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Análise Psicológica (2003), 1 (XXI): 95-102

O outro lado das birras


Alterações de comportamento na 1.ª infância

OTÍLIA QUEIRÓS (*)


TERESA GOLDSCHMIDT (*)
SARA ALMEIDA (**)
MARIA JOSÉ GONÇALVES (*)

1. INTRODUÇÃO infância. No entanto, estas manifestações são co-


muns a diferentes quadros clínicos: num estudo
Na 1.ª infância a delimitação clara de quadros efectuado em 64 crianças dos 0 aos 4 anos re-
clínicos coloca algumas dificuldades devido às ferenciadas por alterações do comportamento,
modificações rápidas do desenvolvimento, à fal- Jean Thomas (1989, citada por M. Gonçalves,
ta de especificidade dos factores causais e ao 2000) concluiu tratar-se de um grupo muito
contributo das perturbações relacionais para a heterogéneo de crianças, muitas das quais seriam
patologia da criança. Mais importante do que as melhor compreendidas ou como vítimas de uma
manifestações clínicas, é o nível de funciona- situação traumática, ou apresentando dificulda-
mento das estruturas psíquicas, nomeadamente a des constitucionais ou maturativas, ou problemas
organização do Self e o desenvolvimento do interaccionais, ou ainda uma combinação destes
Eu, que é importante avaliar nestas situações. factores.
As birras são uma manifestação que caracte- Da nossa experiência clínica iremos ilustrar
riza um desenvolvimento psico-afectivo normal. este tema apresentando duas vinhetas de casos
A total ausência de birras numa criança é um si- que se encontram em seguimento na UPI.
nal de alarme, uma vez que sugere a existência
de dificuldades a nível do processo de separação/ 1.1. Casos Clínicos
/individuação. Contudo as birras incontroláveis,
assim como a agressividade excessiva e os esta-
dos de agitação, pela disrupção que provocam na Caso 1
dinâmica familiar, constituem um dos principais O João tem 46 meses. É um rapaz muito agi-
motivos de consulta pedopsiquiátrica na primeira tado, com um comportamento desorganizado e
impulsivo. A família tem muita dificuldade em
controlar o seu comportamento: o João nunca
sossega, não se detém em nenhuma actividade,
(*) Pedopsiquiatra. está sempre a saltar, a correr, desarruma tudo, só
(**) Psicóloga estagiária. faz asneiras; parece que nem os ouve e às vezes

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só agarrando-o é que o conseguem deter. Por ve- gundo filho de um casal jovem que se encontra
zes envolve-se em actividades perigosas: a mãe com graves conflitos conjugais.
surpreendeu-o com a irmã de 30 meses, prestes a O Francisco é uma criança bonita, simpática,
cortar um fio eléctrico, e noutra ocasião fora de aparência cuidada, com um desenvolvimento
encontrado a tentar fazer fogo. estato-ponderal adequado à idade e com um
Quando foi observado pela primeira vez o bom desenvolvimento motor.
João tinha 40 meses; fora referenciado à UPI por Tem apetência para a comunicação verbal e
abuso sexual perpetrado pelo pai, detectado na manifesta um bom nível de compreensão, mas
sequência do abuso da irmã. apresenta uma organização da linguagem expres-
Nas sessões de psicoterapia o João vem de- siva pobre que lhe permite dizer apenas algumas
senvolvendo alguns jogos que são sugestivos da palavras: «mãe, pai, liga, desliga.» A linguagem
sua vivência interna: durante a encenação de é sempre utilizada num contexto situacional e
uma refeição, há bebidas que se transformam su- não se auto-designa sugerindo a incapacidade de
bitamente em veneno, e veneno que se transfor- se representar ainda enquanto pessoa.
ma em chá; há um polícia que vai preso porque Demonstra uma excessiva ansiedade de sepa-
matou os amigos, mas foge, e acaba por ser ven- ração e um humor pouco variável, quase sempre
cido por um dinossauro, cena que repete várias com uma expressão de felicidade, não sinalizan-
vezes com grande intensidade e sem nunca a al- do o seu mal-estar, comportamento este que não
terar; repete também histórias de “maus” que são ocorre apenas na relação com os pais mas que se
presos mas fogem sempre, e depois envolvem-se generaliza já à escola onde os colegas o agridem
em lutas com os “bons”, em que o perdedor aca- sem ocorrer da sua parte uma sinalização de des-
ba violentamente projectado pelo ar; por vezes conforto.
ao repetir a cena, há “bons” que se transformam Durante as consultas observou-se uma grande
em “maus” e vice-versa, continuando a luta com contradição entre o discurso da mãe – aparente-
os papéis agora invertidos. mente carinhosa – e uma ausência de reconheci-
Neste Universo em que todos subitamente se mento das manifestações afectivas da criança,
podem transformar em “maus”, nada é seguro e nomeadamente o seu desconforto, bem como
não se pode confiar em ninguém. Então, atento a evitamento do contacto físico, visível no exem-
um perigo sempre eminente, o João corre, ataca plo seguinte: o Francisco magoa-se, choraminga
e foge. sozinho e encosta-se à mãe a brincar com uma
Assim, por trás da agitação comportamental chave. Esta, sem fazer qualquer referência à dor
observável, nota-se a existência de uma vida da criança, imediatamente o afasta e manda-o
mental dominada por angústias paranóides e pe- apanhar todos os pedacinhos de papel que ele ti-
la ausência de uma relação de confiança, situa- nha atirado para o chão e colocá-los no lixo – o
ção provavelmente decorrente de uma vivência que ele faz prontamente.
traumática em que o agressor era simultanea- A evidente ambivalência materna é projectada
mente a figura protectora. Por outro lado a res- no Francisco quando a mãe refere que ela e o fi-
tante família, com as suas fragilidades e hesita- lho têm um relacionamento carinhoso, embora o
ções, não conseguiu protegê-lo e, actualmente, Francisco não lhe demonstre grande afeição e
não constituem um meio suficientemente conten- nunca tenha sido uma criança de querer muito
tor para as angústias com que se debate. colo.
Do ponto de vista nosográfico o João apresen- Observamos assim uma interacção marcada
ta um diagnóstico de perturbação de stress pós- por pouca ressonância afectiva e pouca contin-
-traumático, e um diagnóstico de perturbação da gência em que os sentimentos e preocupações da
relação de tipo sexualmente abusivo. criança não têm resposta e cujas manifestações
não é atribuído significado.
Caso 2 O ambiente familiar do Francisco é de alta
O Francisco é um rapaz de 19 meses, enviado imprevisibilidade sem que haja uma verdadeira
à UPI por birras, auto e heteroagressão – bate protecção e adequação materna às suas necessi-
com a cabeça indiscriminadamente e agride a ir- dades.
mã de 4 anos violentamente à dentada. É o se- Pelos seus sintomas foi considerado o diag-

