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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Lutas por reconhecimento e ampliação da esfera pública negra: cultura hip-hop


em Goiânia – 1983-2006

Mestrando: Allysson Fernandes Garcia.


Orientador: Prof. Dr. Luiz Sérgio Duarte da Silva.

Goiânia
2007

Allysson Fernandes Garcia


Lutas por reconhecimento e ampliação da esfera pública negra: cultura hip-hop
em Goiânia – 1983-2006

Dissertação apresentada como requisito à obtenção


do grau de mestre em História no Programa de
Mestrado em História, da Faculdade de Ciências
Humanas e Filosofia da Universidade Federal de
Goiás.
Área de concentração: Culturas, Fronteiras e
Identidades
Linha de Pesquisa: Identidades, Fronteiras e
Culturas de Migração.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Sérgio Duarte da Silva
(UFG).

Goiânia
2007
Allysson Fernandes Garcia

1
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)

Garcia, Allysson Fernandes.


G216l Lutas por reconhecimento e ampliação da esfera pública
negra: cultura hip-hop em Goiânia – 1983-2006 / Allysson
Fernandes Garcia. – 2007.
211 f. : il., color., tab.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Sérgio Duarte da Silva.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,


Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, 2007.

Bibliografia: f. 189-211.
Inclui listas de tabela e de imagens.

1. Negros - História - Goiânia(GO) – 1983-2006 2. Cul-

tura hip-hop 3. Rap (Música) 4. Negros – Dança 5. Jovens

negros 6. Racismo 7. Música afro-basileira 8. Break (Dança)

I. Silva, Luiz Sérgio Duarte da II. Universidade Federal de

Goiás. Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia III.


Titulo.
CDU: 93(=414/=45) (817.3)

2
Lutas por reconhecimento e ampliação da esfera pública negra: cultura hip-hop
em Goiânia – 1983-2006

Dissertação defendida no Curso de Mestrado em História da Faculdade de


Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal de Goiás, aprovada em
______de_____________de 2007, pela Banca Examinadora constituída pelos
seguintes professores:

____________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Sérgio Duarte da Silva (UFG)
Presidente

__________________________________________________________
Prof. Dr. Paulino de Jesus Franscisco Cardoso (UDESC)

__________________________________________________
Prof. Dr. Alecsandro J. P. Ratts (IESA/UFG)

_________________________________________________
Prof. Drª. Olga Cabrera (UFG)
Suplente

3
Sem música a vida seria um erro.
Niestzche

Peace, Unity, Love and Have a Fun!


Afrika Bambaataa

Favela, viela, morro tem de tudo um pouco;


Tentam alterar o DNA da maioria;
Rei Zumbi,
Antigamente Quilombos, Hoje Periferia!
Levante as caravelas aqui não daremos tréguas, não;
Então que venha a guerra!
Zulu, Z‟Africa, Zumbi aqui não daremos tréguas, não;
Então que venha a guerra!
Z‟África Brasil

Eu tenho um sonho!
Que minhas pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde
elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu
caráter.
(...)
Imagine que não exista juiz ou réu,
Apenas imagine, Imagine vivendo o presente;
Sem cidade, sem mendigos, sem indigentes;
Imagine que não exista guerras,
Não é difícil pensar, Comece a imaginar;
Imagine que não exista religião,
Que não há fanatismos, nem divisão;
Imagine vivendo a vida em paz;
A felicidade sempre estampada no rosto do rapaz.
(...)
Sou cidadão do universo, não somente brasileiro;
Você pode até dizer que eu sou um sonhador,
Igual a mim tem uma pá, O mundo querendo mudar;
Espero que um dia você se junte a nós,
E o mundo será um só, E o mundo será melhor;
Sem guerras, só paz, Transforme o mundo, você é capaz.
(...)
Eu tenho um sonho!
Que as pessoas viverão em um mundo, onde não serão julgadas, pela
raça, cor, religião, opção sexual, ou convicção política, essa é minha
esperança. Que um dia todos possam trabalhar juntos, estar juntos,
viver juntos, defender a liberdade juntos. E com certeza seremos
livres. E este será o dia em que todas as pessoas cantarão o mesmo
hino.
FDP7!?... (DJ Fox)

4
AGRADECIMENTOS

A meus pais Vandira das Dores Garcia e Oronides José Fernandes Rodrigues, por
terem me ensinado os caminhos da vida com paciência e dedicação.

Às minhas irmãs Elizangela Rodrigues e Priscila Fernandes Garcia, que sigam com
força e determinação.

Aos novos membros da família Matheus, Luiz e Lany, que possam viver em um
mundo melhor, “estamos” lutando por isso.

À Izabela Nascente por ter suportando o longo e árduo trabalho ao meu lado.

Aos meus avós pela grande força para seguir vivendo.

A minha madrinha Vandeli Rosa pela dedicação.

Ao meu orientador Dr. Luiz Sérgio Duarte da Silva, por ter confiado e sobretudo
ajudado a construir este desafio e a torná-lo uma realidade no campo das ciências históricas.

Ao professor Dr. Alecsandro J. P. Ratts pelo relevante ensinamento, possibilitando


luzes para a compreensão positiva e critica da realidade estudada.

A professora Drª. Olga Cabrera pela dedicação e capacidade de mostrar caminhos


importantes na compreensão de realidades multicuturais.

Ao professor Dr. Paulino de Jesus F. Cardoso, por aceitar argüir este trabalho.

A todos os hiphoppers de Goiás, em especial a Albaniza, Sangue B e “Posse Família


do Gueto”, Alemão e “Reflexão Verbal”, Baiano e “Posse Voz Ativa”, Borracha, Bugão e
“Mundial Black”, Claudim e Mc Lethal e UBC², Diney e “Face a Face”, Dj Bolacha e Simoni,
Dj Flash Back, Dj Fox e “FDP7”, Dj Jax e UMH²O, Dj Ruizão e “Cash Box”, Dj Senzala, Dj
Zupp, Eliane e “Vocabulário D´Blu”, Flory, Gasper, Jean Bala, Neneca e “Eletrobreak”, Jeff,
José Maria, Moraes, “Mr. Black” e “Sociedade Black”/CENEG-Go, MZY, Natal e “A
Trilha”, Macaco, Neblina, Pr Jow, Pretto Joe, W e o “Uplano”, Ragaluq, Reinaldo e “União
Racial”, Roberto e “B. Boys de Rua”, Ricardo, Kaká, Jerry e “Mega Break”, Tibuia e “A
Tropa”, Testa, Uzzy, Zilda, Cristina e o “Núcleo Menarca”, Wallace e “Conexão Suburbana”
e a todos que correm pelo Hip-Hop em Goiás.

Ao Zulu, Nino Brown, o antropólogo do Hip-Hop brasileiro, valeu pelas


considerações, ainda para Nelson Maca e Blackitude, Hélião e Kl Jay pelas conversas breves
mais inspíradoras.

Ao programa de Pós-Graduação por ter possibilitado a realização do trabalho.

A CAPES por ter me concedido uma bolsa de estudos que possibilitou a concretização
deste estudo.

5
Ao CANBENAS, ao NEAD, ao CECAB por ajudarem a construir o arcabouço e certa
identidade a pesquisa realizada.

A todos aqueles que de uma forma ou de outra puderam me ajudar a construir esse
trabalho fruto de inquietações coletivas sobre os rumos da ciência histórica, sob nossas
carências de orientações e, sobretudo quanto ao papel do historiador na sua relação com a
realidade presente. Em especial Bruno Garajau, Cleber de Souza, Lyvia Costa, Gabriel Lira,
Profª Cristina de Cássia, Dernival e Sariza, Idelma Silva, Jones Reis, Fabrício, Waldemir
Rosa, Wilton, Adelmar, Andrea França e a todos que me ajudaram de alguma forma nesta
caminhada.

6
Resumo:

Nosso objetivo neste trabalho é construir uma história da “cultura hip-hop” em Goiás. Uma
história do aparecimento e trajetória de uma produção cultural da juventude majoritariamente
negra e pobre da grande Goiânia que vem produzindo e difundindo os elementos artísticos e
políticos do Hip-Hop em terras goianas. Procuramos interpretá-la enquanto uma “cultura
negra”, pois tal sentido permite-nos levantar uma história recente de uma falta em nossa
historiografia e mesmo na literatura científica produzidas em Goiás e por goianos, a história
dos negros e das “relações raciais” que perpassam historicamente nossa formação e
acomodação enquanto sociedade.

Abstract:

Our objective in this work is to construct to a history of the “culture hip-hop” in Goiás. A
history of the appearance and trajectory of a cultural production of the mainly black and poor
youth of the “grande” Goiânia that comes producing and spreading out the artistic elements
and politicians of the Hip-Hop in goianas lands. We look for to interpret it while a “black
culture”, therefore such direction allow-in them to raise a recent history of a lack in our same
historical studies and in scientific literature produced in Goiás and for goianos, the history of
the blacks and the “racial relations” that spanned our historical formation and room while
society.

