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A natureza de Virgínia Goes faz com que assuma posturas diferentes perante o destino do Homem nas suas
múltiplas representações. O seu ser sensível é levado ao pensamento e forma através da beleza; é através dela
que retoma ao mundo dos sentidos e à matéria. É pois neste “estado intermédio” (Schiller) de beleza, entre
matéria e forma, entre passividade e actividade que a artista se situa. A riqueza da sua imaginação, a cultura e o
afincado estudo iconográfico, permitem-lhe jogar com cores e formas fantasmagóricas, com ênfase no
simbolismo. O acto criativo e espontâneo é meticulosamente trabalhado em técnicas pessoais, que tão bem
caracterizam as suas obras. O seu ser estético é fisiomórfico. Difunde uma sensibilidade extrema, expressando
os seus ideais não em conceitos lógicos, mas no seu discurso pictórico. Transmite-nos imagens plásticas cujo
efeito é não tanto o reproduzir um objecto, mas, subjectivamente experienciar o futuro por nascer, o infinito. Na
sua obra, apesar da ligação à Natureza, erguem-se perante nós não os corpos idílicos, mas, torturados e/ou em
exaltação. Mas, o seu quadro será sempre o que nos comunica a sua visão e pureza de sentir, numa dimensão
tal, que a nossa imaginação se afasta da realidade perturbadora e em sublimidade, sente o ente distante.
Pretende representar o absoluto, de um ideal longínquo, sendo subjectiva e quase surreal. Por isso e não raras
vezes, tem de si uma representação inacabada.
A obra de V. Goes requer uma análise profunda para nos inteirarmos da duplicidade da forma no seu valor
estético e simbólico. Porém, um quadro, uma peça escultórica, contêm em si uma multiplicidade de sentidos
oníricos e fantasmagóricos, ora na mesma direcção ora guerreando-se como opostos, ou ainda posicionando-se
estrategicamente no espaço para que, o espectador atento se questione da sua razão de ser, remetendo à
orientação cultural do fruidor as respostas várias às suas interrogações interiores. As pequenas figuras ora
contemplativas ora em movimento são o exemplo mais característico da sua obra, onde Virgínia se apresenta a
reflectir sobre si mesma nos mais diversos estados de alma. Por vezes, num ambiente de penumbra e cor
escura, surge um raio de luz ofuscante que remete a uma paisagem infinda, habitada por pequenos “monstros”,
ou mesmo em elemento único, perturbador. Mas, não raras vezes os seus “monstros”, figuras demoníacas em
movimento aleatório, apresentando-se de forma e ritmo, numa densidade tal que têm “efeito de coro”
(Gombrich).
É no conflito de si com o mundo, do mundo com Deus, entre o individual e o social, que se apresenta a obra de
Virgínia Goes. E é precisamente por este incessante conflito interior, que, necessita de quedar-se, reflectir e
tentar a harmonia do Ser estético, ao interessar-se sobremaneira com a forma de tudo, tudo o que existe e mais
intensamente os horrores do mundo actual, para lhe permitir tomar consciência da sua (des)harmonia interior. Em
incessante pesquisa, busca referências concretas, situações e factos do quotidiano do Homem. Durante o
processo em que vai construindo/desconstruindo o movimento cerebral é um contínuo criador cuja acção pode
orientar-se noutros vectores, afastando-se do pensamento inicial. Porém, é a representação conceptual que
interessa e não tanto o aspecto formal da obra acabada. Na sua diversidade de experiências e sentimentos
organiza a unicidade do seu Ser através das interacções no ser criado, a sua obra/arte. Mas, se na arte se serve
de formas alegóricas e símbolos, é apenas como sinal ou atributo ao que pretende exteriorizar na criação do ser
acontecido – a obra de arte – que é uma obra bela por ocultar matéria e forma, da qual podemos deduzir o
conceito do ideal, a Arte Verdadeira. Mas, beleza é a possibilidade do infinito na finitude. Só a bela aparência
(essência da coisa) é jogo. Todas e cada uma das suas obras são um jogo. Cada forma e cor está
intrinsecamente ligada a outra para reforçar o seu poder de comunicação e de algum modo despertar a atenção
de quem observa, e, numa empatia quase imediata, provocar em nós um estado emocional permanente que nos
atrai a participar no seu jogo – obra, através da contemplação/recreação. Neste último sentido, é o conhecimento
sobre a temática em questão e o acto exploratório da matéria que perpetuam a sua Criatividade, presente em
cada registo pictórico, na tela. Virgínia Goes, como Ser Estético pelo desenvolvimento do impulso lúdico, frui com
o sentimento e com a razão, dominando a aparência e o real; a sua consciência tem plena autonomia e
liberdade. É soberana. Na sua nobre aparência, é estética. E é precisamente o estado estético que lhe confere a
possibilidade de se libertar do jogo e nos convida a reflectir/questionar “O jogo do poder”.