde muito tempo. A religião não sacralizou o Daime, muito
pelo contrário, ele veio sacralizar a ritualidade. Então o Daime é usado
nesse sentido, com o critério de que tenha uma energia positiva que faça
com que as pessoas se sintam bem, que possam aprender alguma coisa,
abrir os canais, e os chacras espirituais possam oferecer algum beneficio.
A ritualidade que se faz é primitiva, antiga, primeiro se pede licença para
colher, porque a natureza tem toda uma regência. Os espíritos não são
criação, não são imaginação, nem fantasia,

a gente chega e pede licença ao poder, aos seres de luz, a todos os seres que
compõem a floresta, porque ali tem energia, tem seres, tem responsáveis, nada
é por acaso. A pessoa não pode invadir uma área... Ali tem um dono, tem
um responsável. Eu peço permissão... Pego a folha, peço permissão pra folha,
vou cozinhar peço licença né, a sinergia, as forças que vão me conduzir...
Ingerimos o Daime, pra fazer a colheita, tudo isso com muito carinho, muito
cuidado. Batemos... Conversamos assuntos que são coerentes a nossa religião.
Ao ferver, ao cozinhar a gente vai orando rezando, pedindo né. Incutindo
naquela energia ali, magnetizando naquela energia ali, as nossas intenções de
fazer o bem, a caridade, o amor ao próximo né. Então é essa a ritualidade.
Claro que nós temos os cânticos, as orações. (Entrevista com o dirigente
da Barquinha Edilson Fernandes da Silva).

Soeitxawe
130 Regina Clara de Aguiar

Considerações Finais

O rito praticado na casa se configura como uma prática religiosa


universalista. Mas, se observa também que possui forte tendência a uma
configuração ritualística sincrética e eclética. Podemos dizer que essa
tendência parte da formação do próprio dirigente que explica o seu
envolvimento anterior com outros elementos voltados a diversos
sistemas de crenças e religiosidade, pois antes de frequentar a Barquinha,
estudou teoria filosófica e maçonaria e iniciou o curso de Física, tendo
abandonado no quinto período da faculdade. Participou de várias
religiões, com passagem pelo budismo, hinduísmo, umbanda,
kardecismo, islamismo e outras instituições daimistas como a União do
Vegetal-UDV, além do Círculo Exotérico da Comunhão do Pensamento
e do Rosa Cruz. A sua identificação com o referido centro se deu porque
pode encontrar o elemento de todos esses movimentos, na Barquinha.
Percebemos que a conexão com a visão do grupo, o contexto cultural
e visionário da casa, está ligada diretamente a postura do dirigente
espiritual. Conversando com alguns frequentadores assíduos, se percebe
um discurso construído a partir da cosmovisão pregada no discurso
ritualístico. E os trabalhos comunitários de certa forma vão criando
laços, além de condicionamentos, com relação a posturas similares e
repetição de pontos de vista. O próprio líder se considera de linha dura e
afirma que não admite preconceito nem fanatismo na sua igreja, ou seja,
no ambiente da Barquinha, e que muitas vezes o próprio daimista é
quem é o mais fanático e crítico, porque não aprendeu a diferenciar a sua
espiritualidade e a do outro, da alteridade, e com isso assume ares de
etnocentrista. E complementa, “ Eu sou duro, porque, preconceito dentro da
religião, não pode...”
Assim foram feitas algumas constatações, por meio de parâmetros
legítimos, de como as pessoas circulam, vivenciam, constroem e
desconstroem significados a partir do conjunto de dogmas e da ingestão
do Daime, com relação a sua cotidianidade no que diz respeito à
normalidade de como regem a sua vida fora do contexto da casa. Os
estereótipos e hierarquias dos membros que participam do ritual também
foram levados em conta, assim como as experiências visionárias com o
êxtase, e determinados resultados que podem refletir nas estruturas

Soeitxawe
Ritual com a Ayahuasca em Ji-Paraná Rondônia 131

emocionais individuais e coletivas, criando efeito de mobilizar e mudar o


dia a dia do grupo estudado, que será ampliado posteriormente.

Referências

ARAÚJO, Wladimir S. Navegando sobre as ondas do Daime: história,


cosmologia e ritual da Barquinha. Campinas: IFCH/UNICAMP,
1997.
DE AGUIAR, Regina Clara. Estudo Histórico Antropológico do Mito
Sebastianista: A Pedra do Rodeador como Expressão Simbólica na
Interculturalidade Ibero-Americana. Salamanca: tese doutoral
USAL, 2011.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC,
2008.
JUNG, C.G. Psicología y Religión. Barcelona: Paidos Studio,1981.
LABATE, Beatriz C. A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros
urbanos. Campinas: Mercado das Letras. São Paulo: FAPESP,
2004.
LÉVY-STRAUSS, Claude. Mito y Significado. Madrid: Alianza Editorial,
1999.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. De los medios a las mediaciones:
Comunicación, cultura y hegemonía. México: GG Mass
Media,1991.
PRANDI, Reginaldo (organizador) Encantaria brasileira: o livro dos
mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MCKENNA, Terence. Alucinações Reais. Rio de Janeiro: Editora Record,
1993.

Soeitxawe
132 Regina Clara de Aguiar

TURNER, Victor. O processo ritual: Estrutura e Antiestrutura. Petrópolis:


Editora Vozes Ltda., 1974.

Soeitxawe
Psicologia e Dependência Química: Análise Preliminar de
uma Pesquisa-Intervenção em uma Comunidade Terapêuti-
ca de Cacoal-RO

Rosangela C. R. Aniceto
Simone M. de Oliveira
Cleber Lizardo de Assis

Resumo: O uso de substância psicoativa pode partir de um uso social,


encaminhando para situações problemáticas, agravando-se ao ponto de chegar a
uma situação de dependência. As Comunidades Terapêuticas têm como intuito
atender a demanda proveniente da dependência de drogas, devido a grande
procura por estas Comunidades Terapêuticas, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) e a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD)
regulamentam o funcionamento de todas as CT do País. A intervenção do
Psicólogo Social Comunitário é uma interação que acontece de um lado o
profissional psicólogo e do outro a comunidade, tal processo busca realizar no
campo da Psicologia uma criação de conhecimento e metodologia para a
realização das capacidades dos sujeitos trabalhados. Objetivo: realizar uma
análise preliminar de uma pesquisa-intervenção realizada numa comunidade
terapêutica de Cacoal-RO. Método: A pesquisa foi dividida em três etapas:
revisões teóricas sobre o assunto, coleta de dados em documentos institucionais,
entrevistas com profissionais e duas intervenções com aplicação de duas
técnicas de dinâmicas em cada intervenção, com 18 sujeitos do sexo masculino.
Resultados e Discussão: Os dados encontrados nos documentos da instituição
fornecem informações relevantes para este estudo, especialmente acerca do
perfil do sujeito em tratamento e tipo de abuso em drogas: A faixa etária de 24 a
29 anos; estado civil: solteiros. As pesquisas documentais, foram categorizadas e
apresentadas em gráficos, destacando dados como a prevalência do consumo do
crack dentre outras drogas, a maconha como sendo a primeira droga e porta
para drogas mais fortes, a faixa etária dentro de uma classe considerada jovem.
Estes resultados foram validados por outros estudos científicos nacionais.
Foram identificadas situações-problemas e demandas existentes junto aos
sujeitos da intervenção: há uma necessidade de trabalhar a motivação e a
autoestima dos sujeitos, as situações que envolvem saudade da família,
insegurança com a realidade após o tratamento, especialmente sobre arrumar
trabalho, como reconquistar a família, e principalmente como manter a
abstinência. Outras demandas foram identificadas como a necessidade de um
trabalho terapêutico de prevenção de recaída, visto não ter sido evidenciado nas
134 Rosangela C. R. Aniceto; Simone M. Oliveira & Cleber L. Assis

observações e fala dos internos; bem como a necessidade de trabalhar a família


do dependente químico em alguns aspectos tais como: mudança do
comportamento familiar que favoreça o processo de abstinência do indivíduo,
comprometimento da família no período de internação, esclarecimentos sobre a
situação de adicção vivenciada pelo indivíduo, entre outros. Conclusão: Sobre o
perfil de sujeitos e tipo de drogas usadas, os resultados não diferem em muito de
outras pesquisas e estudos nacionais realizados. Diante desse contexto é
necessário pesquisas, estudos e práticas que contribuam para uma assistência
mais abrangente para o indivíduo adicto em tratamento e este papel deve ser
desempenhado pelo profissional psicólogo já que a ciência da psicologia através
de técnicas, métodos e estratégias tem obtido êxito no processo.
Palavras-chave: Drogas; Dependência Química; Comunidade Terapêutica;
Política Pública.

Soeitxawe
Fluxos de CO2 em Regiões de Floresta e Pastagem no
Sudoeste da Amazônia

Bárbara Antonucci
Naara Ferreira Carvalho de Souza
Patrícia dos Santos Guimarães
Renata Gonçalves Aguiar

Resumo: Com a evolução tecnológica, ocorreram diversas mudanças globais,


que ocasionaram o aumento na liberação de CO 2, provocando o aquecimento
anormal da atmosfera. Contudo, uma consequência desta evolução foi a
remoção de florestas no âmbito mundial, no Brasil não foi diferente, áreas de
florestas foram convertidos em pastagens. Desta maneira, indaga-se, se as
mudanças na vegetação influenciam na absorção de CO 2. Logo, este estudo
objetiva identificar o fluxo de CO2 na floresta e na pastagem e analisar se há ou
não diferença do referido fluxo entre os ecossistemas. Tendo como área de
estudo dois sítios experimentais do Experimento de Grande Escala da Biosfera-
Atmosfera na Amazônia (Programa LBA) no estado de Rondônia, um encontra-
se na Reserva Biológica do Jaru (REBIO Jaru) que é uma área de floresta
tropical, e outro se encontra na Fazenda Nossa Senhora (FNS) situado em uma
área de pastagem. Para a análise estatística dos dados foi utilizado o método de
bootstrap, devido não apresentarem normalidade. A partir daí, conclui-se que
não existem evidências suficientes para assegurar que há uma diferença
significativa nos fluxos de CO2 na floresta e na pastagem.
Palavras-Chave: Mudanças no uso da terra; Gases efeito estufa; Aquecimento
global.

Introdução

No século XVIII, ocorreu uma importante evolução tecnológica


mundial, a Revolução Industrial que se iniciou na Inglaterra e se
expandiu globalmente, objetivando aumentar a produção industrial,
utilizando-se de máquinas movidas, em suma, por combustíveis fósseis.
Contudo, a queima desses combustíveis provocou um aumento na

Soeitxawe
136 Bárbara Antonucci; Naara Souza; Patrícia Guimarães & Renata Aguiar

liberação dos Gases do Efeito Estufa (GEE) provocando o aquecimento


anormal da atmosfera.
Neste contexto de evolução econômica e tecnológica, no Brasil, entre
os anos de 1970 e 1980 foram impostas políticas de colonização na
Região Norte do país, o cenário antes de florestas se converte em pouco
tempo para pastagens, tendo como principal intuito o desenvolvimento
da agropecuária.
A Floresta Amazônica ao ser degradada provoca intensas
modificações nos ciclos biogeoquímicos. De acordo com Salazar, Nobre
e Sampaio (2007, p. 22) ‘‘a Amazônia desempenha um papel importante
no ciclo de carbono planetário, e pode ser considerada como uma região
de grande risco do ponto de vista das influências das mudanças
climáticas’’.
Em 2005, as mudanças climáticas ocasionaram uma intensa seca na
Amazônia, no qual os afluentes do lado sul do rio Amazonas ficaram
escassos, prejudicando as navegações e isolando as populações
ribeirinhas (FEARNSIDE, 2009). Eventos extremos como os do ano de
2005 podem ser explicados por atividades como mudanças no uso da
terra e conversão de florestas em pastagem. Sendo que, as previsões para
um cenário futuro são que esses eventos tornem-se cada vez mais
frequentes, em virtude do aumento da taxa de CO2 na atmosfera
(SALAZAR, NOBRE, SAMPAIO, 2007).
A conversão de floresta em pastagem na Região Amazônica ainda
fomenta incertezas sobre os limites à capacidade de estimar futuras
respostas entre estoques de carbono do ecossistema e níveis de CO2
atmosférico, tanto quanto a influência no ciclo de CO2, ocasionado pela
mudança que as grandes áreas de florestas intactas sofrerão com o clima,
o aumento de CO2 e as futuras mudanças na cobertura vegetal ou no uso
da terra (COX et al., 2000; FRIEDLINGSTEIN et al., 2006 apud
TRUMBORE; CAMARGO, 2009). Diante do exposto, o presente
estudo objetiva identificar o fluxo de CO2 em áreas de floresta e
pastagem, bem como analisar se há ou não diferença do referido fluxo
entre os ecossistemas.

Soeitxawe
Fluxos de CO2 em Regiões de Floresta e Pastagem no Sudoeste da Amazônia 137

Material e métodos

Área de estudo

Este estudo foi realizado em dois sítios experimentais no estado de


Rondônia, em uma área de floresta tropical úmida (Floresta Amazônica),
na Reserva Biológica do Jaru (REBIO Jaru), município de Ji-Paraná, nas
coordenadas 10°11’11,4’’S; 61°52’29,9”W. A outra área de estudo
localiza-se em uma área de pastagem, na Fazenda Nossa Senhora (FNS),
no município de Ouro Preto d’Oeste, nas coordenadas 10°45’44”S,
62°21’22”W, onde estão instaladas duas torres pertencentes ao Programa
LBA. As medidas foram realizadas no ano de 2008.

Descrição dos instrumentos e métodos

As medidas de dióxido de carbono foram realizadas pelo analisador


de gás por infravermelho de caminho aberto (IRGA, LI-7500, LI-COR,
USA), instalado a 63,4 metros de altura.
As leituras dos dados brutos de alta frequência de 10Hz foram
armazenadas a cada 30 min em um microcomputador (palmtop Ipaq
rx1950, HP, USA). Esses dados foram coletados semanalmente por meio
da troca de um cartão de memória e processados com a rotina
computacional Alteddy 3.3, desenvolvida pelo Instituto Alterra Green
World Research da Holanda.
Devido às falhas e até mesmo descontinuidade que ocorrem na
captação dos dados, como por exemplo, dados errôneos e lacunas,
houve uma limpeza dos dados. Para proceder a comparação do fluxo de
CO2 nos dois ecossistemas por meio dos intervalos de confiança,
primeiramente foi realizado um teste de normalidade. Entretanto, os
dados amostrados de fluxo de CO2 em nenhum dos sítios obtiveram esse
comportamento, nem mesmo com a transformação dos dados.
Logo, para construir os intervalos de confiança das médias horárias
foi utilizado o método de bootstrap, no qual cada reamostragem é feita
com a mesma quantidade de elementos da amostra original, com intuito
de inferir sobre a distribuição aproximada do intervalo de confiança. As

Soeitxawe
138 Bárbara Antonucci; Naara Souza; Patrícia Guimarães & Renata Aguiar

médias de fluxos de CO2 na floresta e na pastagem foram calculadas,


com intervalo de confiança de 95%.

Resultados e discussão

Com o intuito de melhor representar os dados, foram calculadas


médias horárias, com intervalo de confiança de 95%. Como pode ser
observado nas Figuras 1 e 2, que evidenciam fluxo de CO2 na floresta e
na pastagem, respectivamente.
Observou-se que a absorção de CO2 na floresta e na pastagem têm
níveis mais elevados no período entre às 10h da manhã e às 13h da tarde,
pois são os horários em que os raios solares são mais intensos.

Figura 1 – Médias horárias dos fluxos de CO2 na Rebio Jaru no ano de 2008.

Soeitxawe
Fluxos de CO2 em Regiões de Floresta e Pastagem no Sudoeste da Amazônia 139

Figura 2 – Médias horárias dos fluxos de CO2 na FNS no ano de 2008.

A emissão de CO2 na floresta no período da manhã, das 6h até


aproximadamente às 9h, apresentou-se maior do que na pastagem, o que
de acordo com Liberato (2007) ocorre devido à estabilidade atmosférica
nas copas das árvores durante a noite, no qual ao receber as primeiras
incidências solares ocasiona a sua liberação para a atmosfera, este
fenômeno é observado como um “pico” na manhã, quando a atividade
turbulenta aumenta. No entanto, na pastagem, devido aos sensores
estarem instalados próximos à superfície e a vegetação ser mais baixa do
que na floresta não se verifica o mesmo padrão no início da manhã.
Em ambos as regiões, o fluxo de CO2 no decorrer do dia se portaram
de maneira semelhante, no entanto, é possível observar que na área de
floresta a absorção é maior. Diante disso, como o objetivo era identificar
se havia ou não diferença nas taxas de CO2 na floresta e na pastagem,
foram estipuladas duas hipóteses: a hipótese nula (H0), de que não havia
diferença entre os fluxos dos dois ecossistemas e a hipótese alternativa
(H1), de que havia diferença.

Soeitxawe
140 Bárbara Antonucci; Naara Souza; Patrícia Guimarães & Renata Aguiar

Estipuladas as hipóteses, foram calculadas as médias horárias e os


intervalos de confiança, evidenciando que não existem evidências
estatísticas para rejeitar a hipótese nula, ou seja, não é possível afirmar
que existe diferença significativa entre o fluxo de CO2 nas regiões de
floresta e pastagem.

Considerações finais

As análises das médias horárias dos fluxos de CO2 na área de floresta


e de pastagem no ano de 2008 evidenciaram que não existem evidências
suficientes para assegurar que há uma diferença significativa nos fluxos
de CO2 na floresta e na pastagem, muito embora seja possível observar
que na área de floresta a absorção é maior. Deste modo, sugere-se que
para elucidar essa questão sejam realizadas novas análises no âmbito
micrometereológico, a fim de se obter informações do complexo sistema
absorção-captação de dióxido de carbono, bem como compreender os
efeitos no mesmo pela conversão de florestas em pastagem.

Agradecimento

Ao Programa LBA por ter disponibilizados os dados.

Referências

ALTERRA GREEN WORLD RESEARCH. Alteddy 3.3. Wageningen, 2013.


Disponível em <www.climatexchange.nl/projects/alteddy>
Acesso em: 23 mar 2014.
FEARNSIDE, P. M. A vulnerabilidade da floresta amazônica perante as
mudanças climáticas. Oecologia Brasiliensis, v. 13, n. 4, p. 609-
18, 2009.

Soeitxawe
Fluxos de CO2 em Regiões de Floresta e Pastagem no Sudoeste da Amazônia 141

LIBERATO, A. M. Fluxos de CO2 entre vegetação e a atmosfera na


Amazônia. In: Workshop Brasileiro de Micrometeorologia, 5,
2007, Santa Maria. Anais. Santa Maria: [S. ed.], 2007. p. 63-6.
NOBRE, C. A.; SAMPAIO, G.; SALAZAR, L. Mudanças climáticas e Ama-
zônia. Ciência e Cultura, v. 59, n. 3, p. 21-7, 2007.
TRUMBORE, S.; CAMARGO, P. B. Dinâmica do carbono do solo. In:
KELLER, M.; BUSTAMANTE, M.; GASH, J.; DIAS, P. S. (Org.).
Amazonian and global change. Washington: American
Geophysical Union, 2009. p. 451-62.

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia:
Uma breve análise

Neiva Araujo

Resumo: A história recente do Estado de Rondônia é a história da exploração


do potencial energético da Amazônia. Através do discurso progressista, legitima-
se a implantação de empreendimentos hidrelétricos sem que haja o empreendi-
mento proporcional de políticas públicas pelo Estado. Além das conhecidas
UHE – Usinas Hidrelétricas Samuel, Jirau e Santo Antônio, diversas PCH –
Pequenas Centrais Hidrelétricas estão sendo implantadas em todo o Brasil, uma
vez é reputado a sua instalação e operação menores danos socioambientais. A
implantação generalizada e rápida de PCH pode gerar dano irreparável ao meio
ambiente e em especial às populações que vivem no entorno dos rios, uma vez
que não é necessário para sua instalação a realização de estudos profundos acer-
ca dos possíveis danos.
Palavras-Chave: hidrelétricas; impactos socioambientais; Rondônia.

Abstract: The recent history of the state of Rondonia is the history of


exploration of the Amazon energetic potential. Through the progressive
discourse, legitimized the implementation of hydropower projects without a
proportional development of public policies by the state. In addition to the
known the dams Samuel, Jirau and Santo Antônio, several Small Hydroelectric
Power are being implemented in Brazil, as is reputed its installation and
operation smaller environmental damage. The widespread and rapid deployment
of Small Hydroelectric Power can cause irreparable damage to the environment
and especially for those who live near the rivers, since it is not necessary for
your installation to carry out in-depth studies about the possible damage.
Key-Words: dams; social and environmental impacts; Rondonia.

Considerações Iniciais

O Estado de Rondônia tem sido palco de grandes empreendimentos,


em especial, no setor da hidroeletricidade e, muito embora se discuta os
impactos decorrentes de vultosos empreendimentos: Samuel, Jirau e

Soeitxawe
144 Neiva Araujo

Santo Antônio, inúmeras PCH1 – Pequenas Centrais Hidrelétricas tem


sido implantadas sem que haja consulta prévia à população, pois são
tidas como empreendimentos hidrelétricos de baixo impacto. Porém,
ainda que fisicamente menores, causam impactos socioambientais
proporcionais ao seu tamanho, em especial às populações diretamente
atingidas.
As UHE Jirau e Santo Antônio estão situadas na Bacia do Madeira
(segunda maior bacia hidrográfica de Rondônia). As PCH, por sua vez,
totalizam 17 no Estado de Rondônia, estando 6 na Bacia do Rio Branco,
um afluente do Rio Guaporé. São elas: Cabixi I, Cabixi II, Rio Branco,
Monte Belo, Ângelo Cassol e Cachimbo Alto, sendo todas integrantes de
um mesmo grupo de energia.
Embora muito já se tenha discutido acerca dos impactos na Bacia do
Madeira, a grande contribuição do presente artigo diz respeito à análise
referente às PCH, pouco discutidas no cenário da geração de eletricidade.
Assim, será realizado um comparativo entre estes empreendimentos, no
que se refere a seu custo, área alagada, famílias atingidas e impactos em
contraposição às compensações, definidas em lei, a fim de traçar um
paralelo e analisar o verdadeiro impacto das PCH no estado de
Rondônia.

Setor Hidrelétrico em Rondônia: Breves Aspectos Geográficos

A história rondoniense aponta uma série de ciclos exploratórios,


primeiro o extrativista (extrativismo mineral: ouro, cassiterita, diamante),
da borracha, que tem como símbolo a histórica Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, da exploração de madeira, de criação de gado e mais
recentemente o ciclo de exploração do potencial energético de nossos
rondonienses. Da análise histórica, percebe-se que o legado deixado à
população ficou bem aquém daquele que era prometido no discurso
inicial por aqueles que se diziam porta-vozes do desenvolvimento. Hoje,

1 São consideradas PCH as pequenas centrais hidrelétricas com capacidade
instalada superior a 1 megawatt e inferior a 30 megawatts de potência, a área
total de seu reservatório deve ser igual ou inferior a 3 km2.

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 145

os questionamentos estão centrados na possibilidade de preservar as


diferentes visões de mundo e preservar culturas, saberes e crenças que
fazem parte da história de um povo, de um estado federativo que abriga
a diversidade cultural.
A região Amazônica tem um importante potencial hídrico, todavia,
ele não pode ser analisado de modo isolado, vez que o bioma da região e
as distâncias são bastante peculiares e acabam por gerar desdobramentos
nem sempre compreendidos por aqueles que residem em outras áreas do
país. A tabela a seguir mostra o potencial hidráulico da região amazônica
em comparação às demais regiões do Brasil.

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dŽĐĂŶƚŝŶƐ ϯϰ͘Ϭ Ϭ 

Tabela 1: Potencial hidráulico brasileiro.


Fonte: ANEEL (2014)

Mesmo com a proliferação de hidrelétricas na região amazônica, sob


a justificativa da necessidade de aumentar a oferta de energia elétrica, a

Soeitxawe
146 Neiva Araujo

verdade é que a implantação de hidrelétricas nesta região sempre foi


motivo de discussões, críticas e rejeições, todavia, o processo idealizado
pelos militares, na década de 70, tem sido, pouco a pouco concretizado.
Primeiramente com a UHE Samuel, nos anos 80/90; com as UHE do
Complexo do Madeira, Jirau e Santo Antônio nos anos 2000/2010,
sendo que elas representam duas das obras de um total de 4 previstas ao
dito complexo.
Além disso, Rondônia enfrenta a proliferação de PCH que atingem
comunidades em diversos municípios do estado, as que já foram
autorizadas e estão em funcionamento abrangem Vilhena, Cerejeiras,
Alta Floresta D’Oeste, Colorado D’Oeste, Pimenta Bueno e
Chupinguaia.
Os impactos socioambientais em Rondônia ainda estão sendo
contabilizados e aos poucos conhecidos, principalmente pelas
populações ribeirinhas, comunidades tradicionais e pequenos agricultores
que residem ou residiam ao redor dos complexos atingidos. Enquanto
isso, a previsão é de aumento, a curto e médio prazo, tanto de UHE
quanto de PCH, sob o pretexto de amenizar a crise energética que assola
o país.

UHE Samuel

A UHE Samuel foi a primeira a ser construída em Rondônia, com sua


obra iniciada no início dos anos 80, mesmo período em que construída a
UHE Balbina na cidade de Presidente Figueiredo-AM, conhecida como
um grande golpe à região amazônica, em razão do desastre
socioambiental gerado na região ante ao pequeno aproveitamento
energético.
A concessão da obra data de 1979 (renovada em 2009 e com duração
até 2029), tendo as obras sido iniciadas em 1982 e sua operação em 1989.
Prevista para ser concluída em quatro anos, teve atrasos em razão da
falta de verbas. Localizada no rio Jamari, afluente do rio Madeira, a UHE
foi construída no município de Candeias do Jamari. De acordo com
dados da ANEEL (2014), a UHE Samuel tem potência instalada de
216,0 MW e alagou uma área de 655.599 km2.

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 147

Segundo dados do Observatório Sócioambiental de Barragens, os


valores encontrados em relação a esta obra, dizem respeito a um
orçamento preliminar de US$ 835,97 milhões, mas o custo real foi
elevando em decorrência de atrasos da obra. O Observatório também dá
conta de que os deslocamentos compulsórios atingiram 258 famílias,
principalmente aquelas que ocupavam as margens da BR-364, além de
uma pequena comunidade tradicional, com cerca de 20 famílias que
residiam nas proximidades da cachoeira Samuel, inundada em
decorrência do empreendimento.
Fearnside (2004), aponta que não houve nenhuma comunidade
indígena inundada pela UHE Samuel, todavia, a inundação pode ter
produzido impactos à tribo Uru-Eu-Uau-Uau que vive nas cabeceiras do
rio Jamari, em especial no que se refere à migração de peixes.
As transformações socioambientais em razão da UHE Samuel são
evidentes. Fearnside (2004) destaca duas delas: I. a emissão de gases de
efeito estufa, que foram 11,6 vezes maiores do que a emissão para a
geração da mesma quantidade de energia através do petróleo, e II. a
contaminação dos peixes do reservatório com mercúrio (Hg), na sua
forma tóxica, metil mercúrio.
A floresta teve uma perda de 420 km² no decorrer da obra, para a
implantação do reservatório. O trecho do rio ocupado pelo reservatório
foi completamente alterado, gerando a perda de várias espécies de peixes
e de outros organismos; a piracema foi alterada a montante (o que acaba
por gerar ainda mais prejuízos àqueles que dependem do rio para viver).
Já a jusante foi afetada com a queda do teor de oxigênio na água, o que
gerou uma água de má qualidade para o consumo por 42 km a jusante,
sendo que a partir deste ponto a água tem uma melhora de sua qualidade
(Fearnside, 2004).
Outro impacto está atrelado às consequências decorrentes das
alterações no nível do lençol freático. A cidade de Itapoã do Oeste, que
fica próxima ao reservatório, teve de buscar mecanismos na tentativa de
escoar o excesso de água nas ruas da cidade, o episódio também
acarretou prejuízos diretos a pelo menos 40 famílias.2 Podem ainda ser


2 A temática não será aqui aprofundada, maiores informações acerca dos
impactos decorrentes das alterações do lençol freático podem ser obtidas em:

Soeitxawe
148 Neiva Araujo

apontados os impactos decorrentes da emissão de gases estufas,


condições favoráveis à procriação dos mosquitos transmissores da
malária3 e a liberação de metil mercúrio com a consequente
contaminação do solo. (Fearnside, 2004)
A chamada Amazônia Legal4 é um território conhecido por conflitos
agrários e pela irregularidade na posse e propriedade de várias terras, o
que explica o agravamento de conflitos sociais nesta região, quando da
implantação da UHE Samuel. A população das comunidades foi
deslocada para que houvesse a inundação e com a desagregação ocorrida,
no decorrer dos anos, as comunidades e os laços foram dizimados. Além
disso, o contato com a cachoeira Samuel ou com o rio Jamari afastou as
comunidades não apenas de sua fonte de sustento, mas também de lazer,
eis que a vida comunitária era desenvolvida em razão do rio Jamari e da
cachoeira Samuel. (Fearnside, 2004)
Com o enfraquecimento das comunidades, paulatinamente
desagregadas, e a marginalização dos movimentos sociais, a tendência é
que estas reivindicações sejam esquecidas ou simplesmente ignoradas na
pauta de discussões sociais. Os efeitos, porém são sentidos por toda a
sociedade, pois ao buscar um novo território, muitas vezes nas periferias
das cidades, os moradores destas comunidades acabam conseguindo
apenas subempregos e ficam à mercê da marginalidade e do descaso do
Estado.


<http://www.mabnacional.org.br/noticia/atingidos-ocupam-prefeitura-itapu-d-
oeste-por-direito-moradia> e
<http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2006/Parte%20B%20Vol%20I%20Rela
t%C3%B3rio%20Philip%20Fearnside.pdf>
3Ariquemes, no ano de 1995 ficou conhecida como capital mundial da malária e
Porto Velho, no mesmo ano, registrou 29.000 casos de malária. (Fearnside,
2004)
4Área que corresponde a 59% do território nacional diz respeito a um conceito
político (e não geográfico), que teve início com a Lei 1.806/53 e suas alterações.

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 149

UHE Jirau

Com sua concessão iniciada no ano de 2008 e com prazo de duração


de trinta e cinco anos (2043), a UHE Jirau tem um custo estimado de R$
13,5 bilhões, sendo que deste valor mais de 50% (7,7 bilhões) são
provenientes de empréstimos junto ao BNDES (Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social). Havendo, ainda, conforme
dados da ANEEL (2014), a previsão de investir mais R$ 40,3 milhões
após o ano de 2014. O custo do KW instalado de Jirau é de R$
3.913,00/kW (Observatório Sócioambiental de Barragens, 2014).
Localizado no rio Madeira, no município de Porto Velho-RO, a UHE
Jirau tem potência instalada de 3.450 MW, com área inundada que pode
variar de 200 a 500 km².5 Conforme dados do Observatório
Sócioambiental de Barragens a população atingida é de 953 habitantes,
sendo 607 deles de áreas urbanas e de 349 de localidades rurais.
Contudo, o MAB - Movimento dos Atingidos pelas Barragens estima
que serão cerca de 5 mil pessoas atingidas em todo o Complexo do
Madeira (Jirau e Santo Antônio), sendo que cerca de cem mil pessoas
foram atingidas pelo não acesso à água potável, o que aponta aos
impactos diretos e indiretos, moldando, pouco a pouco, o tamanho do
prejuízo e dos impactos suportados por parte da população
rondoniense6.
As áreas inundadas abrangem o município de Porto Velho (Distritos
de Mutum-Paraná, Jaci Paraná, Abunã e Comunidade Garimpo
Palmeiral) e pequenas parcelas das Unidades de Conservação: Floresta
Estadual de Rendimento Sustentável Rio Vermelho A, B e C; Reserva
Extrativista Jaci-Paraná; e Estações Ecológicas Estaduais Três Irmãos e


5 Importante observar que após as cheias históricas em Rondônia em 2014,
ainda não se sabe ao certo quantas famílias serão de fato impactadas no decorrer
da obra e quando de seu funcionamento, em razão das obras que acarretaram
mudanças no rio Madeira, que é um rio novo e ainda em formação.
6 Segundo dados do IBGE (2010), a população do estado de Rondônia é de
1.562.409, assim, cerca de 6,5% da população do estado foi atingida apenas com
estes dois empreendimentos.

Soeitxawe
150 Neiva Araujo

Mujica Nava. Também serão afetados sítios arqueológicos, ainda não


devidamente identificados.
Apesar de ainda estarem ocorrendo transformações sociais em razão
da UHE Jirau, há diversas denúncias apontando à violação de direitos
humanos, a iniciar pelos princípios da informação e da participação, haja
vista que as comunidades atingidas foram praticamente excluídas do
processo decisório, cabendo a elas apenas acatar ordens, eis que as
decisões já haviam sido tomadas.
As violações incluem, ainda, restrições alimentares às populações
ribeirinhas, haja vista que com as alterações ocorridas no rio Madeira,
houve: redução da oferta de peixes; contaminação da água; e formação
de espelhos d'água, gerando forte preocupação com a proliferação de
doenças, em especial dengue e malária.
O patrimônio histórico e cultural da região, em especial, o histórico
galpão da Estrada de Ferro Madeira Mamoré tem sofrido duros golpes,
possivelmente em razão do represamento causado pelas UHE
implantadas na bacia do rio Madeira. O galpão e a locomotiva histórica
foram cobertos pela água na cheia histórica do rio Madeira em 2014.
Peças e imóveis que contam uma importante passagem da história
brasileira foi e continuam sendo desrespeitados. Com a cheia histórica do
rio Madeira de 2014, parece-nos que esta parte da história parece estar
com os dias contados, ainda que, as famílias atingidas pela histórica cheia
restem ainda sem qualquer tipo de acesso à justiça, em especial às
indenizações devidas pelos prejuízos socioambientais causados pelos
empreendimentos na bacia.
Moradores de Nova Mutum Paraná (antigos moradores de Mutum
Paraná que foram realocados) tem, pouco a pouco, abandonado suas
moradias por não se adaptarem ao estilo de vida imposto pela
implantação da UHE Jirau, vez que foram privados do contato com o
rio, tendo, assim, seu ritmo e estilo de vida completamente alterados.

UHE Santo Antônio

Sua concessão data de 2008 e o período da concessão é de 35 anos


(2043), com um custo estimado de R$ 15,05 bilhões e com

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 151

financiamentos do BNDES (R$ 6.135.172.400,00), FI-FGTS (Fundo de


Investimento do FGTS) e FNO (Fundo Constitucional de
Financiamento do Norte), além da previsão de um custo aproximado de
R$ 1,7 bilhão após o ano de 2014 (ANEEL, 2014). A UHE Santo
Antônio foi construída com capacidade para gerar 3150,4 MW, com um
custo de KW instalado de R$ 4.286,00/kW (Observatório
Sócioambiental de Barragens, 2014).
A área estimada a ser alagada pelo empreendimento é de 100 a
200km², o que inundaria a área rural e urbana de Porto Velho-RO, em
especial o Distrito de Mutum-Paraná, o que totalizaria, a princípio, 878
imóveis. Os deslocamentos compulsórios atingiriam cerca de 1.645
pessoas segundo o EIA/RIMA7; e 10.000 pessoas, segundo o MAB. 214
famílias somente no núcleo urbano Mutum-Paraná. Os dados oficiais
apontam para o número de 1.762 pessoas atingidas. Já as populações
indígenas atingidas seriam das tribos Karitiana (localizada a 95 km de
Porto Velho) e Karipuna (localizada nos municípios de Porto Velho e
Nova Mamoré), sendo atingidos, juntamente com elas, o patrimônio
arqueológico da região e seus pedrais com pinturas rupestres
(Observatório Sócioambiental de Barragens, 2014).
Por serem recentes, muitas das transformações ocorridas foram
bastante perceptíveis à população, a exemplo da brusca elevação dos
preços das terras na região, dos serviços e mercadorias, bem como o
aumento de migrantes, que vieram em busca de uma oportunidade de
melhoria de vida. Em síntese, houve uma explosão demográfica e uma
repentina alta no custo de vida, em uma capital com alto déficit de
saneamento básico, de transporte público e sem condições de suportar o
aumento de cerca de cem mil pessoas8.
Com o alagamento culturas agrícolas (melão, mandioca, melancia,
milho, abóbora) e extrativistas (castanha e outros frutos tipicamente
amazônicos, a exemplo do açaí) foram atingidas, além da pesca, do
garimpo e do turismo (que era comum, por exemplo na comunidade de


7O estudo em relação a outros empreendimentos semelhantes dá conta de que
o número de atingidos é sempre superior àquele que consta no EIA/RIMA.
8 Este é o número de migrantes estimado pelo MAB.

Soeitxawe
152 Neiva Araujo

Santo Antônio). As culturas de várzea praticadas pelos ribeirinhos do


Madeira foram dizimadas, ante à oscilação do rio que “lavou” a terra.
Mais uma vez, há destaque a incidência de malária, o que é destacado
no EIA/RIMA. O meio ambiente é impactado com o desmatamento
(para abertura de estradas e canteiros de obras), alteração do lençol
freático e perda da biodiversidade de peixes (Observatório
Socioambiental de Barragens, 2014).
Os conflitos sociais circundam a disputa pela terra e por uma vivência
digna, já que, mais uma vez foi rompido o vínculo das comunidades com
o rio, colocando em risco o modo de vida ribeirinho, calcado na coleta
de frutos, pesca e uso da farinha de mandioca, elementos básicos de sua
dieta alimentar.
A comunidade que morava nas proximidades da extinta cachoeira
Santo Antônio, embora continue a residir nas proximidades não mais
pode realizar a pesca nas rochas, que era uma prática típica; como as
quedas foram alagadas o turismo diminuiu abruptamente e embora haja
uma praia na localidade, os moradores reclamam da ausência dos peixes
e da impureza da água. Em outras palavras, mesmo com o contato com a
“água”, o estilo de vida restou alterado, pois este contato encontra a
barreiras impostas, direta ou indiretamente, pelo empreendimento.

As PCH (Pequenas Centrais Hidrelétricas) em Rondônia

Sob o argumento de crise e de demanda energética, tem proliferado


nos últimos anos o número de UHE e também de PCH, que se valem
ainda da justificativa de que por serem pequenos empreendimentos
colaboram com a geração de energia elétrica e têm como bônus um
baixo impacto socioambiental. Contudo, há autores que contrariam estes
‘pequenos’ impactos (Nascimento & Drummond, 2003).
A política energética adotada estimula a criação de novas PCH,
através de condições que incentivam empreendedores, entre as quais
destacam-se:

 Autorização não-onerosa para explorar o potencial hidráulico (Lei


no 9.074, de 7 de julho de 1995, e Lei no 9.427, de 26 de

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 153

dezembro de 1996); 2. Descontos superiores a 50% nos encargos


de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (Resolução no
281, de 10 de outubro de 1999); 3. Livre comercialização de
energia para consumidores de carga igual ou superior a 500 kW
(Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998); 4. Isenção relativa à
compensação financeira pela utilização de recursos hídricos (Lei
no 7.990, de 28 de dezembro de 1989, e Lei no 9.427, de 26 de
dezembro de 1996); 5. Participação no rateio da Conta de
Consumo de Combustível – CCC, quando substituir geração
térmica a óleo diesel, nos sistemas isolados (Resolução no 245, de
11 de agosto de 1999); 6. Comercialização da energia gerada pelas
PCH com concessionárias de serviço público, tendo como limite
tarifário o valor normativo estabelecido pela Resolução nº 22, de
1º de fevereiro de 2001 (ATLAS DA ENERGIA ELÉTRICA
DO BRASIL, ANEEL, 2002).

Além disso, a construção das PCH “não exige nem o estudo de


viabilidade nem a licitação. Após a realização do estudo de inventário, a
ANEEL seleciona o empreendedor de acordo com critérios pré-
definidos, avalia o projeto básico da usina e concede a autorização para a
instalação” (ATLAS DA ENERGIA ELÉTRICA DO BRASIL,
ANEEL, 2008).
As PCH têm proliferado Brasil afora, em especial nas regiões sul e
sudeste. Em 2002 haviam no Brasil 304 PCH (ATLAS DA ENERGIA
ELÉTRICA DO BRASIL, ANEEL, 2002), em 2010 eram 368 PCH. Em
2015, o número saltou para 463 PCH, todas elas em funcionamento,
contudo, há 810 projetos de PCH parados na Aneel9, aguardando
aprovação (PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS SÃO


9 “Há mais de 1,5 mil potenciais Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH)
mapeadas no país, mas que ainda não saíram do papel. Desse total, 772 estão
disponíveis para estudo. No entanto, outras 141 já foram registradas na Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) por empreendedores privados e 645
aguardam apenas a análise do órgão regulador” (MAIS DE 1,5 MIL
PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS (PCH) AINDA ESTÃO NO
PAPEL, BRASIL ECONÔMICO, 2014).

Soeitxawe
154 Neiva Araujo

ALTERNATIVA PARA GERAÇÃO DE ENERGIA, PORTAL PCH,


2015).
Os números indicam que os incentivos à construção de novas PCH
têm surtido efeito, pois elas cresceram e há projeção para crescerem
ainda mais nos próximos anos. Em Rondônia há, hoje, em operação 15
PCH e projetos de expansão para os próximos anos.

USINAS do tipo PCH em Operação em Rondônia


Potên
cia Potência Destino
Usina Outor Fiscaliza da Proprietário Município Rio
gada da (kW) Energia
(kW)
100%
para Hidroelé Cerejeiras - São João
Altoé II 1.100 1.103 PIE
trica Altoé RO I
Ltda.
100%
Vilhena -
Cachoeira 11.120 11.120 SP para JFG Ávila
RO
Energia S/A
95%
para Juruena
Energia S/A
Chupin 5% Vilhena - Chupin
1.260 640 PIE
guaia para Usina RO guaia
Hidrelétrica
Cachoeira
Ltda
100%
para Madei
Vilhena - Pimenta
Marcol 2.500 2.500 PIE reira Rio
RO Bueno
Colorado
Ltda

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 155

100% Alta
para Hidro Floresta Salda
Saldanha 5.280 5.280 PIE
luz Centrais d´Oeste - nha
Elétricas Ltda RO
100%
para Hidroelé Alto Alegre
Santa Luzia Colora
3.000 3.000 APE trica do Parecis -
D´Oeste do
Bergamin RO
Ltda.
100%
para Cassol
Vilhena -
Cabixi 2.700 2.700 APE Centrais Cabixi
RO
Elétricas
Ltda.
100% Alta
para Centrais Floresta Salda
Monte Belo 4.800 4.800 PIE
Elétricas d´Oeste - nha
Cassol Ltda RO
100%
Castaman I Colorado
para Adelino Engana
(Antiga 1.500 1.844 APE do Oeste -
Castaman & do
Enganado) RO
Cia Ltda.
100%
para Hidros Alta
sol Floresta
Rio Branco 6.900 7.140 PIE Branco
Hidroelétri d´Oeste -
cas Cassol RO
Ltda
100%
Colorado
para Casta Engana
Castaman II 750 750 APE do Oeste -
man Centrais do
RO
Elétricas Ltda
100%
Colorado
Castaman para Casta Engana
1.480 1.480 PIE do Oeste -
III man Centrais do
RO
Elétricas Ltda

Soeitxawe
156 Neiva Araujo

Pimenta
Bueno -
100%
RO Pimen
para Eletro-
Primavera 18.200 19.182 PIE Primavera ta
Primavera
de Bueno
Ltda
Rondônia -
RO
100% Alta
Ângelo para Hidroelé Floresta
3.600 3.600 PIE Branco
Cassol trica Ângelo d´Oeste -
Cassol Ltda RO
100%
Chupin
Cascata para Hidroelé Pimen
guaia - RO
Chupin 9.600 9.600 PIE trica ta
Corumbiara
guaia Chupinguaia Bueno
- RO
Ltda
100%
Chupin
para Centrais
guaia - RO
Cesar Filho 7.000 7.000 PIE Elétricas Taboca
Parecis -
Cesar Filho
RO
Ltda
Total: 463 Usina(s) Potência Total: 4.640.031,30 kW

Legenda: APE - Autoprodução de Energia; APE-COM - Autoprodução c/ Comerc. de


Excedente; Comercialização de Energia; PIE - Produção Independente de Energia; REG –
Registro; REG-RN482 - Registro mini micro Geradores RN482/2012; SP - Serviço
Público.
Tabela 2: PCH em operação em Rondônia, ANEEL (2014)

As questões que circundam as PCH e seus impactos socioambientais


precisam ser melhor discutidas10 à medida que se tem conhecimento de
implicações e danos em diferentes localidades e atores, em decorrência
destes empreendimentos (Nascimento & Drummond, 2003).

10 A bem da verdade a matriz hidrelétrica brasileira precisa ser repensada.

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 157

São detectados como impactos decorrentes de PCH: deterioração


ambiental e consequente perda da biodiversidade, tanto aquática quanto
terrestre, inclusive com problemas quanto à migração de peixes;
impactos às populações realocadas (também corriqueiros em UHE);
alterações hidrológicas a jusante da represa; aumento no número de
doenças; perdas de patrimônio histórico e cultural, bem como alterações
em atividades econômicas e no uso da terra; alteração do curso do rio;
diminuição do nível das águas e o consequente comprometimento da
navegação.
Além destes danos corriqueiros Brasil afora, Rondônia tem algumas
peculiaridades, a exemplo dos impactos gerados às populações indígenas,
que sequer costumam ser consultadas, muito menos indenizadas,
desrespeitando a Convenção 169 da OIT – Organização Internacional
do Trabalho, além da legislação nacional. Além disso, a SEDAM –
Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental, confeccionou
relatório indicando que os estudos ambientais não abordaram todos os
impactos ambientais, mostrando-se, portanto, extremamente falhos e
maximizando os problemas causados (SEDAM; MPF).
Além disso, diferentemente das UHE que estão por lei (Lei 9.433/97;
Lei 9.984/2000 e Decreto 7.402/2010) obrigadas a realizar
compensações financeiras e obrigadas a pagarem pelo uso da água, as
PCH não têm tais obrigações. Portanto, o aumento de PCH pode,
inclusive, gerar danos tão extensos ou até maiores do que UHE.

Considerações finais

Muito embora se repute às Usinas Hidrelétricas implantadas no


Estado de Rondônia diversas atrocidades socioambientais, que se fazem
sentir em diversas partes do Estado, em especial na capital e nas
comunidades diretamente atingidas, as Pequenas Centrais Hidrelétricas
possivelmente serão responsáveis por diversos impactos que a lei reputa
meramente como danos colaterais.
Em se tratando de empreendimentos que podem lesionar o meio
ambiente, bem de uso comum de todos, é indispensável a participação
popular das comunidades atingidas no processo decisório acerca da

Soeitxawe
158 Neiva Araujo

implantação e operação das Pequenas Centrais Hidrelétricas, o que,


como se sabe, não ocorre.
Competindo ao Estado a concessão de licença ou autorização para
implantação e operação, deveria ele assegurar maior publicidade do
processo no sentido de garantir às comunidades atingidas informação
suficiente para no exercício de seu direito de ação provocar o Poder
Judiciário a verificar a legalidade do empreendimento, e eventualmente, a
responsabilização dos produtores independentes de energia pelos danos
e prejuízos advindos do empreendimento.
De qualquer forma, o tratamento diferenciado dado pela lei às
Pequenas Centrais Hidrelétricas tem se mostrado como verdadeiro
motor de aceleração para sua implantação. O aumento de
aproximadamente 20% (vinte por cento) em apenas cinco anos, entre
2010 e 2015, aponta para uma política energética de sua expansão.

Referências

Atlas Da Energia Elétrica Do Brasil, ANEEL, 2002 <


http://www.aneel.gov.br/arquivos/pdf/livro_atlas.pdf>. Acesso
em 02 set.2015.
Atlas Da Energia Elétrica Do Brasil, ANEEL, 2008
<http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas3ed.pdf>. Acesso
em 02 set.2015.
BIG - Banco de Informações de Geração, Capacidade de Geração do
Brasil. Disponível em:
<http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/Geracao
TipoFase.asp?tipo=5&fase=3>. Acesso em 17 set.2015.
FEARNSIDE, Philip M. A hidrelétrica de Samuel: lições para as políticas
de desenvolvimento energético e ambiental na Amazônia.
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Manaus,
2004. Disponível em:
<http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/mss%20and%20in%20pre
ss/SAMUEL-EM-3-port-2.pdf>, em julho de 2010.

Soeitxawe
Impactos Socioambientais de UHE e PCH em Rondônia 159

Mais de 1,5 mil Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) ainda estão no


papel, Brasil Econômico, 2014 <
<http://brasileconomico.ig.com.br/brasil/economia/2014-05-
14/mais-de-15-mil-pequenas-centrais-hidreletricas-pchs-ainda-
estao-no-papel.html>. Acesso em 02 set.2015.
MPF/RO: SEDAM não pode emitir mais licenças para PCH no Rio
Branco. Disponível em:
<http://www.prro.mpf.mp.br/conteudo.php?acao=diversosLerP
ublicacao&id=580>. Acesso em 17 set.2015.
NASCIMENTO EP & DRUMMOND JA. 2003. Invenção e realidade da
região de Belo Monte. In: Nascimento EP & Drummond JA
(org.). Amazônia – Dinamismo econômico e conservação
ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, p. 35-57.
Observatório Sócioambiental de Barragens
<http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br/barragens/15/samu
el>. Acesso em 17 set.2015.
Pequenas Centrais Hidrelétricas são alternativa para geração de energia,
Portal PCH, 2015 <http://www.portalpch.com.br/noticias-e-
opniao/4961-30-03-2015-pequenas-centrais-hidreletricas-sao-
alternativa-para-geracao-de-energia.html>. Acesso em 17 set.2015.

Soeitxawe
Psicologia e gravidez: análise preliminar de uma pesquisa-
intervenção junto a mulheres grávidas de Cacoal – RO


Elizeu Diniz de Medeiro1
Nádia Valéria Moreira Santos2
Cleber Lizardo de Assis3

Resumo: A gravidez é um momento de mudanças significativas, é uma experi-


ência singular e subjetiva na vida de cada mulher, são mudanças biopsicossoci-
ais. Como forma de garantir os direitos das mulheres, o governo criou as políti-
cas públicas relacionadas à saúde da mulher. O Centro de Referência da Assis-
tência Social (CRAS) presta serviços assistenciais às famílias e indivíduos que se
encontram em situação de vulnerabilidade social e juntamente com o trabalho
do psicólogo poderá estar fortalecendo a interação social entre as gestantes que
frequentam a instituição, pois o psicólogo estará auxiliando a compreensão e
elaboração dos processos intra e interpessoais das gestantes. Objetivo: Realizar
uma análise preliminar de uma pesquisa-intervenção realizada em um grupo de
mulheres grávidas de um CRAS de Cacoal-RO. Método: Foi realizado levanta-
mento bibliográfico acerca do público-alvo como forma de conhecer suas espe-
cificidades, características, políticas públicas e direitos. Em seguida realizamos a
coleta de dados junto aos profissionais que atuam no CRAS (Diretora, Coorde-
nadora e Assistente Social), acesso ao prontuário das mulheres através do En-
fermeiro da UBS, seguido de contato com 20 gestantes, entre 16 e 33 anos, do
primeiro ao terceiro trimestre de gestação; Deste grupo, 35% são primíparas, do
primeiro ao terceiro trimestre de gestação, 85% estavam casadas, de nível socio-
econômico baixo, com escolaridade de ensino médio, a maioria não trabalha e
residem em bairros próximos à UBS de Cacoal. Através dos dados coletados foi
possível fazer um planejamento e da literatura científica foi feito um projeto de
intervenção que fora aplicado posteriormente em 02 (dois) encontros no mês de
novembro, em que participaram 04 (quatro) sujeitos. Resultados e Discussão: A

1 Graduando em Psicologia, Faculdades Integradas de Cacoal – UNESC – RO
2 Graduanda em Psicologia, Faculdades Integradas de Cacoal – UNESC – RO
3Mestre em Psicologia – PUCMG; Doutorando em Psicologia – USAL;
Docente do curso de Psicologia, UNESC – RO
162 Elizeu D. de Medeiro, Nádia V. M. Santos & Cleber L. de Assis

pesquisa intervenção possibilitou a identificação de demandas a partir da fala das


grávidas, como mudança na rotina diária, no âmbito familiar, físicas, emocional
e de comportamento. Porém foi percebido entre as grávidas que aquelas em que
estava enfrentando a primeira gestação tinham muito pouco conhecimento
sobre o assunto, outras tinham até certo conhecimento por ser a segunda gesta-
ção, mas pouco conhecimento no que diz respeito às questões psicológicas que
influenciam no processo de gravidez, como ansiedade, estresse, fobias, baixa
autoestima, humor instável, distúrbios relacionados a auto imagem, havendo a
necessidade de mais acompanhamento e orientação dos profissionais da institui-
ção e principalmente do Psicólogo. Conclusão: Esse estudo possibilitou para os
estagiários de psicologia de proceder à frente a um grupo de gestantes, utilizan-
do as técnicas da intervenção psicossocial grupal em contexto social, de modos a
proporcionar um trabalho de promoção à saúde da mulher na fase da gestação.
Os facilitadores trabalharam com a subjetividade das gestantes, fazendo com
que elas tivessem um insight em relação à gestação e suas adversidades, tanto as
psíquicas, físicas corporal. Recomenda-se ter um cuidado especial com este
grupo devido à complexidade que envolve a gestação, então o objetivo da Psico-
logia Social pode ser proporcionar ações que favoreçam um adequado bem estar
físico/psíquico/emocional para estas grávidas e futuro bebê.
Palavras-chave: Gravidez; Políticas Públicas; CRAS e Psicologia Comunitária

Soeitxawe
Psicologia e adolescência: análise preliminar de uma pesqui-
sa-intervenção em um centro de referência em assistência
social de Rondônia


Kely Cristina de Matos
Daieli Cristina de Oliveira Sechini
Cleber Lizardo de Assis

Resumo: A adolescência é uma fase de desenvolvimento humano, marcada por


singularidades tais como a constituição de identidade e definição de valores, o
que demanda à Psicologia, uma escuta e intervenção particulares; A Psicologia
Social-Comunitária se interessa pela interação social dos sujeitos e da dinâmica
grupal, institucional e comunitária, de modo que busca conhecer os espaços e
dispositivos sociais, tais como as políticas públicas, em especial para a adoles-
cência e juventude, bem como os aparelhos de atenção a este público, como o
Centro de Referência em Assistência Social – CRAS; Neste sentido, este estudo
realiza uma análise preliminar de uma pesquisa- intervenção realizada num
CRAS numa cidade de RO; Objetiva ainda conhecer a realidade de adolescentes
atendidos e analisar as políticas públicas que deveriam atendê-los, além de en-
tender o papel do psicólogo neste contexto. Tem como método intervenções
psicossociais de cunho participativo e dinâmico, com o objetivo de desenvolver
ações psicossociais de caráter preventivo e de promoção de saúde e cidadania
junto a adolescentes em situação de vulnerabilidade. Foram realizadas visitas,
entrevistas com coordenadores do CRAS, psicóloga, assistente social e com a
sócio educadora, observações em vários momentos e 02 (duas) intervenções
com 07 (sete) adolescentes. Essas ações foram entremeadas com a supervisão
docente, leituras de documentos, materiais e instrumentais que possibilitaram as
ações. Resultados e discussão: verificou-se uma carência de atendimento do
grupo, por escassez de funcionário e descontinuidade da ação, além de estarem
sendo atendidos juntamente com crianças de seis a onze anos, algo inadequado;
as ações desenvolvidas se mostraram precárias, contando com os parcos recur-
sos financeiros recebidos; Quanto aos aspectos emocionais e psicológicos, os
adolescentes atendidos, se encontram numa situação de fragilidade, com sinais
de violência e necessidades latentes, daí urge uma intervenção diagnóstica e
psicoterapêutica mais aprofundada para acolhimento de suas fragilidades. O
“adolescente em situação de risco” e em ambiente vulnerável há que estar mais
164 Kely C. de Matos, Daieli C. de O. Sechini & Cleber L. de Assis

fortalecido para conseguir superar as mazelas que a conjuntura fragilizada em


que vive o submete e o psicólogo tem papel fundamental nesse processo.

Soeitxawe
Vivências e estratégias de enfrentamento em crianças hospi-
talizadas


Gislaine Federichi
Cleber Lizardo de Assis

A hospitalização pode causar prejuízos à condição emocional da cri-


ança, onde a criança sente medo do desconhecido e outras vivências
diante da nova situação, alterando seu cotidiano. Objetiva-se compreen-
der quais as vivências e estratégias de enfrentamento utilizadas pelas
crianças durante o processo de hospitalização numa Unidade de Saúde
de Cacoal – RO. Método: pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória,
com amostra de 04 (quatro) crianças, internadas na Enfermaria de Pedia-
tria que responderam a uma entrevista semiestruturada e a desenhos,
utilizando como técnica, a Análise de Conteúdo, segundo o modelo de L.
Bardin. Os resultados mostram que as crianças classificam a sua experi-
ência de estar no hospital como uma vivência negativa, tendo a ausência
de atividades típicas da infância e ao próprio ambiente do lar. Ocorrem
sentimentos de medo e culpa, tendo a doença como uma punição. Quan-
to às estratégias para enfrentar a hospitalização percebemos que a estra-
tégia de Suporte Social foi uma estratégia mais utilizada, mostrando a
busca apoio externo nos amigos, familiares e a equipe de profissionais,
tendo a mãe um papel de grande importância para a adaptação da hospi-
talização. Outras duas utilizadas foram a Estratégia de Confronto onde a
criança apresentou comportamentos agressivos em relação às pessoas
que estão oferecendo os cuidados, e a Estratégia de Reavaliação positiva
onde a criança descobriu uma forma de enfrentar seu problema, mudan-
do algo em si mesmo, podendo também ser apresentada a estratégia de
enfrentamento religiosa. Na técnica desenho-história, podemos observar
diferentes discursos produzidos pelas crianças, como a presença da mãe
junto à criança, sendo extremamente positivo no que se refere à vivência
da hospitalização, a ausência de atividades do lar no ambiente hospitalar
e a escola vista pela criança como um lugar de aprendizado e de confor-
to. Conclui-se que as crianças vivenciam a experiência de estar no ambi-
166 Gislaine Federichi & Cleber Lizardo de Assis

ente hospitalar como algo desagradável, contrapondo ao seu ambiente


do lar. Manifestam sentimentos de medo dos procedimentos médicos,
tristeza pela ausência do ambiente familiar e culpa por achar de alguma
maneira que poderia ter evitado a doença. Identificou-se que o suporte
social foi a estratégia mais utilizada por essas crianças, se apoiando prin-
cipalmente na mãe para enfrentar a situação. E em seguida a Estratégia
de Confronto, onde a criança age de maneira ofensiva com a equipe que
está oferecendo cuidados e a Reavaliação Positiva se apoiando na reli-
gião. Defende-se que haja a compreensão e identificação das vivências e
estratégias de enfrentamento que a criança utiliza, podendo auxiliar os
profissionais de saúde na diminuição do sofrimento e ajudando no pro-
cesso de adaptação durante a hospitalização.

Soeitxawe
Avaliação da Lei Maria da Penha por gestores de Cacoal-RO


Bruna Angélica Borges
Luana Sampaio
Cleber Lizardo de Assis

A violência contra mulheres é um fenômeno histórico-cultural, base-


ado na construção social, política e cultural dos papéis femininos e mas-
culinos, que atribuiu às mulheres os lugares de menor empoderamento,
de desvalorização e de subalternidade. Nesse contexto e como resultado
de grandes lutas dos movimentos feministas, entrou em vigor a Lei
11.340/2006, com o objetivo de combater as diversas formas de violên-
cia doméstica e familiar contra a mulher, representando assim um marco
importante na efetivação da política de enfrentamento e erradicação da
violência contra a mulher. No entanto, apesar da implementação da Lei,
há uma carência de pesquisas que investiguem se as políticas públicas
expressas em programas e práticas sociais e jurídicas determinadas pela
Lei Maria da Penha está sendo efetivamente cumprida conforme as ori-
entações previstas no dispositivo legal. Nesse sentido, a presente pesqui-
sa teve por objetivo analisar a percepção sobre a aplicação da Lei
11.340/2006 (Lei Maria da Penha) no município de Cacoal/RO, sob a
ótica dos gestores dos programas e serviços que atuam no enfrentamento
da violência de gênero. Foi amostra da pesquisa os gestores do Juizado
da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, do
Ministério Público Estadual, da Delegacia Especializada de Atendimento
à Mulher e do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Metodologi-
camente, trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória,
onde foi realizada uma entrevista semiestruturada com cada sujeito, utili-
zando-se como técnica, a Análise de Conteúdo de L. Bardin, que permi-
tiu construir categorias para a análise em profundidade das emissões dos
sujeitos pesquisados. Foram criadas e analisadas a partir da Lei, seis cate-
gorias, sendo elas: 1 - Aspecto Geral, 2 - Tipos e Formas de Violência, 3
- Prevenção, 4 - Assistência Judiciária, 5 - Atendimento Policial e 6 -
Medidas Protetivas de Urgência. Os resultados nos mostram que na
168 Bruna Angélica Borges, Luana Sampaio & Cleber Lizardo de Assis

avaliação da percepção dos gestores dos programas e serviços que atuam


no enfrentamento à violência no município de Cacoal/RO, foi identifi-
cada a necessidade da criação, implementação e controle de políticas
públicas que efetivem a aplicabilidade da Lei no município. Conclui-se
assim que há a necessidade da intervenção articulada entre os operadores
do direito, os poderes públicos e os demais serviços especializados no
resguardo dos direitos humanos da mulher no âmbito das relações do-
mésticas e familiares, e espera-se que os resultados dessa pesquisa pos-
sam gerar subsídios para uma atuação que efetive a aplicabilidade da Lei
11.340/2006.

Soeitxawe
Intervenção psicossocial junto a um grupo de grávidas de
Cacoal-RO


Bruna Angélica Borges
Luana Sampaio
Tatiane Mendes
Cleber Lizardo de Assis

A gravidez é uma experiência psicofisiológica que traz várias modifi-


cações ao organismo feminino, começando na primeira semana de gesta-
ção e continuando durante todo o período gestacional, ocasionando
diversas mudanças decorrentes de intensas transformações físicas, psí-
quicas e sociais. Nesse sentido, é importante conhecer e verificar as pos-
sibilidades de atuação junto a esse público, especialmente fomentando
ações em políticas públicas para esses sujeitos; objetiva-se apresentar os
resultados de uma Intervenção Psicossocial de curta duração, junto a um
grupo de mulheres gestantes usuárias do sistema público de saúde, na
cidade de Cacoal-RO. A intervenção psicossocial aqui descrita e analisa-
da foi realizada com um grupo de 08 (oito) gestantes, entre 20 a 37 anos
de idade, com meses de gestações diferentes, nas dependências do Cen-
tro da Saúde da Mulher, uma instituição pública que realiza atendimentos
de pré-natais e exames ginecológicos no Município de Cacoal-RO. O
termo “intervenção” é utilizado para definir o processo de inserção na
realidade de outras pessoas ou contextos sociais, onde o pesquisador
interfere e modica essa realidade, por meio de uma metodologia que
enfatize as capacidades dos sujeitos com os quais trabalhamos. Nesse
sentido, adotou-se uma metodologia participativa e dinâmica, sobre te-
mas: gravidez, autoestima, cuidados com o corpo, sexualidade. Como
resultados, percebeu-se uma produção discursivo-subjetiva compreensiva
e expressiva de sentimentos e experiências em torno da gravidez; perce-
beu-se maior autoconfiança e disposição para o enfrentamento da reali-
dade, com repercussões diretas na sua autoestima. A metodologia esco-
lhida pode favorecer aos integrantes do grupo a condição de sujeitos
portadores de saberes sobre suas condições de vida, onde o facilitador
170 Bruna Borges, Luana Sampaio, Tatiane Mendes & Cleber de Assis

tem o papel de incentivador, sistematizador, de apoio reflexivo e de in-


formação, favorecendo que o encontro alcance uma dimensão pedagógi-
ca e terapêutica. Conclui-se pela defesa da viabilidade e efetividade da
intervenção psicossocial em pequenos grupos, em espaços institucionais,
como modalidade de prevenção, educação e promoção da saúde, especi-
almente junto ao grupo de grávidas.

Soeitxawe
Extensão universitária e enfrentamento à violência de gênero
em Cacoal-RO


Simone Muniz
Lucineide Costa Santana
Nádia Valéria Santos
Cleber Lizardo de Assis

O problema da violência de gênero é um fenômeno crônico em nossa


cultura, embora se crie políticas públicas e a Lei 11.340/2006, chamada
“Maria da Penha”, no entanto, adolescentes e jovens iniciam seus relaci-
onamentos amorosos cada dia mais cedo, dentro de um processo de
socialização da violência de gênero. Objetiva-se discutir a importância de
ações educativas de caráter preventivo no enfrentamento à violência de
gênero em adolescentes e jovens de Cacoal-RO. Método: Uma das ações
do Projeto de Extensão Mulher Viva foram as intervenções psicossociais
junto a 1.320 adolescentes e jovens, estudantes do ensino médio e supe-
rior do município de Cacoal-RO. Resultados e Análise: Foram realizados
01 Evento acadêmico interdisciplinar sobre o tema Mulher e Violência,
07 Intervenções Psicossociais com adolescentes de escolas públicas em
parceria com Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, OAB, Fó-
rum de Justiça de Cacoal, SENAC/RO, Ministério Público, Centro Es-
pecializado de Assistência Social; 01 Pesquisa sobre Estratégias de En-
frentamento à Violência de Gênero em Mulheres e 01 Pesquisa sobre
Representações Sociais de Adolescentes sobre a Violência de Gênero. A
partir dos momentos de processamento finais das intervenções, ocorre-
ram uma ampliação da noção de violência de gênero, seus tipos princi-
pais, seu funcionamento cíclico no casal, os fatores geradores e as formas
de enfrentamento. Os eventos permitiram uma maior articulação dos
segmentos sociais envolvidos em rede para o enfrentamento à violência
de gênero; foram produzidos artigos e publicações em periódicos cientí-
ficos acerca do tema da violência de gênero. Considerações finais: Desta-
ca-se a importância de ações e projetos de extensão no curso de Psicolo-
gia como dispositivo para, articulada ao Ensino e à Pesquisa, desenvolver
172 Simone Muniz, Lucineide Santana, Nádia Santos & Cleber de Assis

ações socioeducativas junto a esse público, especialmente através de uma


metodologia de intervenção psicossocial junto a adolescente, em especial,
devido ao seu caráter lúdico, dinâmico e participativo, de forma a se
construir novas relações amorosas sem violências.

Soeitxawe
Prática profissional em psicossomática em profissionais de
saúde da região norte


Simone Muniz de Oliveira
Erica Barbosa
Elizeu Diniz
Lucineide Santana
Nádia Valéria Santos
Uiara Diane Costa Lima
Cleber Lizardo de Assis

As doenças psicossomáticas são difíceis de ser detectadas, pois


causam sintomas físicos, porém sem causas orgânicas, se constituindo
por causas emocionais, onde há uma angustia (de base psíquica).
Objetiva-se estudar as percepções e práticas sobre psicossomática em
profissionais de saúde de Cacoal e Nova Brasilândia/RO. A amostra foi
composta de 08 profissionais de saúde, em pesquisa qualitativa, com
coleta de dados a parti de entrevistas semiestruturadas e tratadas por
Análise de Conteúdo, segundo as seguintes categorias: Relação corpo-
mente, Formação e Conhecimento em Psicossomática e Prática e
Tratamento em Psicossomática. Como resultados, os profissionais
relataram reconhecer uma complexa interação entre mente/psíquico e
corpo, com relativo conhecimento sobre a temática psicossomática,
citando as principais afecções ocorrentes em sua prática, no entanto,
nota-se pouca interação profissional na perspectiva da
interdisciplinaridade, predominando os encaminhamentos. Houve nos
profissionais de saúde um certo conhecimento sobre a interação mente-
corpo, inclusive levantando as doenças decorrentes do mal
funcionamento desse processo, mas não existe na prática profissional um
diálogo e interação de forma interdisciplinar, prevalecendo o
encaminhamento ao psicólogo, que pode contribuir de forma estratégica
para essa possível articulação na abordagem do fenômeno
psicossomático. Conclui-se que, apesar de haver conhecimento ou do
des-conhecimento, os sujeitos assumem ser um dever do profissional de
174 Simone O, Erica B, Elizeu D, Lucineide S, Nádia S, Uiara L, Cleber A

saúde, mas que não existe na prática um diálogo e interação de forma


interdisciplinar, prevalecendo o recurso tradicional do encaminhamento
ao psicólogo ou, em alguns casos, o profissional de saúde evoca práticas
religiosas e não científicas para o suporte ao doente. Nesse caso, o
profissional de Psicologia, pareceu como o profissional com maior
conhecimento e prática junto a esse tipo de paciente, seja por demanda
espontânea do paciente ou por encaminhamentos de outros profissionais
de saúde, o que lhe coloca numa situação estratégica e diferenciada que
pode ser útil numa possível articulação e fomentação de uma prática
interdisciplinar.

Soeitxawe
Representações sociais sobre a psicologia e o psicólogo em
universitários de uma faculdade privada de Rondônia


Géssica Alves de Souza Matthes
Cleber Lizardo de Assis

A Psicologia é uma profissão recente no Brasil, mas abrange vários


campos de atuação e está em constante crescimento enquanto ciência,
incluindo no estado de Rondônia, onde é ofertado em várias cidades, no
entanto, ainda encontramos alguns estereótipos acerca do profissional
psicólogo e desta ciência. A Representação Social se define como uma
forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com
um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social. Encontramos representações sociais e
informações referentes ao psicólogo e a Psicologia como profissional de
baixa remuneração, profissão feminina e com baixa credibilidade profis-
sional e ainda vistos como “esfaqueadores de bolso de elite fútil”, como
“coisa de louco”, dentre outros. Essa pesquisa tem como objetivo identi-
ficar quais as Representações Sociais sobre a profissão Psicologia e o
profissional Psicólogo em sujeitos universitários de uma Faculdade Pri-
vada de Cacoal-RO. Metodologicamente, foi realizada com uma amostra
de 110 alunos, de ambos os sexos, de 06 (seis) cursos de uma faculdade
privada de Cacoal-RO, coletados através de um formulário com frases
evocativas elaboradas pelos pesquisadores, organizadas em 05 (cinco)
categorias: Importância e Credibilidade Profissional; Áreas de Atuação
do Psicólogo; Características e Imagem Social do Psicólogo; Formas e
Modos de Trabalho do Psicólogo e Relação Psicologia e Outros Campos
de Saber. Os dados coletados foram analisados de forma quantitativa,
por frequência simples, sem correlação de idade, gênero, curso e outras
categorias, seguido de produção de gráficos no programa Excell for Win-
dows. Como resultados, o profissional de psicologia bem como a profis-
são psicologia tem importância para a sociedade e para a saúde mental
das pessoas, visto como um profissional que estuda o comportamento, a
mente, as emoções e os relacionamentos humanos. Em relação ao lócus
176 Géssica Alves de Souza Matthes & Cleber Lizardo de Assis

de trabalho do psicólogo, apontaram a área da saúde, escolar, jurídica,


organizacional e do trabalho, sendo que a clínica não teve muito desta-
que. Na categoria Imagem Social do Psicólogo, é visto como uma pessoa
normal, embora “complicado”, mas contribuindo para a qualidade de
vida da população. Em relação ao instrumento de trabalho do psicólogo
a dinâmica de grupo foi bem pontuada, assim como a escuta, os testes e
“conselhos”. Quanto à categoria sobre a relação entre a Psicologia e
outros campos de saber, os resultados demonstraram que as pessoas
ainda buscam na religião, amigos e familiares a resolução para seus pro-
blemas, sem privilegiar a psicologia para isso; ainda não souberam dife-
renciar a Psicologia da Psiquiatria. Conclui-se que os sujeitos universitá-
rios tem em sua representação social sobre o psicólogo e a psicologia,
como de importância na sociedade e para a saúde mental das pessoas
assim como estuda e trata da mente e das relações humanas, não diferen-
ciando bem a sua contribuição em relação a outros campos de saber, no
entanto apontaram com lócus de trabalho as áreas da educação, social,
saúde, organizacional e do trabalho, esportiva e jurídica, sem o predomí-
nio da clínica; o psicólogo ainda é visto como um sujeito normal e que
utiliza de dinâmicas de grupos, escuta, testes e “conselhos” em seu traba-
lho, sendo que esta concepção demonstra ainda uma percepção tradicio-
nal da função do psicólogo.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária junto a
usuários de um CAPS da região Norte

Cleber Lizardo de Assis


Luciana Roa
Lucineide Santana
Priscila de Assis
Rosângela C. R. Aniceto

Resumo: Introdução: A Lei 10.216/2001 de 06 de abril de 2001 assegura a


proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Representa
um grande passo para um novo olhar sobre o sofrimento psíquico no que diz
respeito a subjetivação do sujeito, resgate da cidadania e inclusão social. No
entanto, a normatização desta lei contrasta com o apontamento de algumas
conquistas relevantes do Movimento pela Reforma Psiquiátrica, que apontam
para esse risco de “manicomialização” dos novos equipamentos. Para superar os
modelos arcaicos e ineficazes que intensificam esse risco, existem práticas que se
apresentam não como um modelo padronizado de ação, mas como caminhos
que tornam possível esta prática e que em conjunto com outras classes, o
psicólogo comunitário desempenha um papel fundamental e, nesse sentido, a
proposta de intervenção com usuários do Centro de Atenção Psicossocial II
(CAPS II) é um caminho para a inovação e uma ação necessária ao
prosseguimento da Luta Antimanicomial e para a Reforma Psiquiátrica que
defendem um novo paradigma de ações junto ao portador de sofrimento
mental. Objetivo: Analisar um processo de Pesquisa-Intervenção realizado junto a
um grupo de sujeitos do CAPS II, pessoas com sofrimento mental, de um
município do interior de Rondônia. Método: A partir de uma pesquisa-
intervenção em psicologia social/comunitária foi realizada com 17(dezessete)
usuários e 02 (dois) funcionários do CAPS II da cidade de Cacoal/RO, sob
estudo teórico-bibliográfico e oficinas de trabalhos artesanais. Resultado e
Discussão: a partir dos momentos reflexivos e de processamento finais das
intervenções junto ao público, verificou-se a possibilidade de ações interventivas
através de oficinas com artesanato com baixo custo e fácil aprendizagem, de
forma que ocorra socialização, lazer, reinserção social através do trabalho e
aquisição de renda financeira, além de proporcionar acolhimento, resgate da
autoestima, liberdade de expressão e criatividade, elementos que podem ser
constitutivos de uma maior adesão ao tratamento e à qualidade de vida desses

Soeitxawe
178 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

sujeitos. Para os discentes em formação, a experiência de conviver, mesmo que


por pouco tempo com uma comunidade denominada “pessoas com sofrimento
mental”, se constituiu em importante eixo de formação do futuro profissional.
Conclusão: Destacamos a importância de ações e projetos de pesquisa-
intervenção no curso de Psicologia como dispositivo para desenvolver ações
terapêuticas junto a esse público. A metodologia de pesquisa-intervenção
psicossocial através de oficinas podem ser estimuladas e aperfeiçoadas no
tratamento de temas relevantes para o usuário do CAPS, em especial, devido ao
seu caráter lúdico, dinâmico e participativo, de forma a se construir novas
relações entre usuários, família e comunidade.
Palavras-chave: Pessoa com sofrimento mental; Pesquisa-intervenção;
Reforma psiquiátrica.

Introdução

A Lei Número 10.216/2001 06 de abril de 2001, que assegura a


proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais,
representa um grande passo para um novo olhar sobre o sofrimento
psíquico no que diz respeito a subjetivação do sujeito, resgate da
cidadania e inclusão social. A normatização desta lei contrasta com o
apontamento de algumas figuras relevantes do Movimento pela Reforma
Psiquiátrica, que apontam para um risco de “manicomialização” dos
novos equipamentos (Campos e Furtado, 2006, p.1054).
Para superar os modelos arcaicos e ineficazes que intensificam o risco
de manicomialização mencionado, existem práticas que se apresentam
não como um modelo padronizado de ação, mas como caminhos que
tornam possível esta prática e que em conjunto com outras classes o
psicólogo desempenha um papel fundamental. Dittrich (1998) menciona
algumas destas práticas que é a desmistificação do sofrimento mental, ou
seja, o psicólogo deve por todos os meios possíveis demonstrar que o
sofrimento é um constituinte da existência humana e desta forma o
sofrimento mental deixará de ser visto como patologia e
consequentemente deixará de produzir o isolacionismo, a segregação e a
institucionalização.
O trabalho preventivo do psicólogo também, segundo Dittrich
(1998), é um caminho inovador efetivado através de intervenções

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 179

comunitárias. O psicólogo através de seu saber científico assume práticas


preventivas indo ao encontro deste público e localizando as causas de
seu sofrimento. A importância da socialização e a luta contra a
institucionalização são caminhos que também foram citados por Dittrich
(1998). A institucionalização impossibilita a relação daquele que sofre
com seu mundo social isentando este indivíduo de contato humano, de
socialização. Como o autor afirma que o melhor “remédio” contra o
sofrimento mental é o contato humano, a institucionalização impediria
esta forma de cura para o sofrimento desta pessoa.
O papel do psicólogo, em tal situação, se constitui em abrir ao sujeito
seu leque de possibilidades, visando o fim do sofrimento, propiciando
liberdade e integração social, certamente, isto será efetivado por meio de
diferentes técnicas de intervenção que fazem parte do saber do
profissional psicólogo. Para Martins e Rocha (2001), o modelo de
profissional de psicologia no Brasil foi se transformando de acordo com
as necessidades apresentadas pela sociedade que são, segundo os autores,
desemprego, pobreza e desigualdade social, por exemplo. Sendo que,
com esse quadro social, houve a necessidade de pensar na função social
do psicólogo e na transcendência social da psicologia. Ainda neste
contexto social de transformações, Martins e Rocha(2001), afirmam que
a psicologia vem recebendo novos desafios, abrindo novos espaços de
trabalho que exigem, cada vez mais, uma especificidade de ação
concluindo então que a psicologia da saúde surge da necessidade de
promover e de pensar o processo saúde/doença como um fenômeno
social. De acordo com essa nova mudança no processo saúde/doença,
Martins e Rocha (2001) afirmam que o processo saúde/doença,
entendido como um fenômeno coletivo, num processo histórico e
multideterminado, remetem-nos a uma atuação integrada com vistas à
saúde, demonstrando a necessidade da interdisciplinaridade. Assim, o
movimento da saúde integral e a visão biopsicossocial, influenciará a
nova forma de atuação, enfatizando a melhoria da qualidade de vida no
trabalho e o direito que todo cidadão tem de receber atenção e cuidados
que lhes garantem atendimento global.
Nesse sentido, a proposta de intervenção em um Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) pode ser um caminho para a inovação mencionada
neste trabalho e uma ação necessária para consolidar os ideais da luta

Soeitxawe
180 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

antimanicomial na região Norte do país. Nesse caso, através da oficina


terapêutica, além de capacitação profissional com vistas à aquisição de
renda financeira, propicia também saúde mental, integração social,
liberdade de expressão e contato humano.

A pessoa com sofrimento mental: breve histórico

Ao longo da história, pessoas com sofrimento mental foram


marginalizadas pela sociedade, enclausuradas, estigmatizadas, rotuladas,
sem direitos algum por mais simples que fosse como, por exemplo, a
condução de suas vidas e a liberdade de escolha. Até os dias de hoje, a
história do sofrimento mental passou por vários processos de
transformação, desde o conceito primórdio de saúde e doença da Idade
Média até a Luta Antimanicomial e as instituições de atendimento
psicossocial da atualidade. O conceito doença e saúde não têm o mesmo
significado para todas as pessoas afirma Scliar (2007), são conceitos
atrelados a historicidade do indivíduo, ou seja, seus valores, classe social,
concepções religiosas, filosóficas etc., como exemplo, houve época em
que a masturbação era considerada uma conduta patológica que era
tratada com choques elétricos e até mesmo a imobilização da pessoa.
Na antiguidade predominava o conceito religioso acerca da doença.
Consideravam que forças alheias ao organismo é que o acometia da
doença por causa do pecado ou por uma maldição (Scliar, 2007). A
medicina grega contribuiu substancialmente na forma de entender a
doença, segundo Scliar (2007), suas práticas em busca da cura não se
resumiam somente em rituais místicos, mas também era obtida pelo uso
de plantas e de métodos naturais. Neste contexto surge Hipócrates de
Cós (460-377 a.C) sobre o enfoque organicista da doença e Galeno (129-
199) com o conceito endógeno da origem da doença.
Na idade média ainda predominava o conceito religioso atrelado a
doença e a saúde, tanto é que as instituições religiosas é que
administravam os locais onde abrigavam os doentes, inclusive os
hospitais, já na modernidade inicia-se a mudança do conceito religioso de
“doença” e começa a sofrer influência da alquimia e a química no
tratamento trazido pelo suíço Paracelsus (1493-1541) com o conceito

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 181

teórico da origem exógena da doença. René Descartes, no século XVII


influenciado pela mecânica, faz uma associação corpo e máquina e
postula um dualismo mente-corpo.
A ciência é revolucionada com as descobertas no laboratório de Louis
Pasteur, com ajuda do microscópio, descoberto no século XVII, pode
identificar a existência de micro-organismos causadores de doenças o
que possibilitou a introdução de soros e vacinas. Posteriormente inicia os
estudos epidemiológicos e estudos estatísticos que auxiliavam para a
análise do nível sócio econômico relacionado a saúde que culminou com
o início do trabalho da saúde pública.
Ao analisar a história da loucura nos séculos XVIII e XIX, é possível
identificar um novo modelo de homem que surge na modernidade. Para
Torre e Amarante (2001), esse modelo de homem surge em meio a um
pensamento mecanicista: o sujeito da razão, desta forma a loucura se
torna seu contrário, o sujeito da “desrazão”. Neste período também
surgem significados para a loucura: alienação e mais tarde doença mental.
Neste período a medicina apropria-se da loucura e atribui a esta um
papel estratégico a partir do momento que é vista como um sinônimo de
erro.
A partir do princípio do confinamento e do ideal de normatização do
sujeito louco foi instituído o asilo, de acordo com Torre e Amarante
(2001), a loucura deixa de ser vista como algo de ordem sobrenatural, de
uma natureza estranha a razão, mas uma desordem desta e então surge o
conceito de alienação, aquele que está fora de si, fora da realidade e do
sujeito alienado. A partir deste conceito o modo de relacionamento
social com a loucura passa a ser intermediado por uma ciência que
Philippe Pinel define como alienismo (Torre e Amarante, 2001).
A institucionalização da loucura torna-se uma regra geral, um
princípio universal (Torre e Amarante, 2001). Neste período, o
internamento deixa de ter um papel filantrópico ou jurídico-política e
passa a ter um caráter de tratamento, o que implicava no método de
isolamento como função terapêutica.

Soeitxawe
182 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

A Reforma Psiquiátrica e as Políticas Públicas

As iniciativas reformadoras prosseguiram ao longo do século XIX em


meio a críticas do modelo asilar, o que culminou na luta contra a
institucionalização e teve a contribuição importante de Franco Basaglia,
tanto em sua produção teórica como nos processos de transformação no
campo da saúde mental. Para Basaglia (1981), a desconstrução do
manicômio era entendida como um conjunto de práticas multidisciplinar
e multi-institucionais que deveriam ser exercidas em vários espaços
sociais e não apenas no interior do hospício.
Nas últimas décadas, a Reforma Psiquiátrica toma um desvio, não
mais visa o aperfeiçoamento ou humanização do modelo asilar, mas a
condenar a sua ação de normatização e controle, tanto que na década de
70, a marca distintiva e fundamental é o reclame da cidadania do louco
permeado por exigências políticas, administrativas, técnicas e teóricas.
Posteriormente, na década de 80, surge segundo Tenório (2002), o
que seria o marco inaugural de uma nova prática de cuidados no Brasil: o
Programa de Saúde Mental de Santos/SP e o Centro de Atenção
Psicossocial Luiz Cerqueira de São Paulo/SP. Em 1987 acontece a I
Conferência Nacional de Saúde Mental e o posteriormente o II
Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, tais encontros
não tiveram apenas o intuído de transformar o sistema de saúde, mas
também de desconstruir as formas arraigadas de lidar com a loucura.
Aprovada a Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, de acordo com Silva e
Col. (2002), é redirecionado o modelo da assistência psiquiátrica no país.
Dentro dos moldes da reforma, a Coordenação de Saúde Mental do
Ministério da Saúde (COSAM) cria os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) e dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS).
O Brasil tem estabelecido através do Sistema Único de Saúde (SUS),
estratégias de funcionamento das redes de atenção à saúde,
especificamente a rede de atenção psicossocial. Como fonte foi coletado
dados da 10ª edição do informativo eletrônico de dados sobre a Política
Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, em março de 2012,
destacando dados estatísticos importantes do ano 2011, que identifica os
principais desafios e propõe a construção de estratégias para garantir a
acessibilidade e qualidade dos serviços da rede, como o cadastramento de

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 183

122 novos CAPS, entre eles o CAPSad24h. Estatisticamente a cobertura


nacional chegou a 1 CAPS para cada 100.000 habitantes perfazendo um
total de 1742 CAPS. Ainda na mesma fonte estatística, a rede de Atenção
Psicossocial, a nível nacional, conta ainda com 625 residências
terapêuticas, 3961 benefícios do programa De Volta Para Casa, 92
consultórios de rua e 640 iniciativas de inclusão social pelo trabalho de
pessoas com transtornos mentais (Ministério da Saúde, 2012).
Atualmente encontram-se habilitados 3.910 leitos de psiquiatrias em
Hospital Geral, distribuídos em 646 hospitais por todo o país. Ao longo
do período de 2006-2011, foram aprovados 851 projetos de Supervisão
Clínico-Institucional, segundo a 10ª edição do informativo eletrônico de
dados sobre a Política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde
(2012), para o ano de 2012, há previsão de novas aprovações priorizando
os novos CAPSad III e os CAPSad. A Tabela 1 apresenta informações,
segundo dados coletados da 10ª edição do informativo eletrônico de
dados sobre a Política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde,
março de 2012, para o estado de Rondônia no período de 2011:

Tabela 1: CAPS em Rondônia – período: 2011

CAPS por tipo CAPS I: 11 unidades


CAPS II: 05 unidades
CAPSad: 01 unidade
CAPS/100.000 habitantes 0,74 (cobertura muito boa/acima de
0,70)
Programa de Incl. Soc. Pelo 1 (um) projeto de incentivo técnico e
Trabalho financeiro
Consultório de Rua (CR) 1 consultório implantado ou em
implantação
Hospitais Gerais / leitos 01 / 60

Fonte: Ministério da Saúde. Saúde Mental em Dados-10 ano VII, nº 10.


Informativo eletrônico. Brasília: março de 2012.

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184 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

Na busca de referencial teórico sobre a definição de Políticas


Públicas, diversos conceitos foram encontrados, dentre estes, Souza
(2009) cita 3 referenciais: Mead (1995) que define como um campo que
analisa o governo à luz de grandes questões, Lynn (1980) afirma ser um
conjunto de ações para produzir efeitos específicos, Peters (1986), define
que políticas públicas é a soma de atividades do governo que agem direta
ou através de delegações que influenciam a vida dos cidadãos. Para
Souza (2009), para qualquer teoria da política pública é necessário citar as
inter-relações existentes entre Estado, política, economia e sociedade.
De acordo com Batista & Castello (s/a), no Brasil a política de saúde
mental só aconteceu devido a influência Psiquiátrica Italiana, e foi com
este pensamento que a legislação sobre a saúde mental no país coloca
sobre extinção os manicômios e substitui estes por novas modalidades
de atendimento, tais como: hospitais-dia, Centros de Atenção
Psicossocial – CAPS e Núcleos de Atenção Psicossocial – NAPS, trata
dos direitos do portador de transtorno mental, articulado à luta em
defesa dos interesses do portador de transtorno mental. A Lei Número
10.216/2001 06 de abril de 2001, assegura a proteção e direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e acredita-se que esta lei
represente um grande passo para um novo olhar sobre o sofrimento
psíquico no que diz respeito a subjetivação do sujeito, resgate da
cidadania e inclusão social.
Segundo Martins e Vecchia (2009, p. 02), na atualidade vêm sendo
concedida atenção, no âmbito das políticas públicas de saúde no Sistema
Único de Saúde (SUS) que são, centros de atenção integral à saúde,
centros regionais de saúde mental, centros de atenção psicossocial,
centros de convivência, serviços residenciais terapêuticos e a rede
assistencial de atenção básica (UBS). Com base nesses dados é
importante perceber que há uma tentativa do governo em promover
essas políticas públicas, no entanto, a consolidação deste novo modelo
não é tão simples assim, pois passa pela produção de mudanças na
racionalidade sobre os fenômenos de saúde por parte das equipes
técnicas, na constituição de uma nova clínica. (Schneider, 2009, p.324).
Figuras relevantes do Movimento pela Reforma Psiquiátrica apontam
para o risco de uma “manicomialização” dos novos equipamentos
(Campos e Furtado, 2006, p.1054). O CAPS poderá expor os serviços ao

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 185

risco de sua deslegitimização social sem que os impasses sejam


suficientemente identificados e enfrentados. Este assunto foi abordado
em um congresso em São Paulo no ano de 2004, no que foi levantado
algumas críticas em relação ao trabalho do CAPS pois há um receio em
relação ao tratamento das pessoas, como eles mesmos citam, uma
“manicomialização” ou seja, ter o mesmo tratamento que as pessoas
tinham nos manicômios.

Psicologia Social-Comunitária e o trabalho do Psicólogo nesse


campo

A terminologia usada – Psicologia Social-Comunitária – compreende


o homem como um ser constituído sócio historicamente, segundo Silva e
Corgozinho (2011) e ao mesmo tempo em contínua construção de
concepções a respeito de sí mesmo, dos outros e do contexto social em
que vive.
No Brasil, a história e os fundamentos da Psicologia Comunitária
passam por um contexto econômico e político que surgiu em meio ao
golpe militar de 1964, segundo Lane (2007, p.17) ocasionou em meio a
este contexto político um questionamento em meio aos profissionais da
psicologia de qual seria o papel na sua conscientização e organização e
surge também uma reflexão sobre a atuação profissional junto à maioria
da população, sendo assim, sob o rótulo de psicologia social comunitária
houve no Brasil movimentos interdisciplinares, conforme Lane (2007,
p.19), na área de prevenção da saúde mental, unindo psicólogos,
psiquiatras e assistentes sociais, na área da educação popular com a
participação de pedagogos, psicólogos, sociólogos e assistentes sociais.
Mediante estes movimentos da então chamada Psicologia Social-
Comunitária, aconteceu, segundo Lane (2007, p.19) dois encontros: o
primeiro foi em São Paulo em 1981 (Encontro Regional de Psicologia na
Comunidade) e o segundo em Belo Horizonte em 1988, ambos foram
realizados pela Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO).
Estes encontros referidos são apenas alguns de muitos outros encontros
e experiências em psicologia comunitária que vem ocorrendo no Brasil,
Lane (2007, p. 30, 31) acredita que eles sejam significativos em termos de

Soeitxawe
186 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

representatividade das grandes questões teóricas e práticas que a


caracterizam hoje em nosso país:

A descoberta da comunidade não foi um processo específico da


psicologia social. Fez parte de um movimento mais amplo de
avaliação crítica do papel social das ciências e, por conseguinte,
do paradigma da neutralidade científica desencadeado nos anos
60 e culminado na década de 70 e 80, quando o conceito de
comunidade invadiu, literalmente, o discurso das ciências
humanas e sociais, especialmente as práticas na área de saúde
mental (LANE, 2007, p. 35).

Segundo Dittrich (1998) no que diz respeito à atuação do psicólogo


na proteção dos direitos humanos das pessoas com sofrimento mental,
este, sendo estudioso da dinâmica social que leva uma pessoa ao
sofrimento mental, não pode abster-se de seu papel fundamental neste
campo. Não é possível expor todas as alternativas viáveis para o auxílio
àqueles que sofrem, nem detalhar os diversos passos para a
concretização de tais alternativas. Algumas práticas são sugeridas visando
à superação de modelos arcaicos, ineficazes e coercivos. Porém não
pretendem, certamente, compor um modelo padronizado de uma nova
práxis; antes, pretendem demonstrar que existem caminhos para levar a
efeito tal desafio. A Desmistificação do sofrimento mental diz que
enquanto o sofrimento mental for visto como uma patologia, o
isolacionismo, a segregação e a institucionalização encontrarão sólida
base para a reprodução de suas práticas. O psicólogo deve, por todos os
meios disponíveis, demonstrar que o sofrimento é, inexoravelmente, um
constituinte da existência humana. A Importância crucial da socialização
mostra que o melhor "remédio" contra o sofrimento mental é e sempre
será o contato humano, e tal contato vem sendo maciçamente
desestimulado em nossa sociedade (Dittich, 1998).
Inúmeras outras formas de fomentar uma nova práxis na Psicologia
do sofrimento mental podem ser debatidas, assim como maneiras
diversas de consumar tais práticas e por certo, não se espera encontrar
unanimidade junto aos psicólogos em relação a essas questões, afirma
Dittrich (1998), tal fato deve tornar ainda mais incisiva à luta por
melhores condições de vida para o indivíduo que sofre. A pluralidade de

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 187

ideias não é apenas inevitável, mas desejável. A Psicologia não se faz de


certezas ou verdades, mas de dialética, de subjetividade, de humanidade e
de trabalho árduo. A seriedade do trabalho do psicólogo só será
reconhecida no momento em que a especificidade e a utilidade de seus
conhecimentos forem ostensivamente comprovadas, através de sua
aplicação efetiva na sociedade, visando à promoção e preservação dos
Direitos Humanos das pessoas com sofrimento mental.
Para Barros e Marsden (2008), a formação dos psicólogos que atuam
na saúde pública baseia-se em grande parte na cultura psicanalítica. Nos
últimos anos, reformas curriculares nas faculdades têm promovido a
diversificação de linhas teóricas e uma abertura de certas correntes da
Psicanálise à contextualização social, mas a influência do estruturalismo é
fortemente presente na auto-representação do psicólogo. Ainda segundo
a autora, os profissionais de Psicologia são formados para atender aos
“sujeitos psicológicos”.
A intervenção do psicólogo no contexto comunitário, para Freitas
(1998b) apud Silva e Corgozinho (2011), se caracteriza atualmente por
três ideologias de atuação que é a inserção assistencialista, a segunda por
curiosidade científica e terceiro uma inserção pautada no compromisso
real com a transformação social e a busca de mudanças das condições
vividas por essa população. Silva e Corgozinho (2011), ressaltam que o
processo de intervenção não deve ser unidirecional, uma imposição do
querer de um profissional, ao contrário, o interventor é um profissional
que busca transformações na comunidade em que está atuando com base
no desejo e na demanda deste grupo. Ornelas (1997) apud Silva e
Corgozinho (2011), afirma que a princípio a intervenção tem como foco
a transformação social e em última instância a transformação individual.
Diante do exposto acima, esse trabalho temo como objetivo, analisar
um processo de Pesquisa-Intervenção realizado junto a um grupo de
sujeitos do CAPS II, pessoas com sofrimento mental, de um município
do interior de Rondônia.

Soeitxawe
188 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

Método

Segundo Rocha (2003), a pesquisa-intervenção vem constituindo-se


em um dispositivo de transformação vinculado tanto à formação
acadêmica dos psicólogos, quanto às práticas nas instituições,
possibilitando novas análises construídas entre a macro e a micro
política.

Amostra

Com relação ao perfil dos sujeitos-alvo da intervenção, a faixa etária


média é de 40 anos; quanto aos aspectos socioeconômicos, são de classe
social baixa, sem vínculo empregatício e nem benefício do INSS; quanto
a escolaridade, há analfabeto funcional, com ensino superior em forma-
ção e com o terceiro ensino fundamental incompleto; há que more em
casa de aluguel e outros que possuem casa própria, com renda familiar
menor que um salário e até três salários mínimo vigente.

Procedimentos e Materiais

Como etapas processuais, foi realizado um estudo teórico-


bibliográfico sobre o tema e subtemas: Doença Mental, Reforma Psiquiá-
trica, Pessoa com sofrimento mental, Políticas Públicas para esse sujeito,
o que forneceu os elementos categóricos e estado da arte no país. Na
sequência, planejou-se as etapas de seleção de local, de pessoas de conta-
to, os instrumentos de coleta de dados, pedido de autorização institucio-
nal e as visitas organizadas sob a forma de observações e entrevistas a
usuários e profissionais da instituição, bem como a metodologia de ofi-
cina de trabalhos artesanais que seria desenvolvida.
Em relação à intervenção propriamente dita, ocorreram em três eta-
pas dentro do segundo semestre de 2013, em período matutino com
duração de 3 horas cada encontro, coordenados por acadêmicas do curso
de Psicologia junto ao espaço físico do CAPS II em Cacoal/RO. Obser-
vou-se como os sujeitos se comportam e como se organizam e aplicou-se
as entrevistas para o público-alvo e aos funcionários, com a perspectiva

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 189

de identificar temas e problemas de ordem objetiva e subjetiva da tríade


sujeito-instituição-comunidade.
A observação inicial do público-alvo ocorreu durante uma oficina de
pintura em tela que ocorria com 12 (doze) participantes, de onde se
entrevistou 03 (três) usuários, um homem e duas mulheres, seguido da
entrevista com 02 (duas) pessoas que trabalham (gerente e enfermeiro do
CAPS II). Na segunda etapa, as acadêmicas foram ao encontro das
usuárias do CAPS II que participavam da oficina de pintura em tela, para
fazerem o convite a um encontro específico, onde seria desenvolvida a
oficina de artesanato, que ocorreu na semana seguinte e foi composta
dos momentos: uma introdução e técnica “quebra-gelo” em que
respondiam a questões que vinham dentro de balões, o que favoreceu a
expressão de seus sentimentos com relação ao passado e desejos para o
futuro (era um mês de dezembro que serviu de mote), além de falas que
se referiram à importância do CAPS no seu tratamento, família e
projetos. Essa técnica favoreceu a apresentação do grupo a partir de um
estímulo verbal, promovendo a descontração e um sentimento de
identidade grupal entre os membros do grupo; ao final foi servido um
lanche e entregue um convite impresso em que anunciava a oficina de
enfeite natalino. Já na quarta etapa, da realização da oficina de enfeite
natalino de feltro, as 5 (cinco) participantes foram organizadas em uma
das mesas e receberam a explicação de cada etapa para a confecção do
enfeite e seu uso na geração de renda. Nesse sentido, foi proposto que
tal artesanato poderia ser produzido com baixo custo para promoção de
qualidade de vida aos usuários do CAPS. Salientamos que essa última
intervenção foi planejada e realizada de acordo com a demanda exposta
na entrevista dos usuários do CAPS II, especialmente a partir de queixas
de sentimento de inutilidade e dificuldade de produzir algo rentável, e
foram adaptados os dias e horários que os sujeitos poderiam participar.

Soeitxawe
190 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

Resultado e Discussão

Na sequência, apresentaremos a análise da pesquisa-intervenção a


partir de categorias criadas durante e a posteriori ao trabalho desenvolvido,
como forma de sistematizar elementos observados e identificados em
entrevistas e interações com sujeitos usuários e profissionais do CAPS:

Avaliação inicial/diagnóstico

Nota-se como é fundamental o trabalho desenvolvido no CAPS na


vida dos usuários: A mudança de comportamento antes e depois de se
tornarem usuários do CAPS foi relatado nas entrevistas e comprovado
através das observações. Eles estavam entregues à sorte de seu
sofrimento e ainda mais, ao sofrimento imposto pela sociedade,
conforme a pesquisa, discriminação e exclusão eram alguns destes
agravantes que em sua maioria partia de pessoas da própria família. Hoje
conquistaram, até onde permite seu sofrimento, autoestima, liberdade de
expressão, amigos, autoconfiança, aceitação de seu sofrimento mental e
respectivos sintomas. Mas mesmo assim, foi possível observar e
constatar através das falas que o sentimento de inutilidade e incapacidade
também faz parte da vida da pessoa com sofrimento mental devido às
limitações impostas, como exemplo, desempenho de atividades
laborativas, tanto as domésticas rotineiras, quanto as com vínculo
empregatício, que segundo eles poderiam ajudar na renda familiar.

Tema/problemas dos sujeitos

Identificamos o caso de um usuário que devido ao efeito colateral de


seus medicamentos teve prejuízo no seu desempenho sexual, gerando
conflitos em seu relacionamento conjugal, mas recebendo ajuda
psicológica para conseguir superar esta crise. De acordo com a sua fala:
“Devido ao uso dos meus medicamentos tive prejuízo no meu desempenho sexual e isso
ocasionava brigas entre eu e minha esposa, quando conversei com o psicólogo, recebi
orientação nesta área e resolveu”. (sic). Nota-se que a proposta de intervenção
para este problema envolve a participação de todos os membros
envolvidos no convívio direto com este indivíduo, sejam a esposa e os

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 191

profissionais da saúde, de forma que se opere a lógica de atenção


psicossocial.
Quanto às modalidades, podem ser em sessões psicoterápicas
individuais, já que o convívio dos familiares com esses pacientes é
grandemente afetado devido aos sintomas do sofrimento mental e a
intervenção psicológica através da terapia possibilitaria para o sujeito e
toda a sua família uma vida mais tranquila, amenizando os conflitos
existentes. Um outro usuário também atribui seu bem estar mental ao
psicólogo porque quando chega “péssima” e conversa com a psicóloga
consegue ficar bem.
Também foi identificada durante as entrevistas a queixa por parte dos
usuários do CAPS, em relação ao preconceito, discriminação e a
desinformação sobre o sofrimento mental, expressos por parte dos
familiares e vizinhança. S1: “Com minha família sim, com pessoas de fora nunca
sofri discriminação, pois nunca contei para ninguém, escondo porque tenho medo da
discriminação”; S2: “Sim, violação dos direitos, discriminação por parte da família
(parente) e vizinhos”. Como intervenção para esses casos a proposta de
enfrentamento pode ser através de palestras de orientação sobre os
transtornos, sintomas e características da doença e incentivar a
participação da família junto ao CAPS para conhecer a estrutura física e
profissional existente.
Um dos problemas que mais se destacou na pesquisa foi a
incapacidade laborativa dos entrevistados, que segundo eles gera um
sentimento de inutilidade e incapacidade. Devido a classe social ser de
baixa renda, estas pessoas sentem necessidade de ajudar nas despesas
financeiras da família, mas fatores como o despreparo para a
competitividade no mercado de trabalho, o sofrimento mental e seus
sintomas característicos associados aos efeitos colaterais dos
medicamentos também inviabiliza, em grande parte, que estas pessoas
assumam um vínculo empregatício, apontando que há uma necessidade
evidente de que pessoas com sofrimento mental sejam capacitadas
profissionalmente com atividades que contribuam para sua renda familiar
e também proporcione bem estar psicológico.
Confirma-se, portanto, que a participação do psicólogo nesses
processos é de grande relevância, pois segundo depoimentos, situações
que vivenciam, não são possíveis solucionar com medicamentos, o

Soeitxawe
192 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

psicólogo no uso de seu saber contribui para que este momento seja
enfrentado da forma mais saudável possível.

Laço Social e o tratamento

Com base na observação e escuta relacionadas aos aspectos psicosso-


ciais, foi possível destacar alguns fatores como comportamento, relacio-
namento familiar e sofrimentos. Hoje são pessoas que conseguem con-
duzir suas vidas de forma mais saudável e durante as entrevistas aparen-
tavam maior tranquilidade até mesmo para falar sobre o seu sofrimento
que, segundo suas falas, era um quadro totalmente diferente do atual
como usuários do CAPS II; por exemplo, o sujeito 01 afirmou que antes
chorava muito, sofria desmaios, depressão e tinha ideações suicidas, mas
hoje se considera feliz no CAPS, onde tem amigos, sente-se bem, confia
nas pessoas; esse mesmo perfil de “antes e depois” acompanha a fala dos
demais, sendo que o sujeito 2 relata que brigava com muita facilidade,
com uso de agressões verbais e físicas, mas que hoje consegue se contro-
lar e afirma: “mudei muito”; esse quadro também se repete com o sujeito
3 diz que agora consegue lidar melhor com seu sofrimento. Nesse ele-
mento “tratamento”, além do próprio CAPS, as famílias foram conside-
radas pelos entrevistados como pessoas extremamente importantes, de
onde receberam apoio e o próprio encaminhamento para tratamento;
não menos importante e mencionados, atribuiu-se aos profissionais da
saúde que ali atuam, seu grau de importância.

O lugar e o papel da Psicologia

A importância da atuação do profissional psicólogo foi evidente tanto


nas falas dos usuários quando dos funcionários entrevistados. Situações
vivenciadas pelos usuários que fogem ao controle dos medicamentos e
que são pertinentes ao âmbito emocional imbuído de sua subjetividade,
faz com que a ciência psicológica se torne primordial à pessoa com so-
frimento mental, como facilitadora e promotora de processos com vistas
as conquistas da pessoa nos aspectos interpessoais, comunitários, sociais
e até mesmo culturais a que pertencem. As transcrições dos depoimentos

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 193

a seguir confirmam isso: S1- “venho péssima de casa (mesmo medicada), e sinto-
me bem quando falo com ele (psicólogo), consigo enfrentar o dia e as situações, enfren-
tar os problemas da família sem crises.”; também há queixa do S2 sobre o
efeito colateral do medicamento que usa e que causa prejuízo no seu
desempenho sexual e que, por sua vez causava conflitos no relaciona-
mento conjugal, mas que tem sido superados após a atenção recebida
por um psicólogo.
Junto aos funcionários, quando indagados sobre o trabalho do psicó-
logo na instituição, obtivemos respostas nas quais foi possível identificar
o quanto é importante a sua presença, conforme alguns aspectos relevan-
tes em falas a seguir: - Formação de equipe: “discutimos os problemas”,
“trocamos informações o tempo inteiro”; - Resultados significativos: “o
paciente precisa também de um psicólogo, faz a diferença”; “a avaliação
psicológica é importante porque ajuda o paciente a se encontrar”; - As-
sistência profissional específica: “acredito que só os medicamentos não
resolvem, precisa de uma orientação, intervenção psicológica...”. A partir
destes depoimentos, notamos como se consolida a importância da Psico-
logia na percepção dos funcionários, mas também de sua atuação de
forma interdisciplinar, de forma que favoreça o bem estar biopsicossocial
da pessoa com sofrimento mental.

Considerações Finais

Preocupados com o risco da manicomialização, novas práticas


surgiram e se apresentam não como um modelo padronizado de ação,
mas como caminhos que tornam possível esta prática e que em conjunto
com outras classes, o psicólogo desempenha um papel fundamental. O
trabalho realizado pelo CAPS – Centro de Atenção Psicossocial que visa
oferecer atendimento à uma população específica, realiza o
acompanhamento clínico e a inserção social dos usuários pelo acesso ao
trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços
familiares e comunitários através de uma ação interdisciplinar.
Os CAPS são serviços de saúde municipais, abertos, comunitários
que devem oferece atendimento diário e tem como função: prestar aten-
dimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações em

Soeitxawe
194 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

hospitais psiquiátricos; acolher e atender as pessoas com transtornos


mentais graves e persistentes, regular a porta de entrada da rede de assis-
tência em saúde mental na sua área de atuação; promover a reinserção
social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos
direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.
Sabemos que ao longo da história de pessoas com sofrimento mental,
houve um avanço considerável e conquistas eméritas neste campo, mas
que ainda há muito a ser feito, especialmente na região Norte do país,
onde tal dispositivo ainda se encontra em amadurecimento. Neste
contexto, cabe ao psicólogo estar mais atento as demandas sociais
principalmente no que se refere ao público em questão, intervindo de
forma a superar a visão que concebe seu sofrimento como unicamente
de ordem individual, dissociando das demais estâncias em que vive,
sendo assim, o psicólogo deverá propor caminhos com base em uma
ação compartilhada, afim de que estes indivíduos possam construir sua
própria história. Entendendo que essa ação do psicólogo deve ocorrer de
forma interdisciplinar e com um comprometimento que implica
responsabilidade política, profissional e social.
A experiência de conviver mesmo que por pouco tempo com uma
comunidade denominada “pessoas com sofrimento mental” nos fez
refletir mais sobre o universo em que vivemos e nossos (pré) conceitos
acerca de situações e pessoas alvo do trabalho do psicólogo. A revelação
da potencialidade do ser humano, mesmo com certo grau de
comprometimento e impedimento imposto pelo seu sofrimento, deve
ser reconhecida e valorizada. Já o que não deve ser valorizado mas sim
combatido, e que compromete ainda mais o sofrimento desses sujeitos é
o preconceito, a discriminação, a segregação, alienação e o isolamento.
Segundo Rocha (2003) na pesquisa-intervenção, a relação
pesquisador/objeto pesquisado é dinâmica e determinará os próprios
caminhos da pesquisa, sendo uma produção do grupo envolvido.
Durante essa intervenção houve uma troca de saberes entre
pesquisadores e sujeitos, onde nos surpreendemos com a participação e
troca de experiências com os sujeitos, com sugestões de como melhorar
a produção e assim poder realizar a venda do artesanato de forma
lucrativa: os usuários se sentiram empoderados e produtivos.
Destacamos a importância de ações e projetos de pesquisa-intervenção

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 195

no curso de Psicologia como dispositivo para desenvolver ações


terapêuticas junto a esse público. A metodologia de pesquisa-intervenção
psicossocial através de oficinas podem ser estimuladas e aperfeiçoadas
no tratamento de temas relevantes para o usuário do CAPS, em especial,
devido ao seu caráter lúdico, dinâmico e participativo, de forma a se
construir novas relações entre usuários, família e comunidade.
Em meio a tudo que foi observado, escutado e sentido, podemos
concluir que não há possibilidades de pensar a inclusão social e a saúde
mental, se não houver uma visão otimista dos processos humanos, quer
sejam nas políticas públicas, nas disciplinas, na gestão social, enfim, em
todos os setores e pessoas que se voltam para essa causa, até mesmo a
partir dessa pesquisa-intervenção realizada junto ao CAPS II. A
diversidade de ideias e ações é necessária e a Psicologia tem seu
reconhecimento a partir do momento que utilize de seus conhecimentos
de forma efetiva na sociedade como promotora e facilitadora da saúde
mental e também da preservação dos direitos humanos das pessoas com
sofrimento mental.

Referências

Brasil (2012). Ministério da Saúde. Saúde mental em Dados-10, ano VII,


nº 10. Informativo eletrônico. Brasília: DF
CAMPOS, R. T. O.; Furtado,J. P. (2006). Entre a saúde coletiva e a saúde
mental: um instrumental metodológico para avaliação da rede de
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Sistema Único de
Saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22 (5):1053-1062
DITTRICH, A. (1998). Psicologia, direitos humanos e sofrimento mental:
ação, renovação e libertação. Psicologia: Ciência e Profissão, 18 (1), 46-
55
LANE, S. T. M. (2007). Histórico e fundamentos da psicologia
comunitária no Brasil-Psicologia Social Comunitária. Editora
Vozes, 13ª. Ed. Petrópolis, RJ

Soeitxawe
196 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

MARTINS, D. G; Rocha Jr., A. (2001). Psicologia da saúde e o novo


paradigma: novo paradigma? I Congresso de Psicologia Clínica,
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/SP
POMBO-DE-BARROS, Carolina Fernandes, & Marsden, Melissa. (2008).
Reflexões sobre a prática do psicólogo nos serviços de saúde
pública. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 60(1), 112-123.
ROCHA, M. L. (2003). Pesquisa-intervenção e a produção de novas
análises. Psicologia ciência e profissão, 23 (4), 64-73
SOUZA, M. P. R. (2009). Psicologia Escolar e Educacional em busca de
novas perspectivas. Revista Semestral da Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional. Vol. 13, Número 1, p.179-182.
SCLIAR, M. (2007). História do conceito de saúde. Physis: Revista de Saúde
Coletiva, 17(1), 29-41
SILVA, J. V.; Corgozinho, J. P. (2011). Atuação do psicólogo,
SUAS/CRAS e Psicologia Social Comunitária: possíveis
articulações. Psicol. Soc.[online]. 2011, vol.23, n.spe, pp. 12-21
SILVA, A. T. M. C.; Barros, S.; Oliveira, M. A. F. (2002). Políticas de
Saúde e de Saúde Mental no Brasil: a Exclusão/Inclusão Social
Como Intenção e Gesto. Rev. Esc. Enferm. USP 36(1): 4-9
TORRE, E. H. G. & Amarante, P. (2001). Protagonismo e subjetividade:
a construção coletiva no campo da saúde mental. Ciência & Saúde
Coletiva, 6(1), 73-85
TENÓRIO, F. (2002). A Reforma Psiquiátrica brasileira, da década de
1980 aos dias atuais: historia e conceitos. História, ciências, saúde.
9(1): 25-59

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 197

APÊNDICE A

TÉCNICA QUEBRA-GELO PARA A PRIMEIRA ETAPA


CARTÕES E BALÕES

Número de participantes: 06 pessoas


Tempo de duração: 45 minutos

Objetivos:
Geral: Favorecer a apresentação do grupo e a autoestima dos
participantes
Específico: A partir de um estímulo verbal, promover a descontração
dos membros do grupo e sua consequente apresentação.

Material: bolas de sopro (coloridas); cartões coloridos; lápis hidrocor e


papel ofício.

Desenvolvimento:
1- Enumerar uma série de cartões coloridos e no seu verso escrever a
seguinte ordem: “Estoure uma bola com o número do seu cartão”
2- Encher as bolas coloridas e introduzir em cada uma delas papéis. Com
as seguintes perguntas:
x Qual o seu nome?
x O que você deseja para 2014?
x Qual foi o melhor dia da sua vida?
x O que você deseja para seus amigos e sua família?
x O que te deixa feliz?
x Qual o seu maior sonho?
3- Dispor as bolas no centro da sala.
4- Formar um círculo em volta das bolas coloridas.
5- Dispor os cartões coloridos em uma mesa e solicitar aos participantes
que escolham cada um o seu cartão.

Soeitxawe
198 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

6- Convidar o portador do cartão de número 1 para que, no centro do


círculo estoure uma bola do mesmo número do seu cartão
7- Estourada a bola, o papel chave que estava no seu interior deverá ser
lido em voz alta e atendida sua solicitação.
8- O procedimento continua com a pessoa do cartão de número 2, e
continua até que todos tenham se apresentado.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 199

APÊNDICE B

Convite
As alunas do 6º período de psicologia/UNESC

Convidam você para uma oficina de

Arte de Natal.

Dia:___/___/2013 às ______h.

Local: CAPS II

(Trazer tesoura e agulha de bordar)

Modelo do convite entregue aos usuários para participar da oficina de


Arte de Natal no dia.

Soeitxawe
200 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

APÊNDICE C

PESQUISA SOCIOECONÔMICA (sujeito 01)

1- Nome: Ilenice S. Lauton Idade: 47 anos Gênero: Feminino


Naturalidade: .......... Cidade que reside: Cacoal/RO
Profissão: não trabalha. Estado civil: casada

2- quantas pessoas compõem a sua família? 01 pessoa


Grau de parentesco Idade
Esposo 59

3- Quem o principal responsável pelo sustento da família?


Esposo

4- Qual a profissão do responsável pelo sustento da família?


Não tem. (tem uma casa alugada)

5- Qual o tipo de residência da sua família?


(x )própria ( )alvenaria (x)madeira
( )alugada ( )alvenaria ( )madeira
( )emprestada ( )alvenaria ( )madeira

6- Qual a renda mensal sua família hoje?


(x) menos que um salário mínimo
( ) até um salário mínimo
( ) recebe ajuda do programa social do governo federal
( ) não possui nenhuma renda – vive de ajuda de outras pessoas
( ) outros valores R$ 2.500,00

7- Qual o seu nível de escolaridade? Superior incompleto

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 201

PESQUISA SOCIOECONÔMICA (sujeito 02)

1- Nome: Moises Queiroz Idade: 47 anos Gênero: Masc.


Naturalidade: .......... Cidade que reside: Cacoal/RO
Profissão: experiência como vendedor Estado civil: casado

2- Quantas pessoas compõem a sua família? 4 pessoas


Grau de parentesco Idade
Esposa 42
Filho 19
Filha 17
Filha 21

3- Quem o principal responsável pelo sustento da família?


Esposa

4- Qual a profissão do responsável pelo sustento da família?


Professora

5- Qual o tipo de residência da sua família?


(x)própria ( )alvenaria (x)madeira
( )alugada ( )alvenaria ( )madeira
( )emprestada ( )alvenaria ( )madeira

6- Qual a renda mensal sua família hoje?


( ) menos que um salário mínimo
( ) até um salário mínimo
( ) recebe ajuda do programa social do governo federal
( ) não possui nenhuma renda – vive de ajuda de outras pessoas
(x) outros valores R$ 2.500,00

7- Qual o seu nível de escolaridade? Ensino médio completo

Soeitxawe
202 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

PESQUISA SOCIOECONÔMICA (sujeito 03)

1- Nome: Rosilda Elias P. Abreu Idade: 44 anos Gênero: Feminino.


Naturalidade: Cachoeira Alta G. O Cidade que reside: Cacoal/RO
Profissão: Do lar. Estado civil: casada

2- Quantas pessoas compõem a sua família? 2 pessoas


Grau de parentesco Idade
Esposo 50
Filho 22

3- Quem o principal responsável pelo sustento da família?


Esposo e filho

4- Qual a profissão do responsável pelo sustento da família?


Marceneiro e auxiliar de Marcenaria

5- Qual o tipo de residência da sua família?


( )própria ( )alvenaria (x)madeira
(x)alugada (x)alvenaria ( )madeira
( )emprestada ( )alvenaria ( )madeira

6- Qual a renda mensal sua família hoje?


( ) menos que um salário mínimo
(x) até um salário mínimo
( ) recebe ajuda do programa social do governo federal
( ) não possui nenhuma renda – vive de ajuda de outras pessoas
( ) outros valores R$ 2.500,00

7- Qual o seu nível de escolaridade? Analfabeta

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 203

APÊNDICE D

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PÚBLICO–ALVO


(Sujeito 01)

Nome: Ilenice S. Cauton. 47 anos, residente na cidade de Cacoal/RO.

1- Tempo de tratamento e acompanhamento no CAPS II:


05 anos no CAPS de Cacoal e 15 anos no geral (Cacoal e Cuiabá)

2- Já participou de muitas oficinas aqui no CAPS? Me fale delas:


Primeira vez que participo de oficina

3- Fazer um resumo de como era a vida antes de frequentar o CAPS e


como é agora:
Hoje fico mais calma, consigo pensar para agir, é mais tranquilo.

4- Como você se sente quando está aqui no CAPS (acolhimento)?


Tem um bom acolhimento por parte dos funcionários e amigos da
oficina, amizade um com o outro, aqui o mundo é melhor e tudo fica
mais tranquilo.

5- Quais as dificuldades encontradas para enfrentar o seu problema?


Não posso ficar em lugar barulhento, quando tem alguém brigando me
agito, fico muito nervosa e não consigo me controlar. Outra dificuldade
é em sala de aula, devido o barulho que os alunos fazem em sala.

6- Quais as formas que você encontra para lidar com este sofrimento?
Estudando, lendo, fazer artes como: pintar, plantar verduras e flores, o
CAPS também me ajuda devido as amizades.

7- Quais as pessoas que ajudam a superar as suas dificuldades?


Filho e esposo

8- O CAPS te ajuda a enfrentar as dificuldades? Como?

Soeitxawe
204 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

Médicos, amigos, brincadeiras um com outro, conversa com as pessoas,


fazer artes como pintar.

9- Você já passou ou ainda passa por algum tipo de descriminação


social?
Sim, minha família, com pessoas de fora nunca sofri discriminação, pois
nunca contei para ninguém, escondo porque tenho medo da
discriminação.

10- Tem alguma coisa que você gostaria de fazer e está impossibilitada de
realizar?
Tenho vontade de estudar medicina, mais não encontrei coragem, pois
acho um curso muito complexo e me acho incapaz, pois as vezes minha
mente falha.

11- Você já foi atendido por um psicólogo? Relatar a situação e como


isso ajudou:
Sim, em Cuiabá, não gostei do atendimento desse Psicólogo, pois não
me ajudou em nada, o Psicólogo pediu para que eu separasse do meu
marido, ele usou a seguinte frase chuta o pau da barraca mulher, vai ser
melhor assim para você, vai parar de sofrer, eu não gostei da atitude
desse Psicólogo. Em Cacoal eu vou de vez enquanto, pois fiquei um
pouco traumatizada com a situação anterior, porém me sinto mais
tranquila, mais calma, estou conseguindo comer, dormir, fazer faculdade.

12- Você considera importante a atenção de um psicólogo na sua


situação?
Sim, porque quando sinto alguma coisa ruim, me acho incapaz e com
ajuda do Psicólogo consigo entender as dificuldades e viver uma vida
normal.

13- Você tem conhecimento dos seus direitos como pessoas com
sofrimento mental? Quais?
Não.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 205

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PÚBLICO-ALVO


(Sujeito 02)

Nome: Moisés Queiroz, 47 anos, residente na cidade de Cacoal/RO.

1- Tempo de tratamento e acompanhamento no CAPS II:


2 anos

2- Já participou de muitas oficinas aqui no CAPS? Me fale delas:


Artesanato com jornal e pintura à óleo sobre tela

3- Fazer um resumo de como era a vida antes de frequentar o CAPS e


como é agora:
Muita briga, discussão e ideias suicidas. Quando foi encaminhado pelo
CAPS por ordem médica não fica sem os medicamentos, ainda fica mais
nervoso, mas consegue se controlar tem consciência que errou. Mudou
muito.

4- Como você se sente quando está aqui no CAPS (acolhimento)?


É uma diversão. Esquece por alguns momentos dos problemas, não vê a
hora passar.

5- Quais as dificuldades encontradas para enfrentar o seu problema?


Não conseguir trabalhar para ajudar em casa

6- Quais as formas que você encontra para lidar com este sofrimento?
Ficar sozinho (quando é mais grave), ler a bíblia e também ficar no meio
de pessoas.

7- Quais as pessoas que ajudam a superar as suas dificuldades?


Esposa, amigos e funcionários do CAPS

8- O CAPS te ajuda a enfrentar as dificuldades? Como?


Sim tem ajudado através das oficinas terapêuticas.

Soeitxawe
206 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

9- Você já passou ou ainda passa por algum tipo de descriminação


social?
Uma vez quando fui atendido no INSS, fora isso nenhuma outra
situação.

10- Tem alguma coisa que você gostaria de fazer e está impossibilitada de
realizar?
Trabalhar mais para aumentar a renda da família.

11- Você já foi atendido por um psicólogo? Relatar a situação e como


isso ajudou:
Sim. Devido o uso de meus medicamentos tive prejuízo no meu
desempenho sexual e isso ocasionava brigas entre eu e minha esposa,
quando conversei com o psicólogo recebi orientação nesta área e
resolveu. Fico mais a vontade para falar e ser ouvido.

12- Você considera importante a atenção de um psicólogo na sua


situação?
Sim, sinto falta porque tem momentos que a situação fica grave.

13- Você tem conhecimento dos seus direitos como pessoas com
sofrimento mental? Quais?
Não tenho conhecimento.

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PÚBLICO-ALVO


(Sujeito 03)

Nome: Rosilda Elias P. Abreu, 44 anos, residente na cidade de


Cacoal/RO.

1- Tempo de tratamento e acompanhamento no CAPS II:


5 anos

2- Já participou de muitas oficinas aqui no CAPS? Me fale delas:

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 207

Sim, curso de EVA, jornal e telas. (mais de um ano que participo de


oficinas)

3- Fazer um resumo de como era a vida antes de frequentar o CAPS e


como é agora:
Vim para o CAPS receber ajuda e me ajudar. Recebi orientação para vir
ao CAPS, pois sofria discriminação por parte da família, não tinha
muitos amigos, tinha pouca socialização com familiares. Admiro o
trabalho da psicóloga e sei que preciso do CAPS.

4- Como você se sente quando está aqui no CAPS (acolhimento)?


Me sinto bem no CAPS, confio nas pessoas, aqui tenho amizades com
funcionários e amizade com meus colegas.

5- Quais as dificuldades encontradas para enfrentar o seu problema?


Discriminação por parte de vizinhos sou sensível a eventos mais
estressor, durmo muito devido aos medicamentos e fazer com que me
respeitarem.

6- Quais as formas que você encontra para lidar com este sofrimento?
CAPS, terapias, oficinas e Psicólogos/Neuro/Psiquiatra

7- Quais as pessoas que ajudam a superar as suas dificuldades?


Família (esposo e filho)

8- O CAPS te ajuda a enfrentar as dificuldades? Como?


SIM

9- Você já passou ou ainda passa por algum tipo de descriminação


social?
Sim, violação dos direitos, discriminação por parte da família (parente) e
vizinhos

10- Tem alguma coisa que você gostaria de fazer e está impossibilitada de
realizar?
Sim, serviço de casa, trabalhar fora e se alfabetizar.

Soeitxawe
208 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

11- Você já foi atendido por um psicólogo? Relatar a situação e como


isso ajudou:
Sim, venho péssima de casa e me sinto bem quando falo com ele (Psi),
consigo enfrentar o dia e as situações, enfrento os problemas que tenho
com a família e me sinto melhor sem as crises.

12- Você considera importante a atenção de um psicólogo na sua


situação?
Sim, é muito importante, sem o Psicólogo seria muito difícil. Hoje com
o tratamento do psicólogo, a vida está mais clara, defendo os psicólogos,
porque é muito importante.

13- Você tem conhecimento dos seus direitos como pessoas com
sofrimento mental? Quais?
Sim. Não ser discriminado e se isso acontecer posso denunciar a pessoa.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 209

APÊNDICE E

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS FUNCIONÁRIOS DA


INSTITUIÇÃO

Nome: Suellen Cristina Araújo


Função: Gerente da farmácia.
Tempo no CAPS: 04 meses
Formação acadêmica: Farmacêutica Bioquímica.
Tempo: 8 anos.

Já trabalhou em outro CAPS ( )sim (x) não

1- Qual o seu setor e quais as funções desenvolvidas neste setor?


Controle de medicamentos, pedidos, almoxarifado, mapas para controle
de medicamentos, laudo para pegar medicamento, gerente.

2- A respeito do seu trabalho, o que você pensa sobre ele (o que é bom,
o que poderia mudar ou melhorar, quais ações podem ser implantadas):
Organizar agendamento, com relação a espera antes os pacientes
esperavam até 20 dias, hoje é melhor, o atendimento é mais rápido,
Instituição física não é boa (aprovada), porém a equipe é boa, mais
faltam profissionais no RH.

3- Qual a prática desenvolvida no seu setor que caracteriza um


acolhimento?
Em situação de estresse, é dado orientação e direcionamento para solu-
ções.

4- Com o objetivo de (re)inserção social e promoção da saúde do


usuário, qual é a contribuição do seu trabalho neste aspecto?
Orientação na aquisição dos medicamentos (onde encontrar/aonde ir)
não deixar esse paciente esperando muito. O CAPS em geral.

5- Em sua opinião qual a necessidade do trabalho do psicólogo nesta


instituição?

Soeitxawe
210 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

O paciente precisa de um Psicólogo, faz a diferença, tem pacientes que


tem melhora significativa.

6- No seu setor que tipo de parceria pode ser desenvolvido junto com
um profissional psicólogo?
Enriqueceria o grupo de profissionais do CAPS.

7- Tem alguma coisa que gostaria de acrescentar?


Sim, o CAPS é um trabalho que apaixona, de maneira geral.

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS FUNCIONÁRIOS DA


INSTITUIÇÃO

Nome: João Luiz Pinheiro


Função: Enfermeiro (especialização em Psiquiatria)
Tempo no CAPS: 08 anos
Formação acadêmica: Enfermeiro.
Tempo: 8 anos.

Já trabalhou em outro CAPS ( )sim (x) não

1- Qual o seu setor e quais as funções desenvolvidas neste setor?


Setor geral, ou seja, acolhimento em geral, faço também visita domiciliar
a pacientes com transtorno mentais e visitas quando há crises, exemplo:
Quando tem algum paciente tentando contra sua própria vida e
transtorno alterado.

2- A respeito do seu trabalho, o que você pensa sobre ele (o que é bom,
o que poderia mudar ou melhorar, quais ações podem ser implantadas):
No acolhimento percebe-se que ainda existe preconceito porque não tem
informações necessárias. Com isso não procura ajuda. Outra questão é o
CAPS, é uma casa adaptada, falta sala para consultórios, não tem ar con-
dicionado, as vezes não tem lâmpadas, as cadeiras estão quebradas, enfim
o ambiente é precário, sem condições de trabalho e falta também intera-
ção entre as unidades de saúde.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 211

3- Qual a prática desenvolvida no seu setor que caracteriza um acolhi-


mento?
Acolhemos com ou sem encaminhamento, analisamos e orientamos essa
pessoa, passamos informações necessárias, ouvimos todas as queixas e
direciona esse paciente para o setor/profissionais que for necessário. No
acolhimento acredito que quando esse paciente é atendido bem, da aber-
tura para um pós-tratamento.

4- Com o objetivo de (re)inserção social e promoção da saúde do usuá-


rio, qual é a contribuição do seu trabalho neste aspecto?
Palestras todas as terças-feiras, explicamos sobre o que é CAPS para seus
familiares e como a família pode ajudar. Prevenção de danos, além do
medicamento que o médico prescreve, acolhe, ajuda o paciente a dar
continuidade, orienta sobre os seus problemas e quais as soluções neces-
sária para viver “bem” e incluímos a família na orientação para saber
como lidar com esse paciente.

5- Em sua opinião qual a necessidade do trabalho do psicólogo nesta


instituição?
Apoio, todos os profissionais são importantes, acredito que só os medi-
camentos não resolvem, esses pacientes precisam de orientação, inter-
venção psicológica. Deve explicar para eles qual é a sua doença. Acredito
que a avaliação psicológica é fundamental para ajudar o paciente a se
encontrar.

6- No seu setor que tipo de parceria pode ser desenvolvido junto com
um profissional psicólogo?
Trocar informações o tempo inteiro, trabalhar em equipe. Se for necessá-
rio pode encaminhar para um psicólogo. Discutir os problemas, como
por exemplo sobre o CID, tanto o Enfermeiro quanto o Psicólogo anali-
sar juntos e chegar a uma conclusão mais precisa.

7- Tem alguma coisa que gostaria de acrescentar?


Sim. Achei a visita de vocês muito importante, e acredito que precisa de
mais pessoas aqui no CAPS para fazer estágio, pois com voluntários

Soeitxawe
212 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

podemos ajudar mais essas pessoas (pacientes) que sofrem com transtor-
no mental. A prática tem muito a acrescentar no aprendizado acadêmico
e profissão futura. É diferente da teoria.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 213

ANEXO A

Lei nº 10.216 de 04 de junho de 2001, que assegura a proteção e direitos


das pessoas portadoras de transtornos mentais.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno
mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de
discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção
política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de
gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a
pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados
dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às
suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na
família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a
necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e
de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos
possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde
mental.
Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de
saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos
portadores de transtornos mentais, com a devida participação da
sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde

Soeitxawe
214 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam


assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção
social do paciente em seu meio.
§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a
oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais,
incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos,
ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos
mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas
desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos
pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.
Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se
caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu
quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política
específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob
responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de
instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade
do tratamento, quando necessário.
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo
médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação
psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do
usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do
usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a
consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que
optou por esse regime de tratamento.
Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por
solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 215

Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada


por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina -
CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.
§ 1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e
duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo
responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo
esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.
§ 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita
do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo
especialista responsável pelo tratamento.
Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a
legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as
condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do
paciente, dos demais internados e funcionários.
Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e
falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de
saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem
como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e
quatro horas da data da ocorrência.
Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não
poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de
seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos
profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.
Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará
comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180º da Independência e 113º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Gregori
José Serra
Roberto Brant

Soeitxawe
216 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

ANEXO B

Entrevista fornecida a uma rede de TV local no momento que


estava sendo realizada oficina de arte de natal:

Pacientes do CAPS aprendem a fazer enfeites natalinos

Objetivo da oficina é promover a socialização entre as pacientes.


CAPS realiza média de 480 atendimentos por mês. Com os olhares
atentos e as mãos habilidosas, cerca de 12 pacientes do Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) de Cacoal (RO) transformam pedaços de
tecido feltro em delicados imãs de geladeiras natalinos. A atividade está
sendo oferecida por um grupo de acadêmicas do curso de psicologia de
uma faculdade particular. Para a estudante Rosângela Custodio Ribeiro, o
objetivo da oficina é promover a socialização entre as pacientes e quem
sabe garantir uma renda extra para o final do ano.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 217

Após passar por uma depressão profunda, a dona de casa Rozilda


Elias Pereira, de 44 anos, começou a frequentar o CAPS. De acordo com
a paciente, os encontros que ocorrem semanalmente ajudaram a
controlar as crises que eram frequentes. “Com as oficinas consigo me
sentir mais segura, pois aqui tem pessoas que já conheço há mais de
cinco anos. Quando fico em casa sozinha, tenho medo e sinto vontade
de chorar”, disse Rozilda.
Há 10 anos a aposentada Aparecida Maria Conrado, de 67 anos,
frequenta o CAPS. Com as visitas Aparecida conta que já aprendeu a
confeccionar bonecas de tecidos, bolsas de garrafas pets, coelhinhos de
meia de silicone, cofrinhos e pintura em tela. “Sempre que aprendo a
fazer os produtos começo a vender. Já ganhei um bom ‘dinheirinho’ com
as vendas. Em casa também vou fazer mais enfeites de geladeira para
vender. Nesse período de fim de ano, acho que vou conseguir”, falou
entusiasmada.
Ao G1, a acadêmica Rosângela disse que a oficina foi dividida em três
etapas, observação e questionamentos, dinâmica e a confecção das peças.
“A oficina faz parte de um trabalho da faculdade, mas acabamos nos
envolvendo com essas pessoas. Acho muito importante sairmos das salas
de aula para encararmos a realidade da profissão”, destaca.
Para a confecção das peças o gasto foi de R$ 2, caso as pacientes
usem o aprendizado para garantir uma renda extra, cada imã pode ser
comercializado a R$ 5. O CAPS realiza uma média de 480 atendimentos
a pacientes com algum transtorno mental ou neurológico do município e
da região. De acordo com Lizete Luciene da Silva, os pacientes recebem
atendimento médico psiquiátrico; entrega de medicamento controlado e
oficinas terapêuticas. O CAPS fica localizado na Avenida Brasil, número
549, Bairro Liberdade.

Disponível: <http://www.cacoalnews.com.br/2013/11/pacientes-do-
caps-aprendem-fazer.html#>

Soeitxawe
218 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

ANEXO C

Foto 1: Início da explicação para realizar a oficina.

Foto 2: Recorte dos moldes para montagem dos imãs de geladeira.