7
SUMÁRIO

Introdução ..........................................................................................................................12

I - Saber e poder: relações raciais e a invisibilidade do negro em Goiás .....................27


I.1 – Uma aproximação aos estudos sobre as relações étnico-raciais no Brasil ..................28
I.2 – Um breve balanço dos estudos sobre a população negra e sua cultura produzidos e
publicados em Goiás ............................................................................................................34
I.3 – A coisa já chegou preta!: o negro n‟O Popular ..........................................................41

II - B. Boys Na “Roça Asfaltada”: quebrando estereótipos ..........................................57


II.1 – A produção da cultura hip-hop ................................................................................58
II.2 – Os bailes “black” no Brasil: diversão e auto-estima ..................................................68
II. 3 – “Preta é a cor que cobre todas as outras” ................................................................72
II.4 – B. boys na “roça asfaltada”: dos bailes para as ruas ................................................81

III – Rimadores Pekizeiros: Música Preta Brasileira Regional ...................................101


III.1 - Música negra no século XX: marginalidade dominante ...........................................102
III.2 – O rap e a expansão da cultura hip-hop.....................................................................112
III.3 – “Rap é compromisso!” ............................................................................................121
III.4 – De “Goiânia Country” aos “Rimadores Pekizeiros” ..............................................144

Por Concluir...: movimento é cultura, cultura em movimento......................................162


Considerações Finais .........................................................................................................177
Fontes Consultadas ............................................................................................................181
Referências Bibliográficas ................................................................................................189

8
Lista de tabelas

1. Distribuição da população brasileira de acordo com cor/raça (%) (*) .............................29

9
Lista de imagens

1. Charge Fróes ...................................................................................................................45

2. Charge Fróes – A coisa já chegou preta! ........................................................................46

3. O negro mais amado de Goiás ........................................................................................49

4. Tem filho que ainda nem achou mãe ...............................................................................49

5. Kàteca – 14/05/1988 .......................................................................................................51

6. Kàteca – 15/05/1993 ........................................................................................................51

7. Protesto do MNU .............................................................................................................52

8. Block Party ......................................................................................................................58

9. Djs Kool Herc e Afrika Bambaataa ................................................................................64

10. Rock Steady Crew ........................................................................................................65

11. Graffiti Phase2 ..............................................................................................................66

12. Cartaz Audubons 1981 .................................................................................................67

13. Baile no Clube Social Feminino 1994 ..........................................................................77

14. Dj Ruizão e Sociedade Black .......................................................................................78

15. Capa do disco da novela Partido Alto ..........................................................................81

16. Nego Ná ........................................................................................................................83

17. Grupo “Butterfly” .........................................................................................................83

18. Dj Grandmaster Flash ...................................................................................................84

19. Dj Cenzala ....................................................................................................................84

20. Estilo B. boy ..................................................................................................................85

21. T.C. Eletrorock – Goiânia Viva 2005 ...........................................................................86

22. The Message .................................................................................................................88

23. Grafite ponte da rua 243 ...............................................................................................89

24. B.boys e rappers no Clube do Sargento – 1995 ...........................................................90


10
25. Roda de break na Avenida Anhanguera, Testa realizando um flair – 1995..................95

26. Batalha 2x2 – Colégio Lyceu, 2006 .............................................................................96

27. B. Boys de Rua .............................................................................................................98

28. Bossa Negra ..................................................................................................................105

29. Steel Drum - “Tenor Pan” de Tobago ..........................................................................107

30. Jorge Bem e Fio Maravilha ..........................................................................................108

31. Tim Maia, Polydor - 1976 ............................................................................................109

32. Kurtis Blow, Spoonie Gee e Treacherous Three ..........................................................114

33. Hip Hop Cultura de Rua ...............................................................................................123

34. Raio X do Brasil ...........................................................................................................126

35. Kães de Rua e Mr. Black (Sociedade Black) ...............................................................150

36. Elementos de Conscientização .....................................................................................153

37. Rimadores Pekizeiros ...................................................................................................156

38. “True Colors” ...............................................................................................................163

39. Hip Hop e MST (Goiânia, 2006); Punks dançando break (São Paulo, 2006) ..............168

40. Núcleo Menarca ............................................................................................................173

41. Padrão de Beleza ...........................................................................................................182

11
Introdução

Procuramos desenvolver neste estudo uma história do aparecimento e trajetória da


cultura hip-hop em Goiânia. Na definição dada por Paul Gilroy, cultura hip-hop é um
“poderoso meio expressivo dos negros pobres urbanos” no mundo contemporâneo (GILROY,
2001, p. 89). Esta cultura engloba determinados “elementos” na sua constituição1. Estes
elementos seriam a dança conhecida como “break dance”, executada por B.boys e B.girls; o
Dj, Disc Jockey, que toca e produz músicas através do toca-discos; o Mc, Master of
Ceremonies, ou rapper, que executa o canto falado, chamado de rap; e por fim o graffiti,
produzido em muros, fachadas, paredes ou outros espaços da cidade transformados em tela.
Conforme Julio César Tavares estes elementos constituem uma “experiência estético-
cultural” da juventude afro-descendente2. Geradora de “efeitos de realidade” – através de seus
discursos corporais, orais e visuais – esta experiência define ainda uma atitude, uma forma de
ser e estar no mundo, ou seja, transformam “formas comunicativas” em “formas de vida”,
reproduzindo determinados “padrões emanados das experiências de confronto pelo
reconhecimento” (2004). As “lutas por reconhecimento”, conforme Axel Honneth3 encerram
um processo de ampliação progressiva das relações de reconhecimento provocando a “auto-
realização” e assegurando a “integridade pessoal” (2003).
Em geral o desenvolvimento rumo a “auto-realização” é um processo de longo prazo
com a ocorrência de mudanças culturais que acabam por desencadear uma “ampliação radical
das relações de solidariedade”. Mas este processo é um processo conflituoso, pois os valores
materiais e éticos ao lado das formas de reconhecimento são postos em questão através das
“lutas sociais”4.

1
Conforme vários de seus produtores, bem como boa parte da bibliografia cientifica sobre o assunto Conferir,
por exemplo: ROSE, 1994; AMORIM, 1998; ANDRADE, 1999; HERSCHMANN, 2000; RICHARD, 2005;
DARBY; SHELBY(eds.), 2006.
2
Para um maior aprofundamento no processo de transformação das categorias raciais brasileira, através da força
dos “movimentos negros urbanos” para o desenvolvimento que vai do “homem de cor” ao “afro-descendente”,
passando pelas categorias “preto”, “negro” e “afro-brasileiro” e suas aplicações na pesquisa e principalmente
suas implicações no sistema de classificação racial hierárquico e excludente brasileiro , ver BARBOSA et al
(orgs.), 2003, em especial o artigo de Luiz Alberto O. Gonçalves, De preto a afro-descendente: da cor da pele à
categoria cientifica. Este livro é produto de parcela dos trabalhos apresentados no II Congresso de
Pesquisadores Negros, ocorrido em 2002 na UFSCar.
3
Através das premissas de Hegel, ainda na juventude e ampliada com a psicologia social de George Hebert
Mead, Honnet procura definir a categoria para construir uma gramática do conflito social, 2003.
4
Segundo Honnet (2003) : “tata-se do processo prático no qual a experiências individuais de desrespeito são
interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que elas podem influir, como
motivos diretores da ação, na exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento”, p. 257.

12
Para Honnet as “lutas por reconhecimento” estariam baseadas em três formas de
aquisição cumulativa: a primeira seria o amor, que no seu igualitarismo radical emerge contra
coerções e influências externas, esta forma alimenta a “autoconfiança”, mas se efetiva em
uma relação “primária”; a segunda forma são as “relações” ou “pressupostos jurídicos” que
contribuem contribui na evolução do “auto-respeito”, aperfeiçoada na direção de uma
consideração maior da condição particular do individuo, sem perder seu conteúdo
universalista, ou seja, no desenvolvimento da “relação jurídica” há ao mesmo tempo, o
aumento tanto da universalidade quanto da sensibilidade para o contexto e a particularidade; e
por fim, a aquisição da “solidariedade”, forma que só pode nascer das “finalidades
partilhadas” em comum, pois os indivíduos precisam se saber reconhecidos nas suas
capacidades e propriedades particulares, por isso, necessitarem de “estima social”. Nestes dois
últimos domínios da experiência social, a “relação jurídica” e a “comunidade de valores”, as
“finalidades individuais estão abertas em princípio para universalizações sociais” (HONNET,
2003, pp. 256-257).
Historiar o processo de recepção e (re)produção dos elementos da cultura hip-hop
entre parte dos jovens goianienses, é tentar perceber as ações desta juventude no
desenvolvimento da “auto-realização” individual e da construção e ampliação de uma
“solidariedade” coletiva. Processo conflituoso, estas ações são estimuladas pela experiência
de desrespeito social, neste sentido procuram desenvolver o reconhecimento mútuo entre os
indivíduos presentes na sociedade.
Percebemos essa junventude hip-hopper enquanto parte de uma intelectualidade5 que
tem participado do processo de “luta por reconhecimento” através da produção de uma esfera
pública negra. Jovens que sobrevivem nas áreas pobres das grandes cidades do ocidente em
particular dos EUA, Brasil, Caribe, Inglaterra, França, Portugal, Venezuela, jovens de maioria
negra, esquecidos das políticas públicas e dos processos de integração e constituição
identitária nacional e regional. Estes jovens vêm produzindo um canal de expressão e
identificação de caráter global, utilizando a dança, a música e as artes plásticas além de uma
série de fanzines, jornais, revistas e cada vez mais a Internet possibilitando a ampliação de
uma esfera pública alternativa.

5
No sentido do “intelectual orgânico” de Gramsci, aquele que possui a capacidade de elaborar um discurso que
possui uma unidade e uma coerência com o grupo social do qual faz parte, levando este mesmo grupo a
ultrapassar as fronteiras do senso comum e alcançar o bom senso, sua organicidade está justamente no fato dele
estar inserido em um grupo social e elaborar toda uma construção teórica sem deixar de considerar a prática.
“Esta teoria tem como objetivo elevar o nível de entendimento sobre a realidade prática deste grupo social, sem
deixar de considerar suas especificidades, com o objetivo de procurar superar as contradições que foram
construídas historicamente no interior deste grupo” (ANASTÁCIO, 2001).

