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MACEIÓ/AL
Abril/2016
LARYSSA CUSTÓDIO DE FRANÇA PEREIRA
_______________________________
Assinatura do Orientador
MACEIÓ/AL
Abril/2016
LARYSSA CUSTÓDIO DE FRANÇA PEREIRA
Banca Examinadora:
_________________________________________
Presidente: Prof.(a)
_________________________________________
Membro: Prof.(a)
_________________________________________
Coordenador do NPE: Prof.(a)
Maceió/AL
Abril/2016
DEDICATÓRIA
Agradeço à minha querida mãezinha Janete, por ter estado sempre ao meu lado, por
ter acreditado em mim, ter me dado a vida e sempre ter feito o possível para realizar os meus
sonhos. Agradeço à minha vovó Zenita, por sua ternura eterna e por ser uma luz em minha vida.
Agradeço aos meus amigos da graduação, por termos trocado tantas ideias,
conhecimento e momentos felizes durante essa jornada. Agradeço especialmente ao Lucas
Soares, que me tirou tantas dúvidas de metodologia, à Ana Amélia Galvão, que me indicou
tantos meios de pesquisa na seara dos Direitos Autorais, à Sophia Veiga, por seu espírito
combativo, ao Iago Macedo, por todas as conversas artísticas e filosóficas que compartilhamos,
à Thayná Omena, com quem acabei trocando tantas ideias políticas que acabaram surgindo no
decorrer deste trabalho, ao Joba, por sua energia limpa e por todas as músicas que mostramos
um ao outro e ao meu eterno amigo Rodrigo Gomes, que tanto me influenciou em sua visão
social e poesia de ser.
Agradeço à minha amiga de sempre, Liana Carvalho Freitas, pelo seu companheirismo
que independe de distância.
Agradeço ao professor Almir Guilhermino, por ter me ensinado a ter uma visão
artística muito mais ampla. Agradeço ao meu professor de piano, Nestor Dalmao, por todo o
seu conhecimento musical.
Agradeço a todos que lutam em prol de uma sociedade mais justa e de uma cultura
mais difundida e valorizada.
“Mas eu não sei negociar, eu só sei tocar meu tamborzinho e olhe lá”.
Karina Buhr
RESUMO
O avanço tecnológico na esfera dos direitos autorais sempre provocou fortes impactos. Na
atualidade, o paradoxo entre a proteção de direitos autorais dos músicos e o direito de acesso à
cultura e a criação artística se torna ainda mais evidente. As novas tecnologias propiciaram um
acesso quase ilimitado a peças musicais, muitas vezes, em detrimento ao pagamento de
royalties. Neste estudo procura-se analisar os principais aspectos do direito autoral musical, seu
ordenamento jurídico, o modo de como as mudanças históricas afetaram as formas de se
consumir música, o equilíbrio com a acessibilidade à população, os impactos positivos e
negativos da tecnologia dentro desta temática e a adaptação com o mundo fático. Outro fato a
ser dissertado é o de que muitas vezes a proteção não está recaindo sobre o autor em si, mas
sobre o lucro das gravadoras. Ademais, este trabalho também pretende estudar possíveis
soluções para o conflito entre o respeito aos direitos autorais e o acesso à cultura, com uma
análise do aspecto constitucional que engloba a questão.
BD – Blu-Ray Disc
CC BY - Atribuição
CC BY-AS - Atribuição-CompartilhaIgual
CC BY-NC - Atribuição-NãoComercial
CC BY-NC-ND - Atribuição-SemDerivações-SemDerivados
CC BY-NC-SA - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual
CC BY-ND - Atribuição-SemDerivações
CD – Compact Disk
CF – Constituição Federal
LP - long player
P2P – peer-to-peer
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
CONCLUSÃO.........................................................................................................................88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................92
11
INTRODUÇÃO
O direito autoral, por sua própria natureza, é complexo. Até sua conceituação foi
desenvolvida gradativamente com o passar de páginas da história e já foi associado a vários
ramos do Direito. Além de não ser simples, o impacto dos avanços tecnológicos na esfera dos
direitos autorais ainda os revestem de maiores complexidades e desafios, e no caso do direito
autoral musical, os impactos da tecnologia são especialmente enormes, manifestando-se desde
a facilidade de copiar músicas em fitas cassetes a baixar músicas ilegalmente na internet que
permitem a circulação das obras sem os devidos pagamentos relativos aos royalties.
Além da porcentagem paga aos músicos pela venda de CDs corresponder apenas a uma
fração dos lucros, o avanço tecnológico fez os direitos autorais musicais encontrarem ainda
mais incertezas quando chegou ao território da internet. Com o passar dos anos, tornou-se cada
vez mais fácil e comum o download ilegal de músicas, a ponto desse desrespeito aos direitos
autorais musicais ser praticado pela maior parte da população, de modo que simplesmente
penalizar e punir não poderia ser considerada uma solução. O advento do streaming também
acarretou consequências próprias, positivas e negativas que também serão analisadas no
presente estudo.
Além das questões referentes ao respeito dos direitos autorais musicais, urge-se,
principalmente, buscar o equilíbrio entre estes e o acesso à cultura no mundo fático. A era da
informação não só permitiu que músicos independentes conseguissem divulgar sua obra,
através da liberação gratuita de sua música pela rede, como também permitiu que muitas
pessoas tivessem acesso a músicas que jamais poderiam ouvir se não fosse a internet. É fato
notório que atualmente se tem acesso à música em quantidade e variedade em nível muito
superior às épocas passadas.
12
No terceiro capítulo, será realizada uma contextualização com a função social dos
direitos autorais, com foco em como o direito de acesso à cultura se materializa na prática e
como este pode ser adaptado, de forma sustentável, aos direitos autorais musicais, com respeito
aos ditames constitucionais. Será elaborado um estudo que levará em conta algumas teorias, a
realidade fática e as possíveis soluções para tal dicotomia. Diante disso e de todo o exposto no
presente trabalho, serão edificadas as conclusões, abordando a situação do direito autoral
musical na contemporaneidade, com os aspectos concernentes ao direito de acesso à cultura e
demais direitos humanos fundamentais, e como ele está se adaptando diante de diversas
conjunturas.
13
É próprio da essência da condição humana o ato de criar. Somos seres com sentimentos,
ideias, pensamentos, opiniões e tantas outras expressões de nosso ser em relação aos quais
sentimos a necessidade de expressá-los de alguma forma, seja na música, na pintura, na
literatura ou em qualquer outro estilo de criação artística.
Segundo Camillo “O direito de autor tem por objetivo garantir ao autor uma participação
financeira e um reconhecimento moral em troca da utilização da obra que criou”2. Para que uma
obra tenha sua autoria protegida é necessário que essa criação seja exteriorizada de qualquer
modo, consoante disposto no art. 7º da LDA: “São obras intelectuais protegidas as criações do
espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro [...]”. Ou seja, se uma música foi criada, a sua proteção
está condicionada a sua materialização de qualquer modo: seja em uma partitura, ou em uma
gravação, tablatura, entre outras formas possíveis. Pois não é possível proteger a obra intelectual
que não saiu dos “portões abstratos” da mente e não foi exteriorizada, consoante positivado no
art. 8º, I, da LDA.
1
BRASIL, Decreto nº 75.699, de 6 de maio de 1975, promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras
Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, revista em Paris em 24 de julho de 1971. In: SENADO
FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1975. Disponível em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=98803>. Acesso em 6 abr. 2016.
2
CAMILLO, Jeferson. Direito Autoral dos músicos, compositores e intérpretes. São Paulo: Lion’s Editora,
2001. p.22
14
Também é necessário que a obra tenha originalidade. Ou seja, que não se configure em
plágio de outra. Pode ser inspirada em outras obras artísticas, obviamente, mas tem que ter
elementos ou características próprias que a façam única. “A originalidade, para os efeitos do
Direito Autoral, também consiste na pessoal atuação do autor, na conformação nova de uma
ideia, mesmo que esta já tenha recebido uma determinada forma anteriormente 3”. Existe a
distinção entre originalidade absoluta ou relativa. “No primeiro caso, quando a criação não foi
derivada de outra obra intelectual e no segundo, quando derivação efetivamente ocorreu, v.g.
tradução, adaptação, transformação por qualquer forma”4.
Uma das distinções que a legislação faz no âmbito de Direito Autoral é a entre direito
imaterial e direito industrial. Ambos se encontram na tutela jurídica de propriedade intelectual,
pois são criações oriundas da mente humana que foram exteriorizadas. Porém o direito imaterial
regula e protege as criações intelectuais com finalidade abstrata ou incorpórea, como a música
e a literatura. Pois um livro ou um CD são apenas materializações físicas que o criador usou
para enraizar a obra que estava em sua mente. Não se pode “tocar” fisicamente numa música,
apenas ouvi-la. O mesmo pode se disser do conteúdo do livro, do qual apenas podemos tocar
sua exteriorização.
O direito imaterial protege a criação, uma obra original e completa, enquanto o Direito
Industrial protege as criações intelectuais relacionadas a marcas, patentes e desenhos
industriais, também podendo servir de proteção contra a concorrência desleal5. Consoante
ensinamento de Henrique Gandelman, “O direito autoral é um dos ramos da ciência jurídica
que, desde seus primórdios até na atualidade sempre foi e é controvertido, pois lida basicamente
com a imaterialidade característica da propriedade intelectual”6.
Propriedade intelectual é o termo jurídico, sendo uma expressão que engloba criações
intelectuais materiais, físicas, como invenções e obras de design e criações imateriais como a
música e peças de teatro. Ou seja, tal expressão engloba os direitos autorais e os direitos
industriais. O autor tem direitos legítimos, subjetivos e alienáveis sobre sua criação intelectual.
Existem até juristas e profissionais do Direito que definem direito autoral como a expressão
3
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1992. p.34.
4
RODRIGUES, Leonardo Mota Costa. Lei de Direitos Autorais nas obras musicais. Revista Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 67, 1 set.2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4328>. Acesso em: 29 fev. 2016.
5
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 44-46
6
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p.2443
15
“direito real menor”, se diferenciando dos direitos reais comuns pelas possibilidades de
mobilidades e de sua fragmentação econômica em função de suas diversas formas de
divulgação7.
Ora, obviamente o ambiente digital implica modificações neste ramo do direito, o que
não significa que deixe de haver proteção autoral, já que para o ordenamento não faz diferença
se uma música está em um CD ou em um arquivo de computador. Porém, como veremos mais
adiante, a era da informação originou uma série de novas situações jurídicas na esfera do direito
autoral.
7
GUEIROS JUNIOR, Nehemias, O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 42.
8
ORLANDO, Pedro. Direitos autorais: seu conceito, sua prática e respectivas garantias em face das Convenções
Internacionais e da jurisprudência dos tribunais. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editoral:
Supremo Tribunal de Justiça, 2004. p. 69
9
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito da Internet e da sociedade da informação: estudos. Rio de Janeiro:
Forense,2002. p.99
16
Direito moral é uma expressão cuja origem se encontra na doutrina francesa e visa
designar o que não é patrimonial11, “é o que protege o autor nas relações pessoais e ideais (de
espírito) com a obra”12. Refere-se aos direitos inalienáveis e irrenunciáveis que pertencem ao
autor da obra e o ligam eternamente a ela. É primordial ao caráter psicológico do autor, assim
como ao caráter de ser vivente em sociedade. Quando alguém faz uma música, obviamente essa
pessoa tem o direito moral da paternidade dela e mesmo se um intérprete fazer a gravação dela
em um CD, com o devido pagamento dos direitos autorais patrimoniais, tem que creditar a
autoria ao compositor no encarte.
Por exemplo: se uma pianista gravar a marcha turca de Wolfgang Amadeus Mozart em
um CD, não precisará pagar direitos autorais aos herdeiros porque a obra, pela quantidade de
anos posteriores à morte do autor, já caiu em domínio público. Mas, se a pianista gravar tal
música sem os devidos créditos ao Mozart, violará os direitos morais deste e estará sujeita às
sanções previstas na lei13.
10
FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito Autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin,
2009, p. 199.
11
MANSO, Eduardo Vieira. Violações aos direitos morais. In: NAZO, Georgette N. (coord.) A Tutela Jurídica
Do Direito De Autor. São Paulo: Saraiva, 1991. p.1-19. p. 3.
12
HAMMES, Bruno Jorge. O Direito de Propriedade Intelectual. 3. ed., Porto Alegre: Unisinos, 2002, p. 70.
Apud BRANCO, S. A natureza jurídica dos direitos autorais. Civilistica.com, a. 2, n. 2, 2013. Disponível em:
<http://civilistica.com/category/a-2-n-2-2013/>. Acesso em 21 fev. 2016.
13
Art. 108 da Lei nº 9.610/98: Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar
ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder
por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma: [...] II - tratando-se de publicação
gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de
comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor,
do intérprete e do editor ou produtor;
17
Assim, os direitos patrimoniais, ao contrário dos direitos morais, podem ser transferidos
ou cedidos a terceiro. Consoante o art. 3º da LDA, têm caráter de bem móvel, sofrem restrições
temporais (na legislação brasileira os direitos patrimoniais duram até 70 anos após o 1º janeiro
do ano subsequente ao falecimento do autor, conforme art. 41 da LDA), tem valor econômico,
é penhorável e prescritível.
No caso específico das obras musicais, os direitos patrimoniais do autor resultam das
diversas formas e processos de comunicação coletiva, como, por exemplo, interpretação,
gravação, radiodifusão, sincronização cinematográfica, execução pública.
A natureza jurídica do direito autoral é uma vexata quaestio, ou seja, é uma questão
muito controvertida na doutrina, matéria de distintas teorias e de difícil solução.
14
OLIVEIRA, Mauricio Lopes (org.); NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet: Direito Autoral
e Convergência de mídias vol. II. Rio de Janeiro :Lumen Juris, 2006. p. 28.
15
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 74-77.
18
Para o doutrinador Lycurgo Leite, o direito de autor possui duas naturezas diversas: o
jus in rem e o jus in personam:
As quais não se confundem, mas que, porém, coexistem em harmonia para este ramo
do direito. É o que faz com que o Direito de Autor não possa ser tratado pelas normas
de direito de propriedade em geral, mas sim, deva ser tratado em legislação especial,
que busque solucionar os problemas e regular as relações típicas de tal ramo do
Direito. As características do jus in rem e do jus in personam, são a alienabilidade do
primeiro e a indisponibilidade do segundo, o qual jamais se afasta ou pode ser afastado
do autor da obra17. (grifos do original).
Consoante entendimento deste jurista, o direito de autor não pode ser colocado entre os
direitos de propriedade, por conta de abarcar o direito moral, que é intransferível e indisponível.
Assim, tal ramo possui ao mesmo tempo direitos transferíveis, alienáveis, indisponíveis,
intransferíveis e alienáveis. Por esta razão, conforme entendimento adotado pelo ordenamento
pátrio, o direito autoral tem a natureza de um direito autônomo sui generis, tratado em
legislação específica18.
Para Branco, não parece possível encarar o direito autoral como um único direito
composto de uma mescla de seus aspectos moral e patrimonial, pois, neste caso o autor é sujeito
e objeto do direito ao mesmo tempo, o que é contraditório. Porque, segundo este entendimento,
o objeto consiste na pessoa e no bem imaterial, concomitantemente. Ademais, os aspectos
pessoais e patrimoniais têm fundamentos jurídicos distintos e sobre eles pesam regras jurídicas
diversas. De forma que Branco doutrina que não é “possível tratarmos o direito autoral como
um único direito composto de duas facetas, mas sim como o conjunto de dois feixes de direitos
distintos que nascem para o autor no momento da criação da obra, os direitos morais e os
direitos patrimoniais”19.
Ante o exposto, adotaremos para este trabalho a teoria que considera o direito autoral
como um direito autônomo sui generis, de aspectos patrimoniais e morais. Depois de elucidadas
tais noções básicas, adentraremos, de modo mais específico, no estudo dos direitos autorais
16
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 80.
17
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p.10.
18
Idem, ibidem. p.10-11.
19
BRANCO, S. A natureza jurídica dos direitos autorais. Civilistica, a. 2, n. 2, 2013. Disponível em:
<http://civilistica.com/category/a-2-n-2-2013/>. Acesso em 21 fev. 2015.
19
musicais, para então realizarmos um escorço histórico para melhor estendermos a evolução dos
direitos autorais, bem como trataremos da legislação nacional e internacional atinente ao tema.
A priori, resta esclarecer que, apesar de usualmente serem expressões usadas como se
fossem sinônimas, há uma clara distinção entre direito de autor e direito autoral20. O primeiro
se refere aos direitos relativos às obras artísticas e literárias. O segundo acrescenta os direitos
conexos, que não têm ligação com a criação ou elaboração da obra, mas com a interpretação e
se referem aos direitos dos intérpretes, dos executantes, dos músicos, dos produtores musicais
e de todos os produtores de fonogramas e videofonogramas, sem ter nenhuma relação com a
criação. Ou seja, “Direito Autoral passou a ser designação de gênero”21.