Soeitxawe
Pesquisa-Intervenção em Psicologia Comunitária 219

Foto 3: Organização das bases das árvores.

Foto 4: Decorando as árvores de natal.

Soeitxawe
220 Cleber A.; Luciana R.; Lucineide S.; Priscila A. & Rosângela A.

Foto 5: Enfeites confeccionados pelas participantes da oficina.

Soeitxawe
Estratégias de enfrentamento em acompanhantes hospitala-
res de familiar

Aline Letícia Vitória


Cleber Lizardo de Assis

Diante de uma concepção biopsicossocial de humano, a Psicologia


Hospitalar trabalha juntamente com outros profissionais, visando a pro-
moção e a educação para a saúde. Dessa forma, a presente pesquisa tem
como objetivo analisar as estratégias de enfrentamento (coping) utilizadas
pelos acompanhantes durante o processo de hospitalização de um famili-
ar em uma Unidade Hospitalar do Município de Cacoal-RO. Método:
Pesquisa qualitativa e exploratória, onde participaram 05 (cinco) acom-
panhantes de familiar internado, de ambos os sexos, com dados coleta-
dos em uma entrevista semiestruturada individual, utilizando como téc-
nica a Análise de Conteúdo de L. Bardin. Como resultados identificaram-
se as seguintes estratégias de enfrentamento: “Reavaliação Positiva” onde
indivíduos se apegam em alguma coisa para se fortalecerem no momento
estressante, neste caso o Coping Religioso, “Aceitação de Responsabilida-
de” onde o acompanhante se vê na responsabilidade de cuidar do famili-
ar internado, “Resolução de Problemas” onde o acompanhante foca-se
no problema, ou seja, no melhor tratamento ao familiar internado e “Su-
porte Social” que refere-se ao fato dos acompanhantes buscarem ajuda
de terceiros, seja os amigos, familiares ou até mesmo a equipe de saúde,
essas foram as estratégias mais utilizadas pelos acompanhantes entrevis-
tados. As estratégias menos utilizadas foram “Confronto” que trata-se de
estratégias ofensivas, onde os sujeitos apresentam uma atitude mais ativa
frente ao estressor, “Afastamento” onde o indivíduo evita confrontar-se
com a ameaça, não modificando a situação, “Autocontrole” que são os
esforços da pessoa em buscar o controle das emoções frente ao estímu-
los estressantes e “Fuga-Esquiva” que consiste em fantasiar sobre possí-
veis soluções para o problema sem, no entanto, tomar atitudes para de
fato modificá-las. Conclui-se que as categorias de estratégias de enfren-
tamento desenvolvidas pelos sujeitos foram a Reavaliação Positiva, como
222 Aline Letícia Vitória & Cleber Lizardo de Assis

mais utilizada pelos acompanhantes entrevistados, onde apontaram a


utilização da religião (também classificada como coping religioso) com
grande frequência para se fortalecerem durante o processo de hospitali-
zação do familiar internado. Em seguida, verificamos as estratégias de
Aceitação de Responsabilidade, Resolução de Problemas e Suporte Soci-
al. Observamos ainda que os acompanhantes dessa pesquisa utilizaram
algumas estratégias mais que as outras, o que ocorre de sujeito para sujei-
to. Destaca-se a importância dos profissionais de Psicologia nesse con-
texto, de modo a auxiliar sobre acompanhantes e profissionais sob for-
mas de facilitarem esse momento, tornando-o menos cansativo e doloro-
so.

Soeitxawe
Intervenção psicossocial junto ao adolescente autor de ato
infracional


Luciana Laura Maciel
Poliana Galvão
Valdirene Lima
Cleber Lizardo de Assis

A reintegração de adolescentes autores de ato infracional inseridos


em instituição socioeducativa se constitui em desafio para os profissio-
nais envolvidos e para o Psicólogo, de modos que se constitui numa
demanda para pesquisas e intervenções que conheçam as dificuldades do
processo educativo junto aos próprios sujeitos envolvidos, adolescentes,
famílias e agentes socioeducativos. Por outro lado, existem medidas so-
cioeducativas a serem aplicadas junto a esses adolescentes, dentre elas a
de internação em instituição especializada, onde as políticas públicas
possuem o papel de orientar/supervisionar e instituir ações que visem a
ressocialização desses sujeitos, com acordos estabelecidos pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente, em garantia de atendimento personalizado
e respeitando a singularidade dos adolescentes. Nesse sentido, objetivou
conhecer a realidade socioeducativa de adolescentes autores de ato infra-
cional, internados numa Instituição Socioeducativa de Cacoal. Metodo-
logicamente, obteve-se autorização judicial e realizou-se uma pesquisa-
intervenção composta de 03 (três) intervenções grupais junto a 07 (sete)
adolescentes em medida de internação, além de entrevistas a agentes
socioeducativos e aos próprios sujeitos-alvo. Os resultados apontaram o
perfil dos adolescentes internados: A idade média de 16,5 anos, situação
econômica baixa, com ensino fundamental incompleto e com uso de
drogas antes da internação. Verificou-se a importância da família no
processo de ressocialização desses adolescentes, devido a diversos pro-
blemas relacionais identificados, embora, não exista ação no sentido de
trabalhar a díade adolescentes-família. Notou-se a necessidade institucio-
nal de melhora na qualificação profissional dos adolescentes para o mer-
cado de trabalho. A pesquisa-intervenção como metodologia favoreceu
224 Luciana Maciel, Poliana Galvão, Valdirene Lima & Cleber de Assis

aos adolescentes uma percepção sobre o próprio ato infracional, além de


contribuição para a própria valorização do indivíduo como humano e
sujeito de direitos. Concluiu-se pela necessidade de ampliação desse tipo
de trabalho de modo contínuo, de forma que torne efetiva a contribuição
da Psicologia junto aos problemas identificados e contribua para reinte-
gração social.

Soeitxawe
Arte e Psicologia em pesquisa-intervenção junto a usuários
do CAPS II de Cacoal – RO

Judite Dias de Lima


Cleber Lizardo de Assis

A Reforma Psiquiátrica se constitui num marco histórico, científico e


social das relações entre os saberes psiquiátrico e psicológico e a loucura,
das instituições manicomiais e da sociedade com o sujeito denominado
‘louco’ e que agora pode ser tratado como sujeito singular e cidadão.
Como dispositivo e serviço substitutivos ao velho asilo se destaca o Cen-
tro de Atenção Psicossocial – CAPS, onde se ganha destaque as ativida-
des das Oficinas Terapêuticas com sua utilização das mais diversas ex-
pressões artísticas no acolhimento e tratamento. A pesquisa-intervenção
é uma metodologia importante para a produção de conhecimento teóri-
co-metodológico e de intervenção psicossocial em Psicologia Comunitá-
ria. Objetivo: Descrever o desenvolvimento e resultados de uma pesquisa-
intervenção realizada com usuários do CAPS, utilizando das artes plásti-
cas. Método: A intervenção foi desenvolvida durante um ano e meio, em
três fases: estudo teórico-bibliográfico, com ênfase na caracterização do
público, os principais problemas enfrentados e legislação vigente. A se-
gunda fase, diagnóstica, voltada para contatos e entrevistas junto a gru-
pos de profissionais e usuários, para conhecer as suas experiências e
demandas; a terceira fase se constituiu da intervenção psicossocial pro-
priamente dita, realizada com 251 usuários do CAPS II de Cacoal-RO;
foram realizadas 29 oficinas de pintura em tela a óleo, facilitadas por uma
acadêmica do curso de psicologia, sob a supervisão docente. Resultado e
Discussão: Através de vinte e nove encontros com o percentual de 8,7
participantes de ambos os sexos por oficina, possibilitou direcionar para
o instrumento analisador e, através deste, a análise dos aspectos vivenci-
ados na instituição de assistência à saúde mental, assim a partir de obser-
vações e depoimentos espontâneos, os sujeitos sentiram-se apoiados
socialmente pela equipe, encorajados à frequência ao serviço, desenvol-
veram criatividade, além da ampliação do convívio entre os usuários;
226 Judite Dias de Lima & Cleber Lizardo de Assis

notou-se como a técnica artística propicia catarse, elaboração de senti-


mentos e afetos, bem como acesso a conteúdos relacionados ao estado
psicológico dos participantes. No aspecto formativo-discente, destaca-se
o ganho de conhecimento teórico-prático que os discentes adquiriram
em todo o processo da pesquisa-intervenção; constatou-se ainda a exis-
tência de um número de funcionários reduzidos e a ausência de ativi-
dades comprometendo os atendimentos essenciais aos usuários do
CAPS, destoando da real finalidade e diretrizes do atual modelo da as-
sistência ao doente mental. Conclusão: a pesquisa-intervenção se constitui
numa importante metodologia de intervenção em Psicologia, sobretudo,
ao superar dicotomias como indivíduo-sociedade, objetividade-
subjetividade e na relação pesquisador-objeto de pesquisa; é ainda de
grande utilidade na intervenção psicossocial junto ao portador de sofri-
mento mental, em especial, utilizando-se da linguagem das artes plásticas,
além de se constituir num modo de produção de conhecimento do dis-
cente, quando da articulação entre Ensino e Pesquisa.

Soeitxawe
Pesquisa-intervenção em psicologia comunitária com um
grupo social LGBT da cidade de Cacoal - RO

Cleber Lizardo de Assis


Elizabete dos Santos
Greiciely Antero de Paula
Juliane Domingues
Tiago José A. Santos

Resumo: Atualmente, a temática da diversidade sexual e da cidadania de


sujeitos homoafetivos tem sido amplamente discutida nos diversos meios de
comunicação da sociedade, de modos que, à luz dos princípios dos Direitos
Humanos universais e de outras diretrizes humanitárias e psicológicas, faz-se a
necessidade de conhecer a situação desses sujeitos, especialmente o que pensam
sobre sua condição psicossocial, seus direitos e identificar o papel da Psicologia
junto a esse público. Este relato tem como objetivo analisar uma Pesquisa-
Intervenção em Psicologia realizada com uma amostra de X sujeitos que
compõe o público LGBT do município de Cacoal, RO. Metodologicamente, a
pesquisa-intervenção teve uma etapa teórico-conceitual onde se estudou a
caracterização deste público, as principais legislações e políticas públicas;
seguindo da etapa de diagnóstico e aproximação desses sujeitos em campo para
conhecer sua realidade; finalmente, ocorreram as 03 intervenções psicossociais
de forma coletiva e participativa, com 07 sujeitos, em torno de temas como leis
LGBT, origem do grupo LGBT, situação de vida, noção de direitos e cidadania.
Identificou-se que o maior problema identificado é a falta de conhecimento do
grupo acerca das políticas públicas, desconhecendo sobre seus direitos e deveres
conquistados ao longo da história, a própria origem do grupo LGBT e até
mesmo a dificuldade no conhecimento do significado da sigla LGBT.
Identificou-se ainda dificuldades de lidar com a própria homossexualidade no
seio familiar e em contextos religiosos, além da defesa da adoção de crianças e
da prática do sexo com proteção. Concluiu-se que a Psicologia possui um
importante papel junto ao grupo social LGBT, especialmente em facilitar a fala e
expressão desse grupo sobre problemas sofridos como preconceito e exclusão
social, além de favorecer intervenções onde possam tratar de temas como
identidade, pertencimento a grupos sociais e conhecimentos de direitos de
cidadania.
Palavras-Chave: Políticas Públicas; LGBT; Preconceito; Direitos Humanos.
228 Cleber A., Elizabete S., Greiciely P., Juliane D. & Tiago S.

Soeitxawe
A Constitucionalização dos Princípios e sua Aplicação no
Cotidiano da Segurança Pública Brasileira

Fábio Silva Cardoso


Marlison Carvalho
Sebastião Brito
MSc. Antonio Enrique Fonseca Romero

Resumo: Este trabalho tem por objetivo traçar um panorama sobre a aplicação
de princípios constitucionais e como podem ser adequados para transformar o
paradigma jurídico positivista, de forma a trazer mudanças sociais, que podem
ser aplicadas em todos os âmbitos da sociedade, inclusive naqueles em que a lei
tem maior dificuldade de ser aplicada e fiscalizada, nos referimos aos ambientes
prisionais, que normalmente ficam a margem da lei e é também onde mais
ocorrem desrespeitos ao bem maior do homem segundo nossa Constituição
Federal que é a dignidade da pessoa humana. Tenta-se alertar sobre a não
suficiência da lei positiva como aliada, se faz necessário que os princípios
predominem e que sejam respeitados. A motivação real da lei deve estar na
contínua vontade de se buscar o bem comum, transformar a sociedade visando
a qualificação da pessoa humana, a sua dignidade, mais do que a necessidade de
punir vingativamente. Por fim, considera-se que os princípios devem nortear de
forma flexível o ordenamento jurídico, tornando-o cada vez mais dinâmico e
coerente com a sociedade regida por esse ordenamento.
Palavras chaves: Princípios; Sociedade; Dignidade.

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos constitui o


legado maior da chamada “Era dos Direitos” ou como Troper (2008)
menciona “vivemos sob o império do direito”, que tem permitido a
internacionalização dos direitos humanos e a humanização do Direito
Internacional Contemporâneo, concebidos sob o prisma da dignidade
humana, como referência ética maior a orientar a ordem jurídica interna
e internacional.
Com a Declaração Universal dos Direitos dos Humanos introduz-se a
concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela

Soeitxawe
230 Fábio C., Marlison C., Sebastião B. & MSc. Antonio Romero

universalidade e individualidade destes direitos. Universalidade porque


clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que
a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade
de direitos. Individualidade porque a garantia dos direitos civis e políticos
é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e
culturais.
Todavia, esses direitos humanos não são um dado, mas um
construído, uma invenção humana em constante processo de construção
e reconstrução que remonta a paz de Westfália em 1648, que é o início
do Direito Internacional clássico, ou seja, desde a presente data até 1948,
ano em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
vivíamos na era do “Estado-centrismo” onde o Estado era o sujeito
internacional por excelência.
O Estado chegou a tal nível de abstração que passou a ter direitos
internacionais próprios, vontade própria e se no início do século XVII o
Estado era concebido, de acordo com Hobbes em “O Leviatã”, como o
ente protetor e garantidor das liberdades individuais, na Segunda Guerra
Mundial ele representou exatamente o contrário, era o Estado
aniquilador e violador dos direitos fundamentais da pessoa humana.
A Declaração Universal de 1948, na qualidade de marco maior do
movimento de internacionalização dos direitos humanos, que na ordem
interna significou a inclusão dos princípios de direitos internacionais no
texto constitucional de cada país, em um fenômeno que ficou conhecido
mundialmente como “Constitucionalização dos Princípios”, fomentou a
conversão destes direitos em tema de legítimo interesse da comunidade
internacional.
De acordo com essa nova concepção, há uma revisão da noção
tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um
processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções
no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos, como
Bobbio (2000) cita, transita-se de uma concepção “hobbesiana” de
soberania centrada no Estado para uma concepção “kantiana” de
soberania centrada na cidadania universal.
Segundo Troper (2008), a ideologia do sistema fechado de normas
também conhecido como “positivismo” legalista, que prescreve a
obediência ao direito enunciado e estabelecido, ou porque se acredita,

Soeitxawe
A Constitucionalização dos Princípios 231

como a escola da exegese na França, que ele seja justo, ou,


independentemente de seu caráter justo ou injusto, apenas porque é o
direito. Foi importante em um dado momento da história, pois como
legado de Kelsen, as normas foram escalonadas em forma de “pirâmide”
minimizando as antinomias e como fundamento de validade, no topo da
“pirâmide”, a Lei maior que fundamenta toda a cadeia inferior. Assim
descrita por este:

O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a


validade de uma outra norma. Uma norma que representa o
fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente
designada como norma superior, por confronto com uma norma
que é, em relação a ela, a norma inferior (KELSEN, 1999).

No entanto, essa submissão ao poder qualquer que seja ele, pregada


por Kelsen, legitimou e facilitou a dominação dos regimes mais
abomináveis, que cometeram as maiores atrocidades e horrores durante
o nazismo, pois o legado do nazismo foi condicionar a titularidade de
direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a
determinada raça, a raça ariana.
O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa
Continental, foi o constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na
Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a constituição de 1988 e o processo
de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. A aproximação das
ideias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma
de organização política, que atende por diversos nomes: Estado
Democrático de Direito, Estado Constitucional de Direito, Estado
Constitucional Democrático etc.
O marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-
positivismo. O debate acerca de sua caracterização situa-se na
confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem
paradigmas opostos para o Direito: o jusnaturalismo e o positivismo.
Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. Todavia, na
atualidade a tendência é a superação dos modelos puros por um
conjunto difuso e abrangente de ideias, princípios, agrupados sob o
rótulo genérico de pós-positivismo.

Soeitxawe
232 Fábio C., Marlison C., Sebastião B. & MSc. Antonio Romero

O jusnaturalismo moderno, desenvolvido a partir do século XVI,


aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do Direito.
Fundado na crença em princípios de justiça universalmente válidos, foi o
combustível das revoluções liberais e chegou ao apogeu com as
Constituições escritas e as codificações. Considerado metafísico e
anticientífico, o direito natural foi empurrado para a margem da história
pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX.
Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à
lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e
dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua
decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália
e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a
proteção da legalidade. Ao fim da 2ª Guerra, a ética e os valores,
estabelecidos através de princípios universais de direito, começaram a
retornar ao Direito, desta vez, incluídos nas constituições em um
fenômeno que ficou conhecido mundialmente por “neoconstitucionalismo”
ou “constitucionalização dos princípios”.
No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo
neste novo paradigma em construção incluem-se a atribuição de
normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e
regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a
formação de uma nova hermenêutica constitucional e o desenvolvimento
de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento
da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação
entre o Direito e a filosofia.
No dizer de Jackman:

A Constituição é mais que um documento legal. É um


documento com intenso significado simbólico e ideológico –
refletindo tanto o que nós somos enquanto sociedade como o
que nós queremos ser (JACKMAN apud BARROSO, 2007).

É com esta perspectiva que se há de compreender a Carta de 1988,


que é o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização
dos direitos e garantias fundamentais. O texto demarca a ruptura com o
regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso
democrático “pós-ditadura”.

Soeitxawe
A Constitucionalização dos Princípios 233

Introduz o texto constitucional avanço extraordinário na


consolidação das garantias e direitos fundamentais, situando-se como o
documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos
jamais adotado no Brasil. A Carta de 1988 destaca-se como uma das
Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito a matéria. É
uma verdadeira Constituição de princípios que também foi batizada
como Constituição Cidadã.
Desde seu preâmbulo, a Carta de 1988 projeta a construção de um
Estado Democrático de Direito “destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos (...)”.
Não obstante a todos esses aparatos de repressão efetuados pelos
tratados, leis e instituições globais capitaneadas pela ONU e da qual faz
parte o Tribunal Penal Internacional (TPI); regional, através da Corte
Pan-Americana de Direitos Humanos, que podemos citar como
exemplos a criação da Lei Maria da Penha que foi imposta pela referida
Corte, sob pena de o Brasil sofrer sanções no âmbito internacional assim
como a eliminação da prisão por dívida, exceto a de alimentos, com a
ratificação do Pacto de São José da Costa Rica pelo Brasil; e local através
da Constituição 1988, o Estado Brasileiro, através de seus agentes
públicos (policiais), continua a violar os direitos individuais de seus
cidadãos.
Não raras vezes os veículos de comunicações noticiam verdadeiras
atrocidades cometidas pelos agentes de segurança pública, que foram
investidos pelo Estado como verdadeiros garantidores dos direitos dos
cidadãos, que ao invés de exercerem o múnus público pelo qual foram
investidos, são verdadeiros algozes e carrascos dos direitos dos cidadãos
que juraram defender.
Entretanto, o profissional da segurança pública, assim como os
demais cidadãos brasileiros não foram introduzidos na sociedade com a
finalidade de violar os direitos individuais de outrem, ele faz parte da
sociedade, vem de diferentes camadas sociais, que tem seus anseios,
medos, frustrações e fracassos e que muitas vezes é tão vítima do sistema
que ajudou a perpetuar como os próprios cidadãos que tiveram os
direitos violados por ele.

Soeitxawe
234 Fábio C., Marlison C., Sebastião B. & MSc. Antonio Romero

Culpabilidade, não como elemento do crime, mas como juízo de


reprovabilidade que recai sobre uma conduta típica, ilícita e culpável, de
acordo com o conceito analítico de crime, analisando um homicídio, por
exemplo, terá maior culpabilidade, maior reprovação pela sociedade e
consequentemente uma maior pena, o agente que o praticar com maiores
requintes de crueldade.
Zaffaroni e Pierangeli aduzem:

Todo sujeito age numa circunstância dada e com um âmbito de


autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade
há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação,
posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca
tem possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas
oportunidades. Em consequência, há sujeitos que têm um menor
âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por
causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao
sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de
culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma
‘coculpabilidade’, com a qual a própria sociedade deve arcar.

Em que pese a tese dos renomados mestres em apontar os fatores de


risco como causa de aumento dos índices de criminalidade, já bastante
alto em nosso país, não há como negar que os mesmos associam a
criminalidade com a pobreza, haja vista que há fatores de vulnerabilidade
que contribuem para a prática de delitos em todas as camadas da
sociedade.
Em uma interpretação a “contrário sensu” é possível concluir que se é
dividida parcela de culpabilidade entre sociedade e agentes que
praticaram crimes sem que o Estado lhes tenha dado oportunidades,
com maior rigor punirá o profissional de segurança pública que venha ter
um desvio de conduta, pois além de não poderem alegar falta de
oportunidades, foram investidos no múnus público como verdadeiros
garantidores dos direitos individuais dos cidadãos, nessa esteira, de
acordo com a CF/88 e Código Penal, mesmo a omissão será tratada
como se ação fosse.
Por conseguinte, não basta que se criem leis eficazes e aparatos
repressores, é necessária que se faça uma reflexão no interior de cada

Soeitxawe
A Constitucionalização dos Princípios 235

cidadão, uma verdadeira revolução de dentro para fora, de modo que a


empatia, a solidariedade, o respeito mútuo, o companheirismo assim
como o amor venha a aflorar em cada coração, de modo a olhar
objetivamente para os demais e valorizar cada pessoa pela condição que
lhe é intrínseca, pelo simples fato de ser humano. Só assim
construiríamos uma sociedade livre, justa e solidária.
No entanto, no contexto brasileiro para a construção de uma
sociedade que atenda os requisitos mencionados precisaremos de uma
mudança, que seria como uma desconstrução de nossa sociedade para
remodelarmos, uma verdadeira revolução no modo de pensar em
sociedade, que tem como ponto chave a política, mas não a política
como é (mal) falada hoje e sim uma que seja válida e concreta.
A atual conjuntura política brasileira tem se mostrado ineficiente para
o avanço do progresso em busca da felicidade de nosso povo. Nesses
últimos tempos cresceu a importância de haver uma reforma política
capaz de possibilitar que o país seja menos corrupto, e mais promissor.
Tanto é que a Presidenta reeleita (Dilma Rousseff), em seu primeiro
discurso após a divulgação do resultado das eleições de 2014 pelo TSE,
mensurou que o país precisa urgentemente convocar o povo para um
plebiscito para a discussão do tema. Porém, o Senador Renan Calheiros,
presidente do Senado, defende que não é necessário um plebiscito e sim
um referendo, pois é dever do Congresso apresentar ao povo as
mudanças e este decidir se as aceita ou não respondendo nas urnas.
No livro “A Luta Pelo Direito”, obra do autor Rudolf Von Ihering
(2009), destaca a importância de buscarmos nossos direitos e de
sabermos como efetuá-los. Reivindicá-los sempre que forem ameaçados
e de não nos calarmos diante dos problemas sejam quais forem. Para o
referido autor, a luta pelos nossos direitos visa o (r)estabelecimento da
paz e a harmonia dentro da sociedade e isso implica nos seguintes
fatores:

1. Permitir aumentar os laços afetivos entre os grupos que estão


dentro da mesma causa;
2. Lutar pelos nossos direitos, sem negar o direito de reivindicá-los
ou questionar sobre algo com o qual não se esteja de acordo;

Soeitxawe
236 Fábio C., Marlison C., Sebastião B. & MSc. Antonio Romero

3. A moral é a razão para motivar o sentimento de dor que um in-


divíduo sofreu na busca pelos seus direitos.

Lutar por nossos direitos é lutar por um Brasil melhor, que possibilite
a todo brasileiro ter um emprego que possa suprir suas necessidades por
completo, um país que apresente educação com qualidade, acesso as
universidades, que apresente melhor distribuição de renda, menores taxas
e tributos, que sejam supridas as nossas necessidades básicas como
saúde, moradia, alimentação, vestuário etc.
Pode parecer um tanto absurdo pensar na possibilidade de extinção
do Senado como maneira de reformar a política brasileira, mas há razões
suficientes e convincentes que nos possibilitam tal raciocínio.
O professor Paulo Queiroz (UniCEUB), em seu livro Ensaios Críticos
é partidário desse pensamento ao afirmar que para uma reforma política
brasileira deve haver mudanças significativas se almejarmos construir um
Brasil sem precedentes.

Uma reforma política que não seja simples estratégia para manter
as coisas como estão, criando uma falsa impressão de mudança e
perpetuando privilégios por meio de concessões meramente
paliativas ou simbólicas, deve começar pela extinção pura e
simples do Senado Federal (2013: 67).

De acordo com o renomado professor, isso se daria uma vez que o


Senado Federal há muito perdera as razões históricas que supostamente
o justificariam, visto que o argumento da representação dos Estados pelo
Senado, nascida nos EUA, de que se formava de delegados próprios dos
Estados e que participavam das decisões federais, não mais se utiliza nos
EUA e nunca fora utilizada no Brasil, até porque é o povo que escolhe
os senadores através do voto, assim como os deputados. Eles, os
senadores, por via de partidos integram a representação desses e dá-se o
caso de senadores serem adversários do Governador, defendendo
programa diverso daquele.
Outra razão é que a competência do Senado é semelhante a da
Câmara dos Deputados (Arts. 48 e 49, CF/88) e a competência privativa
do Senado (Arts. 52, CF/88) pode ser exercida sem problema pela outra
Casa. Mero jogo de palavras é a expressão: os Deputados são

Soeitxawe
A Constitucionalização dos Princípios 237

“representantes do povo” e os Senadores dos Estados. Ora, quem os elege é


o próprio povo pelo voto popular seguindo os mesmos critérios,
tornando assim uma sendo replica da outra.
E a disparidade é observada na própria CF/88 quando dispensa
desigualdade entre ambos: os senadores têm mandato de oito anos,
sendo o dobro dos deputados; os 81 senadores têm o mesmo poder de
voto dos 513 deputados federais, estando o poder de decisão
desigualmente distribuído.
Hans Kelsen afirmava que o sistema unicameral é bem mais
condizente com a ideia de democracia porque o sistema bicameral típico
da monarquia e do Estado Federal é sempre uma atenuação do princípio
democrático.
Na prática, quem de fato legisla no Brasil é o Poder Executivo, por
meio de decretos, medidas provisórias etc., embora isso seja criticado,
não podemos ignorar. Isso tem acontecido uma vez que os projetos de
lei para serem aprovados nas casas legislativas, pelas suas idas e vindas se
tornam muito lentos.
Portanto, abolindo o Senado Federal e instituindo o sistema
unicameral, o processo legislativo se tornaria mais célere, menos
burocrático, sintonizando-o melhor com as permanentes mudanças
atuais, por sua vez evitaríamos a edição de leis já ultrapassadas quando de
sua promulgação, pela demora na tramitação de projetos. Economizar-
se-ia em torno de 2,4 bilhões de reais anuais que é o custo estimado do
Senado para os cofres públicos. Remanejaríamos o efetivo aproveitando-
os em outras instituições.
A alegada função revisora que cabe sempre a uma das casas quando a
outra inicia, poderia ser feita pela própria Câmara Federal, sempre com
votação em dois turnos. Papel semelhante tem sido cumprido pelo Poder
Judiciário através do controle de constitucionalidade das leis.
Com isso seria possível melhorar substancialmente não só a forma de
ver a política, mas utilizá-la em beneficio da população, como na área de
educação, o que teria reflexo em toda sociedade impactando inclusive em
índices de violência, desemprego, produtividade, economia, enfim
entraríamos em um ciclo virtuoso, porém para que não estejamos
fantasiando em tratando de uma utopia é interessante que tratemos a
reforma política como sendo um principio e não uma regra, ou seja, que

Soeitxawe
238 Fábio C., Marlison C., Sebastião B. & MSc. Antonio Romero

seja um norte, um guia que nos leve a tomar decisões certas de forma
suficientemente abrangente que não seja capaz de tolir do arbítrio como
uma regra rígida e pré-definida.
Na Obra de Faralli (2006), fica claro essa necessidade:

A presença dos princípios, portanto, corresponde primariamente


aos direitos dos indivíduos e representa o núcleo moral da
comunidade: esta base moral é o que torna o direito obrigatório.
A ideia de e qual concern and respect está no centro da conexão entre
direito e moral na concepção dworkiniana e deve encontrar
aplicação nas decisões políticas e de execução do direito.

Neste caso é importante destacarmos que para atingirmos um


objetivo macro, temos que primeiramente atingir objetivos micro, ou
seja, para transformarmos a sociedade brasileira temos que transformar
os indivíduos primeiramente. Porém essa mudança é muito mais que
simplesmente fornecer escolas, auxílios financeiros, é necessário ensinar
o pensamento, a reflexão para que desta forma seja possível atingir um
crescimento cultural e social.
Essa visão não deve ser restritiva pois assim como os princípios, tal
mudança exige flexibilidade, de forma que possa ser adaptado de acordo
com as mudanças assim como os princípios, vejamos o que diz
FARELLI (2006) em sua obra:

Os princípios são suscetíveis de expansão e de compressão: para


saber qual o alcance efetivo de um princípio é preciso não apenas
observar seu teor literal, mas também o conteúdo dos outros
princípios concorrentes potencialmente aplicáveis, se existentes,
bem como as circunstâncias do caso concreto. A esse propósito,
Alexy afirma que os princípios se caracterizam mais pela
dimensão do "peso" que pela dimensão da validade.

Os princípios pertencem a um contexto que tende ir além de suas


barreiras, são fatores colaterais, ou seja, caso um principio seja buscado
indiretamente terá outras consequências, caso se imagine que a solução
para melhoria da sociedade brasileira começa com a educação e a mesma
seja posta como eixo central de uma mudança profunda, futuramente a

Soeitxawe
A Constitucionalização dos Princípios 239

consequência disso será uma população com maior grau de instrução,


mas não só isso, teremos, também, trabalhadores mais qualificados,
eleitores mais politizados que possam escolher melhor seus
representantes, um crescimento no número de empreendedores, logo
teremos mudanças em todos as áreas chave de uma sociedade, são
fatores que elevam a validade da teoria dos princípios, que devem ser
vistos como um ponto no horizonte a ser seguido, buscado.
Em se tratando de Segurança Pública deve-se pensar em um sentido
mais amplo, afinal a segurança pública envolve todos os entes da
sociedade, desde cidadãos comuns que a buscam até os que cometeram
crimes e tiveram sua liberdade retirada, a transformação para patamares
aceitáveis deve ser vista como objetivo, assim como os princípios, pois
dessa forma caminha-se para uma solução mesmo que não se tenha essa
solução de imediato, e para que tenhamos essa solução é importante
prevenir antes de punir, educar antes de prender, preparar o trabalhador
antes de incriminar um culpado, encontrar meios de reinserção na
sociedade que sejam mais eficientes que o aumento das penas.
A aplicação dos princípios parte desde o cumprimento dos princípios
constitucionais que colocam o ser humano como ente principal de uma
sociedade até a utilização dessa forma de pensar para execução de
projetos em longo prazo como é o caso da resolução da problemática da
segurança pública em nossa sociedade.

Referências

BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e


Constitucionalização do Direito, (O Triunfo Tardio do Direito
Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica Sobre a Reforma do
Estado, Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9,
março/abril/maio, 2007
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Brasília: UnB, 2000.
Brasil, Constituição. Constituição Federal Brasileira de 1988.

Soeitxawe
240 Fábio C., Marlison C., Sebastião B. & MSc. Antonio Romero

FARALLI, Carla. A Filosofia Contemporânea do Direito: temas e


desafios. Tradução Candice Premaor Gullo. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2006.
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2006.
IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. 2 ed. São Paulo: Martin
Claret, 2009.
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Tradução de João Baptista
Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
QUEIROZ, Paulo. Ensaios Críticos. Direito, Política e Religião. 2 ed.
Salvador, Bahia: Juspodvm, 2013.
TROPER, Michel. A Filosofia do Direito. Tradução de Ana Deiró. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.

Soeitxawe
Reflexo dos Passivos Ambientais às Margens do Rio Barão
do Melgaço no Estado de Rondônia, Brasil

Rogério Antônio Carnelossi


Claudia Cleomar Araújo Ximenes Cerqueira
Benedito de Matos Souza Junior
Nubia Deborah Caramello
Marilia Locateli
Viviane Gomes

Resumo: O Rio Barão do Melgaço no município de Pimenta Bueno/RO,


representa o sustento de muitas famílias Ribeirinhas que tiram a sua alimentação
e parte da renda do mesmo. Devido ao crescimento populacional às margens do
mesmo de forma descontrolada sem tomarem os devidos cuidados necessários,
hoje o Rio Barão do Melgaço apresenta grande parte de suas margens
degradadas. Faz-se como objetivo deste trabalho identificar os reflexos dos
passivos ambientais no rio Barão do Melgaço no perímetro urbano do
município de Pimenta Bueno/RO, oriundos das ações antrópicas. Trabalhando
através de pesquisas documentais e bibliográficas, este estudo de caso tem como
embasamento o método dedutivo-hipotético mantendo o foco sobre o tema em
análise. Identificou-se que a perda das matas ciliares é um dos passivos que mais
contribui para a expansão da precipitação das chuvas. A proliferação de doenças
por conta do despejo de esgoto doméstico na mesma é outro passivo que
necessita de atenção redobrada da Gestão Pública.
Palavras-Chaves: Enchente; Desmatamento; Passivo Ambiental; Mudanças
Climáticas.

Introdução

Em consequência do uso e ocupação do solo de forma insustentável


ocorrem grandes mudanças climáticas em todo globo terrestre como, por
exemplo, o constante desmatamento por meio de derrubadas e
queimadas, ocasionando modificações na natureza. Como exemplo, há
variações de grandes enchentes em um ano há secas severas em outros.

Soeitxawe
242 Rogério C.; Claudia C.; Benedito Jr.; Nubia C.; Marília L. & Viviane G.

Estas variações provocadas pelas ações antrópicas provocam


instabilidade social, econômica e ambiental.
O município de Pimenta Bueno, cortado por dois grades rios, o rio
Barão do Melgaço e o rio Pimenta, possui em Suas Áreas de
Preservações Permanentes (APP), no perímetro urbano, moradores que
ali residem há décadas. Como solução para os problemas ocasionados
pelas constantes enchentes, em 2015 o município em parceria com o
Governo Estadual e Federal fomentou a construção de casas populares
para as famílias que sofrem de forma direta com os constantes
alagamentos.
O cenário mundial, diante de acontecimentos e desastres que causam
desequilíbrio do meio ambiente, representa a falta de controle do homem
em relação aos benefícios advindos do ambiente natural. Vale destacar
que o recurso hídrico que se destaca neste estudo é a água utilizável, ou
seja, aquela que de alguma forma é útil para o ambiente e os seres que o
habitam.

Passivos Ambientais

O passivo ambiental é uma obrigação da empresa para a reparação


desses prejuízos e danos ambientais que ela causou no decorrer de suas
atividades, uma vez que ela é responsável por todos os danos que
atingem a sociedade e o meio ambiente afetado.
Já os ativos ambientais são todos os investimentos feitos com o
intuito de controlar os impactos ambientais, sejam eles com máquinas,
instalações, equipamentos, insumos, estoques de acessórios etc. Tudo
que tenha como objetivo de amenizar e controlar problemas ambientais
causados ao meio ambiente é classificado como ativo ambiental.
Um dos apontamentos da degradação ambiental está no
desenvolvimento econômico. É possível! Pois, reportando-nos a história
da humanidade, identificamos períodos em que as pessoas se
preocupavam muito mais com o lucro, com o que a natureza poderia lhe
oferecer do que com a sua preservação. Em outrora, tudo era retirado do
meio ambiente sem preocupação com a sua reposição, ou mesmo com a

Soeitxawe
Reflexo dos Passivos Ambientais 243

conservação de suas bases, como por exemplo, os mananciais que até


nos dias atuais continuam a ser destruídos.
Lícito destacar que o “Passivo ambiental é toda obrigação contraída
voluntária ou involuntariamente destinada a aplicação em ações de
controle, preservação e recuperação do meio ambiente, originando,
como contrapartida, um ativo ou custo ambiental” (COSTA, 2012, p.
67). Por conseguinte, estudos provenientes do uso do meio ambiente nos
mostram que os riscos e incertezas podem levar o gestor a decisões que
minimizem ou maximizem as ações antrópicas negativas na natureza.
Moraes (2009) desenvolveu um estudo voltado à economia ambiental
de forma a oferecer um apanhado de instrumentos econômicos para a
gestão ambiental e desenvolvimento sustentável. Em seus estudos, o
autor, mostra que a falha na preservação, manutenção e recuperação do
meio ambiente é tanto de órgãos públicos quanto privados, tanto de
instituições como de empresas. Os primeiros pelas políticas públicas
serem ineficientes, principalmente no momento de fiscalização e, a
segunda por não fazer por onde suas ferramentas de trabalho sejam
ecologicamente corretas.
Os custos externos de produção não são arcados pelas empresas,
como os resíduos dispostos à natureza. Para inibir os excessos no Brasil
foi instituído diversas leis que coíbem o uso indiscriminado do meio
ambiente. Segundo Cerqueira e Silva (2011, p. 236) há “[...] clamores em
prol do uso responsável da natureza, ou seja, do manejo sustentável do
que a natureza dispõe ao homem, gratuitamente”.
Não dá para ignorar que o meio ambiente está cada vez mais
necessitado de cuidados e as empresas são chamadas à responsabilidade
socioambiental. Neste contexto a Ciência Contábil, como expõe Costa
(2012), por meio da Contabilidade do Meio Ambiente tem contribuído
com o novo cenário econômico, social e político em todo o Planeta,
mensurando e evidenciando os ativos e passivos ambientais.
O desmatamento excessivo seja ele por meio de derrubadas e/ou
queimadas tem levantado inúmeros problemas extremos, como as
enchentes e a escassez da água doce, seja ela potável ou não. É
pertinente citar Cavalcante e Góes (2014, p. 107) como contribuição a
lógica de ideias aqui apresentadas:


Soeitxawe
244 Rogério C.; Claudia C.; Benedito Jr.; Nubia C.; Marília L. & Viviane G.

[...] demorou certo tempo para a humanidade perceber que as


ações efetivas em determinado território acabavam por agravar a
situação ambiental de outro, acarretando em ônus socioambiental
e econômico em detrimento ao bônus de prosperidade
conquistados pelos territórios autores das ações predatórias que,
normalmente, exerciam o papel hegemônico de controle
industrial.

A percepção de que a continuidade da humanidade depende de


harmonia entre o Ser Humano e Natureza já é difundida no contexto
político e empresarial desde os idos do século XX. No entanto,
chegamos ao século XXI com problemas de escassez da água que há
poucos anos se via com intensidade no nordeste brasileiro. Em janeiro e
fevereiro de 2015, a região central do Brasil, mostrou que a falta de água
está atingindo todo o país. A cidade de São Paulo tem sentido o quanto
as mudanças climáticas são implacáveis: ora escassez de água, ora
inundações destroem tudo o que está a sua frente, deixando milhares de
pessoas desabrigadas e expostas a situações de risco extremo.
Cerqueira et al (2014, p. 47) ponderam que,

[...] O aumento do desmatamento principalmente nas matas


ciliares e a ocupação desordenada das cidades compreendem
parte dos problemas relacionados à escassez de água, tornando-se
necessário a elaboração de projetos que contemplem a
conservação e recuperação de ambientes degradados a fim de
conservar os recursos hídricos e manter sua qualidade dentro dos
limites permitidos pela lei.

As mudanças climáticas ocorridas nos últimos tempos, são exemplos


de que a natureza está respondendo de forma negativa ao mal-uso de
seus recursos, colocando a humanidade cada vez mais próxima de uma
grande catástrofe natural. A ciência está evoluída, no entanto, os
problemas ambientais se mostram cada vez maiores, mais densos. Não
há como ficarmos a espera do próximo evento natural.

Soeitxawe
Reflexo dos Passivos Ambientais 245

Métodos e Técnicas

Utilizando-se da pesquisa documental e bibliográfica, esta


investigação tem como norteador o método hipotético-dedutivo, pelas
hipóteses levantadas e consentindo num estudo aberto e coeso dos
passivos ambientais. Segundo Sposito (2004, p. 31) “esse método foi
consagrado pela filosofia e pela ciência ocidental e cristalizou-se na
prática cotidiana de uma infinidade de pessoas que se dedicam à
produção e à análise do conhecimento científico”.
O discurso provê da experiência dos pesquisadores, bem como o
conhecimento da área abordada: margens do rio Barão do Melgaço no
perímetro urbano do município de Pimenta Bueno, com foco na região
em que há construções de moradias, bem como é utilizado para
associações, estas últimas por fazerem parte da cidade no contexto
urbano. Portanto, a análise da pesquisa apresenta a necessidade de buscar
por explicações ao fenômeno das mudanças climáticas.
A nascente do Rio Machado é no Pontal, onde se dá o encontro de
dois rios, o rio Pimenta Bueno e o rio Barão do Melgaço. Na junção dos
mesmos é que se origina o Machado, manancial de captação de água para
a rede urbana do município de Pimenta Bueno, é considerado como
principal rio que corta o município (CPRM, 2013).
A técnica utilizada foi de observação, pois buscamos acompanhar ao
longo dos últimos cinco anos o movimento das águas às margens dos
rios Pimenta Bueno e o do Barão do Melgaço, chamando a nossa
atenção no segundo por conter um maior número de pessoas em sua
extensão, bem como pela BR 364 cortá-lo, sendo possível a locomoção
por meio de uma ponte de concreto que aponta uma extensão de
aproximadamente 100 metros de largura.

Soeitxawe
246 Rogério C.; Claudia C.; Benedito Jr.; Nubia C.; Marília L. & Viviane G.

Apresentação e Discurso da Pesquisa

O estado de Rondônia possui uma área de 238.512,80 km2, possui 52


municípios e é situado entre as coordenadas 07° 58’ e 13° 43’, de latitude
Sul, e 66° 48’, de longitude a Oeste de Greenwich. Possui clima Tropical
Quente e Úmido. Eventos climáticos extremos foram identificados por
Zuffo et al (2011), entre outros municípios, Pimenta Bueno, no período
de 2007 a 2010. Estudo realizado pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), relativo aos desastres naturais, em 2011, aponta o
município de Pimenta Bueno (fig. 1), com um registro de inundação
considerado como catástrofe no ano de 2010 (fig. 2).

Fig. 1: Desastres naturais causados por inundação gradual em Rondônia no período de 1991
a 2010.
Fonte: UFSC (2013, p. 25)

Soeitxawe
Reflexo dos Passivos Ambientais 247

No ano de 2010, tivemos o primeiro desastre estudado, o que não


pode ser descartado de anos anteriores, pois, Zuffo et al (2010, p. 73)
salienta que a “[...] insuficiência de dados oficiais dificulta o trabalho de
divulgação preventiva na busca de minimizar os danos à população”.
Somamos aos autores quanto à importância de dados para análise
ambiental e a propagação da ideia de preservação da natureza.

Fig. 2: Infográfico da síntese das ocorrências de inundações no Estado de Rondônia


Fonte: UFSC (2013, p. 46)

Ponderar sobre os eventos que ocasionaram inundações ao longo do


tempo não é a intencionalidade desta pesquisa, no entanto, é necessário
destacar que tal estudo, por parte de profissionais competentes na área, é
relevante e de suma importância para compreender alguns fatores que
levam a novos eventos. Podendo, em algumas ocasiões planejar ações
governamentais e de ações sociais e ambientais que visam prevenir
fenômenos naturais que coloquem a vida humana em risco.

A concentração está entre 2006 e 2010 (fig. 2) sendo que de 1992


a 2005 não houve registros oficiais. No entanto, registros extras
oficiais apontam um grande volume de água nos anos
intermediários, causados principalmente pelo desmatamento das
áreas localizadas nas Áreas de Proteção Permanente (APP). Entre
tantas possibilidades de inimizar os problemas de escassez, bem
como de excesso de água. (CERQUEIRA et al, 2016, p. 483).

Em casos como estes o reflorestamento é uma das soluções para que


seja recuperada e preservada as matas ciliares, Cerqueira e Silva (2010)
explicam que o diferencial está justamente no custo benefício deste tipo

Soeitxawe
248 Rogério C.; Claudia C.; Benedito Jr.; Nubia C.; Marília L. & Viviane G.

de empreendimento. As pesquisas realizadas pelo Centro Universitário


de Estudos sobre Desastres da UFSC (2013) destacam que,

[...] O acompanhamento da evolução diária das condições


meteorológicas, assim como o monitoramento do nível dos rios
permitem antecipar a possibilidade das ocorrências de inundações
e, consequentemente, a minimização dos danos, tanto humanos,
quanto materiais.
No entanto, essa previsibilidade não faz parte de um processo de
gestão do risco que, como consequência, não reduz a
vulnerabilidade das comunidades ribeirinhas, bem como do
perímetro urbano, aos desastres ocasionados por enchentes e
inundações. (UFSC, 2013, p. 45).

Fig. 3: Água e lixo na alagação em 2015, Rio Barão do Melgaço


Imagem de Ronilson Neves Cerqueira

A constante monitoração do nível dos rios possibilita a previsão de


aumento do nível da água do rio, contribuindo para a tomada de decisões
como a retirada antecipada das famílias que ocupam áreas com
incidências de alagações. No caso de Pimenta Bueno Cerqueira et al
(2015), apontam para a necessidade de implantação de Planos de
Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), as margens dos rios.

Soeitxawe
Reflexo dos Passivos Ambientais 249

As inundações levam para a população os dejetos lançados sem


deriva pelos mesmos, causando danos a saúde. Na figura 3, pode se
observar o amontoado de lixo em volta da residência abaixo d’água.
Percebe-se que há lixos de diversos tipos, ou seja, tudo aquilo que o ser
humano joga de forma discriminada na natureza, acaba por retornar aos
mesmos.
Visível a importância em se desenvolver políticas públicas mais
arrojadas, com estudos de viabilidade social e econômica pelo município,
uma vez que o Governo Federal tem feito sua parte quanto ao
desenvolvimento destas políticas voltadas ao meio ambiente — mesmo
com suas deficiências estruturais e, principalmente, de fiscalização.
Segundo Cerqueira et al (2015) em 2007 o Governo Federal apresentou
junto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) a operação Arco de Fogo
com o objetivo de coibir o desmatamento na Amazônia Legal e o
município de Pimenta Bueno foi apontado como um dos quatro
municípios do estado de Rondônia como prioritário no combate ao
desmatamento por meio de derrubadas e queimadas.
Neste sentido a questão que surge é: O que está sendo feito para se
mudar a situação em que se encontra o meio ambiente? Em que ponto as
políticas públicas ambientais desenvolvidas pelo município de Pimenta
Bueno estão? Nesta reflexão, se busca por informações que
contribuíssem na busca de respostas e o que nos deparamos foi com
tímidas ações realizadas junto a órgãos do Governo Estadual e Federal,
com iniciativas dos dois entes federativos, os quais estão fazendo a parte
que lhes cabe, os municípios fazem a parte relacionada à sua
contribuição a estas ações.
Casas populares, construídas com recursos compartilhados e
distribuídas a estas famílias é, em parte, solução. Sim, solução no sentido
de retirar estas pessoas dos espaços com risco de alagação, no entanto, a
parte relativa ao meio ambiente continua sem que haja propostas que
coíba o avanço da água, esta que já alcança de forma gradativa ano pós
ano de enchente, chegando a mais de 500 metros1 de distância das
margens do Rio Barão do Melgaço. Isso sem deixar de grafar que o Rio


1 Dados da pesquisa de campo realizado pelos autores em 2015.

Soeitxawe
250 Rogério C.; Claudia C.; Benedito Jr.; Nubia C.; Marília L. & Viviane G.

Pimenta Bueno também transborda neste período de cheia e o município


é rodeado por ambos os rios.
Durante a pesquisa, se pode observar que famílias passam pela
mesma situação há mais de uma década, com intensidade cada vez maior,
as figuras 3 e 4 retratam a situação em que ficou as residências na
enchente ocorrida no início do ano de 2015 em Pimenta Bueno,
Rondônia. Quanto à figura 4, percebe-se que animais utilizam os
telhados das residências para sobreviverem no período de alagação, além
dos outros que não conseguem arranjar abrigo de imediato.

Fig. 4: Residência alagada, construída a beira do Rio Barão do Melgaço, 2015


Imagem de Ronilson Neves Cerqueira

No ano de 2007 foi apresentado um Plano de Recuperação de Áreas


Degradadas (PRAD) para o município de Pimenta Bueno, contudo, o
referido PRAD, não apresenta estudo de viabilidade econômica, tão
necessário para qualquer tipo de projeto. O que ponderamos ser de suma
importância na avaliação técnica é a visualização financeira do
empreendimento. A falta de estudo socioeconômico e financeiro do
PRAD, em questão, inviabiliza o emprego do mesmo.
Necessário deixar claro que esta pesquisa está voltada para a zona
urbana e que o PRAD deve ser bem orientado especificando os atos a
serem realizados “[...] que devem ser planejadas de forma a recuperar a
mata destruída restituindo o uso original ou favorecer novas alternativas

Soeitxawe
Reflexo dos Passivos Ambientais 251

de uso, medida esta que proporciona melhoria ao bioma e conserva a


fauna e flora local” (CERQUEIRA et al, 2015b).
Importante destacar que a proposta realizada por Cerqueira et al
(2015a) de implementação de PRAD, que contemple as áreas ciliares no
município de Pimenta Bueno é viável desde que seja realizado um estudo
atualizado de zoneamento e análise social e econômica, bem como, é
lícito destacar que,

Torna-se elemento chave essencial que o processo de capacitação
da secretaria de Meio Ambiente e Agricultura, juntamente com
representantes da sociedade civil organizada, seja implantado,
para que os conhecimentos empíricos juntamente com o
conhecimento cientificam possibilite novas percepções de
desenvolvimento. Porque qualquer ação governamental
desvinculado do acesso a informação pelos demais setores pode
se tornar onerosas e sem alcançar em longo prazo os objetivos
propostos. (CERQUEIRA et al, 2015a, p. 136).

A característica apresentada nas margens do rio Barão do Melgaço,


em Pimenta Bueno é de degradação, o desmatamento colabora para a
erosão e o avanço do seu leito. Se não bastasse o desmatamento e a
erosão, há substâncias (desconhecidas) lançadas diretamente no rio sem
qualquer tipo de tratamento (fig. 5).

Soeitxawe
252 Rogério C.; Claudia C.; Benedito Jr.; Nubia C.; Marília L. & Viviane G.

Fig. 5: Margens do Rio Machado na zona urbana do município de Pimenta Bueno/RO


Fonte: pesquisa de campo, margem do Rio Machado em Pimenta Bueno/RO

A figura 5 mostra o quanto os nossos rios estão à mercê de ações


antrópicas irresponsáveis que não se preocupa com a qualidade das
nossas águas. É interessante saber que o rio faz parte da capitação e
distribuição de água para os munícipes. Lícito parafrasear Cerqueira et al
(2014, p. 49) “[...] os problemas causados pelo mau uso dos recursos
naturais e, no que tange aos recursos hídricos proclama-se que as
reservas naturais estão extinguindo-se”. Independente de ser ou não
tratada a água que vai para as residências, é salutar destacar a importância
com o cuidado com o que descartamos na natureza.
Segundo Araújo et al (2014, p. 75) “O ciclo hidrológico é de
fundamental importância para o processo erosivo, pois descreve a
seqüência da transferência de água proveniente da precipitação para as
águas superficiais e subterrâneas, para o armazenamento e escamento
superficial [...]”, ou seja, as matas ciliares protegem os espaços ciliares.
No município de Pimenta Bueno/RO, mais de 50% das margens do
rio Barão do Melgaço, no perímetro urbano, está desmatado e parte
ocupada com construção de residências. Os fenômenos naturais exigem
que se (re)pense as ações antrópicas, considerando que as margens
desmatadas são propícias a desmoronamento e precipitação da água que
a cada chuva chega com mais força.

Soeitxawe
Reflexo dos Passivos Ambientais 253

Considerações que não tem fim

Com o novo cenário ambiental, onde se extingue a ideia de que o


meio ambiente era infinito e que tudo duraria para sempre, surge a
necessidade de adotar medidas preventivas, ou seja, visionar os
obstáculos que virão e o que se pode fazer para amenizar os prejuízos
ambientais. E, como uma dessas medidas pode destacar a Contabilidade
Ambiental, que está aí para calcular prejuízos, monitorar e controlar o
patrimônio ambiental gerando informações para a melhor avaliação dos
recursos naturais.
Os recursos hídricos são essenciais para a vida do planeta, estando
em destaque à sobrevivência do homem, pois a disponibilidade da água
está cada vez mais escassa e com o aumento da humanidade, o uso
excessivo de agrotóxicos e adubos muitas vezes desnecessários,
aumentaram a poluição deixando assim ainda mais custoso o
fornecimento da mesma. A água é indispensável para a vida dos seres
vivos, no entanto a maioria da população não tem dado o devido valor,
há uma falta de cuidado com o meio ambiente, uso sem consciência que
se resulta em grande transtorno e preocupação.
Devido à falta de educação ambiental, os Governantes foram
obrigados a tomar medidas que regulamentam maior eficiência no uso da
água, ainda assim a preocupação não é de todos, é difícil se envolver em
um problema que ainda não atingiu a alguns, se houvesse uma visão
futura com o uso consciente poderia prevenir situações críticas como a
que ocorreu na cidade de São Paulo no primeiro semestre de 2015.
É previsível a escassez de água potável se este desenvolvimento não
for compromisso só dos governos mas sim de todos, um agindo com
desenvolvimentos renováveis e a população com mais economia e
respeito. Vale ressaltar que por causa do uso indevido desse bem, está
colocando em risco uma cadeia de benefícios primordiais, como
agricultura, transporte, resfriamento e higiene pessoal. Se não houver
unidade, ou seja, todos com um mesmo foco não haverá eficácia na
resolução desse problema que atinge o mundo inteiro.
Boa parte da água tratada que é fornecida aos consumidores é
desperdiçada, sem levar em consideração a falta dela, e o que isso pode
causar a milhares de pessoas. Em algumas regiões já é possível notar a

Soeitxawe
254 Rogério C.; Claudia C.; Benedito Jr.; Nubia C.; Marília L. & Viviane G.

falta da água potável e a dificuldade para a distribuição da mesma. A


conscientização é um dos meios que está sendo usado para que esse
número venha a diminuir, mas é um processo muitas vezes sem muitos
resultados.
Com o crescimento populacional, todos os recursos estão tendo que
acompanhar essa propagação, comprometendo recursos naturais que não
estão sendo reposto. Por esse motivo são cobrados valores acima da
média para o sua obtenção. A água contaminada pode conter bactérias,
vírus, que pode provocar doenças se consumida pela população, com o
uso desenfreado das pessoas, sem o cuidado necessário, gerar maiores
custos ao bolso público, repassando os valores para os seus
consumidores.
Os reflexos dos passivos ambientais no rio Barão do Melgaço no
perímetro urbano do município de Pimenta Bueno/RO, se mostram
com a perda das matas ciliares a qual ocorreu com a ação antrópica,
contribui para a expansão da precipitação das chuvas, alagando
residências e comércios. Outro fator importante a ser destacado é a
proliferação de doenças por conta do despejo de esgoto doméstico na
mesma. É outro passivo que necessita de atenção redobrada da Gestão
Pública.

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Soeitxawe
O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o
Fortalecimento da Agricultura Familiar: A Percepção dos
Agricultores do Município de São Felipe D’Oeste - RO1

Yasmin Paiva Correa (UNESC)


Andréa Rodrigues Barbosa (UNESC – RO e UFBA - BA)
Abraão Roberto Fonseca (UNESC – RO e UFBA – BA)
Matilde Mendes (UNESC – RO e UNEMAT – MT)

Resumo: Pode-se dizer que a agricultura familiar através do Programa de


Aquisição de Alimentos – PAA tem colaborado para o desenvolvimento
sustentável, fazendo com que os agricultores tenham mais renda para viver no
campo, contribuindo com o aumento da produção e a qualidade dos produtos
comercializados. Esse estudo busca analisar a percepção de agricultores do
município de São Felipe do Oeste - RO sobre a existência do fortalecimento da
agricultura familiar após o ingresso desses agricultores no programa. O método
utilizado para a realização desse estudo foi a pesquisa de campo. O instrumento
de coleta de dados foi um questionário semiestruturado, e a amostra
corresponde a 25% dos agricultores cadastrados no programa (76), e que fazem
parte da Associação das Trabalhadoras Rurais Esperançosas de Rondônia -
ATRERON. Com os resultados obtidos, verificou-se que os agricultores
apresentaram as dificuldades enfrentadas até agora, e revelaram a
importância do programa para suas famílias.

Introdução

Este trabalho busca analisar a percepção dos agricultores do


Município de São Felipe D’Oeste – RO sobre o Fortalecimento da
Agricultura Familiar após a inserção no Programa de Aquisição de
Alimentos – PAA.

1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE Congresso Internacional de
Pesquisa Científica da Amazônia, realizado entre os dias 01 e 03 de maio de
2015, Cacoal, RO.
260 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

Políticas Públicas têm como alvo resolver problemas que podem ou


não estarem voltados à sociedade, essas dificuldades são traduzidas em
metas que o Governo traça e que nem sempre a população está de
acordo.
A agricultura familiar tem como objetivo contemplar grande parte da
diversidade cultural, social e econômica. No início, a agricultura familiar
era considerada inferior por acreditar que não se contribuía com o
desenvolvimento e crescimento do país, porém a partir de 28 de junho
de 1996 os agricultores passam a ser considerados como peça
fundamental ao desenvolvimento do país, pois a partir dessa data foi
criado o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar -
PRONAF, e com isso os agricultores passam a ter uma linha de crédito
diferenciado, propiciando-lhes aumento na produção e geração de renda
(SCHUWANTES, 2011).
Com o contínuo crescimento da discussão sobre o tema agricultura
familiar aprovou-se a lei que finalmente definiu critérios a nível nacional
de classificação deste grupo: a Lei 11.326, também chamada de Lei da
Agricultura Familiar, 24 de julho de 2006 (ANDRADE, 2011).
Ainda no sentido de estimular a agricultura familiar no país, no ano
de 2003 foi instituído o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA.
Este programa surge com o propósito de fortalecer e promover o acesso
à alimentação. Ainda tem como função fornecer alimentos a entidades
do município: creches, hospitais, cozinhas comunitárias, entre outras. Os
públicos alvos são famílias de baixa renda que podem ser tanto da zona
rural quanto urbana.
Dito isso, o presente trabalho visa apresentar os resultados de
pesquisa de campo, com entrevistas de agricultores escritos no Programa
de Aquisição de Alimentos sendo eles do município de São Felipe
D’Oeste – RO.

1. Considerações Sobre Políticas Públicas e Agricultura Familiar

Teixeira (2002) explica que as políticas públicas são diretrizes,


princípios norteadores de ação do poder público, regras e procedimentos
às relações entre poder público e sociedade, buscando responder às
O Programa de Aquisição de Alimentos 261

demandas de setores vulneráreis desta. As políticas públicas geralmente


ocorrem em um ambiente tenso e de alta densidade política, marcadas
por relações de poder, que podem ser extremamente problemáticas,
entre atores do Estado e da sociedade, agências intersetoriais, os poderes
do Estado, o nível nacional e níveis subnacionais, comunidade política e
burocracia (RUA, 2009).
Acrescenta-se ainda que, essas políticas traduzem, no seu processo de
elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de
exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição
de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a
repartição de custos e benefícios sociais (TEIXEIRA, 2002).
A agricultura familiar apresenta-se como um segmento muito
importante dentro da economia nacional, uma vez que promove o
desenvolvimento econômico, contribui para o emprego de mão-de-obra
e provê a subsistência das famílias. Do ponto de vista social, é a maior
responsável pela fixação do homem no campo, na medida em que
emprega todos os membros da família (SCHINEIDER, 2003;
ABRAMOVAY, 1998, 1999).
Segundo Hespanhol (2006) apud Hespanhol (2008), em 1990 a
política pública e a particular, que fazem parte do meio rural, passou a
incorporar em seu escopo algumas mudanças. Entre essas mudanças
encontrar-se a criação de uma política direcionada para a agricultura
familiar que é conhecida como Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar - PRONAF.
No entanto, Valnier et al (2013, p.199) explica que discutir políticas
públicas para a agricultura familiar brasileira antes da década de 90, não
era tarefa fácil. Somente após esta década é que começaram a existir as
primeiras políticas públicas voltadas especificamente para esse público,
porém, de forma lenta e gradual, atendendo à necessidade de uma
intervenção do Estado na crescente exclusão social da população
agrícola. De acordo com Anjos et al (2004, p.530), “[...] O surgimento,
em 1995, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar marca, indiscutivelmente, um divisor de águas no processo de
intervenção estatal na agricultura [...]”.
Aconteceram algumas mudanças em relação à liberação de créditos.
Entre as primeiras mudanças estiveram às ações voltadas para a liberação

Soeitxawe
262 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

do crédito à produção, garantia de preço e ações mais específicas para a


assistência técnica. Quando a estrutura fundiária do país foi modificada,
as Políticas Públicas começaram a focar na área agrária brasileira. Sendo
assim, os agricultores começaram a ter direito a benefícios da previdência
social: aposentadoria e as pensões, de acordo com a Constituição Federal
de 1988 (VALNIER et al, 2013).
Assim, a agricultura familiar passa por uma reconfiguração no cenário
nacional, alavancando sua importância para com os resultados voltados
ao desenvolvimento econômico do país. Schuwantes (2011) destaca
outras contribuições da agricultura familiar ao desenvolvimento de uma
nação, enfatizando não apenas aspectos econômicos, bem como os
aspectos sociais e aqueles relacionados à segurança alimentar.
Segundo D’Ávila et al (2010, p.10), a partir de 2003, “o Governo
Federal inaugura um novo ciclo de políticas públicas de combate à fome,
capazes de promover desenvolvimento local e regional”. Para esse
mesmo autor:

O Programa de Aquisição de Alimentos surge com a premissa de


articular uma série de ações públicas voltadas aos agricultores
familiares, com a finalidade de inseri-los no processo de
aquisição de alimentos, coordenado e promovido pelo Estado
Nacional para o abastecimento do chamado mercado
institucional de alimentos <www.conab.gov.br/conab-
quemSomos.php?a=110>.

Conforme se observa, as políticas públicas voltadas à agricultura


familiar reconfiguram o papel desses agricultores no desenvolvimento do
país. Eles passam a usufruir dos benefícios legais individuais e coletivos,
além de contribuir com resultados econômicos e sociais.

2. Considerações sobre o Programa de Aquisição de Alimentos –


PAA

Conforme D’Ávila et al (2010, p.21), o programa de aquisição de


alimento foi instituído em 2003 como parte de estratégia do Fome Zero,
que possibilita a aquisição de alimentos da agricultura familiar, os preços
O Programa de Aquisição de Alimentos 263

são estabelecidos e regulados de forma indireta pelo mercado e ao


mesmo tempo, garante o abastecimento de redes de proteção e
promoção social. De acordo com Hespanhol (2013, p.470), “O PAA
possui duas finalidades principais: promover o acesso a alimentação e
incentivar a agricultura familiar”.
Para alcançar esses dois objetivos, o autor diz que:

O programa compra alimentos produzidos pela agricultura


familiar, com dispensa de licitação, e os destina às pessoas em
situação de insegurança alimentar e nutricional atendidas pela
rede sociais-assistencial, pelos equipamentos públicos de
segurança alimentar e nutricional e pela rede pública e filantrópica
de ensino.

Conforme Antunes et al (2011, p.102), “O Programa de Aquisição de


Alimentos (PAA), instituído no ano de 2003, tem como objetivo
promover a compra, a formação de estoques e a distribuição de
alimentos oriundos da produção familiar rural, sendo viabilizado pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e pela
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)”.
Conforme a Companhia Nacional de Abastecimento:

A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) está


presente em todas as regiões brasileiras, acompanhando a
trajetória da produção agrícola, desde o planejamento do plantio
até chegar à mesa do consumidor. A atuação da Companhia
contribui com a decisão do agricultor na hora de plantar, colher
e armazenar e segue até a distribuição do produto no mercado,
fase em que a garantia dos preços mínimos oferecidos pelo
governo é traduzida em abundância no abastecimento e estímulo
à produção (CONAB, 2003).

De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento -


CONAB (2003), o PAA encontra-se inserido em um conjunto mais
abrangente de políticas desenvolvidas pelo Governo Federal, em parceria
com o poder público estadual, municipal, e com diferentes organizações
da sociedade civil, por meio do Programa Fome Zero, voltadas ao

Soeitxawe
264 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

fortalecimento da segurança alimentar e nutricional do país. Para


CONAB (2003), o PAA:

Destina-se à aquisição de produtos de origem agrícola, pecuária e


extrativa, oriundos da agricultura familiar, visando à formação de
estoques ou a doação simultânea a populações em situação de
risco alimentar atendidas por programas sociais de caráter
governamental ou não governamental.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário:

Parte dos alimentos é adquirida pelo governo diretamente dos


agricultores familiares, assentados da reforma agrária,
comunidades indígenas e demais povos e comunidades
tradicionais, para a formação de estoques estratégicos e
distribuição à população em maior vulnerabilidade social
<www.portal.mda.gov.br>.

Quem tem acesso a esse programa são os Agricultores Familiares,


assentados de reforma agrária, povos e comunidades tradicionais,
comunidades indígenas, ou empreendimentos familiares rurais
portadores de Declaração de Aptidão ao PRONAF - DAP
(www.portal.mda.gov.br).
Esse programa possibilita aos agricultores à comercialização de
alimentos, os preços são calculados através da metodologia desenvolvida
pela CONAB e aprovada pelo Grupo Gestor. As aquisições fazem parte
de uma reserva de alimentos, que dá apoio à agricultura familiar
(CONAB, 2003). O grupo de Gestores é formado pelos seguintes
ministérios, conforme Decreto nº 6.447, de 7 de maio de 2008;
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS,
Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA/CONAB, Ministério da
Fazenda, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (CONAB,
2003).
Desde 2006, o MDA passou a destinar recursos orçamentários
próprios para operacionalização de duas modalidades do PAA: Apoio
à Formação de Estoques pela Agricultura Familiar e a Compra Direta
da Agricultura Familiar <www.portal.mda.gov.br>.
O Programa de Aquisição de Alimentos 265

HESPANHOL (2008, p.1) afirma que:

O PAA tem como objetivo principal assegurar o acesso aos


alimentos em termos de quantidade, qualidade e regularidade à
pessoas em situação de insegurança alimentar e/ou nutricional e,
ao mesmo tempo, gerar renda e trabalho no campo por meio da
aquisição direta de alimentos produzidos pelos agricultores
do município.

De acordo com HESPANHOL (2013, p.471), “as ações do PAA são


operacionalizadas por meio do estabelecimento de convênio entre o
Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e as administrações
estaduais e municipais”. O art. 19 e o art. 33 da Lei nº 10.696, de 2 de
julho de 2003, passa a vigorar com a seguinte resolução: Fica instituído o
Programa de Aquisição de Alimentos, compreendendo as seguintes
finalidades:
- Incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão
econômica e social, com fomento à produção com
sustentabilidade, ao processamento de alimentos e industrialização
e à geração de renda;
- Incentivar o consumo e a valorização dos alimentos produzidos
pela agricultura familiar;
- Promover o acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e
regularidade necessárias, das pessoas em situação de insegurança
alimentar e nutricionais, sob a perspectiva do direito humano à
alimentação adequada e saudável;
- Promover o abastecimento alimentar, que compreende as
compras governamentais de alimentos, incluída alimentação
escolar;
- Constituir estoques públicos de alimentos produzidos por
agricultores familiares;
- Apoiar a formação de estoques pelas cooperativas e demais
organizações formais da agricultura familiar;
- Fortalecer circuitos locais e regionais e redes de comercialização.

Soeitxawe
266 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

O PAA tem a abrangência nacional, estadual e municipal que


apreciam produtos passíveis de serem armazenados. Em 2003 no PAA
foram criados seis instrumentos e com vigência na primeira safra
2003/2004 (BRAGATTO, 2010). A Companhia Nacional de
Abastecimento (s/d, p.5) mostra Limites por participante/ano civil nas
operações do PAA.

Modalidades Limites por DAP*/ano
Compra Direta da Agricultura Familiar –
CDAF R$ 8 mil

Formação de Estoque pela Agricultura


Familiar – CPR Estoque R$ 8 mil

Compra da Agricultura Familiar com


Doação Simultânea – CPR Doação $ 4,8 mil

Figura 1: Declaração de Aptidão ao Pronaf.


Fonte: Bragatto ( 2010).

As modalidades do PAA são:

- Compra Direta da Agricultura Familiar – CDAF: Esse instrumento


tem como função garantir produtos agropecuários com preços de
referências. Os governos, juntamente com a CONAB, adquiriram
produtos processados que correspondem a um limite de compra
estipulado pelo Governo. Até ano de 2009, o limite era de R$3.500,00
por ano (Decreto 6.447), a partir desse ano o limite passou para
R$8.000,00, conforme o Decreto 6.959 (BRAGATTO, 2011). Para
Antunes et al (2011, p.106), Compra Direta da Agricultura Familiar,
“possibilita aos agricultores a venda de alimentos para o Estado, a preços
estabelecidos em uma faixa intermediária entre o preço mínimo e o
preço de mercado, sendo também operacionalizada pela CONAB”.
Os produtos oferecidos podem ser arroz, feijão, farinha de mandioca,
farinha de trigo, leite em pó integral, milho, sorgo, trigo, castanha do
O Programa de Aquisição de Alimentos 267

Brasil e castanha de caju. As despesas devem ser assumidas pelo


produtor, como transporte de produção até o polo de compra. O
pagamento deve ser efetuado com o prazo de dez dias após a data de
emissão da nota fiscal.

Para o Bragatto (2010, p.33):

A eficiência do mecanismo na sustentação do preço e da renda


do produto tem uma relação direta com o nível do preço de
referência fixado. Por exemplo, segundo a CONAB (2008), na
safra 2003/2004, os preços referência fixados pelo Governo
foram, em geral, superiores aos preços mínimos.

- Contrato de Garantia da Compra da Agricultura Familiar –


CGCAF: Esse instrumento tem como característica incentivar o
agricultor à produção agropecuária e à sustentação de preços. Esse
contrato é feito durante o plantio entre os produtores e a CONAB, com
a finalidade de garantir o direito de venda da produção. As famílias
beneficiadas são as que estão encaixadas no PRONAF, agroextrativistas,
produtores rurais, quilombolas, famílias atingidas por barragem,
acampados, entre outras.
- Compra da agricultura familiar com doação simultânea (CPR-
Doação):

Antunes et al (2011, p.107) explica que essa modalidade se divide em:

Compra Direta Local da Agricultura Familiar: visa promover a


articulação entre a produção familiar e as demandas locais de
suplementação alimentar e nutricional dos programas sociais,
viabilizando a aquisição de produtos comercializados por
associações, cooperativas e grupos informais de agricultores, a
serem distribuídas em creches, hospitais, restaurantes populares,
entidades beneficentes e assistenciais. Essa modalidade do
programa é operacionalizada pelo Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) através de convênios com os
Governos Estaduais;

Soeitxawe
268 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar: promove a


aquisição de produtos de origem agrícola, pecuária e extrativa,
oriundos da agricultura familiar, visando à formação de estoques
ou a doação às populações em situação de risco alimentar
atendidas por programas sociais de caráter governamental ou não
governamental. Essa modalidade é operacionalizada pela CONAB.

NORDESTE SUDESTE SUL NORTE CENTRO-
OESTE

Buriti Caja Cuca Açai Cupuaçu


Canjica Caju Uvas Coloral Guariroba
Beiju Caqui Pinhão Queijo Palmito
Fava Jaca Chás Diversos Cupuaçu
Tapioca Manga Figo Graviola
Sururu Jabuticaba Mondongo Popunha

Figura 2: alguns produtos regionais adquiridos pelo CPR - doação em 2006


Fonte: Elaboração do autor do projeto, com base nos dados obtidos junto à CONAB.

- Formação de estoque pela agricultura familiar (CPR - Estoque): Visa
que agricultores familiares possam adquirir produtos de famílias
enquadrada no programa PRONAF. Essa modalidade funciona como
na modalidade de compra direta da agricultura familiar, o governo
antecipa os recursos para comunidades quilombolas, trabalhadores
rurais, cooperativas entre outros. Após 10 dias da formação CPR-
Estoque, o governo deposita o valor do recurso antecipado na conta
corrente tanto das cooperativas como das associações. Para essa
modalidade ser formalizada, deve-se emitir uma Cédula de Produtor
Rural Estoque. Deve também emitir promissórias e Penhor Cédula em
primeiro grau como garantias.

- Compra Direta Local da Agricultura Familiar – CDLAF: Essa


modalidade visa à compra de produtos de Cooperativas, associações e
Grupos Informais de agricultores que tem como finalidades entregar os
O Programa de Aquisição de Alimentos 269

alimentos para creches, escolas, hospitais, restaurantes populares,


entidades beneficentes e assistenciais. Essa compra é realizada através de
convênios com governos estaduais e municipais, assim promovem a
articulação entre a produção da Agricultura Familiar e as demandas locais
de suplementação alimentar.

- Incentivo à Produção e Consumo De Leite – IPCL: O objetivo é


tentar acabar com a desnutrição e a fome, e assim ajuda no
fortalecimento do setor produtivo de leite. O IPCL executado através de
convênios celebrados entre Governo Federal e Governos Estaduais.
Antunes et al (2011, p. 107) mostra que o “incentivo à Produção e
Consumo de Leite: procura assegurar o consumo de leite a gestantes,
crianças e idosos através da aquisição da produção leiteira de agricultores
familiares com produção média diária de até 50 litros de leite,
podendo chegar até 100 litros, sua implantação é restrita ao
nordeste. Essa modalidade é operacionalizada pelo MDS através de
convênios com os Governos Estaduais”.

3. Metodologia

De acordo com Gil (2009), a organização varia de acordo com as suas


peculiaridades. Este trabalho pode ser caracterizado como pesquisa
quantitativa, pois para CRESWELL (2010), os métodos quantitativos
abrangem o procedimento de coleta de dados, análise, interpretação e
redação dos resultados de um estudo. Foi utilizada a correlação e a
distribuição, no sentido de encontrar resultados que contribuam para o
entendimento da percepção dos produtores sobre o fortalecimento da
Agricultura Familiar após entrarem no PAA.
A pesquisa de campo foi realizada a partir da aplicação de
questionários semiestruturados junto aos pequenos agricultores que
fazem parte do Programa de Aquisição de Alimentos-PAA do Município
de São Felipe D’Oeste-RO. De 76 agricultores foi feito apenas com 20
agricultores totalizando mais de 25% dos que tem acesso ao PAA.
A análise da correlação determina um número que expressa uma
medida numérica do grau de relação encontrada. Esse tipo de análise é

Soeitxawe
270 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

muito útil em trabalhos exploratórios em áreas como educação e


psicologia, quando se procura determinar as variáveis potencialmente
importantes (BRUNI, 2011). Para o cálculo da correlação, utiliza-se a
seguinte fórmula:





Onde:
xi e yi são as variáveis analisadas; e

x e y são as médias das variáveis analisadas.

4. Análise dos resultados

Nesta seção serão apresentados os valores de correlação, optando-se


por valores acima de r= 0,500. Também serão mostrados outros
resultados e análises em relação ao questionário que foi realizado e
distribuído para 20 produtores rurais.
Houve uma correlação do tipo forte em se tratando da variável
“produtos comercializados fora” e a variável “produtos que são
comercializados para o PAA”. Nesse caso, o coeficiente foi de r =
0,832. Ou seja, h á uma forte correlação dos produtos que são
comercializados fora e os que vão para o PAA. Conforme se observou,
geralmente os produtos que sobram do PAA são comercializados nas
feiras no município, mercados, e entre os próprios agricultores.
O valor de correlação entre a variável “tempo permanência no PAA”
e “o que se produz” apresentou um valor de r= 0,585, ou seja, quanto
mais tempo o produtor tem no PAA mais alimentos ele produz e
comercializa. Outra correlação foi do tipo moderado no valor de r =
0,636, foi referente à “agricultura familiar praticada pela família” e as
“dificuldades enfrentadas pela família”, podendo essas dificuldades
serem caracterizadas como: o atraso no pagamento no início do
O Programa de Aquisição de Alimentos 271

programa; falta de produtos para a comercialização (no início); e a


falta de transporte para o manuseio dos alimentos até a entrega no PAA.
A figura 3 mostra a distribuição do tempo em que os produtores
estão no PAA.

Figura 3: Tempo de acesso ao PAA


Fonte: Dados da pesquisa (2014)

Analisando o gráfico da figura 3, verifica-se que cerca de 5% dos


agricultores tem menos de um ano de acesso ao PAA; em seguida 15%
tem de 1 a 2 anos de acesso; 45% de 2 a 3 anos; e por fim 35 % deles
têm de 3 a 4 anos de acesso. Assim, os resultados demonstram que 80%
dos produtores, a maioria, estão mais de 2 anos no programa. Pode-se
dizer que é um tempo de permanência considerável no PAA. Ainda de
acordo com os dados levantados, 65% dos entrevistados informaram
que a agricultura praticada pela família está em desenvolvimento; e 25%
dos entrevistados informaram que a agricultura está bastante produtiva.
O gráfico da figura 4 mostra como o agricultor percebe a aplicação do
PAA na sua produção.

Soeitxawe
272 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

Figura 4: Melhoria na produção.


Fonte: Dados da pesquisa (2014)

Na figura 4, o gráfico mostra qual é a opinião do agricultor referente


à melhoria na produção a partir do momento que o agricultor começou a
ter acesso ao PAA. Pode-se inferir que todos os agricultores apontaram
para algum tipo de melhoria após a inserção no PAA: 10% responderam
que teve uma diferença mínima. Houve uma diferença razoável para
45% dos entrevistados e 45% responderam que houve uma diferença
grande. Essas respostas podem ser complementadas com o gráfico da
figura 5, pois mostra os principais objetivos alcançados pelos agricultores
após o acesso ao PAA.


O Programa de Aquisição de Alimentos 273

Figura 5: Objetivos Alcançados.


Fonte: Dados da pesquisa (2014)

Com base nos resultados apresentados no gráfico da figura 5, 65%


dos agricultores responderam que um dos principais objetivos
alcançados foi a melhoria em sua renda. 25% responderam que, através
desse programa, os alimentos produzidos e não comercializados
passaram a ter uma importância maior, destinando-se à
comercialização, e contribuindo com o aumento na renda. 10 %
responderam que houve investimento para a melhoria da qualidade dos
alimentos para que eles fossem comercializados. Pois, segundo os
entrevistados, antes do programa não havia essa preocupação com a
qualidade da produção. Os agricultores perceberam que houve um
fortalecimento na agricultura familiar porque o programa estimulou os
agricultores e suas famílias a produzirem e vender mais alimentos sem ter
desperdícios. O gráfico da figura 6 apresenta quais são as principais
preocupações com o andamento do programa.

Soeitxawe
274 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

Figura 6: Preocupações com o Programa PAA.


Fonte: Dados da pesquisa (2014)

Com base no gráfico da figura 6, podem-se observar as preocupações


dos agricultores com o andamento do programa: 70% responderam que
a maior preocupação é com o término do programa. Os outros 30% se
dividem em: mudanças no valor pago aos produtores, mudança na
quantidade de produtos oferecidos e o reaproveitamento dos produtos.
Dito isso, foi possível analisar que os produtores estão de acordo com
a execução do PAA no município de São Felipe D’Oeste/RO e querem
continuar fazendo parte do programa, pois passaram a experimentar o
aumento na sua produção, e consequentemente aumento na renda da
família e aproveitamento dos alimentos comercializados.

5. Considerações finais

Este trabalho buscou verificar o fortalecimento da agricultura familiar


através do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, através da
percepção dos agricultores do município de São Felipe D’Oeste - RO.
O Programa de Aquisição de Alimentos 275

Foi mostrado que tudo começa com a Política Pública, ressaltando que
foi a partir dos anos 90 que se deu início as primeiras políticas voltadas à
agricultura familiar. Mesmo de forma lenta e gradual, essa política se
destinava ao crescimento do volume produzido.
A agricultura familiar tem ajudado municípios de pequeno porte a ter
uma renda extra para que os jovens não precisem sair dos seus
municípios em busca de emprego nas cidades grandes. No sentido de
contribuir com o aumento da valorização da produção agrícola familiar,
em 1996 foi criado o Programa de Fortalecimento da Agricultura
Familiar - PRONAF que tem como objetivo promover o
desenvolvimento sustentável e proporcionar aos agricultores um
aumento na produção e geração de renda.
Por sua vez, o PAA foi criado em 2003, tendo como finalidade
ajudar os produtores na comercialização dos seus produtos de maneira
que não haja desperdícios. Os preços são calculados diretamente pela
CONAB. Quem tem acesso a esse programa são os agricultores
familiares, comunidades indígenas, entre outros. Os alimentos podem ser
comercializados em creches, escolas tanto municipais quanto estaduais,
hospitais, cozinhas comunitárias, entre outros lugares. Sobre o
fortalecimento da agricultura familiar, de acordo com os agricultores
entrevistados, houve esse fortalecimento a partir do momento em que as
famílias começaram a ter uma renda a mais para aumentar e melhorar a
sua produção, contribuindo assim com o aumento da renda das
famílias.
Logo, conclui-se que este programa é muito importante para esse
grupo de produtores rurais. Faz-se necessário a ampliação de estudos
que possam não só trazer os benefícios do programa, mas possíveis
problemas enfrentados pelos produtores rurais. É recomendada também
a ampliação da amostra, pois se acredita que trará resultados mais
precisos, principalmente em relação à análise de correlação.

Soeitxawe
276 Yasmin C.; Andréa B.; Abraão F. & Matilde M.

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2015.

Soeitxawe
Ciência ou Religião? A Psicografia como meio de Prova no
Processo Penal

Adriana Cristina Cury

Resumo: Analisa a admissibilidade da psicografia como meio de prova documental no


processo penal, à luz da legislação vigente e da prova grafotécnica, promovendo para o juiz a
formação de sua íntima convicção, sob a livre apreciação dos meios probantes. No Direito
brasileiro, os meios de prova possuem conceito aberto, ou seja, tudo é admitido, direta ou
indiretamente, para a demonstração da verdade processual. Qualquer meio de prova, ainda que
não previsto ou autorizado por lei, é válido, desde que não seja expressamente proibido ou
ilegítimo (as provas obtidas por meios ilícitos). Como meios de prova típicos, definidos em lei,
tem-se a testemunhal e a documental. A psicografia encaixa-se neste último modelo, sob o
prisma científico, já que se é possível auferir a sua licitude por exame grafotécnico, que
determinará sua autenticidade e autoria gráficas. Embora a legislação vigente seja omissa, não
a proíbe, pois pode servir como “auxílio processual”.
Palavras-Chave: psicografia; admissibilidade; prova; grafotécnico.

Introdução

A psicografia nos Tribunais remonta o ano de 1976, quando uma


carta psicografada pelo célebre médium Francisco Cândido Xavier - o
Chico Xavier - foi parar nas mãos do magistrado Orimar de Bastos. A
psicografia, cuja autoria era da vítima de homicídio, inocentava seu
suposto algoz.
Após essa, outras psicografias vieram, pelas mãos de Chico e outros
médiuns, e também foram anexadas aos autos dos processos penais,
sendo usadas como provas de inocência do réu.
A aceitação das primeiras psicografias nos Tribunais foi o marco
inicial da grande polêmica que viria: a admissibilidade ou
inadmissibilidade da prova psicografada como meio de prova no
processo penal.
De um lado, opositores classificando a psicografia como elemento
religioso, que não coaduna com o Estado Laico Brasileiro. De outro,

Soeitxawe
282 Adrian Cury

defensores de que o fenômeno da psicografia é de cunho científico e não


meramente religioso, conforme se pretende demonstrar no decorrer
deste estudo.

1- A psicografia como elemento de discussão

Para iniciar uma discussão em torno do tema, imprescindível se faz


conhecer mais profundamente o que vem a ser psicografia, sua origem,
seu conceito, e, principalmente, seu cunho filosófico, doutrinário e
científico.
Nas palavras de Melo:

O termo psicografia é originário do grego psyché, que significa


mente ou alma; assim a psicografia é a escrita, a transcrição que se
encerra na mente e insere-se como fenômeno natural, conhecido
por mediunidade, que, desde o início dos tempos, faz parte da
história da humanidade, não sendo privilégio nem tampouco
invenção de nenhuma crença ou religião (MELO, 2013, p. 129).

A crença na sobrevivência da alma ou espírito além da morte não é


patrimônio particular de nenhuma religião, de nenhum grupo, de
nenhuma nação, nem mesmo pertence à determinada época da História,
visto que desde os povos antigos, como os Egípcios, já se acreditava na
vida após a morte (sobrevivência da alma) e na comunicação com os
espíritos.
Muito embora o fenômeno mediúnico tenha sido sistematicamente
estudado pelo educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail,
conhecido por Allan Kardec, um pioneiro na pesquisa científica sobre
IHQ{PHQRV SDUDQRUPDLV, mais precisamente a mediunidade, esta nunca
foi novidade entre os povos de todos os tempos.
Segundo a Federação Espírita do Paraná (2015), Allan Kardec nasceu
sob a religião católica, mas foi educado na Escola de Pestalozzi, em
Yverdun (Suíça), um país protestante. Era influente na língua alemã, e,
por esse motivo, foi tradutor oficial de obras francesas de educação e de
moral, dentre outras científicas para a Alemanha. Atuava como membro
de várias sociedades intelectuais, sendo a mais célebre delas a Academia
Real de Arras. Ministrava, gratuitamente, cursos de Química, Física,

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 283

Anatomia Comparada, Astronomia etc. Foi o inventor de um método de


ensino de matemática e do quadro mnemônico da História da França,
adotado pelo sistema de educação francês até os dias de hoje. Considera-
se, portanto, incontestável o fato de se tratar de renomada e expressiva
personalidade da sociedade francesa do Século XIX, precursor do
Espiritismo.
A psicografia, como comunicação escrita dos espíritos pela mão do
médium foi pela primeira vez registrada historicamente por volta de 1850
(GARCIA, 2010, p. 21).
Segundo relatos recentes:

Em 1850, na França, surgiu um tipo de brincadeira chamada


“mesa falante”, “mesa girante” ou “dança das mesas”, que tomou
conta dos salões festivos da época. A mesa girante era uma
mesinha redonda, de três pés, em torno da qual se ajuntavam as
pessoas para provocar manifestações de forças sobrenaturais. Foi
em 1854 que o Prof. Rivail ouviu pela primeira vez falar nas
mesas girantes, a princípio do Sr. Fortier, com quem mantinha
relações em razão dos seus estudos sobre magnetismo, que disse
que mesas podiam não apenas girar, mas também respondia
perguntas.
As comunicações por batidas eram lentas e incompletas;
verificou-se que, adaptando-se um lápis a um objeto móvel
(cesto, prancheta ou outro sobre os quais se colocavam os
dedos), esse objeto começava a movimentar-se e traçava sinais
[...]. Com o tempo, a cesta foi substituída pelas mãos dos
médiuns, dando origem à conhecida psicografia (PORTAL DO
ESPÍRITO).

A mediunidade manifesta-se incondicionalmente, sendo esta uma


faculdade inerente apenas à capacidade de comunicação entre homens
vivos e almas desencarnadas; não está ligada a qualquer credo ou religião,
segundo os princípios da Doutrina Espírita. Isto pressupõe que a
admissibilidade da prova psicografada no processo penal se dá,
justamente, pelo apartamento do aspecto religioso evocado pelos juristas
que não aceitam a psicografia no Processo Penal.
Convém ressaltar, ainda, que a Doutrina Espírita é aqui citada tão
somente como referência à origem dos estudos que culminaram com os

Soeitxawe
284 Adrian Cury

normativos atuais sobre a psicografia, e está fundamentada em tríplices


pilares: o religioso, o filosófico e o científico. Considera-se o último (o
científico) como critério que balizará a discussão, pois há de se respeitar
a liberdade de exercício de qualquer religião, conforme expressa no
inciso VI do art. 5.º da Constituição: “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as
suas liturgias” (BRASIL, 1988).
Allan Kardec, inicialmente, identificou dois tipos extremos de
psicografia: a mecânica e a intuitiva. Posteriormente, distinguiu uma
psicografia intermediária: a psicografia semimecânica. A psicografia é
classificada de acordo com o nível de consciência do sensitivo (médium)
que recebe a mensagem. Alinhado aos estudos de Kardec, de forma clara
e didática, Garcia aborda a classificação da psicografia:

Mecânica: o médium serve de instrumento para o espírito, não


tendo consciência do que escreve. O movimento da mão
independe da vontade. O papel desenvolvido pelo médium é
semelhante à de uma máquina, sem que sua vontade tenha
qualquer participação no ato de escrever. Daí o nome Psicografia
mecânica, em que o movimento da mão é involuntário. Pode
acontecer de o médium escrever com ambas as mãos [...]. Os
médiuns psicógrafos mecânicos são raríssimos, destacando-se
como exemplo, Chico Xavier.

Intuitiva: nessa modalidade de Psicografia o médium tem


participação ativa, porquanto recebe as ideias, como sugestão,
repassando-as para o papel. O grafismo é seu, funcionando o
médium como intérprete, traduzindo os pensamentos que lhe são
transmitidos pelo espírito. Ocorre apenas sintonia psíquica entre
a mente comunicante e a mente do médium. O médium tem
consciência do que escreve, mas não são suas as ideias escritas.

Semimecânica: como o próprio nome está a indicar, há um misto


de Psicografia mecânica e Psicografia Intuitiva. De maneira
alternada, às vezes o médium serve de instrumento.
Mecanicamente sua mão lança no papel o que o espírito escreve;
outras vezes é o médium, que de forma ativa, lança no papel a

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 285

tradução dos pensamentos que lhe são transmitidos pelo espírito


(GARCIA, 2010, p. 58-9).

A carta psicografada constitui documento particular, e, como tal,


quando usada como meio de prova no processo, havendo
questionamento sobre a sua autenticidade, imprescindível passar por
perícia.
Como explica Mirabete:

Segundo a lei, os documentos podem ser públicos ou privados.


Documento público é o expedido na forma prescrita em lei, por
funcionário público no exercício de suas atribuições. São seus
requisitos a qualidade do funcionário que o redige; a sua
competência na matéria e no território; a formação do ato
durante as suas funções públicas; e a observância das
formalidades normais exigidas na espécie. Documento particular
é o que é feito ou assinado por particulares, sem a interferência de
funcionário público no exercício de suas funções (MIRABETE,
2001, p. 313).

Havendo alegação de falsidade documental sobre a carta


psicografada, um incidente de falsidade (CPP, arts. 145 a 148) é
instaurado para que se realize perícia, a fim de se comprovar a
autenticidade do documento. Essa perícia feita em documentos escritos é
a perícia grafotécnica ou grafoscopia, realizada por peritos altamente
qualificados e credenciados.

2- A grafoscopia e suas implicações dentro da psicografia

Em sentido lato, “[...] grafoscopia é a disciplina que tem por


finalidade determinar a origem do documento gráfico” (GOMIDE;
GOMIDE, 2005, p. 20). Ela pode ser aplicada em várias áreas do
conhecimento humano, porém a que nos interessa particularmente é a
Criminalística.
A Criminalística é ciência auxiliar do Direito que investiga, analisa e
interpreta os vestígios materiais relacionados ao delito. Ela se subdivide

Soeitxawe
286 Adrian Cury

em várias outras ciências, dentre elas a Medicina Legal, a Balística


Forense, a Toxicologia e a Documentoscopia.
A Documentoscopia é a ciência que estuda, analisa e identifica os
diversos tipos de falsificações e adulterações em documentos, moedas,
cheques, selos, carteiras de habilitação, carteiras de identidade, contratos
etc. A Documentoscopia subdivide-se em Exames de Tintas e Papéis,
Alterações, Mecanografia e Grafoscopia (ou Grafotécnica) entre outros.
Sob a ótica jurídica, conceitua Garcia:

Grafotécnica é a parte da Documentoscopia que estuda os


grafismos ou a escrita produzida pelas mãos, com a finalidade de
determinar a autenticidade e a autoria. Autenticidade é a
correspondência exata entre a pessoa a quem se atribui a autoria
material do documento e a pessoa que o fez (restringe-se a uma
só pessoa). Sua procura ocorre principalmente na verificação de
assinatura de cheques e de reconhecimento de firmas (assinaturas)
em cartório. Autoria refere-se a uma pessoa ignorada,
estendendo-se a qualquer escritor, menos aquele qualificado a
lançar a escrita (ou que deveria, obrigatoriamente, ser o seu
autor). É o caso de um exame de assinatura para verificar quem é
o autor, podendo haver pluralidade de pessoas suspeitas
(GARCIA, 2010, p. 193-4).

Entende-se grafismo o modo peculiar de traçar a escrita, a linha, o


desenho. Segundo Gomide (2000, p. 2), compreende “[...] as assinaturas,
rubricas, escritas em cursivo, escritas em letras de forma, pictografias e
criptografias”.
Como explicam Gomide e Gomide (2005, p. 43-4), “A escrita direta é
constituída através da composição de caracteres formados por traços e
curvas, podendo-se considerar tais segmentos como unidades do
grafismo, também denominadas gramas”. Explicam, ainda, que o
grafismo é constituído por uma sequência de gestos e que as letras são
conjugadas entre si, sendo que os gramas se interligam de tal modo a
impossibilitarem a determinação exata do início e fim de cada grama; e
que a forma gráfica dos caracteres permitem diversas variações e
combinações, que, aliados às infinidades dos gestos gráficos que os
produzem fazem com que os grafismos das pessoas sejam absolutamente
distintos.

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 287

O grafismo possui, ainda, elementos técnicos peculiares que


derivam das características da forma do registro gráfico e do gesto de
escrever.
Segundo Gomide e Gomide:

Os elementos derivados do estudo da forma do registro gráfico


são os genéricos e representam a morfologia do grafismo:
inclinação axial, espaçamentos, calibre, comportamentos em
relação às linhas de base e pauta, relação de proporcionalidade
gráfica e valores angulares curvilíneos. Já os elementos derivados
do estudo do gesto são decorrentes do efeito dinâmico das
interações das forças aplicadas no ato de escrever (progressão e
pressão), e são denominados genéticos (GOMIDE; GOMIDE,
2005, p. 34).

Complementam os autores precitados que o estudo da escrita e seu


movimento uniformemente variado gerado pela aplicação de forças se
explicam pelas Leis de Newton (Leis da Física), pois as forças e
movimentos produzidos pelo gesto gráfico podem ser avaliados através
de particularidades do traçado, tais como mudanças de direções,
inversões dos sentidos, tipos de sulcagens permitem ao perito estudar os
movimentos do gesto gráfico para identificar sua origem (GOMIDE;
GOMIDE, 2005, p. 34-6).
O estudo da grafoscopia tem como base a comparação do escrito
questionado com outro ou outros comprovadamente autênticos. Para a
realização desse exame, é necessário, no mínimo, um documento escrito
autêntico e um original, pois a cópia dificulta o exame para ser
comparado à peça questionada.
É sabido que a escrita de uma pessoa é como a sua digital: não existe
outra igual no mundo.
A escrita se torna, no decorrer do tempo, um hábito pessoal
automático, e, em determinado momento, fica tão individual que o
“molde gráfico” de cada pessoa se torna imutável e inimitável. Esse
determinismo é explicado pelos Princípios e Leis de Grafismo.
Segundo Gomide e Gomide:

Soeitxawe
288 Adrian Cury

A estrutura básica em que se assenta o exercício da perícia


grafoscópica decorre do princípio fundamental do individualismo
gráfico. A evidência física desse fato, de incontestável veracidade
teórica e prática, permitiu à perícia de documentos a sua aceitação
em todos os tribunais do mundo, como prova científica da mais
alta relevância (GOMIDE; GOMIDE, 2005, p. 40).

A forma da escrita, isto é, o padrão gráfico de cada pessoa provém do


seu cérebro, o que explica a sua exclusividade.
Ainda na visão de Gomide e Gomide (2005, p. 40), “A gesticulação
que produz a escrita origina-se do cérebro e se manifesta através dos
órgãos musculares, redundando em sinais sensivelmente
individualizadores, personalíssimos e inconfundíveis”. Os autores
complementam o pensamento, afirmando que, ainda que dois punhos
diferentes possam produzir escritas semelhantes ou até mesmo muito
parecidas, não se confundem:

Sendo a escrita constituída de alentado número de elementos


genéricos, aliado a particularidades grafocinéticas, a que se deve
acrescentar a possibilidade da existência de “mínimos” gráficos
inconfundíveis, torna-se fácil compreender o elevado grau de
característicos unipessoais componentes de uma escrita,
permitindo sua identificação firme e segura (GOMIDE;
GOMIDE, 2005, p. 40).

Sendo assim, conclui-se que ninguém jamais conseguirá reproduzir a


gênese gráfica de outra pessoa, imitando tão perfeitamente que não seja
facilmente detectado pelos olhos atentos do perito grafotécnico.

2.1 A relevância acerca do estudo da grafotécnica

O princípio fundamental do grafismo, citado na obra de Gomide


(2000, p. 3), alude que “O grafismo é individual e inconfundível”,
afirmativa já tratada, seguida pelo princípio inicial, que diz que “As leis
da escrita são independentes dos alfabetos utilizados”, isto é, as leis da
escrita são aplicáveis às letras usadas na escrita de qualquer língua.
Os autores Gomide e Gomide citam a valiosa contribuição feita pelo
grafólogo francês, considerado o “Pai da Grafoscopia”, Edmond

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 289

Solange Pelatt, com seu livro Les lois de l’écriture, em que formula quatro
leis essenciais, fornecendo à Grafoscopia incontestável respaldo
científico. São elas: “1.ª Lei da Escrita: O gesto gráfico está sob a
influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão
escritor se este funciona normalmente e se encontra suficientemente
adaptado à sua função” (GOMIDE, 2000, p. 3).
Sobre a primeira Lei, comenta Gomide e Gomide (2005, p. 41) que
desde que o mecanismo muscular esteja convenientemente adaptado à
sua função, o cérebro, gerador do gesto gráfico, produzirá escrita sempre
com as mesmíssimas peculiaridades, inclusive aquele que escreve com a
mão direita e passa a treinar a escrever com a mão esquerda apresentará
escritas com idênticas características grafocinéticas, ocorrendo o mesmo
se a escrita for produzida com a boca ou com os pés.
A 2.ª Lei dispõe que:

Quando se escreve, o ‘eu’ está em ação, mas o sentimento quase


inconsciente de que o ‘eu’ age passa por alternativas contínuas de
intensidade e de enfraquecimento. Ele está no seu máximo de
intensidade onde existe um esforço a fazer, isto é, nos inícios, e
no seu mínimo de intensidade onde o movimento escritural é
secundado pelo impulso adquirido, isto é, nas extremidades
(GOMIDE; GOMIDE, 2005, p. 42).

Segundo Gomide (2005, p. 42), esta Lei se aplica aos casos de


anonimografia, em que o esforço inicial do disfarce é mais acentuado,
perdendo intensidade à medida que a escrita vai progredindo, pois ocorre
o automatismo gráfico, em que a tendência é de o escritor aproximar-se à
sua escrita habitual. É nesse momento que o falsário deixa elementos que
poderão incriminá-lo.
A 3.ª Lei dispõe que: “Não se pode modificar voluntariamente em um
dado momento sua escrita natural senão introduzindo no seu traçado a
própria marca do esforço que foi feito para obter a modificação”
(GOMIDE; GOMIDE, 2005, p. 42).
O esforço de se escrever de forma consciente a fim de falsificar ou
imitar a escrita quebra a espontaneidade do ato, e, consequentemente, a
sua naturalidade. Por isso, Gomide (2005, p. 42) lembra que o “[...]
simulador se trairá, através de paradas súbitas, desvios, quebra de direção

Soeitxawe
290 Adrian Cury

ou interrupções, cabendo ao técnico interpretar convenientemente essas


peculiaridades”.
A 4.ª Lei dispõe que: “O escritor que age em circunstâncias em que o
ato de escrever é particularmente difícil, traça instintivamente ou as
formas de letras que lhe são mais costumeiras, ou as formas de letras
mais simples, de um esquema fácil de ser construído” (GOMIDE;
GOMIDE, 2005, p. 42-3).
O escritor tende a fazer traços mais simples, abreviando ou usando
letras de fôrma, quando o ato de escrever está limitado por alguma
circunstância, desfavorável à escrita. Como lembra Gomide (2005, p. 42),
“[...] são comuns os casos dessa natureza em escritas produzidas em
veículos em movimento, em suportes inadequados, em posições
desfavoráveis, por pessoas enfermas ou em situações que demandem
extrema urgência [...]”.
De posse de conhecimentos científicos aliados às leis e princípios da
escrita, o perito grafotécnico pode chegar a conclusões certeiras quanto à
autenticidade e autoria dos documentos periciados, pois, como
demonstrado, os grafismos de um indivíduo são tão personalíssimos
quanto à sua digital, ao seu DNA e à sua íris.
Vale ressaltar que a escrita, entretanto, é mutável.
Segundo Perandréa (1991, p. 24), “Ela desenvolve-se, estabiliza-se e
declina”. Lembra o autor que, ao declinarem, passam a ser chamadas de
escritas senis, caracterizando-se por traços indecisos, claudicantes e
trêmulos.
Além do mais, existem causas que modificam a escrita normal da
pessoa. O estudo dessas causas também é determinante para análise
grafotécnica. Entre as causas internas deformadoras dos grafismos está
“o uso do álcool, da droga, do cansaço, da emoção exaltativa ou
depressiva, de moléstia em geral, enfim de todos os tipos de patologias
temporárias ou permanentes” (PERANDRÉA, 1991, p. 25).
Quanto às causas externas, que normalmente são temporárias, são
aquelas provocadas pelo ambiente, tais como iluminação insuficiente;
frio ou calor intensos; inadequabilidade do instrumento escritor ou do
tipo do papel ou suporte; mudança no ponto de apoio da escrita entre
outros (PERANDRÉA, 1991, p.25).

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 291

Nos exames de autenticidade e autoria se faz, portanto,


imprescindível, a presença de padrões para confrontação com a escrita
questionada.
Muito embora o art. 174, II do CPP mencione que, para o
reconhecimento de escritos por comparação de letra poderão servir
quaisquer “documentos” (BRASIL, 1941), Tornaghi (1990, p. 349) deixa
sua crítica, ao afirmar que “Na verdade não é preciso que se trate de
documentos; qualquer papel escrito pela pessoa serve para
confrontação”.
O perito grafotécnico analisa não somente o aspecto morfológico da
escrita, mas, principalmente, o aspecto morfodinâmico. Isso significa que
o objetivo da comparação vai além da análise da forma. São analisados,
também, os movimentos e as forças utilizadas no gesto gráfico, os
hábitos da escrita, as semelhanças e diferenças.
Feito o exame, o perito compõe o laudo pericial grafotécnico, com as
respostas dos quesitos formulados, assim como em outras perícias. Esse
laudo constitui peça importante no processo judicial, pois contribui com
o magistrado na busca pela verdade, auxiliando-o a proferir sentença e
promover a Justiça.
Interessa ressaltar que, para ser realizado o exame grafotécnico, a
mensagem psicografada deverá ter sido recebida na modalidade mecânica
ou semimecânica (que conterá partes em que será evidenciado o
grafismo do autor comunicante). Como na mensagem psicografada por
meio da psicografia intuitiva só aparece o grafismo do médium
escrevente, não se pode comprovar a autoria por meio da grafoscopia.
Ainda assim, pode contribuir para a formação da convicção do juiz pela
análise de conteúdo, ou seja, pela análise das informações contidas na
mensagem que podem estar de acordo com outros elementos de prova,
como acontece com a testemunha menor de 14 anos, com a testemunha
que possui problemas mentais ou mesmo como ocorre com as provas
ilícitas ao se aplicar a teoria da proporcionalidade.
A esse respeito, o jurista Guilherme de Souza Nucci defende que até
um documento anônimo, como uma fotografia retratando algo
importante para o desfecho do processo, ainda que não se saiba quem a
produziu, é documento válido. Ressalta que, em se tratando de escrito
anônimo, deve ser ele cuidadosamente avaliado pelo magistrado, mas o

Soeitxawe
292 Adrian Cury

fato de não se saber quem o escreveu não o torna inútil tampouco lhe
retira o aspecto de documentalidade, uma ideia reduzida em base
material. Ainda que de menor valor de que um documento nominativo, o
documento anônimo não deixa de ser mais um elemento para avaliação
judicial dentro do contexto probatório; somente não se deve excluí-lo do
conjunto das provas, posto que ilícito não é (NUCCI, 2008, p. 482).
De modo exemplificado:

Imagine se alguém que tenha presenciado um homicídio e, não


desejando ser reconhecido, envia carta anônima à polícia; graças a
isso, localiza-se o autor, que ampla e espontaneamente confessa.
Torna-se importante fator de prova aquela carta, pois justifica o
fato de o Estado-investigação ter chegado a desvendar a autoria
da infração penal, legitimando-a de alguma forma. (NUCCI,
2008, p. 482).

Dessa forma, embasados na teoria de Nucci que afirma que mesmo


um documento anônimo pode ser válido, por analogia, podemos afirmar
que a prova psicografada também pode ser válida, pois, se um
documento que não se sabe a autoria pode, porque não aquele da qual se
sabe quem é o autor e cuja autenticidade se pode comprovar, como é o
caso da psicografia legitimada pelo exame grafotécnico?
Certamente nenhuma prova tem valor absoluto no processo penal.
Nem mesmo aquela que já foi considerada a “rainha das provas” (a
confissão). Todas devem ser analisadas e valoradas em conjunto com as
demais, presentes no processo. Todas podem ser admitidas e valoradas
pelo magistrado, desde que faça a devida fundamentação. Também é
assim com a prova psicografada.
Segundo Ferreira:

A Psicografia como uma possível prova só poderá ser deduzida


de um conjunto de circunstâncias bem definidas e consistentes,
capazes de proporcionar um sólido convencimento do
magistrado, na apreciação de cada caso concreto. Acresce-se,
porém, que a aceitação da psicografia como prova hábil pelo
magistrado não implica necessariamente a sua adesão ao credo
espírita ou crença “post-mortem” (FERREIRA apud GARCIA,
2010, p. 181).

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 293

Ratificando, a prova psicografada, assim como qualquer outra, deve


ser analisada e valorada em conjunto com as demais; não se pretendeu,
em nenhum momento, defender sua validade como prova absoluta. O
que se tenta demonstrar é a sua admissibilidade face aos preceitos e
princípios constitucionais.
Portanto, a utilização da mensagem psicografada no processo é
perfeitamente possível, sendo que sua valoração dependerá do conjunto
probatório a qual está inserida e do caso concreto em pauta.
Longe de se pacificada, a discussão em torno da admissibilidade da
prova psicografada é tema sempre atual. Há quem defenda sua
aceitação, há quem rejeite. A lei não veda, portanto, não se pode dizer
que é prova ilícita. Por exclusão, portanto, se trata de prova lícita,
perfeitamente admissível. Tanto o é que, no Brasil, vários casos
concretos de mensagem psicografada foram levados a juízo e apreciadas.
A doutrina não se pronuncia a respeito. É silente. Poucos são aqueles
que arriscam defender a ideia. Entre esses está o advogado, criminólogo,
perito em Documentoscopia credenciado pelo Poder Judiciário,
educador, professor universitário, conferencista e escritor Carlos
Augusto Perandréa.
Carlos Roberto Appoloni, em apresentação ao autor Perandréa,
registrada na contracapa da obra “A Psicografia à Luz da Grafoscopia”,
o descreve da seguinte forma: “De caráter ilibado e de vida profissional
da mais alta credibilidade, emitiu cerca de 700 (setecentos) laudos
técnicos, sem uma única contestação em 25 (vinte e cinco) anos de
atuação como perito judiciário em Documentoscopia”.
Somente como ilustração da importância dos estudos de Perandréa,
em 1977 iniciou uma pesquisa científica inédita que levou 13 (treze) anos
para ser concluída e que resultou na publicação do livro “A Psicologia à
Luz da Grafoscopia”. Nessa pesquisa, Perandréa analisou, através da
grafoscopia, cerca de 400 (quatrocentas) psicografias, a fim de confirmar
a autoria gráfica. Cita o autor que nos exames iniciais foram muitas as
dificuldades que se apresentaram, pois os resultados pareciam não fazer
sentido dentro dos princípios da grafoscopia. Foi então que procurou
saber mais sobre a psicografia e seus pontos fundamentais. Após esse
novo estudo, percebeu que o método convencional de exames para

Soeitxawe
294 Adrian Cury

autoria gráfica não era totalmente eficaz para ser aplicado ao estudo da
psicografia.
Segundo suas palavras, “Confirmou-se a necessidade da valorização
de alguns pontos de grafoscopia, como a cultura gráfica, as causas
modificadoras do grafismo, a mão amparada, a mão guiada e
principalmente o pivô da escrita, todos analisados a partir da gênese
gráfica” (PERANDRÉA, 1991, p. 19-0).
Apesar de a maioria dos doutrinadores não se posicionar a respeito
do assunto, há diversos artigos publicados em revistas científicas e na
internet com argumentos tanto a favor quanto contra, bem como
existem julgados admitindo a psicografia como prova. Em opinião
oposta, o jurista Guilherme de Souza Nucci defende a ilegitimidade da
utilização da psicografia como prova no processo penal. Transcreve-se,
abaixo, trechos de sua obra.

A República Federativa do Brasil é um Estado democrático de


Direito, porém laico (art. 10, caput, CF). [...] Em primeiro plano,
pois, pode-se afirmar que religião não se confunde com os
negócios do Estado, nem com a Administração Pública e seus
interesses. Cada brasileiro pode ter qualquer crença e seguir os
ditames de inúmeras formas de manifestação de cultos e liturgias.
Pode, ainda, não ter crença alguma. Todos são iguais perante a lei
e o Direito assim deve tratá-los (NUCCI, 2008, p. 350-2).

Afirma o jurista que admitir a prova psicografada ferir-se-ia o


princípio da laicidade do Estado Democrático de Direito.
Em primeiro lugar, é preciso frisar, mais uma vez, que o fenômeno da
psicografia não pertence a nenhuma doutrina religiosa. Pode ocorrer
com pessoas de qualquer religião ou fora dela. Portanto, o argumento
apresentado está equivocado, pois trata o fenômeno como se fosse algo
exclusivo da doutrina espírita, e não é. Certamente, como foi o
codificador da doutrina espírita, Allan Kardec, pioneiro no estudo
sistemático da psicografia, associaram-na ao espiritismo, porém, estudar,
sistematizar e explicar um fenômeno não significa inventá-lo. Foi a partir
do estudo da psicografia que Kardec chegou à codificação do espiritismo
e não o contrário.

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 295

3- O paradigma da grafoscopia e sua natureza científica

Não se pode negar que a maior parte das psicografias tenha sido
escrita em centros espíritas, pois é o Espiritismo que dedica maior
atenção à psicografia, sendo fenômeno plenamente aceito como natural,
e isso facilita e viabiliza sua produção; porém não significa dizer que fora
dele não ocorra.
A psicografia tem natureza científica, podendo ser provada
cientificamente e não sob aspecto religioso. Como afirma Castro,
“Defendemos a aceitação da psicografia como prova por fundar-se em
critérios científicos, suficientemente solidificados, tanto pelo exame
pericial, quanto pela física quântica, portanto, está pautada em
parâmetros da ciência e não da religião” (CASA PAZ E LUZ).
Portanto, admitir a psicografia como prova não implica reconhecer
preponderância de uma religião sobre outra. De outro lado, não aceitá-la,
baseando-se na laicidade do Estado sem nenhuma previsão legal contra,
aí sim caracteriza descumprimento do princípio do Estado Laico, por
preconceito religioso.
A esse respeito, pondera o Paulo Filho:

Como católico apostólico romano, achamos que a proibição


constitui um preconceito à Doutrina Espírita e aos adeptos do
Espiritismo. Se assim for, por que então manter nas salas de
julgamento dos fóruns e tribunais a imagem de Jesus Cristo
crucificado, se o Poder Judiciário não tem nada a ver com
Religião? (PAULO FILHO apud POLÍZIO, 2009, p. 160).

Acrescenta-se a isso a famosa polêmica do Preâmbulo da


Constituição Federal1, que invoca a “proteção de Deus”. O que tem a


1 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

Soeitxawe
296 Adrian Cury

dizer sobre isso os adeptos da Testemunha de Jeová? Poderiam


perfeitamente alegar descumprimento da laicidade do Estado?
Sobre o assunto, Polízio comenta a Constituição do Estado de
Pernambuco, que é a única no mundo a reconhecer a paranormalidade,
prevendo, em seu art. 1742, acerca da assistência à pessoa dotada de
aptidão paranormal, aduzindo que:

Muito embora na Constituição pernambucana a paranormalidade


encontre o abrigo que merece, pois sua presença, interferência e
efeito são incontestáveis no seio da humanidade, os demais
Estados federativos não reconhecem, pelo menos até agora, essa
força acessória e acessível que vem do espaço à nossa volta e que
não tem absolutamente vínculo prerrogativo algum com a
religiosidade e muito menos com a Doutrina Espírita. Muito ao
contrário, esse dom pertence a todos e em todos pode se
manifestar (POLÍZIO, 2009, p.50-1).

Apenas para argumentar, ainda que a psicografia fosse resultado de


uma dada religião, o que não é, teria respaldo legal, conforme ressalta
Guedes:

[...] a admissibilidade da prova psicografada como meio de prova


poderia ser interpretada como garantia constitucional de
liberdade de crença e de convicção, bem como de proibição à
discriminação de religiões, cultos, liturgias e suas manifestações,
conforme art. 5.º, VI da Constituição Federal (GUEDES, 2013,
p. 78).


controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”
(BRASIL, 1988).
2 “O Estado e os Municípios, diretamente ou através do auxílio de entidades
privadas de caráter assistencial, regularmente constituídas, em funcionamento e
sem fins lucrativos, prestarão assistência aos necessitados, ao menor
abandonado ou desvalido, ao superdotado, ao paranormal e à velhice
desamparada”.

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 297

Nesse mesmo campo, lembra Alexandre de Moraes (apud GUEDES,


2013, p. 78) que, “Ao se considerar somente o aspecto religioso de uma
carta psicografada há que se levar em consideração que a religião é
protegida pelo direito à liberdade de crença, direito de primeira geração,
visando proteger a essência íntima e essencial do homem”. Esse
argumento também é citado pelas palavras de Galvão (2011, p. 105):
“Justamente em prol daqueles que não conseguem visualizar a produção
da prova psicografada como uma prova lícita e moral”.
Isso resulta que, ainda que a psicografia seja considerada, por alguns,
como produto de uma religião, não admiti-la em juízo implica
cerceamento de defesa ou acusação (apesar de não ter havido psicografia
nesse sentido), além de ferir o direito de liberdade de crença,
configurando discriminação e preconceito religioso. De qualquer jeito, os
argumentos contra a sua admissão sempre se mostram frágeis face aos
preceitos constitucionais.
A prova psicografada deve ser vista pelos operadores do direito com
mais seriedade e menos preconceito. Como assevera Timponi:

Tudo isso revela que não se resolvem questões de alta indagação


filosófica e científica sem investigação apropriada, consentânea
com a ordem dos fenômenos a examinar, sem o caráter do
sensacionalismo. Os maiores disparates e absurdos emergem da
superficialidade e da ligeireza com que os opositores contumazes
opinam a distância, sem nenhuma noção e conhecimento, com
medo, talvez, dos “duendes” e das “assombrações” (TIMPONI,
2010, p. 101).

Repensar e reavaliar os conceitos numa ciência dinâmica como o


Direito são imprescindíveis para a evolução da sociedade.
Verifica-se, portanto, que o Estado, na condição laica, não poderá se
manifestar nem contra nem a favor da prova psicografada no processo.
Caberá, então, ao julgador, que poderá perfeitamente aceitá-la, vez que
não vedada por lei, e dar-lhe o valor que entender, respeitando seu livre
convencimento em conjunto com os demais elementos presentes nos
autos.
A discussão acerca do tema está longe de ser pacificada,
principalmente por motivos exteriores ao cerne da questão, ou seja,

Soeitxawe
298 Adrian Cury

simplesmente por questões de convicção religiosa. Como bem resume a


contenda, Garcia expõe que:

Muitos que se posicionam contra a Psicografia como Prova


Jurídica assim precedem movidos, principalmente, por
preconceito religioso. Se a pessoa professa outra Religião que não
o Espiritismo, há uma predisposição, até mesmo inconsciente, de
posicionar-se contra para não prestigiar Religião que não é a sua
(GARCIA, 2010, p. 407).

Quando se separar, definitivamente, o pensamento religioso da


questão da admissibilidade da prova psicografada, poder-se-á enxergar
mais nitidamente que sua aceitação é perfeitamente possível face aos
preceitos constitucionais.

Considerações finais

Ante a análise sistemática da prova psicografada sob o aspecto


jurídico, perfectível de comprovação via exame pericial, importa ratificar
que o que se pretendeu com o presente estudo não foi convencer
pessoas de que a prova psicografada tem valor absoluto e deve ser aceita
indiscriminadamente sem a devida cautela. Pelo contrário, pretende-se
que ela seja vista como mais um elemento de prova disponível para
auxiliar o juiz na árdua tarefa de reconstrução dos fatos e imputação de
responsabilidade, porém cercada de todas as cautelas necessárias para
que se apresente com a devida lisura que guarda processo penal, meio em
que é mais frequentemente invocada.
Pretende-se, ainda, mudar o conceito do senso comum de que a
prova psicografada pertence a determinada religião e por isso não deve
ser aceita. Como amplamente exposto, a psicografia é fenômeno inerente
ao ser humano, podendo apresentar-se em qualquer pessoa, religiosa ou
não, e, ainda, é fenômeno estudado cientificamente, portanto não há que
se vinculá-la à psicografia à religião. Sua utilização não fere nenhum
preceito legal, nem princípios constitucionais. Pelo contrário, viabiliza a
ampla defesa, e, da mesma forma, consagra o princípio da livre
convicção do Tribunal do Júri e a convicção motivada do juiz singular.

Soeitxawe
Ciência ou Religião? 299

Vem ao encontro do princípio da busca pela verdade real,


proporcionando o contraditório como qualquer outro meio de prova,
inclusive submetendo-se a exame pericial quando sob arguição de
falsidade.
Pretende-se que uma nova visão sobre a prova psicografada seja
construída, à luz da ciência, longe de ideias pré-concebidas. Não se
defende que deva ser valorada como elemento absoluto, mas sim se
respeitando o caráter relativo que as provas possuem, devendo ser
sopesada pelo magistrado em conformidade e harmonia com todo o
arcabouço probatório, mesmo porque nenhuma prova - tampouco
aquela que já foi tida como a “rainha das provas” - tem valor absoluto;
pelo contrário, o juiz, valendo-se de todo o conjunto probatório, irá, de
acordo com sua reflexão, formar o seu convencimento, motivando-o.
Importante é permitir que se possa apreciar uma informação obtida
por meio de prova atípica, não vedada em lei, a fim de que se assegure o
princípio da Livre Admissibilidade da Prova, pelo qual se invoca as mais
diversas provas, a fim de esclarecer a verdade como base para a
formação da convicção do juiz. Ressalta-se que já houve julgados
admitindo que a prova psicografada fosse utilizada e valorada no
processo judicial. Portanto, há precedentes na história do processo penal,
e, a partir disso, não se tem mais como não se posicionar a respeito. A
discussão fica aberta, porém, por enquanto, cabe com exclusividade ao
magistrado a responsabilidade de dirimir essa contenda.


5HIHUrQFLDV

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Soeitxawe
A Organização Social e as formas de Produção do Assenta-
mento 14 de Agosto em Ariquemes-RO1

Maria Estélia de Araújo2

Resumo: Em 1992, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)


ocupa uma fazenda improdutiva às margens da BR 364, a fim de viabilizar a gera-
ção de emprego, renda e produção de alimentos. Travou-se então, uma disputa
acirrada ao longo de 16 anos. No assentamento, um grupo desafia o sistema de
produção e vivência capitalista, organizados com terras, trabalho e cozinha
coletiva, comercializam os produtos promovendo novas relações no comércio,
respeitando e protegendo a biodiversidade. Desta forma, contradizem às ações
promovidas pelo agronegócio, como a prática de concentração de terras, a pro-
dução de monoculturas, a destruição ambiental, a apropriação de sementes e a
mercantilização dos alimentos, fatores que aumentam os problemas sociais. O
assentamento 14 de Agosto representa um território de famílias camponesas que
buscam sua subsistência através da organização social e a agroecologia, provan-
do que o campo é um espaço importante na busca por soluções para o fim das
desigualdades sociais.
Palavras-chave: Reforma Agrária; Produção; Agroecologia.


Introdução

A agricultura camponesa vem perdendo espaço para o agronegócio,


uma política agrária imposta para o campo brasileiro que prioriza a pro-
dução em alta escala, fazendo uso de monoculturas para exportação com
pacotes tecnológicos que destroem a biodiversidade, contaminando e
causando uma série de problemas à saúde humana e aos ecossistemas

1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE Congresso Internacional da
Pesquisa Científica na Amazônia, realizado entre os dias 01 a 03 de maio de
2015, em Cacoal, RO.
2Mestranda em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe –
UNESP- Presidente Prudente. Integrante do MST/RO.

Soeitxawe
304 Maria Estélia de Araújo

regionais. Com isso, as famílias camponesas perdem seus conhecimentos


tradicionais, tornam-se dependentes do sistema agrícola capitalista e são
submetidos ao empobrecimento no campo e empurrados às periferias
urbanas (FERREIRA, 2012; STEDILE; CARVALHO, 2010).
A concentração das terras faz com que as relações de produção se
tornem cada vez mais complexas e excludentes. Esta matriz tecnológica
de produção agrária atende aos princípios do agronegócio fundamentados
nos ideais do capitalismo, Altieri (2012) e (CAPORAL; PAULUS; GER-
VÁSIO, 2009) afirmam que não se fará transformações na agricultura
sem redefinir o sistema agrário, razão que justifica a atualidade e necessi-
dade da Reforma Agrária.
Faz-se necessário repensar as experiências produtivas e o retorno a
uma agricultura natural baseada nos princípios da agroecologia retomando
os saberes dos antepassados, o que vem se mostrado um processo eficaz,
onde os produtores buscam cooperar entre si, aprimorando suas técnicas
de produção e comercialização, adquirindo novos hábitos de vivência,
baseados no respeito às relações éticas e sociais (ALTIERI,1999; 2004;
2012). “Ao contrário do que propagandeia o agronegócio sobre as técni-
cas “atrasadas” e ineficazes, “a agroecologia dispõe dos conhecimentos
para superar a monocultura e a quebra da biodiversidade, consequências
inexoráveis do agronegócio” (MACHADO; MACHADO FILHO 2014,
p.37), além de atuar sobre a produção de alimentos de forma que dê
conta de alimentar e ainda promover a dignidade dos povos. “É possível
através da agroecologia resgatar a cidadania dos pequenos, pode-se tam-
bém produzir alimentos limpos em escala que a humanidade demanda"
(MACHADO; MACHADO FILHO 2014, p.37).
A região amazônica, mais especificamente o estado de Rondônia, on-
de está localizado o "Assentamento 14 de Agosto”, tem sido fortemente
prejudicada pelos projetos políticos que antecederam ao período da dita-
dura militar no país. Com uma visão devastadora em nome do “desen-
volvimento” da região, marcados pela ambição do capital nacional e in-
ternacional, tais projetos desconsideram os povos tradicionais, campone-
ses, indígenas e ribeirinhos, assim como, o ecossistema amazônico com
todas as suas especificidades (PICOLI, 2005; SOUZA, 2011). O livro
“Amazônia; nova dimensão do Brasil”, escrito por Amália Martelli em 1969,
apresenta os projetos de um período em que já não se respeitavam os

Soeitxawe
A Organização Social e as formas de Produção do Assentamento 305

povos existentes na região e a devastação da floresta fazia parte do plano


de “desenvolvimento” da Amazônia.

A Amazônia constitui um dos recantos do globo mais virgens e


de maior potencialidade de riquezas naturais. Será o celeiro do
mundo [...] Não foi possível até hoje calcular, cientificamente, as
imensas possibilidades latentes deste indescritível ‘inferno verde’
de rios e florestas. De qualquer forma a Amazônia é hoje uma das
regiões mais cobiçadas da terra. Para nós brasileiros, isso repre-
senta um imenso desafio: conjugar todas as forças nacionais para
integrar definitivamente este território à vida brasileira. E isso de-
pende de um gigantesco esforço de pesquisa, de planejamento e
desenvolvimento3.

No livro a autora esclarece o que a Amazônia representava para os


projetos da época: “[...] o maior desafio econômico, social e político que
o Governo brasileiro tem a enfrentar no presente. A região é cobiçada por
nações superpovoadas e por nações superdesenvolvidas” (MARTELLI,
1969, p. 132), as promessas de desenvolvimento para com os povos da regi-
ão, transpareciam nos projetos visionários do agro e hidro negócio,

Energia abundante, de preço acessível, propiciará a climatização


da empresa e dos ambientes residenciais. Somadas as condições
de habitabilidade aos recursos econômicos que a Região oferece,
em pouco tempo surgirão centros populacionais progressistas, em
lugar dos pequenos núcleos interioranos marginalizados de hoje
que apenas subsistem (MARTELLI, 1969, p. 133).

Segundo Picolli (2005b), os militares no comando do Estado por meio


do golpe militar foram base para a fixação de grandes projetos capitalis-
tas na região, a concentração da propriedade privada e expulsão dos
povos da floresta. Os governos que se seguiram trataram de pôr em prá-
tica esses projetos, seguindo fielmente às políticas anteriores. “[...] os
capitalistas nacionais e internacionais, sempre atentos às riquezas mine-
rais e florestais desta região, bem antes do início do ciclo da borracha,


3 Estes escritos estão na contra capa do livro de Martelli, 1969.

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306 Maria Estélia de Araújo

transformaram a Amazônia em fornecedora de produtos ao mercado


mundial” (PICOLI, 2005b, p. 43).
Após a devastação da floresta (PICOLI, 2005a; 2006; 2004a; 2004b)
através da exploração da madeira chegam os investidores latifundiários
com intuito de “[...] aumentar a produtividade e os lucros, de abrir novos
espaços à penetração do complexo agroindustrial de maquinário e fertili-
zantes [...] (DREIFUSS, 1996 apud PICOLI 2005b, p.40). A lógica de
devastação do agronegócio contraria os limites do solo amazônico por
não ser propício para a agricultura em grande escala e por não suportar o
uso de máquinas pesadas, as chuvas torrenciais levam a um processo
erosivo muito rápido, e embora produza árvores frondosas, sua fertilida-
de é baixa e superficial não sendo portanto, adequado para a agricultura
convencional (PILON, 2002; PRIMAVESI, 2008; SIOLI, 1985), exigin-
do técnicas agrícolas que contemplem a realidade amazônica.
Com a colonização, a partir dos anos de 1970, Rondônia passou a ser
um território de fronteira agrícola, desenvolvendo ao mesmo tempo uma
dinâmica de migração em busca da conquista da terra,

A fronteira representou, para o camponês expropriado, em outras


regiões um espaço onde seria possível construir um novo territó-
rio. No entanto esta fronteira esteve sempre em movimento, fa-
zendo com que, imprimido pelo desenvolvimento capitalista,
também o campesinato se mantivesse em constante movimento.
Não são raras, portanto, histórias de migração de um mesmo
grupo familiar perambulando por várias regiões brasileiras, em
busca de terra e de trabalho. Nesse contexto, o estado rondonien-
se representou um novo sonho de territorialização (SOUZA,
2011, p. 41).

Diante dos diversos problemas que permeavam a questão agrária em


Rondônia, surge na década de 1980, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, a fim de organizar a luta pela terra. Em 1992, inicia-se o
processo de ocupação da fazenda Schangrilá, no município de Arique-
mes.
A luta por esta terra ocorreu através de uma disputa acirradíssima en-
tre sem-terra e os donos do poder. Sobre a mesma luta Souza (2011, p.
276) descreve as condições enfrentadas pela organização para a conquista

Soeitxawe
A Organização Social e as formas de Produção do Assentamento 307

desta área por ser “[...] encravada em uma das regiões mais representati-
vas do latifúndio rondoniense, no município de Ariquemes/RO, próxi-
mo à Fazenda Nova Vida, símbolo de violência contra camponeses do
estado”. Como enfrentamento à essa situação, as famílias lideradas pelo
MST e organizações próximas, lutaram durante 16 anos até a posse defi-
nitiva. Durante esse tempo as famílias foram consolidando as formas de
produção, vivência e organização. Para confirmar que é possível reverter
as relações de produção, apresentaremos a experiência de um Grupo den-
tre estas famílias, que vem bravamente resistindo às imposições do capi-
tal. Localizados às margens da BR364, representam um marco da luta
pela terra em Rondônia no enfrentamento ao hidro e agronegócio que se
encontra amplamente instalado na região.
Constituíram uma caminhada de produção e organização própria e
durante os 23 (vinte e três) anos de caminhada, foram avançando nas
formas de cooperação e constituindo-se em um grupo informal de pro-
dução de subsistência, vivenciando através dos fundamentos e princípios
agroecológicos novas relações sociais, éticas, econômicas políticas e
pedagógicas. Guiados pela proposta de cooperação agrícola do MST, e
por meio do resgate da agricultura camponesa, há mais de onze anos vêm
constituindo outras formas de vivência e a produção de alimentos sem
agrotóxicos. O grupo em questão caminha na contramão do modelo
agrário da região, onde a produção predominante é a criação de gado de
corte, avançando rapidamente para as monoculturas de grãos, principal-
mente a soja em larga escala, constituindo-se em problemas consideran-
do a vulnerabilidade do solo da região e a expulsão de famílias campone-
sas para outras fronteiras agrícolas. Silva (2013; 2014) adverte que a im-
plantação do agronegócio da soja exclui camponeses gerando problemas
diversos para o campo e a cidade.

Trajetória de territorialização da luta pela terra no Assentamento


14 de Agosto

No dia 14 de agosto de 1992 um grupo de aproximadamente 150 fa-


mílias sem-terra, oriundas de diversos municípios de Rondônia, ocupa
um latifúndio improdutivo na região de Ariquemes. Esse momento foi

Soeitxawe
308 Maria Estélia de Araújo

considerado um momento de muita coragem e ousadia, pois ocuparam


um território destinado aos senhores fazendeiros, que são as terras às
margens da rodovia BR364, localizada entre os municípios de Jaru, Ari-
quemes, Theobroma e Cacaulândia.
Para a política de colonização existente no país, restaria a imposição
para ocuparem lugares longínquos, com pouca ou nenhuma infraestrutu-
ra, como estradas para escoarem sua produção, cuidados médicos, esco-
las e outros, necessários para o desenvolvimento no campo, porém, o
MST rompe com esta política, ao ocupar as terras com condições reais
para se desenvolverem com dignidade.
Esta disputa entre fazendeiro e Sem-terra, dada a inoperância do Insti-
tuto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), se tornaria acirradís-
sima e realmente foi assim que sucederam os dezesseis anos até a con-
quista propriamente dita. Durante este período, as famílias enfrentaram a
pistolagem e as muitas ordens de despejo. Chegaram, de fato, a passar
pelo despejo em maio de 1993, de forma barbaramente violenta, pois, os
policiais espancaram várias pessoas, atearam fogo aos barracos, causando
uma situação de pânico e revolta. “Assim fizeram e a polícia executou a
ordem de despejo de forma violenta. A truculência da polícia culminou em
um despejo que deixou muita destruição para as famílias acampadas [...]”
(NÓBREGA, 2013. p.86). O Jornal Migrantes (apud NÓBREGA, 2013)
na época relatou sobre a forma cruel de execução do despejo. Dali, as
famílias foram levadas para o pátio do INCRA, no município de Jaru,
onde enfrentaram uma diversidade de problemas, relacionados à convi-
vência, à escassez de alimentos, ao clima, às más condições de habitação,
às indiferenças e ataques da sociedade.
Mas as famílias resistiram, por meio das equipes organizadas viabili-
zavam soluções para os problemas, o sonho de voltar à terra e continuar
as atividades agrícolas que haviam ficado para trás traziam forças para
seguirem lutando. Equipes de alimentação, segurança, saúde, educação e
formação, inclusive a escola funcionou normalmente, em uma sala impro-
visada, cedida pela extinta Superintendência de Campanhas de Saúde
Pública (SUCAM), próximo ao pátio do INCRA, e pela primeira vez
houve a experiência da escola itinerante com apoio institucional, que
anos mais tarde, por ser uma necessidade geral das famílias, se tornaria
uma prática do MST em nível nacional.

Soeitxawe
A Organização Social e as formas de Produção do Assentamento 309

A luta por escola sempre esteve presente desde os primeiros momen-


tos de discussões dos acampados. As aulas no acampamento seria uma
condição básica para a permanência das famílias, e no primeiro momento,
em 1993, a escola funcionou como uma extensão de uma escola da rede
municipal de Jaru. No ano seguinte se tornaria uma escola oficial perten-
cendo ao município de Theobroma, muito depois viria a integrar definiti-
vamente à rede de ensino de Ariquemes, quando já estavam resolvidos
os problemas de limites entre os municípios.
Recentemente, com a política de polarização das escolas do campo, a
escola do assentamento esteve ameaçada de ser extinta, e mais uma vez
as famílias organizadas conseguiram mantê-la, com muita luta também.
Pode-se dizer que a escola passou por muitos momentos de lutas e resis-
tências, e por ser uma compreensão do MST, a escola torna-se a porta de
entrada para que as pessoas possam se desenvolver no âmbito técnico,
social, cultural e filosófico.

Nós do MST e os nossos educadores temos a convicção de que a


escola no seio da comunidade é que determina a formação do
educando. Num país onde ainda há preconceitos aos que exercem
trabalho no campo, e que o projeto econômico exclui a pequena
agricultura, objetivando as produções macroeconômicas de gado,
soja, milho e outros em larga escala. Por esse motivo é que luta-
mos com força, pela permanência das escolas do campo (EDI-
MAR, 2010).

As mulheres sempre exerceram papeis fundamentais, seja pela parti-


cipação na luta, ou seja pelo trabalho relevante que realizavam/realizam
no dia a dia. Obtiveram conquistas próprias relacionadas aos direitos da
mulher, a previdência, salário maternidade para as camponesas, o direito
de ter o título da terra em seu nome, conquistas frutos da luta conjunta
das famílias camponesas. Boff e Muraro reconhecem essa importância.