13
A esfera pública é utilizada aqui como uma concepção de debate político público.
Segundo Jürgen Habermas, com o advento da modernidade uma “esfera pública burguesa” se
desenvolve sob um processo de racionalização pública encaminhado pela burguesia. O
público privado burguês, a partir da segunda metade do século XVIII, passou a reivindicar
uma esfera pública “regulamentada pela autoridade”, porém, a esfera pública surge
“diretamente contra a própria autoridade”, uma vez que sua finalidade teria sido a de discutir
as “leis gerais da troca” para o intercâmbio de mercadorias e as questões do trabalho social.
Leis pertencentes a esfera fundamentalmente privada, mas que eram publicamente relevantes.
Inicialmente uma esfera pública literária e cultural circulava em arenas de pequeno alcance,
nos salons e nas coffe-houses europeus, o que contribuiu para o desenvolvimento da “arte de
debate público” realizado por uma “vanguarda burguesa da classe média culta” em contato
com o mundo “elegante” (1984, pp. 42-45).
Estando na fronteira entre o “Setor Privado” e a “Esfera do Poder Público” a esfera
pública política que se desenvolveu na segunda metade do século XVIII intermediou a
opinião pública entre o Estado e a sociedade civil6. Foi através dela que a burguesia européia
reivindicou poder e atacou “o próprio principio da dominação vigente” com o intuito de
modificar a dominação política da nobreza. Para Habermas, porém houve uma mudança na
esfera pública durante o século XX, sobretudo em sua segunda metade, onde a “massa” se
sobrepôs ao “público”. Segunda esta linha de pensamento a “massa” seria intensamente
manipulável pela publicidade. Este processo de massificação acabou por esmaecer o construto
da democracia consentida, baseada na vontade coletiva e no acordo prévio para justificar as
decisões políticas7.
Ao lado do crescimento incontrolado da grande mídia e da penetração da cultura
“pelas lógicas do dinheiro e do poder” houve, porém um processo de “desprovincialização e
modernização do mundo da vida” que gerou e expandiu “novos públicos” e “novos loci” de

6
A sociedade civil para Habermas seria uma dimensão institucional do mundo da vida, “cuja tarefa é a
preservação e renovação das tradições, solidariedades e identidades”, cabendo à ela transportar para a esfera
pública “demandas e expectativas normativas que dizem respeito ao conjunto da sociedade, em contraposição
aos interesses particulares de grupos políticos e econômicos” (COSTA, op. cit., p. 30).
7
Para este autor esta esfera pública nascida no inicio do século XIX na Europa, seria genuinamente política, mas
se modificou no decorrer do século XX, em especial na segunda metade. A esfera pública, tanto na Europa,
quanto nos EUA passa a ser dominada pelas mídias, através do desenvolvimento das indústrias de informação e
principalmente de técnicas publicitárias e de marketing político, cujos especialistas são contratados pelos
partidos para venderem “política apoliticamente”. Tais mudanças desencadearam uma esfera pública apolítica e
manipulável conforme os gostos dos consumidores políticos, não mais atores políticos no sentido moderno do
termo, no lugar da critica e da publicidade de natureza pública, o show e a publicidade manipulativa. Antes de
manipular a opinião pública no sentido de mobilização das potencialidades do público, a manipulação agora
impõe a inércia do integracionismo, “uma atmosfera pronta para a aclamação” de uma opinião não-pública
(1984, pp. 213-290).

14
realização de formas criticas de comunicação – “contextos de difusão de subculturas,
movimentos sociais, microespaços alternativos, etc”. Estes “novos públicos” não se
restringem “à esfera da cultura ou do comportamento”, eles têm pressionado por mudanças
“no padrão de comunicação pública” podendo gerar “efeitos duradouros mesmo sobre a
política institucionalizada”. Avritzer e Costa nos remetem à noção de “contrapúblicos
subalternos”, cunhada por Nancy Fraser em sua critica ao modelo habermasiano, que não são
constituídos como “forças de desestabilização, mas de democratização e ampliação da política
nacional”. Os “contrapúblicos” surgem da exclusão gerada pela “seleção” presente no
processo de formação da esfera pública, implicando uma definição prévia de quem serão os
atores que “efetivamente terão voz pública” e “quais serão os temas que efetivamente serão
tratados como públicos”. “Nesse contexto, minorias étnicas, grupos discriminados e mulheres
são excluídos a priori da esfera pública ou merecem nela um lugar subordinado” (2006, pp.
71-72).
A atuação pública dos jovens hip-hoppers tem ampliado a esfera pública e contribuído
para dar voz a atores até então excluídos e (in)subordinados das decisões políticas. Devemos
levar em conta o caráter performático8 desta atuação. A performance9 dos rapper centra-se em
uma “atitude de crítica social” que acaba por instituir “uma nova ordem cívica” geradora de
“uma nova forma de representação da população negra, e um novo relacionamento racial no
Brasil” (TAVARES, 2004). Uma profunda interferência na consciência da juventude é
difundida através da emergência de associações comunitárias, chamadas por Tavares de
“correntes”. Estas associações acabam por “disseminar uma pedagogia política”10, cujos
resultados podem ser observados em três aspectos que têm marcado os desdobramentos da
cultura hip-hop atual:

8
Aqui e em outros momentos nos remetemos ao caráter performático da linguagem, no sentido de que os
enunciados e proposições que não se limitam a descrever um estado de coisas, mas sim transformar, fazer com
que algo aconteça (se realize, se efetive), e cuja eficácia depende de sua repetição, no âmbito da identidade e da
diferença cf. SILVA, 2000a; Com relação à língua e à linguagem e seu caráter performático principalmente na
literatura contemporânea cf. GLISSANT, 2005.
9
Segundo Richard Schechner e Vitor Turner, a performance seria um “paradigma do processo”, “o momento de
finalização de uma experiência”, pois “todo tipo de performance cultural, incluindo ritual, cerimônia, carnaval,
teatro e poesia, é explicação da vida”. E ao pensar a performance não se pode isolar esferas da vida social como
estética, ética, política, religião, etc. Os “dramas sociais” acabam por configurar na prática um tipo de
“metateatro”. Em outras palavras, constituem um espaço simbólico e de representação metafórica da realidade
social, através do jogo de inversão e desempenho de papéis figurativos que sugerem criatividade e propiciam
uma experiência singular, que é, ao mesmo tempo, “reflexiva” e da “reflexividade”. Interrompem o fluxo da
vida cotidiana, propiciando aos atores sociais a possibilidade de tomarem distância dos papéis normativos e,
numa atitude de reflexividade, repensar a própria “estrutura social” ou mesmo refazê-la. Cf. HIKIJI, 2005 e
SILVA 2005b.
10
Tavares (2004) reproduz esta noção de Houston Baker Jr. Desenvolvida em seu trabalho intitulado: “Black
Studies, Rap and the Academy”. Chicago: University of Chicago Press, 1993.

15
“(...) inicialmente, a profissionalização e o espírito empreendedor que têm sido
cultivados no interior do movimento; em segundo lugar, o reforço da dádiva como
moeda de interação social, ou seja, o trabalho voluntário e a solidariedade que se
constituem em pontos de força e de honra na organização do movimento, e, em
terceiro, a adoção e ampliação de uma mídia alternativa, como rádios piratas, sites
na internet, programas de televisão, programas de rádio, etc. Estas redes de práticas
e discursos se entrelaçam e se condensam no que viemos a chamar aqui de esfera
pública negra.” (TAVARES, 2004)

Ao atravessar as fronteiras do Bronx11 e ancorar em diversas cidades de todo mundo


de Tóquio à Luanda, de Paris à Rio Verde em Goiás, a cultura hip-hop acabou gerando
processos de “tradução cultural” importantes para a ampliação da esfera pública, o espaço
privilegiado para a “luta por reconhecimento”, que tem os jovens “outsiders”12 como atores
do conflito. Jovens que mesmo com sérias dificuldades de inserção no mundo do saber
especializado, suspeitos e vitimados pela polícia, vivendo sob condições de sub-cidadania,
tem contribuído para questionar determinados padrões e principalmente as hierarquias, sejam
étnico-raciais, de gênero, nacionalidade, região entre outras.
A cultura hip-hop será vista aqui como uma cultura negra e inserida no amplo
espectro de lutas dos “movimentos negros urbanos”13 que têm procurado “rever, recriar,
ressignificar” a participação dos afro-descendentes na “história passada e presente do Brasil”,
exigido a “diminuição imediata e ou a eliminação” das “distâncias sociais entre negros e
brancos” na construção de uma democracia efetiva na sociedade contemporânea (BARBOSA,
2003, p. 11).
Um exemplo do confronto presente na narrativa dos rappers é expressa na música
Jesus Chorou do grupo Racionais MC‟s, cantada em primeira pessoa, ela narra as convicções
intelectuais e de ativismo que Mano Brown14 incorporou através da influência de homens que
segundo ele brigaram pela paz, mas acabaram levando tiros: Malcom X, Ghandi, Che
Guevara, Bob Marley, 2(Two)Pac, John Lennon e Martim Luther King. No decorrer da
narrativa Brown expressa o não reconhecimento de sua luta por aqueles pretensamente iguais:
“E minha mãe diz: Paulo acorda, pensa no futuro, que isso é ilusão, os próprios pretos não

11
Bairro nova-iorquino onde se processou a sua produção inicial. Cf. ROSE, 1994; VIANNA, 1997.
12
Este termo é tomado emprestado de Elias e Scotson que em uma analise das relações de poder da pequena
comunidade de Winston Parva na Inglaterra concluem que o poder ocorre no interior das figurações em que “os
grupos estabelecidos vêem seu poder superior como um sinal de valor humano mais elevado”. Estigma,
evitações e o “medo do contágio” reforçam o tabu imputado aos outsiders, que não dispõem de nenhuma
possibilidade de revidar o grupo estabelecido com os mesmos termos depreciativos que recebem como
“desordeiros das leis e normas” e “sujos” (2000, p. 28-30). Este conceito é importante por conotar em torno de si
a questão tanto do estigma quanto da estima social, elementos diretamente ligados as lutas por reconhecimento
dos afro-descendentes.
13
GONÇALVES, 2003ª.
14
Mc do grupo Racionais MC‟s.

