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Observações sobre a

amplitude metodológica
possível na investigação
antropológico-social

1. Buscas introdutórias
Quando iniciei minha pesquisa no campo das culturas de
matriz africana, já tinha em mente que me empenharia em
conhecer a nação (Jeje-)Nagô, do Candomblé, para
investigar sobre repercussões ético-estéticas — logo, também
políticas — da atuação das Iyalorixás, em terreiros
localizados à cidade de São Paulo e interior, no âmbito das
mudanças sociais na atualidade. Essa escolha se deu pelo
fato de que meu primeiro contato com a cosmologia
candomblecista foi a partir de um terreiro nagô, do qual,
hoje, faço parte como abyan. Como pesquisadora nesse
campo, admiti-me, desde o começo, bastante afeita
à observação participante — inclusive no sentido que
aproxima esse método da antropologia iniciática de que
fala, em diálogo com Vagner Gonçalves da Silva (2015),
Juana Elbein dos Santos:

Quando eu comecei a pensar nesse assunto de antropologia


iniciática, eu queria definir um pouco o que eu estava
dizendo com isso: não se trata de uma iniciação religiosa,
se trata de uma iniciação cultural, se trata da possibilidade
de despojar-se de todas as heranças técnicas de nossa
formação, como metodologia, questionário, dados…
despojar de toda essa parte tecnológica e ser capaz
realmente de entrar no que eu chamo de ethos cultural, o
ethos quer dizer a emoção cultural, […] ser capaz de
absorver os conhecimentos não só a nível intelectual, de
raciocínio, e sim fundamentalmente a nível do
emocional. (JUANA apud SILVA, 2015, p. 101)

Busco, portanto, pesquisar com um olhar “de dentro”.


Entretanto, também iniciei esses estudos a partir da ótica do
movimento de mulheres negras e suas reivindicações,
buscando relações entre a tradição nagô e a resistência
feminina negra no âmbito político. Ou seja, também busco
trabalhar, necessariamente, com um olhar voltado para
mudanças sociais. Na tentativa de ponderar esses dois
olhares, atualmente, ao revisitar meu projeto de pesquisa,
tenho repensado, ou fundamentado melhor, tanto a escolha
de trabalhar com a nação nagô quanto a metodologia
adotada, a qual prevê, além da observação participante,
entrevistas abertas com as Iyalorixás focalizadas em suas
histórias de vida. Para que essa pesquisa cumpra seu
objetivo, busco também compreender os critérios a
considerar ao notar traços nagôs na relação entre
praticantes dessa tradição, em termos éticos e estéticos: (1)
com outras nações do Candomblé; e, mais profundamente,
(2) com a sociedade ampla, isto é, como já colocado, suas
implicações políticas.

Essa reelaboração está ainda inacabada, e, enriquecendo-a,


estes escritos trazem observações de leituras recentes: textos
de Beatriz Dantas, Luís Nicolau Parés e, porque meu projeto
de pesquisa está teoricamente embasado também no
pensamento pós-estruturalista, João Carlos dos Anjos. Há,
ainda, contribuição de Muniz Sodré. Destaca-se, dessas
leituras, o que estas têm contribuído para essa mirada mais
apurada para meu projeto de pesquisa, especialmente para
sua metodologia.
2. A crítica de Dantas (1988) à
pretensa “pureza nagô”
É preciso despir-se de inocências para trabalhar,
politicamente, questões envolvendo culturas de matriz
africana, especialmente, cabe notar, a partir da tradição
nagô do Candomblé. Pode-se afirmar que existem certas
armadilhas a serem evitadas. Mostra-se pertinente,
portanto, a quem está, para esse exercício, avaliando sua
própria metodologia, observar as considerações de Beatriz
Góis Dantas quanto à metodologia de que esta partiu para a
realização de seu trabalho que resultou na obra Vovó Nagô e
Papai Branco (1988), que trata, amplamente, de questões
envolvendo a formação da etnia nagô e o modo como esta é
vivenciada na atualidade. Nas palavras de Dantas (1988), tal
metodologia foi “uma tentativa de refletir sobre alguns
aspectos da realidade multifacetada do Candomblé, aspectos
que restam ininteligíveis, quando analisados apenas pelo
comparativismo culturalista” (p. 25) — comparativismo este
que se coloca, desde já, como uma primeira armadilha a ser
evitada, pelo que os escritos seguintes observam de perto as
colocações dessa autora.