As mulheres representam mais da metade da força de trabalho


agrícola mundial e sabem administrar os recursos domésticos de

4Edimar. Entrevista em 2010. Entrevistadora: Maria D’Aparecida Lopes de
Meira, Ariquemes, 2010.

Soeitxawe
310 Maria Estélia de Araújo

alimentos, água e energia. Remover os obstáculos ao exercício de


poder econômico político das mulheres é também uma forma de
pôr fim à pobreza (BOFF; MURARO, 2002 p. 275).

A reocupação da área, aconteceu no final do mês de julho de 1993,


sendo possível colher o feijão que as famílias haviam plantado antes do
despejo, motivos de alegria geral e certeza de vitória. Assim que chega-
ram à área pela primeira vez, iniciou-se o processo de produção. Organi-
zou-se lavouras em forma de mutirão, com todos que estavam aptos para
aquele trabalho, e no momento do plantio e da colheita os mutirões eram
com praticamente todos.
Antes das primeiras colheitas foi realmente difícil e havia dias em que
eram feitas assembleias para discutirem o que iriam comer. Geralmente a
solução estava em tirar palmitos na mata, ou recorrer a alguns vizinhos
que contribuíam com o acampamento oferecendo bananas, mandiocas e
trocavam serviços por leite para as crianças e outros alimentos. Recebiam
muitas doações das comunidades da região, eram pessoas que acredita-
vam na luta pela terra.
As discussões sobre a organização da produção também já estavam
presentes e aos poucos as pessoas iam se definindo sobre a forma de mo-
radia, o que e como produzir. Conhecendo a morosidade do INCRA, foi
proposto por lideranças do MST fazerem a demarcação por “conta pró-
pria”, e começarem os plantios perenes, organizarem barracos melhores,
criarem galinhas e porcos, e assim, irem criando “raízes” na terra, uma
maneira de resistência, o que de fato faria a diferença. As lavouras
como café, palmitos, frutas, cereais, hortaliças e outros contribuiriam
para a permanência na terra.

O empenho em produzir no acampamento colaborava na luta


tanto no sentido de garantir a subsistência na área e de evidenciar
o potencial produtivo dos acampados, como também possibilita-
va protelar a execução de ordens judiciais, com a extensão de
prazos para realizarem as colheitas (NÓBREGA, 2013, p. 86).

Antes de executarem a demarcação foram realizadas inúmeras reuniões


para estudos dos materiais de cooperação agrícola do movimento e deba-
tes sobre como seria a demarcação da terra, e também para conhecerem

Soeitxawe
A Organização Social e as formas de Produção do Assentamento 311

a geografia da área, localizar nascentes, identificar previamente as condi-


ções do solo, tipos de lavouras que seriam importantes cultivarem, a
partir desses estudos, um grupo definiu pelo sistema alternativo de mo-
radia. "[...] estas famílias ainda sem-terra decidiram organizar o espaço do
acampamento de uma outra forma, criando um sistema de agrovila"
(NÓBREGA, 2013, p.90), sendo que esta foi a primeira experiência de
sistema de agrovilas com lotes individuais do país (LEÔNCIO apud NÓ-
BREGA; ELMI, 2015).
Essa proposta representou uma alternativa para resolver problemas
de estruturas físicas, como energia elétrica, água encanada, escola próxi-
ma das residências e facilidades para se reunirem para assembleias, estu-
dos, festas e outros (CONFEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE
REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL, 1995; 1997; 1999; STEDILE;
FERNANDES, 2005). Havia muita especulação a respeito, dúvidas, mas
o tempo provou que seria uma experiência exitosa: quando ninguém na
região tinha energia elétrica, os moradores da agrovila conseguiram um
projeto com o governo do estado e puderam desfrutar desta organização
acessível e prática.
No processo de definição sobre as formas de produção, 50% das fa-
mílias optaram pelo sistema tradicional de demarcação de terra e a outra
parte aderiu ao sistema alternativo de demarcação, ou seja, em agrovilas
onde continuaram os sistemas de mutirões para limpeza e colheitas das
roças.
O próprio INCRA que denominou as demarcações convencionais de
“Quadrado Burro” hoje adere à demarcação em agrovilas por entender
que é uma das melhores formas de organizar o espaço "[...] depois disto o
INCRA, que não tinha se mostrado muito disposto a organizar a área
daquela maneira caso fossem assentados, aderiu ao sistema sob alegação
que ele barateava o custo do processo também" (NÓBREGA, 2013, p.
92).
Em 2002, foi criada a Associação dos Produtores Alternativo Agroflo-
restal em Assentamento de Reforma Agrária (APAARA), que contribui-

5Elmi, dirigente do MST e morador do assentamento 14 de Agosto. Entrevista
em março de 2015. Entrevistadores: Maria Estélia de Araújo e Equipe Bodoque
Cine Vídeo, Ariquemes, 2015.

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312 Maria Estélia de Araújo

ria no processo organizativo e facilitaria a viabilidade de pequenos proje-


tos como máquinas para beneficiamento de arroz e milho e a construção
de algumas estruturas na área social. Estes equipamentos foram disponi-
bilizados pelo Projeto Padre Ezequiel Ramim. Aos poucos, foram sur-
gindo formas mais avançadas de organização e um grupo de famílias,
decidiram por trabalhar de forma mais sistêmica, resultando na formação
de um “Grupo Coletivo”.
Assim, o Assentamento 14 de Agosto vêm se contrapondo às práticas
convencionais de produção, uma demonstração de que a Reforma Agrá-
ria é viável, pois retira da marginalidade as pessoas que antes não tinham
nenhuma perspectiva de conquistar uma vida digna. Hoje as famílias
estão bem instaladas, com casas de alvenaria, todos com energia elétrica,
água encanada, transporte acessível, uma produção considerada impor-
tante para desenvolverem-se cada vez mais.
A maioria dos adolescentes já concluíram o ensino médio e alguns já
concluíram cursos de graduação. Há ainda outros frequentando, inclusi-
ve, cursos de graduação e pós graduação coordenados pelo MST a partir
da política de educação do campo. Sem dúvida nenhuma, não teriam
conquistado tudo isso, caso estivessem trabalhando em fazendas, entre-
gando parte de sua produção ao patrão, sem garantia de permanência na
terra.
Atualmente, mais famílias do assentamento vêm aderindo à agricultu-
ra agroecológica em núcleos familiares e também, está surgindo agora a
formação de um novo grupo de rejeição ao veneno, são seis famílias que
vivem no sistema de demarcação tradicional do assentamento, mas que já
concluíram que a forma convencional de agricultura não promove a
sustentabilidade. Desta a forma, com acompanhamento do MST, da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Rede Agroecológica Terra Sem
Males, espera-se que estas famílias se tornem também uma agrovila.


6Projeto da Diocese de Ji-Paraná, com atuação em diversas frentes incluindo a
agricultura.
7Uma de suas linhas de trabalho em Rondônia é a agroecologia. Referência na
organização da agroecologia, contrapondo assim, a política agrária do
agronegócio.

Soeitxawe
A Organização Social e as formas de Produção do Assentamento 313

A vivência agroecológica do Grupo coletivo “14 de Agosto”

Em janeiro de 2004, um grupo de famílias que já trabalhavam em sis-


temas de mutirão coletivizaram as roças, as cozinhas e o trabalho, de
maneira que toda a produção passou a ser conjunta. A cozinha funciona-
va de segunda a sexta-feira e a cada semana uma das mulheres assumia o
trabalho, desde o café da manhã até o jantar, além dos cuidados com as
crianças pequenas. “A forma escolhida pelas famílias para a luta na terra
foi a coletivização do trabalho, que por sua vez tornou-se necessário a
construção de uma cozinha coletiva” (NÓBREGA, 2013. p. 98).
A princípio eram cinco famílias que possuíam uma propriedade de 22
ha (cada uma), decidiram redistribuir suas terras trazendo outras cinco
famílias sem-terra e que tinham a disposição de trabalhar em conjunto,
provando desta forma que, o que determina não é a quantidade de terra,
mas o uso que se faz dela, ao mesmo tempo deixando claro o espírito de
solidariedade e o desapego à terra como um bem de mercado (ALMEI-
DA, 2009; SOUZA, 2011; MARTINELLO, 2011).
Algumas medidas visavam liberar o máximo de mão de obra para o
trabalho na lavoura, haviam equipes para contribuírem nas atividades da
cozinha, uma coordenação para discutirem as questões gerais e encami-
nhá-las, com definição de que não usariam uma gota de veneno, o que já
era causa de vários problemas e doenças. Desde sua consolidação, a pro-
dução foi marcada pelos princípios da cooperação agrícola do MST. As
formas de cooperação foram avançando à medida da compreensão de
cada um, chegando à conclusão de que sozinhos é mais difícil se garanti-
rem na terra, conseguirem implementos para produzirem e formas de
comercialização que permitam desviar-se dos atravessadores, assim co-
mo, reinventar as práticas agrícolas.
Iniciaram mantendo as roças existentes na época, plantios de frutas
tropicais, palmeiras, café, bananas, entre outras, antes individuais. Conse-
guiram uma pequena farinheira e passaram a produzir farinha para o
mercado local, naquele período, um bom negócio, embora, chegassem os
problemas decorrentes da monocultura, o que implicou em uma reorga-
nização baseada nos princípios da agricultura camponesa de base agroe-
cológica: plantar tudo o que fosse possível para garantir a sobrevivência.
São 110 ha de terras coletivas (o que facilita a produção de barreiras

Soeitxawe
314 Maria Estélia de Araújo

contra agrotóxicos) e estão organizados em reservas florestais, espaço da


criação de animais, roças, horta e os espaços de estruturas como farinhei-
ra, despolpadora de frutas, cozinha coletiva e campo de futebol.
Alguns sonhavam em organizar um espaço socioambiental, onde fos-
se possível desenvolver uma agricultura alternativa, uma espécie de tu-
rismo agroecológico, porém, a necessidade de um retorno a agricultura
camponesa também era uma necessidade concreta, e assim, foi se mes-
clando a produção com práticas agroecológicas. Mantiveram as capoei-
ras, que hoje compõem a parte de floresta e, felizmente é uma conside-
rável reserva ambiental, onde se pode encontrar uma diversidade de
plantas nativas e outras que foram enriquecendo a floresta, assim como,
uma diversidade de animais e pássaros, que encontram ali um espaço de
refúgio e fonte de água e alimentos.
Por ser um assentamento localizado próximo aos municípios de Jaru
e Ariquemes, iniciou-se uma experiência com hortaliças e todo um pro-
cesso de aprendizagem para produção orgânica. Surgiram inúmeros desa-
fios desde a falta de estrutura física, problemas com o solo (o PH baixo
devido à falta de calcário e por passar por anos sob efeito das pastagens),
até a falta de conhecimento sobre como produzir de forma natural.
Foram muitas perdas, erros e acertos, e hoje pode-se considerar que
aprenderam muito sobre a produção natural, e embora se deparem com
algum problema, geralmente a solução está no próprio território, se re-
solvendo com um composto orgânico, rotação de culturas, com a utiliza-
ção de espécies olerícolas para adubação verde. Enfim, há uma habilida-
de que aumenta com o convívio cotidiano. O mesmo acontece com o
cuidado com os animais. Há pessoas do Grupo que se dedicam a pesqui-
sar sobre homeopatia animal, produção de minerais produzidos a partir
de componentes naturais encontrados também no campo.
Os produtos são comercializados principalmente no município de Ja-
ru, em feiras livres e entrega direta aos consumidores, que são pessoas
que geralmente defendem a Reforma Agrária, conhecem os riscos dos
produtos convencionais e, assim, não só consomem, mas, contribuem
com fortalecimento do assentamento. Esta prática reforça os princípios
da agroecologia e contradiz a prática capitalista que transforma comida
em mercadorias. Os produtos comercializados direto nas feiras livres
além de saudáveis e diversificados chegam aos consumidores a um preço

Soeitxawe
A Organização Social e as formas de Produção do Assentamento 315

acessível, muito ao contrário da lógica do agronegócio que é vender os


produtos orgânicos para as pessoas com maior poder aquisitivo, tirando
o direito dos trabalhadores se alimentarem com comida saudável e diver-
sificada.

Desafios e perspectivas

Hoje o desafio é, sem dúvida, produzir em maior quantidade, organi-


zar as condições sanitárias dentro das possibilidades destas famílias,
romper com a burocracia dos padrões de vendas que dificultam a comer-
cialização para os pequenos produtores imposta pelo Ministério da Agri-
cultura, Abastecimento e Pecuária (MAPA). Além disso é preciso proces-
sar os produtos in natura para agregar valores e garantir a conservação
dos mesmos, chegando diretamente aos consumidores através das feiras
livres, entrega direta aos consumidores e fortalecer a rede de produtos
agroecológicos no estado de Rondônia, a exemplo de experiências já
consolidadas pelo MST em outros estados do Brasil.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra vem enfrentando
o capital globalizado que atua no espaço agrário em todo o Brasil. Há
experiências relevantes, como a proteção às sementes crioulas, garantin-
do a multiplicação da vida. Como exemplo a ser citado, podemos desta-
car a produção de sementes de hortaliças agroecológicas BioNatur; a for-
mação de cooperativas para produção e processamento de alimentos; o
manejo ecológico dos solos; o comércio direto à população.
A agroecologia vem se reafirmando como território capaz de discutir
uma nova matriz tecnológica, sem uso de grandes maquinários e sem
concentração da terra adaptando técnicas eficazes para produção com o
mínimo impacto ambiental possível, produzindo alimentos diversificados
(ALTIERI, 2012; CAPORAL; COSTABEBER, 2009; MACHADO,
2014.).
Todas essas ações e experiências constituem-se em elementos que
atuam para o fortalecimento da agricultura camponesa e sua territoriali-
dade, se contrapondo ao avanço do território do agronegócio. Estas famí-
lias bravamente desafiam o modelo convencional de agricultura, provan-
do que é possível produzir comida de boa qualidade e oferecê-la à popu-

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316 Maria Estélia de Araújo

lação por preço justo, sem exploração de mão de obra e com menor
impacto ambiental possível.
Atualmente, podemos dizer que o Grupo 14 de Agosto tem visibilidade
aos olhos da sociedade e organizações sociais porque produz comida
com qualidade ambiental adequada. Aos órgãos públicos porque se apre-
senta como um Grupo capaz de se organizar para buscar o que precisa. O
próprio INCRA rompe com modelos históricos de demarcações de ter-
ras (como foi conquistado pelo Grupo), a demarcação coletiva das terras.
Cabe agora a este grupo de famílias compreender a grandeza do que
conquistaram, e se organizarem para além do simplismo de não se situa-
rem no território construído. Como um “oásis” no deserto, o Grupo 14 de
Agosto vêm mostrando a possibilidade de resistência na terra através da
cooperação agrícola e da produção de base agroecológica.

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Soeitxawe
Levantamento de animais atropelados na Rodovia - 471 que
liga o munícipio de Ministro Andreazza à BR 364, Estado de
Rondônia

Surui, F. G.1
Fermiano, E. C.¹
Silva, P. J. G.¹
Buss, E. S¹
Suruí, A¹
Gonçalves, M. S1

Introdução

O atropelamento dos animais nas rodovias brasileiras está crescendo


cada vez mais devido ao desmatamento florestal. Consequentemente, ao
perderem seus hábitats, muitas espécies cruzam rodovias em busca de
alimentos ou ambientes com melhores recursos, sendo muitas mortas
por veículos automotores (MENEGUETTI et al., 2007). A morte por
atropelamento de animais vertebrados está se tornando cada vez mais
comum, causando a diminuição de várias espécies silvestres, muitas delas
de grande importância para a conservação (RODRIGUES et al., 2009).
No entanto, este tema é pouco ressaltado dentre as questões que
envolvem a ameaça de extinção das espécies da fauna brasileira
(MENEGUETTI et al., 2007). Nos últimos anos, os impactos causados
à fauna por atropelamentos nas estradas e rodovias têm recebido a
atenção de pesquisadores de vários países (LIMA & OBARA, 2009). No
Brasil, a preocupação é mais recente e, quase sempre, associada às áreas
de interesse de preservação (LIMA & OBARA, 2009). No estado de
Rondônia são escassos os estudos referentes à animais atropelados
(TURCI e BERNARDER, 2009). Considerando a falta de estudos sobre
os efeitos do atropelamento sobre a fauna na região, este trabalho teve

1 Ciências Biológicas da Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal
(FACIMED)

Soeitxawe
322 Eder Fermiano

como objetivo avaliar a incidência de atropelamento sobre os


vertebrados, a fim de verificar quais grupos de vertebrados são mais
afetados, num trecho da RO-471 que liga o município de Ministro
Andreazza à BR 364, no estado de Rondônia.

Material e Métodos

Este trabalho foi realizado em um trecho de 27 km da Rodovia 471,


que liga o município de Ministro Andreazza (latitude 11º 04’ 27" sul e
longitude 61º 31 01" oeste) à BR 364, localizada no estado de Rondônia.
Ao longo do trecho percorrido a vegetação encontra-se drasticamente
alterada por pastagens e agricultura. As observações dos animais
atropelados foram realizadas aos sábado no período matutino durante
três semanas, totalizando 12 horas de observação. O trecho foi
percorrido de motocicletas (CG 150 Titan-Honda) a uma velocidade
média de 30 km/h, levando cerca de duas horas para percorrer todo o
trajeto. Os animais atropelados encontrados foram registrados com o
auxílio de câmera fotográfica e anotados em fichas. Não foram
considerados animais domésticos atropelados.

Resultados

No total, foram registrados 40 animais silvestres atropelados. Os


principais grupos encontrados foram mamíferos com 16 indivíduos,
seguido de aves com 11, anfíbios com 7 e répteis com 6 (Tabela 01).
Durante o período de estudo, constataram-se que nos trechos com a
presença de mata adjacente à rodovia ocorreu um maior número de
atropelamentos dos mamíferos, sendo a classe mais afetada.

Soeitxawe
Levantamento de animais atropelados na Rodovia-471 323

Tabela 01. Grupos de vertebrados atropelados na RO-471 que liga o município de Ministro
Andreazza à BR 364, estado de Rondônia.

Grupos Coleta 1 Coleta 2 Coleta 3 Coleta 4 Total


Mamíferos 8 4 2 2 16

Aves 5 3 0 3 11

Anfíbios 4 1 1 1 7

Répteis 3 1 1 1 6

Das espécies mais registradas neste trabalho, destacam-se o tatu-


galinha (Dasypus novemcinctus) com 12 indivíduos, o sapo-cururu (Bufo
marinus) com 6, a jibóia (Boa constrictor) e o tamanduá-mirim (Tamandua
tetradactyla) com 4 e o Anu-preto (Crotophaga ani) com 3 (Figura 01).

Dasypus novemcinctus Bufo marinus

Boa constrictor Tamandua tetradactyla

Soeitxawe
324 Eder Fermiano

Crotophaga ani

Figura 01: Vertebrados atropelados com maior ocorrência na RO-471 que liga o município
de Ministro Andreazza à BR 364, Rondônia.

Discussão

O número de 40 animais silvestres atropelados, em três semanas,


pode ser considerado muito alto comparando com pouco tempo de
estudo. Neste caso, as rodovias podem contribuir para a fragmentação
das populações animais, levando ao isolamento das mesmas
(ESPERANDIO, 2014). Tais fatores, facilitam a extinção local destas
espécies, uma vez que a recolonização destas áreas podem ser reduzidas,
pois algumas espécies, principalmente os mamíferos, podem evitar a
travessia devido ao tráfico de veículos (RICO et al., 2007). As espécies
D. novemcinctus, C. ani, B. constrictor e T. tetradactyla também foram
amostradas por Turci e Bernarde (2009), na rodovia estadual 383 que liga
o município de Cacoal a Alta Floresta, estado de Rondônia. Das espécies
mais amostradas neste trabalho, nenhuma está ameaçada de extinção. No
entanto, é importante ressaltar que os dados registrados neste estudo
pode não representar o número preciso de atropelamentos na RO-471,
uma vez que as carcaças podem ter sido retiradas da rodovia por animais
carnívoros e, além disso, animais feridos por atropelamento podem
morrer em locais mais afastados. Sugere-se a continuação deste estudo a
fim de obter resultados mais precisos sobre o número de atropelamentos
nesta região, bem como fornecer informações que contribuam para a
conservação da fauna.

Soeitxawe
Levantamento de animais atropelados na Rodovia-471 325

Referências

ESPERANDIO, I. B. Rodovias atuam como barreira para o fluxo gênico


de roedores subterrâneos. O caso de Ctenomys minutus
(Ctenomyidae). 2014. Dissertação de Mestrado em Ecologia
apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
MENEGUETTI, D. U. O; Pachoal, L. S; Sousa, C. R. Mortalidade de
animais silvestres atropelados nas rodovias, Anual da SBPC,
Belém – PA, 2007.
LIMA, H. H. & Obara, P. D. C. Estradas em Unidades de Habitat Por
Mamíferos Terrestres. In: II Congresso Brasileiro de Unidades de
Conservação-2. Campo Grande-MS. Anais, 2000.
RICO, A.; Kindlmann, P. & Sedlacek, F. Barrier effects of roads on
movements of small mammals. Folia Zool. 65(1):1-12, 2007.
TURCI, L. C. B. & Bernarde, P. S. Vertebrados atropelados na Rodovia
Estadual 383 em Rondônia, Brasil. Biotemas 22(1):121-127, 2009.

Soeitxawe
Monitoramento da Biodiversidade da Terra Indígena Sete de
Setembro do Povo Paiter Suruí, Rondônia, Brasil.

Alexsander Santa Rosa Gomes


Israel Correa do Vale Júnior
Ivaneide Bandeira Cardozo

O monitoramento da biodiversidade surgiu de uma demanda do


Parlamento Paiter Suruí no ano de 2011, onde os recursos faunísticos da
TI Sete de Setembro seriam monitorados através do uso de metodologias
científicas e do saber tradicional. Para auxiliar no processo de construção
de uma metodologia nova que abordasse o conhecimento científico e o
conhecimento tradicional de forma conjunta, a Associação Metareilá do
Povo Paiter Suruí formalizou um convite aos seus parceiros (Kanindé e
Ecam) para que estes auxiliassem no processo de construção do método.
Após a criação do método, oficinas foram realizadas para a capacitação
de 8 agentes de monitoramento para que estes pudessem monitorar as
atividades de caça e pesca nas suas aldeias e também para que pudessem
percorrer transectos lineares e registrarem a densidade e abundância da
fauna de aves e mamíferos de médio e grande porte. A primeira etapa do
projeto foi de Janeiro de 2012 a Junho de 2013, onde foram monitoradas
6 aldeias das 25 existentes, e durante este período foram coletadas
informações importantíssimas para a tomada de decisão em relação ao
futuro do recurso faunístico do território Paiter Suruí. Nesse período de
pesquisa foram registradas informações de biomassa abatida (8.646,35
Kg através da caça e 871,23 Kg através da pesca), nas atividades de
avistamentos nos transectos foi registrada a ocorrência de 23 espécies de
mamíferos e 8 de aves de médio e grande porte. Foram percorridos 840
km de trilhas em 105 dias de atividades, sendo realizados 1.646
avistamentos entre aves e mamíferos de médio e grande porte. As
espécies mais utilizadas pelos Paiter Suruí nesse período foram o Caititu
(Tayassu tajacu) e o Queixada (Tayassu pecari) totalizando juntas uma
biomassa de 8.101,49 Kg, ou seja 93,37% da biomassa abatida pertenceu
a estas duas espécies de mamíferos. Para a ictiofauna, as espécies mais
328 Alexsander Gomes, Israel Júnior & Ivaneide Cardozo

utilizadas foram o Peixe Elétrico (Electrophorus electricus) com 116,71 Kg,


Mandubé (Ageneiosus inermis) 116,71 Kg e a Piranha (Serrasalmus sp.) com
102,5 Kg. Atualmente, o monitoramento da biodiversidade continua e os
primeiros desdobramentos para a tomada de decisão para a gestão dos
recursos faunísticos já estão em pauta, onde estuda-se a implementação
de um plano de manejo comunitário para as espécies apontadas pelo
monitoramento como as mais utilizadas pelos Paiter Suruí. Tal atitude irá
contribuir para a manutenção da segurança alimentar das comunidades e
irá possibilitar a conservação da fauna do território. Desde modo, as
futuras gerações poderão usufruir dos recursos naturais e perpetuar a
cultura do seu Povo.

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça1

AcursioYpiranga Benevides Júnior2


MSc. Antônio Enrique Fonseca Romero3

Resumo: A filosofia contribui com sua racionalidade e epistemologia na análise


crítica de ciências humanas que precisem de procedimentos metodológicos na
interpretação das relações sociais e suas múltiplas vertentes, incorporando-se às
dinâmicas sociopolíticas, socioeconômicas e, principalmente, no caso do nosso
estudo, às solidárias. Logo, esta pesquisa possibilita dar a conhecer à academia e
à sociedade em geral, as reflexões contemporâneas acerca da justiça e dos
parâmetros políticos que ela influencia; assim como, os deveres coletivos e
individuais na fortificação da cidadania e do bem-estar social. Esta investigação
discute no campo do saber prático, a Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen
Habermas na ótica do Paradigma Social Democrático, afim de considerar o
caráter solidário da justiça como substrato – e por isso inseparável - do Estado
Contemporâneo. A pesquisa desenvolve-se com mediação da abordagem
“fenomenológica-hermenêutica”, com a primazia da subjetividade, onde o
sujeito transcendental, íntegro, dono e senhor de si é o pesquisador revestido de
intencionalidade, da consciência que sempre está dirigida a um objeto. Das
pesquisas, identifica-se que “[...] um acordo na prática comunicativa da vida
quotidiana pode se apoiar ao mesmo tempo num saber proposicional
compartido intersubjetivamente, numa concordância normativa e numa
confiança recíproca (HABERMAS, 1989: 167)”, que, em natureza, se
aproximam, essencialmente, de uma legítima solidariedade subjetiva, íntima, de
compartilhamento, concordância ou sentimento sobre um objeto de consenso,


1Trabalho apresentado no I Congresso Internacional de Pesquisa Científica na
Amazônia - CIPAM, realizado entre os dias 1,2 e 3 de Maio de 2015, Cacoal,
RO.
2 Acadêmico do Curso de Direito da ESO/UEA. E-mail:
acursiobenevides@gmail.com
3 Docente do Curso de Direito da Escola Superior de Ciências Sociais –
ESO/Universidade do Estado do Amazonas – UEA. E-mail:
aromero@uea.edu.br

Soeitxawe
330 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

uma aceitação ou compromisso de entendimento, tornando-o responsável pelo


seu agir e, consequentemente, pelo agir que influencia, enquanto este for um
subproduto daquele. Estes aspectos iniciais estão por levar os esforços aqui
dedicados a um grau mais substancial da análise do “agir comunicativo” de
Habermas, na ótica do caráter solidário da justiça, em vistas do Paradigma social
Democrático Contemporâneo, assim como seus reflexos em temas atuais
pertinentes à solidariedade e à justiça.
Palavras-chave: Justiça; Solidariedade; Agir Comunicativo.

Introdução

Ainda no meio da segunda década do século XXI, a sociedade se


debate em controvérsias sobre a evolução da moral humana, a tendência
irrefreável dos direitos humanos e a fortificação do estado de capital, da
propagação publicitária e cultural do consumo e do individualismo; em
contrapartida, as demandas afirmativas se movimentam em prol das
minorias e os mais precavidos se antecipam pelos direitos ambientais.
Os anseios multilaterais pelos direitos, pela justiça ou pela felicidade
correm entre ambos os hemisférios incentivando o trabalho para superá-
los ou, na impossibilidade deste, apaziguá-los; como identificar a essência
da convergência, esse ponto de equilíbrio? Poderia o caráter sensível da
solidariedade da justiça formar uma proposta inseparável e irrecorrível
para o Estado de bem-estar social?
É necessário, para iniciar a pesquisa do caráter solidário da justiça,
analisar, dentre outras disposições filosóficas, as linhas de teorias
complementares de Habermas, assim como a Teoria do Agir Comunicativo
indispensável à racionalização dos procedimentos sociais e às novas
interpretações sobre a justiça, encontradas, estas últimas, em diversos
pesquisadores nacionais e internacionais, como John Rawls, Luiz Paulo
Rouanet, Norberto Bobbio, dentre outros.
A intenção da proposta é mera avaliação e, por conseguinte,
publicização acadêmica da percepção fenomenológica e hermenêutica
das potencialidades materiais da justiça e do direito no Estado
Contemporâneo, assim como as possibilidades de evidenciar a
solidariedade como substrato dos poderes para o equilíbrio do estado,
sem se adentrar na essência técnica e funcionalista deste último.

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 331

Justificativa

A filosofia contribui com sua racionalidade e epistemologia na análise


crítica de ciências humanas que precisem de procedimentos
metodológicos na interpretação das relações sociais e suas múltiplas
vertentes, incorporando-se às dinâmicas sociopolíticas, socioeconômicas
e, principalmente, no caso do nosso estudo, às solidárias.
A importância desta pesquisa funda-se na possibilidade de agregar à
academia os pensamentos contemporâneos acerca da justiça e dos
parâmetros políticos que ela atinge, aos deveres coletivos e individuais na
fortificação da cidadania e no bem-estar social. Por esses e outros
motivos, pensamos que este tema é oportuno para as instituições
científicas, principalmente no que tange a propagação de novos olhares
sobre temáticas clássicas e a pluralidade das novas possibilidades
acadêmicas.
Analisamos, no campo do saber prático, a Teoria do Agir Comunicativo
de Habermas sob a ótica de um arcabouço bibliográfico de pensadores
contemporâneos acerca do bem estar social, afim de, na ótica do
“Paradigma Social Democrático”, considerar o caráter solidário da justiça
como substrato – e por isso inseparável - do Estado Contemporâneo.
Como realizamos tal pretensão? Em primeiro lugar, estudamos
criticamente a Teoria do Agir Comunicativo e sua colaboração para a
racionalização do pensamento filosófico e a positivação da moral; num
segundo momento, estudamos sobre trabalhos de autores acerca da
temática do bem estar social e sua relação com a justiça e a solidariedade;
para, finalmente, identificar as tendências ideológicas do Estado
Contemporâneo, se é que elas existem.

Instrução inicial sobre Jürgen Habermas e da teoria do agir


comunicativo

Filósofo e sociólogo alemão contemporâneo, Jürgen Habermas,


nascido em 1929, em Düsseldorf, inseriu-se na tradição da Teoria Crítica
da Sociedade através das tendências da Escola de Frankfurt. No período
de 1981, Habermas publicou o que viria a ser uma de suas maiores

Soeitxawe
332 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

contribuições para a filosofia contemporânea, a chamada Teoria do Agir


Comunicativo.
Sobre a Teoria do Agir Comunicativo, nas palavras do ilustre filósofo da
atualidade, “[...]a fundamentação consiste, no essencial, em dois passos.
Primeiro, um princípio de universalização (U) é introduzido como regra
de argumentação para discursos práticos[...] (HABERMAS, 1989: 143)”.
E, poderíamos, em situação hipotética, a título de exemplo, apresentar,
como (U), o valor que o homem racional dá à vida, mesmo não sendo
um valor absoluto, o que não lhe retira o caráter valorativo.
“[...] Em seguida, essa regra é fundamentada a partir dos pressupostos
pragmáticos da argumentação em geral, em conexão com a explicitação
do sentido de pretensões de validez normativas (Ibidem)”. Assim, sendo
(U) – valor que o homem racional dá à vida -, uma regra para
argumentação, poder-se-ia pressupor que determinado dispositivo
normativo e imperativo, que verse sobre a proteção da vida, estaria
abrangido em fundamentação filosófica, embasada na gênese
comunicativa, racional e intencionada.
Seria, em outros termos, validar filosoficamente o artigo 121, do
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal
brasileiro, in verbis: Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Evidenciando o sentido da pretensão do legislador em atribuir valor à
conduta através de um discurso prático.
A partir dessa primeira análise, é que se propõe encarar o tema
apresentado acerca do caráter solidário da justiça, na tentativa de
compartilhar, pela Teoria do Agir Comunicativo, uma visão de mundo, sem
necessariamente se buscar a verdade; mas o diálogo pela racionalidade e,
quem sabe, pela aceitabilidade.

Ideias acerca dos significados de solidariedade e de justiça

Cabe identificar morfologicamente o sentido das expressões chaves


para o projeto. Eis que a palavras solidariedade e a palavra justiça são
aqui invocadas em amplo sentido, de abrangência comum, de tal modo
que dois sujeitos possam criar um diálogo sem necessariamente
pertencer a uma classe ou categoria. Logo, o sentido e significado

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 333

jurídico de solidariedade e de justiça são fundamentais para a pesquisa


como ponto de partida privilegiado; porém, não será este o único.
Aqui, o sentido das palavras solidariedade e justiça não se restringem
aos conceitos intimamente ligados à disciplina do direito, mas,
principalmente, às ideias empíricas que possam surgir de uma construção
racional, em que ambos os participantes levem a cabo uma interpretação
lógica, fundamentada no cotidiano. Ou seja, solidariedade em sentido
jurídico, na ideia de coligados, de responsáveis; e justiça como caminho
para o equilíbrio, para o bem comum, sendo “a primeira virtude das
instituições sociais, assim como a verdade o é dos sistemas de
pensamento (RAWL, 2000: 03)”. Ambos os conceitos são de suma
importância para a construção do fenômeno pretendido pela pesquisa.
O trabalho fenomenológico se desdobra como “o ensaio de uma
descrição direta de nossa experiência tal como ela é, sem nenhuma
consideração com sua gênese psicológica e com as explicações causais
que o sábio, o historiador ou o sociólogo podem fornecer dela
(TRIVIÑOS, 2010: 43)”. Assim se inicia a abordagem sobre a justiça, de
seu caráter solidário na acepção jurídica da palavra, de forma direta e no
cumprimento dos reflexos que essa interpretação possa oferecer como
tal ela é, em vista de sua aplicação deôntica, qual seja, a materialidade da
solidariedade da justiça nas normas estatais.
Solidariedade para o direito é o “vínculo jurídico entre os credores
(ou entre os devedores) duma mesma obrigação, cada um deles com
direito (ou compromisso) ao total da dívida, de sorte que cada credor
pode exigir (ou cada devedor é obrigado a pagar) integralmente [...]
(FERREIRA, 2004: 1870)”. Nasce de uma situação de responsabilidade
recíproca entre os solidários, onde a participação é inerente ao estado em
que se encontram. Todavia, tal acepção jurídica, como já mencionada, é
aqui considerada como um indispensável ponto de partida, sem prejuízo
da investigação acerca dos demais reflexos da abordagem da
solidariedade em áreas não normativas, como nas fontes materiais
legislativas, quais sejam, nas causas sociais como um todo.
No que compete à conceituação de justiça, no intuito de assegurar
que a ideia será de fato compreendida, utiliza-se aqui a visão de John
Rawls, da premissa de justiça como equidade – equivalência, igualdade,

Soeitxawe
334 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

equilíbrio -, com o cuidado de não evidenciar um conceito específico de


justiça que agrade a um pensamento específico e monológico:

Assim parece natural pensar no conceito de justiça como sendo


distinto das várias concepções de justiça e como sendo
especificado pelo papel que esses diferentes conjuntos de
princípios, essas diferentes concepções, têm em comum. Desse
modo, os que defendem outras concepções de justiça podem
ainda assim concordar que as instituições são justas quando não
se fazem distinções arbitrarias entre as pessoas na atribuição de
direitos e deveres básicos e quando as regras determinam um
equilíbrio adequando entre reivindicações concorrentes das
vantagens da vida social. Os homens conseguem concordar com
essa descrição de instituições justas porque as noções de uma
distinção arbitrária e de um equilíbrio apropriado, que se incluem
no conceito de justiça, ficam abertas à interpretação de cada um,
de acordo com os princípios da justiça que ele aceita. [...] É claro
que essa distinção entre o conceito e as várias concepções de
justiça não resolve nenhuma questão importante. Simplesmente
ajuda a identificar o papel dos princípios da Justiça Social
(RAWL, 2000: 06).

Então, superando o primeiro momento de conceituação, ao ponto de


compreender solidariedade como responsabilidade recíproca entre
sujeitos de uma relação, e justiça como equilíbrio razoável pautado na
equidade destas mesmas relações, passar-se-á às elucidações do caráter
solidário da justiça sob a ótica da teoria do Agir Comunicativo de Jürgen
Habermas.

Justiça, solidariedade e a teoria do agir comunicativo

A abordagem se inicia com base na teoria habermasiana do Agir


Comunicativo, pelas ações linguísticas de compreensão dialógicas, com a
perspectiva do agir orientado para um entendimento mútuo, onde o
sujeito é, como ponto de partida, o “iniciador, que domina as situações
por meio de ações imputáveis; ao mesmo tempo, ele é também o
produto das tradições nas quais se encontra, dos grupos solidários aos

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 335

quais pertence e dos processos de socialização nos quais se cria (Ibidem:


166)”. Um sujeito submerso em obrigações, totalmente oposto ao
indivíduo eremita e, por isso, submetido à responsabilidade de entender
e se fazer entendido.
Habermas sugere a compreensão dialógica, entre dois ou mais
sujeitos, o que significa dizer que oferece a superação da ideia
monológica, idiossincrática, pois agora existe a perspectiva do
entendimento coletivo, onde sujeitos de um discurso cotidiano e, de fato,
participativo, leva a entendimento mútuo ao grau de relevância,
privilegiando a concordância recíproca.
“[...] Um acordo na prática comunicativa da vida quotidiana pode se
apoiar ao mesmo tempo num saber proposicional compartido
intersubjetivamente, numa concordância normativa e numa confiança
recíproca (Ibidem: 167)”. Um saber compartilhado, uma concordância
ou até mesmo o sentimento recíproco, em nada se distinguem,
essencialmente, de uma legítima solidariedade subjetiva, íntima, de
compartilhamento, concordância ou sentimento sobre um objeto de
consenso, uma aceitação ou compromisso de entendimento, tornando-o
responsável pelo seu agir e, consequentemente, pelo agir que influencia,
enquanto este for um subproduto daquele.
É a sugestão habermasiana da superação do sujeito empírico, alheio,
visando nova proposta de adquirir o caráter formal, relacionando com
uma espécie de acordo para o consentimento da ação, verdadeira
validade positiva para a defesa da racionalidade da democracia,
fortificada em ciências deônticas. Ainda “[...] poderá ser inserida em
teorias do desenvolvimento da consciência moral e jurídica, tanto no
plano do desenvolvimento sociocultural quando no plano da ontogênese,
e assim tornar-se acessível a um controle indireto (Ibidem: 121)”.
Para tal, Habermas propõe o princípio da Universalização,
legitimamente fundamentado a partir dos pressupostos pragmáticos de
argumentação, combinados com o sentido de pretensões de validez
normativa. Assim, o princípio da Universalização é ponto de partida para
o discurso prático. Logo, a moral universalista dependeria de “formas de
vida que sejam, de sua parte, a tal ponto “racionalizadas”, que
possibilitem a aplicação inteligente de discernimentos morais universais e

Soeitxawe
336 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

propiciem motivações para a transformação dos discernimentos em agir


moral (Ibidem: 131)”.
Importantes elucidações traz Luiz Bernardo Leite de Araújo4, ao
propor a expressão Guinada Linguística, correspondente ao percurso que a
Teoria do Discurso faz mediante outras quatro teorias complementares:
Teoria do Agir Comunicativo, Teoria da Racionalidade, Teoria da
Sociedade, e, por fim, a Teoria da Modernidade. Um giro linguístico
iniciado na Teoria do Agir Comunicativo. Segundo o autor, “[...] é ela
que permite a Habermas elaborar um conceito formal de racionalidade
apropriado ao horizonte da modernidade e fundamentar uma concepção
de sociedade baseada no conceito de razão [...] (ARAÚJO, 2003: 215)”.
Muito respeitosamente, aqui sugere o olhar com o foco, pelo menos
por hora, apenas na Teoria do Agir Comunicativo, deixando as demais
teorias que formam o pensamento de Habermas sobre a racionalidade
para um outro momento..
Resta, então, explorar se o conceito de solidariedade pode ser
considerado um legítimo princípio da Universalização – diretriz
habermasiana do Agir Comunicativo –, construído racionalmente e
mediante análise dos sistemas normativos que a sociedade
contemporânea está submetida. Para tal, assim como Habermas foi aqui
utilizado para impulsionar o projeto com base na Teoria do Agir
comunicativo, serão apreciadas as elucidações de autores acerca da
justiça.
Todavia, cumpre estabelecer limites inerentes à teoria do Agir
Comunicativo e a qualquer especulação de uso para os resultados dos
esforços fenomenológicos sobre o tema que se debruça esta pesquisa,
principalmente a respeito das teorias da justiça, em vista que “[...] o
princípio da ética do discurso proíbe, que, em nome de uma autoridade
filosófica, se privilegiem e se fixem de uma vez por todas numa teoria
moral de determinados conteúdos normativos [...]” (HABERMAS, 1989:
149), excluindo, de pronto, uma teoria geral sobre princípios de justiça
distributiva; aqui, se fala em anular apenas as pretensões últimas, que
almejem serem as únicas soluções privilegiadas.


4 Docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 337

Obviamente, não é o objetivo – nem teríamos autoridade para tal -


desconsiderar, como um todo, quaisquer contribuições válidas ou pontos
de vistas de teorias da justiça, como encontramos, por exemplo, em
Rawls; mas é necessária a segurança de que o projeto tem como forte
objetivo uma análise com base na Teoria do Agir Comunicativo e no
Giro Linguístico do Agir Comunicativo, de tal sorte que um dos
parâmetros é a superação do olhar monológico, transcendental, em
favorecimento do diálogo racional e construtivo, com fins de aceitação
mútua, tal como salienta o texto habermasiano:

Ora, vimos que os sujeitos que agem comunicativamente, ao se


entenderem uns com os outros no mundo, também se orientam
por pretensões de validez assertóricas e normativas. Por isso, não
existe nenhuma forma de vida sócio-cultural que não esteja pelo
menos implicitamente orientada para o prosseguimento do agir
comunicativo com meios argumentativos – por mais rudimentar
que tenha sido o desenvolvimento das formas de argumentação e
por mais pobre que tenha sido a institucionalização dos processos
discursivos do entendimento mútuo. Tão logo as consideremos
como interações reguladas de maneira especial, as argumentações
dão-se a conhecer como forma de reflexão do agir orientado para
o entendimento mútuo. É às pressuposições do agir voltado para
entendimento mútuo que elas tomam de empréstimo os
pressupostos pragmáticos que descobrimos no plano procedural.
As reciprocidades que alicerçam o entendimento mútuo de
sujeitos imputáveis já estão insertas no agir em que se enraízam as
argumentações. Eis por que a recusa de argumentação do céptico
radical se revela como uma demonstração vazia. Nem mesmo
aquele que salta fora da argumentação de maneira consequente
consegue saltar fora da prática comunicacional quotidiana; ele
permanece preso aos pressupostos desta – e estes, por sua vez,
são pelo menos parcialmente idênticos aos pressupostos da
argumentação em geral (HABERMAS, 1989: 123).

Por isso, todo esforço, análise ou redução epistemológica são aqui


tendenciados com base nessa proposta apresentada, mediante, inclusive,
a abordagem do Paradigma da Solidariedade da Justiça no Estado
Contemporâneo. É nessa ideia de paradigma, “entendida como conceito

Soeitxawe
338 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

anterior das teorias e que gera uma série de instrumentos e métodos


reconhecidos para a comunidade científica como válidos na solução de
enigmas [...] (GAMBOA, 2006: 40)”, que se desenvolve a pesquisa.
Habermas (1982) analisa a gênese da separação entre a filosofia e a
ciência e propõe uma reflexão que recupere as relações da ciência com o
processo histórico da sociedade e com a filosofia. É a conquista do papel
crítico da teoria do conhecimento, possibilitando ainda que a filosofia e
as demais ciências ganhem força, como salienta o ilustre professor
Gamboa, assim, devolvendo “às ciências a capacidade de auto-reflexão e
de inserção na totalidade social (GAMBOA, 2006: 30)”.
Ora, sob a ótica da Teoria do Agir Comunicativo, é possível encarar o
princípio constitucional da solidariedade, previsto no inciso I, art. 3º da
Carta Magna da República, mediante uma gênese filosófica. Sobretudo, a
consciência e universalização dessa solidariedade da totalidade social,
talvez sugeriria um estado de consciência jurídico-cidadão, em primazia
da cidadania na ótica da sensibilíssima responsabilidade nacional.
Evidente, não se referindo à prematura ideia de cumprir penalidade por
crimes alheios, mas da universalização da lógica racional de que, por
negligencia de coletivos, um individual sofre.
Ainda pode-se indagar: não é a negligência requisito para
configuração do elemento subjetivo da culpa, ocasionando
responsabilidade subjetiva ao negligente? A função social da propriedade
não vem cobrando tanto o inerte quanto o que mal faz uso da coisa? A
resposta só pode vir a ser positiva, tendo em vista o princípio da função
social da propriedade, verdadeiro instituto jurídico oriundo das
tendências neoliberais, em primazia do Estado Social.
Discurso esse também muito vinculado ao brocardo jurídico
dormientibus non succurit jus: a justiça não socorre os que dormem; ligado à
relação da prescrição aquisitiva e a usucapião, este, outro instituto
jurídico – bastante antigo, por sinal –, vinculado à noção da boa
utilização da propriedade em vista da coletividade, que é o mesmo que
dizer em vista da sua responsabilidade com a sociedade.
Com legitimidade filosófica, a Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen
Habermas, oferece substancial mecanismo para a análise do princípio
constitucional da solidariedade, colocado ao lado de outras normas de
grande abstratividade, como a liberdade e a justiça. Assim, a

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 339

solidariedade, em nível constitucional e, por isso, inseparável da ideia de


justiça como equilíbrio, impõe máxima relevo e aplitude ao exegeta, no
tocante de interpretação do ordenamento jurídico com um complexo
harmônico, promotor de equidade, aproximando a sociedade da
felicidade, ainda que de maneira mitigada.

O motivo de encarar a solidariedade responsável como substrato


da justiça para relações sociais equilibradas

De forma demasiado elucidativa, Bobbio traz à tona a relevância da


questão histórico-comportamental da necessidade humana em
transformar os sistemas que prejudicam o homem nas esferas da
sociedade, ainda que no momento atual, em que se privilegia a notícia de
terrorismos e crises econômicas, e a mídia massiva explora a informação
das decadências institucionais, corruptivas e supostamente fadadas a
reformas.

Mesmo hoje, quando o inteiro decurso histórico da humanidade


parece ameaçado de morte, há zonas de luz que até o mais
convicto dos pessimistas não pode ignorar: a abolição da
escravidão, a supressão em muitos países dos suplícios que
outrora acompanhavam a pena de morte e da própria pena de
morte. É nessa zona de luz que coloco, em primeiro lugar,
juntamente com os movimentos ecológicos e pacifistas, o
interesse crescente de movimentos, partidos e governos pela
afirmação, reconhecimento e proteção dos direitos do homem
(BOBBIO, 2004: 51).

Criticável, sim, mas ainda progressivamente superior do que tínhamos


anteriormente é o instante atual das relações coletivas nacionais e
internacionais, não podendo, através de um discurso prático e bem
intencionado sugerir retrocesso das relações humanas – apesar de ser
plausível constatar a “lenta marcha” e, em casos específicos,
principalmente os relacionados a certas regiões planetárias de radicalismo
religioso, a estagnação.

Soeitxawe
340 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

Ainda que o sofrimento e a ausência da consciência do bem comum


sejam fortes vetores das preocupações mundiais, há de se considerar que
seres humanos já precisaram ser acorrentados em comitiva para
trabalhar; ou que, em passado próximo, homossexuais não teriam
direitos civis de unir, entre si, patrimônio e constituir família. Todos
momentos passados, que transigiram e sucederam um sensível
sofrimento à um bem comum, aceitável, promovedor de felicidade.
Na formalização da moral se baliza o entendimento da fuga do estado
de sofrimento humano, seja individual ou coletivo, apesar de, em tese,
serem ambos inseparáveis. Nesse contexto, indivíduo e coletividade
caminham para o conhecimento dessa interdependência relacional com a
necessidade da formalização ou positivação do conteúdo moral:

Todos esses esforços para o bem (ou, pelo menos, para a


correção, limitação e superação do mal), que são uma
característica essencial do mundo humano, em contraste com o
mundo animal, nascem da consciência, da qual há pouco falei, do
estado de sofrimento e de infelicidade em que o homem vive, do
que resulta a exigência de sair de tal estado. (BOBBIO, 2004: 28).

Não é difícil a reflexão de que esses esforços para o bem fortificaram a


ideia da justiça e as tentativas para equilibrar sua forma, aumentando o
alcance da proposta e reduzindo os erros idiossincráticos; porém,
mantendo o cuidado em garantir os pontos de vistas e a liberdade de
escolha. Nessa abordagem, encontramos John Rawls, como influenciador
de teorias da justiça.
Sobretudo, máximo respeito ao complexo elucidativo do renomado
filósofo americano, apresentar-se-á Rawls pelas elucidações do professor
Luiz Paulo Rouanet5, o qual traz, em seus trabalhos, inúmeras abordagens,
estudos e discussões acerca das propostas de Rawls, dentre outros ilustres
colaboradores da filosófica e sociologia e demais ciências enobrecedoras da
humanidade. Ocorre que, para a pesquisa em questão, a literatura de
Rouanet é mais aproximada e, em outros termos, quase um compêndio
para a temática aqui proposta, pelo fato, inclusive, de inserir Habermas em
muitos dos diálogos.

5 Docente do Departamento de Filosofia e Método da UFSJ

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 341

Cumpre-nos identificar que Rouanet sugere a alteridade ao encarar os


sistemas de observação da justiça, as teorias. Evidente que muitos
sustentam em John Rawls a mais completa tese sobre o tema; todavia,
torna-se fundamental identificar que, na ótica do Agir Comunicativo,
nenhuma Teoria da Justiça poderia forçar uma maneira única de proceder,
de encarar a justiça, sob pena de se auto anular:

Na verdade, ao reexaminar os textos de John Rawls, dou-me


conta de que ele não chega a definir quais seriam os direitos
básicos, indispensáveis ao Direito dos povos. Eles seguem apenas
princípios gerais, não podendo ser muito específicos, a fim de
não limitá-los a uma determinada cultura, por exemplo, à cultura
liberal. Assim, não há, ao que parece, um “núcleo duro” ou
“mínimo de direitos”. As Declarações e Pactos existentes são
considerados suficientes, retirando-se, como se disse, os aspectos
demasiado específicos de uma determinada cultura (ROUANET,
2011: 233).

Assim, Rouanet sugere os denominados princípios gerais de John


Rawls, cuja intenção é irradiar valores universais, indispensável para o
homem social. Este, por sua vez, inserido em um contexto coletivo, não
pode opor-se a ideia da alteridade sem gravosas consequências para si,
ocultando-se da necessidade do outro indivíduo de “pensar por si”, o
que, sobretudo, garante a democracia.

[...] Pode-se considerar que ele aceita o conteúdo básico das


principais Declarações de Direitos, com exceção daqueles
elementos muito específicos ou próprios de uma cultura. Vê-se,
também, que os princípios assim formulados são, por um lado,
parciais, na medida em que tomam como medida as sociedades
democráticas (sem incluir, ainda, as “sociedades hierárquicas
decentes”, como fará no Direito dos povos), mas por outro,
universais, na medida em que se aplicam ao mundo como um
todo [...] (Ibidem. 236).

Nota-se assim a tênue e inseparável parcialidade axiológica em


sociedades democráticas, pois sugere que um valor máximo e universal,

Soeitxawe
342 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

como a democracia, ofereceria base para valores parciais, onde só é


possível vislumbrar estes na prévia existência daquele.
Em consonância à Habermas é essa observação de Rouanet sobre as
teorias de Rawls, tal seja um Princípio Universal, aceito por uma
coletividade de indivíduos revestidos de intencionalidade racional,
identificando na democracia o sistema aproximado ao ideal de
representatividade; se um indivíduo, ainda que bem intencionado
racionalmente, oferecesse outro sistema, deveria alcançar a concordância
dos demais, em um discurso prático ao ponto de influenciar os demais à
concordância (Teoria do Agir Comunicativo); também não poderia
sugerir espécies de parciais princípios que fossem contrapostos ao
princípio máximo democrático.
Se pudermos considerar a justiça emergida nessa consideração do
Agir Comunicativo, considerar-se-á lógico que a fuga do estado de
sofrimento social só irá aumentar a promoção do bem estar coletivo ao
passo que identificar a solidariedade jurídica e coletiva em sua total
significância e abrangência. E talvez, já possa ser sentida no cotidiano,
principalmente da seguridade social, como sugere Guilherme Machado
Casali6 (2006: 229), citando Habermas (2002):

O Estado do Bem-Estar Social consolidou o status de cidadãos


aos outrora súditos do Estado. Isto se deu principalmente através
dos sistemas de seguridade social e outras formas no direito penal
e social (proteção à família, educação – até mesmo igualdade
entre os sexos). Para Habermas, tal acarretou numa sensibilização
dos próprios cidadãos, de que os direitos fundamentais poderiam
ser transformados em realidade [...]. “sensibilizou-se para essa
precedência cuja tarefa é resguardar a nação real de cidadãos ante
a nação imaginada, supostamente constituída dos membros de
um mesmo povo” (HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro:
136).


6Advogado do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do
Município de Joinville/SC - IPREVILLE. Mestrando em Ciência Jurídica pela
UNIVALI.

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 343

Nota-se que essa nação real seria justamente a nação colaborativa em


detrimento da nação meramente fática, qual seja a pertencente, por sorte,
a um território específico. Privilegia a ideia de nação em seu sentido
máximo: solidário e, por isso, participativo, responsável, colaborativo.
Tal sensibilidade sugerida por Habermas talvez favoreça um olhar
perante as diligências estatais e cidadãs no que for compatível com o
estado contemporâneo e suas novas necessidades: como o novo enfoque
perante a família (inclusive entre homossexuais), equilíbrio de gênero,
proteção da mulher, promoção de raças desfavorecidas historicamente
(cotas). Sensibilidade que talvez enseje o sentimento de responsabilidade
mútua, principalmente quando na existência de uma situação de
desequilíbrio – e por isso, injusta. Eis aqui, talvez, o caráter solidário da
justiça.
O ponto de a solidariedade ser sugestiva a um princípio universal da
justiça – e, por isso, dos Estados que se revestem do símbolo
democrático (ápice da justiça global) – e inseparável de seu bojo, tende a
estimular sua máxima interpretação, sob a ótica do legislador, do
executor de políticas públicas, do aplicador do direito, do intérprete e,
principalmente, no exercício da cidadania.
A Teoria do Agir Comunicativo possibilita analisar a gênese filosófica
da Solidariedade como Princípio Constitucional de Direito, ao lado da
isonomia, da boa-fé, da liberdade. O homem submerso no Estado
Democrático aí está por conquista do entendimento de que é necessária
a participação de todos nas decisões que a todos afetarão. É o mesmo
que dizer, apenas no sentido contrário, partido do fim para o início, que
serão responsáveis pelas normas que mutualmente escolheram seguir,
pelos sistemas que permitiram que se prolongassem.
Não se trata apenas de imputar a alguém responsabilidade por
obrigação de fazer, não fazer, de dar coisa certa, ou dar coisa incerta;
comina em um sentimento cidadão – ao lado da liberdade, da
propriedade –, de se promover em atos cotidianos por individualidades
comuns, assim como por representantes nacionais, regionais e locais, por
veículos comunicacionais.
Esse prisma das relações de responsabilidades mútuas “visa
justamente restaurar as solidariedades danificadas, reordenando a vida
coletiva e individual oferecendo novas bases para geração de

Soeitxawe
344 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

solidariedade” (CASALI, 2006: 229), fortificando este princípio


constitucional, Casali ainda continua seu trabalho sob a ótica da pessoa
pautada na cidadania, visualizando esse como um “ser solidário,
[..]daquele que está disposta a ajudar a repartir a responsabilidade em
problemas comuns – como o combate à pobreza, a preocupação
ambiental etc. – importa também em reconhecer a diversidade em busca
da harmonia [...].” (CASALI, 2006: 230).
Espera-se, com os esforços sob o prisma do Agir Comunicativo,
botar em evidência e discussão o caráter solidário da justiça como
substrato para o equilíbrio entre os agentes sociais, participantes de um
discurso prático, revestidos de intencionalidade e racionalidade, voltada
para o bem coletivo, em busca do esforço para essa sugestiva harmonia.
Frisa-se que se trata do esforço, não da ideia máxima e ainda distante
de equilíbrio utópico, e sim a essência sensível da ciência responsável,
submersa em campo lógico da contemporaneidade, dos anseios que se
modificam com o tempo, exigindo mutação de interpretações normativa,
a fim de oferecer novo olhar para o prisma democrático, com a
operabilidade de Cláusulas Gerais, inseridas, principalmente, no texto
constitucional.

Considerações finais

A teoria do Agir Comunicativo, em seu sentido prático, oferece


instrumentalidade lógica e substancial para encarar a questão da justiça,
sobre o ponto de vista de sua atuação, de seus órgãos, de seus
operadores, de seus usuários, de tal maneira a evidenciar certo grau de
operabilidade das ações oriundas de intenções no discurso prático e bem
intencionado, facilitando, em vias cotidianas, o diálogo na compreensão
da relação entre os atores sociais, ao ponto de ser capaz, talvez, de
mediar a análise destes vetores, em vistas do princípio da universalização.
De nosso ponto de vista, encarar a matéria da solidariedade na ótica
habermasiana, do Agir Comunicativo, pela construção sugestivamente
racional, com a premissa de ser um substrato da justiça, submerso no
contexto atual contemporâneo, e, por isso, universalmente aceito em
vias, inclusive, constitucionais, oferece um caminho promissor de

Soeitxawe
Jürgen Habermas e o caráter solidário da justiça 345

apreciação das atuais demandas sociais, na ótica da cidadania e da


necessidade de mutação de interpretação dos preceitos normativos,
privilegiando o olhar máximo da responsabilidade recíproca entre os
sujeitos inseridos do Estado.
Atentamos para o compromisso que recai sobre o utilizador da
Teoria do Agir Comunicativo em sustentar a necessidade insubstituível
da racionalidade pautada no bem comum, invólucro da observação bem
intencionada, indispensável para os que se relacionam com os
dispositivos oriundos de esforços deônticos, incluindo aquele que o
promove, o que aplica, o que opera e o que se submete, respectivamente,
o legislador, o magistrado, o militante jurídico e o cidadão.

Referências

ARAUJO, Luiz Bernardo Leite. Moral, Direito e Política - Sobre a Teoria


do Discurso de Habermas. In: Manfredo Oliveira; Odilio Aguiar;
Luiz Felipe Sahd. (Orgs.). Filosofia Política Contemporânea.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, v. 1, p. 214-235.
CASALI, Guilherme Machado. O princípio da solidariedade e o artigo 3º da
constituição da república federativa do Brasil. Revista Eletrônica e
Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006, p. 229.
Disponível em: <www.univali.br/direitoepolitica>.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua
Portuguesa. 3 ed. Curitiba: Positivo, 2004.
GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em Educação: Métodos e
Epistemologias. Chapecó: Argos, 2007.
HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1989.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo. Martins Fontes, 2000.
ROUANET, Luiz Paulo. Direitos Humanos na Perspectiva dos Direitos dos Povos.
Pensando – Revista de Filosofia Vol. 2, Nº 2, 2011 ISSN 2178-
843X.

Soeitxawe
346 Acursio Júnior & MSc. Antônio Romero

TRIVIÑOS, Augusto Nivaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais:


a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2010.

Soeitxawe
Pequenos Agricultores e o Código Florestal: desafios, pres-
sões e consciência de preservação nas linhas 180, 184 e 188 do
município de Rolim de Moura (RO)1

Josiane Fernandes Keffer2


Karoline Costa Mendes2
Jizeli Feliciano Monteiro2

Resumo: Diante do crescente debate em torno do Novo Código Florestal


Brasileiro, esse trabalho teve por objetivo conhecer a visão dos pequenos
agricultores sobre essa legislação, identificando sua opinião com relação à
aplicabilidade e funcionalidade deste instrumento de lei, bem como suas
percepções acerca das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal. Para
coleta de informações foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os
agricultores das linhas 180, 184 e 188 do município de Rolim de Moura (RO), os
relatos foram gravados com a autorização dos mesmos para um diagnóstico das
percepções dessas famílias acerca do objeto. Como resultados, observou-se que
os agricultores desconhecem os aspectos específicos da norma, mas
compreendem a importância da preservação ambiental e estão dispostos a assim
fazer. Por outro lado se sentem esquecidos perante os órgãos governamentais,
queixam-se da falta de assistência técnica, visto que existe muita cobrança e
nenhum acompanhamento por parte dos órgãos competentes.
Palavras-chave: Código Florestal Brasileiro; Pequeno agricultor; Meio
ambiente.


1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE Congresso Internacional de
Pesquisa Científica da Amazônia, realizada entre os dias 1 e 3 de Maio de 2015
Cacoal, RO.
2Universidade Federal de Rondônia - UNIR, Avenida Norte Sul, 7300, 76940-
000 - Rolim de Moura – RO, Brasil.

Soeitxawe
348 Josiane Keffer; Karoline Mendes & Jizeli Monteiro

Introdução

Os primeiros conflitos acerca do uso dos recursos florestais


brasileiros tiveram início por volta do século XVI e, vieram juntamente
com os descobridores do continente e a consequente escassez dos
produtos derivados da exploração do pau-brasil (PÁDUA, 2002). De
acordo com este mesmo autor, as primeiras leis com o objetivo de
regular o setor surgiram em 1605, no entanto, as primeiras preocupações
de intelectuais e da opinião pública sobre os problemas relacionados à
mudança no padrão de uso dos solos do Brasil só vieram aos arredores
do século XVIII.
Neste contexto, em 1934 foi instituído o Código Florestal (CF),
através do Decreto 23.793, de 23/01/1934 que, entre outros pontos,
estabelecia o conceito de florestas protetoras, que possuía semelhança
conceitual às atuais Áreas de Preservação Permanente (APP), porém não
definia parâmetros de distâncias mínimas para proteção dessas florestas
(AHRENS, 2003).
A partir do CF de 1934, as florestas que cobriam os solos dos imóveis
rurais deixaram de pertencer ao proprietário, que perdeu o direito
irrestrito de destruí-las, sendo ao contrário, obrigado a preservá-las,
inclusive contra atos de terceiros, visto sua importância bem como as
funções ambientais dessa vegetação no contexto da propriedade rural
(PETERS, 2011).
Foi a partir da década de 60 que a política ambiental brasileira nasceu
e se desenvolveu em resposta aos movimentos sociais locais e
internacionais (STEFFANI, 2012). O mesmo autor comenta ainda que,
até o final dos anos 60, não havia nenhuma política ambiental de fato,
onde predominassem temas relacionados ao fomento da exploração dos
recursos naturais, desbravamento do território brasileiro, saneamento
rural e educação sanitária, o que deixava lacunas para continuidade da
destruição dos recursos florestais. Essas políticas eram amparadas por
um conjunto de leis constituído pelo Código das Águas de 1934, Código
Florestal de 1965 e o Código de Caça e Pesca de 1967 (STEFFANI,
2012). Entretanto, Sousa (2005) afirma que tanto o governo quanto a
entidade gestora não praticavam ações coordenadas na área.

Soeitxawe
Pequenos agricultores e o Código Florestal 349

Ahrens (2003) argumenta que somente a partir da Lei 6.938/81, a


qual instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, foi que houve uma
tentativa de adaptação a uma visão moderna de proteção ambiental,
responsabilizando o autor do ato danoso ao ambiente e lhe impondo a
obrigação de reparação do dano causado. Neste sentido, em 1998 foi
aprovada no Brasil uma das leis mais avançadas do mundo, a Lei de
Crimes Ambientais, onde as condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente passaram a receber punição civil, administrativa e
criminal (AHRENS, 2003). Além de punições severas, a Lei incorporou
métodos e possibilidades de não aplicação de penas, desde que o infrator
repare o dano causado ou pague sua dívida à sociedade de alguma forma
(SOUSA, 2005).
Neste contexto, em 28 de maio de 2012, foi promulgada a Lei 12.651,
a qual originou-se da criação de uma proposta para alteração do antigo
Código Florestal e, estabeleceu novas regras para a Reserva Legal (RL) e
para a Área de Preservação Permanente (APP). De acordo com a Lei,
Reserva Legal é a área de vegetação nativa localizada na propriedade
rural, que se mantém preservada para garantir a sustentabilidade dos
recursos naturais. Enquanto a Área de Preservação Permanente é a área
de vegetação nativa ou não que margeia e protege os recursos hídricos, a
fauna e a flora (CANZI, 2013). Além das definições, o atual CF e suas
regulamentações trazem a delimitação e a consolidação das APP e RL
nos imóveis rurais, definindo parâmetros como largura da faixa de
proteção de nascentes e ao longo de cursos de água proporcional à
largura dos rios, e percentuais de RL conforme o Bioma em que o
imóvel esteja inserido (STEFFANI, 2012). O mesmo autor ainda ressalta
que a agricultura é uma atividade cuja base de produção depende da
natureza, e sob condições desfavoráveis de clima, solo e água fica
comprometida, ou até mesmo tornando-se impossível sua prática.
Segundo IBGE (2006), a agricultura familiar conta com mais de 4,3
milhões de estabelecimentos, produzindo cerca de 70% dos alimentos
consumidos no país, empregando 74,4% dos trabalhadores rurais e
produzindo 38% da receita bruta da agropecuária brasileira. Embora
ocupe apenas 24,3% (IBGE, 2006) da área utilizada em atividades
agropecuárias no país, a agricultura familiar destaca-se nos debates acerca

Soeitxawe
350 Josiane Keffer; Karoline Mendes & Jizeli Monteiro

do CF, principalmente no que diz respeito à regulamentação da relação


entre preservação ambiental e uso do solo conforme Steffani (2012).
Para Pereira (2013) a alteração do CF gera conflitos, pois impõe
através das leis de proteção ambiental (mais especificamente as leis que
regem os conceitos de RL e APP), uma conscientização ecológica de
forma vertical, que provém da disputa entre interesses distintos. Além
disso, o autor defende que as leis são feitas exclusivamente por setores
legislativos e órgãos ambientais que muitas vezes não levam em
consideração os aspectos antropológicos do mundo rural, além do
conflito ambiental também se evidenciar na própria alteração do código
que, de acordo com alguns ambientalistas e movimentos sociais,
privilegiam setores ruralistas, detentores de latifúndios.
Para garantir o disposto na legislação ambiental brasileira, o pequeno
agricultor precisa preservar grande parte de sua propriedade, de forma
que as pequenas glebas enquadram os agricultores que devem conservar
a propriedade proporcionalmente, criando um cenário insustentável para
a manutenção de dignidade de vida, por conta do excesso de
conservação obrigatória (FELIPE, 2013). O fato é que o novo código
florestal brasileiro surgiu em um momento cercado de buscas por novos
caminhos criados pela distância do real ambiental com o real social, haja
vista que a linguagem ambiental anteriormente utilizada refletia em uma
linguagem ultrapassada, sem ideias de preservação inteligente do meio
ambiente e seus recursos naturais, o que indiretamente, ou, diretamente,
atinge o pequeno agricultor (FELIPE, 2013).
Azevedo (2009) argumenta que, na produção de alimentos na
agricultura, os custos de produção (insumos, máquinas e equipamentos,
valor da terra e mão de obra), bem como a margem obtida com a venda
dos produtos são somente do agricultor. Enquanto os custos para
produzir bens e serviços ambientais, como o ar, a água, o solo, a
biodiversidade e a paisagem, são atribuídos ao agricultor, contudo os
benefícios provenientes desta ação são de toda a sociedade (AZEVEDO,
2009). O autor faz alusão à situação daqueles proprietários rurais que
tiveram acesso à terra após a promulgação do Código Florestal, no ano
de 1965, e que ao adquirirem a propriedade deveriam estar cientes de que
não poderiam explorá-la em sua plenitude, pois teriam de deduzir as
áreas de preservação permanente e reserva legal. Dessa forma, esses

Soeitxawe
Pequenos agricultores e o Código Florestal 351

proprietários deveriam ser remunerados por colaborarem com a


proteção dos recursos naturais (AZEVEDO, 2009).
Almeida e Gerhardt (2004) dizem que a imposição de uma
“consciência ecológica” no meio rural gera processos de resistência
através da aliança entre agricultores e alguns mediadores sociais, ambos
agentes reprimidos, mas que, entretanto, formam um tipo de relação
pouco interessante do ponto de vista da emancipação dos primeiros em
relação aos segundos. Os autores destacam ainda a importância dos
produtores rurais compreenderem o significado das áreas de preservação
ambiental para a manutenção da biodiversidade e dos papéis ecológicos
das espécies para a implantação e a conservação das Áreas de Proteção
Ambiental, uma vez que produtividade rural ambientalmente sustentável
e a viabilidade econômica estão vinculadas a esses fatores. Para Steffani
(2012) a maior dificuldade que agricultores familiares enfrentam e que
está na arena de discussão é a adequação das propriedades às normas
ambientais e a necessidade de ampliação de áreas produtivas visando
atender à demanda crescente por alimentos de forma sustentável.
Neste sentido o presente trabalho teve por objetivo conhecer a visão
dos agricultores sobre o Código Florestal, identificando a opinião dos
mesmos com relação à aplicabilidade e funcionalidade deste instrumento
de lei, bem como suas percepções acerca das Áreas de Preservação
Permanente e de Reserva Legal.

Desenvolvimento

Caminhos para a pesquisa

Para uma melhor compreensão da percepção dos agricultores quanto


à importância da preservação das florestas e da noção sobre a lei do
Código Florestal Brasileiro que incide sobre as propriedades rurais,
foram selecionados através de uma relação de agricultores familiares
fornecida pela EMATER de Rolim de Moura – RO, a qual presta
serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural, as localidades das
Linhas 180, 184 e 188, do município de Rolim de Moura, devido esta
região apresentar propriedades de agricultores familiares que em seu

Soeitxawe
352 Josiane Keffer; Karoline Mendes & Jizeli Monteiro

tamanho de área estariam enquadrados como categoria (menores que


quatro módulos fiscais) de pequena propriedade.
Foi aplicado um questionário semiestruturado, que consistiu em
entrevistas gravadas com a autorização dos agricultores entrevistados,
para um melhor diagnóstico da realidade dessas famílias.
Foram entrevistadas doze famílias ao todo, ao longo do mês de junho
de 2014, nas localidades pré-definidas. Procurou-se com as questões
conhecer a opinião dos agricultores a respeito da aplicabilidade do
Código Florestal Brasileiro, bem como sua eficiência em termos de
funcionalidade e as percepções dos agricultores sobre a importância das
áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente.
Posteriormente foi realizada a transcrição das entrevistas para a
análise e interpretação dos resultados obtidos com o desenvolvimento
desta pesquisa.

Resultados

A partir das análises das entrevistas pôde-se observar que a maioria


dos agricultores desconhecem os termos do CF, porém, entendem que
existe uma legislação vigente acerca da preservação ambiental. No
entanto, o fato de não conhecerem os termos nem mesmo a própria lei
não significa que eles não deem importância para a preservação do meio
ambiente, a necessidade de manter a biodiversidade, os recursos hídricos
e as vegetações nativas. Pelo contrário, a grande maioria ou totalidade
dos entrevistados salientaram que entendem que é de extrema
importância manter e preservar os recursos naturais nas propriedades,
uma vez que sem eles, a produção torna-se impraticável.
Estudando o mesmo tema Godoy et al. (2009) verificou que o
desconhecimento da legislação por parte dos agricultores não impede
que eles tenham a percepção quanto à necessidade da preservação do
meio ambiente para o presente e para as futuras gerações. O autor diz
ainda que, o reconhecimento sobre a importância da preservação das
nascentes, da vegetação e da biodiversidade são constantes e total por
parte de todos os entrevistados, bem como, a preocupação em preservar
para que seus filhos e netos também possam aproveitar de toda essa
riqueza encontrada nas suas propriedades. Esse autor ainda afirma que

Soeitxawe
Pequenos agricultores e o Código Florestal 353

essa falta de conhecimento da legislação pode ser atribuída à falta de


assistência técnica por parte dos órgãos de extensão rural, cooperativas e
associações, que muitos desses agricultores não têm acesso, portanto,
não teriam como conhecer a legislação.
Quando questionados sobre a importância e aplicabilidade do CF na
região, a totalidade dos entrevistados disseram que acreditam que é
importante a existência deste tipo de lei e que é necessária a preservação
das Áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente, no entanto
frisaram a questão de que a lei deve ser aplicada a todos, pois percebem
que a maior pressão e cobrança é exercida sobre os pequenos
agricultores, que exercem agricultura familiar, de subsistência, e que os
“fazendeiros”, como dizem, são os maiores beneficiados, pois na maioria
das vezes não são cobrados, e como essas fazendas ficam distantes dos
núcleos urbanos a fiscalização nem sempre chega até elas, e se concentra
apenas nas pequenas propriedades no entorno da cidade.
Esses conhecimentos demonstrados pelos agricultores vão de
encontro ao encontrado em estudo realizado por Sant'Anna et al., (2012),
no qual quase a totalidade dos atores envolvidos já tinham ouvido falar
sobre as leis ambientais, sendo que as duas mais citadas foram a proteção
florestal e a proteção das águas e, a maioria dos entrevistados reconheceu
a importância da legislação ambiental. Contudo, os entrevistados do
estudo desses autores, sugeriram que deveria haver estímulos como
incentivos financeiros por parte do governo, bem como doação de
mudas de árvores, pois acreditam que sem um trabalho de remuneração
não há viabilidade econômica. Os autores ressaltaram ainda que, embora
esses produtores afirmassem conhecer pelo menos um aspecto da
legislação incidente sobre as propriedades rurais, não souberam ou não
se lembraram de nenhuma lei.
Na linha 180, quando questionados sobre conhecimento e
importância acerca da APP e da RL, os agricultores em sua maioria além
de dizer que conheciam esses termos e que também tinham consciência
de sua importância no contexto da propriedade rural, relataram que
sofreram forte cobrança por parte dos órgãos ambientais competentes
em tempos relativamente recentes para realizarem o reflorestamento da
bacia do rio que abastece a cidade (Bacia do Rio D’Alincourt), que na
época do ocorrido, passava por racionamento de água. Segundo os

Soeitxawe
354 Josiane Keffer; Karoline Mendes & Jizeli Monteiro

entrevistados, as exigências foram feitas sob pressão e sem nenhuma


assistência técnica sequer, relataram ainda que tiveram que arcar com
todos os custos, mesmo sem terem condições financeiras, para isolar as
áreas através da construção de cercas, além de comprar as mudas para a
recomposição vegetal de suas áreas. De acordo com os relatos, muitos
desses agricultores adquiriram dívidas por conta desse fato e, depois de
todo esse alvoroço, tudo foi esquecido e as mudas plantadas em sua
grande maioria morreram, uma vez que não realizaram
acompanhamento, e nada mais foi feito.
A tentativa de transferir aos agricultores todos os custos da proteção
ambiental pode parecer barata para o restante da sociedade, no entanto é
ineficaz (SANTANNA et al., 2012). Uma política ambiental eficiente
deve combinar controles e incentivos, incentivos esses que devem ir
muito além de impostos e subsídios (CUNHA, 2005).
Também foi muito relatado sobre o não pagamento ou indenização
pela área produtiva que foi ou será perdida com o reflorestamento
conforme relato de um dos entrevistados:

“Agora adipois que umas leis quiandarofalano quem tinha uma reserva de
mato eles iam pagá né, mais nunca esse dinhero num chega na nossa mão,
fica por aí mesmo, por meio de avião, vijano de avião nunca chego na nossa
mão não. Tamém sô cronta isso aí, que se eles quisesse ocupá por exemplo
aquela área minha ali, eles tinha que pagá, porque o terreno foi comprado, foi
doado pelo INCRA mas eu paguei o valô que eles pediro, eu tenho os
documento daqui da terra, tenho o título definitivo, é minha, e to aqui a
quase quarenta ano, e proquequi vai pegá uma área minha, vai ocupá uma
área que é minha e um me dá nenhum centavo (...) até gente de umarquero de
terra aí nessa linha aqui mandaro floresta a metade porque pego um avo,
mandaro floresta, isso aí eu sô contra, porque aí onde nós temos fazenda di
cinco seis mil arquero tudo dirrubado prantado pasto, qui nem te esses grande
deputado i senadô, tudo tem fazenda grande por aí, i eles num manda
ninguém floresta, só vem em cima do pequeno agricutô, isso eu sô cronta,
nunca existiu isso, ta existindo agora duns tempo desse pra cá, mas no meu
tempo, eu já tenho 85 ano de idade nunca vi esse tipo de lei, essa leis florestal
é com o governo de estado, todo governo de estado tinha qui deixar sua
reserva, todo estado né, que num pudiadebravá tudo, e agora não eles tão em
cima do chacrero dum arquero, otosqui tem só dois arqueroqui nem dá pra ele
sobrevivê, até fazê uma hortinha aí pra vendê na feira eles tão mandando

Soeitxawe
Pequenos agricultores e o Código Florestal 355

reflorestá, obrigado, perdeu o valor do terreno, num paga nada pro


proprietário inda deixa de produzi. Isso aí eu sô muito cronta.”

Segundo este entrevistado, é o pequeno agricultor que abastece a


cidade, é por meio da produção dessas pequenas propriedades que a
cidade sobrevive, e o que é produzido nas grandes fazendas não fica na
região afirma, a produção em sua maioria é exportada para outros
centros urbanos, ou até mesmo para o exterior e, por esse motivo, o
entrevistado defende que os agricultores familiares deveriam receber
mais atenção por parte do governo e dos programas de incentivo para
esta classe de trabalhadores. Esse entrevistado defende ainda que, a área
de fato, em hectares de uma pequena propriedade é tão pequena, em
torno de um a cinco hectares nos locais estudados, que o pequeno
agricultor fica sem condições de produzir a mesma quantidade de
produtos que produzia antes de ter que isolar um pedaço de sua terra
para composição de APP. Neste sentido, defende a ideia de que por este
motivo, os pequenos agricultores deveriam receber um incentivo
financeiro por parte do governo, mensalmente, para ajudar na
subsistência de sua família, já que com o que lhe sobrou de terra ficaria
praticamente impossível conseguir se manter, devido à baixa produção.
Em estudo realizado por Godoy et al. (2009), outro fator
diagnosticado é em relação ao tamanho das propriedades rurais
familiares, que varia de dois hectares a vinte hectares. Os autores dizem
que, se fosse verificar todas as incidências legais exigidas nas
propriedades, a produção se tornaria inviável, pois a área que poderia ser
utilizada para a produção agrícola/pecuária seria insignificante, não
garantindo uma renda mínima para essa família, consequentemente não
propiciaria o desenvolvimento sustentável que tanto se busca atualmente.
Nas linhas 188 e 184 os entrevistados, embora soubessem da
importância de reflorestar as áreas degradadas e preservar as áreas de
florestas nativas, na maioria das vezes só realizavam tais atos para
legalizar suas propriedades, com vistas à terem acesso aos empréstimos
em bancos, venda de gado ou realização de atividades nas propriedades
que exigiam a regularização da documentação dos imóveis. Ou seja, se
viam "obrigados" a recuperar e preservar os remanescentes florestais

Soeitxawe
356 Josiane Keffer; Karoline Mendes & Jizeli Monteiro

para que pudessem ter acesso aos "benefícios" oferecidos por parte dos
órgãos governamentais.

Considerações finais

Mesmo não conhecendo os termos e as exigências normativas que


constam no Código Florestal Brasileiro, o pequeno agricultor tem
consciência da existência da lei, e entende a importância de se preservar
o meio ambiente, no entanto eles se sentem muitas das vezes esquecidos
e ignorados perante os órgãos fiscalizadores e assistencialistas.
Por ter convívio e contato direto com as florestas, rios, lagos e fauna
silvestre, eles entendem a importância desses meios e tem profundo
respeito por eles, no entanto, defendem que precisam sobreviver,
plantar, colher e assim garantir o sustento de suas famílias. Alegam que
não é o pequeno agricultor o responsável pelo desmatamento e sim os
grandes fazendeiros.
Os agricultores têm profunda ligação e respeito pela natureza
independente de leis e, mesmo sob dificuldades eles respeitam a
legislação e, ainda defendem o fato de que a agricultura familiar deveria
receber maiores incentivos e atenção, uma vez que é ela que garante a
comida na mesa dos brasileiros.

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Soeitxawe
Pequenos agricultores e o Código Florestal 357

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Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco, 2012.

Soeitxawe
Os Zoró e a identidade étnica

Maria Conceição de Lacerda1

Resumo: O mundo humano se constrói a todos os níveis sobre uma infinidade


de ficções sociais. Sem estes autoenganos coletivos a fundação de uma comuni-
dade seria impossível. Ou seja, não é apesar, mas graças às ficções sociais que a
realidade é possível. A realidade e a ficção são consubstanciais. Estamos dentro
de uma evolução permanente e nela a identidade não possui um conteúdo pró-
prio, mas é o resultado do movimento de identificação. Trabalhando sobre a
noção de tempo e espaço Zoró, o mene dere expressão que quer dizer tempo e o
arartigi mene, mene e o karália são formas que os Zoró usam para explicar o
tempo e o espaço tradicional. A identidade indígena do povo Zoró constrói e se
reelabora na relação com o aratigi mene pane, com o mene dere e com o aratigi
mene, mene. Trabalho com a noção de tempo cósmico e ficcional, representação
do passado histórico e o mundo do narrador, ou seja, a noção de identidade
narrativa de Ricoeur. Com relação à análise das representações da identidade em
suas formas simbólicas Moscovice, Sahlins e Ricoeur foram explorados e nesta
análise aparece a noção de representação, a noção de narrativa.
Palavras-chave: Etnicidade; identidade étnica; noção de tempo; ficções sociais.

Etnicidade e Contexto Histórico

“Juli2 é nossa carteira de identidade” (Miguel Zan Zoró)


1Doutora em Antropologia na Universidade de Salamanca - ES (2006/2014).
Bacharelado e Licenciatura em História pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1997). Trabalha como Assistente Pedagógico no Athenas Grupo
Educacional com as Faculdades: FAP, FAMETA; UNIJIPA, FSP e FAPAN, e é
professora no Magistério Intercultural Tupi Mondé.
2 JULI, tatuagem facial elaborada geometricamente para marcar a passagem da

adolescência para a idade adulta das pessoas pertencentes à etnia Zoró.

Soeitxawe
360 Maria Conceição Lacerda

Os textos etnográficos são escritos dentro de um contexto histórico.


Escrever sobre os Zoró remete às diversas ocupações da Amazônia bra-
sileira. Como a ocupação de território da região amazônica ocorreu lenta
e gradativamente, podemos falar de uma ocupação que se deu em busca
de recursos naturais que se vendiam nos mercados internacionais para a
produção agropecuária e se intensificou durante o século XIX, acompa-
nhado de uma destruição da floresta e uma crescente ocupação efetiva
deste território pouco conhecido e difícil de habitar. Em sequência, fins
do século XIX e inicio do século XX, no chamado boom da borracha,
essa ocupação se intensificou de maneira mais violenta acuando os povos
indígenas para as regiões de fronteira e foi penetrando essa região uma
massa de população não indígena. (Corrêa 1987 p. 57).
No século XX, a abertura de novos espaços produtivos na Amazônia
representava a materialização do slogan "uma terra sem homens [a Amazô-
nia] para homens sem terra [do Nordeste]". Milhares de migrantes foram atraí-
dos para a região, não só na perspectiva de ganharem terras nos polígo-
nos de colonização, mas também interessados em trabalhar nos grandes
empreendimentos amazônicos, financiados ou incentivados pelo gover-
no federal (barragens de Tucuruí e Balbina, construção das estradas,
abertura das minas de Carajás, Pitinga etc.), ou simplesmente na busca de
fortuna com o garimpo como o de Serra Pelada (Bursztyn, 2010 e Le
Tourneau, 2010).
A segunda metade do século XX testemunhou uma rápida aceleração
da penetração ocidental rumo ao sudoeste amazônico (Davidson, 1977;
Meireles, 1984; Becker, 1987; Coy, 1987; Coimbra, 1989; Santos, 1991).
Os esforços que visavam à ocupação e integração definitiva da região ao
contexto da sociedade nacional brasileira começaram na década de 1960.
Os esforços pelo desenvolvimento resultaram na abertura de rodovias e
no estabelecimento de grandes projetos de colonização e mineração.
Essas foram às condições necessárias para o impulso do maior movi-
mento migratório já visto na história da Amazônia. A partir de 1970
a colonização dirigida à Amazônia contou com o lançamento do PIN -
Programa de Integração Nacional. Que ampliou a rede de migrações.
O programa pretendia aliviar as tensões sociais das demais regiões do
país assentando colonos. Segundo Perdigão e Bassegio o governo pre-
tendia assentar 100.000 famílias em 1971 até 1974. O PIN não contem-

Soeitxawe
Os Zoró e a identidade étnica 361

plou a realidade fundiária da região Amazônica no que se trata da ocupa-


ção tradicional. Programas anteriores tinham levado nordestinos a se
tornarem seringueiros, e antes dos seringais serem constituídos nesta
região já havia habitação de diversos povos indígenas. O SPI – Serviço
de Proteção ao Índio e a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, órgãos
do governo federal que foram criados para atuar com os povos indíge-
nas, não tinham força para intervir na ação do PIN e a Amazônia, sobre-
tudo a parte territorial que se tornou estado de Rondônia e o Mato
Grosso, foram ocupadas rápida e violentamente.
Além disso, a migração massiva trouxe sérios problemas no tocante
ao direito de posse da terra. O processo de colonização não foi bem
coordenado, de modo que, cerca da metade da década de 1970, aproxi-
madamente 80% das famílias que chegaram a Rondônia não tinham
titulo definitivo nos projetos (Mueller, 1980). A situação não melhorou
nos anos seguintes, quando o governo brasileiro foi incapaz de assentar a
vasta maioria dos migrantes na década de 1980. O rápido fluxo migrató-
rio aliado a ineficiência do setor público, levaram a grilagem das terras
públicas e a invasão das terras indígenas, que afetou diretamente aos
povos: Gavião, Paiter Suruí e Zoró (Moore, 1981; Meireles, 1984; Jun-
queira e Mindlin, 1987; Brunelli, 1989, 1990; Coimbra, 1989; Santos
1991).
Antes da ocupação dos colonos, a Amazônia já era de certa forma,
um palco de disputas de seu território. Inúmeros povos indígenas viven-
do itinerantes guerreavam entre si para ocupar os espaços neste imenso
território, como é o caso dos Povos indígenas Zoró, Arara do Beiradão,
Cinta Larga, Gavião e Paiter Suruí que disputam espaço onde hoje é a
região noroeste do Estado de Mato Grosso, fronteira com o estado de
Rondônia e os municípios de Ji-Paraná, Cacoal, Ministro Andreaza e
Espigão D’Oeste em Rondônia. Com a chegada dos colonos essa disputa
intensificou muito mais e com uma rapidez não conhecida pelos povos
que tradicionalmente disputavam-na.
Tratando especificamente da questão dos Zoró, e conforme se verifi-
cou, alguns Zoró dizem que, antigamente, seus ancestrais haviam erguido
suas malocas onde o Rio Roosevelt (Ikabepewa Xi) desemboca no rio Ji-
Paraná (Ii Wup Xi). Primeiro eles começaram se fixando no Rio Roose-
velt e a partir do Rio Aripuanã (Ambura Xi) guerreando principalmente

Soeitxawe
362 Maria Conceição Lacerda

contra os Arara, um grupo de cultivadores outrora muito numeroso que


ocuparam esta região. Eles se aproximaram gradativamente deste territó-
rio e começaram a habitá-lo por volta do século XX. O lugar onde hoje
está construída a Aldeia Escola Zarup’Wej foi um campo de guerra
onde os Zoró lutaram tomando para si parte deste território. Pintavam-
se de vermelho (urucum) quando partiam para a guerra. Por isso, o
nome Zarup Wej em língua Pangyjej significa muita gente vermelha e faz
alusão a como os próprios Zoró se denominavam.
Informações etnohistórias (o que dizem os historiadores Zoró, tais
como, Zawyt Wãwã, Luiz Maxianzap, Zaptig e Manoel) me fazem ver
que a identidade Pangዣjej que faz reconhecer os grupos Zoró não é uma
herança cujas origens se perdem na tradição. O conteúdo das informa-
ções por mim recebidas dos próprios Zoró me induzem a crer que não
existiam os Zoró antes do contato, pelo menos como povo, no sentido
da palavra, mas existiam grupos com alguns laços de solidariedade inter-
na e de sentimento de pertencimento, proximidade linguística e visão de
mundo aproximada. Esses pequenos grupos que compartilhavam suas
festas rituais e mantinham relações de casamento, no transcorrer da his-
tória enfrentaram situações parecidas e se juntaram para enfrentar o
grande inimigo: o contato oficial.
Zawyt Wãwã relatou em 1999 e em 2001 que, há muito tempo atrás,
seus ancestrais erguiam suas malocas nas imediações da embocadura do
rio Aripuanã, distribuídos em vários grupos locais. Contudo, mais recen-
temente, (penso que por volta do século XX) tinham se deslocado a
montante, abrindo caminho à força entre os Arara e outros povos agri-
cultores ali estabelecidos, acercando-se então aos poucos do território
que hoje ocupam. Este velho guerreiro recorda ainda de uma das bata-
lhas que ele participou, outros Zoró se lembram desta batalha porque
seus pais dela participaram. O movimento dos grupos Zoró ao sul veio a
cessar quando, por volta da década de 1930, estes se chocaram com gru-
pos Cinta-Larga e Paiter Suruí, bem mais numerosos.
Em meados do século XX, portanto, os Zoró ocupavam um territó-
rio contínuo que se estendia desde a margem direita do rio Roosevelt até
os córregos que formam o rio Madeirinha, tendo como confrontantes os
Cinta-Larga a leste, os Paiter Suruí ao sul, os Gavião a sudoeste e oeste e
os Arara a noroeste.

Soeitxawe
Os Zoró e a identidade étnica 363

Os Zoró formam um conjunto de grupos locais, de dimensões de-


mográficas variáveis e dotados de autonomia econômica, com relações
de guerras e alianças que oscilavam como pêndulo, tinham entre si vários
membros ligados por parentesco através das alianças de casamento e que
por isso conviviam na mesma maloca. Os Pangዣjej Tere eram os guerrei-
ros e os Zabeap Wej estrategistas, assim sendo, quando era necessário
fazer guerra os Pangșjej Tere consultavam os Zabeap Wej. Os Pangșj
Pewej e os Pangዣj Kirej eram consangüíneos dos Pangșjej Tere e tam-
bém eram guerreiros.
A partir dos anos 1960, todavia, a exploração mineral e o incentivo
oficial à colonização daquela região do Brasil, para fins de produção
agrícola e pastoril, cingiram os grupos Zoró ao triângulo formado pelos
rios Roosevelt e Branco (Almeida, 1966). A partir da cidade de Ji-Paraná
(então vila de Rondônia) seringueiros, caucheiros e garimpeiros lançaram
incursões contra aldeias Zoró situadas nas imediações do rio Branco, das
quais algumas foram totalmente dizimadas (Albuquerque, 1969a: 2-4, 7).
De um acampamento Zoró atacado em 1963 apenas uma menina sobre-
viveu, raptada pelo chefe dos seringueiros (Santos R. V., 1991: 51). Na
década de 90 ela reencontrou seus parentes Zoró, e passou a residir na
área Zoró.
Os grupos locais mencionados pelos Zoró eram: os Pangዣjej Teré
(Povo comedor de gente moqueada), os Pangዣj Pewej (povo da pele
escura), os Pangዣj Kirej (Povo da pele clara), os Zabeap Wej (Povo bom
e trabalhador), os Duwey (Povo do Urucum), os Majxħwej (Povo da
makaloba doce), os Jyjej (Povo Valente), os Ujkywej (Povo do Patoá), os
Pamakangዣj (povo do caldo) e os Iandarej (Povo da cabeceira do rio).
De acordo com Maldi (1994), o povo Zoró dividia-se em vários grupos
locais, de dimensões demográficas variáveis, dotados de autonomia polí-
tica e econômica e distribuídos em diferentes pontos do seu território,
mas unidos por laços de parentesco e obrigações rituais. Rescentemente
os Zoró me falaram de um outro grupo local o clã dos Djup ej que eram os
guerreiros mais bravos.
Segundo Denise Maldi, por volta da década de 1960, os Zoró com-
punham-se de dez grupos locais, distribuídos em dezesseis malocas, e
uma população de quase mil pessoas. A antropóloga, para a perícia que
realizou na área Zoró em 1992, conduziu um extenso inventário dos

Soeitxawe
364 Maria Conceição Lacerda

aldeamentos e seus deslocamentos no interior do território, para isso


entrevistou pessoas que aparentavam cinquenta anos ou mais, a que
denominou: “informantes mais velhos”, a antropóloga Denise Maldi (1974,
1992) identificou 47 antigas aldeias, dentre os diversos grupos locais, por
todo o território Zoró (Maldi, 1992).
Havia uma relação de identidade entre os diversos grupos dos Zoró.
Materiais arqueológicos confirmam que com a demarcação, parte impor-
tante do território tradicional do Povo Zoró ficou fora e, diversos clãs
foram prejudicados com a demarcação. Esses clãs eram habitantes das
terras que foram invadidas pelos fazendeiros.
Com a demarcação da Terra novos problemas e desafios surgiram.
No caso dos Zoró um dos problemas foi gerado, antes mesmo da
demarcação, quando nos primeiros contatos com esse povo a FUNAI
através dos sertanistas e chefes de postos, para atender a demanda da
saúde, concentrou todo o povo Zoró na aldeia Central (Bubyrej) no
posto de apoio instalado ali. As pessoas dos diversos grupos locais que
culturalmente não morariam juntos foram morar, pois os Chefes de
posto e os sertanistas os traziam para prestar-lhes assistência médica
e, ali eles encontravam certa proteção e acesso a outras coisas. Impos-
ta à vida sedentária fez com que os Zoró deixassem de se deslocar
pelo território. Como consequência houve a invasão de muitas outras
fazendas e, inclusive, invasão do próprio território onde a FUNAI
concentrou os Zoró.
Aos poucos, o número de pessoas foi crescendo e o aumento de
atividades de caça e pesca, coleta e plantio nos arredores da aldeia
Central contribuíram para a diminuição das espécies animais e vege-
tais, tão importantes para seu modo de vida. Anos depois, preocupa-
dos com tais mudanças e, sobretudo com a invasão das terras onde
seguiam habitando, as lideranças do povo Zoró, articuladas em torno
do grande líder Zawyt Wãwã, retomaram esta parte do seu território
que foi demarcada e começaram a construir pequenas aldeias por
grupos locais e clãs, o grupo local que não podia construir sua própria
aldeia juntou-se a outro grupo. Paralelo à retomada das aldeias come-
çaram a desenvolver projetos de uso sustentável dos recursos mais
usados, com possibilidade de mercado, devido ao contato e as rela-
ções comerciais constituídas com a sociedade envolvente. A primeira

Soeitxawe
Os Zoró e a identidade étnica 365

aldeia construída em função da retomada foi a Zawã Kej (barreira) e o


Zawijaj desta aldeia é um Pangዣjej Tere o Zawijaj Maxianzap Zoró.
Numa reunião da APIZ eu pude perceber uma especificidade na
questão da identidade dos grupos Zoró. Quando discutiam sobre a gin-
cana que iria acontecer entre as escolas das aldeias Zoró e a representan-
te da FUNAI, Lígia Neiva sugeria que se repetisse o tema da gincana de
1999, 2ª gincana realizada entre os Zoró e o tema tinha sido Me Ikini Má
(Vamos olhar para nós). Depois de um primeiro sim coletivo e palmas
aprovando o tema, um dos Zawijaj se levantou dizendo que me ikini má
não quer dizer “vamos olhar para nós”, mas pan supup ikini má é que quer
dizer “vamos olhar para nós”. Outro Zawijaj de outro subgrupo afirmou
que “vamos olhar para nós” seria pali paikini tea; outro negava todas as
falas anteriores dizendo que é pali pambanej ikinia ao ponto que termina-
ram a reunião, sem definir o tema que se usaria para a Gincana, e alguns
dos professores ficaram encarregados de confirmar a frase. Porque o Me
ikini má passou a ser traduzido como venham olhar para nós. Alguns dias
depois estava decidido e o tema da gincana estava pronto: Gincana Cul-
tural do Povo Zoró Pali Pajkinia, Prêmio Cultura Indígena Chicão
Xucuru -2008.
As diferentes formas de dizer “vamos olhar para nós” remete à questão
da identidade étnica, pois está relacionada com os grupos locais que ago-
ra estão em todas as aldeias, mas que a pouco mais de 30 anos atrás,
viviam isolados em aldeias específicas e que apesar da política de casa-
mentos e dos rituais comuns, bem como da união para vencer a guerra
contra os Paiter Suruí e outros grupos inimigos, a identidade de cada
grupo local, me parece, incluía a forma de se expressar através da fala ao
ponto que poderíamos falar de dialetos da língua Pangዣjej. Ou formas
autônomas de falar o Pangዣjej.
A unidade local de cada grupo é a maloca Zap Tere, uma grande casa
coletiva que os Zoró conhecem como primeiro espaço de sobrevivência.
Mas, nesta casa habitam outros membros que se ligaram por aliança de
acordo com as regras de casamento e relações de parentesco. A casa
(Zap ka) era a unidade mais importante por ser a única economicamente
viável a médio prazo, e a única capaz de assegurar uma proteção contra o
inimigo, se por acaso viesse a atacar. A casa constituía também a base

Soeitxawe
366 Maria Conceição Lacerda

para a identificação dos membros, inspirava sentimentos de pertencer ao


grupo e unia os laços de solidariedade e reciprocidade.
O grupo local está ligado por parentesco em quase todos os casos,
mas no caso dos Zabeap Wej e os Pangዣjej Tere, está formado de con-
sangüíneos que se reúnem ao redor de um poderoso guerreiro de prestí-
gio. Encontram-se os que se unem politicamente a eles, podem incluir
outros que desejam associar-se a eles ou que largando seu clã de origem
passaram a viver com eles, mesmo que acolhidos como hóspedes podem
ser integrados ao grupo.
A concepção de grupo étnico, definida por Barth (1998) como sendo
uma forma de organização social, caracteriza-se pela auto-atribuição e
atribuição por outros. Neste caso, Barth segue um pensamento crítico no
que concerne ao conceito de grupo étnico, pois não concorda em perce-
bê-lo como unidade portadora de cultura, mas sim como tipo organiza-
cional. Essa ideia já é relida da formulação de Max Weber (1994), pois
este conceitua os grupos étnicos como comunidades organizadas que se
fundamentam no sentimento subjetivo de uma origem comum. Esse
sentimento seria a base para uma ação coletiva. Esta concepção abre um
caminho para que se pense na dimensão política da mobilização da etni-
cidade, nos ajudando a entender a organização atual dos grupos indíge-
nas.
Entretanto, esse conceito que foi muito utilizado por antropólogos na
identificação e produção de grupos étnicos não dar conta da complexi-
dade que é a realidade desses grupos indígenas, visto que são grupos
sociais bastante heterogêneos. Um exemplo é o artigo de Renato Athias,
parte do amplo conhecimento do autor sobre a área indígena Pankararu
para investigar as relações entre corpo, fertilidade e práticas reprodutivas.
Athias aponta a necessidade de as políticas de saúde incorporar os co-
nhecimentos e as realidades específicas da saúde reprodutiva das comu-
nidades indígenas.
A agregação da identidade na cultura não impede a analise conceitual
de forma que, ao defrontar com as situações de mudança de cultura verão
que não ocorreu a rigor a mudança identitária. O fato de a mudança cul-
tural não levar à mudança identitária (Cardoso de Oliveira), não quer
dizer que a dimensão da cultura deixe de desempenhar um papel a ser
avaliado pela investigação etnográfica, não apenas na dimensão dos valo-

Soeitxawe
Os Zoró e a identidade étnica 367

res e das concepções do nós frente aos outros, mas do processo cultural
desencadeado que pode culminar na mudança ou perda de identidade.

Mediações da Identidade Étnica

Os Zoró foram o último povo Tupi Mondé a se aproximar das frentes


regionais: em 1977 eles saíram ao encontro de peões da fazenda Casta-
nhal, às margens do rio Branco, afluente do Roosevelt. Depois, em
outubro daquele ano, uma expedição da FUNAI, auxiliada por índios
Gavião, Cinta Larga e Paiter Suruí, foi contatá-los na sede da fazenda e
montaram posto da FUNAI na aldeia Bubyrej (central) (Gambini,
1984b).
As novas relações constituídas a partir do posto resultaram em trans-
formações que a forma de organização social dos Zoró sofreu através do
contato com a sociedade nacional, bem como incursionou pela noção de
pessoa e a cosmologia, as restrições alimentares, as práticas de Xamanis-
mos a as terapêuticas e a farmacopéia e outras questões pertinentes às
questões etnohistóricas, das guerras e migrações pondo em questão a
identidade dos grupos Zoró.
Fundamentada em Barth e Cardoso de Oliveira, parto da definição de
grupo étnico como uma forma de organização social, que expressa uma
identidade diferencial nas relações com outros grupos e com a sociedade
mais ampla. A identidade étnica é utilizada como forma de estabelecer os
limites do grupo e de reforçar sua solidariedade. Agora, se as categorias
étnicas tomam as diferenças culturais em consideração, não é a soma das
diferenças culturais objetivas que determinam o conteúdo da identida-
de étnica, mas aquelas que os atores consideram significativas, que são
realçadas e tornadas organizacionalmente relevantes. Certos elementos
culturais são utilizados pelos atores como sinais emblemáticos da dife-
rença.
A questão referente à origem é recuperada da contribuição weberiana
sobre os grupos étnicos. Em Economia e sociedade, Weber consagra um
capítulo à discussão das relações comunitárias étnicas, definindo o grupo
étnico como “grupos que alimentam uma crença subjetiva em uma
comunidade de origem, fundada (...) nas lembranças da colonização ou

Soeitxawe
368 Maria Conceição Lacerda

da imigração, de modo que esta crença torna-se importante para a


propagação da comunalização, pouco importando que uma comunidade
de sangue exista ou não objetivamente (Weber, 1971. p.416, citado por
Poutignat e Streiff-Fenart, 1998, p.37).” De acordo com Weber, a crença
subjetiva na origem comum constitui um laço característico da
etnicidade. Atualmente os Zoró têm dado importância significativa aos
grupos locais ou clãs, esta ênfase aos grupos locais dos Zoró caracteriza
este laço de etnicidade.
A contribuição fundamental de Martín Barbero para a perspectiva da
recepção está em propor que se desloque o eixo da reflexão dos meios
para as mediações. Esta proposta é articulada a um outro deslocamento,
que implica tomar a cultura como espaço de reflexão para a
comunicação. A cultura é concebida como lugar de articulação dos
conflitos sociais, de construção da hegemonia. Martín Barbero retoma o
conceito gramsciano de hegemonia, que permite visualizar o processo de
dominação social “já não como uma imposição a partir de um exterior e
sem sujeitos, mas como um processo no qual uma classe hegemoniza, na
medida em que representa interesses que também reconhecem de alguma
maneira como seus as classes subalternas (Martín Barbero, 1997, p.104).”
Fundamentada em Barth defino grupo étnico como uma forma de
organização social, que expressa uma identidade diferencial nas relações
com outros grupos e com a sociedade mais ampla. Como especifica o
autor, os grupos étnicos são vistos como uma forma de organização
social. Então, um traço fundamental torna-se [...] “a característica da
auto-atribuição ou da atribuição por outros a uma categoria étnica.”
(Barth, 1998, p.193-194).

O Tempo, o Espaço e a Identidade Étnica.

O espaço e o tempo são campos semânticos em que continuamente


sustenta a nossa metaforização mútua. O mesmo relógio já é uma repre-
sentação do tempo através de uma analogia espacial. No que diz Fer-
nàndez de Rota y Monter. Essas tarefas estão fazendo o caráter metafó-
rico de forma contínua, sem perceber, tornaram-se metáforas mortas
para nós. Espaço e tempo estão muito próximos coimplicados no nível

Soeitxawe
Os Zoró e a identidade étnica 369

ontológico e existencial. A realidade de nossas vidas é o tempo. A drama-


ticidade do tempo que vem com o devir, não as coisas que acontecem,
nós somos os que experimentamos. (Fernàndez Rota y Monter, 1994).
Para os Zoró o tempo é importante e ele está ligado ao espaço, cada
espaço tem seu tempo e cada tempo seu espaço. O tempo de fazer roça, o
tempo de plantar, o tempo de esperar a planta crescer e produzir, o tem-
po ritual, o tempo comum do cotidiano e o tempo da história. Na narra-
tiva Zoró o mene dere, o aratigi mene, mene e o Karália são formas
articuladas de explicar o tempo.
O mene dere é o tempo. Esse termo pode estar ligado ao tempo
cósmico e ao tempo espiritual, porque mene dere quer dizer tempo. O
aratigi mene, mene é o tempo do passado. Tempo em que o macaco
cantava xi, xi pala la, xi xi pala la, tempo do mito, tempo da origem do
mundo e das pessoas, tempo dos espíritos, tempo do Criador e da origem
da criação. Tempo em que ocorreram fatos importantes da história como
o tempo dos guerreiros, tempo dos antepassados. Karália quer dizer me
dá um tempo; espera. E é usado cotidianamente, quando alguém chama
e o outro não pode ir naquele momento, ou se no caminho precisa parar
ou não consegue acompanhar o passo do outro. Essa é uma forma de
lidar com o tempo.
Para entender o tempo e espaço no conceito Zoró é preciso respeitar
o tempo o tempo do espírito. Na festa do Gujãnej precisa o tempo para
fazer os ritos, porque o espírito do Gujãnej não pode dançar de dia, es-
pera-se a noite; para não ocorrer nenhum mal a mulher tem que esperar
na maloca. É preciso esperar o amanhecer (mangere) para as bênçãos com
os jacarés e o meio dia (padara gat sa) para viajar até a aldeia do espírito
Gujãnej.
Como no Gujãnej os outros rituais também exigem um tempo, tempo
de esperar e tempo de fazer, como sempre se fez no decorrer do tempo.
Aratigi mene pane, é história é antiga, faz muito tempo que tudo isso
ocorreu. É preciso lembrar o tempo de antigamente e perceber que
quando a bixuga puxit, ou seja, o cajá floresce é tempo de esperar a chu-
va. Mene dere aratigi é o faz tempo que aconteceu e também diz respei-
to ao longo do tempo da história e dos mitos.
De acordo com a teoria da relatividade de Einstein, espaço e tempo
estão interligados. Em velocidades próximas à da luz, a massa de um

Soeitxawe
370 Maria Conceição Lacerda

corpo aumenta de forma perceptível, o espaço se contrai e o tempo pas-


sa mais devagar. O tempo está, de fato, indissoluvelmente interligado ao
espaço. Tempo-espaço é o binômio concedido a cada criatura para o seu
desenvolvimento.
Os Zoró também falam do tempo cíclico para explicar a relação es-
paço-tempo, o gawu mi (verão) ou tempo da estiagem e o Zuj mi te
(inverno) ou tempo das águas. E afirmam que quando bixuga xi wá (a
cajazeira toma água do rio) o inverno foi muito bom. Explicando que no
ciclo das águas pode haver chuva abundante que provoca as cheias dos
rios e é garantia de boa produção agrícola, por isso, inverno bom. Mas
quando a cajazeira não é tocada pela enchente do rio a chuva foi pouca e
a produção não será tão boa. O tempo das chuvas e o espaço ocupado
pela cheia (bixuga xi wá) água que chega até o pé de cajá é que define o
bom tempo para o espaço tradicionalmente escolhido para fazer as roças,
porque não se faz a roça às margens do rio. Novamente espaço e tempo
relacionados e integrados. Por outro lado, temos os sinais visíveis, mais
complexos, do tempo histórico propriamente dito, as marcas visíveis da
atividade criadora do ser humano, as marcas impressas por sua mão e
por seu espírito.
Já Ricoeur ancora sua reflexão de que no tempo cósmico e ficcional
se encontra a função de representação do passado histórico e os efeitos do
encontro entre o mundo do texto e o mundo do leitor. No caso aqui tra-
tado pode-se dizer que entre o mundo da narrativa, o mundo do ouvinte e
o mundo do narrador, as interpenetrações da história e da ficção pela
ficcionalização da história e historicização da ficção, introduzem a noção
de identidade narrativa. No caso dos Zoró o Aratigi mene pané é a narra-
tiva do passado.

Considerações Finais

Do que foi exposto podemos concluir que a identidade cultural é um


fenômeno social em movimento e o limite sempre provisório de sua
evolução é colocado unicamente pelo contexto social e o peso da história.
Ao invés de uma absorção de uma cultura pela outra, a aculturação é um
processo de evolução mútua para os autóctones e estrangeiros. O mundo

Soeitxawe
Os Zoró e a identidade étnica 371

humano se constrói a todos os níveis sobre uma infinidade de ficções


sociais. Sem estes autoenganos coletivos a fundação de uma comunidade
seria impossível.
Trabalhando sobre a noção de tempo e espaço Zoró, digo que o me-
ne dere expressão que quer dizer tempo e o arartigi mene, mene e o
karália são formas articuladas de explicar o tempo e o espaço tradicio-
nal. O tempo e o espaço estão interligados entre si e com a natureza con-
forme o exemplo da Bixuga puxit e a chegada da chuva. No espaço da
floresta se pode perceber o tempo da chegada da chuva porque o cajazei-
ro floresce. Se for verão gawu mi ou tempo da estiagem e as árvores de
cajazeiro começam a florescer sabe-se que em breve iniciará o Zuj mi te
ou tempo das águas. O mene dere é o tempo de esperar, tempo esse
ligado aos rituais, muito importante nos rituais o respeito ao tempo.
Tudo a seu tempo e em seu espaço determinado. É a regra, é preciso
respeitar o tempo, saber esperar e saber fazer e agir na hora exata, no
tempo certo. O aratigi mene, mene tempo da história é também o tempo
da narrativa onde se articula na oralidade o entendimento do tempo, do
espaço, dos fatos e acontecimentos e das coisas. Aratigi mene pane. A
identidade indígena do povo Zoró constrói e se reelabora na relação com
o aratigi mene pane, com o mene dere e com o aratigi mene, mene.

Referências

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Identidade, Diversidade e Conflito, organizador Renato Athias.
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amérindiennes au Québec. 16 (2-3), p. 152-156, 1986.
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85/86. São Paulo: CEDI, p. 299-301, 1987.

Soeitxawe
372 Maria Conceição Lacerda

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Vozes, 1997. p. 85 -107.
LACERDA, Maria Conceição de. “Me Ikini Má" (Vamos Olhar para
Nós): Partilha da experiência com educação indígena junto
ao Povo Zoró. In: Educação e Protagonismo Relatos e análises de
experiências do cotidiano escolar e de outros espaços formativos.
João Pessoa: Ideia Edições FAFICA/GPEC, 2002.
. Bekã Pamakube (lugar de aprender). Aprendendo com os
Zoró: análise da identidade indígena através da experiência
das escolas nas aldeias do povo indígena Zoró. Tese de
Doutorado, defendida no dia 22 de janeiro de 2014 na
Universidad de Salamanca, USAL.
MALDI, Denise. Laudo histórico-antropológico - Ação de Interdito
Proibitório. Processo 00.00.01295-05, 2a. Vara da Secção
Judiciária do Estado de Mato.
OLIVEIRA, Roberto C. de. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São
Paulo, ed. Pioneira, 1976.
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Tomo I. Trad. Constança Mar-
condes César. Campinas, SP: Papirus, 1994.
Summer Institute of Linguistics - SIL. 1976. Relatório de atividades do
Summer Institute of Linguistics - exercício de 1975. Brasília,
SIL.

Soeitxawe
Uso de Sistemas Agroflorestais em Rondônia – espécies
florestais, solos, aptidão agrícola

Marilia Locateli1
Eugênio Pacelli Martins2
Claudia Cleomar Araújo Ximenes Cerqueira3

Resumo: Esta pesquisa objetivou determinar a origem dos produtores, as


espécies utilizadas, determinar o crescimento das principais espécies quanto ao
aspecto econômico e as classes de solo que ocorrem em sistemas agroflorestais
utilizados por produtores agroecológicos em diferentes municípios do Estado
de Rondônia, e relacionar com a aptidão agrícola dessas áreas. Concluiu-se que
as espécies florestais de maior ocorrência nos sistemas agroflorestais estudados,
foram: bandarra/paricá, ipê, cerejeira e teca. Na maioria o café é o cultivo
principal. Grande diversidade de espécies nos sistemas pode causar um efeito
negativo devido à competição por água, luz e nutrientes entre as espécies. No
decorrer das análises feitas a partir da base de dados geográficos, foi possível


1 Ph.D. em Ciência do Solo - North Carolina State University (2000) -
reconhecido pela Universidade Federal de Viçosa (Brasil), como Doutorado em
Solos e Nutrição de Plantas, em 2007. Mestrado em Ciência Florestal pela
Universidade Federal de Viçosa (1984). Possui graduação em Engenharia
Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (1981). Pesquisadora da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, professora do
Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia. Membro do
LABICART.
2 Mestre em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Lavras (1996).
Graduado em Engenharia Florestal pela Universidade José do Rosário Vellano
(1985) Engenheiro Florestal do Governo do Estado de Rondônia e Professor da
Faculdade de Rondônia - FARO.
3 Mestre em Geografia e Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação
Universidade Federal de Rondônia, especialista em Administração Pública, em
Gestão Financeira e em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de
Pimenta Bueno - FAP. Professora de Ensino Superior. Membro do
LABICART. Membro da APECs-Brasil.

Soeitxawe
374 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

notar em sua maioria, que as propriedades estudadas estão alocadas sobre


Latossolos Vermelho Eutrófico, com aptidão agrícola baixa ou regular para
lavouras, com baixa aptidão para o uso de recursos tecnológicos.
Palavras-chave: Latossolos vermelho Eutrófico; Sistemas Agroflorestais.

Introdução

A economia agrícola possui elos com outros setores da cadeia


produtiva no sentido rural-urbano e agricultura-indústria, como o caso
do café. Em alguns casos são sistemas agroflorestais que dão certo, em
outros, há o extrativismo de forma ilegal que coloca em risco todo o
ecossistema. Prejudicando, não só a flora, a fauna como a vida humana
na Terra. Data vênia, este trabalho investigativo, com relevância
científica, contribui com o aprimoramento do desenvolvimento
socioeconômico local.
Esta pesquisa objetivou determinar a origem dos produtores, as
espécies utilizadas, determinar o crescimento das principais especíeis
quanto ao aspecto econômico e, quais são as classes de solo que ocorrem
em sistemas agroflorestais utilizados por produtores agroecológicos em
diferentes municípios do estado de Rondônia, e relacionar com a aptidão
agrícola.

Sistemas agroflorestais

Os sistemas agroflorestais envolvem combinações e manejo da terra,


nas quais plantas agrícolas em conjunto com espécies florestais ou
arbustos são associadas numa mesma área. (DUBOIS, 1996).
Apresentados como alternativa produtiva e sustentável os SAFs
caracterizam-se por proporcionar uma opção estratégica para os
pequenos produtores, devido a baixa demanda de insumos (fertilizantes,
agrotóxicos etc.), aproveitamentos intensivo da mão de obra familiar e
maior rendimento líquido por unidade de área em comparação com
sistemas convencionais de produção (PORRO, 2009).
Importantes para pequenos agricultores, os sistemas agroflorestais,
por representarem uma forma de produção mais sustentáveis e de menos

Soeitxawe
Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia 375

impactos negativos do que as pastagens (FEARNSIDE, 2009). No


Estado de Rondônia, encontra-se em quase todos os municípios algum
tipo de sistema agroflorestal, o mais comum são os quintais
agroflorestais, os quais serão apresentados por meio de pesquisas
posteriores. A priori este estudo apresenta os Sistemas Agroflorestais de
forma geral.

Material e métodos

Para análise da pesquisa foi utilizado o método hipotético-dedutivo, o


qual Spósito (2004) apresenta o método de hipóteses que podem ser
comprovadas ou refutadas de acordo com a ciência a qual ele utiliza. O
estudo é representativo para a sociedade científica tanto quanto para os
usuários diretos, como para os produtores rurais que poderão a partir dos
dados usufruírem para tomadas de decisões.
O levantamento foi realizado nos municípios de Ministro Andreazza,
Ouro Preto D’Oeste, Urupá, Vale do Paraíso, Nova União e Mirante da
Serra, localizados ao Leste do Estado de Rondônia, entre as coordenadas
61°30’00” a 62° 48’00”W e 10°29’00” a 11°06’00”S. A partir da capital do
Estado, Porto Velho, os seis municípios localizam-se em distâncias que
variam entre 270 a 367 km.
Foram visitados 20 produtores e, ao todo, analisados 24 sistemas
agroflorestais agroecológicos ou em fase de transição. As áreas visitadas
foram georeferenciadas, e utilizou-se a base de dados do Zoneamento
Ecológico e Econômico do estado de Rondônia. Foi elaborado o mapa de
classes de solos e de aptidão agrícola da área conforme metodologia de
Ramalho Filho e Beek (1995). Em todos os sistemas foram identificadas as
espécies florestais, e feita medições da altura comercial e DAP (diâmetro a
1,30 cm do solo) das principais espécies.

Resultados e discussão

A maior parte destes sistemas apresentam café como cultura principal,


e em sua maioria as espécies florestais não seguem um padrão de

Soeitxawe
376 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

espaçamento. Na Tabela 1 são apresentadas todas as espécies encontradas


nos sistemas observados, a frequência relativa de ocorrência, nome
comum, científico, família, bem como a utilização das mesmas.
Tendo em vista que os sistemas estudados tinham idade de 10 anos
ou mais após plantio, somente tivemos possibilidade de verificar as
espécies permanentes destes SAF. A espécie de maior ocorrência foi a
bandarra ou paricá, seguida de ipê, cerejeira e teca, sendo que a alta
ocorrência de paricá deve ser explicada pelo fato de a espécie ser de fácil
regeneração em áreas abertas.
A maioria das espécies tem uso madeireiro o que pode demonstrar
que estes agricultores utilizam o plantio das espécies perenes nos SAF
com o objetivo de após alguns anos utilizar as árvores como fonte de
renda. Na figura 1, são apresentados as medidas estatísticas referentes à
idade dos SAF.
A análise estatística referente à idade dos SAF observados revelou
que estes sistemas tem em média, bem como moda de 17 anos. O mais
antigo tem 39, e o mais novo 9 (nove) anos de idade, respectivamente.

Nome comum Nome científico Família Fr% Principais usos

Schizolobium parahyba
Bandarra ou Madeira,
var. amazonicum Caesalpiniaceae 24,63
Paricá reflorestamento
(Huber ex Ducke)

Madeira,
Ipê Tabebuia sp Bignoniaceae 12,31
paisagismo

Madeira,
Freijó Cordia goeldiana Hube. Boraginaceae 4,62
arborização

Madeira,
Cedro Cedrella fissilis Vell. Meliaceae 4,62
reflorestamento

Madeira,
Teca Tectona grandis L. f. Verbenaceae 10,77
reflorestamento

Soeitxawe
Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia 377

Hevea brasiliensis
Madeira,
Seringueira (Willd. ex Adr. de Euphorbiaceae 4,62
especiarias
Juss.) Muell-Arg.

Swietenia macrophylla
Mogno Meliaceae 1,53 Madeira
King

Madeira,
Castanheira-do- Bertholletia excelsa artesanato,
Lecythidaceae 6,15
Brasil Kunth. cosméticos,
alimentação.

Cerejeira Torresia acreana Ducke Fabaceae 10,77 Madeira,


paisagismo

Madeira,
Ingá Inga sp. Fabaceae 3,07
paisagismo.

Angico Anadenanthera Fabaceae 3,07 Madeira,


(B h ) fl
Peschiera fuchsiaefolia Madeira, carvão,
Leiteira Euphorbiaceae 1,53 arborização e
(A.DC.) Miers
reflorestamentos

Pequi Caryocar brasiliense Caryocaraceae 1,53 Madeira,


alimentação
Branquilho Sebastiania Lenha, carvão,
commersoniana (Bail.) Euphorbiaceae 4,62 reflorestamento
L. B. Sm. & Downs e arborização.

Madeira,
Cajazeiro Spondias lutea L. Anacardiaceae 1,53
alimentação

Sobrasil Colubrina glandulosa Madeira,


Perkins var. Reitzii Rhamnaceae 3,07 reflorestamento
(M.C. Johnston) e paisagismo.

Soeitxawe
378 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

Andiroba Madeira,
Carapa guianensis
Meliaceae 1,53 medicinal,
Aubl.
paisagismo e
reflorestamento.

FR= Frequência relativa (%)


Fig. 1: Espécies encontradas nos sistemas agroflorestais visitados, Rondônia, 2010

Convém destacar que os Sistemas Agroflorestais - SAF que se


encontravam improdutivos durante a realização desta pesquisa eram os mais
antigos, tendo em vista que muitos produtores não tem feito a devida
manutenção nos cafezais, bem como em muitos casos o espaçamento entre
as árvores é muito reduzido fazendo com que as mesmas prejudiquem a
produção do café. A figura 2 representa os dados coletado durante a
pesquisa e que demonstra o exposto.

Medidas estatísticas Idade dos SAF (anos)


Média 17
Mediana 16
Moda 17
Desvio Padrão 6
Mínimo 9
Máximo 39
Soma 381
N° de SAFs 24

Fig. 2: Medidas estatísticas referentes à idade dos SAF dos agricultores no estado de
Rondônia.

Os dados da Figura 3 mostram a origem dos agricultores entrevistados.


Verifica-se que a maioria deles é originária do Espírito Santo, Minas Gerais e
Paraná. Como o cultivo principal nestes sistemas é o café, demonstra-se

Soeitxawe
Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia 379

assim que os agricultores costumam cultivar o que eles já tinham maior


experiência em seus estados de origem. Em dados coletados por Menezes
(2008), quando da coleta de dados sobre SAF na microrregião de
Ariquemes, em Rondônia, encontrou-se que 70% dos agricultores migraram
do Paraná para este estado.

Fig. 3: Origem dos produtores visitados

O mapa de classes de solos dos municípios onde estão localizados os


sistemas é apresentado na Figura 4. Os solos dos municípios onde se
encontram as propriedades estudadas apresentaram os seguintes tipos de
Solo:

a) Latossolo Vermelho Eutrófico;


b) Cambissolo Háplico Alumínico;
c) Cambissolo Háplico Distrofico.

O Latossolo Vermelho Eutrófico: Solos com saturação por bases alta (V


• 50%) na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B (inclusive BA);

Soeitxawe
380 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

Cambissolo Háplico Alumínico: Solos com caráter alumínico na maior parte


dos primeiros 100 cm do horizonte B (inclusive BA); Cambissolo Háplico
Distrofico: Solos com argila de atividade baixa e baixa saturação por bases
(V < 50%) na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B (inclusive
BA) (EMBRAPA, 2006).

Fig. 4: Classes de Solos encontrados nas áreas com sistemas agroflorestais agroecológicos,
Rondônia, 2009.

No que se refere à aptidão agrícola (Figura 5) foram encontradas três


situações:

a) Terras pertencentes à classe de aptidão agrícola RESTRITA pa-


ra lavouras, no médio nível tecnológico - B e alto - C. INAPTA
para cultivos com lavouras em condições naturais das terras;
b) Terras pertencentes à classe de aptidão agrícola REGULAR pa-
ra lavouras, no médio nível tecnológico B e para cultivos com la-
vouras em condições naturais das terras, baixo nível tecnológico -
A e, RESTRITA no alto nível tecnológico - C. e

Soeitxawe
Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia 381

c) INAPTA para cultivos com lavouras em condições naturais das


terras, baixo nível tecnológico – A; REGULAR no médio nível
tecnológico – B; e aptidão agrícola BOA para lavouras, no alto ní-
vel tecnológico – C. Entretanto, pode-se perceber que mesmo
com todas as restrições os agricultores têm produzido por meio
dos sistemas utilizados e muitos deles com sucesso.

Fig. 5 – Mapa de aptidão agrícola das propriedades visitadas no levantamento. Rondônia,


2009

As principais espécies florestais encontradas nos sistemas agroflorestais


de potencial madeireiro e não madeireiro foram: bandarra ou paricá
(Schizolobium parahyba var. amazonicum (Huber ex Ducke)), ipê (Tabebuia sp),
freijó-louro (Cordia alliodora Hube), cedro (Cedrella odorata L), teca (Tectona
grandis L. f.), seringueira (Hevea brasiliensis), mogno (Swietenia macrophylla King),
castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa H.B.K.), cerejeira (Amburana cearensis
A.C. Sm.), ingá (Inga sp), angico (Anadenanthera macrocarpa), branquilho
(Sebastiania commersoniana), sobrasil (Peltophorum dubium), andiroba (Carapa
guianensis); espécies essas consideradas de boa aceitação no mercado nacional
e internacional.

Soeitxawe
382 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

A maior parte destes sistemas apresentam café como cultura principal.


As espécies florestais avaliadas apresentavam diferentes idades, e os
espaçamentos não apresentam um padrão regular, muitas vezes dificultando
o crescimento das espécies tendo em vista estarem plantadas muito
próximas umas das outras. Foram escolhidos os resultados das 3 espécies
florestais de maior interesse econômico na região (bandarra, teca e freijó)
para apresentação neste trabalho.
Os resultados de crescimento em altura e DAP da bandarra avaliados
estão apresentados na figura 6. É possível verificar que dos locais
amostrados quinze estavam localizados em Latossolo Vermelho Eutrófico, e
apenas um em Cambissolo Háplico Distrófico. As idades dos plantios
variaram de 09 a 39 anos. As alturas variaram de 8,7 a 21,6 m, e os DAP de
18,5 cm a 67,3 cm. Baseado em dados encontrados por Locatelli et. al. (2010)
em Latossolo Amarelo aos 21 anos com 25 m de altura e aos 14 anos com
23,8 m em Vale do Anari, podemos verificar que as informações verificadas
neste trabalho nestas mesmas idades são inferiores aos do autor citado.
No que se refere ao DAP os dados foram superiores aos encontrados
por Locatelli et. al. (2010) em outro tipo de solo (Latossolo Amarelo) com
36,0 cm aos 21 anos e em Argissolo Vermelho Amarelo com 37,4 cm aos 14
anos em Vale do Anari. Bianchetti et. al. (1998) estudando o
desenvolvimento da espécie em 13 áreas no estado de Rondônia,
encontraram DAP 48,4 cm aos 12 anos; 60 cm aos 15 anos; 65 cm aos 18
anos e 71 cm aos 21 anos dados esses que são superiores aos encontrados
neste trabalho entre as idades de 11 a 22 anos como mostra Tabela 1.
Podem-se justificar as diferenças entre os diâmetros, que os solos
avaliados neste trabalho têm uma boa fertilidade, porém os plantios foram
realizados em consórcio com café e entre outras espécies com espaçamento
inadequado, podendo assim a competição por luz e nutrientes ter
influenciado no desenvolvimento da espécie, enquanto que o DAP médio
encontrado por Bianchetti et. al. (1998) foi em vários tipos de solos e todos
em plantio homogêneos no Estado de Rondônia, o que difere do presente
trabalho.

Soeitxawe
Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia 383

Idade HC DAP
Municípios Tipo de solo
(anos) (m) (cm)
O. P. O. Latossolo Vermelho Eutrofico 39 9,6 30,9
M. A. Latossolo Vermelho Eutrofico 22 13,9 47,1
V.P. Latossolo Vermelho Eutrofico 20 9,9 67,3
M. S. Latossolo Vermelho Eutrofico 20 10,9 30,7
O. P. O. Latossolo Vermelho Eutrofico 19 14,7 6,6
O. P. O. Latossolo Vermelho Eutrofico 19 10,6 58,5
M. S. Latossolo Vermelho Eutrofico 17 20,2 21,4
M. S. Latossolo Vermelho Eutrofico 17 16,2 42,3
M. S. Latossolo Vermelho Eutrofico 17 16,3 18,5
M. S. Latossolo Vermelho Eutrofico 16 13,4 53,4
M. S. Latossolo Vermelho Eutrofico 14 21,6 50,2
N.U. Latossolo Vermelho Eutrofico 14 15,5 39,4
N.U. Latossolo Vermelho Eutrofico 13 16 28,2
N.U. Latossolo Vermelho Eutrofico 11 8,7 33
Cambissolo Haplico
O. P. O. 9 15,7 46,6
Distrofico

Onde HC= altura comercial, DAP= diâmetro a altura do peito, M.A – Ministro
Andreazza, N. U. – Nova União, O. P. O. – Ouro Preto D’Oeste e M. S. –
Mirante da Serra
Fig. 6: Dados de altura comercial e DAP da Bandarra ou Paricá em diferentes sistemas
agroflorestais avaliados, Rondônia, 2009.

Os resultados de crescimento em altura e DAP da Teca avaliados estão


apresentados na figura 7. É possível verificar que dos locais amostrados
todos estavam localizados em Latossolo Vermelho Eutrófico. A idade dos
plantios variou de 11 a 20 anos. As alturas variaram de 6,8 a 11,2 m, e os
DAP de 22,4 cm a 48,5 cm.
Baseado em dados encontrados por Souza (2007), em Latossolo
Vermelho Eutrofico aos 15 anos com 7,1 m de altura em Pimenta Bueno, e
aos 10 anos com 5,2 m em Ouro Preto D’Oeste (Latossolo Vermelho
Eutrofico), podemos verificar que as informações encontradas neste
trabalho entre as idades de 11 a 17 anos são superiores aos do autor citado.

Soeitxawe
384 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

No que se refere ao DAP os dados entre 16 e 17 e 11 e 12 anos foram


inferiores aos encontrados por Souza (2007), no mesmo tipo de solo
(Latossolo Vermelho Eutrofico) com 35 cm aos 15 anos em Pimenta
Bueno; com 32,2 cm aos 10 anos em Ouro Preto D’Oeste.

Municípios Tipo de solo Idade (anos) HC (m) DAP (cm)

V. P. Latossolo Vermelho Eutrofico 20 7,3 39,4


O. P. O. Latossolo Vermelho Eutrofico 19 8,8 34
V. P. Latossolo Vermelho Eutrofico 17 9,8 22,4
M . S. Latossolo Vermelho Eutrofico 17 9 48,5
U. Latossolo Vermelho Eutrofico 16 11,2 34,6
N.U. Latossolo Vermelho Eutrofico 12 6,8 40,7
N. U. Latossolo Vermelho Eutrofico 11 11 23,4
N. U. Latossolo Vermelho Eutrofico 11 7,5 29,9

Onde HC= altura comercial, DAP= diâmetro a altura do peito, U – Urupá; N.


U. – Nova União; O. P. O – Ouro Preto d’ Oeste; V. P. – Vale do Paraíso e M.
S. – Mirante da Serra.
Fig. 7: Dados de altura comercial e DAP da Teca em diferentes sistemas agroflorestais
avaliados, Rondônia, 2009

Os resultados de crescimento em altura e DAP do Freijó avaliados estão


apresentados na figura 8. É possível verificar que dos locais amostrados
todos estavam localizados em Latossolo Vermelho Eutrófico. A idade dos
plantios variou de 15 a 29 anos. As alturas variaram de 8,2 a 11,9 m, e os
DAP de 16,7 cm a 22,6 cm. Baseado em dados encontrados por Vieira
(2008) em Latossolo Vermelho escuro aos 13 anos com 16,6 m e em
Latossolo Vermelho Amarelo Distrófico com 23,5 m de altura em
Machadinho do Oeste.
Podemos verificar que apesar da diferença de idade as informações
verificadas neste trabalho com a idade de 15 anos e inferior aos do autor
citado. No que se referem ao DAP o dado obtido neste trabalho com idade
de 15 anos foi inferior aos encontrados por Vieira (2008) em outro tipo de

Soeitxawe
Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia 385

solo (Latossolo Vermelho Escuro) aos 13 anos e de 23,5 cm é em Latossolo


Vermelho Amarelo Distrofico e de 27,9 cm em Machadinho D’Oeste.

Municípios Tipo de solo Idade (anos) HC (m) DAP (cm)

V. P. Latossolo Vermelho Eutrofico 29 10,2 16,7


M. A. Latossolo Vermelho Eutrofico 22 8,2 20,3
M.S. Latossolo Vermelho Eutrofico 20 10,2 19,9
O.P.O. Latossolo Vermelho Eutrofico 19 11,9 18,4
O.P.O. Latossolo Vermelho Eutrofico 19 10,6 22,6
M.S. Latossolo Vermelho Eutrofico 17 9,7 25,5
M.S. Latossolo Vermelho Eutrofico 15 10,6 17,5

Onde HC= altura comercial, DAP= diâmetro a altura do peito, M. A. –


Ministro Andreazza; O. P. O. – Ouro Preto d’ Oeste; V. P. – Vale do Paraíso e
M. S. – Mirante da Serra.
Fig. 8: Dados de altura comercial e DAP do Freijó em diferentes sistemas agroflorestais
avaliados, Rondônia, 2009

Considerações finais

Todo o desenvolvimento da pesquisa foi sistematizado de forma que o


leitor compreenda a importância dos Sistemas Agroflorestasis (SAF). No
contexto, destacamos que os sistemas agroflorestais visitados tinham em
média 17 anos de idade. As espécies florestais de maior ocorrência nos
sistemas agroflorestais estudados, foram a saber: bandarra ou paricá, seguida
de ipê, cerejeira e teca. Na sua maioria o café é o cultivo principal.
A procedência dos agricultores visitados são, em sua maioria, dos estados
do Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná. Outros Estados brasileiros
figuram em menor número, no entanto, antes de migrarem para o Estado de
Rondônia passaram pelos Estados mencionados, com tempo estimado de
no mínimo entre três e cinco anos de permanência nos mesmos.
Grande diversidade de espécies nos sistemas pode causar um efeito
negativo devido à competição por água, luz e nutrientes entre as espécies.

Soeitxawe
386 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

No decorrer das análises feitas a partir da base de dados geográficos, foi


possível notar em sua maioria, as propriedades estudadas estão alocadas
sobre Latossolos Vermelho Eutrófico, com aptidão agrícola baixa ou regular
para lavouras, com baixa aptidão para o uso de recursos tecnológicos.
Mesmo com a baixa fertilidade encontrada na maioria destes solos, os
produtores tem obtido êxito nas lavouras com a utilização dos SAF, visto a
adubação orgânica das próprias espécies cultivadas, melhorando assim a
produtividade nas propriedades, sem a utilização de adubação química. No
entanto, apesar do nível de fertilidade do solo dos sistemas ser considerado
satisfatório para o bom desenvolvimento das espécies, o espaçamento
inadequado entre as espécies dificulta o crescimento.
A consorciação é uma das alternativas de reduzir a pressão sobre a
floresta e a produção de madeira sustentável, além de recuperar áreas
degradadas e desflorestadas possibilitando um rendimento econômico a
médio e longo prazo aos produtores.
Entre as espécies estudadas, a bandarra ou paricá (schizolobium parahyba
var. amazonicum (Huber ex Ducke)) pode-se destacar como a espécie
promissora para formação de sistemas agroflorestais por ser de importância
econômica, tendo apresentado o maior crescimento em altura e diâmetro em
todas as idades.

