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O Corpo Não Esquece

Ellie Winslow

Nadine Barnett, coordenadora de uma galeria em Nova Iorque, esperava


angustiada a ligação para a Itália. Sem querer, voltava ao passado... O
famoso pintor Lawrence Stebbing, do outro da lado da linha, ficou surpreso
ao ouvir a voz que um dia amara: " Nadine é você mesmo? " Quatro anos
tinham se passado. O destino traçara estranhos caminhos para os dois - o
mágico encontro, a separação impulsiva, e agora aquele reencontro
inesperado. Entre eles, havia muito mais que a lembrança de noites de
prazer e loucas explosões de ciúmes: havia Jamie, um garotinho de 4 anos
completos. Mas Lawrence não sabia de nada...
Ellie Winslow

O CORPO
NÃO ESQUECE

•••••••••••••••••••••••••••••••••
Digitalização: Andrea Leoncio
Formatação e Revisão: Elisa Henrich

Titulo original: Painted Secrets

© Copyright 1983 by Winslow Eliot

© Copyright desta edição, Editora Rio Gráfica Ltda. Rio de Janeiro, 1986.

Publicado no Brasil sob licença de New American Library


(Signet), Nova lorque, Estados Unidos.

O uso da marca Sedução por esta editora tem autorização expressa de Fernando
Chinaglia Distribuidora S.A., titular do certificado de registro n.º
1231/0689156, expedido em 25-03-79 pelo I.N.P.I.

Tradução: Regina Amarante

Foto da capa: Arquivo Rio Gráfica


Composição: Editora Rio Gráfica Ltda. e AM Produções
Gráficas Ltda.

Distribuidor exclusivo para todo o Brasil:


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Rua Teodoro da Silva, 907, CEP 20563, Rio de Janeiro.

Editora Rio Gráfica Ltda.


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Impressão e acabamento nas oficinas gráficas da
Editora Brasil-América (EBAL)
Rua General Almério de Moura, 302
CEP 20921 - Rio de Janeiro
Capítulo Um

— Aqui é a telefonista. Que número quer chamar?


— Por favor, eu quero fazer um interurbano para Florença, na Itália.
— Um momento, por favor. Vou ligar para a telefonista internacional.
Enquanto esperava a ligação ser completada, Nadine fitava com os olhos
vidrados as pilhas de papéis e catálogos sobre sua mesa. Seu coração batia forte.
Ao ouvir o ruído da chamada, do outro lado da linha, sentiu-se transportada para
a antiga sala da mansão florentina, onde ficava o velho telefone preto. Será que a
sala ainda estava do mesmo jeito? Será que Lily tinha mudado o telefone de
lugar?
— Alô?
A voz baixa e ressonante atravessou os milhares de quilômetros de fios
telefônicos e penetrou diretamente no frágil coração de Nadine. Parecia que ela o
tinha visto no dia anterior. Por que, meu Deus, era forçada pelas circunstâncias a
falar novamente com ele?
Apesar de tudo, não havia o menor vestígio daquela angústia interior na
sua voz fria e direta.
— Lawrence Stebbing, por favor.
Durante o curto silêncio que se seguiu, Nadine ficou imaginando se ele
tinha reconhecido sua voz.
— É ele mesmo que está falando.
Ela engoliu o bocado de emoção que ameaçava aparecer em sua voz, e
disse apressadamente:
— Aqui é Nadine Barnet. Everett Mills deve ter-lhe informado de que eu
sou a coordenadora da exposição na Galeria Mills e responsável pela
organização de sua mostra.
— Nadine? — Lawrence mostrava-se surpreso. — É você mesma?
— Nadine Barnet — repetiu — Eu trabalho na Galeria Mills.
— Everett não me disse nada. Como vai você, Nadine?
Ela ficou chateada por ele ter feito aquele tipo de pergunta. Mas ficou
mais aborrecida ao perceber que ainda não tinha superado sua amargura. Só de
ouvir a voz dele, sentia no peito uma pesada sensação de hostilidade.
— O senhor Mills pediu que eu lhe fizesse uma visita para que
pudéssemos escolher os quadros a serem incluídos na exposição, e estou
ligando para saber quando lhe seria conveniente que eu fosse.
— Nadine! — exclamou Lawrence, e ela sentiu que estava irritado por ela
estar fingindo que não se conheciam. No entanto, controlou-se. — Você vem a
Florença? Everett disse que ia mandar alguém, mas não disse quem. Por mim,
pode ser o dia que você quiser. Quando pode vir?
— Pode ser na segunda? Quanto mais cedo eu resolver essa parte, mais
cedo poderei tratar de outros assuntos.
— Segunda está ótimo. — Ele parecia desapontado com a falta de
entusiasmo dela diante da perspectiva de revê-lo, o que deixou Nadine satisfeita.
— Como é que você está, Nadine? É uma ótima surpresa falar com você
novamente.
— O senhor Mills acha essa viagem necessária — disse ela friamente —,
e eu não pude convencê-lo do contrário. — Ela sentiu um certo júbilo por ver
como agora conseguia controlar suas emoções. Lawrence iria ver como ela tinha
mudado! Nunca mais despertaria nela sentimentos de ciúme passional, fúria ou
desejo, como se ela fosse uma de suas telas, pronta para receber suas
pinceladas. Nadine agora estava sob controle e sua voz continuava fria. — Ele
não sabe que nós nos conhecemos. Eu recebi essa missão por uma simples
coincidência, e espero que ambos tenhamos esquecido nosso... hmmm...
relacionamento no passado.
O silêncio que se seguiu foi longo e desconfortável. Finalmente,
Lawrence disse:
— Telefone-me assim que chegar a Florença. Eu a encontrarei em
seguida. Já sabe onde vai ficar?
Com ele é que não seria, ele podia ter certeza disso!
— No Hotel Continental. Eu telefonarei de lá para você na segunda-feira.
E mais uma vez ficaram em silêncio. Será que ele podia ouvir seu
coração batendo forte no peito?
— Estou ansioso para revê-la.
Lawrence iria ver como ela pouco estava ligando para ele! Apertou o fone
e respondeu num tom neutro:
— Eu também estou ansiosa para ver você e sua mulher.
Nadine fechou os olhos e sentiu-se envolvida pela segurança da
escuridão. Teria ele ficado irritado ou magoado com sua indiferença? Mais uma
vez se entusiasmou por sentir que podia controlar suas emoções. Nunca mais ele
teria a chance de magoá-la. No seu próximo encontro estaria armada, e a arma
seria sua experiência.
Porém, ficou desconcertada quando ele não deu uma resposta direta.
— Até logo, então, Nadine. Conversaremos na semana que vem.
Ela levou cinco minutos lutando contra sentimentos de hostilidade, alegria
e culpa, antes de se certificar que estava suficientemente controlada para ir até o
escritório de Everett Mills e relatar-lhe o resultado da conversa. Tirou o cabelo da
testa, num gesto de cansaço, e bateu na porta.
— Entre.
Everett estava sentado atrás de sua escrivaninha, com os pés sobre uma
pilha de catálogos, falando em altos brados no telefone. Enquanto seus olhos
azuis, contornados por pálpebras amareladas e olheiras arroxeadas examinavam
Nadine com curiosidade, fez um gesto com a mão para que ela se sentasse
numa poltrona, sem parar de falar no telefone. Nadine se sentou e se perdeu em
suas lembranças.
Florença! Já fazia mais de quatro anos que ela havia estado lá, e dentro
de alguns dias voltaria àquela bela cidade, caminhando pelas ruas conhecidas,
banhada pela luz dourada, sentindo as fragrâncias do café fresco, feito na hora,
do vinho e do azeite de oliva caseiros, ouvindo aquele idioma que conhecia tão
bem. Seu desejo de rever a cidade era tão intenso quanto sua aversão por rever
Lawrence, mas, além de uma ou duas visitas ao estúdio dele, para escolher as
pinturas da exposição, e uma reunião para discutir certos detalhes, não teria
necessidade de passar mais tempo com ele. Gostaria de poder levar Jamie com
ela. Tinha certeza de que seu filho adoraria Florença, mesmo tendo apenas
quatro anos de idade.
— Você está um tanto quanto atordoada, não está? — A voz áspera de
Everett a assustou, fazendo-a perceber que estava falando com ela já há algum.
tempo.
Nadine se esforçou para prestar atenção no que seu patrão estava
falando. Era um homem pesadão, meio calvo, com mais ou menos cinqüenta
anos de idade, temido e detestado pela maioria dos funcionários pela sua
arrogância e temperamento explosivo. Mas sempre gostou de Nadine. Até
pagava suas aulas na Universidade de Colúmbia. Para ela seria praticamente
impossível fazer o curso de mestrado e sustentar-se ao mesmo tempo, e, ainda
que o dinheiro para pagar a universidade não tivesse resolvido todos os seus
problemas, tinha ajudado bastante. Em troca de sua generosidade, Everett queria
que Nadine saísse com ele, o que ela sempre recusou com firmeza.
— Eu já combinei com o senhor Stebbing que irei para a Itália na
segunda-feira, como o senhor pediu.
Everett acendeu um cigarro e soprou o fósforo, enrugando os lábios
carnudos. Em seguida, deu uma risada.
— Nosso amigo ficou contente por ter notícias suas?
Ela levantou uma sobrancelha, com ar de total frieza.
— Eu não sei que diferença isso poderia fazer para ele. A exposição já foi
programada, e nós só temos de decidir quais as obras que serão expostas e os
preços. Ele sabe disso.
— Naturalmente, meu bem. Mas Stebbing não, demonstrou nenhum
prazer por falar com você? Eu esperava, no mínimo, que ficasse surpreso.
O rosto inexpressivo de Nadine empalideceu um pouco, mas ela
encolheu os ombros, com ar de indiferença. O que Everett sabia? Levantou-se,
pois já passava das cinco e tinha de pegar Jamie na casa de sua irmã Charlotte.
Everett abanou a mão que estava segurando o cigarro, e seu anel de
brilhante cintilou em meio à fumaça que enchia o ambiente. O escritório estava
insuportavelmente abafado.
— Fico muito satisfeito por já conhecer Stebbing — continuou ele. — Vai
facilitar muito nosso projeto. Eu confio em você para não deixá-lo fazer nada
impunemente. Você sabe, ele tem a fama de ser uma pessoa muito difícil de se
trabalhar.
Nadine voltou a sentar-se.
— Você está enganado. — A voz dela estava mais fria que gelo. — Eu
não o conheço.
Everett soltou outra risada e deu uma tragada no cigarro antes de
responder.
— Não precisa mentir para mim, querida. Acontece que eu sei que você
conhece Stebbing, e com muita intimidade.
Nadine já tinha experiência em ouvir perguntas desagradáveis e
indiscretas e, assim sendo, conseguiu continuar impassível, levantando uma
sobrancelha com desdém. Mas, por dentro, ela estava sentindo medo. Como
Everett ficou sabendo do seu relacionamento com Lawrence? E se soubesse
mais do que aquilo? E se ele soubesse que...
— Eu não consigo imaginar por que você prefere negar seu
relacionamento com alguém tão famoso como Stebbing. Everett encolheu os
ombros. — Se você tivesse me contado isso quando a entrevistei para este
emprego, eu não teria pedido para ver seu currículo.
— Foi o senhor Stebbing que lhe informou que nós já nos conhecíamos?
— Nadine escolheu suas palavras com todo o cuidado.
— Não. Claro que não. Você acha que ele ia se vangloriar de ter dormido
com uma ilustre desconhecida, vinda não-sei-de-onde? É o seu silêncio que me
espanta, meu bem. Num esforço supremo, Nadine conseguiu controlar seu
humor, como aprendera a fazer no decorrer dos dos anos que trabalhava para
Everett.
— Eu lhe perguntei como ficou sabendo que eu já conhecia o senhor
Stebbing.
— Você logo saberá, Eu só queria ver sua cara quando isso acontecer. —
Deu mais uma tragada no cigarro e amassou-o no cinzeiro como se estivesse
esmagando um inseto. — Nós temos um ou dois problemas que eu quero que
resolva antes de Stebbing assinar os contratos para a exposição. Levará os
contratos, e eu deixarei a escolha das obras a seu critério, naturalmente, e dele.
Você tem um gosto extraordinário nessas questões, e eu confio totalmente em
você.
Ela inclinou levemente a cabeça, agradecendo o cumprimento.
— Mas tem uma coisa, Nadine. — Everett não dava nada de graça a
ninguém. — Tem uma pintura de Stebbing que é tão superior a qualquer outra
obra dele, que alguém com a sua inexperiência pode não ser capaz de perceber
a grandiosidade. Portanto, eu tenho de insistir que seja incluída na exposição,
seja qual for a sua reação a ela.
Seria alegria aquilo que ela estava ouvindo na voz ás pera de Everett?
— E que pintura é essa?
— Chama-se Madrugada Toscana.
— Eu me lembrarei — disse ela, levantando-se novamente.
Everett estava desapontado com a indiferença dela.
— Essa pintura você não viu quando estava envolvida com ele, não é
mesmo?
— Eu acho que está enganado no que diz respeito ao meu
relacionamento com Stebbing. Nós nos encontramos uma vez, mas não deu em
nada, e eu até duvido que ele se lembre de mim agora. Já se passaram muitos
anos.
— É mesmo? — O tom de ironia daquela voz deixou-a apreensiva.
Rapidamente, ela pegou a bolsa e levantou-se. — Está livre para jantar hoje? -- A
voz dele fez com que ela parasse.
— Não, não estou. — Abriu a porta. — Boa noite.
Everett soltou um suspiro exagerado.
— O que é que Lawrence tinha que eu não tenho? Não consigo entender.
— Até amanhã — disse Nadine, saindo pela porta. Por mais que ela
tentasse, não conseguia reagir com bom humor à paquera de seu chefe.
Saindo do prédio, Nadine virou na direção da Madison Avenue, entrando
no fluxo da corrente de pedestres que enchiam as calçadas na hora do rush.
Como já estava atrasada, tomou um ônibus para o centro, onde morava sua irmã
e onde Jamie a estava esperando. Ao pensar no filho, seus olhos cinzentos
amendoados se enterneceram. Ela o amava com a mesma paixão com que
outrora amara o pai dele. O que aconteceria se um dia Lawrence ficasse sabendo
da existência de Jamie? Ao pensar nas possibilidades, ficou arrepiada, apesar do
calor. E se ele reivindicasse a custódia do filho dela? Nadine não teria meios para
enfrentar o famoso e rico artista nos tribunais. A idéia de separar-se do filho era
horripilante. Lawrence não podia jamais saber que aquele filho existia.
O ônibus estava lotado, e, quando Nadine desceu na rua 86, estava
cansada e sentindo muito calor. Gotas de suor escorriam-lhe pela testa, e só de
pensar que em poucos dias estaria de volta a Florença, sentindo sua brisa suave
e seu ar fresco do campo, ficou mais animada, Aquela seria realmente uma
viagem perfeita se ela não tivesse de ver Lawrence. Charlotte abriu a porta e
cumprimentou a irmã com um beijo afetuoso. Elas tinham apenas dois anos de
diferença, e só eram parecidas no cabelo castanho e nos olhos cinzentos. A
semelhança terminava aí. Casada, com dois filhos, Charlotte tinha um ar de
contentamento que beirava a complacência, o que ao mesmo tempo divertia e
exasperava sua irmã mais nova, que era inquieta e um tanto cínica. Enquanto
Nadine era magra, até demais, Charlotte era gordinha. Às vezes, Nadine até
custava a se lembrar daquela imã adolescente que vivia preocupada com a
balança.
— Oi, querida. Jamie está na cozinha. — Charlotte fechou a porta e levou
a irmã através da sala luxuosa até a cozinha moderna e impecável. Um cheirinho
gostoso de frango assado espalhava-se pelo ar.
Jamie estava sentado junto à mesa cor de laranja, desenhando com lápis
de cor. Olhou para Nadine com seus grandes olhos verdes, iguais aos do pai.
Seu rostinho iluminou-se de alegria, e entregou-se ao abraço da mãe com um
raro sorriso meigo naquele rosto sempre sério.
— Querido! Como foi seu dia na escola? Foi tudo bem?
— Não. A senhora Smith foi má.
— O que foi que ela fez? — Nadine beijou-o no alto da cabeça e desejou
pela milésima vez que ele não tivesse ido para a escola tão cedo.
— Deixou minha amiga Ginny de castigo em pé numa cadeira porque ela
estava conversando na classe.
— Ah, mas isso não é um castigo tão horrível assim!
— Mas ela não estava conversando. — Jamie já tinha um forte senso de
justiça. — Eu é que estava. Mas a senhora Smith não me deixou ficar em pé na
cadeira.
Nadine consolou-o carinhosamente e depois se voltou para sua paciente
irmã.
— Está atrasada hoje — disse Charlotte. — Muito trabalho?
— Demais. Estou exausta.
— Deixe-me preparar-lhe uma bebida. Aconteceu alguma coisa, não
aconteceu?
— Alguma coisa está por acontecer, isso sim. Eu adoraria tomar alguma
coisa, obrigada. Cadê suas crianças?
— Estão assistindo televisão, é claro. Eu só consigo tirá-las de lá na hora
de comer. Jamie não quis ficar com elas, e está me fazendo companhia. —
Charlotte entregou um copo com uísque para a irmã. — Jamie, quer vir para a
sala conosco?
— Vou ficar aqui — respondeu Jamie, compenetrado em seu desenho.
Nadine seguiu a irmã até a sala e tirou o blazer. Suspirando, esticou-se
no sofá. A decoração da sala, com cortinas em adamascado dourado, lustres
trabalhados e sofá com poltronas em veludo azul-claro, lembrava-lhe Florença.
— Conte-me o que aconteceu no serviço — disse Charlotte, encolhendo
as pernas confortavelmente numa poltrona macia, de frente para Nadine. —
Espero que não sejam más notícias, mas pela sua cara...
— De uma certa maneira, são mesmo. — Nadine suspirou mais uma vez.
— Everett mandou-me ir a Florença na semana que vem.
Charlotte endireitou-se na poltrona, arregalando os olhos.
— Nadine! Que maravilha!
— Você acha? Eu vou lá para conversar com Lawrence Stebbing sobre a
exposição que ele vai fazer na Galeria Mills. Charlotte afundou-se na poltrona,
como se tivesse levado um soco.
— Oh, não!
— Eu não lhe contei que nós estávamos planejando fazer uma exposição
das obras dele, porque eu tinha esperança de que não desse certo. Lawrence
tem o dom de transformar as vidas das pessoas que fazem as exposições dele
num verdadeiro inferno. Eu tinha certeza de que Everett perderia a paciência e
desistiria da idéia, mas parece que Lawrence tem sido bastante sensato até
agora. Eu devo ir lá, para resolver quais as pinturas que iremos expor, os preços
e coisas assim.
— Mas Everett não pode forçá-la a ir, querida. Diga-lhe que você pode
resolver todos esses detalhes pelo telefone.
— Pode estar certa de que eu já fiz de tudo para convencê-lo a não me
mandar. A minha única opção é pedir demissão, e isso eu não posso fazer sem
ter arranjado outro emprego.
Fez-se um silêncio e as duas irmãs se entreolharam.
— Quer dizer que ele vem a Nova Iorque para a exposição? — perguntou
Caarlotte, referindo-se a Lawrence.
Nadine concordou com um aceno de cabeça.
— Então você terá de contar-lhe sobre Jamie.
— Não! — respondeu Nadine, com veemência. — Ele não pode saber de
nada. Nunca!
Charlotte permaneceu em silêncio diante da reação ner-vosa da irmã.
— Eu posso deixar Jamie com você enquanto estiver viajando, não posso?
Eu não devo ficar mais de três ou quatro dias fora.
— É claro que Jamie pode ficar comigo. — Charlotte hesitou antes de
continuar. — Tem certeza de que já esgotou todos os argumentos para não ter de
fazer essa viagem? Você deve estar odiando a idéia de vê-lo novamente.
— Eu estou realmente odiando a idéia. Vai ser um inferno para mim, mas
no tenho escolha. Você sabe que eu não posso perder meu emprego.
— É, isso você não pode mesmo.
— Não se preocupe comigo. — Nadine conseguiu dar um sorrisinho. —
Eu era apenas uma menina quando nós nos separamos. Agora, sou uma mulher
feita, e ele não conseguirá me atingir.
— Mas você disse que seria um inferno.
Nadine terminou o uísque de um gole.
— O inferno é um estado mental, e as portas da minha mente serão
fechadas assim que eu descer daquele avião. Eu estarei bem, Char, pode ficar
tranqüila. Ele não me interessa mais, pode acreditar.
— Eu não consigo. Ele a magoou tanto! Ele a enganou, mentiu para você
e deixou-a com um filho. E eu sei que você o amava.
Nadine apertou as mãos.
— Você disse bem: amava. Mas não o amo mais. Ele não significa mais
nada para mim, e nunca mais significará. Além do mais — ela baixou os olhos
para que a irmã não visse sua mágoa —, agora está casado.
— Casado!
— Não precisa ficar tão chocada. Você também é casada.
— Quando ficou sabendo disso?
— Já faz algum tempo. Acho que foi um ano depois que eu voltei aos
Estados Unidos. — Ela continuava com os olhos baixos. Jamais esqueceria a
angústia que havia sentido quando soube que Lawrence tinha se casado com Lily.
— Um artista amigo dele, que encontrei numa exposição, me contou.
— E você nunca me disse nada! Nadine tentou sorrir ao ver a
preocupação da irmã.
— Eu me senti muito humilhada na ocasião. Mas, sinceramente, agora
tudo já passou. Eu vou passar apenas alguns dias lá, e nada pode acontecer em
tão pouco tempo. Colocando o copo sobre a mesinha, levantou-se e
aproximou-se da irmã, dando-lhe um tapinha no ombro.
— Vou levar Jamie para casa — continuou Nadine —, pois já está quase
na hora de jantar. Obrigada por tomar conta dele. — Em seguida, foi para a
cozinha.
Charlotte acompanhou a irmã e o sobrinho até a porta.
— Eu não vou nem conseguir dormir esta noite tentando imaginar uma
forma de tirá-la dessa viagem. Everett não pode obrigá-la a ir!
— Você não conhece Everett. Mas, avise-me se encontrar alguma
solução. E, levando Jamie pela mão, atravessou o hall para pegar o elevador.
Capítulo Dois

Nadine o conheceu há cinco anos. Terminada a faculdade, seus pais


ofereceram-lhe uma viagem para a Itália como presente de formatura. Durante
dois meses, ela viajou de cidade em cidade, com urna mochila nas costas,
ficando em albergues para estudantes e em hospedarias, tentando esticar a
mesada que os pais lhe haviam dado, para que a permanência nesse pais
durasse o maior tempo possível. Apaixonou-se pela Itália assim que chegou.
Ficou impressionada com a abundância de obras de arte e encantada com a
simpatia das pessoas. Também adorou o idioma, que não tardou em aprender.
Já havia estado em Florença logo que chegara, mas antes de voltar aos
Estados Unidos resolveu visitar mais uma vez a cidade de que mais gostara.
Ficou hospedada num grande albergue, perto de Fiesole, e passou a última
semana visitando museus e igrejas, ou simplesmente caminhando pelas ruas e
sentando-se nas praças e nos cafés que tinham mesinhas nas calçadas,
sonhando em poder um dia voltar àquela cidade para lá morar.
Seu vôo para Nova Iorque sairia de Roma no dia seguinte. O albergue
onde se hospedara estava com as reservas esgotadas para o fim de semana.
Assim, mesmo que ela tivesse dinheiro para passar mais uma noite, o que não ti
nha, não haveria lugar para ela. Seu dinheiro só dava para pagar a passagem de
trem para Roma. Com um pouco de sorte, comeria no avião, pensou
pesarosamente, olhando com certa inveja para alguns jovens que saiam de urna
confeitaria tornando sorvete de casquinha. Não tinha importância. Quando
voltasse para casa, sua mãe se encarregaria de compensar esses dois meses de
relativa fome que passara.
Nadine estava a caminho da estação, já atrasada, despedindo-se, com
melancolia, da cidade. O céu começava a ficar carregado de nuvens negras, e o
calor abafado fazia prever uma tempestade. Havia uma estranha eletricidade no
ar que a deixava inquieta e excitada, apesar da iminente partida.
Grossos pingos de chuva começaram a cair, e as ruas ficaram
subitamente escuras. Num instante, tudo ficou deserto. As pessoas se abrigavam
nos umbrais das portas e entravam nas lojas para esperar a chuva passar. O
barulho dos trovões ressoava no ar.
Em condições normais, Nadine também teria procurado abrigo, mas
naquele dia estava a ponto de perder o trem para Roma. Assim, correu pela
chuva torrencial, que se tornava cada vez mais forte. Em poucos minutos,
formou-se uma enxurrada de água lamacenta, e Nadine teve de pular várias
poças para passar de uma calçada para outra,
Chegando à estação, viu que tinha menos de um minuto para comprar a
passagem e pegar o trem. Abrindo passagem por entre a multidão, dirigiu-se ao
guichê. O bilheteiro sacudiu a cabeça negativamente quando ela lhe disse que
estava tentando pegar o trem para Roma. Deu-lhe a passagem com a
informação de que teria de tomar o trem do dia seguinte, que partiria às seis da
manhã.
Sabendo que os trens italianos dificilmente saíam no horário, Nadine
agradeceu e correu, abrindo caminho por entre a multidão, em direção, à
plataforma de embarque, mas acabou trombando em cheio com um homem que
estava correndo em direção ao guichê de passagens.
A mochila dela caiu e suas coisas se espalharam pelo chão sujo e
molhado da estação. Nadine também caiu, e uma pequena multidão juntou-se
em torno dela, para ver se tinha se machucado. Procurando levantar-se,
assegurou que estava bem, mas não pôde conter um grito de dor quando o
homem com quem havia trombado segurou-a pelo cotovelo para ajudá-la. Seus
olhos encheram-se de lágrimas.
— Você se machucou — disse ele em inglês. Olhava para ela com
preocupação e impaciência.
Nadine sacudiu a cabeça.
— Foi só o cotovelo, mas eu estou bem. — E assim dizendo, levantou-se
sem fazer careta de dor.
O homem deu uma olhada no relógio, encolheu os ombros quase que
imperceptivelmente, e voltou sua atenção para o cotovelo dela.
— Parece uma luxação, E melhor procurarmos um médico,

— Oh, não! exclamou Nadine. Onde ela iria arranjar dinheiro para pagar
um médico? Eu vou ficar boa. Eu não posso é perder o trem,
O homem recolheu rapidamente as coisas que estavam espalhadas pelo
chão e enfiou-as novamente na mochilas
— Que trem é esse? perguntou — Deixe que eu carrego isso para você.
— Para Roma. Espero que ele esteja atrasado.

O estranho sorriu para ela e seu sorriso era encantador, o que fez com
que Nadine respondesse também com um sorriso,
— Era o trem que eu também estava tentando pegar. Acho que nós dois o
perdemos. E a culpa foi minha, que trombei com você daquele jeito.
Desculpe-me. O próximo trem só sai amanhã de manhã.
Ela não pôde esconder seu desânimo — Oh, não!
— E tão grave assim? O que vai acontecer se você não chegar a Roma
esta noite?
Nadine tentou recuperar-se.

— Meu avião para Nova Iorque sai amanhã ao meio-dia. Se eu tomar o


trem das seis amanhã de manhã, acho que chegarei a tempo. Lembrou-se de
que não teria onde passar a noite.
— Onde você vai passar a noite? O homem parecia estar lendo o
pensamento dela. Meu carro está no estacionamento. Posso dar-lhe uma carona
até o hotel?
Nadine sacudiu a cabeça. Ela não poderia dar-se o luxo de ir para um hotel, e o
albergue estava lotado. Achou que poderia dormir na sala de espera da estação.
A idéia era desanimadora, mas do jeito que estava chovendo, era a única coisa
que poderia fazer.
— Não, obrigada. Não foi sua culpa, e afinal você também perdeu o trem,
Sinto muito.
— Mas o que você vai fazer? Tem certeza de que não quer ir a um
médico para que ele examine seu braço?
— Absolutamente. Não se preocupe comigo. Acho que vou ficar por aqui
mesmo.
— Vai passar a noite aqui? — perguntou ele, franzindo a testa. — Acho
que não é uma boa idéia.
Nadine encolheu os ombros e fez mais uma careta de dor enquanto
tentava colocar a mochila nas costas.
— Eu ficarei bem disse ela em tom leve, procurando não se perturbar
com o olhar penetrante do estranho.
O homem tinha alguma coisa em mente. Não estava disposto a deixá-la passar a
noite na sala de espera da estação.
— Escute — disse ele, repentinamente. — Como eu também perdi o trem,
vou voltar para minha casa, para tomar o outro trem amanhã de manhã. Por que
não vem comigo? Eu gostaria de, pelo menos, enfaixar seu braço e tentar
compensá-la por ter sido tão desastrado com você. Garanto que nós dois
estaremos no trem das seis para Roma.
Nadine hesitou. Até agora, não tinha aceitado nenhum convite de pessoas
que havia conhecido e queriam hospedá-la. Mas este caso era diferente, O
homem era um americano e decididamente não estava tentando paquerá-la.
Parecia realmente preocupado com o bem-estar dela. Além do mais, a idéia de
dormir bancos duros de madeira era deprimente.
— Você perdeu o trem por minha causa disse ele sorrindo. O mínimo que
pode fazer é deixar que eu conserte as coisas na medida do possível.
Nadine custou para responder.

— Bem, na verdade, não tenho muita escolha. Em outras circunstâncias,


eu nem pensaria em me aproveitar de sua oferta tão gentil, mas mesmo assim
agradeço. Eu...
— Ótimo. — O estranho interrompeu-a com impaciência. — Deixe-me
carregar sua mochila. Meu carro está deste lado.
Debaixo de uma chuva torrencial, eles atravessaram o estacionamento,
correndo na direção do Fiat que estava estacionado junto a um muro. Sob
relâmpagos e trovões, Nadine sentiu-se invadida por uma estranha euforia. Era
como se ela estivesse embarcando numa aventura maravilhosa que estivera
esperando há anos e anos. Sentando-se no banco da frente, ao lado de seu
salvador, ofereceu-lhe mais um sorriso.
— Meu nome é Nadine.

— O meu é Lawrence, Sua porta está fechada? Então, vamos embora.


Conversaram muito pouco durante o trajeto. Enquanto Lawrence
esforçava-se para enxergar o caminho sob a chuva forte, Nadine olhava
furtivamente para seu companheiro. Era mais jovem do que ela supunha — devia
ter pouco mais de trinta anos. O nariz dele era bem feito e sua testa ficava
coberta pelo cabelo encaracolado. Seu rosto estava bem barbeado e tinha duas
rugas que iam da base do nariz até o maxilar.
Ao perceber que ela o observava, olhou para Nadine, que sustentou o
olhar por alguns segundos; em seguida, ela olhou para a estrada, sentindo uma
estranha excitação.
Uma estreita faixa de luz amarela surgiu no horizonte, iluminando a
região encharcada com um brilho estranho. As nuvens estavam se dissipando e
os trovões ressoavam a distância, em direção ao norte. Mas Nadine achou que a
tempestade havia deixado uma eletricidade no ar, pois tinha a impressão de que
sua pele soltaria faíscas caso aquele homem a tocasse. Ela então observou as
mãos que seguravam a direção. Os dedos eram longos e achatados nas pontas,
e havia chumaços de pêlos entre as juntas e nas costas da mão, entrando pelos
punhos do paletó. O que viu naquelas mãos que provocou um tremor de
excitação em seu corpo? Nadine não sabia. Eram mãos estranhas, másculas,
bem diferentes das suas, finas e macias, e no entanto lhe pareciam familiares. De
fato, mais que familiares: Nadine chegou a ter uma vaga sensação de
possessividade em relação a elas. E, mais uma vez, olhou para fora da janela.
Estavam numa estrada estreita, que subia uma montanha, margeada por tufos
de capim. A uma certa altura, ele subiu numa parte gramada do acostamento e
desligou o carro. Nadine olhou para os lados, sem saber onde estava.
— É do outro lado da rua — disse o homem, lendo mais uma vez os
pensamentos dela. — Teremos de dar uma corrida.
Ela concordou com um aceno de cabeça e abriu a porta do carro, A
chuva estava mais fraca, mas ainda não tinha passado. Lawrence levantou a
gola do paletó, pegou a mochila de Nadine e foi o primeiro a sair do carro.
Atravessou a rua correndo e parou junto a um pequeno portão escondido no
meio de uma cerca viva. Nadine seguiu-o.
O caminho calçado de pedras, que atravessava o jardim era cercado de
roseiras amarelas mal cuidadas e dava num gramado que também precisava ser
tratado. Certamente, jardinagem não era o forte de Lawrence, pensou Nadine.
No entanto, havia uma certa magia no brilho molhado das folhas e da grama, e
até na lama que se espalhava por entre as pedras do caminho.
Nadine o seguiu, contornando o gramado, até chegar à casa de campo,
subitamente iluminada por um raio de sol que havia atravessado as nuvens. Ao
ver a casa de Lawrence, Nadine parou, como se estivesse encantada. Nem
mesmo a chuva fina caindo nas suas costas e atravessando a blusa já
encharcada e as calças jeans conseguiu quebrar o encanto.