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nóstico no Eixo I da DC: 0-3 de Perturbação da anos, foram referenciadas à UPI por alterações
ansiedade, e o diagnóstico no Eixo II, da mesma de comportamento, verificando qual o diagnósti-
classificação, de Perturbação mista, sendo do co, segundo a DC: 0-3 a que estas situações cor-
ponto de vista comportamental e envolvimento respondem.
psicológico subenvolvida e de tonalidade afecti-
va ansiosa-tensa. 2.1. Metodologia
O Francisco passou a ser seguido em sessões
semanais de psicoterapia, que têm como objecti- A DC: 0-3 (Diagnostic Classification of Men-
vo o reconhecimento dos seus estados afectivos tal Health and Developmental Disorders of In-
próprios e do outro e o desenvolvimento das suas fancy and Early Childhood, 1994) é uma classi-
capacidades de mentalização através do jogo. Ao ficação pentaxial, especificamente concebida
mesmo tempo um trabalho colateral é realizado para esta faixa etária, dada a dificuldade em uti-
por um outro técnico com a mãe, no sentido de lizar as outras classificações nos quadros clínicos
trabalhar os seus conflitos e projecções. da primeira infância. Neste trabalho utilizamos o
eixo I – diagnóstico primário, que descreve a
perturbação na criança, ou seja a experiência in-
2. ESTUDO DE POPULAÇÃO CLÍNICA terna do seu mal-estar e/ou o comportamento
disfuncional expresso, e o eixo II – classificação
O problema da compreensão psicopatológica da perturbação da relação, que descreve a quali-
das perturbações de comportamento e a sua fre- dade comportamental, tonalidade afectiva e os
quência levou-nos a estudar este tema de uma aspectos psicológicos da relação da criança com
forma mais sistemática. o principal prestador de cuidados.
Estudámos assim os casos que, nos últimos 3 O diagnóstico relacional é de extrema utilida-