Referências

BIANCHETTI, A.; MARTINS, E. P.; ROSSI, L. M.; TEIXEIRA, C. A. D.;


GOMES, I. de M. Sistema de produção de bandarra (Schizolobium
amazonicum (Huber ex Ducke)) no Estado de Rondônia. Macapá:
Embrapa-CPAF-Amapá, 1998. 40p. (EMBRAPA-CPAF-Amapá,
Circular Técnica, 03).
DUBOIS, J. C. L; VIANA, V. M; ANDERSON, A. Manual agroflorestal
para a Amazônia. Rio de Janeiro; REBRAF, 1996. 228 p.
EMBRAPA, Sistema brasileiro de classificação de solos [editores
técnicos, Humberto Gonçalves dos Santos et al. – 2.ed. – Rio de
Janeiro: Embrapa Solos, 2006. 306p.

Soeitxawe
Uso de sistemas agroflorestais em Rondônia 387

FEARNSIDE, P. M. 2009. Degradação dos recursos naturais na Amazônia


brasileira: Implicações para o uso de sistemas agroflorestais. pp.
161-170 In: R. Porro (ed.) Alternativa Agroflorestal na Amazônia
em Transformação. World Agroforestry Centre (ICRAF &
EMBRAPA) Amazônia Oriental, Belém, Pará. 825 pp.
LOCATELLI, M.; VIEIRA, A. H.; MARCOLAN, A. L.; COSTA, A. B. da;
AUZIER Neto, J.; MARCANTE, P. H.; PEQUENO, P. L. de L.
Caracterização Biofísica de Sistemas Agroflorestais em Vale do Anari,
Rondônia, Brasil. In: Reunião Brasileira de Manejo e
Conservação do Solo e da Água, 18, 2010, Teresina. Novos
caminhos para a agricultura conservacionista no Brasil. Teresina:
Embrapa Meio-Norte: Universidade Federal do Piauí, 2010. 1 CD-
ROM.
MENEZES, S. F. M. Sistemas Agroflorestais e Fertilidade dos Solos: uma
Análise da Microrregião de Ariquemes, Rondônia. Porto Velho,
2008. 190f. Dissertação apresentada à Fundação Universidade
Federal de Rondônia para obtenção do título de Mestre em
Geografia.
PORRO, R. Expectativa e desafios para a adoção da Alternativa
Agroflorestal na Amazônia em transformação. pp. 33-52. In: R.
Porro (ed.) Alternativa Agroflorestal na Amazônia em
Transformação. World Agroforestry Centre (ICRAF &
EMBRAPA) Amazônia Oriental, Belém, Pará. 825 pp.
RAMALHO Filho, A.; BEEK, K. J. Sistema de Avaliação da Aptidão
Agrícola das Terras. 3 ed. Ver. - Rio de Janeiro: EMBRAPA-
CNPS, 1995. VIII + 65p.
SPOSITO, E. S. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do
pensamento geográfico. São Paulo: UNESP, 2004. 219p.
SOUZA, J. T. Estimativa de crescimento em diâmetro, altura, volume e
prognose de produção de Tectona grandis L. f. em áreas
reflorestadas no estado de Rondônia. 2007. 30 f. Bacharelado em
Engenharia Florestal, Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e
Letras de Rondônia (Trabalho de conclusão de curso).

Soeitxawe
388 Marilia Locateli; Eugênio Martins & Claudia Cerqueira

VIEIRA, J. F. Caracterização biofísica de sistemas agroflorestais em


Machadinho D'Oeste, Rondônia. 2008. 48 f. Bacharelado em
Engenharia Florestal, Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e
Letras de Rondônia, Porto Velho (Trabalho de conclusão de curso).

Soeitxawe
Associativismo Rural: Um estudo de caso de um laticínio no
município de Alta Floresta D’Oeste – Rondônia

Marlon Martinelli Roberto 1


Profª Drª Kachia Techio 2

Resumo: A demanda por produtos lácteos no Brasil cresceu a uma taxa anual
de 3% ao longo da última década. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), cada brasileiro consome, em média, 170 litros de
leite por ano. A principal característica da cadeia produtiva do leite no Brasil e a
sua importância no agronegócio nacional que, além de ser significativa, encon-
tram-se representantes dos segmentos de produção, industrialização e comercia-
lização de leite e derivados em todas as regiões do território nacional, os quais
desempenham papel relevante no suprimento de alimentos e na geração de
emprego e renda para a população. Em Rondônia, a modernização do setor se
inicia com a criação do Programa de Desenvolvimento da Pecuária Leiteira
(PROLEITE). O objetivo desse programa é a capacitação do produtor familiar e
da sua propriedade para o sistema intensivo de produção de leite a pasto, incen-
tivando o aproveitamento de pequenas áreas, alcançando em pouco tempo,
maior produtividade.
Palavras-chaves: agroindústria leiteira; cadeia produtiva; agronegócio; associa-
tivismo rural.

Justificativa

A pecuária leiteira é uma das atividades mais representativas em pe-


quenas propriedades, tanto economicamente como na utilização da mão
de obra da família.
De acordo com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SE-
NAR), para pequenas propriedades, o leite possui uma maior lucrativida-


1 Graduado em Administração. Faculdade São Paulo
2 Doutora em Antropologia, Docente na Faculdade São Paulo, Orientadora

Soeitxawe
390 Marlon Roberto & Kachia Techio

de em comparação a outras formas de exploração agrícola como o milho,


ou somente a recria e engorda de animais.
Em vista disso, a atividade leiteira apresenta-se como uma boa manei-
ra de diversificar a produção familiar rural. Para isso, se faz necessário
profissionalizar o produtor e o trabalhador rural no sistema de produção
de leite, abordando variáveis como eficiência das pastagens e rebanho.
Isso influencia na competitividade, produtividade e melhoria da qualida-
de do produto.
A cadeia produtiva do leite tem uma grande contribuição na geração
de empregos, renda e tributos, tanto para o pequeno agricultor quanto
para as indústrias de laticínios que se utilizam da matéria prima, o leite,
para fabricar seus derivados como queijos, iogurtes entre outros.

Objetivo geral

O artigo tem por objetivo descrever o histórico organizacional de um


pequeno laticínio fundado a partir de uma associação de produtores de
leite do município de Alta Floresta D’Oeste – RO.

Objetivo específico

Descrever o histórico organizacional


A estrutura administrativa
O processo de produção
Os produtos e mercados
A missão e a visão
A importância do associativismo para pequenos produtores rurais do
município

Metodologia

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elabo-


rado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Dentre

Soeitxawe
Associativismo Rural 391

suas vantagens e limitações está o fato de permitir ao investigador a co-


bertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna importante quan-
do o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. A
pesquisa bibliográfica é indispensável nos estudos históricos. A pesquisa
de campo foi realizada no próprio local, objeto de análise. Dentre suas
vantagens estão o conhecimento direto da realidade; economia e rapidez,
e à quantificação, os dados obtidos mediante levantamentos podem ser
agrupados em tabelas, possibilitando a sua análise estatística. Conforme
Lakatos (2006), método é a maneira sistêmica de ordenar diversos pro-
cessos para finalizar uma determinada tarefa. O presente artigo configu-
ra-se como um estudo de caso, que através dele possibilita-se a estrutura-
ção da pesquisa com embasamento teórico sendo explorado todo o le-
vantamento bibliográfico possibilitando melhor entendimento na análise
dos dados levantados dentro do objeto da pesquisa. A segunda fase dessa
pesquisa pautou-se em entrevistas com os associados que garantiram
maior abrangência sobre o assunto, conhecendo a fundo a história tanto
do laticínio quanto da associação.

Associativismo rural

O associativismo se constitui em alternativa necessária de viabilização


das atividades econômicas, possibilitando aos trabalhadores e pequenos
proprietários um caminho efetivo para participar do mercado em melho-
res condições de concorrência.
Com a cooperação formal entre sócios afins, a produção e comercia-
lização de bens e serviços podem ser muito mais rentáveis, tendo-se em
vista que a meta é construir uma estrutura coletiva das quais todos são
beneficiários. Os pequenos produtores, que normalmente apresentam as
mesmas dificuldades para obter um bom desempenho econômico, têm
na formação de associações um mecanismo que lhes garante melhor
desempenho para competir no mercado.
Segundo o Ministério da Agricultura Produção e Abastecimento
(MAPA), transformar a participação individual e familiar em participação
grupal e comunitária se apresenta como uma alavanca, um mecanismo

Soeitxawe
392 Marlon Roberto & Kachia Techio

que acrescenta capacidade produtiva e comercial a todos os associados,


colocando-os em melhor situação para viabilizar suas atividades. A troca
de experiências e a utilização de uma estrutura comum possibilitam-lhes
explorar o potencial de cada um e, consequentemente, conseguir maior
retorno financeiro por seu trabalho.
A união dos pequenos produtores em associações torna possível a
aquisição de insumos e equipamentos com menores preços e melhores
prazos de pagamento, como também o uso coletivo de tratores, colhei-
tadeiras, caminhões para transporte etc. Tais recursos, quando divididos
entre vários associados, tornam-se acessíveis e o produtor certamente sai
lucrando, pois reúne esforços em benefício comum, bem como o com-
partilhamento do custo da assistência técnica do agrônomo, do veteriná-
rio, de tecnologias e de capacitação profissional.

Objetivos do associativismo rural

Desenvolver um projeto coletivo de trabalho; defender os interesses


dos associados; produzir e comercializar de forma cooperada; reunir
esforços para reivindicar melhorias em sua atividade e comunidade; e
melhorar a qualidade de vida e participar do desenvolvimento de sua
região são alguns dos objetivos do associativismo rural.

Vantagens do associativismo rural

As associações que se organizam e garantem um processo participati-


vo, tendo como principal objetivo o permanente interesse do grupo,
tendem a prosperar. Ao atingirem suas metas, novos horizontes se esta-
belecem, impulsionando suas atividades.
No início, por exemplo, um trator coletivo para a associação; posteri-
ormente, um trator por sócio; a partir daí, a nova proposta passa a ser a
construção de um armazém para guarda da colheita, ou mesmo um ca-
minhão para transportar e vender diretamente ao consumidor. Otimiza-
ção da produção com a redução de custos e a maximização dos lucros
completam a lista de vantagens.

Soeitxawe
Associativismo Rural 393

Associação x cooperativa

A diferença essencial entre associações e cooperativas está na nature-


za dos dois processos. O Serviço de Apoio à Micro e Pequenas Empre-
sas (SEBRAE) caracteriza as associações pela finalidade a promoção de
assistência social, educacional, cultural, representação política, defesa de
interesses de classe, filantropia.
Já as cooperativas têm finalidade essencialmente econômica e seu
principal objetivo é viabilizar o negócio produtivo dos associados junto
ao mercado.
O entendimento dessa diferença é que enquanto a associação está
mais voltada a atividades sociais, a cooperativa foca em atividades co-
merciais em média ou grande escala de forma coletiva.
O SEBRAE ainda enfatiza que a associação tem uma grande desvan-
tagem em relação à cooperativa, pois ela engessa o capital e o patrimô-
nio. Em compensação, tem algumas vantagens que compensam para
grupos que querem se organizar: o gerenciamento é mais simples e o
custo de registro é menor.

Estudo de caso laticínio Nevasca

Em meados de dois mil e sete a Associação dos Produtores de Leite


da 45 (ASPROL 45) teve a iniciativa de planejar a criação de uma agroin-
dústria de beneficiamento de leite. A ideia inicial era somente adquirir
um tanque de expansão para resfriamento de leite, e assim posteriormen-
te analisaram que seria viável agregar valor ao leite cru dando inicio a
industrialização do mesmo. O laticínio possui atualmente quinze associa-
dos, em sua maioria moradora da linha quarenta e cinco quilômetro qua-
tro zona rural do município de Alta Floresta D’Oeste – RO.
Do projeto inicial a inauguração levou um total de cinco anos para ser
implantado totalmente, e começar os trabalhos.
O empreendimento necessitou de recursos estaduais e federais como
auxilio para ser implantado. A nível estadual, a associação recebeu um
caminhão resfriador, o maquinário de pasteurização rápida de quinhen-
tos litros hora e uma motocicleta. Com recursos federais a associação

Soeitxawe
394 Marlon Roberto & Kachia Techio

contou com uma rede elétrica trifásica para abastecer a necessidade ener-
gética do laticínio.
Hoje, a pequena agroindústria contém quatro funcionários: um exer-
cendo funções administrativas e três executando as tarefas técnicas como
a manipulação e o transporte do leite.
Sua missão é produzir e industrializar o leite de seus associados e não
associados, gerando lucro e renda que circule dentro do município onde
se encontra. E como visão, num prazo de quinze anos o laticínio pre-
tende galgar uma posição que o coloque entre os dez maiores laticínios
do estado (na categoria de laticínio administrado por uma associação
rural).
Atualmente o laticínio produz apenas o leite do tipo “barriga mole”
(armazenado em pacote plástico), produzindo entre seiscentos e setecen-
tos litros diários e chegando a dezoito mil litros por mês. Mas as preten-
sões são além da matéria prima láctea, produzir também alguns derivados
como: iogurte, queijo mussarela, queijo frescal e o suco lácteo. Pois de
acordo com a associação esses derivados tem uma demanda maior que o
leite propriamente dito, principalmente no período chuvoso que a pro-
dução leiteira é elevada e, além disso, seria uma forma de aproveitar o
leite que é recolhido após o período de entrega.
Nas situações de perda da matéria prima como, por exemplo azeda-
mento, ele é descartado da produção e encaminhado em forma de ali-
mento para os animais de criação dos associados.
Além de atender o comércio local, o laticínio leva seu produto a al-
guns municípios vizinhos como: Alto Alegre dos Parecis, Novo Hori-
zonte D’Oeste e Santa Luzia D’Oeste.
Segundo os associados, o mercado do leite ainda é promissor em
municípios do interior do estado. Para eles, caso a legislação vigente seja
cumprida rigorosamente pelos fiscais e órgãos competentes, banindo a
entrega de todo o leite sem procedência e processo de tratamento, au-
mentaria significativamente o mercado tanto interno quanto externo para
o consumo de um produto de origem confiável e de qualidade.
Para manter um excelente padrão de qualidade, o laticínio possui um
profissional habilitado titulado como Fiscal de Linha, que tem como
função fiscalizar e orientar o processo de ordenha de todos os produto-
res sócios ou não e garantir que o primeiro processo seja executado den-

Soeitxawe
Associativismo Rural 395

tro dos parâmetros da vigilância vigente. Posteriormente, vem o trans-


porte desse produto de seu lugar de origem até a manipulação. Em se-
guida, já dentro da agroindústria no local de recepção, são realizados
exames laboratoriais para a verificação da concentração de água e acidez
no leite, assim como adulteração por outros meios físico-químicos (anti-
bióticos e patologias). E, por conseguinte, a realização de todo o proces-
so de pasteurização e embalagem de forma estéril sem contato direto
nenhum com os manipuladores de forma que o produto final será total-
mente apto ao consumo humano seguindo todos os requisitos necessá-
rios para a produção.
Indo de encontro com a sustentabilidade, ele possui uma política de
gestão ambiental que o apresenta dentro do código sanitário e ambiental
municipal, no qual o órgão que o fiscaliza é a Secretaria Municipal de
Agricultura.
A associação procura sempre alocar a marca do laticínio em eventos
como: feiras agropecuárias, feira do produtor rural, festas típicas rurais e
urbanas, feira da agroindústria e empreendedorismo, dentre outros.
A administração do laticínio é exercida pelos próprios associados, e
todos os processos decisórios são discutidos em reuniões semestrais ou
extraordinárias quando houver necessidade, sendo os mesmos convoca-
dos por meio de ofício e tudo o que é discutido é registrado em ata.
Sobre a importância do associativismo, os produtores relatam que
dentro da política da associação assim como a concepção de um ser vivo
é necessário a ajuda mútua e integração de vários agentes para uma fina-
lidade comum, atuam sendo assim, no meio financeiro a união de várias
forças em prol do mesmo ideal, gera maior legitimidade, garantindo que
se tenha várias ideias dentro de um mesmo contexto formando um norte
comum a todos os envolvidos, como estes os idealizadores tanto eco-
nômico quanto tecnicamente. Para a economia local o impacto é o de
que várias famílias contribuam para a força de trabalho fazendo a laticí-
nio prosperar, gerando lucro e aumentando a renda destas fomentando a
economia local.
Dentre algumas vantagens que o laticínio trouxe a associação está a
agregação de valor ao produto dos associados que já o tinham como
meio de trabalho e renda. Expor seu produto não só para o comércio
local, mas para cidades vizinhas.

Soeitxawe
396 Marlon Roberto & Kachia Techio

Tempos atrás, a associação era composta por dezessete agentes so-


mente com projetos e ideias visionárias. Hoje com a realidade da criação
da agroindústria, as ideias e projetos teóricos são postos - na medida em
que pautados dentro de reuniões - em prática saindo do papel e se trans-
formando em realidade.

Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo fazer um estudo de caso ex-


pondo o histórico e a estrutura organizacional de uma pequena agroin-
dústria de beneficiamento de leite constituída através de uma associação
de produtores de leite do município de Alta Floresta D’Oeste – RO.
Fazer uma análise geral, conhecendo tanto os conceitos de associati-
vismo e cooperativismo, quanto os de administração agroindustrial. Mos-
trando a sociedade as vantagens das associações rurais em criar pequenas
agroindústrias aumentando a renda dos associados e a economia local,
além de incentivar produtores a se associarem e constituírem agroindús-
trias de processamento de qualquer tipo de produto oriundo da agricul-
tura familiar.
Dessa forma, se fizeram necessários uma fundamentação teórica e
prática que promoveu uma melhor compreensão acerca do real papel das
agroindústrias de pequeno porte no município.
Após os levantamentos realizados observou-se que atualmente a so-
lução para os pequenos produtores de leite otimizarem a produção e
aumentar sua renda, é a união para formação de associações rurais. Com
a iniciativa de se criar uma agroindústria de beneficiamento de leite, a
associação se aproxima ainda mais do comércio criando competitividade
e agregando valor ao produto. Assim como o cooperativismo, o associa-
tivismo rural se torna uma importante ferramenta para fomentar a eco-
nomia do município, beneficiando o coletivo.

Soeitxawe
Associativismo Rural 397

Referências

GOMES, S. T. A economia do leite. Coronel Pacheco: EMBRAPA-


CNPGL, 1996. Disponível em:
<http://www.cnpgl.embrapa.br/nova/informacoes/estatisticas/e
statisticas.php>.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia
científica. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR. Programas. Pecuá-
ria Leiteira –
PROLEITE. Disponível em: <http://www.faespsenar.com.br/>.
фhttp://www.agricultura.gov.br/cooperativismo-
associativismo/associativismo-rural>
фhttp://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/Entenda-as-
diferen%C3%A7as-entre-associa%C3%A7%C3%A3o-e-
cooperativa>

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira e a Comunidade Jongo
Dito Ribeiro – Campinas, SP

MARTINS, Alessandra Ribeiro1


POSURB - Pontifícia Universidade Católica de Campinas – SP - BRASIL
alejongo@gmail.com

Resumo: Neste artigo serão abordados aspectos do processo de transformação


da antiga sede da Fazenda Roseira, Campinas SP, em Casa de Cultura Afro,
como um modelo de como as dinâmicas contemporâneas de reorganização de
espaços fazem da Requalificação Urbana uma interessante ferramenta para
novos usos, inserindo novos personagens e transformando coadjuvantes em
protagonistas de uma nova historia. Foi por meio da ancestralidade evocada
pelas senzalas da Fazenda Roseira que a Comunidade Jongo Dito Ribeiro uniu
os olhares dos integrantes do Jongo para um mesmo caminho dando início ao
processo de Requalificação Urbana no espaço da antiga sede da Fazenda
Roseira. O Jongo, por sua vez, é uma importante manifestação cultural afro-
brasileira, oriunda das senzalas da região sudeste, que se manifesta através da
dança ritmada por tambores e temperada pelos desafios metafóricos cantados
pelos seus praticantes, chamados jongueiros.
Palavras-Chave: Requalificação urbana; Territórios de matrizes africanas;
Patrimônio cultural; Identidade.

Redes, rumos e parcerias

Para compreender a forma como a Fazenda Roseira se transformou


em Casa de Cultura Afro, com ações e atividades tendo como fio
condutor a lei 10639/09, que implementa nos currículos a


1 O artigo resulta de pesquisa de doutorado em curso desenvolvida por
Alessandra Ribeiro Martins com apoio da CAPES e sob orientação do Prof. Dr.
Wilson Ribeiro dos Santos Junior. POSURB - Programa de Pós Graduação em
Urbanismo. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mails:
alejongo@gmail.com e wilson@puc-campinas.edu.br

Soeitxawe
400 Alessandra Ribeiro Martins

obrigatoriedade da História da África e da Cultura Negra em espaços de


educação formal e neste caso, informal, é importante atentar ao fato de
que a maioria dos grupos, comunidades, movimentos, redes sociais e
ambientais, religiosos de matrizes africanas envolvidos diretamente nessa
ação faziam parte de uma forte rede pré-existente à ação desenvolvida
junto a Comunidade Jongo Dito Ribeiro.
O Jongo é uma manifestação cultural originada na região sudeste do
Brasil, junto ao processo cafeeiro, principalmente no entorno do vale do
Paraíba. Tem como característica central os pontos (cânticos)
metafóricos, a roda onde um casal dança por vez trocando de lugar
alternadamente e os tambores que são tradicionalmente chamados de
tambú.
Cada comunidade jongueira, tem suas próprias variações rítmicas,
mas tendo sempre a mesma essência na prática circular, metafórica na
intenção de ser uma dança de resistência, ancestralidade e que reafirma
uma identidade negra.
A Comunidade Jongo Dito Ribeiro, que recebeu o nome do ancestral
jongueiro, aqui entendido ancestral como o mentor referencial desta
manifestação no grupo familiar, é formada por um grupo de pessoas e
familiares, que reconstitui a manifestação do Jongo em Campinas/SP
através da memória de Benedito Ribeiro, de rodas com toque, canto e
dança, com o objetivo de compartilhar e continuar com essa cultura
ancestral.
Em Campinas muitos grupos passam a se organizar em torno de
festividades, busca de direitos e ações conjuntas em redes e a
Comunidade Jongo Dito Ribeiro, é um desses grupos, localizadas
territorialmente “do outro lado da cidade” tendo a Rodovia Anhanguera
como uma divisa. A cidade de Campinas, tem nesta rodovia um limite
diferenciado ao acesso de infraestrutura, tratamentos de esgoto,
transporte e outros de ordem pública sempre ofertado em menor escala
que a cidade consolidada do outro lado da Rodovia Anhanguera, que até
recentemente concentrava a classe média e alta, bem como praticamente
todos os recursos de lazer e entretenimento, como de serviços.
Afinal, “A capacidade de utilizar o território não apenas divide como
separa os homens, ainda que eles apareçam como se estivessem juntos”.
(SANTOS, 2000).

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira 401

Esses bairros desse grande território da Rodovia Anhanguera


consolidaram seus núcleos em busca pelo fortalecimento comum,
formando uma efetiva rede social que se articula e compartilha a luta
para tornar concretos esses direitos, pertinentes com demandas que
transcenderam a própria territorialidade, espaços, bairros e até as divisões
administrativas e macrozonas estabelecidas.
As redes e parcerias por falta de espaços de atuação, impulsionaram
novas formas de interação, como no caso do Arraial Afro Julino anual
promovido pela própria comunidade Jongo Dito Ribeiro, que mostrou
que a transversalidade de territórios era possível. Até o ano de 2007, esse
evento que atraía mais de 3500 pessoas por ano deslocava suas
atividades do Jardim Roseira para Barão Geraldo, local de realização do
Arraial, provocando a inserção cultural Afro, em outro espaço da cidade,
não o de origem, e possibilitando novas relações entre grupos antes
desconhecidos.
Poderíamos citar aqui algumas das políticas públicas inclusivas dos
“menos favorecidos”, que possibilitaram que a invisibilidade social
aparecesse de modo escancarado e firmaram e afirmaram um novo
quadro nacional, positivo aos movimentos. O fortalecimento dessas
redes está em diálogo com o reconhecimento da necessidade de Políticas
Afirmativas para a População Negra, com a própria implementação da
Lei 10639/03 que promove como obrigatoriedade o ensino da História
da África e do Negro no Brasil, com a lei 11645/08 que contempla a
mesma obrigatoriedade às questões indígenas, os debates e com a
implantação do Software Livre – ampliando as redes e articulações de
maneira global, com o PROUNI – Programa Universidade Para Todos,
as cotas de acesso à Universidade, com a implementação dos Pontos de
Cultura, um investimento efetivo às manifestações e ações culturais, com
as diversas secretarias específicas para discutir e pensar políticas
diferenciadas para essa diversidade nacional, e com o reconhecimento,
ainda em “guerra”, das terras quilombolas entre tantas outras.
Esse cenário nacional possibilitou que se tornasse visível, na cidade
de Campinas, um novo projeto para as matrizes africanas, para a
comunidade negra e demais movimentos sociais, principalmente da
Região Noroeste.

Soeitxawe
402 Alessandra Ribeiro Martins

A Casa de Cultura Fazenda Roseira, a Comunidade Jongo Dito


Ribeiro, o Poder Público e as parcerias

Em 2005, surgiram os rumores de que a Fazenda Roseira daria


espaço a um novo bairro, porém a paisagem da fazenda, repleta de
flores, gado e árvores, permanecia intocada e nenhuma informação
chegou à população local. Entretanto, o Diário Oficial trouxe uma
surpresa, publicando o Decreto n°15961 de 24 de agosto de 2007 com a
aprovação dos Planos de Arruamento e Loteamento da Gleba de Terras
designada por gleba B-2, desmembrada da Fazenda Roseira, criando um
novo bairro denominado “RESIDENCIAL PARQUE DA
FAZENDA”. Entre os artigos, cabe aqui destacar o Artigo 5°, que
registra em seu texto: “ As áreas públicas destinadas a Equipamento Público
Comunitário deverão ser entregues à Prefeitura Municipal de Campinas com
declividade máxima de 5% (cinco por cento) e cercadas com alambrado, cabendo aos
loteadores esta obrigação”.
A divulgação deste Decreto desencadeou conversas e reuniões entre
os grupos para analisar as possíveis consequências, e verificar as ações
pontuais para compreender o significado para a população de um
Equipamento Público Comunitário e para discutir as atitudes necessárias
que poderiam ser tomadas para buscar o estabelecimento de parcerias
junto ao loteador e à Prefeitura Municipal de Campinas para que, enfim,
a Fazenda Roseira saísse do campo privado e abrisse suas porteiras, de
alguma forma, para a população campineira.
Um novo bairro ao fazer parte do crescimento da cidade, ao trazer
novos moradores, ao promover a expansão da região e receber novos
equipamentos, novas possibilidades de inserções e ações, em tese,
poderia fortalecer e possibilitaria uma agilidade de resolução às
precariedades estruturais existentes na área.
A comunidade jongueira passou a acompanhar este processo e, em
janeiro de 2008, fez um amplo registro fotográfico da Fazenda Roseira,
que neste momento já se encontrava desabitada e com algumas peças
pertencentes aos ex-proprietários para serem transferidas do local. Nesta
visita observou-se a presença de um caseiro, contratado pelo loteamento
responsável pelo espaço. Esse primeiro registro foi importante por
apontar as fragilidades e potencialidades da Fazenda Roseira e abrir uma

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira 403

primeira porta para acompanhar a implementação do loteamento e do


Equipamento Público Comunitário.
A Lei Federal 6.766/79, assim conceitua os equipamentos
comunitários: “a) consideram-se comunitários os equipamentos públicos de
educação, cultura, saúde, lazer e similares; b) consideram-se urbanos os equipamentos
públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas
pluviais, rede telefônica e gás canalizado”.
De imediato, esta compreensão unificou os movimentos, redes e
parcerias em torno da Requalificação da sede da fazenda Roseira e para a
instalação da Casa de Cultura Afro neste equipamento destinado a suprir
e abrigar as demandas e diversidades dos vários grupos culturais da
região.
Sabemos que se os loteadores privados transferem a responsabilidade
de dotar a cidade de equipamentos públicos ao poder público (que em
geral não o faz de imediato), respaldados pela citada lei de parcelamento
do solo e apoiados sobre uma política habitacional que reduz a
construção da cidade à simples edificação de unidades habitacionais, cabe
à periferia um cenário deserto de qualidade e vivacidade urbana, onde os
interesses da especulação imobiliária e a ausência de responsabilidades no
cuidar dos interesses públicos escondem graves situações irregulares sob
a ótica do direito ao equipamento público para a população para quem
este se destina e se interessa por sua manutenção.

Proteção contra a depredação também é resistência

A depredação da Fazenda Roseira, que mobilizou a comunidade com


um sentimento de cuidado e ações efetivas pela sua manutenção,
registradas pela comunidade e denunciadas ao poder público, era do
possível interesse daqueles que ganhavam pela venda de tijolos e
madeiramentos.
A lógica da periferia e dos movimentos sociais e afro-culturais busca
qualificar a participação popular, ação não desenvolvida pela prefeitura,
como forma de apoio na consolidação da cidade e de políticas de
desenvolvimentos urbanos mais coerentes com a realidade social e
econômica desta excluída população. E apontar aos arquitetos,

Soeitxawe
404 Alessandra Ribeiro Martins

urbanistas e ao poder público novos caminhos de intervir em nossas


cidades. Uma série de ações foram desenvolvidas para a proteção da sede
vista pelos movimentos sociais, como “patrimônio” Fazenda Roseira.
Na transformação da sede da Fazenda Roseira em casa de cultura e,
através de suas movimentações, observamos que diversas trajetórias se
entrelaçaram com as memórias de uma ancestralidade africana. Trata-se
da história do passado dos ancestrais dessas comunidades e grupos
urbanos desenvolvendo políticas de inclusão social a partir de suas
próprias identidades.
As memórias dos sujeitos que pertencem a esses grupos referem-se a
um passado mais próximo, uma vez que se verifica um resgate da
presença negra na cidade de Campinas. As denominações dos grupos da
cidade, fazem parte da invenção das instituições que “a serviço da nação”
criam denominações desconexas com as aspiradas pela população. Nem
mesmo há uma tentativa de buscá-las nos grupos para fortalecê-las,
muito pelo contrário. Parecem se repetir os mesmos procedimentos
adotados nos séculos anteriores. Desse modo, há uma contradição entre
a noção territorial imposta pelo poder público e o sentimento de
pertença vivenciada pelos mesmos.
Esta é uma vontade que se torna “naturalizada”, já que é colocada
em suas certidões de nascimento desde o instante em que nascem as
pessoas. Apesar do caráter subjetivo, o sentimento de pertença pode ou
não estar ligado a uma ideologia ou Estado. Como é discutido por
Santos quando se refere à territorialidade: “[...] o sentido da palavra
territorialidade como sinônimo de pertencer àquilo que nos pertence... esse sentimento
de exclusividade e limite ultrapassa a raça humana e prescinde a existência do
Estado” (SANTOS, p.19, 2001).
A existência de um país supõe um território, mas a existência de uma
nação nem sempre é acompanhada da posse de um território, “existe
territorialidade sem Estado, mas não existe território sem Estado”
(idem). O que diferencia a nação territorial da nação étnica é o papel que
a ideologia desempenha. Na construção do Estado-Nação ela tem o
papel de construir novos símbolos que sobreponham os símbolos dos
grupos étnicos ou raciais.
Para Kabenguele Munanga, a identidade está sempre em processo e
os traços constitutivos dela, são escolhidos entre os demais elementos

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira 405

comuns aos membros do grupo: língua, história, território, cultura,


religião, situação social. Segundo este autor, esses elementos não
precisam estar reunidos para deflagrar o processo identitário, pois as
culturas em diáspora têm de contar apenas com aqueles que resistiram ou
que conquistaram seus novos territórios.
A situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e
contextos é utilizada para designar um legado, uma herança cultural e
material que lhe confere uma referência presencial no sentimento de ser
e pertencer a um lugar específico e cultura específica, como o caso das
terras quilombolas.
A garantia das terras de quilombo é uma forma de reparar a
população negra pelos abusos cometidos contra ela, que há muito tempo
vem sendo expropriada dos seus instrumentos de manutenção da vida.
Primeiramente, essa expropriação ocorreu na África, quando foram
retirados de suas terras. Depois, nas fazendas, com a sanção da Lei Áurea
e da Lei de Terras de 1850, em que o escravo recém liberto, sem bem
algum, conforme já dito anteriormente, não tinha como ter acesso à
terra. Atualmente, estas pessoas sofrem pressões dos especuladores
imobiliários para uma terceira expropriação. Mudam-se os atores, mas
não cessa a opressão.
No caso da Fazenda Roseira, os movimentos articulam-se, buscam
sua identidade e fazem deste equipamento público comunitário uma
referência agregadora da cultura afro-brasileira dentro da cidade de
Campinas, criando conexões para além das territorialidades delimitadas.
A opção pela consolidação da identidade negra na construção desse
espaço coletivo articulado entre diversos grupos afins, representantes de
diversas classes, categorias e grupos, reflete o reconhecimento dos
envolvidos quanto às necessidades de políticas afirmativas efetivas na
cidade para os descendentes de africanos e também da necessidade de
lutar pelo território que estava sendo ameaçado, o território da Fazenda
Roseira. Há pessoas na comunidade que se consideram descendentes de
outros grupos étnicos. Porém, os que assumem a identidade negra na
consolidação desse processo embasado pela Lei 10639/03 estão
assumindo, principalmente, a dimensão política dessa identidade. Trata-
se de uma solidariedade que se forma em torno de uma luta comum.
Assumir essa identidade não significa apenas a garantia do território, mas

Soeitxawe
406 Alessandra Ribeiro Martins

também travar uma batalha ideológica contra os estereótipos criados


para inferiorizar a população negra.

Cultura Afro na Roseira e na gestão do equipamento público

A participação da sociedade civil na gestão pública provoca uma nova


reflexão e ao mesmo tempo uma mudança na medida em que incorpora
outros níveis de poder além do Estado, no que se configura como um
direito ao auto-desenvolvimento que pode ser alcançado numa sociedade
participativa que contribui para a formação de uma cidadania qualificada,
gestada pelos próprios sujeitos sem a tutela do poder público.
Esta representação deve se dar a partir da organização coletiva
diversificada e plural, traduzindo as tradições culturais das matrizes
africanas de refletir e compreender que uma transformação social efetiva
só se dá quando todas as esferas envolvidas articulam-se pela efetiva
construção da autonomia horizontalizada e pela afirmação do cidadão
como sujeito pleno.
A possibilidade de alterar a institucionalidade pública está associada
às demandas que se estruturam na sociedade. A esfera pública representa
no contexto da Fazenda Roseira a construção da viabilidade do exercício
da influência e participação dos movimentos sociais e demais parceiros
nas decisões de ordem pública, assim como se coloca a demanda dos
grupos pelo reconhecimento do Estado. O que está em jogo é a
necessidade de atualização dos princípios da democracia, em que o
fortalecimento desta contribua para a consolidação afirmativa dos
mesmos em todas as esferas da vida social.
Ou seja, existe uma crescente necessidade de entender as
ambiguidades dos processos sociais e dos arranjos possíveis, tendo como
referência uma análise qualitativa das práticas sociais e das atitudes dos
diversos atores envolvidos na consolidação do território em disputa,
tanto nas experiências que inovam na gestão, como nas que mantêm
inalteradas as práticas tradicionalmente desenvolvidas.

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira 407

O Patrimônio Imaterial (Jongo) e a proteção do Material (fazenda)

Hoje na maioria das metrópoles a questão que se coloca perante o


patrimônio cultural das áreas requalificadas é como equacionar a perda
de seu significado anterior, uma vez que a maioria dos projetos seguiu
uma fórmula indiferente aos usos e sentidos que mantinham com a
população local. E, se esses projetos buscaram tornar os espaços
atrativos para o mercado imobiliário e turístico, a dimensão pública,
entendida como possibilidade de interação entre diferentes, perdeu o
caráter democrático e inclusivo. A segregação sócio-espacial, associada
ao sentimento de insegurança resultante também da intolerância, da
criminalização e estigmatização de certos grupos sociais, fragmentou o
uso dos espaços. Essa segmentação, que parece contradizer a ideia do
espaço urbano como um espaço aberto a todos, existe de fato e é
reforçada em contextos de grandes desigualdades e de tensões sociais,
pois os diferentes grupos sociais tendem a se apropriar dos espaços e em
sua ação revelando antigos e novos conflitos.
As origens da cidade de Campinas estão relacionadas à função que
desempenhava como passagem para o caminho de Goiás, o processo de
ocupação de seu território teve início com uma agricultura de
subsistência bastante rudimentar e um comércio voltado para as tropas
que vinham de Santos e se dirigiam para Minas Gerais, Goiás e Cuiabá.
Com o início do ciclo do açúcar, princípio do século XVIII, baseado
na utilização da mão de obra escrava, a população de Campinas ampliou-
se e diversificou-se. No ano de 1797, a população chegava a 2.107
pessoas, já no decorrer das décadas seguintes a população de Campinas
caracterizou-se pelo grande número de escravos e uma constante alta nas
taxas de crescimento2. Em 1836, mais da metade da população da cidade

2 Segundo a pesquisadora Rosana Baeninger, a taxa de crescimento da
população escrava de Campinas, entre 1874 e 1886 entrou em declínio, alcançou
expressivo valor negativo, 2,6% a. a., representando em 1886, apenas 24% da
população total. Lembrando que a importância da população escrava,
fundamental para o crescimento econômico e populacional do município e do
Estado até meados do século passado, foi perdendo peso à medida que se
intensificou o movimento emancipador.

Soeitxawe
408 Alessandra Ribeiro Martins

compunha-se de africanos escravos mantendo-se a média inalterada


durante as duas décadas posteriores, onde em meados de 1854 a
população de negros correspondia a 57.7% da população total do
município.
A formação do território perpassa o espaço e a forma do espaço é
consolidada segundo as técnicas vigentes utilizadas no mesmo, podendo
ser distinguido pela intensidade das técnicas trabalhadas, bem como pela
diferenciação tecnológica dessas técnicas de produção, uma vez que o
espaço é heterogêneo. Sendo assim o território configura-se pelas
técnicas, pelos meios de produção, pelos objetos e coisas, pelo conjunto
territorial e pela dialética do próprio espaço.
Nesta perspectiva, entendemos o território como Identidade que, por
sua vez, sempre esteve atrelada aos territórios e lugares, como marcas de
status, posição social e influência política. As noções de espaço
geográfico e lugar aqui se definem a partir de Milton Santos, como a
acumulação desigual dos tempos, associada à visão culturalista de
Haesbert, em que o direito à cultura pressupõe o gozo dos direitos civis,
que se relacionam com as manifestações livres do pensamento, como o
direito de ir e vir, e, portanto, de acesso livre aos diferentes territórios da
cidade.

Desde a economia cafeeira do século XIX, Campinas possuía o


maior entroncamento ferroviário do estado de São Paulo,
excetuada a capital, permitindo nuclear uma ampla rede de
cidades, inclusive atingindo cidades mineiras, como Poços de
Caldas, por exemplo. Com o declínio do transporte ferroviário e a
ascensão do transporte rodoviário, Campinas passa a contar com
importante sistema de rodovias expressas de São Paulo, atrás
apenas da capital. Criava-se no território campineiro e em seu
envoltório as condições infra-estruturais, econômicas e
demográficas para o estabelecimento de uma rede urbana que
assumiria paulatino caráter metropolitano”. (QUEIROGA, p.22,
2008)

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) surgiu com o processo


de interiorização do desenvolvimento econômico do Estado de São
Paulo e da região metropolitana de São Paulo (RMSP), que teve como

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira 409

características a intensificação da industrialização e a modernização das


atividades agropecuárias articulada com as atividades industriais e
terciárias. Para que esse processo ocorresse, a Rodovia Anhanguera teve
papel fundamental, uma vez que foi o principal eixo inicial de localização
industrial. Por ter passado por esse processo de crescimento e
desenvolvimento, de forma acelerada, a RMC apresenta hoje alguns
desequilíbrios típicos de regiões metropolitanas brasileiras.
Do trabalho escravo ao trabalho livre, foram desenvolvidas diferentes
forças produtivas e as modificações desse espaço acarretaram
alternâncias cada vez mais rápidas e profundas, gerando novas formas de
configuração espacial e de produção. À desigualdade espacial
incorporou-se a desigualdade social. No espaço urbano, fundamentam-se
os interesses do capital, a ação do Estado e a luta dos seus ocupantes
como forma de resistência contra a segregação e pelo direito à cidade,
que é formada pelos seus diferentes bairros, cada um com estrutura
própria, particularidades, histórias que reúnem diversidades, numa vida
cotidiana coletiva com atividades que criam e moldam as dinâmicas do
fenômeno do seu contexto urbano.
A inserção de condomínios em áreas isoladas e periféricas, de baixa
densidade, é justificada pelo desejo da classe mais abastada de fugir dos
problemas oriundos do centro urbano e a possibilidade de retornar a
morar em casas dentro de um sistema vigiado e fortificado. Estes
aspectos são enaltecidos e vendidos como algo positivo, porém acabam
culminando no enclausuramento e na exclusão social, somados ao fato
de que esse deslocamento de famílias de classe media nas periferias acaba
por expulsar os moradores dessa mesma periferia para lugares mais
distantes, acarretando na cidade um crescimento marcadamente
periférico em torno destas espacialidades.
O patrimônio simbólico do negro brasileiro nestas circunstancias
urbanas firmou-se no Brasil como território político-mítico-religioso,
para a sua transmissão e preservação. E um dos suportes mais sólidos
aos escravos, para a manutenção desta preservação e transmissão, foi o
pátio da senzala, símbolo de segregação e controle, que se transformou
em terreiro, como lugar de celebração das formas de ligação da
comunidade (ROLINK:1977). A ocupação de grupos culturais do
segmento afro na construção da Casa de Cultura na sede da Fazenda

Soeitxawe
410 Alessandra Ribeiro Martins

Roseira torna-se simbólica ao buscar preservar esta tradição. E revelam


as dimensões de um processo metropolitano no qual as camadas
periféricas deste grupo étnico, antes segregadas pela política de limpeza
dos centros urbanos na pós-abolição, formaram laços de solidariedade e
se instrumentalizaram como sujeitos ativos na disputa pela participação
da construção de políticas públicas da cidade, de modo a possibilitar que
esse processo seja vivido como um embate efetivo pelo território.
À medida que a cidade cresce e avança para novas áreas, novas
formas de vivências são consolidadas com características próprias que
foram desenvolvidas por essas relações pré-existentes ao avanço da
cidade e visibilizam novas e antigas culturas antes escondidas, como é o
caso da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, no Jardim Roseira.
Esse trecho da cidade caracteriza-se pela grande dinâmica de
circulação e pelo maior crescimento urbano na Região de Campinas nos
últimos anos. Sabemos que foi em 1840 que Campinas foi elevada à
cidade e o café passou a ser a fonte de renda principal da província e o
primeiro produto do Império Brasileiro, alicerçado no trabalho escravo.
Em 1850, intensificou-se a produção cafeeira local. Em 1854, o
município possuía segundo Áurea Pereira da Silva, cerca de 6 mil
escravos sub-divididos em 177 fazendas com produção de 335 mil
arrobas.
O tratamento aos escravizados era muito rigoroso, com torturas,
sendo a vinda de um escravo para o território campineiro considerada
pelos próprios escravizados como um grande castigo.

Sesmaria, Fazenda, Casa de Cultura Afro Fazenda Roseira

A família dos Teixeira Nogueira teve acesso a cinco sesmarias na


região de Campinas, segundo o historiador Omar Simões Magro, citado
no livro de Pupo (1983). Sua principal propriedade foi o “Sítio Grande”,
nome mudado mais tarde para Engenho do Chapadão e Fazenda
Chapadão na época do café.
No ano de 1867, o capital derivado do café financia a Ferrovia
Paulista que começa a operar em 1872. Só a partir de 1870 é que
apareceram na região as máquinas de beneficiar café. Nessa época a

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira 411

Revolução Industrial e tecnológica começa a despontar e, com o advento


das ferrovias, Campinas torna-se de 1871 a 1879 o centro da
movimentação financeira entre o interior paulista, São Paulo, Santos e
Rio de Janeiro.
Esta situação possibilitará ao fazendeiro tornar-se capitalista,
comerciante, banqueiro e manter grandes propriedades agrícolas com seu
capital. A mão de obra escrava passou a ser afastada e os imigrantes iam
se fixando como colonos agrícolas, mas não tinham condições de
adquirir terras devolutas. O sistema de latifúndio nas mãos da
aristocracia dominante na segunda metade do século XIX conduziu o
rumo da abolição dos escravos para o trabalho assalariado, que daria
abertura ao capitalismo no Brasil.
A extração mineral da areia e da argila prosseguia pelo Vale do
Capivari nas décadas de 20 e 30. Nessa época, o Campo Grande já era
uma região bem desmatada, de baixa produtividade agrícola e com a
população dispersa no território.
Nas primeiras décadas do século XX, surgem novos bairros
residenciais e operários e ocorre o crescimento da malha urbana. São
criadas avenidas ligando bairros da região sudoeste à zona mais central
da cidade.
A existência de um pequeno número de sedes de antigas fazendas no
Campo Grande e nas localidades próximas induz à afirmação de que as
lavouras de café ali implantadas tiveram um ciclo curto devido ao
esgotamento de solo e à baixa produtividade.
Nas décadas de 30 e 40, houve crescimento da construção civil e isso
incentivou a ampliação da indústria de cerâmica. Para Amarante (2002),
ao redor das jazidas e das olarias começaram a surgir núcleos de casa
para trabalhadores dessas indústrias que funcionavam no Vale do
Capivari e no Baixo Piçarrão. Nos anos 40 e 50, o Campo Grande
passou a participar em pequena escala do abastecimento da cidade com
alguns hortifrutigranjeiros. No entanto, as vias de acesso entre a região
rural e urbana eram precárias.
Até 1946 o Poder Público conseguiu gerenciar os padrões urbanos de
ocupação e dos espaços vazios do perímetro urbano da cidade. A partir
da segunda metade dos anos 40, as transformações urbanas, motivadas
pela implementação de grandes indústrias, resultaram no aumento da

Soeitxawe
412 Alessandra Ribeiro Martins

população urbana. Em 1948 é inaugurada a Via Anhanguera que iria


facilitar o movimento e a circulação viária na região. Os limites da zona
urbana iam do sudoeste até ao Parque Industrial e Jardim Pompéia, a uns
12 km do núcleo do Campo Grande naquela época.
Os empreendimentos imobiliários na periferia se distribuíram ao
longo da nova estrada de Viracopos, atualmente, Rodovia Santos
Dumont, concentrando-se também ao longo das antigas estradas. Os
empreendimentos industriais foram feitos, em geral, nas avenidas e
estradas a sudoeste da cidade de Campinas. O impulso para a sua
ocupação definitiva foi a instalação da fábrica de pneus Dunlop, na área
do espigão divisor de águas do Rio Capivari e do Córrego Piçarrão. A
construção dessa avenida levou a prefeitura a construir uma ponte sobre
o Córrego Piçarrão e, em 1953, a abrir uma avenida que passa sob a Via
Anhanguera. O Campo Grande com as duas obras passou a ter um
acesso próprio ao núcleo central da cidade, sem depender da antiga
estrada do Campo Grande ou da Avenida das Amoreiras ou Estrada de
Santa Lúcia.
Em 1980, 89% da população do Estado de São Paulo passou a viver
nas cidades. As melhores condições urbanas se tornaram um mecanismo
de valoração dos espaços dentro da cidade, moldado pelas políticas
adotadas no sistema de propriedade de terras, ditando os padrões e
políticas que regem o capital imobiliário. O crescimento urbano levou à
especulação do espaço urbano, redefinindo a cidade. Novos loteamentos
foram implantados, urbanizando e ocupando espaços de pequenas e
médias propriedades. Os locais, onde as terras eram consideradas mais
baratas, foram sendo ocupados passo a passo nas proximidades e além
da Via Anhanguera. O mesmo fato ocorreu nas cercanias das indústrias,
que foram aos poucos recebendo benefícios da Prefeitura Municipal.
A Fazenda Roseira é um importante ponto de observação para
compreendermos a história do caminho e da ocupação urbana da região
sudoeste de Campinas. Sofreu diversas retaliações, em que a sucessiva
venda de glebas está de acordo com os interesses imobiliários, que
direcionam a transformação de zona rural em área urbana e ao mesmo
tempo assumem novas representações, mediante a interferência das
novas populações que ali se instalam.

Soeitxawe
A Casa de Cultura Fazenda Roseira 413

Essa população cresce e estrutura, ao longo da periferia sudoeste de


Campinas, novos quadros e novas referências antes inexistentes.
Atualmente, o que restou da Fazenda Roseira compreende uma área que
tem como vizinhos os bairros Jardim Roseira, Jardim Ipaussurama, Vila
Perseu Leite de Barros, todos às margens da Av. Jonh Boyd Dunlop e
que antes fizeram parte da mesma fazenda.
A Fazenda passa por mais um processo de transformação que talvez
seja o último, dado que as sucessivas vendas deixaram como marco
histórico apenas a sede desta propriedade e alguns galpões, totalizando
uma área de 15901.07 metros quadrados, que se soma a uma área anexa,
com Área de Preservação Ambiental Permanente (APP).
Verificamos que suas terras assumem funções diferentes diante do
processo de expansão do sudoeste, sofrendo diversos
desmembramentos, registrados em sucessivos inventários. O
parcelamento e a venda de terrenos pertencentes à Fazenda Roseira,
ampliados pela especulação imobiliária, transformam e requalificam essa
extensa área rural em urbana.
A Casa de Cultura Fazenda Roseira – Afro, nessa perspectiva, reflete
o amadurecimento da Comunidade Negra em Campinas, que a partir do
pertencimento comum, consegue distanciar das pessoalidades e questões
partidárias e dar um passo a frente, na construção de um Projeto
Sociocultural, Educacional e Ambiental para a afirmação, formação e
pela valorização da cultura afro brasileira em sua mais ampla diversidade.
Um processo autônomo e coletivo, que efetivamente incomoda
alguns integrantes do grupo gestor e intelectuais campineiros, que
desenvolvem ações para contê-lo. O que está em jogo nesta disputa de
poder não é quem vai gerir este espaço como um todo. Essas ações
possibilitaram uma reflexão quanto ao papel da participação e
fortalecimento da cidadania, existente nos municípios brasileiros e
fomentaram a discussão sobre a segregação espacial, circunscrita na
dimensão territorial, como parte explicada pela pobreza e os resíduos
associados à segregação sócio-espacial.
Neste cenário, percebemos como as diversas forças tensionam o
cotidiano nas grandes cidades, e da emersão de novas formas de
organizar o território, no qual a cidade de Campinas se insere, e a
Requalificação da Fazenda Roseira transformada em Casa de Cultura –

Soeitxawe
414 Alessandra Ribeiro Martins

AFRO, num espaço dado como Equipamento Público Comunitário


possibilita um novo caminho para compreender a representação dessa
Metrópole atual.
A Fazenda Roseira reflete o conjunto de bens produzidos pela
humanidade na arquitetura ali presente e é testemunha da formação da
memória histórica do povo negro na cidade de Campinas e da
construção da identidade da Comunidade Jongo Dito Ribeiro e todos os
grupos e movimentos parceiros envolvidos.
Reflete a identificação dos cidadãos com a cidade. É por meio das
lembranças dos lugares que as nossas experiências se fixam na memória,
conforme lembrado por Pierre Nora, a sensibilidade, pertencimento não
é apenas uma condição legal, mas também compartilhamento de
experiências e de vivência dos lugares.

Referências

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416 Alessandra Ribeiro Martins

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Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano1

Sidiclei Viana Meireles2


MSc. Antonio Enrique Fonseca Romero3

Resumo: Neste artigo abordamos a temática da “crise do sentido de existência entre


os jovens da etnia Tukano usuários de álcool e drogas” na perspectiva da filosofia exis-
tencialista. Introduzimos a temática a partir dos estudos do conceito de existên-
cia em Heidegger e a busca de sentido em contexto de crise cultural. Aprofun-
damos o tema a partir das literaturas específicas relacionadas com as questões
culturais dos jovens da etnia Tukano observando as implicações resultantes do
uso do álcool e outras drogas que contribuem para acentuar a crise de sentido de
existência. Por último, realizamos um estudo comparativo entre a filosofia exis-
tencial de Heidegger e a Psicoterapia Existencial Humanista de Viktor Emil
Frankl com o objetivo de identificar possibilidades de compreensão do fenôme-
no de crise existencial e apontar alguns caminhos para a superação do problema,
bem como para a ressignificação do sentido da existência em contexto indígena.
Todavia apontando um caminho no qual as políticas públicas direcionem no
promover projetos para a juventude do município de São Gabriel da Cachoeira
no Estado do Amazonas, Brasil.
Palavras-chave: Crise de Sentido; Jovens; Etnia Tukano.

1. Realidade etnocultural do povo Tukano

Iniciamos a reflexão chamando a atenção para a necessidade de se


buscar meios para a compreensão de sentido de existência entre os

1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE - Congresso Internacional de
Pesquisa Científica na Amazônia, realizado entre os dias 1 e 3 de Maio de 2015,
Cacoal, RO/Brasil.
2Acadêmico do Curso de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia – ITEPES. E-mail: sid.meirelesviana12@gmail.com
3Docente do Curso de Filosofia do ITEPES e do Curso de Direito da
ESO/UEA. E-mails: aromero@uea.edu.br, anenforo65@hotmail.com

Soeitxawe
418 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

jovens da etnia Tukano. Uma das pistas mais importantes vem do


próprio Heidegger em sua abordagem sobre o “desencantamento do ser”
entre os jovens dependentes de álcool e outras drogas. Resta-nos tentar
entender se o desencantamento é consequência da dependência ou se
tornaram-se dependentes por causa do peso do desencantamento.
Nesse estudo sobre o sentido de existência dos jovens da etnia
Tukano veio à tona a questão da perda da identidade etnocultural de um
povo que, desorientado com as influências do mundo consumista e
capitalista vem desconstruindo o sentido de estar no mundo, o que
poderia ser a situação de desencantamento. Nessa perspectiva, o uso e a
dependência do álcool seria apenas uma consequência de uma crise
existencial e os jovens estariam buscando na dependência uma forma de
suportar a crise que é muito mais complexa do que aparenta ser.
A preocupação com essa situação tão complexa resulta nesta breve
reflexão que traz para dentro da academia o desafio de estudar à luz da
ciência, a situação de tantos jovens mergulhados numa crise existencial
sem precedentes entre o Povo da Etnia Tukano. Para compreender
melhor essa situação, partiremos do estudo do próprio grupo para
avançar nas possíveis análises.
Ao adentrarmos na análise da crise do sentido de existência do jovem
Tukano frente ao problema do uso do álcool e de outras drogas,
abordaremos a literatura dos povos da etnia Tukano do Alto Rio Negro,
destacando como viviam no período pré-colonial, sendo afetados por
uma política de dominação e exploração perdendo a identidade do ser
indígena, com a consequente redução da inexistência como homem,
humanizado.
O povo Tukano representa um dos povos originários tradicionais
existentes há milhões de anos com suas culturas, rituais e crenças nas
mitologias sagradas, onde grandes pajés guardam sua sabedoria,
transmitindo aos filhos, para manter a existência dos valores culturais.
Situados na região do Alto Rio Negro, município, hoje, de São
Gabriel da Cachoeira - Amazonas, os Tukanos vivem como as outras
etnias existentes. São povos milenares do Alto Rio Negro, abrangendo
três distritos com maior população indígena da etnia Tukano, tais como,
Pari Cachoeira, Taracuá e Iuaretê, formando o “Triângulo Tukano”. Esses

Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 419

pontos referenciais são subdivididos em pequenas comunidades


ribeirinhas inerentes a essas três sedes distritais.
Assim esses povos vivem geograficamente na região de São Gabriel
da Cachoeira, a 860 km de Manaus (AM). Há indígenas de 22 etnias
nessa região e se comunicam com cerca de 20 línguas, inclusive o
Tukano4.
A região do Alto Rio Negro, faz fronteira com dois países vizinhos
com o Brasil: Venezuela e Colômbia. Nota-se que São Gabriel da
Cachoeira possui a maior parte da população indígena, com diversas
línguas faladas. Segundo Pires (2012) “de um total de 37.300 habitantes, no
município de São Gabriel da Cachoeira, 29.017 são indígenas, o equivalente a quase
80% da população”. Trata-se de uma região marcada pela diversidade
cultural de povos tradicionais.
A pesquisadora Lenita de Paula Souza de Assis no seu artigo sobre
“Da Cachaça à libertação: Mudanças nos hábitos de beber do povo Dâw no Alto
Rio Negro” (2001: 30) coloca a filiação linguística da população do Alto
Rio Negro dividindo da seguinte forma:

Família
Povos
Linguistica
a) Arauk Baniwa, Tariana, Kuripako, Baré, Werekena.
b) Maku Hupda, Yuhup, Nadob, Kuyawi, Dâw.
Tukano, Desana, Piratapuia, Tuyuca, Barasana,
c) Tukano
Kubeo, Uanano, Arapaso, Makuna, Karapanã, Miriti-
Oriental
Tapuia, Siriano.

Fig. 1: Lenita de Souza


4 Em uma matéria publicada em 2009, a Folha de São Paulo, descreve a região
afirmando que: Banhados pelas águas do Rio Negro, a cidade está localizada na
tríplice fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, na região conhecida
como Cabeça do Cachorro. Pela proximidade física, os gabrielenses
incorporaram o espanhol em seu caldeirão linguístico.

Soeitxawe
420 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

Essa divisão linguística da população do Alto Rio Negro mostra o


quanto esses povos são milenares. No entanto, os Tukanos convivem
com outras etnias como citamos. De acordo com o costume, o homem
Tukano pode casar com mulher da outra tribo ou etnia e não com moça
da própria etnia dele, assim estará quebrando a regra da cultura Tukano,
por isso as tribos habitam de forma misturada nas comunidades
indígenas. No entanto antes do contato dos colonizadores, eles
praticavam seus costumes, havia muitas guerras entre diferentes tribos
por causa das terras e outros tipos como está escrito na mitologia sagrada
dos Tukanos Hausirõ Porã, que habitam nos territórios do Rio Tiquié e
Uapés com outras tribos e praticam os seus costumes.

Era costume fazer expedições para tentar tirar os ornamentos e


outros bens que outros possuíam em suas malocas: penas de
arara, carajuru, cuias, chocalhos e redes de trinta fios e outros.
Tomavam muitas coisas (AZEVEDO; NASCIMENTO, 2003:
235).

Com a entrada dos colonizadores, essa região foi se fragmentando do


ponto de vista cultural, entretanto se concentraram mais em São Gabriel
da Cachoeira na sede, ficando também nas comunidades como Pari-
cachoeira, Taracuá e Iuaretê, sendo muito explorados antes das missões
pelos garimpeiros e seringueiros.
Assis (2001: 22) aborda de que o Alto Rio Negro tinha sido área de
perambulação missionária desde o século XVII, através de missionários
Jesuítas, Franciscanos, Carmelitas, e Capuchinhos, que depois desistiram
de implantar as missões voltando para baixo Rio Negro, logo após a
colonização portuguesa se deslocou por lá.
Conhecidos como abertura dos garimpos e exploração de seringa,
aonde os povos indígenas de modo geral do Alto Rio Negro chegaram a
submeter a esta política dominadora, havendo, desse modo, muitas
resistências, alguns grupos fugiam nas florestas. No livro “Educação
Escolar Indígena”, trata sobre esses acontecimentos afirmando que,

a história do contato dos povos indígenas da região do Rio Negro


inicia-se no século XVIII com uma sistemática exploração da
mão de obra indígena, relacionada à construção das vilas e

Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 421

centros coloniais, à extração das drogas do sertão e,


posteriormente, à exploração de borracha. Tem como
consequência a introdução de doenças infeccionais como gripe,
sarampo e varíola, que dizimaram boa parte da população. A
presença missionária na região também se inicia no século XVIII,
com Jesuítas, Carmelitas e franciscanos, culminando com a
instalação permanente das missões salesianos no século XX
(CABALZAR, 2012: 28).

Com o ingresso dos missionários Salesianos em 1910, houve a criação


de internatos nas comunidades indígenas em são Gabriel como sede, e
outras como paróquias, Taracuá, Pari-Cachoeira e Iauretê, pela qual esses
missionários proibiram o uso dos costumes dos povos tradicionais,
especialmente dos Tukanos.

Começaram a catequizar e animar o trabalho. Criou-se um regime


de missão, rígido. Mandou os que já moravam lá, inclusive os
velhos, jogarem fora o que tinham, como ornamentos, caxiri,
caapi, tudo o que ele dizia ser do diabo. Consideravam os
adornos de dança (mapoari) como cabelos do diabo. Procuravam
desmoralizar a cultura, proibindo tudo. Tinha um velho que,
mesmo assim, mandou fazer caxiri, por que era nosso jeito de
viver. Os brancos também têm suas bebidas para animar, o caxiri
é nossa cultura (AZEVEDO; NASCIMENTO, 2003: 252).

Através disso, podemos perceber o sofrimento desses povos, o


domínio dos colonizadores sobre as culturas deles, a desvalorização do
outro como um ser insignificante. Por estas razões expostas, nos
propormos com a perda de uma cultura que, antes da chegada dos
interesses político-econômicos, viviam o seu próprio ethos cultural.
Nossa pesquisa tem a preocupação de destacar que hoje em São
Gabriel da Cachoeira, vivem 2.067 (FUNASA, 2010) Tukanos em
situação emergente, pois o álcool e as drogas estão esvaziando o sentido
etnocultural de um povo que já viveu e vive de seus costumes. A
literatura e as pesquisas sobre o uso de álcool e drogas na comunidade
dos Tukanos revelam o quadro da dizimação da população indígena,
chegando ao ponto de cometerem suicídio por causa do uso dessas

Soeitxawe
422 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

substâncias tóxicaas. A situação se agrava por falta de políticas públicas e


de ação educativa e preventiva governamental.
A doutora em Antropologia Weigel, afirma na sua apresentação, no
livro escrito pelo indígena Gabriel dos Santos Gentil, “Povo Tukano
Cultura, História e Valores”, que,

Os Tukanos, como os outros povos, estão inseridos num amplo


processo de transformação cultural e socioeconômica,
vivenciando mudanças operadas em sua organização social e
política, cosmologia, concepções míticas e estéticas, magia, ritos,
bases materiais e língua, produzidas por múltiplas relações tecidas
ao longo da história do conflito com os brancos, há alguns
séculos (WEIGEL, 2002: 25).

Constatamos que os povos Tukanos como outras etnias do Alto Rio


Negro, através da imigração da cultura dos “brancos” na cultura
tradicional dos indígenas em relação da entrada do alcoolismo e drogas,
tiveram e têm muita influência na vida desses povos autóctones
tornando-se os jovens Tukanos escravos do consumo excessivo,
perdendo o sentido de sua existência etnocultural.

2. O sentido da existência e a perda da identidade etnocultural


diante do uso de álcool e drogas

A juventude da comunidade Tukano, se apresenta hoje com maior


quadro do abuso de álcool e drogas, que impedem a construção do
sentido de existir, não assumindo o sentido de estar-no-mundo, com
despreocupação de valorizar suas culturas que depende primeiramente
do sentido da existência do jovem que ao perder sentido de viver,
desvaloriza o âmbito cultural dentro da comunidade Tukano. Há muita
fuga ao se falar destas problemáticas de alertar do sentido de existir, por
não projetarem o futuro de maneira clara no presente.
O fundador da Logoterapia, Viktor Frankl, tem contribuído com sua
reflexão na busca de sentido, sua colaboração é muito pertinente aqui
nesta abordagem da crise da existência ao colocar três sintomas básicos
dessa problemática como podemos perceber abaixo:

Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 423

Aqui temos, caracterizado pelo senso comum, os três sintomas


básicos da neurose coletiva atual: depressão, agressão e adição
(dependência de drogas). Comecei esta conferência com as
palavras do taxista, aliás muito exatas porque, sobretudo no sul da
Califórnia, se pode comprovar que taxas de suicídio, de
dependência de drogas e de criminalidade entre juventude
universitária crescem sem parar (FRANKL, 1989: 7).

Com esta afirmação do Frankl podemos comparar com a situação das


problemáticas dos jovens da comunidade Tukano, numa análise
existencial no qual há uma crise da existência do jovem Tukano que
perdeu o sentido de viver, nas comunidades começa a surgir, assim como
dentro da família, a agressão e a depressão, com o abuso de álcool e
drogas.
Por estes motivos de problemas da vida sem sentido, Frankl, destaca
as causas, a razão desses confrontos dos jovens com essa grande
dependência no sofrimento de existir, da sua própria natureza, de que a
natureza do homem consiste na sua existência, mas este se esquece dessa
existência do seu ser-no-mundo no momento que desvia de si, se perde
entre os entes o seu ser, como está ocorrendo com os jovens Tukano.
Pensamos que falta a indagação, a autoavaliação do próprio sentido
de existir, essa busca de sentido consiste, segundo Frankl em:

Perguntar-se qual é o sentido da vida, é um ato especificamente


humano, nenhum animal tem dúvidas acerca do sentido da sua
existência; e mais humano ainda é questionar se a vida tem algum
sentido. Tal atitude é, além disso, um sintoma de
Amadurecimento espiritual: significa que a pessoa não se limita
genericamente ao que lhe dizem os ideais e os valores
tradicionais, mas tem coragem de lutar por um sentido pessoal, de
procurá-lo por conta própria, com autonomia (Ibidem, 13).

Frankl, nesta sua afirmação coloca claramente, o sentido da


existência, referindo-se ao homem, de questionar se a vida tem sentido,
pergunta que eleva o homem na busca de um amadurecimento interior,
como na consciência de si, da sua responsabilidade no mundo, de viver
de maneira responsável com atitudes de humano, com autonomia,
primeiramente pessoal, e logo, a se voltar na valorização de sua cultura,

Soeitxawe
424 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

com esse seu sentido de estar no mundo sem nenhuma dependência de


sofrimento no álcool e drogas.
Os jovens tendo essa capacidade se si voltar para sua realidade, de
construir a vida e, o seu sentido de viver no mundo, não exercitam o seu
pensamento, perante o sofrimento, permanecem na mesmice de
dependência de álcool e drogas, perdendo a essência do ser no
esquecimento, numa vida inautêntica. Compreende-se também, que não
se dá o sentido aos outros, é uma obrigação particular pessoal de se
descobrir o seu existir, só se tem uma orientação para caso de
sofrimentos ou em alguma dependência sem nenhuma solução. José
Carlos Vitor Gomes comentador do livro Logoterapia Psicoterapia
Existencial Humanista de Viktor Emil Frankl coloca da seguinte maneira
sobre o sentido:

A vida já tem um sentido a partir do momento em que somos


atirados neste mundo. Falta a cada um descobri-lo. Esta é a
intenção da logoterapia. [...] Mas o sentido que estamos
procurando está no nosso interior. É uma vocação, um apelo,
uma espécie de chamamento que nasce do íntimo de cada ser
humano, porque é na intimidade de cada um que ele está
plantado (GOMES, 1987: 28).

Heidegger demonstra no seu pensamento que ao ser o homem


jogado no mundo sem nenhuma prévia da criação divina, ele é o próprio
responsável pela sua existência, ser lançado no mundo que se projeta
além de si, sendo a morada do ser.
Com esta concepção heideggariana correlaciona-se o pensamento de
Frankl, pois este, tem essa mesma proposta de compreensão de homem
sendo lançado no mundo, ou seja, atirado no mundo; tendo cada um a
consciência de descobrir o seu sentido de existir, este se faz presente no
interior, como Heidegger coloca o ser que se faz presente dentro do
homem e que se manifesta com a abertura do próprio do homem de si,
descobrindo a essência do próprio ser que se encontra velado e com o
desvelamento de si o homem se torna humano, aquele que na vida
autêntica existe, realiza no mundo, para o mundo, com o mundo.
A Crise dos Jovens Tukano dá-se quando estes se prejudicam com a
vivência do dia-a-dia na sua cotidianidade na comodidade, sem nenhuma

Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 425

perspectiva de vida, sendo dominados pelo mundo do álcool e drogas.


Diante dessas problemáticas questionáveis, inquietações para nosso
estudo para reflexão, sobre as situações indecentes, Viktor Frankl coloca
propostas no seu livro Sede de Sentido, como a importância do “A vontade
de sentido”,

Pessoalmente, penso que tal situação só é possível se aceitarmos


que o ser humano, no fundo e, portanto essencialmente, ou pelo
menos originariamente se move e é motivado por uma “vontade
de sentido”, como costumo chamá-la. Noutras palavras: essa
frustração mundialmente difundida, que caracterizamos como
vazio existencial, só se compreende dentro do contexto de uma
teoria motivacional que mostre o homem como “um ser à busca
de sentido”, um ser que quer encontrar para toda a sua existência
e para cada situação no interior da mesma um sentido, e que
depois quer realizá-lo (1989: 15).

No interior do ser humano, quando se está numa frustração


existencial, o qual assim chama Viktor, há uma “vontade de sentido” que
permanece oculta, pois, isso trataria o homem a compreender o seu
vazio existencial, reconhecendo que é um ser da busca de sentido, numa
perspectiva de constante permanência para sua existência, portanto,
interiormente um sentido a se desvelar para o homem se realizá-lo
humanamente. O pensamento de Frankl não são imposições, muito
menos exigências para ao homem seguir normas para a existência, mas
como próprio afirma:

“Somente o estou dirigindo para uma direção em que pode


pousar”. Se exigirmos do homem o que ele deve ser, faremos dele
o que ele pode ser. Se pelo contrário, o aceitarmos como é, então
acabaremos por torna-lo pior do que é (Ibidem, 14).

O que o Viktor tenta propor aqui é entender que a linha pelo qual ele
segue é não deixar ou torna-se pior com os sofrimentos, com vácuo
existencial, com frustrações que ocorrem na vida do homem, mas dar um
novo passo, projetar-se numa visão de si, elevar-se com a sua
interioridade. Álcool e drogas nesta linha de pensamento, para os jovens

Soeitxawe
426 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

Tukano, é uma forma de não se petrificar com esses sofrimentos, mas de


descobrir o sentido da sua existência pessoal no mundo, como ser
lançado no mundo, e que com isso vai se realizando no presente,
fazendo com que o ser verdadeiro dentro do seu interior desvele o
verdadeiro sentido para sua existência.
Os jovens Tukano perdem o seu verdadeiro ser interior, em meio ao
ente aparente, que desvaloriza a humanidade destes, impedindo a busca
de sentido. Traz inquietude ver as frustrações existenciais que ocorrem
na vida pessoal particularmente, afetando a família, a comunidade onde
se está inserido. A falta de sentido os leva a buscar consumir álcool e
drogas numa situação de crise, e que com esse uso exacerbado, perde o
seu compromisso de estar no mundo, que são o cuidado de si,
realizações com êxito de seus projetos, a colaboração e valorização da
sua cultura perante o sistema capitalista consumista, tecnológico.
No livro Encontrar sentido na vida: Propostas filosóficas, Renold Blank,
comenta o pensamento de Frankl sobre o sentido afirmando que perante
catástrofes existenciais o homem passa como ser jogado no mundo,
querendo encontrar sentido na vida, mas de forma sofrida, diante das
propostas efêmeras que a sociedade consumista oferece, trazendo essa
realidade, afirma:

Conforme Frankl, “o homem é um ser em constante busca de


sentido”. À medida que o descobre, ele se torna feliz, porém à
medida que não o encontra, começa aquilo que Frankl chama de
“o sofrimento por causa de uma vida sem sentido”. Nesse
sofrimento revela-se o verdadeiro ser daquilo que é a pessoa
humana. É só ela que formula indagações sobre o sentido da sua
vida. Ela, além disso, até pode negar que tal sentido exista. No
entanto, essa negação e a subsequente perda de sentido da sua
própria vida jogam o ser humano num vácuo existencial sem
precedentes (BLANK, 2008: 45).

Captando o pensamento de Frankl, Blank coloca sobre o homem, um


ser em constante busca de sentido, no qual chega em duas formas de
consequências do seu encontro. Ao descobrir o seu sentido de ser, o
homem se torna feliz, e quando não se encontra o sentido de estar no
mundo, fica ou se inicia com o que o Frankl denomina de “sofrimento por

Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 427

causa de uma vida sem sentido”, ou seja, começa aquilo que se pode perceber
filosoficamente de vácuo existencial, o qual os filósofos existencialistas
propunham o ser no vácuo existencial.
Ao estar nesse sofrimento, o homem deve buscar na situação de sem
sentido da vida como revela-se o verdadeiro ser, a essência de ser uma
pessoa humana e resgatar a humanidade do seu ser interior. Porque o
homem é único ser que possui capacidade de indagar o seu modo de ser,
questionar o seu sentido de vida vai além de si, se projeta diante da sua
existência no mundo, onde o ser verdadeiro se realiza. A perda do
sentido de vida, dita por Blank através do pensamento de Frankl, é
entendida como ocultado no vácuo existencial, o verdadeiro ser.
A crise do sentido dos jovens Tukano, se apresenta nessa perspectiva
de análise existencial. Quais são as indagações da comunidade Tukano,
onde estão inseridos no mundo do álcool e drogas, os quais são entes,
que velam o verdadeiro ser interior, espírito interior segundo Frankl que
permanece oculto, e que não é afetado pela vida banal do homem e que
quando acontece o desvelamento deste, faz assumir o homem como
humano, tendo sua responsabilidade de estar no mundo em realizações
de vida com sentido.
No relatório 2006-2007 sobre A violência contra os povos Indígenas no
Brasil, temos uma avaliação desse quadro. No Brasil, os jovens indígenas
estão no patamar do uso de drogas e álcool onde este afirma que:

Um problema muito frequente entre a população Indígena é a


questão do consumo excessivo de bebidas alcoólicas. A falta de
perspectivas, principalmente no que se refere ao modo de vida e à
questão da terra, somando a facilidade a obtenção de bebidas
alcoólicas nas comunidades, faz crescer um cenário triste e muito
preocupante, que afeta grande população Indígena (CIMI, 2006:
164).

Esta citação produzida pelo Conselho Indigenista Missionário destaca de


forma provável a perspectiva de vida que os jovens Indígenas possuem
ou sofrem com o consumo de álcool e drogas. Esses fatos do uso sem
moderação como dependência alcoólica ocorrem na migração do sujeito
Indígena para cidade à procura de empregos, continuar os estudos,
enfim, existem vários modos, motivos por ingressarem no ambiente

Soeitxawe
428 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

urbano, o resultado disso, acaba encontrando esse consumismo


cotidiano do álcool exacerbado, sem buscar refletir a perspectiva de vida
que está levando e que irá levar futuramente.
Assim, nesta reflexão da análise existencial, sobre o sentido da
existência do Jovem Tukano, nos é provocador no sentido de que alerta
o compromisso com a comunidade dos Tukanos, como forma de
colaborar conscientizando com valores culturais desta região.

3. A necessidade de políticas públicas: a emergência para resgatar


o povo Tukano

Nos inquieta para refletir perante o sofrimento do uso de álcool e


drogas dos jovens Tukanos na construção de vida do valor da identidade.
Os políticos muitas vezes, principalmente, durante os grandes eventos
como na propagação de suas campanhas, fazem visitas nos distritos
Indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira, no entanto, são os
primeiros a levarem a cachaça fazendo com que o povo consuma por
motivo de apoio de voto durante eleições. Poderiam pelo menos
conscientizar os jovens para irem buscar os estudos melhores,
promovendo políticas educativas, desconstruindo o uso excessivo do
álcool que não trará a valorização da cultura. A partir disso vemos que
não há programas de intervenção das políticas públicas na comunidade
Tukano, que poderia resgatar o sentido da existência dos Jovens que
usam álcool e droga.
Somente há registros de que em 2001-2006 principalmente na ação da
FUNAI, teve o impedimento da entrada de bebidas alcoólicas de São
Gabriel para distritos e comunidades ribeirinhas, onde os comerciantes
brancos e indígenas transportavam muitas caixas de preferência corote e
pirassununga, completando com caxirí, com um custo muito alto.
Infelizmente essa ação da FUNAI não sobreviveu por muito tempo.
Como menciona Barreto,

Isto ocorre não de forma generalizada. As comunidades alguns


membros das comunidades conseguem burlar a fiscalização da
FUNAI. Mas isso não ocorre em todas, porque a própria

Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 429

comunidade condena. Isso é mais comum nos centros urbanos


(BARRETO, 2011: 3).

O autor coloca como este Indígena depois do uso fica desejando


mais, e vai a cidade para comprar levando ao distrito, vendendo e
consumindo. Mesmo com a fiscalização da FUNAI, eles conseguiam
passar se escondendo ou remando à noite na frente do posto onde ficava
a FUNAI, essa intervenção acabou deixando que a ação chegasse ao
fracasso por falta de uma política pública mais eficaz.
Diante do que foi exposto, nossa preocupação sobre o uso de álcool
e drogas na comunidade dos Tukano no Alto Rio Negro, representa um
modo investigativo contra a inércia das autoridades públicas. Enquanto
pesquisador e sujeito dessa comunidade etnocultural, acreditamos que
esse estudo possa contribuir para uma reflexão sobre o valor existencial
dos jovens Tukano e suas perspectivas de vida.

Considerações finais

Esta temática do sentido da existência dos jovens Tukano, foi


elaborada numa perspectiva filosófica compreendendo a própria palavra
sentido e existência nos determinados filósofos como Heidegger e Viktor
Frankl, bases fundamentais do nosso estudo desta temática. E a partir
disso que fomos fazer uma análise da realidade dos jovens Tukano
trazendo para a reflexão o sentido da existência destes seres autóctones,
perante o uso de álcool e drogas.
O maior foco foi analisar, compreender, indagar como estes jovens
constroem, encontram o sentido de ser no mundo, o por quê estão
imersos no vácuo existencial, propriamente dito pelos filósofos do século
XX, e qual o sentido da vida diante do mundo de álcool e drogas.
Sabemos que nunca damos repostas ou nunca se dá sentido ao outro.
Ao nascer já vai se descobrindo e ao longo do desenvolvimento da sua
humanidade. O problema acontece quando na fase de adolescência as
decisões ficam ocultas e confusas e sente-se frustrado com a vida. Por
este motivo cai no esquecimento da essência de ser e ao se manifestar na
frente dele, se lança, como por exemplo no álcool e nas drogas.

Soeitxawe
430 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

Na elaboração desta monografia, não damos propostas como se vive,


como se pode existir, porque clara e individualmente o homem já tem
consciência da sua existência no mundo, já nasce com sentido. O sentido
é perdido durante a sua existência quando, uma vez que o ente aparece
velando o ser, e ser ente sofre com o sentido de existir. Tudo tem
explicação na história de cada ser humano, cultural, social, enfim.
O homem existente como todo neste século XXI, está imerso no
esquecimento do ser como Heidegger apresenta, alertando que, a
existência do homem não consiste na vida banal ou vazio existencial, e
sim a natureza do homem consiste na sua existência. E que esse existir
transforma, se faz com que faça o exercício da autorreflexão de si, e
assim encontrando o sentido para a sua vida diante da frustração
existencial.
A existência dos jovens Tukano sendo ocupada por álcool e drogas,
se posiciona numa vida intramundana. A partir das referências
bibliográficas, revistas, jornais, artigos científicos, e outros meios com os
quais nós realizamos a análise desta realidade banalizada, encontramos
uma ampla complexidade de problemática do sentido de existir destes
jovens, filosoficamente indagando a vida destes indivíduos que possuem
cultura milenar. Os vários pesquisadores, filósofos, comentadores nos
colaboraram, nos orientaram para a produção deste trabalho que fica
incompleto, aberto para ser uma contínua indagação desta realidade
frustrante, problemática em pleno século XXI, mundo tecnológico.
Fichamentos, leituras, pesquisas, foram realizadas para
desenvolvermos o sentido da existência dos jovens Tukano, a intenção é
colocar mesmo diálogo filosófico com esta realidade, numa compreensão
do vazio existencial do Viktor Frankl, Heidegger, que fala da existência, o
sentido de ser, Leonardo Boff, Batista Mondin, e vários outros.
Essa perspectiva analítica da realidade existencial dos jovens Tukano,
nos manteve reflexivo, pensativo, de compreender esta realidade
concreta problemática. O trabalho realizado é mais voltado para a
própria realidade existencial como todo, na cotidianidade desses jovens,
com uso do álcool e drogas.
A reflexão nos trouxe a colocar, a fundamentar na filosofia, a base
que nos foi alicerce do nosso desenvolvimento, o que nós tratamos foi
tentar colocar mais numa perspectiva filosófica. Esta pesquisa ajudou

Soeitxawe
A crise do sentido de existência dos jovens Tukano 431

muito a buscar entender esse paradigma dominante, de uso de substância


química. A pertinência deste trabalho é que as indagações dessas
problemáticas deverão ser permanentes, porque o vazio existencial está
muito presente em meio aos jovens, com sofrimento em vários sentidos,
como por exemplo, a do álcool e drogas, que destroem o sentido de
existir.
Este trabalho aponta mais para o sentido de existir, enquanto os
jovens mergulhados no álcool e nas drogas, que deixam estes sujeitos no
vácuo existencial, a vida os torna sem sentido. Com isso buscamos
entender, refletir, fazer crítica-filosófica para uma nova construção de
vida para estes jovens, orientar para o caminho de ser, e que este seja o
verdadeiro existir que aponta numa vida com sentido.
Colocamos, apresentando o autoconstruir-se de si, segundo os
pensadores que contribuíram para o nosso trabalho de análise dessa
realidade sofrida dos jovens que estão impregnados nesse sofrimento de
álcool e drogas, e que se deixam estar numa vida banal.
O desafio é grande de conscientizar os jovens a buscarem a partir de
si, o sentido para a vida, porque são extremamente dependentes,
histórico e culturalmente. Eram normais, mas depois que tiveram essa
modificação pelo uso do álcool e drogas, destruíram a própria cultura, o
sentido de ser, trazendo o vácuo existencial.

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434 Sidiclei Meireles & Antonio Romero

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Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos: uma análise político-legal
relacionada a aspectos do desenvolvimento sustentável1

Matilde Mendes (UNESC – RO e UNEMAT – MT)


Andréa Rodrigues Barbosa (UNESC – RO)
Alceu Zoia (UNEMAT – MT)

Resumo: Os povos indígenas das Américas têm enfrentado um emaranhado de


dificuldades desde o início dos contatos com os povos não indígenas. Essa
realidade não é muito diferente na Amazônia Legal Brasileira, a qual sofreu
grande impacto migratório de não indígenas vindos de diversas regiões do
Brasil, intensificando-se a partir da segunda metade do século XX. As famílias
não indígenas partiam à posse das terras que só se efetivaria perante o INCRA
com derrubadas das florestas e cultivo da terra. Percebe-se que essa política de
colonização da Amazônia brasileira ocorreu de forma desastrosa gerando muitos
conflitos. Eram dois mundos disputando o mesmo espaço. Com base no
exposto, o presente estudo tem como objetivo analisar instrumentos político-
legais criados do sentido de tratar a questão indígena no Brasil, relacionando
suas disposições a aspectos do Desenvolvimento Sustentável defendidos por
Sachs (2009) e Seiffert (2011).
Palavras-Chaves: direito indígena; desenvolvimento sustentável; Amazônia.

Introdução

O presente estudo surgiu da necessidade de relacionar aspectos legais


do direito indígena aos componentes do desenvolvimento sustentável
defendidos por Seiffert (2011), sem, no entanto, esgotar outras
possibilidades de análises e reflexões sobre as ideias aqui defendidas.
Para a efetivação da proposta de análise, primeiramente, fez-se uma
abordagem sobre os aspectos históricos e políticos-legais dos povos


1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE Congresso Internacional de
Pesquisa Científica da Amazônia, realizado entre os dias 01 e 03 de maio de
2015, Cacoal, RO.

Soeitxawe
436 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

indígenas da Amazônia, bem como se teceu considerações sobre


desenvolvimento sustentável, considerando os pressupostos ambientais,
sociais, culturais e econômicos. Em seguida, foi realizada a análise de
instrumentos legais voltados às questões indígenas, relacionando-a a
aspectos do desenvolvimento sustentável em Terras Indígenas.

1. Aspectos históricos e políticos-legais dos povos indígenas da


Amazônia.

Os povos pré-colombianos, assim denominados por já viverem nas


terras americanas antes de serem descobertos por Cristovão Colombo,
sofreram drástica redução em sua população. Estima-se que no Brasil no
ano de 1.500 havia por volta de 3 a 5 milhões de índios, sendo que esses
números decaíram para 1.200.000 em 1920. Isto significa que, em pouco
mais de quatro séculos, cerca de 3 milhões de índios desapareceram.
Com base no censo há 896,9 mil indígenas no Brasil, de 305 etnias e
falam 274 idiomas (IBGE, 2010).
Cada período de crescimento da economia brasileira e de ocupação
do território se fez à custa de muitas mortes de indígenas. Nos séculos
XIX e XX, ocorreu com maior intensidade, à ocupação da Amazônia e
do Brasil central. A instalação de grandes projetos econômicos, a
construção de estradas como a Belém – Brasília contribuiu para a
aceleração do extermínio de muitos indígenas (PORTELA e MINDLIN,
1991).
Nos dizeres de Cavuscens (S/D), reforçados por Luciano (2006), os
movimentos indígenas contemporâneos, podem ser divididos em:
Indigenismo Governamental Tutelar, que durou aproximadamente um
século, caracterizado pela criação e atuação do Serviço de Proteção ao
Índio – SPI, Decreto 8.072 (1918) instituindo a tutela do indígena em
relação ao Estado, uma tutela negativa pautada na “relativa incapacidade
dos índios civil e intelectual” intensificava-se, também, a campanha por
“integração e assimilação cultural”, com o intuito de efetivar a
apropriação das terras indígenas e negar suas etnicidades e identidades.
Os índios deveriam ser integrados à sociedade nacional, abdicando,
assim, de seus conhecimentos ancestrais, dentre eles a língua materna e

Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos 437

religiosidades. Essa política visava à expansão das fronteiras agrícolas e o


indígena era visto como um obstáculo ao avanço do colonizador não
indígena e ao desenvolvimento econômico do país.
Seguindo na visão dos ilustres indigenistas citados, o segundo período
pode ser denominado de Indigenismo não-governamental, sendo
iniciado em 1970 com a introdução de dois novos atores: a Igreja
Católica renovada e as organizações civis vinculadas a setores
progressistas da Academia Universitária. Esses atores foram e são
importantes na assistência às necessidades básicas e denúncias sobre
questões de violação de direitos indígenas somadas as organizações não-
governamentais (ONGs). Os movimentos indígenas foram se
fortalecendo no início da década de 1980 que culminou em importantes
conquistas positivadas na Constituição Federal de 1988.
Ainda no entendimento dos indigenistas Cavuscens (S/D) e Luciano
(2006), o terceiro período pode ser denominado de Indigenismo
Governamental Contemporâneo – pós 1988. Nota-se a ampliação da
relação do Estado com os povos indígenas, envolvendo vários
ministérios com atuação na causa indígena, exemplo: saúde e educação
escolar indígenas, quebrando a hegemonia da Fundação Nacional do
Índio (FUNAÍ), atuante, também, até a presente data.
No entanto, segundo Camara (2013, p. 37), não há uma efetividade
na aplicação da legislação indigenista e expõe sobre a situação acima
mencionada:

A dupla violência e desrespeito contra os índios parece ter


retornado com força nos últimos anos. O norte do país voltou a
ser uma de suas principais fronteiras de desenvolvimento. “Os
grandes projetos iniciados na onda de colonização da Amazônia
no governo militar nunca foram abandonados completamente”,
sublinha o procurador da República no Pará, Felício Pontes.

A usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, é o exemplo


mais evidente disso. Concebida nos anos 1970 e batizada de
Kararaô, ela mudou de nome e de desenho para ressurgir na
última década como principal obra do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC). Belo Monte vai impactar, direta ou
indiretamente, 24 etnias. Mas o projeto é apenas um de tantos.

Soeitxawe
438 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

Há outras 22 hidrelétricas planejadas em rios amazônicos nos


próximos dez anos.

Os Estados Democráticos de Direito para que o sejam de fato devem


respeitar o Direito do Outro, hipossuficiente, mediante o grande poder
avassalador dos grupos econômicos internacionais e nacionais que
movimentam os grandes empreendimentos entorno e em terras
indígenas.
Ouvir e respeitar as comunidades indígenas, é o que se espera dos
poderes constituídos em consonância com a legislação vigente.
No Brasil, apesar do Estatuto do Índio (Lei 6001) ter sido publicado
em 1973, somente com a Constituição Cidadã de 1988 é que se deu
maior notoriedade aos direitos indígenas e força para que esses povos
reivindicassem com maior veemência seus direitos. O artigo 231, caput,
da referida Carta ao tratar a questão indígena, dispõe que:

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,


línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens
(BRASIL, 1988, p.541).

Mas a efetivação plena desses direitos ainda é uma realidade que vem
sendo construída. Exemplo disso é o Decreto 7.747/2012, intitulado
Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas - PNGATI,
criado com o intuito de proteger, recuperar, conservar, promover a
gestão à sustentabilidade ambiental em terras indígenas às presentes e
futuras gerações, respeitando a autonomia sociocultural das populações
indígenas, promovendo capacitações, desenvolvimento de projetos em
prol de melhorias de qualidade de vida aos povos indígenas (BRASIL,
2012).
Uma das diretrizes desse instrumento político é a “proteção e
fortalecimento dos saberes, práticas e conhecimentos dos povos
indígenas e de seus sistemas de manejo e conservação dos recursos
naturais” (BRASIL, 2012). Percebe-se a necessidade de se fortalecer o
etnoconhecimento, buscando apoio nos ensinamentos dos ancestrais, na

Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos 439

medicina natural, na extração de alimentos das florestas, nos rituais de


purificação, no aprendizado e divulgação da língua materna, nos
artesanatos e lições de vida mitológica, que vão se tecendo saberes
milenares que mostram ao homem não indígena novos olhares, novos
ângulos de se observar o mesmo objeto, o próprio homem, e
principalmente aprender a ver, olhar, aceitar a natureza como parte
integrante da vida humana.
Vale aqui ressaltar a valorização política do gênero feminino como
uma das diretrizes que norteiam a PNGATI:

reconhecimento e valorização da contribuição das mulheres


indígenas e do uso de seus conhecimentos e práticas para a
proteção, conservação, recuperação e uso sustentável dos
recursos naturais imprescindíveis para o bem-estar e para a
reprodução física e cultural dos povos indígenas (BRASIL, 2012).

A mulher indígena na Amazônia Legal, além de cuidar da criação da


prole e de se ocupar com os afazes domésticos, faz artesanatos, dentre
outras incumbências, também desenvolveu e desenvolve papel
importante na sustentação alimentar familiar. A antropóloga, Mindlin
(1985, p. 62, 63), nos revela facetas fascinantes da vida comunitária das
mulheres indígenas Paiter Suruí entre os anos de 1979 a 1981, a saber:

A provedora: a divisão sexual do trabalho. Não se poderia dizer


que o mato é mais domínio do homem e a aldeia o da mulher. Os
homens caçam e são quem providenciam a carne, mas as
mulheres podem acompanhá-los. As outras fontes de alimento da
floresta, a castanha, o mel, os frutos, exigem homem para cortar
as árvores e as mulheres para ajudar a carregar. As mulheres
cortam sozinhas o palmito (os homens podendo pegá-lo
também), apanham coquinhos variados (de tucumã, de açaí, de
babaçu etc.), deles extraem as larvas. Estas, maiores, de outro
tipo, existem também nos troncos de certas árvores. É comum os
meninos irem apanhar larvas, frutos ou outra coleta mais fácil.
Mulheres e meninos apanham bananas, carás e outros produtos
entre os colonos. As mulheres é que preparam os alimentos. Os
homens só cozinham um inhame ou batata às vezes, se a mulher
está em reclusão. Assam carne e peixe nos moquéns, cortando e

Soeitxawe
440 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

preparando os animais. Caititu, queixada, tatu, macaco, nambu,


tamanduá são os mais comuns. Quando a caça é pouca, é cozida
– e são as mulheres então que se ocupam das panelas pela noite
adentro.

Com o surgimento de organizações indígenas modificou-se a


configuração dos espaços de poder presentes nas comunidades e nos
povos indígenas, uma vez que novas pessoas passaram a ter funções
importantes na vida coletiva, como é o caso dos dirigentes de
organizações indígenas, dos professores, dos agentes indígenas de saúde
e de outros profissionais indígenas (LUCIANO, 2006). Dentre esses
profissionais muitos são mulheres indígenas.
No século XXI tem-se acompanhado a proliferação de
megaempreendimentos construídos nos rios que compõem a bacia
Amazônica, sem resguardar de forma adequada os direitos dos povos
indígenas, essa vasta região brasileira, a qual se denomina Amazônia
Legal, se estende por vasta região no Brasil conforme a Lei 1.806 de 06
de janeiro de 1953, a Amazônia Legal tem área de, aproximadamente,
cinco milhões de km2, nela reside, aproximadamente, 56% da população
indígena brasileira, essa área corresponde a 59% do território brasileiro,
abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará,
Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão, parte (BRASIL, 1953).
O Brasil é constituído de uma pluralidade de ecossistemas e seus
ambientes naturais, o que dá origem a uma diversidade de tipos
ecológicos, microclimas e distintos tipos de solos. A região costeira e
insular favorece uma ampla produção de espécies vegetais e marinhas. As
regiões de Mata Atlântica, do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia
propiciam uma excepcional riqueza da fauna e de espécies vegetais e
minerais. Além disso, o Brasil possui a maior reserva de recursos hídricos
potáveis do mundo, grande parte localizada na Amazônia Legal, que
poderá viabilizar no futuro a sobrevivência humana no planeta
(LUCIANO, 2006).
Economia indígena envolve a subsistência e o desenvolvimento
socioeconômico sustentável desses povos, sendo necessária a promoção
de políticas que levem à produção ou a exploração dos recursos naturais
de forma econômica, social, cultural e politicamente sustentável. A
economia indígena está intrinsecamente ligada aos valores do índio,

Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos 441

objetivando a promoção do seu bem-estar. Muitos indígenas na Região


Amazônica mantêm seus costumes ancestrais, apesar da incorporação de
novos hábitos, usam roupas, falam a língua portuguesa, compram
alimentos e objetos industrializados, também negociam produtos do
extrativismo, agropecuária, artesanatos. Outras atividades envolvem o
reflorestamento de áreas devastadas, e até mesmo a inserção no mercado
de créditos de carbono, como o tem feito o povo indígena Paiter Suruí
de Cacoal – RO.
A presente pesquisa tem por objetivo uma breve análise Histórica
Politico-Legal da Amazônia ressaltando a questão indígena. Para o
referido fim foi citada a Lei 1.806 de 06 de janeiro de 1953, conceito
político que delimita a Amazônia Legal, também fez parte do presente
estudo o Serviço de Proteção aos Índios, criado pelo Decreto 8.072 de
20 de junho de 1910, que foi substituído pela Fundação Nacional do
Índio (FUNAI), criada por meio da Lei 5.371 de 05 de dezembro de
1967, sendo que a Lei 6.001 foi criada em 19 de dezembro de 1973,
reconhecida como Estatuto do Índio e o maior instrumento legal em
defesa dos direitos indígenas no Brasil é a Constituição Federal,
promulgada em 05 de outubro de 1988, aqui citamos os principais artigos
que tratam da questão indígena contidos na Carta Magna: CF/88, artigos
1º, I; Art. 3º, IV; art. 4º, III, e parágrafo único; art. 5º, LV; art. 20 XI;
parágrafo 2º; art. 22, XIV; art. 49, XVI, art. 109, XI; art. 129, V; art. 174,
parágrafos 3º e 4º; art. 176, parágrafo 1º; art. 210, parágrafo 2º; art. 215,
parágrafo 1º; art. 216, I, II, III, IV, V, parágrafos 1º e 2º; art. 231,
parágrafos 1º, 2º,3º,4º, 5º, 6º e 7º; art. 232 e ADCT art. 67. Outros
instrumentos, também importantes, são a Declaração das Nações Unidas
sobre os direitos dos Povos indígenas Aprovado pela Assembleia Geral
da ONU, em 7 de setembro de 2007; Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais,
promulgada no Brasil pelo Decreto 5.051 de 19 de abril de 2004 e por
sua vez o Decreto 7.747 de 05 de junho de 2012, o qual institui a Política
Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas –
PNGATI, os instrumentos legais citados, além de outros aqui não
mencionados são de suma importância para a efetivação da garantia e
aplicabilidade dos direitos dos povos indígenas.

Soeitxawe
442 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

2. Considerações sobre desenvolvimento sustentável

O ser humano, dentre todas as espécies animais existentes, é a que


apresenta a maior capacidade de adaptação ao ambiente natural, graças a
sua capacidade de criar em seu entorno um meio ambiente próprio,
diferente do meio circundante (ambiente natural). Essa capacidade de
intervenção humana sobre o meio ambiente multiplicou-se de maneira
jamais imaginada pelo próprio homem (DIAS, 2011).
No século XVIII, com o advento da Revolução Industrial
espalhando-se rapidamente pelo planeta, o crescimento econômico
começa a tomar forma e gerar perspectivas do aumento de uma riqueza
que traria prosperidade e melhor qualidade de vida para as pessoas. No
entanto, os novos mecanismos e formas de produção aliados à
exploração intensiva e sistemática dos recursos naturais não
consideraram as consequências sofridas pelo meio ambiente, levando-o a
situações de insustentabilidade (DIAS, 2011; SEIFFERT, 2011).
Após a verificação de vários incidentes/acidentes ambientais
ocorridos no planeta, começa a crescer a preocupação com a
conservação e a preservação da qualidade ambiental. O homem passa a
repensar sua postura em relação à maneira de usufruir dos recursos
naturais. A partir daí ocorrem uma série de importantes eventos
históricos na busca pela melhoria do controle ambiental nos
ecossistemas urbanos, levando ao amadurecimento dos conceitos de
desenvolvimento sustentável e educação ambiental (DIAS, 2011;
SEIFFERT, 2011):
- Década de 60: publicação do livro da bióloga marinha Rachel
Carson (Primavera silenciosa), expondo os perigos do Dicloro Difenil
Tricloroetano (DDT); criação do Clube de Roma;
- Década de 70: publicação do relatório “Os limites do crescimento”,
pelo Clube de Roma, resultado de projeções do crescimento
populacional, nível de poluição e esgotamento dos recursos naturais da
terra; conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
em Estocolmo, Suécia; criação do Programa das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente (PNUMA), encarregado do monitoramento dos avanços
dos problemas ambientais no mundo;

Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos 443

- Década de 80: formalização e obrigatoriedade da realização de


Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impactos sobre o Meio
Ambiente (EIA-RIMA); elaboração da I Estratégia Mundial para a
Conservação (IUCN); formação da Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD); publicação do “Relatório de
Brundtland” (nosso futuro comum), o qual apontava para as
desigualdades existentes entre os países e para problemas ambientais
existentes no mundo, além de disseminar o conceito de
Desenvolvimento Sustentável;
- Década de 90: Conferência Mundial sobre o Clima; elaboração da
norma internacional de proteção ambiental ISO 14001; II Estratégia
Mundial para a Conservação; Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), Eco 92 ou Rio 92
(vários acordos oficiais internacionais foram aprovados: Declaração do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21 e meios para
implementação, Convenção – Quadros sobre Mudanças Climáticas,
Convenção sobre Diversidade Biológica, Declaração de Florestas);
assinatura do Protocolo de Kyoto;
- Século XXI: Assembleia Geral das Nações Unidas; ratificação do
Protocolo de Kyoto (requerendo a ratificação de um número total de
países representassem 55% do total de emissões no mundo); Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas; Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada no ano
de 2012, na cidade do Rio de Janeiro (definir a agenda do
desenvolvimento sustentável para as próximas décadas).
Um dos resultados desses eventos foi a publicação do “Relatório de
Brundtland” (1987), no qual consta a definição de Desenvolvimento
Sustentável, o qual implica em suprir as necessidades do presente sem
comprometer a habilidade das futuras gerações em suprir as suas
próprias necessidades (www.un.org/documents/ga/res/42/ares42-
187.htm). Esse conceito serviu e serve de base para as definições de
agendas políticas e de operacionalização do próprio conceito, além de
contribuir na construção de análises da sustentabilidade pelos estudiosos
da área.
Com base nos estudos de Sachs (2002), Seiffert (2011) discorre sobre
pressupostos de sustentabilidade, quais sejam:

Soeitxawe
444 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

a) Pressuposto Social: busca por uma civilização com maior equidade


na distribuição de renda, no sentido de reduzir a distância entre o padrão
de vida dos abastados e dos não abastados;
b) Pressuposto Econômico e Ecológico: Estão bastante interligados,
pois a degradação ambiental atual é resultado da má utilização dos
fatores de produção. A sustentabilidade econômica permite uma melhor
alocação e gestão mais eficiente dos recursos e por um fluxo regular do
investimento público e privado.
c) Pressuposto cultural: inclusão de valores ambientais por meio de
processos educacionais.
d) Pressuposto geográfico: voltado para uma estruturação de uma
configuração rural-urbana mais equilibrada e melhor distribuição
territorial dos assentamentos humanos e atividades econômicas.
Seiffert (2011) ainda acrescenta que a maneira como as questões
econômicas e ecológicas são contempladas no padrão de crescimento
econômico é função direta dos paradigmas culturais de sua população.
Dessa forma, logo se percebe a necessidade da educação ambiental,
moldando o pensamento e atitudes de indivíduos mais sensibilizados
com as questões ambientais e sociais. No estudo em questão, pode-se
incluir a preocupação com o desenvolvimento sustentável indígena.
Uma vez que o presente trabalho busca fazer uma análise político-
legal relacionada a aspectos do desenvolvimento sustentável, na seção
seguinte serão mencionados os instrumento legais criados ao longo da
história indígena no Brasil, e em seguida verificada sua relação com o
conceito de desenvolvimento sustentável e os pressupostos citados nessa
parte.

3. Povos Indígenas Amazônicos: Uma Análise Político-Legal


Relacionada a Aspectos do Desenvolvimento Sustentável

Conforme visto no referencial teórico do trabalho, o Serviço de


Proteção ao Índio – SPI, por meio do Decreto 8.072 de 1918, foi o
primeiro instrumento legal brasileiro voltado à questão indígena. No
entanto, esse instrumento, se analisado à luz do ordenamento jurídico
indígena atual e à luz dos aportes teóricos sobre desenvolvimento

Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos 445

sustentável não condiz com a ideia de interação do indígena com a


sociedade envolvente. Além de o indígena ser considerado relativamente
incapaz e um obstáculo à expansão das fronteiras agrícolas e ao
desenvolvimento econômico do país.
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI, instituída pela Lei 5.371 de
1967 é uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, é o órgão
governamental com a função de atuar juntamente com os indígenas em
defesa de seus direitos.
Em substituição ao Decreto 8.072, foi instituído o Estatuto do Índio
pela Lei 6.001 de 1973, trazendo avanços na proteção de direitos
indígenas e em relação às terras originárias, no entanto ainda havia certa
contradição entre a proposta de se proteger esses direitos e ao mesmo
tempo buscar integrar o indígena à sociedade nacional. Em parte, essa lei
apresenta aspectos do desenvolvimento sustentável, quando se refere à
proteção de certos direitos e das terras originárias. Porém, ao mesmo
tempo foge totalmente dos aspectos culturais e sociais do
desenvolvimento, quando busca a integração do indígena à sociedade
nacional, pois provocaria a violação dos direitos culturais, ambientais e
sociais indígenas. Essa integração do indígena à sociedade nacional
representava, na época, uma despersonalização cultural, forçando-o a
assumir a cultura envolvente.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, resultado de
muitos movimentos em prol da causa indígena, foram reconhecidos aos
indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
bem como os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, dentre outros direitos. Diante dos dispositivos legais contidos
na Constituição Cidadã, percebe-se a abertura de oportunidades aos
indígenas quanto à gestão de seus territórios (organização social) sem a
intervenção direta do poder estatal, levando as comunidades a
administrarem suas terras de acordo com sua cultura. Porém, os direitos
garantidos pela Constituição Federal ainda não são plenos em muitas
comunidades indígenas, pois também ainda falta vontade política para a
efetivação desses direitos constitucionais.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT
sobre povos indígenas e tribais (2004), recepcionada pela legislação
brasileira tem sido um instrumento de luta aos povos indígenas no

Soeitxawe
446 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

tocante, principalmente, ao direito de serem consultados e respeitados


em questões que dizem respeito à cultura e às terras indígenas. Um
aspecto relevante desse instrumento é a obrigatoriedade da consulta
prévia diante da implantação de empreendimentos (impactos ambientais)
ou qualquer outro tipo de inserção que atinja o modo vida da
comunidade indígena. Apesar da existência de vários conflitos
envolvendo a efetivação do direito de consulta prévia, essa convenção
acaba se constituindo em um instrumento de contenção de impactos
ambientais aos ecossistemas existentes, de onde os indígenas se
sustentam. Assim sendo, percebe-se a grande contribuição aos
pressupostos ambientais do desenvolvimento sustentável: utilizar os
recursos existentes na natureza sem comprometer a capacidade das
presentes e futuras gerações se sustentarem.
O Decreto 7.747 de 2012 vem regulamentar a Política Nacional de
Gestão Ambiental em Terras Indígenas - PNGATI, instrumento esse
que vem trazendo avanços aos indígenas na gestão de suas próprias
terras. O objetivo dessa política é proteger, recuperar, conservar,
promover a gestão à sustentabilidade ambiental em terras indígenas às
presentes e futuras gerações, respeitando a autonomia sociocultural das
populações indígenas, promovendo capacitações, desenvolvimento de
projetos em prol de melhorias de qualidade de vida desses povos
(BRASIL, 2012). Em uma de suas diretrizes estão contidas práticas de
sistema de manejo e conservação dos recursos naturais. Ainda vale
destacar a valorização da mulher como parte importante na sustentação
do lar. Logo se percebe aspectos sociais de sustentabilidade com a
inclusão da mulher indígena nas atividades que possam gerar renda para
a família. Uma vez que os trabalhos de artesanato e da agricultura são
desenvolvidos dentro de um contexto de sustentabilidade, o
desenvolvimento econômico dessas comunidades tende a ser de forma
sustentável. Assim, verifica-se uma inter-relação entre os pressupostos
ambientais, sociais, culturais, e econômicos.

Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos 447

4. Considerações finais

Os países que têm a Amazônia em seus territórios têm desenvolvido


nos últimos anos, políticas de preservação da Região Amazônica e de
seus ecossistemas. No entanto não tem sido suficiente perante a pressão
de fortes interesses capitalistas que muitas vezes não dão vozes aos
povos indígenas para se manifestarem e se verem respeitados no direito
de permanecer em suas terras originais, sendo vistos por alguns grupos
empresariais como empecilho ao progresso, sendo notáveis os conflitos
envolvendo construções de hidrelétricas na Amazônia Brasileira.
Infelizmente os problemas das construções de hidrelétricas não são
um fato isolado, é preciso ressaltar que os povos indígenas das Américas
têm enfrentado um emaranhado de dificuldades desde o início dos
contatos com os povos não indígenas: suas terras expropriadas, sua gente
explorada nas mais humilhantes formas de exploração humana. A
política de colonização da Amazônia brasileira também ocorreu de forma
desastrosa aos povos indígenas que reagiam aos invasores. Eram dois
mundos que disputavam o mesmo espaço, e ainda disputam em algumas
regiões da Amazônia.
Conforme visto na análise desse estudo, verificou-se que os
instrumentos legais voltados à questão indígena apresentados possuem
características necessárias ao desenvolvimento sustentável: proteção
cultural, inclusão social, educação, saúde, segurança das terras originárias,
segurança alimentar, entre outros. No entanto, ainda se verifica que nem
todos esses instrumentos têm sua aplicabilidade plena, impedindo uma
melhor gestão das comunidades indígenas e melhores condições de vida
a esses povos.
A luta agora é principalmente com a manutenção desses direitos já
adquiridos, bem como na busca pela implantação das políticas públicas
indigenistas em sua plenitude. E que essas políticas contemplem direitos
fundamentais e estejam amparadas pelos preceitos do desenvolvimento
sustentável, garantindo vida digna a esses povos no presente e no futuro.

Soeitxawe
448 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

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Soeitxawe
Povos indígenas amazônicos 449

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Soeitxawe
450 Matilde Mendes; Andréa Barbosa & Alceu Zoia

900-mil-indios-de-305-etnias-e-274-idiomas>. Acesso fevereiro


2015.

Soeitxawe
Desenvolvimento sustentável: uma análise dos mecanismos e
práticas adotadas por uma empresa rural situada no
município de Vilhena-RO no cultivo da silvicultura para fins
comerciais.1

Vanessa Morais

Resumo: O termo Desenvolvimento Sustentável, cada vez mais discutido em


Conferências relacionadas ao Meio Ambiente, gera alternativas de preservação e
recuperação de áreas degradadas. Um dos exemplos voltados ao
desenvolvimento econômico garantindo a sustentabilidade ambiental é a
Fazenda Londrina situada no município de Vilhena-RO, que buscou o
empreendedorismo ligado ao reflorestamento como uma alternativa de
recuperação do solo e rentabilidade dos investimentos. Diante dessa realidade, o
grupo Irmãos Batista (proprietários da fazenda) abre novos horizontes em
relação ao reflorestamento para fins comerciais. No início, o objetivo do grupo
era somente a recuperação do solo para fins agrícolas, mas viu-se neste
empreendimento, uma oportunidade de viabilidade econômica sem
comprometer os recursos naturais ali existentes. Dito isso, como resultado de
um estudo de caso, o presente artigo tem como objetivo analisar o processo de
implantação do reflorestamento pelos gestores da fazenda, relacionando seus
resultados a aspectos de Desenvolvimento Sustentável.
Palavra-chave: Desenvolvimento Sustentável; Manejo Florestal;
Reflorestamento.

Introdução

A questão ambiental que vem sendo discutida em todos os âmbitos


da sociedade é de interesse de todos, uma vez que as mudanças
ambientais podem trazer consequências positivas ou negativas à
qualidade de vida da sociedade contemporânea. Diante de uma

1Trabalho apresentado no I SOEITXAWE Congresso Internacional de Pesqui-
sa Científica da Amazônia, realizado entre os dias 01 e 03 de maio de 2015,
Cacoal, RO.
452 Vanessa Morais

necessidade de repensar seu modo de produção e utilização dos recursos


naturais, o desenvolvimento sustentável segundo o Relatório de
Brundtland visa satisfazer as necessidades do presente sem comprometer
a possibilidade das gerações futuras, de atenderem as suas próprias
necessidades.
Dito isso, alternativas de sustentabilidade estão sendo lançadas pelos
governos, empresas, sociedade civil, entre outros. Uma das atividades
que vem recebendo destaque no cenário internacional é a prática do
reflorestamento, e um dos exemplos verificados no estado de Rondônia
é a Fazenda Londrina, que traz ao município de Vilhena o pioneirismo
na área de reflorestamento com fins comerciais, proporcionando não
somente a geração de emprego e renda, mas também a participação no
PIB nacional, através da comercialização dos insumos não só para região
Norte, mas também para outros países, como ocorreu no ano de 2013
com a exportação de resina de Pinus para Holanda e posteriormente para
Rússia.
Utilizando-se da Fazenda Londrina como objeto de estudo de caso
(estratégia metodológica utilizada), esse trabalho visa contribuir com a
construção de uma abordagem para o estudo da sustentabilidade através
do reflorestamento e posteriormente contribuir para futuras pesquisas
relacionadas ao tema. Além de servir de modelo para outras empresas,
investidores e produtores rurais (grandes ou pequenos).
Esse artigo está dividido em quatro seções: 1) abordando aspectos do
desenvolvimento sustentável; 2) reflorestamento e seus benefícios ao
meio ambiente, além de ser uma atividade alavancadora de resultados
econômicos e financeiros; 3) análise dos resultados; e 4) considerações
finais.

1- Abordando aspectos de desenvolvimento sustentável

As limitações dos recursos naturais despertaram o ser humano pela


busca de mudanças em relação ao seu comportamento predatório
durante o processo de ocupação do especo geográfico ao longo da
história (SEIFFERT, 2011). Essa postura introduz como premissa básica
a “sustentabilidade” do comportamento humano, no sentido de

Soeitxawe
Desenvolvimento Sustentável 453

encontrar medidas de controle e prevenção no sentido de evitar uma


crise ecológica de dimensões desconhecidas (MILANI, 1999).
Veiga (2006) e Sachs (2009) relatam conceitos sobre desenvolvimento
e discutem a semelhança do tema em relação ao crescimento econômico.
Segundo Veiga (2006), a expressão do Desenvolvimento Sustentável
passa a ser considerada como parte dos desafios para a sociedade
contemporânea, pois a mesma deverá pensar a curto e em longo prazo
na questão ambiental. Portanto, quatro desses desafios estão voltados à
destruição ou perda de seus recursos naturais, como habitat, fontes
protéicas, biodiversidade e solo.
Veiga (2006) explica que a conscientização ambiental está
parcialmente relacionada à descoberta de que a humanidade adquiriu
através do poder técnico, da aquisição de tecnologias avançadas que
trazem a destruição da vida no planeta. Mesmo tendo consciência da
limitação do capital natural, agressões ao meio ambiente são constantes.
O autor ainda discorre sobre a incompatibilidade entre crescimento
econômico contínuo e a conservação do meio ambiente, atentando para
a possibilidade de conciliação desses dois objetivos: conservação e
crescimento (VEIGA, 2006). Dessa maneira, teria a ideia de crescer sem
destruir.
Centrado na dimensão econômica, o quadro ideológico do modelo de
desenvolvimento atual se encontra, historicamente, muito presente nos
discursos de políticas públicas em todo mundo, fato que leva a um
questionamento dos governos em favor do chamando desenvolvimento
sustentável. Daí, a sustentabilidade pode ser considerada uma proposta
ao desenvolvimento, como um modelo, tendo em vista a
compatibilização entre o agir humano e as características da biosfera
(ROSA, 2009).
De acordo com Sachs (2009), a conservação da biodiversidade não
poderia ser apreciada com a opção do não uso dos recursos naturais
essenciais. Ao certo, o objetivo seria estabelecer o aproveitamento
racional e ecologicamente sustentável, para gerar benefícios à população
local. Portanto a discussão do termo Desenvolvimento Sustentável, em
relação a Veiga (2006) e Sachs (2009), entra no contexto de
conscientização da sociedade em geral, no sentido de que os recursos

Soeitxawe
454 Vanessa Morais

estão cada vez mais escassos, e as alternativas não estão sendo suficientes
para suprir estas depressões.
A partir do relatório de Brundtland, divulgado em 1987, pode-se
observar a ideia mais convincente em relação ao termo Desenvolvimento
Sustentável, pois o mesmo relata que “O desenvolvimento que procura
satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade
das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades”
(CMMAD, 1988, p.46 apud BARBIERI, 2009, p.19).
Dito isso, verifica-se uma alternativa a se seguir quando entra no
cenário as políticas de desenvolvimento sustentável, possibilitando a
preservação coerente dos recursos naturais. Além dessas possibilidades
direcionadas pela esfera pública, no âmbito empresarial, também são
percebidas ações no sentido de se preservar, proteger e regatar o meio
ambiente natural. Assim, surge como alternativa dessas atividades, o
atendimento às demandas do setor madeireiro desenvolvidas no
contexto do manejo legal.

2- Reflorestamento: resultados ambientais e econômicos

Manejo florestal, a partir do regime de rendimento sustentável, é a


condução de um povoamento florestal aproveitando apenas aquilo que
ele é capaz de produzir, ao longo de um determinado período de tempo,
sem comprometer sua estrutura natural e o capital investido (PARANÁ,
2002). A sustentabilidade do manejo deve ser garantida através da busca
do aperfeiçoamento contínuo dos sistemas utilizados e desenvolvimento
de novos sistemas, que contemplem o elevado número de variáveis
encontradas nas florestas amazônicas. Atingir tal equilíbrio requer a
busca contínua do aperfeiçoamento dos sistemas utilizados no manejo
florestal, além da criação e desenvolvimento de novos sistemas que
possam garantir a sustentabilidade dos recursos florestais. A importância
do setor florestal brasileiro (cadeia produtiva ligada à produção de
florestas e de produtos florestais) é confirmada por sua participação em
4,5% no Produto Interno Bruto - PIB, faturamento anual de US$ 21
bilhões, arrecadação de cerca de US$ 2 bilhões em impostos e geração de
2 milhões de empregos diretos e indiretos (BRDE, 2003; SBS, 2003,

Soeitxawe
Desenvolvimento Sustentável 455

ABIMCI, 2003 apud MENDES, 2004). Até o início dos anos 60, as
florestas nativas foram a principal fonte de suprimento de madeira para o
setor de base florestal, sendo as mesmas exploradas sem nenhum critério
racional. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Floresta
Plantada, as florestas plantadas têm assumido relevância crescente ao
servirem como fonte de matéria prima florestal, principalmente na forma
de madeira em tora, na maioria dos países, independentemente de sua
extensão, ao mesmo tempo colabora para reduzir a pressão sobre as
florestas nativas, prestando importantes serviços ambientais para a
sociedade (Disponível em www.abraflor.org.br).
O desmatamento, principalmente para fins agrícolas e de pecuária,
aliado ao manejo florestal não sustentável em larga escala e por longo
período, levou à degradação ambiental e ao comprometimento da
eficiência do setor florestal em grande parte do território nacional. Sendo
assim, o plantio de florestas no Brasil passou a ter expressão a partir da
década de 60, quando o governo federal introduziu incentivos fiscais
para reflorestamento - FISET4, incentivos estes localizados dentro do
Programa Nacional de Desenvolvimento - PND, tendo como visão a
geração de matéria-prima florestal para viabilizar as indústrias de papel e
celulose e siderurgias. Além destes incentivos, a publicação do Código
Florestal em 1965 e a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (IBDF) em 1967 foram ações que ajudaram a definir uma nova
política florestal para o País, promovendo o reflorestamento em larga
escala (MENDES, 2004).
Nas décadas de 1980 e 1990, a indústria de transformação de madeira
em Rondônia, entra em seu apogeu em decorrência de seu pólo
industrial fazer ao uso da matéria-prima de origem florestal, mas em
contra partida com o intenso desmatamento e a exportação da madeira
para a Região Sul do país não estavam sendo favoráveis tanto para
aspectos ambientais como também econômicos, pois no mercado do Sul
o preço da madeira extraída era bastante elevado, enquanto em Rondônia
o preço pago para os produtores rurais era muito baixo. Em muitos dos
casos a madeira era trocada por prestação de serviços de empresas para
cobrir custos pela abertura de vias de acesso aos lotes rurais, sendo
ocupados por produtores rurais (CARDOSO, 2013).

Soeitxawe
456 Vanessa Morais

Com o agravamento da questão ambiental, a opinião pública e


entidades internacionais têm cobrado dos governantes uma postura de
maior vigilância sobre os recursos naturais renováveis. Diante dessa
questão, o governo do estado optou pelo reflorestamento, com o intuito
de desenvolver ações para estimular o plantio de espécies florestais das
espécies nativas ou exóticas, para assegurar a sustentabilidade da cadeia
produtiva da madeira no estado.
Fatores importantes em relação a este novo empreendimento foram
lançados, como a desburocratização do processo de extração e
comercialização de madeiras (espécies nativas ou exóticas). Para esse
feito, o governo do estado lança no cenário através de suas políticas de
desenvolvimento sustentável o Decreto 15.933 e a Instrução Normativa
01 SEDAM / 2011. Esta medida possibilitou no ano de 2012, a liberação
de 98.880 metros cubos de espécies nativas, com este volume liberado
reaqueceu o setor de produção de lâminas para compensados. Através
desta iniciativa, o governo abre as portas para as empresas do ramo
reativarem suas atividades com modernização para o desdobro de
madeira com elevados índices de aproveitamento (CARDOSO, 2013).
A expectativa em relação à silvicultura em Rondônia é promissora, a
floresta plantada representa o futuro na geração de empregos e de renda
dentro do estado, superando até mesmo as usinas do Rio Madeira que,
no auge das construções, chegaram a empregar cerca de 35 mil operários,
enquanto que o setor de florestas poderá gerar, seguramente, mais de 40
mil postos de trabalho diretos e indiretos nos próximos anos. Portanto o
setor reaquece a economia do estado de forma produtiva e sustentável.

3- Análise dos resultados: mecanismos e práticas adotadas por


uma empresa rural situada no município de Vilhena-RO no cultivo
da silvicultura para fins comerciais

Vilhena é um município do estado de Rondônia. Sua população, de


acordo com o IBGE/2012, é de 78.686 habitantes, sendo assim a quarta
cidade mais populosa de Rondônia e a trigésima terceira mais populosa
da Região Norte do Brasil. Esse município está entre os dez que
concentram o PIB do estado, sendo que 11% da atividade econômica

Soeitxawe
Desenvolvimento Sustentável 457

com participação no valor adicionado bruto estão na área da silvicultura


e exploração florestal (SEPLAN, 2011).
No ano de 2009, o município teve uma participação significativa na
geração do PIB do estado de 5,87%, obtendo a 3ª posição no ranking
dos municípios responsáveis pela geração de renda na economia
rondoniense. De acordo com dados apresentados no relatório de 2011
organizado pela Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação
Geral – SEPLAN, a renda per capita do município em (R$ 1,00) é de
17.001, valor esse referente aos anos de 2005 a 2009, nesses anos
correspondentes, o município vem se mantendo na 3ª posição na
participação do PIB do estado.
Tendo participação ativa na economia do município de Vilhena, a
Fazenda Londrina, adquirida no ano de 1987, com uma extensão inicial
de cerca um mil hectares, atualmente é composta por dez mil hectares
(equivalente a 167 módulos fiscais). Essa propriedade está localizada às
margens da BR 364, distando 28 quilômetros do município de Vilhena.
Tendo em vista esses dados, a pesquisa busca explicar como foi o
processo de adequação aos instrumentos legais voltados ao
reflorestamento, ou seja, como a propriedade se adequou na área de
silvicultura de forma sustentável e rentável. Incluem-se também
explicações sobre as dificuldades enfrentadas pelos implementadores,
como a falta de incentivo do governo do estado na aquisição da matéria-
prima da floresta, no que se refere à compra de mudas.
No decorrer dessa análise, serão relacionados os resultados advindos
da atividade de reflorestamento na Fazenda Londrina aos aspectos de
desenvolvimento sustentável.
Incêndios eram ocorrentes no mês de agosto de cada ano, às margens
da BR 364, o que prejudicava totalmente a propriedade, em decorrência
das queimadas, o solo foi se tornando cada vez mais contuso gerando
prejuízos à propriedade. Cultivo de lavouras entre outros implementos
agrícolas foram executados sem sucesso. No ano de 2005, o Engenheiro
Florestal responsável apresentou uma nova alternativa de recuperação e
faturamento ao grupo Irmãos Batista, responsável pela propriedade. Era
uma alternativa de plantio de forma produtiva e sustentável. Para o início
da plantação, foi utilizada uma área correspondente a dois mil hectares,
subdivididos em duas espécies de árvores exóticas: Pinus e Eucalipto.

Soeitxawe
458 Vanessa Morais

Nesse contexto, foram plantadas 400 mil mudas de Pinus e 200 mil de
eucalipto, ambas para fins comerciais. As plantações foram executadas
ano após ano até se chegar ao quarto ano, uma vez que se completava o
reflorestamento, pois a meta de plantio era de dois milhões de árvores
nesses respectivos anos.
No ano de 2013, chegaram a ser três milhões de árvores plantadas, e
para 2014, a produção irá aumentar, pois está em projeto uma nova
aquisição de 1.000 hectares para plantação de novas florestas de Pinus e
Eucalipto. Ainda em 2013, a Fazenda Londrina foi pioneira na
exportação de Resina de Pinus para Holanda. A propriedade se
enquadra ao “Programa Mais Ambiente”, de âmbito federal.
A primeira colheita de eucalipto ocorreu cinco anos depois de seu
plantio, e o Pinus para fins madeireiros pode ser extraído com dezoito
anos de cultivo. No entanto, havia outro componente para fins de
comercialização no município de Vilhena: a resina retirada do Pinus.
Com esta se faz mais de cem tipos de subprodutos, como: cola, cremes,
perfumes. Para a coleta da resina é feita a raspagem do fuste,
sangramento, colocação de sacos de coleta e posterior colheita.
As árvores são monitoradas através de parcelas, ou seja, placas de
monitoramento que são fixadas em cada bloco das florestas para estudo,
com essas placas são obtidas informações sobre o crescimento anual de
cada floresta. A espécie Pinus cresce por volta de 34 metros cúbicos por
ano, e o Eucalipto cresce por volta de 60 metros cúbicos ao ano. O
Pinus tem uma produção equivalente a 100 anos. Nesse período, a planta
produz resina e posteriormente pode ser utilizada em fabricação de
móveis. Um hectare de Pinus produz 3 mil quilos de resina por ano, o
preço de mercado varia: atualmente o quilo equivale a R$ 2,00 (dois
reais), o valor de mercado pode chegar até R$ 4,00 (quatro reais) o quilo.
Segundo o engenheiro responsável, a produção de resina pode gerar uma
receita de R$ 6.000,00 (seis mil reais) por hectares ao ano, ou seja, como
uma floresta de cinco mil hectares o empresário terá uma rentabilidade
de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ao ano desse respectivo lote. Com uma
visão econômica, antes do plantio, o hectare da propriedade não
produzia esse equivalente. A prática do reflorestamento valorizou
economicamente o empreendimento, além de promover a
sustentabilidade na perspectiva ambiental. Nesse contexto, podem-se

Soeitxawe
Desenvolvimento Sustentável 459

apresentar as visões de SACHS (1993) em relação ao aspecto econômico


e ambiental.

Figura nº 1: Placas de Monitoramento das Florestas


Fonte: Dados da pesquisa (10 de Junho de 2013)

A Fazenda adota a política de melhoramento das árvores de espécie


denominada Eucalipto, pois há uma diferenciação entre as árvores, como
observado durante a visita técnica (Junho de 2013). Percebe-se
claramente a diferença entre um plantio e outro em relação ao diâmetro e
à altura das árvores. A técnica de melhoramento é aplicada a cada ano
através de observações da floresta, a cada ano as espécies vão se
aprimorando às necessidades do setor madeireiro, gerando um
faturamento mais elevado em circunstâncias da qualidade da madeira,
sendo que as melhores árvores são destinadas à serraria. Outra forma de
ampliação de qualidade são as árvores de clones, ou seja, as melhores
árvores são clonadas para melhoramento da espécie, essas árvores são
destinadas à madeireira.
Entre 5 e 6 anos são desbastados os primeiros lotes de madeira, faz-
se uma seletiva: são retiradas as árvores finas e tortas. Com 10 anos,
fazem-se novamente outro desbaste, mas com uma diferenciação: nesse

Soeitxawe
460 Vanessa Morais

período, após 10 anos, deixa-se 250 árvores, (para fins de serraria) que
trará uma rentabilidade de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)
por hectare para o proprietário. A floresta nativa dá em média 30 metros
por hectare e a floresta plantada produz em média 800 metros de toras
por hectares. Assim, o custo/benefício é bastante relevante em relação à
floresta plantada, pois na floresta nativa tem-se que abrir estradas, fazer
ponte, enquanto na floresta plantada essas questões já estão
disponíveis. Preocupados com a questão ambiental, os gestores da
fazenda adotam programas de conservação do solo, preservação das
áreas de reserva legal e Áreas de Preservação Permanente -APP,
proibição da caça e pesca na área do empreendimento, manejo integrado
de pragas e doenças com aplicação controlada de defensivos florestais, e
controle sistemático de incêndios florestais. Os tipos de proteção
florestal podem variar com as condições locais.
Árvores frutíferas como um pé de amoreira foram plantadas
juntamente com a floresta, com o intuito de atrair pássaros, abelhas, em
fim recuperando sua fauna, que devido às queimadas não se via mais
animais na região, e com a implantação desse fator a fauna se recuperou
proporcionado à floresta uma vida ativa. Esse também é um dos
aspectos da sustentabilidade ambiental. A fiscalização está presente no
empreendimento. Fiscais da Secretaria do Desenvolvimento Ambiental –
SEDAM, periodicamente visitam o empreendimento e fazem valer a
legislação visada pelo Decreto 15.933 juntamente com a Instrução
Normativa Nº 01 da SEDAM, que expõe seus objetivos de forma
coerente através da legalização, para que posteriormente ocorra a
formação da cadeia produtiva e viabilização da atividade comercial. Os
proprietários da Fazenda Londrina também são sócios da Associação
dos Plantadores e Consumidores de Florestas Plantadas – ARFLORA, a
associação tem como objetivo central viabilizar as leis para o plantio e
comercialização de floresta plantada em Rondônia, promovendo eventos
que contribuam para a comercialização de toda cadeia produtiva.
No aspecto social do desenvolvimento, considera-se as palavras de
Sachs (1993), pois o autor aborda a meta de se construir uma civilização
com maior equidade na distribuição de renda e bens. A Fazenda
Londrina emprega 60 funcionários, sendo que 20 são fixos e 40 são
terceirizados, gerando assim o desenvolvimento para região. Ainda

Soeitxawe
Desenvolvimento Sustentável 461

segundo o autor, podem-se incluir os aspectos ambientais, econômicos e


políticos do desenvolvimento gerado pela Fazenda Londrina, quando
esta utiliza o meio ambiente para obter uma rentabilidade esperada, sem
agredi-lo, obedecendo a suas políticas de desenvolvimento sustentável, as
quais foram apresentadas aos implementadores através do programa de
âmbito estadual chamado Programa Floresta Plantada. Esse programa
orienta os seus participantes quanto ao manejo legal sustentável da
floresta.
A questão social é bastante considerada na propriedade, pois a
fazenda adota políticas voltadas para os funcionários, tais como: área de
treinamento e segurança do trabalho. Os gestores da Fazenda
periodicamente promovem treinamento com os funcionários, uma vez
que para trabalhar com plantio de florestas necessita-se de pessoal
especializado. Também existe o programa de segurança no trabalho, no
qual é considerada a obrigatoriedade do uso de Equipamentos de
Proteção Individual - EPI. Quanto ao acompanhamento médico, a
Fazenda obedece à legislação trabalhista. Os funcionários não recebem
cesta básica, pois dentro da fazenda há um restaurante onde os mesmos
recebem alimentação. O número de funcionários é distinto: em média,
20 funcionários fixos (no plantio e manutenção da floresta) e 40
funcionários terceirizados (na exploração de lenha e resinagem de pinus).
Os funcionários fixos residem, durante a semana, em alojamentos na
fazenda, e no final de semana e nos feriados se deslocam para Vilhena-
RO, onde possuem residência permanente. A idade média de cada
funcionário varia entre vinte e quarenta anos, com nível de escolaridade
equivalente ao Ensino Médio incompleto, tendo renda anual de R$
14.000,00. Os aspectos sociais estão presentes nos estudos de Sachs
relacionado à sustentabilidade, que visa a meta de construir uma
civilização com maior igualdade na distribuição de renda e de bens, de
modo a reduzir o abismo entre os padrões de vida dos ricos e dos
pobres.
As florestas plantadas são garantias de sucesso ao empreendedor que
aposta na área da silvicultura como uma alternativa de ganho e ao
mesmo tempo um exemplo de desenvolvimento sustentável. A Fazenda
Londrina apresenta resultados positivos em relação ao grande
investimento realizando, pois o pioneirismo na área da silvicultura trouxe

Soeitxawe
462 Vanessa Morais

informação, desenvolvimento e cultura para todo estado de Rondônia.


Através do estudo de caso apresentado, pode-se reafirmar que o
desenvolvimento traz consigo as preocupações da escassez dos recursos
naturais fazendo-se parte do cotidiano dos seres humanos, pois lacunas
estão sendo abertas e alternativas lançadas para suprir as necessidades
que atingirão não somente o presente, mas principalmente as futuras
gerações.

Considerações Finais

Um dos motivos para a realização da presente pesquisa foi a


preocupação de apresentar meios que garantissem o desenvolvimento
sustentável promovido através do Reflorestamento. Políticas públicas
podem contribuir com benefícios através da regularização e titulação das
terras para produção ativa de árvores entre outros cultivos. Com esse
feito, a intenção é suprir a demanda (em relação ao setor madeireiro do
estado), pois o mesmo não produz suficientemente madeira para
empresas que a usam como matéria-prima, a exemplo das cerâmicas,
termelétricas e no segmento da construção.
O estudo de caso apresentado analisou aspectos de desenvolvimento
sustentável em uma empresa rural que utiliza das políticas públicas
voltadas ao reflorestamento, buscando relacionar suas práticas de gestão
às dimensões de sustentabilidade preconizadas por Sachs (1993, 2002 e
2009).
Diante do exposto, verificou-se que as florestas plantadas são
garantias de sucesso ao empreendedor que aposta na área da silvicultura
como uma alternativa de ganho e ao mesmo tempo um exemplo de
desenvolvimento sustentável. A Fazenda Londrina apresenta resultados
positivos em relação ao grande investimento realizando, pois o
pioneirismo na área da silvicultura trouxe informação, desenvolvimento e
cultura para todo estado de Rondônia.

Soeitxawe
Desenvolvimento Sustentável 463

Referências

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Disponível em: <www.abraflor.org.br>. Acessado em
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Soeitxawe
464 Vanessa Morais

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São Paulo: Ed: SENAC, 2006.
_______. José da Eli da. Desenvolvimento Sustentável: O desafio do
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_______. José da Eli da. in Rosa, Tereza da Silva. Economia
Socioambiental. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2009.

Soeitxawe
O desmatamento na Amazônia e seus impactos econômicos
e sociais1

Adanor Pereira Porto Neto2


Thaís Souza de Oliveira3
MSc. Antonio Enrique Fonseca Romero4

Resumo: O desmatamento da Floresta Amazônica – tema antigo; porém, ainda


presente nos dias de hoje e de forma muito mais preocupante – é um dos prin-
cipais problemas ambientais do mundo atual, em função de sua grande impor-
tância para o meio ambiente. Este desmatamento causa extinção de espécies
vegetais e animais, trazendo danos irreparáveis para o ecossistema amazônico –
situação já conhecida pela sociedade – e, sem dúvida alguma, para o Planeta
como um todo. Em função da gigantesca extensão territorial da Floresta Ama-
zônica, a fiscalização é insuficiente. Além disso, o governo brasileiro coloca
poucos fiscais atuando na região, fato que dificulta ainda mais a preservação do
verde amazônico.
Palavras-chave: Desmatamento; Impunidade; Economia.