— Entre — chamou Lawrence, parado junto à porta de carvalho. Só


então Nadine aproximou-se dele.
Todo o andar térreo era constituído por um único saIão, com um piso
reluzente de lajotas cor de tijolo. À direita, havia uma pequena cozinha compacta,
com armários de madeira, que dava para a frente da casa. No outro lado da sala,
havia alguns móveis simples espalhados em volta de uma lareira: um sofá baixo,
duas poltronas em verde-oliva e uma mesa de centro com algumas revistas e
poucos enfeites. Havia grandes janelas em todas as paredes, mas não se via
nenhuma casa nas vizinhanças. Na outra extremidade da sala havia uma grande
porta de vidro que dava para um pátio, de onde se descortinava uma campina e
as montanhas distantes. Nadine nunca tinha visto uma casa como aquela, e não
podia imaginar uma pessoa morando num lugar como aquele.
Lawrence pareceu nem perceber a admiração dela. Jogando a mochila
por cima do ombro, dirigiu-se para a escada de mármore que passava por cima
da cozinha.
— Primeiro, você vai tomar um banho quente — disse ele sem cerimônia.
Não quero ser responsável por você pegar uma pneumonia, além de machucar
seu cotovelo. Venha comigo.
O segundo andar também era um grande quarto quadrado, tendo ao lado
de uma das janelas a cama de Lawrence. O assoalho era em madeira de lei clara
e, além de uma escrivaninha escura envernizada, não havia mais nenhum móvel.
O banheiro ficava em um dos cantos era luxuosamente decorado e tinha uma das
maiores banheiras que Nadine já vira. Lawrence abriu a torneira da água quente
e voltou sua atenção para a mochila,
— Está tudo molhado aqui dentro. Vamos colocar suas coisas para secar.
Enquanto isso, você pode pegar meu roupão; vou deixá-lo aqui em cima da cama.
E não esvazie a banheira quando terminar, pois a água quente só dá para um
banho e eu também quero tornar um.
Nadine concordou com um aceno de cabeça e esperou que ele fechasse
a porta do banheiro; então, respirou fundo. Que aventura! Despiu-se rapidamente,
percebendo como estava gelada, e entrou na banheira, com um suspiro de
êxtase. Quem era aquele homem que tinha a banheira mais maravilhosa do
mundo e que morava naquele lugar austero, porém adorável, no fim do mundo?
Lembrando-se do que ele havia dito sobre a água quente, não demorou no banho,
e em poucos minutos saiu da água, enxugou-se e espiou pela porta entreaberta
para dentro do quarto pouco iluminado.
O roupão estava sobre a cama, como Lawrence havia prometido. Tirando
a toalha em que estava enrolada, vestiu-o e enxugou vigorosamente a cabeça.
Em seguida olhou-se no espelho da parede, perto do banheiro. Ela parecia menor
do que o normal dentro daquele enorme roupão amarrado na cintura.
Lawrence estava cortando tomates na cozinha quando ela desceu.
— Tomou banho rápido! Agora é a minha vez. Fique à vontade, a casa é sua.
Eu servi um conhaque para você. E bom para esquentar. Você não apanhou um
resfriado, não é? — Essas últimas palavras foram ditas com preocupação.
— Não — disse ela, sacudindo a cabeça. — Eu estou ótima.
— Mas mesmo assim quero enfaixar seu cotovelo.
— Primeiro, tome seu banho — disse ela sorrindo. — Meu cotovelo não vai piorar
em nada nesta meia hora.
— Eu não vou demorar tanto assim. Tome, aqui está seu conhaque. —
Entregando-lhe o copo, subiu a escada de dois em dois degraus.
Ficando sozinha, Nadine começou a andar pela sala. Tomando pequenos goles
da bebida, tentou formar uma imagem mais clara de seu anfitrião. Para sua surpresa, a
maioria dos livros na estante eram os seus favoritos: diversos livros de arte e algumas
biografias de artistas que ela havia lido e relido quando passou a se dedicar à
história da arte. Entre os discos, encontrou seus compositores e cantores prediletos
também. Levantando a cabeça, seu olhar se fixou num quadro que estava pendurado
logo acima da coleção de discos. Era uma paisagem muito bonita, apesar de suas linhas
escuras e irregulares. Nadine apertou os olhos, pensativamente. Ela sabia que nunca tinha
visto aquele quadro, mas de alguma forma parecia reconhecê-lo.
Examinou a assinatura: Stebbing, um de seus pintores modernos prediletos. Que
coincidência que aquele homem também o apreciasse! Voltou sua atenção para os
outros quadros da sala e notou que eram todos do mesmo artista, cada um mais
familiar e mais bonito que o anterior.
— O que acha deles? — Lawrence aproximou-se dela, enxugando o cabelo.
Usava calças jeans e um suéter cinza. Estava descalço.
— São maravilhosos — respondeu Nadine, com sinceridade. — Eu nunca
vi estes quadros nem em reproduções. Você tem muita sorte em possuí-los. Ele é
um dos meus pintores prediletos.
— Quem? — Ele parou de enxugar a cabeça e olhou para ela com
curiosidade.
— Lawrence Stebbing.
— Já ouviu falar dele?
— Claro! — respondeu indignada, estranhando a incredulidade dele. Então,
franziu a testa. O nome dele também era Lawrence. Não era possível que ele
fosse... Sentiu que ficava vermelha. Lawrence...?
— Eu mesmo. Agora vamos tratar do seu braço e do jantar.
— Você é Lawrence Stebbing? — A voz dela estava baixa e cheia de
admiração.
— Sou. Mas se eu não comer alguma coisa logo, não serei por muito tempo.
Venha comigo até a cozinha e conte-me alguma coisa sobre você. Como foi que
ouviu falar de mim?
Passaram a noite inteira conversando, falando sobre suas vidas e idéias.
Pela primeira vez na vida, Nadine encontrou alguém que entendia e
acompanhava seu raciocínio, expandindo-o além dos limites de sua própria
consciência. A arte e os artistas tornaram-se vivos e pessoais ao invés de
meramente fascinantes. Os conceitos de arte que ela havia formulado através
dos anos entrelaçaram-se com a história, a filosofia e o desenvolvimento da alma
humana. Era mais que interessante, era elucidante.
Um pouco antes do dia amanhecer, eles ficaram em silêncio, ouvindo o
canto melodioso de um rouxinol que cantava no bosque. Lawrence estava
sentado na mureta de pedra e Nadine no sofá, no pátio. A chuva havia parado, e
as nuvens se abriam para mostrar estrelas ocasionais. Lawrence deu uma
tragada no cigarro, e a luz alaranjada da brasa iluminou seu rosto. Ela percebeu
uma expressão estranha naqueles olhos, o que a deixou emocionada e inquieta.
A brasa do cigarro diminuiu e ele o apagou no cinzeiro, levantando-se em
seguida. A única coisa que se via era sua silhueta esguia contra o céu manchado.
De repente, Nadine sentiu medo. Algo de muito importante estava
acontecendo, algo que nao tinha palavras para descrever. Ele se aproximou
lentamente e lhe estendeu as mãos. Compelida por um sentimento profundo,
segurou as mãos de Lawrence, que a puxou, colocando-a de pé. Olhou
longamente para ela, mas desta vez estava muito escuro para que ela visse sua
expressão.
Lawrence a abraçou, e então suas bocas se encontraram. Elc a beijou de
maneira delicada, porem insistente. Nadine tentou responder como se soubesse o que
estava fazendo, mas o medo a deixou paralisada, e seu corpo ficou rigido.
— Voce está assustada — disse ele, subitamente. — Por que?
Ela baixou a cabeca, sentindo-se terrivelmente jovem perto daquele homem
mais velho, famoso e talentoso. Não era tão ingênua que não soubesse que, com a
experiência que devia ter com mulheres, Lawrence estava certo de que ela iria para a
cama corn ele em retribuição por deixá-la passar a noite em sua casa.
Nadine fechou os olhos. Sera que teria coragem? Fazer amor com Lawrence
Stebbing não seria um clímax glorioso para a noite mais maravilhosa da sua vida?
Guardaria aquela lembrança com carinho para sempre, nao é mesmo?
— Ei. — Com dois dedos ele levantou o queixo de Nadine, que pode detectar
perplexidade na voz baixa dele e mais alguma coisa que não conseguia identificar. —
A chuva parou. Vamos dar uma volta lá fora e ver por que esse passarinho está
cantando?
Ficou aliviada e confusa ao mesmo tempo. Teria se enganado, achando que ele
a desejava? Ou sera que ele tinha percebido que ela era muito jovem e muito
inexperiente? Nadine não conseguia parar de tremer.
— Quero sim. Até ela mesma ficou espantada com a tranqüilidade de sua
voz. Será que Lawrence sabia das emoções que estava provocando nela, fazendo-a
ate suar? Ele a soltou e Nadine inconscientemente apertou o roupão em torno do
corpo.
— Eu vou vestir minhas calças disse ela, virando-se em direção à casa.
— E melhor vestir um agasalho tambem disse ele, seguindo-a. — Você pole
usar um dos meus. Quer que eu acenda as luzes?
— Não, eu estou enxergando bem.
E era verdade. A luz das estrelas se refletia na escadaria, e ela podia ver os
degraus debaixo de seus pés descalcos. Seus jeans, pendurados no banheiro, ainda
estavam úmidos, e a roupa de baixo também. No entanto, tinha uma saia branca que
estava seca.
Lawrence entregou-lhe uma malha delã, grande e bem macia.
— E os seus sapatos?
— Ainda estão molhados. — Será que ele ia ficar lá parado enquanto se
trocasse? Bem, na verdade, estava escuro, mas... — Eu tenho uma sandália de
borracha.
— Você vai molhar os pés. A grama deve estar encharcada e cheia de barro.
Lawrence parecia determinado a ficar corn ela e Nadine não queria parecer puritana.
Enfiou a saia pelos pés, tirou o roupão e vestiu rapidamente a malha de lã.
— Você sempre se veste assim, apenas com o essencial? — perguntou
Lawrence.
— Às ve ze s.
De fato, Nadine raramente usava sutia, e, naquela noite, sentindo que estava sem
a roupa de baixo, tremeu de excitação. Calçando as sandálias de borracha, dirigiu-se
para a escada.
Lado a lado, atravessararn o campo prateado que ficava atrás da casa, pisando na
relva encharcada e sentindo as flores silvestres roçarem em seus joelhos. Nadine
enrolava os dedos dos pés com prazer na lama fria.
O canto do rouxinol ficou mais alto à medida que des se aproximavarn do
arvoredo. A cada nota, Nadine sentia-se como se estivesse subindo em direção ao céu
florentino, roçando os seios nas estrelas, vivendo uma paixão que jamais pensou que
pudesse existir na terra.
— Aqui esta o corrego disse Lawrence ao se aproximarem do corrego que
serpenteava o caminho do bosque.
Reflexos azuis prateados dançavam sobre as pedras. — Venha por aqui.
A mão quente e forte dele encontrou a de Nadine, e o toque pareceu
desmanchar o chão frio sob seus pés. O que estava acontecendo com ela?
— É aqui — disse ele, parando margem do corrego, num ponto em que era muito
estreito. Nadine quase atravessou direto.
— Não, espere — disse Lawrence, segurando-a. — Ponha um pé aqui e outro do
outro lado. Assim. — E enlaçou-a pela cintura. Os dois ficaram parados, com um pé
de cada lado do corrego, de frente para o bosque. — Agora, escute.
E ela ficou escutando. O rouxinol, talvez cansado, havia parado de cantar, e urn
cachorro que estivera latindo ao longe também havia se calado. Ela ficou escutando. O
único som que ouvia era o das batidas do coração de Lawrence, batendo com força
nas .suas costas, misturando-se ao som do riacho que, qual urea sinfonia prateada,
penetrava no bosque.
— O corrego? — sussurrou ela.
— Sim. Você consegue ouvir como ele entra por um ouvido e sai pelo outro?
É como uma meditação.
Fechou os olhos para ouvir melhor. E era verdade: a água entrava borbulhando
por um ouvido, atravessava os pensamentos, refrescando-os, esfriando-os, e então saia
pelo outro ouvido, flutuando pela noite adentro.
— É mesmo. — Ela não conseguiu achar outra coisa para dizer.
— Você está com frio
— Não, não estou.
— Mas esta toda. Arrepiada.
— Só um pouco.
Mas não era frio. A água corrente havia clareado seus pensamentos e ela tinha
entendido o que havia acontecido — tinha se apaixonado por Lawrence Stebbing.
Num acidente casual, ela havia encontrado o homem de sua vida. E esse
entendimento foi tão grande, tão impressionante, que Nadine se sentiu fraca.
Escorregando por entre as braços de Lawrence, sentou-se na margem do corrego e
colocou os pés na água fria, lavando a lama dos anos anteriores, das encarnações
anteriores, das eternidades que ela sabia que havia compartilhado com aquele
homem. Será que ele sentia a mesma coisa? Será que tambeém tinha aquela
consciência de que a vida dela lhe pertencia, e a dele a ela?
— Nadine — murmurou Lawrence, ajoelhando-se ao lado dela e colocando
as mãos em seus ombros. — Você sabe o que está fazendo comigo?
Ela esperou, sem se mexer, enquanto ele lhe beijava o pescoço. As mãos
dele desceram pela sua malha, até o ventre, e então entraram por dentro da roupa,
subindo delirantemente até seus seios. Nadine apenas gemeu.
— Vamos voltar — murmurou ele, depois de alguns segundos.
Inesperadamente, o rouxinol começou novamente a cantar.
Eles nem chegaram a entrar na casa. Na entrada do pátio, Nadine tirou as
sandálias e se deixou envolver pelos braços de Lawrence, que a puxou para o sofá.
Havia em torno dele um delicioso aroma de barro fresco e capim molhado. Seus
lábios, enganadoramente doces e suaves, apossaram-se dos dela, e ele passou
a mão pelas coxas de Nadine, chegando aos seus quadris. As mãos do artista, que ela
tanto admirava, usavam-na agora como tela para fazer suas criações. Acariciando-a
primeiramente com leveza e, em seguida, com paixão, ele desenhou linhas de fogo
sobre seu corpo.
Longos e deliciosos momentos depois, estava deitada no sofa, com
Lawrence olhando para ela a luz pálida da manhã.
Você é uma mulher extraordinária — murmurou, riscando suas pernas expostas
com os dedos, suspendendo-lhe a malha acima da cabeça e beijando-lhe os seios
Em seguida, com relutância, como se não agüentasse interromper o contato entre
eles, Lawrence se levantou e tirou a roupa.
A princípio, satisfez-se só em beijá-la, mas sua paixão logo aumentou e ele
buscou a intimidade total. Mesmo querendo-o, desejando-o, Nadine não pode
conter um pequeno grito de dor. Lawrence recuou, olhando para ela.
— Por que não me contou? perguntou, calmamente. — Eu, não fazia idéia.
Os olhos dela encheram-se de lágrimas, temendo que ele agora não a
quisesse mais, mas Lawrence beijou seus olhos marejados.
— Tentarei não machucá-a; mas, você tem certeza de que quer fazer isso?
Corajosamente, ela acenou com a cabeça e enxugou os olhos. Lawrence
deitou-se ao seu lado, acariciando-a com delicadeza, como se ela fosse uma flor
em botão.
Voce é tão macia e tem um cheiro tão gostoso murmurou, com o rosto
enterrado no cabelo de Nadine. — Esta gostando?
Ela concordou com apenas um movimento de cabeça, admirada diante das
sensações que os carinhos dele produziam em seu corpo. Mas ele não tinha ficado
satisfeito com o aceno de cabeça e, segurando-lhe o queixo, olhou em seus olhos.
Nadine não pode desviar o olhar.
— Está achando bom? — Insistiu. Então fechou a boca sobre os lábios dela,
sem esperar pela resposta.
Ela passou os braços pelo pescoço de Lawrence, e enfiou as mãos em seu
cabelo. Os lábios dele passaram a beijá- la na orelha e no pescoço.
— Isso é tão bom — sussurrou Nadine. Ela o queria, todo, como jamais quisera
nenhum outro homem. Suas mãos deslizaram para os quadris dele e Lawrence
gemeu de prazer.

— Você esta me deixando louco — exclamou, com a voz rouca.

Mas Nadine queria mais que os carinhos dele, e murmurou seu nome em tom
suplicante. O hálito daquele homem estava quente em seu pescoço, e então ele
soergueu o corpo, separou as pernas dela com o joelho, e Nadine ergueu os quadris
para encontrá-lo. A grandiosidade daquele momento fez com que ela se
esquecesse da dor. Agarrou os ombros de Lawrence, esquecida da ansiedade pela
sua inexperiência, já não mais preocupada em agradá-lo, mas sentindo-se perdida
na onda de extremo prazer que atravessava seu corpo.
— Oh, meu bem! — Lawrence estava tentando conter-se com dificuldade. Sua
boca estava enterrada nos seios dela.
As ondas ficaram maiores e mais fracas, passando pela corrente sangüinea de Nadine,
levando-a para o mundo do prazer. Aproximou-se do limite, sem saber o que viria a seguir.
Lawrence a trouxe de volta. Havia alguma coisa iminente, com a qual ela nem sonhava.
Aproximou-se novamente do limite, sentindo-se dominada pela força do desejo que se
apossara dela.
— Devagar, meu bem, devagar... disse Lawrence, acariciando-a,
Por um momento, ela esteve a ponto de atravessar aquela barreira e cair no
precipício do prazer infinito, mas, mais uma vez, Lawrence trouxe-a de volta para o
lado seguro.
— Por favor — gemeu Nadine. — Por favor, Lawrence...
O auto-controle dele também estava cedendo. Sua respiração ficou mais
acelerada e ele a apertou com mais força.
Nadine soltou mais um grito. Estava sendo empurrada para o precipício, e
sentiu-se como se sua alma estivesse explodindo e ela estivesse atravessando uma
luz dourada, ao mesmo tempo em que estremecia. Depois de algum tempo, parou de
cair e sentiu-se flutuar numa atmosfera celestial, respirando profundamente,
envolvida pelos braços fortes de Lawrence.
O sol surgiu sobre as montanhas distantes, arroxeadas. Nadine abriu os olhos e
viu as gotas de chuva espalhadas pelo campo, mais parecendo diamantes. Eles
tinham conversado muito, e agora estavam ambos em silêncio. Os olhos de Lawrence
estavam encantados diante do arrebatamento dela, e não era preciso, palavras para
compartilhar a maravilha daquele momento.
Capítulo Três

Os dias transformaram-se em semanas, e as semanas em meses. Quando o


outono chegou, Nadine continuava vivendo com Lawrence. Conversavam
incansavelmente, buscando sempre a compreensão para suas idéias até então
particulares e mal-entendidas. Continuavam profundamente apaixonados.
Nadine passou a ser o modelo de Lawrence, sua musa, sua inspiraçao. Ele se
deliciava com o entusiasmo dela, sua afeição por ele e seu desejo passional. Ela
tinha sido uma promessa em botão, e agora era uma for totalmente aberta, uma
mulher mergulhada em sonhos, planos e emoções.
O amor que Nadine sentia por Lawrence beirava a adoração. Tudo o que ele dizia,
fazia, gostava, para ela representava a perfeicão. O fato de ser famoso, rico,
talentoso e bonito era apenas um subproduto de sua natureza, objeto da paixão dela.
Gostava da risada dele, que the iluminava os olhos com um brilho verde, gostava do
poder de suas mãos, que criavam maravilhas nas telas e no corpo dela. Adorava
aquelas mãos, adorava a mente que as guiava, adorava a alma que as inspirava.
Quando Lawrence sugeriu que ela entrasse para a universidade no outono, para
fazer seu mestrado em historia da Atte, Nadine concordou de boa vontade com o
plano. Quando marcou para ela uma consulta com um ginecologista, para que lhe
dense um diafragma, ela foi sem discutir. E quando ele lhe disse, no inicio do seu
relacionamento, que não tinha interesse num compromisso formal, ela concordou
sinceramente que as coisas deveriam continuar como estavam, pois seu
relacionamento seria mais autêntico. No entanto, ela não analisou as diversas
implicações desta idéia que, numa base hipotética, parecia verdadeira.
Lawrence dizia que sua independência lhe era muito valiosa para perdê-la num
relacionamento. Nadine admirava essa independência e não previa que um dia essas
asserções entrariam em conflito direto com o grande amor que sentia por ele. Nadine não
se importava com a independência de Lawrence, nem com a dela própria. Estavam
juntos, terrivelmente felizes juntos, profundamente apaixonados. Ele nunca parou para
pensar no papel que a independência desempenhava num amor como o deles.
Viver com Lawrence passou a ser tão natural e necessário como respirar. Os
pais dela protestavam do outro lado do Atlântico, aborrecidos e magoados diante
de sua decisão de viver com um estranho num pais também estranho. Lawrence
animou-a a tentar fazê-los compreender as razões de sua atitude. O resultado
dessas conversas e cartas foi que seus pais concordaram em continuar a mandar-lhe
a mesada e pagar seus cursos, mas com tanta má vontade que Nadine sentiu-se
revoltada. Passou a falar com desprezo sobre a casa de subúrbio em que havia
crescido, em Connecticut, e mostrar tanta rejeição pelo seu passado que Lawrence
chegou a acreditar que a havia salvo de um mundo estagnado, com o qual ela não
tinha a menor ligação.
Assim sendo, quando Nadine começou a sentir saudades de casa e do carinho
dos pais, Lawrence ignorou essa reviravolta, que passava do desprezo para a nostalgia,
achando que ela também superaria aquela fase. Mas sua indiferença diante dos
sentimentos dela, apenas serviu para reforçá-los.
Com a aproximação do Natal, a saudade aumentou. Este sempre foi um dia muito
importante para sua família. Nadine tinha lembranças doces e profundamente
agradáveis das festas natalinas, em que se reunia com amigos e parentes, em
meio ao alvoroço e excitação naturais da ocasião. Quando tentou contar isso a
Lawrence, ele se mostrou desdenhoso. Na opinião dele, o Natal como festa religiosa
era apenas um pouco menos ridículo que o Natal como feriado materialista, e ele não
tinha a menor intenção de tomar parte de nenhum deles.
Foi a primeira briga séria que tiveram. À medida que os dias de dezembro foram
passando, Nadine foi ficando mais irritada, e Lawrence procurou ignorá-la. Ele sugeriu
que ela fosse passar o Natal com os pais, como eles tanto queriam, mas ela não
conseguia ficar longe dele nem por duas semanas. Queria passar o Natal com
Lawrence, mas ele se recusava terminantemente a comemorar a data. As discussões
aumentaram, e um não conseguia convencer o outro. A cada discussão, ficavam
mais distantes.
Passaram a brigar por coisas sem importância. Nadine se ofendia com as
menores coisas e, em resposta, Lawrence a deixava sozinha cada vez com maior
freqüência. As discussões transformaram-se em brigas, que terminavam com
Lawrence saindo de casa batendo a porta, e, quando voltava, recusava-se a dizer
onde estivera.
Depois de uma dessas brigas, em que Lawrence saiu furioso de casa, Nadine
também resolveu sair para dar uma volta e acalmar-se um pouco. Ela estava
caminhando por uma rua larga, quando viu Lawrence sentado num, café, com mesinhas
na calçada, com outra mulher. Naquele momento entendeu que todas as vezes que
Lawrence se ausentava de casa, provavelmente ficava com aquela bela loura, ou
outra mulher qualquer, enquanto ela ficava sentada, triste, esperando por ele.
Nadine olhou atentamente para a moça: era alegre, expansiva, e estava encostada
em Lawrence, roçando seu seio de maneira provocante na mão dele. Os olhos dela
brilhavam, suas faces estavam rosadas de felicidade e seus lábios carnudos e
sensuais estavam pintados de vermelho. Cheia de ciúme, Nadine continuou a olhar
para a moça, compreendendo que ela representava tudo que Nadine não estava sendo
nos últimos tempos.
Finalmente, quando o casal se levantou, Lawrence passou o braço pelos
ombros da moça, que passou o braço pela cintura dele. Ela era alta, deslumbrante,
madura. Mesmo estando do outro lado da rua, Nadine sentiu-se impressionada pela
presença dela.
Eles foram para o lado do rio Arno, na direção oposta da casa de Lawrence, e
Nadine não os seguiu. Voltou para casa, atordoada, solitária, sabendo que deveria
abandoná-lo mas a simples idéia a fazia estremecer. Ela tinha esquecido como
viver sem Lawrence.
Passou horas sentada na beirada da cama, com os braços cruzados sobre o
peito frio, esperando. Muito depois de ter escurecido, ouviu a porta bater.
Lawrence a encontrou no quarto, imóvel.
— Você está bem? — perguntou.
Ela não ia agüentar aquela falsidade. Sufocada pelas lágrimas que se
recusavam a correr, respondeu com tom acusador:
— Onde você esteve?
Ele foi pego de surpresa pelo tom rude dela.
— Eu não sou obrigado a lhe dizer.
— Não, não é. Mas eu vi você.
Ele levantou uma sobrancelha, com ar de indiferença.
— Quem era ela? — insistiu Nadine.
— O nome dela é Lily — respondeu com frieza, tirando o paletó com irritação.
— Eu me encontro com ela de vez em quando, já faz cinco anos. Ao contrário de
você, eu não abandono todos os meus objetivos a um simples sinal.
— Você está querendo dizer que Lily é um objetivo e o nosso amor é um
simples sinal? — Ela agora estava furiosa. Sua nuca e seus ombros estavam duros.
— Ela é uma amiga.
— Uma amiga! Ela não me pareceu uma amiga!
Ele se aproximou.
— Nadine — ele falou com delicadeza, mas firmemente, — nós já discutimos isso.
Nós não estamos presos um ao outro, e já concordamos sobre isso, lembra-se? Eu
não quero ter uma cena como esta todas as vezes que eu sair sozinho.
— Você não estava sozinho hoje!
— Você está se comportando como uma criança mimada. É por isso que eu
não quero me prender a ninguém. Não existem restrições em nosso
relacionamento, lembra-se? Você é livre para sair com quem bem entender, assim
como eu.
Nadine estava obstinada.
— Ter a liberdade de ir para a cama com quem eu bem entender não é a
mesma coisa que fazê-lo. Eu quero viver com a idéia de que ambos somos livres,
mas eu não posso aceitar o fato de que você venha a se aproveitar dessa
liberdade.
— Então você está sendo hipócrita.
— Eu não estou sendo hipócrita. — Havia desespero em sua voz. —
Quando a gente ama alguém, não quer mais ninguém.
Lawrence cruzou os braços e olhou para ela.
— Às vezes, fica difícil amar você.
Ela sentiu uma súbita contração no peito, o que tornou sua respiração difícil.
Levantou-se lentamente, incapaz de suportar as implicações do que ele acabara
de dizer.
— Eu não estou dizendo que não a amo, droga! — exclamou. — Eu a
amo, e você sabe disso. Estou apenas dizendo que às vezes você fica impossível
de se lidar, assim como eu também.
Ela sacudiu a cabeça, dizendo:
— Quando se ama alguém de verdade, não se sai com outra pessoa assim
que as coisas ficam difíceis. O amor implica em lealdade, compreensão e na
responsabilidade de tentar resolver os problemas. Você não quer assumir a
responsabilidade. Recusa-se a aceitar o fato de que o amor é mais do que apenas
sexo e diversão.
— Muito profundo. — Debruçou-se na mureta baixa, com as pernas esticadas
e os braços cruzados. — Eu diria que o amor também implica em confiança, o que
inclui não tirar conclusões precipitadas sobre as amizades do outro.
Ela sentiu-se terrivelmente longe dele; ele não entendia aquele ciúme horrível
que a impedia totalmente de raciocinar com lógica. Sua voz estava trêmula.
— Você pode ser sarcástico, se quiser, mas fique sabendo que há algumas
coisas que eu sei melhor que você. Pode ser talentoso, rico e famoso, mas não
entende nada de amor se abandona com tanta facilidade a mulher que você diz
amar tanto.

— Melodrama não lhe fica bem, querida. Você me condenou sem me ouvir, está
sofrendo sem razão, e culmina dizendo que eu não sei o que é o amor.
— E não sabe mesmo.
Ele se levantou bruscamente, mostrando-se aborrecido.
— Eu vou lhe mostrar o que é o amor, sua pirralha que pensa ser dona da
verdade. — E começou a desabotoar a camisa.
Quando viu surgir os pêlos escuros no peito dele, Nadine sentiu um enjôo de
estômago, pensando nas unhas vermelhas de Lily passando por eles, brincando
com eles, provocando Lawrence. Ela queria que suas pernas a levassem até a
escada.
Ele a segurou com uma das mãos, e com a outra continuou a desabotoar a
camisa.