Ao falar da tradição nagô, Dantas (1988) a descreve como a


reunião de “crenças e práticas rituais através das quais se
pretende estabelecer vinculação de certos candomblés às
tradições religiosas de grupos africanos procedentes do
Daomé e da Nigéria” (p. 20). No glossário, assim define
“nagô”, em relação à sua pesquisa:

Termo que no Brasil genericamente era aplicado aos


africanos procedentes do Sul e do Centro do Daomé e do
Sudeste da Nigéria. Uma das “nações” do Candomblé.
Denominação de um dos terreiros da cidade de Laranjeiras
que se identifica como “africano puro” por oposição aos
demais que seriam torés, de origem indígena e
misturados. (DANTAS, 1988, p. 260)

Logo nas primeiras linhas da obra, Dantas (1988) comenta a


respeito do que se configurava, nos tempos da produção de
sua publicação, como uma priorização de um campo de
análise pelos estudos das religiões afro-brasileiras,
especialmente do Candomblé: “os conteúdos culturais e as
especificidades desses conteúdos, quando não a procura de
suas origens” (p. 19). Fundamentada nos trabalhos de
autores expoentes desses estudos, a autora caracteriza essa
priorização como propulsora de uma “busca incessante de
africanismos” (idem), iniciada por Nina Rodrigues no século
passado, que vinha tomando

…feições diversas, desde o cotejo mecânico e simples de


traços culturais cuja semelhança com congêneres africanos
é apresentada como prova de “sobrevivências” (Rodrigues,
1935, 1977; Ramos, 1951, 1961) até os estudos que tentam
mostrar a persistência dos traços culturais como parte de
um sistema religioso africano alternativo e funcional
(Herskovits, 1967; Ribeiro, 1952), ou ainda como expressão
de um verdadeiro pensamento africano (Bastide, 1971,
1978; Santos, 1976). Dessa busca da África emerge a
valorização da pureza dos candomblés. (DANTAS, 1988,
pp. 19 e 20).

Relata a autora que esse processo de valorização da pureza


dos candomblés, nos estudos quanto à religiosidade afro-
brasileira, resulta no posicionamento da tradição nagô como
um “modelo de culto de resistência no qual a manutenção da
tradição da África e dos valores africanos permitiria uma
forma alternativa de ser, se não a nível das relações
econômicas e políticas, ao menos a nível ideológico”
(DANTAS, 1988, p. 20).
Está dado, assim, à pesquisadora, um alvo de críticas
interessantes. Segundo Dantas (1988), considerar
africanismos como provas de resistência é como determinar
traços culturais a partir de suas origens, desatentando-se,
assim, para o fato de que a sociologia brasileira pode atribuir
a esses mesmos traços significações diversas. Observa,
destarte, que é preciso notar a abrangência dos aspectos
organizacionais dos candomblés “no contexto sociocultural e
político da sociedade mais ampla” (DANTAS, 1988, p. 22).
Reforçando esse argumento, remete-se a dois outros autores
que não partem, em seus trabalhos, da visão tradicional de
etnia, isto é, não leem etnia como uma unidade cultural
isolada e assim mantida, social e/ou geograficamente. São
eles: Fredrick Barth e Abner Cohen, para quem “a cultura
passa a ser não o elemento definidor da etnia, mas um
arsenal geralmente usado para marcar distinções, visto que
a etnia implica uma situação de alteridade — a afirmação de
nós perante os outros” (p. 24). O primeiro, diz a autora,
entende o grupo étnico

…como uma forma de organização social em que se


enfatiza a interação. Apesar disso o grupo não se dilui, pois
mantém um complexo organizado de comportamentos e
relações que marcam fronteiras étnicas entre “os de
dentro” e “os de fora”. Na construção e manutenção dessas
fronteiras, traços culturais são usados como marcas
diferenciais; mas apenas algumas dessas diferenças são
consideradas significativas pelos atores, e não a soma total
das diferenças. O foco central da investigação é “a
fronteira étnica que define o grupo e não a matéria cultural
que ele encerra” (Barth, 1969: 15). (DANTAS, 1988, pp. 23 e
24)

Em sentido diverso, mas não contrário, Cohen:

…considera os grupos étnicos como grupos de interesse que


manipulam parte de sua cultura tradicional como meio de
efetivar a articulação do grupo na busca do poder. Assim, a
etnicidade, antes de ser um fenômeno cultural, é vista como
um fenômeno essencialmente político, no qual normas,
valores e mitos são relacionados e usados para expressar
funções organizacionais, e opera dentro de um contexto
político e atual, e não como um arranjo sobrevivente e
arcaico realizado no presente pelo povo conservador
(Cohen, 1969). (DANTAS, 1988, p. 24)

Destaca-se, diz Dantas (1988, p. 24), nessas visões, a


inerente função de “marcar as diferenças” presente na
“cultura original, ou parte dela”. No contato com os outros,
exacerba-se certos traços da tradição cultural. Essa
exacerbação torna esses traços diacríticos, ou seja,
distintivos. Interessante ressaltar, também, desses escritos
da autora, sua constatação de que

…a etnia não pode ser definida apenas pela cultura, uma


vez que esta pode ser manipulada pelo grupo que, movido
por seus interesses, busca um espaço próprio ou esboça
uma resistência. Se tal colocação é passível de crítica por
reduzir a cultura a interesses e razões práticas (Sahlins,
1979) ou, mais especificamente no contexto da etnicidade, a
algo que “não se põe, apenas se contrapõe” (Cunha, 1979),
caberia talvez indagar em que medida os próprios
interesses não são culturalmente definidos. (DANTAS,
1988, p. 25)

Ao encontrar, em sua pesquisa, modificações “drásticas”


entre terreiros nagôs localizados em estados vizinhos, assim
como diferenças significantes “no acervo cultural de outros
terreiros ‘nagôs mais puros’ do Nordeste”, Dantas (1988)
passou a observar possíveis explicações para esse quadro.
Seu caminho, nesse sentido, foi repensar a pureza nagô,
percebendo, com isso,
…que os traços culturais invocados para atestá-la
recortam-se e combinam-se diferentemente para
estabelecer o contraste e que seus significados, assim como
as palavras, admitem uma polissemia e se definem no
contexto social do presente e na relação das forças que
envolvem os estruturalmente superiores e
inferiores.(DANTAS, 1988, p. 26)

Dessa forma, Dantas (1988) ressalta, no âmbito da tradição


nagô, o papel destacado dos intelectuais ligados a essa
tradição nisso que admite como uma construção — e não,
necessariamente, uma fidelidade à tradição. Sob os aspectos
até aqui colocados, essa fidelidade pode, inclusive, ser
“apresentada como um sinal distintivo do Nordeste e entra
como componente do regionalismo dos anos 30” (DANTAS,
1988, p. 29). Com sua pesquisa, a autora mostra também

…como o “nagô puro” é transformado de feitiçaria em


“verdadeira religião”, permeada, porém, de aspectos
exóticos-primitivos-estéticos, e, ainda, como nesse trânsito
do Candomblé, alvo de perseguição policial, para o
Candomblé nagô exaltado, ele é usado como símbolo da
nação e da democracia cultural brasileira. […] o terreiro
nagô, tendo firmado sua exclusividade de tradição africana
mais pura, usa-a no mercado concorrencial de bens
simbólicos em busca de sua sobrevivência. (DANTAS, 1988,
p. 29 e 30)

Na conclusão de seu trabalho, Dantas (1988) constata a


recorrência da questão da hegemonia nagô em todo seu
percurso e recorre a Édison Cordeiro para afirmar que “os
nagôs da Bahia se constituíram numa espécie de elite e
impuseram suas religiões aos demais escravos” (p. 241).
Conhecer essa realidade lida pela autora se mostra
importante para desconstruir um olhar antes voltado, de
forma mais ou menos inadvertida, a essa promessa de
contato com certa pureza africana no trabalho com a etnia
Nagô ou mesmo o entendimento de que está nessa nação a
“real” resistência no âmbito dos movimentos e
transformações sociais envolvendo as culturas de matriz
africana. No mesmo sentido, outra fonte cabível para pensar
uma metodologia para pesquisa acerca do Candomblé é a
obra de Luis Nicolau Parés: A formação do Candomblé —
 História e ritual da Nação Jeje na Bahia (2006).