Por produtor de fonograma, se entende que é “a pessoa física ou jurídica que toma a
iniciativa e tem a responsabilidade econômica de sua primeira, considerado fonograma como
toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons ou de uma
representação de sons, que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”22.
20
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p.6.
21
Idem, ibidem. p.7.
22
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislação básica. Brasília, DF: Livraria e Editora
Brasília Jurídica, 1998. p.46
23
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 43.
20
Para uma melhor compreensão acerca do que trata a estrutura dos direitos conexos,
citaremos as quatro abordagens principais acerca do tema:
A primeira ideia é a de que o intérprete cria uma obra nova, derivada, quando realiza
a sua performance, passando a ser detentor e titular de um direito semelhante ao do
autor da obra, mas que lhe é apenas vizinho (ou conexo, como se denominou na
América Latina em geral). A segunda abordagem vê o direito do intérprete como uma
extensão de sua própria personalidade, explicando que cada ser humano tem uma
forma peculiar de se expressar externamente. O jurista alemão Lhering afirma que “o
que se protege é uma manifestação externa da atividade da própria pessoa em si”. A
terceira ideia junta as duas primeiras abordagens, afirmando que o direito do intérprete
junta à criação de alguma coisa nova um comportamento interior da personalidade
humana do intérprete, uma espécie de “personalidade da criação”. A quarta e última
ideia sublinha a noção de que o intérprete é apenas um colaborador do autor, e que
acaba por proteger a obra original e realçá-la na sociedade, com sua nova e inédita
interpretação24.
A Lei dos Direitos Autorais, em diversas partes do seu texto, também trata dos direitos
relativos a representação e execução. O que também torna necessário que se conceitue e
diferencie os referidos, até porque, como veremos adiante, também estão sendo fruto de litígios
jurisprudências quanto a utilização de obras musicais pelos novos meios tecnológicos.
24
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 53-54.
25
Antônio Candeia Filho, conhecido popularmente como “Candeia”, foi um sambista carioca, compositor e cantor.
26
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. Op. Cit., p. 63.
21
clubes noturnos e até pela Internet, enquanto que a representação permanece afeta ao
seu conceito basilar, pressupondo interpretação dramática e encenação.27
Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser
utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em
representações e execuções públicas.
§ 1º Considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero
drama, tragédia, comédia, ópera, opereta, balé, pantomimas e assemelhadas,
musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em
locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição
cinematográfica.
§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-
musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de
fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer
processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a
exibição cinematográfica.
§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile
ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas,
estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes,
hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou
indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre,
marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou
transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.
§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar
ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos
aos direitos autorais.
Como é notório, a lei também definiu o que se entende por executar uma obra
publicamente, o que para tanto, exige o consentimento expresso do autor ou titular. Os direitos
relativos a composição musical são chamados de direitos de autor de execução pública. E os
direitos concernentes a interpretação da obra musical são conhecidos como direitos conexos de
execução pública. “As modalidades de execução pública se dividem em apresentações públicas
(ao vivo ou gravadas [...]), transmissões por radioteledifusão (rádio e TV) ou música mecânica
(fita ou disco) em estabelecimentos de frequência coletiva”28.
27
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. P 63.
28
Idem, ibidem. p. 55.
22
coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um
único escritório central para arrecadação e distribuição”.
29
PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sérgio. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009.
p.98.
30
OLIVEIRA, Mauricio Lopes (org.); NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet: Direito Autoral
e Convergência de mídias vol. II. Rio de Janeiro :Lumen Juris, 2006. p. 35.
23
utilização de CDs ou qualquer outro meio de reprodução material, de origem mecânica, dos
fonogramas musicais com finalidade comercial31.
Coautoria é quando a obra musical é composta por mais de um autor, como, por
exemplo, as músicas dos Beatles creditadas a dupla Lennon e McCartney. “A situação é
extremamente comum quando se trata de música, sendo trivial a existência de um letrista que
trabalha em conjunto com o autor da música”32. O conceito está positivado na Lei dos Direitos
Autorais do seguinte modo, que também trata de dois casos que não configuram autoria, in
litteris:
Art. 15. A co-autoria da obra é atribuída àqueles em cujo nome, pseudônimo ou sinal
convencional for utilizada.
§ 1° Não se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da
obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando
ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio.
§ 2° Ao co-autor, cuja contribuição possa ser utilizada separadamente, são
asseguradas todas as faculdades inerentes à sua criação como obra individual, vedada,
porém, a utilização que possa acarretar prejuízo à exploração da obra comum.
Art. 32. Quando uma obra feita em regime de co-autoria não for divisível, nenhum
dos co-autores, sob pena de responder por perdas e danos, poderá, sem consentimento
dos demais, publicá-la ou autorizar-lhe a publicação, salvo na coleção de suas obras
completas.
§ 1° Havendo divergência, os co-autores decidirão por maioria.
§ 2° Ao co-autor dissidente é assegurado o direito de não contribuir para as despesas
de publicação, renunciando a sua parte nos lucros, e o de vedar que se inscreva seu
nome na obra.
§3° Cada co-autor pode, individualmente, sem aquiescência dos outros, registrar a
obra e defender os próprios direitos contra terceiros.
Ante a apresentação dos conceitos atinentes aos direitos autorais, faz-se necessária
também a realização de um escorço histórico para entender de onde surgiram várias noções
relativas ao direito autoral e como este nasceu, evoluiu e se adaptou aos diferentes momentos
históricos.
31
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p.72-73.
32
PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sérgio. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009.
p. 32.
24
Este item tem como principal objetivo mostrar como e veio e se desenvolveu a
conscientização de Direito Autoral.
1.3.1 A relação entre o ser humano e as suas criações nos primórdios da humanidade
O ser humano desde tempos mais longínquos é dotado de atividade criativa referente a
arte e invenções, pois sempre sentiu a necessidade de exteriorizar o seu âmago e o que conheceu
da vida. René Huyghe já enfatizou que a arte faz parte da própria essência da alma humana:
“Não há arte sem homem e não há homem sem arte. (...) É uma espécie de respiração da alma
bastante parecida com a física, de que nosso corpo não pode prescindir”33.
Merece nota a tradição oral, seja em músicas ou em histórias que muito provavelmente
já existiam nesse período e eram passadas para o maior número possível de pessoas sem a
preocupação de quem fosse(m) o(s) autor(es). E é facilmente suposto que essas canções e
histórias sofreram mudanças no decorrer do tempo e podem existir até hoje na forma de obra
anônima.
Saliente-se que “no início, a comunicação entre seres humanos era somente oral. Os
gritos, a pura expressão corporal, os gestos, a palavra, mais tarde, o homem criou a
representação gráfica, os hieróglifos, a transposição de imagens, a música, os símbolos
abstratos, os escritos, que passavam manualmente de geração para geração”34.
Grandes exemplos das criações da época são os desenhos rupestres das cavernas, a
arquitetura primitiva e os primeiros instrumentos encontrados que já eram dotados de função
ornamental sem destinação utilitária. Na Idade dos Metais, inclusive, a humanidade chegou a
fazer o uso da metalurgia e também, nessa época surgiu a figura do artesão.
33
HUYGHE, René. Sentido e destino da arte. Trad. João Gama. São Paulo: Martins Fontes, 1986, v.1, p 11.
Apud SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 14.
34
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 24.
35
SILVEIRA, Newton. A Propriedade Intelectual e a Nova Lei de Propriedade Industrial. São Paulo: Saraiva,
1996. p.13.
25
A introdução das letras gregas na escrita, em algum momento por volta de 700 a.C.,
deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as
sociedades alfabéticas e suas precursoras. Os gregos não inventaram um alfabeto: eles
inventaram a cultura letrada e a base letrada do pensamento moderno 36.
Os direitos de autor não eram reconhecidos pelos egípcios, mesmo com seus papiros
escritos com hieróglifos trinta séculos antes desta era, nem por outros povos, como fenícios,
persas, hebreus, pois, desde o Código de Hamurabi, que trouxe um grande arcabouço para o
estudo do direito, encontram-se lacunas quanto a tais direitos37.
Os gregos tinham uma cultura musical muita rica e considerada de grande importância
para os viventes nessa época. Eles organizaram os sons para sua utilização musical em sete
modos, que reúnem o conceito grego de harmonia. E inclusive, a mais antiga composição
musical completa, com notação musical, que conseguiu sobreviver aos tempos de hoje é o
Epitáfio de Seikilos. Uma música da Grécia Antiga datada de 100 a.C.38.
Alexandre Magno, com educação oriunda de Aristóteles, foi o grande responsável pela
difusão da cultura grega aos povos conquistados39. O doutrinador Eboli faz uma análise
esclarecedora acerca da cultura desse período, in verbis:
36
HAVELOCK, Eric. A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais. Trad. Oderp. J. Serra. São
Paulo: Paz e Terra/Unesp, 1994 p. 81 apud GALDEMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais
na era digital – 5 ed. Revista e atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 25.
37
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p. 115-116.
38
MARSHALL, Colin. Hear the “Seikilos Epitaph,” the Oldest Complete Song in the World: An Inspiring Tune
from 100 BC. Disponível em: < http://www.openculture.com/2015/05/hear-the-seikilos-epitaph-the-oldest-
complete-song-in-the-world.html>. Acesso em 01 mar 2016.
39
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 16.
26
Comente-se que a origem etimológica de plágio vem dessa época. Plágio vem do latim
plagium que se originou do grego plagios. Este significava o desencaminhamento de escravos
por meios oblíquos. No direito romano plagium era a venda fraudulenta de escravos41.
Não existiam ainda quaisquer regras que definissem com clareza os direitos dos autores
da época, mesmo porque os romanos concebiam uma divisão tripartite dos direitos em pessoais,
obrigacionais e reais. O ordenamento jurídico não ia muito além, deixando de oferecer, por
conseguinte, uma proteção formal. Os negócios se desenvolviam mesmo através dos usos e
costumes de Direito Consuetudinários. O Direito Romano, portanto, bem como a praxe dos
negócios, aqueles a quem reconhecemos como os primeiros editores, forneceram vários, mas
não todos os rudimentos do moderno Direito de Autor.42
Nesse momento histórico, já havia a figura do caráter moral do direito autoral, com o
reconhecimento da autoria. Porém, não era assegurado o status de propriedade, nem o de
exclusividade. “O direito de autor não protegia as diversas manifestações da obra, como a
publicação e a reprodução atualmente dispostas no art. 5º da LDA, mas já nessa época a questão
da titularidade começa a ser discutida”43. Ou seja, havia a consagração moral da autoria, com
repúdio público em caso de plágio, porém, não se vislumbrava a possibilidade de
comercialização das obras do intelecto humano e ainda não havia sanções que ultrapassassem
a esfera moral.
Em Roma havia a reprodução por meio de cópias manuscritas e somente esses copistas
recebiam remuneração por seu trabalho, verdadeiras cópias artísticas. Os autores nada
40
EBOLI, João Carlos de Camargo. Pequeno Mosaico do direito autoral. São Paulo: Irmãos Vitale, 2006. p. 17
41
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito Autoral: legislação básica. Brasília, DF: Livraria e Editora
Brasília Jurídica, 1998. p. 67.
42
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 28.
43
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 17.
27
recebiam, só lhes eram reconhecidas a glória e as honras quando lhes respeitavam a paternidade
e a fidelidade ao texto original44.
Em resumo, podemos afirmar que deste período histórico, o direito autoral apenas era
respeitado em seu aspecto de direito moral. O que demonstra quão antiga é a noção de “glória”
pela autoria, razão pela qual se conhece até hoje os nomes de parte dos principais pensadores,
filósofos, criadores de histórias, mesmo que alguns destes não tenham deixado nada escrito.
A escritura musical surgiu entre os séculos VII e IX. A primeira forma era conhecida
como neumática, porque os neumas (ar em latim) eram sinais (ainda não existiam as notas
musicais) colocados sobre cada sílaba do texto a fim de guiar a lembrança da melodia
(conhecida de antemão) a ser cantada. No Século X, começou o uso de linhas para assinalar
com precisão a altura dos sons musicais45.
O tetragrama, formado como indica o nome por quatro linhas horizontais, foi
estabelecido pelo monge Guido d’Arezzo para ser base do sistema de escritura [hoje a base da
famosa partitura é o pentagrama (também chamado de pauta) que substituiu o tetragrama no
século XII].
As sete notas musicais vieram de um hino cantado a São João Batista, seu uso também
foi estabelecido por Guido d’Arezzo. Paolo Diácono o autor do hino, do século VIII, o fez
depois de pegar um bruto resfriado e ficar afônico, implorando a São João que lhe fizesse voltar
a voz46. O nome das notas veio das duas primeiras letras de cada verso, excetuando o si
(acrescentado mais tarde) de “Sancte Ioannes” e o dó que substituiu o ut por ser considerado
mais sonoro.
Eis o hino a São João Batista: UT queant laxis REsonare fibris MIra gestorum FAmuli
tuorum, SOLve polluti LAbii reatum, Sancte Ioannes. Cuja tradução é: Para que seus servos
44
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 25.
45
GONÇALVES, Newton de Salles. Enciclopédia do Estudante - Música: compositores, gêneros e
instrumentos, do erudito ao popular. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2008. p.66
46
COTRIM, Marcio. DÓ RÉ MI. Marco Cotrim. Disponível em:
<http://www.marciocotrim.com.br/bercopalavra.htm >. Acesso em 30 mai. 2011.
28
possam voltar a cantar devidamente a maravilha de tuas obras, purificai nossos lábios impuros,
São João47.
Uma das diferenças entre a notação dessa época e a atual, é que as notas musicais eram
representadas por notas quadradas e hoje são representadas por notas redondas.
Nesse período, como os manuscritos eram copiados à mão, um a um, a reprodução era
muito difícil e por isso a utilização de uma obra não prejudicava os direitos patrimoniais do
autor, pois a produção estava restrita a alguns exemplares48.
No âmbito do direito de autor, a partitura também foi um grande avanço. Foi durante
muito tempo fundamental para o registro e para a comprovação de autoria da música e até hoje
é enormemente utilizada para tais fins. Alguns doutrinadores comparam a revolução advinda
do surgimento da notação musical com o surgimento da linguagem, como Weber: “uma
notação desta espécie é, para a existência de uma música tal como a que possuímos, de
importância muito mais fundamental do que, digamos, a espécie de escrita fonética para a
existência das formas artísticas linguísticas”49.
Em caso de acusação de plágio, a partitura permite a comparação nota por nota, acorde
por acorde, podendo utilizar o transporte de tonalidade se for necessário (pois já houve casos
em que a tonalidade da música foi mudada para “tentar disfarçar” o plágio).
47
GONÇALVES, Newton de Salles. Enciclopédia do Estudante - Música: compositores, gêneros e
instrumentos, do erudito ao popular. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2008. p.66
48
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 22.
49
WEBER, Max. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. São Paulo: Edusp, 1995. Apud GOHN,
Daniel Marcondes. Educação musical a distância: abordagens e experiências. São Paulo: Cortez, 2011. p. 59.
29
um exemplar. Essa invenção é considerada até hoje o verdadeiro berço e semente do Direito de
Autor em todo o mundo50, conforme reflexão de Gandelman, a partir desta invenção:
50
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 29.
51
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 26.
52
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1992. p.12- 13
30
caros. Estima-se que apenas um décimo da música composta antes do ano de mil e seiscentos
chegou aos dias atuais53.
Leonardo da Vinci foi uma das figuras mais criativas, inventivas e talentosa da história
da humanidade. Os artifícios que ele usava para que suas obras não fossem usurpadas eram a
prova de que ele tinha noção de posse intelectual. Entre os artifícios mais conhecidos estão o
de escrever ao contrário, necessitando de um espelho para a leitura e a pratica de erros
intencionais em seus projetos.
Os conceitos de tonalidade, a redução dos modos medievais por duas escalas: menor e
maior, e o estudo dos acordes foram inovações ocorridas no período barroco.
A priori, é importante esclarecer que há dois sistemas principais de estrutura dos direitos
de autor: o droit d’auteur, ou sistema francês ou continental, e o copyright, ou sistema anglo-
americano. O sistema continental de direitos autorais se diferencia do sistema anglo-americano
porque o copyright foi construído a partir da possibilidade de reprodução de cópias, sendo este
o principal direito a ser protegido. Já o sistema continental se preocupa com outras questões,
como a criatividade da obra a ser copiada e os direitos morais do autor da obra55. No Brasil e
53
GONÇALVES, Newton de Salles. Enciclopédia do Estudante - Música: compositores, gêneros e
instrumentos, do erudito ao popular. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2008. p.78.