16
estão nem aí com isso não”15. Neste ponto é explicitado que a conquista por respeito atravessa
vários níveis de relação sendo portanto necessário ter em mente o conflito dentro do grupo de
“iguais”, em especial porque a construção de determinados padrões de negritude
principalmente influenciados pela polarização estadunidense e encampada pelos movimentos
anti-racistas contemporâneos no Brasil tem dificuldade de serem incorporadas a um
imaginário estabelecido, de que pela “miscigenação” ampla não podemos saber quem é negro
por aqui.
O desrespeito gerado pelo ataque à cultura negra e à identidade individual e coletiva
dos afro-descendentes é uma realidade no mundo ocidental. A partir desta experiência de
desrespeito os afro-descendentes têm produzido discursos reivindicando a transformação
deste estado, tanto nas esferas econômica e social, quanto cultural e estética. A introdução da
música Capítulo 4, Versículo 3, do grupo de rap Racionais MC‟s16, narra a condição de
desrespeito vivida pela juventude negra urbana brasileira:

60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência


policial/ A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras/ Nas
universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros/ A cada quatro horas um
jovem negro morre violentamente em São Paulo/ Aqui quem fala é Primo Preto,
mais um sobrevivente.17

As lutas desenvolvidas pelos hip-hoppers, assim como dos negros se dão em um


“contexto transnacional de ação”, contexto que segundo Sérgio Costa não possui
territorialidade, nem temporalidade definidas. Este contexto abrange atores, estruturas de ação
e discursos, que não são formados por referências nacionais, mas sim por temas, estratégias e
objetivos comuns. Ao mesmo tempo “trata-se de um contexto de ação particular e não de um
sujeito representativo das demandas civis globais” (2006, p. 122-123).
Ao lidarmos com essas interações culturais transnacionais, nos aproximamos da
concepção de cultura apresentada por Hommi Bhabha, cultura como “algo híbrido, produtivo,
dinâmico, aberto, em constante transformação, portanto, não mais um substantivo, mas um
verbo, „uma estratégia de sobrevivência‟”. A cultura, neste sentido, é tanto transnacional, por
carregar as “marcas das diversas experiências e memórias de deslocamento de origens”,
quanto tradutória, uma vez que “exige uma ressignificação dos símbolos culturais
tradicionais” traduzidos como “signos que são interpretados de formas diferentes na

15
Nada como um dia, após o outro dia. São Paulo: Cosa Nostra, 2003.
16
Grupo da cidade de São Paulo, um dos principais grupos do Rap Nacional.
17
Sobrevivendo no Inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997.

17
multiplicidade de contextos e sistemas de valores culturais que se acotovelam e se justapõem
na constituição híbrida das culturas pós-coloniais”18 (SOUZA, 2004, p. 125).
A noção desenvolvida por Paulo Gilroy de “Atlântico Negro” é o “contexto
transnacional de ação” que nos serve, portanto, como base para pensar a cultura hip-hop
numa perspectiva transnacional e intercultural e enquanto uma “trans-cultura negra” em seu
processo de “mesmo mutável”19. Conforme Gilroy o “Atlântico Negro” é o espaço onde:
(...) o movimento contemporâneo das artes negras (...) criou uma nova topografia de
lealdade e identidade na qual as estruturas e pressupostos do estado-nação têm sido
deixados para trás porque são vistos como ultrapassados (2001, p. 58)

Este espaço tem permitido que “laços de filiação e afeto” articulem “as histórias
descontínuas” de colonos negros no Novo Mundo. A partir da noção de diáspora, Gilroy
afirma que as culturas negras devem ser percebidas para além de um absolutismo étnico, pois
ao serem fixadas acabam prescritas a uma tradição “pré-moderna”, ou “antimoderna”, quando
na verdade têm sido parte integrante da “modernidade”. Pois,
na medida em que a política contemporânea rege-se pelo império da palavra, pela
imposição da separação entre ética e estética, performance e racionalidade, decide-se
previamente o jogo político em favor daqueles que, por força de sua inserção na
história moderna, puderam controlar os mecanismos de produção e reprodução dos
discursos de poder considerados legítimos em cada Estado-nação particular.
(AVRITZER; COSTA, 2006, p. 72)

Parte integrante da “modernidade”, portanto desenvolvendo-se fora da órbita da


política formal, o “Atlântico Negro” vale-se “fundamentalmente do desempenho, da dança e
da música como forma de constituição”, a performance é fundamental para a produção e
propagação de uma “contracultura da modernidade” que é praticada pelos negros na diáspora
(GILROY, 2001, p. 93). A constituição do “Atlântico Negro” representa a experiência dos
africanos e seus descendentes cuja história específica é um fenômeno que não nasce com a
“globalização recente”, mas que remonta ao “tráfico negreiro e que acompanha como sombra
toda a história moderna” (COSTA, 2006, pp. 123-126).
A música negra tem levado ao limite um “compromisso obstinado e consistente” com
a idéia de “um futuro melhor”, colocando em discussão o próprio processo “de construção da
18
O “pós-colonial”, segundo Stuart Hall, nos ajudaria a “descrever ou caracterizar as mudanças nas relações
globais”, obrigando a “reler os binarismos como formas de transculturação e tradução cultural”. O conceito de
“pós-colonial” traz à tona uma “dupla inscrição”, ao reler a “colonização” como “parte de um processo global
essencialmente transnacional e transcultural”; e produzir uma “reescrita descentrada, diaspórica ou „global‟ das
grandes narrativas imperiais do passado, centradas na nação” (2001, pp. 108-109).
19
Muniz Sodré em um ensaio elementar sobre cultura no Brasil já nos alertava para a compreensão da cultura
negra não como algo dado, já sendo naturalmente e essencialmente ela mesma desde sempre. Ele afirmava a
cultura negra desenvolvida no Brasil enquanto uma “cultura de diáspora”, chamando a atenção para a percepção
desta cultura como “um lugar forte de diferença e de sedução na formação social brasileira”. Cultura, no entanto
como um ato de heterogeneidade, não apenas um “direito à diferença”, mas que chama ao “contato, que desafia e
seduz” (2005, p. 135).

18
política moderna, enquanto espaço privilegiado de representação dos interesses e das visões
de mundo do homem branco” (AVRITZER; COSTA, 2006, p. 72). A “contracultura”
praticada no Atlântico Negro se realiza por meio da “política de realização” [politics of
fulfiment]. Ela expressa a “questão do conteúdo normativo” presente na música negra, uma
vez que sua prática vem exigindo “que a sociedade civil burguesa cumpra as promessas de sua
própria retórica” (GILROY, 2001, p. 95). A “política da realização” tem como aliada a
invocação utópica, chamada por Gilroy de “política da transfiguração”:

(...) Esta política enfatiza o surgimento de desejos, relações sócias e modos de


associação qualitativamente novos no âmbito da comunidade racial de interpretação
e resistência e também entre esse grupo e seus opressores do passado. Ela aponta
especificamente para a formação de uma comunidade de necessidades e
solidariedade, que é magicamente tornada audível na música em si e palpável nas
relações sociais de sua utilidade e reprodução culturais. (Ibidem, p. 96)

Conceito “indispensável” no enfoque da dinâmica política e ética da história inacabada


dos negros no mundo moderno a diáspora, oferece “um meio heurístico de enfocar a relação
entre identidade e não identidade na cultura política negra”, podendo “ser empregado para
projetar a riqueza plural das culturas negras em diferentes partes do mundo” (GILROY, 2001,
p. 171). Mas, sobretudo esta perspectiva contribui na “luta para tornar os negros percebidos
como agentes, como pessoas com capacidades cognitivas e mesmo com uma história
intelectual” (Ibidem, p.40)20.
Percebendo a cultura como movimento, poderíamos construir uma história da
produção, ressignificação e recepção da cultura hip-hop em Goiânia? A possibilidade de
estudar as culturas negras em Goiás só se torna possível ao percebermos tais culturas dentro
de um espectro maior, fornecido por esta noção de diáspora. Noção que desafia as
concepções ortodoxas e essencialistas que acabavam por fixar a cultura e, portanto da
identidade. Para Muniz Sodré a “redução da cultura negra a categorias ocidentalistas como
„inconsciente‟, „alienação‟, „satanismo‟ ou então matéria-prima emoliente tem sido constante
nas ciências sociais brasileiras”. De esquerda ou de direita, tais visões tem ratificando as
linhas de hegemonia ideológica do Ocidente, o que Sodré chama de o imperialismo
universalista da verdade (Ibidem, p. 136).

20
Vale lembrar o trabalho de Janice Theodoro (1992): América Barroca: Tema e Variações, onde a autora relega
as visões que inferiorizaram os índios no processo de construção do Novo Mundo, procurando demonstrar como
as sociedades autóctones da América eram dotadas de razão e assim dominavam com muita agilidade os
mecanismos retóricos do conquistador, pois conheciam a cultura européia com a qual dialogavam.