— Onde vai?
Usando toda sua força, soltou-se dele e segurou o pulso machucado.
— Eu queria fazer com que você entendesse, mas não consigo. — "Por que
está sendo tão difícil respirar?", pensou Nadine. — Você não quer entender. — Olhou
para os lábios que Lily tinha beijado e baixou o olhar. — Só de pensar em dormir com
você hoje me dá enjôo.
Então virou-se e desceu a escada correndo, indo refugiar-se junto ao
riacho, onde ele só a encontrou horas depois, trazendo-a de volta para o quarto e
acariciando-a até que pegasse no sono.
Depois daquela noite, as coisas entre eles pioraram bastante, sendo que a última
gota ocorreu na noite de Natal.
Nadine resolveu fazer uma ceia de Natal, achando que Lawrence iria ficar
emocionado com a surpresa, e saiu para comprar o champanhe e tudo mais que fosse
necessário. Quando voltou, ele tinha saído, mas seu otimismo a convenceu de que ele
provavelmente também estaria lhe preparando uma surpresa.
Depois que tudo estava pronto, ela arrumou a mesa, acendeu a lareira e as velas.
Sentou-se para esperar por Lawreme. Estava usando uma malha vermelha de
cachemira, calças pretas e um colar de coral que ele lhe havia dado de presente há um
mês.
As horas foram se passando, e nada de ele aparecer. O peru passou do ponto,
as velas se extinguiram, e Nadine continuava esperando. Sua impaciência
transformou-se em irritação, a irritação em ciúme, e o ciúme em fúria cega. Ela estava
uma fera quando Lawrence finalmente chegou, bem depois da meia-noite — e
acompanhado de Lily. Ambos estavam embriagados e riam histericamente, tentando
fazer com que Nadine participasse das brincadeiras. Mas ela apenas respondeu com
frieza e se refugiou, pela última vez, junto ao riacho, voltando para casa só depois de
ouvir o carro sair.
Quando voltou, ele tentou falar com ela no pátio, mas Nadine não lhe deu a menor
atenção, subindo diretamente para o quarto, onde começou a fazer as malas.
Lawrence a seguiu.
— Você vai embora?
Ela nem se deu o trabalho de responder, enchendo sua mochila com seus parcos
pertences, deixando tudo que havia comprado em Florença e o que ele havia lhe dado.
Só esqueceu de tirar o colar de coral do pescoço.
 Nadine. — Ele se aproximou dela, mas não ousou tocá-la ao ver sua
expressão. — Nunca mais vou fazer isso. Amanhã, comemoraremos o Natal à nossa
maneira. Só nós dois.
Ela colocou a mochila nos ombros e passou por ele, em direção à porta. O
que ela sentia era uma mistura de fúria e tristeza.
— Desculpe-me — repetiu ele. — Não pensei que iria magoá-la tanto. —
Colocou-se diante da porta e estendeu os braços. Ela olhou diretamente nos
olhos dele.
— Jamais o perdoarei. — E passou por ele. Quando entrou no carro,
ele também entrou pela outra porta.
— Nadine, são duas horas da madrugada do Natal. Pelo amor de Deus,
vamos conversar. A esta hora não há nenhum trem para Roma. Vamos fazer uma
reserva para próximo vôo e agir como adultos.
— Eu já lhe dei todas as chances do mundo para resolver isso conversando, e
agora é tarde demais. — Ela deu a partida e engatou a marcha, colocando o carro
em movimento.
Fizeram a viagem em absoluto silêncio, e, ao chegarem à estação, Nadine
desceu com sua mochila e dirigiu-se ao guichê de passagens, sem se preocupar se
Lawrence a seguia. Mas quando ela foi falar com o bilheteiro, ele já estava ao seu
lado.
— Sinto muito, mas só às seis da manhã — informou homem, com ar
cansado.
Ignorando Lawrence, sentou-se numa cadeira de plástico na sala de espera
enfumaçada.
— Você não pode ir embora assim, Nadine. Depois de tudo o que houve
entre nós...
Ela cerrou os punhos, nervosamente.
— Você saiu assim todas as vezes em que tivemos uma discussão. Sem
explicações e sem desculpas; batia a porta e ia embora. Agora é a minha vez.
— Mas eu voltava.
— Aí é que está a diferença.
Ela segurou o estômago, sentindo um forte enjôo. Como podia deixá-lo
daquela maneira? Para ela, Lawrence era mais importante que o ar que respirava.
Não podia viver sem ele.
— Por favor, vá embora, Lawrence — disse, sem pensar. Sentiu a vista
escurecer e apertou com mais força o estômago, fechando os olhos. — Eu não
agüento se você ficar.
— Venha comigo.
— Não. — Achou que ia vomitar. Lutou contra o enjôo e levantou-se
lentamente. — Onde é o banheiro? — sussurrou.
Ele a acompanhou, amparando-a, assustado por vê-la passando mal.
Permaneceu por muito tempo dentro do banheiro, e, quando saiu, Lawrence já estava
pedindo a uma moça que fosse vê-la.
— Você não está nada bem. O que você tem?
Ela continuava segurando o estômago e tremendo.
— Por favor, vá embora. Eu não vou agüentar passar mais três horas aqui
com você.
— Eu só vou embora quando você estiver naquele trem ou no meu carro.
— Por favor, Lawrence.
Voltaram para as cadeiras cinzentas da sala de espera.
— Você vomitou? — Ele estava preocupado.
— Sim. — Ela começou a chorar, escondendo o rosto nas mãos. — É você
que me deixa assim! Vá embora, eu quero ficar sozinha.
Mas durante três horas Lawrence ficou sentado ao lado dela, em silêncio,
fumando. Nadine tirou as mãos do rosto e continuou a segurar o estômago. Ela
sentia um enjôo violento. Só quando o trem foi anunciado é que ele falou:
— Nós não podemos terminar assim, Nadine. Não podemos! Olhe para mim.
Só um pouquinho.
Mas ela não podia olhar para ele. Alguma coisa crescia em seu peito,
apertando-o, tirando-lhe o ar dos pulmões e o amor do coração. Com passos
trôpegos, dirigiu-se para o trem, e, quando já ia subir, ele a segurou, abraçando-a
carinhosamente. O corpo de Nadine estremeceu com soluços convulsivos.
A partida do trem foi anunciada mais urna vez e ela desvencilhou-se dos braços
de Lawrence, enxugando os olhos com as costas da mão. E pela última vez antes
de entrar no trem, olhou nos olhos dele.
Lawrence olhava para Nadine, sem vê-la. Percebendo que estava escapando
dele, voltou-se transtornado e saiu da estação.
Sentindo os olhos arderem, Nadine acabou de subir os degraus e entrou no
trem.
Capítulo Quatro

— Buona sera, signorina. Chegou uma visita. É o senhor Stebbing.


— Obrigada. Descerei em seguida.
Depois de colocar o telefone de volta no gancho, Nadine olhou com relutância
e apreensão para sua imagem no espelho atrás da porta. Ele é apenas um homem
que eu conheci, disse a si mesma. Não é o único homem que amei na vida; não
é o pai do meu filho. É rico, famoso, talentoso, casado, e eu vou me encontrar com
ele para tratar de negócios. Para que ficar tão nervosa?
Seu rosto oval estava muito sério e pálido e as mãos apertadas sobre o
peito. Ela estava usando uma blusa cinza prateada, aberta na gola, uma saia de linha
branca e sandálias. Só faltava o colar de coral vermelho escuro que Lawrence
havia lhe comprado quatro anos atrás. Ele daria o toque de cor necessário para
aquela roupa, mas ela não o trouxera de propósito, e assim colocou um outro
colar de contas rosadas.
O cabelo castanho, repartido do lado, caia numa onda sobre o rosto,
encobrindo parcialmente seus olhos apreensivos. Puxou-o para trás, tentando
prendê-lo num rabo-de-cavalo. "Não, estou apenas procurando ganhar tempo",
disse a si mesma. "Desça e aja como se vocês jamais tivessem se conhecido.
Você consegue."
Quando as portas do elevador se abriram e ela entrou no saguão, passou os
olhos pela multidão que lá se encontrava, procurando-o. Por um momento, receou
não poder mais reconhecê-lo depois de quatro anos, mas, quando colocou os olhos
nele, não teve a menor dúvida.
Lawrence estava de costas, com os braços cruzados, olhando pela janela,
na direção do rio Arno. Para Nadine, a figura dele era inconfundível. Naquele
instante, percebeu que poderia identificá-lo numa multidão de milhares de pessoas a
um quilômetro de distância. Era como se a aura dele atravessasse o saguão ate o
ponto em que Nadine estava.
Como se sentisse estar sendo observado, Lawrence voltou-se na direção
dela. Seus olhos se encontraram e nenhum dos dois se mexeu. Durante um longo
momento, Nadine ficou como que hipnotizada por aquele olhar que conhecia tão
bem, e então seus joelhos começaram a tremer. O que aconteceu com todas as
advertências que tinha feito a si mesma? Ele era apenas um velho amigo, e
casado, além de tudo. Respirando fundo, encaminhou-se em sua direção.
Como que atraido por um ímã, Lawrence veio na direção dela ao mesmo
tempo, e, quando estavam a meio metro de distância, pararam. O ar estava
carregado de eletricidade, e Nadine sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo.
— Oi, Lawrence .
Assim dizendo, estendeu a mão, que Lawrence apertou.
— Oi, Nadine.
Agora, que estava mais perto, viu como ele tinha mudado. Não eram apenas
as rugas em torno dos olhos e da boca, mas uma expressão de pesar e tristeza. Mas
seus olhos verdes continuavam meigos, embora um pouco inseguros, e foi isso
que deu a Nadine coragem para falar.
— Vamos indo. Isso aqui esta ficando coda vez mais cheio, nao é mesmo?
Acho que deve ser um congresso.
Encaminhando-se para a porta giratória, ela não sabia se estava aliviada ou
irritada por descobrir que Lawrence não tinha perdido nern um pouco do seu charme.
Mas logo deixou a questão de lado: quem tinha de se preocupar com aquele charme
era a mulher dele.
— Meu carro esta ali — disse ele, atravessando a rua estreita, dirigindo-se para o
Fiat branco estacionado do outro lado da rua.
— Ainda é o mesmo? — A voz dela parecia normal.
— Claro.
Entraram no carro, e Nadine percebeu que ate o cheiro continuava o
rnesmo uma mistura de gasolina com a loção após barba de Lawrence —,
trazendo-lhe lembranças do amor intenso que tinharn vivido.
Colocando a chave na ignição, ele a olhou nos olhos, dizendo:
— Temos muito que conversar.
Pela expressão dele, Nadine sabia que não estava se referindo a exposição, e
segurou a bolsa com as duas mãos, sentindo-se confusa.
— Não, por favor. Como eu já lhe disse no telefone, o fato de nós nos
conhecermos não passa de uma simples coincidência. Vamos falar apenas da
exposição.
Uma expressão de irritação e mágoa passou pelo rosto de Lawrence, que
então respondeu com a mesma frieza:
— Como quiser.
O carro saiu e Nadine ficou olhando pela janela, sentindo-se indecisa. Ele
tinha razão, é claro. Como é que podiam falar diretamente de negócios se aquela era
a primeira vez que se viam depois daquela fatídica noite de Natal? Lawrence tinha
tentado se desculpar por carta, e agora era sua vez. Ela engoliu seco.
— Mas preciso lhe dizer uma coisa — disse Nadine, rapidamente. — Aquela
carta que escrevi em resposta à sua foi horrivel. Eu lhe agradeço pela que me
escreveu. Ajudou muito, embora eu não reconhecesse na ocasião.
— Realmente, você não reconheceu.
Fizeram o resto do trajeto em silêncio. Nadine ia pensando em Lily, a mulher de
Lawrence, tentando imaginar como seria recebida por ela e como reagiria. Tentou
convencer a si mesma de que faria o possivel para ser simpática, pois já era tarde
demais para mostrar ressentimentos.
Ele estacionou o carro diante de sua casa, e Nadine seguiu através do
jardim, que tanto conhecia. Chegando à porta da frente, Lawrence a abriu para que
Nadine passasse.
Ela esperava encontrar algumas modificações na casa provocadas pela
presença de Lily, e foi grande o seu espanto ao ver que a sala continuava
exatamente igual a última vez em que a viu. O piso era a mesmo, os móveis eram
os mesmos, apenas alguns quadros haviam sido substituidos por outros mais
recentes.
— Toma alguma coisa? — ofereceu Lawrence, enquanto ela colocava a
balsa numa cadeira perto da porta.
— Aceito, obrigada.
— Uisque? Vinho? Cerveja?
— Uisque com gelo.
Ele foi para a cozinha e Nadine foi até o pátio. O sol tinha acabado de se pôr e o
céu estava arroxeado, com uma faixa amarela no horizonte. Uma fina nevoa se
espalhava sabre o campo à sua frente. Os ouvidos sensíveis de Nadine captavam o
som do capim sendo agitado pela brisa. Todos os seus sentidos estavam aguçados
naquele fim de tarde, e ela se sentia como um animal selvagem sempre alerta,
procurando um sinal de perigo.
Por um momento, achou que não conseguiria agüentar passar por aquilo, jantar
naquela casa que ela outrora considerava seu lar, conversar com o homem a quem
entregara seu coração e tentar ser educada com a mulher que ele escolhera para
casar. Engoliu seco, determinada a ser forte e prosseguir com o que tinha de ser feito.
Ele não saberia de nada, ele não podia saber de nada...
— Aqui está. — Lawrence the entregou o copo corn uisque. — Sente-se.
— Obrigada — respondeu automaticamente, sentando-se na poltrona mais próxima.
— A sua... Lily está em casa?
Lawrence sentou-se na outra poltrona, esticou suas longas pernas e ficou
girando o gelo dentro do seu copo.
— Lily?
— Sim.
— Nos nos divorciamos há dois anos atrás, Nadine. O que a levou a pensar
que eu ainda estivesse casado?
Sentindo-se confusa, ela corou e hesitou antes de responder:
— Acho que a notícia de seu divórcio nunca chegou a Nova Iorque. — E então
mudou rapidamente de assunto. — Já voltou para lá alguma vez?
— Não. Conte-me como estão as coisas por lá.
— A mesma coisa de sempre. Nada muda. — E só então percebeu o
segundo sentido do que acabara de dizer; não queria que ele pensasse que os
sentimentos dela não tivessem mudado. Eles mudaram, e de maneira irreversível.
Levantou-se abruptamente e desceu os três degraus que davam para o jardim,
sentando-se no último e abraçando os joelhos. Por que a notícia do divórcio de
Lawrence afetara-a daquela forma? Bem, casado ou não, ele continuava o mesmo
bruto egoísta.
Ele se aproximou, sem a menor brutalidade, e suas palavras demonstravam
compreensão:
— Você deve estar achando estranho voltar aqui.
— Estou, sim.
— O que acha de eu preparar alguma coisa para comermos? Estou morrendo
de forme. Assim, você poderá ficar sozinha por algum tempo, se quiser. Se não quiser,
venha para a cozinha me distrair — disse sorrindo. Quando Nadine levantou os
olhos, ficou mais uma vez espantada, mas desta vez com a simpatia dele. Tinha até se
esquecido dessa faceta de Lawrence. Ele foi para a cozinha e ela ficou olhando para o
campo.
Se, pelo menos, aquele homem não fosse tão atraente e gentil... Lawrence
sabia ser muito charmoso quando queria, mas, quando não queria, era cruel e egoísta.
Ela não podia esquecer desta outra faceta também.
Decidiu ir até a cozinha, para que ele não pensasse que o encontro a estivesse
deixando perturbada.
— Precisa de ajuda
— Eu só quero que você se sente e converse comigo. Fale-me das galerias de arte
de Nova Iorque. São interessantes?
Enquanto ele preparava um delicioso peixe e uma salada colorida, Nadine ficou
falando sobre o cenário de artes plasticas em Nova Iorque, que Lawrence tinha
abandonado há muitos anos atrás. Ocasionalmente, surgiam perguntas sobre sua
vida pessoal, mas ela logo voltava para temas impessoais, achando que ele não
tinha o direito de meter-se em sua vida particular.
Quando a comida ficou pronta, levaram tudo para o pátio, onde Lawrence abriu
uma garrafa de vinho, e jantaram a luz de velas. O anoitecer estava lindo, a comida
deliciosa, e Nadine estava feliz não tanto por estar novamente em Fiesole, mas sim
por estar com Lawrence.
Ele estava com ótimo humor, e conversou sobre diversos assuntos,
demorando-se naqueles que mais agradavarn a Nadine. Elogiou-a, dizendo-lhe que
ainda gostava dela, ainda que fosse como amiga. Ela não pode deixar de ficar
emocionada, e no final do jantar estava tão à vontade que tirou as sandálias e
sentou-se na poltrona, levando consigo sua taça de vinho. Virou mais uma vez a
conversa para a Galeria Mills.
— Everett Mills me contou que vocês se conheceram. Disse que assistiu a uma
exposição sua no ano passado em Florenca. O que achou dele?
— Para dizer a verdade, não me lembro muito bem dele. Só me lembro que me
fez uma rápida visita no meu estúdio, mas nos não conversamos muito. Disse que
voltaria a entrar em contato comigo para expor as minhas obras.
— Ele sabe que nos já nos conheciamos. Foi voce quem lhe contou?
— Eu não tinha a menor idéia de que você tivesse qualquer ligação com ele —
disse Lawrence, mostrando-se surpreso. — Tenho certeza de que não falei
sobre você.
— Entao, não sei como foi que descobriu. Ele é muito astucioso para
descobrir informações deste tipo.
Lawrence voltou-se rapidamente, com um olhar muito sério.
— Ele é uma pessoa difícil de se trabalhar?
Nadine corou. Não era uma atitude profissional ficar discutindo sobre seu
patrão com o artista cujas obras ele iria expor.
— Oh, não! Eu quis dizer que Mills é muito esperto, essa palavra é
melhor. Lawrence não pareceu ficar convencido, e ela emendou rapidamente:
— Ele me falou de um quadro seu que fazia questão que fosse incluído na mostra.
Disse que era sua melhor obra e que você também achava isso. Espero poder
vê-la.
Lawrence tomou uma atitude de cautela.
— Qual é o nome do quadro?
— Madrugada toscana. Espero que você ainda não o tenha vendido. Everett
faz questão absoluta que ele seja incluído na mostra.
— N ã o, eu ai n d a n ã o o ve n d i .
— Posso vê-lo? — Ela estava estranhando o tom tenso de Lawrence.
— Se quiser...
Subiram até o estúdio, em cima do quarto de Lawrence, e ele acendeu a
luminária que ficava sobre a mesa, enchendo o ambiente com uma luz
amarelada. Nadine começou a examinar os quadros encostados na parede
do fundo, e constatou que ele tinha aprimorado mais ainda sua arte.

— Ah, aqui está — disse Lawrence, encontrando o quadro e levando-o


para perto de Nadine. Mas só o mostrou quando chegou bem perto da luz.
Parecia preocupado.
Nadine ficou boquiaberta Estava olhando para si mesma — nua, deitada na
cama larga de Lawrence, uma réstia de luz do sol incidindo sobre seus seios e
ventre, um lençol branco meio enrolado em torno das pernas, e seus olhos
voltados para fora da tela, com uma inconfundível expressão sensual de desejo
saciado.
Durante um longo momento, o estúdio ficou em profundo silêncio. Nadine
não conseguia tirar os olhos do quadro. E então, inconscientemente,
começou a soluçar. Lawrence largou o quadro e aproximou-se dela.
— Nadine.
Ela recuou, escondendo o rosto nas mãos e apoiando-se no peitoril da janela.
Como tinha amado aquele homem! Não estava pensando nas vezes em que ele a
deixou, nas vezes em que a traiu; ela só conseguia se lembrar de quando lhe
acariciava o corpo, murmurando palavras de carinho, das horas em que fizeram
amor, ou apenas ficavam juntos. Por algum tempo, esqueceu-se de onde estava e
apenas lamentou o amor perdido.
Depois de algum tempo, percebeu que ele a havia deixado sozinha no estúdio,
e ficou imaginando se sua reação o havia irritado. Mas, mesmo assim, não
conseguia parar de soluçar. Por causa dele, teve de assumir sozinha o nascimento
e a criação de Jamie; por causa dele, brigou com seus pais; e Lawrence se casou
com outra mulher depois de dizer que não queria assumir nenhum compromisso. Em
resumo, ele partiu seu coração.
Através das lágrimas, viu que Lawrence tinha voltado e estava colocando um
copo em sua mão, impedindo-a de fugir. Ele a abraçou, tentando acalmá-la.
— Está tudo bem. Está tudo bem.
— Eu preciso ir embora. Por favor, deixe-me ir.
Mas ele não deixou. Com muita ternura, massageou-lhe a nuca e as costas,
até os soluços e o tremor pararem. Então abraçou-a, e seus corpos ficaram
colados. A sensação, que a principio era de conforto, passou a ser de desejo.
Segurando-lhe o queixo, Lawrence levantou-lhe o rosto.
— Nadine. Tão linda...
Então seus lábios tocaram os dela levemente, como se temesse que ela
pudesse fugir de seus braços. Mas Nadine os agarrou e soltou um gemido. Uma
chama se acendeu nos olhos de Lawrence, que segurou o rosto dela entre as mãos
e a beijou novamente.
Suas línguas se encontraram, a princípio apreensivamente, numa ansiedade
quase infantil de que algo pudesse ter mudado desde sua separação. Mas a única
coisa de diferente foi o gosto daquele primeiro beijo: estava salgado pelas lágrimas.
As mãos de Nadine subiram para os ombros dele e em seguida para a nuca,
puxando-o para mais perto. Toda a amargura que sentia dissipou-se. Sentiu-se invadida
pelo desejo. Sim, apesar de tudo, depois de todo aquele tempo, ela o desejava.
Como o desejava!
— Querida, que saudade eu senti de você... — A voz, dele estava rouca.
Ela desabotoou a camisa de Lawrence e encostou o rosto naquele peito
bronzeado, ouvindo seu coração bater acelerado. Então, procurou abrir seu cinto;
ele gemeu e procurou mais uma vez os lábios dela. Enquanto sua língua penetrava
na boca de Nadine, ele lhe tirou a blusa de seda, deixando-a apenas de sutiã e
saia.
Em seguida, Lawrence a levou até o sofá, deitando-a e se ajoelhando ao seu
lado. Então, tirou-lhe a saia e ficou olhando embevecido as curvas de seu corpo.
Nadine fechou os olhos e sentiu que ele lhe tirava a roupa de baixo e subia com a mão
pelas suas pernas, murmurando:
— Querida, que saudade...
Ela nem queria pensar no que estava acontecendo. Há quatro anos que não
sentia essas carícias, e estava ansiosa por elas. Envolveu-o em seus braços.
— Meu bem, olhe para mim — pediu ele, beijando-lhe as pálpebras.
Mas Nadine não conseguia.
— Você é uma mulher maravilhosa — disse ele, com a voz rouca, descendo
seu corpo sobre o dela. Nadine o agarrou pelos ombros.
— Já faz tanto tempo! — Ela estava ofegante. — Eu preciso tanto de você...
— Eu sei, amor. Eu sei.
O ritmo do amor deles foi aumentando e Nadine enterrou as unhas nas costas
de Lawrence. "Que poder tem este homem, que me afeta tanto?", pensou, por um
breve momento, antes de ser levada ao auge do arrebatamento.
— Po r fa vor .. .
— Querida...
Ambos explodiram ao mesmo tempo, num estremecimento crescente. Nadine
agarrou-se a ele e gritou seu nome em voz alta.
Ainda ofegante, abriu os olhos e olhou para Lawrence, que estava com os
olhos fechados, acariciando-lhe os cabelos. Então, ele abriu os olhos e os dois ficaram
se olhando em silêncio por um longo tempo, até que ele decidiu sair de cima dela.
— Nós adiamos isso por muito tempo — disse Lawrence, levantando-a um
pouco para que ela pudesse reclinar a cabeça em seu ombro.
— Não diga isso. Esta noite nós... eu perdi o controle, foi só isso. Não foi
nada sério.
O corpo dele enrijeceu e ela percebeu que o momento sagrado da comunhão
tinha se desintegrado com suas palavras.
— Este é um ponto a discutir — respondeu ele. Nadine percebeu que ele estava
se esforçando para controlar suas emoções. — Mas não quero fazer isso agora.
Vamos descer, está bem? Nós ainda não terminamos o vinho e ainda temos muita
coisa para conversar.
Assim dizendo, levantou-se e ajudou Nadine a se vestir, fazendo o mesmo em
seguida. Nadine ficou surpresa ao ver como o corpo dele não tinha se modificado
naqueles quatro anos. Teria Lawrence notado as modificações em seu corpo? Teria
notado como o ventre dela tinha ficado mais arredondado e os seios mais maduros e
suaves? O importante era que ele não soubesse do motivo daquelas transformações.
De volta ao pátio, Lawrence encheu novamente as taças de vinho e puxou sua
poltrona para mais perto de Nadine.
— Conte-me tudo o que aconteceu depois que você partiu — pediu
Lawrence,
chegando mais perto dela, mas sem tocá-la.
— Eu voltei para Nova Iorque. Você sabe disso.
— Eu sei, mas eu quero saber o que aconteceu com você. Foi difícil arranjar
emprego? O emprego era bom? Foi bom rever seus pais? Apaixonou-se por
alguém?
Ela deu um meio sorriso.
— Vou responder pela ordem. Sim, foi difícil arranjar emprego, mas arranjei,
— Difícil mesmo, uma vez que estava grávida na ocasião. — Sim, era bom. — Aí,
hesitou. — Sim, foi bom rever meus pais. — Afinal, não chegava a ser uma mentira,
pois quando ela chegou, eles ficaram, radiantes de alegria. Só quando souberam que
estava grávida é que não quiseram mais vê-la. — E, não, eu não me apaixonei por
ninguém, não estou amando ninguém.
Nadine notou que uma sombra passou pelo rosto de Lawrence. Não era
possível que ele pudesse ser tão egoísta a ponto de imaginar que ela o continuasse
amando depois de tudo o que tinha feito, Sentindo-se irritada, levantou-se e apoiou
os braços no muro, dando-lhe as costas. De repente, sentiu uma grande saudade
de Jamie.

— Na d i n e .
— O que é? — Ela não se virou.
— Até agora, só eu fiz perguntas. Você não vai me perguntar nada?
Ela engoliu seco.
— Não há nada que eu queira saber.
— Mas há uma coisa que eu quero que você saiba. Lily. Ele ia falar de Lily.
Ela se virou bruscamente.
— Por favor, não me conte nada.
Continuou sentado na poltrona, com as pernas esticadas e os olhos
inquisidores pregados nos dela, iguais aos de Jamie quando queria contar-lhe
alguma coisa e ter a certeza de sua total atenção. Mas ela se recusava a dar-lhe essa
atenção, e ficou com os olhos abaixados, olhando para o copo sem sequer vê-lo.
Lawrence aproximou-se dela.
— Precisamos conversar sobre isso — disse calmamente. — Você tem de
saber porque eu me casei com Lily apesar de sempre dizer que não queria prender-me
a nenhum compromisso.
Nadine levantou os olhos, ouvindo o que ele dizia. Por que queria enterrar mais ainda
aquele espinho em seu coração? Ou será que o removeria milagrosamente? Ele
continuou:
— Lily disse-me que estava grávida. Você sabe, ela é italiana, de família
católica, e assim sendo não poderia fazer um aborto e nem ter um filho solteira sem
cair nas desgraças da sociedade. Sua única saída era que eu me casasse com ela. Foi
uma decisão muito difícil para mim, pois eu prezo minha liberdade e independência
tanto quanto minha honra e meu senso de responsabilidade. A honra e a
responsabilidade venceram, e você sabe por quê, Nadine? Por sua causa. De tanto
você falar, alguma coisa acabou ficando, e foi com você que eu aprendi a assumir as
minhas responsabilidades. Foi por isso que eu casei com Lily.
— Por favor, não diga mais nada. Eu não quero saber dos seus motivos
para se casar com Lily.
Lawrence ficou nervoso com a resposta de Nadine e entrou em casa. O
espinho não tinha sido arrancado, mas também não tinha sido enterrado mais fundo,
pensou ela. Nada havia mudado. Mas Jamie tinha um meio-irmão ou meia-irmã em
algum lugar do planeta. A idéia deixou-a ainda mais triste, pois provavelmente
Lawrence ficaria indiferente à existência de Jamie já que tinha um filho legitimo. Isso
deveria deixá-la aliviada, mas ficou arrasada. Sentiu-se totalmente só no universo.
Na verdade, tinha Jamie, mas ele estava tão longe!
Ao ouvir Lawrence voltar, sentiu-se mais aliviada. Era preferível ouvir falar de Lily
do que ficar sozinha. Sorriu para ele, e os dois falaram ao mesmo tempo:
— Desculpe-me...
— Desculpe-me...
E então riram nervosamente.
— Quer um conhaque? — ofereceu Lawrence, colocando dois cálices e a
garrafa de conhaque sobre a mesinha.
Ela deu uma olhada no relógio. Ao ver seu gesto, Lawrence comentou sorrindo:
— Eu não vou falar de nada que você não queira ouvir. Não vá embora ainda.
Não é nem meia-noite.
Nadine voltou para a poltrona e riu, dizendo:
— Meia-noite! Em Nova Iorque, às dez eu já estou na cama. Eu tinha me
esquecido de como você dormia tarde.
Tomando um gole do conhaque que ele lhe ofereceu, Nadine sentiu uma onda de
calor invadir seu corpo, evaporando a tristeza que sentira momentos atrás.
— Você dorme cedo mesmo? — perguntou ele.
— Não há razão para não dormir. Afinal, eu tenho de me levantar às seis e
meia...
— Seis e meia! Que loucura! Eu nunca consegui sair da cama antes do
meio-dia.
— Eu sei. — É claro que ela se lembrava, pois naqueles tempos, ficavam até a
madrugada fazendo amor, conversando e fazendo amor de novo.
— Mas por que você tem de se levantar tão cedo? Você só começa a trabalhar
na galeria às dez, não é?
— É, mas é que... — Ela ficou atrapalhada, percebendo que quase tinha
revelado o fato de que tinha de deixar Jamie na escola às oito e vinte. — Eu tenho
muita coisa para fazer de manhã — explicou, evitando o olhar dele.

— Você mora sozinha?


Ela o olhou, assustada.
— Como assim?
— Você mora com alguma amiga?
— Não. — Seu filho não era bem uma amiga.
— Um namorado?
— Não.
— Por que não? — perguntou, franzindo a testa.
— Isso o surpreende?
— Muito. Você é uma pessoa que nasceu para se dar, e eu não consigo
imaginá-la sem alguém para receber.
Era uma bobagem ficar emocionada com aquelas palavras casuais, mas ela ficou.
Tomou mais um gole de conhaque.
— Eu me dou ao meu trabalho e aos meus amigos. E realmente não estou
interessada em ter um relacionamento mais sério com ninguém.
— Anda ocupada demais?
— O motivo não é bem este. É que eu não quero me envolver num... —
Hesitou por um momento. — Num caso incerto mais uma vez. Eu iria querer um
compromisso total, pois preciso de segurança.

— Como você mudou!