FIGURA 1
Sexo e Idade

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FIGURA 2
Nível Socio-Económico

de nesta faixa etária: muitas perturbações da cri- mico da maioria destas famílias (avaliado pela
ança pequena são primariamente perturbações da Escala de Graffar) era de nível médio e médio-
relação, dada a sua dependência física e psíquica -baixo (Figura 2).
do adulto, e a influência das perturbações da
relação sobre o seu desenvolvimento. O diagnós- 2.2. Resultados
tico de perturbação da relação, além de caracte-
rizar estas situações, permite ainda orientar a in- As queixas comportamentais mais frequentes,
tervenção terapêutica. foram as birras seguidas da heteroagressividade
Do total de 358 crianças observadas na UPI e da instabilidade. Do total destas crianças, 36%
nos últimos 3 anos (de Novembro de 1996 a Ou- apresentavam apenas um sintoma; as restantes
tubro de 1999), seleccionamos aquelas que fo- apresentavam-se com diversos sintomas da linha
ram referenciadas por alterações de comporta- comportamental ou com manifestações compor-
mento, ou seja: birras, instabilidade, auto e he- tamentais associadas a outro tipo de sintomas,
teroagressividade, oposição, balanceamento e sendo destes os mais frequentes, as perturbações
estereotipias motoras. Excluímos as crianças do sono (31%) e as perturbações alimentares
que tinham uma idade superior a 4 anos, às (11%).
quais não é aplicável a DC: 0-3. Obtivemos as- Relativamente ao diagnóstico, a maioria
sim uma amostra de 91 crianças, o que corres- (72%) apresentava uma perturbação em ambos
ponde a uma percentagem de 25% do total de os Eixos: I e II; 20% tinham apenas um diagnós-
crianças atendidas na UPI durante este período tico de perturbação da relação (Eixo II), corres-
de tempo. Destas crianças 41% eram do sexo fe- pondendo a situações em que as dificuldades da
minino e 59% do sexo masculino. As idades es- criança surgem numa relação primária perturba-
tavam compreendidas entre os 3 e os 44 meses, da e sem que exista um diagnóstico na criança.
sendo a média etária de 30 meses (Figura 1). Apenas 5% das crianças tinham unicamente um
Nesta amostra 70% das crianças viviam com diagnóstico no Eixo I e 3% não apresentavam
ambos os pais e 26% eram provenientes de fa- nenhum diagnóstico nestes dois Eixos; estas si-
mílias monoparentais. O estrato socio-econó- tuações correspondiam a três crianças das quais

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FIGURA 3
Diagnóstico no Eixo I e II – DC: 0-3

FIGURA 4
Diagnóstico no Eixo I

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FIGURA 5
Diagnóstico Eixo I – Amostra/Restante População da UPI

FIGURA 6
Diagnóstico Eixo II – Amostra/Restante População da UPI

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uma tinha um atraso global do desenvolvimento te, subjacentes às alterações de comportamento,
(Eixo III) e nas duas restantes os sintomas tra- uma perturbação da experiência emocional da
duziam apenas vicissitudes normais do desenvol- criança associada a uma perturbação da relação;
vimento encontrando-se em situação de risco as perturbações do afecto, e em particular a per-
embora ainda não apresentassem nenhuma per- turbação de ansiedade, parecem assim ter uma
turbação diagnosticável (Figura 3). expressão importante a nível comportamental.
Nas crianças que apresentavam um diagnósti- Na maior parte dos nossos casos encontramos
co no Eixo I, verificamos uma distribuição hete- uma perturbação da relação, por vezes mesmo na
rogénea pelas diferentes categorias, abrangendo ausência de um diagnóstico na criança. Contudo
um leque muito extenso de diagnósticos: pertur- não é possível estabelecer uma relação causa-
bações do afecto, perturbação da adaptação, per- efeito, tendo em conta a interacção entre os
turbações regulatórias, perturbação de stress
factores de risco envolvidos. Fonagy (1998)
pós-traumático e MSDD – perturbação multissis-
identifica 5 ordens de factores de risco: biológi-
témica do desenvolvimento (Figura 4).
cos, sociais, familiares, práticas educativas pa-
Constatamos contudo, uma maior frequência
rentais e dificuldades na relação precoce. Segun-
de perturbações do afecto, sendo dentro deste
grupo as mais frequentes a perturbação de ansie- do Shaw e Bell (1993, citados por Fonagy, 1998)
dade (18%), a perturbação reactiva da vincula- as eventuais dificuldades do bebé podem ir ao
ção (13%), e a perturbação mista da expressivi- encontro das dificuldades parentais, iniciando
dade emocional (11%). Comparativamente às um ciclo vicioso que vai impedir o acesso da cri-
restantes situações observadas na UPI durante o ança à mentalização, isto é à capacidade de atri-
mesmo período de tempo, verificamos que a buir um sentido às intenções e ao comportamen-
perturbação de ansiedade e a perturbação mista to do outro. A percepção da criança, por parte da
da reactividade emocional (Figura 5), apresenta- mãe, como um ser intencional, é a base de uma
vam uma frequência significativamente superior vinculação segura, necessária ao desenvolvi-
nesta amostra (X2 = 7,91; gl = 1; p< 0.0005 e mento do self e da capacidade de mentalização,
X2 = 4,27; gl = 1; p< 0.04 respectivamente). o que segundo Fonagy (1998) é factor de promo-
Relativamente às perturbações da relação (Ei- ção da resiliência e de inibição de tendências an-
xo II), verificamos igualmente uma distribuição ti-sociais.
heterogénea pelas diferentes categorias, sendo Neste sentido a nossa intervenção terapêutica
contudo mais frequentes as perturbações de tipo consiste na promoção da capacidade de mentali-
subenvolvido, ansioso-tenso e misto (Figura 6). zação, e por outro lado, em melhorar a capacida-
Enquanto as frequências de perturbação da rela- de empática parental, de modo a que não sejam
ção subenvolvida e mista acompanham a tendên- criadas situações relacionais de “tipo traumáti-
cia verificada para as outras situações atendidas co”.
na UPI, as perturbações de tipo ansioso-tenso
apresentam, nesta amostra, valores significativa-
mente mais elevados (X2 = 5,57; gl = 1; p<0.02). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cordeiro, M. (1999). Clinical assessment of infant psy-