O Desmatamento sem Impunidade

Michel Troper (2008) enuncia como necessária a distinção entre ciên-


cia do Direito e o próprio Direito. Assim, sendo este diferente daquela,
no que diz respeito as suas funções, a ciência do Direito se caracteriza

1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE - Congresso Internacional de
Pesquisa Científica na Amazônia, realizado entre os dias 1 e 3 de Maio de 2015,
Cacoal, RO/Brasil.
2 Acadêmico do Curso de Direito da ESO/UEA.
3 Acadêmico do Curso de Direito da ESO/UEA.
4Docente do Curso de Direito da Escola Superior de Ciências Sociais – ESO da
Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail: aromero@uea.edu.br,
anenforo65@hotmail.com
466 Adanor Neto, Thaís Oliveira & MSc. Antonio Romero

por seu caráter descritivo, uma vez que busca a descrição do mundo,
uma comunicação de informações; já o Direito é constituído de prescri-
ções, ordenando, estimulando condutas (dever ser). Desta forma, a partir
de condutas negativas ao meio ambiente, são criadas normas de proteção
ambiental, impondo condutas ao explorador (dever ser), para que assim
se consiga alcançar o objeto da norma, a proteção ambiental. Na Ama-
zônia, desmatar, extrair madeira ilegalmente e qualquer crime ambiental
dentro de áreas de conservação dificilmente resultam em alguma puni-
ção. Em pesquisas acerca do assunto é possível concluir que poucos
destes crimes sofreram castigos judiciais. A raiz do problema pode estar
centrada na falta de estrutura de órgãos de fiscalização, como o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) e a Polícia Federal.
Um acúmulo de demoras, o qual acontece desde a investigação dos
órgãos competentes até o julgamento dos processos, tem deixado livres
os criminosos. Porém, não é apenas isso. A dificuldade para identificar
os reais culpados e até mesmo o local onde estão ocorrendo as infrações
também contribuiu para esse acúmulo de demoras. O território que
abrange a Floresta Amazônica é muito maior proporcionalmente ao
tamanho dos órgãos fiscalizadores. A própria prática de grandes opera-
ções demonstra que não há um trabalho contínuo para prevenir esses
crimes.

O Atual Modelo de Desenvolvimento

O governo federal opta por um modelo de desenvolvimento que não


respeita os direitos de populações tradicionais, indígenas e extrativistas,
ao mesmo tempo em que flexibiliza as leis ambientais. O enfraquecimen-
to do código florestal é um exemplo disso. E, não por acaso, enquanto
pessoas que defendem a floresta são assassinadas, ela continua sendo
desmatada.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem o privilégio de
poder aliar conservação com produção agrícola eficiente. Mas, para isso,
precisa investir em tecnologia e em políticas públicas que incluam os
pequenos produtores e os povos da floresta. Não se pode continuar

Soeitxawe
O Desmatamento na Amazônia 467

seguindo um modelo atrasado, baseado no desmatamento. A impunida-


de prevalece e a segurança dos defensores da floresta fica ainda mais
fragilizada.

O Meio Ambiente na Constituição Federal

Conforme Kelsen, ao ser citado por Michel Troper (2008) em sua


obra, o direito não é um conjunto de fatos para o jusnaturalismo, mas
sim de normas obrigatórias; e para o positivismo, o direito deve se limitar
a descrever seu objeto e se abster de qualquer juízo de valor. Na impos-
sibilidade de poder emitir prescrições ou descrever fatos, a ciência do
direito deverá descrever não o que é, mas o que deve ser. Desta forma
preleciona a Constituição Federal em relação ao meio ambiente:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qua-
lidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras ge-
rações.

Conforme o art. 225, acima transcrito, da vigente Constituição Fede-


ral, é dever do Poder Público defender e preservar o meio ambiente de
solo brasileiro. Logo, nota-se que é de sua obrigação fiscalizar seriamente
e não deixar impunes aqueles que cometem tais crimes ambientais, estes
também previstos nos diversos parágrafos e incisos deste artigo, a citar
como exemplos:

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Po-


der Público:
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de téc-
nicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente;
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recu-
perar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica
exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio am-
biente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a san-

Soeitxawe
468 Adanor Neto, Thaís Oliveira & MSc. Antonio Romero

ções penais e administrativas, independentemente da obrigação


de reparar os danos causados.

Como se pode observar, esse “dever-ser” que a ciência do direito de-


ve descrever é um “dever-ser” objetivo, independente da vontade e das
preferências daquele que procede à descrição. É o que deve ser de acor-
do com o direito. Esse é o objeto das proposições do direito.
O autor e jurista alemão Rudolf Von Jhering (2014), em sua obra de
título A Luta pelo Direito, abrange em seu estudo que a aspiração do Di-
reito é à paz. Diz ser a própria essência do Direito a sua luta contra a
injustiça. O desmatamento do verde amazônico, tema discutido no pre-
sente ensaio, é um grande exemplo de injustiça praticada contra o nosso
próprio habitat, o planeta Terra. Von Jhering cita que o Direito deve
combater todas as injustiças praticadas, portanto pode se concluir que
mais do que se necessita criar legislações que cuidem da preservação da
Floresta Amazônica na atualidade.
A discussão sobre meio ambiente ganhou força nos projetos políticos
e começou a ser inclusa no ramo do Direito a partir de meados do século
XX. Logo, neste meio jurídico, passou-se a enxergar a natureza de forma
mais preocupante e começou-se a defender o direito de animais e preser-
vação do verde ambiental. O constante mau uso dos recursos naturais do
Brasil mostrou-se cada vez mais notório, reforçando a necessidade de
evolução das leis de proteção às nossas riquezas.
Foram surgindo normas para controlar a caça de animais silvestres, o
uso dos recursos hídricos e também do solo. Leis que, de maneira bran-
da, tratavam dos mesmos assuntos e abrangiam a questão da preserva-
ção. Foi incluso, na Constituição Federal de 1988, o “bem ambiental”,
que é de uso coletivo considerado, portanto patrimônio do país e deve
nada menos do que ser preservado. Com o correr do tempo e o crescen-
te uso abusivo do meio ambiente, as legislações foram se inovando e
trouxeram para o plano jurídico os chamados crimes ambientais, ade-
quando-se penas aos tipos previstos em lei. A título de exemplo citam-se:
pessoas físicas e pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas, inclusive
responsabilidade penal, por infringir leis que protejam o meio ambiente.
Caso o infrator comprove que se engajou pela recuperação de áreas que
desmatou, a justiça poderá extinguir sua punição. Os maus tratos, tráfico

Soeitxawe
O Desmatamento na Amazônia 469

e matança de animal sem justificativa são classificados como crime, assim


como a comercialização e armazenamento de madeira e/ou carvão que
não tenham licença das autoridades competentes podem gerar multa e
prisão.
As leis contra os crimes ambientais no Brasil são bastante rígidas, em
contrapartida, a falta de investimento destinado à fiscalização impede que
essa legislação tenha sua total eficácia.
Segundo Von Jhering (2014), os direitos e princípios que regem numa
certa atualidade foram conquistados por lutas de cidadãos no passado.
Relacionando ao tema trabalhado, pode-se citar como conquista de luta
pela preservação do meio ambiente o nascimento no ordenamento jurí-
dico brasileiro da Lei de Crimes Ambientais ou Lei da Natureza (Lei número
9.605 de 12 de fevereiro de 1998), a qual classifica os crimes ambientais
em: crimes contra a fauna, crimes contra a flora, poluição e outros crimes
ambientais, crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultu-
ral, crimes contra a administração ambiental, infrações administrativas.
O autor é influenciado pela doutrina de Locke sobre a propriedade,
trazendo a ideia de que a luta está para o Direito assim como o trabalho
está para a propriedade. Também observa-se em sua obra que apesar do
Direito ser marcado pelo embate contra a injustiça, não se deve esquecer
do seu caráter moral e ético. Afirma também que as situações não se
encaminham por si mesmas, portanto, não deve o ser humano acomo-
dar-se e ficar na situação de inércia diante de algo e aguardar o alinha-
mento e ajuste das coisas sem esforço algum. O processo jurídico é dolo-
roso e difícil. Para Jhering (2014), os laços que unem um povo ao seu Di-
reito não se baseiam somente nos costumes, e sim, nos seus esforços, na
luta para a conquista de seus direitos. Tudo isto pode ser observado no
decorrer da história sobre a luta pela preservação do meio ambiente e as
legislações já hoje conquistadas acerca deste tema – mais uma vez desta-
cando o fato de que no ordenamento jurídico brasileiro atual encontram-
se legislações rígidas sobre crimes ambientais e derivados, porém, muitas
vezes não são observadas e levadas a risco devido à falta de investimento
na fiscalização.
Para o jurista alemão, aquele que não luta pelo direito na esfera indi-
vidual se destina a um suicídio moral e, enquanto na esfera social, é um
dever do homem para com a sociedade. Aponta que vale a pena lutarmos

Soeitxawe
470 Adanor Neto, Thaís Oliveira & MSc. Antonio Romero

por todo e qualquer direito que nos seja digno, não tendo importância o
que tenhamos que enfrentar para obter o êxito e conquistas, não sendo
portanto uma mera coincidência o título da obra do autor ser A Luta pelo
Direito.
Não há como se falar sobre desmatamento e não abordar sua relação
com as atividades econômicas na Amazônia e os possíveis impactos
ambientais causados. Uma das formas de desenvolvimento que se mos-
tram presentes no momento é a extração de petróleo e gás natural no
Estado do Amazonas. Segundo Faralli (2006), idade contemporânea
refere-se à época em que vivemos, assumindo assim uma delimitação não
definitiva, mas maleável. Na história, o início da idade contemporânea é
fixado em datas geralmente precisas que, porém, variam nos diversos
países e culturas. É em cima disso que vemos a análise do desmatamento
na Amazônia em tal período.
A extração de Petróleo e gás natural é realizada desde 1996, pela Pe-
trobrás, na província petrolífera de Urucu, no Estado do Amazonas. Os
impactos diretos apontados como os mais graves são dois: o desmata-
mento, resultante da abertura de clareiras aonde se perfuram os poços, e,
o manejo dos fluidos de perfuração e dos resíduos sólidos retirados dos
poços. Nas áreas de perfuração, o movimento de maquinaria pesada
compacta o solo, que o tornará depósito, temporariamente, em diques,
juntamente com os resíduos sólidos retirados da área de perfuração.
Quando cheios, esses diques são desaguados, isto é, o fluido que não eva-
porou é drenado e só sólidos são enterrados no próprio local. Essa práti-
ca de manejo de fluidos e resíduos sólidos não é a ideal por dificultar um
futuro reflorestamento da área, já que os resíduos contêm elementos
químicos. Além disso, esses componentes químicos poderiam vir a atin-
gir o lençol freático. No momento a Petrobrás estuda outras possibilida-
des mais apropriadas de manejo de fluidos.
Como outros projetos de grande escala, as operações em Urucu im-
plicaram na construção de obras de infra-estrutura (construção de mini-
refinaria, heliporto, estradas de acesso, base de apoio, polidutos para
escoamento etc.), as quais resultaram do desmatamento nessa região.
Outra atividade de cunho econômico que tem contribuído para o
desmatamento de grande área da floresta é a agropecuária. Desde o
momento em que o homem passou a dominar a natureza, fazendo da

Soeitxawe
O Desmatamento na Amazônia 471

agricultura uma notável forma de apropriação do espaço – iniciaram-se


as transformações neste meio. O homem, para desenvolver suas
habilidades e alcançar seus desejos, deveria fazer uso desta natureza. O
grande problema foi a forma como o fez. Para se desenvolver, escolheu
meios de produção ignorando completamente sua condição de também
estar sujeito à natureza.
Até o fim da II Guerra Mundial, a presença humana no meio
ambiente quase não trouxe modificações à cobertura vegetal natural da
Amazônia. Um novo período foi iniciado, contudo, com as políticas -
principalmente no Brasil - visando a expansão das fronteiras agrícolas e o
assentamento de imigrantes, oriundos de regiões densamente povoadas
e/ou carentes.
Atualmente, diversas pesquisas vêm sendo desenvolvidas com o
objetivo de analisar os impactos que a ação humana vem causando no
funcionamento e na biodiversidade dessas florestas.
As atividades agropecuária e madeireira, realizadas principalmente
nos últimos trinta anos, são responsáveis por grande parte dos
desmatamentos ocorridos nessas florestas. De acordo com o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), já foram devastados cerca de
550 mil quilômetros quadrados da Floresta Amazônica Brasileira, o que
equivale a 13,7% da mata. Desse total, 200 mil quilômetros foram
abandonados pelos exploradores assim que os recursos naturais se
esgotaram.
Esses locais abandonados são conhecidos como capoeiras e possuem
grande quantidade de espécies de trepadeiras e lianas, que não proliferam
na mata primária (vegetação original). Uma capoeira é muito mais difícil
de ser preparada para o plantio do que a mata primária.
Apesar do crescimento da agricultura predatória na Amazônia, uma
pesquisa recentemente elaborada pelo Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia (IMAZON), em parceria com o Banco Mundial,
concluiu que, além dos solos pobres, 83% da Região Amazônica recebe
chuva em excesso para que a agropecuária tradicional seja rentável.
(Relatório: "Manejo Florestal Sustentável, Mudanças Econômicas no
Uso do Solo e Implicações para Políticas Públicas na Amazônia",
segundo Folha de S. Paulo, 22 de Outubro de 2000).

Soeitxawe
472 Adanor Neto, Thaís Oliveira & MSc. Antonio Romero

As queimadas fazem parte do processo de transformação das


florestas em roças e pastagens. O fogo é o instrumento utilizado pelos
fazendeiros para limpar o terreno e prepará-lo para a atividade
agropecuária ou para controlar o desenvolvimento de plantas invasoras.
Na maior parte dos casos, elas são realizadas no final da estação seca,
quando é obtido o maior volume de cinzas e quando a vegetação está
mais vulnerável ao fogo. Apesar de barato, esse processo traz inúmeros
impactos ambientais, principalmente ao fugir do controle, atingindo
áreas que não se desejava queimar.
Num primeiro momento, as queimadas podem funcionar como ferti-
lizantes do solo, uma vez que as cinzas produzidas são convertidas em
nutrientes vegetais pelos microorganismos da terra. No entanto, a quei-
ma sucessiva de uma mesma região pode matar esses mesmos microor-
ganismos, tornando o solo cada vez mais empobrecido e impróprio para
a agricultura.
Esse procedimento traz ainda consequências no clima e no ciclo das
águas. Os pastos e as lavouras absorvem menos energia solar do que a
vegetação original e podem contribuir para uma redução de chuvas e um
aumento na temperatura da região Amazônica (NEPSTAD et al, 1999).
As queimadas são ainda responsáveis pela emissão significativa de ga-
ses que causam o efeito estufa, como o gás carbônico (CO2). Por outro
lado, as plantas retiram esse gás da atmosfera, utilizando-o para seu cres-
cimento. O problema é que, atualmente, as queimadas produzem muito
mais gás carbônico do que as plantas podem absorver.
Pesquisas recentes indicam que uma floresta queimada, tem probabi-
lidade muito maior de pegar fogo novamente. A segunda queimada é
sempre mais intensa e a mortalidade das árvores é muito maior. O fogo
que queima pela segunda vez é alimentado pelo material seco resultante
da primeira queimada. Este fogo é aproximadamente duas vezes mais
alto, duas vezes mais largo e mais vulnerável a novos incêndios. Outro
grande impacto das queimadas nas florestas é o da extinção de espécies
nativas, com grandes prejuízos à biodiversidade. Dessa forma, são cria-
das normas com o intuito de proteger essa biodiversidade, caracterizando
crime quem a destruir, como escreve Scarpelli em uma análise compara-
da, o juspositivismo é uma face da técnica política que pretende realizar o

Soeitxawe
O Desmatamento na Amazônia 473

controle social mediante uma produção regulada de normas gerais e


abstratas.
O Brasil e a Amazônia precisam de outro rumo. É passada a hora de
se construir outro caminho, com respeito aos Povos da Floresta, aos
pequenos agricultores e com desmatamento zero. A fiscalização deve ser
levada a risca pelo Poder Público, tanto quanto a punição aos infratores,
conforme é previsto na Constituição Federal Brasileira promulgada em
1988. O futuro da Amazônia está nas mãos da sociedade brasileira. As
forças responsáveis pela destruição da Amazônia nos últimos trinta anos
continuam pressionando para manter seus privilégios. Os que se benefi-
ciaram, tentaram a manutenção dos incentivos fiscais, que transferem
capital do bolso de muitos para o bolso de poucos; evitaram o pagamen-
to do imposto de renda, os impostos sobre a propriedade e os impostos
sobre o lucro na venda de imóveis rurais. Dependerá da vontade dos
governantes e do povo brasileiro garantir que todos paguem de acordo
com sua capacidade.
As forças responsáveis pela destruição da floresta e das populações da
Amazônia precisam ser controladas pela sociedade. Tal controle significa
mudanças profundas, incluindo uma estrutura burocrática menos
centralizada, e com maior capacidade de ajuste ao nível local. Tal
mudança é radical, porque implica na necessidade de dar maior
autonomia aos processos políticos a nível local. A ecologia humana
ensina que os sistemas quanto mais complexos e hierarquizados, maiores
custos terão em simples manutenção e mais frequentes as oscilações
negativas. Em breve, sistemas altamente centralizados e hierarquizados
serão menos produtivos e, em termos humanos, mais distanciados das
necessidades do homem.
A ecologia humana não é uma plataforma política, mas não se
esquece tampouco do papel da política nos processos adaptativos
humanos. A racionalidade de sistemas humanos é um processo dirigido
pela ideologia e pelos interesses de grupos que obtém controle sobre as
instituições que a definem. Quando os grupos dominantes são a maioria
da população atuando através do processo democrático, a racionalidade
pode refletir o consenso da população. Infelizmente, na maioria das
sociedades hierarquizadas, a racionalidade do sistema reflete os interesses
econômicos de minorias politicamente dominantes.

Soeitxawe
474 Adanor Neto, Thaís Oliveira & MSc. Antonio Romero

Uma visão ecológica permite uma avaliação de como funciona, ou


não, o sistema homem-ambiente e das consequências dos processos
interativos. Com tal visão, é possível corrigir o sistema, quando seja
necessário, se se tiver lideranças esclarecidas que tomem os interesses das
minorias étnicas tão a sério como os interesses dos grupos politicamente
dominantes. O Brasil aspira a um futuro com justiça social, com apreço
do homem amazônico e capaz de garantir que a Amazônia seja usada
com cuidado e conservada como patrimônio das gerações futuras.

Referências

FARALLI, Carla. A Filosofia Contemporânea do Direito: temas e desafios.


Tradução Candice Premaor Gullo. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2006.
JHRERING, Rudolf von. A Luta pelo Direito. Leme, SP: CL EDIJUR,
2014.
TROPER, Michel. A Filosofia do Direito. Tradução de Ana Deiró. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião a
partir do materialismo dialético1

Francisco Cetrulo Neto

Resumo: O artigo propõe uma discussão sobre a teoria marxista a respeito da


religião. Busca discutir a compreensão que Marx e Engels tinham sobre o
fenômeno religioso enquanto elemento da superestrutura, sendo a infraestrutura
o ponto de partida para o estudo da mesma. Busca, além disso, defender,
principalmente baseado na análise gramsciana, uma alternativa metodológica
considerando a Igreja, enquanto instituição, como parte do Bloco Histórico
vindo, portanto, a se constituir um dos elementos da infraestrutura ou, ao
menos, como instituição que possui forte poder de interferência na esfera do
real.
Palavras-chave: Dialética; Religião; Infraestrutura; Superestrutura.

Da infraestrutura à superestrutura

Iniciemos com uma clássica citação de Marx:

não é a vida que é determinada pela consciência mas a


consciência que é determinada pela vida (ou) foi o homem quem
fez a religião, não foi a religião quem fez o homem (MARX, K.
1972: p. 45)

Essas afirmações de Marx são respostas ao pensamento filosófico


idealista que assumia como pressuposto metodológico básico que o
mundo é determinado pelas ideias, ou seja, os objetos e seu
desenvolvimento seriam simples cópias da ‘ideia’ existente a priori
(GRAMSCI, A. 1989, p. 89).


1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE Congresso Internacional de Pesqui-
sa Científica da Amazônia, realizado entre os dias 01 e 03 de maio de 2015,
Cacoal, RO.
476 Francisco Cetrulo Neto

Da negação dessas afirmações Marx constrói o seu método no qual


ele vai traçar o caminho a ser percorrido para se chegar ao entendimento
do objeto de estudo: o método materialista.
Afirma ele:

em realidade, é muito mais fácil descobrir o cerne terreno das


nebulosas representações religiosas, analisando-as do que,
seguindo o caminho oposto, descobrir, partindo das relações da
vida real, as formas celestiais correspondentes a essas relações.
Esse último é o único método materialista, e, portanto, científico
(MARX. K. 1981: p. 89)

Contra o método idealista e contra um materialismo abstrato que


partem das ideias e representações de uma época Marx propõe o
contrário, pois

não se parte do que os homens dizem, imaginam, se representam,


nem sequer do que são em palavras, em pensamento, imaginação,
ou na representação de outrem para se chegar depois aos homens
de carne e osso; não, parte-se dos homens na sua atividade real
(MARX. K. 1981, p. 84-85).

A ordem dos fatores aqui tem importância fundamental, e irá,


fatalmente, alterar o produto. Ao partirmos do mundo real teremos que
buscar neste, e não em outro lugar, as determinações que levaram a
produzir determinado tipo de crença religiosa.
Vemos assim que o surgimento, crescimento, expansão ou extinção
de uma comunidade religiosa não vai ser determinada pela “sorte” ou
pelo poder transcende ao qual adoram, mas será a própria estrutura da
sociedade em que esta comunidade atua que vai definir quais pontos
serão bem sucedidos e quais serão impossíveis em sua ação. Mesmo que
tal comunidade se diga “desligada” da ordem terrestre, será a estrutura
social que condicionará os resultados de sua ação (MADURO. O. 1983,
p. 82-83).
O ponto de partida do estudo da religião para Marx é o mundo real.
Essa afirmação, reiterada em diversos momentos de sua obra, nos
permite deduzir que ele não se recusa a estudar a religião, como afirmam

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 477

alguns autores. Ora, se Marx se recusa a estudar a religião então para que
propor um método para executar exatamente tal tarefa?
Rubem Alves faz uma análise de como a sociologia brasileira prefere
deixar de lado o estudo da religião justamente por esse falso
entendimento a que se chegou, de que Marx, ao enfatizar a busca de
soluções para o problema da infraestrutura estaria afirmando que não se
deveria perder tempo buscando o conhecimento do que se passa na
superestrutura, e os mecanismos de dominação ideológica.

ideias são ilusões (...) se as pessoas tem tais ideias é porque a


situação exige. É necessário, então, que a situação seja mudada, as
feridas curadas, para que as ilusões desapareçam (ALVES, R.
1988, p.82-83).

A partir desse entendimento a maioria dos autores marxistas se


preocupam unicamente em desvendar exclusivamente os mecanismos de
dominação econômica, pois uma vez alterada a base, a ideia seria, por via
de consequência, também alterada. Marx propôs buscar nas relações
econômicas e sociais as raízes do pensamento religioso e, mais, de
qualquer elemento constituinte da superestrutura.
É verdade que Marx previu o desaparecimento da religião. Para ele
não será necessário ilusão quando o ser humano deixar de viver alienado
no processo de produção. Mas isso é esperança! Enquanto a utopia não
chega é necessário atuar em todas as frentes buscando a realização dessa
utopia. Vejamos, por exemplo, o papel que Marx reserva para a história
quando esta utopia se realizar.

é pois tarefa da história, depois do desaparecimento do para lá da


verdade, estabelecer a verdade deste mundo. É, em primeiro lugar a
tarefa da filosofia, que está a serviço da história, uma vez
denunciada a forma sagrada da auto-alienação do homem,
desmascarar a auto-alienação nas suas formas não-sagradas. A
crítica do céu transforma-se assim em crítica da terra, a crítica da
religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica da
política (MARX. K. 1972, p.47).

Notemos que Marx se refere à tarefa da filosofia “depois do


desaparecimento do para lá da verdade”, isto é, quando não houver mais

Soeitxawe
478 Francisco Cetrulo Neto

alienação. É só então que “a crítica da religião transforma-se em crítica


do direito”.
Marx não se nega a estudar a religião, ao contrário, identifica-a como
a “consciência invertida do mundo” e postula a exigência de sua abolição
enquanto felicidade ilusória para se chegar a uma felicidade real. Ao
mesmo tempo afirma que “a crítica da religião é, indiretamente, lutar
contra este mundo, de que a religião é o aroma espiritual” (MARX. K.
1972, p.47). Deduzimos, então, que Marx se preocupa com o estudo da
religião embora com o objetivo final de desmascarar o seu papel de
aparelho ideológico, tendo como fim último a sua eliminação.
Por outro lado, afirma que “a angústia religiosa é, por um lado, a
expressão da angústia real e, por outro, o protesto contra a angústia real”
(MARX. K. 1972, p.46)2. Nossa pergunta, a partir dessa afirmação é a
seguinte: Se a religião é “protesto contra a angústia real” não poderá este
protesto vir a ser o fator decisivo para revolucionar a situação causadora
da “angústia real”? Não pode a religião deixar de ser protesto simbólico
para se transformar em protesto real e efetivo?
A religião pode se transformar em instrumento de libertação da classe
oprimida. A história das religiões está repleta de exemplos desse tipo3. É
possível, a partir da religiosidade popular, utilizando seus códigos, signos,
símbolos, imaginário, teologia, enfim, sua cosmovisão, surgirem ações
que resultem em transformação da realidade em que se vive.
É bem verdade que o controle da reação popular é um elemento
bastante trabalhado pela classe dominante. Haja vista, por exemplo, os
diversos órgãos criados nos Estados Unidos com esse objetivo. Falo de
institutos como “Fé e Democracia”, “Santa Fé”, e outros. É nesse
sentido que Rubem Alves afirma...

o espaço cultural existe somente se ele permanece politicamente


impotente: existe sempre liberdade para que os oprimidos

2Estas afirmações precedem a famosa frase: “a religião é o ópio do povo” que
muitos autores teimam em tomá-la isoladamente de seu contexto, o que é um
“crime” no mínimo hermenêutico, para não dizer contra o próprio método
dialético.
3 Na própria Bíblia temos a história do Êxodo, dos Macabeus etc. etc.

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 479

sonhem seus sonhos. Quando os sonhos pretendem invadir o


mundo real, entretanto, aparecem os mecanismos estatais de
repressão (ALVES. R, 1988, p. 121).

Existe um caminho em que a ação parte dos sonhos, do imaginário, e


busca a invasão do mundo real. Ora, se acreditamos que existe esse
caminho, a própria transformação da realidade pode se iniciar no
pensamento, na filosofia, na teologia etc. para encarnar na realidade
transformando-a. É claro que podemos questionar sobre a anterioridade
do concreto, a partir do método materialista dialético mas, embora sendo
determinado pelo concreto real o pensamento (e aí a teologia, o
imaginário etc.) faz o caminho de volta propondo mudanças e alterando
a práxis. É essa parte do trajeto que nos propomos verificar a seguir.

Da superestrutura à infraestrutura

Até agora temos afirmado que a consciência é determinada pela vida,


queremos agora refletir que a vida também é determinada pela
consciência. Não pretendemos cair no idealismo hegeliano considerando
a existência como “cópia” realizada da “ideia” pré-existente, não se sabe
como, antes de existir o mundo. Nosso entendimento é que a
superestrutura também determina a infraestrutura e, portanto, uma
mudança na superestrutura acarretará uma alteração na infraestrutura,
adquirindo esta, uma autonomia relativa. Aquela não é fumaça que para
extingui-la seria necessário eliminar o fogo, mas é vapor que se
constituirá em nuvem, que gerará a chuva, que regará a terra e assim
sucessivamente, dialeticamente. Não podemos negar o imaginário como
parte fundamental na estrutura de uma sociedade. É o que afirma Levi-
Strauss:

o marxismo - senão o próprio Marx - raciocinou, muitas vezes,


como se as práticas decorressem imediatamente da práxis. Sem
por em dúvida o incontestável primado das infraestruturas,
cremos que entre práxis e práticas se intercala sempre um
mediador que é o esquema conceptual, por obra do qual uma
matéria e uma forma desprovidas ambas de existência

Soeitxawe
480 Francisco Cetrulo Neto

independente, realizam-se como estruturas, isto é, como seres, ao


mesmo tempo empíricos e inteligíveis (STRAUSS. L. 1976, p.
157).

A prática decorre de uma intenção de transformar a realidade. Essa


intenção é gerada a partir da análise da própria realidade. Embora
afirmemos que a vida determina o pensamento, e que ela o precede,
devemos perceber que este, em reação a esse condicionamento anterior,
projeta uma prática para alterar essa vida. Entre esse projetar a ação e a
ação em si existe um caminho que vem da consciência para a existência.
A sociedade cria a religião que vai, por sua vez, pensar a sociedade, e, a
partir desse pensamento produzido pela religião, a prática, ao menos dos
fiéis, mas não somente deles, será determinada.
Parece-nos que Marx reconhece o poder da superestrutura sobre a
infraestrutura, mas tem uma predisposição a optar sempre por agir a
nível infraestrutural buscando desmistificar as ideologias religiosas.
Citemos um texto longo onde essa ideia aparece com bastante clareza:

o fato de a base temporal se separar de si própria e se fixar nas


nuvens, como um reino independente, só pode precisamente
explicar-se pela ruptura e contradição internas dessa base
temporal. É preciso, pois, compreender primeiro esta na sua
contradição, para, em seguida a revolucionar praticamente,
suprimindo a contradição. Assim, uma vez que se tenha
descoberto, por exemplo, que a família terrestre é o segredo da
família celeste, é à primeira que será necessário fazer a crítica
teórica e que será preciso revolucionar na prática (MARX. K.
1972, p. 69)

A única via de revolucionar a sociedade é através da crítica teórica e


da prática revolucionária em relação à base temporal, afirma Marx.
Engels, por sua vez, em alguns momentos entendeu de forma
diferente esta questão. Ao estudar o feudalismo, por exemplo, ele analisa
o papel da Igreja como sustentáculo do sistema “seja por possuir a terça
parte das terras do mundo católico, seja por tutelar a ciência, seja por ser
mantenedora ideológica do feudalismo em cada país”. Assim sendo,
“antes de atacar o feudalismo em cada país era necessário destruir a sua
organização central santificada”, pois “toda luta contra o feudalismo

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 481

devia, na época, revestir-se de uma roupagem religiosa a ser dirigida em


primeiro lugar contra a Igreja” (ENGELS, F. s.d. 21-22).
A revolução burguesa não elimina a dominação religiosa. A
transformação da base temporal não extingue a base celeste4. Ao
contrário, a burguesia se apropria da ideologia religiosa inicialmente
como “bandeira para combater os senhores feudais”, para, em seguida,
descobrindo as vantagens que poderia tirar dessa mesma religião, utilizá-
la...

para agir sobre o espírito dos seus inferiores naturais e para os


tornar submissos às ordens dos amos que, na sua soberania
impenetrável aprouvera a Deus colocar acima deles. Numa
palavra, a burguesia inglesa participava agora na opressão das
‘classes inferiores’, a grande massa produtora da nação, e um dos
instrumentos de opressão utilizados era a influência da religião
(ENGELS. F. sd, p. 26).

Engels vê, neste texto, a religião servindo para dois fins totalmente
opostos. Em primeiro lugar, ao servir de bandeira para a revolução
burguesa ele reconhece o papel enquanto ideologia com potencial
revolucionário. Em segundo lugar, ao ser manipulada pela burguesia, a
religião voltará a ser instrumento de dominação ideológica para a
manutenção da ordem, de acordo com os interesses da classe dominante,
que tem poder para utilizar a ideologia religiosa.
Engels faz também uma comparação entre o processo que se dá na
Inglaterra e na França. Enquanto esta lutou durante um grande período
para se livrar da religião, aquela se utiliza conscientemente do sentimento
religioso de seu povo, inclusive importando seitas dos Estados Unidos.
Apenas duzentos anos depois a França ‘se rende’ e passa a utilizar a
mesma estratégia. Com uma dose grande de ironia Engels mostra como a
burguesia francesa termina por reconhecer que é impossível eliminar do
ser humano a subjetividade, e passa, então, a manipular esse elemento
essencial através da religião.

4 Daí que a frase de DURKHEIM em As formas elementares da vida religiosa, p. 508
é cheia de sentido nesse contexto: “ela (a religião) parece chamada a se
transformar mais do que a desaparecer”.

Soeitxawe
482 Francisco Cetrulo Neto

Nesse momento histórico a religião deixa de ser aparelho ideológico


do feudalismo para se transformar em aparelho ideológico da burguesia,
e isso com uma facilidade incrível. O mesmo já se dera no século IV
quando Constantino inicia o processo que terminará por tornar o
cristianismo a religião oficial do império romano. Essa facilidade que a
religião tem de colocar-se sempre ao lado de quem ocupa o poder tem
garantido sua perpetuidade sejam quais forem os regimes dominantes ou
os modos de produção. Nesse sentido é fantástica a frase de Gramsci:

ela (a igreja) está disposta a lutar só para defender suas liberdades


corporativas particulares (de igreja como igreja, organização
eclesiástica), os privilégios que proclama como ligados à própria
essência divina; para a defesa destes privilégios a igreja não exclui
nenhum meio, nem o atentado individual, nem o apelo à invasão
estrangeira (...) ela reconhece qualquer podestá de fato, e, desde
que ela não toque nos seus privilégios, legitima-o, se depois os
seus privilégios crescem exalta-o e proclama-o providencial
(GRAMSCI. A. 1989: p. 289).

Weber, embora tenha uma visão da religião um tanto quanto


diferenciada em relação a Gramsci, tem uma frase lapidar em Economia e
Sociedade que tem um sentido basicamente semelhante à citação que
incluímos acima. Vejamos:

o poder temporal põe à disposição do espiritual os meios


externos de coação para a conservação do seu poderio, e pelo
menos para a coleta dos impostos eclesiásticos e outros meios de
subsistência. Como compensação por tal serviço, o poder
espiritual oferece ao temporal especialmente a segurança do
reconhecimento de sua legitimidade e a domesticação dos súditos,
mediante seus meios religiosos (WEBER.M. apud. ORTIZ. R.
1980: p. 185).

A relação entre a igreja e poder temporal dominante é cheia de


meandros e múltiplas formas. A Instituição eclesiástica, seja qual for o
seu cânone religioso interno tende a buscar um relacionamento com o
poder estabelecido visando a ampliação de seus poderes religiosos,

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 483

imediatamente extensivo (se é que se pode desvincular uma coisa da


outra) do poder econômico, político etc.
A relação entre a Igreja como ideologia e o sistema capitalista segue
por esses mesmos parâmetros. Nos ajuda aqui o estudo de Franz
Hinkelammert sobre a questão do fetiche em Marx, onde se percebe o
papel da religião como interiorizadora de valores, e, em outros
momentos, identificando o próprio capitalismo, na sua essência, como
uma religião. Ou seja, toda ideologia capitalista é tão entranhada de
elementos religiosos que é possível visualizá-la, (a ideologia capitalista)
como uma religião, com todos os seus componentes essenciais: deuses,
sacerdotes, profetas, sacrifícios, transcendência etc.
Vejamos o que ele afirma com relação ao dinheiro:

por trás do dinheiro está a infinitude que ele promete alcançar.


Desta podem ser derivados os valores que é preciso cumprir para
prosseguir a meta. Mas sendo a meta um valor infinito, a miragem
religiosa permite sacralizá-la para convertê-la num objeto de
piedade (...) dessa forma, o fetiche do dinheiro é objeto de
piedade; e através de uma relação de piedade se interiorizam os
valores adequados a uma ação que efetua a perseguição do
dinheiro. Criado tal fetiche e estabelecida essa relação de piedade,
pode-se agora escrever em cada nota de dólar: in God we trust; e
dar ao banco do Vaticano o nome de Banco do Espírito Santo
(HINKELAMMERT. F. 1983, p. 104)

Segundo os autores que estamos citando, e nos próprios escritos de


Marx e Engels, a Igreja tem sido considerada um elemento chave para o
desenvolvimento da sociedade. Chegamos à conclusão de que há uma
interação constante entre os sistemas político, econômico e religioso, uns
sobre os outros, sem ordem de preferência. Nessa relação estão “o
político servindo-se do religioso, o religioso refletindo o econômico, e o
econômico e o político sendo modificados ou dirigidos pelo religioso”
(RICHARD. P. 1982, p. 109).
Aqui consideramos a autonomia relativa da religião. Pablo Richard,
por exemplo, entende que “a estrutura religiosa (...) tem um dinâmica,
uma natureza, características que lhe são próprias e específicas, que
explicam uma eventual determinação do cultural, do social, do político e

Soeitxawe
484 Francisco Cetrulo Neto

do econômico pelo religioso” (RICHARD. P. 1982, 19). Seria


interessante retirar a palavra ‘eventual’ dessa citação. É perceptível que a
religião, após a sua institucionalização (como Igreja) passa a ocupar papel
determinante na sociedade.
A religião não é, então, “um sol ilusório” (Marx) mas um sol real que
tem ação direta sobre a vida da terra tornando-se necessário descobrir
que influências esse sol tem, seja para dele se defender; seja para
aproveitá-lo (calor, luz, energia), seja para eliminá-lo. A religião, seja
enquanto instituição, seja enquanto sentimento subjetivo é fato, e,
portanto, objeto de nossas investigações científicas, tão importante como
qualquer outro.
Para estudar o protestantismo no Brasil é importante buscar
compreender a infraestrutura que o engendrou e as relações existentes
entre os elementos dessa infraestrutura e a religião. A inserção do
protestantismo no Brasil se dá no momento histórico em que há uma
ruptura entre a Igreja Católica e o pensamento Liberal positivista que a
vê como “anticientífica, oposta ao progresso e à modernização”
(RICHARD. P. 1982, p. 88).

Igreja e Estado: superestrutura e infraestrutura.

O Estado “é um produto da sociedade quanto esta chega a um


determinado grau de desenvolvimento” (ENGELS, F. 1984, p. 227).
Iniciamos com esta afirmação de Engels porque ela se opõe ao
idealismo, principalmente hegeliano, que afirma ser o Estado um
produto das ideias. O Estado é criado por relações sociais concretas e...

de modo algum, (é) um poder que se impõe à sociedade de fora


para dentro: tão pouco é a ‘realidade da ideia moral’ ou a ‘imagem
e a realidade da razão’ como afirma Hegel (ENGELS, F. 1984, p.
245)

O surgimento do Estado, então, se dá pelo caminho que vai da


realidade à superestrutura e não o inverso, como quer Hegel, ao afirmar
que o Estado é um “superorganismo”, “uma realização do desejo
divino” (SOUSA. D. p. 136). Já neste início podemos notar a relação

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 485

entre Igreja e Estado e a proximidade que há no estudo de ambas as


instituições. Tanto a Igreja como o Estado nascem e se desenvolvem nas
relações sociais projetando-se para a infraestrutura com o objetivo de
legitimar-se e, para conseguir esse objetivo procuram afirmar-se
enquanto instituições que estão ‘por cima da sociedade’.
Perceber o Estado como produto das ideias é ficar na “aparência das
coisas”, fruto da alienação, pois em realidade “todos os tipos de
organização e de instituição que encontramos são objetivações do
homem (REILCHEL T. H. 1990. P. 22-23).
É isso exatamente que vem acontecendo desde Platão. O Estado vem
sendo concebido como algo vindo de fora da sociedade, do céu à terra.
Em sua República Platão fala de um modelo que “existe nos céus”
(CASSIRER. E. 1976, p. 95). Os pais da Igreja seguem o mesmo
caminho. É o caso de Santo Agostinho, por exemplo, que ao espelhar
tudo a partir da “cidade de Deus” tem a mesma concepção de Platão, ou
seja, há um caminho de construção do Estado que vem da esfera celeste
para a terra. Para Locke, dando um salto até o pensamento clássico, o
próprio Deus instituiu a propriedade privada. Diz ele: “Assim, Deus,
mandando dominar, concedeu autoridade para a apropriação; e a
condição da vida humana, que exige trabalho e material com que
trabalhar necessariamente introduziu a propriedade privada” (LOCKE. J.
1978, p. 48). Rousseau, acaba por afirmar que “a ordem social é um
direito sagrado (sagrado aparecendo aqui como algo superior ao indivíduo
e que, não obstante, se processa no próprio homem) (ROUSSEAU. J. J.
1978, p. 22). Sendo mais preciso, ele afirma que “na Economia Política há
alusão a ‘mais sublime de todas as instituições humanas’, que capacita a
‘imitar cá embaixo os decretos imutáveis da Divindade’ (ROUSSEAU. J.
J. 1978, p. 22). Chegamos finalmente, após esse longo percurso, a Hegel
onde aparece a ideia de uma “encarnação Espírito Divino” (CASSIRER.
E. 1976, p. 125).
Maquiavél inicia uma outra tradição. O pensamento materialista e não
metafísico a respeito do Estado. Ele vai ensinar que “o poder, o poder
político, real e de fato, é tudo menos divino” (SOUSA. D. 1978, p. 125).
Essa tradição vai ser seguida pelos socialistas utópicos, chegando até
Marx.

Soeitxawe
486 Francisco Cetrulo Neto

Em Marx chegar-se-á a uma definição do Estado como uma estrutura


criada nas (e a partir das) relações sociais concretas. Além do que o
Estado será situado também como elemento inserido nas relações de
classe, como elemento de mediação, ou mais propriamente, como
instrumento para garantir a hegemonia de uma classe sobre a outra.
Numa palavra de O Capital - “violência concentrada e organizada da
sociedade”5. Essa característica Engels lhe atribui desde o seu
nascimento:

O Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo de


classes, e, como, ao mesmo tempo, nasceu no seio do conflito
entre elas, é, por regra geral, o Estado da Classe mais poderosa,
da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio
dele, se converte também em classe politicamente dominante e
adquire os novos meios para repressão e exploração da classe
oprimida. (ENGELS. F. 1984, p. 229)

O Estado é, então, assim como a Igreja, uma instituição que busca se


colocar acima das relações sociais para ter o poder de servir de mediador
nessas relações, para manter através da “violência organizada”, no caso
do Estado, e, através do consentimento, no caso da Igreja, a relação de
hegemonia de uma classe sobre outra.
Afirmamos primeiro que o Estado surgiu da “terra” e não do “céu”.
Agora estamos afirmando que, ao se entender o Estado como um
mediador colocado fora e acima das relações sociais, ele é um
instrumento na mão da classe que hegemoniza a sociedade.
Situando Marx como um “escritor realista que conduz a concepção
realista do Estado até as últimas consequências”, Norberto Bobbio o
contrapõe a outro teórico realista, Maquiavél, para quem o Estado tem
por fim promover o ‘bem comum’, o ‘interesse geral’, a justiça’.
Para Bobbio

pela primeira vez Marx denuncia com extrema clareza o aspecto


ideológico desta presumível teoria: O Estado não é apenas um

5Conferir BOBBIO, Norberto, O conceito de sociedade civil, Rio de Janeiro,
Graal, 1.982, p. 21.

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 487

instrumento, um aparato, um conjunto de aparatos, dos quais o


principal é aquele que serve ao exercício da força
monopolizadora, mas é um instrumento que serve à realização
de interesses não gerais mas particulares (de classe). (BOBBIO.
N. 1979, p. 30)

Esta afirmação também não pode ser verificada se analisarmos


apenas a aparência. Aí, de fato, o Estado aparece como entidade
autônoma, suprassocial, imparcial... “O Estado não aparece como o que
ele é. Sua natureza de classe é encoberta” (MATHIAS, G. et. SALAMA.
P. 1983, p. 07)6. A burguesia não pode revelar a natureza de classe do
Estado, pois isso “significaria denunciar que o Estado burguês - mesmo
em sua forma mais democrática - é, na verdade, a dominação de uma
minoria contra a maioria; seria admitir que essa liberdade não é a
liberdade para todos; que essa igualdade é puramente formal, não real,
para a maioria dos cidadãos” (ENGELS, F. sd, p., 25).
Façamos mais uma citação sobre esse ponto. Para Bobbio, em Marx...

o Estado não é mais concebido como a eliminação, mas sim


como a conservação, prolongamento e estabilização do Estado da
Natureza: no Estado, o Reino da força não é suprimido, mas
antes perpetuado, com a única diferença de que a guerra de todos
contra todos foi substituída pela guerra de uma parte contra outra
parte (a luta de classes, da qual o Estado é Expressão e
instrumento). (BOBBIO. N. 1982, p. 21-22)

O Estado, para Marx só existe enquanto durar a divisão de classes.


No momento em que as classes forem extintas se extinguirá, por
consequência natural, o Estado. Vejamos o que diz Engels sobre esse
ponto:

6 Outro texto do mesmo livro: “Por que a dominação de classe não aparece
como o que é, ou seja, como sujeição de uma parte da população por outra?
Porque assume a forma de uma dominação estatal oficial, ou, o que dá no
mesmo, porque o aparelho de coerção estatal não se constitui como um
aparelho privado da classe dominante, por que se separa dessa última e assume a
forma de um aparelho impessoal” Citado de: PASHUKANIS, La théorie
generale du droit et le marxisme, EDI, Paris, 1.975, pag. 07.

Soeitxawe
488 Francisco Cetrulo Neto

O primeiro ato pelo qual o Estado se manifesta realmente como


representante de toda a sociedade - a posse dos meios de
produção em nome da sociedade - é, ao mesmo tempo, o último
ato próprio do Estado. A intervenção do Estado nas relações
sociais se vai tornando supérflua daí por diante e desaparece
automaticamente. (...) O Estado não é ‘abolido’: morre.
(ENGELS. F. sd p. 34).

Em Gramsci a noção de Estado é ampliada. A diferença estará na


ênfase que é dada à superestrutura e a autonomia que esta assume em
relação infraestrutura. Para ele o Estado vai ser:

todo complexo de atividades práticas e teóricas com o qual a


classe dominante não somente justifica e mantém o seu domínio,
mas procura conquistar o consentimento daqueles sobre os quais
exerce sua dominação (GRAMSCI. A. apud CARNOY. M. p. 90).

Pode-se perceber que dois elementos importantes compõem a noção


de Estado para Gramsci: a coerção (busca de manutenção do domínio
pela força) e o consentimento (busca de manutenção do domínio
através da ideologia). Sua preocupação estará centrada mais no segundo
elemento.
Um conceito importante para se entender a noção de Estado em
Gramsci é o de hegemonia, que, para ele, significa: “o predomínio
ideológico dos valores e normas burguesas sobre as classes subalternas”.
Em Gramsci o Estado é muito mais do que aparelho repressivo da
burguesia; o Estado inclui a hegemonia da burguesia na superestrutura
(CARNOY. M. p. 90). Ele vai enfatizar o papel das ideologias, dos
ideólogos (intelectuais) na busca do consentimento, daí, muitas vezes, a
transformação histórica inicia-se, em primeiro lugar, no plano intelectual.
Essa noção ampliada de Estado para nós é importante, pois implicará
em um novo entendimento sobre a questão da Igreja. Aqui a Igreja vai
ser parte dos aparelhos ideológicos do Estado e ser entendida como
campo de ação dos intelectuais, que se relacionarão com o Estado, ou
com a classe dominante, de acordo com a situação histórica de cada
época.

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 489

Voltemos ao objeto central de nosso artigo: a religião. A Igreja é


organização da religião. Religião é crença, Igreja é estrutura, dogmas,
hierarquia etc. Enquanto a religião se restringe ao campo das ideias, da
fé, do sentimento, a Igreja se constitui nessas ideias, nesses sentimentos
objetivados, estabelecidos, isto é, tornados organização a partir das
ideias, fé e sentimento religioso.
A religião é relacionada à consciência, ao imaginário, ao sentimento
coletivo, ao consenso.

religião passa a ser uma instituição pois se consolida


culturalmente, se impõe como hábito, costume, norma social da
sociedade a ponto de não ser possível imaginar, em certas épocas
e certas sociedades, a existência de pessoas não religiosas
(SOUSA. M.N. 1977, p. 09)7

A partir desses elementos é que ela vai se tornar instituição. Tais


elementos tiveram como origem “o mundo real”, as relações sociais e se
estabelecem no “mundo das ideias”. Uma vez ali instalados e
sedimentados, buscam o caminho da perpetuação e, para tal se
solidificam em organizações sociais constituindo a Igreja.
Religião, portanto, passa pelo cultural, pelo simbólico. Igreja, em
contrapartida, são as estruturas organizacionais advindas a partir da
religião. Religião é o simbólico, Igreja é o material; religião é instituição,
Igreja é organização. Daí ser possível haver uma dupla determinação. Da
Igreja sobre a religião e da religião sobre a Igreja. Buscamos assim,
delimitar duas maneiras de ser e existir do mesmo fenômeno. Ambos os
termos são usados indistintamente para significar uma e outra coisa.


7 Acrescento ainda um outro trecho: “Daí por diante (a partir da
institucionalização) o surgimento de organizações religiosas é legitimado pela
existência da religião como instituição. Existe até mesmo um certo preconceito
contra religiões que não satisfazem certos requisitos ou exigências institucionais,
que as existentes satisfazem. Assim é que a Umbanda e os demais ritos afro-
brasileiros foram (creio que são ainda) por muito tempo marginalizados no
Brasil, pelo menos formalmente, isto é, não ficaria bem para uma pessoa ‘de
bem’ frequentar essas religiões marginais” p. 9-10.

Soeitxawe
490 Francisco Cetrulo Neto

Enquanto organização, a Igreja se relaciona com todos os poderes


estabelecidos de uma sociedade, principalmente com o Estado.
Com muita precisão Maquiavél descreve como se dá o governo nos
principados eclesiásticos, nos quais não é necessária a coerção uma vez
que a religião promove o consentimento total por parte dos súditos.

[os principados eclesiásticos] são sustentados pela rotina da


religião. As suas instituições tornam-se tão fortes e de tal natureza
que sustentam os seus príncipes no poder, vivam e procedam eles
como bem entenderem. Só estes possuem Estados e não os
defendem; só estes possuem súditos e não os governam. E os
seus Estados, apesar de indefesos, não lhe são arrebatados; os
súditos, embora não sejam governados, não cuidam de alijar o seu
príncipe nem o podem fazer. Somente esses principados,
portanto, são por natureza, seguros e felizes (MAQUIAVELLI.
N. sd, p 107-108).

Que mágica acontece aqui? Creio que embora não usando o termo,
Maquiavel está trabalhando aqui com a ideologia religiosa. Esta é que
permite ao príncipe manter o reino coeso sem necessidade de um grande
dispêndio de recursos (por exemplo, mantendo um exército numeroso
para a coerção) e energia (pois há uma aceitação incondicional por parte
dos súditos do governo do príncipe).
Vale salientar que dentro da organização eclesiástica também existe
uma disputa por poder e por prevalência de grupos internos sobre outros
grupos que buscam o poder político e ideológico dentro dela.
Exemplo que clareia essa divisão dentro da Igreja é o seu
posicionamento frente ao Golpe de 64 no Brasil. Enquanto uma parte da
Igreja promovia uma “marcha com Deus” apoiando o Estado contra a
“invasão comunista” outra ala da mesma Igreja inicia um processo
colocando-se ao lado dos pobres e oprimidos assumindo papel de
resistência frente à repressão. Aqui, percebe-se que a relação Igreja e
Estado não é sempre de alianças harmônicas. Pode caminhar também
por discordâncias e antagonismos. Por outro lado, a divisão que existe
no seio da sociedade perpassa também a Igreja. Afinal, o mesmo cidadão
que vai à missa milita num partido, numa associação de moradores, num
sindicato etc.

Soeitxawe
Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 491

(seria necessário) entender a Igreja em seu contexto histórico, e


em interação com as demais tendências que constituem
contraditoriamente o conjunto da sociedade civil brasileira,
entrecruzando-se inclusive no interior da própria Igreja. Desta
nova perspectiva, os desenvolvimentos internos da Igreja
passariam a ser considerados em sua recíproca relação com as
mudanças vividas no conjunto da sociedade. Em outras palavras,
seria necessário considerar a Igreja simultaneamente como
instituição cultural de uma determinada ordem sócio-política, e
como canal e cenário de mútua interação e confrontação entre
tendências sociais que lhe são simultaneamente internas e
externas (KRISCHKE. P.J. 1985, p. 369).

Ainda poderíamos acrescentar, como exemplo, o caso da Nicarágua,


onde Igreja e grupos revolucionários fizeram aliança contra o Estado
burguês buscando a implantação de um Estado socialista.
A relação Igreja e Estado ocorre, via de regra, como alianças entre
dois aparelhos de Estado (repressivo e ideológico). A situação histórica e
os grupos no poder (em ambas as instituições) é que vão dar o conteúdo
específico de cada época. Portanto, pode acontecer o Padroado, a
concordata, a cristandade e até a separação formal entre ambos. Em
certos momentos a Igreja pode servir-se do braço do Estado para a sua
tarefa de evangelização, e, em contrapartida, o Estado poderá servir-se
da Igreja para estender ou manter o domínio de seus territórios.
Acontecem também momentos em que a Igreja pode colocar-se
contra o Estado, e contra a classe dominante, ficando ao lado da classe
oprimida, resguardando os seus interesses institucionais, sempre. Vale
repetir, entretanto, que a Igreja é composta por diversas correntes tal
qual a sociedade política e a sociedade civil.
Ao situarmos a Igreja ao nível da sociedade civil, seguindo Gramsci,
estamos afirmando sua autonomia, embora relativa, em relação à
infraestrutura. Nesse sentido a Igreja, tal qual o Estado são duas
instituições da sociedade civil, na superestrutura. São determinadas pela
infraestrutura, mas, em sua autonomia relativa, determinam também o
processo histórico.


Soeitxawe
492 Francisco Cetrulo Neto

Referências

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Elementos teóricos e metodológicos para estudo da religião 493

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Soeitxawe
494 Francisco Cetrulo Neto

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VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão
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Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais: desafios das Leis
10.639/2003 e 11.645/2008.

Dra. Simone Gibran Nogueira


Pós-doutorado na PUCCAMP1

Resumo: Este artigo está localizado dentro das Políticas de Ações Afirmativas,
mais especificamente da Lei 10.639/2003 e 11.645/2008, e visa abordar alguns
desafios que estão colocados para a implementação das mesmas. A ideia central
do artigo é analisar criticamente que nós, brasileiros/as, tivemos, e ainda temos,
uma educação das relações étnico-raciais historicamente estruturada pela
perspectiva eurocêntrica colonial, e quais as consequências desse processo
histórico, cultural e político para os diferentes grupos sociais que compõem
nossa sociedade, com atenção especial sobre os/as afro-brasileiros/as. Além
disso, visa trazer reflexões no sentido de repensar a educação das relações
étnico-raciais num sentido de respeito e valorização da pluralidade e diversidade
da nação brasileira. O trabalho busca evidenciar o modelo de humanidade
eurocêntrico e racista, produzido no século XVI e consolidado no século XVIII,
e como ele está associado à divisão social do trabalho e produção do capitalismo
mundial. Esta reflexão é baseada em autores latino-americanos que trabalham
com o conceito de colonialidade do poder, entendendo que esta colonialidade
influencia as produções de saber e de subjetividade em nossa sociedade como
um todo e em cada um de nós, educadores/as. A proposta é fazer o/a leitor /a
refletir sobre seu próprio lugar nestas relações étnico-raciais coloniais, como
cada um vem reproduzindo estes padrões e como podemos nos transformar em
agente de mudanças em nossas próprias vidas.

Introdução

Responder à pergunta “que educação das relações étnico-raciais


queremos no século XXI?” envolve, primeiro, uma análise crítica da
complexidade histórica, política, econômica, cultural e social construída


ϭ
Financiado pela FAPESP (processo 2015/11419-8)
496 Simone Gibran Nogueira

intencionalmente por europeus colonizadores em relação a outros povos


a partir do século XVI, com as navegações transatlânticas rumo à
América. Parto da compreensão de que as sociedades latino-americanas,
como a brasileira, são fruto do encontro (forçado) de diferentes povos, e
que elas possuem uma determinada orientação para as relações étnico-
raciais. Em outras palavras, reproduzimos hoje no Brasil relações sociais
que são fruto de um projeto de sociedade elaborado desde o período
colonial europeu e que se consolidou, inclusive com a contribuição de
produções científicas, especialmente a partir do século XVIII. Entender
como esse processo ocorreu é parte do esforço necessário para
responder a referida pergunta. Isto significa dizer que tivemos uma
educação colonial das relações étnico-raciais, que ainda é reproduzida em
nossa sociedade. Mas que educação é essa? Como ela está estruturada?
Como ela impacta nossas vidas cotidianas? Estamos satisfeitos com ela
ou não? É possível transformá-la?
Refletir sobre que relações étnico-raciais fomos e somos ensinados a
manter e reproduzir na sociedade brasileira é uma tarefa urgente e
necessária diante da profunda desigualdade entre os grupos sociais no
Brasil. Outra razão importante é o movimento que está ocorrendo no
Brasil no século XXI, a partir da aprovação e implementação de Políticas
de Ações Afirmativas no país, especialmente aquelas voltadas para a área
da Educação. A necessidade de tais políticas está diretamente relacionada
à constatação empírica de que as relações étnico-raciais historicamente
mantidas em nossa sociedade são produtoras, por um lado, de privilégios
para determinados grupos sociais, e por outro lado, instituiu e mantém
desigualdades, discriminações e marginalizações para outros grupos.
As Políticas de Ações Afirmativas foram inauguradas em 2003 com a
Lei 10.639 e seu Parecer CNE/CP 003/2004, que tornam obrigatória e
orientam a educação das relações étnico-raciais e o ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana nas escolas e universidades.
Posteriormente, em 2008, foi incorporado o ensino de história e cultura
indígena por meio da Lei 11.645. É importante compreender que ações
afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou
determinadas pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o
objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas,
garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de

Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais 497

compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização,


decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros.
Portanto, as ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em
virtude das discriminações ocorridas no passado (Barbosa et. al., 2003).
Desta maneira, para cumprir os mencionados objetivos das ações
afirmativas é necessário e urgente não só repensarmos e
compreendermos que educação das relações étnico-raciais estamos
historicamente reproduzindo, mas também e sobretudo, que educação
das relações étnico-raciais queremos construir e que sociedade queremos
gerar a partir delas. Ou seja, se as relações étnico-raciais que temos hoje
são fruto de um projeto de sociedade elaborado desde o período
colonial, e dele resulta uma sociedade com desigualdades sociais
profundas, é necessário compreender criticamente que projeto é esse e
como ele ainda é mantido. Assim como, é tão importante quanto, refletir
e construir um novo projeto de sociedade para o século XXI, que
envolva outras maneiras de se relacionar entre os diversos povos que
compõem a sociedade brasileira e, por consequência, que as estruturas
sociais, políticas e culturais possam ser modificadas, a partir daí, num
sentido mais justo, igualitário e democrático.
A proposta deste artigo é apresentar apontamentos críticos sobre que
relações étnico-raciais reproduzimos historicamente, explicitando alguns
de seus mecanismos de manutenção via a colonialidade do saber. O
artigo é finalizado com algumas reflexões sobre possibilidades de mudar
e transformar estas relações entre os diversos povos que compõem o
Brasil, num sentido de promover o reconhecimento e a valorização da
pluralidade, diversidade e dialogicidade entre eles.

Relações Étnico-Raciais Coloniais/Modernas e Colonialidade do


Saber

O capitalismo mundial foi, desde o início, colonial/moderno e eurocentrado.


Anibal Quijano

Não pretendo fazer uma análise exaustiva das diversas dimensões


envolvidas na complexidade do processo de colonização europeia na

Soeitxawe
498 Simone Gibran Nogueira

América, até porque não seria possível num simples artigo. A proposta é
desenvolver algumas reflexões críticas com base no pensamento social
latino-americano sobre como nossa vida cotidiana, nossas relações
intersubjetivas, nossos processos educativos escolares, e nossa própria
maneira de pensar e viver com os outros estão orientadas por uma lógica
cognitiva ou uma racionalidade específica produzida no período colonial
denominada por eurocentrismo.
Esta análise compreende que existe uma relação de interdependência
entre sociedade e produção de conhecimentos. Entendo que a produção
de conhecimentos é realizada e sistematizada a partir de uma
determinada realidade social e que este conhecimento retorna para a
sociedade influenciando os processos sociais, sendo a via da educação
formal um dos mecanismos por excelência pelo qual esta relação entre a
sociedade e a produção de conhecimentos se concretiza. Portanto,
refletir criticamente sobre estas problemáticas exige revisitarmos a
história.
O colonialismo europeu foi inaugurado em meados do século XV e
se consolidou na relação América-Europa a partir do século XVI, depois
se expandiu para o resto do mundo. É muito claro que este processo foi
conduzido, principalmente, por interesses econômicos de países
europeus, que viam na América uma fonte de exploração de recursos
naturais e humanos e, consequentemente, o enriquecimento dos
colonizadores.
Outra característica do colonialismo, é que os colonizadores
europeus, nas investidas empreendidas na América e em outros
continentes, entraram em contato com territórios geográficos e humanos
completamente distintos e desconhecidos e, ao mesmo tempo,
desafiadores. A relação com estes “outros”, os diferentes, foi desde o
início marcada pelo interesse econômico colonial e muitos
conhecimentos sobre eles tiveram que ser produzidos/forjados para o
cumprimento do propósito de dominação econômica.
A consolidação da relação de colonização entre países europeus e a
América (e depois com outros continentes), propiciou o enriquecimento
dos primeiros e a emergência da Europa (ocidental) como sede central
do controle do mercado mundial. Segundo Quijano (2005), o
deslocamento do controle do mercado mundial para a Europa, antes

Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais 499

localizado no mundo islâmico, foi possível pela elaboração de dois eixos


fundamentais: 1) a ideia de raça, que atestava a inferioridade biológica de
determinados povos, utilizada como elemento constitutivo e fundacional
das relações de dominação, que gerou uma classificação da população
mundial; e 2) a articulação de todas as formas históricas de controle do
trabalho, de seus recursos e seus produtos, em torno do capital e do
mercado mundial.
A vinculação destes dois eixos estruturais no período colonial
inaugurou um novo padrão de poder mundial que gerou condições para
a constituição do capitalismo global eurocentrado. O ponto chave desta
argumentação é que europeus brancos foram localizados no topo de uma
hierarquia racial “desumana”2, sendo eles o modelo de humanidade
“moderna”, e todos os outros povos do mundo, africanos, aborígenes,
asiáticos, ameríndios, foram localizados em lugares de inferioridade,
sendo representados em diferente medidas como povos do passado,
atrasados e primitivos. Esta hierarquia racial “desumana” foi
correlacionada estruturalmente com diferentes formas de controle do
trabalho: escravidão, servidão, pequena produção mercantil,
reciprocidade e salário. Sendo que a branquitude social foi quase
exclusivamente associada com o salário e a administração colonial, e as
“raças inferiores” com outras formas de trabalho não assalariado, por
exemplo: índios associados à servidão e negros à escravidão.
Quijano (2005, p. 232) denominou esta articulação de “colonialidade
do poder”, ou seja, um padrão global de controle do trabalho, de seus
recursos e seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial,
associado e orientado por uma classificação racial da população do
planeta. Esta sistemática localizava a Europa como a referência central e
exclusiva de humanidade, ou seja, nesta classificação racial e global dos
povos ela constituiu-se como o único modelo a ser seguido. Esta
centralidade também lhe conferiu o lugar de legítima detentora do
controle da produção de bens materiais e imateriais, já que se autodefine

2 Estou chamando de uma hierarquia racial desumana, pois os único povos
considerados de fato humanos e, portanto, modelo de humanidade, seriam os
brancos europeus; todos os outros estão de alguma forma associados a lugar
sub-humanos ou não-humanos.

Soeitxawe
500 Simone Gibran Nogueira

como “a mais avançada e moderna”. A colonialidade do poder se tornou


uma nova tecnologia de dominação/exploração, com base nas
correlações das categorias de raça/trabalho, que foram articuladas como
se fossem naturalmente associadas.
Os livros didáticos de história, pelo menos aqueles produzidos até o
final do século XX e anteriores à Lei 10.639/20033, reproduzem esta
perspectiva racial da divisão social do trabalho na formação do Brasil,
bem como a centralidade da Europa como legítima detentora do
controle de produção. Indígenas e africanos aparecem localizados na
história do país apenas como trabalhadores braçais na época do
colonialismo. Europeus são aqueles que protagonizaram, exclusivamente,
o desenvolvimento do país desde o “descobrimento”. Neste contexto, o
fim do período colonial encerra o fim das contribuições de indígenas e
africanos. Eles somem do processo histórico de construção da nação
como num passe de mágica. Tudo fica resolvido por meio de afirmações
como: “os indígenas acabaram dizimados por doenças e por outras
causas”. Esta informação é tão incorreta que até hoje existem 305 etnias
e 274 línguas indígenas não faladas. No que se refere aos africanos e seus
descendentes, eles desaparecem dos livros didáticos de história depois da
“abolição da escravidão”, logo depois de virarmos a página, como se não
tivessem colaborado com mais nada no país posteriormente à período
escravocrata.
Essa naturalização da centralidade da Europa como referência de
humanidade também concentrou sob sua hegemonia o controle de todas
as formas de subjetividade, de cultura, e em especial, de produção de
conhecimento. Isto configurou “um novo universo de relações
intersubjetivas de dominação entre a Europa e o europeus e as demais
regiões e populações do mundo, as quais estavam sendo atribuídas, no
mesmo processo, novas identidades geoculturais (Quijano, 2005, p.
236)”, como será abordado a frente. A própria ideia de modernidade está
encerrada nesta racionalidade eurocêntrica, fundamentada a partir de
dois mitos: “1) a ideia-imagem da história da civilização humana como

3Localizo o marco histórico da Lei 190.639/2003 porque depois de sua sanção
muitos materiais didáticos foram revisados e corrigidos, assim como outros
novos foram produzidos.

Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais 501

uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa;


e 2) outorgar sentido às diferenças entre Europa e não-Europa como
diferenças de natureza (racial) e não de história de poder (p. 238).”
Desses dois mitos sobre a modernidade decorreram alguns
desdobramentos reproduzidos cognitivamente até os dias hoje no
sistema capitalista mundial. Um deles é a ideia de que europeus,
enquanto modelo de humanidade moderna (o mesmo se pode dizer
sobre a ideia de ciência moderna), representavam o novo e ao mesmo
tempo o mais avançado da espécie. Como se a humanidade partisse de
um estado de natureza que, num desenvolvimento unilateral e
unidirecional da história humana, culminasse na civilização europeia ou
ocidental.
Tal perspectiva eurocentrista e racista buscava legitimar esta patente
apelando à história cultural do antigo mundo heleno-românico e ao
Mediterrâneo antes da América. Menosprezando, desprezando e/ou
desconsiderando as contribuições históricas, culturais e tecnológicas de
todas as civilizações antigas e anteriores à heleno-românica (Egípcios,
Olmecas, Maias, Astecas, Indus, Árabes), como se a Europa exercesse
um protagonismo exclusivo na história das civilizações humanas de
todos os tempos (Diop, 1991; James, 2010 ).
Em relação à esta estratégia intelectual eurocentrista, é importante
analisarmos, não só, a proposta didática presente nos livros de história
anteriores à Lei 10.639/2003, mas, também, a própria produção e
reprodução acadêmica e científica. Os cursos de ciências humanas no
Brasil (e em vários lugares do mundo) reproduzem a tese de que “a
Grécia antiga é o berço da filosofia e da ciência moderna”, como se a
civilização (mais) humana desse um salto qualitativo exclusivo a partir
daí, caracterizando as histórias de civilizações anteriores à heleno-
românica como atrasadas, primitivas ou selvagens.
Esta ideia tão amplamente reproduzida na academia é uma falácia,
que pode ser desconstruída com estudos mais aprofundados como o de
George James (2010), que em 1954 publica o livro Stolen Legacy (O legado
roubado), comprovando que a grande maioria dos filósofos gregos da
antiguidade (Pitágoras, Heródoto, Heráclito, Aristóteles etc) foram

Soeitxawe
502 Simone Gibran Nogueira

iniciados no Egito antigo (Kemet4) e que suas teorias possuem diversos


conhecimentos que foram produzidos pela civilização Kemética. Isso
desconstrói a ideia de que o “avanço” da civilização (eurocentrista)
moderna não é “tão novo” assim, bem como a “tecnologia” das
civilizações anteriores à heleno-românica não é “tão primitiva ou tão
selvagem” como muitas vezes nos é ensinado tanto nas universidades
como nas escolas. Dizendo de outra maneira, esta perspectiva de
dominação colonial, moderna, ocidental, eurocentrista e hegemônica
considerava que europeus não só eram superiores, mas “naturalmente”
superiores a qualquer outro povo. Consequentemente, povos não-
europeus, em diferentes medidas, eram associados a uma ideia de
passado, de atraso ou de primitivo, que produzem cultura igualmente
atrasada e/ou primitiva, portanto, não humanamente digna ou válida
enquanto conhecimento.
É importante destacar que nesse processo de classificação da
população mundial com base numa hierarquia racial desumana, na qual
povos europeus se consideravam e se impunham como modelo de
humanidade e referência a ser seguida, houve um processo de atribuição
de novas identidades geoculturais aos outros povos do planeta. No início
da colonização, a América e a Europa foram as primeiras novas
identidades geoculturais forjadas pelos europeus, e posteriormente a
África, a Ásia e a Oceania (Dussel, 2005). No entanto, é significativo
apontar que trezentos anos mais tarde, com o apoio científico de
pesquisadores e pensadores eurocentristas, toda a diversidade de povos
que habitavam aqueles territórios colonizados foram reduzidos a uma
única identidade: índios e negros. Segundo Quijano (2005, p. 249):

Esse resultado da história do poder colonial teve duas


implicações decisivas. A primeira é óbvia: todos aqueles povos
foram despojados de suas próprias e singulares identidades
históricas. A segunda é, talvez, menos óbvia, mas não menos
decisiva: sua nova identidade racial, colonial e negativa, implicava
o despojo de seu lugar na história da produção cultural da


4 Kemet era como os egípcios da antiguidade se autodenominavam. Kemet
significa “terra de negros”.

Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais 503

humanidade. Daí em diante não seriam mais nada que raças


inferiores, capazes somente de produzir culturas inferiores.

A redução de uma diversidade de povos e culturas à uma única


identidade étnico-racial, índios e negros, com conotação colonial e
negativa, aconteceu de forma estratégica e intencional pelos
colonizadores. Em outras palavras, existia um propósito claro para
empreender este processo de “desumanização”, que era a dominação.
Ele foi operacionalizado por meio de um mecanismo de negação da
humanidade daqueles povos ao afirmar que eles eram a-históricos,
produtores de culturas primitivas ou atrasadas, e, portanto, que seus
conhecimentos não tinham validade dentro de um processo de
modernização, ocidentalização, hegemônico e global (Quijano, 2005).
Todo esse processo foi forjado, especialmente a partir do século XVIII,
com a emergência do racismo científico (evolucionismo histórico,
darwinismo social, antropologia física e criminal) para a manutenção das
relações de dominação e exploração (Santos, 2002).
Uma das decorrências desta ciência eurocentrista e racista foi a
abertura dos “Zoos Humanos” na Europa Ocidental, que se tornaram
muito populares na elite abastada de países como Inglaterra, França,
Vaticano, Espanha. Os Zoos Humanos eram espaços de exibição pública
de “exemplares de povos em estado primitivo”, e vigoraram desde o
início do século XIX até meados do século XX, conforme podemos
apreciar nos cartazes da Ilustração I.
Além das atividades de exibição pública, estes Zoos Humanos se
constituíram em centros de pesquisas sobre os diversos povos tachados
como “primitivos” trazidos das diferentes colônias. Não por acaso, a
pesquisa de anatomia avançou muito naquela época, assim como as
pesquisas de inteligência e outras disciplinas (Santos, 2002; Ferreira e
Hamlin, 2010). Destacando que, entre outros conhecimentos
produzidos, as pesquisas de inteligência foram uma das que mais
forjaram “provas” sobre a inferioridade intelectual e, portanto, humana,
dos chamados índios e negros. Justificativa amplamente utilizada para
explicar porque povos africanos eram mais aptos aos trabalhos braçais e
para a escravidão.

Soeitxawe
504 Simone Gibran Nogueira

Ilustração I - cartazes de divulgação de exibições em Zoos Humanos nos anos de 1891 e


1928.

A produção de conhecimento oriunda desta ciência racista e


eurocentrista reverberou em muitos pensadores e disciplinas das ciências
humanas “modernas”, pior, muitas delas ainda influenciam a produção
científica atual. É bem conhecido, por exemplo, que a Psicologia
enquanto ciência origina-se, entre outras fontes, dos estudos de
inteligência do século XIX. Conforme Patto (1992, p. 109) denuncia:

Tanto as teorias racistas e do caráter nacional formuladas na


Europa no decorrer do século dezenove, como as teorias que as
sucederam com o surgimento da Psicologia científica, serviram
para justificar as condições de vida muito desiguais de grupos e
classes sociais no mundo da suposta “igualdade de
oportunidades” [referindo-se à Revolução Francesa].

Nesse mesmo sentido de denuncia das teorias racistas, Santos (2002)


analisa contradições na obra de filósofos do iluminismo destacando seus
posicionamentos em relação aos povos não-europeus. Conforme a

Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais 505

autora destaca, Voltaire, Buffon e Diderot utilizavam expressões como


bestas, incivilizados, selvagens, rudes, negros etc, ao se referirem àqueles
povos. Em 1807, o famoso filósofo alemão, Hegel publica uma de suas
obras mais conhecidas, a Fenomenologia do Espírito, que influencia até
hoje muitas disciplinas científicas, incluindo a filosofia do direito. Neste
trabalho ele afirma categoricamente que não interessa os conhecimentos
que vêm de África, pois aquele é um continente sem história e sem
cultura. Em outras palavras, isso significou, e ainda significa, afirmar que
os povos oriundos do continente mãe não eram seres humanos, já que é
justamente a linguagem e a capacidade de produzir história e cultura que
caracteriza a nossa humanidade e nos diferencia dos outros animais
(Nobles, 2006).
Mais uma vez, é possível perceber como a ciência moderna se
estruturou em bases racistas forjadas com o propósito claro de
desqualificar e desumanizar povos e culturas não-europeus, contribuindo
para manutenção das relações de dominação e exploração. Esta operação
foi acompanhada da reafirmação da Europa e dos europeus como
modelo de humanidade e de produção de conhecimentos válidos para
toda a sociedade capitalista global moderna. Quijano (2005) denomina de
colonialidade do saber este processo de colonização das perspectivas
intelectuais. Por meio da colonialidade do saber operações mentais
foram geradas para orientar e regular relações intersubjetivas
hegemônicas nas sociedades modernas ocidentais, tais como a brasileira.
Em outras palavras, um sistema de classificação social/racial da
população mundial foi forjado com bases científicas e ele impactou e
ainda impacta a maneira como as pessoas veem e vivem no mundo junto
com outros. O afro-americano Nobles (2006) e outros pensadores
africanos denominam esta orientação cognitiva de colonização mental.
Para os fins deste artigo, o que vale destacar é que a sociedade
ocidental moderna e global, tal como conhecemos hoje, foi projetada
durante os últimos cinco séculos com base em relações de poder que
localizam a Europa e os europeus como único modelo de humanidade,
de cultura e produção de conhecimentos válidos. Logo, seriam aqueles
mais aptos a controlar o poder e os recursos de produção de bens
materiais e imateriais. Este projeto foi disseminado por diversos
mecanismos de dominação e exploração de recursos naturais e humanos

Soeitxawe
506 Simone Gibran Nogueira

que localizam e/ou representam povos não-europeus como selvagens e


primitivos, produtores de culturas atrasavas e do passado, cujos
conhecimentos não são dignos e nem socialmente válidos para nosso
tempo. Além disso, esta explicação forjada dá validade à ideia de que
estes são mais aptos para os trabalhos braçais. Esta lógica de
operacionalização das relações intersubjetivas baseada na perspectiva
eurocentrista e racista foi e ainda é reproduzida nas diversas sociedades
ocidentais, inclusive na brasileira.
É importante compreender que um modelo de humanidade qualquer
orienta a maneira como as relações sociais serão produzidas e, em última
instância, que sociedade estas relações geram e mantém. Nesse sentido, é
possível observar que, apesar da sociedade brasileira ser pluriétnica e
multicultural, os diversos povos aqui presentes não se relacionam em pé
de igualdade, pelo contrário (Silva e Silva, 2006). A partir da reflexão
desenvolvida neste trabalho, podemos olhar para nossas principais
instituições sociais (governo, mídia, escola), mantenedoras do
funcionamento das sociedades, e observar como o processo de
colonialidade do saber ou colonização mental se expressa. Apresentarei
uma breve problematização relacionada a escolal. Esta problematização
visa mais promover um exercício de desnaturalização da realidade social
do que um aprofundamento crítico propriamente dito, que não será
possível pelos limites deste artigo.
A escola é uma instituição social que, entre outras funções, contribui
para a manutenção da sociedade. Nesse papel, ela também merece um
olhar cauteloso em relação a colonialidade do saber e a colonização
mental. Se analisarmos todos os modelos escolares implantados no
Brasil, inclusive o atual, todos foram importados e inspirados em
modelos europeus, e porque não dizer: eurocêntricos. O mesmo
podemos afirmar sobre nossos currículos escolares que privilegiaram,
exclusivamente, a história e a cultura de nossos colonizadores europeus,
como referência de produção de conhecimentos válidos. Os povos não-
europeus pouco aparecem no nosso currículo escolar, e quando
aparecem estão representados pelas identidades coloniais e negativas,
como negros e índios, e suas participações na história do Brasil estão
encerradas no passado e nos trabalhos braçais forçados. Em outras
palavras, sua riqueza histórica e antiga que migrou encarnada no corpo

Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais 507

dos povos africanos, bem como suas contribuições culturais humanas


para formação da nossa cultura brasileira, são ignoradas.
É muito importante desnaturalizarmos estas imposições sociais
eurocêntricas e racistas que estão impregnadas no imaginário social de
todos os brasileiros, em todos os grupos sociais e em todas as classes. Os
brasileiros que passaram pelo sistema formal de educação foram
ensinados e educados dentro desta perspectiva. Nesse sentido, existe
uma racionalidade, um padrão cognitivo e mental sendo reproduzido e
mantido por séculos no Brasil pelo currículo escolar. Portanto, dentro
deste contexto se constitui uma falácia a afirmação de que “o Brasil não é
um país racista”. O mesmo é possível afirmar sobre cada um de nós
brasileiros que passamos pelo sistema formal de ensino: não há um
brasileiro que não tenha aprendido a manter padrões de comportamento
e pensamento eurocêntricos e racistas, ainda que não tenha consciência
alguma sobre isso. Mesmo aqueles brasileiros que têm desenvolvido
consciência crítica sobre tais processos históricos, culturais, políticos e
sociais, temos que empreender uma batalha mental cotidiana contra as
orientações e posturas que nos foram ensinadas/impostas e que são
diariamente reproduzidas nas instituições sociais brasileiras. Nessa
batalha entre a reprodução da colonialidade do saber e a
descolonização/libertação mental, o currículo escolar se configura como
importante instrumento de poder e em disputa.
O currículo escolar é um mecanismo de produção, manutenção ou
transformação da sociedade. Ele reflete o projeto de sociedade que está
em curso, assim como pode apontar novos caminhos. É nesta
encruzilhada que a Lei 10.639/2003, Lei 11.645/2008 e o Parecer
CNE/CP 003/2004 se tornam, mais do que instrumentos legais, uma
abertura real e concreta para pensarmos, avaliarmos e transformarmos
diretamente o currículo escolar e em última instância a própria sociedade.
Algumas perguntas são importantes: estamos satisfeitos com esta
sociedade que temos? Que projeto de sociedade estamos produzindo
e/ou reproduzindo? Como o currículo escolar está contribuindo para a
manutenção/reprodução desta sociedade? Mas principalmente, nós
brasileiros, e especialmente os educadores, temos que nos perguntar: que
sociedade queremos? Como construir um currículo escolar que contribua

Soeitxawe
508 Simone Gibran Nogueira

de fato para a produção de uma sociedade plural, diversa, dialógica,


democrática e justa para todos os grupos sociais?
No caminho da desnaturalização das relações étnico-raciais
coloniais/modernas, da descolonização do saber e das nossas mentes
dentro do contexto das Políticas de Ações Afirmativas na Educação,
parece significativo nos perguntarmos: porque precisamos de leis que
tornam obrigatória a educação das relações étnico-raciais, sobretudo
ressaltando referências de povos afrodescendentes e indígenas? Ora,
porque nossa nação é composta por uma diversidade histórica e cultural
de povos que não se relacionam em pé de igualdade e de direitos, nem
mesmo no currículo escolar. Supervalorizamos as contribuições
europeias em nossa sociedade e menosprezamos, desprezamos,
invisibilizamos e silenciamos as contribuições de povos não-europeus
milenares. A perspectiva eurocentrista orienta silenciosamente nossos
currículos quando simplesmente ignoramos as contribuições e o lugar
dos diversos povos não-europeus na formação social do Brasil.
Retomando o pensamento de Quijano (2005), despojamos os povos não-
europeus de seu lugar na história da produção cultural da humanidade e
da própria nação brasileira.
A profunda desigualdade social em nosso país foi forjada e mantida
pelas estruturas sociais baseadas na lógica eurocentrista e racista de
funcionamento. Se estamos interessados em transformar esse processo
histórico, em construir um novo projeto de sociedade, novas relações
sociais realmente democráticas, é necessário criarmos, construirmos e
reconstruirmos um novo modelo de humanidade. Um modelo de
humanidade em que a pluralidade étnica, a diversidade cultural, a
intersubjetividade dialógica de fato aconteça. Por esta razão, volto a
afirmar que a Lei 10.639/2003, bem como a Lei 11.645/2008, são
instrumentos legais poderosos que nos permitem avançar e produzir
transformações sociais.
Neste contexto de desigualdades produzidos pela colonialidade do
poder e do saber com base na perspectiva eurocentrista e racista, uma
postura ou atitude que pode ser considerada revolucionária, no sentido
de educar para transformar as relações étnico-raciais, é cada pessoa se
orientar para reconhecer a humanidade daqueles povos e culturas que
foram desqualificados, desumanizados, negados, explorados e

Soeitxawe
Educação das Relações Étnico-Raciais 509

marginalizados. Parece uma ação simples, e de fato pode ser, mas não é
fácil, pois isto implica uma revisão particular e pessoal de cada um sobre
seus próprios pensamento, sentimentos e ações em relação aos diferentes
grupos e pessoas, os privilegiados e os desfavorecidos. A mentalidade
colonial está impregnada em cada um de nós e nas nossas ações mais
cotidianas, desnaturalizar esse processo, atentar para os detalhes mais
pequenos de nossas relações sociais é como empreender um processo de
descontaminação.
Esta descontaminação mental deverá ser um esforço permanente para
cada um de nós e para a sociedade como um todo, pois cotidianamente,
em ações mínimas, a perspectiva eurocentrista e racista vem sendo
afirmada há cinco séculos no Brasil. É por este motivo que afirmo que
esta tarefa não é fácil, porque exige atenção permanente. No entanto, ela
pode ser também muito interessante e enriquecedora, pois, se
reconhecermos verdadeiramente a humanidade daqueles que vem sendo
desqualificados em nossa sociedade, e nos abrirmos sinceramente para
conhecê-los e aprender com eles, poderemos nos surpreender com a
quantidade e a qualidade de conhecimentos milenares e interessantes que
seus povos originários preservam até os dias de hoje, apesar dos ataques
seculares. Mas esta é uma outra história, que todos os brasileiros estão
convidados a ajudar a escrever para o século XXI.

Referências

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Educação Brasileira. In: Luz, N. C. do P. (org.) Descolonização e
educação: diálogos e proposições metodológicas. 1ª Edição. Curitiba: CRV
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Books, Trad.) New York: Lawrence Hill Books.
DUSSEL, E. (2005). Europa, modernidade e eurocentrismo. In: E.
Lander, A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latinoamericanas. (pp. 55-70). Buenos Aires: Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO.

Soeitxawe
510 Simone Gibran Nogueira

FERREIRA, J.; Hamlin, C. (2010). Mulheres Negros e Outros Monstros:


um ensaio sobre corpos não civilizados. In: Estudos Feministas.
Florianópolis 18(3). 336, setembro-dezembro. P. 811-836.
JAMES, G. G. (2010). Stolen Legacy. Lexington: Feather Trail Press.
NOBLES, W. (2006). Seeking the Sakhu - foundational writings for an African
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PATTO, M. H. S. (1992). A família pobre e a escola pública: anotações
sobre um desencontro. In: Psicologia USP. São Paulo, 3(1/2), p.
107-121.
QUIJANO, A. (2005). Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América
Latina. In: Lander, E. (org.) A colonialidade do saber: eurocentrismo e
ciências sociais. 1a. Edição. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano
de Ciencias Sociales – CLACSO.
SANTOS, G. A. (2002). A invenção do ser negro: um percurso das ideias que
naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo e Rio de Janeiro:
EDUC/FAPESP e Pallas.
SILVA, L. A.; Silva, P. B. (2006). O jogo das diferenças - multiculturalismo e seus
sentidos. Belo Horizonte: Autêntica.

Ilustração

Site: <http://en.wikipedia.org/wiki/Human_zoo> Acesso 28/01/2015

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural do
povo Paiter Suruí na floresta amazônica e sua inserção
tecnológica

The socio-economic sustainability and cultural plan of


"traditional people Paiter Suruí" in the amazon forest and
their technology integration

Prof.ª Dra. Claudia Ribeiro Pereira Nunes


Professora Permanente da Pós Graduação stricto sensu em Direito
Universidade Veiga de Almeida - Rio de Janeiro
Coordenadora do NUPE em Direito
Instituto de Ensino Superior de Rondônia - Ariquemes

Resumo: Após o primeiro contato do Povo Paiter Suruí com o "Povo Branco"
no fim da década de sessenta, aquele quase foi extinto. Contudo, a persistência e
o espírito de sobrevivência desse povo fez com que, no século XXI, tenha
conseguido organizar o primeiro Plano de Desenvolvimento Sustentável de uma
tribo indígena brasileira. Com base nessa premissa, justifica-se a pesquisa por ser
de suma importância entender os aspectos jurídicos do Planejamento para 50
anos do Povo Paiter Suruí. O objetivo geral da pesquisa é o de, indicando as
vertentes do Plano de Sustentabilidade ora mencionado, entender as concepções
do plano dentro do contexto da globalização. As abordagens metodológicas são:
(i) teórica, por meio de revisão bibliográfica; e (ii) dados secundários, por meio
da busca na internet dos sítios oficiais e o privado do Fundo Vale, onde o Povo
Paiter Suruí e/ou seus representantes são mencionados. O escopo temporal
da pesquisa é o século XXI.
Palavras chaves: Sustentabilidade; Desenvolvimento socioeconômico; Povo
Paiter Suruí; Globalização e Era da Informação.

Abstract: After the first contact of the “Traditional people Paiter Surui" with
white people in the 60’, they were almost extinct. However, the persistence and
spirit of survival of this people, that in the 21th century, they have managed to
organize the first Sustainable Development Plan of a Brazilian Indian tribe.
Based on this premise, it is appropriate this research for being of paramount
importance to understand the legal aspects of the planning for 50 years of the
512 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

"Traditional people Paiter Surui". The overall objective of the research is to


indicate the aspects of the now mentioned Sustainability Plan and to understand
the legal aspects of sustainability that are presented within the conceptions of
globalization. The methodological approaches are: (i) theoretical, through
literature review; and (II) secondary data through the internet search of the
officials sites and the private Valley Fund where the "Traditional people Paiter
Surui" and/or their representatives are mentioned. The temporal scope of the
research is the twenty-first century.
Key words: Sustainability. Socioeconomic development; "Tradition People
Paiter Surui"; Network Society and the Information Age.

Introdução

Os Índios da etnia Suruí (Povo Paiter Suruí), em Rondônia,


começaram a investir na venda de créditos de carbono em 2012. Visando
implementar o Projeto, eles utilizam a internet para divulgar o trabalho
de preservação de sua reserva. A criação do fundo indígena pode ser
mais um passo para ajudar o Povo Paiter Suruí a conservar a região em
que vivem.
Justifica-se a pesquisa ora apresentada pela necessidade de avaliar a
sustentabilidade de um Projeto tão inovador no mundo globalizado.
O objetivo geral da pesquisa é o de, indicando as vertentes do Plano
de Sustentabilidade, entender os aspectos relativos à sustentabilidade que
se apresentam dentro do contexto da globalização.
Os objetivos específicos são: (i) diagnosticar quais os efeitos dessa
inovação; e (ii) descrever como está sendo realizada a contribuição para o
desenvolvimento sustentável desse povo da floresta e a sua
visibilidade internacional. Os principais marcos teóricos são as obras de
Ignacy Sachs datadas de 1993 e 2000.
A abordagem metodológica é da revisão literária da doutrina
especializada em Ciências Humanas e Sociais, além da obtenção de dados
secundários com base em documentos legais como: Constituição e
demais legislações aplicáveis, além do Relatório de Sustentabilidade da
Conferência Rio 92.

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 513

Os resultados esperados são os de reconhecer se o empreendimento


do Povo Paiter Suruí é sustentável nos termos dos indicadores ambientais,
sociais e econômicos.

1- Aspectos gerais do desenvolvimento sustentável

No início da década de 70, o conceito de desenvolvimento


sustentável surgiu pela primeira vez, com o nome de
“ecodesenvolvimento”. Foi uma resposta à polarização apresentada pela
publicação do Relatório do Clube de Roma, que opunha duas visões
sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente
(ROMEIRO, 1999, p. 2-3). Estas duas visões são opostas e se
apresentavam da seguinte forma:

(i) os possibilistas culturais ou ‘tecno-cêntricos’ radicais, para os


quais os limites ambientais ao crescimento econômico são mais
que relativos diante da capacidade inventiva da humanidade,
considerando o processo de crescimento econômico como uma
força positiva capaz de eliminar por si só as disparidades sociais,
com um custo ecológico tão inevitável quanto irrelevante diante
dos benefícios obtidos; e
(ii) os deterministas geográficos ou ‘eco-cêntricos’ radicais, para os
quais o meio ambiente apresenta limites absolutos ao crescimen-
to econômico, sendo que a humanidade estaria próxima da ca-
tástrofe (ROMEIRO, 1999, p. 3-6).

O marco para o desenvolvimento sustentável mundial, como aceito


na atualidade, foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de
1992 – Rio 92. Nessa Conferencia Internacional foi aprovada uma série
de documentos importantes, dentre os quais a Agenda 21. Este
documento refere-se ao plano de ação mundial para orientar a
transformação desenvolvimentista, identificando, em 40 capítulos, 115
áreas de ação prioritária. Também se apresenta como um dos principais
fundamentos da sustentabilidade e do fortalecimento da democracia e da
cidadania, fundado na participação dos indivíduos/cidadãos no processo

Soeitxawe
514 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

de desenvolvimento, combinando ideais de ética, justiça, participação,


inclusão, democracia e satisfação de necessidades desenvolvimentistas da
sociedade mundial1.
O processo iniciado em 1992 reforça a consolidação de alianças entre
os diversos grupos sociais responsáveis pela catalisação das
transformações necessárias, antes de se reduzir a questão ambiental a
argumentos técnicos.
Nesta linha, passou-se a considerar o desenvolvimento sustentá-
vel como o modelo econômico, político, social, cultural e ambiental equi-
librado, que satisfaça as necessidades das gerações atuais, sem compro-
meter a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias ne-
cessidades (SACHS, 1993, p. 17-38).
A concepção acima aludida começa a se formar e difundir junto com
o questionamento de qual o desenvolvimento adotado. O
desenvolvimento deve resultar do crescimento econômico acompanhado
de melhoria na qualidade de vida, em qualquer de suas concepções
(VASCONCELLOS e GARCIA, 1998, p. 205). Deve incluir as
alterações da composição do produto e a alocação de recursos pelos
diferentes setores da economia, de forma a melhorar os indicadores de
bem-estar econômico e social (VASCONCELLOS e GARCIA, 1998, p.
206).
Na visão de Ignacy Sachs, sucintamente, sustentabilidade comporta sete
aspectos ou dimensões principais2, a saber:

(i) Sustentabilidade Social – melhorar a qualidade de vida da


população, buscando a equidade na distribuição de renda e a
diminuição das diferenças sociais, com a participação popular;


1Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao
/rio20/a-rio20/conferencia-rio-92-sobre-o-meio-ambiente-do-planeta-
desenvolvimento-sustentavel-dos-paises.aspx>. Acesso em 14 de agosto de
2015.
2Dimensões da sustentabilidade estabelecidas nas obras do autor publicadas em
1993 e 2000, obras que serão utilizadas neste estudo de caso como um dos
marcos teóricos escolhidos.

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 515

(ii) Sustentabilidade Econômica – regularizar o fluxo dos


investimentos públicos e privados, compatibilizando os padrões
de produção e de consumo, equilibrando o balanço de
pagamento e o acesso à ciência e à tecnologia;
(iii) Sustentabilidade Ecológica – estudar como usar os recursos
naturais visando minimizar danos aos sistemas de sustentação da
vida, a saber: redução dos resíduos tóxicos e da poluição,
reciclagem de materiais e energia, conservação, tecnologias
limpas e de maior eficiência. Além de estabelecer política para
uma adequada proteção ambiental;
(iv) Sustentabilidade Cultural - respeitar os diferentes valores dos
povos e incentivar os processos de mudança que acolham as
especificidades locais;
(v) Sustentabilidade Espacial – equilibrar-se entre o rural e o
urbano, para analisar e estudar as migrações como uma forma de
desconcentração demográfica das metrópoles. Busca-se a adoção
de práticas agrícolas mais inteligentes e não agressivas à saúde e
ao ambiente. Além de buscar entender o manejo sustentado das
florestas e a industrialização descentralizada;
(vi) Sustentabilidade Política - evoluir para a democracia
representativa, para sistemas descentralizados e participativos,
construir espaços públicos comunitários, e dar maior autonomia
aos governos locais, com descentralização da gestão de recursos,
no caso do Brasil; e
(vii) Sustentabilidade Ambiental - conservar geograficamente o
equilíbrio de ecossistemas e implementar políticas visando a
erradicação da pobreza e da exclusão, o respeito aos direitos
humanos e à integração social.

Neste contexto de abarcar todas as dimensões anteriores através de


processos complexos, será juridicamente analisado o plano de
sustentabilidade socioeconômica e cultural do Povo Paiter Suruí
na floresta Amazônica e sua inserção tecnológica como um fenômeno e
como atividade econômica com a capacidade de desenvolver
sustentavelmente o município de Cacoal, em Rondônia, onde está

Soeitxawe
516 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

localizada a tribo e que tem o condão de gerar trabalho e renda


(BRASIL, 2010-2013, s/p).

2- Projeto carbono Suruí e a geração de créditos de carbono

Em 2012, com o objetivo de fortalecer a agenda sustentável do Povo


Paiter Suruí, o Fundo Vale3 se uniu à Equipe de Conservação da
Amazônia (ECAM) para auxiliar na redução da pressão do
desmatamento na região da Terra Indígena denominada Sete de
Setembro, localizada no município de Cacoal, em Rondônia, no "arco do
desmatamento" da Amazônia. Este é o primeiro projeto do Fundo Vale
no estado de Rondônia e tem duração de três anos (FUNDO DA
VALE, 2012, s/p).
Simplificadamente, o crédito de carbono é uma compensação em
dinheiro paga por empresas de qualquer parte do mundo que emitem
carbono na atmosfera para uma pessoa ou grupo de alguma forma
conservar a natureza (FUNDO DA VALE, 2012, s/p).
O Projeto Carbono Suruí utiliza duas formas de compensação:

(i) o sequestro de carbono propriamente dito, por reflorestamento;


e
(ii) o desmatamento evitado e conservação de estoques de carbono
através da redução do desmatamento e degradação florestal
(FUNDO DA VALE, 2012, s/p).

Outra novidade é que de qualquer parte do planeta é possível ver a


terra indígena onde o Projeto se desenvolve que fica na divisa entre
Rondônia e Mato Grosso, denominada Sete de Setembro. Os técnicos


3 O Fundo Vale não é parceiro direto neste projeto, mas apoia a ECAM na
iniciativa "Fortalecimento da Agenda de Sustentabilidade do Povo Paiter Suruí",
que tem no cacique Almir Narayamoga Paiter Suruí, da Associação Metareilá,
sua principal liderança.

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 517

do Google reproduziram no computador tudo que tem na floresta


(FUNDO DA VALE, 2012, s/p).

FOTO 1

Legenda: Mapeamento do local de reflorestamento para viabilizar o Projeto.


Fonte: Disponível em: <http://www.fundovale.org/categorias/programas/areas-protegidas-
e-biodiversidade/consolidacao-das-unidades-de-conservacao-da-calha-norte.aspx>. Acesso em
20 jan. 2015.

Ademais, pela internet, o usuário pode fazer um ‘tour’ pelas árvores


mais antigas e as recém plantadas e ver o que os Índios Paiter Suruís
estão fazendo na reserva. A metodologia para a apuração dos dados é a
seguinte:

(i) enquanto caminha no meio da floresta, o índio carrega na mão


um celular com sistema localizador GPS - seis aparelhos foram
doados no ano passado para o Projeto; e
(ii) com outra ferramenta, os índios da etnia Suruí fazem o levanta-
mento da biomassa (FUNDO DA VALE, 2012, s/p).

Soeitxawe
518 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

Trata-se do primeiro Projeto de redução de emissões de gases de


efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal em
área indígena no mundo, o que abre espaço para que o Povo Paiter Suruí
possa captar recursos a partir da comercialização dos créditos de carbono
gerados pela redução do desmatamento na região entre 2009 e 2012
(FUNDO DA VALE, 2012, s/p).

FOTO 2

Legenda: Discurso sobre a sustentabilidade do Projeto em evento do gênero realizado em


Rondônia.
Fonte: Disponível em: <http://revistaecoturismo.com.br/turismo-sustentabilidade/viii-
seminario-internacional-de-sustentabilidade-um-marco-na-luta-contra-o-aquecimento-global/>.
Acesso em 20 jan. 2015.

A meta é conservar a área de 12 mil hectares de mata e evitar a


emissão de cerca de 7 milhões de toneladas de CO2 até 2038, pois o
projeto é um instrumento de redução de emissões de GEE por
Desmatamento e Degradação Florestal no território do Povo Paiter Suruí.
(FUNDO DA VALE, 2012, s/p).
Em longo prazo, com o escopo do Projeto, os objetivos do Projeto
do Povo Paiter Suruí são:

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 519

(i) redução da pressão do desmatamento na Terra Indígena e en-


torno;
(ii) ampliar a participação econômica de cadeias de valor alternativas
à madeira: castanha-do-brasil, piscicultura, seringa, turismo et-
nocultural e artesanato indígena;
(iii)certificação das cadeias de valor; e
(iv)apoiar o primeiro plano de longo prazo em terra indígena no
mundo (FUNDO DA VALE, 2012, s/p).

FOTO 3

Legenda: Cultivo das mudas próprias para o reflorestamento da Floresta Amazônica.


Fonte: Disponível em: <http://www.fundovale.org/categorias/programas/municipios-
verdes/apui---am.aspx>. Acesso em 20 jan. 2015.

Abaixo se apresenta a lista das organizações envolvidas direta ou


indiretamente no Projeto de Carbono Florestal Paiter Suruí:

Soeitxawe
520 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

(i) Associação Metareilá: responsável pela coordenação do projeto


com os parceiros institucionais, governo e as comunidades Pai-
ter Surui;
(ii) Forest Trends: em conjunto com a Incubadora do Grupo Kato-
omba, fornece apoio técnico na formulação e implementação do
projeto, assessoria jurídica, capacitação em pagamento por servi-
ços ambientais e contato com investidores;
(iii)Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO): é responsá-
vel por construir e gerir o fundo permanente do projeto que re-
passará os recursos da venda do crédito de carbono para a Asso-
ciação Metareilá;
(iv)Equipe de Conservação da Amazônia (ECAM): desenvolveu o
processo de construção participativa do projeto, o que incluiu
assessoria jurídica, antropológica e o banco de dados de Sistemas
de Informação Geográfica (SIG);
(v) Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé: foi responsável
pela elaboração do etnozoneamento, assistência técnica e o pla-
no de reflorestamento;
(vi)Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do
Amazonas (IDESAM): é responsável pela coordenação técnica
dos aspectos relacionados a carbono florestal, como a constru-
ção dos cenários de linha de base, a quantificação das reduções
de emissões e estoques de carbono, a construção do Documento
de Concepção do Projeto (DCP) e seu processo de validação; e
(vii)Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (MA-
FLORA): Organização Não Governamental, sem fins lucrativos,
que utiliza os sistemas VCS (Voluntary Carbon Standard) e CCB
(Climate, Community & Biodiversity Standards) para validação
de projetos de carbono. O Instituto trabalha para promover a
conservação e o uso sustentável dos recursos naturais e para ge-
rar benefícios sociais nos setores florestal e agropecuário
(FUNDO DA VALE, 2012, s/p).

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 521

Ressalva-se que o Projeto Carbono Suruí e a Geração de Créditos de


Carbono é uma das ações estratégicas do Plano de 50 anos do Povo
Paiter Suruí, consequência de um projeto iniciado no ano 2000, com o
objetivo de apoiar alternativas econômicas.

SLIDE 1

Legenda: Slide 34 da apresentação do Plano de 50 anos do Povo Paiter Suruí.


Fonte: Disponível em: <http://pt.slideshare.net/Idesam/almir-surui-povos-indigenas-e-
redd>. Acesso em 20 jan. 2015.

É um planejamento estratégico de longo prazo, que mostra como


quer o Povo desta tribo indígena estar e quais são os mecanismos
financeiros que vão desenvolver para financiar o plano aludido acima.
Os recursos recebidos pela venda de carbono vão para o Fundo
Carbono Suruí. Os técnicos do IDESAM - o Instituto de Conservação e

Soeitxawe
522 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

Desenvolvimento Sustentável do Amazonas - acompanham todo o


processo auditando as fases.
Por fim, ao mostrar na internet a Floresta Amazônica, para todo o
mundo, esse povo pode divulgar o que está fazendo para conservar a
área a qual se comprometeu e captar um maior número de clientes
interessados na venda de créditos de carbono. Com o rendimento da
operação visam financiar projetos sociais e ambientais nas aldeias que
fazem parte do Plano de 50 anos dessa tribo indígena brasileira.

3- Os indicadores ambientais, econômicos e sociais como forma


de avaliar os resultados apresentados

De forma geral, os indicadores são parâmetros selecionados e


considerados isoladamente ou combinados entre si. São especialmente
úteis para refletir sobre determinadas condições em análise para os dados
obtidos serem tratados, tais como médias aritméticas simples,
percentuais, medianas etc.
Para o caso estudado, diante do quadro sócioeconômico apresentado
no item 1 deste artigo e com base nos dados do segmento de negócios
em carbono na Floresta Amazônica, a avaliação deve ser entendida como
ferramenta que possibilitará analisar em que medida as ações
desenvolvidas pelo Poder Público gerarão os resultados esperados. Neste
sentido, apresenta-se esta sugestão preliminar de plano de avaliação do
estudo de caso e como os resultados serão mensurados. Acredita-se que
seus resultados serão obtidos por meio de indicadores ambientais,
econômicos e sociais, estabelecidos da seguinte forma:

(i) Indicadores econômicos e sociais:


(i.a) Indicadores quantitativos - Diversos indicadores quantitativos
foram identificados como potencialmente úteis para a
avaliação da sustentabilidade de projetos análogos, como:
geração de trabalho, capacitação, fonte de renda, aumento na
renda per capita familiar, aumento da diversidade alimentar e
estabilidade da renda direta e indireta (DURÁN, 2004. p. 28).

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 523

(i.b) Indicadores qualitativos - Diversos indicadores qualitativos


foram selecionados para a compreensão particular da
dimensão social deste Projeto, como: capacidade de gestão
das atividades, racionalização dos recursos, autonomia
financeira, dependência de recursos externos, como
autoestima, protagonismo social, organização comunitária
para comercialização do carbono.
(ii) Indicadores ambientais:
(ii.a) Indicadores quantitativos - Diversos indicadores quantitativos
foram identificados como potencialmente úteis para a
avaliação da sustentabilidade de projetos análogos, como a
capacitação para o emprego de tecnologias cada vez mais
avançadas para este segmento de mercado (Op. Cit, 2004. p.
29).
(ii.b) Indicadores qualitativos - Diversos indicadores qualitativos
foram identificados como potencialmente úteis para a
avaliação da sustentabilidade de projetos análogos, como a
percepção dos produtores e a capacidade de suas famílias de
avaliar quais técnicas contribuem para a sustentabilidade
ambiental - do ambiente de trabalho (Idem, 2004, p. 30-31).

Além dos indicadores supramencionados, surgem, para auxiliar a


avaliação deste âmbito, os conceitos de:

(i) sub-índices (constitui uma forma de agregação intermédia entre


indicadores e índices); e
(ii) índices (corresponde a um nível superior de agregação, onde
após aplicado um método de agregação aos indicadores e/ou
aos sub-índices é obtido um valor final).

A seguir apresenta-se também a estrutura conceptual do modelo utili-


zado pela OCDE, denominado de Pressão-Estado-Resposta – PER –
que assenta em três grupos chave de indicadores para avaliar a operação:

Soeitxawe
524 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

(i) Indicadores de Pressão - caracterizam as pressões sobre os sis-


temas ambientais e podem ser traduzidos por indicadores de
emissão de contaminantes, eficiência tecnológica, intervenção no
território e de impacto ambiental;
(ii) Indicadores de Estado - refletem a qualidade do ambiente num
dado horizonte espaço/tempo; são os indicadores de sensibili-
dade, de risco e de qualidade ambiental; e
(iii)Indicadores de Resposta - avaliam as respostas da sociedade às
alterações e preocupações ambientais, bem como à adesão a
programas e/ou implementação de medidas em prol do ambien-
te; podem ser incluídos neste grupo os indicadores de adesão
social, de sensibilização e de atividades de grupos sociais impor-
tantes.

FIGURA 1

Legenda: Indicadores Pressão-Estado-Resposta – PER, da OCDE.


Fonte: Disponível em: <http://ambiente.maiadigital.pt/desenvolvimento-
sustentavel/indicadores-de-sustentabilidade-1>. Acesso em 20 jan. 2015.

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 525

A avaliação ora sugerida deverá incluir todos estes indicadores e pode


ser realizada nos termos de uma pesquisa de mercado – ferramenta de
marketing4– e permitirá acompanhar e aprimorar as ações já
desenvolvidas durante este ano; construir metodologias; mensurar e
comunicar resultados dos projetos em execução, corrigir rumos e
planejar o futuro para garantir o desenvolvimento sustentável desse
segmento de mercado, ora exposto nos semestres de 2015.2 e 2016.1.

Considerações Finais

O Projeto do Povo Paiter Suruí é único, inovador e atual. Logo, os


indicadores de sustentabilidade do mesmo também devem sê-lo. Os
indicadores com a escolha de todos os índices e subíndices devem estar
consoante os seus objetivos conforme a divisão constante das obras de
Ignacy Sachs.
Além disso, sugere destaque aos seguintes dados que servem de base
para a análise de sustentabilidade:

(i) atribuição de recursos - suporte de decisões, ajudando os gesto-


res na atribuição de fundos, alocação de recursos naturais e de-
terminação de prioridades;
(ii) classificação de locais - comparação de condições em diferentes
locais ou áreas geográficas;
(iii)cumprimento de normas legais - aplicação às áreas específicas
para clarificar e sintetizar a informação sobre o nível de cum-
primento das normas ou critérios legais;


4 Os formulários utilizados na pesquisa de campo serão construídos pelo corpo
técnico do NUPES, após estudos teóricos e discussões das obras na abordagem
teórica, e as indicações da obra de MALHOTRA e de BABBIE, que tratam da
Pesquisa de Marketing, adequada às necessidades dos integrantes do grupo de
pesquisa, que precisavam estruturar perguntas ligadas à ideia de desenvolvimen-
to sustentável e qualidade, que não são facilmente verificáveis.

Soeitxawe
526 Claudia Ribeiro Pereira Nunes

(iv)análise de tendências - aplicação a séries de dados para detectar


tendências no tempo e no espaço;
(v) investigação científica - aplicações em desenvolvimentos cientí-
ficos servindo nomeadamente de alerta para a necessidade de in-
vestigação científica mais aprofundada; e
(vi)informação ao público - informação ao público sobre os proces-
sos de desenvolvimento sustentável (SIDS, 2007, s/p).

Assim, um dos principais objetivos da divulgação deste trabalho


acerca dos indicadores de sustentabilidade do Projeto do Povo Paiter
Suruí, enquadra-se no último tipo de aplicações - a informação ao
público, e em especial, às empresas interessadas em um Projeto inovador
e aos cidadãos, particularmente os brasileiros para constatarem o
empreendedorismo dos Suruís.

Referências

BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisas de Survey. Tradução: Guilherme


Cezarino. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
Brasil – Portal do Senado Federal (Notícias). Conferência Rio 92 sobre
meio ambiente do planeta e desenvolvimento sustentável
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<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/rio20/
a-rio20/conferencia-rio-92-sobre-o-meio-ambiente-do-planeta-
desenvolvimento-sustentavel-dos-paises.aspx>. Acesso em 14 de
agosto de 2015.
________. Portal do Senado Federal. Dados do Estado de Rondônia
2010-2013. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao.aspx>.
Acesso em 14 de agosto de 2015.
DURÁN, F. E. Los límites difusos de los territórios periurbanos: una
propuesta metodológica para el análisis de susituación socioeco-

Soeitxawe
O plano de sustentabilidade socioeconômica e cultural 527

nómica y procesos de cambio. In: Revista Sociologias, vol. 11.


Jun/2004. p. 28-63.
Fundo da Vale. Programa Fortalecimento da agenda de sustentabi-
lidade do Povo Paiter Suruí. 2012. Disponível em:
<http://www.fundovale.org/categorias/programas/areas-
protegidas-e-biodiversidade/fortalecimento-da-agenda-de-
sustentabilidade-do-povo-do-surui.aspx>. Acesso 20 maio 2015.
MALHOTRA, N. K. Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada.
Porto Alegre: Bookman. 2001
ROMEIRO, Ademar R. Desenvolvimento sustentável e mudança ins-
titucional: notas preliminares. Instituto de Economia – Textos
para Discussão, Texto 68, 1999. Disponível em:
<http://www.eco.unicamp.br/publicacoes/textos/t68.html>.
Acesso 20 maio 2015.
SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: desen-
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ção do Desenvolvimento Administrativo, 1993.
_______. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de
Janeiro: Garamond, 2000.
SIDS – Parâmetros máximos para mensurar a sustentabilidade
local, regional, nacional e internacional. 2007. Disponível em:
<https://sustainabledevelopment.un.org/dsd_aofw_ind/ind_inde
x.shtml?utm_source=OldRedirect&utm_medium=redirect&utm_
content=dsd&utm_campaign=OldRedirect.>. Acesso em 20 jan.
2015
VASCONCELOS, Marco Antonio; GARCIA, Manuel Enriquez. Funda-
mentos de economia. São Paulo: Saraiva, 1998.

Soeitxawe
Gênero, economia e espaço: O mercado de trabalho na
capital Rondoniense

Adriana Correia de Oliveira1


Claudia Cleomar Araújo Ximenes Cerqueira2
Maria das Graças da Silva Nascimento Silva3
Josué da Costa da Silva4
Marilia Locatelli5


1 Mestre e Bacharel em Geografia pela Fundação Universidade Federal de
Rondônia. Professora de Ensino Superior. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero –
GEPGENERO.
2 Mestre em Geografia e Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação
Universidade Federal de Rondônia, especialista em Administração Pública, em
Gestão Financeira e em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de
Pimenta Bueno - FAP. Professora de Ensino Superior. Membro do
LABICART. Membro da APEC-Brasil.
3 Doutora em Ciências Sócio Ambiental e Desenvolvimento Sustentável,
Universidade Federal do Pará (2004), mestra em Geografia pela Universidade de
São Paulo (1996), graduada em Geografia pela Universidade Federal de
Rondônia (1988). Professora de Geografia da Universidade Federal de
Rondônia. Pesquisa principal na área de Geografia e Gênero, com ênfase em
Políticas Públicas para mulheres do campo e da Cidade, Coordena o Grupo de
Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero –
GEPGENERO.
4Doutorado em Geografia pela Universidade de São Paulo (2000); Mestrado em
Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1994);
Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia (1989). É
Professor Associado IV da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas Modos de Vidas e Culturas
Amazônicas (GEPCULTURA).
5 Ph.D. em Ciência do Solo - North Carolina State University (2000) -
reconhecido pela Universidade Federal de Viçosa (Brasil), como Doutorado em
Solos e Nutrição de Plantas, em 2007. Mestrado em Ciência Florestal pela
530 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

Nubia Deborah Caramello6

Resumo: A questão de gênero tem sido alvo de calorosos discursos acadêmicos


e, a Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR, pelo grupo de pesquisa
em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero (GEPGENERO), tem
fomentado importantes pesquisas na área, principalmente no município de
Porto Velho. Com o objetivo de compreender e discutir a relação de gênero,
economia e espaço na capital rondoniense, o método fenomenológico-
hermanêutico contribui com a investigação da concepção do acadêmico de
licenciatura e de bacharelado do curso de Geografia da UNIR, no segundo
semestre do ano de 2011. A técnica utilizada foi o questionário envolvendo
questões das relações sociais de gênero, no que tange o espaço feminino no
universo econômico e profissional. Cabe ressaltar que são inúmeras as
dificuldades para se discutir e (des)construir a discriminação e as opiniões pré-
definidas que afetam as relações interpessoais sobretudo no mercado de
trabalho. Estudos relacionados a gênero têm mostrado o quanto à região
Amazônica e a cultura de que o homem é o provedor da família é pujante.
Mesmo maior percentual de mulheres inseridas na academia, a dificuldade
encontrada na inserção da mulher nos debates econômicos é gritante.
Palavras-Chaves: Geografia; Mercado de Trabalho; Relação de Gênero.


Universidade Federal de Viçosa (1984). Possui graduação em Engenharia
Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (1981). Pesquisadora da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, professora do Mestrado em
Geografia da Universidade Federal de Rondônia. Membro do LABICART.
6 Doutorado Pleno em Geografia na Universidade Autônoma de Barcelona
UAB - Espanha (2014-2017). Mestre em Geografia (2010), Graduada em
Geografia (2004) e em Pedagogia (2006), pela Universidade Federal de
Rondônia - UNIR. Especialista em Processamento das Informações
Geográficas na Gestão Ambiental (2006), Faculdade de Rolim de Moura
FAROL - RO. Investigadora convidada do Laboratório de Geografia e
Planejamento Ambiental (LABOGEOPA/UNIR) atuando na linha de pesquisa.
Integrante do Grupo de Pesquisa Água, Território e Sustentabilidade -
(UAB/Espanha). Membro da APEC-Brasil.

Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 531

1- Introdução

O presente trabalho procura discutir as relações de gênero no âmbito


profissional a partir de uma visão acadêmica. O interesse com a temática
surgiu com o oferecimento da disciplina optativa Geografia e Gênero, no
curso de Geografia aberta a todos os discentes do referido curso,
contudo a maioria dos inscritos eram alunos e alunas dos 3º e 5º
períodos, embora o campo de investigação acerca das questões de gênero
tenha objetivos diferentes, um recorte no âmbito da academia aponta
para uma desigualdade entre homens e mulheres que são frutos da
construção histórico-sociais e culturais ao longo da historia da
humanidade. Sendo assim fazem-se necessárias pesquisas no tocante das
questões de gênero principalmente no universo acadêmico onde a ciência
tende a ser masculina de modo a influenciar as “escolhas” profissionais.

2- A mulher no espaço econômico: mercado de trabalho

Depois de séculos de exclusão da vida acadêmica as mulheres


conseguem no século XX, iniciar sua trajetória nas universidades. Cabe
ressaltar que esta conquista feminina se concretizou num campo de
poder simbólico, onde várias formas de preconceito contra as mulheres
eram reproduzidas tanto implícita quanto explicitamente. Atualmente no
mundo pós-feminismo o espaço acadêmico é mais equilibrado no que se
refere ao quantitativo entre homens e mulheres, mas ainda assim as
pesquisadoras competem em nível de desigualdade na busca pela
ascensão profissional.
De acordo com Yannoulas et al (2000), o feminismo trata dos
movimentos ou conjuntos de pensamentos que defendem a equidade de
direitos entre pessoas de sexos diferentes. Mormente são alvos de
conotações pejorativas, ou seja, se compreende tratar do reverso. No
entanto, o contrário de machismo, que prega a superioridade do homem
sobre a mulher, seria o feminismo, que pregaria a superioridade da
mulher sobre o homem.

Soeitxawe
532 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

A história das mulheres na História é tão antiga quanto a


humanidade, já a história do feminismo é mais recente. Como
movimento em prol dos direitos das mulheres, tem origem no
pensamento Iluminista dos séculos XVIII e XIX e está
relacionado às revoluções americana e francesa e ao nascimento
das Ciências Humanas (MACÊDO, 2003, p. 25).

O contexto histórico do feminismo remata-nos ao âmbito


profissional, o que culturalmente são atribuídas às mulheres as funções
de cuidar, que se configura como uma extensão do lar. Nesse sentido as
relações sociais de gênero ocorrem de formas assimétricas onde
prevalece as construções históricas, sociais e culturais para a
diferenciação do ser homem e do ser mulher.
Gênero se trata de um grupo de ideias/opiniões que é construído
pela cultura do ser humano relativo a ser homem e ser mulher. Segundo
Silva (2003, p. 23) “[...] O conceito de gênero permite compreender de
que não são as diferenças dos corpos de homens e mulheres que os
posicionam em diferentes hierarquias, mas sim a simbolização que a
sociedade faz delas”.
É no espaço geográfico que ocorrem todos os tipos de relações
sociais tanto no espaço público como no privado entre os sujeitos de
acordo com o tempo. As construções histórico-sociais são construídas e
desconstruídas e desempenham atribuições aos sujeitos que incluem e
excluem no que tange às escolhas profissionais. Espaço, segundo Milton
Santos (1987, p. 171) “[...] o espaço evolui por suas características e por
seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa a outros, pela
seleção de localização feita entre as atividades e entre os homens, é o
resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais”.
Diante dessa condição desigual no que se refere às “escolhas”
profissionais entre homens e mulheres fez-se necessário o poder público
intervir por meio de políticas de equidade de gênero, que buscam
equilibrar ou minimizar as desigualdades e preconceitos sofridos pelas
mulheres no âmbito do campo de trabalho, equidade de gênero de
acordo com (GUIA PRÁTICO PARA EDUCADORES E
EDUCADORAS, 1996, p. 80):

Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 533

[...] Equidade de gênero refere-se à igualdade de oportunidades,


às diferenças existentes entre homens e mulheres e às
transformações das relações de poder que se dão na sociedade em
nível econômico, social, político e cultural, assim como à
mudança das relações de dominação na família, na comunidade e
na sociedade em geral.

A Geografia como ciência do espaço deve trabalhar categorias que


contemplem homens e mulheres visto que os arranjos e construções
espaciais ocorrem de maneira indiscriminada, por meio da interação de
homens e mulheres com o meio no qual estão inseridos. Esta concepção
está na geografia humana, bem como na física. Lícito ressaltar a posição
de Oliveira et al (2014, p. 689) a qual explica que a geografia humana tem
a finalidade de “[...] Buscar explicar e entender como as atividades e os
fenômenos geográficos revelam a qualidade da conscientização humana”.
As relações sociais de gênero estão no bojo dessas relações, explica
Nuernberg (2004) que o gênero, como instrumento teórico de análise,
tem sido usado desde 1970 para tratar a questão da diferença sexual.
Propagado a partir das pesquisas feministas, os estudos de gênero têm
sido uma abordagem essencial para rejeitar o determinismo biológico
implícito na identidade sexual ou na “diferença” entre os sexos.
A partir das diferenças sócioculturais entre os sexos, o conceito de
gênero engloba não somente a dimensão relacional, mas também uma
significação simbólica da desigualdade na distribuição social do poder,
marcada pela subordinação das mulheres aos homens. Associado com
categorias como geração, etnia e classe, gênero é na atualidade uma
categoria de análise social bastante reconhecida nas ciências humanas e
sociais (NUERNBERG, 2004). A abrangência conceitual permite as
análises sobre a influência gênero tanto na constituição da ordem social,
como também na produção de subjetividades.
Entretanto, é importante parafrasear Saffioti (1987, p. 16) que o “[...]
poder do macho está presente nas classes dominantes e nas subalternas,
nos contingentes populacionais brancos e não brancos”. O que não
podemos deixar é que se discrimine a situação machista como sendo de
apenas uma classe social. Infelizmente é universal. Há diferenças, mas, as
classes sociais se equiparam nesta questão, pois, as respostas a
determinadas questões são diferentes de homem para homem em classes

Soeitxawe
534 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

separadas, mas, no que se volta as mulheres, percebe-se que há certa


manipulação nas classes com maior acesso a educação.

3- Métodos e Técnicas

Analisar as questões de gênero implica considerar a cultura e


compreender como homens e mulheres são vistos pela sociedade em que
estão inseridos, já que gênero é a forma cultural que cada sociedade
utiliza para ver as relações entre os sujeitos e como esta análise se dará
com as acadêmicas e os acadêmicos do curso de Geografia da
Universidade Federal de Rondônia-UNIR, a partir da perspectiva de
mensurar a compreensão dos acadêmicos e os acadêmicos acerca dos
conceitos de gênero.
A pesquisa aponta para uma abordagem quantitativa, qualitativa e
descritiva, pois o objetivo é investigar o nível de compreensão dos
discentes no que tange as questões de gênero e as possíveis influências
das mesmas nas escolhas profissionais de acadêmicos e acadêmicas. Gil
(1994, p. 45) explica que “As pesquisas descritivas têm como objetivo
primordial a descrição das características de determinada população ou
fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis”. Os
métodos de análises quantitativos e qualitativos irão compor a forma
metodológica de abordagem do problema.

4- Lócus da Pesquisa

Foram em 1918 que os primeiros bairros foram criados no município


de Porto Velho (FONSECA, 2014). O município se estende por 34096,4
km² e em 2010 contava com 426558. A densidade demográfica é de 12,5
habitantes por km² no território do município. As coordenadas
geográficas são: altitude: 85m, latitude: 8° 45' 43'' sul, longitude: 63° 54'
7'' oeste.

Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 535

5- Apresentação e Discussão dos Dados

Foram aplicados noventa e quatro instrumentos de pesquisa com os


discentes de todos os períodos do curso de Geografia, sendo um
percentual de 74% feminino e 26% masculino (fig. 1). De acordo com o
instrumento de pesquisa aplicado se constatou que os acadêmicos do
curso de Geografia da Universidade Federal de Rondônia – RO são
predominantemente do sexo feminino.


Figura 1: Gênero dos participantes
Fonte: pesquisa de campo (2011)

O que demonstra que a mulher, mesmo com toda construção


histórico-social que restringe a figura feminina para o espaço privado,
ainda assim é maioria no âmbito da academia. Durante os debates da
disciplina ocorridos em sala de aula pode-se perceber que apesar da
dupla e até tripla jornada de trabalho essas acadêmicas vêm buscando
finalizar o referido curso almejando melhores condições de vida, ou seja,
a ascensão profissional por meio da educação. No que se refere à faixa
etária de homens e mulheres, ambos então na universidade entre 21 a 25
anos, contudo as dificuldades em conciliar as atividades acadêmicas com
os afazeres domésticos, de acordo com os relatos dos acadêmicos são
exclusivamente atribuídos as mulheres.

Soeitxawe
536 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.



 



 
 )HPLQLQR
 0DVFXOLQR
 

 



7UDEDOKDP 1mRWUDEDOKDP 1mRUHVSRQGHUDP


Figura 2: Acadêmicos(as) que trabalham


Fonte: pesquisa de campo (2011)

É importante destacar que esses acadêmicos estão inseridos nesta


faixa etária, devido principalmente ao horário do curso (vespertino),
sendo que nesse horário eles não podem exercer atividade remunerada
em horário comercial integral. O que indica também a existência de um
percentual elevado de estudantes que ainda residam com os pais. A
maioria dos que trabalha é do sexo masculino, o que reafirma a
construção histórica, social e cultural em torno das funções atribuídas
socialmente aos homens e mulheres.

Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 537

 



  


 
)HPLQLQR

 0DVFXOLQR
 
 





D D D D D 1mR
UHVSRQGHX


Figura 3: Faixa etária dos(as) Acadêmicos(as)


Fonte: pesquisa de campo (2011)

Foi constatado ainda que indivíduo do sexo masculino figura como a


maior parcela a exercerem atividades remuneradas. De modo que
corrobora a situação já explicitada anteriormente de que as mulheres
permanecem com toda a carga de responsabilidade quanto às atividades
domésticas e ficando para os homens a função de provedor da família
como atribuição o trabalho fora, não vinculado aos afazeres domésticos.
No ano de 2011 foram realizados três questionamentos que achamos
fundamentais para compreender a concepção dos acadêmicos
(masculino) relativo a inserção da mulher no mercado de trabalho e sua
participação no espaço econômico do município de Porto Velho, capital
do Estado de Rondônia. As mesmas perguntas foram debatidas com
acadêmicos do curso de graduação do curso de Geografia no ano de
2014.
Importante destacar que os dados foram tabulados e de cada período
do segundo semestre do ano de 2011 foram extraído 2 (dois) tipos de
respostas que agrupados e tabulados representam a concepção das
turmas independentemente do gênero que respondeu as questões
propostas.
Pelos quadros 1, 2 e 3, podemos perceber que a concepção dos
acadêmicos em 2011 ainda possui uma grande carga de machismo,
oriundos de uma cultura repressora. No entanto, as mesmas perguntas

Soeitxawe
538 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

em 2014 já obtiveram respostas diferentes, sendo que nas rodas de


discussão chegou-se a conclusão que a nova geração de acadêmicos já
está com sua forma de pensar voltada para a equidade de gênero, porém,
lícito ressaltar que os colaboradores concordam que ainda há muito a se
mudar, que apesar de “acharem” que a mulher pode ocupar todo e
qualquer cargo ainda acreditam que as diferenças entre homens e
mulheres existem ao ponto de segregar funções trabalhistas.

Questionamento: Homens e mulheres escolhem cursos com áreas diferenciadas?


O que influencia nessa escolha?

Ord. Respostas Período

1 Ela é influenciada pela cultura. Exemplo a maioria dos 3º


acadêmicos de engenharia civil é masculina enquanto a de
enfermagem é feminina.

2 A remuneração, a força e o poder. 3º

3 Creio que sim, pois tem áreas que se encaixa mais para um 5º
dos sexos.

4 Sim. Geralmente os cursos que mais tenha haver com o 5º


sexo ou gênero.

5 Acho que o principal fator e financeiro. 7º

6 Os homens possuem preconceito sobre certos assuntos, 7º


mesmo por falta do conhecimento de certos assuntos, que
determina a escolher.

7 Disponibilidade de tempo, aptidão, as mulheres voltam-se 9º


para áreas da licenciatura enquanto os homens preferem as
exatas.

8 No passado sim, escolhia-se por ser uma sociedade 9º


machista, mas com a globalização e a nova dinâmica

Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 539

perceptiva o campo está muito amplo e os cursos de


graduação não está separado.

Figura 3: Escolhas de cursos com áreas diferenciadas entre mulheres e homens


Fonte: pesquisa de campo (2011)

Diante de suas falas pode-se diagnosticar que mesmo no meio


acadêmico os debates e esclarecimentos acerca das questões de gênero
ainda é tímido e pouco difundido, pois não houve uma definição
plausível quanto à real influência na escolha dos cursos de graduação,
visto que a figura feminina ficou por vários anos alijados do acesso a
universidade, além de que é atribuída socialmente ao feminino a função
de cuidar dos afazeres domésticos assim com a quase total
responsabilidade quanto à educação dos filhos e o cuidar da família, e
para o masculino a função exclusiva de provedor do lar.
No entanto, é importante destacar que:

O século XX é marcado por suas inúmeras revoluções culturais.


Foi nesse século que a mulher retomou o papel que era seu nas
sociedades tradicionais. Ao longo da historia, o sexo masculino
foi considerado o sexo dominante na maior parte das culturas.
No entanto, com a descoberta da ciência que as vantagens
fisiológicas da mulher são em maior numero do que o do sexo
oposto, esta passou a assumir cada vez mais o seu espaço no
mercado de trabalho. Com isto passou a exigir direitos que, até
então, só eram dados ao sexo masculino (CERQUEIRA et al,
2014, p. 955).

Em razão dessa condição de desigualdade das atribuições de homem


e mulher, tão comuns no século XX, é que estão arraigadas as
prerrogativas do cuidar feminino, influenciando nas escolhas
profissionais das mulheres para as funções que são quase uma extensão
do cuidar e do trabalho do lar (espaço privado), para o campo
profissional e acadêmico (espaço público).

Soeitxawe
540 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

Questionamento: Por que a participação feminina ainda não conseguiu


“quebrar” a dominação dos homens na área das ciências exatas?

Ord. Respostas Período

1 Por medo de serem taxadas de incompetentes. 3º

2 Porque a humanidade de um modo geral, tanto homem 3º


quanto mulher, não deixou de ser machista.

3 A mulher leva mais para o lado emocional e as exatas 5º


precisa da razão.

4 Por que a inserção definitiva da mulher foi apenas no 5º


século XXI com sua profissionalização e a busca da mulher
tardia pelo ensino superior

5 Por que há um medo do gênero feminino em “quebrar” 7º


este bloqueio.

6 Falta de interesse. 7º

7 Por muitos “comentários” que mulher não é bom de 9º


cálculo.

8 Por essa concepção ultrapassada do que homens devem 9º


ocupar áreas de exatas e mulheres de humanas, mas essa
dinâmica esta mudando. Existem muitas mulheres nas
ciências exatas.

Figura 4: Dominação dos homens na área de Ciências Exatas


Fonte: pesquisa de campo (2011)




Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 541

De acordo com a fala de alguns dos entrevistados é possível


identificar a questão cultural e social que impõe os cursos que devem ser
exercidos por homens e mulheres. Essas definições não são atuais e se
misturam com a história de origem dos cursos. As mulheres estão mais
voltadas para as licenciaturas, de acordo com o modelo de sociedade que
perdura até hoje, a função das mulheres era cuidar do lar e dos filhos,
educando-os. Então as mulheres eram (são) as mais indicadas no papel
de ensinar, por isso esses cursos são majoritariamente frequentados por
mulheres.
Quanto aos homens dominarem as exatas também vem de questões
impostas pela sociedade. Pode-se afirmar que com a divisão das funções
entre homens e mulheres, coube a eles a função administrativa da
família, era ele quem tinha maior habilidade com as questões financeiras
e os negócios em geral. Esse modelo então de certa forma excluiu as
mulheres e privilegiou os homens nas áreas de exatas. E apesar de muitas
mudanças ainda hoje permanece essa desigualdade. Aí se apresenta a
maior dificuldade, pois seria necessário quebrar com um modelo que
ainda se mantém bastante sólido dentro de nossa sociedade.
A questão de gênero se aplica nessa situação. Como antes já afirmado
uma das causas é a construção social:

Os preconceitos têm raízes profundas no costume: desafiam o


tempo, as retificações, os desmentidos, por apresentarem uma
utilidade social. A insegurança humana tem necessidade de
certezas, e eles as fornecem. A sua impressionante força reside
justamente no fato de não serem preparados para pessoas adultas
que, embora condicionadas e pobres de senso crítico, poderiam
ter conservado uma dose suficiente para analisá-los e refutá-los,
mas é transmitido como verdades indiscutíveis desde a infância e
jamais são rejeitadas posteriormente (BELOTTI, 1975, p. 25).

Com base no apresentado por Belotti questionou-se aos


colaboradores(as) sobre a existência de segregação de gênero nas
profissões existentes e as respostas, agrupadas no figura 5, traduzem o
que grande número de pessoas consideram sobre o tema.

 

Soeitxawe
542 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

Questionamento: Você acha que existem profissões masculinas e femininas?


Justifique:

Ord. Respostas Período

1 Acho que existe porque as próprias mulheres escolhem 3º


profissões mais leves e calmas.

2 Mesmo que a mulher escolha trabalhar, por exemplo, 3º


como pedreira, ela irá sofrer com o preconceito e por isso
preferem nem escolher profissões que sempre foram do
homem.

3 Creio que sim, porque as profissões que exigem mais força 5º


física têm que ficar para o homem fazer.

4 Não. Porque a capacidade intelectual, mental e profissional 5º


não é medida pelo sexo

5 Não. Ambos possuem capacidade para cumprir atividades 7º


diversificadas.

6 Sim. Vigia na minha opinião e uma profissão masculina, 7º


pois a mesma exige forca bruta.

7 Sim. Obras de serviço pesado. 9º

8 Com o mundo globalizado e modernização presente em 9º


tecnologia avançada não existem profissões masculinas e
femininas. Existem conhecimento cognitivo mais
desenvolvidos nessa questão de gêneros.

Figura 5: Concepção acerca das profissões e segregação de gênero


Fonte: pesquisa de campo (2011)


Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 543

Com base nos instrumentos de pesquisa pode-se analisar que os


acadêmicos não diferenciam as profissões masculina ou feminina,
embora um percentual pequeno aponte que seja masculino o trabalho
que exige a força física. O combate à discriminação no mercado de
trabalho é regulamentado desde a década de 1950, por meio das
convenções 100 e 111, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A primeira refere-se à igualdade de remuneração para mão-de-obra
masculina e feminina por trabalho de igual valor. Embora persistam as
atitudes discriminatórias que conspirem contra autonomia da mulher ao
citar que uma profissão é masculina, podemos analisar o processo da
participação feminina no mercado de trabalho com certa especificidade
que não existem profissões masculina ou feminina e sim a diferença de
salário para o mercado feminino, embora muitas das vezes a mulher
desempenhe a mesma função, a remuneração tem um diferencial
enorme.
O mundo passa por um fenômeno de feminização do mercado de
trabalho que ainda não se reverteu em igualdade salarial nem na plena
ascensão das mulheres a posto de decisão e poder. Ao Longo da história
da participação feminina no mercado de trabalho, sua função se tornou
secundaria a do homem. Na maioria das sociedades, as mulheres têm
pouco acesso a produção (terra, capital, tecnologia). Embora a mulher
tenha crescido em participação e em qualidade no mercado, ainda
persistem distorções, que são maiores dependendo de fatores como
raça/etnia, idade, condição social e o nível de escolaridade.
Já se encontra no mercado, mulheres que ocupam cargos que até
poucas décadas eram apenas do sexo masculino como a mecânica e
profissional civil, como pedreiro e carpinteiro. No entanto, apesar de ser
predominantemente masculino, as mulheres já ocupam estes cargos.
Como a questão da agricultura que a mulher é considerada ajudante,
como explica Nascimento Silva e Costa Silva (2012), mesmo que
acordem e vão à lida no mesmo horário que os homens, às vezes
acordam até mesmo antes para preparar o café da manhã, deixar as
refeições prontas antes de ir para a roça. Hoje o Governo Federal já
trabalha com o reconhecimento da mulher como profissional na área
agrícola.