— É. Aliás, talvez eu nem tenha mudado; talvez eu sempre tivesse sido assim
e não soubesse. Você foi tão eloqüente nos seus argumentos de amor livre que eu me
deixei convencer por algum tempo. Mas depois percebi que não acreditava numa
relação sem compromisso.
— E se você se apaixonasse de novo? Será que o amor lhe daria segurança?
— Oh, não. — Ela olhou rapidamente para ele e baixou os olhos para o cálice
novamente. — Acho que é exatamente o contrário, a julgar pela minha experiência.
— Você quer dizer que se um homem a pedisse em casamento e você não o
amasse, ainda assim se casaria?
— Se eu simpatizasse com ele...
— E se você amasse um sujeito que não quisesse-se casar com você,
concordaria em ter um caso com ele?
Ela concordou com um aceno de cabeça, dizendo:
— É por isso que esta noite foi um... — Ela hesitou.
— Sim, eu entendo. — E, então, sua voz ficou gentil. — Bem, afinal, todos nós
aprendemos com nossos erros, não é verdade? Meu casamento com Lily foi tão
desastroso e o divórcio tão agradável, que eu jurei nunca mais me casar. Cheguei à
conclusão de que meus instintos iniciais estavam certos. Amor livre e casos passionais
são bem mais gratificantes.
— Perfeito — disse ela, sorrindo. — Cada um de nós está bem protegido do
outro.
Sentindo-se meio alta, Nadine serviu mais uma dose de conhaque para os
dois. Ela sabia que já estava na hora de ir embora, mas não queria. Ainda não.
— Onde está... seu filho? — perguntou, enrolando as pernas embaixo do
corpo.
Ele olhou para ela, espantado.
— O quê?
— Você disse que se casou com Lily porque ela estava grávida.
— Ah! Você não me deixou terminar. Não havia filho nenhum. Lily não estava
grávida. Mentiu para forçar-me a casar com ela.
— Oh, não! — Nadine sentiu pena dele. Não era à toa que ele era tão cínico no
que dizia respeito ao casamento.
— Essa história toda mudou meu conceito de casamento e família. Chega a ser
engraçado, porque, quando Lily me disse que estava grávida, eu fiquei feliz com a
idéia de ser pai, mas agora detesto.
Nadine ficou chocada. Que coisa horrível de se dizer, pensou, lembrando-se de
seu filho, sem pai, em Nova Iorque. Colocou o cálice na mesa.
— Eu disse algo de errado?
— Nada que você já não tivesse dito antes. — Ela se levantou e entrou em
casa. Já havia sentido tantas emoções diferentes naquela noite, que essa raiva final por
causa de Jamie foi apenas a gota d'água nas suas emoções.
— Tudo bem. Estou pronto. — Lawrence apareceu ao lado dela, com as
chaves do carro na mão.
Desceram pelo jardim e entraram no carro em silêncio, continuando assim até
chegarem ao hotel. No caminho, Nadine ia pensando em Jamie: "Pobre criança. O
que tinha feito para merecer um pai daqueles?"
Quando ele encostou o carro diante do hotel, Nadine desceu, bateu a porta e
começou a subir a escadaria. Então, Lawrence desceu rapidamente do carro e, antes que
ela chegasse ao alto da escada, segurou-a pelo pulso com tanta força que chegou a
machucá-la. Estava com tanta raiva quanto ela.
— Por que você bateu a porta daquele jeito?
— Solte-me. — Ela estava furiosa.
— Responda.
— Solte-me.
Nadine lutou para livrar-se do beijo dele, mas foi em vão. Sentiu sua boca esmagada
pela dele e estava presa em seus braços. "Desgraçado, desgraçado, desgraçado."
Fazia tempo que ela não o xingava assim, mas não podia deixar de responder,
mesmo em pensamento, àquele beijo brutal.
De repente, ele a soltou.
— Eu lhe telefonarei amanhã. Temos negócios a tratar.
Ela não conseguiu responder. Será que ele não via o quanto ela o odiava?
Empurrou a porta giratória com tanta força, que antes que pudesse dar dois
passos, já havia dado a volta completa.
Bateu a porta do quarto com toda a força, sem se importar com os outros
hóspedes. Arrancando as roupas, tomou um banho, pretendendo lavar tudo o que
havia sido sujo pelo toque de Lawrence. Sim, amanhã eles iam tratar de negócios,
e só de negócios! Se pudesse, nunca mais o veria. Nunca mais.
Ao engolir acidentalmente um pouco de água, estranhou que estivesse
salgada; e só quando saiu do chuveiro e se olhou no espelho, é que percebeu
que estava chorando de novo.
— Eu estou cansada — disse, saindo do banheiro sem terminar de se
enxugar. — Eu só estou cansada.
Caiu na cama limpa e enterrou o rosto no travesseiro.
Capítulo Cinco

No dia seguinte, Nadine acordou com uma leve ressaca. Com os olhos
semicerrados, viu que a roupa que usara no dia anterior estava toda espalhada pelo chão.
Como tinha dormido com o cabelo molhado, o travesseiro estava úmido e achatado.
Sentando-se na cama, tentou rememorar o que tinha acontecido na casa de
Lawrence. A doce lembrança de ter feito amor com ele no estúdio fez com que ela
fechasse os olhos por um breve instante.
Quando já ia se levantando da cama, o telefone tocou.
— Alô?
— Oi, Nadine. Dormiu bem? — Era Lawrence, bem acordado, alerta,
confiante.
— Sim, obrigada.
— Já tomou seu café?
— Ainda não. — "Onde ele arruma tanta energia?", pensou.
— Então, você vai sair comigo, está bem? Apanho-a daqui a meia hora.
Nadine lembrou-se de que eles ainda precisavam combinar tudo a respeito da
exposição, pois quase nem tinham tocado no assunto na noite anterior. Quanto antes
tratasse disso, mais cedo voltaria para Jamie.
— Es t á be m .
— Encontro você no saguão.
— Combinado. Então, até já.
Se Lawrence pretendia tratá-la cordialmente, ela teria de corresponder a isso. A
noite anterior havia sido tumultuada demais para ser revivida, ainda que fosse em
pensamento, principalmente aquela parte em que tinha ficado furiosa quando ele disse
que detestava a idéia de ser pai. Todos os seus instintos maternais haviam se
revoltado ao pensar em Jamie. Mas agora achava que sua reação tinha sido absurda.
Primeiro, porque seria ridículo esperar que Lawrence dissesse que estava ansioso para
descobrir que tinha um filho em algum lugar no mundo; e, segundo, ela deveria estar
aliviada por saber que, caso ele soubesse da existência de Jamie, não iria querer a
custódia dele.
Quando Nadine chegou ao saguão, ele ainda não havia chegado. Sentou-se
para esperá-lo, forçando um ar de indiferença.
— Bom dia. — Lawrence ia beijá-la no rosto, mas foi impedido pela mão que ela
lhe estendeu num cumprimento formal.
— Bom dia, Lawrence. Onde vamos tomar café? Estou esfomeada.
Ele soltou sua mão e continuou a olhá-la nos olhos, enquanto ela se levantava,
encaminhando-se para a porta.
Lawrence não comentou a discussão da noite anterior, mas insistiu que os
negócios poderiam esperar até que Nadine tivesse a chance de rever os pontos
pitorescos de Florença.
Depois de passarem algumas horas passeando pelos lugares que Nadine mais
gostava, foram almoçar num restaurante. Lawrence pediu uma garrafa de vinho
para acompanhar o peixe que haviam pedido. Passaram horas conversando,
trocando idéias sobre a exposição, aparentemente em total descontração.
Depois da segunda rodada de café, continuaram conversando, sem nem mesmo
perceberem que eram as únicas pessoas dentro do restaurante.
"Será que ele não vê", pensou Nadine quando se levantaram para sair, "como
é difícil, para mim, manter esta farsa de amizade? Será que ele não entende?"
Mas Lawrence continuava conversando como se fosse a coisa mais natural do
mundo, como se eles se vissem todos os dias.
Nadine, por uma questão de orgulho, continuou a manter as aparências, e foi só
no fim da tarde que, acidentalmente, deixou que ele percebesse a profundidade de
seu sofrimento.
Ele fizera questão de levá-la ao campanário, de onde se descortinava uma vista
maravilhosa da cidade e das montanhas que a cercavam. Nadine sabia que não
deveria correr aquele risco, pois recentemente havia adquirido fobia de altura. Como
não queria que ele soubesse, encheu-se de coragem e subiu no elevador da torre.
Mas, ao chegar ao alto, sua coragem acabou, e ficou agarrada à parede junto à
porta do elevador. Quando Lawrence deu por falta dela, voltou imediatamente.
— O que aconteceu?
Ela estava tremendo. Com os olhos fechados, não conseguia parar de se imaginar
caindo lá para baixo, uma vez atrás da outra. Sem perceber, segurou com força a mão
de Lawrence.
— Nadine, o que foi?
Ela não tinha coragem de falar, com medo de começar a gritar histericamente.
O elevador voltou e Lawrence a levou para baixo.
Nadine saiu da torre agarrada a Lawrence, com os joelhos trêmulos. Ele a levou
até um banco de jardim, onde se sentaram. Ela recostou a cabeça no ombro
dele.
— Conte-me o que aconteceu.
Agora, que ela estava em terra firme, já se sentia capaz de responder.
— Não é nada grave. Eu... é que, de vez em quando, tenho vertigem. Pensei
que já tivesse superado este problema, mas pelo jeito me enganei.
— Vertigem!? — Ele não escondeu sua surpresa. — Você nunca teve medo
de altura. Nós já viemos tantas vezes ao campanário!
— Eu sei. Tudo começou depois que eu voltei para Nova Iorque.
— Mas, afinal, o que aconteceu em Nova Iorque que a fez mudar tanto?
Não vai me contar?
Ela o olhou com nervosismo, mas respondeu calmamente;
— Não acha que a causa de toda essa mudança pode ter sido você mesmo?
Você foi cruel comigo. Pior ainda, foi indiferente. Deveria imaginar que esse
tratamento acabaria me afetando de alguma maneira.
— Eu nunca fui indiferente a você.
— Indiferente a ponto de me trocar por outra.
— Eu não a troquei por ninguém. — A voz dele continuava calma. — Você
apenas exagerou o que fiz. Eu fui honesto desde o principio: queria minha liberdade
e independência, e também queria você. Como me aceitou nesses termos, foi você
quem me abandonou. Mas não guardei rancor por quatro anos devido a sua
possessividade e seu ciúme. Terá de abandonar a ilusão de que era uma
companheira e amante perfeita e que eu era um bastardo.
Nadine apoiou o queixo nas mãos e ficou olhando para os tufos de capim à
beira do passeio.
— Talvez você tenha razão — disse ela finalmente. — Mas isso não é uma
questão de certo ou errado. Você era mais velho e mais experiente do que eu, e
podia ver melhor as coisas. Devia entender o fato de eu sentir saudades dos meus
pais, por mais que falasse mal deles para você. E também devia entender o meu
ciúme, ao invés de brigar e sair de casa.
Lawrence enfiou as mãos nos bolsos e ficou olhando para o pé dela, que
roçava as pedras do calçamento num movimento para frente e para trás.
— Eu esperei demais de você, tem razão. Principalmente, considerando
sua idade e posição social.
— E eu esperei demais de você, considerando sua falta de sensibilidade e
seu egoísmo.
— Meu único erro foi o de fazer o que eu sempre disse que faria.
Arrasada diante do argumento dele, Nadine sentiu um aperto na garganta. Aquele
homem não tinha mais nenhum poder sobre as emoções dela; então, por que ela
sentia toda aquela tristeza diante do desprezo dele, diante da idéia de sua iminente
separação, diante da idéia de que Jamie jamais viria a conhecer seu pai?
— E o meu único erro foi o de me apaixonar por você. E também de ser cega
a ponto de não ver que você não me amava, e que em pouco tempo se cansaria de
mim. Simplesmente, jamais me ocorreu que você um dia poderia deixar de me amar, de
me querer. — Levantou-se bruscamente, num esforço para que ele não visse a agonia
estampada em seu olhar. — Provavelmente, foi por isso que eu fiquei com medo de
altura: eu me apaixonei e não havia ninguém para me segurar quando caí de uma
das nuvens.
Lawrence não respondeu e eles começaram a caminhar. Em contraste com a
descontração de algum tempo atrás, havia agora um silêncio incômodo entre eles.
Mas Nadine não se arrependeu do que tinha dito. Se ele pretendia passar a vida
magoando mulheres, era melhor que soubesse o dano que lhes causava.
— Eu não pretendia que nossa conversa se voltasse para um nível, tão pessoal —
É melhor falarmos apenas de negócios.
— Como é que nós podemos deixar de ser íntimos depois do que aconteceu na
noite de ontem? — Lawrence parecia nervoso. — Você não sentiu nada quando
fizemos amor?
Ela continuou a caminhar em silêncio.
— Responda — insistiu. — Não sentiu nada?
— Aquilo foi apenas um lapso; uma combinação de cansaço de viagem com
um hábito antigo. Eu não estou interessada em ter um caso amoroso com ninguém,
muito menos com você. Eu só quero segurança, apoio financeiro, compromisso,
fidelidade... .
Ele a interrompeu bruscamente:.
— Você não respondeu minha pergunta.
Os olhos dela se apertaram.
— Não, Lawrence. Eu não senti nada quando fizemos amor. Certamente, nada
a ponto de querer repetir a dose. — Então, ela colocou uma pitada de sarcasmo na
voz: — Mas não se preocupe, pensando que não terá ninguém em Nova Iorque.
Tenho certeza de que acharemos alguém para você. Eu colocarei um anúncio, e
você selecionará as candidatas quando chegar.
O olhar de Lawrence ficou sombrio, e, por um momento, Nadine temeu que
tivesse passado dos limites. Mas ele conseguiu controlar-se.
— Vou levá-la de volta para o hotel. Amanhã de manhã resolveremos tudo o
que falta ser decidido para a exposição.
— Seria bom. Estou pensando em reservar minha passagem para amanhã à
tarde.
Lawrence não respondeu, e fizeram o resto do caminho em silêncio. Na
despedida, ele foi totalmente frio:
— Até amanhã. — E girou sobre os calcanhares, voltando para o carro.
Nadine ficou olhando para ele, e então dirigiu-se rapidamente para o elevador.
Mais do que nunca, queria estar a salvo com Jamie em seu pequeno apartamento,
cozinhando, lendo, dormindo sozinha e em segurança. O ritmo e o tédio de uma
semana de trabalho pareciam o paraíso se comparados com o tumulto emocional pelo
qual passara nos dois últimos dias. Abriu a porta do quarto e bateu-a com força,
como se quisesse fechar também suas emoções em conflito.
Mas, assim que ficou sozinha, Nadine sentiu remorsos por ter sido rude com
Lawrence, e apertou o estômago com força. Havia nele tanta ternura e compaixão, tanta
compreensão, inteligência e humor, que sua vontade era a de esquecer o passado,
esquecer suas: mágoas e obedecer apenas ao desejo de simplesmente ficar com ele.
Não era verdade que ela não tinha sentido nada quando fizeram amor: até agora
estava com medo do que havia sentido. A paixão ardente que havia se acalmado em
seu peito retinha um calor que se incendiava ao contato das mãos e dos lábios dele.
Nadine tentara sufocar o desejo causado pelo seu jeito viril de fazer amor, mas, em
apenas algumas horas na companhia dele, seu corpo tinha sucumbido. Se ela
deixasse, seu coração também viria a sucumbir? Será que seu coração esqueceria,
assim como na noite anterior seu corpo traidor tinha esquecido, a mágoa que Lawrence
um dia lhe causara e poderia causar novamente?
"O melhor é esquecer tudo", pensou, tirando as sandálias e esticando-se na
cama macia. Esquecer, esquecer, esquecer. As palavras ecoaram em seu cérebro.
Esquecer o passado, esquecer o amor por Lawrence, esquecer a amargura. Se ela
conseguisse fazer isso, poderiam ser amigos. Era estranho, mas agora queria ser
amiga de Lawrence. Já que não podiam ser amantes, ela pelo menos queria ocupar
um lugar especial no coração dele, como amiga.
Virou-se de bruços e enterrou o rosto no travesseiro. Como podiam ser amigos?
Como era possível ignorar as batidas frenéticas de seu coração ao vê-lo, ao tocar
nele? Numa amizade não havia lugar para tanta sensibilidade e tanta carga emocional.
Amigos não podiam agir como pólos opostos de um ímã, atraídos de maneira
irresistível um pelo outro, pela força da atração física.
Tentando superar aquele sentimento de desolação, Nadine pegou o telefone para
fazer sua reserva no vôo do dia seguinte, à tarde.
Capítulo Seis

— Não, ele não mudou muito — disse Nadine, evitando o olhar de curiosidade
da irmã.
— Você encontrou a mulher dele?
— Eles se divorciaram há dois anos. — Embora estivesse esperando essas
perguntas, Nadine não tinha vontade de descrever em detalhes sua visita a
Florença.
Charlotte continuava hostil a Lawrence, como sempre. A conversa se tornou
difícil, pois os sentimentos de Nadine haviam mudado há algumas semanas. O fato
de rever as razões da separação teve peso, embora ela não o admitisse na ocasião,
pois pôde compreender que a culpa não era única e exclusivamente dele. Ela tentou
sugerir isso a Charlotte, mas sem êxito.
— Ele a enganou e a abandonou com um filho! A culpa é toda dele!
Diante disso, Nadine mudou de assunto. Estava preocupada com Jamie. Desde
que viajara, ele havia se tornado uma criança mais difícil. Agora, que ela estava
cuidando dos preparativos da exposição, ele ficava, quase o tempo todo em que não
estava na escola, sob os cuidados complacentes de Charlotte. Nadine já havia
recebido mais, de uma queixa da professora, que reclamava da desobediência de
Jamie. Não via a hora de a exposição terminar, para que pudesse dedicar mais tempo
ao filho, que se mostrava cada vez mais ressentido das longas ausências dela.
Setembro transcorreu num torvelinho de atividades e dificuldades. Satisfeito com
a organização da mostra, Everett cercava Nadine de atenções e mostrava-se
aborrecido por ela insistir em recusar seus convites para sair. Ele fazia perguntas
íntimas e constantes a respeito da estada de Nadine em Florença, e ela só
conseguiu colocar um ponto final no assunto quando respondeu com uma firmeza
que beirava a grosseria.
— Você me mandou para Florença para tratar dos detalhes administrativos da
mostra. E foi o que fiz. Não há nada mais que eu tenha de prestar contas. — E,
procurando controlar-se, saiu da saia dele, fechando a porta com força.
Alguns dias antes de Lawrence chegar, Everett chamou Nadine à sua sala e
deu-lhe ordens estritas no que dizia respeito à estada do artista em Nova Iorque.
Queria que ela passasse o maior tempo possível com Lawrence.

— Enquanto os quadros de Stebbing estiverem em nossa galeria, ele será


nosso cliente, e eu quero que seja tratado com o respeito que nossos clientes
merecem. Isso inclui esperá-lo no aeroporto, acompanhá-lo em visitas a museus,
galerias, teatros. A única coisa que eu quero é que você me avise de antemão quais
os lugares em que ele irá. Use a verba de representação para almoços, drinques e
jantares.

— Mas há ainda muita coisa para ser resolvida aqui na galeria, e ele
chegará na quinta-feira!

— Faça uma lista de tudo o que precisa ser feito. Donna cuidará disso. — Ele
acendeu um cigarro e soprou a fumaça. Nadine ficou olhando desconfiada para
Everett, tentando adivinhar o que estava preparando. — Stebbing sabe da
existência do seu filho?

— Não. — A voz dela era calma. Será que Everett sabia que Jamie era filho
de Lawrence?
— Vou fazer um trato com você, benzinho. Se fizer exatamente o que eu
disser, Stebbing não ficará sabendo por meu intermédio que tem um filho.
Ela empalideceu ao perceber que ele sabia.
— Não fique tão espantada. Meus poderes de dedução não são tão maus
assim. A Madrugada toscana foi pintada vários meses antes do nascimento de seu
filho. Eu a conheço e sei que você não é uma moça promíscua; a dedução lógica é
que Lawrence é o pai de seu filho. — Deu mais uma tragada no cigarro. — Quer
dizer que ele não sabe, não é?
Nadine mostrava nos olhos toda a raiva que estava sentindo.
— Não quero que ele saiba.
— Eu já lhe disse que ele não ficará sabendo, a não ser que você não
cumpra a sua parte do trato. Confie em mim. — Tirou uma pasta da gaveta. — Aqui
está o seu roteiro. Quero que o siga.
Ela abriu a pasta e viu que continha uma relação detalhada de entrevistas
coletivas, excursões, restaurantes e festas a que eles deveriam comparecer,
juntamente com comprovantes de reservas, passes e convites formais, num
envelope do lado. Nadine procurou esconder seu desespero.
— Eu não posso abandonar meu filho dessa maneira. Não sou obrigada a
trabalhar à noite. Farei todo o resto, mas tenho de passar as noites com Jamie.
— Sinto muito, benzinho. Você fará tudo o que está na lista. Caso contrário,
Stebbing ficará sabendo da existência de Jamie, e você não terá mais nenhuma
noite com seu filho. Você sabe o que acontecerá se ele descobrir, é claro. Não
conseguiria convencer nenhum júri de que pode cuidar sozinha de uma criança, com
o seu salário.

— Parece que você se esqueceu de uma coisa. — A garganta dela estava


seca.
— E o que é?
— O próprio Lawrence Stebbing. Ele não vai querer fazer a metade dessas
coisas. E se ele se recusar?

— Eu conto com você para fazer com que ele não recuse nada.
Nadine cruzou os braços, lutando para não perder o controle.
— Por que está fazendo isso?
Não havia qualquer expressão nos olhos de Everett.
— A única coisa que me interessa é o sucesso da minha galeria, e isso
depende dessa exposição. Não tenho qualquer outro motivo. Eu quero que a mostra
seja um sucesso, e, com a sua colaboração, será.
Durante um longo momento, eles se olharam com desconfiança mútua, e então
Nadine saiu da sala. Sentiu um arrepio só de pensar nas dificuldades que encontraria.
Não sabia o que se passava na cabeça de Lawrence. E se ele não quisesse passar doze
horas por dia com ela? E se quisesse arranjar uma mulher para passar a noite? Ela
certamente não seria essa mulher! Desta vez, não!
Entrou em sua sala e fechou a porta. Havia uma maneira de resolver esse problema,
é claro. Era só contar a Lawrence sobre Jamie. Mas, e se Lawrence mudasse de idéia
e resolvesse levar Jamie para Florença? Ela não poderia expor Jamie a uma disputa pela
custódia no tribunal, mesmo porque nem teria dinheiro para isso. Everett tinha razão:
até ela ter absoluta certeza de que poderia confiar em Lawrence, ele não poderia saber
sobre Jamie.
Alguns dias mais tarde, Nadine acordou curiosamente feliz, do jeito que costumava
acordar no dia de seu aniversário quando era pequena. Por um momento, ficou sem
saber por que seu coração estava batendo tão depressa, e então lembrou-se: Lawrence
iria chegar naquele dia.
Procurou abafar seu entusiasmo. Já fazia um mês que não via Lawrence, e,
apesar de terem conversado pelo telefone diversas vezes, as conversas tinham sido
sempre curtas e impessoais. "Talvez ele esteja feliz por ter se livrado de mim",
pensou, lembrando-se com remorsos de seu comportamento vingativo, imaturo e
mal-humorado.
Lawrence não se mostrou surpreso por ser recebido por Nadine no aeroporto
Kennedy. Enquanto eles se cumprimentavam com um demorado aperto de mão,
Nadine ficou espantada por sentir-se iluminada pelos flashes de diversas máquinas
fotográficas.

— Bem-vindo a Nova Iorque, senhor Stebbing. — Um homem aproximou-se


deles, com um bloco na mão. — Está feliz por voltar a esta cidade?
Lawrence olhou para Nadine e franziu a testa. Ela estava perplexa.
— Muito contente — respondeu secamente, tentando passar pelo homem, que
insistia em barrar-lhe a passagem.
— Pretende demorar-se aqui?
Lawrence conseguiu livrar-se dele, levando Nadine pelo braço e carregando uma
mala na outra mão. Enquanto esperavam pelo táxi, as luzes dos flashes faziam com
que diversas pessoas olhassem para eles. Uma mulher gorda, muito maquilada, surgiu
não se sabe de onde e abordou Nadine.
— Senhorita Barnet, esta é a primeira vez que encontra o senhor Stebbing
após quatro anos?
Nadine ficou irritada, desejando profundamente que a fila do táxi andasse.
— Não vejo em que isso possa ser de sua conta — respondeu, dando-lhe as
costas.
A fila andou mais rápido, e em pouco tempo estavam dentro de um táxi.
— Hotel Pierre, por favor. 5. a Avenida, esquina com a rua 60.
— Esses sujeitos ficam o tempo todo no aeroporto fotografando todos os que
chegam, na esperança de fotografar alguém famoso? — perguntou Lawrence,
voltando-se para Nadine.
Ela fez um comentário brincalhão, mas uma suspeita surgiu em sua mente. Teria
Everett providenciado que a imprensa fosse ao aeroporto? Será que ele achava que
Lawrence aceitaria bem aquele tipo de publicidade, ainda que fosse pelo bem de sua
exposição? Será que ele queria que ela estivesse sempre junto de Lawrence para
chamar a atenção do público e, assim, ganhar notoriedade? Lembrando-se do
péssimo relacionamento que Lawrence tinha com os fotógrafos na Itália, Nadine
torceu para que Everett não tivesse feito a besteira que ela receava.
Quando chegaram ao hotel, o porteiro apressou-se em abrir a porta do carro.
Nadine pagou pela corrida, pegando uma nota fiscal para acertar com Everett, e
acompanhou Lawrence ao balcão de recepção, onde ele se registrou.
Em seguida, foram levados ao quarto, que dava para o Central Park. Nadine
ficou espantada com a prodigalidade de Everett. Era um quarto grande e luxuoso, com
uma cama larga, televisão, carpete macio, duas poltronas e um balcão, do qual ela
não teve coragem de se aproximar.
— Gostou do quarto? — perguntou.
Ele ficou surpreso pelo tom de ansiedade dela.
— Será que seu patrão acha que eu vou cancelar a exposição se não gostar do
quarto? Não se preocupe. Está ótimo. Posso pedir uma bebida para nós?
Nadine sacudiu a cabeça.
— Eu vou indo, para que você possa desfazer suas malas e se acomodar. Além
disso, preciso voltar para o escritório para terminar algumas coisas. — E, de costas,
aproximou-se da porta.
Lawrence tirou o paletó, jogando-o sobre a cama, e soltou o nó da gravata.
— Então, janta comigo? Você precisa me pôr a par de tudo o que está
acontecendo.
Ela sorriu timidamente.
— Não sei se vai gostar disso, Lawrence, mas você terá de jantar comigo todos
os dias, até a inauguração de sua exposição. E não é só jantar.
Lawrence parou com a mão na gravata e levantou uma sobrancelha.
Rapidamente, Nadine explicou:
— Everett quer que eu o acompanhe em tudo: café da manhã, almoço, jantar,
coquetéis, vernissages e festas. Tentei explicar que você não é muito dado a este
tipo de coisas, mas ele não quis me ouvir. Espero que não se importe.
A expressão dele era enigmática. Jogou a gravata nas costas da cadeira e abriu
os três primeiros botões da camisa.
— Quer dizer que eu terei o prazer de sua companhia em todas essas funções?
— Receio que sim. — Sentia-se constrangida.
— Então, tenho certeza de que vou adorar. O que temos programado para esta
noite?
— Só o jantar. Eu consegui convencer Everett de que você estaria cansado
demais da viagem para ir a uma festa no Studio 54 hoje à noite. Mas, se quiser,
podemos ir.
— Que festa é essa?
— E em homenagem a um estilista, Solomon Arpeggio. Ele está fazendo o
maior sucesso com um novo tipo de suspensórios que criou. — Vendo a expressão
dele, Nadine caiu na risada. — Esqueça a festa. Não faz o seu gênero.
Ele também riu.
— Tem razão. Mas vamos jantar. Teremos companhia?
Nadine hesitou.
— Não. Seremos só nós dois. Everett...
— Já sei. Everett mandou, Everett achou, Everett disse, você prometeu a Everett! Já
entendi. Não quer jantar comigo, mas ele a está obrigando. O que não entendo é como
consegue obrigá-la, logo você, a fazer alguma coisa que não queira.
Ela tentou gracejar, rindo.
— Chantagem, é claro. — Então, baixou os olhos, — Nós temos reservas para
as sete e meia, na Taverna Verde. Passarei aqui às sete. Vai ser gostoso atravessar o
parque a pé.
Ela estava inquieta pela maneira com que ele a olhava. Será que Everett já o
avisara da vernissage à qual deveriam comparecer às cinco horas, e Lawrence
estava esperando que ela mencionasse o assunto? Ela pretendia dizer a Everett, no dia
seguinte, que Lawrence não estava disposto a ir. Ela precisava ver Jamie naquele fim de
tarde, nem que fosse por pouco tempo, já que ia sair à noite.
— Ótimo. — Ele estava parado, com os braços cruzados, esperando que ela dissesse
alguma coisa, ou saísse, ou... fizesse alguma coisa, afinal de contas. Nadine hesitava,
sem saber se deveria ou não mencionar a vernissage. — Acho que está ansiosa para
voltar à galeria e receber instruções de Everett sobre o que deverá me dizer durante o
jantar. Você vai voltar para a galeria, não vai?
Muito sem jeito, Nadine assentiu. Ela detestava mentir.
Lawrence foi até a porta, abriu-a, e disse sorrindo:
— Ent ão, at é às sete.

Na porta do hotel, Nadine hesitou, sem saber se ia direto ver o filho, ou se passava
antes na galeria. Se Everett descobrisse que eles não tinham ido à vernissage, e
soubesse que ela não tinha voltado à galeria, será que cumpriria sua ameaça? Não,
provavelmente não queimaria seus trunfos tão cedo, pois ela ainda poderia lhe ser de grande
utilidade. Além do mais, como saberia se eles tinham ido ou não à vernissage? Assim,
tomou sua decisão e dirigiu-se à casa da. Irmã.
Charlotte ficou furiosa com a atitude de Everett, e sua sugestão para resolver o
problema era muito simples: contar a verdade a Lawrence.
— Mas, se ele ficar sabendo, tenho quase certeza de que vai querer tirar
Jamie de mim.
— Bobagem! Um pai natural tem menos direitos sobre o filho do que a
mãe!

— Mas, quando acontece de o pai ser rico, famoso e determinado, e de a


mãe ser pobre e trabalhar fora o dia inteiro, posso assegurar-lhe que o pai tem tanta
chance quanto a mãe de ficar com a custódia do filho.
Quando Steve voltou do trabalho, deu toda a razão a Charlotte.
— Você vai passar o tempo todo com medo de que ele venha a descobrir tudo
sobre Jamie de alguma outra maneira. E tudo indica que isso acabará acontecendo.
Conte a ele, Nadine. Você se sentirá bem melhor.
Apesar do que foi dito, o máximo que conseguiram arrancar dela foi uma
promessa de pensar no assunto e de que talvez contasse tudo a Lawrence dentro de
alguns dias.

Quando Jamie ficou sabendo que a mãe ia jantar fora, teve mais um de seus
acessos de mau humor e foi emburrado para o quarto. Quando Nadine quis
conversar, ficou desenhando e nem olhou para ela. Sentando-se na beirada da cama,
ela disse:
— Meu filho querido, você sabe que mamãe tem de trabalhar para ganhar
dinheiro e a gente poder viver. Estou saindo porque é o meu trabalho. Você sabe
que, se eu pudesse, ficaria com você. Mas não posso. Eu vou sentir muita falta sua.
Não pense que estou saindo porque quero.
— Aonde você vai?
— Eu vou jantar. E vou voltar para dormir aqui, para que amanhã de manhã a
gente possa tomar o café juntos numa lanchonete, antes de irmos para a escola. Só
nós dois. O que você acha?
— Eu não quero dormir aqui. Quero ir para casa.
Querido, eu sei disso. Eu também queria. Mas, na vida, às vezes a gente tem de fazer
coisas que não quer. Seja bonzinho e ajude a mamãe. Em menos de uma semana,
tudo isso vai terminar e nossa vida voltará ao normal. Está bem assim?
Ela viu que Jamie estava lutando para não chorar, e então abraçou-o com
carinho. Ele não pôde conter um soluço.
— Está bem, mamãe.
Charlotte escolheu um vestido lindo para emprestar a Nadine, comprado na
época em que ela era bem mais magra. Era de seda pura verde-esmeralda, com um
decote em V na frente, que ia até a cintura.
— Você vai ficar maravilhosa com este vestido.
— Mas, Charlotte, é um jantar de negócios — protestou Nadine, rindo. — E meu
negócio não é levar Lawrence para a cama. Vamos ver outro.
Mas Charlotte gostava de vestidos sensuais, e cada um que tirava do armário era
mais audacioso que o anterior. Com um suspiro profundo, Nadine pôs o vestido
verde e se olhou no espelho.
— Você está deslumbrante! — exclamou Charlotte com entusiasmo. — E está
certinho em você! Oh, Nadine, como é que eu fui engordar tanto?

— Você não está gorda. Você está gostosa e sabe que Steve a prefere assim.
Portanto, não reclame. — E apertando os olhos girou diversas vezes pelo quarto, fazendo
o vestido subir em ondas suaves. Ele era realmente maravilhoso, e Nadine estava certa de
que Steve tinha pago uma fortuna por ele.
— Acho que só o usei uma vez — disse Charlotte com tristeza. — Que
desperdício!
Nadine concordou, mas não disse nada. Pelo menos, quando Lawrence a visse
naquele vestido; não iria desconfiar da vida apertada que levava. Só de pensar nas
poucas roupas que tinha em seu pequeno armário, teve vontade de rir. Mas aquilo era
uma coisa que Lawrence jamais veria. Esta noite, ela seria uma outra pessoa: a rica e
misteriosa companheira do famoso artista:
De joelhos, Charlotte revirava o armário procurando sapatos.
Seus pés são maiores que os meus — disse, arfando, depois de encontrar o que
queria. — Mas veja se estes lhe servem. Não é por causa de uma ou duas bolhas
que você vai estragar seu visual, não é?
Nadine calçou os sapatos de saltos altíssimos e fez uma careta, pois estavam
bastante apertados.
— Não tem importância — animou-a Charlotte. — Lembre-se de que vai
passar a maior parte do tempo sentada, comendo. Ninguém vai reparar se você os
tirar. Com as meias, vai melhorar um pouco. Aqui estão, pegue-as. Agora,
precisamos de um colar. — E saiu do quarto.
Nadine ficou parada no meio do quarto, lembrando-se de seu tempo de
adolescente, quando elas também usavam roupas e acessórios uma da outra.
— Veja o que encontrei! — disse Charlotte, trazendo um colar de coral na mão.
— Vai ficar perfeito. Você gosta?
Nadine sacudiu a cabeça, calçando novamente os sapatos e tirando-os
rapidamente.
— É lindo, mas não posso ir com ele. É muito parecido com aquele que
Lawrence me deu em Florença.