3. A formação do Candomblé na
pesquisa de Parés (2006)
Na elaboração sobre seu caminho metodológico para
desenvolver profundo estudo sobre a nação jeje no Brasil,
tangenciando, com isso, a formação do Candomblé, como
um todo, nesse território, Parés (2006) traz a interessante
possibilidade de inserir a pesquisa envolvendo culturas de
matriz africana nas áreas da história e da antropologia da
religião afro-brasileira, simultaneamente. Nesse trabalho, o
autor destaca que utiliza fontes escritas e orais, junto de
análise de comportamentos rituais — assim, a pesquisa como
uma interface entre história e etnografia –, observando que
“o cruzamento crítico dessa variedade de fontes se mostrou
bastante fértil e abriu caminhos interpretativos que teriam
sido impossíveis a partir da análise de um único tipo de
fonte” (PARÉS, 2006, p. 13). Esse exercício, complementa,
foi especialmente importante para a reconstituição da
história dos terreiros Bogum de Salvador e Seja Hundé de
Cachoeira, no Recôncavo Baiano, “ambos fundados por
africanos jejes, ainda na época da escravidão” (p. 13). Pela
pertinência e abrangência de sua obra, também cabe
observar mais, e de perto, aqui, como o autor articula sua
metodologia.

Em sua pesquisa, os traços diacríticos de que fala Dantas


(1988) também são caros a Parés (2006), que lidou, como
destaca, com o desafio de “compreender a gênese e a
manutenção das identidades étnicas dos africanos no Brasil”
(p. 15). Para isso, contou, como a autora, com fundamentos
de Fredrick Barth e Abner Cohen. Do primeiro, utilizou
teorias da etnicidade de caráter “relacional”, a partir das
quais constata que, embora seja necessário manter
diferenciadas cultura e etnicidade, já que a segunda é uma
dinâmica desenvolvida a partir dos sinais diacríticos
expressando as diferenças, é preciso também que haja certa
congruência de códigos e valores, cujo efeito é o
requerimento e a criação de uma “similaridade ou
comunidade de cultura”. Com isso, pode-se dizer que há,
entre os grupos étnicos, “relativa simbiose cultural, um
consenso de base a partir do qual se articula a diferença”
(PARÉS, 2006, p. 15).

Por esse caminho, admite Parés (2006) que, nesse campo de


pesquisa, trata-se de um lide com processos de identificação
e não com identidades fixas. Da percepção da plasticidade e
da multiplicidade identitária no contexto das dinâmicas dos
grupos étnicos, chega a postular a possibilidade de se falar
de identidades multidimensionais, sendo que “o caso jeje
sugere que a plasticidade e multiplicidade identitárias, que
normalmente se atribuem à modernidade tardia, foram um
fenômeno que já se dava pelo menos desde antes do século
XVIII” (p. 16). O Candomblé, complementa Parés (2006), é
“exemplo dessa dinâmica de progressiva homogeneização
institucional, acompanhada de uma dinâmica paralela de
diferenciação ‘étnica’ estabelecida a partir de uma série
discreta de elementos rituais” (p. 15). Nesse contexto, outra
admissão do autor é a de que está colocado, assim, a
pesquisadores(as), um dilema na procura por “saber se a
cultura negra ou […] a religião afro-brasileira deve ser
entendida como retenção ou sobrevivência de africanismos,
ou como adaptação criativa à dureza da escravidão e do
racismo” (p. 16). Ainda dois outros autores são trazidos em
sua argumentação: Sidney Mintz e Richard Price, os quais
…influenciados pela antropologia simbólica americana,
sugerem um novo enfoque nos estudos sobre continuidade e
mudança. Mais que comparar as formas e a funcionalidade
dos elementos religiosos, eles chamam a atenção para a
necessidade de comparar o sentido dos “africanismos” e a
persistência de certas orientações cognitivas ou “visões de
mundo” […]; enfim, sugerem comparar não os aspectos
estruturais das representações culturais africana e
diaspóricas, mas o que essas representações significam,
pretendem e expressam. (PARÉS, 2006, p. 17)

Ao citá-los, Parés (2006) se remete a teorias que seguem em


direções distintas: uma voltada para o conceito
de sobrevivência cultural, isto é, refere-se à conservação de
elementos da cultura antiga (africanismos); outra
encarando a tradição como estímulo para a inovação e
mudança (invenções). Com isso, o autor aponta para a
necessidade de se entender a sincronicidade existente entre
os processos de conservação e mudança, ou continuidade e
descontinuidade, e a proporção entre essas dinâmicas. Cabe
notar também a constatação do autor, em seus estudos, de
que