Soeitxawe
544 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

É importante ressaltar também que apesar do pouco tempo de


inserção da mulher no Ensino Superior, elas já ocupam grande espaço
como mostram os dados da pesquisa 74%. E mesmo tendo maior grau
de formação em relação aos homens e não deixando nada a desejar, as
mulheres ainda recebem menores salários, de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente o rendimento
médio mensal das pessoas ocupadas no país é de R$ 636,50. Mas,
separando por sexo, o rendimento médio dos homens é de um salário e
meio e o da mulher apenas um salário comercial.

6- Considerações Finais

Diante da pesquisa exposta, foi constatado que ainda nos dias de hoje
a figura feminina é posta socialmente como secundária em relação ao
homem em todos os segmentos profissionais da sociedade e no âmbito
acadêmico a mulher ainda sofre muito preconceito e discriminação,
mesmo as mulheres investindo em sua formação profissional, ainda não
quebraram a segmentação no mercado de trabalho. Ainda assim existem
aquelas “profissões destinadas” ao público feminino como as áreas da
pedagogia, da enfermagem e das ciências humanas.
O estudo realizado e apresentado neste artigo relativo às relações de
gênero, economia e espaço na capital rondoniense contribui com os
leitores que se interessam em compreender os eventos locais sobre
gênero, de forma que possibilite novos estudos. O estudo de gênero
ainda se encontra em estágio embriatório, porém, a Fundação
Universidade Federal de Rondônia – UNIR, tem buscado, por meio do
grupo de pesquisa GEPGÊNERO, contribuir para a expansão de
estudos que disseminem a importancia da equidade entre gêneros.

Soeitxawe
Gênero, economia e espaço 545

Referências

BELOTTI, E. G. Educar para a submissão. Tradução de Ephraim Ferreira


Alves. Petrópolis: Vozes, 1975.
CERQUEIRA, Claudia Cleomar Araujo Ximenes; OLIVEIRA, Adriana
Correia de; OLIVEIRA, Ayrton Schupp Pinheiro. As relações de
gênero no poder público do município de Pimenta Bueno/RO.
pp. 955-972. In: II Seminário Latino-Americano de Geografia,
Gênero e Sexualidades: Interseccionalidade, Gênero e
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Revista. 2. ed. Porto Velho: Nova Rondoniana, 2014.
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organizacional. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social, à
Universidade Católica de Goiás (2003). Disponível em:
<http://www.ucg.br/ucg/katiamacedo/dissertacoes/pdf/Goiacir
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NASCIMENTO SILVA, Maria das Graças; COSTA SILVA, Josué da.
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Silva; COSTA SILVA, Ricardo Gilson da (organizadores).
Colonização, território e meio ambiente em Rondônia:
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Soeitxawe
546 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Nubia C.

NUERNGER, Adriano Henrique. Gênero e Psicologia Social e


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OLIVEIRA, Ayrton Schupp Pinheiro. As relações de gênero no
poder público do município de Pimenta Bueno/RO. pp. 680-700.
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LENARDUZZI, Zulma Viviana. Feminismo e Academia. V.
81, n 199, p. 425 – 451, Brasília: R. Brás. Est. P

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica: estudo de caso no
município de Nova Mamoré, Rondônia, Brasil

Adriana Correia de Oliveira1


Claudia Cleomar Araújo Ximenes Cerqueira2
Maria das Graças da Silva Nascimento Silva3
Josué da Costa da Silva4
Marilia Locatelli5


1 Mestre e Bacharel em Geografia pela Fundação Universidade Federal de
Rondônia. Professora de Ensino Superior. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero –
GEPGENERO.
2 Mestre em Geografia e Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação
Universidade Federal de Rondônia, especialista em Administração Pública, em
Gestão Financeira e em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de
Pimenta Bueno - FAP. Professora de Ensino Superior. Membro do
LABICART. Membro da APEC-Brasil.
3 Doutora em Ciências Sócio Ambiental e Desenvolvimento Sustentável,
Universidade Federal do Pará (2004), mestra em Geografia (Geografia Humana)
pela Universidade de São Paulo (1996), graduada em Geografia pela
Universidade Federal de Rondônia (1988). Professora Associada do
Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia. Pesquisa
principal na área de Geografia e Gênero, com ênfase em Políticas Públicas para
mulheres do campo e da Cidade, Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em
Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero – GEPGENERO.
4 Doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo
(2000); Mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São
Paulo (1994); Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia
(1989). É Professor Associado IV da Universidade Federal de Rondônia
(UNIR). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas Modos de Vidas e
Culturas Amazônicas (GEPCULTURA).
5 Ph.D. em Ciência do Solo - North Carolina State University (2000) -
reconhecido pela Universidade Federal de Viçosa (Brasil), como Doutorado em
Solos e Nutrição de Plantas, em 2007. Mestrado em Ciência Florestal pela
548 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

Benedito de Matos Souza Junior6

Resumo: As lutas travadas no espaço rural, durante o século XX, na Amazônia


Legal apresentam em seu histórico a mulher durante a maior parte do tempo, de
forma figurativa, tendo a figura masculina como único provedor pelo sustento
da família. Questiona-se a posição em que a mulher se encontra no século XXI?
Como as mesmas são vistas e se veem enquanto trabalhadoras? O objetivo deste
estudo é de apresentar o cotidiano de mulheres que exercem tripla jornada de
trabalho, ou seja, membro participativo e provedoras da economia familiar no
município de Nova Mamoré, Rondônia. Os dados são secundários e
taxonômicos, as entrevistas contribuem para a análise do método dedutivo-
hipotético no levantamento dos dados referente à geografia econômica e estão
intercalados com o método fenomenológico-hermanêutico nos dados de
gênero. Como principal conclusão identificou-se que a mulher vem
conquistando o reconhecimento de seu espaço e autonomia e sustento da
família, bem como tem ocupado o papel principal na economia da mesma.
Palavras-Chaves: Espaço; Gênero; Tripla Jornada.

1- Introdução

A invisibilidade a cerca do trabalho feminino vem sendo cada vez


mais abordada no campo científico acadêmico. Os discursos geográficos
relacionados a esses temas vêm sendo debatidos em vários encontros
voltados para o estudo sobre as relações de gênero em geografia como
aconteceu no II Seminário Latino Americano de Geografia Gênero e
Sexualidade: Interseccionalidades, Gênero e Sexualidades na Análise
Espacial. Realizado no período de 08 a 12 de outubro de 2014, no


Universidade Federal de Viçosa (1984). Possui graduação em Engenharia
Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (1981). Pesquisadora da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Professora do Mestrado em
Geografia da Universidade Federal de Rondônia. Membro do LABICART.
6Licenciando em Geografia pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR;
Bacharelando em Ciências Contábeis pela Faculdade de Pimenta Bueno – FAP.
Membro da APEC-Brasil.

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica 549

município de Porto Velho, Estado Rondônia, Brasil, contou com a


participação de pessoas oriundas de vários países.
Buscando contribuir com esse tema tão emergente. Através de alguns
questionamentos por meio da promoção de um debate sobre a
contribuição com pesquisa na ciência geográfica, procuramos fomentar
questionamentos futuros criando assim novas perspectivas que já têm
sido um árduo trabalho, pois a construção da própria ciência, seus
conceitos e métodos fundantes são frutos do processo de colonização e
racionalidade moderna, oriundos do saber produzido sob a ótica
masculina. A quebra desses paradigmas se torna o grande enfrentamento
nesse estudo, demonstrando de forma clara e objetiva a vivência da
mulher no campo e o equilibrismo que esta encontra para desenvolver as
funções que lhe são atribuídas no seu dia a dia.
A busca em compreender a efetiva participação da mulher na
economia é uma iniciativa que possui como pressuposto que o sexo
feminino tem, ao longo dos séculos, contribuído com a economia
doméstica, sem, no entanto, ter o seu devido reconhecimento. O
município de Nova Mamoré, Rondônia, assemelha-se a outros espaços
brasileiros, onde a mulher só passou a ser vista como agente de força
econômica nas últimas décadas do século XX. No caso, a mudança na
forma de pensar da sociedade foi determinante na valorização e
reposição da mulher na sociedade.
É crescente a participação da mulher na economia local, bem como
em áreas emergentes como a política. Comumente mulheres são vistas
trabalhando nas propriedades rurais, seja na agricultura e/ou na lida com
animais, bem como, saírem de suas propriedades e trabalharem em
outras atividades, como, no caso desta pesquisa, em sala de aula como
professoras. Aqui consideramos que estas mulheres trabalham numa
tripla jornada: campo, cidade e as atividades domésticas.
O objetivo deste estudo é de apresentar o cotidiano de mulheres que
exercem tripla jornada de trabalho, ou seja, membro participativo e
provedoras da economia familiar no município de Nova Mamoré,
Estado de Rondônia, Brasil. Sendo o objeto investigativo a mulher na
economia, busca-se compreender a tripla jornada e como são vistas no
processo mercantil. Outro enfoque de análise é a percepção da mulher

Soeitxawe
550 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

enquanto parte efetiva da economia local, bem como identificar o


reconhecimento da importância da mulher na economia familiar.

2- A mulher e a conquista de seu espaço: cam-


po/cidade/campo

A discussão acerca da mulher referente à sua colocação espacial e


hierárquica na manutenção da família adveio dos idos do século XX e o
que era cultivado, até então, era que o homem é um ser superior ao sexo
feminino. A luta pelo reconhecimento da equidade de gênero cresceu
gradativamente e a transformação neste quesito é evidente, amplamente
debatida e combatida. Vale destacar que:

Equidade de gênero refere-se à igualdade de oportunidades, ao


respeito pelas diferenças existentes entre homens e mulheres e as
transformações das relações de poder que se dão na sociedade em
nível econômico, social, político e cultural, assim como a
mudança das relações de dominação na família, na comunidade e
na sociedade em geral (ROSSINI, 2006, p. 18).

A participação feminina no processo de desenvolvimento econômico


no Brasil é notável, ocupam espaços que até a década de 1990 eram
ocupados apenas pelo gênero masculino. No contexto, Cerqueira et al
(2014) destacam que a maior conquista feminina foi a Presidência da
República Federativa do Brasil por uma mulher em 2010, a qual, foi
reeleita em 2014.
No início do século XXI, Bauer (2001, p. 138) explica que a mulher,
“[...] Luta para firmar o seu espaço na sociedade, em igualdade de
condições com os homens, tendo como projeto a conquista da plena
cidadania e reconhecimento da sua importância indelével na construção
da civilização brasileira”.
Observa-se que a mulher buscou por todo o século XX sua
independência financeira e profissional, pois as mulheres têm trabalhado
em igualdade com o homem desde o primórdio das civilizações. A sua
luta está na defesa de seus direitos e a construção de seu espaço quanto à

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica 551

equidade de gênero. Fundamentada em relações sociais, econômicas,


jurídicas e as políticas públicas de gênero.
Em nível nacional o Decreto Federal nº 11.503 de 25 de Fevereiro de
2008 institui o Programa Territórios da Cidadania e dá outras
providências, com base nas atribuições pontuadas no art. 84, inciso VI
alínea "a", da Constituição, a questão de gênero é indicada no artigo 2,
como se faz compreender:

Art. 2 O - Programa Territórios da Cidadania tem por objetivo


promover e acelerar a superação da pobreza e das desigualdades
sociais no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por
meio de estratégia de desenvolvimento territorial sustentável que
contempla:
I - integração de políticas publicas com base no planejamento
territorial;
II - ampliação dos mecanismos de participação social na gestão
das políticas publicas de interesse do desenvolvimento dos
territórios;
III - ampliação da oferta dos programas básicos de cidadania;
IV - inclusão e integração produtiva das populações pobres e dos
segmentos sociais mais vulneráveis, tais como trabalhadoras
rurais, quilombolas, indígenas e populações tradicionais;
V - valorização da diversidade social, cultural, econômica,
política, institucional e ambiental das regiões e das populações.
(grifo nosso).

Para uma melhor compreensão sobre o conceito de gênero, se


considera que o mesmo é uma categoria de análise social bastante
reconhecida nas ciências sociais e, os debates relativos a questões de
gênero e ruralismo são fundamentais. Segundo Nascimento Silva e Silva
(2012), os estudos realizados no campo destacam que o espaço rural é
trabalhado de forma diferente entre o homem e a mulher, mas, que isto
não seja interpretado como segregação. O que se mostra é que:

Baseado na teoria do Ecofeminismo, mulheres tem uma relação


diferente com o meio ambiente, sendo que estas pensam no
futuro e bem estar de sua família em “harmonia com a natureza”.
Já os homens utilizam de técnicas consideradas mais agressivas

Soeitxawe
552 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

como derrubadas e queimadas para a preparação do solo. Quanto


ao cultivo, os homens têm preferência por aqueles produtos que
são destinados à comercialização (NASCIMENTO SILVA e
SILVA, 2012, p. 113).

A percepção de que mulheres e homens precisam ser vistos com


direitos iguais perante ao seu núcleo familiar tanto quanto por toda a
sociedade, leva a busca por elencar Harvey (2013) pelo seu discurso de
que o ser humano busca criar espaços a sua semelhança e que as
adversidades advindas das ações antrópicas são necessárias para
adequação dos mesmos. Portanto, sua abrangência conceitual permite as
análises sobre a influência de gênero tanto na constituição da ordem
social, como na produção da subjetividade.

3- Lócus da Pesquisa

Distrito de Palmeira (Linha 20), a 40 km da sede, criado pela Lei nº


054-GP de 09 de julho de 1990. O Município de Nova Mamoré, antes de
ser assim denominado, recebera como primeiro nome “boca”. Depois
passou a ser denominada de Vila, logo em seguida Vila Nova,
posteriormente Vila Nova do Mamoré e, consequentemente, Nova
Mamoré. Teve como primeiro administrador um dos pioneiros da região,
o senhor João Clímaco, filho do senhor Sebastião João Clímaco, dono de
imensos seringais na região, que na mesma ocasião, também exercia o
cargo de subdelegado de polícia, considerando-se que Vila Nova era um
Distrito do Município de Guajará-Mirim. Outros moradores foram
também nomeados administradores, como os senhores Floriano,
Antônio Victorino e Acrísio Barbosa dos Santos.
Foi na gestão do Prefeito do Município de Guajará-Mirim (o senhor
Salomão Silva), que Vila Nova pôde realizar pela primeira vez em sua
história, uma eleição para o cargo de Administrador, tendo como
concorrentes os senhores José Brasileiro Uchôa, na ocasião também
Administrador da Colônia Agrícola do Iata, Distrito de Guajará Mirim e
Antônio Lucas de Araújo, este morador de Vila Nova. José Brasileiro
venceu a eleição tendo assim que administrar os dois distritos por um
período de seis meses.

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica 553

Considerando-se o desenvolvimento do recém criado distrito,


impulsionado pela descoberta de ouro no rio Madeira, cresceu na
comunidade o anseio pela Emancipação Político-Administrativa. Assim
sendo, o Deputado Estadual Jerzi Badocha (1982-1986) enviou um
Projeto de Lei à Assembleia Legislativa do Estado, propondo a
emancipação do distrito. Seu projeto não fora aprovado. Somente na
legislatura de 1987 a 1990, através de outro Projeto de Lei, agora de
autoria do Deputado Estadual Rigomero da Costa Agra, obteve o apoio
da maioria dos deputados sendo aprovado sem ressalvas.
Nova Mamoré possui 04 Distritos: o Distrito de Araras, a 40 km da
sede, criado pela Lei Municipal nº 089 – GP, de 04 de novembro de
1991; O Distrito de Palmeira (Linha 20), a 40 km da sede, criado pela Lei
nº 054-GP, de 09 de julho de 1990; o Distrito de Nova Dimensão (Linha
28), a 58 km de Nova Mamoré, criado pela Lei nº 213 – GP, de 25 de
junho de 1997 e o Distrito de Jacinópolis a 134 km, criado pela Lei nº
338 – GP, de 06 de outubro de 2003.
Este pequeno esboço foi desenvolvido na Escola Municipal de
Ensino Infantil Luciana Maronari, Distrito de Palmeiras (Linha 20).
Fizemos um levantamento de dados desde a sua criação em 7 de
setembro de 1988, quando era uma pequena escola, cujo nome já existia
na época. No pequeno Distrito havia vários alunos parados que apenas
tinham concluído a 4ª série primária e não tinham condições de se
locomover para o município de Nova Mamoré, que fica a 45 km, para
assim dar continuidade aos seus estudos.
O senhor Calixto dos Reis Ferreira, um dos pioneiros do local, já
atuava como professor, vendo que próximo dali existiam várias
escolinhas, uma distante da outra apenas por 2 km a 4 km, já
funcionando com poucos alunos devido muitos já terem concluído a 4ª
séries. Em diálogo com a comunidade buscou alternativas junto ao
prefeito e Secretária de Educação para implantarem uma escola maior
onde pudesse atender a demanda das escolinhas. A partir de 1989,
iniciou ali o Ensino Fundamental na modalidade modular, uma vez que
para estudar teriam que ter idade mínima de 14 anos.
No entanto, como essa modalidade não atendia a toda a demanda, a
partir de 1992 foi construída mais uma escola com 03 (três) salas de aula,
cozinha, banheiros, diretoria e refeitório, só a partir daí recebeu o nome

Soeitxawe
554 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

de Escola Pólo Municipal de 1º Grau Luciana Maronari, nome recebido


devido a uma aluna que estudava numa das escolinhas que foi desativada.
Esta aluna sofreu um acidente de moto no município de Guajará-Mirim
e veio a falecer, a comunidade homenageou a aluna colocando o seu
nome.
Na atualidade a escola tem Regimento Interno, PPP (Projeto Político
Pedagógico) com aprovação do Conselho Escolar Municipal de
Educação para funcionamento, onde a mesma funciona em dois turnos,
matutino sendo da 7h à 11h30min e vespertino sendo de 13h às 17h, na
modalidade Ensino Infantil e Ensino Fundamental I e II. Na educação
Infantil atende uma clientela de 386 alunos no Ensino Fundamental I e
821 alunos no Ensino Fundamental II, somando uma quantia de 1207
alunos matriculados no ano letivo de 2014. A pesquisa tem como
objetivo a pluriatividade de docentes moradoras na área rural no Distrito
de Palmeiras, localizado no Município Nova Mamoré/RO, que praticam
a agricultura e pecuária como um sistema alternativo de ocupação,
buscando uma forma de contribuir com a renda familiar. A relevância
deste estudo consiste na necessidade de contribuir e discutir temas
emergentes nos estudos voltados para geografia e gênero.

4- Métodos e Técnicas da Pesquisa

O controle metodológico numa pesquisa de cunho científico é de


suma importância para que seja logrado êxito, bem como a compreensão
das variáveis que compõem o corpo de análise. Neste contexto,
identificar a pluralidade se faz necessário para que possamos analisar o
proposto nesta pesquisa. Os esboços sobre a pluriatividade rural no
Brasil são relativamente recentes, principalmente nas academias.
Schneider (2009, p. 3) em seus estudos explica que:

Assim como a entendemos, a pluriatividade que ocorre no meio


rural refere-se a um fenômeno que pressupõem a combinação de
pelo menos duas atividades, sendo uma delas a agricultura. Estas
atividades são exercidas por indivíduos que pertencem a um
grupo doméstico ligado por laços de parentesco e
consanguinidade (filiação) entre si, podendo a ele pertencer,

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica 555

eventualmente, outros membros não consanguíneos (adoção),


que compartilham entre si um mesmo espaço de moradia e
trabalho (não necessariamente em um mesmo alojamento ou
habitação) e se identificam como uma família.

Diante deste contexto é que se buscou pesquisar a posição em que a


mulher se encontra no século XXI, referente à economia e como as
mesmas são vistas e se veem enquanto trabalhadoras. Assim, o grupo de
mulheres estudadas corresponde a um grupo de professoras na área
rural, as quais são levadas a buscar alternativas de trabalho fora “de casa”
e sua permanência nas atividades domésticas e do campo.
A pesquisa foi realizada no período de março de 2013 a outubro de
2014, por meio de aplicação de questionários. Todas as mulheres
colaboradoras ministram aula na escola de Ensino Fundamental I e II
Luciana Maronari. Todas trabalham como professoras na rede de ensino
municipal desde 1988. Para a participação da amostragem foi observado
a situação familiar, idade, tempo de moradia na área rural e sua condição
profissional.
Caracterizou-se este estudo através das experiências vivenciadas
numa análise sobre a participação das colaboradoras que tinham alguma
atividade além da doméstica, isto é, na construção do lugar em que
vivem, identificando suas contribuições na transformação do espaço.
A fenomenologia respalda o estudo sob a complexidade do objeto de
pesquisa, bem como leva a reflexão sobre a concepção da mulher e as
formas de equilíbrio que esta encontra para desenvolver as atribuições
domésticas e profissionais, construindo seus próprios caminhos.
A abordagem fenomenológica possibilita uma visão mais abrangente
de observar e analisar o espaço vivido pelas colaboradoras. Segundo
Merleau-Ponty (1999, p. 1) “[...] A fenomenologia é também uma
filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se possa
compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de
sua ‘facticidade’”.

Soeitxawe
556 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

5- A Tripla Jornada de Mulheres no Distrito de Palmeiras

As professoras colaboradoras são 100% servidoras públicas do


município de Nova Mamoré e são lotadas na SEMD (Secretaria
Municipal de Educação), 100% afirmam que estão executando algum
tipo de atividade geradora de renda extra mesmo com o emprego formal,
a maioria está inserida em alguma atividade agrícola ou na pecuária no
campo, além dos afazeres domésticos.
Do total de 26 mulheres entrevistadas, a faixa etária está entre 35 a 58
anos. O estado civil: 84% são casadas, 12% são viúvas, 4% divorciada. O
número de filhos varia entre 03 (três) e 06 (seis). 100% possuem o nível
superior completo e destas, 46% cursaram pós-graduação. A perceptiva
das mesmas para o futuro é a aposentadoria que irá contribuir para uma
velhice mais segura.
Em suas falas, 100% das colaboradoras afirmaram que se sentem
privilegiadas em terem um emprego fixo e que ser professora é muito
mais do que muitos esperavam ser. Outro fator que destacaram foi que
saber ler e escrever não era, em sua época de criança, para qualquer
pessoa e que, a educação era prioridade dos homens, se possível, as
mulheres iam para a escola. Outra evidenciação exposta pelas
colaboradoras é que a função de ensinar uma criança sempre foi da
mulher, e que os pais só deixavam suas filhas se prepararem para dar
aula. O que era para poucas e de famílias mais abastadas.
A atividade principal das famílias que participaram desta pesquisa,
sempre foi a lida com a terra e com animais de corte, mais para
subsistência. Percebe-se que as colaboradoras falam em suas
propriedades com orgulho e que o trabalho traz prazer a elas, ao mesmo
tempo em que tem orgulho de saberem lidar com a terra e suas
“criações”.
Uma das colaboradoras revela que após um longo tempo de trabalho
na agricultura familiar, conseguiu um contrato como professora de 40
horas na escola citada anteriormente, a mesma considera que isso
resultou na melhoria das condições de sua vida.

Parte da minha vida fui agricultora, tive meu primeiro filho com
15 anos. Isso dificultou minha saída para trabalhar. Hoje

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica 557

atualmente, sou professora há mais de 25 anos sou efetivada, mas


trabalhei como monitora bastante tempo. Também tenho
orgulho de ter minha renda garantida todo mês, porém acordo às
três horas da manhã todos os dias para tirar leite com meu
marido e meu filho menor, quando retorno do curral limpo a
casa, cuido das minhas plantas e deixo o almoço pronto tudo
antes de ir para a escola, tenho que ir de moto, pois meu sítio fica
na linha 23, fica a uns 35 km do meu trabalho (Maria das Graças
professora de Matemática 53 anos).

A professora das séries iniciais, Alda dos Santos de Almeida, 43 anos,


natural de Rolândia (PR) e Daniel Jesus Cruz, 51 anos, natural de Nova
Redenção (BA), chegaram ao distrito de Palmeiras em 1989, possuem
uma chácara medindo 362×250 metros, localizada na Linha 20C, distante
38 quilômetros e meio da área urbana, onde reside o casal: “Em nossa
pequena propriedade, todo o trabalho é realizado em família, além do
esposo Daniel”. Alda conta com a ajuda de seus dois filhos (casados), e
aguarda a vinda da filha que foi estudar agronomia em outra região.
A professora conta que todos compartilham dos afazeres do sítio,
que entregam por semana no comércio local mais de 400 kg de
mandioca, caldo de cana, abóbora e banana. E que nos últimos dias
comercializaram mais de 12 mil espigas de milho verde, e apenas com a
venda do milho comprou uma fábrica de farinha de mandioca que
deverá ser instalada nos próximos dias na propriedade, “será mais uma
fonte de renda”, garante a proprietária. A figura 1 é exemplo de produtos
plantados pelo casal e comercializados na área urbana em Nova
Mamoré/RO/Brasil.







Soeitxawe
558 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

Figura 1: Produção de um Quintal Agroflorestal: equidade de


gênero no trabalho

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014 (fotografia de Adriana Correia Oliveira, 2014)




A família encontra dificuldade para levar a sua produção ao comércio
local no período em que a estrada principal (denominada pelo nome
linha D do projeto Sidney Girão) se encontra com as pontes estragadas:
“Sem a ponte tenho dificuldade para transportar toda a produção para o
comércio de Nova Mamoré”, explicou.
Cadastrados no Programa Luz para Todos, em 2014 aguardavam ser
contemplados. Quando questionados sobre a divisão do trabalho com a
produção, o casal reponde que realizam juntos, já referentes às tomadas
de decisões sobre a negociação dos produtos embora sejam discutidas
com certa antecedência pelo casal, a palavra final é a do marido. Segundo
a professora, o comerciante da área urbana do município de Nova

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica 559

Mamoré a valoriza, mas a negociação quando existe é realizada de


homem para homem.
A maior parte das professoras que atuam na Escola Municipal de
Ensino Infantil e Ensino Fundamental Luciana Maronari (rural)
demonstram terem uma tripla jornada de trabalho. Quanto à atividade
doméstica, é tida como uma função desprovida de valor, não se
vinculando a produção com a agricultura e pecuária. A maior parte do
trabalho doméstico na área rural é de responsabilidade da mulher.
Algumas falas como: “[...] se minha mãe dava conta de todos os
afazeres com a casa, nós também daremos sempre um ‘jeitinho’”. O que
nos dá a entender que desde muito cedo são as meninas que são
preparadas para realizar determinadas atividades como lavar, passar,
cozinhar, cuidar da horta de pequenos cultivos que ficam nas
proximidades da casa.
Quando questionadas a respeito do trabalho desenvolvido na
pecuária e agricultura elas ressaltam que realizam juntamente com o
companheiro (marido) e os filhos, levantando no mesmo horário,
ajudando em todas as atividades em conjunto, porém as mesmas usam
palavras como “ajuda”, “uma mãozinha”, “uma força”, soando como se
as mesmas estivessem desempenhando uma atividade corriqueira, não
laborando em termos igualitários, dando a entender que a
responsabilidade seria somente do homem quanto chefe de família. O
trabalho dela é considerado desvalorizado ou até invisibilizado.
Enquanto educadoras elas se consideram na esfera produtiva, pois
um emprego no funcionalismo público é a garantia do seu
empoderamento. É visível sua participação na economia do Distrito de
Palmeiras, pois elas possuem o crédito em todo o comércio local, pois os
comerciantes ainda utilizam o sistema de compras via fichas, o nome que
consta lá é o da professora local, facilitando ao seu companheiro ter
acesso ao crédito, bem como há vários financiamentos, pois a mesma
serve como avaliador por ser funcionaria publica.

Soeitxawe
560 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

6- Considerações Finais

Os produtos são comercializados em feiras hortifrutigranjeiras, em


órgãos públicos e nas próprias propriedades. A participação da mulher
no trabalho é visível, o que se averiguou foi que o papel da mesma neste
contexto é fundamental, entretanto, mesmo neste início do século XXI
ainda se encontra em abundância sentimentos antiquados, os quais têm o
sexo feminino como frágil e às margens da sociedade.
A mulher se vê como aquela que contribui nas atividades realizadas
na agricultura e na agropecuária, mesmo realizando tarefas iguais as dos
homens. A sociedade as veem desta forma. Elas se veem como ajudantes
do cônjuge e, quando é o caso, dos seus filhos, não se põem em
igualdade. As atividades realizadas em seus lares não contam, pois, não
atribuem renda ou mesmo valorizam de forma monetária.
O cotidiano de mulheres que exercem tripla jornada de trabalho
mostra que são participativas e provedoras da economia familiar em
igualdade aos seus cônjuges, sendo, em alguns casos as únicas
mantenedoras. No Distrito de Palmeiras, município de Nova Mamoré,
Rondônia, as mulheres que lecionam na Escola de Ensino Fundamental
I e II Luciana Maronari, desenvolvem atividades que lhes oportunizam
melhores condições financeiras, colocando-as em posição de igualdade
com os demais membros de sua família.
A perspectiva de gênero capacita o incremento institucional de forma
ampla, partindo do comprometimento do Estado, contemplando
normativas que levem a sociedade à uma nova visão de mundo. A
institucionalidade dos deveres e direitos do homem e da mulher de
forma em que todos fiquem na regência de uma mesma legislação.
Nestes termos, as questões de gênero sugerem que informações relativas
ao sexo feminino, também o é sobre o masculino, que um leva ao estudo
sobre o outro.

Soeitxawe
A mulher na economia rural amazônica 561

Referências

Brasil, Planalto do Governo. Presidência da República, Casa Civil,


Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto de 25 de fevereiro
de 2008. Institui o Programa Território da Cidadania e dá outras
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120o da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/
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BAUER, Carlos. Breve História da Mulher no Mundo Ocidental. São
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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo,
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ROSSINI, Rosa Ester. Ensino e Educação com Igualdade de Gênero na
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ampliada, 2006.

Soeitxawe
562 Adriana O., Claudia C., Maria S., Josué S., Marilia L. & Benedito J.

SCHNEIDER, Sérgio. A pluriatividade no meio rural brasileiro:


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Hubert Carton de; MARTINEZ VALLE, Luciano (Comp., Org.).
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Quito/Equador: Ed. Flacso – Serie FORO, 2009, v. 1, p. 132-161.
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/pgdr/arquivos/396.pdf>.
Acesso em: 12 de dezembro de 2014.

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo
manauara: uma reflexão a partir da realidade periférica1

Elias Sarmento Pereira2


Jair Vieira Alves3
MSc. Antonio Enrique Fonseca Romero4

Resumo: Neste artigo abordamos um estudo sobre a consciência de liberdade


nas periferias de Manaus, onde procuramos estabelecer um diálogo com
pensadores que refletiram sobre as questões que a sociedade de hoje vem
enfrentando para conseguir liberdade e dignidade para todos, tendo como
dispositivos práticos a diversidade cultural e social, para se alcançar uma visão
de liberdade na realidade periférica do povo manauara. Acredita-se que esta
temática tem por importância perceber que dentro da realidade periférica do
povo manauara há movimentos sociais que estão como anônimos por falta de
um olhar ético-moral administrativo de nossos governantes, todavia, diante de
uma cidade com ritmo consumista e descartável, os que mais sofrem são as
pessoas interioranas que migram para as periferias de Manaus. Em cima desses
questionamentos, tenta-se compreender as possibilidades de filosofar diante
dessa visão opressora e injusta dos nossos governantes, do qual o povo, hoje,
vem se manifestando, e buscando respeito pelos seus direitos, na saúde, na
educação, na política, no transporte coletivo e na segurança pública.
Palavras chave: Libertação; Conscientização; Movimentos Sociais.


1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE - Congresso Internacional de
Pesquisa Científica na Amazônia, realizado entre os dias 1 e 3 de Maio de 2015,
Cacoal, RO/Brasil.
2Acadêmico do 1º ano de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia - ITEPES. E-mail: elias.sarmentojr@gmail.
3Acadêmico do 3º ano de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia – ITEPES. E-mail: jairmundurucania@gmail.com.
4 Docente do Curso de Filosofia do ITEPES e da Escola Superior de Ciências
Sociais – ESO da Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail:
aromero@uea.edu.br; anenforo65@hotmail.com
564 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

Introdução

O presente artigo procurará abordar um estudo sobre a concepção de


liberdade da realidade periférica de Manaus, buscando compreender a
diversidade cultural e os movimentos sociais, como dispositivos práticos,
para se alcançar uma visão de liberdade na realidade periférica do povo
manauara.
Em sentido prático verifica-se a necessidade de fazer uma leitura da
realidade periférica manauara; analisar o contexto do povo e suas
múltiplas necessidades, como: escolas, saneamento básico, infraestrutura,
postos de saúde entre outros.
Todavia, observando e vivenciando durante a nossa pastoral, nos
finais de semana, esse contexto da realidade sofrida das pessoas que
vivem nas periferias de Manaus, surgiu-nos, enquanto pesquisadores à
preocupação e a necessidade de rever os valores éticos e morais do povo
que clama por uma sociedade mais digna, pois, o povo das periferias de
Manaus unido com os vários movimentos sociais, busca despertar nas
autoridades governamentais uma discussão que convide a repensar os
valores sociais das pessoas que vivem as consequências da falta de uma
política digna voltada para esta parcela populacional da sociedade
manauara.
No campo acadêmico a abordagem deste tema é enriquecedora por
se tratar de uma pesquisa que reflete esta problemática, não somente
usando métodos e pontos de vista de intelectuais, mas a partir das
reflexões feitas por pensadores que despertam em nós um desejo de
filosofar sobre a própria realidade do povo das periferias de Manaus.
Logo, para os autores que refletiram sobre essa questão de libertação
e conscientização do povo, o importante é a contribuição na formação
social digna, pois, estamos inseridos dentro dessa realidade nas nossas
pastorais, em se tratando de vivências, como também acadêmica, uma
vez que nos é exigida a capacidade de ver a realidade e refletir
filosoficamente, identificando nela elementos que se mostram nocivos à
produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana.
Portanto, tendo presente que toda reflexão que procure ser crítica, na
discussão dessa temática, nos proporciona apresentar soluções através do
diálogo com alguns pensadores que citaremos, pois, vemos a necessidade

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 565

de buscar uma conscientização libertadora que auxilie o povo à


transformação dessa realidade, que se torna cada vez mais opressora e
desafiadora.

1. Contribuições de alguns pensadores sobre a libertação e


conscientização do povo oprimido.

Trazendo um pouco do pensamento de alguns teóricos na questão do


tema que estamos abordando para melhor compreender essa questão da
liberdade e da conscientização do povo oprimido, começaremos um
diálogo com o pensamento de Nogare, ele apresenta-nos a necessidade
de fazer uma mudança estrutural na sociedade.
Buscamos promover um olhar crítico que suscite o interesse de
pesquisadores voltados para o campo do conhecimento filosófico da
nossa realidade periférica, mas, é necessário que não sejamos pessoas que
se usam da violência para conseguir seus objetivos, pois, a melhor
maneira de conseguir a liberdade é através do diálogo, tendo em mente o
não uso da violência, dessa forma estaremos construindo uma
conscientização civilizatória das pessoas, levando-as a libertação que
tanto almejam alcançar numa sociedade tão autoritária. Todavia, é dessa
maneira que conseguiremos a libertação sobre os governantes, sem
precisar usar a violência. É possível sim, libertar-se de uma opressão que
é injusta sem o uso da violência, mas para que isso aconteça, é necessário
que haja uma conscientização de liberdade das próprias autoridades que
deveriam refletir sobre o seguinte pensamento:

a mudança estrutural, pelo menos nos países do Terceiro Mundo


que mais precisam de libertação, parece que não pode ser
realizada a não ser através da violência. Violência que pode ser
passiva, como foi aquela de Gandhi, ou ativa, mas não armada,
como aquela que foi usada na libertação das ditaduras militares da
Argentina, Brasil, Uruguai, Filipinas etc. Acontece que, às vezes,
este tipo de violência se revela ineficaz ou não suficientemente
eficaz para realizar uma autêntica libertação (NOGARE, 1977:
404).

Soeitxawe
566 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

Essa mudança de estrutura na sociedade que Nogare apresenta, vem


nos mostrar que a libertação pode ser conquistada a partir do momento
que nos colocamos como sujeitos emancipados diante da realidade
cultural-política que oprime o indivíduo na sociedade capitalista.
Devemos unir forças e questionar modelos de opressão que muitas vezes
silenciam as lutas pelo simples fato de se opor aos poderes do momento.
Para o povo que vive nas periferias de Manaus encontrarem a
consciência de si mesmas em meio à indignação, é preciso antes de
qualquer coisa conhecer as suas capacidades de lutar pelos seus direitos
em unidade com todo o povo manauara que vive nas periferias e
reivindica melhorias em suas condições de vida. Cerqueira nos coloca a
liberdade como:

expressão de luta, esforço, resistência à causalidade externa,


transforma-se positivamente na única evidência da consciência de
si como um, absoluto, especialmente se consideramos que a
limitação do entendimento é de tal ordem que há coisas que lhe
são incognoscíveis de direito, como é o caso do conteúdo infinito
das contingências futuras. Ressalte-se, porém, que a dimensão
ontológica da consciência de si, o sentido da liberdade não brota
das sensações. Como se observa no sensualismo de Condillac,
senão em face do que nos obriga como um poder absoluto-
mistério (2002: 151).

É reconhecendo as suas qualidades e capacidades que o povo das


periferias de Manaus olhará para o poder governamental que age com
injustiça e infidelidade, com um olhar crítico e emancipatório, a partir da
consciência de si, porém, a liberdade não está no sensualismo, é preciso
ter um olhar na práxis com autocrítica com as questões problemáticas
que surgem cotidianamente na realidade periférica, o povo clama por
conhecimento que os leve a entender que, a consciência de si está na luta
pelos seus direitos, emancipando-se das coisas que os impedem de
usufruírem daquilo que lhes é de direito. As autoridades governamentais
de Manaus têm que abrir espaços para que o povo das periferias possa
mostrar que conhece, entende, interpreta e questiona, inclusive
filosoficamente, a situação de vida que enfrenta todos os dias. A leitura
da opressão que o povo das periferias vai fazendo ao longo do tempo,

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 567

possibilitará a prática revolucionária diante de uma cidade de


racionalidade industrial, que controla e é controlada pelas grandes
empresas nacionais e internacionais, por isso, o povo tem que lutar
consciente de si, como mostra-nos Cerqueira no seu texto Ontogênese da
consciência de si, colaborando com a sociedade na luta pelos direitos dos
menos favorecidos.
Apresentamos aqui a história de vida e de luta de Dom Oscar
Arnulfo Romero y Galdamez, arcebispo que doou sua vida em prol de
uma vida mais digna para os pobres, os marginalizados e os oprimidos,
porém, sempre colocando a libertação como livre expressão de paz, de
amor, de fraternidade e de solidariedade entre os povos, sem ser preciso
o uso da violência.
Dom Oscar Romero, arcebispo titular da Arquidiocese de San
Salvador em Salvador na América Central é assassinado, por sua postura
e coragem na defesa dos direitos dos pobres e injustiçados, em março de
1980, enquanto celebrava a Santa Missa. Denunciava os sectarismos e a
violência: “Em nome da Igreja, há que repudiar não só os pecados da
direita, mas também os da esquerda”, diria em dezembro. Mas no dia 9
de março chegava a seguinte conclusão: “Não calamos os pecados da
esquerda, mas eles são desproporcionalmente menores diante da
violência repressiva”.
E aqui nos vem em mente um nome, ou melhor, uma personalidade
bem conhecida, não só no Brasil, mas no mundo inteiro: Dom Hélder
Câmara. Sim, também D. Hélder é “um convertido” pelos pobres e
oprimidos. Já nasceu (1909) entre eles, no Ceará, um dos Estados da
região do Nordeste, no quadrilátero da seca e da fome. Embora a família
dele (o pai era funcionário e a mãe professora) não faltasse o necessário a
vida, a pobreza foi o meio ambiente em que nasceu, foi criado nas
escolas, primeiramente de sua mãe e depois no seminário diocesano, e
quando jovem sacerdote, ordenado aos 22 anos, foi destinado a exercer
seu ministério sacerdotal num dos bairros mais pobres da cidade: o
Bairro da Piedade.
A luta pela libertação do povo oprimido, sempre ressoou com muito
fervor e amor nas palavras de Dom Hélder Câmara, homem
comprometido pela causa da libertação do povo oprimido, todavia,
buscou sempre proporcionar uma liberdade educacional para a cultura da

Soeitxawe
568 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

paz e da não-violência, ou seja, Dom Hélder Câmara optou em lutar pela


libertação do povo com a não-violência ativa. No entanto, Dom Hélder
Câmara por ser um grande defensor da luta pela libertação do povo,
conquistou muitos amigos, como também muitos inimigos, os quais
perguntaram-lhe “se era ou não lícito recorrer à luta armada para libertar-
se da opressão injusta”, Dom Hélder com muita simplicidade e
sabedoria, respondeu-lhes que:

Condenava o capitalismo e o consumismo e achava necessário


encontrar um terceiro modelo de sociedade, que conseguisse
conciliar o bem-estar econômico e social e a liberdade. Para isso,
porém, recusava o uso à violência armada e pregava a violência
pacífica, também chamada de não-violência ativa (NOGARE,
1977: 405).

Dom Hélder Câmara, que presenciava a situação injusta e opressiva


de seus fiéis pernambucanos, se tornou cada vez mais destemido e
intrépido na denúncia dos crimes da ditadura, na necessidade da
instauração de um novo modelo de sociedade alternativo ao comunismo
e ao capitalismo. No mundo de hoje, o povo precisa de uma nova
história, mas, para que essa nova história aconteça, é preciso que haja
comprometimento por parte das autoridades para com a libertação do
povo que vive oprimido pela alienação que o capitalismo e o
consumismo lhe impõem.
Todavia, é essa prática injusta e egoísta, afirma Dom Hélder, que
precisa ser superada, voltar o olhar e criar uma nova representação de
sociedade, que produza qualidade de vida para o povo, que atribua boas
ações e boas obras que possam satisfazer as necessidades humanas,
trazendo a libertação e junto a ela, a felicidade. Porém, seu pensamento
diante dessa afirmação tão solícita e vivificando para o encorajamento do
povo para lutar pela sua libertação, é colocado com muita convicção e
coragem, dizendo em seu pensamento que, a libertação tem que ser
combatida pela violência pacífica e não a violência armada.
A luta pela libertação será vitoriosa, se for combatida pelo diálogo
consciente e moral, sem precisar usar a violência armada, pois, vivemos
uma realidade onde a violência cresce e se espalha a todos os campos,
gerando um clima de medo, incerteza, asfixia e isolamento. Não se trata

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 569

apenas de violência física, da guerra e da criminalidade. Existe também


dentro desse contexto a violência econômica, racial, religiosa,
psicológica, a violência doméstica e a familiar, entretanto todo esse tipo
de violência se combatida com o uso de armas, só gerará mais violência,
todavia, não é isso que devemos fazer, pois, estaríamos agindo da mesma
forma com que os opressores agem, por isso, saibamos nós lutar pela
libertação usando a violência pacífica, ou seja, a melhor maneira de lutar
pela libertação, é colocando em prática a ação de enfrentar e discutir de
forma coerente o problema da opressão, todavia, é dialogando
respeitosamente com o outro que construiremos um mundo de não
violência, pois, a não-violência gera uma grande sabedoria de vida para
todos nós que lutamos pela libertação das pessoas oprimidas.
Outro grande homem que nos ajuda a refletir a questão da liberdade é
João Paulo II, onde em sua visita ao Brasil enfatizou sobre a questão da
libertação. Todavia, ao mesmo tempo em que ele amadurece e incentiva
cada vez mais a ideia de reformas profundas estruturais para uma
dignidade humana, diante de tudo isso, João Paulo II colocava em seu
pronunciamento em Salvador sobre a sociedade pluralista a seguinte
reflexão:

Alguém que reflete sobre a realidade da América Latina, tal como


se apresenta na hora atual, é levado a concordar com a afirmação
de que a realização da justiça neste Continente está diante de um
claro dilema: ou se faz através de reformas profundas e corajosas,
segundo princípios que exprimem a supremacia da dignidade
humana, ou se faz, mas sem resultado duradouro e sem benefício
para o homem – pelas forças da violência. Cada um de vós deve
fazer a sua escolha nesta hora histórica” (A Palavra de João Paulo
II no Brasil, São Paulo, 1980: 226).

Na verdade, a realidade na nossa América Latina é uma situação


muito difícil, pois, ainda vivemos numa sociedade a qual é preciso
escolher entre duas alternativas, sendo elas, contraditórias e
insatisfatórias, assim como vemos nas periferias de Manaus, é nisso que
João Paulo II em seu pronunciamento no Brasil faz ao povo latino
americano. Ele questiona se o continente está totalmente consciente para
as situações que eles estão sofrendo diante da opressão e que é preciso

Soeitxawe
570 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

realizar maneiras de reformas para se ter uma vida mais honesta e digna
para a humanidade, para isso, é necessário tomarmos consciência de livre
escolha, pois, uma liberdade conquistada por debates e diálogos que nos
beneficiariam pelo simples fato de apresentarmos propostas humanitárias
para o bem-estar das pessoas, por outro lado, o uso da força da violência,
poderíamos sim, conquistar a liberdade pela força da violência, porém,
seria uma libertação que sentiríamos e vivenciaríamos no pensamento
por muitos anos, logo, não conseguiríamos nenhum benefício, a não ser
a consciência de mais violência ainda.
Muitos pensadores questionaram e refletiram sobre essa questão da
libertação. Todavia, cada pensador apresenta argumentos muito fortes
que visam dialogar e esclarecer uma melhoria de vida para cada
indivíduo, suas preocupações podemos assim dizer, foram com a
fidelidade e compromisso dos governos para com a dignidade do povo.
É com essa ideia de resistência ao uso de armas para alcançar a libertação
dos menos favorecidos, que esses pensadores que estamos dialogando,
nos convidam a olharmos melhor para o mundo em que vivemos e
refletirmos sobre como o poder está sendo mal distribuído para o povo,
impedindo a liberdade de expressão, livre e qualitativa.
De fato, é preciso agir contra essas atitudes ilegais que existem na
sociedade e que impõe ao povo, a falta de perspectivas de realização
pessoal, realização profissional e a realização social, isso tudo é traduzido
diante do olhar crítico, como a impossibilidade de ter sonhos e não
poder realizá-los no futuro, todavia, esse desrespeito para com a
libertação do povo, acaba gerando aos mesmos, uma sensação de
impotência, de personalidade, de identidade e de baixa autoestima.
Hoje na sociedade em que vivemos se percebe que é necessário
voltar-se para essa reflexão sobre a libertação do povo oprimido que
vivem nas periferias não só aqui em Manaus, mas em todas as cidades
grandes, essa liberdade tem que acontecer em forma de diálogo com o
governo, para que assim não seja preciso o povo manchar as mãos com
sangue, ou seja, a utilizar da força armada. Pois, podemos perceber na
nossa própria realidade da cidade de Manaus, que o desequilíbrio
estrutural das periferias necessita de reformas sociais que beneficiem o
povo que sofre com a falta de hospitais, escolas e de segurança. A cidade

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 571

de Manaus vive hoje uma realidade muito violenta e impotente que acaba
de uma forma ou de outra afetando principalmente a juventude.
John Locke foi um pensador moderno que muito contribuiu para
essa compreensão da libertação do povo oprimido, no entanto, fazendo
uma analogia do seu pensamento para com a realidade do povo das
periferias de Manaus, podemos entender que é necessário a resistência
do povo contra o poder autoritário que se coloca como a seu favor, pois,
se o governo se transforma em ditadura, o povo com certeza manifestará
a força para se defender do opressor que impede a liberdade e a
fraternidade, de fato a massa se sentirá ofendida e alienada ao poder.
Com tudo, de certa forma o povo descobre em si mesmo a resistência
que tem em viver como comunidade unidade, a partir daí o povo achará
meios de combater as autoridades com seus próprios direitos criados em
meio a revolta contra o governo. John Locke acrescenta que:

a comunidade conserva perpetuamente o poder supremo de se


salvaguardar dos propósitos e atentados de quem quer que seja,
mesmo dos legisladores, sempre que forem tão levianos ou
maldosos que formulem planos contra as liberdades e
propriedades dos súditos; porque, não tendo qualquer homem ou
sociedade de homens o poder de renunciar à própria preservação,
ou, consequentemente, os meios de fazê-lo, a favor da vontade
absoluta e domínio arbitrário de outrem, sempre que alguém
experimente trazê-los a semelhante situação de escravidão, terão
sempre o direito de preservar o que não tinham o poder de
alienar, e de livrar-se dos que invadem esta Lei fundamental,
sagrada e inalterável da própria preservação em virtude da qual
entraram em sociedade. E assim pode dizer-se neste particular
que a comunidade é sempre o poder supremo, mas não pode ser
considerada sob qualquer forma de governo, porquanto este
poder do povo não pode nunca ter lugar senão quando se
dissolver o governo. (Os Pensadores, Vol. XVIII, p.99).

Diante desse pensamento de John Locke que é bastante profundo,


refletimos sobre a realidade periférica de Manaus e como criar uma
revolução de melhorias para a população pobre, pois, a cada dia a
violência nas periferias de Manaus configura-se como um dos principais
problemas sociais que as grandes cidades do Brasil enfrentam. Todavia,

Soeitxawe
572 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

na cidade de Manaus, em especial nas periferias, podemos entender que a


violência está sendo vista como a maior preocupação dos últimos
tempos, por isso, é necessário que haja uma reforma estrutural-social nas
periferias. Esse fenômeno de violência está de algum modo despertando
nos governantes uma maneira de apresentarem soluções para os
problemas sociais, políticos e econômicos da cidade de Manaus.

2. Onde o pobre se conscientiza para a luta pela libertação

As Comunidades Eclesiais de Base (CEB) são um grande exemplo de


luta pela liberdade e um meio de conscientização que podemos encontrar
para alcançarmos a liberdade social. Pois, foi uma realização que se
expandiu rapidamente em todo o Brasil, isso se deu pelo fato de as
comunidades estarem sendo poucas vezes atendidas pelo poder eclesial,
isso foi uma grande renovação para a Igreja e uma nova visão de
comunidade para o povo.
Vendo a realidade das comunidades de bases, o poder eclesial se
organizou, refletiu e dialogou com as autoridades da Igreja, sentiu
necessidade de reformas estruturais para as comunidades, todavia, foi
preciso que o clero sentisse bem de perto a verdadeira realidade do povo
oprimido, pois, não se conhece a realidade do outro sem se colocar ao
serviço do próximo.
Todavia, são nos Movimentos Sociais e Populares que segundo a
socióloga Maria da Glória Gohn, a massa encontrará também forças para
lutar pela libertação do povo oprimido, é por esses motivos que ainda
hoje a maioria dos movimentos que visam à dignidade do povo está nas
instituições da Igreja. O objetivo maior desses movimentos é fazer com
que o povo se conscientize para a promoção da justiça e dos direitos
humanos, com esses objetivos a CEB se coloca como membro
acolhedor das comunidades de base. Na sua opinião, Maria da Glória
Gohn nos diz que:

No Brasil e em vários outros países da América Latina, no fim da


década de 1970 e parte dos anos 1980, ficaram famosos os
movimentos sociais populares articulados por grupos de oposição
aos regimes militares, especialmente pelos movimentos de base

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 573

cristãos, sob a inspiração da teologia da libertação. No fim dos


anos 1980 e ao longo dos anos 1990, o cenário sociopolítico
transformou-se de maneira radical. Inicialmente, houve declínio
das manifestações de rua, que conferiam visibilidade aos
movimentos populares nas cidades. Alguns analistas
diagnosticaram que eles estavam em crise, porque haviam perdido
seu alvo e inimigo principal: os regimes militares. Em realidade,
as causas da desmobilização são várias. O fato inegável é que os
movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram
decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a
conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na
nova Constituição Federal de 1988 (GOHN, 2011: 342).

Para Maria da Glória Gohn, com o passar do tempo foram surgindo


novos movimentos graças à luta e a persistência do povo que se cansou
de viver a opressão da elite. Todavia, hoje, o povo pode encontrar em
vários lugares das periferias de Manaus movimentos que apoiam e
reivindicam ao governo pela qualidade de vida do povo pobre das
periferias. Entretanto, esses novos movimentos foram ao longo do
tempo sendo reconhecidos pelo poder público, mas para que essas
vitórias acontecessem foram muitos anos de luta e resistência do povo,
que não se cansou de gritar pela liberdade e respeito ao ser humano.
Segundo Maria da Glória Gohn, o povo só tem a ganhar com o apoio
desses movimentos sociais e populares, pois, são eles os maiores
responsáveis pelo crescimento econômico não só em Manaus, mas em
todo o país e no mundo inteiro. Desse modo, Maria da Glória Gohn nos
remete a seguinte compreensão:

Há um novo cenário neste milênio: novos tipos de movimentos,


novas demandas, novas identidades, novos repertórios.
Proliferam movimentos multi e pluriclassistas. Surgiram
movimentos que ultrapassam fronteiras da nação, são
transnacionais, como o já citado movimento alter ou
antiglobalização. Mas também emergiram com força movimentos
com demandas seculares como a terra, para produzir (MST) ou
para viver seu modo de vida (indígenas). Movimentos identitários,
reivindicatórios de direitos culturais que lutam pelas diferenças:
étnicas, culturais, religiosas, de nacionalidades etc. Movimentos

Soeitxawe
574 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

comunitários de base, amalgamados por ideias e ideologias, foram


enfraquecidos pelas novas formas de se fazer política,
especialmente pelas novas estratégias dos governos, em todos os
níveis da administração. Novos movimentos comunitaristas
surgiram – alguns recriando formas tradicionais de relações de
autoajuda; outros organizados de cima para baixo, em função de
programas e projetos sociais estimulados por políticas sociais
(Ibidem: 344).

Maria da Glória Gohn ao fazer essa releitura da realidade dos


movimentos, nos faz refletir que a cada dia o povo vai reconhecendo os
seus direitos e reivindicando qualidade salarial digna de um trabalhador,
todavia, podemos aqui citar várias conquistas do povo que vivia
oprimido silenciosamente, como, por exemplo, as lutas das mulheres
operárias para conseguirem os mesmos direitos que os homens, a luta
por um pedaço de terra. Esses movimentos conquistados pela luta se
tornaram conhecidos a nível nacional e mundial, como a Lei Maria da
Penha, o dia internacional da mulher, o direito de dividir os bens
matrimoniais e o direito de participar das eleições, esses são somente
algumas conquistas que os movimentos alcançaram pela sua força e sede
de justiça diante da opressão. Porém, como já dissemos foram várias
conquistas alcançadas tanto feminino, quanto masculino, todavia,
lembramos também, as conquistas pelos direitos a preservação da
natureza, assim como nos apresenta a socióloga Maria da Glória Gohn
(2011) ao afirmar que "criaram-se várias novidades no campo da
organização popular, tais como a atuação em redes e maior consciência
da questão ambiental ao demandar projetos que possam vir a ter
viabilidade econômica sem destruir o meio ambiente".
Todo direito conquistado até hoje, só aconteceu porque houve
alguma organização de grupos, todavia, sem organização não tem como
o povo ir à luta para combater a opressão, por isso, todo movimento
sendo ele social e popular, tem que agir com conscientização objetiva e
questionadora. No entanto, Maria da Glória Gohn nos apresenta
também que diante dessas lutas, algumas pessoas e grupos desses
Movimentos Sociais e Populares que ainda podem estar oprimidas ou
vivendo uma crise, pelo medo de perder a pouca renda que ganha, isso
só acontece por não haver comunicação e conscientização por parte de

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 575

alguns membros, ou seja, meios de informações adequadas para


argumentarem contra o sistema capitalista opressor. Maria da Glória
Gohn (2001) em sua obra Movimentos Sociais e Educação relata as
influências dessa crise da seguinte maneira:

Atualmente, em diferentes ambientes sociais (universitário,


movimentos populares, centros de assessoria, conversas de bares,
entrelinhas da imprensa etc.) é comum ouvirmos que os
movimentos sociais estão em crise, que há uma crise e uma apatia
junto a grupos sociais até então organizados, que a descrença e a
desmobilização predominam, que a era da luta pela participação
das pessoas em movimentos, organizações (públicos ou privadas)
etc. acabou. A nova onda seria a da privacidade, do
individualismo. O coletivo, como solução para problemas que
afligem as pessoas, se não acabou, estaria em descrédito. Os
muros caíram e derrubaram as utopias (GOHN, 2001: 51).

Maria da Glória Gohn nos faz repensar como encontrar nos dias de
hoje, uma nova maneira de restabelecer o ponto focal desses
movimentos, todavia, podemos dizer que dos anos passados pra cá,
houve sim, uma quebra de paradigmas entre esses grupos, pois, vivemos
num mundo onde o individualismo chega primeiro, a partir daí é que se
percebe que a descrença e falta de organização fazem com que os grupos
percam o ânimo pela luta dos seus direitos iguais na sociedade. É
somente no coletivo que encontraremos forças para lutar, porém, tendo
em mente os objetivos que queremos alcançar em meio à desigualdade e
o individualismo que vem da parte dos governantes.
A luta do povo pelos seus direitos não foi em primeiro lugar, pelo
desejo de possuir bens materiais, mas, sim, pelo desejo de participação
nas decisões que lhes dizem respeito. Se hoje, podemos fazer uso de
muitos direitos conquistados, muitas vezes, com sangue de muitos
inocentes, que de alguma forma reivindicaram os seus direitos, todos os
direitos conquistados até hoje, são frutos dessa participação coletiva do
povo que nunca cansou de lutar por melhorias de vida digna.
Os Movimentos Sociais Populares só saíram às ruas pelo fato de
perceber que a cultura política, estava vivendo um comodismo de vícios,
hábitos e valores seculares, todavia, foi a partir daí que os movimentos

Soeitxawe
576 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

lutaram pela transformação da cultura política no país. Podemos até


dizer que os movimentos populares estão sim, em crise, porém, nunca
podemos dizer que estão mortos, pois, mesmos que os movimentos se
dispersem e estejam refluindo, a ideia que foi lançada pelos movimentos
continuará indagando muitos que estão a frente do poder no nosso país,
pois, os movimentos são, de fato, frutos de ideias e vivências do povo
que, muitas vezes não tem voz e nem vez diante do tempo e da história
social e política.
A educação também é um meio para se conscientizar para a luta pela
libertação, para o pensador Antônio Joaquim Severino, a educação é
prioridade para o povo sair da menor idade, mas é preciso que haja uma
boa qualidade de educação popular, somente dessa forma o povo que
vive nas periferias de Manaus, poderá ter uma consciência crítica para a
realização de igualdade social. O povo das periferias precisa ultrapassar
essa ponte, que é o conhecimento educacional, para que eles realizem em
meio à sociedade argumentos críticos construtivos que beneficiem a
todos. Esse objetivo da educação popular quer desvelar uma visão ampla
de conscientização para aqueles das periferias de Manaus que ainda
vivem oprimidos pela ignorância dos poderes governamentais, por isso,
Severino nos remete que:

a educação é o aprendizado do pensar e a superação do repensar


e se identifica com a própria dimensão reflexiva da filosofia,
enquanto a dimensão da consciência que a própria sociedade tem
de si mesma. Autenticamente liberal e libertadora seria a
sociedade que assegurasse a todos os seus membros a
oportunidade de uma educação, não somente em função de um
grupo particular, mas da própria inteligência do que pensam e do
destino da humanidade. Uma sociedade que perde essa
consciência que a cultura toma de si mesma está fadada a perder a
consciência de si (SEVERINO, 1997: 234).

Fazendo uma analogia da educação do povo oprimido dos tempos de


outrora com a realidade do povo manauara, podemos fazer uma grande
reflexão em cima dessa educação popular, todavia, ainda nos dias de hoje
em pleno século XXI, podemos dizer que muitas pessoas vivem
oprimidas em relação ao nível educacional, principalmente os pobres das

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 577

periferias de Manaus, isso acontece pelo fato de os governantes usarem


de má fé o dinheiro público.
Nas periferias de Manaus e acredito que talvez em todas as periferias
do país, dificilmente um jovem conclui o ensino médio nas escolas
públicas e sai com uma consciência crítica em relação à educação do
nosso país. Se não buscarmos uma educação séria e de qualidade para o
povo das periferias, nunca conseguirão criticar com argumentos
verdadeiros a liberdade diante dos poderes políticos, por isso, o povo
precisa abrir os olhos e ver que eles não podem ser somente quantidade
para o governo nas salas de aulas, mas sim, pessoas qualificadas que são
capazes de reproduzir conhecimento epistemológico de libertação.

Considerações Finais

Após uma longa reflexão sobre “A consciência de liberdade no contexto


social do povo manauara”, consideramos que este artigo científico nos
proporcionou a possibilidade de uma reflexão filosófica e uma
compreensão necessária de liberdade no nosso contexto social das
periferias de Manaus. Todavia, os autores que apresentamos durante o
diálogo, expuseram claramente as essências que o povo pobre precisa
para alcançar cada vez mais essa consciência de liberdade no dia a dia,
contudo, esses pensadores nos mostram o caminho para buscarmos
através da prática essa consciência de liberdade que tanto o povo pobre e
oprimido almeja.
Os autores citados neste artigo colocam-nos em reflexão os seus
pensamentos da seguinte maneira, para vivermos realmente numa
sociedade que atenda de forma digna e livre as necessidades do povo que
clama por respeito na saúde, na educação, na segurança e na política, é
necessário sermos prudentes na prática diante das manifestações e
reivindicações do povo nas ruas, pois, é através da prática pacífica que
conseguiremos alcançar um pensamento filosófico crítico e objetivo
dessa consciência de liberdade.
Tendo a alegre experiência de refletir com esses pensadores, dizemos
que a consciência de liberdade é algo que modela as pessoas dando a elas
a possibilidade de visão crítica das situações que o povo está passando

Soeitxawe
578 Elias S. Pereira, Jair V. Alves & Antonio Enrique F. Romero

nas áreas periféricas, é somente através dessa consciência crítica de


liberdade que o povo terá uma vida prazerosa, construtiva, inovadora e
livre, porém, essa consciência de liberdade na nossa visão enquanto
acadêmico de filosofia não pode ficar somente para uma pessoa ou um
grupo, mas devemos despertar nas outras pessoas que convivem no meio
social essa visão de liberdade diante dos problemas da sociedade.
De fato, não devemos ver os problemas como coisas definitivas e
sem solução, os problemas existem, e podem ser superados se
utilizarmos filosoficamente na prática, essa consciência de liberdade que
permite o povo dialogar, discutir, questionar e reivindicar os seus direitos
como cidadãos emancipados junto aos Movimentos Sociais e Populares.
Portanto, são essas as peças fundamentais que nos ajudam a olharmos os
problemas sociais de forma consciente e livre e nos indicam caminhos
para a construção de uma sociedade mais fraterna e solidária.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 6 ed. Tradução Alfredo Bosi.


Ivone Castilho Benedetti. São Paulo. Martins Fontes, 2012.
CERQUEIRA, Luiz Alberto. Filosofia Brasileira: Ontogênese da Consciência
de si. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas para o trabalho Científico. 16 ed.
Porto Alegre: 2012.
GOHN, Maria da Glória Marcondes. Movimentos Sociais e educação. 4. ed.
São Paulo: Cortez, 2001 (Coleção da Nossa Época).
_______. Maria da Glória Marcondes. Movimentos Sociais na
Contemporaneidade. In. Revista brasileira de Educação. Vol. 16 n. 47
maio-agosto, 2011.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo. São Paulo: Victor Civita,
1973 (Os Pensadores).
NOGARE, Dalle Pedro. Humanismos e Anti-Humanismos. 12 ed. Rio de
Janeiro - Petrópolis: Vozes.

Soeitxawe
A consciência de liberdade no contexto social do povo manaura 579

SEVERINO, Antônio Joaquim. A Filosofia Contemporânea no Brasil:


conhecimento, política e educação/Antônio Joaquim Severino.
Petrópolis: RJ, 1997.

Soeitxawe
Perda da identidade cultural: uma reflexão filosófica a partir
da realidade manauara1

Alef Braga Pinto2


Alex Mota3
Edinei Lima4
MSc. Antonio Enrique Fonseca Romero5

Resumo: O presente trabalho é fruto de uma pesquisa bibliográfica sobre como


se tem dado o processo de perda da identidade cultural amazonense, a partir da
realidade manauara. Está estruturado em três partes significativas para nossa
discussão. A primeira aborda o conceito histórico de identidade cultural e a
diversidade cultural no Amazonas. A segunda é constituída da análise histórica
dos três momentos históricos do estado amazonense, seguindo a denominação
feita por Márcio Souza: ciclo colonial, ciclo da borracha e ciclo da Zona Franca
de Manaus. Ainda nesta parte do trabalho enfatizamos os três impactos
respectivos a cada ciclo: o impacto social, o impacto ambiental e o impacto
cultural. Por fim, indicamos alguns elementos que auxiliariam no projeto de
solidificação dos traços culturais, principalmente dos povos que hoje constroem
sua existência na cidade de Manaus; estes elementos sugeridos também são
respectivamente três: o primeiro diz respeito a recuperação da relação ecológica,
realidade antropológica e realidade natural; o segundo trata do enfoque

1Trabalho apresentado no I Congresso Internacional de Pesquisa Científica na
Amazônia, CIPAM, realizado entre os dias 1,2 e 3 de Maio de 2015, Cacoal, RO.
2 Acadêmico da Filosofia no Instituto de Teologia Pastoral e Ensino Superior da
Amazônia (ITEPES). Brasil/AM, Manaus. E-mail:
alefpotter2009@hotmail.com.
3Acadêmico da Filosofia no Instituto de Teologia Pastoral e Ensino Superior da
Amazônia (ITEPES). Brasil/AM, Manaus. E-mail: mota9226@hotmail.com.
4Acadêmico da Filosofia no Instituto de Teologia Pastoral e Ensino Superior da
Amazônia (ITEPES). Brasil/AM, Manaus.
5Docente do ITEPES e da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. E-
mail: aromero@uea.edu.br; anenforo65@hotmail.com
582 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

ecosófico, isto é, da relação entre a realidade cognitiva e a realidade natural; e o


terceiro refere-se a abordagem da ecofilia amazônica, ou seja, a relação afetiva
do homem com o ecossistema universal que ele integra.
Palavras-chaves: Identidade cultural; Amazônia; Identidade manauara.

1 - A diversidade cultural no Amazonas

Cultura é tudo aquilo que dá sentido ao mundo que cerca um


determinado indivíduo ou grupo de indivíduos, assim, fazem parte da
cultura de um povo, elementos como a religiosidade, a definição dos
valores morais, idioma que fala, o grupo étnico a que pertence, a história
da sociedade na qual está inserido o indivíduo etc.
Ao longo de nossa vida vamos adquirindo novos conhecimentos e
expandindo nossa cultura sobre determinados assuntos, porém, é
incoerente dizermos que alguém que não possui os mesmos
conhecimentos que nós, é inculto, pois como já foi dito, cultura não se
resume apenas a conhecimentos. Ela é uma rede complexa de elementos
que dão significado ao mundo de um indivíduo, composta de diversos
elementos e que caracterizam os povos pelo conjunto de fatores que
compõe a sua sociedade. Cada povo tem sua própria cultura, com suas
próprias características, a isso chamamos identidade cultural. É o que
distingue um povo do outro. Por mais que conheçamos e nos moldemos
a outras culturas, a nossa identidade cultural permanecerá a mesma, pois
ela influencia na nossa formação, seja pelo modo que agimos, seja pelo
modo como pensamos.
No entanto, atualmente, contrariando as antigas definições de
identidade cultural, novos pesquisadores acreditam que seja ela um fator
que esteja em natural modificação ao longo dos anos, indo de contra a
opinião dos folcloristas que lutam para preservar a sua cultura e para
cristalizá-la. Os novos pesquisadores desse campo acreditam que a
junção de esferas culturais acabe resultando na gênese de uma nova
cultura e de uma nova identidade cultural. De fato é o que se observa
hoje. A mescla dos povos, com seus costumes e tradições, está a gerar
um novo fator cultural e de identidade cultural.
O tema Identidade Cultural é ainda muito complexo, pois não
depende unicamente de fatores, mas de diversos fatores, que se

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 583

modificam e se agregam ao longo da história a uma determinada


sociedade, a uma determinada civilização.

A própria miscigenação deve ser analisada em relação à


circunstância de que todos os contingentes alienígenas eram
constituídos principalmente por homens que tinham de disputar
as mulheres da terra, as índias. É sabido quanto foi insignificante
a proporção de mulheres brancas vindas para o Brasil. Nessas
condições, recaiu sobre a mulher indígena a função de matriz
fundamental, geralmente fecundada pelo branco (RIBEIRO,
2001: 229).

Já procuramos saber o número de moços que saem para cursos no


Sul e que não voltam mais? Ou dos que emigram em busca de uma
oportunidade para vencer? E todos representam verdadeira sangria no
nosso contingente humano tão rarefeito e tão dizimado, deixando em
grande maioria a população feminina. Ainda é preciso falar no
isolamento em que vivemos. O mal do brasileiro é a falta de escolas, mas
é também a escola existente. Pior ainda na Amazônia.
A humanidade é composta de muitas populações, raças que habitam
regiões diferentes e se distinguem pela frequência com que nelas
ocorrem certos traços hereditários. Em cada nação as pessoas possuem
aspectos físicos característicos e definidores daqueles que nascem ali. E,
embora se observe nos tipos humanos feições similares, não se pode
dizer que exista um grupo racialmente puro. Isso porque as populações
contemporâneas são o resultado de um prolongado processo de
miscigenação, cuja intensidade variou ao longo do tempo.
Nesta pesquisa observamos alguns tipos conhecidos de diversidades
étnicas e culturais no Brasil. As três principais matrizes da sociedade
brasileira, em especial a matriz indígena, matriz negra, matriz branca e a
raça cabocla ribeirinha.
No Brasil, entre o século XVI ao XVIII, em aproximadamente
quinze gerações, consolidou-se a estrutura genética da população
brasileira, com o entrecruzamento de africanos, europeus e indígenas.
Ainda, no período colonial, franceses, holandeses e ingleses tentaram se
estabelecer em território brasileiro e deixaram algumas contribuições
étnicas, embora restritas. Assim, de uma mistura de raças, em clima

Soeitxawe
584 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

tropical, têm-se os povos do Brasil. As três raças básicas formadoras da


população brasileira são o negro, o europeu e o índio, em graus muito
variáveis de mestiçagem tanto genética quanto cultural.
Matriz Branca. São povos europeus, na maior parte portugueses,
que trouxeram um complicado caldeamento de lusitanos, romanos,
árabes e negros, que habitaram Portugal. Os demais grupos, vindos em
grande número para o Brasil, em diversas épocas italianos, espanhóis,
alemães, eslavos, sírios também tiveram mestiçagem semelhante. A partir
de então, a migração tornou-se mais constante. O movimento de
portugueses para o Brasil foi relativamente pequeno no século XVI, mas
cresceu durante os cem anos seguintes e atingiu cifras expressivas no
século XVIII. Embora o Brasil fosse, no período, um domínio de
Portugal, esse processo tinha, na realidade, sentido de imigração. Assim,
o Brasil é o país de maior população branca do mundo tropical.
Matriz Negra. Povos africanos trazidos para o Brasil como escravos,
do século XVI até metade do século XIX (1850). Vieram destinados à
lavoura canavieira, à mineração e à lavoura cafeeira. Pertenciam a dois
grandes grupos: os sudaneses e os bantos. Os primeiros, geralmente altos
e de cultura mais elaborada, foram, sobretudo, para a Bahia. Os bantos,
originários de Angola e Moçambique, predominaram na zona da mata
nordestina, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Por fim, os africanos
espalharam-se por todo o território brasileiro, em engenhos de açúcar,
fazendas de criação, arraiais de mineração, sítios extrativos, plantações de
algodão, fazendas de café e áreas urbanas. Sua presença projetou-se em
toda a formação humana e cultural do Brasil, com técnicas de trabalho,
música e danças, práticas religiosas, alimentação e vestimentas.
Matriz Indígena. Atualmente os índios acham-se reduzidos a uma
população de algumas dezenas de milhares, instalados, sobretudo, nas
reservas indígenas da Amazônia, Centro-Oeste e Nordeste.
Os principais grupos de imigrantes no Brasil são portugueses,
italianos, espanhóis, alemães e japoneses, que representam mais de
oitenta por cento do total. Até o fim do século XX, os portugueses
aparecem como grupo dominante, com mais de trinta por cento, o que é
natural, dada sua afinidade com a população brasileira. São os italianos,
em seguida, o grupo que tem maior participação no processo migratório,
com quase trinta por cento do total, concentrados, sobretudo, no Estado

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 585

de São Paulo, onde se encontra a maior colônia italiana do país. Seguem-


se os espanhóis, com mais de dez por cento, os alemães, com mais de
cinco, e os japoneses, com quase cinco por cento do total de imigrantes.
Toda essa gente também participa do processo de mistura racial no
Brasil.
Assim, nós brasileiros, segundo o mestre Darcy Ribeiro (2008: 223),
“somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne
e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela
fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo”. Do branco, do negro e
do índio juntaram-se os mestiços na composição étnica da população
brasileira, representados pelos caboclos (descendentes de brancos e
ameríndios), mulatos (de brancos e negros) e cafuzos (de negros e
ameríndios).
E essa mistura de raças resultou, como se vê, na composição do povo
brasileiro. E este povo está assim distribuído: predomina no litoral o tipo
mulato e, no interior, o branco e vários mestiços. A população é mais
índia no Norte, menos branca no Nordeste, mais índia e mais branca no
Centro-Oeste e menos negra no Sul. No Sudeste, historicamente a área
de maior desenvolvimento, há um pouco de todas as raças. Assim é o
país, um mosaico de cor e raça, enchendo os olhos e encantando todos
que aqui chegam.
Tomemos como fio de nossa discussão o resultado da união do
branco e do indígena, isto é, o caboclo. A Região Amazônica viu parir
uma nova sociedade constituída de abortivos homens, órfãos de pai. O
caboclo representará não somente o fruto da união de pai branco,
europeu, desenvolvido, com a mãe índia dominada “não-ser”. Será
também, símbolo de um choque cultural entre duas cosmovisões
antagônicas. Significará o fruto da dominação corporal e da exploração
sexual de toda uma cultura sobre a outra. O filósofo argentino Dussel
(1994), analisando este choque cultural ao nível da América Latina,
acenará para uma cultura de união de traços culturais, uma vez que
nasceria:

a pesar de todo, una nueva cultura […], pero dicha cultura


sincrética, híbrida, cuyo sujeto será de raza mestiza, lejos de ser el
fruto de una alianza o un proceso cultural de síntesis, será el
efecto de una dominación o de un trauma originario (que, como

Soeitxawe
586 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

expresión de la misma vida, tendrá oportunidad de una ambigua


creación) (DUSSEL, 1994: 62).

Assim também será o caminho trilhado na Amazônia. O caboclo será


tratado como um órfão a quem não tem que recorrer; vivendo as leis dos
pais europeus, os criollos, ou caboclos, serão obrigados a viverem como
filhos de suas mães dominadas. O Amazonas, povo de órfãos,
permanecerá à margem de todo o processo histórico Ocidental. Desde o
início da colonização, até os nossos tempos da neocolonização, o
Amazonas ainda vive como uma colônia, sempre de cultura dependente,
alienada, de uma obrigação de rejeição de sua cultura própria em
detrimento da tão sonhada maioridade cultural e desenvolvida (SOUZA,
1977: 29ss).

O colonizado é informe e encontra-se atravessado entre dois


mundos contraditórios, é um homem geralmente desfibrado e incoerente,
um farrapo. Sob esta massa servil o patriotismo irá crescer,
prosperar por uma geração inteira, até sofrer com a necessidade
cada vez maior do mercantilismo racionalizar seus meios de
produção (SOUZA, 1977: 48). [grifo nosso]

Porquanto, acreditamos que se faz mister que se analisem as


estruturas da cultura amazonense de hoje, este embolorado de traços
culturais potencializados pelo processo de globalização. Daremos
continuidade a nossa discussão abordando os elementos que nos
ajudarão a identificar o processo de perda de identidade, seguindo o fio
sócio-histórico do Amazonas.

2 – As metamorfoses do Amazonas

Que a vida do ser humano é dinâmica, isto não se nega. A história das
grandes sociedades revela que o passado, o presente e o futuro são frutos
da capacidade do homem mudar, transformar-se, e por que não,
metamorfosear-se. Todo agrupamento intersubjetivo, aquilo que
chamamos comumente de sociedade, sofre a ação da dinamicidade

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 587

inerente ao homem. Portanto, a história do Amazonas será, também ela,


fruto da metamorfose humano-temporal.
A história, de maneira geral, mostra que as principais cidades da
Amazônia têm passado por várias transformações, sejam elas,
intencionais, ou consequentes que, no entanto, ao longo das últimas
décadas revelam uma realidade preocupante velada pela racionalidade
dita moderna, que tem tecnificado os conhecimentos segundo uma
lógica econômica-política, e vem sacrificando toda uma geração. Esta
realidade não difere do real vivido na capital amazonense, Manaus.
Diante de uma diversidade étnica tão criativa como a encontrada no
Estado do Amazonas, nos perguntamos se o processo de
homogeneização para o qual estamos caminhando não tem sido nocivo
para os povos e etnias que aqui constroem sua existência. A história
amazônica continua sendo escrita por mãos que lhe são estranhas e cada
vez mostra-se urgente a reflexão sobre este assunto em vista de
salvaguardar os poucos resquícios identitários dos habitantes nesta região
do país.
Quando em 1492 chegam os primeiros europeus des-cobridores e a
Ameríndia transforma-se em América Latina, aí dar-se o início de uma
história de sucessivos processos de colonização, dominação para
explorar. Já dizia E. Dussel (1994) que o choque cultural deste momento
histórico resultou em traumas profundos não só na organização e
estruturação da América Latina periférica, mas teve início a um
verdadeiro genocídio, ou melhor, um etnocídio, em todos os cantos que
a mão civilizatória chegara. O mito da modernidade, encetado com a
dominação dos autóctones da Ameríndia criou um novo mundo
intencional: para os europeus, a dominação da Ameríndia estava
justificada pela inferioridade cultural (pedagogia opressora), material
(erótica opressora da natureza e a corporalidade dos autóctones) e
espiritual (selvagens pagãos – religião opressora). Enquanto que para os
povos dominados cabe a aceitação de todo o processo de civilização,
mesmo que este gere uma redução drástica de sua população, sua
colonização e escravidão frente à ideia de liberdade garantida pela adesão
ao processo civilizatório. Assim, para Dussel (1994), admitir que houve,
em 1492, um “encontro” entre culturas é reproduzir um eufemismo
opressor,

Soeitxawe
588 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

porque oculta la violencia y la destrucción del mundo del Otro, y


de la otra cultura. Fue un "choque", y un choque devastador,
genocida, absolutamente destructor del mundo indígena. Nacerá,
a pesar de todo, una nueva cultura […], pero dicha cultura
sincrética, híbrida, cuyo sujeto será de raza mestiza, lejos de ser el
fruto de una alianza o un proceso cultural de síntesis, será el
efecto de una dominación o de un trauma originario […]. Es
necesario tener memoria de la víctima inocente (la mujer india, el
varón dominado, la cultura autóctona) para poder afirmar de
manera liberadora al mestizo, a la nueva cultura latinoamericana
(DUSSEL, 1994: 62).

Produto de um sincretismo conflituoso, as novas sociedades


colonizadas da América Latina continuam no processo de dominação,
exploração, marginalização frente às sociedades do progresso. A história
do Brasil descoberto em 1500, em especial da Amazônia, nada difere das
histórias das cidades latino-americanas; de uma Bolívia colonial com
metrópole espanhola em Santa Cruz de la Sierra; de um Equador que via
a civilização de seus povos a partir da colonial cidade de Quito, no século
XVIII (COSTA, 2000: 4).
Ao tratarmos de analisar as metamorfoses do Amazonas, faz-se
mister tomarmos o caminho do processo histórico da região amazônica,
desde as narrativas dos viajantes do século XVI para, a partir da matriz
desse discurso, analisar “a construção da ideia de Amazônia, que se
consolidaria mais tarde na modernidade e que permanece ainda nos dias
de hoje nas narrativas acerca da região” (SORANZ, 2010: 121). Nesta
perspectiva Pinto (2008) nos indica um fio condutor para nosso intento,
quando afirma que:

a Amazônia e o próprio Brasil têm sido pensado e interpretados


tendo como ponto de partida um núcleo perfeitamente
identificável de ideias, noções, conceitos e preconceitos que
constitui o fundamento dessas obras [sobre a Amazônia]. É
necessário descobrir e compreender como suas ideias surgem, se
investem de significação e percorrem os espaços reais e
imaginários da vida e da sociedade (PINTO, 2008: 29).

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 589

Partindo desta indicação, de antemão, encontramos os inegáveis


conflitos que se reproduziram ao longo da história entre as primeiras
frentes coloniais e desbravadoras e os povos autóctones do Amazonas. A
construção das ideias e noções sobre a região pulveriza certo preconceito
efetivado pelas produções literárias de mentalidade etnocêntrica. Isto é
evidente no período colonial da Amazônia: o mundo intencional do
europeu partia do princípio de inferioridade do “mundo da vida” dos
povos autóctones da Ameríndia. Assim compreendemos a posição de
um Buffom ou de um Alexandre Rodrigues Ferreira quando descrevem
o Novo Mundo e os habitantes da Amazônia. Tomaremos, para nossa
indicação, os passos do escritor amazonense Márcio Souza, o qual divide
a história do Amazonas em três fases ou ciclos: o Ciclo da Colonização
ou Colonial, o Ciclo Áureo da Borracha e o Ciclo da Zona Franca de
Manaus. Buscaremos encontrar nessas fases históricas os principais
impactos sofridos pela identidade cultural desta região peculiar do país.

2.1 - O Ciclo da colonização amazonense e o impacto social

O processo de perda da identidade no Amazonas é um


acontecimento temporal que vem se arrastando ao longo dos anos. A
partir do século XVI vemos a invasão europeia pela boca do grande rio
Amazonas. Inicia-se, então, o ciclo da colonização, que durará mais um
século para agarrar-se numa árvore e metamorfosear-se. O núcleo deste
primeiro ciclo histórico é o inegável impacto social que teve a
colonização na vida cotidiana dos autóctones do Vale Amazônico. Esta
região, no último período glacial, é o limite da zona de contato
intercultural dos povos migrantes polinésios que usaram principalmente
o estreito de Bering como caminho “desaguador” para a onda migratória
leste-oeste. Pequenos núcleos comunitários nômades se formam
basicamente com uma estrutura herdada dos migrantes de cultura
megalítica e neolítica e continuam com a onda migratória, situando-se
principalmente em montanhas e “cujos eixos de deslocamento eram, em
geral, rios que ligavam a serra às áreas mais baixas de floresta” (COSTA,
2000: 5). Ao tratar sobre a relação entre povos andinos e povos

Soeitxawe
590 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

amazônicos, principalmente no que tange produtos de outros pisos


ecológicos situados em área tropical, Costa (2000) afirmará que:

foi durante o império inca que tais relações se tornaram mais


intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer
domínio sobre os povos amazônicos, nos moldes em que
estabeleceram na serra. Sua estratégia de incorporação de
territórios e povos amazônicos [...] associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de
colônias que cumpriam o duplo papel de centros de produção e
de elementos de intercâmbio com os povos da Amazônia
(SANTOS GRANERO apud COSTA, 2000: 5).

Isto evidencia que, embora fossem separados por longas distâncias,


os diversos povos e etnias da Ameríndia possuíam efetivas relações e
comunicações entre si; o que permanecerá por um longo período. Após
as transformações trazidas à Amazônia, no século XVI, vive-se no
Amazonas uma nova forma social: a sociedade tribal ou comunitária,
caracterizada por sua organização simples – o que gera uma melhor
comunicação e nível de igualdade entre os indivíduos – será substituída
gradativamente pela sociedade organizada a partir da lógica das
sociedades europeias, isto é, uma organização social estruturada
verticalmente – lembre-se que a sociedade do século XVI ainda recebia
influência maciça da Igreja, a qual validava, pelo poder espiritual, o poder
temporal. Encontramos uma definição muito substancial de Pinto
(2008), para entendermos aquilo que comumente é denominada
sociedade moderna; afirma o escritor amazonense:

A força com que têm reaparecido os conflitos étnicos e de


identidade não apenas na Europa, mas em diversos cenários do
mundo, obriga-nos a lembrar quanto a construção do Estado-
nação implicou na negação e na eliminação da diferença e da
pluralidade, movido como tem sido até hoje por uma necessidade
de homogeneidade – territorial, política, religiosa, linguística,
cultural – que é um dos traços insuperáveis da modernidade
(PINTO, 2008: 95).

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 591

Inicialmente, segundo a cronologia da história colonial do Amazonas,


a principal característica do impacto social será o choque ideológico
entre indígenas que povoavam os principais rios da região, em especial, o
rio Amazonas, com os primeiros viajantes que entram pela
desembocadura do grande rio amazônico; choque expresso na relação
sujeito-objeto da ascendente ciência positivista, a qual encontra no
cientista português, Alexandre Rodrigues Ferreira, seu principal
expositor da Amazônia dentro das categorias analíticas da ciência
positiva deste período. Este choque ideológico se sustentará até nossos
dias pelas visões preconcebidas sobre a região, assim como afirma
Soranz:

a ideia de Amazônia foi, desde o início, um constructo social,


uma ideia forjada a partir das narrativas dos viajantes que se
aventuraram pelo chamado Novo Mundo e que se estende
posteriormente pelos retratos científicos e artísticos sobre a
região. Observar a gênese social do conceito de Amazônia pode
auxiliar na compreensão dos modos de representação que se
afirmaram sobre a região no desenrolar da história (2010: 122).

Temos então, a formação de uma nova forma social instaurada no


Amazonas: a sociedade moderna. Em se tratando dos impactos em curto
prazo teremos não mais um nomadismo comunitário, isto é, a
comunidade étnica que se desloca por motivos como a busca de outro
terreno a ser cultivada, o clima, caça etc.; agora temos o fenômeno da
migração, o qual dar-se-á de duas formas: os descimentos que ao longo dos
principais rios foram construídos para captação de indígenas feitos
escravos ou para povoarem comunidades coloniais geralmente
administradas pelos missionários da Igreja Católica, mas com deveres às
coroas europeias (Portugal e Espanha em especial); e a migração de fuga,
evidenciada principalmente com a reunião de núcleos indígenas de
resistência no interior da floresta, e aqui vale lembrar o grupo de
resistência coordenada pelo indígena Manaó, Ajuricaba, no século XVIII.
Em meados do mesmo século, teremos Emmanuel Kant
esclarecendo a reviravolta sociopolítica de uma Europa iluminista.
Explicará o Iluminismo e concluirá que não deve se tratar senão de um
processo pedagógico de emancipação do sujeito, isto é, caminho de

Soeitxawe
592 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

libertação da minoridade para a maioridade autônoma. Na América


Latina, em especial na Amazônia, esta ética da emancipação, no período
colonial, na verdade, significará que o caminho para “emancipação”
indígena era entrar no processo de pacificação, ou melhor, colonização:
processo ascendente de uma situação “natural” – que não quer dizer
senão selvagem – para a maioridade caracterizada pela ilustração racional.
Em outras palavras: os indígenas deveriam renunciar toda sua situação de
primitivismo, que lhe faz permanecer num atraso, na minoridade da qual
é culpado. A esta ideologia da maioridade, na realidade, significará, no
processo da colonização amazônica, a inserção do autóctone no
arquétipo de homem universal: que vai do cogito, ergo sum cartesiano até
homem livre kantiano, seja na moral ou na teoria do conhecimento.
Conforme Souza (1977), ao criticar este tipo de ideologia ainda
envolve o Amazonas de hoje, acenará para a imemoridade instaurada nas
análises feitas na região. Esta imemoridade não significará uma tábua rasa
lockiana, mas uma extrema dificuldade de conjeturar o hoje a partir de
elementos históricos, posto que:

o Amazonas tem sido incapaz de captar uma visão essencial do


seu processo, atado ao desconhecimento do caráter social do
pensamento e da cultura. É como se o fenômeno social da cultura
fosse uma trivial sucessão de realizações individuais, sem
consciência de historicidade do ato. Esta ideologia é típica de
sociedades marginais e colonizadas (SOUZA, 1977: 18).

Por fim, tem-se a inserção da violência no ciclo da colonização do


Amazonas. De fato, a violência será uma principal característica de todo
o processo civilizador da região, basta-nos lembrar da exploração da mão
de obra indígena, e não somente ela, até mesmo de europeus prisioneiros
ou de classe baixa. Uma violência material que atingiu da carnalidade à
existência de todos aqueles que a sofriam. Além do mais, uma economia
dependente também é evidência de um passado duro, de uma violência
não somente simbólica, mas real. Muitos autores que analisam esta
realidade de dependência econômica do Amazonas como Freitas (2005),
Pinto (2008), Loureiro (2002) e, principalmente, Souza (1977), serão
unânimes em afirmar que esta dependência gera, ainda, preconceitos
sociais, ou melhor, um aumento das desigualdades sociais. No entanto,

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 593

se pela violência é garantida a colonização da região amazônica,


mencionamos que, também pela violência o grupo dos cabanos viu seu
caminho de combate a toda esta realidade colonial. Assim Souza (1977)
descreve este acontecimento:

Pelas margens dos grandes rios, subindo o Negro, pelas praias de


Maués, nos Autazes, até o Içãna, levantes armados de
características desesperadas e messiânicas iam levantando de
roldão os prepostos do colonialismo. A Cabanagem era uma
guerra de libertação nacional, talvez a maior que o Brasil já
conheceu (SOUZA, 1977: 51).

Entretanto, este levante da classe explorada significou não apenas um


acontecimento histórico ou político, ou ainda, de luta econômica;
representa, dentro do ciclo histórico do colonialismo, um movimento de
luta em defesa de sua identidade. Esta luta partia de uma leitura ético-
crítica da realidade de exploração-dominação que os indivíduos cabanos
sofriam; pela primeira vez na história amazonense as classes baixas viram
seus líderes ascenderem ao governo provincial. Alguns anos mais tarde,
esta hegemonia dos cabanos entrará em colapso, o que será bem visto
pela Província. O Amazonas, que até então pertencia ao Grão-Pará,
esperará até 1850 para ser inserido definitivamente no Império do Brasil,
mas ainda continuará vivendo uma situação de penúria (Ibidem).
Diríamos, portanto, sem exagero: a colonização está no DNA manauara,
bem como os países coloniais da América Latina. Metamorfoseiam-se as
aparências, mas permanece a mesma estrutura metrópole-colônia, ou
melhor, capital e municípios interioranos – os quais sustém a capital com
produtos de todas as fontes, até mesmo, de fonte humana.

2.2 - O ciclo econômico da borracha e o impacto ambiental

Século XIX. A Amazônia viverá um grande salto da solidão para o


centro das atenções internacionais. O ciclo da borracha levará Manaus a
patamares econômicos à la Paris. Quanto à identidade amazonense,
fragmentada pelo colonialismo, ficará arquejada. A figura da mulher nua
e de cabelos fartos, amarrada a uma árvore de seringueira, apresentada

Soeitxawe
594 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

no conto Maibi de Alberto Rangel (1871-1945), é uma figura


representativa daquilo que se viveu neste período histórico do
Amazonas.
Neste segundo ciclo o fio condutor de nossa discussão será o
impacto ambiental sofrido na região desde o século XVIII com a
descoberta das propriedades do látex. Desde o início da colonização, a
Amazônia foi tida como locus de inesgotável riqueza natural. Nas
primeiras décadas da história amazonense o extrativismo vegetal tendeu
a aumentar de volume, frequência e capacidade de exploração. A Europa
da segunda metade do século XVIII descobria a indústria tecnológica; a
vivência industrial em todo continente europeu significou na construção
de uma nova cosmovisão: a natureza é uma máquina que reproduz a si
própria – portanto, Deus está excluído do processo material – e matéria
prima do processo de desenvolvimento, o qual passa inevitavelmente
pelo processo industrial.
Esta ideologia desenvolvimentista de cosmovisão europeia influiu
também sobre as concepções acerca da Amazônia. No que diz respeito a
isto, veremos uma troca de eixo relacional: se de um lado, os autóctones
tinham uma relação horizontal com os indivíduos humanos e mesmo
com a natureza sacralizada, agora o eixo é movido para uma relação de
produção, segundo a ideologia desenvolvimentista. Assim sendo, temos a
validação do aumento da exploração de recursos naturais na região
amazônica, principalmente no que tange ao extrativismo vegetal. Em se
tratando desta discussão, Loureiro (2002) acena para uma história da
Amazônia oscilante entre perdas e danos, na qual a evidência da
exploração dos recursos naturais da região é inegável e eticamente
criminosa, principalmente quanto aos atentados ao ecossistema
amazônico. Loureiro (2002) afirmará que,

os abusos, as exorbitâncias e o arbítrio desse novo capital que se


instala na região são incontáveis [...] Contudo, sob a nova ótica
economicista, esses problemas devem ser entendidos como
fenômenos característicos de uma fase inicial do desenvolvimento
amazônico, cuja tendência seria a de desaparecerem, a longo
prazo, quando o processo de desenvolvimento tiver atingido sua
fase avançada! No entanto, é visível que a superação dessa “fase”
não vem ocorrendo (LOUREIRO, 2002: 115).

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 595

Em vista disso, lembremo-nos que o período do ciclo econômico da


borracha durou quase um século. Em Manaus, este período significou
um século de metamorfoses drásticas. No nível social houve o aumentou
da população, principalmente com a vinda dos migrantes nordestinos, os
quais se deslocavam para dentro da selva a fim de retirar dela sua suposta
fonte de riqueza. O coronelismo será a primeira característica significante
deste ciclo. Os posseiros de vários hectares de terra, mata adentro,
faziam com que seu dono saltasse, de um pulo só, da indigência para a
opulência. Conforme Souza (1977), este período da história amazonense
representou um assalto muito grande tanto em relação à natureza
explorada, quanto à dominação dos seringueiros. Para o escritor
amazonense, este salto de “primeira grandeza” significou uma guinada
radical na região, e Manaus será reflexo da macro exploração-produção
da matéria prima da borracha.

Com o advento do “ciclo da borracha”, há um critério mui


acirrado no trato da produtividade, ainda que a renda seja mal
distribuída e tenha se concentrado nos centros urbanos. Como
área de matéria-prima, onde a população estava distribuída na
extração da goma elástica e nos trabalhos agrícolas de
sustentação, a Amazônia somente experimentaria detalhes
subsidiários do capitalismo da revolução industrial. Detalhes que
se concentravam na paisagem urbana e na superestrutura, nos
costumes do estamento, pois o mesmo salário de fome do
mercantilismo atava a mão de obra nos seringais (SOUZA, 1977:
91).

Assim como para Loureiro (2002) e outros autores, o enraizamento


do capitalismo é um significativo processo de impacto bilateral:
positivamente temos a consolidação de uma estrutura econômica
concatenada e que garante um maior fluxo de capital; doutro, e
negativamente, este sistema econômico é gerido por uma lógica segundo
a qual “o desenvolvimento é tarefa e virtude exclusiva do capital e,
principalmente, do grande capital” (LOUREIRO, 2002: 115); por isso
mesmo é que os governos amazonenses, desde o ciclo da borracha até
hoje, “têm entendido que somente o grande capital teria impulso capaz

Soeitxawe
596 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

de desenvolver a região, dada a sua grande extensão. O capital e somente


ele, o que exclui o homem da região, representaria riqueza” (Ibidem).
Entendemos, porquanto, a situação do homem e principalmente, da
natureza dentro da lógica deste sistema. Basta-nos lembrar o quanto a
extração de látex foi responsável pela transformação radical da
cosmovisão autóctone, e o que isto significou – e significa ainda hoje –
na história dos povos amazônicos. A depredação do meio físico-natural
em detrimento à moderna intenção de estar dentro do processo de
desenvolvimento deixou marcas profundas no locus amazonense,
principalmente no que diz respeito ao desequilíbrio dos ecossistemas da
região. De fato, se o “ciclo da borracha” trouxe desenvolvimento ao
antigo Forte da Barra de São José, ao mesmo tempo inseriu uma vida
urbana produtora de resíduos poluentes. À medida que cresce a cidade,
cresce também a degradação da natureza, uma vez que o espaço onde se
realiza o “desenvolvimento” é o próprio modus vivendi dos indígenas da
região. Em outras palavras: Manaus foi – e está sendo – construída por
sobre o mundo indígena (floresta, natureza) e o próprio homem da
região.
O impacto ambiental da exagerada extração de látex trouxe, intrínseca
à modernização do modo de viver da capital, um agravante ao processo
de perda da identidade. Agora não era mais o autóctone que deveria abrir
mão de sua cultura para aderir à moderna forma de ser; agora esta
imposição caía sobre as costas dos caboclos, filhos de pai colonizador e
mãe índia abusada. Fruto da união de duas matrizes (branca e indígena),
os caboclos mantinham uma relação ecológica para com a natureza, ao
mesmo tempo em que viviam traços culturais dos colonizadores. Por
fim, ao analisarmos as ideias que são atreladas a este ciclo econômico da
borracha, concluímos que grande parte dos preconceitos, mitos e
equívocos sobre a região tiveram sua gênese neste período. Ver a
Amazônia como a terra da superabundância ou celeiro do mundo, como
pulmão do mundo, ou como natureza inesgotável com uma alta
resistência de sobrevivência, tudo isto são equívocos para fins de
exploração. Segundo Loureiro, ao analisar os resultados do impacto
econômico na região amazônica afirmará:

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 597

restou hoje uma estranha sensação de sermos estrangeiros: a


sensação de vivermos num lugar desconhecido para nós, lugar
onde o outro, o de fora, continua a nos apontar o tipo de cultura
desejável para nós, aquilo que deveremos valorizar, que coisas
devemos explorar, a que sonhos devemos aspirar e o que
devemos esperar como futuro. É essa pesada história de
esmagamento cultural dos habitantes da região que nos faz
sentir, hoje, como estrangeiros em nossa própria terra (2002:
118). [grifo nosso]

Entretanto, nada foi tão mais nocivo do que esta ideologia capitalista.
Os impactos ambientais à identidade amazonense veem sendo
frequentes desde o “ciclo da borracha” até dias atuais. A adoção do
modelo econômico europeu transformou o Amazonas numa grande
tabula de sacrifício da natureza, desde as frentes pioneiras que
adentraram a região a fim de torná-la local de desenvolvimento
pecuarista e monocultura até as explorações pelos grandes projetos
governamentais, que hoje ameaça não somente a vegetação, mas todo o
bioma amazônico.

2.3 - O ciclo da Zona Franca de Manaus e o impacto cultural

Na indicação deste último ciclo histórico da história do Amazonas


em que analisaremos como se dá o processo de perda da identidade,
nossa reflexão oscilará entre dois polos: um que se embasará a partir da
teoria da dependência, e outra que encontra na produção ético-crítica de
escritores amazonenses, em especial, Márcio Souza.
Iniciemos pelo fio histórico do ciclo da Zona Franca de Manaus.
Com a crise da borracha, o Amazonas afunda gradativamente numa
solidão política e econômica separando-o do resto do Brasil. A
estagnação vivida pela capital amazonense refletia a decadência do
projeto extrativista; os “coronéis do barranco”, donos de seringais,
tornam-se não menos que mendicantes e o governo em tentativas
desesperadas aceita, como último suspiro, a “campanha da borracha”
que não durará muito para elevar a confiança de Manaus extrativista na
retomada de uma nova ascensão econômica. Nada aconteceu como

Soeitxawe
598 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

previam. A insistência de priorizar o setor extrativista não foi bem


sucedida, uma vez que teria que disputar com a novidade industrial que
adentrava pelo sudeste do país. Desta vez a estagnação durou longos
anos e crises profundas assolaram toda região.
Após a Primeira Grande Guerra, o Brasil encaminhou-se,
mimeticamente, para o investimento no mercado nacional. Já com o
ditador Getúlio Vargas havia pensado alternativas para explorar o
potencial da região norte do país. Esta intenção será concretizada anos
depois, em 1957, com a aprovação da Zona Franca de Manaus, projeto
feito pelo parlamentar Francisco Pereira da Silva. Sobre esta estratégia
econômica do governo federal e estadual, Souza (1977) recorre à citação
substanciosa de Araújo Lima em sua obra Amazônia, a terra e o homem para
afirmar que:

a faina nefasta da devastação, através da qual se processou no


Amazonas a obra talvez mais vultuosa da economia destrutiva
sobre a terra, ergueu-se um sistema de trabalho defeituoso e
falho, dos alicerces ao vértice comprometedor da economia, da
produção, da grandeza e da liberdade daquela gente valorosa, que,
sem recursos nem orientação, empreendeu a tarefa ciclópica de
penetrar, desbravar e domar os sertões amazônicos (LIMA apud
SOUZA, 1977: 148).

Uma tal “tarefa ciclópica” pensada e decidida pelos altos cargos


estaduais e federal, porém, executados pelos “piões” interioranos. O
fenômeno da migração interna, do interior para a capital, fez de Manaus
um ponto de recebimento dessas ondas migratórias. Será no “ciclo da
Zona Franca” que o processo de perda de identidade será consolidado
como um projeto político-econômico; em outras palavras: abre-se mão
daquilo que nos faz “selvagens” para exaurirmos as possibilidades de nos
desenvolver em cenário internacional, acompanhando a onda capitalista
de integração com o mundus econômico por ora manipulado pelos filhos
legítimos da velha Europa.
O processo de globalização na Amazônia mostra-se como uma faca
de dois gumes: de um lado, este fenômeno interliga realidades
equidistantes; de outro, este processo, na região amazônica,
homogeneizou culturas. Este processo se revela como um perigo para a

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 599

vivência de nossas culturas autóctones que têm lutado por espaços. A


globalização impõe uma uniformização dos elementos culturais, agora
tratadas como seguimentos sociais de grande teor exótico. Em se
tratando esta exotização das culturas presentes na Amazônia, Soranz
acena:

Nessa “geografia do exótico” na qual a Amazônia está incluída,


cabe não somente a pré-concepção imaginária e negativa, mas
também o que podemos considerar uma autoexotização. Por sua
vez, essa parece ter duas condições: primeiro pode ser fruto da
mentalidade colonizada, ingênua, refletida em simulacros da
representação hegemônica, reverberando as práticas colonialistas
na esfera local; ou pode ser fruto das práticas críticas e reflexivas,
que buscam lançar um novo olhar para o discurso oficial
preponderante, reinventando sua história, em práticas artísticas e
socioculturais relevantes (2010: 136).

Aqui se centra o ponto fulcral de nossa análise sobre o impacto


cultural no “ciclo da Zona Franca”. Assim como Soranz (2010) e outros
autores, acreditamos que o genocídio cultural que veem sistematicamente
acontecendo no Amazonas é fruto de uma globalização de cunho
intencional explorador. Como já indicamos, a estrutura de ideias as quais
determinam o rumo da região inicia-se no processo de exotização
conferindo tons de inferioridade às diversas culturas amazônicas, uma
certa visão de primitivismo que se instala na região, tanto pelos que
impõem esta ideologia, quanto pelos que reproduzem tal. Justifica-se,
portanto, o bom sucesso da ideia do “desenvolvimento”.
Já na década de 1960, na América Latina, viam-se os limites da teoria
desenvolvimentista. Esta afirmava que os países subdesenvolvidos
sairiam de sua condição precária tão-somente quando alcançassem um
nível aceitável de industrialização. O que não deu certo, uma vez que
estes países não possuíam capital financeiro suficiente para ingressar no
sistema industrial adequado, e por isso, ao tentarem superar esta
condição endividavam-se com as nações desenvolvidas. Surge então,
uma linha teórica chamada teoria da dependência, a qual criticava
radicalmente a falácia desenvolvimentista instalada na América Latina.
Duas categorias são chaves para esta linha sócio-filosófica: a análise de

Soeitxawe
600 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

conjuntura da dependência das nações latino-americanas, conquistada


pela hegemonia da ideia de desenvolvimento. No caso do Amazonas,
poder-se-ia aplicar a mesma lógica das críticas a partir desta abordagem.
Neste sentido, Pinto (2008), tratando das contribuições de Djalma
Batista na crítica feita ao processo de subdesenvolvimento em sua obra
O Complexo da Amazônia: análise do processo de desenvolvimento,
comentará que “o nosso atraso não deve ser atribuído a fatores como o
isolamento espacial, o clima e a natureza hostil à civilização e ao
progresso, como habitualmente tem acontecido, mesmo na percepção de
estudiosos e conhecedores notáveis”, e continuará afirmando:

A razão principal do atraso e do subdesenvolvimento é


fundamentalmente de ordem cultural e social. Os métodos de
ocupação e exploração adotados nos diferentes ciclos predatórios
e destrutivos não apenas em relação aos recursos naturais, mas
sobretudo em relação à diversidade sociocultural representada
pela existência de múltiplas etnias originais, que apesar de terem
sido fundamentais – através de seu conhecimento da região –
para o estabelecimento da colônia, não eram reconhecidas como
sujeitos culturais do processo, mas submetidas à condição de
mão-de-obra escrava ou submetidas de algum modo (PINTO,
2008: 217).

Esta crítica a partir da dependência cultural pode ser verificada na


atual conjuntura da cidade de Manaus, principalmente no que tange às
estruturas mantenedoras da Zona Franca. Desde sua instalação na capital
do Amazonas, este grande parque industrial tem atraído muitos
interioranos a tentarem uma vaga entre as mais de 300 empresas que
constituem este polo industrial. Em contrapartida, Manaus torna-se cada
vez mais uma metrópole homogênea, em que há uma cultura
determinada segundo a qual os migrantes deverão aderir caso queiram
permanecer dentro da máquina citadina. Abrindo mão dos elementos e
traços de sua cultura própria os indivíduos que chegam e se instalam na
capital amazonense deverão adequar-se à vida urbana que sempre será
uma possibilidade de acúmulo de capital. Por isso, é emergente que se
busque entender as causas do processo de perda da identidade. Para
tanto, elencaremos os três elementos principais, os quais se mostram

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 601

como elementos chaves para entendermos como se dá esse processo,


para podermos traçar um princípio que contribua para a solidificação das
raízes culturais.
O primeiro diz respeito à inserção do sistema econômico-político.
Como víamos no primeiro ciclo, o da colonização, os autóctones
colonizados foram inseridos dentro dum outro sistema de vida,
caracterizado pela regência da vida cotidiana (Lebenswelt de Dussel, 1994)
a partir de interesses políticos, evidenciados nas decisões operadas
sempre de fora da região, como por exemplo, a Coroa Portuguesa, a
República e o Estado de direito nacional. Atualmente isto se mostra em
outros matizes, porém, com a mesma estrutura. Os grandes projetos de
interesses econômicos são garantidos pela política local, claramente
demonstrada nas tentativas de prolongamento da Zona Franca de
Manaus. O conjunto de ideias que se propagam pelos meios de
comunicação, e nas escolas pela educação manipulada, faz crer que a
capital do Amazonas mais do que uma cidade calorosa é um polo
gerador de emprego (o que garante a subsistência no capitalismo
selvagem) e do direito (garantida pela política centralizada e colonial).
De fato, a manipulação político-econômica do homem amazonense
arrasta-o para o centro do mundo produtivo do Estado, a Manaus da
Zona Franca, sempre em busca de melhoria das condições de vida.
Desde as 1957, ano de implantação legal da Zona Franca de Manaus, a
cidade vem recebendo grandes ondas migratórias que transbordam a
massa interiorana para a periferia da cidade. Crescem as invasões e
aumenta a desorganização urbana fazendo da capital do Amazonas uma
das cidades mais desorganizadas urbanamente. Isto nos leva
compreender o segundo elemento que potencializa a perda da
identidade, o qual consiste na fragmentada educação recebida tanto no
interior quanto na capital.
A educação técnica que cada vez se consolida nos municípios de
pequeno porte são vozes que denunciam a ideologia de governantes
intencionalmente organizados. Exemplo disto é a experiência que tem se
alastrado nos rincões do Amazonas chamada de Ensino Tecnológico.
Um lamentável programa de educação que se equipara aos sistemas
educacionais de nações com baixo Índice de Desenvolvimento Humano.
Ensina-se a codificar e a reproduzir no papel letras distantes da realidade.

Soeitxawe
602 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

A tão sonhada educação para emancipação e libertação do povo


oprimido, formulada pelo filósofo Paulo Freire parece ter encontrado,
no Amazonas, uma grande barreira perversa que lhe pinta a cara com
maquiagens ideológicas. Manaus não representa, para os outros
municípios do Estado, apenas uma cidade comercial e industrializada,
mas um polo de educação e qualificação profissional. Eis aí um elemento
a mais para o agravamento do “inchaço” urbano na cidade. Hoje, a cidade
manauara é posto obrigatório para quem deseja uma melhoria
educacional. Sediando faculdades privadas e públicas, oferecendo cursos
técnicos e profissionalizantes, a capital do Estado é um atrativo aos
olhos de quem pretende superar sua condição de quase miséria e
estagnação, situações cotidianas nos municípios interioranos.
Por fim, o terceiro elemento diz respeito ao preconceito cultural já
mencionado anteriormente. O que queremos enfatizar com isto é que
Manaus, como polo industrial e educacional, é regida por leis
etnocêntricas, em outras palavras: não há espaço suficientemente
dispostos para as outras culturas que se transferem para a cidade.
Embora isto seja, na prática, circundado pelos grupos de resistência e
seguimentos sociais que tem buscado resgatar a cultura autóctone e
cabocla mesmo estando na cidade. Para nível de ilustração, basta-nos
verificar os grandes bairros periféricos da cidade para encontrarmos
elementos interioranos e indígenas sendo vivenciados no cotidiano dos
moradores, como por exemplo, na festa da padroeira da Igreja Católica
do Puraquequara chamada Mãe dos Pobres é evidente que a tradição do
mastro que lá é levantado não é elemento de uma cidade grande, mas
está presente na maioria dos municípios menores do interior.
Isto leva-nos a concluir que o elemento cultural, ao contrário do
elemento econômico e educacional, é a principal maneira do povo
resistir aos impactos da globalização que atinge de cheio o homem
manauara e de toda a região do Amazonas. Por isso, cada vez mais
pesquisas são feitas a fim de caracterizar elementos de uma cultura
propriamente amazonense, e em nosso caso, a cidade de Manaus.

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 603

3 - Elementos de uma verdadeira identidade amazonense

A cultura é uma construção peculiarmente do homem. Edificada


através do diálogo entre as pessoas do mesmo grupo. Essa interação
social é levantada gradativamente através de símbolos e significados que
tem sentido a essas pessoas, e são compartilhados entre elas. A
construção de uma cultura está repleta de elementos e significados que
vão identificar uma pessoa ou grupo como pertencente a uma
determinada comunidade ou região, diferenciando-os de outras
conformidades, surge assim, a identidade cultural.
É fato, que não se deve viver do passado, porque se vive realmente
do presente, buscando um adequado futuro. Todavia, para se
compreender as mudanças pelas quais a cultura de um povo tem e vem
passado no decorrer dos tempos, se faz necessário reconhecer como era
antes, ou melhor, no início de sua constituição. Não desejamos aqui
propagar o isolamento cultural, isso jamais. Ao contrário, o individuo
deve estar aberto e receptível ao novo, pois é de sua natureza a ânsia de
conhecimento. Deve-se conhecer e experimentar as outras culturas como
forma de valorizar a diversidade cultural dos povos e como
enriquecimento cultural e de conhecimento intelectual e humano.
Buscamos enfatizar aqui, que o homem deve primeiramente conhecer
a história da própria cultura e priorizá-la, saber como se deu a edificação
e como foi o processo de evolução e desenvolvimento da mesma. Só
então, recomendamos que vá conhecer e vivenciar outras culturas. Uma
vez que, conhecendo a própria cultura, o individuo compreenderá a
importância de mantê-la viva na memória e na vida, protegendo-a e
valorizando-a como forma de defender o que se é suas especialidades e
identidade.
A identidade do homem amazonense é fruto da mistura de sujeitos
sociais distintos, ameríndios tanto da várzea como da terra firme, negros,
nordestinos e europeus de diversas nacionalidades (portugueses,
espanhóis, holandeses, franceses etc.), que inauguram novas e singulares
formas de organização social no território amazônico. Essa alteração na
composição étnica da região fez surgir não só novos tipos sociais, frutos
da mistura social, cultural e racial, mas também um novo estilo de vida.
Embora tenha havido diversas tentativas de eliminar ou esconjurar

Soeitxawe
604 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

qualquer traço da cultura e modo de vida indígena, predominante nesta


localidade amazônica, de um modo inflexível e avassalador, o resultado
não foi plenamente alcançado e não teve o êxito esperado. O ser
amazonense permanece imbuído da identidade dos nossos mais antigos
ancestrais.
Percebe-se, a partir dos presentes fatos, a seriedade de se conhecer e
aceitar (valorizar) as raízes da própria cultura indígena e cabocla para que
haja uma afirmação de identidade, na finalidade de se determinar
enquanto cidadão seu ser pertencente a uma tradição e que sabe situar-se
na sociedade moderna. Visto como Hall (2005: 8) nos afirma em seu
livro que “é escrito a partir de uma posição basicamente simpática á
afirmação de que as identidades modernas estão sendo ‘descentradas’,
isto é, deslocadas ou fragmentadas”. É perante o fato dessa
fragmentação atual do ser moderno, que buscamos apresentar através de
três elementos - ecologia, ecosofia e ecofilia - que afirmem, de modo
particular a identidade do amazonense que é um povo conhecido como
caboclo, ribeirinho, caboclo-ribeirinho, seringueiro. Um povo de garra
por etnia e tradição.

3.1 - Ecologia

O termo ecologia foi criado em 1866 pelo biólogo e zoólogo alemão


Ernst Haeckel (1834-1919), um dos maiores discípulos de Charles
Darwin. Deriva de duas palavras gregas: oikos (casa) e logos (ciência).
Associado ao meio ambiente refere-se a ele como a "casa dos seres vivos".
As pesquisas sobre o assunto, no entanto, remontam à Antiguidade. O
grego Teofrasto, seguidor do filósofo Aristóteles, foi o primeiro a
observar e descrever as relações dos organismos entre si e com o meio
que os cerca. Por isso é considerado o primeiro ecologista da história.
A compreensão da ecologia apresenta-se atualmente como sendo
somente um processo de gerenciamento de recursos escassos da Terra.
Ao contrario, podemos concebê-la como um método original ou um
novo exemplo de comportamento dos seres humanos frente à sua
relação com a natureza, aos ecossistemas e aos mais diversos seres nela
existentes. A incumbência do ser humano não é mais de ficar sobre as

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 605

coisas pertencentes aos ecossistemas, como somente um dominador e


manipulador unicamente de tais recursos. Mas ao contrario, de
permanecer ao seu lado, cuidando delas, se relacionando com a mesma,
pois ele é parte responsável da imensa comunidade terrena e cósmica.
Atualmente a ecologia tornou-se o contexto de todos os problemas,
uma vez que em tudo urge análise sobre o impacto ambiental, a
qualidade de vida, a sustentabilidade da natureza, das sociedades e das
pessoas e a garantia de um futuro saudável. Como isso, essa questão
ecológica vem se apresentando como um novo paradigma dos homens
contemporâneos, quer dizer, que uma nova forma de organizar o
conjunto das relações dos seres humanos entre si, com a natureza e com
a fonte originária de onde emana todo o universo.
Como nos é afirmado por Boff (1996) em seu livro Ecologia: grito da
terra, grito dos pobres,

A ecologia, [...], engloba e articula os saberes atuais, funda uma


nova centralidade nas práticas e no pensamento humano e
propicia a gestação de uma nova aliança do ser humano para com
a realidade circundante social, terrenal e cósmica. Por isso,
pensamos que é a partir dela que se constrói a nova cosmologia
em forma de cosmogênese. [...] A ecologia nos ensinou a ver a
unidade do processo cósmico, desde o big-bang até o aparecimento
da bossa-nova ou do computador, e a perceber que a natureza
não é algo apenas fora, mas especialmente dentro do ser humano
(BOFF, 1996: 71-2).

Este autor como tantos outros buscam ressaltar que a consciência é a


forma mais alta da vida. Visto como, sendo portadora de um lugar
dentro do universo e tendo como essência uma totalidade permanente e
indivisível, ou seja, uma unidade coerente que resulta do conjunto das
relações que um ponto estabelece com tudo o que está ao seu redor, que
vem do passado e que se anuncia para o futuro. Criando com isso uma
ética ecológica do homem para com todos os demais seres, fundando
uma nova religação do individuo com seu meio ambiente, já não mais
com a percepção de dominador e dominados, e sim como
correlacionados. É esta consciência de cuidado com a casa, que o homem

Soeitxawe
606 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

um ser de reponsabilidade, deve sempre buscar manter com suas origens,


como compromisso de firmar o que lhe é próprio.

3.2 - Ecosofia

Outro elemento que se apresenta como elemento incremente para um


princípio de solidificação das raízes culturais é a assim chamada ecosofia,
da união das terminologias oikos (casa) e sophia (saber, sabedoria), isto é,
sabedoria a partir da casa. Muito embora, hoje assuma o conceito da
proximidade entre atitudes ecológicas com o pensamento abstrato
humano, em outras, palavras, sabedoria ecológica. Tendo sido cunhado
por Arne Naes, o conceito de ecosofia pela sua práxis, atualmente tem
adotado o compromisso de pensar o ser humano em toda sua
integralidade que está interligada a todos os ecossistemas; por isso
mesmo é que deve-se o quanto antes, revalorizar o natural –
dessacralizado pela Modernidade tecnicista e capitalista – e os valores
ligados à terra, garantindo a integridade dos ecossistemas. Assim como
outras linhas pós-modernas a ecosofia emerge como crítica direta ao
modelo de cosmovisão inaugurado nos séculos XVI e XVII e que se
estendem até nossos dias.
Mas como entender a contribuição do elemento ecosófico para nossa
temática? Há uma ecosofia amazônica? De fato, notar-se-ia que
categoricamente no ethos cultural amazônico o entendimento de ecosofia
como é abordada diuturnamente, o que não exclui que exista a
compreensão ecosófica no mundo intencional dos povos amazônicos,
como o é evidente na compreensão tukana ou kanamari, para elencar
algumas etnias, da humanidade como mais um fio na teia da vida. Ao
passo disso, tomemos as contribuições de Maffesoli (2010) para esta
discussão.
Para o autor citado, há na Natureza uma afirmativa, uma aceitação
daquilo que ela é, isto é, a aceitação de sua dimensão trágica, que não é
negação (como para a lógica instrumental), pecado ou mal (para os
religiosos), ou mesmo imperfeição (segundo o progresso). Essa natureza
trágica garante à própria Natureza a permanência de seu vigor, de sua

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 607

selvageria, e que lhe confere ainda a possibilidade uma vitalidade ímpar,


assim, essa tragicidade,

é uma forma de concordância com o ser do mundo em sua


realidade múltipla. Não mais o Progresso, explicando a
imperfeição, alisando as dobras do ser, mas o progressivo
implicando-o. Quer dizer, aceitando suas dobras. Um sim, apesar
de tudo àquilo que é. É esse o fundamento, inconsciente, da
sensibilidade ecológica. Aceitação das voltas e desvios, dos
labirintos e dos corredores mal iluminados de todos os cômodos
sombrios e desordenados da casa (oikos) individual ou
comunitária (MAFFESOLI, 2010: 63).

Na Amazônia, os diversos povos e etnias vivem a integralidade


ecossistêmica basicamente em três esferas: a realidade material, expressa
nas relações da natureza consigo mesma (natureza trágica de Maffesoli),
e em uma delas encontra-se a humanidade com suas relações econômicas
e políticas internas e externas (visão do homem como parte de um
ecossistema), o que na cultura ocidental equivaleria às relações sociais de
civilização; a esfera da realidade ética, evidenciada na cosmovisão regida
pelos códigos éticos de relação do indivíduo consigo mesmo, com o
ambiente material e com a realidade transcendental; e por fim, a realidade
espiritual, esta desdobra-se exteriormente como rituais e crenças
condensadas a partir de uma certa vivência interior comunitária, e poder-
se-ia dizer que esta abrange todas as outras realidades, uma vez que há
espíritos na matéria remetendo-a a um sempre recontato com esta
realidade espiritual, o que também é encontrado na realidade ética que
muitas vezes é regida por princípios espirituais, que não equivale à ascese
cristã, mas como práxis.
Aí encontra-se a sensibilidade ecológica mencionada por Maffesoli
(2010) que se expressa a partir de uma nova lógica, ou melhor, de um
novo paradigma a que chama razão sensível, que está presente no mundo
intencional amazônico como a própria sensibilidade ecológica que
garante uma práxis comunitária em vista da integralidade dos
ecossistemas, da preservação da biodiversidade e a manutenção dos
sistemas que sustêm a vida planetária. Fato este visto como mera

Soeitxawe
608 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

possibilidade para a racionalidade instrumental moderna que, no entanto,


é realidade segundo a razão sensível que,

baseia-se não mais na representação, mas, sim, na imaginação


criadora em que a experiência unificadora reencontra uma força e
um vigor renovados. A natureza, então, não é mais um objeto
inerte a representar e, depois, a explorar, mas sim uma surrealidade
vivente. Aqui estamos no cerne da solidariedade orgânica própria
da sensibilidade ecológica (MAFFESOLI, 2010, p. 80).

Assim, a ecosofia amazônica pode ser considerada um elemento de


solidificação das raízes culturais nesta região peculiar do planeta.
Ecosofia arraigada sobre o princípio do bem viver dos povos indígenas
andinos, os quais pensam, sentem e refletem segundo sua sensibilidade
ecológica – a razão sensível de Maffesoli (2010).

3.1 - Ecofilia

A ecofilia é compreendida primordialmente como o uso responsável e


de conservação do meio ambiente. Uma demonstração de amor pelo que
é peculiar da casa. É a ação de pensar ou imaginar diferentes formas de
viver e experimentar a vida, tudo ao seu redor com uma relação filial, o
mundo é visto, logo como uma prosa, um poema de vida usando tons
diferentes para representar e demonstrar esse amor.
A ecofilia proposta aqui é o cuidado e conservação do ambiente
natural como levando o amor de casa, que se pode projetar por meio de
práticas ecofílicas, o que significa tomar uma posição filosófica, tendo
em vista o ambiente em que vivemos, que é a Terra – em particular essa
bela Amazônia – juntamente com outros seres, que envolvem a
dimensão espiritual e planetária, e que promove uma profunda mudança
na visão de mundo, onde não há uma ideologia especial ou limitada,
porém ideologias diferentes podem e devem se unir para trabalhar na
busca de beneficiar, deste modo, melhorar o meio ambiente em que se
vive, seja no âmbito científico, emocional, prático e espiritual.
Buscamos ressaltar essa questão da ecofilia de um modo ainda mais
destacado a reafirmar que é esse um dos principais caminhos perante as

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 609

diversas práticas para a conservação e cuidado da natureza. Uma das


raízes desse termo é philia, que significa amizade, para que se refere ao
passatempo, simpatia ou amor por alguma coisa. As pessoas que amam
buscam reter e estão convencidos de que o que eles gostam é amável,
por isso se aplicar as estratégias de conservação. E uma mudança
ideológica que incide em avaliar a qualidade de vida, que ele considera
como vivendo em situações de valor inerente, ou seja, o bem-estar e o
florescimento da vida humana e de outros seres na/da terra têm valor
em si mesmos. A terra não pertence aos seres humanos, por isso deve-se
lutar diante à arrogância que prevalece nas sociedades industriais, que
para eles não existe o outro, pois são demasiadamente egocêntricos. A
ecofilia pode até ser tomada como apenas um ingrediente, para aqueles
dispostos a levá-la para cima e integrá-la como parte de suas vidas
pessoais e profissionais, mas é de grande importância como um elemento
para se firmar uma verdadeira identidade. Por isso, alguns pensadores
afirmam que a ECOFILIA é uma escola de vida, já que se procura
apresentar como uma proposta para o cuidado e conservação do meio
ambiente natural, a partir da mudança na perspectiva da globalização e
mundialização.
Em suma os três elementos primordiais aqui apresentados: Ecologia=
conhecimento da casa; Ecosofia= cuidado da casa; Ecofilia= amor pela
casa. Tem por objetivo apresentar como proposta elementos para
combater essa demasiada perda de identidade ocorrida em demanda aqui
no Amazonas e em particular com as pessoas que vem se estabelecer na
cidade de Manaus. Acreditamos que essas categorias poderão contribuir
para o fortalecimento da diversidade cultural, pois, quando cuido da casa
consecutivamente busco melhor conhecê-la e esse aprofundar em
conhecimento me gera amor peculiar pelo que me pertence.

Considerações Finais

Nosso trabalho buscou encontrar na história do Amazonas os


principais momentos do processo de perda da identidade da região,
principalmente da cidade de Manaus como nosso locus de pesquisa.
Partindo do conceito de identidade cultural, pretendíamos reler

Soeitxawe
610 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

indicativamente o processo histórico amazonense no qual encontramos


os elementos que nos ajudaram a identificar como se dá o processo de
perda de identidade nessa parte da região norte.
Com essas ondas migratórias, desde o colonialismo até o “ciclo Zona
Franca”, a cidade de Manaus incha e acaba transbordando para a
periferia mais massas de pessoas pouco preparadas e nível de formação
baixa, característica da educação interiorana; com o sonho de melhoria
de vida e de uma instabilidade financeira que a ideologia político-
econômica do Estado incute na mente e nas intenções dos habitantes
interioranos. Para cada ciclo encontramos um impacto que ajuda no
processo de perda da identidade: no “ciclo colonial” o autóctone vive a
fragmentação de sua cultura, a obrigação de uma vida colonial de
dominação e exploração, marca do DNA da região amazônica dentro da
história mundial; no “ciclo da borracha” o impacto ao ambiente agravou
não a relação entre homem e natureza, posto que o caboclo, resultado da
união do branco colonizador com a índia colonizada, é obrigado a viver
o ideal de uma natureza como matéria prima, assim foi a ocorrência do
esfacelamento da relação ecológica que os autóctones do Vale
Amazônico sempre preservaram.
O “ciclo da Zona Franca de Manaus”, ainda atual, trouxe o impacto
cultural com a globalização. Não buscamos demonizar a globalizando,
pois esta é um fenômeno positivo quando a serviço dos excluídos de
uma modernidade falsa. A estrutura identitária da cultura amazonense,
carcomida pelas intenções político-econômicas, recebeu o cheque a partir
de 1957, e está moribunda esperando o cheque mate. Se no processo de
colonização o genocídio de muitos povos foi um fato de mera
contabilidade, tratado como eliminação do obstáculo para o progresso da
região, atualmente, no Amazonas, o etnocídio é uma realidade mais cruel,
posto que vem devorando aos poucos os pequenos grupos de
resistências étnicas presentes na cidade de Manaus.
Assim sendo, o caminho para um princípio de solidificação das raízes
culturais do Amazonas nasce da análise crítica das ideias que estão no
constructo intencional da realidade amazonense, bem como de toda a
região amazônica. Apontamos para isso três elementos presentes antes
dos impactos sofridos na Amazônia, isto é, antes da invasão
colonizadora. Estes elementos ajudam a construir uma nova

Soeitxawe
Perda da identidade cultural 611

arquitetônica cultural com a recuperação de traços ora esquecidos, ora


trancados dentro de cada consciência coletiva. É inegável que o
restabelecimento de uma relação ecológica é o início da retomada
cultural e do fortalecimento das diversas culturas étnicas presentes no
Amazonas, esta relação é expressa na convivência harmoniosa com uma
natureza que se refaz à medida que é cuidada. O elemento ecológico
mostra a necessidade de proximidade do homus (homem) com a pacha
(terra), relação material entre matéria concentrada e matéria espiritual.
Outro elemento indispensável diante do processo de solidificação das
raízes culturais é o ecosófico. Uma discussão ainda emergente no cenário
epistemológico mundial, mas que na Amazônia recebe outro nome:
etnociência. O conhecimento tradicional presente nas culturas indígenas
nos ajudam não somente a pensar em categorias cognitivas, mas naquilo
que Maffesoli (2010) chama de razão sensível, que é justamente um
conhecimento atrelado à sensibilidade ecológica, a relação cognitiva com
a realidade circundante. Por fim, o último elemento que encontramos foi
a ecofilia, que também é uma nova abordagem constituída da relação
amorosa com o ecossistema. Relação amorosa que não se confunde com
sentimentalismo naturalista, mas amoroso porque possui respeito,
diálogo, com o ecossistema porquanto o homem faz parte de uma
grande comunidade cósmica. Portanto, caberá a esta geração e as
seguintes iniciar esta nova arquitetônica para não acabarmos
ocasionando um apocalipse sem antes termos tentado participar da
gênese como uma realidade na qual se cria novos homens,
conhecimentos e uma nova relação com a natureza.

Soeitxawe
612 Alef B. Pinto, Alex Mota, Edinei Lima & Antonio E. F. Romero

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pobres. 2 ed. São Paulo: Ártica, 1996.
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DUSSEL, Enrique. 1492 El encubrimiento del Otro: hacia a origen del
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San Andrés, 1998 (Colección Academia – Numero uno).
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SOUZA, Márcio. A expressão amazonense: do colonialismo ao
neocolonialismo. São Paulo: Alfa-Ômega. 1977.

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação
de atores na cadeia extrativa da castanha-da-amazonia em
Rondônia

Eslei Reis

Resumo: Dados do SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática reve-


laram que no ano de 2011 foram coletadas no estado de Rondônia aproxima-
damente 3.500 toneladas de castanha-da-amazônia gerando um negócio de
aproximadamente sete milhões de reais destacando-se como um dos principais
PFNM (Produtos Florestais Não Madeiráveis) disponíveis e explorados no
estado. De tal forma que a coleta desta matéria-prima tem sido uma das manei-
ras encontradas para complementar a renda em muitas comunidades tradicio-
nais. No caso dos povos indígenas a comercialização da castanha representa
uma das principais fontes de renda. Contudo, deve-se considerar a existência de
outros atores envolvidos neste cenário, como indústrias de beneficiamento e
organizações não governamentais que se instalaram nesta região, considerando
ainda que os participantes deste processo podem se relacionar por várias razões
e de várias maneiras, acredita-se que uma destas razões seja em função do co-
mércio da castanha. Este cenário motivou o interesse em se verificar a posição
das associações indígenas envolvidas na rede originada a partir da cadeia extrati-
vista da castanha-da-amazônia na região de Ji-Paraná – RO. Para tal, foi utilizada
a Teoria de Redes Sociais possibilitando duas abordagens: a estrutural e a relaci-
onal. Os achados desta pesquisa podem, além do próprio mapeamento dos
atores, levar a uma série de novas pesquisas envolvendo temas como estratégia,
difusão e inovação, governança dentre vários outros.
Palavras-chave: Extrativismo; Castanha-da-Amazônia; Análise de Redes Soci-
ais; Rondônia.

Abstract: Data from SIDRA–Sistema IBGE de RecuperaçãoAutomática re-


vealed that in 2011 were collected in the State of Rondônia approximately 3,500
tonnes of amazon chestnut generating a business of approximately seven million
dollars standing out as one of the main PFNM (Forest Products Non-Timber)
available and exploited in the state. So that the collection of this raw material
has been one of the ways found to supplement the income in many traditional
communities. In the case of indigenous peoples to marketing chestnut is a major
source of income. However, one must consider the existence of other actors
614 Eslei Reis

involved in this scenario, as processing industries and non-governmental organi-


zations which settled in this region, also considering that the participants of this
process can relate to various reasons and in various ways, it is believed that one
of these reasons is due to the trade chestnut. This scenario motivated the inter-
est in verifying the position of indigenous associations involved in the network
originated from the extractive chain-chestnut Amazon in Ji-Parana region - RO.
To this end, we used the Theory of Social Networks allowing two approaches:
the structural and relational. The findings of this research can, in addition to
own mapping of the actors, lead to a number of new research involving topics
such as strategy, dissemination and innovation, governance among many others.
Keywords: Extraction; Chestnut-the-Amazon; Social Network Analysis; Ron-
donia.

Introdução

A castanha-da-amazônia, também conhecida como castanha-do-pará,


castanha-do-maranhão e castanha-do-brasil ocorre em praticamente toda
Amazônia brasileira e países que fazem fronteira com os estados da regi-
ão Norte do País. A castanha-da-amazônia vem sendo comercialmente
explorada desde o século XVII, entretanto com o declínio da economia
da borracha, no início do século XX sua exploração se torna uma alter-
nativa de renda para os povos da floresta, passando a integrar efetiva-
mente a economia amazônica (FILOCREÃO, 2008).
Rondônia ocupa a quarta posição entre os estados coletores da casta-
nha-da-amazônia e de acordo com a Base de Dados SIDRA do IBGE
(2013), no ano de 2011 foram coletadas no Estado de Rondônia aproxi-
madamente 3.500 toneladas de castanha com casca gerando em média
sete milhões de reais se destacando como um dos principais PFNM dis-
poníveis e explorados no Estado. Souza Filho, et. al. (2011) relatam que
o extrativismo da castanha em solo rondoniense basicamente se resume
em quatro regiões: A Região do Baixo Madeira, Região de Machadinho
do Oeste, Região Central do Estado e Região de Costa Marques.
Ainda com base nas informações obtidas na Base de Dados SIDRA,
verificou-se que na região central rondoniense a localidade que apresen-
tou maior produção foi Ji-Paraná, totalizando no último levantamento
cerca de 40 toneladas/ano de castanha-da-amazônia, entretanto se so-

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 615

marmos a produção dos municípios vizinhos este valor pode dobrar.