— Então, finja que é o dele. Veja como combina com o vestido!


— Sinto muito, Char, mas não quero. Que mais você tem aí?
— P é ro l a s .
— Ótimo. Vou ficar supersofisticada.
A refinada simplicidade do vestido de seda, combinada com a altura dos
sapatos e o requinte do colar de pérolas deu a Nadine uma aparência de luxo e
sofisticação.
— Quer usar minha maquilagem? Eu tenho de ver o jantar. Não vai ser tão
bom como o seu, mas vou me esforçar.
— Acho que vou aceitar. — respondeu Nadine, pegando a caixa de
maquilagem que estava em cima do móvel.
Nadine raramente se maquilava, mas naquela noite caprichou. Em seguida,
penteou o cabelo, colocou uma gota de perfume atrás de cada orelha e levantou-se,
tentando imaginar a reação de Lawrence. Por um momento, procurou entender por que
estava se arrumando com tanto cuidado para sair com ele. Ah, era divertido, só isso.
Afinal, fazia anos que ela não saía com ninguém; estava adorando ter a oportunidade
de se arrumar, maquilar-se e pegar as roupas da irmã.
Com um leve sorriso nos lábios, entrou na sala. Steve deu um longo assobio.
— Eu não sei o que você pretende fazer — disse ele. — Mas, seja lá o que
for, conseguirá. Você está espetacular!
— Obrigada — respondeu, sorrindo.
— Quer tomar alguma coisa antes de sair?
— Já são quinze para as sete. É melhor eu ir andando. Combinei pegar
Lawrence às sete.
Ao ouvir a exclamação de Steve, Charlotte veio para a sala, com um avental
amarrado na cintura. Olhou para a irmã com um ar de aprovação.

— Você está deslumbrante, mana. Se começar a ficar deprimida, basta


olhar-se no espelho. Vai dormir aqui?
— Venho, sim. Vou dormir no sofá, se você não se importar. Eu prometi a
Jamie que o levaria para tomar café numa lanchonete. Provavelmente, a gente vai
sair antes de você acordar. — Apanhando seu casaco, desceu para pegar o táxi que
Steve tinha chamado.

— Por favor, diga ao senhor Lawrence Stebbing que Nadine Barnet está aqui
— pediu ao recepcionista do hotel, ignorando seu olhar de admiração.
Enquanto o recepcionista ligava para o quarto de Lawrence, ela se virou de costas,
olhando em torno do saguão elegantemente decorado e pensando, com grande
excitação: "Lawrence, Lawrence! Eu vou sair com Lawrence!"

— Ele pediu para a senhora subir — disse o recepcionista, interrompendo seus


pensamentos. — É o quarto 1206.
Nadine estava esperando que ele descesse para saírem imediatamente, mas
não iria discutir com o recepcionista. Provavelmente, Lawrence devia ter pegado no
sono e tinha acabado de acordar. Agora, teria de esperar que ele se arrumasse.
Sentiu-se um tanto decepcionada por constatar que ele não a estava esperando
ansiosamente.
Ele abriu a porta no mesmo instante em que ela bateu, como se já a estivesse
esperando. Olhando-a com aprovação, saiu da frente da porta para que ela pudesse
passar. Largando o casaco e a bolsa de maneira casual na poltrona mais próxima, Nadine
foi até a janela, respirou fundo para, acalmar seu coração, que estava disparado, e
voltou-se para ele.
Lawrence estava de pé no meio do quarto, com as mãos nos bolsos das calças,
olhando-a com admiração. Estava muito elegante, num terno preto impecável, camisa
branca e gravata de seda pura.
— Oi — disse ele.
Ela sorriu. Por que esperava encontrá-lo barbudo, desarrumado e sem
disposição?
— Você está maravilhosa. Não quer sentar?
Com relutância, Nadine despregou os olhos dos dele e sentou-se na poltrona
de veludo vermelho. Foi só então que ela notou a garrafa de champanhe com duas
taças sobre a mesinha. Voltou a olhar para Lawrence.
— Comemorando sua volta?
Ele pareceu surpreso.
— Eu pensei que a idéia fosse sua. Isso chegou há dez minutos. Quer dizer
que não foi você quem mandou?
— Não — disse, sacudindo a cabeça. — Deve ser cortesia do hotel.
— Eu não acho. — Entregando-lhe um cartão que estava sobre a mesa,
perguntou: — De quem é esta letra?
Era um cartão do tipo usado pela Galeria Mills para promover exposições; nas
costas, havia um anúncio da mostra de Lawrence e uma mensagem escrita à mão:
"Bem-vindo de volta a Nova Iorque."
— Everett — disse ela.
— Você já viu este cartão antes? — Lawrence estava com a voz estranha.
— Ele manda fazer esses cartões e os manda para as pessoas que podem
ajudar no sucesso da exposição. — Só então ela virou o cartão para ver qual das
obras de Lawrence tinha sido escolhida para ilustrá-lo. Everett não quisera que Nadine
desse palpite nem interferisse na escolha, e agora ela sabia por quê. Um rubor
subiu-lhe às faces ao se ver mais uma vez no Madrugada toscana. — Eu não sabia
que ele ia usar essa obra com fins promocionais. Não pensei que...
"Mas por que não a usaria?" pensou, ao mesmo tempo. Todos estavam de acordo que
aquela era a melhor obra de Lawrence, e um homem como Everett não iria permitir que
os sentimentos dela interferissem no sucesso da exposição, como ele já havia
deixado claro.
— Pensei que você é que cuidasse desses detalhes. — Lawrence estava
perplexo diante da reação de Nadine. Era evidente que ela não havia visto o cartão
antes.

— Geralmente, sou eu. — Soltou o cartão sobre a mesa e olhou para ele,
tentando tirar aquele quadro da cábeça. Como é que uma simples reprodução podia
deixá-la tão sem ação? — Desta vez, Everett insistiu em cuidar pessoalmente da
publicidade. Ele disse que essa mostra era importante demais para me deixar correr o
risco de cometer algum engano. Só agora entendo o porquê. Eu jamais teria escolhido
essa obra.
Lawrence pegou a garrafa de champanhe e começou a soltar a rolha.
— Por que não? É um dos meus melhores trabalhos.

— Isso é mesmo.
A rolha saltou com um estouro e o champanhe derramou no carpete. Com
destreza, Lawrence encheu as taças.
— A Everett Mills! — brindou ele, erguendo a taça.
Ela assentiu em silêncio e tomou um longo gole. Então, engasgou e começou
a tossir. Com um tapa nas costas, Lawrence ajudou-a a recuperar o fôlego,
fazendo-a rir.
— Obrigada — disse, quando voltou a respirar. — Desceu pelo lado errado. Vamos
fazer outro brinde, aquele não foi muito bom. Ao sucesso da exposição! Quero ver se eu
engasgo agora. — E bebeu tranqüilamente o resto do champanhe.
Como já eram quase oito horas quando eles terminaram a garrafa de champanhe,
decidiram tomar um táxi em vez de atravessar o parque a pé, pois ficaria muito tarde.
Nadine suspirou aliviada, sabendo que seus pés ficariam acabados com aquela
caminhada, por causa dos sapatos apertados da irmã.
Enquanto esperavam que o porteiro chamasse um táxi, Nadine estava exultante
por estar tomando parte da verdadeira vida noturna de Nova Iorque, de cuja existência
ela só ouvira falar sem jamais ter participado. Mas, como era só por alguns dias, ela
pretendia aproveitá-la ao máximo. Durante o trajeto, conversaram amigavelmente.
Era maravilhoso estar novamente com Lawrence. Apesar de não demonstrar
nenhum interesse romântico por ela, era o mesmo homem de quatro anos atrás:
interessado, alerta, gentil, simpático. Chegou a lembrar-se de quando iam à ópera
em Florença, ou a concertos, com a diferença de que, naquela época, havia um
brilho diferente nos olhos de Lawrence, e ele raramente largava sua mão. Essa era a
única diferença, disse a si mesma. Uma diferença sem importância.
A mesa reservada no restaurante ficava no jardim, iluminado por lampiões
presos às árvores. Nadine estava encantada.
— Você vem sempre aqui? — perguntou Lawrence, depois que eles fizeram o
pedido.
— Não. — Seu véu de sofisticação caiu um pouco. — Na verdade, é a
primeira vez.
Ele levantou as sobrancelhas.
— Mas parece que todo mundo a conhece por aqui. Como é possível?
Ela não tinha notado nada de extraordinário, além da extrema cortesia com
que estavam sendo tratados.
— Eu não sei — respondeu, sem entender por que Lawrence estava franzindo
a testa.
Um flash iluminou a mesa deles enquanto ela seguia o olhar de Lawrence,
no fundo do restaurante. Dois fotógrafos e um repórter vinham na direção deles.
Ela olhou assustada para Lawrence.

— O que foi que você... — começou ele, em tom ameaçador.


Não era possível que Lawrence pensasse que ela havia marcado uma
entrevista com a imprensa em seu primeiro jantar na cidade! Como podia imaginar
que ela fosse tão irresponsável, tão grosseira?
— Boa noite. — O repórter, munido de um bloco, atreveu-se a abordá-los. —
Peço que desculpem minha interrupção. Sou Les Stein, do Herald Times.
Bem-vindo a Nova Iorque, senhor Stebbing, Quanto tempo pretende ficar aqui?
Nadine interveio antes que Lawrence pudesse responder. Ele era seu
convidado, ainda que por ordem de Everett, e a privacidade e o bem-estar dele
eram de sua responsabilidade.
— O senhor Stebbing já tem uma entrevista coletiva marcada com a
imprensa, ocasião em que o senhor poderá lhe fazer as perguntas que desejar.
Hoje ele não responderá a nenhuma pergunta.
Em vez de se sentir intimidado, o repórter voltou sua atenção para
Nadine. Os flashes das câmeras continuavam a espocar.
— Ah, senhorita Barnet, é um prazer conhecê-la. É verdade que foi a
musa inspiradora do senhor Stebbing há vários anos, e que foi justamente nessa
época que ele pintou suas melhores obras? Por que o abandonou? Pode-se
concluir que este jantar íntimo indica que o relacionamento de vocês voltou ao
mesmo ponto em que estava quando ele pintou Madrugada toscana?
Quando Nadine já estava a ponto de explodir, Lawrence interveio.
— A senhorita Barnet estará comigo na entrevista coletiva que darei, e o
senhor também poderá fazer-lhe as perguntas que desejar. Agora, se nos dá
licença, gostaríamos de ficar a sós para que pudéssemos jantar.
Ao ver que eles estavam sendo alvo de todos os olhares no restaurante,
Nadine estremeceu de raiva. Para seu alivio, viu que o maitre se aproximava da
mesa deles, atendendo a um sinal de Lawrence.
— Nós gostaríamos de manter nossa privacidade — disse ele,
dirigindo-se ao maitre,. — Por favor, acompanhe estes cavalheiros até a porta.
Pelo tom autoritário de Lawrence, o maitre percebeu que, se os
jornalistas não saíssem, seria o senhor Stebbing quem sairia. Assim,
apressou-se em colocá-los para fora. O rosto de Nadine estava transtornado, e
Lawrence olhou com simpatia para ela.
— Nem precisa me dizer — disse ele. — Everett...
Ela assentiu em silêncio.
— Estou ansioso para encontrar esse homem — observou secamente,
tentando reconstruir o ar de camaradagene de alguns minutos atrás. — Eu não me
lembro de ele ser tão tirano e tão alucinado por publicidade.
— Mas ele é. — Nadine estava muito envergonhada diante do que tinha
acabado de acontecer. Como é que Everett podia ser tão inconseqüente?
— Ei — disse Lawrence, atraindo sua atenção. — Você não está chateada, está?
— Claro que estou. Ele não tinha o direito de fazer isso! Sei que você sempre
detestou esse tipo De publicidade, e disse isso a ele. Eu já deveria saber que não
faria a menor diferença.
— Olhe, para mim não faz a menor diferença mesmo. Vamos esquecer tudo, está
bem? Já tive de enfrentar perguntas bem piores. Além disso, eu amadureci bastante.
—E, dando uma piscada, concluiu: — Eu já não perco a cabeça com tanta facilidade
como antes.
Finalmente, o jantar foi servido e eles começaram a comer. Em meio a saladas, siris
e escalopes, conversaram sobre os mais variados assuntos: livros, filmes, política. Tudo
muito impessoal.
— Fale-me sobre Everett — pediu Lawrence, finalmente.
Antes que Nadine pudesse responder, o maitre trouxe dois cálices de licor.
— Por conta da casa — informou. — Com as nossas desculpas pela recente
intrusão.
Lawrence agradeceu e voltou sua atenção para Nadine.
— Você me perguntou sobre Everett — disse ela. — Acho que não posso lhe
dizer nada sobre ele. Não seria justo.
— Ah! — exclamou Lawrence, tomando um gole do licor. — Era isso que eu
queria saber. Agora, quero que você me explique urna coisa: por que trabalha para ele
se não gosta?
— Preciso desse emprego.
— Posso saber quanto ganha?
Ela sacudiu a cabeça.
Sinto muito, mas não pode. Você ficaria com o coração partido se soubesse a miséria
que ganho. Mas, provavelmente, acabará saindo nas colunas de mexericos, que
falarão sobre nós nestes próximos dias; portanto, não se preocupe. — Fez uma
pausa e continuou: — Lawrence, você me parece exausto. Pelo horário italiano, já
deve ser quase de manhã. Deixe-me levá-lo para o seu hotel. Não se esqueça de
que tomaremos o café da manhã juntos, às nove horas.
— Não faça isso comigo — disse ele sorrindo.
— Se eu pudesse, não faria, pois também estou cansada. O único consolo
é.que a reunião no escritório de Everett é só às onze. Depois do café, iremos a pé
para a galeria, que não fica longe do hotel.
Ele não disse mais nada, e o garçom trouxe a conta, que era exorbitante.
Lawrence estendeu a mão para pegá-la, mas foi impedido por Nadine.
— Everett pagará por isso — disse ela.
— Pelo seu tom, acho que não será só pelo jantar — observou secamente,
deixando-a pegar a conta.
Lawrence só voltou a falar quando já estavam no táxi, a caminho do hotel.
— Eu não sei qual é o jogo de Everett, e não sei se você sabe, mas
pretendo continuar até descobrir. Então, fica combinado: às nove, no saguão do meu
hotel, está certo?
— Certo.
Mostrando-se aliviada depois de tirar os sapatos, Nadine recostou a cabeça
no banco do táxi. Então, o carro passou num buraco e ela bateu a cabeça contra o
banco, soltando um grito de dor.
Lawrence chegou mais perto e passou o braço em torno dela.
— Encoste a cabeça no meu ombro. Está melhor assim?
De certa maneira, estava. Mas, por outro lado, aquele aconchego e aquele
perfume de lavanda que ele usava a deixavam perturbada. Encostou o rosto no
tecido macio do paletó de Lawrence e fechou os olhos. Ah, se...
Mas naquele momento o carro chegou ao hotel, pois a corrida era muito
curta. Ela estava odiando a idéia de se separar dele e levantou a cabeça com
relutância.
— Everett vai pagar a corrida — disse, não deixando que ele pagasse. — Além
do mais, eu vou continuar no táxi.
Como estava escuro, Nadine não- podia ver a expressão dos olhos de Lawrence,
e não sabia se ele estava decepcionado, aliviado ou indiferente. No entanto,
segurando-a pelo queixo, ele levantou seu rosto e a beijou por um breve momento.
Seus lábios eram suaves e seu beijo, uma promessa. Mas logo a soltou e desceu
do carro.
— Até amanhã, às nove — disse ele, debruçando-se na janela do carro. —
Boa noite.
— Bo a noi te .
Quando o táxi estava saindo, Lawrence se virou, e as luzes da entrada do hotel
iluminaram seu rosto. Então, Nadine pôde ver que sua expressão não era de decepção
nem de indiferença, mas de inconfundível desejo.
Capítulo Sete

Na manhã seguinte, Nadine entrou como um furacão na sala de Everett, atirou a


bolsa sobre uma cadeira e ficou olhando para ele, com as mãos nos quadris.
— Que diabo você pensa que está fazendo ao mandar um bando de repórteres
em nosso encalço, humilhando-me e deixando Lawrence transtornado? Como foi que
eles ficaram sabendo do caso que tivemos? Foi você quem lhes contou! Como é que
eles sabiam o horário de chegada dele, o restaurante em que íamos jantar e onde
tomaríamos café esta manhã? Foi você quem lhes contou! Por que eles iriam pensar
que dormimos juntos essa noite? Por que você quis que tomássemos café juntos no
hotel, para que eles pensassem isso mesmo! Deus do céu!, Everett, será que você não
tem nenhum senso de decência?
— Vá com calma — disse ele, sem conseguir esconder sua satisfação diante do
êxito de seu plano. — Onde está Lawrence Stebbing agora?
— Foi comprar um jornal. Eu lhe disse que queria ter uma palavrinha com você
antes. Everett, Lawrence não deseja esse tipo asqueroso de publicidade, entende? Ele
não quer ser aborrecido com perguntas impertinentes, entende? Não quer ser visto
comigo só para aumentar o preço dos seus quadros, entende? Você está fazendo
tudo errado. Se eu fosse Lawrence, abandonaria essa exposição agora mesmo! E pode
ter certeza de que vou abandonar essas tarefas degradantes que você me forçou a
realizar. Se eu soubesse por que você me pediu para ficar junto de Lawrence, teria
recusado de saída.
— Nós dois sabemos por que você não teria me recusado nada. Não comece a
bancar a indignada nessa altura do espetáculo, benzinho. Em vez disso, acho bom me
dar uma boa razão por vocês não terem ido à vernissage de ontem à tarde. A imprensa
não ficou nada satisfeita por ter ido lá à toa.
— Ainda bem! — Nadine estava exaltada, sem se importar com o que dizia. —
Você não tem o direito de fazer isso!
Everett inclinou-se para a frente e vociferou:
— Quero deixar uma coisa bem clara, Nadine Barnet: você trabalha para mim e
não está em posição de me dizer como dirigir meus negócios. Está me entendendo? Não
vou tolerar grosserias, maus modos ou o não cumprimento do seu dever. Está me
entendendo? Eu quero saber por que vocês não foram à vernissage ontem.
 Lawrence não quis. — Nadine estava tentando controlar-se. Como ela
odiava aquele cafajeste!
— Na próxima vez, você o convencerá a ir, Nadine. Eu não vou trair o seu
segredo desta vez, mas não conte com a minha generosidade se falhar novamente.
Usarei todos os meios para transformar essa exposição num sucesso. E você é um
desses meios.
— Lawrence tirará o corpo fora. Você verá. Eu posso ser chantageada, mas ele
não. Ele não suportaria esse tipo de tratamento.
Everett encolheu os ombros.
— Se Stebbing cair fora, você perderá seu emprego, seu único meio de
sustento, Nadine. Além do mais, se isso acontecer, pode ter certeza de que tanto ele
quanto a imprensa saberão que seu...
Ele ia dizer filho, mas Nadine interrompeu-o com um grito antes que pudesse
pronunciar a palavra. Ela havia se virado, furiosa, quando viu que Lawrence estava
parado junto à porta, ouvindo tudo. Ela não fazia idéia do quanto ele tinha ouvido.
No entanto, assim que saíram da galeria, para almoçar no Mercúrio, Lawrence
começou a falar rispidamente com ela.
— Quer dizer que esse é o seu encantador Everett Mills? O relacionamento
entre vocês me parece extraordinário.
— O que está querendo dizer?
— O que ele quis dizer quando falou que você não lhe recusaria nada?
Então ele tinha mesmo escutado! Nadine sentiu um aperto no coração e teve
de apressar o passo para conseguir acompanhá-lo. Olhou para seu rosto tenso e lábios
apertados, sentindo-se mais longe dele do que nunca. Incapaz de mentir, nada
respondeu.
Entraram no elegante restaurante italiano e sentaram-se perto da janela.
Depois de fazerem os pedidos, Lawrence recostou-se na cadeira e ficou tomando
um gim-tônica.
— Ontem à noite, você não queria falar de seu patrão, para evitar que eu ficasse
com uma idéia pré-concebida sobre ele. Pois bem, agora que eu já o conheci,
poderia me responder algumas perguntas?
— Depende das perguntas. — Ela deu um meio-sorriso que não chegou
até os olhos.
— Everett parecia muito ansioso para que você continuasse trabalhando para
ele — disse com sarcasmo. — Sempre se preocupa assim com seu bem-estar?
É claro que ele tinha ouvido Everett ameaçá-la de demissão caso Lawrence
desistisse da mostra. Nadine respondeu vagarosamente:

— De certa maneira, ele se preocupa comigo, sim; e, além disso, é


obviamente um grande homem de negócios. Caso contrário, a Galeria Mills não
seria o sucesso que é. Acontece que eu nem sempre concordo com os métodos dele,
como por exemplo fazer com que você seja alvo das fofocas e dos fotógrafos em
todos os lugares por onde anda. Everett não gostou de minha crítica e
descontrolou-se.
Lawrence não tirava os olhos dela.
— Entendo. Ele se descontrolou quando você lhe disse que se recusava a
seguir seu plano de ser vista em público comigo, não foi isso?
— Exatamente.
— Então, ele disse que vocês dois sabiam por que você não lhe recusaria
nada. Posso saber o motivo? Ela passou a língua nos lábios secos, dizendo:
 Eu preciso deste emprego.
 É claro que você precisa desse emprego. — A voz dele estava fria como a
lâmina de uma faca. — Agora, vejamos. Ontem, quando eu lhe perguntei por que
Everett pode obrigá-la a fazer coisas que não gosta, você falou em chantagem. E
estranho que essa palavra tenha sido mencionada duas vezes em dois dias, não
acha?
Ela tomou um gole de vinho branco para molhar a garganta.
— Bem, é verdade. É o que acabei de lhe dizer: eu preciso deste emprego. Você
sabe qual é o atual custo de vida em Nova Iorque?
— Acho que no momento isso não vem ao caso. Uma mulher com a sua
inteligência e experiência poderia facilmente encontrar outro lugar para trabalhar.
Levantando as sobrancelhas, ela procurou mostrar um ar condescendente.
— Não me diga que não lê jornal desde que saiu dos Estados Unidos! Você
não ouviu dizer que nosso atual índice de desemprego é o mais alto desde o
período da Depressão? Posso garantir-lhe que já faz um ano que estou procurando
um outro emprego.
Ele não se mostrou impressionado com suas sobrancelhas.

— Fico feliz por saber disso, mas você ainda não respondeu minha pergunta. O

que o seu patrão pode usar para fazer essa chantagem?


— Eu já lhe disse: ele ameaça me despedir.
— É este o segredo que ele prometeu não revelar? Ah, mas que decepção! Eu
pensei que você tivesse assassinado alguém ou assaltado um banco.
— O segredo é esse mesmo — respondeu Nadine com firmeza. Sua mão estava
tremendo ao pegar a taça de vinho.
— Você é uma péssima mentirosa.
Nadine fixou os olhos na abertura da camisa dele, onde aparecia o começo dos
pêlos do peito, tentando inutilmente recuperar a agradável sensação de intimidade que
ela havia experimentado na sala de Everett. Como pôde imaginar que seria possível
confiar seus temores e inseguranças àquele homem e contar-lhe sobre Jamie? Não
havia maneira de aproximar-se de Lawrence quando ele ficava daquele jeito. Mentirosa!
Ele a chamou de mentirosa!
— Não venha bancar a indignada para cima de mim. — Lawrence lembrou das
palavras de Everett. — Você só está se enrolando cada vez mais. Agora, entenda o
meu ponto de vista. Estou muito curioso para saber qual é esse segredo que você
tem com seu patrão. Se eu desistisse da exposição, ele me contaria, não é mesmo?
E também à imprensa. Infelizmente, você o interrompeu antes que revelasse o
segredo, mas eu já sei o que devo fazer para descobrir.
Nadine ficou lívida. Lawrence ia desistir da exposição, Everett ia despedí-la e
revelar a existência de Jamie, ela não teria recursos para lutar pela custódia dele, além
de perder os dois: Jamie e Lawrence. Enquanto pensava nisso, um grupo de
repórteres entrou no restaurante, causando um grande alvoroço. Sentindo-se incapaz
de enfrentar mais perguntas inconvenientes, Nadine levantou-se bruscamente.
— Nadine, espere. — A voz de Lawrence estava diferente.
Ao ver que a saída estava bloqueada pelos jornalistas, ela entrou no toalete e
encostou-se na pia, satisfeita por estar sozinha. Era bem feito que Lawrence agora
tivesse de enfrentar sozinho os jornalistas. Quem mandou ele querer desistir da
exposição para fazê-la perder o emprego?
Depois de algum tempo, uma senhora entrou no toalete e Nadine começou a
arrumar o cabelo, só para disfarçar. Bem, já estava na hora de sair e enfrentar a
situação.
Lawrence continuava sentado, tornando um coquetel. Não havia o menor sinal
de jornalistas. Ele olhava para o copo, girando o gelo, perdido em pensamentos.
Nadine aproximou-se lentamente da mesa e ele a olhou.
— Oi. Você perdeu uma bela confusão. — Como ela não respondesse, ele
continuou: Qual a programação para hoje à tarde?
— Você está livre para fazer o que quiser.
— E o jantar? Vamos jantar juntos de novo?
— Infelizmente, sim. Mas antes vamos tomar um aperitivo com Everett no Salão
Azul do hotel.
Lawrence fez uma cara tão ridícula que Nadine quase caiu na gargalhada. Ao
sair do restaurante, ele a acompanhou até a galeria, dizendo que ia dar uma volta pelo
Soho para visitar mais algumas.
Antes de ir embora, colocou as mãos nos ombros de Nadine, num gesto que
ela se lembrava muito bem, e disse:
— Não sei o que você e Everett estão aprontando. Seus planos e segredos fogem
de minha compreensão, e eu já vi que não vou conseguir nenhuma explicação com
nenhum dos dois. Mas não vou desistir da exposição para conseguí-las, pois não
quero que você perca o emprego por minha causa. Eu vou acabar descobrindo, mas
será do meu jeito. Vou saber por que Everett tem esse poder sobre você, por que
trabalha para ele e obedece ordens que a desagradam. Vou descobrir por que não me
falou da vernissage de ontem à tarde e por que mentiu a Everett dizendo que eu não
fui porque estava muito cansado.

Como Nadine continuasse calada, sem tentar esclarecer nenhum desses


pontos, ele continuou:
— E tem mais: eu quero descobrir onde você mora e conhecer o seu
apartamento. — Nesta altura, Nadine empalideceu visivelmente. — E quero conhecer
seus pais e sua irmã. Quero saber o que aconteceu nestes últimos quatro anos. Por
isso, vou continuar esse jogo, presumindo que, com isso, estarei protegendo seu
emprego. Mas, em retribuição, eu vou querer respostas, todas as respostas. —
Inclinando-se para a frente, roçou os lábios nos dela. Não conseguindo resistir,
Nadine fechou os olhos e entregou-se àquela boca firme, decidida.
— É estranho — murmurou ele, depois do beijo, com os lábios quase
encostados aos dela. — Os seus beijos são o que você tem de menos secreto.
Acho que eu ficaria sabendo de muito mais coisas se nós ficássemos nos beijando
em vez de ficarmos conversando. — Segurou o queixo dela entre o polegar e o.
indicador. — A que horas eu a encontro no Salão Azul?
— Às seis e meia — respondeu, meio sem fôlego.
Finalmente, Lawrence a soltou e ela foi direto para os elevadores, não sem
antes ouvir mais um clique de uma câmera.