54
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000 p.29.
55
PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sérgio. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009.
P.15-16.
31
nos países latinos de modo geral, prevalece o direito do autor propriamente dito, oriundo do
droit d’auteur, no qual a criação ganha maior proporção e é privilegiada56.
Como antecedente da idade moderna, colocado neste subtópico por razões didáticas,
falaremos que em 14 de abril de 1709 foi criado o Copyright Act (denominado Act Anne C 5),
ou ato do direito de cópia, na corte da rainha Anne, na Inglaterra. Seu principal objetivo era de
conferir proteção às obras intelectuais, sendo o primeiro dispositivo criado com essa função.
Destinou-se a proteger, na época, os editores contra a reprodução ilegal e desautorizada de seus
impressos. Iniciou o estudo acerca da natureza e extensão da obra intelectual, apesar de não
proteger os autores intelectuais de fato57.
Em 1771, a França publicou a lei que regulamentou a representação pública das obras
nos teatros franceses e em 1773, a reprodução delas60, as quais garantiram aos autores os
direitos patrimoniais durante a vida e, aos herdeiros, por um prazo de dez anos após a morte
dos autores. Em 1777, sob a influência dos ideais iluministas, do direito natural e após a batalha
que envolveu os impressores parisienses e das demais cidades francesas, o Conselho de Estado
56
BEZERRA, Arthur Coelho. Cultura Ilegal: as fronteiras morais da pirataria. 1 ed. Rio de Janeiro: Mauad X:
Faperj, 2014. p.103
57
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p.30
58
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5ª ed. Revista e
atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 27.
59
BEZERRA, Arthur Coelho. Op. Cit., p. 104.
60
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1992. p. 15.
32
francês, em duas resoluções, votou a abolição dos privilégios perpétuos dos editores e afirmou
a propriedade dos autores: se o autor explorasse pessoalmente a sua obra, ele e seus herdeiros
teriam seus privilégios assegurados de modo perpetuo e se a exploração da obra fosse cedido a
um livreiro, o privilégio ficava reduzido para 10 anos e depois cairia em domínio público61.
61
GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil em comentário do Código Civil Português. 2ª ed.
Portuguesa e 1. ed. Brasileira. São Paulo: Max Limonad, 1958, p.31. Apud LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e
Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 144.
62
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 28.
63
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p. 145.
64
PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, direito de autor e propriedade tecnodigital. BOLETIM DA
FACULDADE DE DIREITO. STVDIA IBRIDICA 55. Portugal: Coimbra Editora, 2001. p.101.
33
usado em outras épocas, com, por exemplo, Ludwig van Beethoven, no romantismo, com o 5º
movimento da 9ª sinfonia e Heitor Villa-Lobos, no modernismo, com a sua preocupação em
resgatar as cantigas do Brasil. Nesse contexto, as melodias folclóricas eram vistas como a
representação de um país, o que também acarretou em sentimentos nacionalistas. Era como se
o autor da obra fosse o espírito de uma nação, que servia de inspiração para os compositores a
criarem outras músicas a partir dela.
65
Clementi – Sonatinas and Sonatas. Schirmer’s Library of Musical Classics. 2006. New York: G. SCHIRMER,
Inc: 2006. p.4
66
Como, por exemplo, o Daft Punk que aparentemente criou “One more time” a partir de um sample não creditado
de “More Spell On You” de Eddie Johns, apesar da banda negar a utilização de tal sample. Para mais informações
a respeito, acessar CHAN, Casey. O Daft Punk nega, mas eis como One More Time foi feita usando um sample.
Disponível em: < http://gizmodo.uol.com.br/daft-punk-one-more-time-sample/>. Acesso em 6 abri 2016.
34
artísticas. A Convenção contribui para a formação da canônica dos direitos autorais e suas
normas foram recebidas e adotadas pelos países como princípios básicos67.
A partir da década de 40 com a invenção do rádio houve várias mudanças nas legislações
de todo o mundo e o mesmo pode-se disser do advento de tecnologias como o CD, o DVD e o
computador. Sendo um dos grandes desafios do direito autoral do século XXI os downloads de
música, feitos de forma frequentemente ilegal, gratuita e sem o devido pagamento de royalties
e mesmo questões atinentes a aspectos jurídicos do streaming.
A primeira disposição legal com alguma referência ao tema de direito autoral veio com
a Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil e que
conferiu aos mestres nomeados, de 10 anos de privilégio sobre tal publicação dos compêndios
das matérias que lecionavam, aplicável intra muros nas faculdades de Direito de Olinda e de
São Paulo. A primeira lei brasileira específica a garantir e definir os direitos autorais foi a Lei
nº. 496, de 1 de agosto de 1898. Acerca de tal período histórico, é importante citar as lições de
Manso:
67
BITTAR, Carlos Alberto. Princípios aplicáveis, em nível internacional, à tutela dos direitos autorais. In:
NAZO, Georgette N. (coord.) A Tutela Jurídica Do Direito De Autor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 93- 104. p.
95.
68
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito Autoral: legislação básica. Brasília, DF: Livraria e Editora
Brasília Jurídica, 1998. p. 95-96.
35
Foi apenas em 1891, com a primeira Constituição republicana, que o Brasil editou
normas positivas de Direito Autoral, como garantia constitucional, conforme o §26
do art. 72 da Constituição Federal: “Aos autores de obras literárias e artísticas é
garantido o direito exclusivo de reproduzi-las pela imprensa ou por qualquer outro
processo mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que
alei determinar”. Essa lei foi publicada cinco anos após, sob o nº 496, em 1 de agosto
de 1896, graças aos esforços de Medeiros Albuquerque, que lhe emprestou o nome.
Todavia, a Lei Medeiros Albuquerque foi retrógada em vários aspectos, em relação
ao direito autoral europeu, principalmente porque exigia o registro da obra, como
condição de sua protegibilidade, e conferiu sua proteção apenas por 50 anos contados
da primeira publicação 69.
Um dos nomes que fez importantes contribuições ao direito de autor foi Ruy Barbosa
que publicou vários trabalhos no Código Penal (acerca das sanções que ferem o direito de
autor), no Código Civil e nos direitos brasileiros de autor. Também sugeriu a mudança da
expressão produção intelectual para propriedade intelectual70.
O Código Civil de 1916 promulgou regrais gerais que todo o repertorio jurídico
internacional sobre direitos de autor pós-Berna englobou. Surgindo daí proteção ao autor de 60
anos após a sua morte (antes eram 50 anos e na legislação atual é de 70 anos após a morte do
autor). “Então, o direito autoral brasileiro conseguiu algum progresso estrutural, embora tivesse
perdido sua autonomia legislativa, porque passou a ser considerado simplesmente uma espécie
de propriedade: ‘Propriedade Literária, Científica e Artística’”71.
A Lei n º 5.988, conhecida como Lei dos Direitos Autorais ou LDA foi criada em 1973,
“Essa norma era uma compilação das legislações anteriores, e encontrava-se em conformidade
com as diretrizes da Convenção de Berna, de 1886”72. Esta lei foi revogada em 1998 pela Lei
Autoral Brasileira (Lei nº 9610/98), lei que vige até hoje. A Constituição Federal também
resguarda o Direito de Autor no art. 5º, incisos XXVII e XXVIII.
69
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1992. p.16-17.
70
ORLANDO, Pedro. Direitos autorais: seu conceito, sua prática e respectivas garantias em face das Convenções
Internacionais e da jurisprudência dos tribunais. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial:
Supremo Tribunal de Justiça, 2004. p. 40 e p. 147.
71
MANSO, Eduardo J. Vieira. Op. Cit., p.17.
72
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 54.
36
Até o século XVIII, toda a música era escrita a propósito de um acontecimento mais
ou menos específico; encomendada por um príncipe, pela Igreja, ou por um conselho
de cidade, tinha por fim divertir a alta sociedade, dar profundeza ao culto coletivo, ou
intensificar o esplendor das festividades públicas. Os compositores eram músicos da
corte, músicos da igreja, ou músicos da cidade; a sua atividade artística limitava-se ao
desempenho dos deveres inerentes a sua função - provavelmente só raramente lhes
ocorria compor, sem ser por encomenda, mas sob sua própria responsabilidade e
impulso. Fora dos serviços religiosos, das distrações festivas e espetáculos de dança,
a classe média poucas vezes tinha oportunidade de ouvir música; só por exceção podia
assistir aos concertos dados por orquestras que estavam a serviço da nobreza e das
cortes. Nos meados do século, o povo começou a sentir que tal estado de coisas era
uma inferioridade, e fundaram-se, então, sociedade de concertos da cidade. Os
“Collegia musica”, inicialmente privados, abriram o caminho para os concertos
públicos, e com eles desenvolveu-se uma atividade musical que a classe média podia
considerar como sua. As sociedades de concerto alugavam grandes salas, e pagava-se
aos músicos, que tocavam para assistências cada vez mais numerosas. Isto deu em
resultado a criação de um mercado livre de produtos musicais, que correspondia ao
mercado literário, com os seus jornais, periódicos e editores73.
A música ocidental só se tornou mais acessível aos que não pertenciam a aristocracia
com a disseminação dos concertos públicos. Porém esse processo foi demorado. Citando
personagens mais específicos, de forma a propiciar uma melhor compreensão da conjuntura,
pode-se dizer que Mozart tentou a sorte nos concertos público, mas não obteve tanto êxito em
sua época. “Beethoven é contra a nobreza mas é patrocinado por ela”74, porém, os ideais
73
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. Trad. de Walter H. Geenen. São Paulo: Mestre Jou.
3ª. Ed, 1982. P. 727-728.
74
FRANÇA, Eurico Nogueira. A arte da música através dos tempos: ensaios históricos-críticos sobre a música
no Ocidente. Rio de Janeiro: Atheneu-Cultura, 1990. p.59
37
difundidos pela Revolução Francesa e pela ideia do droit d’auter foram fundamentais para que
este fosse melhor sucedido no intento de deixar de ser um “empregado” da aristocracia e
permitir que sua obra fosse ouvida por um público maior e mais diversificado. Nesse sentido
histórico, é importante citar o musicólogo Eurico Nogueira França:
É importante notar que, de certo modo, ambos os “modos” existem até hoje, pois a
música por encomenda ainda é prática comum, só que usualmente ocorre de forma diferente,
quando por exemplo uma gravadora paga a um compositor para compor uma música para
determinado cantor. Enquanto a figura dos concertos públicos atualmente se materializa nas
formas de shows, concertos, festivais e derivados. A primeira proteção a obra musical foi a
proteção no âmbito das partituras:
75
Idem, ibidem, p.60-61.
76
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p.32 Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 27 mar. 2016.
38
uma divisão tripartite: a) a “era acústica”, cobrindo o período que vai do surgimento do
fonógrafo ao final da década de 1920, quando um novo sistema elétrico de gravação substituiu
o fonógrafo; b) a “era elétrica”, de 1930 ao final da década de 1970, período representado pelos
discos de 78 rpm, pelo advento dos discos de 45 rpm e pelo LP de 33rpm, além do surgimento
da “cultura do cassete”; c) a “era digital”, iniciada em 1982 pelo CD77.
A possibilidade de fixar obras musicais para posterior audição foi uma grande revolução
na esfera musical. Apesar de, a priori, ter despertado pouco interesse entre músicos e editores.
Várias contribuições propiciaram o desenvolvimento do fonógrafo, como o gramofone, criado
nos Estados Unidos em 1888 pelo imigrante alemão Emile Berliner. Este utilizou o formato de
disco em vez do rolo cilíndrico para confeccionar um suporte de gravação. Neste mesmo ano,
Edison fundava a Edison Speaking Phonograph Company79. Beliner “utilizou-se também uma
forma diferente de representação mecânica: enquanto Edison grafava as ondas do som
perfurando transversalmente o cilindro para dentro e para fora Berliner utilizou um modelo que
riscava lateralmente a cera do disco”80.
77
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador. p.52. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 31 mar 2015.
78
JOHNSON, Steven. Como chegamos até aqui: a história das inovações que fizeram a vida moderna possível.
Trad. Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. P.69-74.
79
BANDEIRA, Messias G. Op. Cit., p.112.
80
PAIXÃO, Lucas Françolin. A indústria fonográfica como mediadora entre a música e a sociedade.
Dissertação – Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2013. p. 29. Disponível em:
<http://www.sacod.ufpr.br/portal/artes/wp-content/uploads/sites/8/2013/04/Lucas-Françolin-da-Paixão-
2013.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
39
81
CROWL, Harry. A criação musical erudita e a evolução das mídias: dos antigos 78 rpms à era pós CD. In:
PERPETUO, Irineu Franco; SILVEIRA, Sergio Amadeu da. O futuro da música depois da morte do CD. São
Paulo: Momento Editorial, 2009. p. 145.
82
SILVA, Guilherme Coutinho. Acesso às obras fonográficas na sociedade informacional: as relações com o
sistema internacional de direito autoral. Dissertação – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis:
2011. p. 31. Disponível em: < http://www.gedai.com.br/sites/default/files/295257-
_dissertacao_mestrado_guilherme.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
83
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. p. 140.
84
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador. p.112. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 31 mar 2015.
40
85
PAIXÃO, Lucas Françolin. A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA COMO MEDIADORA ENTRE A MÚSICA
E A SOCIEDADE. Dissertação – Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2013. p. 29. Disponível em:
<http://www.sacod.ufpr.br/portal/artes/wp-content/uploads/sites/8/2013/04/Lucas-Françolin-da-Paixão-
2013.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
86
DAQUINO, Fernando. A evolução do armazenamento de músicas [infográfico]. Disponível em:
<http://www.tecmundo.com.br/infografico/30658-a-evolucao-do-armazenamento-de-musicas-infografico-.htm>.
Acesso em 02 abri 2016.
87
Idem, ibidem.
88
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador p.50-51. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 31 mar 2015.
41
seja garantido pela maior segurança possível, principalmente por meio de legislação adequada
e respeito aos contratos. A indústria fonográfica, através dos produtores musicais, passou a
coagir os autores e intérpretes a assinar contratos abusivos, com cláusulas que praticamente
eram cessões integrais de direitos camufladas sob o manto da edição, inclusive sobre obra
futura89.
89
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 37-38. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 27 mar. 2016.
90
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1956. Tomo XVI p.169 apud LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese
– Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 38. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 02 abri 2016.
91
LOSSO, Fabio Malina. Op. Cit., p. 39. Acesso em 02 abri 2016.
92
SILVA, Guilherme Coutinho. Acesso às obras fonográficas na sociedade informacional: as relações com o
sistema internacional de direito autoral. Dissertação – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis:
2011. p. 32. Disponível em: < http://www.gedai.com.br/sites/default/files/295257-
_dissertacao_mestrado_guilherme.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
42
divulgação ao público. Enquanto o pior fardo foi o de que muitos músicos passaram a ser
contratualmente obrigados a simplesmente ceder os respectivos direitos de execução
radiofônica da obra à gravadora. Além de que a qualidade sonora e comodidade do rádio
fizeram com que alguns possíveis consumidores deixassem de comprar discos. Ou seja: abriam-
se tanto perspectivas relativas ao conhecimento geral, quanto explorações pelo menos
moralmente indevidas da obra musical. Razão pela qual várias aconteceram inovações
legislativas relativas aos direitos de transmissão, de retransmissão e de radiodifusão 93. A
questão da suposta queda das vendas de discos, inclusive, lembra as polêmicas advindas com a
música digital.
O surgimento do long player (LP ou disco de vinil) instaurou uma era em que as
gravações tinham uma qualidade sonora muito melhor, bem como capacidade maior de tempo
de gravação, que praticamente decuplicou. O que oportunizou um aumento dos lucros das
gravadoras e consequentemente, da indústria fonográfica. Entre os avanços jurídicos, pode-se
destacar a Convenção de Bruxelas de 1949, que previu a recepção automática dos avanços
tecnológicos atinentes a esfera musical.
Em 1958 foi criado o cartucho 8-track, o qual foi um embrião para as fitas cassetes, que
foram lançadas em 1963 pela Philips. Estas, a priori, eram utilizadas eram utilizadas para a
gravação de conversas, palestras e depoimentos. Mas posteriormente foram utilizadas por
músicos, quando precisavam de uma gravação mais urgente e barata do que em estúdio, sendo
utilizada até por músicos famosos que não queriam perder o registro de suas ideias. Bem com
para a gravação do conteúdo dos vinis. Com a existência dos sons automotivos que só tinham
suporte para a reprodução de fitas cassetes, muitos gravavam seus LPs com a intenção de ouvi-
los no carro. Mas também foi um dos primeiros modos de pirataria musical, com a
comercialização de fitas piratas de LPs, sem o pagamento de direitos autorais. Porém, apesar
de ser um negócio ilegal e de das fitas gravadas serem bem mais baratas que os discos de vinil,
também tinham uma qualidade sonora muito inferior a estes. Em compensação, representaram
um modo de gravação amadora que os músicos podiam tanto apresentar as gravadoras, como
comercializar em pequenos círculos.