19
Em Goiás as culturas negras estão presentes através da congada21, da sussa22, do
candomblé, da umbanda23, da capoeira, das escolas de samba, e mais recentemente do pagode,
do funk, e do Hip-Hop, entre outras. As culturas negras em poucos momentos tiveram alguma
visibilidade na historiografia produzida em Goiás. O desinteresse pelas coisas que dizem
respeito ao negro é o que Hélio Santos chamou de “invisibilidade” (2001, p. 23). Assim,
lançar mão de uma perspectiva Etno-histórica é de suma importancia para confrontar os
“estereótipos e as distorções dos discursos”24 sobre as culturas negras em Goiânia e Goiás.
Acreditamos que tal perspectiva contribui para uma melhor compreensão, mas basicamente
para dar visibilidade às culturas negras, relegadas à invisibilidade dentro do discurso
acadêmico. Mesmo contando com mais de “40%” de negros em sua população 25, os estudos
sobre a contribuição histórica, social e cultural dos negros em nosso estado quase não
existem. O legado dessas culturas enquanto folclore é considerável 26 e perpassa o senso
comum, principalmente pela sua reprodução nas escolas de primeira fase e ensino médio27,
bem como nos programas televisivos, na publicidade e pela mídia em geral.
Para construirmos nosso estudo analisamos e relacionamos fontes distintas: como as
reprográficas, as visuais e as orais. As fontes reprográficas são tanto crônicas, opiniões e
reportagens jornalísticas regionais e nacionais, quanto charges e publicidades publicadas nos
jornais goianos. Acreditamos que tais representações possibilitam a leitura das “lutas por
reconhecimento” e seus efeitos na esfera pública. As charges e publicidades são analisadas
enquanto representações visuais. No decorrer do trabalho as fontes visuais acabam por
ampliar determinadas discussões, porém, se extraídas da narrativa podem fornecer uma
história visual, porém não é esse nosso intuito, mas sim o da convergência entre as vertentes
historiográficas.
Para desenvolver nosso estudo lançamos mão da história oral como ordenadora, ela
estabelece procedimentos de trabalhos, “funcionando como ponte entre teoria e prática”
(AMADO; FERREIRA, 1996, p. 16). Sendo assim, ela é utilizada como método para suscitar

21
Manifestações que celebram reis negros escolhidos pelos membros das irmandades de Nossa Senhora do
Rosário e São Sebastião, presentes, sobretudo, nas cidades de Goiás, Catalão, Niquelândia e Goiânia. Cf.
BRANDÃO, 1976; 1985 e DAMASCENA, 2005.
22
Dança animada por cantiga de aspecto canto e resposta presente entre os Kalungas, remanescentes de
quilombo da região nordeste de Goiás. Cf. SIQUEIRA, 2006.
23
Cf. NOGUEIRA, 2005.
24
CABRERA, 2006, p. 12
25
Idem.
26
Os trabalhos produzidos por membros do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás tendem a ver todas as
formas culturais que não estão conectadas de alguma forma com o cânone europeu e da pretensa “alta cultura”
como folclore.
27
Cf. o trabalho de Marilena da Silva: O ensino de história da África e cultura afro-brasileiras em Goiânia, 2005.

20
questões. As fontes orais são relatos colhidos por meio de entrevistas com hip-hoppers
goianos e de outros estados. As entrevistas seguiram um roteiro prévio, mas não fixo. As
questões principais diziam respeito aos dados pessoais e de como havia sido o contato e a
identificação com a cultura hip-hop, passando por questões relacionadas ao sentido dado para
o Hip-Hop.
As entrevistas realizadas com várias pessoas que participaram e participam do
movimento foram mediadas com outros materiais, como fanzines produzidos pelos hip-
hoppers, além de flyers (panfletos) de shows e informativos, bem como entrevistas com não-
integrantes, como o professor de capoeira angola, Carlos Alberto “Guaraná” e Karine uma
estudante de letras da Universidade Federal de Goiás e ex-cowgirl. Também, procuramos
analisar as letras dos raps28 que, por serem em geral estilos livres, ou seja, composição sem
caneta e papel, mas de improviso, o chamado free-style, prevalecem enquanto fontes orais e
poéticas.
No primeiro capítulo procuramos perceber o grau de invisibilidade dos estudos sobre
os negros e sua cultura que perpassa a academia e os meios de comunicação em Goiás.
Inicialmente construímos uma aproximação aos estudos que têm como enfoque as relações
étnico-raciais, para em seguida realizar um breve balanço dos trabalhos no campo das ciências
humanas que tratam da história e cultura negras em Goiás. Enfocamos, porém, os estudos
publicados, uma vez que hipoteticamente teriam uma maior difusão. No caso da mídia,
fixamo-nos na impressa, especificamente no jornal O Popular, jornal do grupo Jaime Câmara,
afiliado à Rede Globo em Goiás entre os períodos de 1983 e 1996.
Apesar de o intuito não ser esmiuçar as relações raciais e a história do negro, este
primeiro capítulo procura levantar algumas questões sobre como esses temas vêm sendo
tratados na esfera acadêmica e pública em nosso estado. Mesmo que muitas vezes se conteste
o alcance dos debates realizados na academia e nos jornais impressos, não há como negar a
difusão das idéias construídas nesses espaços e já incrustadas no senso comum da sociedade
brasileira, idéias que principalmente reforçam os aspectos difusos de nosso racismo. É
importante ressaltar que para visarmos às culturas negras, devemos levar em conta que a
escravidão não nos serve mais para explicar as discriminações e desigualdades raciais
existentes no Brasil, mas sim as formas presentes de racismo, “que perpetuam uma estrutura
desigual de oportunidades” (LOPES; SIQUEIRA; NASCIMENTO, 1987), e esta foi nossa
constatação a partir desse primeiro empreendimento.

28
A música rap é a abreviação para “rhythm and poetry”. Melhor apresentado nos capítulos II e III.

21
No segundo capítulo buscamos reconstruir a produção dos territórios existenciais
forjados pela juventude diaspórica através da dança, particularmente, e em especial pelo
breaking. Incluída a visão de que o território é uma noção que incorpora a idéia de
subjetividade, uma vez que “não existe um território sem um sujeito”, mas pode existir um
espaço independente do sujeito (AZEVEDO, SILVA, 1999,p. 76), devemos levar em conta
que “o território configura-se pelas relações sociais e relações de poder que ocorrem no
espaço” (LAITANO, 1996, p. 36). Enfim,

(...) o território vem a ser espaço apropriado por “um ator sintagmático (ator que
realiza um programa) em qualquer nível”, ou seja, por grupos, etnias, religiões,
nações, empresas, Estados, etc. (...) não se reduz à terra ocupada e abrange o espaço
apropriado pelo grupo, ainda que seja nos limites da representação e do
conhecimento produzido (RATTS, 1996, p. 81)

Sendo a construção de um lugar próprio, o território contribui para a formação da


identidade grupal/individual, e ele é necessário para o reconhecimento de si por outros.
Assim, procuramos apresentar como a juventude negra contemporânea conduz um processo
de jogo e sedução com a “indústria cultural” e os “cânones estéticos” dominantes na cultura
ocidental, ao instaurarem novas formas de convivência e sobrevivência urbanas baseadas,
sobretudo na produção de territórios, a partir de práticas de lazer e sociabilidade. E o canal
fundamental que têm possibilitado a construção destes territórios são as “práticas musicais ou
musicalidades”, entendidas como “expressão dinâmica de pertencimento”, “um estar entre
iguais”, que se efetiva através dos bailes, das festas de rua, de salão ou de fundo de quintal
(AZEVEDO; SILVA, 1999, p. 72).
Para o desenvolvimento de uma discussão sobre a dança, algumas questões levantadas
por Stuart Hall sobre a cultura negra são de grande valor. Segundo ele devemos pensar como
essas culturas “têm usado o corpo como se ele fosse, e muitas vezes foi, o único capital
cultural” que possuíam. Para Hall os negros têm trabalhado em seus corpos como em “telas de
representação”. Uma vez excluídos da “corrente cultural dominante”, os repertórios da
“cultura popular negra” foram em geral os únicos “espaços performáticos” que restaram.
Repertórios sobredeterminados “parcialmente por suas heranças, e também determinados
criticamente pelas condições diaspóricas nas quais as conexões foram forjadas”, gerando
formas “sempre impuras” e até certo ponto “hibridizadas a partir de uma base vernácula”,
pois,

(...) a apropriação, cooptação e rearticulação seletivas de ideologias, culturas e


instituições européias, junto a um patrimônio africano, conduziram a inovações
lingüísticas na estilização retórica do corpo, a formas de ocupar um espaço social

22
alheio, a expressões potencializadas, a estilos de cabelo, a posturas, gingados e
maneiras de falar, bem como meios de constituir e sustentar o companheirismo e a
comunidade. (HALL, 2003, p. 343)

Assim temos um fundamento importante para perceber como os B. boys tem se


relacionado com a cidade de uma maneira diferenciada através da “corporeidade, demarcando
territórios pela identidade visual, pela música, pela dança, pela linguagem, pela cultura” 29.
Pretensamente procuramos estabelecer uma cartografia da dança negra, a partir do circuito
musical afro-americano e suas interações desencadeadas pelos bailes que acabaram por
culminar na cultura hip-hop.
No último capítulo a análise recai sobre a música negra contemporânea, em particular
o rap. Não se trata de desenvolver uma análise formalista (ou seja, uma discussão sobre as
bases harmônicas e rítmicas), mas sim perceber, como nos indica mais uma vez Stuart Hall,
como o “povo da diáspora negra” tem “encontrado a forma profunda, a estrutura profunda de
sua vida cultural na música” em oposição ao mundo logocêntrico. Mundo este onde o
domínio direto das modalidades culturais significou o domínio da escrita e, daí, a “crítica da
escrita” e a “desconstrução da escrita” (2003, p. 342).
No rap, a poética de confronto ecoa com tanta virulência e ginga quanto na dança,
produzindo uma expressão política das camadas populares urbanas, enfim, adotada pela
juventude “outsider” mundial. O rap e a cultura hip-hop têm transformado sobremaneira as
formas políticas contestatórias, e ao mesmo tempo, vêm inserindo a produção artística dessa
juventude no centro das atenções da mídia, associando-se à indústria cultural e à crítica
especializada.
A juventude hip-hopper vem pautando um debate sobre ética e estética, reelaborando
novas formas de produção e distribuição musical. O caso dos DJs demonstra bem esta
questão. Ao reivindicarem o status de músico para um instrumentista que se utiliza de
equipamentos de reprodução sonora e efeitos para produzir música através de colagens de
trechos de outras músicas já existentes, os DJs subvertem a questão da autoria (DJ
LEANDRÔNIK, 2007). Assim através da noção de simulacro, Deleuziana, poderíamos
mesmo abolir a idéia de original e cópia, cara a Platão. Não sendo uma simples imitação, o
simulacro seria:

“o ato pelo qual a própria idéia de um modelo ou de uma posição privilegiada é


contestada, revertida (...) instância que compreende uma diferença em si (...) toda

29
Trecho da argüição realizada pelo professor Alecssandro J. P. Ratts (IESA/UFG), para minha monografia de
graduação. Esse trecho me foi repassado em escrito pelo mesmo.