Nos dias que se seguiram, a imprensa apertou mais ainda o cerco. Jornais e
revistas publicavam fotografias do casal, relatando todas as suas atividades e
criando a história do renascimento de um romance ardente entre eles.
Quando Charlotte entregou a Nadine um jornal onde aparecia uma fotografia
dos dois se beijando, esta ficou ruborizada.
— Parece que você não o odeia tanto quanto diz — falou Charlotte. — O
que está havendo entre vocês? Eu tenho lido tanta besteira nestes últimos dias,
que já não sei mais o que é realidade e o que é invenção...
Mas ela não conseguiu fazer com que a irmã lhe contasse nada. Nadine dizia
apenas que Everett insistia que ela continuasse acompanhando Lawrence nas
atividades programadas, e que eles não estavam envolvidos emocionalmente.
Sem acreditar, Charlotte deu mais uma olhada na fotografia.
— Você vai lhe contar sobre Jamie?
— Jamie! Você está brincando? Aqueles malditos repórteres iriam cercá-lo
quando ele chegasse e saísse da escola... Ele não teria um minuto de sossego,
Char! Eu já estou dando graças a Deus por ainda não terem descoberto nada por
conta própria.
— Não estou sugerindo que você conte aos repórteres. — Charlotte não se
deixou impressionar pela veemência de Nadine. Só ao pai. Ele tem o direito de
saber.
Nadine deu uma risada de deboche.
— Você acha que, se nós três saíssemos juntos pelas ruas de Nova Iorque, os
repórteres não cairiam sobre nós como um bando de lobos? Eu não vou permitir que
Jamie passe por isso; para mim mesma já é bem difícil.
— Oh, Nadine! — Charlotte estava com pena da irmã. — Você está
atravessando um momento muito difícil, não é mesmo? Mas, assim que essa
exposição terminar e você se sentir mais calma e menos pressionada, poderá contar
tudo a ele.
Nadine nem respondeu. Naquele mesmo dia, Everett tinha dito que estava
tentado a revelar acidentalmente que Lawrence tinha um filho, para assegurar o
sucesso da exposição. Ela teve de recorrer a mentiras e ameaças, dizendo que eles
tinham realmente reatado o romance, e que, assim que a exposição terminasse, ela
mesma lhe falaria sobre Jamie. Se Everett expusesse o filho de Lawrence à imprensa,
ele certamente ficaria furioso e abandonaria a exposição sem pensar duas vezes.
Everett franziu os lábios e concordou em esperar mais um pouco.
Na véspera da inauguração da mostra, eles foram jantar num restaurante no
bairro italiano, e depois do jantar passearam pelas ruas estreitas. Lawrence insistia em
saber as coisas da vida particular de Nadine, mas ela sempre respondia com evasivas.
Enquanto caminhavam de mãos dadas, uma lufada de vento frio fez Nadine
estremecer, dizendo:
— Detesto inverno!
Num impulso, ele passou o braço pelos ombros dela, procurando aquecê-la. A
princípio, Nadine enrijeceu o corpo, mas logo achou que estava tão gostoso que acabou
passando o braço pela cintura de Lawrence.
Depois de caminharem mais um pouco, tomaram um táxi até o hotel,
continuando abraçadinhos dentro do carro. Ao chegarem, ele perguntou:
— Não quer subir?
A tentação era grande. O carinho e o calor dele despertaram em Nadine um desejo
que ela não ousava demonstrar. Então, ela sacudiu a cabeça. Além do mais, disse a
si mesma, não queria mais se prender a nenhum homem, nenhum mesmo. Era
doloroso demais quando chegava ao fim.
— Então, até amanhã.
Ela sorriu.
— Você vai ver: sua exposição será um grande sucesso. Boa noite.
Capítulo Oito

Os flashes das câmeras não paravam de espocar. Limusines encostavam na


frente da galeria, e delas desciam homens e mulheres vestidos a rigor, que eram
imediatamente abordados pelos repórteres. "Se Everett queria uma cobertura
sensacional da imprensa, ele a conseguiu", pensou Nadine.
Ela recebia as pessoas que chegavam, com um sorriso encantador, sempre
com um olho na mesa de coquetel, para ver se não estava faltando nada.
Segurando uma taça de champanhe, que levava aos lábios ocasionalmente,
trocava amabilidades com as pessoas que conhecia e cumprimentava outras. Todas
estavam curiosas sobre o seu tão divulgado romance com o famoso artista.
Esta noite ela estava de branco — um vestido de chiffon, de alças, decotado
nas costas. A roupa era de Charlotte, que lhe havia comprado meias prateadas
para usar com os sapatos brancos de saltos altíssimos. As meias davam um toque
exótico às pernas, e de vez em quando Nadine as olhava com satisfação.
O quadro que causou maior sensação foi, sem dúvida, Madrugada toscana.
Havia sempre um grande número de pessoas reunidas em torno dele, e houve
muitas ofertas pela obra, sempre recusadas. Lawrence tinha deixado bem claro: o
quadro não estava à venda por preço nenhum.
Nadine ficou a maior parte do tempo ao lado do artista, apresentou-o aos.
compradores em potencial e a diversos críticos de arte, fazendo algumas
piadinhas ocasionais.
— Senhora Addamson, quero apresentar-lhe Lawrence Stebbing. Lawrence, a
senhora Addamson tem uma coleção particular que é famosa. Ela está
impressionada com seu trabalho, e quer um conselho seu sobre qual obra deveria
comprar.
Respondendo apenas com um olhar, Lawrence deu o braço à idosa senhora e
levou-a para fazer um exame de seus quadros. Nadine sentia-se feliz e entusiasmada,
seguindo a dupla com os olhos, até ser interrompida pela voz de Everett.
— Conseguimos. É um sucesso estrondoso. Meus parabéns.
— Obrigada. Parabéns para você também.
Num momento como aquele, ela se sentia generosa até em relação àquele
homem que a tratara de maneira tão sórdida. Tudo estava correndo às mil maravilhas.
Seu coração batia fortemente, como se o seu corpo fosse pequeno demais para
conter toda aquela felicidade. No dia seguinte, voltaria a ser a Nadine de sempre,
mas naquela noite era uma celebridade — todos queriam ver de perto a musa do
artista, ainda que fingissem que não olhavam para ela. Lawrence voltou, com um
sorriso.
— Ainda bem que eu a encontrei. Você é o meu refúgio contra todos esses
estranhos.
Nadine lembrou-se de como ele detestava aglomerações, e sorriu com
simpatia.
— Você está fazendo o maior sucesso. Ninguém entende por que você tem
a fama de ser um bicho-papão em suas exposições.
— Diga-lhes que é porque você nunca cuidou delas. Você fez um trabalho
espetacular. — O olhar dele estava cheio de ternura. — E está linda hoje, Nadine.
Alguma coisa deve ter acontecido para deixá-la tão radiante.
Ela sentiu que ficava corada.
— É de ver que está todo mundo falando de mim e me olhando, embora
finjam o contrário. Até que estou achando isso tudo divertido.
— Você disse que sua irmã viria.
— Sim, ela já chegou. — Nadine ficou contente ao ver que Charlotte havia chegado,
mas ainda não tinha conseguido falar com ela. Sua irmã havia desaparecido na sala
onde estava a obra tão controvertida, e ainda não tinha voltado.
— Gostaria de conhecê-la.
Nadine não poderia negar-lhe nada naquela noite. As palavras dele mexiam com
seu coração, e o toque da mão daquele homem lhe acelerava o pulso. Ela tivera muita
sorte em ter seu amor. Dando-lhe um grande sorriso, levou-o para o salão principal.
Se estava preocupada com a recepção que sua irmã daria a Lawrence, seus
temores se dissiparam assim que colocou os olhos nela. Charlotte veio apressadamente
na direção deles, sem o menor sinal de hostilidade. Sorrindo calorosamente,
estendeu-lhe a mão.
— Eu já ia pedir a ela que nos apresentasse — disse, para espanto de
Nadine.
— Charlotte, Lawrence. Lawrence, Charlotte. — Nadine estava admirada com
a atitude insinuante de Charlotte em relação ao homem que ela dizia odiar.
Charlotte comentou diversas pinturas, provocando-o algumas vezes e
elogiando-o outras, até finalmente mudar de assunto.
— Steve, meu marido, não pôde vir porque teve de ficar com as crianças. Mas
eu gostaria que vocês se conhecessem.
Nadine franziu as sobrancelhas, sem entender onde a irmã queria chegar.
— Com licença — disse, dirigindo-se para a mesa, com o pretexto de ver se
estava tudo em ordem.
Mas não havia nada para ela fazer: o champanhe corria como água, as bandejas
de prata estavam bem abastecidas com uma grande variedade de canapês e não havia
copos sujos sobre a mesa.
— Só agora entendi como foi que você ficou perdidamente apaixonada por
esse homem — disse Charlotte, aproximando-se por trás dela e servindo-se de uma
taça de champanhe. Dando um suspiro exagerado, comentou: — Ah, se eu não
fosse casada! Eu sabia que deveria ter esperado mais algum tempo!
Nadine teve de rir diante da expressão cômica da irmã.
— Quer dizer que meus pecados foram perdoados? Acha que mamãe
entenderia se o conhecesse?
— Oh, Nadine! — Charlotte apertou-lhe a mão, num gesto de solidariedade.
— Ela precisava conhecê-lo.
Nadine encolheu os ombros. Por que estavam falando da mãe numa noite
como aquela?
— Sobre o que vocês estavam conversando? — perguntou Nadine.
— Sobre uma porção de coisas. Ele a admira muito. Estou começando a
ter dúvidas se abandoná-lo foi mesmo a melhor solução para você. Será que não
foi tão culpada quanto ele pela separação?
— Garanto que, mais que ele, não fui.
— Eu o convidei para jantar lá em casa amanhã. Quero que Steve o conheça.
Ele idorou o convite, sabe? Espero que você não me ache muito precipitada.
— Mas, Charlotte, e o Jamie? O que é que eu faço com ele?
Terminando seu champanhe de um só gole, Charlotte respondeu:
— Já estará dormindo antes de Lawrence chegar, e você sabe que ele dorme
como uma pedra. Lawrence não ficará sabendo de nada, embora eu ache que você
deveria lhe contar.
— Aposto que é uma armadilha que você preparou com Steve. E
Lawrence também deve estar metido nisso. Eu não posso confiar em ninguém!
— Não pode, é? — disse Lawrence, surgindo atrás dela. — É uma pena.
Nadinie procurou disfarçar suas apreensões.
— Charlotte me contou que o convidou para jantar.
— Se você tivesse me apresentado a ela assim que cheguei a Nova Iorque,
eu já teria sido convidado há muito tempo. Já estou cansado de comer em
restaurantes, apesar da companhia extremamente agradável.
— Bem, preciso ir andando — disse Charlotte, sorrindo e estendendo a mão
para Lawrence. — Até amanhã, então.
— Até amanhã. Foi um prazer conhecê-la.
Charlotte beijou a irmã e saiu. Nadine continuou a conversar com Lawrence.
— Está se divertindo?
— Para falar a verdade, estou louco para ir embora. Posso?
— Você precisa ficar no mínimo mais meia hora. Sinto muito. Mas pode
deixar que eu o avisarei assim que estiver liberado.
— Então, pelo menos me faça companhia. Assim, mais tarde, poderemos
falar das pessoas que encontramos.
— Com todo o prazer. Agora, vejamos. Quem foi que me pediu para ser
apresentado a você?
Bem mais tarde, Nadine conseguiu arrancá-lo de uma conversa com uma
senhora gorda, de vestido vermelho.
— Pronto, já cumpriu o seu dever, senhor Stebbine. Pode ficar à vontade.
— Até que enfim. — E foi direto para a porta. Quando viu que ela não o
acompanhara, voltou. — Você não vem?

— Aonde? Comigo.
— Quero ficar a sós com você.
Aquelas palavras não eram um bom sinal, mas seu desejo de continuar com
ele depois do sucesso daquela festa era tentador demais. Concordou em ir
andando com ele até o hotel, e assim seguiram pela 5ª Avenida.

— Eu gostaria que você subisse ao meu quarto para tomarmos alguma


coisa e comemorarmos em particular o sucesso da inauguração. — Era uma
afirmação, não um pedido.
Se ela subisse, acabariam inevitavelmente fazendo amor. Do jeito que o coração
de Nadine estava batendo, do jeito que seus joelhos estavam moles só de ver o
sorriso dele, sabia que não seria capaz de impedí-lo. E nem queria isso.
— Não — disse ela, em tom de súplica.
— Então vamos ao seu apartamento.
— Não! — Desta vez, ela soltou um grito.
Nadine sentiu que ele apertava sua mão com força, num gesto de frustração.
— Por quê? — perguntou ele, depois de andarem mais alguns quarteirões. —
Diga-me por que está fugindo. Sabe que estou louco por você, e às vezes consigo ver
a Nadine que era louca por mim. Outras vezes, vejo uma rainha de neve, que parece
ter medo de derreter se eu a tocar. Do que você tem medo?
— Tenho medo de derreter.
— Então, derreta! Por que negar a si mesma algo de que você gosta? — Como
ela não respondesse, ele perguntou: — Você ainda não me perdoou, não é mesmo?
Eu me desculpei de todas as maneiras possíveis, mas mesmo assim, ainda não me
perdoou.
— Eu o perdoei. Não é por isso que não quero dormir com você.
— Então, o que é?
— Não quero passar de novo pelo que já passei da outra vez. Eu não suportaria
outra separação. — Sua voz estava trêmula. — Na verdade, nenhum de nós
mudou, Lawrence. Eu continuo possessiva, insegura e ciumenta, e você
despreocupado e egoista. Neste momento, você se sente atraído por mim, mas ficará
assim por quanto tempo? Vai voltar para Florença e eu vou ficar em Nova Iorque. Para
que nos envolvermos de novo?
— Você sempre consegue me surpreender, Nadine. Não vê o quanto gosto de
você? Disse que me perdoou, mas não confia em mim. Tenho certeza de que você
também gosta de mim, mas não quer dar aos seus sentimentos a chance de se
desenvolverem.
— E exatamente isso. É claro que gosto de você. Mas não quero que
meus sentimentos escapem de meu controle, para não ficar... chateada quando
você partir.
Lawrence parecia preocupado.
— Procure entender — continuou Nadine, pensando que ele não tivesse
entendido. — Existem algumas coisas das quais eu gosto mais do que você.
— E posso saber que coisas são essas?
— Eu já lhe disse: segurança, independência. Não pretendo me apaixonar por
alguém em quem não posso confiar.
— Você acha que se passar a noite comigo ficará novamente apaixonada
por mim?
Ficar apaixonada novamente por ele? Nunca, jamais! Mas ela nada respondeu.
Sentia-se inquieta demais com toda aquela conversa, e além do mais tinham acabado
de chegar a o ho t e l .
— Ainda não são nem dez horas. Suba comigo, nem que seja um
pouquinho.
Primeiro, ela hesitou, sabendo que se subisse não seria por um pouquinho.
Estava louca para adormecer nos braços dele, ao ritmo de seu amor, ouvindo
palavras de carinho, e acordar com a respiração dele em seu rosto, olhos nos olhos.
Afinal, seria apenas por uma noite.
Sem nada dizer, segurou na mão dele e subiu a escadaria do hotel, entrando
no saguão. Lawrence falou com o recepcionista, e então foram para o elevador.
Assim que Lawrence fechou a porta do quarto, Nadine tirou os sapatos e foi
até a janela, abrindo-a e respirando o ar fresco com os olhos fechados .
Lawrence aproximou-se por trás e enlaçou-a pela cintura. Ela recostou a cabeça
no ombro dele, e com os olhos semicerrados ficou olhando o movimento da rua. Por
alguma razão, ela não tinha mais medo dos seus sentimentos. Lawrence beijou-lhe o
alto da cabeça e apertou-a com mais força, resvalando os polegares pela base de
seus seios. Foram interrompidos por uma batida na porta.
Enquanto Lawrence recebia o champanhe que havia pedido, Nadine
esticou-se como uma gata na poltrona, determinada a curtir aquela noite. Lawrence
tirou o paletó e a gravata borboleta e serviu o champanhe. Enquanto bebiam,
ficaram conversando sobre a exposição.
— Sempre gostei de seus quadros — disse Nadine, com seriedade. — Acho que
não os entendia. Lembra-se de que eu lhe disse que agora seus quadros estavam
diferentes? Talvez seja eu quem tenha mudado e não seus quadros. Agora eu os
entendo de uma maneira como jamais pude entendê-los.
— Gostaria de poder dizer o mesmo a seu respeito. Eu sempre a amei, mas não
consigo entendê-la. Você mudou e, ao invés de entendê-lá melhor, passei a
entendê-la menos ainda. Aqui em Nova Iorque, eu conheci uma faceta sua que
jamais pensei que possuísse. Você sempre foi uma pessoa tão expansiva, alegre, e
agora a vejo tão reservada...
— Eu sei, eu sei. — E colocando um dedo sobre os lábios dele, disse: —
Não vamos falar disso agora.
Docemente, ele a puxou da poltrona para os seus braços, beijando-a com
ternura. Depois de alguns instantes, seus beijos passaram a ser calorosos, exigentes,
uma disputa de línguas e lábios.
— Nadine, eu me enganei achando que poderia trazê-la aqui só para
batermos um papo e nada mais. Não consigo tirar minhas mãos de você — disse,
com uma voz rouca.
— Eu já sabia que seria assim.
— Você é mais esperta que eu. — E depois de dar-lhe mais um beijo,
perguntou: — Tem certeza de que não vai se arrepender amanhã?
Ela sacudiu a cabeça, dizendo:
— Só se eu engravidar.
Houve um longo silêncio, e finalmente ele disse:
— Daremos um jeito. Você confia em mim?
Ela assentiu, com o rosto ainda encostado ao dele. Lawrence levantou-se e
puxou-a também. Depois de ficarem se olhando, embevecidos, Lawrence abriu o
zíper do vestido dela e tirou-o pela cabeça. Nadine continuou parada, apenas de
calcinha e meias. Então, os lábios dele passaram a percorrer caminhos sinuosos
pelo corpo dela, começando pelo pescoço, descendo pelo colo, chegando á base
dos seios e subindo novamente até o mamilo rosado, que ele segurou entre os
dentes. Nadine jogou a cabeça para trás e enfiou as mãos no cabelo dele, soltando
um gemido lânguido.
Rapidamente, Lawrence desabotoou a camisa, enquanto Nadine debruçava-se
para apagar o abajur. Ele a segurou, dizendo:
— Já faz tanto tempo que eu não a vejo. Não apague a luz.
Eles costumavam fazer amor com a luz acesa, explorando os sensuais
mistérios de seus corpos, excitados por suas expressões de prazer. Nadine não
sabia se poderia entregar-se a ele com o mesmo abandono de antes.
Quando se deitou sobre ela, olhando-a nos olhos, Nadine percebeu que
Lawrence sentiu que estava tensa. Ele a segurou pelos ombros, dizendo:
— Você não quer me dizer o que está acontecendo? Está se comportando
mais como uma virgem do que quando você realmente o era. — Percebendo que ela
tinha ficado assustada com sua reação, prendeu uma mecha de cabelo atrás da orelha
dela, num gesto carinhoso. — Você sabe que eu não quero fazer isso se não
quiser.
Mas aquela afirmação era só da boca para fora, pois a ereção dele era
evidente quando se deitou novamente em cima dela. Em seguida, tirou-lhe as meias
e a calcinha, e sua boca começou a acariciar-lhe os tornozelos e as pernas com
muita sensualidade. Depois, deitou-se ao lado de Nadine, que abriu-lhe as calças.
Mas antes que ela continuasse, Lawrence segurou sua mão.
— Meu amor, olhe para mim.
Como ela se recusasse a obedecê-lo, levantou-lhe o rosto, segurando-a pelo
queixo.
— Você pode querer continuar mantendo seu segredo, e pode também não
querer me contar por que está tão tensa e amedrontada. Entenda minha posição, só
por um momento. Eu quero você e já fiz de tudo para me aproximar, mas você não
deixa. Agora, já não sei se está querendo fazer amor comigo por minha causa,
por causa de Everett, ou por alguma outra razão misteriosa, que me é
desconhecida. E não me agrada não saber.
— Não há nenhuma razão misteriosa. Só esta. — E, assim dizendo, guiou a
mão dele até o ponto de seu corpo que provava toda sua excitação.
— Não é a isto que estou dizendo — disse ele, acariciando-a
lentamente e proporcionando-lhe um imenso prazer. — Estou contente que você me
queira tanto quanto eu a quero, mas assim mesmo eu me sinto como se
estivesse por fora. O que aconteceu depois que você voltou a Nova Iorque? Que
segredo é esse que Everett sabe e eu não? Quero que me conte.
Ela apenas sacudiu a cabeça, apavorada. "Agora não" pensou. "Não podemos
estragar tudo agora." Antes, ela precisava ter certeza de que ele não lhe tomaria
Jamie.
— Você encontrou outro homem? Foi novamente magoada?
— Não. Ninguém, Lawrence.
Ela levantou os quadris ao sentir que estava sendo levada ao auge do prazer, e
ele parou o movimento por alguns instantes.
— Você não teve nenhum outro homem em todos esses anos, Nadine? Com
este corpo e sensualidade, é difícil de acreditar.
Ela estava pouco ligando se ele acreditava ou não; o que queria é que
Lawrence parasse de conversar e continuasse a acariciá-la. Mas ele insistiu:
— Por que não responde?
Finalmente, ele conseguiu atingí-la. Ela abriu os olhos, sentou-se na cama, e
com o rosto afogueado respondeu:
— Você sabe por quê. Quem você pensa que é para ficar me fazendo esse
tipo de pergunta, querendo que eu seja alguém que já não sou? Por que deveria
confiar em você depois do que me fez? Nós dois somos adultos e sabemos o que
queremos: sexo. Puro e simples. Mas você não se satisfaz em ter só meu corpo.
Também quer meu coração e minha alma, sabe-se lá por quê. Mas isso você não
terá, pois eles estão guardados em segurança. Pode me possuir, nós podemos nos
possuir mutuamente, mas você não pode mais me magoar.
Lawrence estava sentado na cama, recostado nos travesseiros, com as mãos
cruzadas atrás da cabeça, olhando-a com admiração. Nadine colocou os pés no
chão para se levantar, quando ele a puxou para si.
— Então, vamos esquecer tudo — disse, respondendo ao olhar de
interrogação que ela lhe lançou. — Eu posso esperar mais um pouco; o que não
posso é ficar numa situação na qual mais tarde você poderia me acusar de só ter
desejado sexo com você. Além do mais, para mim não seria o suficiente. Sinto muito,
Nadine. Você também terá de esperar.
— Se está fazendo isso só para me castigar...
— Não estou castigando você. Só não quero fazer amor sem que você me queira,
mas queira mesmo, e não fazer sexo só para compensar quatro anos de abstinência.
Talvez eu esteja sendo egoísta e arrogante, querendo que você retribua meu amor. Eu
ainda acho que é melhor do que uma simples gratificação sexual, como você deseja.
— Retribuir seu amor! Não me venha com essa! Você nem sabe o significado
dessa palavra!
Ele parecia determinado a não perder a paciência, e suavemente respondeu:
— Se sua definição de amor é a histeria ciumenta de quatro anos atrás, talvez
você esteja certa.
Ela levantou-se, furiosa.
— Aonde você vai? — perguntou Lawrence.
— Você me insultou e humilhou. Vou para casa.
— É justamente o contrário. Você é que me insultou e humilhou. Você é que
fingiu que gostava de mim, quando a única coisa que queria era fazer sexo sem nenhum
amor.
— Você me provocou... — Pegando seu vestido, apertou-o entre as
mãos.
— Minha querida, não pense que eu estava menos excitado que você. Só que eu
tenho um pouco mais de orgulho.
— Orgulho! — Ela soltava faísca pelos olhos.
Ele desceu da cama e aproximou-se dela.
— Sim, orgulho. Imagine se acontecesse o contrário, ou seja, se eu, sabendo
que você me amava, quisesse ir para a cama com você só para fazer sexo,
deixando bem claro que eu queria fazer aquilo só por prazer físico, sem qualquer
envolvimento emocional. Duvido que você quisesse.
Ela não tinha o que responder.
— Bem, agora, pelo menos, você entende o meu lado, apesar de eu não
entender o seu. Sexo sem amor, casamento sem amor... Por que isso tudo,
Nadine?
— Acho que deveria entender. Afinal, você fez sexo com Lily, mas disse que
me amava. Foi sexo sem amor, ou você amava as duas?
— Isso foi há quatro anos. Hoje, meus valores são diferentes. Com o passar do
tempo, todos nós mudamos.
— Sinto muito, Lawrence. — Era tarde demais, pois ela também tinha
mudado muito.
Ele passou a mão pela cabeça e sorriu.
— Não vá embora — pediu. — Fazer amor é apenas urna parte do que eu
queria fazer com você. Eu queria também conversar, dormir junto com você... Vai ficar,
não vai?
Depois de hesitar por um momento, ela concordou.
— Não se vista — disse ele, quando ela ia pegar o vestido. — Vou apagar a luz
e conversaremos no escuro.
— Mas estou com frio. — E era verdade; estava toda arrepiada. Lawrence foi
até o armário e pegou uma camisa de algodão do cabide.
— Ponha isto. Ficará melhor.
Enquanto ela vestia a camisa que lhe chegava até o meio das coxas, Lawrence
tirou as calças e a cueca, e foi para a cama, apagando a luz em seguida.
— Chegue mais perto — disse, quando Nadine se sentou na beirada da cama.
— Vou esquentá-la. — Assim dizendo, passou um braço em torno dela e, com o
outro, esfregou-lhe as costas e os ombros. Ela achou muito bom ficar lá deitada,
com o rosto no peito dele.
Agora o momento era apropriado para contar-lhe sobre Jamie. Nadine sentia-se
mais próxima dele do que nunca. Antes que Lawrence fosse à casa de Charlotte, antes
que viesse a descobrir de outra maneira, ela lhe contaria sobre o filho.
— Lawrence?
Silêncio.
— Lawrence?
A única resposta foi um ressonar bem baixinho. Ela sentiu um misto de alivio e
irritação. Sabendo que ele dormia, acariciou-lhe o peito e o ventre; Lawrence se
mexeu, mas não acordou. Ela também acabou dormindo.
Capítulo Nove

Nadine estava um poço de ansiedade diante da iminência da chegada de


Lawrence à casa de Charlotte. As crianças já tinham jantado e ela estava ajudando a
irmã a arrumar a cozinha. Billy e Cory estavam assistindo a um filme na televisão, mas
Jamie não queria desgrudar da mãe. Seu instinto lhe dizia que ele estava atrapalhando a
mãe naquela noite, mas, apesar disso, continuou exigindo maior atenção que de
costume.
Um barulho de vidro quebrado fez Nadine pular de susto.
— Jamie, tome cuidado!
Ele tinha derrubado um jarro de vidro cheio de água no chão.
— Não foi nada, Jamie — interveio Charlotte, vendo que ele tinha ficado
assustado. — Deixe, a titia limpa tudo aqui, está bem? Cuidado para não se cortar.
Mas Jamie, tentando ajudar, acabou por cortar o dedo e começou a chorar.
Vendo que Nadine estava a ponto de explodir, de tanto nervosismo, Charlotte
procurou dar um jeito nas coisas.
— Ah, isso não foi nada, Jamie. Não chore mais. — Voltou-se para a irmã. —
Nadine, faça-me um favor: vá até a sala e sirva-se de um aperitivo. Sei que Steve vai
adorar ter companhia. Vou colocar um band-aid no dedo de Jamie e colocá-lo na
cama, pois já é tarde.
— Não! — choramingou Jamie. — Não! Quero ficar com a mamãe!
O coração de Nadine derreteu ao ver o desespero do filho.
— A mamãe não vai sair, querido — disse, pegando-o no colo. — Venha
comigo, que eu vou fazer um curativo bem bonito no seu dedo. Vamos deixar a
tia Chariotte aqui, para ela poder limpar a cozinha. Venha, meu amorzinho.
Depois de fazer o curativo e segurar o filho no colo para acalmá-lo,
Nadine trocou-o, colocou-o na cama e fechou a porta, deixando-o com um olhar
triste e desafiador ao mesmo tempo.
Steve serviu-lhe um uísque, insistindo na idéia de que ela deveria contar
a Lawrence sobre o filho.
— Steve, nós já discutimos isso. Não posso correr o risco de perder
Jamie para ele.
Naquele exato momento a campainha soou e o coração de Nadine quase
foi parar na garganta.
— Coragem, garota! — disse Steve. — Estamos aqui para protegê-la.
Deixe, eu atendo a porta.
Enquanto Steve abria a porta, Nadine se sentou numa poltrona,
procurando parecer despreocupada, mas, ao ouvir vozes no hall, deu um salto e
se postou na frente da janela.
— Oi, Lawrence.
— Oi, Nadine. — E, ao invés de lhe dar a mão, beijou-a levemente nos
lábios, fazendo-a corar.
No decorrer do jantar, a tensão reinante no apartamento antes da
chegada de Lawrence desapareceu por completo. Nadine conversava
animadamente, discutindo sobre as diferenças dos estilos de vida americano e
italiano. O filé estava uma delícia, acompanhado por duas garrafas de um
excelente vinho, e a musse de chocolate encerrava com chave de ouro o jantar.
O café foi servido na sala, e Charlotte e Steve deram um jeito para que
Nadine se sentasse ao lado de Lawrence. Enquanto conversavam animadamente,
um choro atrás da porta do quarto quase fez Nadine derrubar a xícara.
— Mamãe!
Sem perceber o que estava fazendo, Nadine colocou a xícara na mesa e já ia se
levantando quando deparou com o olhar surpreso de Lawrence. Voltando a se
sentar, olhou com ar de suplica para a irmã. Procurando disfarçar, Charlotte
pediu licença e saiu apressadamente da sala.
O ambiente estava mergulhado num silêncio desconfortável. Steve se
levantou, oferecendo mais café, que Lawrence recusou e Nadine aceitou. Mas
ela tremia tanto que Steve acabou por tirar-lhe a xícara das mãos. Os gritos de
Jamie aumentaram.
— Mamãe! Eu quero a mamãe!
Nadine começou a ficar desesperada. Ela não podia deixar Jamie chorar,
chamando-a, sem responder. Por que tinha concordado com aquele maldito
jantar?
Então ouviu a voz de Lawrence, que se dirigia a ela:
— É melhor você ir, não acha?
“Eu já deveria ter lhe contado”, pensou, levantando- se e saindo da sala.
Nadine pegou Jamie do colo da irmã, e ele parou de chorar quase que de
imediato, continuando apenas a soluçar.
— Está tudo bem — disse Nadine a Charlotte. — Pode voltar para a sala.
Charlotte abraçou a irmã.
— Foi melhor que tivesse acontecido. Não era justo você guardar esse
segredo. Você também não gostaria, se Lawrence fizesse o mesmo.
Nadine não respondeu, e ficou embalando o filho, murmurando palavras de
carinho, enquanto pensava na reação de Lawrence. Charlotte tinha razão: se ele
guardasse um segredo como aquele, ela também ficaria furiosa.
Ao ouvir a porta se abrir, ela olhou para trás e viu Lawrence, que olhava
para o filho. Jamie levantou a cabeça do ombro da mãe e também ficou olhando
para ele com curiosidade.
— Oi, Jamie. — A voz de Lawrence era suave.
— Oi.
Lawrence se aproximou deles, com os olhos pregados em Jamie.
— Você devia ter me contado.
Nadine sacudiu a cabeça, sentindo um nó na garganta. Colocando Jamie
na cama, cobriu-o e balbuciou:
— Não podemos conversar aqui.
— Aqui, não, mas nós vamos conversar.
Debruçando-se sobre a cama, Lawrence beijou a cabeça de Jamie. Como
por encanto, o menino dormeceu. Então, os dois saíram para o corredor.
— Você ia deixar Jamie dormindo aqui? Suponho que ele também
tenha dormido aqui ontem, não foi?
— Sim.
Ao voltarem para a sala, encontraram Steve e Charlotte apreensivos.
Lawrence foi objetivo: ;