93
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 45-49. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 02 abr. 2016.
43
produtos com desrespeito aos direitos autorais. Em 1709, o colunista britânico Joseph Addison
já tinha utilizado o termo referido quando escreveu para The Tatler: “um bando de desgraçados,
que nós, Autores, chamamos de Piratas, que imprimem em um volume menor qualquer livro,
poema ou sermão assim que vem ao mundo e o vende, como todos os ladrões fazem, a preços
menores”94. O que demonstra que é um problema antigo.
Novos hábitos também foram criados com o advento das “K7s”, como o de
consumidores que criavam suas próprias coletâneas. Foi um dos primeiros casos de conflito
tecnológico entre as gravadoras e o acesso ao público, porque apesar da suposta violação de
direito autoral, o público não sentia que estava fazendo algo ilícito quando passava LPs para
fitas cassetes. Este, inclusive, encontrava salvaguarda no art. 666, VI do Código Civil de 1916,
o qual dispunha que não constituía ofensa ao Direito Autoral: “ A cópia, feita à mão, de uma
obra qualquer, contanto que se não destine à venda”. Ou seja: a ofensa de fato aos direitos
autorais musicais estava apenas na comercialização “pirata” das fitas, mas não na gravação
doméstica destas. Todavia, posteriormente, vários instrumentos normativos buscaram coibir até
a reprodução e gravação realizadas em casa, sem fins comerciais, como a Convenção de 1971
para a Proteção dos Produtores contra Duplicação Não-Autorizada de seus Fonogramas e a
Revisão da Convenção de Berna em 1971, as quais foram internalizadas no direito pátrio,
respectivamente, com os Decretos nº 76.906/75 e nº 75.699/75. Porém, a Lei dos Direitos
Autorais de 1973 autorizou a reprodução em um exemplar, contanto que não tivesse intuito
lucrativo. De forma que acarretou em um conflito de normas, porém, na prática, as fitas cassetes
continuaram a serem reproduzidas, independente do aspecto legal.
Em 1984, a Suprema Corte americana ao julgar uma contrafação pelos vídeos cassetes
decidiu que a tecnologia usada para a pirataria e outras violações dos direitos do autor
não pode ser proibida se o uso substancial não violatório seja legal. Isto quer dizer que
a cópia para o uso particular, sem conotação comercial, não pode ser considerada uma
violação autoral95.
Como uma introdução a análise do impacto tecnológico oriundo da chegada dos CDs,
colacionamos os dizeres do jurista Nehemias Gueiros Junior:
94
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p. 254
95
BRASIL, Angela Bittencourt. O Napster nos caminhos da legalidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 5,
n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/686>. Acesso em: 7 abr. 2016.
44
leitura ótica a laser (compact disk ou CD). Representando uma verdadeira revolução
na tecnologia de áudio em todo o mundo, o CD também representou um verdadeiro
breaktrough, na medida em que substituiu, depois de quase um século, a leitura
fonográfica de superfícies, pela leitura ótica. [...] Embora lançado mundialmente em
1983, o CD só chegaria ao mercado regular em todo mundo a partir de 1986, três anos
depois, devido aos altos custos de conversão para produtores fonográficos, e também
ao desdobramento natural por que passa qualquer nova tecnologia, até conquistar o
público em geral96.
Entre outras cláusulas abusivas comuns aos contratos de gravadoras estão o desconto
industrial o qual incide sobre o pagamento dos royalties, que passam a ser calculados na base
dos 90% (e não 100%) com a justificativa de que há uma quebra grande de discos no processo
de fabricação, porém os discos se tornaram mais resistentes com os avanços tecnológicos e não
existe mais um índice relevante de quebra, mesmo assim tal desconto automático não foi
abolido. Bem como também é aplicado um desconto de capa de até 25%, com o fundamento de
que o custo gráfico de confecção das capas e encarte dos discos é de alto. Desconto que é
aplicado a cada relançamento do produto. Também é usual a cláusula de redução de 50% de
royalties por relançamento ou cedidos para trilhas de filmes e filmes, por exemplo. Os royalties
de estreantes, são limitados em geral entre 6 e 8% sobre 90% das vendas. Enquanto os de
intérpretes consagrados podem chegar até a 18 ou 20% sobre 100%. Já os direitos de autor são
fixados em 8.4% para qualquer artista, grupo ou suporte material, por praxe da indústria
fonográfica brasileira98.
96
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 489.
97
Idem, ibidem, p. 494-495.
98
Idem, ibidem. p. 145-220.
45
A Internet, embora tenha sido criada nos anos 60, explodiu, comercialmente, nos anos
90 e ao longo destes anos vem proporcionando avanços significativos nas áreas de
comércio eletrônico, troca de documentos, isso de correio eletrônico, etc. Até meados
dos anos 70, a Internet era conhecida por poucos e utilizada somente no âmbito militar
e acadêmico, que continuou se utilizando dela de forma restrita até meados dos anos
90, quando foi criada a world wide web, a chamada teia de alcance mundial que
possibilitou a ligação de computadores em rede transmitindo informações para todas
99
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 74. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 12 abr. 2016.
46
O mp3 demorou mais de uma década para ser produzido, com o intuito de ser um
arquivo com um 1/12 avos do tamanho original de um arquivo LPCM/wav- que é o arquivo de
música utilizado nos CDs- inicialmente pensado por conta de um pedido de patente para uma
jukebox digital criada por Sieter Seitzer. A qual seria sintonizada a um servidor computacional
centralizado e se usaria o teclado numérico para pedir músicas pelas novas linhas telefônicas
digitais que começavam a ser instaladas na Alemanha. Porém as primeiras linhas telefônicas
digitais eram rudimentares e os fios eram tão estreitos que não comportariam a quantidade de
dados armazenados em um CD. O mp3 foi desenvolvido tomando por base um estudo acerca
da psicoacústica do ouvido humano, desenvolvido por Eberhard Zwicker, que analisou que nem
todos os sons eram captados pelo ouvido humano. Vários testes foram feitos envolvendo as
partes das músicas que poderiam ser retiradas sem que se sentisse falta e depois, foi
desenvolvido um “padrão” de como diminuir o tamanho das músicas, retirando o que não é
captado, com a máxima qualidade possível. O nome mp3 veio de Moving Picture Experts
Group, Audio Layer 3, por ser o terceiro de três métodos de compreensão concorrentes que
sobreviveram a uma disputa endossada pelo comitê de padronização Moving Picture Experts
Group (MPEG)101.
A priori, o mp3 começou a ser utilizado de fato com o intuito de ouvir música entre o
final de 1996 e o início de 1997, pois, no submundo da internet, hackers começaram a vazar
músicas no formato mp3, exatamente por ser um arquivo pequeno, graças a sua alta taxa de
compressão, que ocuparia um espaço menor nos HDs dos computadores e demandaria menos
da velocidade da internet. Destaque-se que na época, o Franhoufer – instituto responsável pela
criação do ap3- havia submetido a tecnologia do AAC (Advanced Audio Coding) para
padronização, como um formato mais evoluído do que o mp3. Mas o fato do referido grupo ter
100
OLIVEIRA, Mauricio Lopes (org.); NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet: Direito Autoral
e Convergência de mídias vol. II. Rio de Janeiro :Lumen Juris, 2006. p.48.
101
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.12-28.
47
Mesmo com a pirataria digital saindo dos dormitórios universitários para conquistar
o público como um todo, o ano 2000 foi um ano excepcional para a indústria. Os
consumidores compraram mais música naquele ano do nos anteriores ou posteriores
[...]. Alguns observadores da indústria começaram a se perguntar se a pirataria musical
era mesmo uma ameaça para a indústria. Alguns chegaram até mesmo a considerar a
possibilidade de que o fenômeno pudesse aumentar as vendas.
A ideia era absurda. Se um produto podia ser obtido de graça e ser reproduzido em
quantas cópias se desejasse sem perda de qualidade, por que alguém pagaria por um
segundo exemplar de algo que já tinha de graça? A compulsão moral pela
compensação do artista com certeza não seria o suficiente. Não obstante, a explosão
do sucesso Napster coincidiu com os dois melhores anos que a indústria fonográfica
já viu, e até Morris106 mais tarde admitiria que por algum tempo o compartilhamento
de arquivos mp3 piratas pelo Napster alimentou o boom do CD. Como explicar isso?
É simples: sem uma quantidade significativa de players de música portáteis, os mp3
ainda eram produtos inferiores. Não era possível levá-los para todos os lugares. Você
102
No caso, transformar arquivos wav em mp3.
103
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.82-83.
104
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-353. p.309
105
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p.115.
106
Doug Morris, executivo musical, atual CEO da Sony Music Entertainment. Também já foi CEO da Universal
Music Group, bem como, já exerceu tal função em outras gravadoras.
48
não podia ouvi-los no carro, praticando exercícios ou no avião. Não podia tocá-los em
uma festa sem levar um computador de quatro quilos e meio com você. É claro que
podia gravá-los em um CD – aliás, centenas deles. Mas muitos CD players não
tocavam arquivos mp3,e mesmo com os que tocavam, navegar por um menu com
centenas de arquivos em um CD era um processo lento. Então, sim, a pirataria de
arquivos mp3 estimulou as vendas de CDs... por um período107.
Ou seja, quando a população apenas tinha acesso às músicas, mas não tinha um meio de
reproduzi-las fora do computador, a disseminação dos downloads, mesmo ilegais, serviu apenas
como um meio de divulgação. Mesmo já havendo um mercado representativo de CDs piratas,
que não oferecia a mesma praticidade e tinha, obviamente, custos maiores que os downloads
gratuitos. Pela primeira vez havia um meio de divulgação musical livre das imposições
mercadológicas, já que tanto os artistas consagrados, quanto os iniciantes, poderiam ter suas
músicas baixadas independente da necessidade de uma gravadora. Apesar de que, obviamente,
os “hits do momento” eram muito mais facilmente encontrados e muitos mais baixados do que
as músicas indies108. Mesmo assim, já era um prenúncio do que viria seguir.
O primeiro grande debate judicial em torno do áudio digital tem lugar já em outubro
de 1998, quando a RIAA acionou judicialmente a empresa Diamond Multimedia
(posteriormente denominada SonicBlue) proprietária do aparelho Rio. Este
equipamento, uma espécie de walkman para MP3, deflagrou a relação sempre
conflituosa entre gravadoras e empresas proprietárias de aparelhos tocadores de MP3
e dos atuais sistemas P2P. A RIAA entendia o Rio enquanto um sistema capaz de
reproduzir — indistintamente — músicas protegidas, fonogramas de propriedade das
gravadoras. Um acordo em agosto de 1999 selou a manutenção da comercialização
do equipamento, embora a demonstração de vulnerabilidade das gravadoras fosse
clara109.
As grandes gravadoras (Seagram, Universal, Sony Music, Time Warner, EMI, BMG),
por meio da A RIAA - Recording Industry Association of America110, depois de várias rodadas
de recursos, obtiveram uma vitória contra o Napster e as redes peer-to-peer tornaram-se ilegais.
Acerca deste processo contra o Napster, podemos destacar as principais alegações de ambas as
partes:
O argumento principal usado pelo advogado no Napster, é de que a empresa não pode
ser acusada de contribuir com a violação dos direitos autorais porque os usuários não
realizam com o Napster uma atividade de trocas comerciais. Alegou também que se a
ordem judicial for no sentido de impedir a utilização do sistema seria uma injustiça
contra os internautas que apenas trocam arquivos de música que não estão registrados.
107
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.113-114.
108
Termo usualmente utilizado para designar as músicas de artistas independentes, que não têm contratos com
majors (grandes gravadoras).
109
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador. p.188. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 6 abr. 2016.
110
Associação da Indústria Fonográfica da América (tradução nossa)
49
111
BRASIL, Angela Bittencourt. O Napster nos caminhos da legalidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 5,
n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/686>. Acesso em: 7 abr. 2016.
112
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.114.
113
Torrent é uma extensão de arquivos utilizados por um protocolo de transferência peer-to-peer no qual os
arquivos transferidos são divididos em partes e cada usuário detentor de determinado arquivo ajuda a fazer o
upload a outros usuários, reduzindo consideravelmente o consumo de banda do distribuidor original do arquivo,
não sendo necessário o armazenamento em um servidor.
114
Site de hospedagem de torrents que chegou a ter uma biblioteca quatro vezes maior do que a do iTunes Store
(loja de música virtual da Apple). Foi notável até porque como o site exigia que para poder baixar música também
tinha que upar alguma música de seu acervo pessoal, tendo que manter uma certa taxa de upload/download e para
manter o funcionamento do site, alguns oinkers (utilizadores do site) chegaram até a fazer doações. O site foi
fechado e o fundador, Alan Ellis, foi a primeira pessoa na Inglaterra a ser processada por compartilhamento ilegal
de arquivos, em 2007. Em 2010 ele foi considerado inocente das acusações de conspiração. Mais informações
podem ser encontradas em Music file-sharer 'Oink' cleared of fraud. BBC UNITED KINGDOM. Disponível em:
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/england/tees/8461879.stm>. Acesso em 8 abr. 2016.
115
Um exemplo foi uma comunidade chamada “Discografia”, na qual os usuários baixavam e disponibilizavam os
links para o download de diversos álbuns.
116
BEZERRA, Arthur Coelho. Cultura Ilegal: as fronteiras morais da pirataria. 1 ed. Rio de Janeiro: Mauad X:
Faperj, 2014. p. 139-140.
50
Destaque-se que 48 horas após o fechamento do Oink, surgiram dois novos sites de
mesmo perfil: Waffles.fm e What.cd, ambos de antigos administradores do Oink. Tanto estes
como o Pirate Bay acabaram por registrar seus domínios em países “distantes”, com o intuito
de dificultar a aplicação lei norte-americana, como os Estados Federais da Micronésia e a
República Federal do Congo. O Pirate Bay, inclusive, é famoso pela sua jornada “nômade”,
pois toda vez que a lei de direitos autorais do país em que está hospedado o fecha, ele é
hospedado em outro país. Esses são meros exemplos acerca das formas possíveis de conseguir
baixar os downloads ilegais, com o intuito de demonstrar a dificuldade de simplesmente tentar
reprimir tal prática com investigações e processos judiciais. Acerca das tentativas de coibição
de downloads ilegais a partir de ações movidas contra usuários domésticos, podemos citar o
Projeto Hubcap:
No fim de 2007, as vendas dos CDs haviam sofrido uma queda de 50% desde seu
auge, e isso com descontos agressivos nos preços. As vendas digitais de arquivos mp3
legais nem começavam a compensar a diferença. [...] Enquanto isso, o Projeto Hubcap
estava prestes a ser suspenso. Os processos educativos da RIAA contra o público que
compartilhava arquivos não tiveram nenhum efeito perceptível, apesar de eles terem
ganhado todos os casos. A grande maioria dos acusados havia feito acordo. Um
pequeno número de casos tinha sido abandonado, e apenas um – em quase dezessete
mil – acabara em julgamento com júri. No dia 24 de outubro de 2007, Jammie Thomas
de Brainerd, Minnesota, fora considerada culpada por violação dos direitos autorais
de 24 músicas que baixara no Kazaa. O júri decidiu que ela devia à indústria
fonográfica 9.250 dólares por música – um total de 222 mil dólares. (Thomas apelou
da decisão.)
Para os advogados da universal, a decisão serviu para comprovar a estratégia da
RIAA[...] Era possível processar usuários dos serviços de compartilhamento de
arquivos e vencer. O caso de Thomas foi um marco.
Porém, do ponto de vista financeiro, a vitória da RIAA foi uma farsa. Thomas, mãe
solteira de dois filhos que vivia em um pequeno apartamento alugado e mobiliado e
trabalhava em uma reserva indígena ojíbua, iria à falência com o julgamento. Não
importava qual fosse o resultado dos apelos, era amplamente aceito que a RIAA só
receberia uma pequena fração dos danos. Também se admitia, inclusive entre os
advogados da RIAA, que Thomas não tinha conhecimento técnicos avançados,
limitando-se a um entendimento básico da tecnologia de compartilhamento de
arquivos peer-to-peer, tampouco conexões com quaisquer membros de alto nível da
Scene117 ou dos sites de compartilhamento de torrentes, os verdadeiros responsáveis
pela pirataria musical. Ela só foi a mártir usada como exemplo pela indústria
fonográfica.
O contraste era mais absurdo se Thomas e um pirata de verdade fossem comparados.
Um mês antes da decisão de seu julgamento, após anos de trabalho duro, o FBI
finalmente havia pego o infiltrado da Scene: Bennie Lydell Glover, Ali estava um
gerente da linha de embalagem que por iniciativa própria vazara quase dois mil álbuns
no período de oito anos [...]. Glover declarava-se culpado e agora se oferecia para
testemunhar contra os outros envolvidos na conspiração, mas a RIAA nunca pediria
indenizações.