A justaposição de várias divindades num mesmo templo e a


organização de performance ritual seriada, características
do Candomblé contemporâneo, encontram nas tradições
voduns da área gbe um claro antecedente desde pelo menos
o século XVIII, sobretudo no âmbito dos cultos reais ou das
linhagens socialmente dominantes em cidades como Uidá
ou Abomey. (PARÉS, 2006, p. 18)

A quem iniciou seus estudos buscando cultivar uma visão


“de dentro” do Candomblé nagô, e com sentidos bastante
tecidos a partir de um olhar voltado às reivindicações do
movimento de mulheres negras, o que se mostra, desse
quadro apresentado por Parés (2006) e também por Dantas
(1988), é uma contribuição significativa da antropologia
(social) no âmbito metodológico e das investigações a
respeito da potencialidade política das culturas de matriz
africana em relação à sociedade ampla. Deixa-se, assim, a
pergunta: é possível pensar diálogos mais produtivos não
apenas entre diferentes nações do Candomblé, mas também
entre estas e valores diversos, cultivados fora dos terreiros?
Essa questão, interessante à luta antirracista, é lugar
também para o pensamento pós-estruturalista. Sob esse
aspecto, convém observar outro autor e seu texto: João
Carlos dos Anjos (2008).

4. A filosofia política “diferente”


presente nas culturas de
matriz africana
Olhar para repercussões ético-estéticas da atuação de
mulheres tecidas por (e dentro de) uma tradição entre as
culturas de matriz africana também é pensar nas
repercussões políticas dessas atuações. Sob esse aspecto, a
hipótese de que “a religiosidade afro-brasileira vem expondo
outra possibilidade de articulação das diferenças étnico-
raciais e [de que] essa emergência se constitui como uma
outra cosmopolítica divergente das que até aqui informam o
sentido de nação” — ou de raça — é de João Carlos dos Anjos
(2008, p. 79), que também merece, por isso, observação
aproximada

As inferências do autor perpassam questões acerca de


processos de racialização e desracialização no contexto da
construção e reconstrução da identidade nacional no Brasil,
sugerindo a existência de uma filosofia política, nas práticas
de culturas de matriz africana, capaz de propor outro
equacionamento para o senso de equidade racial, isto é,
outro equacionamento “da problemática da
(des)racialização da sociedade brasileira e as exigências já
demasiadamente adiadas de justiça racial” (p. 81). Seu texto
encontra a fala de Muniz Sodré (2011) quando este afirma
que, socialmente, há um abismo entre o reconhecimento
filosófico do outro, abstrato, e a prática ético-política de
aceitar a diversidade num espaço de convivência. Observa
Sodré (2011), ao falar da dificuldade que encontrava, então,
por parte dos governos europeus, de não dar direitos
coletivos a imigrantes: “uma coisa é o discurso lógico,
racional, de aceitação das diferenças, outra é a aceitação
concreta, afetiva, da diferença: deixar se aproximar. Porque
dizer que aceita é fácil. O problema é a aproximação, é o
afeto: a aproximação espacial, afetiva” (19:51).

Ao relevar conhecimentos cultivados nos terreiros para se


repensar, filosoficamente, a política no Ocidente, Anjos
(2008) propugna a permissão da emergência da dimensão
epistêmica da concepção nativa na relação existente entre
o(a) ‘nativo(a)’ e o(a) antropólogo(a), para que se promova,
dessa forma, o deslocamento “da vantagem estratégica do
antropólogo sobre o discurso do nativo de modo a fazer com
que este último funcione dentro do texto antropológico” (p.
79). As estratégias para fazer ressoar uma filosofia política
das práticas das culturas de matriz africana, afirma, “passam
pela exploração do contraste com a filosofia imanente às
práticas políticas usuais que manifestam a hegemonia de
uma modernidade política ocidental” (p. 79). Busca, assim, o
autor, aproximar o modo de lidar com as diferenças dentro
do terreiro à elaboração deleuziana de um pensamento das
diferenças, assumindo, por meio disso, a possibilidade de
políticas públicas que promovam experiências de raças sem
racializar.