:
— Nadine disse que Jamie pode dormir aqui. Espero que vocês não se
importem, pois temos muito que conversar,
— Foi um prazer conhecê-lo — disse Steve. — Esperamos vê-lo outras
vezes.
Ao chegarem à rua, Lawrence começou a procurar um táxi.
— Aonde vamos? — perguntou Nadine, sem saber se estava tremendo
de frio ou de nervosismo.
— Como eu já sei porque você nunca me convidou para ir ao seu
apartamento, talvez agora a gente possa ir lá. A não ser que você tenha mais
segredos...
Sem responder, ela entrou no táxi que havia parado e deu seu endereço
ao motorista. Fizeram o trajeto todo sem trocar uma palavra, e Nadine sentia que
a raiva de Lawrence crescia a cada momento.
Como o apartamento era muito pequenino, Nadine se sentiu
envergonhada, achando que Lawrence estava aborrecido por ver que seu filho
estava vivendo naquele lugar horroroso, quando poderia estar correndo pelas
campinas de Fiesole. Mas, pela expressão dele era impossível adivinhar o que se
passava em sua cabeça.
— O que você quer tomar: café ou alguma outra coisa?
— Você devia ter me contado. — A voz dele tremia de raiva.
— Eu ia lhe contar. Só não queria que ele ficasse exposto a toda aquela
publicidade, e decidi esperar até depois da exposição. Ontem à noite eu ia lhe
contar...
— Não estou falando de ontem à noite, ou da semana passada. Estou
falando de quatro anos atrás. Você já sabia quando foi embora? Quando estava
com enjôo na estação?
— Não.
— Quando ficou sabendo?
— Em janeiro.
— Devia ter me contado, então.
Nadine se preparou para a batalha, cruzando os braços.
— Devia ter lhe contado o quê? Jamie é meu. Só meu.
— Steve me disse a idade dele, e sou perfeitamente capaz de fazer
contas. Também conheço um pouco de biologia. Que eu saiba, é totalmente
impossível uma criança ser apenas de uma mulher.
— Você sabe muito bem do que estou falando — disse ela, levantando o
queixo.
— Não, não sei, não. Você devia ter me contado! Eu poderia, pelo
menos, tê-la ajudado financeiramente, mesmo que você nunca mais quisesse me
ver.
— Eu me virei muito bem sozinha. Eu não queria e não precisava da sua
ajuda.
— Steve me disse que lhe emprestava dinheiro até dois anos atrás.
— E daí? Eu lhe paguei tudo. Além do mais, você deveria estar contente
por seu filho não ter sido criado em berço de ouro, como eu fui. Você sempre
achou isso errado. Sempre se achou superior por ter sido criado na pobreza. Não
se sente realizado ao saber que seu filho teve a mesma criação?
— Nadine, eu jamais permitiria que um filho meu passasse as
necessidades que passei, se pudesse evitar.
— O meu filho não passa necessidades. Nós vivemos muito bem.
— Vocês não vivem muito bem, não. Você não só está negando um pai
ao seu filho, como está negando uma mãe ao meu filho. Você trabalha, portanto
passa o dia inteiro longe dele. Se ao menos gostasse do seu trabalho, eu ainda
entenderia, mas você nem gosta do que faz!
— Não estou negando nada a Jamie, nada. Ele tem uma mãe, que
passa a maior parte do tempo possível com ele. Tem parentes que tomam conta
dele com muito carinho e cuidado, quando necessário. Você não tem o direito de
criticar o que eu fiz, ou como fiz. Fiz o melhor que pude.
— Você sabe que não é assim. Se não o tivesse escondido de mim,
teria meios de criá-o com maior segurança.
— Ora, Lawrence, você não queria assumir nenhuma responsabilidade,
quanto mais a de criar um filho! Pensa que é um homem honrado porque se
casou com Lily, achando que ela estava grávida. Você acha que amor e honra
são a mesma coisa? Eu o amava e aceitei viver com você nos seus termos, por
causa disso. E não o abandonei porque você saiu com Lily. Eu o abandonei
porque você abusou da liberdade na nossa relação. Aí, você perdeu todos os
direitos ao seu filho.
— Se eu soubesse da existência de Jamie — disse ele, com os dentes
cerrados —, teria sido diferente.
— Você quer dizer que teria se casado comigo porque ia ter um filho seu?
Ora Lawrence, você acha que eu ficaria feliz se me casasse por causa de Jamie?
A esta altura, você deve saber que sou mais egoísta e possessiva do que isso!
Eu queria o seu amor, e não o seu maldito senso de obrigação!
Lawrence se virou e ficou de frente para ela. Nadine sustentou seu olhar.
— Você sabe que eu a amava tanto quanto você me amava. E também
sabe que era uma pessoa muito difícil de se conviver, assim como eu também.
Então, não venha pôr toda a culpa da nossa separação nas minhas costas. Você
também teve a sua parte. Eu a amava tanto que lhe escrevi duas cartas, mesmo
depois daquela sua resposta. Por favor, Nadine, tire-me do pedestal em que me
colocou. Eu não sou um cafajeste, um traidor, mas também não sou aquele
homem virtuoso e perfeito que você imaginava, ou queria que fosse. Sou apenas
um sujeito comum, que está apaixonado por você.
Ah, se aquilo fosse verdade! Mas como poderia acreditar nele agora?
— Você quer dizer: estava apaixonado,
— Ao contrário de você, digo o que penso: eu estou apaixonado por
você.
— Você, provavelmente, fica interessado nas mulheres com quem faz
sexo, e, para aliviar a consciência, chama esse interesse de amor. Assim que
você se cansar de fazer amor comigo, ou assim que surgir algum problema com o
qual não queira se preocupar, você irá procurar outra mulher.
— Acha que egoísmo, ciúme e possessibilidade são sinônimos de amor,
não é mesmo? E que amor é esse que fez você me abandonar? — perguntou
Lawrence.
A pequena sala estava carregada de amargura e ressentimento de
quatro anos. Muitas acusações e palavras ásperas foram trocadas, até que
Lawrence, finalmente, explodiu:
— Mas isso foi há quatro anos! Como é que você pode ficar remoendo
coisas velhas, que não interessam mais? Eu mudei, você mudou! É com a nossa
relação atual que estou preocupado: eu, você e Jamie.
— Será que você não entende que o que aconteceu há quatro anos
influi, e muito, sobre o que está acontecendo neste momento? Sim, você tem
razão: eu mudei. Foi você quem me ensinou como eu deveria ser, e aprendi a
lição direitinho. Pode ter certeza de que mudei!
— E o que foi que eu lhe ensinei?
— A nunca mais confiar em você! Nunca mais!
Ele cerrou os dentes e se aproximou dela. Por um momento, Nadine
achou que tinha ido longe demais e que ele iria agredí-la; então, levantou o
queixo num ar desafiador.
Ele não a agrediu, mas suas palavras foram mais duras que qualquer
agressão física.
— Você é uma idiota, Nadine. Jamie é meu filho também. E eu não vou
permitir que ele cresça sem pai, só com meia mãe.
Nadine arregalou os olhos, aterrorizada. Aquilo era o que mais temia: ele
ia tirar Jamie dela!
— Não se atreva! Nunca deixarei que você me tire Jamie. Não vou
permitir que faça com ele o que fez comigo. Custei para me recuperar de sua
traição, mas uma criança ficaria marcada pelo resto da vida se fosse abandonada.
Jamais deixarei que você entre mais uma vez na minha vida, ou na de Jamie!
Jamais!
— Eu nunca a traí e jamais trairei Jamie. Você quer fazer o favor de parar
com esse melodrama?
— Não vou discutir semântica com você — disse, procurando colocar
desprezo em sua voz para disfarçar o medo. — Mas não vou deixar que você
magoe meu filho do jeito que me magoou. Não posso perdoá-lo por ele, se não
por mim.
Depois de ficarem algum tempo em silêncio, Lawrence falou:
— Eu estava enganado. Você não mudou nem um pouquinho. Continua
sendo a mesma garota imatura, ciumenta e possessiva que conheci, e, ao que
parece, nunca vai crescer para se transformar numa mulher.
E, assim dizendo, deu-lhe as costas e saiu do apartamento, batendo a porta
com força atrás de si.
“Você também não mudou”, pensou Nadine. “Você sempre teve a mania de
sair no meio de uma discussão.”
Capítulo Dez

No dia seguinte, Nadine foi trabalhar bastante apreensiva. Ao mesmo


tempo que temia que Lawrence lhe tomasse o filho, pensando até na
possibilidade de rapto, sentía-se muito triste por eles terem brigado mais uma vez.
No fundo de sua mente, ela acalentava uma imagem dos três juntos, sem a
ansiedade que sentia pelo filho, sem as intermináveis horas de trabalho, sem sua
eterna solidão.
Um pouco antes do almoço, decidiu que à tarde ligaria para Lawrence e,
se ele ainda não tivesse voltado para Florença, ela lhe pediria desculpas pelo seu
comportamento na noite anterior.
Naquele mesmo instante, o telefone tocou.
— Galeria Mills. Nadine Barnet falando.
— Nadine, é Lawrence. Desculpe ter saído daquele jeito ontem. Foi uma
besteira que eu fiz.
Ela não sabia o que dizer. Nunca pensara que ele pudesse lhe telefonar,
ainda mais para pedir desculpas por ter saído, como se o que ela fizera não
tivesse importância.
— Tudo bem. Acho que, àquela altura, você estava muito nervoso.
— Olhe, como nós não resolvemos nada ontem, que tal você me
convidar hoje para jantar? Assim a gente termina aquela conversa de uma
maneira mais civilizada. Prometo não sair às pressas e não ficar nervoso.
— Seria muito bom, mas o problema é que Jamie estará lá, e não quero
brigar na frente dele.
— Mas nós não vamos brigar.
— Verdade?
— Verdade. O que você acha de eu passar na casa da sua irmã para pegar
Jamie e levá-lo para o apartamento? Nadine hesitou.
— Pode deixar. Eu posso ir buscá-lo.
— Mas não me custa nada, e eu gostaria de conversar com ele a sós.
Havia tanta ansiedade na voz dele que o coração de Nadine se derreteu. Foi
um absurdo imaginar que ele poderia raptar seu filho.
— Está bem, então. Fica mais fácil para mim.
— Olhe, não precisa comprar nada. Jamie e eu vamos levar comida chinesa
para casa. A que horas você chega?
— Lá pelas cinco e meia.
— Então, até lá.
Às três horas ela pediu para sair, alegando uma dor de cabeça, e no caminho
para casa comprou café, algumas velas e lenha para a lareira.
Chegando ao apartamento, olhou-o com espírito crítico, e chegou à conclusão de
que realmente não estava bom. Rapidamente, começou a arrumar as coisas no lugar,
afofando as almofadas coloridas, que davam um toque alegre ao ambiente, e colocou
um bonito xale nas costas de uma poltrona que estava manchada. Em seguida, pôs
uma toalha xadrez em vermelho e branco sobre a mesa da cozinha, onde também
colocou duas velas acesas. A terceira vela ficou sobre a mesinha em frente ao sofá.
Finalmente, acendeu o abajur que ficava ao lado da cama, no outro extremo da sala, e,
satisfeita com o resultado, trocou de roupa e se deitou no sofá para esperar
Lawrence e Jamie.
Nadine ficou emocionada ao vê-los chegar: estavam de mãos dadas e Jamie
olhava com adoração para o pai. Entregando um grande pacote a Nadine, Lawrence
beijou-a no rosto. Ela ficou corada, e, para disfarçar, abraçou Jamie, que estava
muito excitado.
— Lawrence quer ver os meus desenhos, mamãe! Eu mostrei o desenho que
fiz na escola hoje e ele disse que gostou muito.
— Que ótimo, querido. E, depois, Lawrence também poderá lhe mostrar alguns
desenhos dele. Você gostaria de vê-los?
Jamie arregalou os olhos, dizendo:
— Você também desenha?
— Para falar a verdade, sim.
— Eu não sabia que gente grande sabia desenhar. A minha professora não
sabe.
Lawrence e Nadine trocaram um olhar de orgulho e ternura e entraram na sala.
Olhando em torno de si, Lawrence exclamou:
— Ei, isso aqui está lindo! O que foi que você fez? Tirou folga no serviço?
— Ah, não estava tão ruim ontem, estava?
— Então, deve ter sido minha imaginação. — Tirou a capa e ficou
observando as velas acesas, o fogo na lareira, os móveis confortáveis. Então, sorriu
para ela. — Eu trouxe um vinho. Que tal começarmos a tomá-lo enquanto
esquentamos a comida?
Nadine começou a tirar as coisas do pacote.
— Nossa, isto aqui dá para uma família de oito pessoas — disse ela,
examinando as diversas bandejas com diferentes pratos.
— Se não conseguirmos comer tudo, guardaremos para quando tivermos más
filhos. — Como ela olhasse assustada para ele, Lawrence deu uma piscada. —
Onde está o saca-rolha?
Nadine entregou-lhe o saca-rolha e Jamie voltou trazendo uma pilha de
cadernos de desenho.
— Jamie, por que você não leva Lawrence para a sala, para que ele possa ver
melhor os seus desenhos? Vocês podem se sentar no sofá, perto da lareira, e
acender a luz grande da sala, para enxergar melhor. Enquanto isso, eu esquento a
comida.
Por um bom tempo eles ficaram sentados no sofá, olhando os desenhos,
conversando, rindo. Durante o jantar, Nadine ficou impressionada ao ver como o filho
tentava imitar o pai na hora de rir, apertando os olhinhos e jogando a cabeça para
trás.
Quando ninguém mais agüentava comer, Lawrence serviu mais um pouco de
vinho e fez um brinde:
— Este brinde é para nós: você, Jamie e eu.
Jamie também brindou com seu copo de leite.
Enquanto Nadine fazia o café, Lawrence ofereceu-se para colocar Jamie
na cama. Depois de uma pequena hesitação, ela acabou concordando. Ele a
beijou com ternura, dizendo em seguida:
— Gostaria de contar a Jamie hoje.
Todo o corpo dela se enrijeceu.
— Que você é pai dele?
— Sim.
Ela se virou e começou a mexer no bule, sem dizer uma palavra. Suas idéias
estavam realmente muito confusas, mas ela não conseguia inventar uma boa
razão para o filho não saber a verdade. Ao se voltar, os dois já haviam saído da
sala.
Quando Lawrence voltou, sentou-se ao lado dela no sofá.
— Acho que ele ficou contente — disse, respondendo ao olhar inquiridor
de Nadine. — E não me pareceu nada surpreso.
Isso era uma coisa que ela não estranhava. Pai e filho tinham se
reconhecido e identificado muito além do interesse que compartilhavam pelo
desenho. Sob muitos aspectos, eles eram almas gêmeas. Nadine, tomou mais um
gole de vinho.
— O que vamos fazer? — disse finalmente. — Por que toda essa amizade
e paternidade? Não entendo.
— Estou tentando ser seu amigo, e como Jamie faz parte da sua vida,
quero ser amigo dele também. Você sabe que aquilo que eu disse ontem, só
falei por falar. Não vou tentar tirá-lo de você, Nadine. É você que me interessa.
"Você está caindo na conversa dele e vai dar com a cara no chão",
dizia-lhe uma voz interior. Ela respondeu lentamente:
—Acontece que isso não faz nenhuma diferença. Nós vivemos vidas
separadas, em países separados. Teremos pouca chance de nos ver, e você terá
poucas chances de ver Jamie. Portanto, seria fútil de nossa parte nos envolver
um com o outro.
Lawrence segurou a mão dela.
— Neste momento, isso é verdade, mas podemos mudar isso.
— Co mo ?
— Você poderia se casar comigo.
— Isso é impossível.
— Esqueça um pouco o passado e encare as coisas de um ponto de vista
prático. Você largaria seu emprego na galeria, do qual não gosta, e poderia terminar
seu curso de mestrado. Você e Jamie iriam morar em Florença, onde ele poderia
respirar ar fresco e aproveitar a vida do campo, que é tão saudável, e ter uma
excelente formação cultural, além de viver com a mãe e o pai. E eu poderia viver com
a mulher que amo, minha musa inspiradora, e meu filho.
— Do ponto de vista romântico, isso é maravilhoso. Mas você já pensou no
meu lado? Posso não gostar do meu emprego e de morar em Nova Iorque com Jamie,
mas aqui tenho segurança, e não posso me arriscar a perder tudo o que tenho,
depois do que passei para conseguí-lo.

— Nadine, meu casamento foi horrível e meu divórcio pior ainda, mas, apesar
de tudo, eu quero me casar com você. Foi você quem me abandonou, e eu a perdoei.
Quero recomeçar minha vida com você.

— Não adianta, Lawrence, não posso correr esse risco. Não quero depender
de ninguém, pois acho que não agüentaria sofrer mais um golpe. Além do mais,
tenho de ter muito cuidado, porque quero proteger Jamie.
— Você não confia mesmo em mim, não é?
— Quando se trata de relacionamentos, você é muito diferente de mim. Você
se apaixona e desapaixona num piscar de olhos. Pode fazer amor com dezenas de
mulheres e dizer que ama todas. Pode se casar com uma dessas mulheres por achar
que é um dever de honra, e, quando descobre que não havia necessidade, livra-se
do relacionamento. Aposto que disse a Lily que a amava. Você não acha que a
magoou? Já imaginou quanto ela deve tê-lo amado para forçá-lo a se casar com ela?
Você magoa as pessoas porque não quer assumir a responsabilidade dos seus
relacionamentos. Lily, eu, você mesmo, todos nós fomos magoados, e não vou
deixar que magoe Jamie.
Lawrence se levantou e começou a andar de um lado para outro, até que
finalmente falou:
— Como você exagera o que fiz! Por que me faz ficar na defensiva o tempo
todo? Já lhe pedi desculpas. Fiz muita besteira e assumo o que fiz, mas agora eu
mudei. E não é possível que você continue achando que fui o único culpado da
nossa separação. — Ele parou de andar e ficou olhando para ela. — Agora, tente ser
prática. Você estaria adquirindo e não perdendo segurança. Nós três teríamos uma
vida familiar, e você poderia se concentrar na defesa da sua tese de mestrado, sem
qualquer preocupação financeira, vivendo numa cidade que eu sei que você adora,
com seu filho e com o homem que a ama. Nadine, nunca deixei de amar você,
acredite-me.
Como ela desejou, durante todos aqueles anos, ouvir aquela declaração de
amor! Tudo parecia um sonho: a casa em Florença, seu mestrado, Jamie correndo
livremente pelos campos floridos, e Lawrence, o tempo todo ao lado dela. A oferta era
praticamente irrecusável, mas ela já o amara muito e não dera certo.
— Estou contente — disse finalmente. — Estou contente por saber que você
me ama, pois agora vai ver como é bom. Agora vai entender o quanto sofri quando
você me traiu com Lily.
— Está bem. Agora você está vingada. Você me amava antes e eu a amo
agora. Se a gente fosse viver junto, talvez você voltasse a me amar e pudéssemos ser
felizes. Mas não estou pedindo que você me ame. Só quero que aceite a
segurança que estou lhe oferecendo, por você e por Jamie. Assim, ambos teremos o
que mais queremos na vida: você quer segurança e eu quero você.
Nadine sentia um zumbido na cabeça. Estendeu a mão para Lawrence e ele a
segurou.
— Lawrence — começou, mas logo sentiu um nó na garganta. Com a outra
mão, segurou a cabeça dele e beijou-lhe o pescoço. Em seguida, abriu-lhe a camisa e
acariciou-lhe o peito, fazendo-o gemer.
— Querida... Ele a beijava no pescoço, na orelha, com sofreguidão.
Sentia que ela o queria. Ela apertou o corpo contra o dele, tremendo.
— Jamie pode acordar? — ele perguntou entre beijos.
— Não. Ele estava cansado.
Ele a despiu, admirando a dança da luz das velas sobre seu corpo nu, e foram
para a cama, que ficava no canto oposto da sala. Nadine sentia o corpo queimar até
os ossos. A cama rangia sob o peso deles, e Lawrence a olhou com os olhos
carregados de paixão.
— Diga — ordenou ele, com a voz rouca.
A princípio, ela não entendeu. Ele esmagou sua boca contra a dela, e depois
desceu para o pescoço e os seios.
— Eu amo você... Eu amo você, Nadine.
Era evidente que ele queria ouvir a mesma coisa dos lábios dela, e como ela
continuasse calada, continuou aquele assalto carinhoso ao corpo dela.
— Lawrence, por favor... — gritou Nadine. Ela podia lhe entregar seu corpo,
demonstrar todo o seu desejo, mas ainda não podia lhe dizer que o amava.
Finalmente, ele atingiu o centro de prazer dela, e em questão de segundos
Nadine explodia numa delirante onda de arrebatamento. Agarrado a ela, e chamando
seu nome, Lawrence a embalou nos braços. Seus corpos estavam molhados.
Algum tempo depois, quando eles já não estavam mais ofegantes, Lawrence se
apoiou sobre o cotovelo e passou a mão pelo rosto de Nadine, que a beijou.
— Antes de conhecer você, eu nunca soube o que era abrir o coração para
alguém. Quando era criança, tentei; primeiro para o meu pai, que nos abandonou, e
depois para a minha mãe, que me tratou de forma abominável a maior parte do tempo.
Assim, aprendi cedo que não podia ter sentimentos, a fim de me proteger. As únicas
vezes em que me libertava era quando pintava, mas mesmo assim havia muita frieza em
mim. E então conheci você, que era tão aberta, tão confiante, tão cheia de amor
para dar. Você era mais forte do que eu porque não tinha medo de se dar, e eu me
senti arrasado quando você se foi. Foi por isso que escrevi aquela carta, e a sua
resposta só me confirmou que eu seria rejeitado se abrisse meu coração para
alguém.
— Desculpe-me. Sinto muito...
— Não tem importância, porque tudo isso serviu para uma coisa: eu aprendi
a ter sentimentos e a expressá-los. Você se lembra de como notou que meus
quadros estavam diferentes no mês passado? Só agora encontrei a explicação
para isso: eu passei a pintar com sentimento, e isso uma coisa maravilhosa!
Nadine escondeu as lágrimas, fechando os olhos.
— Comigo foi diferente — disse ela. Eu era do jeito que você falou, mas
agora sou insegura e uma das coisas que aprendi foi controlar minhas emoções.
Não dou mais meu afeto e minha lealdade como costumava dar.
— O autocontrole não é uma coisa ruim. Só porque você pode controlar
suas emoções não significa que não as tem guardadas. Mas eu não sabia mais
sentir emoções. Eu não tinha mais nada para controlar.
Nadine assentiu, sentindo um misto de tristeza e alegria no peito. Lawrence
a abraçou, e ela recostou o rosto no peito dele.
— Venha comigo para Florença. Você vai ver como tudo vai dar certo.
Depois de um longo silêncio, ela respondeu:
— Está bem. Vou me casar com voc ê.
Lawrence respirou aliviado, depois de tanta tensão, e selou aquela
promessa com um beijo.
— Vamos nos casar antes de partirmos.
— Mas não conte a Jamie ainda — disse ela, repentinamente.
— Po r qu e nã o?
— É melhor esperar alguns dias.
O coração de Nadine estava disparado como o de um animal assustado.
Lawrence a beijou mais uma vez, e ela procurou afastar o pânico infundado que
estava sentindo por ter assumido aquele compromisso.
Nenhum dos dois dormiu bem, e logo que o dia amanheceu se levantaram e
foram tomar café. Não tocaram no assunto da noite anterior, e como Jamie também
acordou em seguida, pai e filho ficaram conversando animadamente à mesa.
Lawrence se ofereceu para levar Jamie à escola e Nadine lhe entregou a chave
do apartamento, porque assim ele poderia também trazê-lo de volta.
— Então, até a noite — disse ele, beijando-a no rosto.
Ela ficou olhando os dois descerem a escada, de mãos dadas, e sentiu o coração
se contrair de amor e de um certo temor.

Charlotte e Steve os convidaram para jantar no dia seguinte, e Nadine finalmente


concordou em anunciar seu noivado durante o jantar.
Lawrence e Jamie já estavam em casa quando ela voltou do trabalho, e foi
calorosamente recebida por eles. Depois de um rápido bate-papo, Nadine foi se trocar
no quarto de Jamie, sendo seguida por Lawrence. Ele a abraçou enquanto ela
calçava os sapatos.
— O que aconteceu com aquele seu fantástico guarda-roupa? — perguntou ele,
olhando dentro do armário. — Eu estava começando a achar que você tinha um
quarto só para guardar as roupas.
— Ah, eram todas da minha irmã; ela era bem mais magra.
Lawrence ficou pensativo, mas não fez qualquer comentário. Nadine olhou para ele,
que estava muito atraente, e sentiu uma onda de amor e desejo. Largando a escova,
encostou o rosto no peito dele, e ele passou os braços em torno dela.
— Nadine, vamos contar a seus pais que nós vamos nos casar. Você não
gostaria que eles viessem ao casamento? Seria uma ótima oportunidade para
fazer as pazes.
Desvencilhando-se dos braços dele, ela voltou a escovar o cabelo diante do
espelho.
— Esqueça — ela disse, olhando-se no espelho.
— Po r qu ê ?
— Eles me abandonaram de uma maneira pior que a sua. Não posso
perdoá-los.
— Mas o que foi que eles fizeram? Você nunca me contou.
— Eles nunca me perdoaram por engravidar estando solteira. Eles nem
quiseram saber de Jamie. Se não fosse Charlotte... — Ela escovou o cabelo com
tanta força que doeu.
Ele se aproximou por trás e a abraçou pela cintura.
— Oh, querida. Deve ter sido horrível.
— Foi horrível.
— Mas agora você vai se casar, e eles devem estar morrendo de vontade de
arrumar uma desculpa para vê-la novamente.
— Se eles precisam de uma desculpa, que arranjem uma — disse
bruscamente, soltando-se dos braços dele.
— Meu amor, você não acha que deveria ser mais razoável?
— Não. Eu não quero voltar correndo e dizer-lhes que finalmente segui o
conselho deles e vou me casar! Não vou me casar por causa deles!
— Mas não foi isso o que eu disse. Eu só estava sugerindo uma
reconciliação. Você não pode continuar aborrecida com eles.
— Eu não estou aborrecida. Simplesmente não penso neles. E não tenho a
menor intenção de me reconciliar.
Ela parou de falar quando viu Jamie na porta. Ele já estava pronto para sair:
de calças jeans, malha vermelha e um par de tênis que Lawrence havia lhe
comprado naquele dia mesmo. Nadine teve de admitir que a mudança em Jamie,
desde que Lawrence tinha aparecido, era extraordinária. Seus olhos ficaram
suaves.
— Não fique zangada, mamãe. Lawrence não queria fazer nada de mal.
— Está bem, querido — respondeu sorrindo. — Está pronto para ir à casa de
tia Charlotte?
— Tô.
— Então vamos indo.
Discutiria o assunto mais tarde, quando Jamie não estivesse por perto. Mas,
infelizmente, o assunto voltou à tona durante o jantar, partindo de sua
entusiasmada irmã.
— Mamãe e papai vão ficar tão contentes ao saber que vocês vão se casar! Vai
ser uma maneira maravilhosa de todos se reconciliarem, não acha, Lawrence?
Antes que ele pudesse responder, Nadine falou rispidamente:
— Esqueça isso, Charlotte. Você sabe que para eles tanto faz. E se eles se
importarem, melhor ainda! Que fiquem magoados. Para mim, eles morreram.
Charlotte ficou chocada.
— Não fale assim. — E olhou em volta para ver se nenhuma das crianças
estava por perto.
— Eu tinha comentado esse mesmo assunto um pouco antes de virmos para
cá — disse Lawrence lançando um olhar de advertência para Nadine. — Ela deve estar
achando que nós combinamos, que estamos querendo forçá-la a fazer algo que ela
ainda não está preparada para enfrentar. Mudemos de assunto.
Steve resolveu vir em seu socorro.
— Quando vocês pretendem voltar para Florença? — perguntou inocentemente,
e não entendeu o olhar furioso de Nadine. — Mas o que foi?
— Por que você acha que nós vamos morar em Florença? Provavelmente é
porque eu sou mulher, e meu dever é seguir meu marido onde quer que ele vá? Nós
ainda não decidimos onde vamos morar, mas não vejo razão para que seja em
Florença, e não em Nova Iorque.
Charlotte olhou assustada para Nadine. Lawrence segurou com força a taça de
vinho e ficou olhando para as mãos. Steve se levantou, dizendo:
— Nadine, ajude-me a servir o café, por favor. Char, querida, não é melhor
vocês irem para a sala?
Na cozinha, enquanto ela arrumava as xícaras na bandeja, Steve falou:
— Você não me parece feliz com a decisão que tomou de se casar com
Lawrence. Você sabe que sua irmã e eu só queremos o seu bem. Não acha que
deveria pensar melhor no assunto antes de decidir?
— Vocês acham que não sei o que é melhor para mim?
— Não, não foi isso o que eu disse.
— Por que vocês não me deixam em paz? Eu não preciso dos seus conselhos,
não preciso dos meus pais, não preciso de ninguém! Pode deixar, que eu sei cuidar
de mim mesma!
— Ninguém está dizendo que você não sabe. Nós só estamos tentando
ajudar..
— Então, parem de tentar! — exclamou, furiosa. — Por que é que tenho de
voltar me arrastando para os meus pais e dizer-lhes que finalmente vou fazer o que
eles sempre quiseram: casar com o pai de Jamie? Não é por causa deles que vou
me casar com Lawrence, e também não é por achar que cometi algum pecado idiota
vivendo com ele sem sermos casados!
Lawrence apareceu na porta e ela já ia agredí-lo também, mas mudou de idéia
ao ver a fúria reprimida nos olhos dele.
— Vamos embora — disse ele calmamente. — Não vou ficar a noite inteira
pisando em ovos para evitar uma briga, e não quero ser responsável por submeter
Charlotte e Steve ao seu mau humor. — Olhou para Steve, que estava muito sem
jeito, arrumando as xícaras. — Tomaremos o café numa outra ocasião.
— Tu d o be m.
— Vá pegar Jamie — ordenou ele a Nadine. Ela obedeceu, dirigindo-se para
a sala de televisão sem protestar, pois conhecia muito bem a raiva reprimida de
Lawrence.
Já em casa, depois de colocar Jamie na cama, Nadine se sentou no sofá e olhou
para Lawrence com um ar de desafio. Ele tirou a malha, serviu-se de uísque e sentou-se
numa poltrona, a uma certa distância dela. Preparada que estava para ouvir uma bronca,
Nadine ficou espantada com as palavras dele.
— Vou lhe fazer uma pergunta e quero que responda do fundo do coração.
Sem truques, sem mentiras, está bem? — Ela assentiu. — O que você acha que
estou pensando neste exato momento?
Ela abriu a boca de espanto. "Do fundo do coração", ele dissera. O que
achava que ele estava pensando? Abaixou a cabeça, sentindo-se humilhada.
— Você acha que sou irracional, histérica, uma idiota imatura, e não quer
mais se casar comigo. — Mal se podia ouvir sua voz.
Ele deu um suspiro profundo, carregado de tristeza. Nadine pensava que ele
fosse concordar, mas, ao invés disso, sentou-se ao lado dela. Nadine sentiu o sofá
afundar sob o peso dele, mas não teve coragem de olhá-lo. A voz de Lawrence
estava pesada.
— Eu sabia que você ia dizer isso. Esta noite, você fez o possível para me
fazer perder a paciência. É como se você quisesse me provar que eu não gosto de
você o suficiente para me casar. Assim, eu deveria romper o noivado, para que você
pudesse fazer, mais uma vez, o papel de vítima, dizendo a si mesma que continuo
sendo o mesmo sujeito egoísta e mau-caráter de quatro anos atrás. Você está
implorando para bancar a vítima, Nadine. Por quê?
— Eu não estou. Não quero nada disso.
— Acredito que você faça isso inconscientemente, mas por quê? Por que você
acha que não me merece, ou que eu não a mereço?
Ela sentiu a vista ficar turva, e se concentrou, tentando focalizar as coisas.
Lawrence segurou-lhe as duas mãos e ela se sentiu dominada por aquelas mãos
grandes, másculas. Sua voz não passava de um sussurro.

— Acho que nunca vou me sentir de outro jeito. Serei sempre como sou agora:
insegura, desconfiada de sua fidelidade, sem saber se você me ama de verdade,
ou se está se casando comigo por causa de Jamie, ou porque está com pena de
mim... — Engoliu em seco e continuou: — Não é só pelo que aconteceu entre nós
no passado, é porque os meus pais também me abandonaram. Nunca pensei que eles
pudessem fazer uma coisa dessas comigo. Você não imagina o pânico que senti!
Tive tanto medo de não conseguir vencer sozinha.
— Mas você conseguiu.
— Consegui. Mas o preço que paguei foi alto demais para eu me arriscar a
passar novamente pelo que passei. É por isso que não quero mais depender de
você, dos meus pais, ou de quem quer que seja. E o amor é um tipo de dependência.
É por isso que não quero mais ver meus pais. Porque eu os perdoaria e voltaria a
precisar deles e a contar com eles como antigamente.
— Esqueça seus pais. E eu?
— Com você é a mesma coisa. Se me casasse com você, passaria a precisar
de você, contar com você, e viveria aterrorizada, temendo que a qualquer momento eu
fosse atirada na rua da amargura, e dessa vez eu teria Jamie para proteger também.
Não posso me casar com você, Lawrence. Não posso mudar meus sentimentos.
Pensei que pudesse, mas não posso.
A resposta dele marcou o fim do relacionamento:
— Eu sei. — Foi tudo o que ele disse.
Quando ela olhou para ele, para mostrar como estava sendo corajosa, como não
estava chorando pelo rompimento do romance, ele nem pôde vê-la, pois estava com
os olhos cheios de lágrimas.
— Nunca me perdoarei por destruir sua fé e confiança nas pessoas que ama.
Mas você esperou demais de mim, Nadine. Sou apenas um homem. Não posso sequer
lhe prometer que se nós nos casássemos eu nunca mais a magoaria. Tenho minhas
fraquezas, meus defeitos, e se você não pode conviver com eles, não daria certo.
Ele se levantou abruptamente, ficando de costas para ela, com os ombros
caídos. Sentindo um aperto no coração, ela se levantou e pôs a mão no ombro
dele.
— Lawrence...
Apoiando-se com as duas mãos na mesa da cozinha, como se estivesse muito
fraco para sustentar o corpo, ele pediu:
— Não fa ça isso.
Ela voltou para o sofá, admirada com a tristeza dele, e ficaram assim por
algum tempo, em completo silêncio.
Lawrence foi o primeiro a se mexer. Pegando o copo de uísque, deu um gole
muito grande e acabou engasgando. Nadine correu para acudí-lo e deu-lhe um
tapa forte nas costas. Quando ele recuperou o fôlego, ambos começaram a rir,
olhando um para o outro. Então, ele a segurou pelos pulsos e se beijaram
desesperadamente.
A grande frustração pela qual eles passaram transformou-se numa luta pela
posse física. Aquela era a Nadine de antigamente: desinibida, audaciosa, meiga e
terrivelmente excitante. Ela pressionava os seios contra o peito dele, brincando com a
língua em sua orelha, pescoço, dentes e língua.
Rapidamente, ela o despiu lá mesmo, jogando as roupas no chão da cozinha.
Enlouquecido com tanta provocação, ele a pegou no colo e a levou para a cama, onde a
despiu quase com selvageria.
Com o maior empenho, ele passou a cobrir todo o corpo dela de beijos, e Nadine
também passou a excitá-lo, até que finalmente ele a puxou sobre si, fazendo com
que ela o montasse e olhasse extasiada para ele, por entre as pálpebras semicerradas.
— Quero que você me ame — ele ordenou com a voz rouca. — Venha, meu
amor.
E ela obedeceu. Seus corpos se transformaram em um só, e eles rolaram na
cama, ao ritmo do amor, num frenesi de paixão. Lawrence nunca havia feito amor com
tanta violência, como se quisesse tomar posse do corpo dela, já que não podia
possuir sua alma. Ele foi aumentando o ritmo e a força, como se estivesse
procurando alguma coisa dentro dela, até atingir o clímax, levando-a consigo naquela
onda carregada de paixão, que finalmente arrebentava.
Quando ele soltou o peso do corpo sobre ela, percebeu que ela estava
tremendo.
— O que foi, meu amor? — perguntou, abraçando-a carinhosamente. Ele
ainda estava ofegante. — Eu a machuquei?
— Não. — A voz dela estava abafada pelo peito dele. — É que você... foi
demais...
— Ele a abraçou com mais força.
— Deve haver uma maneira de recomeçar — murmurou, sentindo-se frustrado.
— Não vou desistir. Não vou mesmo.
Capítulo Onze

Quando Nadine acordou de manhã, viu que estava sozinha. Cansada, porém
animada, depois do amor selvagem que tinham feito na noite anterior,
espreguiçou-se e olhou em todos os cantos do quarto. Onde estaria Lawrence? Não
havia nenhum ruído no banheiro ou no quarto de Jamie. Levantou-se, vestiu um
roupão e foi até a cozinha, onde encontrou um bilhete em cima da mesa; era de
Lawrence e dizia:

Fomos à escola. Volto daqui a meia hora. Não quisemos acordá-la.