Os problemas continuaram: começaram a aparecer servidores que trilhavam uma linha
tênue entre legalidade e criminalidade, como o Megaupload118; o compartilhamento
117
Grupo de hackers que se organizavam para vazar álbuns, preferencialmente antes destes serem lançados.
118
Site no qual se podia upar e baixar conteúdo, as vezes era utilizado simplesmente porque era um meio de colocar
determinado conteúdo na internet (algumas pessoas o usavam para upar arquivos acadêmicos, por exemplo), outras
vezes, era utilizado com o intuito de disponibilizar arquivos, de forma ilegal, com direitos autorais protegidos.
51
Ou seja, o acesso propiciado a uma infinidade de músicas foi um fenômeno tão recente
que precisou de algum tempo para se ter uma real compreensão de seu impacto. Apesar de a
indústria normalmente considerar cada álbum baixado como um CD que não se vendia, como
o estudo demonstrou, na realidade as pessoas muitas vezes baixavam artistas que nem gostavam
119
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.205-206.
120
Apenas como referência, o Napster demorou apenas um ano e meio para atingir 50 milhões de pessoas. Para
mais informações, veja-se MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas
tecnologias. In: Brasil, Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais;
v.1. p.237-353. p.309
121
OBERHOLZER-GEE, F. STRUMPF, K. File-sharing and copyright. In: LERNER, J. STERN, S. (editors).
Innovation policy and the economy. Tradução nossa. Chicago: University of Chicago Press, 2010, 10 v. p. 4.
Disponível em: <http://www.nber.org/chapters/c11764.pdf>. Acesso em 9 abr. 2016.
52
tanto e músicas “só por curiosidade”, com as quais provavelmente não chegariam a gastar
dinheiro algum para comprar um CD. Ademais, também há a necessidade de considerar outros
aspectos da indústria fonográfica:
Analisando as tendências nas vendas de CDs, por exemplo, eles concluem que a
pirataria realizou estragos no show business. Essa visão confunde criação de valor e
captura de valor. As gravadoras podem achar mais difícil lucrar com a venda de CDs,
mas a indústria está em uma posição melhor. Na realidade, é fácil argumentar que o
negócio cresceu consideravelmente. [...] O declínio nas vendas de música – que
caíram 15% de 1997 a 2007- é o foco de muita discussão. Contudo, acrescentando os
concertos sozinhos mostra que a indústria cresceu 5% nesse período. Se também
considerarmos as vendas de IPods como um fluxo de receitas, a indústria agora é 66%
maior do que em 1997. Obviamente, esses números não são mais que um bruto cálculo
de evidências. Uma investigação mais séria levaria em considerações diferenças na
rentabilidade através da música e das vendas de shows como também no gasto
decrescente em outras categorias (CD players, caixas de som,etc.) A questão do
gráfico, contudo, permanece: mudanças tecnológicas frequentemente levarão a
mudanças nos preços relativos e modificação nas oportunidades do negócio. Focar
exclusivamente nas correntes tradicionais das receitas para se chegar em um senso de
como as novas tecnologias mudam a “zona de conforto estabelecida” irá tipicamente
ser enganador122. (grifos nossos).
122
OBERHOLZER-GEE, F. STRUMPF, K. File-sharing and copyright. In: LERNER, J. STERN, S. (editors).
Innovation policy and the economy. Tradução nossa. Chicago: University of Chicago Press, 2010, 10 v. p. 46.
Disponível em: <http://www.nber.org/chapters/c11764.pdf>. Acesso em 9 abr. 2016.
123
FRENZ, Marion. ANDERSEN, Birgitte. The impact of music downloads and P2P file sharing on the purchase
of music: a study for industry Canada. In: International Conference: DIME – Creative Industries Observatory,
2008, Birkbeck. Paper. Birkbeck: University of London, 2008. p. 13. Disponível em: <http://www.dime-
eu.org/files/active/0/AndersenFrenzPAPER.pdf>. Acesso em 9 abr. 2016.
53
rádio online. A justiça considerou que o serviço, denominado de webcasting124, não configura
uma execução pública, de forma que não deve pagamento de direitos autorais ao ECAD 125.O
site propiciou algumas carreiras de sucesso, tendo sido bastante influente até 2008 e o modelo
dele é até hoje “copiado em partes” por aplicativos como o Palco MP3 e sites como o
Soundcloud. A partir de 2009 começou seu declínio até em razão de novos hábitos criados pelo
próprio desenvolvimento tecnológico, que acabaram popularizando outras plataformas. A
própria história das redes sociais sugere que a popularidade destas são passageiras: o site que é
reconhecido como o berço de comunidades on-line, The Well, deu lugar à America Online que
era mais amplamente disponível, que foi ofuscado pelo Friendster - que se tornou passado126.
Antes de mais nada, deve ser ressaltado que todas as obras intelectuais de autoria, tais
como as graficamente impressas, vídeos, filmes cinematográficos, fotografias,
programas de TV, obras de artes plásticas, gravações sonoras (música, intérpretes,
produtores fonográficos) e outras, quando digitalizadas – isto é, transformadas em bits
– continuam a ser protegidas. E isso apesar de passarem a ser lidas por computadores,
já que o importante é saber se essas obras são originais (não são cópias de outras
obras); se estão fixadas (num suporte físico de qualquer meio de expressão); e se
apresentam características de criatividade (não sejam apenas descrições de fatos
comuns ou de domínio público)127.
124
Webcast: é a transmissão de áudio e vídeo utilizando a tecnologia streaming media. Pode ser utilizada por meio
da internet ou redes corporativas ou intranet para distribuição deste tipo de conteúdo. WACHOWICZ, Marcos;
VIRTUOSO, Bibiana Biscaia. Streaming: a nova era da música e da gestão coletiva de direitos autorais. In:
Boletim do Gedai. Edição II - Ano IX. Disponível em: < http://www.gedai.com.br/?q=pt-br/boletins/boletim-
gedai-junho-2015/streaming-nova-era-da-música-e-da-gestão-coletiva-de-direitos#_ftn8>. Acesso em 11 abr.
2016.
125
DIREITOS AUTORAIS. ECAD. OBRAS DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA. TRANSMISSÃO DE
CONTEÚDO PELA INTERNET (STREAMING) NA MODALIDADE WEBCASTING. HIPÓTESE DE
REPRODUÇÃO INDIVIDUAL. EXECUÇÃO PÚBLICA NÃO CARACTERIZADA. CONCEITO DE LOCAL
DE FREQUÊNCIA COLETIVA QUE DEVE SER INTERPRETADO SISTEMATICAMENTE (ARTIGO 68,
§2º E §3º DA LEI FEDERAL 9610). AUSÊNCIA DE ATRIBUIÇÕES DAQUELA ENTIDADE PARA
COBRANÇA, IN CASU, DOS DIREITOS AUTORAIS. INCIDÊNCIA DO ART. 99, CAPUT, DA LDA.
SENTENÇA REFORMADA. SUCUMBÊNCIA INVERTIDA. APELAÇÃO DO PROVEDOR DE INTERNET
PROCEDENTE. PREJUDICADO O RECURSO DO ECAD.[...] É possível concluir que a prática de transmitir
música por meio da Internet (streaming), através do sistema de webcasting não configura uma performance pública
do conteúdo, na medida em que a transmissão é cedida individualmente ao usuário [...]Conclui-se que não cabe ao
ECAD fiscalizar e cobrar os direitos autorais pretendidos nesta demanda, uma vez que eles decorrem da
distribuição individualizada de fonograma. Tal atuação caberá, apenas, aos artistas ou gravadoras[...]. RIO DE
JANEIRO, Tribunal de Justiça (Décima Câmera Cível). Apelação Cível nº 0386089-33.2009.8.19.000. Apelantes:
1. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD 2. Fox Interactive Media Brasil Internet LTDA –
MySpace. Apelados: os mesmos. Relator: Desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, Rio de Janeiro, 04 de
feveireiro de 2015. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/3/art20150305-05.pdf>. Acesso
em 11 abr. 2016.
126
CHMIELEWSKI, Dawn C.; SARNO,David. How MySpace fell off the pace. Los Angeles Times. Disponível
em: <http://articles.latimes.com/2009/jun/17/business/fi-ct-myspace17>. Acesso em 10 abr. 2016.
127
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e
atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 178
54
Consoante o art. 5, VI, da Lei dos Direitos Autorais, considera-se "reprodução - a cópia
de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma,
de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por
meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido”. O que
torna ilegal até alguns tipos de usos domésticos, como uma “passar” o conteúdo de um CD
original para um IPod, por exemplo.
128
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e
atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p.180
55
esgota-se quando os exemplares são oferecidos ao público, embora por via eletrônica
apenas129.
No mesmo sentido também entende o jurista Nehemias Gueiros Júnior, que também
defende que o download seria um tipo de distribuição:
Aqui cabe uma reflexão mais profunda, de forma que se possa compreender melhor a
extensão da legislação autoral existente em relação à nova tecnologia. O download é,
na realidade, uma mera distribuição de obras intelectuais, pois não configura uma
performance pública do conteúdo, limitando-se às reproduções feitas nas máquinas
ou aparelhos telefônicos dos usuários. Esta distribuição é feita eletronicamente,
através da difusão de sons ou de sons e imagens e pode ser subsumida pelos incisos
II, IV V e VI do artigo 5º da lei autoral brasileira em vigor (lei 9.610/98 ou LDA).
Entretanto, o dispositivo que melhor define a natureza dos downloads, é, sem dúvida,
o inciso IV – distribuição: “a colocação à disposição do público, do original ou cópia
de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e
fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de
propriedade ou posse”.
Execução pública significa transmitir ou comunicar uma obra ao público, através de
qualquer meio ou processo, quer os integrantes desse público recebam essa obra no
mesmo lugar ou em locais separados, ao mesmo tempo ou em tempos diferentes.
Alegar que outras pessoas possam estar próximas do computador ou à volta do
aparelho telefônico para enquadrar o download como execução pública é, no mínimo,
pueril.
Se assim fosse, o simples ato de audição de CDs e DVDs implicaria numa execução
pública, pois sempre há mais de uma pessoa próxima do aparelho reprodutor. Se a
mera distribuição de conteúdo for considerada uma execução pública, qual seria a
diferença entre a baixa do arquivo digital e o envio de um CD embalado, do
revendedor para o consumidor? Isto seria o mesmo que considerar que uma execução
pública ocorre mesmo em ambientes restritos, como o recesso doméstico.
A indústria musical, de telefonia celular e de videogames compartilha um raciocínio
muito simples com relação a essa discussão: para poder ser enquadrada como
execução pública, a baixa de arquivos da Internet precisa ser efetivamente percebida
por ouvidos e olhos humanos em locais de freqüência coletiva. Se houver a audição
ou visualização de qualquer conteúdo musical ou audiovisual em um logradouro
público, então não resta dúvida de que se trata de uma execução pública, mas
baixamos os arquivos na intimidade dos nossos lares, em nossos telefones móveis ou
nas dependências de escritórios comerciais.
A RIAA (Recording Industry Association of America), entidade que reúne as
gravadoras americanas, apóia os serviços digitais de provisão de conteúdo, que não
consideram os downloads uma execução, mas sim uma entrega (delivery) do arquivo
de conteúdo, portanto, uma distribuição 130.
Destarte, antes de nos aprofundarmos mais em tal discussão é necessário citar que a
própria evolução tecnológica, ao que tudo indica, está no caminho de suplantar a era dos
downloads ilegais e contar mais um pouco da história recente sobre os meios de se ouvir música
na Internet.
129
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da Internet e da sociedade da informação: estudos. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 105-106.
130
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. Download digital não pode ser considerado execução pública. Consultor
Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-ago-
01/baixar_musica_internet_nao_execucao_publica#author>. Acesso em 11 abr. 2016.
56
Após uma entrevista desastrosa ao jornalista Seth Mnookin para a revista Wired, a
inefetividade da cruzada jurídica, dos fracassos de investimentos on-line como o Pressplay e
da queda dos lucros da Universal, empresa da qual era CEO e executivo musical, Doug Morris
percebeu que tinha que encontrar uma nova forma de se adaptar aos progressos da tecnologia.
Decidiu então fazer uma visita a seu neto adolescente e pediu ao garoto que lhe mostrasse como
ele obtinha as músicas. O menino explicou que não pirateava nada, mas também não comprava
CDs, nem músicas digitais avulsas: ele, basicamente, assistia vídeos de músicas no YouTube do
computador do quarto. Morris percebeu que ao lado de tais vídeos havia uma série de anúncios
comerciais, o que significa que alguém estava lucrando em cima de vídeos financiados por sua
gravadora e ele não estava recebendo nenhum retorno patrimonial. O CEO então fez tais vídeos
deixarem de ser “promocionais” e obrigou os sites mais importantes de hospedagem de vídeos
a darem uma porcentagem dos lucros obtidos com propaganda. Assim, nascia o Vevo, um
serviço multinacional de hospedagem de vídeos, fundado em dezembro de 2009, em um modelo
que veio a ser copiado por várias outras gravadoras, com a qual os clipes chegaram até, em
alguns casos, a render mais do que os CDs que deveriam promover131.
Tal exemplo é um marco: mostrou como é possível se lucrar com respeito ao acesso à
cultura, pois assistir vídeos no YouTube continua de graça, há respeito aos direitos autorais
patrimoniais dos músicos e demonstra ser uma forma nova com total adaptabilidade a revolução
tecnológica. Também prenuncia uma mudança de hábitos: uma pesquisa da Nielsen aponta que
64% dos adolescentes ouvem música através do YouTube, enquanto 51% baixaram alguma
música132. Antes o download de músicas era o meio de ter acesso a música mais utilizado no
ambiente digital, pois a Internet da maioria das pessoas era relativamente lenta. Há alguns anos,
por exemplo, a maioria dos vídeos do YouTube tinha que ser pausado até que fosse baixado
completamente, se o usuário quisesse assistir um vídeo sem interrupções.
Mas com uma banda larga melhor e mais acessível, assistir um clipe de música sem
interrupções de forma imediata passou a ser possível, o que também tornou possível aplicativos
de streaming (fluxo de mídia) de músicas como Spotify e Google Play, nos quais a música é
baixada e ouvida de imediato. Com a facilidade de acesso a obras musicais, até a venda de CDs
piratas diminuiu, consoante pesquisa “Radiografia do Consumo” da Federação do Comércio do
131
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.207-212.
132
MORE TEENS LISTEN TO MUSIC THROUGH YOUTUBE THAN ANY OTHER SOURCE. Nielsen.
Disponível em: < http://www.nielsen.com/us/en/press-room/2012/music-discovery-still-dominated-by-radio--
says-nielsen-music-360.html>. Acesso em 10 abr. 2016.
57
A tecnologia streaming nasce como opção para a indústria da música sanar o antigo
problema da pirataria de obras musicais – reprodução não autorizada (cópia) -, e
reaver seu espaço no mercado da música.
Em parceria com os players de streaming, que vieram a se consolidar no mercado,
facilitou-se o acesso às obras musicais, sem a necessidade do download das mesmas,
logrando-se êxito em garantir a segurança das obras musicais contra a pirataria, ao
mesmo tempo em que desenvolveu inovador modelo de negócio, transformando a
música de um produto – passível de cópia – em um serviço – acessível,
monetariamente, que não ocupa espaço em disco e pode ser cancelado a qualquer
momento134.
133
FECOMERCIO/RJ. O Consumo de Produtos Piratas no Brasil. Rio de Janeiro. 30 de novembro de 2010.
Disponível em: <http://www.fecomercio-rj.org.br/publique/media/estudo.pdf >. Acesso em: 11 abr. 2016.
134
ESTEVES, Maurício Brum. Streaming e a Cobrança de Direitos Autorais em Ambientes Digitais. Estado de
Direito. Disponível em: < http://estadodedireito.com.br/streaming-e-cobranca-de-direitos-autorais-em-ambientes-
digitais/>. Acesso em 10 abr. 2016.
135
STJ deve retomar discussão sobre cobrança de direito autoral por transmissão de música na internet. JusBrasil.
Disponível em: < http://jornal-ordem-rs.jusbrasil.com.br/noticias/312018864/stj-deve-retomar-discussao-sobre-
cobranca-de-direito-autoral-por-transmissao-de-musica-na-internet>. Acesso em 11 abr. 2016.
58
Nas hipóteses em discussão, ainda que o conteúdo seja acessível ao público em geral,
sua utilização configura ato individual e isolado, inexistindo execução coletiva
perceptível por mais de um usuário simultaneamente. Trata-se, pois, de modalidade
de utilização distinta daquela tradicionalmente contemplada pelo legislador como
execução pública136.