Nesta região a castanha-da-amazônia, é coletada por pequenos produto-
res rurais, coletores isolados e associações extrativistas indígenas, SOU-
ZA FILHO, et. al. (2011).
Assim, os indígenas, em especial os da região central rondoniense,
apresentam-se como atores intrínsecos ao contexto extrativista da casta-
nha. Contudo, deve-se considerar a existência de outros atores envolvi-
dos neste cenário, como indústrias de beneficiamento, varejistas locais e
organizações não governamentais que se instalaram nesta região, consi-
derando ainda que os participantes deste processo podem se relacionar
por várias razões e de várias maneiras, acredita-se que uma destas razões
seja em função do comércio da castanha.
Diante disso, é possível afirmar que as redes originadas a partir do
negócio da castanha nas florestas do interior rondoniense surgem como
um processo natural e espontâneo onde os atores estabelecem entre si
conexões em virtude do alto grau de incerteza estratégica, tecnológica e
operacional levando os mesmos a compartilharem recursos como res-
posta as adversidades impostas pelos reflexos da globalização (PECI,
CASTELLS, 1999; SMITH-DOER e POWELL, 2003). Vershoore Filho
(2006) complementa que a formação de redes surge como uma alternati-
va para lidar com a complexidade econômica atual especialmente para
empresas de menor porte.
Sacomano Neto e Truzzi (2010) afirmam que no campo dos estudos
organizacionais as redes podem ser vistas sob duas abordagens: a primei-
ra tem uma visão multidisciplinar e prescritiva, concebendo redes como
forma de governar as relações entre os atores econômicos. A segunda
tem foco nas relações sociais e organizacionais, tanto internas como
externamente, assim a rede é utilizada como base analítica de tais rela-
ções. Na abordagem analítica, os atores ocupam posições estruturais em
relação a outros atores e estabelecem canais e relações, pelos quais fluem
bens, serviços, recursos e informações.
A abordagem analítica pode ser divida em dois níveis: estrutural,
quando se refere a posição do ator na rede em sua totalidade e relacional
ao abordar as relações entre os atores, permitindo compreender a in-
fluência de certos atores nas atividades, nos recursos, na coordenação, no

Soeitxawe
616 Eslei Reis

fluxo de conhecimento, no desempenho e no comportamento estratégi-


co de outros atores da rede.
Uma das maneiras possíveis de se verificar esta posição é com o auxí-
lio da análise de redes sociais, cuja finalidade de acordo com Wasserman
e Faust (1994) é delinear a condição de um ator na rede e da própria rede
de forma geral. Neste modelo de análise, o foco está nas relações estabe-
lecidas entre os atores na rede e não nos seus atributos individuais
(HANNEMAN e RIDDLE, 2005; WASSERMAN e FAUST, 1994).
Assim, mesmo sabendo das questões etnográficas que envolvem os po-
vos indígenas, foi observado somente a dimensão relacionamento com
base na posição que estes atores ocupam na rede da cadeia produtiva da
castanha na região de Ji-Paraná – RO.
Diante do exposto, deseja-se com auxílio da análise de redes sociais,
verificar quem são atores que atuam na cadeia extrativa da castanha-da-
amazônia na região de Ji-Paraná – RO, como se relacionam e finalmente
como está estruturada esta rede. Assim, esta pesquisa torna-se relevante
no sentido de permitir uma visão ampla da rede que envolve atores rela-
cionados à coleta, processamento e distribuição, entre outros.
Após um breve levantamento bibliográfico, tanto no portal de perió-
dicos da CAPES, quanto na base SCIELO, verificou-se que a grande
maioria das publicações que envolvem a castanha-da-amazônia estão
relacionadas a questões florestais ou a questões produtivas focando prin-
cipalmente em processos de produção, discutindo-se exaustivamente a
cadeia produtiva. Observou-se então que são raras as publicações que
envolvem diretamente os atores e principalmente como se relacionam
neste cenário.

Referencial Teórico

O extrativismo da castanha-da-amazônia em Rondônia

Entende-se por extrativismo o processo de exploração de recursos


naturais, sejam minerais, animais ou vegetais (MURRIETA e RUEDA,
1995). No século XV as expedições europeias encontraram na América
Latina um grande potencial extrativista, que se estendeu durante vários

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 617

anos. No caso do Brasil sua história está ligada ao extrativismo desde a


origem do próprio nome, devido a exploração do Pau-Brasil que durou
cerca de três séculos. Ainda de acordo com Murrieta e Rueda (1995) a
atividade extrativista tem sido uma constante na historia econômica bra-
sileira desde a colonização portuguesa caracterizada por ciclos extrativis-
tas, do pau-brasil ao ouro, da borracha ao petróleo.
Na década de 1970, o governo incentivou a colonização da Região
Norte, resultando em um grande movimento migratório de várias regiões
do país. O extrativismo por aniquilamento foi, sem dúvida, predominan-
te neste período. Porém, Matias (1997) ressalta que a exploração vegetal,
sobretudo de madeiras de lei, ocorreu nesta época como decorrência do
objetivo principal dos colonos: a ocupação de terras para formação de
pastagens e lavouras. Em meados dos anos 90 visando conter o extrati-
vismo por aniquilamento surgem as RESEX – Reservas Extrativistas,
com base na corrente que defende o extrativismo praticado pelas popu-
lações tradicionais, o qual se baseia em retirar da floresta os produtos
oferecidos por ela sem, no entanto, a necessidade de derrubar as árvores
(FACHINELLO, 2010), situação na qual se acredita ter motivado a as-
censão da castanha a partir deste período.
Entre os anos de 2008 a 2012 a produção acumulada de castanha-da-
amazônia em Rondônia foi de 11.086 toneladas. Os percentuais da média
acumulada dos principais produtores é apresentada no Gráfico 1.

Soeitxawe
618 Eslei Reis

Gráfico 1. Distribuição da produção da castanha em Rondônia.

3RUWR9HOKR52


*XDMDUi0LULP52



2XWURV0XQLFtSLRV
GDVUHJL}HV6XOH
&HQWUDOGR(VWDGR

Elaborado pelo autor (2014)

Como é possível observar no Gráfico acima no intervalo de quatro


anos, Porto Velho foi o município com maior produção, 1.300 toneladas
de castanha, Guajará-Mirim, embora tenha superado Porto Velho no ano
de 2011, teve uma produção média de 646,2 toneladas. Os demais muni-
cípios do interior rondoniense somados produziram em média 255,4
toneladas. O valor movimentado no decorrer deste período foi de
R$17.734.000,00 (dezessete milhões, setecentos e trinta e quatro mil
reais), perfazendo uma média de R$3.069.600,00 (três milhões, sessenta e
nove mil e seiscentos reais) a cada ano conforme verificado na Base de
Dados SIDRA do IBGE (2013).

Cadeia de produção extrativista da castanha-da-amazônia

Assim como outros PFNM a castanha-da-amazônia obedece a uma


rotina de procedimentos que vai desde o “ritual” da coleta até o consu-
mo humano ou utilização na indústria farmacêutica. Esta rotina, deno-
minada cadeia de produção, é um conceito bastante explorado e tem suas
origens na escola francesa, mais precisamente na análise de filière (BA-

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 619

TALHA e SILVA, 2001), sendo a principal base conceitual definida por


Morvan (1995) em síntese como uma sucessão de operações inerentes à
transformação de bens, gerando uma relação de complementaridade e
dependência entre os elos ao longo do processo.
Para Batalha e Silva (2001) sintetizam a cadeia produtiva em três ma-
crosseguimentos: produção de matérias-primas; industrialização e co-
mercialização. Além dos ambientes institucional e organizacional que
atuam no entorno da cadeia como ilustrado na Figura 1.

Figura 1. Macrosseguimentos da cadeia produtiva.

Elaborado pelo autor (2014)



Zylbersztajn (1995) acrescenta que as cadeias produtivas são opera-
ções organizadas verticalmente desde a produção à entrega de determi-
nado produto podendo ser coordenada pelo mercado ou pelos agentes
que a compõe. Para Batalha e Silva (2001) estes agentes permeiam a ca-
deia atuando nos ambientes políticos, socioculturais, tecnológicos, jurídi-
cos-legais e financeiros-econômicos, cujas ações interferem diretamente
no produto ao final da cadeia.

Soeitxawe
620 Eslei Reis

Recentemente, Meneguetti, Paes de Souza e Souza Filho (2013) pro-


puseram o esquema mostrado na Figura 2 para delimitar a cadeia extrati-
vista da castanha-da-amazônia no estado de Rondônia.

Figura 2. Delimitação da cadeia produtiva da castanha.

Elaborado pelo autor (2014)

É possível notar algumas diferenças em relação ao modelo anterior,


entretanto deve-se ressaltar que cada cadeia tem suas peculiaridades. O
primeiro modelo é importante para demonstrar o conceito de forma
ampla, já o segundo traz a especificidade da cadeia produtiva da casta-
nha-da-amazônia em Rondônia.

Redes e perspectivas de análise e índices

Rede pode ser definida como um conjunto de nós (atores) interliga-


dos por laços (relações) (WASSERMAN e FAUST, 1994; GULATI,
1998; BORGATTI e HALGIN, 2011). Tichy, Tuschman e Fombrun
(1979) complementam que a abordagem de rede não é recente e tem
origens tanto sociológicas quanto antropológicas. Provan, Fish e Sydow
(2007) destacam que as redes podem ser vistas sob a perspectiva em
nível de ator ou sob a perspectiva de análise em nível de rede. Smith-
Doerr e Powell (2003) afirmam que nas duas vertentes a visão de redes

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 621

tem como objetivo estudar a forma, o padrão ou motivo de relações


entre atores.
A possibilidade de análise dos relacionamentos, seus padrões e suas
implicações justificam o crescente interesse no estudo de redes por pes-
quisadores (WASSERMAN E FAUST, 1994; BORGATTI E HALGIN,
2011). Tichy, Tuschman e Fombrun (1979) acrescentam que a análise de
redes ao se preocupar com a estrutura e o padrão das relações, busca
identificar suas causas e consequências.
Na visão de Gulati (1998) é possível analisar redes sob duas perspec-
tivas, estrutural e relacional como mostrado no Quadro 1. Na primeira
destaca-se a posição ocupada pelo ator na rede e sua condição em rela-
ção ao todo, em outras palavras a possibilidade que os atores têm de
influenciar e serem influenciados na rede. A segunda foca na relação
ator-ator, na qual o entendimento é que as ações empreendidas pelos
atores estão vinculadas à intensidade do elo estabelecido entre eles.

Quadro 1. Perspectivas de análise de redes e características.


ASPECTOS
ENFOQUE NÍVEL DIMENSÃO AUTORES
AVALIADOS
Verifica a
proporção das
conexões Gnyawali e
existentes entre Madhavan
Estrutural Rede Densidade todos os atores (2001);
de uma rede e Wasserman e
a quantidade Faust(1994)
de conexões
possíveis.
Avalia
quantitativame
nte a Wasserman e
centralidade Faust (1994);
Estrutural Ator Centralidade dos atores em Scott (1996,
relação à rede. 2000) e
Pode indicar Freeman
liderança, (1979)
poder e status

Soeitxawe
622 Eslei Reis

de certos
atores de uma
rede.
Identifica
atores isolados
Relacional/ Falhas
Rede em uma rede, Burt (2000)
Estrutural estruturais
ou pontos de
desconexão.
Avalia a
Força dos intensidade das Granovetter
Relacional Conexão
laços conexões entre (1985)
os atores

Elaborado pelo autor (2014)



Provan, Fish e Sydow (2007) afirmam que a análise de uma rede sob a
perspectiva estrutural propicia uma compreensão do posicionamento dos
atores em determinada rede, ao passo que se observa a posição dos ato-
res em relação aos demais atores e suas conexões, a análise é realizada
com base no todo. Um dos objetivos desta análise é identificar possíveis
lideranças e poder na rede.
O propósito da perspectiva relacional é avaliar a intensidade dos laços
entre pares de atores, que se estabelecem por várias razões e com finali-
dades diversas como compartilhamento de recursos e informações, pa-
dronização de processos e até mesmo como forma de restringir a parti-
cipação de terceiros (GULATI, 1998; GULATI, NOHRIA e ZAHEER,
2000).
É importante destacar que tanto do ponto de vista relacional como
estrutural a análise de redes ocorre a partir de modelos sociométricos
sobre os quais são aplicados métodos estatísticos não probabilísticos de
análise fundamentados na Teoria dos Grafos Haythornthwaite (1996).

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 623

Índice de Densidade

Gnyawali e Madhavan (2001) destacam a densidade como elemento


principal para análises em nível de rede. Para os autores redes densas
impactam no comportamento e resultados dos atores, pois quanto maior
o volume de ligações, maior e mais rápido será o fluxo de recursos e
informações. Redes densas também podem ser vistas como sistemas
fechados caracterizando a relação de confiança, o compartilhamento de
normas e a padronização do comportamento entre os atores. Embora
essa medida seja importante para análise de rede, Scott (2000) alerta que
é uma medida problemática em redes que variam de tamanho e tipos de
relação.

Índices de Centralidade

Conforme Wasserman e Faust (1994) e Scott (1996) definição de cen-


tralidade foi inicialmente apresentada por Bavelas em 1950, baseado no
conceito sociométrico de “estrela” (SCOTT, 2000). O autor alerta para a
diferença entre ponto central e centralidade, pois o fato de o ponto estar
mais centralizado não implica que necessariamente tenha mais conexões.
Assim em termos de análise a centralidade pode ser definida como uma
medida que indica a quantidade de ligações diretas ou indiretas estabele-
cidas por determinados atores. Wasserman e Faust (1994) afirmam ainda
que a intensidade centralidade pode indicar o poder de influenciar outros
atores.
Para Gnyawali e Madhavan (2001) centralidade denota o posiciona-
mento estratégico que o ator ocupa em virtude da quantidade de laços.
Os autores verificaram que a alta centralidade leva a um maior volume de
transação de recursos e velocidade de transferência de informação, po-
dendo lhe conferir mais poder. Entretanto, os autores citados advertem
sobre duas consequências negativas do efeito da centralidade, a primeira
é a dependência dos demais atores em função da grande quantidade de
laços e a segunda é que cada laço pode ser uma rota de fuga. De acordo
com Wasserman e Faust (1994) a medição de centralidade pode ser afe-
rida a partir dos indicadores: grau, proximidade, intermediação.

Soeitxawe
624 Eslei Reis

Força dos laços

A teoria da força dos laços fracos defendida por Granovetter (1983)


argumenta que um indivíduo obtém informações novas ou primárias a
partir de laços fracos ao invés de laços fortes dentro da estrutura do
grupo de indivíduos. Examinando as pessoas que procuram um
emprego, Granovetter (1983) mostrou que havia dois tipos de relações
sociais: laços fracos e laços fortes.
A empatia, ou a força de um vínculo entre os atores em uma rede
poderia ser indicada e medida pela quantidade de tempo que a ligação foi
estabelecida, o grau de intensidade emocional, o grau de intimidade e
serviços recíprocos (Granovetter, 1983). A interação entre os indivíduos
cria oportunidades para a distribuição de conhecimentos e troca de
informações e é considerada crucial na construção de confiança entre os
indivíduos.

Metodologia

Esta pesquisa foi realizada com base na abordagem mista, uma vez
que a análise qualitativa será realizada a partir de dados quantificáveis
coletados pelo pesquisador. De acordo com Creswell (2008) a aborda-
gem mista é mais do que uma simples coleta e análise dos dois tipos de
dados; envolve também o uso das duas abordagens em conjunto, de
modo que a força geral de um estudo seja maior do que a da pesquisa
qualitativa ou quantitativa isolada.
Em relação aos objetivos, este estudo se classifica como exploratório-
descritivo, pois se deseja obter uma visão geral ou uma ideia aproximada
de determinado fato. Este tipo de pesquisa é realizado especialmente
quando o tema escolhido é pouco explorado, dificultando formular hipó-
teses precisas e operacionalizáveis. (GIL, 1999 p. 43).
Para atender as abordagens desta pesquisa foi adotada a pesquisa de
campo. Este tipo de pesquisa é utilizado com o objetivo de conseguir
informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se
procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou,
ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. (FERREI-

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 625

RA E MERCHANT, 1992, p. 4; COHEN e ARIELI, 2011). Ainda sobre


a pesquisa de campo Gil (1999) relata as semelhanças deste procedimen-
to com o levantamento, porém aponta algumas diferenças como a flexi-
bilidade, o aprofundamento das questões propostas na pesquisa e o foco
em um único grupo ou comunidade em termos de sua estrutura social,
ressaltando a interação entre seus componentes.
Para se iniciar esta pesquisa foi necessário eleger o primeiro respon-
dente, neste caso a escolha foi motivada pela receptividade do respon-
dente com relação a pesquisa e por acreditar no envolvimento do mesmo
com os demais atores. Para Creswell (2007) a escolha proposital dos
participantes é mais indicada para melhor compreensão do problema e
da questão de pesquisa, registrando assim o caráter mais qualitativo desta
pesquisa.
A coleta de dados na primeira fase foi realizada por meio de formulá-
rio do tipo snowball, onde os respondentes atuais deveriam indicar de três
a cinco possíveis respondentes e assim sucessivamente até o ponto de
saturação, que é atingido no momento em que os respondentes passam a
se repetir. De acordo com Cohen e Arieli (2011) o snowball, é um método
distinto de amostragem não probabilística que tem sido útil na realização
de pesquisas em sociedades marginalizadas.
Este método é usado para localizar, acessar e envolver pessoas de
populações específicas, em casos onde o pesquisador antecipa dificulda-
des em criar uma amostra representativa da população de investigação.
De forma geral, a amostra deste estudo se restringe aos atores envolvidos
com o negócio da castanha-da-amazônia na região de Ji-Paraná, porém é
possível que sejam relacionados outros atores.
O formulário continha dois itens, no primeiro o respondente infor-
mou espontaneamente até cinco pessoas com quem mantém algum tipo
de contato nos assuntos referentes à castanha-da-amazônia. As respostas
deste item irão apontar com quais atores o respondente se relaciona, e
consequentemente os próximos respondentes.
No segundo foi informado com que frequência o respondente se
comunica com os atores indicados no item anterior (diariamente, sema-
nalmente, quinzenalmente, mensalmente). O objetivo era de verificar a
intensidade da relação, em função da quantidade de vezes que se comu-
nicam.

Soeitxawe
626 Eslei Reis

Após a coleta de dados, os resultados foram lançados em duas matri-


zes. A primeira matriz é binária, a qual irá gerar os índices de centralidade
e densidade cujos valores são relevantes para a análise estrutural da rede.
A segunda irá fornecer informações sobre a intensidade dos relaciona-
mentos encontrados na rede.
As matrizes serão geradas com o auxílio do software UCINCET
(Borgatti, 2002) conforme a Tabela 2. Nesta matriz constam na primeira
linha e na primeira coluna os nomes dos respondentes, nesta fase o obje-
tivo é identificar quais atores foram indicados.
A segunda fase da análise dos dados se refere aos índices de relacio-
namento. O objetivo desta etapa é mostrar a intensidade de um determi-
nado relacionamento na rede baseado na frequência com que os atores
se comunicam (Marsden e Campbell, 1984; Granovetter, 1985; Wasser-
man e Faust, 1994). De forma simplificada esta etapa consiste basica-
mente em pontuar a frequência de acordo com a quantidade de vezes
que se comunicam no período de trinta dias, de tal forma que o intervalo
mínimo (diário) equivale ao maior valor (1), ou seja, a intensidade do laço
aumenta em função da comunicação entre os atores. Neste caso o perío-
do foi dividido em quatro níveis.

Resultados e Discussão

A aplicação do formulário snowball resultou em um total de dezoito


atores, sendo cinco indicados no primeiro nível da pesquisa pelos quais
se obteve os níveis subsequentes. Do total, onze atores estão localizados
na região de Ji-Paraná, os demais, situam-se em outras regiões do Estado.
Na Tabela 1 estão relacionados somente os atores localizados na região
de Ji-Paraná.

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 627

Tabela 1. Relação de atores e abreviações.


SEQ Atores ABREVIAÇÃO
1 Projeto Pacto das Águas PDA
2 Associação de produtores indígenas povo Zoró APIZ
3 Associação Indigena Zavidjaj Djiguhr ASSIZA
4 Associação indígena Karo Pajgap AIKP
5 Empresa Castanhas Rondônia CA_RO
6 Cooperativa de Produtores Rurais Organizados para COOC
Ajuda Mútua
7 Fundação Nacional do Índio FUNAI
8 Empresa Inovam Brasil INOV
9 Supermercado São Paulo SMSP
10 Coletores da comunidade ARARA COL ARA
11 Companhia Nacional de Abastecimento CONAB
Elaborado pelo autor (2014)

Análise da rede baseada nos atores situados em Ji-Paraná

A sócio-matriz apresentada na Tabela 2 representa os atores que atu-


am na região de Ji-Paraná e suas respectivas conexões e a Figura 3, a
representação gráfica desta matriz.

Soeitxawe
628 Eslei Reis

Tabela 2. Matriz de Atores de Ji-Paraná.

PD API ASSIZ AIK CAST COO FUN INO CON SMS COL
A Z A P RO C AI V AB P AR
PDA 0 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0
APIZ 1 0 0 0 0 1 1 0 1 0 0
ASSIZ
1 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0
A
AIKP 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 1
CAST
1 1 1 1 0 0 1 0 0 0 0
RO
COOC 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
FUNAI 1 0 0 0 1 1 0 1 0 0 0
INOV 1 1 0 0 1 1 0 0 0 0 0
CONA
0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0
B
SMSP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
COL
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
AR
Elaborado pelo autor (2014)

Densidade

Esta matriz foi utilizada para recalcular os índices de densidade da re-


de envolvendo atores da região de Ji-paraná. O resultado do índice é
apresentado na Tabela 3 e o grafo da rede na Figura 3.

Tabela 3. Densidade da rede somente com atores de Ji-Paraná.

Nº de Nº de Conexões Nº de Conexões reali- Densidade


Atores possíveis zadas

11 110 36 0.3273
Elaborado pelo autor (2014)

O índice de densidade foi de 32,73%, ou seja, foram realizadas 36 co-


nexões das 110 possíveis. Podendo ser considerado um valor razoável,
uma vez que a densidade máxima é 1.

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 629

Figura 3. Atores localizados em Ji-Paraná.

Elaborado pelo autor (2014)

Nota-se no grafo da Figura 3 uma tendência para coesão nesta rede.


Quanto mais próximo de 1 maior a densidade e consequentemente mai-
or será a facilidade em difundir informação, ao mesmo tempo em que
não encontrará dificuldades em padronizar normas e comportamento
dos atores, entretanto esta rede pode estar inclinada a se comportar co-
mo um sistema fechado, se blindando à possíveis ameaças ou variações
e, por outro lado, podendo diminuir a interação com o ambiente externo
à rede.

Centralidade

Da mesma forma que a densidade, os índices de centralidade foram


extraídos da matriz formados pelos atores de Ji-Paraná e apresentados na
Tabela 4.

Soeitxawe
630 Eslei Reis

Tabela 4. Medidas de Centralidade.


ÍNDICES DE CENTRALIDADE (ATORES DE JÍ-PARANÁ)
ATORES Degree Closeness Betweenness Eigenvector
PDA 70.000 76.923 13.111 57.251
APIZ 70.000 66.667 10.889 55.457
ASSIZA 60.000 62.500 8.222 48.760
AIKP 50.000 62.500 37.778 30.137
CAST RO 60.000 71.429 9.333 50.593
COOC 50.000 58.824 0.444 45.416
FUNAI 70.000 76.923 13.111 57.251
INOV 50.000 58.824 0.444 45.685
CONAB 20.000 43.478 0.000 17.901
SMSP 10.000 40.000 0.000 5.177
COL AR 10.000 40.000 0.000 5.177
Elaborado pelo autor (2014)

Na Tabela 4 observa-se na centralidade de grau (degree) se destacam os


atores: Pacto das Águas (PDA), APIZ e FUNAI apresentando os maio-
res índices. Já no indicador centralidade de proximidade (closeness) indica
que os atores com maiores índices estão mais próximos dos demais em
uma rede, em outras palavras tem percursos menores para atingir outros
atores. De acordo com os dados levantados e os índices apresentados
pelo UCNET o Pacto das Águas (PDA) se destaca juntamente com a
FUNAI, possivelmente em função de suas funções sociais na rede. Um
fato que deve ser observado é o tempo de existência destes atores na
rede.
Em relação às associações, destaca-se o alto índice de centralidade do
ator APIZ. Acredita-se que esta posição possa estar relacionada a fatores
como o padrão ou estrutura organizacional ou ainda a quantidade co-
mercializada de castanha, entretanto seria necessária uma pesquisa sobre
as características do ator que neste estudo não será abordado.
Com relação ao índice de intermediação (betweenness), que demonstra a
capacidade de intermediar conexões entre atores o ator AIKP apresenta
o maior índice, seguido da FUNAI E PDA.
Finalmente, a centralidade sob a perspectiva do índice autovetor (ei-
genvector) mostra um equilíbrio entre os atores, provavelmente por se

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 631

tratar de uma rede relativamente densa, onde a maioria dos atores têm
muitos contatos. Os maiores índices, novamente foram do PDA e da
FUNAI e dentre as associações indígenas a APIZ. Ao contrário da asso-
ciação AIKP que apresentou o segundo menor índice, confirmando sua
baixa influência na rede.

Força dos laços

Nesta etapa foi utilizada a mesma matriz de atores, porém foram atri-
buídos valores à conexão de acordo com a frequência do relacionamen-
to, obtendo-se desta forma a Tabela 6.

Tabela 6. Matriz de atores com base na frequência do relaciona-


mento.
CO
PD API AS- AIK CA CO FU- INO CO- SMS
L
A Z SIZA P RO OC NAI V NAB P
AR
PDA 0 1 1 1 0,75 0,75 0 0 0 0 0
APIZ 1 0 0 0 0 0,25 1 0 0,25 0 0
AS-
0,75 0,75 0 0 0,75 0,25 1 0 0 0 0
SIZA
AIKP 1 0 0 0 0,25 0 0,25 0 0 0,25 1
CAST
0,75 0,75 0,75 0,75 0 0 0,25 0 0 0 0
RO
COOC 0,75 0,25 0 0 0 0 0 0 0 0 0
FUNAI 0,25 0 0 0 0,25 0,25 0 0,25 0 0 0
INOV 0,25 0,25 0 0 0,25 0,25 0 0 0 0 0
CO-
0 0,25 0,25 0 0 0 0 0 0 0 0
NAB
SMSP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
COL
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
AR
Elaborado pelo autor (2014)

Seguindo o mesmo procedimento anterior, a planilha acima foi ex-


portada para o UCINET, que gerou o grafo da Figura 5.

Soeitxawe
632 Eslei Reis

Figura 5. Conexões de acordo com a força dos laços.

Elaborado pelo autor (2014)

Analisando os grafos expostos na Figura 5, é possível verificar por


meio da intensidade da linha que simboliza a conexão entre os atores a
intensidade do relacionamento com base na frequência que se comuni-
cam.
Laços fortes sugerem parcerias, elos altamente colaborativos (Grano-
vetter, 1983). No caso dos atores APIZ e ASSIZA, os laços fortes indi-
cam grande interação entre estes e os atores PDA e FUNAI. O que tal-
vez não seja uma relação de dependência, mas possa indicar uma atuação
maior da FUNAI nestas duas associações. Nota-se ainda que os atores
ASSIZA e APIZ são praticamente similares, exceto pela conexão entre
os atores APIZ e INOV.
No caso do ator AIKP, percebe-se que o único ator com que man-
tém uma conexão forte é o ator PDA, e nesta abordagem demonstrou
uma conexão fraca com a FUNAI, órgão do Governo que trata direta-
mente da questão indígena, logo esperava-se uma conexão com intensi-
dade maior, ou seja maior frequência de relacionamento.
Como visto acima, as três associações tem forte conexão com o
PDA, possivelmente em função do papel que este desenvolve, justifican-
do assim a frequência diária com que se relacionam para tratar de assun-

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 633

tos referentes à comercialização da castanha-da-amazônia, principalmen-


te por que este levantamento foi realizado no período da safra.
Todas as associações tem conexão de média intensidade com o ator
CAST RO (Castanhas Rondônia), ao passo que somente a APIZ man-
tém uma fraca conexão com o ator INOV. De acordo com Brut (1992),
conexões fracas podem ser apontadas como tendência à falhas estrutu-
rais na rede, permitindo assim que a conexão entre estes atores e o ator
INOV seja intermediada por outros atores.

A cadeia extrativa na perspectiva de rede

Após a identificação dos atores, análise dos índices da rede e visuali-


zação da rede no sociograma, foi realizada uma tentativa de posicionar os
atores desta rede dentro da cadeia como mostrado na Figura 6.

Figura 6. Rede sobre a cadeia.

Elaborado pelo autor (2014)

Soeitxawe
634 Eslei Reis

A Figura 6 mostra os atores e suas respectivas conexões distribuídos


de acordo com o papel desempenhado na cadeia. Esta visão consolida as
discussões apresentadas anteriormente facilitando a compreensão dos
relacionamentos, principalmente quando se trata da cadeia extrati-
va/produtiva. As Figuras 7 e 8 mostram o desdobramento da cadeia com
base nos atores APIZ, ASSIZA (Cadeia 1) e AIKP (Cadeia 2). A compa-
ração entre as cadeia é apresentada no Quadro 2.

Figura 7. Desdobramento Cadeia 1.


 








Elaborado pelo autor (2014)

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 635

Figura 8. Desdobramento Cadeia 2.









Elaborado pelo autor (2014)

Quadro 2. Comparação entre as cadeias.
CADEIA 1 CADEIA 2
Primeiro elo = Associações Primeiro elo = Coletores
Ausência de atores do elo “varejo” Ausência no elo “transformação”
Três atores no ambiente organiza- Um ator no ambiente organizacio-
cional nal
Elaborado pelo autor (2014)

A cadeia extrativa da castanha, necessariamente se inicia pela coleta,


no caso da Cadeia 2, o ator AIKP considerou como elemento importan-
te na sua rede os Coletores da comunidade Arara. O segundo ponto,
sugere o distanciamento dos atores APIZ e ASSIZA em relação ao elo
“atacado e varejo”. Por outro lado a castanha coletada na Cadeia 2, aten-
de diretamente o atacado (Castanhas Rondônia) e o varejo (Mercado São
Paulo), sem passar pelo elo “transformação”. O ultimo ponto se refere a
quantidade de atores no ambiente organizacional. No caso dos atores
APIZ e ASSIZA, ambos possuem contato com o ator Pacto das Águas e
COOCARAM, porém somente a APIZ tem contato com a CONAB.

Soeitxawe
636 Eslei Reis

Considerações Finais

Além de possibilitar a identificação dos atores envolvidos na cadeia


extrativista da castanha localizados na região central rondoniense, a análi-
se de redes sociais permitiu verificar a estrutura da rede, a quantidade de
conexões, a existência de possíveis lideranças, suas falhas estruturais e a
intensidade dos laços estabelecidos entre os atores.
Verificou-se que na cadeia o ator indígena com maior destaque foi a
APIZ, entretanto não foi averiguado se este ator tem consciência de sua
importância para a rede. O ator ASSIZA obteve índices médios, também
é importante para a rede, porém, não se destacou como o APIZ. Final-
mente o AIKP, que nesta pesquisa se demonstrou ser o menos envolvi-
do com este grupo de atores. O comportamento apresentado sugere que
atua em uma rede menor, não totalmente isolada, mas com poucas cone-
xões com os demais atores.
Não foram identificados atores intermediários que fazem a transação
comercial entre comunidades indígenas e empresas, podendo se conside-
rar que as associações indígenas entregam sua produção diretamente aos
beneficiadores da castanha. Também não foram citadas nesta rede enti-
dades de pesquisa como a Fundação Universidade Federal de Rondônia,
que como se sabe tem projetos de pesquisa nesta área.

Soeitxawe
Análise de redes sociais como instrumento de identificação 637

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Soeitxawe
A ação garimpeira na Terra Indígena Roosevelt: uma análise
histórica (1999-2005)1

Devanir Aparecido dos Santos2

Resumo: Os primeiros conflitos, entre a sociedade envolvente e o povo indíge-


na Cinta-Larga, surgiram a partir dos primeiros contatos. A situação ficou agra-
vada após a descoberta de diamantes na Terra Indígena Roosevelt3 e com isso a
abertura de um garimpo no local com funcionamento clandestino. A intrusão
em massa de garimpeiros clandestinos na Terra indígena Roosevelt culminou em
conflitos e mortes. No meio de toda essa situação conflituosa a justiça procedeu
com investigações e prisões de funcionários de órgãos públicos envolvidos com
a extração ilegal do minério. Espigão do Oeste – RO, município de acesso ao
garimpo clandestino, sofreu com problemas de segurança e de saúde pública.
Sabe-se que relações Inter-étnicas por si já são conflituosas, com a abertura do
garimpo a situação agravou-se culminando a morte de indígenas e garimpeiros.
Palavras-chave: ÍNDIOS; BRANCOS; DIAMANTES; MORTES.

1. Introdução

Propõe-se aqui analisar o desenvolvimento histórico e socioeconômi-


co da relação entre o povo Cinta-Larga e a sociedade envolvente que


1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE Congresso Internacional de
Pesquisa Científica da Amazônia, realizado entre os dias 01 e 03 de maio de
2015, Cacoal, RO.
2Formado em Pedagogia, Filosofia e Teologia, especialista e mestre em História
pela PUC/RS.
3 A Reserva Roosevelt dos Índios Cinta-Largas localiza-se no sul do estado de
Rondônia, no município de Espigão do Oeste a cerca de 500 quilômetros da
capital Porto Velho.
642 Devanir Aparecido dos Santos

exercem seus papeis como agentes4 históricos num mesmo espaço geo-
gráfico. A sociedade envolvente que tem incorporado a noção de pátria e
nacionalidade brasileira denominar-se-á “brancos” e os Cinta-Largas
serão chamados de “índios”. Contudo, entende-se que os conflitos de-
correntes dessa fricção5 cultural tem pouco haver com a cor da pele dos
envolvidos. Com respeito ao povo Cinta-Larga assinala-se a sua pertença
aos conhecidos como “índios”, no entanto, isto significa povo indígena
da região cujo território lhe está reservado com exclusividade pelo go-
verno federal.
Para essa análise revisou-se uma variada literatura que inclui livros,
revistas, pesquisa de campo e artigos de jornais. Todo esse material foi
submetido metodologicamente à avaliação crítica a partir dos referenciais
teóricos do materialismo histórico para enxergar as variáveis econômicas,
os jogos ideológicos e políticos que animavam a situação social. Num
segundo momento utilizou-se as linhas hermenêuticas propostas pela
Escola dos Annalles, com o intuito de resgatar os aspectos culturais que
dominaram as relações entre os agentes.
Finalmente espera-se com essa investigação esclarecer e revelar a re-
lação social e cultural entre o branco e o índio com o intuito de animar e
provocar um diálogo amistoso, responsável e corajoso que sirva de con-
sideração e entendimento de ambas as partes. Sabe-se e aceita-se etica-
mente que outro mundo é possível e tenta-se, pela via acadêmica e teóri-
ca, ajudar a estabelecê-lo. Uma utopia sempre será um sonho e do mes-
mo modo que falou Martin Luther King queremos ver os filhos e filhas
de índios e de brancos viver como irmãos.
No tópico a seguir será possível perceber como se desenvolveu a re-
lação, ou seja, a fricção cultural, entre o povo Cinta-Larga e a sociedade
envolvente.


4 Para tratar o indígena como agente histórico utiliza-se do conceito de “agency”
de Ortner (2006:45-80). A partir de Ortner é possível pensar o indígena como
indivíduo de ação e não como um sujeito inerte na história.
5 O conceito “fricção interétnica” de Roberto Cardoso de Oliveira (2006:222), é
utilizado nessa análise por compreender que as culturas não se impactam e sim
friccionam-se.

Soeitxawe
A ação garimpeira na Terra Indígena Roosevelt 643

2. Uma história de conflitos

Esse tópico procura dar conta dos principais acontecimentos que


evidenciam como foi o desenvolvimento do convívio entre os índios
Cinta-Largas e os brancos no mesmo espaço geográfico.
A História narra que o ano de 1915 foi o início do contato entre o
povo Cinta- larga e os brancos. A partir daí começou uma história com
muitos conflitos, sangue, madeira, ouro e diamantes, que teve seu apogeu
do ano de 1999, quando foi encontrada na Terra Indígena Roosevelt a
primeira gema (pedra de diamante) avaliada em uma fortuna imensurável.
E o impasse com danos desastrosos continua até os dias atuais.
A extração garimpeira nas terras indígenas é considerada ilegal, mas a
partir do ano de 1999, com a explosão da descoberta do garimpo de
diamantes na Terra Indígena Roosevelt no Estado de Rondônia, isso tem
sido uma prática constante. Nos três primeiros anos da descoberta com a
chegada dos primeiros garimpeiros munidos de instrumentos necessários
para a exploração mineral tem-se provado que a lei, em termos de efici-
ência, não tem o mesmo empenho e intensidade para todos.
Com a descoberta da jazida de diamantes na Terra Indígena Roose-
velt no ano de 1999 iniciou-se uma sucessão de conflitos e mortes. No
ano posterior houve uma invasão dessa Terra Indígena e a criação de um
mega garimpo de diamantes.
Em Fevereiro do ano de 2001 houve a retirada de cerca de mil ga-
rimpeiros da Terra Indígena Roosevelt pela Polícia Federal e em setem-
bro do mesmo ano foi denunciado ao Ministério Público a exploração
ilegal de madeira nas terras do povo Cinta-Larga. Depois das denúncias a
Polícia Federal mandou uma equipe à região para investigar, mas não
encontrou ninguém. Os agentes policiais acharam apenas uma balsa e a
afundaram a tiros, mas pouco adiantou, já que dias depois a balsa estava
de novo em funcionamento.
Foram retirados em outubro de 2001 sete caminhões carregados com
equipamentos de garimpo da Terra Indígena Roosevelt e colocados no
pátio do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). O
aprisionamento desse material foi parte de uma das operações realizada
pela Polícia Federal, FUNAI (Fundação Nacional do Índio), DNPM
(Departamento Nacional de Produção Mineral) e IBAMA (Instituto

Soeitxawe
644 Devanir Aparecido dos Santos

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para


evacuação dos garimpeiros da reserva.
O autor da denúncia ao Ministério Público sobre a extração ilegal de
madeira na Reserva Indígena, Carlito Cinta-Larga, foi assassinado a tiros
na noite de 19 de dezembro do ano de 2001 quando chegava a sua casa
localizada na cidade de Aripuanã, próximo à área do garimpo da Terra
Indígena Roosevelt. Carlito tinha 28 anos, era filho do cacique Mário
Parakida da aldeia Taquaral, era Carlito quem negociava a madeira de seu
pai com os madeireiros. Após as lideranças indígenas e autoridades da
cidade de Aripuanã pressionarem as autoridades competentes, cobrando
providências pelo assassinato de Carlito, foram presos no ano de 2002
oito suspeitos de terem participado do assassinato.
Outra vítima desse conflito envolvendo brancos e índios foi César
Cinta-Larga, que foi assassinado em 28 de fevereiro do ano de 2002, em
Espigão do Oeste – RO. Município próximo à área do garimpo da Terra
Indígena Roosevelt. Segundo a perícia foi morto por afogamento e teve
uma das mãos decepadas. Ao longo do mês de março, várias reuniões
foram feitas entre a FUNAI, o IBAMA, o MJ (Ministério da Justiça), a
Presidência da República, a Procuradoria da República e a Secretaria de
Direitos Humanos. Mas, todas essas reuniões acabaram esbarrando na
burocracia e apresentaram-se sem muita produtividade.
Em 21 de março de 2002 teve início a operação de expulsão de cerca
de 2.500 garimpeiros da Terra Indígena Roosevelt, em que índios e poli-
ciais federais se uniram para evacuar o garimpo clandestino. Nessa ope-
ração foram apreendidos quatro caminhonetas Toyota, um caminhão e
dois mil e quinhentos litros de óleo diesel, ao lado de mais de duas mil
pedras de diamantes periciadas no INC (Instituto Nacional de Crimina-
lística).
No mês de abril de 2002 foram presos quatro cacique do povo Cinta-
Larga: Naçoca Pio, João Cinta-Larga, Alzac Tataré e Amaral, acusados de
homicídio, favorecimento de garimpo ilegal, degradação ambiental e
porte ilegal de armas. Todos habitavam a Terra Indígena Roosevelt no
período de extração. Os quatro caciques presos se utilizavam de seu
poder de liderança para manipular o grupo indígena fazendo-o mudar de
posição de acordo com as conveniências. Ora o povo Cinta-Larga posi-
ciona-se contra a extração ilegal de diamantes, ora posicionava-se a favor

Soeitxawe
A ação garimpeira na Terra Indígena Roosevelt 645

conforme sugerido por esses caciques. A soltura dos mesmos aconteceu


após passarem seis dias recolhidos na carceragem da Polícia Federal em
Porto Velho – RO.
Ainda no mês de abril o garimpo voltou a funcionar novamente. O
resultado desse retorno dos garimpeiros foi a morte de alguns garimpei-
ros (número não confirmado), além daqueles que chegaram feridos no
hospital público de Espigão do Oeste-RO.
O jornal “O Estadão do Norte” de Rondônia publicou em 26 de
Abril de 2002 uma reportagem em seu site informando que o ex-prefeito
de Ariquemes, Ernandes Amorim, também ex-senador cassado, estava
incitando os garimpeiros a invadir novamente o garimpo. Claro que nes-
se período os meios de comunicação de todo o estado de Rondônia di-
vulgavam informações que muitas vezes não eram confirmadas oficial-
mente, o que é muito comum na tentativa de sensibilizar a sociedade
através do sensacionalismo midiático.
As lideranças das diversas terras indígenas do povo Cinta-Larga esti-
veram reunidas em Cacoal – RO entre 14 e 16 de junho de 2002. Nesse
período decidiram que os próprios índios deveriam cuidar da exploração
mineral e da preservação ambiental em suas terras. A garimpagem seria
levada a cabo pela Associação Indígena Pamaré do povo Cinta-Larga6.
Mas, pela força normativa, de janeiro a agosto do ano de 2003 foi efeti-
vado pela Polícia Federal nova desintrusão do garimpo clandestino.
Em Junho de 2003 um relatório sobre Direitos Humanos, Econômi-
cos, Sociais e Culturais denuncia o caso do povo Cinta-Larga. No final
de Julho, por meio da Medida Provisória nº 125, o governo brasileiro
instituiu o SCPK (Sistema de Certificação do Processo de Kimberley),
mecanismo internacional de certificação de origem de diamantes brutos
destinados à exportação e à importação. Na exportação, o Processo de
Kimberley visa “impedir” a remessa de diamantes extraídos de áreas de
conflito ou de qualquer área não legalizada perante o DNPM.
No mês de outubro de 2003 a Comissão Parlamentar de Direitos
Humanos visita Terra Indígena Roosevelt. Nessa ocasião os Índios se
queixaram do assédio e da violência a que estão expostos e diziam que
resistiriam às invasões. No mês seguinte, uma CPI formada para investi-

6 Sediada na BR 364 – Km 482 – No Riozinho em Cacoal Rondônia.

Soeitxawe
646 Devanir Aparecido dos Santos

gar o garimpo constituída por representantes da Assembleia Legislativa


do estado de Rondônia, composta pelos deputados Aroldo Santos, Kaká
Mendonça e Edésio Marteli, entregou ao ministro da justiça, junto com o
relatório final, uma carta apontando as irregularidades que vinham ocor-
rendo na área e a tragédia que poderia acontecer caso não fossem toma-
das providências urgentes. Na carta pode ser observado que a complexi-
dade do quadro era muito maior do que se imaginava e que, em razão de
competências federais específicas (envolvendo órgãos como a FUNAI,
Polícia Federal, DNPM e IBAMA), os problemas não poderiam ser re-
solvidos no âmbito estadual. Os relatores pediram inclusive a interven-
ção do exército nas Terras Indígenas Roosevelt e citaram que os princi-
pais responsáveis pelas invasões e extrações ilegais do diamante são os
próprios índios e funcionários da FUNAI. A CPI, no entanto, foi encer-
rada sem ouvir nenhum indígena. Também houve em novembro do
mesmo ano, a visita de Jean-Pierre Leroy, relator nacional para o Direito
Humano ao Meio Ambiente, às terras dos Cinta-Largas.
Leroy produziu um relatório e enviou aos governos federal, estadual e
demais interessados, alertando sobre a gravidade da situação na Reserva
Roosevelt. Mas, a burocracia que é própria em países subdesenvolvidos
impediu qualquer ação rápida por parte do Estado.
No dia 8 de Março de 2004 a Polícia Federal prendeu 15 pessoas por
envolvimento na compra ilegal de diamantes das terras dos índios Cinta-
Largas. Entre elas citam-se o delegado, um agente da PF, um servidor do
INCRA e alguns empresários. Os agentes apreenderam R$ 100 mil reais
em dinheiro, carros e documentos. No dia seguinte, a Polícia Federal
iniciou uma greve “por tempo indeterminado”, fazendo com que a pre-
cária fiscalização das áreas do garimpo ficasse praticamente nula e parali-
sando totalmente as ações contra contrabandistas de diamantes em Ron-
dônia.
No dia 7 de Abril de 2004 foram mortos 29 garimpeiros dentro da
Terra Indígena Roosevelt. Os corpos foram encontrados em avançado
estado de decomposição, pela polícia e com ajuda dos garimpeiros so-
breviventes. Como forma de retaliação os garimpeiros revidaram em
resposta às mortes do dia 07. Marcelo Cinta-Larga e quatro menores da
mesma etnia foram retirados de um táxi e levados para o meio da praça
do município de Espigão do Oeste - RO. Por ser índio Cinta-Larga,

Soeitxawe
A ação garimpeira na Terra Indígena Roosevelt 647

Marcelo foi espancado e amarrado a uma árvore ficando em poder dos


garimpeiros por mais de 10 horas até conseguir ser libertado pela Polícia
Militar e levado para Ji-Paraná, sob escolta (CONE SUL. ed. 574, p.5).
No dia 11 do mês de Abril se deu a retirada dos corpos de três ga-
rimpeiros que foram mortos no dia 07 anterior. Dois dias depois o co-
mando nacional de greve da Polícia Federal liberou todos os policiais que
atuavam no estado de Rondônia para participar das buscas aos corpos no
interior da Terra Indígena Roosevelt. Depois de uma semana de procura
e muitas denúncias por parte dos garimpeiros, a Superintendência da
Polícia Federal confirmou que mais 26 corpos foram encontrados, so-
mando um total de 29 mortes.
Segundo as denúncias dos garimpeiros muitos outros foram assassi-
nados no garimpo pelos índios e nunca foram encontrados. Alegam
ainda que ao invés de cova, foram desovados em valas já exploradas ou
tiveram seus corpos devorados pelos animais na floresta.
No dia 18 de maio Moisés Cinta-Larga, de 14 anos de idade, foi as-
sassinado com dois tiros nas costas em Espigão do Oeste-RO, numa
emboscada a menos de dois quilômetros da Terra Indígena Roosevelt.
A Polícia Federal nunca teve o controle da situação. Em um diário da
capital do estado de Rondônia o chefe da delegacia de Ordem Política e
Social da Polícia Federal, Márcio Valério de Souza admitiu que a situação
do garimpo de diamantes saiu do controle da Polícia Federal. O mesmo
desacreditou da eficiência das operações tanto da Polícia Federal quanto
do Exército para solucionar os problemas. Para ele, diante de tal situação
o Estado deveria acabar com a hipocrisia e pedir a ajuda do Congresso
Nacional até como uma forma de proteger os índios e a floresta. Havia
no momento cerca de 1,2 mil índios na reserva e a maioria deles não se
beneficiava com a extração dos diamantes. No momento a solução seria
a legalização do garimpo.
Uma vez iniciada a extração nunca foi interrompida, mesmo com os
esvaziamentos do garimpo que para muitos eram evacuações de “facha-
da”, para esses, quando havia um “esvaziamento” só saiam os pequenos
garimpeiros que causavam inchaço no local, enquanto os grandes garim-
peiros possuidores de maquinários pesados que praticavam a extração
em larga escala voltavam imediatamente para com mais liberdade conti-
nuar com a rendosa extração. A rentabilidade atraente não deixou nem

Soeitxawe
648 Devanir Aparecido dos Santos

os grupos indígenas fora de sua malha. Os índios Cinta-Larga e outros


indígenas do povo Zoró e do povo Gavião levados pela possibilidade de
obter lucros com os diamantes, adquiriram maquinários e contrataram
mão-de-obra tanto de branco quanto de seus próprios parentes tornan-
do-se índios garimpeiros.
No palco dessa exploração houve períodos em que haviam milhares
de homens misturados dentro de grotas com maquinários pesados, pás,
picaretas e bateias a procura das pedras mais cobiçadas e valorosas da
região, onde morrer ou ser morto nos barrancos se tornou natural. As
escavações no garimpo eram realizadas de forma totalmente desorgani-
zada procurando sempre córregos, nascentes de água e rios para facilitar
a lavagem do cascalho retirado do solo.
No garimpo o meio ambiente e sua preservação não foram conside-
rados. Grandes clareiras foram abertas no meio da floresta e o ecossis-
tema que sustenta a biodiversidade da fauna e da flora foi sendo rapida-
mente comprometido pela degradação ambiental. A cada anúncio de
mais um achado milionário aumentava significativamente o número de
escavadores artesanais ou com máquinas pesadas, prejudicando ainda
mais a natureza. Em suma, a extração sempre sem planejamento, fora
dos parâmetros da lei, pois o próprio garimpo é ilegal, causou um o im-
pacto negativo sobre a natureza.
Na sequencia dessa análise será possível perceber o funcionamento
do comércio ilegal de diamantes e a posição do Estado brasileiro em
relação ao contrabando estabelecido para enviar o minério para fora do
Brasil.

3. Comércio de diamantes

Pretende-se aqui analisar qual era o caminho do diamante desde sua


extração até o envio para fora do país.
O comércio dos diamantes da reserva Roosevelt no auge da extração
era comandado por quadrilhas fortemente armadas que controlavam
passo a passo a trajetória dos diamantes desde a extração até a exporta-
ção. Sabe-se que a violência já começava com as quadrilhas que contro-
lavam tudo, desde distribuição dos combustíveis para as máquinas, os

Soeitxawe
A ação garimpeira na Terra Indígena Roosevelt 649

garimpeiros na descoberta das pedras na resumidora e até a intermedia-


ção das vendas do minério.
O preço que os contrabandistas pagavam pelas pedras diante de toda
essa ilegalidade era sempre muito abaixo do padrão internacional. Isso
faz entender o quanto foi insignificante, diante do valor real, o preço
pago aos índios e os garimpeiros no local de extração. Segundo a revista
ISTOÉ/1731-4/12/2002 um contrabandista de Tel-Aviv, Mattiyahu
Garby que foi preso em março de 2001 no Aeroporto Internacional de
Várzea Grande com dois quilos de diamantes foi liberado após pagar
alguns tributos para o Estado. Segundo o delegado da Polícia Federal em
Mato Grosso, André Luiz Soares em momento algum foi discutido a
origem dos diamantes de Garby que acabou na Justiça Estadual. E acres-
centa: “As pedras foram liberadas após o israelense pagar os tributos ao
governo. Ele deve estar rindo em Israel, o que mostra que é possível
fazer contrabando de diamantes no Brasil usando as brechas da lei”. A
esse caso, a assessoria do DNPM afirma que o órgão agiu de acordo
com o Código de Legislação Mineral. Diante de tudo isso percebe-se a
quantidade de riquezas que saiu do Brasil para o exterior enquanto os
índios receberam “pequenos agrados” diante do valor real dos diaman-
tes.
Espigão do Oeste, a cidade mais próxima do garimpo de diamantes,
se tornou palco do contrabando internacional de diamantes. Contraban-
distas israelenses, indianos, belgas, entre outros, podiam ser vistos em
lanchonetes e principalmente em hotéis da cidade. Após fecharem seus
malotes retornavam à Europa e oriente com suas fortunas, enquanto
isso, jornais locais exibiam fotos dos índios Cinta-Largas com manchetes
dizendo que índios passavam fome em Rondônia.
Os índios facilmente manobrados com presentes importados, sempre
responderam negativamente a qualquer apelo de divulgação do que ocor-
ria nesta área de conflito devido à destruição ambiental, o contrabando
de diamantes e o envolvimento de funcionários da FUNAI e da PF na
atividade garimpeira. Quando permitiam a entrada de pesquisadores
proibiam filmagens e fotografias do local do garimpo dificultando assim
a divulgação.
O rentável comércio de diamantes na região sempre foi realizado sem
grandes interrupções. Do local de extração até a indústria no exterior o

Soeitxawe
650 Devanir Aparecido dos Santos

mineral passava por mãos de quadrilhas formadas por índios, funcioná-


rios do governo, contrabandistas nacionais e internacionais até engordar
as contas bancárias de poucos privilegiados que são anônimos para o
povo comum.
Na sequência analisa-se a situação do município que é porta de entra-
da para o garimpo clandestino da Reserva Roosevelt. Não será difícil
perceber as mudanças ocorridas do ponto de vista da segurança e da
saúde públicas.

4. Município de Espigão do Oeste: porta de entrada do garimpo


clandestino

Espigão do Oeste, localizado a 534 km da Capital Porto Velho – RO


e a 22 Km da BR 364 é a cidade mais próxima e único acesso ao garimpo
de diamantes da Reserva Roosevelt. Devido à localização geográfica,
Espigão do Oeste se tornou um canteiro de drogas, prostituição, roubos,
furtos e assassinatos.
Mesmo com a tentativa de algumas autoridades municipais de acionar
as autoridades superiores e competentes, o IBAMA, a PF e a FUNAI
responsáveis pela ordem do local, insistiam que a situação sempre esteve
sob controle desses órgãos e não careciam maiores preocupações. Os
fatos tratados acima contrariam totalmente o que esses órgãos queriam
fazer acreditar. A realidade local mostrava que a situação estava fora de
controle. Com o surgimento do garimpo, Espigão do Oeste recebeu um
número assustador de homens e mulheres que vieram tentar a sorte com
a extração mineral. Com isso ocorreu o inchaço populacional e a demo-
grafia do município foi totalmente alterada, os forasteiros habitavam
barracos sem planejamento de energia elétrica e saneamento básico. Essa
situação propiciou o surgimento de epidemias e outras doenças por falta
de boas condições de moradia, com isso cresceu significativamente os
atendimentos na Unidade Mista de Saúde, causando um impacto negati-
vo em seu cofre. O município ficou sem possibilidades de oferecer me-
lhorias na área da saúde porque não havia arrecadação de impostos de
diamantes contrabandeados para o exterior.

Soeitxawe
A ação garimpeira na Terra Indígena Roosevelt 651

Muitos garimpeiros, quando a área passava por evacuações, dormiam


nas ruas, entre esses, alguns se embriagavam e revoltados causavam van-
dalismos contra a ordem pública e social. Segundo a estatística do Co-
mando da Polícia Militar de Espigão do Oeste, o índice de criminalidade,
entre 1999 a 2005, mais que dobrou. Não se atribuiu, obviamente, a de-
sordem a todos os garimpeiros e nem que são apenas eles os causadores
de desordem, é fato de que bandidos, que não trabalham no garimpo e
em lugar algum, agem sorrateiramente se aproveitando da situação caóti-
ca do município para cometerem furtos, roubos, estupros, tráfico de
entorpecentes, assassinatos, etc.
As informações da Secretaria de Administração e Fazenda do muni-
cípio de Espigão do Oeste - RO retrataram a situação vivida nestes anos,
devido à abertura do garimpo na Reserva Roosevelt. O município não
possuía estrutura para suportar tal situação, pois os gastos na área da
saúde mais que dobraram em 2005, (relacionando-o com o ano de 2000),
o governo municipal não conseguiu minimizar o problema na área de
saúde municipal em tempo hábil e o problema se arrastou por anos. O
município ficou apenas com os problemas gerados. Além do problema
na área da saúde pública outro foi a inflação com os preços dos imóveis
e outros gêneros que saltaram vertiginosamente chegando a dobrar de
valor. Os diamantes saiam por pistas de pouso clandestinas dando lucros
a poucos e caindo no ralo da corrupção, enquanto o município herdava
os problemas e as marcas inevitáveis do caos. A criminalidade elevou-se
em função do garimpo.

5. Considerações finais

Diante de todas essas variáveis percebe-se que a fricção cultural entre


o branco e o índio causou mudanças culturais, o que era de se esperar.
Sabe-se que a cultura não é estática, mas o que se espera em uma fricção
cultural é que o convívio seja alicerçado no respeito às diferenças. Quan-
do analisa-se a história de contato do povo Cinta-Larga percebe-se que
os seringueiros, garimpeiros de ouro, posseiros, fazendeiros, madeireiros
e finalmente os garimpeiros de diamantes não estabeleceram com esse

Soeitxawe
652 Devanir Aparecido dos Santos

povo uma relação de respeito. Não se trata aqui de uma visão paternalis-
ta da situação, pois houve desrespeito de ambos os lados do conflito.
Uma mudança acentuada na cultura tradicional dos Cinta-Largas é di-
visão de classes. Os caciques não são mais os velhos que conheciam
histórias e mitos, tinham paciência e sabiam ouvir e aconselhar o povo.
Hoje os caciques são índios mais jovens, articulados o suficiente para
negociar na língua do branco. O cultivo de subsistência já não é como
era antes porque quase tudo que consomem é levado da cidade, como:
açúcar, óleo de soja, arroz, feijão, macarrão, carne de açougue (boi, fran-
go etc.).
Alguns indígenas abandonaram a vida em comum tradicional acumu-
lando bens de consumo com o lucro da madeira e do diamante enquanto
outros passavam necessidades no interior da floresta. Aqueles com capa-
cidade de relações de negócio desfrutavam de mordomia como veículos
importados, casas de grande valor nas cidades vizinhas, mulheres brancas
e filhos, dentre outras questões que o branco ainda não estava familiari-
zado. Essa situação trazia muito estranhamento para a sociedade envol-
vente. A terra continuou sendo do povo Cinta-Larga, mas o diamante
que saiu da terra trouxe lucro só para os índios mais articulados no co-
mércio.
A sociedade envolvente estava acostumada com a imagem do índio
ingênuo e indefeso. Isso eles provaram que não são mais. O que se pre-
cisa nesses dias é de uma política que faça valer os direitos de todos e
fazer com que todos cumpram os seus deveres. Assim, aqueles que an-
dam na lei serão subsidiados e os que andam a margem da lei serão dis-
ciplinados por ela sem chance de se esconder em suas brechas.

Soeitxawe
A ação garimpeira na Terra Indígena Roosevelt 653

Referências

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2003 edições: 511, pg. 01, 10; 513, pg. 01; 517, pg. 01; 518, pg. 01;

Soeitxawe
654 Devanir Aparecido dos Santos

526, pg. 01; 539, pg. 01; 542, pg. 01; 544, pg. 05; 546, pg. 01; 547,
pg. 02, 10; 548, pg. 03; 549, pg. 01; 551, pg. 01, 02; 552, pg. 10;
553, pg. 01; 554, pg. 03; ano 2004 edições: 560, pg. 07; 562, pg. 01;
569, pg. 01; 573, pg. 03; 574, pg. 01, 02, 05, 06, 09, 10; 578, pg. 01,
02, 03; 575, pg. 01, 02, 09, 10; 576, pg. 01, 02, 07; 577, pg. 05; 579,
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crita da História: Novas Perspectivas. São Paulo: Editora UNESP,
2011, p. 39-63.

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia: uma reflexão a
partir de Aristóteles1

Ivo Carneiro Santos2


Jean Holanda Pereira3
Lucas Monteiro da Silva4
MSc. Antonio Enrique Fonseca Romero5

Resumo: Este artigo sobre o desenvolvimento político na Amazônia a partir


de Aristóteles tem como objetivo apresentar o conceito de política segundo
este filósofo, assim como contextualizar as suas reflexões perante a realidade
amazônica contemporânea. Está dividido em dois tópicos, são eles: definição
de política e a relação entre a política de Aristóteles e a política da Amazônia.
Utilizamos como fonte para a elaboração deste escrito, obras de Aristóteles e
de seus comentadores, junto com escritores da realidade política amazônica
como Branco, Hourdakis, Loureiro e outros.
Palavras-chave: Política; Aristóteles; Amazônia.


1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE - Congresso Internacional de
Pesquisa Científica na Amazônia, realizado entre os dias 1 e 3 de Maio de 2015,
Cacoal, RO/Brasil.
2Acadêmico do Curso de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia - ITEPES. E-mail: ivocarneirosantos@gmail.com
3Acadêmico do Curso de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia - ITEPES. E-mail: jeanholanda@outlook.com
4Acadêmico do Curso de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia - ITEPES. E-mail: lucsmnteir@hotmail.com
5 Docente do Curso de Filosofia do ITEPES e da Escola Superior de Ciências
Sociais – ESO da Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E-mail:
aromero@uea.edu.br; anenforo65@hotmail.com
656 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

Definição de Política

Vivemos hoje em um momento em que a política é questionada e


desprezada, pois ela, muitas vezes, é confundida com as ações de alguns
maus políticos.
O termo política é derivado do grego antigo e se refere a todos os
procedimentos relativos à polis, à Cidade-estado. Na Grécia antiga, em
cidades como Atenas, os cidadãos livres participavam das assembleias
para discutirem os problemas comuns a todos e tomavam decisões com
o objetivo de solucioná-los. Baseado nesta experiência, Aristóteles, um
dos maiores sábios gregos, dizia que política é a ciência e a arte do bem
comum. Para ele a cidade deveria ser governada em proveito de todos, e
não apenas em proveito dos governantes ou de alguns grupos. Segundo
o filósofo, a política é a ciência que tem por objetivo a felicidade
humana e divide-se em duas partes: a ética (que se preocupa com a
felicidade individual do homem na Cidade-Estado, ou polis), e a política
propriamente dita (que se preocupa com a felicidade coletiva). Dizia
Aristóteles:

Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda


comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as
ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes
parece um bem; se todas as comunidades visam algum bem, é
evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as
outras, tem mais que todas, este objetivo e visa ao mais
importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a
comunidade política (Pol., 1252a).

Tomás de Aquino, filósofo medieval, dizia que política é a arte de


governar os homens e administrar as coisas, visando o bem comum, de
acordo com as normas da reta razão. Para Nicolau Maquiavel, em O
Príncipe, política é a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o
próprio governo.
Segundo a autora Hannah Arendt, filósofa alemã (1906-1975),
política "trata-se da convivência entre diferentes", pois "baseia-se na
pluralidade dos homens". Segundo nos informa, a ideia de política e de
coisa pública surge pela primeira vez na polis grega, mais especificamente

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 657

em Atenas, considerada o berço da democracia. O conceito está


intimamente ligado à ideia de liberdade que, para o grego, era a própria
razão de viver.
Utilizando o conceito grego de política, Arendt nos diz que a política
deve organizar e regular o convívio dos diferentes e não dos iguais. Para
os antigos gregos, não havia distinção entre política e liberdade e as duas
estavam associadas à capacidade do homem de agir em público, que era
o local próprio do político.
A filósofa diz ainda:

A política, assim aprendemos, é algo como uma necessidade


imperiosa (imprescindível) para a vida humana e, na verdade,
tanto para a vida do indivíduo maior para a sociedade. Como o
homem não é autárquico, porém depende de outros em sua
existência, precisa haver um provimento da vida relativo a todos,
sem o qual não seria possível justamente o convívio. Tarefa e
objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo.

Para ela, a tarefa da política está diretamente relacionada com a busca


pela felicidade.
Podemos afirmar que o homem é um ser essencialmente político.
Todas as nossas ações são políticas e motivadas por decisões ideológicas.
Tudo que fazemos na vida tem consequências e somos responsáveis por
nossas ações. A omissão, em qualquer aspecto da vida, significa deixar
que os outros escolham por nós. Devido à desinformação ou desilusão
relacionadas às suas expectativas, muitas pessoas dizem categoricamente
que não gostam de política. Essas pessoas, não têm ideia do prejuízo que
estão gerando para si mesmas e para o grupo social. Seria importante que
todos compreendessem que seu desinteresse equivale a renunciar à
cidadania.
Platão, filósofo grego, discípulo de Sócrates dizia: - Não há nada de
errado com aqueles que não gostam de política. Simplesmente serão
governados por aqueles que gostam.
Nossa ação política está presente em todos os momentos da vida,
seja, nos aspectos privado ou público. Vivemos com nossa família, nos
relacionamos com as pessoas no bairro, na escola, somos parte
integrante da cidade, pertencemos a um Estado e País, influímos em

Soeitxawe
658 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

tudo o que acontece em nossa volta. Podemos jogar lixo nas ruas ou não,
podemos participar da associação do nosso bairro ou trabalhar como
voluntários em uma causa em que acreditamos. Podemos votar em um
político corrupto ou votar num bom político, precisamos conhecer
melhor propostas, discursos e ações dos políticos que nos representam.
Não podemos pensar que política é somente o ato de votar ou aquilo
que influencia um grande número de pessoas. Estamos fazendo política
quando exigimos nossos direitos de consumidor, quando nos
indignamos ao vermos nossas crianças fora das escolas ou sendo
massacradas nas ruas. Conhecemos o Estatuto da Criança e do
Adolescente? Ou o Código do Consumidor? A nossa Constituição?
Respeitamos as leis de trânsito?
A política está presente cotidianamente em nossa vida: na luta das
mulheres contra uma sociedade machista que discrimina e age com
violência; na luta dos portadores de necessidade especiais para
pertencerem de fato à sociedade; na luta dos negros discriminados pela
nossa "cordialidade"; dos homossexuais igualmente discriminados e
desrespeitados; dos índios massacrados e exterminados nos 500 anos de
nossa história; dos jovens que chegam ao mercado de trabalho saturado
com milhões de desempregados; na luta de milhões de trabalhadores
sem-terra num país de latifúndios; enfim, na luta de todas as minorias
por uma sociedade inclusiva que, se somarmos, constituem a maioria da
população. Atitudes e omissões fazem parte de nossa ação política
perante a vida. Somos responsáveis politicamente (no sentido grego da
palavra) pela luta por justiça social e uma sociedade verdadeiramente
democrática e para todos.
Para atuar politicamente e, assim, influenciar o poder, cada cidadão e
cidadã deve se conscientizar, informar-se, ouvir, ler, falar, debater,
estudar e procurar formar sua opinião sobre os diferentes problemas.
Com consciência política estaremos preparados para votar, fazer
sugestões, acompanhar os trabalhos dos nossos parlamentares, exigir e
reagir quando for necessário.

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 659

1.1. O conceito de política em Aristóteles

Aristóteles começou a escrever suas teorias políticas quando foi


preceptor de Alexandre, O Grande. Para Aristóteles a Política é a ciência
mais suprema, a qual as outras ciências estão subordinadas e da qual
todas as demais se servem numa cidade. A tarefa da Política é investigar
qual a melhor forma de governo e instituições capazes de garantir a
felicidade coletiva. Segundo Aristóteles, a pouca experiência da vida
torna o estudo da Política supérfluo para os jovens, por regras
imprudentes, que só seguem suas paixões. Embora não tenha proposto
um modelo de Estado como seu mestre Platão, Aristóteles foi o primeiro
grande sistematizador das coisas públicas.
Diferentemente de Platão, Aristóteles faz uma filosofia prática e não
ideal e de especulação como seu mestre. O Estado, para Aristóteles,
constitui a expressão mais feliz da comunidade em seu vínculo com a
natureza. Segundo Aristóteles, assim como é impossível conceber a mão
sem o corpo, é impossível conceber o indivíduo sem o Estado. O
homem é um animal social e político por natureza. E, se o homem é um
animal político, significa que tem necessidade natural de conviver em
sociedade, de promover o bem comum e a felicidade. A polis grega
encarnada na figura do Estado é uma necessidade humana. O homem
que não necessita de viver em sociedade, ou é um Deus ou uma Besta.
Para Aristóteles, toda cidade é uma forma de associação e toda
associação se estabelece tendo como finalidade algum bem. A
comunidade política constitui-se de forma natural pela própria tendência
que as pessoas têm de se agruparem. E ninguém pode ter garantido seu
próprio bem sem a família e sem alguma forma de governo. Para
Aristóteles os indivíduos não se associam somente para viver, mas para
viver bem. Dos agrupamentos das famílias formam-se as aldeias, do
agrupamento das aldeias forma a cidade, cuja finalidade é a virtude dos
seus cidadãos para o bem comum.
A cidade aristotélica deve ser composta por diversas classes, mas
quem entrará na categoria de cidadãos livres que podem ser virtuosos são
somente três classes superiores: os guerreiros, os magistrados e os
sacerdotes. Aristóteles aceita a escravidão e considera a mesma desejável
para os que são escravos por natureza. Estes são os incapazes de

Soeitxawe
660 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

governar a si mesmo, e, portanto, devem ser governados. Segundo


Aristóteles, um cidadão é alguém politicamente ativo e participante da
coisa pública. Segundo Aristóteles, sem um mínimo de ócio não se pode
ser cidadão. Assim, o escravo ou um artesão não se encontra
suficientemente livre e com tempo para exercer a cidadania e alcançar a
virtude, a qual é incompatível com uma vida mecânica. E os escravos
devem trabalhar para o sustento dos cidadãos livres e virtuosos.
Aristóteles contesta o comunismo de bens, mulheres e crianças proposto
por Platão. Segundo ele, quanto mais comum for uma coisa menos se
cuida dela.

A relação entre a política de Aristóteles e a política da Amazônia

A concepção de política em Aristóteles não está dissociada da ética,


uma vez que o cidadão governante deve ser um cidadão virtuoso.
Aristóteles (2000) concebe uma relação direta entre a política e ética em
decorrência da necessidade de formação virtuosa do governante, isto é,
para governar a polis é necessário e fundamental que o governante torne-
se um homem bom e ético para atuar nas necessidades sociais e políticas
da polis.
Nossa proposta consiste em elucidar a relação entre a política de
Aristóteles e a política do Amazonas, uma vez que nossos objetivos
consistem em refletir sobre as contribuições da democracia dos gregos
aos nossos dias. Ao se tratar da política no Amazonas é preciso fazer um
recorte histórico-cultural de um povo, numa região que foi submetida à
colonização, exploração e escravidão por mais de três séculos.
No período político-colonial, a Amazônia estava sendo submetida ao
poder da metrópole portuguesa, aos interesses dos exploradores e a
tentativa de colonização. As expedições científicas no Amazonas
registraram não só a complexidade e a biodiversidade do homem nativo
como também os interesses mercantilistas da cultura ocidental sobre a
Amazônia e suas peculiaridades.
Branco (1995) diz que os primeiros exploradores e suas tentativas de
colonização, se justificam pelos interesses econômicos sobre as riquezas
da região, em seguida, sobrevieram interesses de ordem científica.

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 661

O Amazonas, na ótica desse autor, foi atraído inescrupulosamente


pelos conquistadores portugueses e espanhóis, desenvolveram um
processo predatório de exploração sobre o El Dorado, as florestas
tropicais, a procura do ouro, das pedras preciosas, essências raras como
pau-brasil, canela e especiarias.
Branco afirma que:

Os irmãos espanhóis Pizarro, após destruírem o grande Império


Inca apossando-se de todo ouro ali acumulado, estenderam sua
cobiça para além da Cordilheira dos Andes, em direção ao leste,
impressionados pelas lendas a respeito do El Dorado, país de
fabulosas riquezas (1995: 19).

Diante dessa exploração, compreendemos que o desenvolvimento


econômico, a exploração e dominação política dos exploradores,
contribuíram para que o processo de colonização caracterizasse o poder
político e econômico da colônia. A realidade da colônia fora marcada
pela aristocracia rural, classe social que detinha o poder político,
econômico e ideológico desse contexto.
No século XV, o Brasil e a região do Amazonas receberam o
aventureiro espanhol Vicente Yánez Pinzón, cuja finalidade era explorar
as riquezas do El Dorado. Em 1541, Gonçalo Pizarro, percorrendo o rio
de Los Omáguas com 55 soldados e o Frei Gaspar de Carvajal, relata
sobre os ataques das expedições à região, assim como em suas crônicas
registra seu encantamento à Amazônia.
A Amazônia portuguesa foi, segundo Branco (1995), mantida sobre o
regime de uma economia fechada, segundo a qual os interesses estavam
às voltas da metrópole portuguesa. Ferreira (2008) apresenta-nos em suas
memórias, as viagens filosóficas da Amazônia, momento histórico em
que os cientistas constroem um olhar sobre o conhecimento da cultura e
do homem amazônico.
Mais tarde, “superados” os entraves da política de dominação,
exploração e escravidão da época colonial, é necessário fazer um “breve
comentário” sobre o período político-econômico que sucede, o
Amazonas Imperial. Não é possível falar sobre a política do Amazonas
sem reportar-se ao seu desenvolvimento econômico.

Soeitxawe
662 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

Loureiro (1989) diz que na época Imperial, a economia do Amazonas


estava baseada no extrativismo, exploração dos recursos naturais. É
nesse contexto que a exportação da borracha, na segunda metade do
período Imperial, destaca-se como a atividade econômica por excelência,
denominada de ciclo da borracha.
A opção pelo extrativismo não foi um investimento rendoso para que
os amazonenses superassem os entraves da dominação, pois houve uma
piora na agricultura de subsistência, levando o Estado a constantes crises
devido ao crescimento populacional.
A cidade de Manaus estava crescendo em ritmo acelerado devido às
oportunidades que nela se centralizava, demonstrando uma mudança de
tempo, pessoas saindo do campo e se instalando na cidade. Economica e
politicamente, a capital teria que acompanhar este crescimento
populacional e sua forma de organização social.
O Amazonas Imperial representa, na percepção de Loureiro, um
período em que a política continua atuando sob o paradigma colonial, ou
seja, a política e a economia desse contexto “foi feita pela iniciativa e
risco do capital privado e principalmente pelos imigrantes vindos de
outras regiões, atuando em locais longínquos por conhecidos” (1989:
200).
A política e o crescimento da produção da borracha no Amazonas
proporcionaram à Província um desenvolvimento incalculável. Loureiro,
destaca que:

com a expansão da atividade extrativa, o aumento do consumo,


acompanhando o da população, e a centralização do comércio de
compra e venda do interior, mas mãos dos seringalistas, o sistema
de resgate ou escambo dos regatões sofreu sério impacto,
passando a ser considerado verdadeira pirataria, substituído pelos
navios a vapor e pelo sistema de aviamentos (Ibidem. 202).

Os produtos naturais eram os principais objetos de compra e venda


do comércio no período Imperial. Praticamente toda a receita da
Província do Amazonas, era atribuída a venda desses produtos por meio
de exportação. A política econômica não correspondia aos gastos que o
governo tinha apesar de ter coletorias de impostos em várias cidades do
Estado.

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 663

Percebemos claramente o enfraquecimento político e econômico do


Estado, a ausência de uma administração sólida e eficiente colocou todos
os cidadãos em situação de difícil sobrevivência. O governo gastava mais
do que arrecadava, consequentemente os impostos aumentam sobre os
produtos de necessidades básicas dificultando assim obtê-los. Apesar da
instauração da Província do Amazonas, o Estado em seus primeiros anos
continuou dependendo economica e politicamente do Pará e em alguns
casos, do tesouro nacional para encobrir as dividas locais.
Na Política, o primeiro presidente da Província do Amazonas não foi
escolhido pelo povo, mas nomeado pelo Imperador. Durante o período
Imperial no Amazonas, a história assistiu sessenta e três trocas de
governantes e a mudança do sistema Imperial para o Republicano, essas
mudanças não trouxeram desenvolvimento para a região, pois devido a
esta descontinuidade política houve danos à administração da Província.
É interessante perceber que Loureiro (1989) afirma que “as
nomeações da Província estavam relacionadas às subidas e quedas dos
primeiros ministros e de seus gabinetes, umas de imediato, outras, a
longo prazo”. Isso quer dizer que a disputa de poder no Amazonas
Imperial caracteriza-se pela lógica do capital internacional,
comprometendo o compromisso com bem da população.
Esta busca pelo equilíbrio econômico da Região Amazônia é uma
exigência de cada tempo e que hoje corresponde ao anseio da
globalização e o desafio de ocidentalizarmos.
Freitas e Silva nos dizem que:

Na Amazônia, a parte mais fantástica do continente americano,


essas elaborações tiveram o contexto apropriado para o
desenvolvimento do mercantilismo e, posteriormente, das
articulações capitalistas, no plano econômico: e da dominação
colonial ibérica e da unidade nacional brasileira no plano político
e cultural (2000: 23).

Isso quer dizer que os contextos político-econômicos projetados


desde o primeiro período de dominação no qual a Amazônia vivenciou,
foram as bases para a realidade política em que vivemos. Esta proposta
que apresentamos, relacionando o processo econômico da região nos
diferentes períodos da história com o resultado do processo político dos

Soeitxawe
664 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

dias de hoje, foi possível graças a um recorte historiográfico que está


intimamente ligado ao desenvolvimento econômico da região.
Bittencourt (2001), ao falar sobre os aspectos sociais e políticos do
desenvolvimento do Amazonas, destaca que a história regional esteve
motivada sob os pilares da elite político-administrativa e sua
incapacidade de equilibrar as oportunidades do desenvolvimento para a
própria região, uma vez que o esforço de mudança estava direcionado
para internacionalização econômica.
A lógica inexorável do mercantilismo colonial e Imperial registra o
infortúnio dos povos oprimidos em seu próprio contexto cultural. Desse
modo acreditamos que o atraso cultural implica a maturidade e a
criticidade de quem olha para o destino de uma região submetida à
violência capitalista, dominadora, monopolizadora e, acima de tudo,
empobrecedora, pois comprometeu historicamente a emancipação e
autonomia de um povo não interessado em atrair o capital privado, mas,
sobretudo, acumular riquezas naturais em proveito de sua complexidade
cultural.
É nesta perspectiva que acreditamos ser possível fazer um paralelo
entre a concepção de política em Aristóteles e a política do Amazonas,
uma vez que o compromisso do governante, na ótica aristotélica, é
garantir o bem comum na cidade (polis).
Freitas e Silva afirmam que a “Amazônia esteve sempre no limite da
racionalidade e da irracionalidade dos confrontos civilizatórios”. Desse
modo, a produção da irracionalidade não impediu que a Amazônia
estivesse,

presente em seus silêncios, em todos os processos de afirmação


de campos de conhecimento da era moderna: a filosofia, a
botânica, a astronomia, a geografia, a história, a economia, o
direito, as artes e a religião (2000: 6).

Em seus estudos sobre a Amazônia Contemporânea e as dimensões


da globalização, Freitas e Silva (2000), apresentam a historicidade e a
emergência dos processos de globalização na Amazônia. Segundo os
autores, “o mercantilismo e o absolutismo monárquico inseriram na
região um jogo de forças internacionais que deixaram inúmeras marcas
na economia e na política”.

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 665

Hoje a Amazônia, está presente no momento de expansão do


mercado capitalista, assim como num processo de mundialização política
e econômica. Os autores afirmam ainda que:

Os indícios de relações da sociedade global são muito fortes na


Amazônia. A região foi redefinida com o desenvolvimento
intensivo e extensivo do capitalismo no campo e na cidade. Os
pólos de desenvolvimento atualizaram os processos econômicos
e políticos em curso na Amazônia, com os interesses da divisão
internacional do trabalho e com a nova racionalidade posta para
as relações mundiais (Ibidem: 5).

De acordo com a elucidação dos autores, é possível compreender que


a Amazônia, ao passar por quatro séculos de predominância da
dominação europeia, encontra-se hoje engajada em constituir produções
culturais e um pensamento político próprio. A racionalidade e o
irracionalismo representaram desde a Amazônia portuguesa um esforço
de reduzir a pluralidade, a complexidade ao unívoco.
No plano político, a ocidentalização mercantilista, colonial e imperial,
distanciaram-nos de uma concepção política comprometida com o ethos
cultural, pois, os processos econômicos na Amazônia indicam surtos de
riqueza e miséria, entraves promovidos pelo mercantilismo e
imperialismo capitalista transnacional da economia mundial.
Diante dessa realidade a política na Amazônia esteve revestida de
interesses baseados na lógica do mercantilismo, consequentemente, do
imperialismo capitalista, não oportunizando espaços de construção para
uma política que possa resgatar a perspectiva cultural com a invenção da
Amazônia. É nesse sentido que procuramos compreender o sentido
originário da política regional, resgatando a concepção aristotélica, uma
vez que a política proposta por esse filósofo passa pelo crivo da ética e
da virtude.
O governante virtuoso, na ótica de Aristóteles (2000: 1), deve
governar a cidade a partir da ideia do bem. Aristóteles ao analisar a
constituição e o melhor regime para a maioria dos Estados, afirma que
“o que dizemos da virtude e do vício do Estado devemos dizer do
governo, que é a vida do Estado inteiro”.

Soeitxawe
666 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

É neste sentido que é possível fazer uma relação entre a concepção


de política em Aristóteles e a política na Amazônia, uma vez que na visão
de Freitas e Silva (2000), a realidade regional necessita superar os
entraves e os vícios políticos dos governantes com a finalidade de
permitir que o Estado liberte-se do absolutismo ilustrado e da
tecnoburocracia atual.
A ótica do poder regional polarizada na economia mundial implica no
empobrecimento de uma concepção de política baseada na virtude, uma
vez que a proposta de Aristóteles está vinculada a esta perspectiva.
É importante termos como embasamento primeiro que Aristóteles
busca criar uma consciência política fundamentada na ética e na
educação. Sendo o homem um animal político, inserido e voltado para a
polis, tem a obrigação de buscar as virtudes necessárias que se precisa
para assumir uma função pública de responsabilidade e ao mesmo tempo
sendo coerente na compreensão de uma polis mais aberta a todos.
Na perspectiva aristotélica um homem só é verdadeiramente um bom
governante no seio da cidade, considerando que o homem tem por
finalidade a felicidade, pois a plenitude desse projeto político consiste na
ciência por excelência, no que se refere à vida humana, é a ciência da
sociedade. Para Aristóteles (2000) “Não só há mais beleza no governo
do Estado do que no governo de si mesmo, mas tendo o homem sido
feito para a vida social. A política é, relativamente à ética, uma ciência
mestra, ciência arquitetônica”.
A contribuição dessa proposta permite-nos pensar nosso contexto
cultural, uma vez que vivenciamos uma política de dominação em que o
modo de produção e as estruturas sociais estão inseridos na gênese do
capitalismo e da globalização, alterando o significado da mercadoria e da
essência do valor (SALAZAR, 2006).
Em Aristóteles (2000), a política está voltada para o bem comum dos
cidadãos, perpassando por uma formação ética do governante. Em
contrapartida, Salazar (2006), destaca que a formação histórica do capital
e as etapas da globalização comprometem o contexto do
desenvolvimento das forças produtivas da Amazônia.
Na visão desse autor, a questão do desenvolvimento humano e social
está completamente implicada com os entraves do modelo capitalista,
desse modo, as potencialidades regionais devem superar tais entraves a

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 667

partir de uma revisão de seus modelos políticos e econômicos, cuja


finalidade é apontar para perspectivas de novos tempos.
Na historiografia político-econômica da Amazônia, vemos que ela é
marcada por monopólios e expropriação de bens, gerando assim
conflitos que até hoje em muitos lugares da região perduram. Sobre o
fato da Amazônia por muito tempo ter sido explorada e monopolizada
por pessoas elitizadas, Oliveira afirma que:

este processo no que toca a região amazônica, não pode ser


contado sem a anuência, decisão e participação dos governos
militares do país e seus estrangeiristas geopolíticos, que são
seguramente os maiores responsáveis pela incorporação da
Amazônia ao capitalismo mundial de toque monopolista. Seu
rastro tem sido o rastro da expropriação. Expropriação dos
recursos naturais, minerais, florestais, dos solos, do suor dos
trabalhadores, das nações indígenas. Tudo isso feito sem a
consulta à maioria da população deste país (1995: 54).

A historiografia regional mostra-nos que os processos econômico e


político de nossa região foram marcados por uma ideologia de
dominantes e dominados, senhor e escravos. Desse modo, os processos
de conscientização política na Amazônia continuam desafiando nossa
compreensão político regional, uma vez que a constituição da
democracia amazonense tem sido um esforço histórico de construção e
preservação do ethos cultural. É, nesta perspectiva, que a consciência
regional se esforça, por meio de um processo educativo, construir uma
polis voltada para os valores de um povo que luta constantemente contra
as forças econômicas e políticas da classe dominante.
Esse processo representa o desejo da população regional em
construir a igualdade, a justiça e a democracia. O que assistimos na
Amazônia é um regime democrático circunscrito em interesses
partidários e ideológicos, o que compromete a realização das utopias do
povo e da sociedade.
Para Bobbio:

Quando as classes políticas se cristalizam e não se renovam,


quando não existem mais classes políticas em concorrência,
encontramo-nos diante de um regime que é ou tende a se tornar

Soeitxawe
668 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

aristocrático. A característica do regime democrático é a


alternância das classes políticas no poder, sem que a mudança,
mesmo radical ocorra com derramamento de sangue (2013: 25).

Diante dessa elucidação sentimo-nos mais confortáveis para


direcionar nossas críticas sobre a política de nossa região, pois assistimos
há várias décadas a democracia sendo corrompida por posturas de
governantes que desejam a cristalização do poder, violando o fluxo
dialético da duração dos governantes no poder. O desejo pelo poder faz
com que os governantes do nosso Estado permaneçam sem oportunizar
a alternância do sistema democrático, caracterizando-os como
aristocráticos que impedem o exercício virtuoso da cidadania.
A democracia representa a participação do povo, no sentido
aristotélico, em praça pública. O poder político deve estar a serviço do
povo. A democracia projeta os cidadãos para uma pertença cívica, na
qual a cidadania virtuosa significa a eliminação das desigualdades sociais.
Silva Filho (2014: 34), em seu trabalho A democracia e a democracia
em Norberto Bobbio, diz que “a igualdade só vale para aqueles que
podem de fato ser reconhecidos como igual”. Para reduzir a desigualdade
e as injustiças sociais precisamos resgatar as relações entre a política e a
educação.
Aristóteles na obra Ética a Nicômaco afirma que:

Também parece que o homem verdadeiramente político é aquele


que estudou a virtude acima de todas as coisas, visto que ele
deseja tornar os cidadãos homens bons e obedientes às leis (2001:
36).

Se os indivíduos que se dedicam a ocupar cargos públicos, se


comprometessem verdadeiramente com o estudo das virtudes e a prática
delas, certamente não haveria corrupção, sendo que ser virtuoso é andar
conforme a ética e a justiça. Conforme a citação, vemos que a meta final
não é simplesmente o indivíduo particular ser virtuoso, mas tornar os
outros cidadãos também, porque só com a prática das virtudes
essencialmente humanas é que se pode concretamente corresponder aos
anseios e interesses comuns dos cidadãos.

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 669

O fundamento da instauração de um sistema democrático é a


liberdade, a participação motivada por um interesse que tenha em vista o
bem comum. Uma das características da liberdade reside em ser
governado e governar para o bem comum, nisto consiste uma
administração equivalente a um determinado tempo conforme vemos na
obra A Política de Aristóteles.
Aristóteles, sendo citado por Hourdakis (2001: 120), mostra-nos
como o homem torna-se virtuoso. Há três formas de os homens
tornarem-se virtuosos e notáveis: a natureza, o habito e a razão. Para
moldar um homem para o exercício de ser um bom legislador é preciso
voltar-se para o trabalho da educação, “uma vez que os homens
aprendem certas coisas por hábito e outras graças aos professores”.
Na obra Aristóteles e a Educação, Hourdakis, destaca que:

é evidente que os princípios gerais para a educação dos cidadãos


são estabelecidos por meio de leis, e que essas leis deverão ser
independentes do número dos cidadãos que serão educados, quer
se trate de um só cidadão ou de muitos. Logo, a parte da
legislação que assegura uma relação com a educação pública é
para todos (2001: 23).

O cumprimento das leis seria o caminho para que se garanta a


educação dos cidadãos dentro do Estado para uma política correta. A
educação assegura a vivência das virtudes para a vida pública, e para um
sistema político permeado pelos interesses do coletivo. As leis
educacionais são para todos aqueles que estão dentro da polis, isso
demonstra uma consciência de igualdade, que se incluiria nas categorias
das virtudes para que se tenha a saúde do Estado garantida. Essa é outra
grande contribuição de Aristóteles para a nossa sociedade atual, a
igualdade e o comprimento da lei.
Para “se tornar um bom governante deve primeiramente aprender a
ser bem governado”. O fim último de uma sociedade perfeita reside na
possibilidade da educação tornar virtuosos os homens que governam e
os que são governados.

Portanto, a principal conclusão que se extrai do estudo da Ética a


Nicômaco é que somente a educação permite ao homem

Soeitxawe
670 Ivo Santos, Jean Pereira, Lucas Silva & Antonio Romero

desenvolver a mais importante de todas as ciências, aquele que


tem o papel mais importante de comando: a política, e que é
absolutamente necessário que sejam elaboradas regras de
educação que sigam a teleológica da cidade-Estado (Ibidem.).

A possibilidade que temos a partir da Ética a Nicômaco, de teorizar


pedagogicamente o estudo da política é fundamental, porque ela leva-nos
a concluir que é apenas por meio da educação que podemos chegar à
plenitude concreta, com a qual é possível promover o exercício da
cidadania para a construção de uma democracia plena. Sobre o papel da
democracia, Habermas, diz que:

O papel central que desempenha a justificação pelo exercício da


discussão racional na legitimação da justiça e do direito, é a
necessidade da democratização do Estado de direito graças à
prática pública da discussão e da argumentação, no “uso público
da razão” (2005: 84).

O exercício democrático da cidadania e o uso público da razão em


nossa realidade deve ser um compromisso político, no qual a educação
representa o ponto de partida e o ponto de chegada para um povo que
precisa superar as ideologias dominantes, exercitando-se pelo viés da
ética e da virtude.

Soeitxawe
O desenvolvimento político na Amazônia 671

Referências

ARISTÓTELES. A Política. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BITTENCOURT, Agnelo Uchôa. Aspectos Sociais e Políticos do desenvolvimento
Regional. 2 ed. Manaus: Valer, 2001.
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do
jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
BRANCO, Samuel Murgel. O Desafio Amazônico. 15 ed. São Paulo:
Moderna, 1989.
FILHO, João Antônio da Silva. A Democracia e a Democracia em Norberto
Bobbio. São Paulo: Verbatim, 2014.
FREITAS, Marcílio; SILVA, Marilene Corrêa. Estudos da Amazônia
Contemporânea: dimensões da globalização. Manaus: Edua, 2000.
HOURDAKIS, Antonie. Aristóteles e a Educação. São Paulo: Loyola, 2001.
LOUREIRO, Antonio José Souto. O Amazonas na época Imperial. Manaus,
Am: Ed. Comemorativa, 1989.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Amazônia: monopólio, expropriação e
conflitos. 5 ed. São Paulo: Papirus, 1995.
SALAZAR, Admilton Pinheiro. Amazônia: Globalização e sustentabilidade.
2 ed. Manaus: Valer, 2006.

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus1

João Barros da Silva2


Luan Sena da Silva3
Marcelo Frazão4
MSc. Antonio Enrique Fonseca Romero5

Resumo: O presente trabalho analisa o conceito de qualidade da educação,


considerando suas múltiplas significações e dimensões. Para tanto, apresenta a
perspectiva educacional desde a gestão escolar da rede pública do sistema
municipal de ensino de Manaus - Amazonas, em articulação com as exigências e
políticas públicas para a educação nacional, em especial à gestão democrática do
ensino público. Sustenta-se nas concepções e novas abordagens da gestão
democrática da educação. Utiliza-se da abordagem qualitativa na análise
documental de planos, programas e da legislação municipal do ensino. A política
municipal de educação estabelece diretrizes para a gestão das escolas públicas,
porém com processos democráticos de gestão escolar, centrados na participação
da comunidade escolar e local, refletidos na gestão das escolas públicas
manauenses. A partir de uma dimensão dialética, pensamos uma educação
inclusiva como movimento histórico. Conceitos centrais do trabalho são os de
inclusão e cidadania. Não podemos falar em educação sem pensar em educação
para todos. O paradigma da inclusão serve de parâmetro a gestão educacional e


1 Trabalho apresentado no I SOEITXAWE - Congresso Internacional de
Pesquisa Científica na Amazônia, realizado entre os dias 1 e 3 de Maio de 2015,
Cacoal, RO/Brasil.
2Acadêmico do Curso de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia - ITEPES.
3Acadêmico do Curso de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia - ITEPES.
4Acadêmico do Curso de Filosofia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino
Superior da Amazônia - ITEPES.
5Docente do Curso de Filosofia do ITEPES e do Curso de Direito da
ESO/UEA. E-mail: aromero@uea.edu.br, anenforo65@hotmail.com
674 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

para a efetivação de projetos pedagógicos que privilegiem o respeito à diferença


e a sua participação como legítima nos processos sócio-educacionais.
Palavras-chave: Qualidade; Inclusão; Gestão Democrática.

1- Introdução

O trabalho traz os resultados da pesquisa referentes às diretrizes


firmadas na rede municipal de educação para a gestão das escolas
públicas de Manaus. A qualidade da educação e da escola vem ganhando
importância, mesmo que, em alguns casos como mera retórica, na
agenda de governos, movimentos sociais, pais, estudantes e
pesquisadores do campo da educação também se voltam para o assunto.
Nessa direção, ressalta-se que a efetivação de uma escola de qualidade se
apresenta como um complexo e grande desafio. Debater tais questões
remete à apreensão de um conjunto de determinantes que interferem
nesse processo, no âmbito das relações sociais mais amplas, envolvendo
questões macroestruturais, como concentração de renda, desigualdade
social, educação como direito, entre outras. Envolve, igualmente,
questões concernentes à análise de sistemas e unidades escolares, bem
como ao processo de organização e gestão do trabalho escolar, que
implica questões como condições de trabalho, processos de gestão da
escola, dinâmica curricular, formação e profissionalização docente. A
educação, portanto, é perpassada pelos limites e possibilidades da
dinâmica pedagógica, econômica, social, cultural e política de uma dada
sociedade.
De outro lado, o texto ressalta que as finalidades educativas e,
portanto, o alcance do que se almeja como qualidade da educação se
vincula aos diferentes espaços, atores e processos formativos, em seus
diferentes níveis, ciclos e modalidades educativas, bem como à trajetória
histórico-cultural e ao projeto de nação que, ao estabelecer diretrizes e
bases para o seu sistema educacional, indica o horizonte jurídico
normativo em que a educação se efetiva ou não como direito social.
Nessa direção, o trabalho articula o objeto temático ao princípio da
gestão democrática do ensino público na educação básica para a
educação nacional. A fundamentação teórica sustenta-se nas concepções
e novas abordagens da gestão democrática da educação.

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 675

2- Configuração da Rede Municipal de Ensino de Manaus e sua


Estrutura e Funcionamento.

Segundo dados da Divisão de Pessoal/SEMED/2011, a rede


Municipal conta atualmente com 12.996 (doze mil novecentos e noventa
e seis) educadores que atuam em creches, creches conveniadas, centros
municipais de educação infantil, escolas municipais de ensino
fundamental, centro de educação especial, centro de educação de jovens
e adultos, programa municipal de escolarização do adulto e da pessoa
idosa (PROMEAPI), alfabetização solidária (ALFASOL), espaços
educativos escolares indígenas. Deste total, 11.728 (onze mil setecentos e
vinte e oito) estão em efetivo exercício da docência, dos quais 2.700 (dois
mil e setecentos) fazem parte do quadro temporário, ou seja, ingressaram
na rede através de processo seletivo.
Há ainda 283 (duzentos e oitenta e três) professores na condição de
readaptados, isto é, exercem suas funções fora de sala de aula, como por
exemplo, sala de leitura, laboratórios, bibliotecas etc. (Ver Gráfico 1). No
quadro total de professores da Rede Municipal, há também 985
(novecentos e oitenta e cinco) em licença médica, para interesse
particular, para acompanhar cônjuge, para exercer cargo eletivo, para
fazer curso e em licença especial. A rede municipal de ensino conta com
518 (quinhentos e dezoito) estabelecimentos de ensino, com
funcionamento nos turnos matutino, vespertino e noturno, distribuídos
de acordo com o Gráfico 2. Destacamos a diversidade de tipos de
estabelecimentos de ensino existentes na Rede Municipal de ensino de
Manaus, que além do ensino fundamental completo, ainda mantém
creches e programas que atendem indígenas, educação especial, jovens,
adultos e idosos.


Soeitxawe
676 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero




3- Metas Educacionais da SEMED 2014.

As Metas Educacionais estão norteadas em quatro eixos da educação,


descritos abaixo, para serem implementadas no ano letivo de 2014, as
quais foram definidas visando atender as prioridades emergentes na Rede
Municipal de Ensino.

3.1. Eixo I – Elevar Os Índices de Desenvolvimento da Educação


Básica – IDEB em 25% nos anos iniciais (5.1) e 30% nos anos finais
(4.0).

I. Elevar a taxa de aprovação do ensino fundamental de 82% para


84%;
II. Reduzir a taxa de distorção idade-série dos alunos do ensino
fundamental (anos iniciais) de 26,24% para 23%;
III. Reduzir a taxa de abandono do ensino fundamental de 3,3%
para 3,0%;
IV. Elevar a taxa de aprovação do 9º ano do ensino fundamental
noturno de 50,2% para 52%;

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 677

V. Reduzir a taxa de distorção idade-série dos alunos do ensino


fundamental (anos finais) de 38,43% para 35% (2º segmento de
EJA);
VI. Reduzir a taxa de abandono na educação de jovens e adultos 1º
segmento de 38,4% para 30%;
VII. Elevar a taxa de aprovação da educação de jovens e adultos 1º
segmento de 42% para 55%;
VIII. Reduzir de 97% para 95% a taxa de distorção idade-série dos
alunos de 6º ao 9º ano do ensino fundamental;
IX. Reduzir de 36,6% para 30% a taxa de abandono dos alunos do
noturno na modalidade de EJA (2º segmento – 6º ao 9º ano);
X. Reduzir de 5,7% para 4,0% a taxa de abandono da educação
infantil da Rede Municipal;
XI. Diminuir em 5% o índice de evasão e abandono escolar das
escolas atendidas pelo CEMASP POLO I, comparado ao ano de
2013;
XII. Reduzir o índice de evasão e abandono escolar em 179 escolas
municipais atendidas pelo CEMASP POLO II;
XIII. Reduzir em 100% o índice de evasão e abandono escolar nas
escolas da DDZ VII que encaminharem FICAI ao CEMASP
POLO IV;
XIV. Elevar os índices de desenvolvimento da educação básica –
IDEB Em 25% nos anos iniciais (5.1) e 30% nos anos finais
(4.0).

3.2. Eixo II – Aperfeiçoar e Melhorar a Qualidade na Educação Básica


(Educação Infantil e Ensino Fundamental).

I. Captar e operacionalizar 100% dos recursos financeiros federais


para a implantação de Programas Educacionais na Secretaria
Municipal de Educação;

Soeitxawe
678 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

II. Implantar em 100% a oferta de vagas na modalidade de EJA (2º


segmento) na Rede Municipal de Ensino;
III. Reduzir de 40% para 30% o índice de abandono nas turmas do
Programa Municipal de Escolarização do Adulto e da Pessoa
Idosa – PROMEAPI;
IV. Realizar assessoramento pedagógico em 100% das escolas e
espaços culturais indígenas;
V. Orientar e monitorar os programas e projetos que integram as
atividades do processo de ensino-aprendizagem da educação
escolar indígenas em 100% das escolas e espaços culturais;
VI. Promover o fortalecimento e a revitalização da cultura indígena
em 100% das escolas e espaços culturais;
VII. Elevar a taxa de inclusão de educação especial de 68,24% para
70%;
VIII. Aperfeiçoar a qualidade da educação infantil por meio de
programas e projetos especiais, expandindo sua atuação para
100% das DDZ;
IX. Oferecer formação continuada para 100% dos profissionais da
educação (professores, diretores, pedagogos e administrativos)
da Secretaria Municipal de Educação – SEMED;
X. Promover formação continuada em serviço abordando temas
sociais e contemporâneos para 50% dos professores da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental da Rede Municipal
de Ensino;
XI. Ampliar a oferta de vagas de 30% para 70% dos cursos livres de
idiomas – Inglês e Espanhol – do Programa Ampliando
Horizontes;
XII. Acompanhar e executar 100% das ações do PAR no que
concerne a formação inicial e continuada dos professores da
educação infantil, do ensino fundamental e servidores da Rede
Municipal de Ensino;

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 679

XIII. Promover a pesquisa científica relacionada ao processo de


formação do professor pesquisador com 100% da educação
infantil e do ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino;
XIV. Promover 100% a execução das diretrizes previstas no Plano
Nacional de Educação (PNE) em direitos humanos, junto aos
professores e pedagogos da rede municipal;
XV. Realizar formação continuada de professores por meio do
projeto oficinas de formação em serviço em 09 (nove) escolas
municipais;
XVI. Oferecer formação continuada em tecnologias para 4.000
servidores da Secretaria Municipal de Educação (diretores,
secretários, pedagogos, professores, coordenadores de
TELECENTROS e administrativos);
XVII. Assegurar a utilização dos recursos tecnológicos disponíveis
em 100% das escolas da Secretaria Municipal de Educação;
XVIII. Fortalecer e operacionalizar 100% das vagas disponíveis para
cursos de pós-graduação à distância e presencial, através das
parcerias com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e
Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM);
XIX. Preencher em 100% as vagas ofertadas no Programa Ciência
na Escola (PCE) e articular junto a FAPEAM a execução de
projetos científicos e tecnológicos das escolas municipais;
XX. Subsidiar o Programa 5S em 10% das Unidades de Ensino da
Rede Pública Municipal;
XXI. Implementar o Programa Municipal Saúde do Escolar em
100% das escolas municipais com ações de saúde geral, saúde
ocular e saúde bucal;
XXII. Implementar o Programa Saúde na Escola – PSE (MEC/MS)
em 88 escolas municipais com ações de assistência e promoção à
saúde;
XXIII. Desenvolver atividades do Programa de Ações Integradas e
Referenciais de Enfrentamento a Violência Sexual Infanto-
juvenil – PAIR – eixo prevenção na educação em 250 escolas
municipais;

Soeitxawe
680 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

XXIV. Implementar o Programa de Melhoria em 218 bibliotecas da


Rede Municipal de Ensino;
XXV. Monitorar a frequência escolar de 195.924 alunos da rede
pública e privada de ensino, beneficiários do Programa Bolsa
Família (MEC/MDS);
XXVI. Monitorar o Programa Nacional do Livro Didático em 335
escolas municipais da rede de ensino;
XXVII. Garantir o acesso a Legislação Educacional vigente a 100%
das escolas da rede municipal;
XXVIII. Aumentar em 100% as ações desenvolvidas entre o
CEMASP POLO I e as DDZ I E II, a fim de esclarecer o
fluxograma, assim como o feedback dos atendimentos realizados
nas escolas em tempo hábil;
XXIX. Elevar de 80% para 100% o índice de eficiência do serviço
realizado pelo CEMASP POLO I;
XXX. Elevar em 95% o índice de eficiência do serviço realizado pelo
CEMASP POLO III nas 184 escolas e creches municipais das
DDZ V e VI;
XXXI. Atingir em 100% as parcerias entre o CEMASP/POLO IV,
DRE VII, conselhos tutelares e instituições especializadas com
intuito de esclarecer as ações desenvolvidas por este centro,
além de garantir o retorno junto à equipe escolar no que diz
respeito aos atendimentos realizados nas escolas;
XXXII. Elevar de 97% para 100% o Índice de Eficiência do serviço
realizado pelo CEMASP POLO IV.

3.4. Eixo III – Expandir a Cobertura e Melhoria da Infraestrutura e


Logística das Unidades Educacionais e Administrativas da Secretaria.

I. Captar e operacionalizar 100% dos recursos financeiros federais


para as construções, reformas e adequações de infraestrutura das
unidades de ensino;

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 681

II. Operacionalizar 100% das ações destinadas à expansão da


cobertura e melhoria da infraestrutura da educação básica
(educação infantil e ensino fundamental);
III. Garantir em 100% as construções, reformas e adequações na
infraestrutura das Unidades de Ensino e Administrativas da
Rede Municipal de Ensino;
IV. Operacionalizar 100% das atividades logísticas da divisão de
patrimônio, almoxarifado e depósito;
V. Operacionalizar 100 % das atividades logísticas da divisão de
alimentação escolar;
VI. Otimizar, gerenciar e monitorar em 100% as ações do
Departamento de Transporte Escolar.

3.5. Eixo IV – Promover o Melhor Desempenho na Gestão


Administrativa, Monitoramento e Avaliação da Secretaria Municipal de
Educação.

I. Captar e operacionalizar 100% dos recursos financeiros federais


para a implantação de Programas Educacionais na Secretaria
Municipal de Educação;
II. Viabilizar e prover monitoramento em 100% das ações atribuídas
ao DEPLAN;
III. Implantar em 100% um sistema de compras on-line na Secretaria
Municipal de Educação;
IV. Promover o Prêmio Municipal de Gestão Escolar – PMGE em
100% das Unidades de Ensino;
V. Subsidiar 100% as ações de melhoria contínua da gestão das
unidades de ensino;
VI. Implementar em 100% a Reestruturação Organizacional das
DDZ;

Soeitxawe
682 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

VII. Implantar 100% do SAEDE no âmbito da rede municipal de


ensino, conforme o decreto nº 0324 de 22 de outubro de 2009
até final de 2018;
VIII. Coordenar e executar 100% das ações inerentes à divisão de
pessoal.

4- Política de Educação Inclusiva no Município de Manaus

A implantação da Política de Educação Inclusiva no município de


Manaus refletiu a Legislação Nacional por meio de Leis, Decretos,
Resoluções e Programas sancionados para sua efetivação na prática da
Secretaria de Educação e nas escolas do município. A Reorganização da
Política Pública de Ensino em Manaus apresenta que o crescimento da
matrícula do aluno especial na escola comum e tem crescido a cada ano.
Nos termos em que estão previstos a efetivação dos direitos humanos, o
município de Manaus embasado nas políticas públicas pautadas nos
pactos internacionais e políticas nacionais, normatizou políticas para
garantir condições adequadas a todos os educandos de exercerem seu
direito de sujeito social. No ano de 2010, o formato na administração
municipal, é a Divisão Regional de Educação, composta por sete
Divisões Regionais, distribuídos nas zonas da cidade de Manaus.
Os dados mais atuais disponíveis da Divisão de Informação e
Estatística a Secretaria Municipal de Educação - SEMED de Manaus
refere-se ao ano de 2009. A SEMED Manaus que atua em três grandes
áreas: Infraestrutura, Gestão Escolar e Projetos e Programas
Pedagógicos, possui o total de 438 escolas da educação infantil e ensino
fundamental. Destas, 358 são da zona urbana e 80 da zona rural. Sendo
uma (01) creche Municipal, 94 Centros Municipais de Educação Infantil,
311 Escolas Municipais, 32 anexos, 63 turmas de Educação Especial, 24
Salas de Recurso Multifuncional, 01 Complexo Municipal de Educação,
01 Divisão de Formação do Magistério e 07 Divisões Distritais,
computando 3.533 salas (SEMED, 2009).
A política de educação inclusiva tem a concepção de sujeito a partir
de sua especificidade, potencialidade e individualidade, tendo como

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 683

preceito fundamental o respeito à diferença, a diversidade na


peculiaridade e afirmando que “o movimento mundial pela educação
inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada
em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e
participando, sem nenhum tipo de discriminação” (MEC, 2008). Esse
caminho enfatiza a necessidade da efetivação de condições e
possibilidades de práticas de ensino especializadas, de atenção e
expressão da organização da escola em condições para atuarem nas
necessidades educacionais especiais. Nesse caminho, o Decreto n.
6.571/08 e a Resolução n. 04/2009 foram criados regulamentando o
atendimento na Sala de Recurso Multifuncional - SRM dos alunos
matriculados, com intuito de viabilizar a inclusão educacional dos alunos
matriculados na escola comum, frequentando um espaço que se utiliza
de recursos pedagógicos e de acessibilidade denominado Atendimento
Educacional Especializado.

4.1. O Decreto n. 6.571/08: mediando o direito à educação inclusiva

A partir da PNEEPEI-2008, foi criado o Decreto n. 6.571/08, para


regulamentar o parágrafo único do Art. 60 da LDB no 9.394/96, que por
sua vez vem atender a Constituição Federal de 1988 no Art. 208, no
inciso III, referindo-se ao dever do Estado a garantir na educação
“atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino”. Um dos objetivos do
Decreto n. 6571/08 foi o atendimento educacional especializado aos
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação que no Art. 2º afirma que é “I - prover
condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos
alunos [...]” (BRASIL, 2008). O Art. 10. § 1º do Decreto n. 6.571 de
2008, esclarece que: “considera-se atendimento educacional especializado
o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos
organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou
suplementar à formação dos alunos no ensino regular”. Na reflexão
deste conceito, atendimento especializado considerando cada pessoa
como “um ser particular, singular em seus interesses, em suas

Soeitxawe
684 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

características pessoais e sociais”. [...] eles são os próprios aprendizes,


valorizados em suas particularidades (CARVALHO, 2007: 67).
A compreensão ao sujeito incluído suscita o respeito a seus interesses,
cada característica que se diferencia das demais pessoas e “[...] a escola
comum é o ambiente mais adequado para garantir [...] a quebra de
qualquer ação discriminatória e todo tipo de interação que possa
beneficiar o desenvolvimento cognitivo, social, motor e afetivo dos
alunos em geral (MANTOAN, 2006: 27)”. Emerge a necessidade das
escolas se estruturarem para incluírem todos os educandos, envolve a
significativa mudança tanto nos aspectos estruturais da escola como nos
espaços pedagógicos, possibilitando para o aluno o desenvolvimento de
suas potencialidades, encarando o aluno, com ou sem deficiência, como
um ser que pensa, que deseja e que também constrói independentemente
das limitações impostas em sua natureza.
O diferencial da educação inclusiva é que a criança deve receber a
educação sistematizada na sala de aula comum, com condições
asseguradas e metodológicas, recursos pedagógicos e de acessibilidade
para que seja desenvolvida sua aprendizagem. Não é mais a criança que
deve ser responsabilizada pelos seus déficits, mas é a escola que precisa
se reestruturar para estar preparada para educar a todos (FACION,
2008). O acesso, a permanência e a qualidade da participação da criança
especial na escola comum é característica da educação inclusiva para o
direito ao ensino e aprendizagem de todos os alunos. Esse convívio deve
acontecer e se desenvolver nas escolas de ensino comum e na sala de
recurso multifuncional. O Decreto nº 6.571/08 instituiu na Resolução nº
04/2009, as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional
Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, com
o qual iremos dialogar a seguir.

4.2. A Resolução n. 04/2009: orientações para a prática educacional


inclusiva

A Resolução n. 04/2009 do CNE/CEB, consta no Diário Oficial da


União, em Brasília, do dia 05 de outubro de 2009, Seção 1 (p. 17). É
criada para garantir a matrícula dos alunos especiais, a permanência e o

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 685

desenvolvimento da educação inclusiva. Institui as Diretrizes


Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na
Educação Básica, modalidade Educação Especial. Com função
complementar ou suplementar institui Diretrizes Operacionais, onde no
Art. 1º estabelece que na escola comum seja oferecido “[...] o
Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de
recursos multifuncionais [...]” (BRASIL/RESOLUÇÃO nº 04/2009),
sendo este atendimento o principal suporte ao aluno com necessidades
especiais que estuda na sala de aula comum. As Diretrizes da
PNEEPEI/08 orientam que as atividades desenvolvidas no AEE sejam
diferenciadas da sala, mas não substituídas à escolarização, acontecendo
de maneira complementar ou suplementar.
O Atendimento Educacional Especializado é parte integrante do
processo educacional, onde a educação especial deve ser realizada em
todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Os alunos matriculados
que estudam na sala de aula comum e, que apresentarem necessidades
educacionais especiais, serão atendidos na sala de recurso multifuncional
ou, em escola próxima, quando a que o aluno está matriculado não
possui este atendimento. Na escola inclusiva, o atendimento educacional
especializado deve ser acompanhado por meios de instrumentos que
possibilitem avaliação, deve desenvolver a função complementar ou
suplementar do educando, proposta que, apesar dos inúmeros avanços e
retrocessos que envolvem essa temática, ao ser efetivado com base em
suas linhas legais, estará dando um passo para efetivação da inclusão,
buscando por tanto a superação da integração escolar como da exclusão
dentro da escola.

5- Políticas Públicas e Gestão Democrática da Educação: Princí-


pios, Diretrizes e Exigências.

O movimento de redemocratização do país refletiu no princípio da


gestão democrática do ensino público, instituído na Constituição Federal
– CF de 1988, possibilitando tratá-lo no contexto histórico vivenciado
pela sociedade brasileira, contrário à cultura autoritária da administração
pública. Na matéria da administração pública, a CF-1988 define os

Soeitxawe
686 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

princípios de: “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e


eficiência” (art. 37). Esses princípios apontam para a nova forma de gerir
o público, pautada na gestão democrática. Na interpretação de Cury
(2002: 167): “[...] isto não significa que a construção da ordem
democrática tenha se estendido do campo jurídico para o conjunto das
práticas sociais e políticas. O autoritarismo no Brasil possui raízes mais
fundas em nossa história do que o período militar, expressão recente de
uma característica de nossas classes dirigentes”.
Para Cury (2002: 166-67), “a ordem jurídica de caráter democrático se
impôs como um todo, aí compreendida a área educacional”, por esse
motivo, a constituição cidadã consagrou “princípios caros à democracia e
à educação democrática”. Esses preceitos representam uma oposição às
práticas autoritárias na gestão do público no país. No capítulo da
educação, a CF-1988 institui que o ensino público será ministrado com
base na gestão democrática, na forma da lei (VI, art. 206). Adrião e
Camargo (2002: 74) analisam esse princípio constitucional e comentam
que o texto aprovado foi uma conquista para a gestão da educação,
porém uma conquista parcial. [...] na medida em que teve sua
abrangência limitada e sua operacionalização delegada a regulamentações
futuras, o que significou que sua aplicabilidade foi protelada. Além disso,
a ideia da gestão democrática do ensino não recebeu mais nenhuma
referência ao longo de todo o texto constitucional.
Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN, Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996, reafirma o princípio
constitucional da gestão democrática do ensino público (VIII, art. 3º) e
delega aos sistemas de ensino o estabelecimento de normas para a gestão
democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as
suas peculiaridades (art. 14). Na recomendação de que os sistemas de
ensino devem atender aos princípios da “participação dos profissionais
da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” e “da
participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes” (I, II, art. 14). As diretrizes da Lei 9.394/1996 são
refletidas na organização da escola pública que começa a discutir no seu
interior os conselhos escolares, o Projeto Político-Pedagógico - PPP e a
autonomia da escola, que visam à democratização da gestão da escola
pública. É importante destacar que a atual lei de diretrizes e bases da

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 687

educação nacional poderia ter avançado em relação a elementos


importantes da gestão escolar. Paro (2001: 81) afirma que a lei teria
condições de recomendar a “própria reestruturação do poder e da
autoridade no interior da escola”, todavia delega isso aos sistemas de
ensino.
As diretrizes para a gestão democrática do ensino público são
reconhecidas no Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº. 10.172, de
09 de janeiro de 2001, que por sua vez, estabelece diretrizes, objetivos,
metas e prioridades. Uma dessas prioridades reforça as diretrizes e bases
da educação nacional firmadas em 1996, quando salienta a elaboração do
projeto pedagógico da escola e a participação da comunidade escolar e
local em conselhos escolares e equivalentes. No entendimento de Cury
(2005: 19) “o PNE articula a gestão, a participação com o planejamento
educacional de tal modo que eles contem tanto com sistemas de
informação quanto com um sistema de avaliação a fim de aperfeiçoar e
garantir o padrão de qualidade”. Após seis anos do PNE/2001, o
Ministério da Educação - MEC divulga o Plano de Desenvolvimento da
Educação - PDE: razões, princípios e programas, em 24 de abril de 2007.
No que concerne à gestão da educação, o PDE (2007: 24) introduz a
diretriz de “promover a gestão participativa na rede de ensino e fomentar
e apoiar os conselhos escolares”. Nessa diretriz, o PDE não enfatiza a
expressão gestão democrática, apenas recomenda a gestão participativa.
Além do que, na análise de Dourado (2007: 928), o PDE apresenta
indicações de importantes ações direcionadas à educação nacional, “no
entanto, não está balizado por fundamentação técnico-pedagógica
suficiente e carece de articulação efetiva entre os diferentes programas e
ações em desenvolvimento pelo próprio MEC e as políticas propostas”.
Saviani (2007a, p. 1.239) traz distinções entre o PNE/2001 e o
PDE/2007: “[...] o segundo não constitui um plano em sentido próprio.
Ele se define, antes, como um conjunto de ações que, teoricamente, se
constituiriam em estratégias para a realização dos objetivos e metas
prevista no PNE”. Contudo, para o autor (2007a, p. 1.241), o PDE “foi
formulado à margem e independentemente do PNE”. O MEC, como
parte do programa estratégico do PDE, lançou o Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação, que contém vinte e oito diretrizes
norteadoras, dentre as quais, destaca-se a de: “promover a gestão

Soeitxawe
688 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

participativa na rede de ensino” (art. 2º). O Plano de Metas evidencia


apoio à gestão educacional como eixo de ação expresso nos programas
educacionais. Em 2008, após a Conferência Nacional da Educação
Básica, o MEC assumiu o compromisso de apoiar e organizar a
Conferência Nacional de Educação – CONAE, em parceria com os
Sistemas de Ensino, Órgãos Educacionais, Congresso Nacional e a
Sociedade Civil, precedida de Conferências Municipais ou
Intermunicipais, Conferências Estaduais e do Distrito Federal. A
Conferência possibilita constituir-se num “fórum de mobilização
nacional pela qualidade e valorização da educação com a participação de
amplos segmentos educacionais e sociais”, portanto, um espaço
democrático para construção da política nacional de educação, na
perspectiva da inclusão, igualdade e diversidade (CONAE, Documento-
Referência, p.3).
A Comissão Organizadora Nacional elaborou um documento
referência para subsidiar as referidas Conferências por todo o país:
Construindo o Sistema Nacional Articulado: o Plano Nacional de
Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação, contemplando seis eixos
temáticos, dentre os quais, o Eixo II: Qualidade da Educação, Gestão
Democrática e Avaliação, contemplando questões pontuais, inclusive
para a gestão escolar (Cf. CONAE, Documento- Referência, p. 2, 25-43).
As Conferências foram realizadas em todo o país, em 2009, culminando
com a Conferência Nacional de Educação, no período de 28 de março a
1º de abril de 2010, resultando num documento final que incluem
diretrizes, metas e ações para a política nacional de educação. Na
CONAE de 2010, o Eixo II - Qualidade da Educação, Gestão
Democrática e Avaliação apresentam recomendações para a gestão
democrática da educação, na direção da gestão escolar da educação
básica. Dentre outras exigências destacam-se: a) a educação com
qualidade social e a democratização da gestão implicam a garantia do
direito à educação para todos, possibilitando o acesso à educação de
qualidade como direito universal; b) a gestão democrática, entendida
como espaço de deliberação coletiva, precisa ser assumida como fator da
qualidade da educação e de aprimoramento e continuidade das políticas
educacionais; c) no processo de construção da gestão democrática da
educação, alguns aspectos são imprescindíveis: a autonomia didático-

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 689

científica, administrativa, pedagógica e da gestão financeira, a


representatividade social e a formação da cidadania; d) importante
instrumento do processo de superação do autoritarismo, do
individualismo e das desigualdades socioeconômicas (Cf. CONAE, 2010:
41, 43, 57).
Assim, o referido eixo reafirma a gestão democrática como princípio
da educação nacional e articulada com formas e mecanismos de
participação, encontrada pelas comunidades local e escolar, “na
elaboração de planos de desenvolvimento educacional e projetos
político- pedagógicos, ao mesmo tempo em que objetiva contribuir para
a formação de cidadãos/ãs críticos/as e compromissados/as com a
transformação social” (CONAE, 2010: 57). A CONAE de 2010 tinha
por expectativa, que seu documento final, poderia “servir de referencial e
subsídio efetivo para a construção do novo Plano Nacional de Educação
(2011 – 2020)” (CONAE, 2010: 11). O MEC encaminha ao Congresso
Nacional, um Projeto de Lei – PL, referente ao Plano Nacional de
Educação - PNE, decênio 2011/2020, em 15 de janeiro de 2010. Nas
diretrizes do PL relativo ao PNE/2011-2020, consta a diretriz de
“difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão
democrática da educação” (X, art. 2º). O projeto do PNE inclui vinte
metas com respectivas estratégias e, em relação à gestão escolar da
educação básica, salienta-se a estratégia para alcance da meta 7 de
elevação da média do IDEB, no decênio de 2011-2021: “Apoiar técnica e
financeiramente a gestão escolar mediante transferência direta de
recursos financeiros à escola, como vistas à ampliação da participação da
comunidade escolar no planejamento e na aplicação dos recursos e o
desenvolvimento da gestão democrática efetiva”. Diante desses marcos
legais e de exigências para a gestão democrática da educação nacional, o
trabalho apresenta a política educacional firmada pelo poder público
municipal de Manaus, trazendo os avanços, as limitações e os desafios
para a gestão das escolas de ensino fundamental da rede pública do
sistema de ensino.

Soeitxawe
690 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

6- Política Educacional, Poder Municipal e Gestão Escolar: Dire-


trizes para as Escolas Públicas de Manaus.

As políticas públicas para a educação nacional encontraram


ressonância na política educacional instituída pelo poder público
municipal, a partir de 1990, em relação à gestão escolar da rede pública
do sistema de ensino de Manaus. Convém registrar os marcos históricos
da educação no Município de Manaus, que respaldaram a formulação da
política educacional relativa à gestão das escolas públicas de ensino
fundamental. Dentre os mais expressivos, a criação do Conselho
Municipal de Educação - CME (Lei n. 377 de 18 de fevereiro de 1996), a
regulamentação da implantação da Lei n. 9.394/1996 (Res. n. 05 de 16 de
abril de 1998) e a criação do Sistema Municipal de Ensino de Manaus
(Lei nº 512 de 13 de dezembro de 1999). Diante dessa legislação, as
diretrizes mais singulares para a gestão das escolas da rede pública
municipal de ensino de Manaus, encontram-se estabelecidas no
Regimento das Escolas, elaborado pela Secretaria Municipal de Educação
– SEMED e aprovado pelo CME (Resolução nº 09 de 06 de agosto de
1998). O Regimento de 1998 tem por princípio fundante a “co-gestão” e
nesta direção a gestão deve ser “compartilhada” pelos membros da
comunidade escolar: diretora; secretária congregação de professores e
pedagogos, pessoal administrativo, Associação de Pais, Mestres e
Comunitários - APMC e discentes (art. 104). A gestão compartilhada, nas
reflexões de Hora (2007: 68), “revelam a concepção enviesada de gestão
democrática”, pois é “preciso perceber a tênue e proposital, porém,
fundamental diferença entre compartilhar e democratizar a gestão”.
Na forma de gestão compartilhada, [...] coloca-se a solução nas mãos
da comunidade escolar (pais, alunos, professores, diretores), das diversas
associações do bairro e dos empresários, [...] para melhorar o
desempenho e a imagem da escola. A participação, nesse modelo,
representa dever de ofício para uns e voluntariado para outros, revelando
uma falaciosa concepção que afasta a ideia de controle social (HORA,
2007: 69).
No ano seguinte, a SEMED implanta o Programa de Gestão
Educacional – PGE, estabelecendo um “modelo de gestão participativa”
para a gestão da rede municipal de escolas públicas de Manaus,

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 691

fundamentado na autonomia, na participação e no autocontrole,


“direcionando estrategicamente todos os recursos disponíveis e
ampliando as possibilidades de sucesso do seu alunado e a satisfação da
comunidade” (PGE, 1999: 19). O Programa de Gestão Educacional de
1999 é concebido como “instrumento de ação do governo municipal
para elevar o padrão de gestão nas escolas”, e para alcance desta
finalidade conta com quatro eixos norteadores, dentre os quais, o da
Gestão Participativa (PGE, 1999: 4). Esse eixo compreende a escola
como um “lugar estratégico da efetivação da gestão democrática, em que
o entrosamento entre concepção e ação, reflexão e prática superam a
visão dicotômica e fragmentada da realidade” (PGE, 1999: 10).
Bordignon e Gracindo (2001: 148) afirmam que a gestão democrática
nos sistemas municipais de ensino “requer mais que simples mudanças
nas estruturas organizacionais; requer mudança de paradigmas que
fundamentem a construção de uma Proposta Educacional e o
desenvolvimento de uma gestão diferente da que é hoje vivenciada”.
Posteriormente, a SEMED divulga o Plano Estratégico da Secretaria –
PES (2001-2005), em atenção às orientações do Programa
FUNDESCOLA do MEC. O Plano, além de outros objetivos, tem por
finalidade fortalecer a gestão escolar, e para atingi-la estabelece as
seguintes metas: 1. Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE em 119
escolas até 2004; 2. Capacitação de 70% dos dirigentes escolares; 3.
Implantação de 100% das APMC; 4. Programa de Ações
Complementares à Escola (Cf. SEMED, PES, 2001: 4, 8). Em 2005, a
política municipal de impacto para a gestão escolar é a criação do
Processo Seletivo para Escolha de Diretores de Escolas Municipais –
PROSED, instituído pelo Decreto nº 7.817 de 17 de março de 2005. O
PROSED (2005: 5) consiste num “processo seletivo interno de escolha
de diretores para as escolas municipais, mediante critérios técnico-
acadêmicos e com avaliação participativa da comunidade para um
mandato de três anos”. O PROSED, na visão de Souza (2010: 64) trata
de um “processo de seleção de diretores na forma de concurso,
envolvendo provas de conhecimentos específicos da área educacional e
de titularidade do candidato”.
A comunidade escolar participa do processo apenas no momento de
avaliar o trabalho do diretor embora não seja consultada para a escolha

Soeitxawe
692 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

do profissional que estará à frente da escola. O resultado dessa avaliação


a que o diretor é submetido é balizador de sua permanência ou
afastamento do cargo (Souza, 2010: 64).
O PROSED (2005: 9) garante que, paralela à sua realização, haja “um
Curso de Formação de Diretores pelo Centro de Formação Permanente
do Magistério” como parte da política de valorização do servidor público
municipal. Nos argumentos de Souza (2010: 65), o PROSED significa
um retrocesso por excluir a participação da comunidade escolar no
processo de escolha dos diretores, por outro lado, avança no sentido da
garantia da formação continuada dos diretores. A estrutura
organizacional da SEMED de 2008 apresenta outra, com base na
descentralização e no “controle gerencial”, criando diversas gerências,
vinculadas a Coordenadoria de Gestão Educacional – COGE. Na
estrutura da SEMED/2008, verifica-se que as gerências têm interferência
direta na gestão das escolas. Nesse sentido, a gestão escolar passa a
contar com a lógica empresarial, segundo Saviani (2007b: 438) é uma
tentativa de “transpor o conceito de ‘qualidade total’ do âmbito das
empresas para as escolas”, no entanto, “sob a égide da qualidade total, o
verdadeiro cliente das escolas é a empresa ou a sociedade e os alunos são
produtos que os estabelecimentos de ensino fornecem a seus clientes”.
Em 2008, o Regimento Geral das Escolas da rede pública do sistema
municipal de ensino é modificado (Resolução nº5, de 28 de agosto de
2008). O Regimento objetiva “definir normas democráticas para as
escolas da Rede Municipal de Ensino de acordo com as suas
peculiaridades [...]” (V, art. 6), incluindo diretrizes para criação do
Conselho Escolar, organização da APMC, ao Projeto Político-
Pedagógico e à gestão escolar. A inovação do Regimento Geral das
Escolas é a reafirmação do PROSED, como modalidade de escolha para
cargo de gestores das escolas públicas municipais “mediante critérios
técnico-acadêmicos e procedimentos regulados por Decreto do
Executivo Municipal” (art. 106).
O poder municipal reformula a Estrutura Organizacional da SEMED
(Decreto n.º 0090 de 04 de maio de 2009), com modificações que não
rompem a concepção gerencial da estrutura do ano anterior, trazendo
reflexos na gestão escolar do sistema público de ensino de Manaus. A
gestão escolar, na forma gerencial, nos argumentos de Azevedo (2008:

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 693

59), “procura-se estabelecer um replanejamento institucional, inspirado


tanto no neoliberalismo como nas práticas peculiares à gestão
empresarial, segundo os pressupostos da qualidade total”, ou seja:
“privilegiamento da administração por projetos com objetivos
previamente estabelecidos, baseados localmente e com traços
competitivos”. [...] o gerencialismo, que é uma das marcas das reformas
educativas em escala planetária, implica uma nova postura dos gestores
que se tornam responsáveis pelo delineamento, pela normatização e pela
instrumentalização da conduta da comunidade escolar na busca dos
objetivos traçados (AZEVEDO, 2008: 59).
Portanto, a organização institucional do setor educacional deve criar
mecanismos e espaços à concretização de ações para a democratização
da gestão escolar e à educação com qualidade social. Gracindo (2008:
238, 239) afirma que “[...] Sistema Municipal de qualidade é aquele que
possui escolas de qualidade, onde seus alunos recebem o instrumental
necessário e se desenvolvem para serem participantes ativos da
sociedade”. Para tal, a autora expressa que (2008: 239) cabe ao Município
junto às escolas: “definir as normas da gestão democrática das suas
escolas públicas, de acordo com as suas peculiaridades e garantindo
espaços de participação”. Por essa razão, mais do que elaborar
documentos e prescrever orientações, se faz necessário garantir
condições estruturais para aplicabilidade do princípio da gestão
democrática do ensino público com qualidade social.

7- Programas e Projetos para o Ensino no Município.

7.1. Programa Municipal de Escolarização do Adulto e da Pessoa Idosa – PRO-


MEAPI.

O Programa Municipal de Escolarização do Adulto e da Pessoa Idosa


(Promeapi) foi criado em 1999 pela Secretaria Municipal de Educação
(SEMED) com o objetivo de oferecer o Ensino Fundamental (1°
segmento) a adultos a partir de 35 anos e idosos. No programa, são
desenvolvidas atividades cognitivas, culturais, esportivas e sociais. O
curso tem duração de até 3 anos e é oferecido de segunda a sexta-feira,

Soeitxawe
694 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

nos turnos matutino, vespertino e noturno, para adultos e idosos que


não concluíram o Ensino Fundamental ou não foram alfabetizados. As
turmas são multiseriadas, sendo divididas em 1ª fase (alfabetização), 2ª
fase (1° e 2° ano) e 3ª fase (4° e 5° ano). A SEMED viabiliza professores
e fornece materiais escolares, fardamento, merenda e certificação aos
alunos devidamente matriculados.

7.2. Projeto Telecentro.

Os Telecentros são espaços públicos localizados em escolas da rede


municipal de ensino, com computadores conectados à internet.
Utilizados como meio de integração entre as instituições públicas e a
comunidade, os Telecentros possuem acesso livre, porém controlado e
organizado para atender alunos, professores, funcionários e
comunitários.
Com o objetivo de promover capacitação e democratização do acesso
à informação, os Telecentros não possuem quaisquer fins lucrativos, mas
garantem acesso público e gratuito às tecnologias da informação e
comunicação à disposição de toda a sociedade.

7.3. Programa Viajando na Leitura

O Programa Viajando na Leitura objetiva criar condições para


contribuir com a melhoria dos índices de aproveitamento de ensino
apontados nas avaliações escolares, favorecendo o desenvolvimento e a
consolidação do hábito da leitura por meio de várias ações: Hora da
Leitura (2º ao 9º ano); Dia da Leitura no Município de Manaus (11 de
junho); Concurso de Desenho e Redação; I Encontro Municipal de
Leitura; participação em Feiras de Livros; Almanaque do Programa
Viajando na Leitura; além de espaços privilegiados de acesso à leitura;
ampliação do acervo e formação específica na área.

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 695

7.4. Programa Alfabetizando na Hora Certa

É desenvolvido em todo o primeiro ano do ensino fundamental das


escolas municipais e tem por objetivo subsidiar a prática pedagógica
criando ações direcionadas ao atendimento das necessidades de ensino e
aprendizagem da alfabetização. Está inserido em uma das três grandes
áreas de atuação da SEMED: Infraestrutura, Gestão Escolar e Projetos e
Programas Pedagógicos. Entre as ações do programa encontram-se:
elaboração de um guia com os fundamentos teóricos e metodológicos da
alfabetização, formação continuada para professores, produção de livros
infantis, estudos dirigidos, ampliação do acervo da biblioteca escolar,
curso de pós-graduação em Alfabetização, aquisição de materiais
pedagógicos, acompanhamento efetivo das turmas, entre outros.

7.5. Programa Mais Educação

Instituído em abril do ano passado, tem como proposta ampliar o


tempo e o espaço educativo dos alunos da rede pública. Trata-se de uma
contribuição para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens,
por meio da articulação de ações, projetos e programas do governo
federal. A iniciativa promove ações sociais e educativas em escolas e
outros espaços socioculturais. Os alunos participam das atividades no
turno contrário ao das aulas regulares.
O programa conta com o esforço dos ministérios da Educação,
Esporte, Cultura, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento Social e Meio
Ambiente. Também foram firmadas parcerias com a Presidência da
República, na área da Secretaria Nacional da Juventude, com a União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e com o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

7.6. Programa Relação Escola Comunidade

O objetivo do programa é tornar as escolas públicas de educação


básica, em espaços alternativos para o desenvolvimento de atividades

Soeitxawe
696 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

complementares às ações educacionais, nos finais de semana,


melhorando a qualidade da educação, contribuindo para a construção de
uma cultura de paz, reduzindo os índices de violência e aumentando as
oportunidades de emprego aos jovens, sobretudo aqueles em situação de
vulnerabilidade social por meio de oficinas e atividades de lazer, esporte,
educação e cultura.
A execução do Programa é feita pelo Ministério da Educação, por
meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE/MEC), sob a coordenação da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), em parceria com
as secretarias municipais de Educação e os ministérios do Trabalho e
Emprego, do Esporte e da Cultura, contando com a cooperação da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO).

7.7. Enfrentamento e Prevenção à Violência Sexual Infanto-Juvenil

As ações de Enfrentamento e Prevenção à Violência Sexual Infanto-


Juvenil desenvolvidas pela SEMED visam favorecer a prevenção do
abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes, envolvendo
toda a comunidade escolar e sociedade civil. Sua participação ativa e
qualificada tem o objetivo de cumprir o papel da escola na rede de
proteção da Infância e da Juventude, por meio da realização de palestras,
seminários, mobilizações, caminhadas e outras ações para o combate.

7.8. Programa Escola Ativa

O programa Escola Ativa é o único programa no Brasil voltado para


turmas multisseriadas com uma estrutura de uma sala voltada para as
dificuldades do aluno, dando um suporte para a professora e para os
técnicos, um suporte metodológico e de gestão envolvendo a
participação dos comunitários e alunos. Consiste em um trabalho
contínuo e combina uma série de elementos e instrumentos de caráter
pedagógico, social e de gestão da escola seguindo os pressupostos da

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 697

ação-reflexão-ação como base da aprendizagem; o professor e o


estudante como protagonistas do processo de ensino e aprendizagem;
a escola como um lugar de apropriação de conhecimentos e outros.

7.9. Programa Saúde na Escola

O Programa Saúde na Escola (PSE) visa constituir uma política para


a integração e articulação intersetorial permanente entre a Educação e a
Saúde, com a participação da comunidade escolar, envolvendo a
Estratégia de Saúde da Família e da Educação Básica. Sua finalidade é
contribuir para a formação integral dos estudantes por meio de ações de
promoção, prevenção e atenção à saúde, com vistas ao enfrentamento
das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvimento de
crianças e jovens da rede pública municipal de ensino.

7.10. Programa Ciência na Escola

O Programa Ciência na Escola é desenvolvido pela Fundação de


Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas em parceria com a
Secretaria Municipal de Educação. Consiste em apoiar, com recursos
financeiros e bolsas, sob formas de cotas institucionais, estudantes do 5º
ao 9º ano do ensino fundamental integrados no desenvolvimento de
projetos de pesquisas de escolas públicas.