Em seu percurso, o pensamento de Anjos (2008) admite


que, nos terreiros, há corpos sem raças equacionando as
multiplicidades. Na contramão do que se tem
por sincretistmo, isto é, o surgimento de uma nova unidade
resultante de mistura de valores de origens diversas, as
dinâmicas entre culturas de matriz africana têm um modelo
rizomático para o encontro das diferenças: a encruzilhada
como ponto de encontro de diferentes “caminhos que não se
fundem numa unidade, mas seguem como pluralidades” (p.
80). Logo, a encruzilhada designando o encontro de
diferentes caminhos como direções moventes; encontrando-
se, as diferenças permanecem como tais: “Um caboclo
permanece diferenciado de um orixá mesmo se cultuados no
mesmo terreiro e sob o mesmo nome próprio” (p. 82).

Em oposição a uma estrutura que se define pelo conjunto


de seus pontos e de posições, de relações binárias entre
esses pontos e de relações biunívocas entre essas posições, o
rizoma não é feito senão de linhas: linhas de
segmentarização, de estratificação, como de dimensões,
mas também de linhas de fuga ou de desterritorialização
como dimensão máxima após a qual, seguindo-a, a
multiplicidade se metamorfoseia mudando de
natureza. (DELEUZE apudANJOS, 2008, p. 81)

Trata-se, portanto, de um jogo com a alteridade,


desobediente “ao princípio de a identidade e da não-
contradição” (BASTIDE apud ANJOS, 2008, p. 81).

As diversas nações (Jeje, Ketu, Angola…) não são essências


identitárias pertencentes a indivíduos, mas territórios
simbólicos de intensidades diversas, passíveis de serem
percorridos por multiplicidade de raças e indivíduos. Se
retomássemos Deleuze e Guattari a propósito das
possibilidades de se viajar por raças, nações e divindades,
o conceito de intensidades se veria na extensão do conceito
afro-brasileiro de encruzilhada. (ANJOS, 2008, p. 82)
Visão de um esquema rizomático capturada da rede

São outras, e importantes, possibilidades: em Anjos (2008),


é possível conceber que os jogos das diferenças nessas
dinâmicas permitem a não essencialização das raças,
embora não deixem de se fazer, os terreiros e as dinâmicas
dentro deles, como espaços de racialização. É possível
pensar a vivência da racialidade como intensidade histórica,
modo pelo qual é possível, também, resgatar duas
dimensões políticas a partir da filosofia política inscrita nas
relações entre culturas de matriz africana cultivadas no
Brasil: “1) é possível políticas compensatórias de corte racial
sem essencialismos; 2) o patrimônio étnico é o lugar de
viagens múltiplas de seres nômades” (ANJOS, 2008, p. 83).
O autor sugere que

As políticas públicas poderiam conjunturalmente definir


focos racializados como lugar de incidência de uma
dimensão injustiçada de uma história comum, ao mesmo
tempo que o patrimônio étnico se afirmaria como percurso
racializante não restrito ou associado a certo tipo de
fenótipo, mas aberto à multiplicidade como bem se vê nas
práticas do terreiro. (ANJOS, 2008, p. 83)
Quanto à noção de pessoa, associada à de raça ou nação,
que Anjos (2008), no sentido até aqui colocado, encontra
nas culturas de matriz africana, destaca-se algumas de suas
observações, embasadas, recorda-se, em conceitos
deleuzianos. As culturas de matriz africana são fortemente
ritualísticas. Os(as) filhos(as) de santo, ao serem
iniciados(as), “renascem”, em ritual, para um crescimento e
conquista de maturidade religiosa junto de seu orixá, este,
presente, como axé, na pedra acutá, de onde emana essa
força vital, isto é: um objeto sagrado de relevância nessa
relação, mas que não constitui uma representação; constitui
presença. Embora se possa compartilhar de um mesmo
orixá, “em cada casa, cada orixá é uma entidade singular e
não individual” (p. 84) e, como tais, singularizam-se
constantemente, em rituais, como um novo momento, de
modo que “trata-se de um mundo de intensidades que
singularizam em momentos precisos”: “um mesmo nome —
 xangô — percorrendo diversas ‘passagens’, singularizando-se
numa multiplicidade de momentos” (p. 85). Destarte,