136
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual nº 103, edição
nov/dez 2009. Apud RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça (Décima Câmera Cível). Apelação Cível nº 0386089-
33.2009.8.19.000. Apelantes: 1. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD 2. Fox Interactive
Media Brasil Internet LTDA – MySpace. Apelados: os mesmos. Relator: Desembargador Bernardo Moreira
Garcez Neto, Rio de Janeiro, 04 de fevereiro de 2015. Disponível em: <
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/3/art20150305-05.pdf>. Acesso em 11 abr. 2016.
137
Simulcast: abreviação de simultaneous broadcast no inglês, ou "transmissão simultânea" no português, refere-
se aos programas ou eventos de difusão em mais de um meio, ou mais de um serviço ao mesmo tempo. Por
exemplo, um canal pode transmitir ao mesmo tempo um programa nos sinais em SD e HD, deixando o logotipo
um pouco mais no centro da imagem. WACHOWICZ, Marcos; VIRTUOSO, Bibiana Biscaia. Streaming: a nova
era da música e da gestão coletiva de direitos autorais. In: Boletim do Gedai. Edição II - Ano IX. Disponível em:
<http://www.gedai.com.br/?q=pt-br/boletins/boletim-gedai-junho-2015/streaming-nova-era-da-música-e-da-
gestão-coletiva-de-direitos#_ftn8>. Acesso em 11 abr. 2016.
138
SCHVARTZMAN, Guido. Tribunal de Justiça de SC decide que cobrança do ECAD em relação ao
"simulcasting" é ilegal. JusBrasil. Disponível em:
<http://guidoimprensa.jusbrasil.com.br/noticias/237309412/tribunal-de-justica-de-sc-decide-que-cobranca-do-
ecad-em-relacao-ao-simulcasting-e-ilegal>. Acesso em 10 arb. 2016.
139
ESTEVES, Maurício Brum. Streaming e a Cobrança de Direitos Autorais em Ambientes Digitais. Estado de
Direito. Disponível em: < http://estadodedireito.com.br/streaming-e-cobranca-de-direitos-autorais-em-ambientes-
digitais/>. Acesso em 10 abr. 2016.
59
Apesar de que,
De certa forma estamos numa posição semelhante à dos europeus do século XVI, que
estavam apenas começando a tomar conhecimento do espaço físico dos astros, em
espaço totalmente alheio à sua concepção anterior da realidade. Como Nicolau
Copérnico, estamos tendo o privilégio de testemunhar a aurora de um novo tipo de
espaço, o virtual, e o que a humanidade fará desse espaço, só o tempo irá dizer141.
Isto é, não sabemos até onde o horizonte irá levar no que concerne à Internet, nem o
que será percorrido nas futuras trajetórias. Mas, já está se iniciando o processo de adaptação e
regulação até onde a legalidade atinge o mundo virtual.
A doutrina da função social aparece, como uma matriz filosófica do direito, a delimitar
institutos de conformação nitidamente individualista, a fim de atender aos ditames do
140
Disponível na íntegra em: <http://culturadigital.br/gcdigital/files/2016/02/IN-DIGITAL-FINAL-12-02.pdf>.
Acesso em 11 abr. 2016.
141
WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço de Dante à Internet. Trad. Maria Luiza Borges. Revisão
técnica Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2001,p 225 apud SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital:
impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 91.
60
direito coletivo, acima dos interesses particulares, buscando, ainda, igualar os sujeitos
de direito, de modo que a liberdade que a cada um deles caiba seja igual para todos142.
Deve ser ressaltada a nova propriedade surgida com o advento da Constituição Federal
de 1988, enaltecedora da dignidade humana como valor essencial ao Estado
Democrático de Direito. O conceito de propriedade, tal qual diverso outro instituto
clássico do direito civil, alterou-se substancialmente, tendo em vista o modelo do
Estado Social retratado no texto constitucional, fato facilmente observado com a
inclusão do direito de propriedade no rol dos direitos e garantias fundamentais, tendo
como requisito de existência o atendimento a respectiva função social 146.
142
REIS, Jorge Renato dos. O Direito de Autor no Constitucionalismo Contemporâneo: Considerações Acerca de
sua Função Social. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva (Coord.); MORAES, Rodrigo(Coord.). Propriedade
Intelectual em Perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 151-161. p. 155.
143
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 51.
144
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Direitos & Deveres.
Maceió ,ano III, v. 6. Edufal. Jan./dez. 2000. p. 239.
145
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 307
146
VITALIS, Aline. A função social dos direitos autorais: uma perspectiva constitucional e os novos desafios da
sociedade de informação. In: Brasil, Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas
culturais; v.1. p. 173-236. p.191.
61
A função social da propriedade, na qual a dignidade da pessoa humana está entre seus
pilares, demonstra que os interesses sociais devem prevalecer sobre os interesses privados e
econômicos. Mesmo o direito particular do indivíduo precisa denotar uma função social. A
promoção do solidarismo pretende propiciar uma sociedade mais livre, justa e igualitária.
Apesar de ser “fato notório que a indústria fonográfica suporta custos elevados nos seus
variados departamentos, dá emprego a pessoas qualificadas, contrata compositores e
intérpretes, assume riscos dos mais variados e, principalmente, paga impostos”148, é certo que,
conforme já foi demonstrado, os lucros ficam em sua maior parte com as gravadoras e as
mudanças de mercado que a beneficiaram anteriormente, como o barateamento na fabricação
de CDs não foram repassadas nem aos artistas, nem aos consumidores. Só houve uma baixa no
valor dos preços dos CDs quando o próprio mercado acabou impondo mudanças em razão da
pirataria e dos downloads ilegais. De forma que nem sempre a função social foi cumprida, afinal
um CD de 30 reais não é um produto acessível a quem ganha um salário mínimo, por exemplo.
Como uma noção do liberalismo existente entre a relação dos músicos e gravadoras,
podemos exemplificar que estas começaram a utilizar outras táticas de compensar a diminuição
das vendas, como submeter artistas iniciantes a contratos 360.
147
ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. p.85-111. p.89.
148
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 75. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 12 abr. 2016.
62
participação nas vendas dos álbuns, mas também nas apresentações ao vivo e nos
direitos autorais. Esses acordos encontraram resistência nos artistas e em seus
empresários, que acusaram as gravadoras de quererem uma participação sobre lucros
que, historicamente, nunca haviam sido delas. Embora os acordos 360 fossem
polêmicos, mesmo na era digital os artistas ainda precisam das gravadoras, e vários
deles, muitas vezes de forma imprudente, assinaram contratos149.
Ou seja, tal interpretação entende que o respeito da função do Direito Autoral está na
proteção máxima possível ao direito de autor. Contudo, discordamos desta visão, pois ela não
considera vários aspectos da vida em sociedade, como, a título de exemplo, esse entendimento
não pensa nem no caso das obras musicais fora de catálogo, que apenas podem ser encontradas
em alfarrábios ou coleções particulares e atualmente, podem ser encontradas na Internet, às
149
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p. 214.
150
CHAVES, Antônio. Direito de autor — princípios fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Apud
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 51.
151
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p.87
63
margens da lei e gratuitamente. Como será melhor cumprida a função social nesse caso:
privando o acesso da obra a todos que não conseguirem encontrá-la, mesmo com toda a
dificuldade atinente, ou a disponibilização para que todos os interessados possam ter contato
com a obra? Entendemos que até o autor preferiria essa segunda opção, pois assim sua obra
estaria mais “viva”, considerando que por estar fora de catálogo, ela já não está mais rendendo
tanto no aspecto patrimonial.
Com uma crítica semelhante aos atuais ditames do ordenamento ordinário, que não está
em consonância com diversos direitos humanos fundamentais estabelecidos
constitucionalmente, também podemos colacionar o seguinte trecho:
a leitura literal da lei brasileira desautoriza uma série de condutas que estão em
conformidade com a funcionalização do instituto da propriedade. Por exemplo, pela
LDA, não se pode fazer cópia de livro que, mesmo com edição comercial esgotada,
ainda esteja no prazo de proteção dos direitos autorais. Mas, pelos princípios
constitucionais do direito à educação (art. 6º, caput, art. 205), do direito de acesso à
cultura, à educação e à ciência (art. 23, V) e, mais importante, pela determinação de
que a propriedade deve atender a sua função social (art. 5º, XXIII), é necessário que
se admita cópia do livro, ainda que protegido. O contrário seria um contrassenso, uma
inversão da lógica jurídica, já que princípios constitucionais teriam que se curvar ao
disposto em uma lei ordinária (a LDA), quando na verdade o oposto é que deve
ocorrer152.
A nossa crítica a concepção de função social como mera proteção ao direito do autor
encontra forte respaldo doutrinário, pois mesmo “o argumento de que uma maior tutela
individualista do autor transforma-se em estímulo para a criação, não mais se sustenta, haja
152
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 54.
64
vista que grande parte dos direitos patrimoniais, possíveis de transmissão das obras protegidas,
pertence hoje ao empresário, a quem os autores transferem seus direitos”153.
Para ilustrar as questões que envolvem a função social do direito autoral, é valoroso
citar inspirada reflexão do professor José de Oliveira Ascenção:
Eu sou um autor; somente um autor. Sei que é um sacrifício de tantas horas pela
produção. Sei também o que é o plágio e a cópia de tantas minhas obras.
Mas sou eu quem quero cobrar a comunicação de obras a asilos?
Ou quem proíbe que as obras esgotadas sejam objeto de cópia privada?
O que é que eu quero? – e que não vejo motivo para não corresponder ao sentir do
autor comum.
Quero, antes de mais, que as minhas obras circulem, para que sejam tidas em conta
no diálogo cultural.
Não quero que outros se locupletem, fazendo negócios nas minhas costas com o que
produzo.
Nos casos em que comercializo minhas obras, quero receber remuneração compatível.
Mas abomino o rigorismo que leva a que o Direito de Autor se transforme numa
espécie de ramo repressivo do Direito.
Que leva a que se anuncie que estão preparando em Espanha 95.000 processos contra
pessoas que fazem descargas (downloads) a partir da internet, levando este ramo a um
beco sem saída.
Diz-se na Filosofia que o mundo não é divisível pela razão sem deixar resto.
O mundo também não é divisível pelo Direito de Autor sem deixar resto.
Não são decerto os autores quem pretende isto. Os limites não são inimigos dos
autores, são pelo contrário, seus aliados.
São eles que permitem que o Direito de Autor seja bem acolhido pela sociedade, como
um instrumento de colaboração e não de imposição; e permite assim que a mensagem
dos autores se expanda e alcance plenamente as suas finalidades culturais e sociais154.
Alguns dos limites aos direitos autorais estão positivados nos seguintes artigos da LDA:
153
REIS, Jorge Renato dos. O Direito de Autor no Constitucionalismo Contemporâneo: Considerações Acerca de
sua Função Social. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva (Coord.); MORAES, Rodrigo(Coord.). Propriedade
Intelectual em Perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.p.151-161. p. 158.
154
ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. P.85-111. p.88.
65
É perceptível que tais limitações visam exatamente permitir o uso de obras culturais
em prol da sociedade. Ademais, “a conciliação entre os interesses individuais e coletivos
decorre da concessão de exclusividade ao autor para a exploração econômica de sua obra por
um certo lapso temporal, após o qual ingressará em domínio público”155, pois assim, permitiria
tanto que os titulares fossem beneficiados patrimonialmente por um bom tempo e que depois,
a coletividade tivesse uso livre da obra.
155
VITALIS, Aline. A função social dos direitos autorais: uma perspectiva constitucional e os novos desafios da
sociedade de informação. In: Brasil, Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas
culturais; v.1. p. 173-236. p. 206.
66
As limitações aos direitos autorais são legitimadas por outros direitos fundamentais,
inclusive os direitos culturais, com especial atenção ao direito de acesso à cultura. O
cerceamento jurídico ao direito de acesso e à liberdade de criação e manifestação não
pode ultrapassar os limites da razoabilidade e deve, por excepcional, ser interpretado
restritivamente159.
o viés individualista que historicamente marcou o direito de autor, deve ser adequado
à nova realidade social e jurídica do País, que tem como marco regulatório a
Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, que determinou um direito
156
MADRIGAL, Laura Sofía Gómez. Limitaciones a los derechos de autor. In: PÉREZ, Óscar Javier Solorio
(Coord.). Derechos de Autor para universitários. Tradução nossa. Colima: Universidad de Colima, 2007. p.132-
143. p.138.
157
Passou a ser o art. 9/2 da Convenção de Berna e desta previsão de fez eco o art. 46, VIII da LDA. A respeito
veja-se ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. P.91.
158
ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. P.85-111. p.92-94
159
SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 132.
160
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS,
Manoel J. Pereira dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 09-44.
p.26.
67
funcionalizado, isto é, determinado pelo interesse maior de cumprir o seu papel como
instrumento de função social161.
Ou seja, concluímos que a função social do direito autoral é cumprida quando se há, ao
mesmo tempo, respeito ao direito do autor nos ditames da lei na medida em que a realidade
permite, considerando os aspectos axiológicos que permeiam a questão, e efetivação da plena
difusão cultural e acessibilidade da obra pelo bem social, com respeito aos direitos humanos
fundamentais positivados na Constituição Federal.
Tanto os direitos autorais, quanto o direito de acesso à cultura estão assegurados pela
Magna Carta. O direito de autor está constitucionalizado no art. 5º, XXVII, que dispõe que:
“aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Enquanto o acesso à cultura, apesar de
ser objeto de direito fundamental, não está expressamente proclamado no art. 5º da
Constituição:
161
REIS, Jorge Renato dos; PIRES, Eduardo. O Direito de Autor funcionalizado. In: SANTOS, Manoel. J. Pereira
dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 199-225. p.222.
162
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS,
Manoel J. Pereira dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 09-44.
p. 9-10.
68
e os modos de vida através dos quais uma pessoa ou grupo exprime a sua humanidade e o
significado que atribui à sua existência e ao seu desenvolvimento”163.
José Afonso da Silva concluiu que as normas atinentes ao acesso à cultura são normas
de eficácia limitada, pois postula a concretização legislativa posterior. O que não significa que
sejam destituídas de eficácia, pois não são simples direitos de legislação. São direitos
constitucionais atuais e fundamentais, pois devem ser compreendidos dentro do complexo
marco dos direitos humanos. Invoca a Declaração Universal dos Direitos do Homem e observa
que a própria Magna Carta oferece algumas condições de aplicabilidade imediata166.
163
MEYER-BISCH, Patrice (org.). BIDAULT, Mylène(org.). Afirmar os direitos culturais: comentário à
declaração de Friburg. Tradução: Ana Goldberb. São Paulo: Iluminuras, 2014. p.22
164
COELHO, Teixeira. Apresentação. In: MEYER-BISCH, Patrice (org.). BIDAULT, Mylène(org.). Afirmar os
direitos culturais: comentário à declaração de Friburg. Tradução: Ana Goldberb. São Paulo: Iluminuras, 2014.
p.11.
165
SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 133.
166
SILVA, José Afonso. Ordenação Constitucional da Cultura. Malheiros, 2001, p 50. Apud ASCENÇÃO, José
de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos
(Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 10.
69
In casu, através do escorço histórico realizado neste trabalho, podemos perceber que
o direito autoral musical sempre foi fortemente influenciado pelo modo como as tecnologias
permitiram a disseminação da obra: a comercialização de partituras, o fonógrafo, o gramofone,
a radiodifusão, o LP, as fitas cassetes, o CD, o MP3, o streaming,etc. Cada um desses meios
teve um impacto diferente na esfera dos direitos autorais, conforme já abordamos, bem como
permitiram formas diferentes de acesso à cultura.
167
BEZERRA, Arthur Coelho. Cultura Ilegal: as fronteiras morais da pirataria. 1 ed. Rio de Janeiro: Mauad X:
Faperj, 2014. p. 87.
168
CASTRO, Carla Frade de Paula. Streaming de música e desenvolvimento: Uma boa alternativa em matéria de
direitos autorais? IN: CUNHA FILHO, Humberto (org.). Conflitos culturais: como resolver? como conviver?
Fortaleza : IBDCult, 2016.p.104-123. p.109.
70
O fim do monopólio da BBC foi importante para que se tivesse um melhor respeito
aos direitos fundamentais à informação e à cultura e com o tempo, aquela se adaptou a nova
situação fática. O que, até certo ponto, é o que está acontecendo entre o monopólio das
gravadoras e as disseminações alternativas de música. O fenômeno do rádio foi importantíssimo
para a disseminação da cultura, até os Beatles, no documentário The Beatles Anthology, falam
que quando eram adolescentes e não tinham dinheiro para comprar todos os LPs que queriam,
basicamente ouviam música através do rádio e as vezes iam ao cinema com o principal intuito
de assistir aos clipes musicais que passavam antes dos filmes naquela época. Esse exemplo
mostra a influência de uma simples forma de reprodução na existência de uma das maiores
bandas da história, imagina então a avalição da difusão de tal meio sobre toda uma população?