Ela não pôde deixar de sorrir ao imaginá-los andando pelo apartamento na


ponta dos pés, preparando o café sem fazer barulho, cochichando para não acordá-la.
Estava chovendo forte, e Nadine decidiu tomar seu café. Ela não conseguia entender
por que estava com aquela estranha sensação de alivio e felicidade. Teria sido o
fato de eles concordarem que não se casariam mais? Aquilo não tinha o menor
sentido.
Enquanto tomava o café, ficou olhando a chuva que batia na janela. Como é
que ia agüentar passar mais um inverno ali? Como ela ia agüentar o frio, a solidão,
o emprego chato e a ansiedade pela segurança de Jamie? Não teria ela forças
suficientes para conservar sua independência e amar Lawrence ao mesmo tempo?
Ela quase achou que teria.
A chave girou na porta e lá estava Lawrence, totalmente encharcado. O coração
de Nadine deu um salto, vendo-o com o cabelo colado na cabeça e a roupa
pingando.
— Bom dia — disse ela, sorrindo. — Quer um café?
A aparência dele era a de quem tinha passado a noite em claro; a barba por
fazer e as olheiras davam a impressão de que ele estava exausto.
— Aceito, sim, obrigado. — Tirou o paletó molhado, sacudiu-o e passou a
mão pela cabeça, sentando-se em seguida.
Nadine serviu o café e colocou a xícara diante dele. Por que não conseguia lhe
dizer que iria com ele para Florença? Em meio à hesitação, beijou-o no alto da
cabeça e esfregou-lhe a nuca, para reconfortá-lo. Mas ela não conseguia falar.
Subitamente, ele segurou a mão dela, apertando-a.
— Eu passei a noite toda pensando numa solução, e cheguei a uma
conclusão. — Tomou um gole de café e continuou: — Eu vou voltar para Florença.
Sozinho. Hoje. E vou deixar que você decida por si mesma se quer ir para lá com
Jamie para viver comigo.
Nadine perdeu a cor e puxou a mão bruscamente. Sem conseguir falar, virou-se
para a janela, olhando a chuva. Abandonada mais uma vez. Ela já devia esperar por
isso. Podia sentir os olhos de Lawrence fixos nela.
— Você sabe que eu queria que fosse comigo, mas não vou mais tentar
persuadi-la. Se você decidir ir, será por sua livre e espontânea vontade. A
responsabilidade será sua. Não quero que mais tarde você me culpe se algo sair
errado, ou se você não for feliz lá. A única maneira de você viver comigo é
assumindo total responsabilidade pela decisão.
Ela não se voltou nem respondeu. Nem entendeu direito, sequer, o que ele
disse; a única coisa que sabia era que Lawrence a estava abandonando mais
uma vez.
Colocando as mãos nos ombros dela, ele fez com que ela se virasse.
— Nadine, tenho tentado conquistar o seu amor de um jeito totalmente errado.
Achei que poderia convencê-la a me amar, persuadí-la a confiar em mim, mas tudo
isso está errado. O amor e a confiança que você poderá vir a sentir tem de vir de dentro
de você, entendeu? Você sabe que a coisa que mais quero no mundo é estar com
você e Jamie, mas não vou continuar em Nova Iorque, tentando provar que isso é
verdade, porque mesmo que consiga, você não terá assumido sua cota de
responsabilidade no nosso relacionamento.
Com um grande esforço, ela conseguiu dizer com voz calma:
— Acho que você tomou a decisão certa para nós dois, indo embora. Quanto
antes, melhor.
Ele tirou as mãos dos ombros dela.
— Você não está me entendendo. Eu estou indo embora para não tomar uma
decisão por você. Quem tem de tomar essa decisão é você.
— Não é uma opção justa. — Por dentro, ela estava chorando; por fora, estava
controlada. — Você está me pedindo para arriscar demais.
— Eu amo você. Sabe o que isso significa? Estou lhe dando minha vida;
você não pode me confiar a sua?
— A decisão que você quer que eu tome não tem nada a ver com amor ou
confiança, e sim com a natureza humana. Preciso de segurança, e você, de
independência. O fato de me amar não significa necessariamente que você tenha de
viver comigo, e o fato de eu amar você... — Parou abruptamente. Ela o amava tanto
que tinha impressão que seu coração ia se partir. — Será que você não vê, Lawrence?
O nosso problema não é de falta de amor ou de confiança, e sim o fato de que nós
não podemos viver juntos. O amor não tem nada a ver com a nossa incompatibilidade.
— O amor tem tudo a ver.
— Da última vez em que deixamos o amor levar a melhor, veja o que
aconteceu.
— Aquele amor era diferente. Eu tinha me apaixonado pela sua ingenuidade, seu
entusiasmo, sua admiração por mim; e você estava impressionada com o artista
famoso, que a salvou das ruas de Florença em meio a uma chuva.
O que sentimos agora é diferente. Eu amo você: uma mulher forte, corajosa, leal,
que sofreu por minha causa. E o mesmo deve acontecer com você. Se você me
ama agora, é um homem que você ama, não uma ilusão.
— Eu nunca amei uma ilusão.
— Se assim não fosse, você não teria ficado tão magoada. Você fez de mim
um ídolo cheio de virtudes e levou um susto muito grande quando descobriu que eu
era apenas um homem comum.
— Mas será que você não entende? — Nadine se sentou numa cadeira e
cerrou os punhos com força. — Não faz a menor diferença se amei uma ilusão ou
não. O fato é que eu o amei desesperadamente, e não posso passar novamente pelo
que já passei!
— Será que você poderia me amar tanto quanto amou o homem que imaginava
que eu era? É muito mais fácil amar um herói.
— Sempre amei o mesmo homem. A natureza do meu amor pode ter mudado,
mas o objeto jamais mudará.
E com isso, a conversa foi encerrada. Nadine acompanhou Lawrence até a rua,
onde ficaram esperando um táxi embaixo da cobertura.
Quando um táxi vazio vinha vindo, eles se abraçaram inesperadamente,
compreendendo a iminente separação. E, com a mesma rapidez, se soltaram.
— Adeus — disse ele, fazendo sinal para o táxi.
— Adeus — sussurrou Nadine.
Quando o carro dobrou a esquina, Nadine subiu lentamente de volta para o
apartamento, fechou a porta e ficou olhando para a sala vazia.
Como ela pôde agüentar aquela separação? Ela o amava, sempre o amou. Ao
vê-lo novamente, toda a paixão que ela tinha sufocado ao sair de Florença voltou à
tona. Como ele pôde traí-la novamente, partindo daquela maneira? Como ela poderia
viver sem ele?
Um soluço ficou preso em sua garganta e, sentando-se numa cadeira da cozinha,
Nadine escondeu o rosto entre os braços e chorou copiosamente, como há
muito tempo não fazia.

Vários dias haviam se passado desde a viagem de Lawrence. Jamie estava


dormindo há horas e Nadine estava encolhida na sala, pois o tempo tinha esfriado
muito, tentando decidir se telefonava ou não para ele.
Lawrence não tinha dado notícias e ela estava com saudades dele, querendo
imensamente ouvi-lo dizer uma vez mais que queria que ela fosse para Florença.
Mas ela estava com medo de ligar para ele. E se ele ficasse zangado por ela
ainda não ter uma resposta definitiva?
Mas, afinal, Lawrence não podia querer que ela tomasse aquela decisão
totalmente sozinha. Ela precisava falar com ele. Enchendo-se de coragem,
pegou o telefone e fez a ligação.
Para sua surpresa, quem atendeu foi uma mulher. De repente, Nadine se
lembrou de que devia ser muito cedo em Florença. O que uma mulher estava
fazendo na casa de Lawrence? Teria ele desistido dela?
— Dica pure? — perguntou a voz.
— Nadine sacudiu a cabeça, achando que talvez tivesse ligado errado.
— Lawrence está? — Ela estava torcendo para que a mulher entendesse
inglês.
— Não, ele não est á. Quem est á falando?
Mesmo depois de todos aqueles anos, Nadine não podia confundir aquela
voz sensual. Lily! Lily estava dormindo na casa de Lawrence!
— Aqui é Nadine Barnet.
— Nadine! Voc ê está em Floren ça?
— Não. Estou telefonando de Nova Iorque.
— Nova Iorque? Isso é muito longe, Nadine! Você devia voltar para
Florença.
— Eu estava pensando nisso.
— Eu me lembro de como você gostava de Florença. Já faz tanto tempo
que você foi embora! Estamos ansiosos para vê-la novamente.
"Estamos", pensou Nadine, com um aperto no coração. Será que Lily e
Lawrence haviam se reconciliado?
— Não há nada definitivo ainda. Eu queria falar com Lawrence.
— Eu direi a ele que você ligou. — Lily falava com muita cordialidade.
— Obrigada. Desculpe atrapalhá-la.
— Não tem problema. — Ela quase conseguia ver o sorriso de Lily. — Espero
vê-la em breve. Florença fica linda nesta época do ano.
Depois de desligar o telefone, Nadine sentiu uma grande angústia. Por que ela havia
acreditado em Lawrence novamente? Ele jamais mudaria, jamais seria fiel a ela!
Depois de passar algum tempo remoendo aquilo, ela foi para a cama, mas não
conseguia dormir. Seu sonho de voltar a morar em Florença havia sido destruído.
"Maldito Lawrence", pensou, "ele estragou tudo."
De repente, ela se sentou na cama. Teria Lawrence realmente acabado com suas
possibilidades de mudar para a Itália? Viver com ele seria impossível, mas o que a
impediria de viver em Florença com Jamie? Ele não era dono de Florença.
Levantou-se, excitada com as novas perspectivas, e foi preparar um café. Sua
mente estava a cem por hora. Poderia dar certo! O que ela tinha na poupança dava
para pagar as passagens e passar alguns dias numa pensão. Lawrence podia não
ser fiel a ela, mas ela tinha certeza de que podia contar com ele para sustentar Jamie.
Ela arranjaria um emprego na universidade, onde terminaria seu curso de mestrado.
Poderia dar certo!
Enquanto tomava o café, pensava nas suas perspectivas. Seu sonho de viver
com Lawrence, passar todos os dias ao lado dele, tinha chegado ao fim. Será que ela
conseguiria ser feliz morando na mesma cidade que ele, mas longe, amando-o como
ela o amava?
Era estranho, mas nem a suposta infidelidade dele a deixava amargurada. O
amor que ela sentia por ele ia durar pelo resto da vida, acontecesse o que
acontecesse. Era uma paixão profunda que não mais a assustava, e, sim,
deixava-a feliz, e que ela tinha certeza de que só aumentaria com o passar do
tempo.

Na noite seguinte, Nadine e Jamie ficaram sentados à mesa da cozinha após o


jantar. Ela observava enquanto o filho desenhava, com a cabeça abaixada e com a
ponta da língua para fora, no canto da boca. De repente, ele perguntou, sem olhar
para ela:
— Quando é que a gente vai ver Lawrence de novo? Ela colocou os cotovelos
sobre a mesa, olhando-o com curiosidade.
— Você quer vê-lo, querido?
— Quero, sim.
— Você quer mudar de Nova Iorque?
Aí, ele olhou para eIa.
— Para ir para onde?
— Para a Itália. Foi lá que eu e seu pai nos conhecemos, e é lá que ele mora.
Vou lhe contar como é. Ele vive numa cidadezinha cercada de montanhas que são
verdes e douradas, como seus olhos. O azul do céu é a coisa mais linda que você
poderia imaginar. É lá que estão guardadas algumas das mais importantes pinturas e
esculturas do mundo. A cidade é cortada por um rio, e sobre uma das pontes há casas
e lojas... — Ela semicerrou os olhos e continuou a falar com um tom sonhador. —
A casa de seu pai não fica na cidade, e sim no campo. O jardim não é grande, mas
há uma enorme campina no fundo, cheia de flores silvestres. No fim da campina tem
um bosque, por onde passa um riacho. A casa em si é maravilhosa: é um grande
sobrado todo revestido de pedras. Só a sala dá quatro vezes o nosso apartamento.
No segundo andar tem um dormitório bem grande, e no terceiro andar fica o ateliê
de Lawrence, pois lá a iluminação é melhor. Tem um rouxinol que canta a noite toda
no bosque, e você pode ficar ouvindo-o do terraço que dá para a campina. O sol
nasce na frente desse terraço e, quando tem orvalho, parece que a campina inteira
cintila, como se estivesse coberta de jóias.
Jamie olhava embevecido para ela, como se estivesse vendo a cena diante de
seus olhos.
— Que bonito, mamãe...

No dia seguinte, Nadine pediu sua demissão a Everett, sem lhe dizer o motivo,
também pedindo dispensa das duas semanas de aviso prévio. Depois do expediente, foi
buscar Jamie na casa de Charlotte pela última vez.
— O que aconteceu com você? — exclamou Charlotte, ao vê-la. — Parece
até que ganhou na loteria!
Nadine se sentia tão leve que tinha até vontade de dançar.
— Eu pedi demiss ão!
Charlotte não ficou muito contente com a notícia.
— Arranjou outro emprego?
— Não.
— Você é muito impulsiva, Nadine. O que vai fazer agora?
Nadine jogou o casaco numa poltrona, deu uma pirueta no meio da sala e
fez uma reverência para a irmã, que olhava muito séria para ela.
— Eu vou para Florença, Char! Eu e Jamie estamos de mudança para lá.
— Com Lawrence? Então você vai se casar! Que maravilha!
— Nada disso. Eu e Jamie vamos morar sozinhos.
— Mas por quê? Ele desistiu de se casar com você? Nadine encolheu os
ombros, dizendo:
— Não sei. Não falei mais com ele. Mas nós vamos nos mudar para
Florença e morar sozinhos.
Nem a ansiedade de Charlotte conseguia deprimí-la. Segurou as mãos da irmã e
olhou-a com um brilho nos olhos.
— Sabe de uma coisa, Char? Eu me sinto como se tivesse tirado uma carga das
costas, que estava carregando há quatro anos. Sinto-me muito bem. Posso ir a
qualquer lugar, fazer qualquer coisa sem ter de dar satisfação a ninguém, sem ter
ninguém para me repreender. Entendi que, seja lá o que eu fizer, sempre vai aparecer
alguém para criticar; assim sendo, o melhor é ir em frente e fazer o que acho que está
certo. — Soltando as mãos da irmã, deu mais algumas piruetas pela sala. — Vou para
Florença, mesmo que Lawrence tenha se casado com outra! Ele não é dono da
cidade! Nós vamos procurar um apartamento, vou defender minha tese e Lawrence vai
ajudar a criar Jamie. Agora é a vez dele, não é mesmo?
— Mas será que ele vai ajudá-la? Não quero desanimá-la, mas acho que você
não pesou bem as coisas antes de decidir. Será que vai querer ajudá-la se você não for
morar com ele?
— Claro. Estou livre, Char. Livre de Everett, livre daquele emprego horroroso, livre
de Lawrence, livre de mim mesma. É maravilhoso!
— Você já conversou sobre isso com Lawrence? Nadine sacudiu a
cabeça, pois não queria contar sobre Lily.
— É melhor não dizer nada a Jamie por enquanto.
— Agora é tarde demais. Eu já disse, e ele adorou a idéia.
— Bem, já que não há mais nada a fazer, acho que vou abrir uma garrafa de
vinho para comemorarmos essa sua recém-encontrada liberdade. Mas quero que me
prometa que vai telefonar para Lawrence esta noite.
— Está bem. Sabe de uma coisa? Vou ligar para a mamãe e o papai antes de ir
embora.
— Oh, Nadine, que maravilha!
— Já era tempo, não é? Lawrence tinha razão.

Naquela mesma noite, depois de colocar Jamie na cama, Nadine ligou para
Lawrence.
— Dica pure?
Lily continuava lá! Bem, aquilo só podia significar uma reconciliação dos dois.
Nadine agarrou o fone.
— Alô, Lily. — Procurava manter a voz cordial. — É Nadine, de novo.
— Oi, Nadine. — A voz dela estava sonolenta e sensual. Nadine mordeu o
lábio, imaginando Lawrence deitado ao lado dela na cama.
— Lawrence está?
Lily hesitou, depois disse:
— Sinto muito, mas ele ainda não voltou. Quer deixar recado?
— Sim, por favor. Diga-lhe que chegarei em Florença na semana que vem, e
que lhe telefonarei da pensão.
— Da pens ão?
Nadine ouviu perfeitamente uma voz de homem no fundo. Então, Lily não estava
sozinha. Ela havia mentido quando disse que Lawrence não estava. Nadine sabia
que não deveria se importar com aquilo, mas era impossível evitar. Seus olhos se
encheram de lágrimas.
— Boa noite. — Foi a única coisa que conseguiu dizer, antes de desligar.
Ela levou mais de uma hora para se acalmar, e finalmente foi para a cama. Ela
teria de se acostumar com os casos amorosos de Lawrence. No final, eles
aprenderiam a ser amigos.
Mas ia ser muito difícil. Ela quisera ser amiga dele há um mês atrás, quando
estivera em Florença, mas viu que era impossível. Suas emoções ultrapassavam de
longe o campo da amizade e da camaradagem, entrando no mundo do desejo físico,
da adoração.
Mas, por mais que isso lhe custasse, iria tentar.
Capítulo Doze

Por ironia do destino, a primeira pessoa conhecida que Nadine encontrou em


Florença foi Lily. Ela e Jamie tinham chegado naquela manhã, e, depois de deixarem as
malas numa pensão barata, perto da estação, foram passear pela cidade. Estavam
atravessando a Ponte Vecchio, olhando as vitrines, quando Nadine viu Lily vindo
em sua direção.
— Nadine? Como você está diferente!
Lily continuava a mesma: alta, exuberante, com um vestido amarelo colado ao
corpo e um grande chapéu de palha enfeitado com flores amarelas. No entanto,
embora ela não tivesse mudado por fora, Nadine teve uma impressão diferente dela:
Lily parecia menor e menos poderosa; já não parecia capaz de manipular e
comandar as pessoas com um simples olhar, embora seus olhos continuassem
maravilhosos.
— Oi Lily.
— Já viu Lawrence?
— Ainda não. O que você anda fazendo? Continua morando em Florença,
Lily?
— Não. Eu estou aqui em viagem de férias. — Hesitou um pouco antes de
dizer: — Eu me casei com Lorenzo há três anos.
— Eu sei — respondeu Nadine calmamente. — Sinto muito pelo divórcio.
Deve ter sido muito doloroso. — Faltava-lhe coragem para perguntar se eles tinham se
reconciliado.
— Pois é. Nós nos divorciamos porque não tínhamos filhos. Lorenzo queria
tanto ter um filho... — Então olhou para Jamie. — Este é o menino de que Lorenzo me
falou, não é? Queria tanto que ele fosse meu!
Só então Nadine percebeu que a mudança que ela havia notado não era em
Lily, e sim nela mesma. Lily continuava com a mesma presença devoradora, mas
Nadine é que não se deixava mais devorar. Ela percebeu a insinuação que Lily fizera,
de que Lawrence só estava interessado nela por causa de Jamie, mas simplesmente
não acreditou.
Nadine se sentiu com mais força e mais moral. Aquelas duas mulheres tinham
uma coisa em comum: amavam o mesmo homem, mas isso não a afetava mais. O
ciúme e o ódio que ela já havia sentido por Lily transformara-se em simpatia.

— Foi bom a gente ter se encontrado — disse com sinceridade. — Assim que eu
estiver instalada, precisamos nos encontrar de novo.
— Isso seria maravilhoso, mas eu só vou ficar aqui por mais alguns dias. Eu agora
moro em Paris. Mas nós ainda nos falaremos antes de eu viajar. — Antes de ir
embora, ela sorriu com tristeza olhando para Jamie.
Nadine e Jamie voltaram para a pensão. Enquanto o garoto se sentava para
desenhar, Nadine ligou para Lawrence.
— Onde você está? — perguntou ele.
— Na Pensão Maschella.
— Quando foi que vocês chegaram?
— Hoje de manhã.
— Por que você não me avisou? Eu teria ido esperá-los no aeroporto.
— Eu liguei duas vezes dos Estados Unidos, mas não o encontrei.
— Eu soube. É que eu passei mais de uma semana em Roma, preparando uma
exposição que farei em fevereiro.
Nadine não estava entendendo. Se ele estava em Roma, o que Lily estava
fazendo na casa dele?
— Quando foi que você voltou?
— Ontem. Eu tentei ligar para você, mas seu telefone tinha sido desligado.
— Lawrence, precisamos nos encontrar logo, pois preciso discutir meus
planos com você.
— Planos? Que planos?
— É que eu preciso da sua ajuda nas próximas semanas. Preciso encontrar um
apartamento para alugar, e também gostaria que você cuidasse de Jamie enquanto eu
estiver preparando o material para a minha tese de mestrado. Ah, e eu também
preciso encontrar um emprego de meio período.
Depois de um longo silêncio, Lawrence respondeu:
— O que está acontecendo, Nadine? Eu só quero saber o que foi que deu
em você para não vir direto para cá e por que pretende morar sozinha. Bem, mas isso
não é coisa para se falar pelo telefone. Você é dona do seu nariz e eu seria a última
pessoa no mundo a obrigá-la a fazer algo contra a sua vontade. Mas, quaisquer que
sejam as suas razões, é melhor que sejam boas.
— E são.
Ele suspirou fundo.
— Está bem. Então vamos conversar. Vamos jantar aqui em casa, está bem?
Jamie poderá dormir lá em cima e nós poderemos conversar.
— Para mim, está ótimo.
— Então, passarei aí daqui a meia hora.
Nadine tomou um bom banho, vestiu-se e estava enxugando o cabelo
quando Lawrence chegou.
Ele olhou para ela sem dizer nada, e depois se voltou para Jamie, que estava
olhando com adoração para o pai e veio correndo ao seu encontro para
abraçá-lo.
— Oi, filho.
— Oi.
— Tem desenhado muito?
— Tenho, sim. Eu trouxe todos os meus desenhos novos para você ver.
— Então, assim que chegarmos à minha casa, quero ver todos, está bem?
Quer ver onde moro?
— Quero, sim. Mamãe me falou do campo, do quarto onde você desenha,
das jóias.
— Jóias?
Nadine se apressou a explicar, sentindo-se embaraçada:
— É quando o sol bate no orvalho do campo, de manhã cedo.
— Ah. — Os olhos de Lawrence estava fixos em Nadine. — Bem, vamos
indo.
Durante todo o trajeto, Nadine ficou calada e Lawrence conversou com Jamie,
que não parava de fazer perguntas, interessado em tudo o que via.
Quando chegaram em casa e entraram na sala, Jamie prendeu a respiração,
impressionado.
— Que Iiiiiindo! — exclamou, cheio de admiração, fazendo Lawrence sorrir de
prazer.
— Quer dar uma olhada no resto? Então, vamos. Nadine, venha conosco.
Ela ficou admirada ao ver que ele tinha dividido o dormitório ao meio, criando um
quarto para Jamie, com uma cama, uma escrivaninha e um tapete peludo. Jamie
logo o reconheceu:

— Já sei. Este é o meu quarto!


Nadine olhou para Lawrence, que a observava com ansiedade.
— Ficou muito bom — disse ela.
— Fico contente por você ter gostado.
A essa altura, as dúvidas e suspeitas de Nadine tinham enfraquecido. Talvez
houvesse alguma explicação. De qualquer maneira, ela daria a Lawrence a chance
de explicar. Com todos os seus defeitos, ele era um homem adorável: generoso,
atencioso, bondoso.
Jamie estava muito feliz. Tinha ficado encantado com tudo o que tinha visto, o
que era uma grande alegria para Nadine.
Eles jantaram descontraidamente no pátio e esperaram que Jamie fosse dormir para
então tentar resolver suas desavenças. Enquanto Nadine o levava para a cama,
Lawrence foi lavar os pratos. Quando ela voltou, ele ainda estava na cozinha.
— Já estou terminando — disse ele, com os braços mergulhados em água
com sabão até os cotovelos.
— Eu vou secar a louça.
— Pode deixar, ela seca sozinha. Olhe, ainda ficou um pouco de vinho aqui.
Leve a garrafa para o pátio, que eu irei em seguida.
E foi o que ela fez. Colocou a garrafa na mesinha e se debruçou no muro,
de onde ficou apreciando o anoitecer. A brisa trazia um cheiro de grama cortada,
flores do campo e pinheiros, e um friozinho que prenunciava um inverno antecipado.
Lembrou-se perfeitamente da solidão que sentira na última vez em que estivera
naquele lugar, observando o mesmo campo ao anoitecer, um mês atrás. Naquela
ocasião ela sentira muitas saudades do filho, mas hoje era diferente; ele estava no
andar de cima, e poderia ouví-la se ela gritasse seu nome. E outra coisa que
também eliminava a sensação de solidão era o amor que sentia por Lawrence.
Chegando por trás, ele a abraçou pela cintura, e ela inclinou a cabeça,
encostando-a em seu peito.
— O rouxinol voltou — murmurou Lawrence. — Eu o ouvi ontem à noite.
Sabe que eu nunca mais o tinha ouvido cantar?
Nadine fechou os olhos e apurou os ouvidos. Lá estava a doce melodia, que
vinha do bosque, encantando a todos que a ouviam.
Lawrence puxou a cabeça dela mais para trás, para que pudesse alcançar seus
lábios.
— Seu coração está batendo tão forte! — sussurrou. — Em que está
pensando?
Na verdade, Nadine não estava pensando em nada. Apenas aproveitava o
momento, ouvindo o canto do rouxinol e deliciando-se com as carícias dele. Mas
aquele era um bom momento para ouvir as explicações de Lawrence. Assim sendo,
respirou fundo e se virou de frente para ele.
— Eu estava pensando em você. Eu o amo e tenho medo de que meu
coração possa explodir de tanto amor.
— Bem, isso já é alguma coisa. Da última vez, você tinha medo de que seu
coração se partisse caso viesse a me amar. Então, por que você não quer viver
comigo, se me ama?
— Por causa de Lily.
— Lily? O que é que Lily tem a ver com isso? Nadine se sentou no muro e
abaixou os olhos.
— Eu telefonei duas vezes dos Estados Unidos, e foi Lily quem atendeu as
duas vezes. A conclusão óbvia é a de que vocês devem ter se reconciliado. Mas, ainda
que eu não possa viver com você, assim mesmo quero morar em Florença. Acho que
não tem nada de mais. Além do mais, como eu quero terminar o meu mestrado,
gostaria que você me ajudasse a criar Jamie. Acho que não é pedir demais. Não
importa o que você sinta por mim, eu quero que Jamie continue se encontrando com
você. — Levantando os olhos, viu que Lawrence a olhava com seriedade. — O que está
havendo entre você e Lily? Se você estava mesmo em Roma, por que ela estava
aqui?
Lawrence se sentou.
— Você não confia mesmo em mim, não é? E não sei se algum dia chegará a
confiar. Eu estava em Roma, sim. Se quiser, posso lhe dar o número do telefone do
amigo que me hospedou, assim poderá perguntar a ele. Agora, quanto a Lily, eu lhe
entreguei as chaves da casa antes de viajar. Apesar do divórcio, continuamos amigos, e
como ela ia passar uns dias aqui em Florença, e eu ia para Roma, ofereci a casa
para ela e o marido ficarem. — Ele percebeu a expressão de susto de Nadine. — Ela
se casou com um viúvo, em Paris. Ele tem três filhos do primeiro casamento e Lily
descobriu que não pode ter filhos. Foi muito difícil, para ela, aceitar a idéia, e espero
que se sinta pelo menos parcialmente realizada criando seus enteados.
Nadine se lembrou da tristeza de Lily ao dizer que queria que Jamie fosse dela.
Agora ela entendia o motivo, e se sentia penalizada.
Lawrence entendeu mal o silêncio de Nadine.
— Pelo amor de Deus, eu disse que seria fiel e estou sendo! E serei! O que é
que eu tenho de fazer para você acreditar em mim?
— Não faz diferença se eu acredito em você ou não. — Como Lawrence já
ia protestar, ela estendeu as mãos, para que ele esperasse. — O que eu quero dizer é
que o amo tanto que lhe perdoaria qualquer coisa.
— É verdade? — Ele segurou as mãos dela.
— Verdade.
— Você me ama mesmo?
Ela agora já estava nos braços dele.
— Oh, Lawrence, não dá para deixar de amar você. Eu acho que meu
coração pararia. Mesmo achando que tinha voltado com Lily, eu quis ficar perto de
você.
— Meu amor — murmurou, com os lábios encostados nos dela você não
sabe como é bom ouvir isso. Que saudade eu tive!
— Sabe de uma coisa? Eu me sinto tão viva, tão desperta! Eu tenho vontade
de correr, de voar...
Seus lábios se encontraram, aumentando a excitação de Nadine, que sentiu
o enrijecimento do membro de Lawrence.
— Vamos nos casar na semana que vem — disse ele, quando Nadine, tendo
desabotoado sua camisa, mordiscava-lhe o peito.
Enquanto com uma mão ele lhe puxava o cabelo, com a outra acariciava-lhe
o seio.
— Vamos — respondeu ela, perdendo-se novamente entre os lábios de
Lawrence.
Depois de algum tempo, ele protestou docemente:
— Não podemos fazer isso aqui. E se Jamie se levantar?
— Jamie está exausto da viagem, e, além disso, ficou muito tempo acordado.
Acho que ele vai dormir como uma pedra por, no mínimo, mais doze horas. Além do
mais, não podemos entrar agora porque isso aqui está bom demais. Está sentindo o
cheiro dos pinheiros, o perfume das flores? Ah, Lawrence, isso parece um
sonho...
Ele a puxou de cima do muro e a levou para o sofá, tirando-lhe a blusa.
Nadine não estava usando nada por baixo. Lawrence ficou olhando embevecido
para ela, que estava maravilhosa, banhada pela luz do luar que havia
surgido. Mesmo na penumbra, Nadine pôde ver o brilho do amor e do
desejo nos olhos dele.
— Ah, como eu te amo... — murmurou Lawrence, envolvendo o corpo de
Nadine com o seu, enquanto o rouxinol recomeçava a cantar.

FIM

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