7.11. Projovem Urbano

O Projovem Urbano destina-se a promover a inclusão social dos jovens


brasileiros de 18 a 29 anos que, apesar de alfabetizados, não concluíram
o ensino fundamental, buscando sua reinserção na escola e no mundo do
trabalho, de modo a propiciar-lhes oportunidades de desenvolvimento
humano e exercício efetivo da cidadania. Com duração de 18 meses, o
curso oferece a conclusão do ensino fundamental, treinamento em
informática, formação profissional inicial e atividades de participação

Soeitxawe
698 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

cidadã. Aos jovens que cumprem determinados requisitos de frequência


e elaboração de trabalhos é concedido um benefício mensal de R$100,00.
Beneficiando mais de 10 mil jovens alunos nos últimos quatro anos,
Manaus é destaque no Projovem entre as outras cidades no Norte do País.

7.12. Agenda Ambiental Escolar

A Agenda Ambiental Escolar (AAE) é um instrumento de


planejamento participativo e democrático para o desenvolvimento
sustentável da realidade local de cada escola de Manaus que segue as
Diretrizes da Agenda 21 local, nacional e global. A iniciativa veio da
necessidade de um modelo padrão de orientação para o trabalho
cotidiano e sua elaboração teve a participação de professores, gestores e
pedagogos da rede municipal. Desde o primeiro semestre de 2009, está
disponível em formato multimídia para todas as unidades.

7.13. Projeto Mudando a História

O Projeto tem por objetivo promover a reflexão sobre a leitura como


instrumento de transformação da sociedade, por meio de mediação de
leitura pelos multiplicadores do projeto aos alunos da rede pública
municipal, uma iniciativa da Fundação Abrinq, em parceria com a Nokia,
a Internacional Youth Foundation, a Secretaria Municipal de Educação
(SEMED) e a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos
Humanos (SEMASDH).

7.14. Proinfo

O Programa Nacional de Informática na Educação tem como


objetivo implantar a informática nas escolas da rede pública de ensino de
forma descentralizada em parceria com os Estados e Municípios. A
SEMED possui uma equipe de multiplicadores especialistas em
informática educativa, assessorados por um grupo de suporte técnico e

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 699

administrativo que dá apoio às escolas municipais que possuem


Laboratório de Informática, capacitando professores, pedagogos e
diretores.

7.15. Programa Municipal Saúde do Escolar

Esse Programa existe a nível federal, criado em 1984 e tem como


objetivo promover a saúde do escolar da Rede Municipal de Ensino, por
meio de ações educativas, preventivas e curativas nas áreas de saúde
geral, oftalmologia e odontologia. Em Manaus, o programa foi
implantado em 1994 sobre a mesma lógica. As ações de Saúde Geral são
desenvolvidas por Agentes de Saúde Escolar (ASE) e tem como objetivo
promover a conscientização dos pais, alunos e funcionários sobre a
importância da saúde e a necessidade de mudança de hábitos e
comportamentos para uma vida saudável.

7.16. PAA

O Programa de Aceleração da Aprendizagem foi instituído pelo


Ministério da Educação (MEC) e visa corrigir a distorção do fluxo
escolar, entre a idade e a série que os alunos deveriam estar cursando,
geralmente ligado à repetência e à evasão escolar, considerados os
principais problemas da educação nacional. A aceleração da
aprendizagem é considerada uma estratégia pedagógica que parte da ideia
de que o nível de maturidade dos alunos permite uma abordagem mais
rápida dos conteúdos para ajudar-lhes a recuperar o tempo perdido.

7.17. Projeto MPT na Escola.

O Projeto MPT na Escola foi um evento que teve o objetivo de


apresentar a cartilha aos gestores das escolas municipais, sensibilizando-
os no combate ao trabalho infantil estimulando que a temática seja
trabalhada em sala de aula, de modo que os alunos possam desenvolver

Soeitxawe
700 João Silva, Luan Silva, Marcelo Frazão & Antonio Romero

atitudes de cuidado e respeito com a sua vida e dos outros, repensando


seus valores e seu posicionamento em relação ao exercício da sua
cidadania.

8. Considerações Finais

As redes públicas e a prática no atendimento educacional


especializado na educação municipal de Manaus são reflexos de uma
realidade contemporânea de aceleradas transformações econômicas,
políticas e sociais, num momento histórico marcado pela globalização e
por movimentos sociais em favor da inclusão. Refletir o Atendimento
Educacional Especializado na escola comum por meio de um estudo de
caso nos possibilitou analisarmos os impactos em nível municipal das
práticas dos professores com alunos incluídos nas escolas da cidade de
Manaus.
Entretanto, as políticas públicas para a educação municipal de
Manaus estabelecem diretrizes, ora de gestão compartilhada, ora de
gestão participativa, sem enfatizar os processos democráticos de gestão
escolar. Além disso, a reforma administrativa do setor educacional
efetuada pelo poder público municipal reflete a forte influência do
modelo empresarial, com repercussão na gestão escolar manauense,
tornando-se um desafio à efetivação da gestão democrática nas escolas
de ensino fundamental e da qualidade social da educação.
A partir do nosso estudo e conhecimento do caso investigado,
tivemos clareza das mudanças substanciais necessárias e ainda não
efetivadas de investimentos pelo Estado na educação que abranjam a
totalidade dos alunos incluídos, a estrutura no sistema de ensino, o
planejamento no interior das escolas.
A garantia do acesso à escola por meio da matrícula está estabelecida
no município de Manaus e a proposta inclusiva na escola vem
acontecendo por meio de ações pontuais de professores, com apoio da
gestora e coordenadores do CMEE/Manaus, que tem compromisso com
o direito do aluno de ser incluído e o respeito à individualidade e ao seu
convívio na diversidade.

Soeitxawe
A qualidade do ensino na rede municipal de Manaus 701

Por fim a rede municipal de educação estabelecida nos planos,


programas e reformas administrativas do setor educacional insere
diretrizes para a gestão das escolas públicas manauenses estabilizando e
aprimorando cada vez mais o ensino do nosso município.

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Regimento das Escolas da Rede Municipal de Ensino.
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Soeitxawe
Impacto da antropização sobre a ictiofauna em um riacho
pertencente à bacia hidrográfica do Rio Pirarara, no
município de Cacoal, RO

SILVA-DIOGO, Odair
SILVA, Jhonatta Soares
SANTOS, Cristiana Novais
SILVA, Leandro Luiz
OLIVEIRA, Ana Paula
BARBOSA, Lucas Antonio Mariano

Resumo: O objetivo deste trabalho foi comparar as áreas com e sem influência
antrópica em um córrego pertencente à bacia hidrográfica do Rio Pirarara no
município de Cacoal, estado de Rondônia, e avaliar a influência da antropização
na composição da ictiofauna da região. Foram amostrados dois pontos distintos
de um mesmo córrego, sendo um ponto de coleta em uma área antropizada e o
outro ponto em uma área com pouca influência humana. As coletas foram
realizadas com o uso de peneiras e rede de arrasto, os exemplares capturados,
medidos, fotografados e identificados. Foram coletados 53 exemplares de
diversas espécies. Geophagus jurupari apresentou maior número de indivíduos
capturados n=15, representando 28,30% do total de indivíduos amostrados,
seguido pelo loricariidae sp. Com n=9 indivíduos capturados, representando
16,98% do total de indivíduos amostrados. Este estudo nos mostra que as
espécies encontradas são comuns a outras em córregos de cabeceira da região
amazônica, o presente estudo aponta pouca variação dentre as espécies
encontradas nas diferentes áreas coletadas. Para estudos futuros sugere-se um
maior tempo de amostragem e a inclusão de outros materiais de coleta como
rede de espera e vara de pesca.
Palavras-chave: Peixe; Antropização; Riacho.

Introdução

Dentre os vertebrados, os peixes constituem o grupo mais
diversificado, com aproximadamente 28.000 espécies (Nelson, 2006). A
região neotropical contém a maior diversidade de peixes de água doce de
706 Odair S., Jhonatta S., Cristina S., Leandro S., Ana O. & Lucas B.

todo o planeta (Vari & Malabarba 1998), com aproximadamente 6.000


espécies (REIS, 2003). Só no Brasil já foram catalogadas 2.122 espécies
(Buckup & Menezes, 2003).
Porém no Brasil, assim como em outras regiões tropicais, estudos
sobre levantamentos de biodiversidade aquática ainda são escassos
(Maltchik & Callisto, 2004). A maior parte da diversidade da fauna de
peixes neotropicais pode ser atribuída às espécies de pequeno e médio
porte, que estão distribuídos principalmente em riachos (Lowe
Mcconnell, 1999 & Castro, 1999). A menor importância econômica em
relação aos peixes marinhos, as dificuldades de amostragem e o pouco
investimento em pesquisa são os principais fatores que influenciam o
pouco conhecimento das espécies de peixes de água doce no Brasil
(Uieda & Castro, 1999).
Portanto, protocolos de levantamentos ecológicos rápidos de
biodiversidade são fundamentais para a definição de enfoques ecológicos
e seleção de áreas prioritárias para o desenvolvimento de estudos
ecológicos de longa duração (Maltchik & Callisto, 2004). Dessa forma,
trabalho de levantamento rápido de ictiofauna é de suma importância,
podendo ser usado futuramente como referência para projetos que visem
minimizar os impactos causados pela antropização e a proteção da
ictiofauna da região.

Material e Métodos

A área de estudo é um córrego pertencente à bacia do Rio Pirarara


localizado na linha 07, gleba 07, lote 32, km 14, coordenadas -11.313621,
-61.443442 na porção Centro-Leste do Estado, na microrregião de
Cacoal e na mesorregião do Leste Rondoniense. O clima da região,
segundo Koppen, é do tipo AM com temperatura media de 24° C. A
vegetação observada no Município de Cacoal é do tipo savana, com
predominância de área de transição entre floresta aberta e savana
(Wikipedia). A vegetação predominante no entorno da área amostral
caracteriza-se como floresta tropical aberta, mata ciliar e mata de galeria.
A coleta de dados foi realizada em dois pontos distintos de um mes-
mo córrego pertencente à bacia hidrográfica do Rio Pirarara, sendo a

Soeitxawe
Impacto da Antropização 707

área 1 com forte influência antrópica, sendo pastagem a vegetação no seu


entorno, e área 2 sofre pouca influência antrópica com mata ciliar pre-
servada e pouca intervenção humana, o trecho amostral será de 40 vezes
a largura do riacho, respeitando comprimento mínimo de 150 m
(Kaufmann, 1999). Em cada área (área 1 e área 2) foram estabelecidos
dois trechos amostrais, totalizando quatro trechos amostrais. A coleta foi
realizada no dia 09/11/2014.
As coletas dos peixes foram feitas com auxílio de redes de arraste e
peneira (4 mm), em cada trecho o tempo estabelecido para cada coleta
foi de 40 minutos utilizando as redes de arrasto no entorno de cada tre-
cho e as peneiras no centro. Os exemplares capturados foram medidos
com régua, fotografados e posteriormente identificados com auxílio de
literaturas especializadas.

Resultados e Discussão

As espécies amostradas são comuns àquelas encontradas em outras


bacias hidrográficas da Região Norte. Foram capturados 53 exemplares
de peixes de quatorze espécies diferentes. A espécie com o maior
número de indivíduos foi Geophagus jurupari com 28,30% do total de
indivíduos amostrados, Loricariidae sp. 18,98% do total de indivíduos
amostrados e Hypostomus pyrineuse 8,77% do total de indivíduos
amostrados, Tabela1.

Soeitxawe
708 Odair S., Jhonatta S., Cristina S., Leandro S., Ana O. & Lucas B.

Tabela 1. Composição da Ictiofauna amostrada qualitativamente


09/11/2014 em um córrego pertencendo à bacia hidrográfica do Rio
Pirarara. (Comprimento padrão)

Nome Científico Quantidade CP (cm) Nome Vulgar

Geophagus Jurupari 15 6-11 Tilápia Gillet

Geophagus Brasilienses sp. 3 4-6 Cará

Astyonax jacuhiensis 4 6-7 Piaba

Hypostomus pyrineuse 5 7-12 Cascudo

Loricariidae sp. 9 4-8 Cascudo Garra

Crenicichla maculata 1 7 Boca de veia

Aphiocharax sp. 3 4-4,5 Lambari

Hyphessobrycon luetkwenii 3 8-9 Lambari

Brachychalcinus copei 1 6 Reloginho

Aphyocharox sp. 3 4,5-6 Lambari rabo vermelho

Loricariidae rineloricaria sp. 3 10-11 Cascudo rabo comprido

Syphocharax multilineatus 1 11 Sairú

Pimelodella australis 1 20 Chorão

Eigennannia trilineata 1 12 Espada

Soeitxawe
Impacto da Antropização 709

Dentre os quatro pontos amostrados tanto na área antropizada


quanto na área com pouca influência, todos foram encontrados
exemplares da espécie Geophagus jurupari, o que demostra que essa é uma
espécie oportunista com alta capacidade de se adaptar, em contra partida
não foi encontrado grande número de Geophagus brasilienses sp. Outra
espécie que foi encontrada em todos os pontos de coleta foi Hypostomus
pyrineuse. Neste córrego foi encontrado uma grande quantidade de
alevinos, principalmente nos pontos mais próximos à nascente, o que
demostra que este riacho é de suma importância na regeneração da
composição da ictiofauna da região.
Durante a captura dos peixes foram encontrados 3 exemplares de
indivíduos da família Potamidae (caranguejo de água doce), indivíduos
encontrados tanto na área antropizada quanto na área com pouca
intervenção humana, também foram capturados três indivíduos da
família Combaridae (lagostim), porém todos na área com pouca influência
antrópica, entre os pontos amostrados não houve grande variação entre
as espécies encontradas, a antropização não demostrou ser um fator com
grande influência no local.
Entretanto, para um maior conhecimento sobre a ictiofauna na região
amostrado, sugerem-se novos estudos, que sejam realizadas amostragens
em maiores períodos de tempo, em estações climáticas distintas (chuvas
e seca), utilizando outras métodos de coleta além de peneiras e redes de
arrastos, como redes de espera e pesca com uso de vara, para auxiliar na
coleta dos dados.

Conclusões

Os exemplares de peixes encontrados próximos à cabeceira do riacho


apresentaram tamanho menor, em ralação aos encontrados em um ponto
mais distante da nascente. Não houve grande variação dentre as espécies
entre as áreas analisadas a antropizada e a área com pouca intervenção
humana. Houve grande ocorrência de alevinos nos trechos amostrais, o
que demonstra que este córrego é um importante berçário natural para
bacia do Rio Pirarara, contribuindo com a regeneração da ictiofauna da
região. No entanto, são necessários estudos com maior tempo de

Soeitxawe
710 Odair S., Jhonatta S., Cristina S., Leandro S., Ana O. & Lucas B.

duração para melhor conhecimento da biodiversidade e ecologia da


ictiofauna do riacho pertencente à bacia hidrográfica do Rio Pirarara.

Agradecimentos

Os autores agradecem à professora Michele Silva Gonçalves por nos


orientar na pesquisa, também agradecemos à dona Dorama e o seu Jovi
por nos disponibilizarem o local para pesquisa e hospitalidade para com
o grupo e o nosso muito obrigado a todas as pessoas envolvidas
logisticamente, sem as quais este trabalho não teria sido possível.

Referências

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Soeitxawe
Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-
Paraná/RO

Naara Ferreira Carvalho de Souza1


Rafael Ranconi Bezerra1
Nara Luísa Reis de Andrade1

Resumo: O crescimento urbano acelerado ocorrido no Brasil tem trazido como


consequência diversos problemas ambientais, sobretudo afetando os recursos
hídricos. Assim, o presente estudo objetivou determinar o Índice de Qualidade
de Água (IQA) e o Índice de Impacto Ambiental (IIA) de três nascentes urbanas
localizadas no município de Ji-Paraná, Rondônia, bem como analisar o uso e
ocupação que tem sido feito no entorno das mesmas. A partir das análises
físico-químicas e microbiológicas realizadas no mês de dezembro de 2014,
foram obtidos valores de IQA que caracterizaram a qualidade das águas como
ruim. Com isso, há indícios de que as nascentes em estudo vêm sofrendo
impactos advindos do uso e ocupação de suas imediações, uma vez que os
baixos valores de IQA indicam uma situação de vulnerabilidade do meio, o que
pode ser corroborado com os valores de IIA, segundo o qual as três nascentes
em questão ficaram enquadradas na classe “péssima”.
Palavras-chave: Índice de Qualidade de Água; Uso e Ocupação do Solo;
Vulnerabilidade.

Introdução

De acordo com Tucci (2008), nas últimas décadas, o Brasil apresen-


tou um crescimento urbano significativo, sendo que atualmente 80% de
sua população é urbana. A urbanização ocorreu de forma acelerada e
sem planejamento, acarretando a falta de infraestrutura na maioria das
cidades do país, o que afeta diretamente os recursos hídricos das mes-
mas.

1Universidade Federal de Rondônia – UNIR – {naaraferreira94, rafaelranconi,
naraluisar}@gmail.com.
714 Naara F. C. de Souza, Rafael R. Bezerra & Nara L. R. de Andrade

De acordo com Poleto et al. (2010) apud Santos et al. (2012), os cur-
sos d’água localizados próximos a áreas urbanas são mais propícios a
alterações ambientais acarretadas principalmente por fatores como ex-
cesso de nutrientes e matéria orgânica carreados para os corpos hídricos,
além da intensificação dos processos erosivos, resultando na maioria dos
casos, em assoreamento, eutrofização e contaminação das águas, redu-
zindo assim, a disponibilidade e a qualidade do manancial.
Sendo assim, sabendo que a água é um recurso natural essencial à vi-
da e que apresenta os mais variados usos, de acordo com Santos et al.
(2010), sua manutenção em qualidade e quantidade adequadas de forma a
atender seus usos múltiplos representa um desafio às sociedades.
Neste contexto, parte dos impactos sofridos pelos ambientes urbanos
são negativos e provenientes da ocupação desordenada de áreas de pre-
servação permanentes (APP), que conforme previsto na Lei de nº 12.651
de 2012 são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com
a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a esta-
bilidade geológica e a biodiversidade, viabilizando o fluxo gênico de fau-
na e flora, protegendo o solo e assegurando e o bem-estar das popula-
ções humanas.
Tendo em vista esta problemática, observa-se que a cidade de Ji-
Paraná/RO também está inserida no contexto brasileiro de crescimento
desordenado, uma vez que, como outras cidades do país também vem
crescendo sem o devido planejamento, o que acarreta uma série de
problemas relacionados à gestão dos Recursos Hídricos. Diante disto, o
presente estudo objetivou determinar o Índice de Qualidade de Água
(IQA) e o Índice de Impacto Ambiental (IIA) de nascentes urbanas em
Ji-Paraná.

Material e Métodos

Área De Estudo

A pesquisa foi efetuada no perímetro urbano do município de Ji-


Paraná, região Leste do estado de Rondônia (Figura1). O município tem
população de 116.610 habitantes, área territorial de 6.896,604km² e den-

Soeitxawe
Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO 715

sidade demográfica de 16,91 hab/km², INSTITUTO BRASILEIRO DE


GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE (2010).
O clima que predomina no estado durante o ano, de acordo com a
classificação de Köppen é o Aw - Tropical Chuvoso, com média climato-
lógica da temperatura do ar durante o mês mais frio superior a 18°C e
um período seco bem definido durante a estação de inverno, onde ocor-
re um ameno déficit hídrico com índices pluviométricos inferiores a
50mm/mês, SECRETÁRIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMEN-
TO AMBIENTAL – SEDAM (2010).


Figura 1- Localização do município de Ji-Paraná.

A média anual de precipitação pluviométrica varia de cerca de 1.400 a


2.600mm/ano, com precipitação inferior a 20mm nos meses de junho,
julho e agosto, e média anual de temperatura do ar variando por volta de
24 a 26°C (SEDAM, 2010).

Soeitxawe
716 Naara F. C. de Souza, Rafael R. Bezerra & Nara L. R. de Andrade

Pontos de Monitoramento

Anteriormente ao início das atividades de estudo da qualidade da água


determinou-se os pontos de monitoramento. Sendo assim, foi utilizada
como referência a Lei Municipal 1.179 de 26 de julho de 2002, que dis-
põe sobre a denominação dos quatorze principais igarapés existentes na
área urbana do município de Ji-Paraná. A partir daí foram sorteados para
o presente estudo três destes mananciais de água superficial, por meio de
amostragem aleatória simples.
As nascentes sorteadas foram respectivamente: a nascente do Igarapé
Água Pura (P1), Águas Claras (P2) e Água Doce (P3), representadas na
Figura 2. A atividade de coleta de amostras de água e análise do entorno
dos pontos amostrais ocorreu no dia 11 de dezembro de 2014.


Figura 2 - Localização dos pontos de monitoramento no perímetro urbano de Ji-
Paraná/RO.

Soeitxawe
Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO 717

Índice de Qualidade da Água

Os parâmetros utilizados para o cálculo do IQA contemplam,


essencialmente, a contaminação de corpos hídricos decorrente de
lançamento de esgotos. Vale ressaltar que o IQA foi criado no intuito de
avaliar a qualidade das águas, considerando sua utilização para o
abastecimento público COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE
SANEAMENTO AMBIENTAL – CETESB (2003).
Para a determinação do IQA foi utilizada a metodologia proposta
pela Agência Nacional das Águas (ANA), na qual foram analisados nove
parâmetros, para então ser feito cálculo com seus respectivos pesos
(Figura 3).


Figura 3 - Parâmetros de Qualidade da Água utilizados para cálculo do IQA.

O cálculo do IQA é feito por meio da seguinte equação:




Soeitxawe
718 Naara F. C. de Souza, Rafael R. Bezerra & Nara L. R. de Andrade

Em que:
IQA: varia de 0 e 100, com qualidade péssima (0-25), ruim (26-
50), razoável (51-70), boa (71-90), ótima (91-100);
qi: qualidade que diz respeito a cada parâmetro, obtido pelo
dados da ANA (2004);
wi: peso para cada parâmetro, conforme Tabela 2.

Os procedimentos laboratoriais e de coleta para determinação dos


parâmetros utilizados no cálculo do IQA foram realizados de acordo
com o estabelecido no Standard Methods for the Examination of Water and
Wastewater (APHA, 2005) e em normas técnicas, estabelecidas pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (1982, 1997).

Uso e Ocupação das Nascentes

A análise de uso e ocupação da área de entorno das nascentes foi rea-


lizada a partir do cálculo Índice de Impacto Ambiental (IIA). Para isso,
utilizou-se a metodologia abordada por Gomes (2005), que compreende
13 variáveis: cor da água, odor, lixo ao redor, materiais flutuantes, espu-
mas, óleos, esgoto, vegetação, uso por animais, uso por humanos, prote-
ção do local e proximidade com residência. Para cada uma destas variá-
veis são atribuídos valores de 1 a 3.
Posteriormente é feita a soma das pontuações, para o enquadramento
do manancial em uma classe (Figura 4).
Deste modo, foram coletados e tabulados dados referentes ao aspec-
to macroscópico de cada ponto amostrado, para o cálculo posterior do
Índice de Impacto Ambiental.


Soeitxawe
Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO 719


Figura 4 - Classificação das nascentes quanto ao grau de preservação e respectivo Índice de
Impacto Ambiental (IIA).
Fonte: Gomes (2005).

Para auxiliar na análise de uso e ocupação, também foi elaborado um


mapa temático por meio dos softwares SPRING 5.2.6 e
MapWindowGis. Para isso, foram coletadas coordenadas em campo com
um aparelho de GPS, modelo Garmin Etrex Vista.
Foram utilizadas imagens do satélite Landsat 8, sensor OLI, que
foram adquiridas no sítio do USGS Global Visualization Viewer
(GloVis). Optou-se por imagens do mês de Abril de 2015 por
apresentarem uma baixa nebulosidade com relação a outros meses do
ano. As bandas utilizadas foram 4, 5 e 6, com resolução espacial de 30
metros.
Sendo assim, a classificação escolhida foi “pixel a pixel”, na qual é
utilizada somente a informação espectral de cada pixel para encontrar
regiões homogêneas. A partir daí, realizou-se o treinamento para
obtenção de cada componente da paisagem: floresta, área antropizada e
água. Na sequência, foi aplicada a técnica de máxima verossimilhança
(MAXVER) que considera a ponderação das distâncias entre médias dos
níveis digitais das classes, utilizando parâmetros estatísticos (INPE,
2006).

Soeitxawe
720 Naara F. C. de Souza, Rafael R. Bezerra & Nara L. R. de Andrade

Resultados e Discussão

Qualidade da Água

Os valores de IQA obtidos para o mês de dezembro de 2014 foram


relativamente baixos, caracterizando a qualidade dos mananciais neste
mês como ruim (Figura 5), de acordo com o estabelecido na ANA
(2004), ao citar que corpos d'água que apresentam valores de 26 a 50
devam ser enquadrados nessa faixa de qualidade.


Figura 5 - Índice de Qualidade de Água nos Igarapés Água Pura (P1), Águas Claras
(P2) e Água doce (P3), no mês de dezembro de 2014, período chuvoso.


Em estudo realizado por Rocha (2014) na mesma cidade, no período


de outubro a dezembro, a qualidade da água se apresentou péssima em
sete dos 10 mananciais analisados, e ruim em três deles. O igarapé Água
Pura foi um dos estudados pelo autor, apresentando também um índice
de qualidade péssimo neste período, porém o ponto analisado no estudo
não se localizava próximo a nascente.
Sendo assim, apesar dos valores encontrados terem sido relativamen-
te baixos, o que se apresentou mais crítico foi o ponto 2 (IQA = 36),

Soeitxawe
Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO 721

enquanto os pontos 1 e 3 apresentaram índices um pouco maiores (IQA


42 e 41, respectivamente). Tal fato pode ter relação com as concentra-
ções de Oxigênio Dissolvido (OD) encontradas (Figura 6), que ficaram
abaixo do disposto na Resolução CONAMA Nº 357 de 17 de dezembro
de 2005, segundo a qual o valor mínimo recomendado seria de 5 mg.L-1
de OD, considerando o corpo hídrico como de classe 2.
Deve-se dar atenção aos pontos 2 e 3, que apresentaram valores mais
baixos de OD (Figura 5), enquanto no ponto 1 foi um pouco maior o
valor obtido. Estas ao serem comparadas apontam para uma situação de
vulnerabilidade ambiental, visto que no estudo de Bezerra (2014) a
nascente do igarapé Riachuelo localizado na mesma cidade apresentou
concentração média de oxigênio dissolvido de 4,6 mg.L-1, mesmo com
condições de similaridade espacial dos mananciais.

Variáveis Unidade P1 P2 P3

Oxigênio dissolvido mg.L-1 4,67 2,71 2,19

pH - 5,13 6,50 5,95

Nitrogênio Total mg.L-1 18,95 18,65 14,95

Fósforo Total mg.L-1 0,38 0,03 0,01

Figura 6 - Valores das variáveis Oxigênio dissolvido, Potencial Hidrogeniônico (pH) e


Nitrogênio Total nos Igarapés Água Pura (P1), Águas Claras (P2) e Água doce (P3),
período chuvoso.

No âmbito da referida resolução, as concentrações de Nitrogênio


Total em pH menores que 7,5 não devem ultrapassar 3,7 mg.L-1 em
cursos d'água de classe 2, e de fósforo total devem ser no máximo de
0,050 mg.L-1. Os cursos d’ água analisados, com ênfase nos pontos 1 e 2,

Soeitxawe
722 Naara F. C. de Souza, Rafael R. Bezerra & Nara L. R. de Andrade

apresentaram valores de Nitrogênio Total bem superiores ao permitido,


já para Fósforo Total o ponto 1 é o único que se apresenta em desacordo
com a resolução (Figura 6). Neste contexto, Esteves (1998) afirma que o
aumento de nutrientes, especialmente nitrogênio e fósforo nos
ecossistemas aquáticos desencadeiam o processo de eutrofização.
Relacionando a estação climática e os valores de IQA obtidos, pode-
se inferir que mesmo com eventos de precipitação recorrentes e elevação
da capacidade de diluição das mais diversas cargas, a qualidade da água
encontrou-se relativamente baixa, podendo estar relacionada com o uso
e ocupação do entorno dos mananciais, visto que os fenômenos de lixi-
viação e percolação tendem a ocorrer com maior frequência, influenci-
ando por sua vez as características físico-químicas e microbiológicas das
nascentes urbanas.

Uso e Ocupação das Nascentes

A partir da observação do uso e ocupação do solo no entorno dos


pontos de monitoramento, notou-se que todos apresentaram
interferência humana, uma vez que a área de entorno das nascentes é
fortemente antropizada com poucos fragmentos florestais remanescentes
nas proximidades (Figura 7).
Neste contexto, grande parte dos impactos observados in loco foram
negativos, visto que foram causados pela ocupação desordenada das
APP. O que vem em desacordo com a Lei nº 12651, que considera áreas
no entorno das nascentes e dos olhos d'água, qualquer que seja a sua
situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros como
APP, por isso a importância de serem preservadas.

Soeitxawe
Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO 723

Figura 7 – Uso e ocupação dos pontos de monitoramento áreas de nascentes urbanas.

Diante disto, a modificação da paisagem afeta diretamente os


mananciais, seja pela aceleração dos processos erosivos, alteração da
disponibilidade hídrica ou pela contaminação e lançamento de efluentes.
Por isso, Almeida et al. (2006) apud Vieira (2000) afirmam que os
maiores agentes modificadores da cobertura da terra são a retirada da
vegetação e a conversão do uso da terra pelo homem, o que provoca
diversas mudanças no meio físico e no ciclo da água.
A qualidade das águas está diretamente ligada aos serviços de
saneamento ou à falta deles, e ao uso e ocupação do solo (FRANCO,
2012). Sendo assim, sugere-se uma possível relação destes fatores com a
qualidade da água na área de estudo, visto que é possível constatar que
para todos os pontos de monitoramento observou-se a proximidade com
residências, presença de resíduos sólidos e alta degradação da vegetação

Soeitxawe
724 Naara F. C. de Souza, Rafael R. Bezerra & Nara L. R. de Andrade

dos mananciais entre outros fatores, o que contribuiu para um elevado


grau de degradação no entorno das nascentes.

Índice de Impacto Ambiental

Após a análise dos parâmetros macroscópicos de cada nascente foi


possível enquadrá-las em uma classe através do cálculo do IIA. Porém,
todas as nascentes se enquadraram na mesma classe, apresentando um
péssimo grau de preservação.
Desta maneira, os baixos valores encontrados (menores que 25), evi-
denciam sua relação com os parâmetros observados. Uma vez que valo-
res de IIA abaixo de 28 classificam como “péssimo” o grau de preserva-
ção das nascentes.
Deste modo, observa-se que os valores encontrados para os pontos 1
e 2 foram semelhantes, visto que ambos se enquadraram na classe E
(Figura 8). Sendo assim, estes pontos mostraram parâmetros com valores
semelhantes, como a presença de residências muito próximas, alta degra-
dação da vegetação e a presença de ligações de esgoto doméstico no
entorno.

Soeitxawe
Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO 725

ၻၸ

ၺၽ

ၺၸ
ၹ
ၹၽ
ၺ
ၹၸ
ၻ


ၹ ၺ ၻ

Figura 8 – Índice de Impacto Ambiental das nascentes urbanas dos Igarapés Água Pura
(P1), Águas Claras (P2) e Água doce (P3).

Por outro lado, o ponto 3, apesar de se enquadrar na mesma classe


que os outros dois, apresenta um valor maior de Índice de Impacto
Ambiental se comparado aos outros. O que pode estar diretamente
relacionado com melhores condições ambientais, visto que na localidade
a quantidade de lixo encontrada foi menor e não foram detectadas
ligações de esgoto nas proximidades.
Neste contexto, Gomes et al. (2005) em seu estudo de impacto
ambiental em nascentes no município de Uberlândia, constatou que a
falta de proteção da área e a proximidade com residências foram os
principais parâmetros que influenciaram na intensificação dos impactos
ambientais sofridos nestas nascentes, pois eles favorecem que outros
problemas como depósito inadequado de resíduos e degradação da
vegetação ocorram.

Soeitxawe
726 Naara F. C. de Souza, Rafael R. Bezerra & Nara L. R. de Andrade

Considerações Finais

A partir do estudo realizado evidenciou-se a baixa qualidade da água


de três nascentes urbanas do município de Ji-Paraná no mês analisado,
com valores de IQA enquadrados como “ruim”. Tal fato pode estar
relacionado ao início dos eventos de precipitação no mês em estudo, o
que gera aumento no escoamento superficial e carreamento de diversos
poluentes, matéria orgânica e sedimentos para o curso d’água,
comprometendo sua qualidade.
A presença de resíduos sólidos, residências e degradação da vegetação
foram os registros com maior recorrência nas proximidades dos
mananciais, ou seja, em áreas que deveriam ser de APP. Tal fato
contribuiu para os baixos valores do grau de preservação das nascentes,
com IIA enquadrados na classe “péssima”, evidenciando elevada
degradação no entorno das nascentes.
Sendo assim, com base nos baixos valores de IQA encontrados para
os pontos em estudo, pode-se inferir que existe uma estreita relação
entre a qualidade da água e o uso e ocupação da área de entorno.

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Avaliação de impacto ambiental das nascentes urbanas de Ji-Paraná/RO 727

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Soeitxawe
Momentos de Magia: processo de construção de significados
sobre os rituais e discursos do Povo Paiter Suruí a partir do
olhar do antropólogo

Kachia Techio

O imaginário sobre as identidades indígenas, em conjunto com as


questões sobre o território, territorialidades e as expropriações do
território tem sido tema de pesquisa de muitos autores. Alguns
pesquisadores pautam sua discussão a partir da importância dos povos
indígenas para o processo de desenvolvimento, consequentemente para a
autonomia desses povos, outros pesquisadores partem das visíveis
transformações sobre as demarcações territoriais a partir do Estado e o
surgimento ou registro de novos povos indígenas. De todas as formas,
essas novas identidades conhecidas e suas territorialidades são vistas
como encontros de sociedades, esse discurso com certeza vem sendo
produzido por pesquisadores e acadêmicos, porém há um outro eixo de
análise que precisa ser veementemente inserido nessa discussão, que se
dá a partir das representações cosmogônicas. Essa premissa foi
compreendida por Mindlin (1985) ao registrar que “mitos poderiam ser
entendidos como os componentes de um imenso cristal geométrico
devendo-se decifrar as relações que estabelecem entre si, as facetas
lapidadas da pedra, ligações que surgem de oposições duais, aspectos a
perceber na sociedade e na natureza”.
Compreendendo, a partir dos registros de Mindlin, a necessidade de
continuar a busca por teorias e métodos para ajudar a mapear o campo
pesquisado, essa pesquisa iniciou-se em 2014 buscando uma
compreensão sobre a ressignificação, reconstrução identitaria a partir dos
próprios indígenas e considerando todas as dinâmicas de contato com a
sociedade não indígena, suas interferências e resultados na transmissão
da cultura, ou das novas culturas para as novas gerações.
Ao começar os primeiros contatos com os indígenas Paiter Suruí em
2014, o imaginário dessa pesquisadora havia sido construído a partir do
território Europeu, a partir das leituras de Mindlin e das notícias
730 Kachia Techio

publicadas na mídia sobre os constantes e crescentes contatos desses


indígenas com as novas tecnologias, com a Google, com o projeto
carbono. As imagens encontradas na mídia eram suntuosas, indígenas
seminus, sentados em troncos de árvores exuberantes, numa paisagem
florestal que parecia fresca, intacta, saudável, original, portando laptops
de última geração, com legendas sobre o pioneirismo na venda de
créditos de carbono.
Ao desembarcar em Rondônia em 2014, foi com esse imaginário
lúdico, cheio de glamour e admiração que iniciei essa pesquisa. Os
primeiros contatos foram intensos e cheios de perspectivas, e demorou
cerca de um mês para começar a descolar do papel de fã admiradora para
me aproximar do papel de pesquisadora. A partir daí, ao iniciar as
reflexões sobre o papel dos indígenas na sociedade atual não indígena e
no interior da própria sociedade indígena, me deparei com inúmeras
necessidades metodológicas frente as quais ainda me debruço. A
principal delas pauta-se na observação de que tudo que foi registrado,
informado ao mundo não indígena nos últimos anos, passou por uma
desatualização veloz e atualmente está a largos passos de representar a
realidade desse povo e de possibilitar algum conhecimento sobre seus
modos de vida.
Nesse cenário, um dos pontos percebidos é que as ciências sociais
registraram modelos para compreender as formas de signos, significados
dessa etnia (assim como de outras) e de suas identidades e culturas, que
produziram imagens exógenas e sentidos que não pertencem a esses
interlocutores, não são compreendidos por eles, não fazem parte do seu
modo de estar no mundo e em muitas vezes, o que é mais grave,
produzem caricaturas que são conhecidas e usadas por esses indígenas
em suas negociações identitárias com os não indígenas, em alguns
momentos de formas até chocantes, quando por exemplo, os indígenas
se produzem e montam um cenário para receber os “gringos”, cantam,
dançam, falam em sua língua materna e riem com muito gozo diante dos
olhares extasiados dos visitantes que creem que o que se apresenta é a
vida como ela é.

Soeitxawe
Momentos de Magia 731

Entendendo os caminhos na floresta Paiter Suruí

Para entender as imagens fomentadas, usadas, criadas, memorizadas e


recriadas pelos Paiter Suruí usou-se uma metodologia variada, tanto
através da revisão bibliográfica de acadêmicos não indígenas, mas
principalmente pela revisão bibliográfica produzida pelos estudantes
Paiter Suruí nos últimos anos, também usou-se de depoimentos,
entrevistas, acompanhamento em atividades nas aldeias e vivências. Parte
das necessidades metodológicas encontradas nesse caminhar, resultaram
na organização do I Soeitxawe que procurou dar voz e visibilidade aos
trabalhos acadêmicos dos estudantes Paiter Suruí.
A memória foi o ponto central e norteador da pesquisa e para apoiar
teoricamente, utilizou-se Bosi (2005), que diz:

[...] a memória-hábito adquire-se pelo esforço da atenção e pela


repetição de gestos ou palavras. Ela é – embora Bérgson não se
ocupe explicitamente desse fator – um processo que se dá pelas
exigências da socialização. Trata-se de um exercício que,
retomado até a fixação, transforma-se em um hábito, em um
serviço para a vida cotidiana. Graças à memória-hábito, sabemos
“de cor” os movimentos que exigem, por exemplo, o comer
segundo as regras de etiqueta, o escrever, o falar uma língua
estrangeira, o dirigir um automóvel, o costurar, o escrever a
maquina etc. A memória-hábito faz parte de todo o nosso
adestramento cultural (BOSI, 2005, p.49).

Outra consideração sempre presente foi reconhecer que as ciências


sociais têm vindo a decidir o que é ou não científico e consequentemente
decidir sobre a produção de conhecimento, o que de forma catalogada
como tem sido feita, rejeita ou nega todo um universo indígena
praticamente desconhecido, seu imaginário, suas percepções sobre as
palavras, sua forma de comunicação, sua forma de territorialização do
corpo, das plantas, das ações, e etc. Essa pesquisa, ainda em andamento,
busca evidenciar um panorama que elege na cultura o componente das
relações entre o indígena, o ambiente e as relações sociais. A cultura
como resultado da ligação de várias partes compostas por saberes,
valores, conhecimentos, comportamentos e técnicas introjetadas pelos

Soeitxawe
732 Kachia Techio

indivíduos durante sua vida e transmitidos de geração a geração como


parte de sua herança.
Ainda encontrou-se na filosofia das formas simbólicas e
fenomenologia do conhecimento proposta por Cassirer, um dos
caminhos de construção científica capazes de navegar em conjunto com
os conhecimentos dos Paiter Suruí. Nessa perspectiva, a arte, os mitos, a
linguagem, as pinturas corporais, a comunicação e seus silêncios
aparecem como símbolos no sentido de que são geradoras de seu
próprio significado e são capazes de suportar que cada significado possa
ser diferente para cada membro da mesma aldeia, criando portanto um
outro mundo significativo onde podem coexistir várias formas
organizadoras da realidade, que muitas vezes é difícil de ser expressa mas
que é totalmente compreendida pelos indígenas e está viva e presente em
seus silêncios, em sua não-comunicação. Por último, para compreender a
construção dos mitos que se fazem presentes na forma de comunicação
com ausência de palavras dos Paiter Suruí, e buscando entender os
modos de vida e interpretações desses sujeitos, recordamos do aporte de
Rocha (1996, p.7; 9;12):

[...] mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma


de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus
paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma
possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmos, as
situações de “estar no mundo” ou as relações sociais. […] O mito
situa-se como um fato ou passagem muito antigo. Como algo
ocorrido nos tempos da ‘aurora’ do homem, nos “tempos
fabulosos”. Diz ainda que por trás do mito existe uma tradição.
Ou melhor, que ele próprio é uma tradição. O mito teria uma
forma alegórica que “deixa entrever um fato natural, histórico ou
filosófico”. […] O mito é, pois, capaz de revelar o pensamento de
uma sociedade, a sua concepção da existência e das relações que
os homens devem manter entre si e com o mundo que os cerca.
Isto é possível de ser investigado tanto pela análise de um único
mito quanto de grupos de mitos e até mesmo da mitologia
completa de uma sociedade.

Nesse aspecto o mito ainda se insere como um marcador territorial,


pois para esses interlocutores os marcadores são percebidos através dos

Soeitxawe
Momentos de Magia 733

símbolos e de suas representações que são efetivadas no espaço das


ações, e as ações definem a territorialidade, o de dentro e o de fora, o
residente e o estrangeiro, vinculadas à cosmogonia e experiências
sócioespaciais e possibilitam a formação das identidades culturais e do
pertencimento identitário. Também presentes no território e no espaço
de construção das representações são consideradas as ações humanas
sobre o espaço, ações novas alteradas pela proximidade com o “outro”
(o contato com o não indígena), os sentimentos de perda, os sentimentos
de pertencimento da nova geração, os valores ressignificados, as novas
vivências possibilitadas pelo acesso as novas tecnologias, aos novos
produtos alimentares, as vestimentas, as ferramentas de trabalho e ainda
as novas formas de vivenciar, ver o mundo e sentir-se indígena no
mundo. A reflexão sobre essas diferentes formas de sentir-se indígena no
mundo contemporâneo perpassam os objetos constituintes da
cotidianidade, a casa ou maloca, o colchão ou a rede, os jogos
tecnológicos ou os artefatos lúdicos, as armas de guerra ou os discursos
de guerra, as pinturas rituais ou os trajes sociais alugados na cidade mais
próxima. A forma como o sujeito compreende o mundo se produz
consoante à sua integração no grupo, instalado em um território próprio,
que se define não só pela sua estrutura específica, mas pela diferença que
o separa do outro no seu espaço de ação.
Os marcadores ressignificados pelos Paiter Suruí se exprimem nos
objetos, nas representações do coletivo, na memória coletiva, nos
significados dos lugares, tanto materiais quanto espirituais e demonstram
a ligação entre o presente e o passado e as perspectivas de futuro
tentando costurar a continuidade das identidades construídas. Esse
conjunto de marcadores auxiliam os pesquisadores e comunidade não
indígena a compreender as relações desses indígenas com a sociedade
envolvente e fornecem um guião para compreender os novos objetos,
novas identidades e novas opções culturais tomadas pelos Paiter Suruí.
Essa compreensão sobre os resultados do confronto das culturas locais é
vital para a condição de existência dos Paiter Suruí, segundo palavras
deles.
Ainda, após o catastrófico contato inicial que dizimou a população
Paiter Suruí, anteriormente formada por cerca de cinco mil pessoas, e
atualmente formada por apenas 1400 pessoas, atualmente o contato e a

Soeitxawe
734 Kachia Techio

influência de várias igrejas pentecostais tem alterado de forma profunda


os rituais de cura, os rituais de reverência aos espíritos passados e
principalmente tem ganhado força para reprimir a prática poligâmica,
que era comum aos Paiter Suruí. Atualmente ainda encontram-se alguns
indígenas mais velhos casados com duas ou três esposas, porém os mais
jovens já não aceitam essa prática. Também se nota a alteração no
próprio ritual de casamento, adequando-se ao cenário religioso da
conversão.

Considerações finais ou o início do fim da magia

As consequências do primeiro contato, as consequências do reiterado


contato e as consequências da abusiva invasão das igrejas dentro do
território indígena aumentam a fragmentação entre as aldeias,
modificam-se as formas de habitação, já não mais coletivas, mas
individuais, cada casa com sua geladeira, com seu fogão e nas aldeias
mais abastadas cada família com sua refeição em contraste com as aldeias
mais pobres onde as famílias ainda preparam seus alimentos em conjunto
e utilizam as formas tradicionais para cozimento dos alimentos. As casas
construídas com arquitetura e características da cultura envolvente
produzem mudanças também na espiritualidade, na educação, na
comunicação, ou seja, no todo que constitui a vida indígena e na
expansão total das formas de influência da sociedade envolvente,
correndo-se o risco de em poucos anos já não ser mais possível
encontrar-se marcadores tradicionais ou anteriores ao contato. Os novos
meios de acesso à comunicação também produzem novas relações entre
os mais jovens e já há um grande número de jovens que prefere manter
namoros e efetivar casamentos com mulheres não indígenas.
A presença de religiões estranhas à cosmogonia, a perda da língua
materna entre os mais jovens, a entrada de outras línguas (português,
espanhol, inglês) formam os novos elementos determinantes dos novos
marcadores identitários, ou novos marcadores estruturantes, sem a carga
da ancestralidade, da herança Paiter Suruí.
Como breve consideração, nessa fase da pesquisa compreende-se que
um dos caminhos possíveis para manter a magia Paiter Suruí viva é a

Soeitxawe
Momentos de Magia 735

preservação dos seus etnossaberes associados ao conhecimento


científico, através da criação de uma nova forma de fazer-se
universidade, o que atualmente constitui uma das preocupações
fundamentais dos Paiter Suruí na busca dos seus direitos por autonomia.

Referências

BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.


CASSIRER, E. Linguagem e Mito. São Paulo: Perspectiva, 1992.
________. E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da
cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
GALVÃO, E. Encontro de sociedades: índios e brancos no Brasil. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify. 2003.
MINDLIN, B. Nós Paiter: os Suruí de Rondônia. Petrópolis: Vozes, 1985.
ROCHA, E. O que é mito. São Paulo: Brasiliense, 1996.
SAHLINS, M. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
SILVA, E. D. Mapa da Terra Indígena Sete de Setembro. Porto Velho:
SEDAM/UNIR/FUNAI, 2015.
SURUÍ, Chicoepab Reflorestamento da Terra Indígena Sete de Setembro:
uma mudança da percepção e da conduta do povo Paiter Suruí de
Rondônia. Brasília, 2013. Dissertação de Mestrado (Mestrado
Profissional) - Programa de Mestrado Profissional de
Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília.

Soeitxawe
Qualidade de vida e bem-estar subjetivo em adeptos de
Ayahuasca

Lais Lins Tenório


Deyse Ferracioli
Cleber Lizardo de Assis

O presente trabalho tem como objeto de estudo o bem-estar


subjetivo dos adeptos de ayahuasca, a partir da literatura científica
nacional e em campo junto a sujeitos adeptos na região norte do país.
Metodologicamente, priorizou-se a pesquisa qualitativa, exploratória, de
base bibliográfica em literatura psicológica e interdisciplinar nacional, e
de levantamento através de entrevistas diretas com os sujeitos envolvidos
no problema; os dados obtidos em campo ocorreram através de
entrevista semiestruturada, mediante de aprovação da pesquisa em
Comitê de Ética em Pesquisa, e tratados pela análise de conteúdo, com
ênfase nas categorias qualidade de vida e bem-estar subjetivo. Como
resultados, são discutidos os principais estudos que tratam do consumo
do chá nos rituais religiosos e a percepção desses sujeitos em relação a
esses elementos psicossociais, passando pelo estado alterado da
consciência e o desenvolvimento de uma percepção do corpo, da
sensação e do pensamento operada nos adeptos; a partir da pesquisa de
campo, destacam-se: desenvolvimento do autoconhecimento,
favorecimento ao tratamento da dependência química, um maior
domínio de si e do ambiente, além de uma melhoria no relacionamento
social, encontrados na literatura; e em campo foram verificadas as
categorias: tratamento e prevenção da dependência química, sentido de
vida, crescimento pessoal, relações sociais positivas com familiares,
amigos e trabalho, aprimoramento da cognição, autoconhecimento,
autonomia e religiosidade; aponta-se a necessidade de estudos
interdisciplinares, qualitativos e quantitativos em campo para um maior
aprofundamento, considerando a escassez de pesquisas consistentes com
mais rigor nos desenhos metodológicos, em especial, com enfoque
psicológico no acervo científico sobre esse tema. Defende-se, finalmente,
738 Lais Lins Tenório, Deyse Ferracioli & Cleber Lizardo de Assis

a relevância científica de estudos voltados para esses temas


contemporâneos e que possibilitam o conhecimento de novos processos
de subjetivação, de fenômenos socioculturais e de territórios para
interfaces com a Psicologia.


Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião e como tratam a respeito da
saúde.

Wendril da Cruz Tomé


Acadêmico de Enfermagem, UNIJIPA.
wen_dr_il@hotmail.com

Resumo: No ambiente onde vivemos existem seres humanos de diversas raças,


costumes, cultura e crenças distintas. Entre estes estão os povos indígenas. Os
índios possuem um hábito de vivência bem diferente do que se vê na cidade.
Possuem a sua própria cultura, modo de caça, hábitos alimentares e crenças. Os
povos indígenas se distinguem por etnias. A Aldeia Ikolen, localizada na Terra
Indígena Igarapé Lourdes no município de Ji-Paraná, Estado de Rondônia,
residem indígenas da etnia Gavião. O idioma de costume deste do povo Ikolen é
a Tupy Mondé.
Palavras-chave: Povo Gavião; Cultura; Indígenas Ikolen.

Introdução

Como a história nos diz, na época do descobrimento quando os


portugueses chegaram ao litoral brasileiro, dando início ao processo de
ocupação, perceberam que a região era ocupada pelos povos nativos. A
estes nativos os portugueses deram o nome de índios, pois acreditavam
ter chegado às Índias.
Alguns povos indígenas, desde a época do descobrimento,
mantiveram-se afastados de todas as transformações ocorridas no País.
Eles mantêm as tradições culturais de seus antepassados e sobrevivem da
caça, pesca, coleta e agricultura incipiente, isolados do convívio com a
sociedade nacional e com outros grupos indígenas.
Aproximadamente 60% da população indígena brasileira vive na
região designada como Amazônia Legal, área esta que engloba nove
estados brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica e, que possuem em
seu território trechos da Floresta Amazônica, entretanto registra-se a
740 Wendril da Cruz Tomé

presença de grupos indígenas em praticamente todos os estados


brasileiros.
Dentre os povos indígenas as tarefas são distribuídas de acordo com
o gênero. Como os homens são mais fortes e resistentes, eles ficam
responsáveis pela caça, trabalho pesado, fabricação de armas e proteção.
Enquanto a mulher fica responsável por plantar, colher, cozinhar,
fabricar acessórios e cuidar das crianças.

Tabela 1 - Responsabilidade das Mulheres e dos Homens


Indígenas.

Trabalho das mulheres Trabalho dos homens


O trabalho agrícola, desde A derrubada do mato e a preparação da
o plantio até a colheita. terra para o plantio.
A coleta de frutos. Caçar e pescar.
A fabricação de farinha. Fabricar arcos, flechas e canoas.
O preparo da comida. A construção das moradias.
Cuidar das crianças da tribo Expedições guerreiras.
Tecer redes e trançar cestos Proteger a tribo.
 







Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião 741

Os materiais da imagem a seguir são usados pelos indígenas para a


fabricação de tecidos, redes, adornos, e tecer cestos.


Figura 1 - Material para produção de adornos na Aldeia Ikolen.
Fonte: UNIJIPA

Existem mais de 240 povos indígenas no Brasil. Sendo que existem


mais de 800 mil pessoas falando aproximadamente 150 línguas diferentes
de indígenas, uma delas é a Tupi Mondé sendo o tronco linguístico,
usado para a comunicação entre o povo Gavião que residem no
munícipio de Ji-Paraná, Estado de Rondônia.
Apesar de existir uma grande diversidade de culturas e línguas entre
os povos indígenas no Brasil, na época da chegada dos colonizadores
essa diversidade era muito maior. Através do processo de colonização
com a vivência entre os não indígenas, muitos grupos acabaram
perdendo seus modos de fala devido precisarem aprender e se comunicar
no português.

Soeitxawe
742 Wendril da Cruz Tomé

Os grupos indígenas têm uma cultura e modo de vivência diferente


das pessoas que vivem nas cidades que consomem biscoitos recheados,
salgadinhos, refrigerantes, sucos em pó, açúcar e muitos outros tipos de
alimentos. Contudo é normal eles consumirem mais alimentos naturais e
com isso tendo seus lados positivos e negativos.
Positivamente quem consume pouco alimento industrializado não
prejudica os órgãos do corpo humano. Porém o lado negativo é que há
hoje alguns alimentos industrializados ricos em vitaminas, porém que
pode ser substituído por alimentos naturais, basta ter o conhecimento do
que consumir.
Os indígenas da etnia Gavião atualmente vivem em um ambiente ru-
ral mas com seus costumes e suas culturas. A saúde é um assunto muito
complicado de tratar quando nos referimos a determinadas patologias.
Ainda mais quando ocorre com populações que estão distantes de uma
unidade básica de saúde.
É possível ter uma vida em paz entre não indígenas e indígenas, por-
tanto é preciso consciência das pessoas da cidade, pois índios são pesso-
as apenas com hábitos diferentes.
Os indígenas são povos com muitas tradições, cultura, crenças e
rituais. Na cultura indígena a música, danças, caça e pesca são diferentes
da maneira com que a população não indígena realiza. Os índios criam
suas próprias armas para caça e ferramentas como machadinha de pedra,
lanças, arco e flecha. Eles sabem exatamente como matar um animal, já
os não indígenas matam de qualquer forma, sem ter uma técnica
especifica. Nesse aspecto as populações indígenas são meras
conhecedoras da sociobiodiversidade da Amazônia e utilizam a mesma
de forma sustentável, sem agredir a natureza, e uma forma de auto
consumo, diferente dos grupos não indígenas que visam a lucratividade.
Conhecer um grupo indígena é uma experiência que muitos não
indígenas gostariam de ter, porém não tem oportunidades. Descobrir um
mundo diferente é mais do que encantador. Pois onde vivemos existe
muitas coisas ocultas, onde é preciso curiosidade do ser humano para
desvendar algo desconhecido. A vida dos indígenas hoje é totalmente
diferente do passado. O modo de vestir, abrigo, alimento, tudo mudou,
sem esquecer de sua cultura que também foi influenciada com o mundo
moderno.

Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião 743

Como um cidadão qualquer, os índios também tem seus direitos e


deveres. Eles votam, podem se candidatar e podem cobrar do governo
moradia, alimento e saúde. Porém não é muito que se vê nas aldeias.
Podemos identificar posto de saúde, e um bom apoio do governo no
meio dessa população. Contudo certas atitudes o povo indígena prefere
realizar sozinhos como, por exemplo, uma ferida de possível e fácil
cuidado. Através de seus conhecimentos buscam algo para promover e
restaurar saúde através da medicina tradicional.
O povo indígena não apoia o parto cirúrgico, porém não negam que
algumas vezes são levados a fazerem, segundo Catarino Gavião, cacique
geral da aldeia Ikolen, eles procuram resolver a situação por meios de
crenças e rituais que foram ensinados por seus antepassados. Há muito
que aprender com os mais velhos, pois eles possuem um conhecimento
mais avançado sobre determinada planta ou sabem resolver com maior
facilidade.
De acordo com o foco que aborda a área de ferimentos e fraturas,
Catarino disse que o material que é feito a casa de cupim e as formigas
podem curar determinados tipos de fraturas.

Visita Etnográfica

Os familiares do Cacique esperavam a todos com uma recepção


calorosa. Após as saudações iniciais, os alunos foram convidados a se
acomodarem no auditório da aldeia, onde o mesmo retrata a preservação
da cultura indígena, um ambiente coberto por palhas de coqueiros,
assistiram a uma apresentação artística de danças típicas e canções
tradicionais do povo Gavião e palestra. Ao final da fala do cacique,
aconteceu um debate, onde o anfitrião foi questionado a respeito de
temas como: plantas medicinais, saúde, aborto, parto, moradia,
casamento, distribuição do trabalho entre os gêneros, fonte de renda,
alimentos, rituais da tradição, religiosidade, relacionamento com o meio
urbano, educação entre outras coisas.
A cultura do povo Gavião e como tratam as doenças foi uma
pesquisa etnográfica realizada na aldeia Ikolen. Com o objetivo de
observar como as pessoas na aldeia tratam de patologias, alimentação,

Soeitxawe
744 Wendril da Cruz Tomé

cuidados com feridas e fraturas. E até os cuidados com as gestantes. A


convivência dos índios com as pessoas que moram na cidade influencia e
altera a cultura do povo indígena.

Aldeia Ikolen

Os Ikolen, também conhecidos como Gavião, idioma de costume da


aldeia é a Tupi Mondé, porém alguns da aldeia falam a língua portuguesa.
Sua população distribui-se em diversas aldeias, todas elas localizadas no
interior da Terra Indígena Igarapé Lourdes, que compartilham com um
outro grupo indígena: os Karo.


Figura 2 - Vista aérea da maloca dos índios Gavião (1980), Terra Indígena Igarapé
Lourdes (RO).
Fonte: Kim-Ir-Sen/Agil
 
De acordo com Catarino, cacique da Aldeia Ikolen, localizada na
Terra Indígena Igarapé Lourdes no município de Ji-Paraná, Estado de

Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião 745

Rondônia, onde residem os indígenas da etnia Gavião, as patologias


começaram a ser mais frequentes a partir do momento em que passaram
a consumir alimentos dos não indígenas (industrializados e
conservantes). Segundo ele era raro encontrar entre o povo indígena
alguém sentindo dor ou com alguma doença.

Os povos indígenas adotaram muitos costumes da população não


indígena. “Este povo sofreu muito com o acelerado processo de aculturação a
que foi submetido no contato com os brancos. Sua aldeia foi cortada ao meio
por uma estrada que da acesso a fazendas da região” (PERDIGÃO e
BASSEGIO, 1992, p.23).

A base da alimentação indígena é reforçada por produtos como a


mandioca, macaxeira, milho, carne de caças e peixes, raízes, frutas
silvestres, palmito, castanhas, coco e folhas verdes. Os índios também
procuram extrair óleos, bebidas e farinhas da natureza de forma
sustentável sem agressão a floresta.
Uma bebida muito consumida pelos índios Ikolen é a macaloba. A
macaloba é uma bebida produzida da fermentação e destilação do milho
ou da mandioca acrescida de folhas e ervas. Esta bebida costuma ser
muito consumida em dias festivos. Após alguns dias da produção da
macaloba ela passa a ter propriedades alcoólica também. Contudo hoje
esta bebida não é usada mais como uma bebida alcoólica pelos índios
pela introdução de novos hábitos alimentares.
Antigamente os povos indígenas não tinham tanto contato com
alimentos industrializados, após algum tempo esse acesso começou a
ficar muito ilimitado. Com a entrada do mundo moderno o consumo de
alimentos industrializados como enlatados, conservantes, doces,
refrigerantes e frituras entre os índios começou a ficar mais usual. Em
consequência disso esses povos passaram a ter um hábito alimentar
“inadequado”. Pois muitas pessoas hoje não tem o conhecimento de se
alimentarem de forma mais correta e saudável. A maioria dos homens se
alimentam de qualquer forma e em qualquer horário, comem o que quer
e onde bem quer. Assim muitas pessoas vivem com uma nutrição baixa
devido ao mal hábito alimentar. Nutricionistas recomendam comer no
mínimo seis vezes ao dia, balanceando a nutrição entre diferentes tipos
de alimentos benéficos como frutas, verduras, sucos naturais, pouco

Soeitxawe
746 Wendril da Cruz Tomé

açúcar e reduzindo os alimentos industrializados como exemplo os


salgadinhos, doces e refrigerantes.
O principal motivo pelo qual a maioria das pessoas se alimentam mal
é pela praticidade dos alimentos industrializados, pois tudo é mais rápido
e fácil de consumir. Um salgadinho ou um refrigerante, por exemplo, o
que precisamos preparar para consumir? Nada! Precisamos apenas abrir
e comer. Mas não é só isso, os responsáveis pelo Marketing destas
empresas que produzem alimentos industrializados junto com a mídia
criam e transmitem apenas os pontos positivos através de imagens sobre
devidos produtos colocando um tema como por exemplo, Mc’Donalds,
onde o palhaço é um figurante do produto e oferecem brindes e
acessórios infantis, tudo isso chama atenção das crianças e fazem com
que elas se interessem pelo produto. A maioria das vezes consomem o
produto apenas pela imagem. Isso não só está atingindo as pessoas que
moram na zona urbana como também influenciam os povos indígenas,
pois o acesso a este tipo de mídia esta acessível.

Foi realizado uma pesquisa nas cinco regiões do país na qual


mostra que os brasileiros não se alimentam de forma saudável.
Comem frituras demais e dispensam grelhados e verduras. Fazem
as refeições diante da televisão e gostam de ir a lanchonetes de
fast food. Ingerem alimento rápido, com pressa. E, quando
podem, "beliscam alguma coisinha" fora de hora. Diante dos
maus hábitos alimentares, a pesquisa apontou que 63,1% dos
brasileiros estão acima do peso. Daí conclui-se que 117 milhões
de pessoas estão com sobrepeso ou obesidade. (Pesquisa
realizada a pedido da Sociedade Brasileira de cirurgia Bariátrica.
Disponível em: http://www.maisequilibrio.com.br/bem-
estar/brasileiros-comem-mal-7-1-6-282.html).

Diante do diálogo entre o cacique, é possível destacar que a cultura


indígena não está perdida, porém pode-se dizer que está apenas
modificada, não perdendo a cultura. Os indígenas hoje se vestem de
forma mais natural aos não indígenas. Era tradicional se vestirem
expondo mais seus corpos.
As vestimentas mais comuns aos índios brasileiros “não civilizados”
ou com pouco contato com a sociedade são a tanga, o saiote ou os cintos

Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião 747

que lhes cobrem o sexo, feitos de penas de animais, folhas de plantas,


entrecasca de árvores, sementes ou miçangas. A partir do contato com a
chamada “civilização”, os índios foram adotando a roupa dos homens
das cidades.

O povo indígena tem o costume de criarem adornos e usarem


pinturas corporais, os materiais para criar estes tipos de adornos
eram retirados de aves e outros como arara, gavião, papagaio,
tucano, guará, sisal, pedras, dentes, unhas, garras e bicos de
animais. As vestimentas adornadas, principalmente com plumas,
são geralmente utilizadas em ocasiões especiais, ritos e
comemorações (GASPAR, Lúcia. Recife, 2011. Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/).

A dança é muito importante para os índios. Dançam para celebrar um


cacique, safras, o amadurecimento de frutas, uma boa pescaria; para
assinalar a puberdade de adolescentes ou homenagear os mortos em
rituais fúnebres.
Os indígenas transmitem uma imagem tradicional de sua cultura, com
os tipos de caças, danças, linguagem etc. Mas podemos observar que
tudo não é mais como antes, é possível perceber que a tecnologia chegou
até as aldeias. Alguns enxergam este ponto como negativo, outros como
um lado bom. É interessante como os povos indígenas mesmo com
tantas modificações e novas tecnologias, buscam permanecer com sua
cultura e não perde-la por completo. Pode-se dizer que passaram apenas
por um processo de transformação para buscarem uma vida melhor.
Através de muitas lutas pelos povos indígenas, atualmente já existem
cursos de graduação específicos para os mesmos, como a formação de
professores que acontece pela Universidade Federal de Rondônia,
campus de Ji-Paraná e o Projeto Açai I, II e III realizado pela Secretaria
Estadual de Educação do Estado de Rondônia com formação de
magistério nível médio a diversos professores do Estado de Rondônia.
Cada grupo indígena possuía crenças e rituais religiosos diferenciados.
Porém todas as tribos acreditavam nas forças da natureza e nos espíritos
dos antepassados. Para estes, deuses e espíritos faziam rituais, cerimônias
e festas. Contudo um fator que chamou bastante atenção em alguns
povos indígenas como Arara, Gavião e Zoró é que eles creem que Deus

Soeitxawe
748 Wendril da Cruz Tomé

existe e enxergam isso através de suas obras, como água, sol, vento, lua,
plantas, animais, árvores etc. Foi muito interessante a fala de cacique
Catarino: “nós acreditamos no criador, conhecemos Deus, mas não
deixamos de seguir nossa cultura”. Um ato religioso que por acreditarem
em Deus não quer dizer que devem andar como pastores, ou
abandonarem sua cultura, eles nasceram assim e morrerão assim, e por
mais incrível que pareça eles tem orgulho de como são. Muitas pessoas
da cidade conhece Deus pela palavra que Ele enviou, a Biblia, como a
maioria dos povos indígenas não tem o fácil acesso a este livro eles
conhecem o criador como uma forma real e mais correta, através de suas
criações.

Parto humanizado entre os povos indígenas.

Existem dois tipos de parto: o parto cirúrgico (cesárea/cesariana) e o


parto vaginal ou natural.
Há também dois tipos de partos vaginais, sendo um deles o parto
vaginal cirúrgico, é natural, porém precisa de uma intervenção médica
sendo utilizado anestesia, ocitocina, para ajudar nas contrações, e pode
levar até a episiotomia, que é o corte vaginal; o outro tipo de parto
vaginal é o natural, onde durante o parto tudo ocorre como esperado,
sem complicações, havendo apenas intervenções mínimas e necessárias.
O parto natural é o modo mais correto de dar a luz a um bebê, pois é
o parto mais benéfico tanto para a mãe quanto para o bebê. Entre estes
benefícios estão a recuperação da mulher, além de menor risco de
infecções, hemorragias e lesões de órgãos. O vínculo entre mãe e o filho
pode ser mais intenso com o parto natural. E sempre que possível o
bebê já é entregue no colo da mãe para ser acolhido, abraçado e
amamentado. Não há desvantagens neste tipo de parto quando a
gestante está com a saúde instável.
O parto vaginal pode ser realizado em várias posições e locais.
Deitada, de cócoras ou utilizando uma cadeira de parto. Também pode
ser realizado na água, sendo necessário alguns cuidados.

Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião 749

Tanto em maternidades como nos hospitais há mais recursos de


assistência para a mãe e para o recém-nascido. Portanto não sendo
descartado o parto em casa.
Na Aldeia Ikolen, localizada na Terra Indígena Igarapé Lourdes no
município de Ji-Paraná, Estado de Rondônia. Existe um posto de saúde,
onde é fornecido assistência à saúde.
O parto das gestantes da aldeia Ikolen acontecem no hospital mais
próximo dentro da cidade. Entretanto há casos de gestantes entrarem em
trabalho de parto e o tempo de locomoção até o local não ser suficiente,
sendo necessário a realização do parto no local. Os indígenas que vivem
nesta terra exigem o parto natural, pois para eles a mulher foi
desenvolvida com capacidade suficiente para dar a luz sem haver
qualquer tipo de intervenção médica. O parto cesariano foi criado para
ser realizado em casos de complicações ou aconselhado para mulheres
que estejam com a saúde prejudicada e não podem ter um parto natural.
Entretanto hoje isto não é realidade, o parto cirúrgico virou “moda”.
Pois é mais rápido e prático, os médicos podem ganhar mais dinheiro em
pouco tempo. Enquanto o parto natural leva horas para concluir, a
cesárea leva até 30 minutos. Levando em considerações estes pontos, é
bem mais viável e lucrativo para os médicos realizarem a cesárea. Por
esse motivo adotaram este tipo de parto como “normal”.
Os índios não conheciam o parto cesareano, o nascimentos de recém-
nascidos eram feitos todos naturalmente, sem descartar que ocorria em
alguns casos complicações, porém todas controladas através do
conhecimento dos indígenas de como reagir a tal problema.
Mesmo ciente de que o parto natural é o mais aconselhado, os não
indígenas insistem em optar a fazer a cesárea. Por escolha própria ou por
recomendações médicas.

Cuidados com as feridas

Ferida é um assunto no qual devemos tomar muito cuidado, pelo


simples motivo que uma pequena ferida pode desenvolver uma
inflamação agravando o local ferido. Tratar de feridas na área urbana é
fácil, pois temos muitos métodos usados de formas seguras, como uma

Soeitxawe
750 Wendril da Cruz Tomé

lavagem eficaz no local, pomadas e gases. Ao encontrar uma farmácia


podemos nos deparar com todos os itens necessários para realizar uma
técnica de cuidado com a ferida.
No decorrer da entrevista com Cacique Catarino perguntamos qual
método os índios Ikolen usam para tratar feridas em uma situação de
caça, onde um índio se fere e há hemorragia. A resposta foi a seguinte:
quando um índio se corta, ou desloca algum membro do corpo, eles
usam se possível plantas medicinais, conhecidas pelas características, e
também usam o material feito da casa do cupim como tratamento. É
coletado o material seco e esfregam no local da ferida. Então Cacique
Catarino afirma acreditar que o espírito dos materiais da casa do cupim
tem o poder de esclarecer como tratar aquela ferida. O índice de
contaminação com alguma bactéria em uma situação desta é muito alto.
Com relação as plantas medicinais o Cacique da Aldeia relata que o
povo Gavião não conhece determinada planta por nome, mas conhecem
pela característica que ela aparenta.

Educação

A educação é um fator essencial para a vida social, ela leva o ser


humano a alcançar e ultrapassar seus limites de conhecimento. Focados
na área da saúde, os acadêmicos do curso de Enfermagem da Faculdade
Panamericana de Ji-Paraná não poderiam deixar de conhecer um pouco
sobre a educação dos povos indígenas Ikolen. A aldeia possui uma escola
que atende a todos os níveis da educação básica até o ensino Médio,
dada pelo nome Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental e
Médio Zawidjaj Xikombipôh. É importante ressaltar que esta é uma
escola localizada na aldeia Ikolen.
Contudo na Terra Indígena Igarapé Lourdes existem 8 escolas
indígenas do povo Gavião e 4 do povo Arara.

Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião 751


Figura 3 - Escola de ensino situada na aldeia Ikolen em Ji-Paraná (RO).
Fonte: UNIJIPA.

Aspectos relevantes da pesquisa

Para um bom conhecimento foi muito importante para os


acadêmicos do curso de enfermagem participar desta visita técnica onde
foi possível observar o modo como os indígenas vivem. Aprender um
pouco sobre sua cultura, como tratam alguns tipos de enfermidades, suas
crenças, e até o como se relacionam com pessoas de hábitos diferentes.
Planos de aula como este são de total importância, pois incentivam o ser
humano a buscar cada vês mais conhecimento.
Identificando como realizam a caça, pesca, a maneira que é feita suas
armas, o modo como se vestem tradicionalmente, rituais e crenças.
Enfim a cultura do povo indígena que são para eles fatos importantes.

Soeitxawe
752 Wendril da Cruz Tomé

Considerações finais

Foi possível conhecer e observar os modos que o povo Gavião trata


os problemas com a saúde. Em alguns casos eles recorrem aos médicos.
Identificamos também algumas críticas, por exemplo, eles são totalmente
contra o parto cirúrgico, pois acreditam ser uma perfeição da natureza.
Deus fez tudo perfeito então pra que alterar algo que Deus criou?
Seu modo de promover saúde é normalmente através de plantas,
porém eles não conseguem identificar o nome da mesma, eles apenas
conhecem a característica da planta que irá curar tal patologia.
É possível observar que os alimentos que consumimos têm real
importância no nosso desenvolvimento e deve-se tomar cuidado com o
tipo de comida que estamos ingerindo, analisar se ira fazer bem ou mal
ao nosso organismo. Pois devemos sempre cuidar de nossa saúde.

Agradecimentos

À Faculdade Panamericana de Ji-Paraná – UNIJIPA, pela disposição


e realização da visita à aldeia Ikolen, à Prof.ª Dr.ª Regina Clara de Aguiar.
Com o apoio da coordenação da Professora Mestre Sonia Maria Ribeiro.
Aos acadêmicos Gleidson Borges e Raufe Silva, e ao Prof. Especialista
(Mestrando) Alexandre Zandonadi Meneguelli, pelas ricas sugestões de
formatação do texto.

Referências

GASPAR, Lúcia. Trajes e adornos de índios brasileiros. Pesquisa Escolar


Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:
<http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 24
de Maio de 2015.
PERDIGÃO, Francinete; BASSEGIO, Luiz. Migrantes amazônicos,
Rondônia: a trajetória da ilusão. São Paulo: Loyola, 1992.

Soeitxawe
Cultura do povo indígena Gavião 753

Pesquisa, Mais Equilibrio R7, Brasileiros comem mal, Disponível em:


<http://www.maisequilibrio.com.br/bem-estar/brasileiros-
comem-mal-7-1-6-282.html> Acesso em: 24 de maior de 2015.

Soeitxawe
Reflexão geográfica: o indígena no município de Pimenta
Bueno/RO/Brasil

Claudia Cleomar Araújo Ximenes Cerqueira1


Adna Henrique de Lima Pio2
Benedito de Matos Souza Junior3
Adriana Correia de Oliveira 4
Sônia Maria Teixeira Machado5
Elenice Duran da Silva6


1 Mestre em Geografia e Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação
Universidade Federal de Rondônia - UNIR, Esp. em Administração Pública, em
Gestão Financeira e em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de
Pimenta Bueno - FAP. Professora de Ensino Superior. Membro do
LABICART. Membro da APEC-Brasil.
2 Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade de Pimenta Bueno – FAP.
3Licenciando em Geografia pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR;
Bacharelando em Ciências Contábeis pela Faculdade de Pimenta Bueno – FAP.
Membro da APEC-Brasil.
4Mestre e Bacharel em Geografia pela Fundação Universidade Federal de
Rondônia – UNIR. Professora de Ensino Superior. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero –
GEPGENERO. Membro da APEC-Brasil.
5 Mestre em Geografia (2016) e Esp. em Metodologia do Ensino Superior
(2005) pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Graduação em Artes
Plásticas pela Universidade Federal de Uberlândia (1998). Professora do Ensino
Básico, Técnico e Tecnólogo do Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia de Rondônia - IFRO.
6 Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR.
Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia (2000).
Especialização em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. (2005)
pela União das Instituições de Formação Continuada em Negócios e Tecnol. -
UNINTES.
756 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S

Resumo: O Brasil, em todo seu processo de colonização, adentrou no espaço


ocupado pelo indígena sem que houvesse a preocupação com os que ali viviam.
Nestes termos o objetivo geral proposto neste estudo é de identificar o indígena
no espaço e tempo no município de Pimenta Bueno e entorno, Estado de
Rondônia, Brasil. O recorte temporal é de 1970 a dezembro de 2014. Para fins
de eficácia na investigação a abordagem hermenêutica fenomenológica é o
método a nortear a pesquisa. Utiliza-se de fontes vernaculares com auxílio das
grades científicas para análise das categorias geografias: espaço e tempo. Por
meio de entrevistas com residentes no município, busca-se pelo resgate
historiográfico que há décadas se afastou de sua aldeia/tribo. O que levou ao
afastamento? Questionamento que é identificado neste estudo, como os
problemas relativos a uma série de lutas travadas entre indígenas de uma etnia a
outra e vice-verso, a colonização da região, bem como fenômenos naturais que
o próprio progresso tem enraizado em sua cultura.
Palavras-Chaves: Aldeia/tribo; Espaço; Tempo.

1- Introdução

O uso e ocupação do solo na região amazônica advêm do século


XVII, por meio das Bandeiras oriundas de São Paulo. O processo de
ocupação da região se deu de forma conturbada. Em vários momentos
os combates foram sangrentos e assustadores. Importante a busca pelo
conhecimento da geohistoricidade de como se deu os fatos, no entanto,
nos atinamos aos anos doravante a 1970, o que nos ajudará a analisar e
compreender a pesquisa proposta no escopo deste estudo.
A visão do espaço vivenciado e do espaço idealizado proporcionado
pelos estudos fenomenológicos, contribui na convergência entre o
passado e o presente na identificação do indígena no espaço e no tempo.
A pertinência do estudo é compreender o porquê do afastamento dos
indígenas de suas tribos/aldeias de origem, o que levou a isto? A
abordagem ao tema se deu por não se encontrar na literatura científica e
histórica a identificação geohistórica dos mesmos no município de
Pimenta Bueno, Rondônia.

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 757

2- O apoderamento humano do espaço no estado de Rondônia

Em decorrência dos 35 anos de atuação do INCRA, foi realizada uma


coletânea de artigos de servidores do Instituto, do qual culminou no livro
Memória INCRA 35 Anos, esta obra contribui com o resgate da história
da colonização do Brasil. As ponderações expostas compõem artigos
premiados daqueles que viveram todo tipo de peripécia de um período
em que as pessoas tinham seus direitos tolhidos pelo poder público. Mas,
a necessidade fazia com que surgissem movimentos sociais ruralistas.
Segundo Barquete (2006), em resposta a aspiração popular decorrente
da década de 1960 resultou numa série de medidas de políticas públicas
em prol de modernizar os latifúndios. O saldo deste movimento foi a
criação do INCRA por meio do Decreto nº 1.110 de 9 de julho de 1970.
O qual completou 44 anos de existência em 2015, implantado em todo o
território nacional de forma gradativa. A saga do Instituto se confunde
com a história de desenvolvimento agrário brasileiro no século XX,
superando o trauma de outras políticas imediatistas e ineficazes.
No estado de Rondônia, o INCRA teve e tem papel fundamental no
assentamento de milhares de famílias. A colonização na Região Norte
ocorreu de várias formas, mas duas categorias são postas em observação:
por meio de programas de colonização oficial e, a outra por conta
própria. Esta última, o Estado não demorou a por sob a égide dos
pressupostos da ideologia militar com o POLONOROESTE e posterior
com o PLANAFLORO. No entanto, lícito destacar que esta tutela não
logrou êxito. Deixando um saldo ambiental negativo, sendo necessária
no século XXI, a implantação de políticas públicas severas no combate e
controle ao desmatamento e queimada.
Herlein (2006) explana que a necessidade de uma reforma agrária no
Brasil era gritante. Três fatores levaram a intensificação do fomento das
políticas públicas voltadas ao desenvolvimento agrário: “[...] a existência
de vastas áreas de terras improdutivas, o constante crescimento de
habitantes e a consequente necessidade do aumento de produção
agrícola, o importante setor primário”. Surge neste contexto, a
preocupação do Estado com as questões agrárias. O Governo Militar
acreditava que era necessário incentivar a agricultura na Região
Amazônica em detrimento de sua fauna e flora.

Soeitxawe
758 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S

Segundo Bensztok et al (2009) a região central do Estado de


Rondônia é considerado precursora de projetos de Reforma Agrária,
particularmente no eixo ao longo da BR-364. O período foi de tensão,
por um lado o Governo expropria seringalistas sem direito à indenização,
pela falta de documentos que comprovassem a posse de suas terras, por
outro estas pessoas passam a ser consideradas pioneiras pelo Governo
Militar, mas sem terra e sem teto. Ficando, temporariamente, a mercê de
infortúnios inerente aos centros urbanos.
A colonização de Rondônia ocorreu num processo gradativo de
disputa tridimensional de território, de um lado o Estado, de outro as
comunidades tradicionais e os expropriados, na terceira ponta os
migrantes espontâneos (Figura 3). Este triângulo contribuiu para a
formação do povo, entretanto não podemos deixar de observar que foi
um processo extrativista e sem controle pelo Estado, nem por
organismos privados.


Figura 3: Estrutura de colonização no Estado de Rondônia

Foi por intermédio do INCRA, que surgiu os Projetos Integrados de


Colonização (PIC). Idealizado pelo Programa de Integração Nacional
(PIN), carregava no seu bojo a construção de rede rodoviária (Belém –
Brasília, Cuiabá – Santarém; Transamazônica e Porto Velho - Manaus), a

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 759

qual estimulava a imigração e fomentava as atividades econômicas.


Moreira (2011), ao traçar as linhas do desenvolvimento da sociedade e do
espaço geográfico no Brasil relata a contribuição do Estado na
distribuição geográfica dos latifúndios.
Bensztok et al (2009) expõe que estes projetos utilizaram terras, numa
extensão de até 100 km de cada lado da BR 364. Os lotes foram cortados
com aproximadamente 100 hectares, distribuídos a uma pequena parcela
dos expropriados. No entanto, os recortes realizados e entregues aos
mesmos não aplacou a revolta acentuada, pela forma arbitrária dos
programas de assentamento e por não ter alcançado todos aqueles que
sofreram com estas ações.
Os conflitos decorrentes pela forma orquestrada de desapropriação
do Governo Militar, provocou comoção entre os seringalistas e muitos
destes, acabaram às margens das cidades, não retornando ao campo. A
migração para a região Norte na década de 1970, segundo Brasil (1997),
se deu pela continuidade das políticas governamentais da década de
1950, no sentido de integrar esse espaço ao resto do território nacional
com diversas iniciativas, dentre essas, podemos destacar a colonização
dirigida.
A política de colonização dirigida foi tardia e a ocupação não se deu
da forma planejada e não alcançaram todos aqueles que foram retirados
das terras que ocupavam. Os conflitos permaneceram, se estendendo até
o século XXI, em sangrentas disputas territoriais. Estes conflitos se
deram pela invasão de espaços pertencentes a seringueiros, colonos e
indígenas, bem como o deslocamento de aldeias inteiras em detrimento
do progresso e da confirmação de posse da região pelo Governo
Brasileiro.
Os Projetos Integrados de Colonização (PIC), tiveram sua
repercussão inicial positiva. Ferreira (2012, p. 80) expõe que os PIC “[...]
foram destinados à faixa de população de baixa renda, principalmente
para atrair cada vez mais famílias para Rondônia”. Por conta da procura
excedente de terras o Governo precisou abrir novos projetos. No
contexto, Bensztok et al (2009) específica que na década de 1970 o
Governo desenvolveu 05 (cinco) PIC, concentrados na região central do
Estado de Rondônia, como é apresentado na figura 2.


Soeitxawe
760 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S

Projetos Ano de Área Número de Área de Influência


Criação (ha) famílias
PIC Ouro Preto 1970 512.585 5.000 - Ouro Preto D’Oeste
- Ji-Paraná
- Cacoal
- Presidente Médici
PIC Gy-Paraná 1971 486.137 5.000 - Rolim de Moura
- Pimenta Bueno
- Espigão D’Oeste
PIC Adolfo Rohl 1973 407.210 3.500 - Jarú
PIC Paulo de 1973 293.580 3.500 - Colorado D’Oeste
Assis Ribeiro
PIC Sidney Girão 1974 60.000 600 - Guajará-Mirim
Figura 2: PIC caracterizados por área, número de famílias e área de influência
Fonte: Bensztok et al (2012) (Adaptado)


No município de Pimenta Bueno, localizado no PIC Gy-Paraná,
foram realizados até o ano de 2000, seis assentamentos, Canaã,
Caladinho, Casulo Formiguinha, Marcos Freire, Pirajuí, Ribeirão Grande
e Eli Moreira (figura 4 e figura 3). Sendo, no contexto, realizado estudo
de caso no Projeto Casulo Formiguinha, o qual é considerado como
casulo pela dimensão dos lotes distribuídos: 2 (dois) ha.

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 761

Identificação Data N° de Localização Área Geral


Publicação Família
Gleba 3, linhas 50-55, 10.688,7709
26/04/1988 300 capa 48-56; Especifica
PA Marcos 05/09/2001 373 Gleba 4, linhas 30-35, de Pimenta
Freire 04/09/2002 352 capa 40-44 Bueno:
Obs: pertence aos 3.549,4628
municípios de Pimenta
Bueno; São Felipe
D’Oeste e Primavera de
Rondônia.
PA Ribeirão 03/08/1990 238 Gleba Corumbiará, linha 7.379,6209
Grande 28/06/2001 172 45-49, capa 70 a 80. Sua
20/11/2013 172 extensão vai até o Rio
Melgacinho.
PA Pirajuí 27/09/1995 37 Gleba 7, setor Barão do 1.478,4739
14/09/1998 42 Melgaço, linha 35 a 40.
16/10/2013 37 O rio Melgacinho passa
16/11/2013 37 pela PA.
PA Eli Moreira 19/10/1995 113 Gleba Urucumacuã, 2.599,3149
(Dimba) 14/09/1998 114 fusão do 29 e lote 98.
10/01/2003 114 Obs: até as margens da
BR 364.
Gleba Castro Alves, 3.074,8421
PA Canaã 01/10/1995 81 linhas 5-10.
27/11/2000 83 Obs: Chega às margens
do Rio Roosevelt e é
divisa com a reserva
indígena Aripuanã.
PCA 02/09/1999 75 RO-010 km 31 300,0000
Formiguinha 05/09/2002 71
PA Caladinho 23/12/2008 17 Setor Roosevelt, capa 829,1182
05/03/2009 24 114.
Obs: próximo ao rio
Roosevelt
Figura 3: Taxonomia dos Assentamentos em Pimenta Bueno
Fonte: Dados da pesquisa adquirido no INCRA de Pimenta Bueno pela autora


Soeitxawe
762 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S


Figura 4: Localização dos Assentamentos em Pimenta Bueno, Rondônia
Fonte: elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa

A outra forma de ocupação, como já mencionados, foram os Projetos


de Assentamento Dirigido (PAD). O objetivo era de fixar os
expropriados, diminuindo os conflitos por terra na região. Embora, as
intenções do Estado fossem de devolver os pioneiros ao campo, estes
tinham a tarefa de tornar a terra produtiva, nem que para isto, devessem
derrubar a mata em detrimento de perder o direito sobre a mesma por
não produzirem. Costa Silva (2012) frisa que o aumento populacional
promove uso significativo do solo.
A paisagem amazônica foi transformada, tendo em vista que em 1960
a Região Norte possuía 120 municípios, e no ano de 2010 contava com
449, sem considerarmos os municípios do estado do Mato Grosso e
parte do Maranhão que fazem parte da Amazônia Legal. Em especial, o
estado de Rondônia entre 1970 e 2010 deu um salto do início do
POLONOROESTE na década de 1980 para o início do
PLANAFLORO e, deste último plano para o senso de 2000 (IBGE,
2015a), como mostra a figura 5, formação que permanece até 2015.


Soeitxawe
Reflexão Geográfica 763

 

 


  

 

  

 
 

 
    
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Figura 5: Evolução da divisão territorial do Estado de Rondônia de 1970 a 2010
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do IBGE, 2015a


Em análise da figura 5, se percebe aumento gradativo dos municípios,


e o espaço temporal é de 10 (dez) anos entre um senso e outro. O
percentual de aumento nas duas primeiras décadas é mais de 02 (duas)
vezes o quantitativo da anterior. Apesar da década de 1991 ter tido um
aumento significativo, ponderando que o dobro de 23 é superior ao
dobro dos 7 (sete), devemos levar em consideração que neste período
houve desmembramento de vários municípios dentro do Estado, como,
por exemplo, no município de Pimenta Bueno, que dele originou os
municípios de São Felipe D’Oeste, Parecis, Primavera de Rondônia,
Espigão D’Oeste, parte de Santa Luzia D’Oeste e parte de Chupinguaia.
O aumento populacional também teve grande salto de uma década
para a outra, e o interessante é que os núcleos que originaram as cidades
se deram devido aos 5 (cinco) PIC supracitados. Segundo o IBGE
(2015b) estima-se que para o ano de 2014 a população total é de 37.230
mil pessoas. A evolução populacional no Estado (figura 6) advém muito
mais da migração promovida pelos planos de desenvolvimento regionais
do Governo Federal do que de natalidade, planos estes que nos
aprofundaremos adiante.


Soeitxawe
764 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S


Figura 6: Evolução populacional no Estado de Rondônia de 1970 a 2010
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do IBGE, 2015a


Não só de expropriados foram povoados os assentamentos. O
movimento de colonização privada, como destaca Santos (2001, p. 27)
foi orientada “[...] partindo do oeste do Rio Grande do Sul e do Paraná
na direção setentrional, orientando-se ao Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso e Rondônia”. Este deslocamento foi motivado pela possibilidade
de adquirir recorte de terras maiores do que já possuíam, ou por
indivíduos sem terra que tinham a esperança de conseguirem
assentamento. O autor destaca que este processo não foi tão agressivo
como os demais, não obstante, provocou considerável aumento
demográfico na região, como pode ser observado na figura 5.
Lícito destacar que a chegada de migrantes no Estado de Rondônia,
como afirma Souza (2009), elevou o número de conflitos por terra. O
INCRA não dava conta de assentar o grande contingente de pessoas à
caça de terras produtivas. Na busca de resolver as contendas, o Governo
Militar buscou por assentar as famílias nos Projetos de Assentamento
Rápido (PAR), o que ocorreu na década de 1980, em ocasião do
POLONOROESTE. Foi o período em que mais ocorreu a expropriação
de índios e seringueiros, doravante, os que não conseguiam eram
esquecidos pelo Estado, ficando às margens das cidades.
Considerado por Bensztok et al (2009) como laboratório

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 765

experimental, no centro de Rondônia, foi assentado milhares de famílias,


as quais, recebiam, no começo, ajuda financeira de incentivo ao
desenvolvimento insustentável. Com base na crença de desenvolvimento
econômico da agricultura, as famílias derrubavam e queimavam grandes
áreas, transformando a paisagem e construindo novos espaços, num
complexo ciclo vicioso de desmatamento e queimada.
A liberdade deste argumento se dá a partir do pressuposto de que
Milton Santos (2012a, p. 55) está correto ao afirmar que “[...] o espaço se
modifica para atender às transformações da sociedade”, não o contrário.
Neste ponto, ousamos expor que o desenvolvimento do Estado de
Rondônia teve seus espaços reordenados de acordo com a leva de
migrantes e com as novas estruturas econômicas pautadas no
desenvolvimento capitalista, contrário ao que era preconizado pelo
Governo.
Por meio da Portaria nº 20 de 08 de abril de 2008, é aprovado pelo
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, o regimento interno
do INCRA, o qual tem por finalidade quatro eixos norteadores. O
primeiro trata de promover e executar a reforma agrária com o objetivo
de melhor distribuição da terra. A segunda parte para questões
administrativas e operacionais no que se refere a promover, coordenar,
controlar e executar a colonização. A terceira versa sobre as terras
devolutas federais e sua destinação, de forma a torná-la produtiva. A
quarta busca por gerenciar a estrutura fundiária brasileira.
Não só no período de colonização da região Amazônica que os
conflitos surgiam, ainda, em pleno século XXI, os conflitos de terras
existem e continuam fazendo vítimas. Em julho de 1995, em Rondônia
teve o caso de Corumbiaria, conhecida pela forma sangrenta que foi
resolvido os conflitos de posse da terra (MESQUITA, 2003). Com o
intuito de coibir estes conflitos, o INCRA teve e tem papel
preponderante no desenvolvimento agrário do país. Dele provem toda
regulamentação da distribuição de terras e cabe a reforma agrária, tão
debatida e discutida, porém, sem grandes avanços no campo das
políticas,

Soeitxawe
766 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S

3- A Rondônia que conhecemos

O Estado de Rondônia recebeu os primeiros bandeirantes em 1524,


porém somente no final do Século XIX que se intensificaram as missões
com a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e sua
inauguração no início do Século XX. Em 1907, por meio de Cândido
Mariano da Silva Rondon, encarregado em implantar a linha telegráfica
entre o Mato Grosso e Amazonas é que surge, entre outros, o povoado
de Pimenta Bueno. Rondon “[…] iniciou os trabalhos que seriam
também de levantamento e determinações geográficas, estudo de
riquezas minerais, constituição do solo, clima, florestas e rios” (SILVA,
1997, p. 88). Em 1915 Roquete Pinto (1935, vl. 39) sugeriu que as terras
cortadas entre o Jurena e o Madeira por Rondon, passassem a serem
chamadas de “terras de Rondônia”.
Como destacou o Major Frederico Rondon (1939, vol. 130, p. 278-
279)

Poucas regiões fronteiriças fáceis, como a Rondônia Ocidental,


tantas condições de êxito para a colonização em apreço terras
nacionais ou devolutas que comportariam amplamente o cêntuplo
da população que hoje possuem; riquezas de fácil exploração e
mercado certo; transportes fáceis, a meio caminho do Amazonas
e do Prata; população aclimatada para os primeiros núcleos,
guarnições militares em vias de instalação. (escrita original)

Pimenta Bueno passou a ter importância e figurar como ponto


estratégico na expedição de Rondon em 1909, quando o oficial militar
deu ao rio que possui 50m de largura, o nome de Pimenta Bueno em
homenagem a um coreógrafo do Estado do Mato Grosso ao chegar
neste rio em 11 de outubro de 1909, ao qual se deve linhas magistrais
(ROQUETE PINTO, 1935).
O município de Pimenta Bueno “[...] foi criado pela Lei Federal nº
6.448 de 11 de outubro de 1977, nascendo com uma área territorial de
11.700 Km², que foi desmembrada de Porto Velho” (LORENZON,
2002, p. 95) e, no período a população era de aproximadamente 17 mil
habitantes. Estima-se 37.230 mil habitantes em 2014 (IBGE, 2015).
Ferreira (2012, p. 47) conta que “As experiências de colonização

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 767

agrícola em Rondônia datam de 1945, com a criação da Colônia do


IATA localizada a 35 km de Guajara Mirim (fronteira com a Bolívia),
posteriormente denominada Colônia Agrícola Presidente Dutra”, depois
surge em 1948-49 a Colônia Candeias a 20 km de Porto Velho, com
emancipação política adquirida em 1992.
A década de 1970, a da colonização dirigida, foi considerada como a
década da destruição pelo grande número de áreas desmatadas por
derrubadas e queimadas. Pudera que a Operação Arco de Fogo, no ano
de 2009, aponta no Estado de Rondônia quatro municípios prioritários
ao combate ao desmatamento e queimada: Porto Velho, Nova Mamoré,
Machadinho e Pimenta Bueno.
Costa Silva (2014, p. 89) explica que a geografia no Estado de
Rondônia é depositária de uma “[...] espacialidade maior da Amazônia,
na qual a construção da estrada de ferro Madeira Mamoré desencadeou
uma ocupação regional mais efetiva”. O fenômeno da ocupação
territorial deu-se por meio de boom econômico.
A ferrovia foi um fracasso comercial, mas, “[...] não deixou de instalar
de forma definitiva, uma população fixa nas margens do Madeira e do
Mamoré. Se a função da via no comércio continental foi pouca, seu
papel na vida local foi importante [...]” (TÉRRY, 2012, p. 50). Ao longo
de seus trilhos surgiram povoados que posteriormente foram
emancipadas tornando importantes cidades da região amazônica.
Almeida Silva (2012, p. 91) elenca que:

O processo de colonização produziu profundas modificações não


somente com relação à natureza, mas, sobretudo no modo de
vida e na cultura das populações indígenas e tradicionais. As
políticas públicas, de modo em geral, direcionadas a Amazônia,
particularmente em Rondônia, possuem pouca eficiência – soma-
se a isso o contingenciamento de recursos financeiros. O
resultado que se verifica como consequência é a dilapidação do
patrimônio cultural e ambiental dessas populações, o que coloca
em risco a sustentabilidade regional.

Os encontros e desencontros dos interesses do Estado com as


necessidades das populações tradicionais ficam claros quando nos
deparamos com os pontos culturais sendo dilapidados por falta de

Soeitxawe
768 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S

manutenção. No entanto, cabe aqui, identificar o indígena no espaço e


no tempo no município de Pimenta Bueno.

4- O indígena, o espaço e o tempo

Falar de espaço e tempo é elencar a percepção de escritores que


colocaram no papel suas experiências, suas observações. Na década de
1930, Roquete-Pinto (1935, p. 19), já apresentava as mudanças ocorridas
com os indígenas a partir do contato com o homem branco, como se faz
conhecer:

Agora mesmo, os machados de pedra não existem mais na Serra


do Norte, cada índio já possue machado de aço.
Riem-se até os Nambikuáras daquele venerável instrumento que,
há dois ou três anos, era elemento fundamental da vida,
derrubando mel e fazendo roçadas. (escrita original)

Percebem-se mudanças culturais desde o início do século XX. Como


explicam Almeida Silva et al (2009, p. 208):

Uma das grandes questões centrais que dizem respeito aos povos
com culturas imemoriais é o imenso processo pelo qual passaram
a partir da chegada dos colonizadores ao Novo Mundo, trazendo
consigo novos valores, formas e concepção de como se relacionar
com o mundo. Essa chegada implicou em sua série de profundas
mudanças com enormes impactos não apenas na forma de se
relacionar com a natureza, mas, sobretudo em termos culturais,
provocando rupturas e o desequilíbrio nas relações comunais e,
consequentemente, no seu modo de vida.

A relação do Ser Humano com o espaço é vista de forma dupla por


Bollnow (2008), segundo o autor:

[...] por um lado, o espaço se expande ao redor do homem e


pertence a sua constituição transcendental. Por outro lado, o
homem não carrega por ai seu espaço, como a lesma carrega o
caracol, mas normalmente diz movimentar-se “no” espaço, pois

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 769

ele se movimenta e o espaço, enquanto isso, permanece fixo. E o


espaço não é dado dependente de um sujeito, mas mesmo que eu
me movimente “no” espaço, ele forma um sistema de
coordenadas definido, relativo ao sujeito. São relações curiosas
limitadas umas nas outras, e nós nos atemos inicialmente, de
forma tão estreita quanto possível, na compreensão ingênua do
homem ainda livre da afetação filosófica (BOLLNOW, 2008,
p.59-60).

Pertinente buscar pela compreensão do espaço e da relação que o


indivíduo tem com o mesmo e, é neste contexto que buscamos por Tuan
(2013), o qual explica que o:

“Espaço” é um termo abstrato para um conjunto complexo de


ideias. Pessoas de diferentes culturas diferem na forma de dividir
seu mundo, de atribuir valores as suas partes e medi-las. As
maneiras de dividir o espaço variam enormemente em
sofisticação assim como as técnicas de avaliação de tamanho e
distância. Contudo, existem certas semelhanças culturais comuns,
e elas repousam basicamente no fato de que o homem é a medida
de todas as coisas (TUAN, 2013, p. 49).

Quanto ao espaço para o indígena, Almeida Silva (2012, p. 91)


contribui com esta pesquisa, explicando que:

Para os indígenas, especialmente aqueles com pouco ou nenhum


nível de relacionamento com a sociedade envolvente, o espaço de
representação e de pensamento reflexivo é portador de
dimensões distintas da sociedade urbana e moderna, em virtude
de conceberem espaços de ação que é extensão do próprio ser.

Observa-se que o sentido de espaço para cada sociedade se faz


singular, segundo Tuan (2012, p. 73) “As atitudes de relação à vida e o
meio ambiente refletem necessariamente variações individuais e
fisiológicas”. Assim, se compreende aqui, o espaço do indígena como
sendo o meio em que vive, a lógica de ser e de uso do ambiente.

Soeitxawe
770 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S

5- Métodos e Técnicas

Abordagem fenomenológico-hermenêutico utilizado por Bollnow e


Tuan é considerado o método adequado neste estudo. O qual Sposito
(2004) considera que trata do uso da consciência, do conhecimento
filosófico, onde busca descrever o fenômeno, valorizando o território e
possibilitando a compreensão do significado de lugar.
A técnica utilizada foi de entrevista, das quais os colaboradores serão
mantidos no anonimato devido à exigência dos mesmos. Durante a
pesquisa, foi observado que os colaboradores estavam descontraídos e
ao relembrar a trajetória de sua família para Rondônia a emoção se fazia
presente. O desenvolvimento da pesquisa de campo foi salutar para
compreender a dinâmica que se deu com a chegada de indígenas
missionários no município de Pimenta Bueno e o que os levou ao
afastamento de suas tribos/aldeias.

6- Resultados e Discussões da Pesquisa

Possível dizer que o espaço que vivenciamos já passou por variadas


transformações, mas o que se questionou pelo colaborador é se são
benéficas a eles. Isto faz refletir a questões ambientais. Portanto, em vista
disso, aqui é relatada a trajetória real de uma família indígena que viveu
essas transformações e que compartilha esta realidade.
O casal que participou da entrevista morava em Campo Grande –
MS, com uma proposta missionária tomaram como destino nos anos de
1985 o estado de Rondônia, com local de moradia no município de
Pimenta Bueno. A proposta que receberam foi de uma Igreja a qual
tinham se convertido, para que fossem levar aos indígenas a “Salvação”.
Para alcançarem o seu destino à trajetória até o ponto desejado era de
grandes matas, estradas fechadas, cercadas de lamas e alguns empecilhos
que faziam com que a rota levasse até 15 dias ao destino principal. A
estrada era de atoleiros em que os veículos chegavam a passar dias
enfileirados por conta de atoleiros no período de chuva.
Contam os colaboradores que na época o município de Pimenta
Bueno não possuía grandes mercados, estradas boas, mas mesmo assim

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 771

tinha quantidade de árvores que rodeava rios, lagos fazendo assim boa
ventilação, ar fresco e os rios tinham peixes e as águas eram limpas. A
ênfase dada pelo casal é que havia moradores na beira dos rios que
pescavam para seus alimentos diários. Na missão de evangelizar o povo
desta localização, os mesmos viram as transformações que ocorreram.
O casal tem três filhas, sendo duas Pimentense (RO) e outra
Mirandense (MS), com o passar dos tempos tiveram que se habituar as
transformações radicalizadas que fora ocorrendo. Apesar de morarem
em setor chacareiro, os indígenas sentiram a diferença impactante. Uma
das filhas expõe que: — às vezes imaginamos que o homem inventa, reinventa
para facilitar um lado acaba prejudicando aos seus próximos. Sendo assim está
família por ser de uma miscigenação indígena destaca que o ambiente é o
que valoriza os bens naturais que o homem pode usufruir sem
prejudicar.
Em nossa realidade temos encontrado vários fatores que nos faz ter
visões do mundo que estamos habituados, sendo uma delas a questão
que ofusca é como o homem tem se avançado em meios tecnológicos
tais como grandes hidrelétricas, minerações, abertura de pastagens para
plantios, criações de bovinos dentre outros.
Hoje os mesmos residem no perímetro urbano do município os quais
expõe: — tudo que era antes em alguns pontos melhoraram, mas em questão
ambiental sem planejamento desvalorizou alguns pontos de Pimenta Bueno, tornando
assim prejudicial a comunidade. Relatam, também, a perda da cultura de seu
povo.
No começo viviam numa chácara destinada à “missão”, a qual ainda é
destinada a este fim. Essa comunidade recebe indígenas vindas de
diversas tribos, as quais, enviam seus filhos e filhas para uma espécie de
“catequese”, onde se preparam por aproximadamente dois anos. Os
jovens que ficam na chácara estudam as lições da missão e frequentam a
escola regular da rede pública municipal e/ou estadual e, assim que
concluem seus estudos retornam para suas aldeias, levando consigo um
novo conhecimento.
Contam que deixaram suas tribos/aldeias em busca de uma vida
espiritual melhor. Pois, acreditam que a forma antiga de ver a
espiritualidade de seu povo não é a mais adequada e que a evangelização
aos moldes das grandes missões religiosas são as que os levarão para a

Soeitxawe
772 Claudia C, Adna P, Benedito J, Adriana O, Sônia M & Elenice S

salvação. Mas, não deixam de apontar que muitos foram os transtornos


que vivenciaram por conta dessas mudanças radicais e, são conscientes
que tem sido prejudicial aos povos indígenas e que precisam buscar
novos meios para sobreviver a estes atos.

7- Considerações Finais

O espaço não é um amontoado de coisas, nem está solto sem direção.


A necessidade da interpretação do espaço sob o ápice de que o mesmo é
construído no entorno do indivíduo o qual não carrega consigo, pois o
espaço permanece fixo. Em virtude da reflexão sob a construção do
espaço se percebe que as ações humanas dão um re-ordenamento às
linhas espaciais. Neste contexto que foi abordado este estudo.
O mesmo espaço que abriga populações com características
econômicas, sociais, religiosas e culturais distintas, é o que reúne
indivíduos com os mesmos interesses. Justo destacar que somente por
meio de métodos eficientes e eficazes de pesquisa podem ser conhecidas
e compreendidas. Por meio deste estudo abre-se espaço para novas
investigações, com a margem de acerto ainda maior, devido às pesquisas
antecessoras.
Os grupos de indígenas estudados residem no município de Pimenta
Bueno desde o ano de 1985. Saíram de sua aldeia com o objetivo de
evangelizar e ajudar os indígenas da região a encontrarem a “salvação”.
As missões evangelizadoras buscam por jovens indígenas (com a
permissão dos pais e/ou responsáveis) para serem preparados para os
mesmos fins que os colaboradores saíram de suas tribos/aldeias. A
pesquisa alcançou o objetivo de identificar os indígenas no espaço e
tempo no município de Pimenta Bueno.

Soeitxawe
Reflexão Geográfica 773

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Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais: encontro com os Paiter
Suruí

Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros


CLE-UNICAMP

Resumo: Este artigo propõe uma conversa inicial a partir da forma como
pensamos relações multilingues e multiculturais. As relações entre cultura, língua
e identidade são processos que diferem a cada experiência de contato com
outras línguas e culturas. Apresentamos algumas relações multilingues e
multiculturais que estamos experienciando neste evento, no espaço acadêmico
em território Paiter Suruí, entendidas aqui como um trânsito complexo de
informações (Simondon, 2010). É na aposta sobre o processo de auto-
organização (Debrun, 2009) que estruturamos este encontro entre diferentes, e
que aqui queremos refletir sobre algumas das nossas possibilidades de interação.
O acesso democrático à produção de conhecimento assim como a possibilidade
de reconhecimento dos saberes de outro grupo social são elementos que
entendemos como necessários para quem deseja trabalhar coletiva e
intelectualmente em prol do bem comum e de uma cultura de paz. Neste
sentido as lógicas não precisam ser ocidentais, e o espaço para compreender o
que pode vir a ser conhecimento, a episteme, precisa neste caso se abrir a novas
realidades e consequentemente a outras línguas. Esta reflexão se dá no ensejo de
efetivamente promover uma sociedade de saberes seja na vida acadêmica, seja
no mundo digital, e de melhor compreender estas dinâmicas e possibilidades.

Breve histórico

Há aproximadamente dez anos, a primeira autora trabalha com o


tema “Multilinguismo no Mundo Digital”. Durante este tempo o tema
foi enfocado a partir da infra estrutura urbana e tecnológica, a partir da
crítica pós-colonial, a partir da relação com a memória estruturante [que
é consistentemente apagada pel/d/as narrativas dominantes], e
atualmente é pensado a partir da filosofia temática. Percebemos neste
período que se trata de um tema muito rico, que suporta e comporta
uma ampla gama de interlocuções. E um tema assim composto,
778 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

escolhido como objeto de pesquisa, evidencia também uma maneira


interdisciplinar de refletir sobre questões que nos afetam na
contemporaneidade. O interesse vem de um problema prático, apontado
pela UNESCO que é a existência de aproximadamente sete mil línguas
no mundo hoje, e a abrangência de conteúdo na internet cobrir menos
de um por cento deste montante (menos de 70 línguas hoje [2015]) tem
conteúdo disponível online para pesquisa e/ou processos de ensino-
aprendizagem estruturados a partir de suas próprias fontes. Esta situação
dos conteúdos online pode ser problematizada com a esperança de que a
internet possa suscitar a realização do sonho da sociedade do
conhecimento, em que todas as informações estivessem disponíveis para
todos produzirem conhecimento. E a problematização da necessidade do
acesso democrático à informação (nas línguas de abrangência local,
nacional e internacional) vem do entendimento de que é possível
compartilhar e gerar conhecimento em prol do bem comum, e que para
isso a tecnologia e especialmente a internet podem ser uma boas aliadas1.
Para o tema “Multilinguismo no Mundo Digital” ser melhor
compreendido, é preciso localizar a raiz da questão em um congresso de
linguistas no Canadá. Em 1992 a UNESCO recebeu uma denúncia do
Congresso Internacional de Linguística do Quebec (1991) chamando as
Nações Unidas para uma tarefa de grande urgência. A denúncia aponta o
perigo de desaparecimento de dois terços das línguas do mundo em duas
gerações, considerando que mais da metade dos idiomas do mundo já
está em estágio de perigo de desaparecimento e não chegará à segunda
geração. A UNESCO, em virtude da denúncia, adota a causa da
salvaguarda, fortalecimento e preservação das línguas do mundo. Em
1993, a UNESCO adota o seu primeiro projeto "Línguas em Perigo de
Desaparecimento" [Endangered Languages]. A partir de então, o tema
multilinguismo mobiliza nesta organização diversos setores para a
realização de projetos com vistas ao fortalecimento e reconhecimento
positivo da diversidade linguística dos países participantes.
A relação e com a temática do multilinguismo iniciou-se em 2005,
quando a primeira autora realizava seu pós-doutorado na França, ocasião
 
1In WANDERLEY, C. Multilingualism and Digital Libraries in Local Languages.
In <http://ifapcom.ru/files/News/Images/2013/Yakutsk_web.pdf>

Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais 779

em que formou um grupo de trabalho temático junto à Profa. Frances


Albernaz e ao Prof. Claudio Menezes na UNESCO - Paris, resultando na
realização do Colóquio Technologies du Langage 2 . Este grupo se
transformou em uma rede de interlocução entre aproximadamente 14
instituições de educação superior interessadas no tema. E em 2007 a
Unicamp recebeu da UNESCO a primeira Cátedra UNESCO
Multilinguismo no Mundo Digital (2007-2009), que se estabeleceu como
rede de pesquisa e corresponde hoje ao Grupo de Pesquisa
Multilinguismo e Multiculturalismo no Mundo Digital registrado no
CNPq e suas diversas cooperações acadêmicas voltadas para o
desenvolvimento desta reflexão. Desde então, os trabalhos voltados para
a temática do multilinguismo desenvolvidos na Unicamp, em cooperação
com estas universidades, estão ligados à identificação das comunidades
que falam línguas em vias de desaparecimento e ao acompanhamento de
seus processos de fortalecimento e revitalização linguística e cultural. No
nosso caso, especificamente como ex-colônia de Portugal, o trabalho
também está ligado ao desenvolvimento de uma reflexão crítica a
respeito das reais condições para práticas de revitalização, fortalecimento
e preservação linguística em território pós-colonial brasileiro. Mais
especificamente nos interessamos sobre essas condições de produção na
nossa tradição acadêmica, de forma que as comunidades tradicionais
consigam mobilizar recursos e construir suas dinâmicas de
fortalecimento identitário (linguístico e cultural) em parceria com a
academia.
Em 2013, fizemos a proposição de um Laboratório no Campus
Digital da Unitwin UNESCO de Sistemas Complexos intitulado
“Multiculturalismo no Mundo Digital”3 (2014 - 2019). E com a resposta
positiva em 2014 foi criado o “CulturalLab”, sediado no Centro de
Lógica, Epistemologia e História da Ciência-CLE. Neste mesmo ano, a
 
2 Disponível em <http://www.unesco.org/new/fr/member-states/single-
view/news/colloquium_on_language_technologies_starts_on_14_september_a
/>
3Disponível em: <https://en.wikiversity.org/wiki/Portal:Complex_Systems_
Digital_Campus/E-Laboratory_Multilingualism_and_Multiculturalism_in_
Digital_World>

Soeitxawe
780 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

discussão sobre multilinguismo ganha nova dimensão na Unicamp,


quando estabelecemos contato com o povo Paiter Suruí. Realizamos
(Profa. Káchia Techio e Profa. Claudia Wanderley) em parceria com as
lideranças Paiter, em 2015, o evento “I Congresso Internacional da
Amazônia no Centro de Treinamento Paiter Suruí” (Associação
Metareilá & Unicamp) em Cacoal, Rondônia. E é a partir desta
experiência que apresentamos aqui algumas relações que pensamos
serem úteis para refletirmos sobre a possibilidade de um trabalho ético e
intelectualmente consistente junto aos grupos, comunidades, povos, que
mantêm sua língua e tradição, e veem na relação com a universidade um
modo de salvaguardar seus patrimônios (heranças) culturais, linguísticos
e – é claro – epistêmicos.

Apresentação

“O objeto da filosofia é constituído, portanto, pelo presente, ou, mais


precisamente pelos problemas do presente.” (DEBRUN, 2001:49)

Encontramos no caráter prático da filosofia a inspiração para


construir esta parceria com os Paiter. A ideia de Debrun de que os textos
filosóficos devem ser o princípio de estruturação da experiência coletiva,
nos faz supor junto com ele que textos como este podem interessar a
muitos, senão a todos. E diferente desta matéria complicada e abstrata
voltada para assuntos alheios à maioria, entendemos que pensar o
presente, nossos problemas e possibilidades pode ser uma das atividades
mais transformadoras, ou auto-organizadoras da nossa vida.
No encontro com os Paiter Suruí, através da realização do evento
acadêmico, especialistas Paiter realizaram palestras em várias áreas ligadas
ao seu [próprio] conhecimento. Neste encontro acadêmico realizado
conjuntamente, a relação entre línguas e epistemologias se instalou com
bastante clareza entre os participantes. Há um conhecimento próprio ao
povo Paiter Suruí, que por exemplo sinaliza - de nossa perspectiva – a
identificação dos sábios da comunidade [que realizaram metade das
palestras do evento, a outra metade realizada pelos professores das
universidades participantes], excelentes habilidades de organização social,

Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais 781

comportamento respeitoso para com todos que participaram do evento,


crianças integradas nas atividades acadêmicas, uma série de atitudes de
aproximação da dinâmica do evento acadêmico [como nós o
conhecemos] pelas quais somos todos gratos, e que efetivaram nossa
parceria e a realização bem sucedida do evento.
Levar esta iniciativa de trabalho conjunto sobre conhecimento com
tal seriedade e profissionalismo nos coloca em posição de aceitar a
proposta de parceria de médio a longo prazo voltada para a construção
das bases de um ensino superior dentro da perspectiva dos Paiter Suruí.
No mesmo continente americano, a proposta, também em 2015, da
retomada da reflexão sobre a factibilidade da Universidade Inuit
Nunangat 4 pelo povo Inuit na região de Nunavut, no Canadá, é
inspiradora para nós e para o povo Paiter.
A disposição e interesse dos Paiter Suruí, manifestado em seu plano
de 50 anos, de criar uma Universidade Paiter a Soeitxawe [Universidade
Sabedoria Paiter] é a manifestação de uma vontade de “desenhar” para
nós, os não-indígenas, que há um conhecimento antigo, ancestral, que
segue vivo na comunidade. E também de fazer valer para si e em nossa
sociedade o conhecimento que eles detém sobre si mesmos, sobre o
continente americano, sobre as relações interpessoais e em primeira e
última instância sobre a vida. Este conhecimento é possível de ser
representado [em nosso registro] como educação superior do Povo Paiter,
e portanto formulado em relação aos parâmetros de educação superior
que temos hoje no Brasil e/ou internacionalmente. Estabelecer relações
com as humanidades, e com as grandes áreas temáticas, em um caso
como este é possivelmente mais interessante do que propor interlocução
com os efeitos da disciplinarização das ciências humanas5 . Mas isto é

 
4cf. relatório da oficina sobre a Universidade Inuit Nunangat em Nunavut, no
Canadá <https://pt.scribd.com/document/268011594/Inuit-Nunangat-
University-Workshop-Report>
5Com licenciatura em Letras português, mestrado e doutorado em Linguística e
pós doutorado em Linguística Computacional, a questão da língua e de sua
vitalidade na vida de uma comunidade é o vínculo de aproximação entre a teoria
da linguagem e a questão concreta sobre a qual pesquisamos. Inicialmente é
busca respostas entre Jean Jacques Rousseau (1712-1778) e Johann Gottfried

Soeitxawe
782 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

objeto de uma outra reflexão.


A liberdade de pensamento é uma das afirmações mais importantes
que alimenta o trabalho de compreensão da realidade e de investigação
científica. Há possibilidades deste espaço de conhecimento proposto no
plano de 50 anos dos Paiter Suruí vir a servir às necessidades acadêmicas,
culturais, linguísticas e espirituais do povo Paiter, considerando estas
epistemologias locais em interlocução autêntica com o que há disponível
hoje na academia brasileira. Nosso principal intuito é realizar essa
interlocução entre línguas, culturas e epistemes de maneira íntegra, de
forma a promover uma produção de conhecimento voltada para o bem
comum, garantindo a autoria e autonomia intelectual dos mais velhos,
dos sábios Paiter, assim como de todos os intelectuais envolvidos e
ligados à prática acadêmica.
Trata-se de um caminho singular, que precisamos ter coragem para
afirmar e realizar juntos e publicamente. Pesquisadores brasileiros, junto
a interlocutores internacionais, decidiram atravessar a tradição acadêmica
para encontrar com sábios ameríndios e construir com eles [e não sobre
eles] um perspectivismo reflexivo sobre os mundos, sobre os outros e
sobre si, de forma a cuidar do conhecimento realizado por todos visando
o bem comum. De novo ângulo, um povo originário do continente
americano se interessa pela reflexão e pela produção científica a ponto de
incluir em seu planejamento de 50 anos a construção de sua própria
universidade. E apresenta seus sábios, seus filósofos e seu entendimento
de mundo como a chancela para esta realização. As condições estão
postas.


Herder (1744-1803) que apontam de maneira distinta para a origem das
línguas/da linguagem, em um período em que a Europa precisa se localizar em
relação a tantas nações e/ou povos e suas expressões que adentram a vida do
continente através dos efeitos do processo de colonização. Mas nos dias de hoje
as reflexões ligadas ao tema tomaram corpo através das pesquisas que
consideram estas dinâmicas como sistemas complexos e processos de auto-
organização.

Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais 783

Sobre a concepção do evento que propusemos academicamente


(trechos do projeto)

Soeitxawe, palavra da língua Tupi Mondé Suruí, significa sabedoria.


Essa foi a palavra escolhida pelos integrantes do Povo Paiter quando
iniciamos os diálogos para realizar um encontro entre os conhecimentos
científicos e os conhecimentos populares no seio da mata amazônica.
O I SOEITXAWE “Congresso Internacional de Pesquisa Científica
da Amazônia” foi realizado dias 1, 2 e 3 de Maio de 2015 no Centro de
Treinamento do Povo Paiter Suruí em Cacoal, Rondônia, Amazônia,
Brasil. As áreas de abrangência desse primeiro congresso estão
denominadas pela sigla SETA: Saúde, Educação, Tecnologia e Ambiente.
OS GT’s e as Conferências são propostas por pesquisadores doutores ou
mestres associados a um Núcleo de Pesquisa reconhecido pelo MEC,
conforme as regras gerais. Os coordenadores são vinculados a
instituições diversas, preferencialmente em diferentes unidades da
federação ou países.
O I Soeitxawe responde a uma necessidade de agregar os
pesquisadores em Rondônia, em uma perspectiva de escuta da realidade
local de forma a integrá-la na reflexão científica. O congresso é voltado
para os interessados nas questões de culturas e línguas locais, com a
necessária abertura interdisciplinar que questões ligadas a Saúde,
Educação, Tecnologia e Ambiente permitem.
O congresso é organizado pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa
Multilinguismo do Mundo Digital, ganhou apoio do E-Lab
Multiculturalismo no Mundo Digital da UNITWIN UNESCO de
Sistemas Complexos e do Centro de Lógica, Epistemologia e História da
Ciência – UNICAMP. Ressaltamos que a criação do E-Lab, assim como
a realização deste evento, é um dos resultados parciais apresentados no
projeto regular “Crítica Pós-colonial em Língua Portuguesa: a questão do
multilinguismo” 2013/09763-7. Na sequência, a Associação Metareilá do
Povo Indígena Suruí - Gamebey se tornou parceria e centro de recepção
do evento. Trata-se do primeiro evento científico desta natureza no
Brasil, e um dos primeiros eventos científicos internacionais em Cacoal-
RO, região carente de iniciativas acadêmicas deste porte.
Em contato com a Profa. Dra. Káchia Techio (pesquisadora do

Soeitxawe
784 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

Grupo Multilinguismo e Multiculturalismo no Mundo Digital) e com a


Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí, entendemos que as
afinidades de metas entre os dois grupos poderiam gerar um congresso
em Rondônia, aberto a participação de universitários, professores, alunos
e cidadãos interessados em debater temas ligados a realidade local e
incluindo aí a cultura e a língua Paiter Suruí, buscando fortalecer as
interações intelectuais entre as universidades e as comunidades
tradicionais.
É uma grande honra podermos realizar este evento no Centro de
Treinamento do Povo Paiter Suruí. A possibilidade deste evento neste
ambiente nos ajuda – como acadêmicos - a deslocar o olhar e a deslocar
nossa postura para novas formas de aprendizado, produção de
conhecimento e interlocução. Não é sempre que temos este privilégio, de
ter como mestres de cerimônia e interlocutores de um evento acadêmico
na Amazônia um povo indígena que mostrou tanta força e resiliência
desde seu primeiro contato com os “não-indígenas" (em 1969), que se
tornaram exemplo mundial de economia sustentável e de implementação
tecnológica de ponta para preservação de sua tradição e para proteção e
valorização da floresta em pé.

Cultura, língua e identidade

“A linguística não é nada fora da pragmática (semiótica ou política)


que define a efetuação da condição da linguagem e o uso dos elementos
da língua”. Deleuze & Guattari (1995:27)

A pergunta que apresentamos primeiramente é sobre o papel da


linguagem para este povo originário do continente americano. Trata-se
de uma pergunta impossível de ser respondida por qualquer um de nós
não-indígenas de maneira objetiva, ou seja para nós é uma pergunta
retórica. Nós não sabemos. Não sabemos a extensão das relações de
construção de sentido entre as comunidades e seu sistema de vida, ou o
valor relativo disto dentro de uma cultura que não seja a nossa. Sabemos
pouco ainda das interlocuções que se dão entre esses grupos humanos e
seu entorno [continente americano], quadro este que vem se

Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais 785

modificando com obras importantes como a de Kopenawa & Albert


(2010).
O sentido da pergunta retórica neste caso é a sensação de que nós
não nos deparamos ainda de maneira cuidadosa com o caráter humano
da produção de conhecimento entre línguas, entre culturas e entre
epistemes. Sabemos que a civilização de nossa época não corresponde
muito bem ao interesse de viver entre diferentes de forma criativa e
nosso sistema civilizatório atualmente prestigia mais a processos de
homogeneização e financeirização 6 . Ao nos depararmos com um
problema do presente: como construir uma educação superior em
parceria com os Paiter, para os Paiter, é preciso trazer algumas questões.
Sobre a linguagem, o que podemos auferir com uma certa precisão da
forma como trabalhamos [até onde conheço as atividades na linguística],
é basicamente se estas comunidades aprenderam a representação do
domínio da língua [no caso, língua portuguesa escrita]. Domínio este que
nós, os não índios, instituímos os parâmetros e procedimentos pela via
estatal através da escolarização e subsequentemente através dos
processos de educação formal reconhecidos pelo estado brasileiro.
Podemos também pesquisar se sua língua materna passou por um
processo de dicionarização, gramatização, pela tradução da Bíblia (o que
ocorre muitas vezes), e (quando há investimento) pela elaboração de
cartilhas, livros didáticos, etc. É preciso averiguar também se há obras
literárias, científicas, filosóficas publicadas em seu idioma. Isso nos dá
uma dimensão da entrada dos recursos da escrita – como nós a
agenciamos - nas comunidades; e nos dá condições de perceber as
potencialidades do processo de alfabetização e escolarização formal em
língua materna e língua portuguesa (que é a língua nacional do Brasil).
A questão da língua, no caso de uma atividade conjunta desta
natureza, ganha contornos distintos dos que os que estamos habituados
como professores de idiomas, ou como linguistas. Sabemos que não
conhecemos os agenciamentos coletivos e os regimes de signos dos
 
6Entendido aqui em sentido figurado: “predomínio ideológico e temático das
questões financeiras e de mercado sobre as convicções e o discurso quotidiano
da vida política e social.” in <https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/financeiriza%C3%A7%C3%A3o>

Soeitxawe
786 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

Paiter Suruí [e é saudável afirmar isto do ponto de vista acadêmico,


porque isto nos permite nos preparar e realizar uma investigação real e
bem elaborada junto com eles]. E o que nos cabe – neste momento - é
de forma sóbria e respeitosa abrir espaços de reflexão para que a
condição que a linguagem ocupa em sua cultura e em seu pensamento
possa conviver [sem ser apagada] frente ao que já conhecemos e temos
formalizado, nesta longa exploração que desenvolvemos através do
tempo na tradição de conhecimento greco-romana, registrada
academicamente e que chegou até o Brasil.
Ou seja, neste momento, cabe-nos abrir espaço para trabalharmos
sob a regência desta dupla perspectiva voltada para promoção do
conhecimento. Ou melhor, abrir um campo em que seja possível
considerar línguas, culturas e epistemes que se relacionam em prol da
construção de um projeto refletido de parceria intelectual entre
diferentes7. Esta possibilidade de reflexão junto ao diferente está ligada à
possibilidade de expressão da realidade por diferentes perspectivas, como
nos aponta Deleuze & Guattari (1991). Dizem nossos autores:

“Mas tudo muda evidentemente se acreditamos descobrir um


outro problema : em que consiste a posição de outrem, que o
outro sujeito vem somente “ocupar” quando ele me aparece
como objeto especial, e que eu venho, por minha vez, ocupar
como objeto especial quando eu lhe apareço? Deste ponto de
vista, outrem não é ninguém, nem sujeito nem objeto. Há vários
sujeitos porque há outrem, não o inverso. Outrem exige, então,
um conceito a priori de que devem derivar o objeto especial, o
outro sujeito e o eu, não o contrário. A ordem mudou, do mesmo
modo que a natureza dos conceitos ou que os problemas aos
quais se supõe que eles respondam.”
(Deleuze & Guattari 1991:24)

As questões se apresentam na medida em que precisamos avançar


 
7 Lembramos que não é nossa preocupação ou propósito aqui promover a
representação, descrição ou atestado de sua língua, de sua cultura, ou de seu
conhecimento. Há colegas cientistas que tem interesse em realizar estas outras
abordagens, e que podem realizá-las com mais competência.

Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais 787

com a reflexão sobre este projeto comum. Apresentamos resumidamente


as possibilidades que conhecemos para refletir a respeito de nosso ângulo.
Certamente as dinâmicas evoluirão e poderemos comparar esta situação
inicial propositiva com as próximas etapas do trabalho.

Como realizar este trânsito complexo de informações

“Esse “processo sem sujeito” para retomar a terminologia de


ALTHUSSER (1965) – realiza a seu modo o “trabalho de si
sobre si” característico da auto-organização.” (Debrun, 2009:112)

Este encontro pode ser entendido como o encontro de dois sistemas,


ou melhor um sistema complexo que abrange o encontro de dois grupos
humanos distintos. E um ponto de atração para nós é que há 17 anos os
Paiter criaram um documento sobre a necessidade de uma educação
superior de seu povo. E um ponto de atração que nos aproxima é o
nosso interesse consistente há 10 anos em pesquisar recursos para
fortalecimento e representação de línguas e culturas locais. A novidade
aqui é que o caráter epistemológico está realçado. E faz todo sentido que
a língua encarne a manifestação cultural e que a cultura encarne a
mundividência. E então é necessário adicionar o terceiro elemento, [ a
língua, a cultura e] a produção intelectual.
Escolhemos voltar a alguns fundamentos no que se refere a regimes
de sentido entre línguas, mundos e rostos distintos, para podermos de
nossa perspectiva trabalhar ombro a ombro a partir de referências as
mais próximas das experiências coletivas. Da forma como estabelecemos
este encontro neste trabalho, propomos a relação com a ideia de “logos”
(ƌƼƣƯƲ) 8 entendida simplesmente como expressão da realidade, e
 
8 “ƌƼƣƯƲ, ƯƵ, s.m. (ƫƝƣƹ) palavra| dito| revelação divina, resposta dum oráculo
| máxima, sentença |exemplo | decisão, resolução | condição | promessas |
pretexto | argumento | ordem | menção | notícia que corre | conversação |
relato | matéria de estudo ou de conversação | razão, inteligência | senso
comum | a razão de uma coisa | motivo | juízo, opinião | estima, valor que se
dá a uma coisa | justificação | explicação | a razão divina | N. T. O Verbo de
Deus” (p.350)

Soeitxawe
788 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

propomos a relação com a ideia de “episteme” (ŻưƩƳƴƞƬƧ) 9 entendida


aqui como uma capacidade de realização no mundo através do
conhecimento. Assim a ênfase dada ao encontro com os Paiter Suruí
neste momento do processo é na relação da expressão e da realização no
mundo com o que é da ordem do “pragma” (ƑƱਘƣƬơ)10.
Ainda dentro do propósito de trabalhar com outrem e não sobre
outrem, trazemos a proposta de compreensão de individuação de
Simondon que “aceita conhecer o indivíduo em relação ao conjunto
sistemático no qual sua gênese se opera”11. Ou seja não é possível retirar
um indivíduo de seu sistema para conhecê-lo, ou melhor ele não deve ser
considerado isoladamente. Todo o processo de crescimento e
individuação, diz Simondon, se dá em função das relações com o seu
sistema. Esta realidade comporta ordens de grandeza diferentes destas
do indivíduo e o indivíduo tem um papel de mediador em relação às
diferentes ordens de realidade.
É por isso que a complexidade das relações pode ser considerada
como elemento primordial neste trabalho entre diferentes. Assim, como
nos adverte Viveiros de Castro, é possível pensar junto com os Paiter
mas não devemos nos dispor a pensar como os Paiter.

“Pois não podemos pensar como os índios; podemos, no máximo,


pensar com eles. E a propósito – tentando só por um momento
pensar “como eles” - , se há uma mensagem clara do
perspectivismo indígena, é justamente a de que não se deve
 
9“ŻưƩƳƴƞƬƧ, ƧƲ, s.f. (ƝưƟƳƴơƬơƩ) | arte, habilidade | conhecimento, ciência, saber
| aplicação mental, estudo.” (p.220)
10 “ƑƱਘƣƬơ, ơƴƯƲ, s. n. (ưƱơƳƳƹ) negócio. I acto, acção II| actividade, operação
| obrigação | empresa | negóciação | manobra, intriga | coisa desagradável,
desgosto, dificuldade | negócios públicos, governo, poder, novidade, revolução.
II o que está feito | coisa, acontecimento | poder do Estado, Estado | coisa de
valor, alfaia, riqueza | circunstâncias, assuntos.” (p.476)
11« Si l'on accepte de connaître l'individu para rapport à l'ensemble systématique
dans lequel s'opère sa genèse, on découvre qu'il existe une fonction de l'individu
para rapport au système concret envisagé selon son devenir;[...] » (Simondon,
[2005] 2013:65)

Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais 789

jamais tentar atualizar o mundo tal como é exprimido nos olhos


alheios.” (Viveiros de Castro, 2015:231)

Percebemos na dinâmica dos processos de auto-organização um


observatório de mudanças que ocorrem no sistema, que permite agenciar
criativamente e criticamente as reflexões que entendemos como
necessárias para compreender a interação e interlocução entre línguas,
culturas e epistemes como propomos em nosso trabalho.

Considerações

"Permanece em pé, porém o fato de que a relação com o presente


constitui o referencial último da legitimidade e da verdade de uma
filosofia. Nessa medida, a luta entre as tendências filosóficas que
pretendem dominar uma época não deve ser encarada nem como um
debate puramente acadêmico nem, no oposto, como uma pura luta pelo
poder espiritual, mas como o instrumento e o catalisador entre a
filosofia e o momento histórico." (Debrun 2001:53)

As relações com problemas práticos são difíceis de se estabelecer


quando estamos regidos pela atividade intelectual encerrada no âmbito
disciplinado. Porque elas [as relações] extrapolam necessariamente a
arbitrariedade da divisão do trabalho intelectual, e em geral não
respeitam as estéticas e estruturas de objetos abstratos concebidos em
diferentes tempos, em diferentes continentes, voltados histórica e
politicamente para diferentes propósitos.
A proposta da UNESCO de educação para o milênio, para ser
efetivamente inclusiva, nos obriga a lidar com um contingente imenso de
línguas e culturas e conhecimentos de povos originários que vivem na
fronteira do esquecimento/apagamento, devido ao forte investimento de
globalização cultural. A intenção que queremos explicitar neste momento
é a de trabalhar dentro das recomendações da UNESCO para a
preservação e revitalização do multilinguismo e do multiculturalismo da
perspectiva das línguas e culturas "ditas" menores, tendo o espaço digital
como lugar de acesso e representação da produção do conhecimento

Soeitxawe
790 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

Paiter, neste recém criado projeto.


É preciso refletir no trabalho de deslocamento do sujeito da pesquisa
entre o conhecimento academicamente legitimado em nossa tradição
acadêmica nacional e o conhecimento tradicional do povo Paiter. O
conhecimento do Povo Paiter ao ser formalizado paralelamente com os
recursos metodológicos e epistemológicos da academia - dentro das
escolhas feitas pelos Paiter - deve ser incluído em nosso acervo de
produção de conhecimento em um âmbito intercultural, com autoria
garantida ao Povo Paiter. E precisamos definir uma instância de
reconhecimento desta produção, para não cairmos na armadilha de
consumirmos o conhecimento tradicional do Povo Paiter como dados
para nossas próprias reflexões, engolindo-os na nossa tradição acadêmica.
É preciso refletirmos juntos sobre como é possível formar um sábio
Paiter, de maneira que sua produção de conhecimento possa ser
reconhecida como autoral em nossa cultura, e em nossas instâncias de
ensino/pesquisa. É esta formação conjunta com os Paiter, que nos
permitirá passar para a mão dos Paiter, no tempo certo, a regência das
cátedras, e que eles possam instaurar sua própria educação superior de
forma soberana.
As comunidades indígenas no Brasil praticam aproximadamente 300
línguas, e em geral falam português como sua segunda língua.
Comunidades indígenas em situação similar que têm o português como
língua nacional chegam à estimativa de 700 línguas, se somarmos as
comunidades tradicionais em países de língua oficial portuguesa, que são
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial,
Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, e os territórios de
Macau e Goa - para além de Portugal (que contribui com 10 línguas). É
preciso investigar processos de autoria e políticas existentes e efetivas,
relacionadas ao reconhecimento de autoria de povos tradicionais e, de
nossa parte, entendemos que isso é fundamental para começar a criar
programas de treinamento bilingues sobre autoria nas línguas materna e
nacional.
Dito isto, a intenção fundamental aqui é pensar como se dá a
construção da educação superior de um povo que não precisa
necessariamente conjugar seu conhecimento com a tradição de
conhecimento greco-romana, mas pode conjugar seu conhecimento em

Soeitxawe
Lógicas e Epistemologias Locais 791

prol da construção de um bem comum sem necessariamente se submeter


à posição de subalterno para fazê-lo.
O que é possível construir entre nós de maneira sóbria, refletida e
articulada para que o conhecimento do Povo Paiter esteja em
interlocução com a produção de conhecimento ocidental? Esta proposta
está afinada com os princípios da filosofia de Gilles Deleuze e Félix
Guattari, com as questões de crítica pós-colonial de Gayatri Spivak,
Homi Bhabha, Edward Said, com o planejamento para o milênio da
UNESCO e com a proposta de uma cultura (acadêmica) de paz.

Referências

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792 Claudia Wanderley e Beatriz Raposo de Medeiros

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Soeitxawe

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