3. CONCLUSÕES chopathology: Challenges and methods. In J.
Osofsky, & H. Fitzgerald (Eds.), WAIMH Hand-
Os resultados do nosso estudo permitem-nos book of Infant Mental Health (2nd ed. pp. 242-
constatar que as alterações de comportamento -269). New York: Wiley.
são um motivo de consulta comum na primeira Fonagy, P. (1998). Prevention, the appropriate target of
infância, constituindo uma manifestação do so- infant psychotherapy. Infant Mental Health Jour-
nal, 19 (2), 124-150.
frimento psicológico da criança, que na maioria
Thomas, J. P., & Clark, R. (1998). Disruptive behaviour
das situações corresponde à existência de uma in the very young child: diagnostic classification:
perturbação diagnosticável. 0-3. Guides for identification of risk factors and
Embora tratando-se de manifestações relativa- relational interventions. Infant Mental Health Jour-
mente inespecíficas, encontramos frequentemen- nal, 19 (2), 229-244.

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Zero to Three/National Center for Clinical Infant Pro- relação. Os autores apresentam também vinhetas clíni-
grams (1994). Diagnostic Classification of Mental cas ilustrativas da psicopatologia que pode estar sub-
Health and Developmental Disorders of Infancy jacente a este sintoma.
and Early Childhood. Arlington. Palavras-chave: Birras, classificação diagnóstica,
psicopatologia da primeira infância.

RESUMO
ABSTRACT
As alterações de comportamento são um sintoma,
que pela disrupção que provocam na dinâmica familiar One of the principle causes of toddler psychiatry
constituem um dos principais motivos de consulta consultation are the behaviour disorder, which are a
pedopsiquiátrica na 1.ª infância (cerca de 1/3 do total symptom that brings up a huge disturbance in the fa-
dos casos). Trata-se contudo de um sintoma que é co- miliar dynamics. It’s about a symptom that is common
mum a diversos quadros clínicos e que corresponde a to a several clinical boards, whose comprehension is
fundamental for a proper therapeutic intervention and
diferentes situações do ponto de vista psicopatológico,
diagnosis.
cuja compreensão é fundamental para uma adequada
At the toddler, the straight delimitation of the clini-
intervenção terapêutica e prognóstico.
cal boards becomes difficult by the quick changes in
Na 1.ª infância, a delimitação clara dos quadros clí-
the development, by the lack of specificity of the cau-
nicos coloca algumas dificuldades devido às modifi- sal factors and by the contribution of the relationship
cações rápidas do desenvolvimento, à falta de especi- disorders, for the child pathology.
ficidade dos factores causais e ao contributo das per- More important than the symptoms is the level of
turbações relacionais para a patologia da criança. the internal structures functioning, namely the self or-
Mais importante do que as manifestações clínicas, é o ganization which is important to evaluate at this cir-
nível de funcionamento das estruturas psíquicas, no- cumstances.
meadamente da organização do Self e do desenvolvi- In this work, the authors made a revision of the UPI
mento do Eu, que é importante avaliar nestas situa- cases, relatively to the behaviour disorders, during a
ções. three year period, and being presented their diagnosis
Neste trabalho, os autores fazem uma revisão da ca- by a DC: 0-3 (Diagnostic Classification of Mental
suística da UPI relativamente às crianças referenciadas Health and Developmental Disorders of Infancy and
por alterações de comportamento durante um período Early Childhood), axis I – primary diagnosis and II –
de três anos (1996-1999), sendo apresentados os seus relationship disorders. The authors also present clinical
diagnósticos segundo a classificação DC: 0-3 (Diag- figures cases from the psychopathology that could un-
nostic Classification of Mental health and develop- derlying this symptom.
ment disorders of Infancy and Early Childhood), nos Key words: Obstinacy, DC: 0-3, toddler psychopa-
eixos I – diagnóstico primário – e II – perturbação da thology.

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