O eu torna-se residual e múltiplo, desterritorializando


todas as identidades precariamente constituídas numa
multiplicidade de passagens. É nesse sentido que o ritual
afro-brasileiro não é apenas uma prática, mas também
uma filosofia de identidade. Pretender que no ato
ritualístico se faz filosofia é dissolver a oposição comum
entre mente e corporalidade. […] O sagrado enquanto
alteridade é carregado para “dentro”, fazendo explodir a
unidade do sujeito. Trata-se de uma vivência da alteridade
numa concepção de pessoa completamente diferente
daquilo que a modernidade ocidental nos apresenta: o
“outro” introduzido no “mesmo” fazendo explodir a
mesmidade como possibilidade de pensar e ser. […] O
corpo, que é o “cavalo de santo”, o terreiro é o lugar de
sobreposição de territórios. (ANJOS, 2008, pp. 85 e 86)

Dessas observações, Anjos (2008) enfatiza que,


diferentemente do que se dá na religiosidade afro-brasileira,
na tradição judaico-cristã, o afastamento extremo da
potência sagrada sobrenatural e o ente que o manifesta é um
princípio. Assim, a hóstia representa a presença de Cristo. O
autor argumenta que essa visão, essa dinâmica de
representação, reflete, como é possível constatar nos fatos
históricos, na estrutura político-institucional hegemônica no
Ocidente, onde “a hóstia tende a aparecer como modelo que
fornece os ‘fundamentos’ da teologia e liturgia política
moderna. O rei morre. Mas a continuidade da soberania tem
de ser garantida” (ANJOS, 2008, p. 88). A hóstia é, assim, o
modelo teológico-jurídico da efígie, que é o duplo do rei.
“Eis o poder da representação” (p. 88), e também da
“representação do poder, que de certo modo confunde poder
de Estado e agentes de Estado” (p. 89).

Essa grande diferença existente entre o jogo de proximidade


e distância nas duas culturas é cara a Anjos (2008), que lê
nas dinâmicas de culturas de matriz africana uma filosofia
política em que a relação com o poder é de proximidade; “é
tanto mais absoluto quanto pode ser anulado na
familiaridade” (p. 90): “Se o regime de representação, cujo
modelo é a hóstia, requer a simbolização de um poder
tornado abstrato e distante, o acutá supõe poder imediato,
tão próximo que constitutivo da pessoa sobre a qual ele se
exerce” (p. 89), afirma. Assim, não se confere, nessa
religiosidade, um rosto ao sagrado. A distância entre o
representante e o representado é anulada na pedra acutá,
aquela da qual a energia do orixá emana desde a iniciação
do(a) filho(a) de santo. O fato de não haver um rosto para o
sagrado que se encontra na religiosidade afro-brasileira
garante:

1) O não privilegiamento de um fenótipo e de um gradiente


entre humanos por sua proximidade com relação ao “rosto
de deus”; 2) um vínculo estrito entre humanos, não
humanos e o sagrado, 3) a construção da pessoa como
multiplicidade. (ANJOS, 2008, p. 91)
Anjos (2008) admite, com seus escritos, uma forma
desterritorializada de se fazer grupos e política que não
deixa de reivindicar direitos e territórios, mas que se dá a
partir da ação de pessoas cujas identidades corporadas,
inicialmente, “não param de desestruturar seus parâmetros
básicos para se conectarem em novos processos de
identidade” (p. 92). O que traz o autor, essencialmente, é a
possibilidade de transpor dinâmicas de culturas de matriz
africana para as formas ocidentais de fazer política,
estabelecendo-se, assim, possibilidades de mudanças
efetivas nesse âmbito. E o traz evocando as possibilidades do
pensamento pós-estruturalista.

5. Conclusão
Para concluir esta exposição, convém relevar pontos centrais
do que se recortou dos(as) autores(as) aqui citados(as),
assim como questões e possibilidades interessantes que
estes(as) suscitam.