23
semelhança tendo sido abolida, sem que se possa, por conseguinte, indicar a
existência de um original e uma cópia” (DELEUZE apud, SWAIN, 1994, p. 169).

Essa produção se constitui por meio de um amplo diálogo musical que se expandiu no
século XX. Para Julio César Tavares, estaríamos vivendo um momento da constituição e
ampliação de uma “esfera pública negra”, que, mesmo subalterna, “assegura a construção da
visibilidade desse grupo racializado e absolutamente ocultado durante séculos da nossa
história como ator efetivo de processos sociais” (TAVARES, 2004). E a cultura hip-hop teria
papel primordial neste processo. Para Paul Gilroy, uma “esfera pública alternativa” foi
produzida no Atlântico Negro tanto por se “contar histórias como por produzir músicas”,
neste contexto os “estilos particulares de autodramatização autobiográfica e autoconstrução
pública têm sido formados e circulados como um componente essencial das contraculturas
raciais insubordinadas” (2001, p. 374).
Procuramos analisar as músicas e suas letras não a partir de sua dimensão
“constativa”, mas por outro lado perceber a dimensão performática dos raps. Para além de
estabelecer a veracidade ou falsidade dos enunciados, devemos perceber sua atuação. O
enunciado alimenta o jogo do “tornar-se”, numa realidade marcada pela exclusão, pelo
preconceito, pela dificuldade de expressar sua arte. É necessária a ação transformadora que se
apresenta no “ato de dizer” (SODRÉ, 2005, pp. 144-152). A performance do Mc procura
estabelecer a garantia de uma vida urbana marcada por uma abertura à diferença, através da
denúncia do racismo e da desigualdade social, denúncia que visa desmascarar a harmonia
universalista da igualdade.
A narrativa e as representações produzidas através da cultura hip-hop propõem que os
jovens negros e pobres sejam ouvidos. Esta cultura tem sido um espaço de identificação,
resistência e, sobretudo ação transformadora para uma parcela considerável da juventude
urbana do “Atlântico Negro” nas últimas décadas do século XX. A experiência dos hip-
hoppers goianos inserida no fluxo contínuo de tradução, recriação e construção de uma
“contracultura da modernidade” é governada pela performance e pela música, que tem
produzido auto-estima em âmbito particular, além de ser propulsora de redes associativas que
fomentam a solidariedade de grupo. Esta produção contribui para contestar a estrutura social
desigual, marcada pelo desrespeito e prescrição de um lugar subordinado aos negros,
mulheres, homossexuais, migrantes, etc.
Assim, procuramos levar em conta a aproximação e o distanciamento das expressões
culturais do Hip-Hop das lutas anti-racistas desenvolvidas ao longo do século XX, pelos
movimentos negros, que tem procurado romper com o mito da “democracia racial” e a mal

24
disfarçada política do branqueamento, vigente em nosso país desde o século XIX. Neste
sentido questionamos: Como a produção de uma identidade ou identificação hip-hopper tem
dialogado com as identidades regionais, locais, e nacionais e os complicadores étnico-raciais?
De que forma tem atuado a profissionalização e o espírito empreendedor dos hip-hoppers? Há
um reforço da dádiva, enquanto moeda de interação social no caso goiano? Qual a
contribuição da produção goiana para a ampliação da esfera pública negra? E ainda como
essa juventude tem se relacionado com as demais culturas negras?
Mais do que responder tais questionamentos ou chegar a soluções, levantamos estas
questões como problemáticas que estabelecem perspectivas, cuja finalidade é apresentar o
processo de ampliação da esfera pública negra através da dança, da música, da produção
cultural e do consumo, instrumentos importantes no desenvolvimento das “lutas por
reconhecimento”, desenvolvidas pela juventude hip-hopper de Goiânia.

25
CAPITULO I
SABER E PODER: relações raciais e a invisibilidade
do negro em Goiás

A “democracia racial” em Goiás não passa de um


mito social. Esta “democracia racial” não
representa interesses sociais e valores morais que
diminuam as formas existentes de resistência à
ascensão social do negro.
Mari Baiocchi

Respeito é pra quem tem!


Sabotage

A força da Cultura Negra que atravessou os


séculos, é o fio condutor da energia revolucionária
que libertará este país do racismo e da exploração.

Marcha do Movimento Negro contra a farsa da


Abolição – RJ, 11/05/1988. Apud: JESUS, 1999

26
I.1 – Uma aproximação aos estudos sobre as relações étnico-raciais no Brasil

Na interpretação dominante a sociedade brasileira é tida como democrática


racialmente. Através da “elite intelectual” e dos meios de comunicação, nomeia-se nossa
sociedade como “mestiça”30. Apesar da expressividade estatística daqueles que se dizem
pretos e das afirmações de que há racismo no Brasil, iludimo-nos, ainda, em lustrar o mito.
Afirma-se a “morenidade” e uma pretensa democracia racial. Confunde-se a mistura
biológica, com a mistura sociológica, em que as relações no plano político e socioeconômico
se dão de forma diferente:

Como uma mágica, passa-se a ver o plano das interações raciais como idêntico ao
plano biológico, mais aceito e celebrado. Como este último é visto como
democrático, diante do alto grau de miscigenação, pensa-se que no plano político e
socioeconômico também há uma democracia racial. Todas as cores/raças estariam
presentes em todos os campos ou esferas sociais, o que é falso empiricamente.
(OLIVEIRA, 1998, p. 55)

Mesmo havendo uma nova agenda de pesquisas aberta a partir do começo dos anos
1980 “sobre o tema das desigualdades sociorraciais brasileiras” (PAIXÃO, 2003), a
historiografia brasileira e regional em muito se eximiu em acessar o debate. Salvo exceções,
procurou-se reafirmar a “miscigenação”, invisibilizando a história dos negros. E a
desigualdade social tem sido explicada através da exploração capitalista, ampliada pela
persistência de relações de trabalho pré-modernas.31
O caso brasileiro serviu como exemplo de boa convivência entre populações e culturas
dispares. O racismo, portanto não seria um fator que contribuiu para nossa formação, ou
deformação social, já que por aqui não haveria como distinguir brancos e negros, e o racismo
ser coisa dos Estados Unidos e da África do Sul.
No entanto, o campo de pesquisas tem sido invadido a duras penas por estudos cada
vez mais importantes. Contribuindo para transformação desta invisibilidade dos grupos
subalternizados e deixados à margem da história, e principalmente dos avanços da estrutura
social. Segundo Abdias do Nascimento as pesquisas quantitativas vêm permitido “determinar
com precisão o papel desempenhado por negros e brancos nesta sociedade” (NASCIMENTO,
1988, p. 11). Elas têm revelado uma “realidade marcada pela desigualdade fundamentada na
discriminação racial”, propiciando um verdadeiro “salto qualitativo nessa área de estudo”,

30
Cf. entre outros NASCIMENTO, 2003; MUNANGA, 2004; D‟ADESKY, 2005.
31
Cf. AZEVEDO, 1987, em sua análise a cerca da historiografia brasileira que visou o período posterior à
abolição demonstra como o negro sai de cena, sendo substituído pelo imigrante europeu. Os novos temas
acessados por essa historiografia – desenvolvimento econômico industrial, urbanização e formação da classe
operária brasileira – negando ao negro o estatuto de sujeito histórico.

27
“assinalando a existência de uma distância entre negros e brancos no Brasil”. Distância
“ampla, difundida e persistente para que se possa explicá-la exclusivamente como fruto da
escravidão ou da desigualdade social” (MEDEIROS, 2004, p. 23).
Marcelo Paixão demonstra em seu trabalho um aumento do contingente dos afro-
descendentes a partir dos anos 1980, passando a representar entre “45% a 47% da população
brasileira”. Ao perceber “pretos” e “pardos” enquanto afro-descendentes Paixão apresenta a
importância do grande número de afro-descendentes no Brasil. Este contingente acabou
projetando nossa especificidade no cenário internacional, uma vez que com uma população
negra composta por mais de “77,2 milhões de pessoas”, somos a segunda maior nação negra
do mundo, “ficando atrás, somente, da Nigéria” (PAIXÃO, Op. Cit., p. 71).

Tabela 1: Distribuição da população brasileira de acordo com cor/raça (%) (*)


Pop./Ano 1872 1890 1940 1950 1960 1980 1991 2000
Branca 38,1 44,0 63,5 61,7 61,0 54,8 51,7 53,8
Parda 42,2 41,4 19,4 26,5 29,5 38,4 42,6 39,2
Preta 19,7 14,6 14,6 11,0 8,7 5,9 5,0 6,2
* Nos censos de 1900, 1920 e 1970 não foi levantada a cor/raça da população e não estão incluídas as outras
categorias (amarelos, caboclos e indígenas).
Fonte: Recenseamento geral da população brasileira, IBGE (a partir do Censo de 1940) apud PAIXÃO, 2003, p.
71.