No que tange aos CDs e a Internet, podemos comentar que desde que se iniciou a
pirataria de CDs, através da cópia em CDs virgens, criaram métodos TPMs (technological
protection measures ou “medidas de proteção tecnológica”) nos quais os CDs eram “protegidos
de cópias”. Porém, este sistema não obteve muito êxito, nem nas formas mais modernas, pois,
de modo geral, os hackers conseguiram violar tal proteção:
169
HACKER, Marcelo. Piratas da Internet. Obra em Domínio Público. 1ª Edição, 2014. p.10
71
Bem como, alguns artistas conseguiram até realizar gravações caseiras de boa
qualidade, graças exatamente ao advento de tecnologias mais acessíveis de gravação, porém
não podemos comparar a qualidade de uma gravação caseira de baixo custo com uma gravação
em estúdio. Mesmo no que concerne aos artistas independentes que disponibilizam sua música
gratuitamente, como o pianista Vitor Araújo e o cantor Cícero, temos que ter noção que essas
gravações tiveram um custo. No caso deles, a divulgação pode até compensar a despesa que
tiveram com a gravações das músicas, todavia, enquanto vivermos em uma sociedade
capitalista, não podemos menosprezar esse dispêndio.
Entretanto, outras questões precisam ser ressaltadas quanto ao impacto que o MP3
provocou: 1) o formato permitiu que pessoas comprassem apenas uma música, pois no mercado
de CDs era comum a compra de um CD para ouvir apenas uma música, 2) possibilitou que se
conhecesse e comprasse materiais de artistas que de outra forma jamais seriam conhecidos, 3)
deu acesso a música a uma população que não tinha condições financeiras de comprar os CDs
físicos, 4) permitiu divulgação fora do monopólio das gravadoras, 5) nem todo arquivo baixado
ilegalmente significava um CD vendido a menos, consoante já foi demonstrado, pois devido à
facilidade, era usual o download de músicas que os usuários não gostavam a ponto de terem
170
MARTINS, Beatriz Cintra. Autoria em rede: os novos processos autorais através das redes eletrônicas. Rio de
Janeiro: Mauad, 2014. p. 79-80.
171
GOHN, Daniel Marcondes. Educação musical a distância: abordagens e experiência. São Paulo: Cortez,
2011. p.27
72
interesse em comprá-las, razão pela qual muitos jovens chegavam a ter milhares de músicas em
seu Disco Rígido, das quais boa parte não chegavam nem sequer a serem escutadas, 6) chegou
a permitir o acesso a músicas que nunca foram oficialmente lançadas, por meio de
vazamentos,7) permitiu o acesso a músicas fora de catálogo.
A priori, analisaremos que não adianta instituir normas de proteção que não tenham
eficácia. Abordaremos essa questão utilizando duas teorias: a Teoria do Fato Jurídico de Marcos
Bernardes de Mello e a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. Acerca da primeira
é mister citar a seguinte importante lição:
Existir, valer e ser eficaz são situações distintas em que se podem encontrar os fatos
jurídicos. Mostramos, em nosso Teoria do fato jurídico: plano da existência, Cap. V a
impossibilidade lógica de serem confundidas as três precisamente porque se passam
em planos diferentes.
O fato jurídico existe como resultado da incidência de uma norma sobre o seu suporte
fáctico suficientemente composto.
O ser válido (valer), ou inválido (não valer), já pressupõe a existência do fato jurídico.
Da mesma forma, para que se possa falar de eficácia (=ser eficaz) é necessário que o
fato jurídico exista. A recíproca, porém, em ambos os casos, não é verdadeira.
O existir independe, completamente, de que o fato jurídico seja válido ou de que seja
eficaz O ato jurídico nulo é fato jurídico como qualquer outro, só que deficientemente.
A deficiência de elemento do suporte fáctico o faz inválido173.
172
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-353. p.242
173
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 46.
73
legalmente perfeitas, considerando que “Validade, no que concerne a ato jurídico, é sinônimo
de perfeição, pois significa a sua plena consonância com o ordenamento jurídico”174.
Após uma investigação sobre a dimensão política e normativa das regras jurídicas que
compõem o sistema de proteção à propriedade intelectual no Brasil, não se pode
afirmar que há qualquer vício de justiça ou de validade que possa comprometer a sua
eficácia. Entretanto, quando a análise recai sobre o critério de valoração da eficácia,
aqui compreendida como efetividade, também chamada de dimensão sociológica da
norma jurídica, percebe-se que o valor consagrado pelo legislador nas referidas
normas jurídicas, apesar de indiscutivelmente relevante para o desenvolvimento
sócio-econômico e tecnológico do País, parece caminhar em descompasso com os
costumes sociais.
Assim, seria esse o motivo pelo qual é possível afirmar que as normas jurídicas de
proteção à propriedade intelectual no Brasil padecem de inefetividade, haja vista que
há um nítido obstáculo à produção dos efeitos desejados pelo legislador em virtude da
má recepção destas normas jurídicas pela coletividade a que se destina 176.
Para Miguel Reale, a regra jurídica deve, normalmente, reunir os três seguintes
requisitos de validade: a) fundamento de ordem axiológica, b) eficácia social, em
correspondência ao querer coletivo e c) validade formal ou vigências, que se refere a emanação
174
Idem, ibidem. p. 37
175
Idem. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.75.
176
FALCÃO, Fernando Antônio Jambo Muniz. Propriedade intelectual e inefetividade das normas segundo
Bobbio e Marcos Bernardes de Mello. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3872, 6 fev. 2014. Disponível
em: <https://jus.com.br/artigos/26649>. Acesso em: 14 abr. 2016.
177
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 64-65
74
do poder competente com respeito aos trâmites da lei. Respectivamente: validade ética, social
e técnico-jurídica178.
é preciso reconhecer que se não pode admitir a eficácia de uma norma legal que,
durante largo tempo, não teve qualquer aplicação, tão profundo era o seu divórcio com
a experiência social.
O desuso pode dar-se ou porque a norma legal nunca foi ou, a certo momento, deixou
de ser aplicada; ou porque veio a prevalecer no seio da comunidade a obediência a
uma norma consuetudinária diversa, com olvido de norma legal 181.
Quanto a pirataria expressa a partir da compra e venda de CDs e DVDs piratas, pode-
se afirmar que apesar do alto nível de consumo - segundo a Fecomércio 48% da população
comprou produtos piratas em 2010 - a prática é vista pela própria população como moralmente
questionável - segundo a pesquisa “Radiografia do Consumo, apesar de haver uma redução
gradual de conscientização, mais de 60% dos que consomem acham que tal prática é errada.182
De tal forma que neste caso, apesar do costume, vemos que a norma ainda está ungida de
fundamento axiológico, mesmo que seja ineficaz conforme o entendimento de ambas as teorias
do Direito aqui abordadas.
178
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 115.
179
Idem, ibidem. p. 113.
180
Idem, ibidem.. p. 114.
181
Idem, ibidem p. 121.
182
FECOMERCIO/RJ. O Consumo de Produtos Piratas no Brasil. Rio de Janeiro. 30 de novembro de 2010.
Disponível em: <http://www.fecomercio-rj.org.br/publique/media/estudo.pdf >. Acesso em: 11 abr. 2016.
75
Já quanto aos downloads gratuitos de música, pode-se dizer que aqui o fundamento
axiológico precisa de uma análise mais complexa, pois chegou a uma proporção tão grande que
até bandas consagradas utilizaram esse meio de difusão como, por exemplo, o Radiohead que
chegou a lançar o álbum In Rainbows na Internet através de um sistema “pague o quanto quiser”
antes mesmo dele ser lançado fisicamente e, ainda assim, debutou no primeiro lugar no ranking
da Billboard e vendeu milhões de CDs por todo o mundo183. Entretanto, frise-se, que apesar do
sucesso, o álbum sucessor, The King of Limbs, foi lançado da maneira tradicional da maioria
das bandas: em CD físico e download legal a preço fixo. Também tem o exemplo do Artic
Monkeys que disponibilizaram músicas gratuitas por um tempo na Internet e quando o CD foi
lançado, chegou a vender 120 mil cópias em um único dia184. O que assevera que é possível
lucrar com a união de novas e velhas fórmulas.
Tais casos demonstram que a popularidade dos downloads é tão grande e as tentativas
de coibi-los tão ineficazes, que há maiores probabilidades de êxitos na adaptação às novas
tecnologias, o que acabou por tornar uma prática imoral em relativamente “aceita socialmente”
e as normas jurídicas que proíbem os downloads como ineficazes e sem validade social. Até
porque o livre acesso permitido pelos downloads gratuitos permitiu um respeito a função social
de uma forma que a pirataria de CDs não conseguiu, pois enquanto esta em sua maior parte só
disponibiliza as obras mais “procuradas”, a Internet permitiu uma transcendência para além do
midiático.
As mudanças da Internet não podem ser freadas, bem como, os direitos autorais dos
músicos não devem ser desrespeitados, contudo, não se deve restringir demasiadamente o
acesso à cultura visando proteger interesses que atingem principalmente os poderosos da
Indústria Fonográfica. Não adianta tentar proteger direitos autorais com normas ineficazes, que
183
Did Radiohead's 'In Rainbows' Honesty Box Actually Damage The Music Industry? NME. Disponível em:
<http://www.nme.com/blogs/nme-blogs/did-radioheads-in-rainbows-honesty-box-actually-damage-the-music-
industry#rDioEtdhxZJvH0kA.99>. Acesso em 16 abr. 2016.
184
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p.67.
185
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Trad. Susana Alexandria. São Paulo: Aleph, 2008. P. 34.
76
criminalizam até uma série de usos domésticos ou com fins educacionais. Assim como, a
Internet não é uma “terra sem lei” na qual se deva permitir o total desrespeito aos direitos de
autor.
“Por meio de uma interpretação uma interpretação literal do regime atual de direitos
autorais, qualquer usuário de Internet pode ser transformado em potencial infrator de
direitos”187. O que significa que várias normas da LDA são ineficazes e não tem mais validade
social, o que urge a necessidade de meios que adaptem os direitos autorais para a realidade
fática em consonância com os direitos fundamentais assegurados pela Constituição.
186
SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 132-
133.
187
REIS, Jorge Renato dos; PIRES, Eduardo. O Direito de Autor funcionalizado. In: SANTOS, Manoel. J. Pereira.
dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 218
77
algumas delas, e também mostrou que há grandes problemáticas nessa balança de princípios
fundamentais.
188
INTERNATIONAL FEDERATION OF THE PHONOGRAPHIC INDUSTRY. IFPI Digital Music Report 2014:
Lighting Up New Markets. 2014. Disponível em <http://www.ifpi.org/downloads/Digital-Music-Report-
2014.pdf>. p. 7-25. Acesso em 16 abr. 2016.
189
FRIEDLANDER, Joshua P. News and Notes on 2015 RIAA Shipment and Revenue Statistics. Disponível em:
< http://www.riaa.com/wp-content/uploads/2016/03/RIAA-2015-Year-End-shipments-memo.pdf>. Acesso em 16
abr. 2016.
190
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p. 241.
78
aterradores, como, a título de exemplo, o de Bette Midler, que recebeu pouco mais de 114
dólares pelas mais de quatro milhões de reproduções efetuadas em um trimestre e o de Damon
Krukowski, que precisaria de 13 milhões de reproduções em 2012 para ganhar a mesma quantia
auferida com a venda de mil singles em 1988191. Sam Duckworth recebeu £19.22 pelas 4.685
reproduções de seu último álbum solo, o equivalente à venda de dois álbuns em um show192.
Embora o valor pago por reprodução varie conforme o serviço de streaming, a média é de
0,00217 dólares por reprodução, de maneira que, para ganhar um dólar, o artista precisa de 456
execuções193.
Os serviços de streaming alegam que em média, 70% de seus lucros são destinados para
o pagamento às gravadoras, a vicissitude está no fato que os contratos que tais serviços têm
com as gravadoras não estipulam a porcentagem que os artistas irão receber, ou seja, são
contratos da relação privado entre o serviço de streaming e a gravadora. O pagamento ao músico
vai depender do contrato que este tiver com a gravadora, o que significa que alguns já tens
cláusulas que asseguram uma porcentagem maior nos proventos oriundo do streaming,
enquanto, em alguns casos, a porcentagem é a mesma praticada com os CDs194. Só que, um CD
vendido produz um lucro muito maior do que uma reprodução de stream, mesmo porque o valor
unitário investido pelo consumidor é bem maior, e que no caso do CD, existe o valor de suporte
material financiado pela gravadora, o qual não existe no streaming. O que atesta que tal modelo
beneficia principalmente as gravadoras e que estas, como sempre, se utilizam de cláusulas
draconianas com o objetivo de lucrar mais. Boa parte dos problemas que envolvem o streaming
e a porcentagem dos royalties pagos aos músicos durante toda a história dos aparelhos
reprodutores de sons está justamente na demasiada liberalidade dos contratos musicais com
grandes gravadoras, que são privados e regidos completamente pelo capitalismo. Enquanto as
gravadoras independentes têm que aceitar verdadeiros contratos de adesão com os serviços de
streaming, pois são as únicas em relação as quais os serviços de streaming têm poder de
barganha.
191
YU, Peter. How Copyright Law May Affect Pop Music Without Our Knowing it. UMKC Law Review, vol. 83,
2014. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=2503445>. Acesso em 16 abr. 2016. p. 9
192
DUCKWORTH, Sam. Sam Duckworth: Thom Yorke’s right – artists can’t survive on Spotify streams. The
Guardian. Reino Unido, 16 jul. 2013. Disponível em <http://www.theguardian.com/music/musicblog/2013/
jul/16/thom-yorke-spotify-ban-right-sam-duckworth>. Acesso 16 abr. 2016.
193
RESNIKOFF, Paul. A Quick Summary of What Streaming Services are Paying Artists. Digital Music News.
Estados Unidos da América, 13 dez. 2013. Disponível em <http://www.digitalmusicnews.com/
permalink/2013/12/13/quicksummarystreaming> Acesso em 16 abr. 2016.
194
RESNIKOFF, Paul. A Quick Summary of What Streaming Services are Paying Artists. Digital Music News.
Estados Unidos da América, 13 dez. 2013. Disponível em <http://www.digitalmusicnews.com/
permalink/2013/12/13/quicksummarystreaming> Acesso em 16 abr. 2016.
79
Uma análise desde modelo de negócio, contudo, mostra que os valores poderiam ser
ainda mais altos, o que não se verifica na prática em função da assimetria de poder
existente nas diversas etapas da cadeia de produção e de comercialização de
fonogramas, a qual é, em grande medida, alheia ao advento do streaming. Como
resultado, as grandes gravadoras conseguem impor contratos não exatamente
vantajosos aos serviços de streaming e aos artistas que elas representam, o mesmo
ocorrendo entre esses serviços e as gravadoras independentes. É possível ainda
vislumbrar um aumento da captação de renda através de modelos de compensação
alternativa, mas tais modelos somente beneficiam os intérpretes consagrados. O
streaming, portanto, é uma boa alternativa para os intérpretes no que diz respeito aos
direitos autorais, na perspectiva do acesso à música. Ele, porém, não é capaz de operar
milagres em uma indústria onde disputas entre artistas, gravadoras e canais de
distribuição são uma constante há décadas195 (grifo nosso).
Conclui-se que o streaming, apesar de diminuir a pirataria, respeitar a função social dos
direitos autorais musicais no sentido de permitir um amplo acesso à cultura, já que a maioria
dos serviços, inclusive, tem versões gratuitas e pagas, também diminuiu a venda de CDs e
remunera parcamente os músicos. Ou seja, os direitos autorais patrimoniais respeitados são
praticamente os das grandes gravadoras. Mas isso não é culpa dos serviços de streaming em si,
mas da própria maneira de como se sustenta historicamente a relação entre músicos e indústria
fonográfica.
É importante frisar que a venda de CDs ainda é relevante, pois conforme os dados que
apresentamos anteriormente, correspondem a pelo menos quase um terço das receitas do
mercado fonográfico. Uma das alternativas é justamente baratear o valor dos CDs, a maioria
dos entrevistados pela pesquisa da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro afirmou
que compraria CDs originais, se eles custassem metade do valor196. Bem como, alguns artistas
conseguiram ser bem-sucedidos ao venderem CDs a R$2,00 pelo mercado informal, e como a
195
CASTRO, Carla Frade de Paula. Streaming de música e desenvolvimento: Uma boa alternativa em matéria de
direitos autorais? IN: CUNHA FILHO, Humberto (org.). Conflitos culturais: como resolver? como conviver?
Fortaleza : IBDCult, 2016.p.104-123 p.119.