Em Dantas (1988), evidencia-se a questão em torno da


“impureza” dos nagô, se considerada a relação dos(as)
adeptos(as) dessa tradição, dinamicamente, com elementos
da sociedade ampla — nela, outras etnias –, a qual, assim,
também a determina. “A etnia implica uma situação de
alteridade”, diz Barth; a “etnicidade é um fenômeno político
operando em contexto atual”, diz Cohen, ambas as falas
ressaltadas por Dantas (1988). Embora se possa, ainda
assim, partir da tradição nagô, de seus traços culturais, para
falar das repercurssões ético-estéticas da atuação das
Iyalorixás na atualidade, considera-se também, a partir do
contato com Dantas (1988), que, em termos de conteúdos
culturais e suas dinâmicas, poderiam ser (ou podem vir a
ser, inclusive conjuntamente) outras, as etnias escolhidas.
No mesmo caminho, Parés (2006) complementa o recorte
feito, aqui, das exposições de Dantas (1988), trazendo a
observação de que, embora a dinâmica entre as culturas de
matriz africana sejam distintivas, há também relativa
simbiose cultural entre elas. Tem-se, a partir disso, que,
nessas dinâmicas, a identidades são plásticas, múltiplas,
enfim: multidimensionais. A questão que surge desse
contexto, já bastante abordada por antropologos(as), é se se
trata, nesse campo de pesquisa, de sobrevivência
de africanismos ou adaptação criativa à dureza da
escravidão e do racismo. Entende o autor que há a
possibilidade de trabalhar, dialeticamente, com as duas
direções teóricas empenhadas nesses dois sentidos; isto é, é
possível considerar a sincronicidade entre conservação e
mudança, entre continuidade e descontinuidade dos
conteúdos culturais, e suas dinâmicas, das culturas de
matriz africana. É possível, também, a partir de autores
como Mintz e Price, trazidos por Parés (2006), trabalhar
com o sentido mesmo das representações culturais — no
lugar de comparar os aspectos culturais dessas
representações.

Considerada a possibilidade dialética, todo esse quadro


composto por Dantas (1988) e Parés (2006) se mostra
interessante a um olhar voltado à participação política do
Candomblé e de candomblecistas, especialmente no âmbito
de mudanças sociais. Trata-se de um quadro que amplia os
caminhos cabíveis a um(a) pesquisador(a) envolvido(a) com
esse âmbito. Se houve, historicamente, subalternização das
culturas de matriz africana pelo que se tem por cultura
ocidental, há, na atualidade, meios para que a segunda abra
caminhos para a primeira. Ao menos, há chaves importantes
para um vislumbre desses meios nas considerações de
Dantas (1988) e Parés (2006), que encontram Anjos (2008)
nesse percurso.

De fato, o pensamento pós-estruturalista de que se vale


Anjos (2008), ao partir de Deleuze, já se apresentara, para
mim, como um caminho amplo, abrangente, inclusive
consideradas, como exposto na introdução destes escritos,
no trabalho de campo, as entrevistas com as Iyalorixás, em
uma investigação de suas histórias de vida. Quem são
essas pessoas? Como o Candomblé atua em suas vidas, para
que elas sejam (se forem), no Candomblé, influências para
outras pessoas? Uma noção interessante de pessoa traz,
nesse sentido, Anjos (2008) quanto às dinâmicas das
culturas de matriz africana e o modo como estas apresentam
potência de transformação social, especialmente em relação
a processos de racialização e desracialização ligados à
demandas de justiça racial, pauta tão fundamental à luta de
movimentos negros.

Assim, por todos os caminhos aqui expostos, chega-se a


possibilidades para o lide acadêmico com um aspecto da
vida em sociedade, dentro e/ou fora do âmbito das culturas
de matriz africana, que é mesmo desafiador a
pesquisadores(as) envolvidos(as) com as ciências humanas:
a diversidade.

6. Referências bibliográficas
ANJOS, José Carlos Gomes dos. A Filosofia Política da
Religiosidade Afro-Brasileira como Patrimônio Cultural
Africano. Debates do NER, Porto Alegre, ano 9, n. 13, pp.
77–96, jan./jun. 2008.

DANTAS, Beatriz G. Vovó Nagô e Papai Branco. Rio de


Janeiro: Graal, 1988.

PARÉS, Luis Nicolau. A formação do candomblé.


Campinas: Editora da Unicamp, 2006
SILVA, Vagner Gonçalves da. O Antropólogo e sua
magia: — Trabalho de Campo e Texto Etnográfico nas
Pesquisas Antropológicas sobre Religiões Afro-brasileiras.
1ª ed., 2ª reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2015.

SODRÉ, Muniz. A ignorância da diversidade [Vídeo].


Produção: Núcleo de Pesquisa em Estudos Culturais, CPFL
Cultura. 2011. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=WfmEABJVeu4>.
Acesso em: 12 dez. 2017.

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