Ao desagregar a composição étnica da população brasileira no plano regional, através


dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do ano de 1999, a
análise de Marcelo Paixão traz um dado relevante para nós: o da majoritariedade da
população afro-descendente no Centro-Oeste, sendo 53%, contra 46,2% dos brancos (2003, p.
72). Outros dados são importantes para compormos uma melhor análise. Levando-se em conta
o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), em comparação ao ranking do IDH- PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), nós teríamos em 1999 os brancos da
região Centro-Oeste ocupando a 41ª posição, enquanto os afro-descendentes a 73ª posição.
Conforme o Relatório de Direitos Humanos no Brasil 200132, cerca de 34 por cento da
população negra vive abaixo do nível de pobreza. A taxa de analfabetismo beira os 22 por
cento e apenas 2,3 por cento dos negros concluem o curso superior. Por outro lado são aqueles
que “mais intensamente” participam do mercado de trabalho; começando “mais cedo” e
permanecendo “mais tempo, com uma intensa inserção da mão-de-obra feminina” (SANTOS,
2001, p. 97). Para Hélio Santos a soma da “discriminação ocupacional”, e da “discriminação

32
Realizado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, em colaboração com outras 27 organizações e
lançado no inicio de 2002.

28
salarial”, relegam aos negros as “piores vagas”. No caso da mulher negra a diferença com os
recebimentos dos homens brancos é estarrecedora.
Pesquisas recentes vêm apresentando essa grande disparidade. A pesquisa do IBGE –
O lugar do negro na força de trabalho, usando dados do PNAD (mão-de-obra) de 197633; ou
a Pesquisa de Empregos e Desemprego (PED), realizado desde 1980, pelo Sistema Estadual
de Análise de Dados (Seade) em conjunto com o Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), que vêm medindo as diferenças salariais entre negros e
brancos, demonstram taxas de maior desemprego entre a população negra (Ibidem, pp. 94-
95).
Não nos resta duvida de que os afro-descendentes, mesmo depois de mais de cem anos
da abolição da escravidão, continuam destituídos de cidadania plena. O que aponta também
para uma desmistificação da harmonia racial existente no Brasil34. Esse imaginário de
harmonia deixou soterrado o racismo e o preconceito para com os negros, constituindo uma
forma mais brutal de exclusão e segregação, pois, não sendo reconhecido pelos que o sofrem,
as articulações para resistir e contrapor ficam dificultadas (NASCIMENTO, 2002; SANTOS,
2001).
Se o critério étnico-racial serve como elemento determinante nos processos de
exclusão e estratificação social, pode servir para estabelecer uma perspectiva de estudo que
valorize o negro enquanto sujeito histórico, na medida em que possibilita um olhar sincero
para o silêncio e a invisibilidade de nosso racismo que persiste implicitamente. Sem dúvida a
interpretação apresentada por Hélio Santos (2001), nomeada Trilha do Círculo Vicioso,
caminho que vêm sendo percorrida pelos negros no Brasil, acaba por ecoar em nosso trabalho.
Esse “círculo vicioso” é impregnado de racismo e se inicia com a abolição, uma vez que após
a escravidão, os negros não se tornaram cidadãos, pois não houve ações que corrigissem os
efeitos danosos dos trezentos anos de escravismo. Eles foram transformados de “escravos-
trabalhadores” em “trabalhadores-escravos”, o que ocasionou dificuldades econômicas
reforçadas pela “escolaridade inferior” advindas das “modestas condições” de investimento
em educação com efeitos geradores de “desmotivação” para população afro-descendente
(SANTOS, 2001, pp. 61-177).
33
Censurada durante a ditadura militar só veio a público em 1983. Cf. SANTOS, 2001.
34
O mito da democracia racial vêm sendo desenganado há tempos pela militância e intelectualidade negras, seja
através do Movimento Negro ou por produções acadêmicas, em sua diversidade e extensão pelo século XX, cf.
NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2000; GUIMARÃES, 2005(1999); bem como outras contribuições cujo
exemplo mais emblemático sejam as investigações sociológicas patrocinadas pela Unesco na década de 1950,
cujo objetivo era entender a singular harmonia racial das sociedades latinas, com a finalidade de construir
“modelos de sociedade não-racistas”. O laboratório foi, portanto o Brasil e a conclusão de diversos
pesquisadores “constatara agudas desigualdades e preconceitos raciais” (NASCIMENTO, 2003).

29
Esse primeiro aspecto da trilha é alimentado ainda pela “visão da sociedade” de que
“não-brancos são incapazes por natureza”. Esta “visão” é reforçada pelos meios de
comunicação e pela repressão policial. “Visão” que produz a “introjeção do racismo e dos
preconceitos” pelos próprios pretos e pardos. Alimentando ainda mais a “desmotivação” que
tende a gerar uma “não-identidade racial” e finalmente aumenta a “dificuldade para alterar a
situação”. Assim a sub-cidadania persiste.
Em geral os raps cantados pela juventude negra denunciam a existência e os efeitos da
discriminação, do racismo, da violência policial, da pobreza e injustiça social, enfim do
“circulo vicioso” que caracteriza a vida da população negra no Brasil. Lugares sociais
destinados aos negros brasileiros, o subemprego, a informalidade, a favela e a periferia seriam
fruto da não reparação pelos anos de trabalho escravo35 e da não integração ao mercado de
trabalho. Prevaleceu a idéia de que “quanto mais branco o trabalhador, melhor”. A esta idéia
se acrescenta à concepção racista dos nossos latifundiários modernos de que os de cor “não
eram capazes de acompanhar o novo trabalho, inteligente e responsável” (SANTOS, 1984, p.
83).
A outra parte da história, conhecemos bem: o estímulo à emigração européia 36 com a
desculpa da especialização, que visava medonhamente o branqueamento da população. No
caminho progressivo rumo à civilização, à modernidade, “exige-se que o povo brasileiro se
torne branco” (INOCENCIO, 1999, p. 22).
Se pensarmos na importância dos estudos históricos e sociológicos na construção e
afirmação de uma identidade nacional, qual a influência destes estudos para a sustentação do
“circulo vicioso”? Kabengele Munanga ao analisar a mestiçagem no Brasil acaba por
reafirmar as conclusões de Hélio Santos apontadas acima. Conforme seus estudos, a raça
sempre esteve presente no debate da construção da nação brasileira e da identidade do seu
povo37. Momento paradigmático teria sido com Gilberto Freyre, que durante o Estado Novo
“desloca o eixo da discussão, operando a passagem do conceito de „raça‟ ao conceito de
cultura”. A “grande contribuição de Freyre é ter mostrado que negros, índios e mestiços
tiveram contribuições positivas na cultura brasileira”. Através dos estudos de Freyre foi
permitido “completar definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha

35
Mas já com a Lei de Terras de 1850, e da não realização de uma reforma agrária é alimentada a espoliação dos
negros ao acesso a um bem precioso em nosso país, a “terra”, ampliada com a imigração européia.
36
“Em grande parte assistidos financeiramente pelo Estado”, conferir por exemplo SEYFERTH, 1996; RAMOS,
1996; NASCIMENTO, 2002.
37
Para uma discussão sobre a seleção e difusão das teorias raciais européias baseadas nos modelos
evolucionistas e em especial social-darwinistas na nascente academia brasileira, e a contribuição para
transformar “em estrangeiros aqueles que há muito habitavam o Brasil”, ver SCHWARCZ, 1993.

30
sendo desenhada” (MUNANGA, 2004, p. 88). Por outro lado, o legado freyreano deixou à
posteridade nacional o mito da “democracia racial”. Este mito obscureceu o caminho dos
afro-descendentes, jogando-os numa “zona vaga e flutuante”, pois não havendo aqui uma
linha de cor que separa brancos de não-brancos, como nos casos estadunidense e sul-africano,
os mestiços no Brasil, com traços negróides disfarçáveis puderam “ser incorporados no grupo
branco”. Este processo gera uma “alienação que dificulta a formação do sentimento de
solidariedade necessário em qualquer processo de identificação e de identidades coletivas do
negro” (Ibidem, p. 96).
Para Elisa Larkin do Nascimento a construção dessa imagem de “democracia racial”
se deu por meio do que ela chama de sortilégio da cor. Característica que teria fundado e
demarcado as relações raciais no Brasil. Para Larkin a identidade no Brasil passa a ser
reconstituída por meio desse mecanismo que a transforma numa busca pelo simulacro da
brancura (2003, pp. 20-24). Na “impossibilidade de se atingir a brancura de fato, a sociedade
brasileira se contenta com a meta da identidade do mestiço desafricanizado, o branco virtual”.
Há uma rejeição deliberada do “critério biológico” na construção da noção de uma
“identidade nacional”, favorecendo a “categoria cor divorciada da origem racial”
fundamentando o ideário do sortilégio da cor (Ibidem, p. 152). O sortilégio da cor para
Larkin Nascimento é justamente o “processo de desracialização ideológica” que tem
esvaziado “de conteúdo racial hierarquias baseadas no supremacismo branco” e no
“etnocentrismo ocidental”. Este caráter hierárquico acaba por unir as “diversas formas da
categoria „raça‟” (Ibidem, p. 47).
Desta forma a mestiçagem como foi articulada no pensamento brasileiro, tanto na “sua
forma biológica (miscigenação)”, quanto “na sua forma cultural (sincretismo cultural),
desembocaria numa sociedade unirracial e unicultural”, pois “em nenhum momento se
discutiu a possibilidade de consolidação de uma sociedade plural” (MUNANGA, 2004, p.
96). Este sentido pode ser percebido no Quase um prefácio à terceira edição de Casa Grade &
Senzala, onde Gilberto Freyre justifica o seu campo de estudo:

