Departamento de Serviço Social Curso de Graduação em Serviço Social Disciplina: Fundamentos do Pensamento Sociológico Professor: Giovanni Boaes Aluno: Felipe Anacleto Matrícula: 20170050657
Análise do texto “A metrópole e a vida mental” – Georg Simmel
Entre tantos pensadores que se debruçaram a estudar como ocorrem as relações
entre os indivíduos na sociedade, assim como as inúmeras variáveis que permeiam esses processos, o alemão Georg Simmel (1858-1918) em sua extensa obra se destaca por um enfoque mais voltado ao indivíduo em si, inclusive recebendo críticas de outros autores como Émile Durkheim em relação a esse direcionamento por vezes chamado de “psicologismo”. Esta análise recai sobre o texto A metrópole e a vida mental, publicado pela primeira vez em 1902, mas visto por mim como capítulo da obra O fenômeno urbano (1973), organizada por Otávio Guilherme Velho. Ao iniciar a sua argumentação, Simmel pontua claramente o seu objetivo: realizar uma investigação que dê conta de compreender como uma macroestrutura do porte de uma metrópole influencia a vida humana, observando como a personalidade se molda perante as forças exteriores que compõem a sociedade moderna. Para ele, a individualidade é reconfigurada no âmbito das grandes cidades. Há um ritmo mais intenso dos estímulos nervosos, resultantes das modificações bruscas e constantes entre estímulos interiores e exteriores. A mente humana é guiada por diferenciações entre impressões que se sucedem. O frenesi da metrópole, constituída por inúmeros processos de diversas ordens e relações cada vez mais líquidas e movediças imprimem mudanças significativas sobre a atividade mental: “Com cada atravessar de rua, como o ritmo e a multiplicidade da vida econômica, ocupacional e social, a cidade faz um contraste profundo com a vida de cidade pequena e a vida rural no que se refere aos fundamentos sensoriais da vida psíquica” (SIMMEL, 1973, p. 12). O homem passa a desenvolver uma consciência muito mais apurada do que tinha na vida rural. Sua intelectualidade é preponderante para sobreviver às características desse novo mundo, que ameaçam a sua integração e adaptação. Um ponto bastante ressaltado nesse contexto é a economia do dinheiro. A individualidade do homem foi profundamente modificada a partir da monetarização da sociedade. Para Simmel toda a qualidade e a individualidade foram reduzidas a questão “Quanto?”. Em torno do dinheiro, criam-se relações prosaicas baseadas em mero interesse. Relações comerciais e de troca, entre empregadores e empregados, entre compradores que jamais conhecerão os produtores da mercadoria que adquirem. Tal economia também seria responsável por infligir mais uma nova qualidade a mente humana: a de ser calculista. A vida cotidiana é dominada por preceitos calcados na aritmética. Nunca se calculou, pesou e quantificou quanto na sociedade moderna. O tempo passa efetivamente a ser sinônimo de dinheiro, pois “[...] a técnica da vida metropolitana é inimaginável sem a mais pontual integração de todas as atividades e relações mútuas em um calendário estável e impessoal” (SIMMEL, 1973, p. 15). A metrópole condiciona a um estilo de vida mais racional, pontual, sistemático, minimizando impulsos irracionais ou que estejam fora desse padrão. Arrisco dizer que é uma vida materializada dentro de uma caixinha, iluminada pela luz fosca das determinações da sociedade dominada pelo capital. O autor chama a atenção para a ocorrência de determinados fenômenos psíquicos com o advento da metrópole. Ele os conceitua como: atitude blasé e reserva. Por atitude blasé, Simmel compreende aquelas posturas inertes do ser humano em meio aos corriqueiros acontecimentos metropolitanos. O homem em sua busca incessante pelo prazer fica com os nervos agitados ao ponto de comprometer a sua reatividade, impedindo-o de reagir. Novas situações vão surgindo nessa ceara metropolitana de dimensões enormes, porém ele não reage de forma adequada. Por reserva, entende-se a reação estranha a outros indivíduos. Se nas cidades menores quase todas as pessoas se conhecem e estabelecem entre si relações de amizade, nutrindo sentimentos como amor e empatia, nas cidades grandes a postura de reserva consiste num estranhamento, numa recusa a princípio do outro, funcionando como uma defesa para o individuo. Destaco também a questão da afirmação da personalidade dos seres. Em um ambiente em que o quantitativo possui tanta importância, o homem começa a almejar diferenciar-se com vista a captar a atenção do meio social. É a gênese do narcisismo e do preciosismo no âmbito da urbe. Convém mencionar que apesar destas formulações de Simmel terem ocorrido na passagem do século XIX para o século XX, seus conceitos continuam pertinentes e atuais. A vida urbana multiplicou-se da segunda metade do século XX até hoje. O capitalismo e processos como a globalização que tecem uma teia entre as variadas localidades do mundo, só acirraram muitos dos preceitos que o pensador alemão já preconizava. Continuamos direcionando a nossa vida com base na economia do dinheiro. Seria impossível viver sem ele. Nascemos e crescemos sendo condicionados a estudar e trabalhar para obtê-lo e assim ter um futuro mais tranquilo e estável, como também alcançar prestígio social. Na cadência frenética dos nossos dias, muitas vezes não observamos nem mesmo algo que esteja acontecendo dentro de nossa casa ou a um amigo próximo. Caminhamos pela rua e nem nos importamos com aquelas pessoas em situação de miséria que fazem das calçadas em que transitamos a sua morada. A meu ver, estas se constituem como algumas atitudes blasé do nosso cotidiano. Fugimos de determinadas pessoas que cruzam o nosso caminho nessa mesma rua por terem características físicas enquadradas no estereótipo de “classes perigosas”. Isto poderia ser considerado como uma postura de reserva. Traçando um breve prognóstico, acredito que tais situações tendem a se agravar mais e mais, à medida que o capitalismo avance e traga junto a si o desejo desenfreado por lucro e acumulação. Sobretudo na sociedade brasileira, em que estamos presenciando um processo de retomada do neoliberalismo com retirada de direitos e instauração de medidas que aumentam a desigualdade entre classe dominante e classe trabalhadora.