196
FECOMERCIO/RJ. O Consumo de Produtos Piratas no Brasil. Rio de Janeiro. 30 de novembro de 2010.
Disponível em: <http://www.fecomercio-rj.org.br/publique/media/estudo.pdf >. Acesso em: 17 abr. 2016.
80
população de baixa renda tem fácil acesso a eles, seus shows costumam receber de 3 a 5 mil
pessoas, e assim conseguem um bom faturamento197.
Tal construção pode fazer sentido no sistema de common law estadunidense “que parte
de um regramento específico, o que não ocorre no regramento brasileiro, que é bastante preciso
quanto aos direitos e às limitações impostas aos autores”200, porém, mesmo quando ele foi
codificado nos EUA, de uma forma que estabeleceu a doutrina inalterada ao estabelecer um
197
SHAVER, L. (editor). Access to knowledge in Brazil: new research on intellectual property, innovation and
development. New Haven: Information Society Project, 2008, p. 41. Disponível em:
<http://www.law.yale.edu/intellectuallife/6620.htm>. Acesso em 17 abr. 2016.
198
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p.41-52.
199
SOARES, Sílvia Simões. Aspectos Jurídicos do Compartilhamento de Arquivos MP3 PSP via Internet: A
Experiência do Napster e as Novas Tendências da Legislação de Copyright dos Estados Unidos. IN: LUCCA,
Newton de (coord.); SIMÃO FILHO, Adalbertop (coord.). Direito & Internet vol. II – Aspectos Jurídicos
Relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 614-676. p.632
200
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 137.
81
número mínimos de questionamentos que deveriam ser feitos quando da análise da aplicação
da referida doutrina, passou a ser uma limitação sem limites a ser analisada diante de cada caso
concreto201.
201
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p. 79.
202
ARAYA, Elizabeth Roxana Mass; VIDOTTI, Silvana Aparecida Borsetti Gregorio. Criação, proteção e uso
legal de informação em ambientes da World Wide Web. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2010. p.94-95.
82
fundasse o projeto do Creative Commons. Este projeto permitiu a autores de obras intelectuais
-como textos, músicas e filmes- a licenciarem suas obras por meio de licenças públicas,
autorizando, assim, a coletividade a usar suas criações dentro dos limites de tais licenças.
Os Direitos Autorais são, na minha visão, criticamente importantes para uma cultura
saudável. Com o equilíbrio apropriado, são essenciais para inspirar certas formas de
criatividade. Sem eles, nós teríamos uma cultura muito mais pobre. Com eles, pelo
menos apropriadamente balanceados, nós criamos os incentivos para produzir
maravilhosos novos trabalhos que de outra maneira não seriam produzidos 204.
a) “Atribuição (CC BY)”: segundo os termos desta licença, significa que o autor
autoriza a livre cópia, distribuição e utilização da obra. Observa-se que, assim, contorna-se o
problema do disposto no art. 46, II, da LDA, referente à cópia integral da obra, já que há
autorização expressa do autor quanto a permissão da cópia integral e também autoriza a
elaboração de obras derivadas, como remixes, o que elimina a necessidade de autorização
203
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-348 .p. 242-
243
204
MCGUINESS, Phillipa.P (ed.). Copyfight.Tradução nossa. Australia: Newsouth, 2015. p.14
205
LEMOS, Ronaldo; BRANCO JÚNIOR, Sérgio Vieira. Copyleft , Software Livre e Creative Commons: A
Nova Feição dos Direitos Autorais e as Obras Colaborativas. p.13-18. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2796/Copyleft_Software_Livre_e_CC_A_Nova%
20Feicao_dos_Direitos_Autorais_e_as_Obras_Colaborativas.pdf?sequence=1>. Acesso em 16 abr.2016.
83
expressa positivada no art. 29 da LDA. Tal licença obriga, em contrapartida, que todos os
direitos morais sejam respeitados.
Ressalte-se que as licenças que permitem “os remixes” podem ser bem úteis no meio
musical, pois há várias polêmicas no direito autoral que envolvem o uso de samples e, inclusive,
os “remixes” de música constituem-se em um hábito muito difundido em serviços de
compartilhamento de vídeos como o youtube.
Podemos perceber que as licenças permitem um uso mais livre para a sociedade, levando
em conta a vontade do autor quanto as formas que deseja permitir a utilização de sua obra e, de
modo geral, o sistema propicia uma maior adequação entre os direitos licenciados e a função
84
É bom que se alerte: o Creative Commons não é uma panaceia para todos os males.
Não representa um admirável mundo novo. Longe disse. Trata-se apenas de um
projeto de flexibilização do regime autoral, um modelo que viabiliza a difusão da
cultura na rede mundial de computadores. Deve, portanto, ser conjugado com outras
medidas de política pública. [...] Gil, ao tentar disponibilizar, gratuitamente, canções
de sua autoria, foi proibido pela gravadora Warner. [...] Tal veto comprova a
insuficiência do Creative Commons para uma ampla e desejável democratização do
acesso à cultura206.
O jurista José de Oliveira Ascenção ressalta que, apesar do direito de acesso à cultura
ser, para ele, hierarquicamente superior aos direitos autorais patrimoniais, em razão da
importância que aquele tem para a coletividade, o conflito não pode ser resolvido por
esmagamento de um direito sobre outro, mas por conciliação, pois, se ambos os direitos são
justificados, tem que se procurar um ponto de equilíbrio em que cada direito alcança o máximo
de satisfação com o sacrifício mínimo dos direitos que com ele estão em conflito. Tal
conciliação realiza-se pelo estabelecimento de limites, porém estes são demasiadamente
taxativos e rígidos na atual legislação brasileira. Há muita problemática nestas questões e o
conflito entre direitos de autor e os direitos culturais terá que se resolver por análise setoriais,
206
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-348. p.322-
323.
207
MACHADO, André; MIRANDA, André. MinC abre polêmica após retirada da licença Creative Commons do
site do ministério. O globo. 22/01/2011. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/cultura/minc-abre-polemica-
apos-retirada-da-licenca-creative-commons-do-site-do-ministerio-2834198#ixzz46758BUla>. Acesso em 16 abr.
2016.
85
que permitam encontrar as vias de conciliação, com o máximo aproveitamento dos objetivos de
cada e a atenção necessária à hierarquia dos valores constitucionalmente consagrados208.
Uma das principais características dos direitos fundamentais, enquanto princípios que
são, é a sua relatividade, ou seja, por se tratarem de princípios constitucionalmente
previstos, os direitos fundamentais não se revestem de caráter absoluto, em caso de
tensão entre eles cabe o sopesamento de um sobre o outro para que se decida daquele
mais adequado209
No momento ainda não há como se ter uma solução definitiva para o conflito entre
direitos autorais musicais patrimoniais e o direito de acesso à cultura, mas há maneiras de
harmonizar esses dois direitos fundamentais de forma que ambos sejam os respeitados da
melhor forma possível. É mister ressaltar que um dos problemas históricos quanto a
remuneração aos artistas está justamente na natureza da relação do contrato com as grandes
gravadoras que em troca da ampla divulgação que geralmente fornecem aos seus artistas,
realizam com estes contratos com algumas cláusulas abusivas, visando o maior lucro possível.
Enquanto as gravadoras independentes, apesar de terem contratos mais justos com seus artistas,
não têm as mesmas condições financeiras das grandes gravadoras de divulgá-los e, ainda, são
208
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS, M.
J. P. dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 09-44. Passim.
209
LOPES, Lorena Duarte Santos. Colisão de direitos fundamentais: visão do Supremo Tribunal Federal. Revista
Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11242>. Acesso em 18 abr. 2016.
210
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 93. Apud LOPES, Lorena Duarte Santos. Colisão de direitos fundamentais: visão do Supremo
Tribunal Federal. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11242>. Acesso em 18 abr. 2016.
86
relativamente hipossuficientes em uma série de situações, pois, por exemplo, não têm poder de
barganha em relação a serviços como o de streaming.
Então, defendemos que deve haver uma reforma na legislação autoral brasileira, para
que esta esteja em maior consonância com a realidade fática e com a função social dos direitos
autorais, e assim, permitir que as normas sejam mais eficazes e possibilitem uma maior difusão
cultural. Bem como, deve-se buscar nas possíveis soluções, como o instituto do fair use, as
licenças do creative commons e a venda de CDs a preços mais acessíveis, como formas de
harmonizar ambos os direitos fundamentais, pois, apesar de não terem o poder de solucionar o
conflito, propiciam uma maior harmonização entre o direito autoral musical e a acessibilidade
cultural.
Exatamente por estarmos em uma era de convergência de mídia, em que novos meios
tecnológicos suplantam outros, não há como se sustentar uma solução definitiva. Há alguns
anos nem sequer se pensava no streaming, exempli gratia. Por conta da nossa própria condição
humana não podemos ver o que ainda vai surgir ao olharmos para o horizonte. Cada nova
tecnologia causa um impacto, com benesses e vicissitudes, que acarretam em diferentes
consequências.
Deste modo, sustentamos que não se deve tentar voltar ao passado e coibir
ineficazmente os novos meios tecnológicos, e sim, que a legislação, as gravadoras e os artistas
devam se adaptar a estes. A criação do Vevo, por exemplo, mostrou que as novas tecnologias
podem sim propiciar novas formas de obter receitas sem sobrepujar o direito de acesso à cultura.
Assim como, há diversos casos de músicos que puderam ser beneficiados pela
divulgação oriunda das novas tecnologias, que, por um lado, revela-se ser mais livre ao
propiciar mais alternativas fora do monopólio das grandes gravadoras, mesmo que também
signifique que, cada vez mais, os artistas estejam faturando mais com shows do que com o
dinheiro oriundo das gravações. Realidade muito visível no caso dos artistas independentes que
disponibilizam sua música gratuitamente, mas assim conseguem uma maior divulgação a sua
obra. Ademais, alguns sites como o www.catarse.me oferecem a possibilidade de músicos,
cineastas, entre autores de outros projetos conseguirem financiamento coletivo (crowdfunding)
de suas obras, o que possibilitou que várias bandas conseguissem gravar seus CDs graças às
doações de seus fãs que, em troca, usualmente recebem algum dos CDs que ajudaram a
financiar, entre outras possibilidades de “recompensas”. Ou seja: é mais uma alternativa que a
Internet propiciou de que os custos de gravação fossem pagos diretamente pelos consumidores,
87
apesar de que apenas bandas que já contam com uma quantidade considerável de apreciadores
conseguem obter êxito em tal tipo de projeto.
Acreditamos que ainda muitas novas peças irão aparecer no tabuleiro de xadrez da
presente problemática, mas, por ora, o que se pode fazer é buscar a conciliação dos direitos
humanos fundamentais envolvidos através do uso complementar de várias possíveis soluções
de maneira em que se propicie o máximo respeito aos direitos autorais musicais patrimoniais
na medida em que a função social da Propriedade Intelectual seja atendida o mais amplamente
possível.
88
CONCLUSÃO
O presente trabalho, em seu capítulo primeiro, procurou expor uma visão geral das
principais normas gerais atinentes aos direitos autorais e seus conceitos e também, de forma
mais específica, quanto aos aspectos normativos e conceitos importante dentro dos direitos
autorais musicais, bem como buscou apresentar uma visão histórica dos direitos autorais para
trazer a lume a forma como cada época os concebia.
Em razão da função social dos direitos autorais, existem um rol taxativo de limitações
aos direitos autorais positivado na LDA. Porém, constatou-se que tal rol é insuficiente, pois
alguns usos domésticos e com fins educacionais ainda são considerados ilegais. Os direitos
autorais e o direito de acesso à cultura são dois direitos humanos fundamentais estabelecidos
constitucionalmente. Porém, utilizando a da teoria da ponderação de princípios de Alexy,
entendemos que em o direito de acesso à cultura deve ser priorizado em relação aos direitos
autorais patrimoniais, pois atinge de uma forma mais plena a coletividade e está em maior
consonância com outros direitos fundamentais, como o direito à educação.
89
No tocante à internet, apesar desta ter propiciado um grande dilema no direito autoral
quando os aplicativos de compartilhamento de arquivos permitiram que os usuários pudessem
baixar ilegalmente quase todas as músicas do planeta, também se percebeu que o acesso à
cultura que ela promoveu não pode ser ignorado, bem como permitiu uma divulgação musical
fora do monopólio das gravadoras e vários artistas conseguiram chegar ao estrelato através dela.
Tal como, atestou-se que ela também abriu várias novas oportunidades de faturamento, como
os clipes, que antes eram cedidos gratuitamente, passaram a serem patrimonialmente lucrativos
com através dos royalties pagos por meio dos anúncios nos sites de compartilhamento de vídeos
e ainda permitem o amplo acesso cultural, o que demonstra que a adaptação às novas
tecnologias é possível e necessária.
Argumentou-se que algumas das normas autorais são ineficazes, com base na teoria do
fato jurídico de Marcos Bernardes de Mello e na teoria tridimensional do Direito de Miguel
Reale, de forma que foi entendido que não adianta combater a pirataria e o avanço da internet
com normas ineficazes, como não é possível, nem desejável, frear o progresso desta ou a
acessibilidade a cultura que esta propiciou. Porém, os direitos autorais patrimoniais dos músicos
devem ser protegidos, pois as gravações também tiveram um custo e os artistas têm direito a ter
uma contraprestação por suas obras, se assim desejarem.
Entre as possíveis soluções, foi falado acerca dos aspectos atinentes ao streaming,
acessibilidades dos CDs, ao instituto do fair use, ao Copyleft e ao Creative Commons. Chegou-
se à conclusão de que o streaming está diminuindo a pirataria, paga direitos autorais às
gravadoras e permite um amplo acesso cultural, porém paga pouco aos músicos e diminuiu a
venda de CDs. Todavia, os problemas quanto a pequena remuneração também são oriundos da
relação do músico com as grandes gravadoras. Enquanto as gravadoras independentes têm que
aceitar verdadeiros contratos de adesão. Porém, atestou que as práticas ilegais são melhor
coibidas não através do ordenamento e de processos, mas com o advento de alternativas que
melhor atendam às necessidades da população, com uma maior praticidade.
Quanto ao fair use, deduziu-se que este é um instituto interessante que talvez pudesse
ser aplicado no território pátrio para permitir alguns usos justos, ainda considerados ilegais,
90
porém acreditamos que uma reforma legislativa seria muito mais eficiente neste aspecto, pois,
assim, uma série de usos justos e educacionais poderiam estar positivamente protegidos, o que
propiciaria um maior acesso à cultura.
O movimento do software livre que foi o berço do Copyleft foi muito influente para a
criação do Creative Commons, sistema que permite que autores adquiram licenças com “alguns
direitos reservados” e assim, autorizem alguns usos livres de sua obra, com maior ou menor
flexibilização de acordo com a licença escolhida. Porém, apesar de propiciar que os autores
flexibilizem seus direitos autorais em prol da coletividade, entendeu-se que tal sistema sozinho
não resolve a problemática, pois não teorizou uma flexibilização por parte das gravadoras e
deve ser conjugado com outras medidas de política pública.
Contudo, as majors ainda tem um papel relevante, pois o modo como elas financiam o
artista acaba o deixando muito mais em evidência do que os que tentam se estabelecer
independentemente. Ademais, em razão do efeito de substituição, onde os downloads gratuitos
substituem a compra de álbuns por parte de alguns consumidores, também foram elas as mais
afetadas pelos impactos virtuais, porém algumas já repassam a diminuição de lucro aos artistas
através de contratos como o de 360, além de terem várias outras artimanhas para maximizar
seus lucros. Um dos motivos pelos quais, inclusive, julgamos que se deva privilegiar o direito
de acesso à cultura em relação aos direitos autorais patrimoniais é o de que as grandes
gravadoras têm uma porção muito maior dos lucros do que os artistas responsáveis pela obra,
conforme demonstramos.
91
Diante das questões por nós levantadas, concluímos que a tecnologia não deve ser
encarada como uma inimiga, mas como uma aliada que, ao mesmo tempo em que gera vários
problemas, também abre várias novas possibilidades. O meio mais eficaz de se adaptar a ela
não é tentar cegamente deter seu avanço, o que se provou infrutífero, mas criar novas maneiras
de difundir e comercializar a música. Destaque-se que estamos em uma cultura de
convergências de mídias e ainda não sabemos quais novas tecnologias irão surgir, nem quais
serão as consequências destas. Olhando a conjuntura que envolve a questão, é perceptível que,
por ora, ainda não é possível solucionar definitivamente o problema. Contudo, apesar de
defendermos que a balança deva pender para o lado do direito de acesso à cultura em razão de
sua importância para a coletividade e da própria função social do direito autoral, acreditamos
que seja possível conciliar o embate apresentado nessa obra através da adoção de medidas como
as acima aludidas, como uma forma de tentar, ao menos, atenuar o problema, enquanto não são
apresentadas novas possíveis soluções.
92
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