(...) o assunto de especialização do Autor é menos o estudo do que sobrevive ente


nós da raça e das culturas africanas, portuguesas ou indígenas no seu estado mais
puro, do que o da mistura dessas raças e dessas culturas, umas com as outras; do que
o estudo do processo de formação de uma sociedade e de uma cultura
caracteristicamente brasileiras. O mulato, o cafuzo, o mestiço, o quadrum, o
octorum, o sarará, o ítalo-brasileiro, o teuto-brasileiro, as formas de cultura híbrida,
compósita. Em outros termos: os problemas antropológicos, sociológicos e
históricos de hibridação e da aculturação. Ou ainda: de abrasileiramento. De modo
que, fechados e até exterminados os xangôs do Recife e os candomblés da Bahia e
do Rio, esmagadas outras sobrevivências de cultura negra quase pura noutras

31
partes do Brasil, continuará o Autor – graças a Deus – a ter assuntos e ótimos, para
seus modestos estudos (1961, pp. LXXVII-LXXVIII)38

A perspectiva freyreana tomada como paradigma das relações raciais no Brasil,


dificultou, portanto, o reconhecimento da diferença, em especial das culturas negras e de suas
contribuições para a formação cultural brasileira, transformadas em “campo interditado” nos
estudos históricos principalmente (SILVA, 2005). Mesmo com as críticas “acadêmicas”
estabelecidas na década de 1950, por Florestan Fernandes39 e a partir dos anos 1970 com
Lélia Gonzáles, Carlos Hasenbalg40 entre outros, o mito prevalece e a invisibilidade do negro
também.
Ao pensar nas questões raciais no Brasil, Elisa L. Nascimento observa que é
necessário superar “dois tabus” que são fruto do sortilégio da cor. O primeiro se constitui no
“recalque” e no “silêncio”, a atitude “não-racista”, na acepção popular seria o “silêncio”, que
segundo a autora acaba por configurar uma das formas mais eficazes de operação do próprio
racismo no Brasil. Seu complemento é a invisibilidade a cerca da “presença do
afrodescendente na qualidade de ator, criador, e transformador da história e da cultura
nacionais”. Fato que se comprova pelo alijamento da figura do “afrodescendente” de livros
didáticos e dos currículos escolares (2003, p. 23).
O segundo tabu é o pressuposto de que no Brasil o negro vive uma situação sui
generis, determinada pela “resistência à idéia do racismo como experiência comum às
populações de origem africana subjugadas em diferentes partes do mundo” (Ibidem, p. 23). É
claro, para nós, que o conceito de raça perdeu seu caráter de realidade biológica, mas por
outro lado não se pode negar a sua influência sobre a vida real. Neste sentido é preciso
enfocar o “fenômeno da raça socialmente construída” (Ibidem, p. 47). Conforme Larkin
Nascimento mesmo com a eliminação do vocábulo raça no imaginário social, “as diferenças
físicas visíveis continuariam a ser tipificadas e interpretadas pelo senso comum que constrói
as „raças simbólicas‟” (Ibidem, p. 48). A própria distinção entre preconceito de marca e de
origem acaba por ser contestada, pois, “a marca é simplesmente signo da origem; é através da
marca que a origem é discriminada”, o verdadeiro alvo da discriminação não é o fenótipo em
si, mas sim a origem africana (Ibidem, p. 47).

38
Na edição de 1961 todo o texto do prefácio aparece em itálico, porém deixamos em itálico as partes que
gostaríamos de ressaltar.
39
A integração do Negro na Sociedade de Classes. 2 vols., São Paulo, Ática, 1978.
40
Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1982. E o importante estudo de Hasenbalg,
Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

32
É importante dizer ainda que o conceito de raça tem um sentido social mais amplo,
simples e corrente enquanto “um grupo de indivíduos interligados por uma origem comum”
ou “uma identidade social, caracterizada por parentesco metafórico ou fictício”, evocando,
portanto a ancestralidade. Estes fatores implicam na “comunalidade de trajetória histórica e
sociocultural”, sublinhada no neologismo cunhado pelo movimento negro de
“afrodescendente”, que abrange a dimensão cultural e histórica mais ampla dos africanos no
mundo sem remeter a essência biológica (Ibidem, pp. 49-50).
Portanto “negro” será compreendido aqui como uma categoria social. Não como uma
raça biológica, mas como um produto das relações e interações étnico-raciais estabelecidas no
processo histórico de formação da sociedade brasileira dentro do “sistema mundial moderno”
(MIGNOLO, 2003). Ou seja, ao se falar durante o trabalho em negro ou afrodescendente têm-
se essa noção histórica e sociocultural que implica não em um purismo biológico ou
essencialismo étnico-racial, mas sim na sua superação. Mas sobretudo, trata de reconhecer a
“agência africana”, que indica o protagonismo da população negra da diáspora através do
“exercício da capacidade de pensar, criar, agir, participar e transformar a sociedade por força
própria” (LARKIN NASCIMENTO, 2003, p. 98).
Munidos então desta compreensão, antes de continuarmos, é necessário passarmos em
revista os estudos realizados em Goiás para nos situarmos dentro das linhagens sócio-
históricas as quais estamos diretamente ligados. Ou seja, nossa formação dentro do curso de
história se baseou na construção de uma história regional, neste sentido procuramos perceber
o lugar do negro nesta produção. O foco foi voltado principalmente para os estudos que foram
publicados, principalmente pelo seu maior alcance e maior difusão dentro do próprio curso de
história. Não é nosso interesse, portanto, não é esgotar o tema, mas alimentar a base sobre a
qual podemos construir um estudo sobre culturas negras em Goiás.

I. 2 - Um breve balanço dos estudos sobre a população negra e sua cultura produzidos e
publicados em Goiás

Os trabalhos realizados sobre o negro e as culturas negras em Goiás 41 abrangem,


sobretudo, o negro urbano durante o século XVIII, ou melhor, durante o ciclo do ouro.
Estudos sobre o referido período que trataram da escravidão em Goiás, tendo como foco a

41
Aqui enfatizo as publicações da historiografia regional, principalmente, mas também estudos de sociologia e
antropológicos.

33
composição social de Goiás, ou as irmandades negras, compõem um material historiográfico
que não se define como um estudo de culturas negras, mas de história regional.
Luiz Palacín, em seu trabalho O Século do Ouro em Goiás, afirma que não havia
arraial em Goiás durante o século XVIII sem a sombra de seu quilombo. Segundo ele, em
Goiás por ser uma região de minas, os negros possuíam possibilidades de conseguir a
liberdade mais facilmente. Para Palacín, já em 1808 os escravos já não eram a maioria da
população, por outro lado, confirma uma sociedade com maioria negra (PALACÍN, 1994).
Em Economia e escravidão na capitania de Goiás, Gilka Salles aborda a escravidão
indígena e negra em Goiás como uma “história global da economia goiana” no século XVIII,
relegando negros e índios a um segundo plano, o sistema econômico é objeto de sua análise
(SALLES, 1992).
O trabalho da brasilianista Mary Karash, Os quilombos do ouro na Capitania de Goiás
(1996), procura reconstruir a história dos quilombos a partir de documentos oficiais. Seu
trabalho amplia e confirma a tese de Palacín, da “sombra dos quilombos” sobre os arraiais da
capitania de Goiás. Karash demonstra o papel importante dos africanos e seus descendentes
na formação econômica e social da capitania, tanto pela descoberta de novos veios de ouro,
bem como pela diversificação da produção agrícola. De norte a sul, de leste a oeste, a
capitania de Goiás foi espocada pelos quilombos. Como “santo de casa não faz milagre”, este
foi o primeiro estudo a levar em consideração a agência africana na história de Goiás42.
Deslocando o olhar historiográfico para uma história social que percebe a questão
cultural como relevante, o trabalho de Cristina de Cássia Moraes, Devotos de Nuestra Señora
del Rosário de los Hombres Negros y seguidores del Vudú: Los rituales sudaneses en la
Région de los Guayases al final del siglo XVIII, apresenta-nos a prática cultural do vodu no
sertão goiano, como uma prática africana reenraizada e inserida na construção da sociedade
goiana durante o período colonial (MORAES, 2002). O trabalho de Moraes apresenta a
agência negra, ao focar o âmbito das relações sociais e culturais a partir das práticas dos
grupos de sudaneses que se organizaram em irmandades de devoção a santos católicos, mas
nos interstícios conseguiram reconstruir o culto a seus antepassados, recriando aqui o ritual da
árvore, Mapu.
Na historiografia sobre o século XIX em Goiás, o negro aparece através das memórias
dos viajantes europeus que por aqui passaram. Espécime exótico apresentou-se como os
braços dos brancos, porém, sem consciência e não possuidor dos valores mais altos,

42
Isto ao desconsiderarmos os estudos antropológicos e nos fixarmos a historiografia.

34
engendrava uma sociedade degenerada, atrasada e decadente. Esta interpretação vigorou por
um longo período e abasteceu calorosas discussões o trabalho de Nasr Fayad Chaul,
Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade (2001),
converge e avança no debate ao questionar a as representações de pobreza e decadência que
definiram Goiás, com a escassez do ouro.
Em História das festas e religiosidades em Goiás, temos alguns vestígios da agência
negra em terras goianas. As autoras discutem que os viajantes e memorialistas que andaram
pelo país, “criticaram a existência de grande quantidade” de festas no Brasil, bem como as
“formas, os personagens e a euforia das pessoas” que freqüentavam esses eventos.
Principalmente ao verem as danças dos negros ao som dos batuques, a falta de postura das
mulheres, além de acharem que aconteciam em demasia, o que atrapalhava o desempenho das
funções laborais (DEUS; SILVA, 2003, p. 15). Na verdade os viajantes viam “as festas como
expressão de um povo mestiço, inculto e atrasado” e que sofria com a crise da mineração, mas
mesmo assim não empreendia formas de sair do vigente estado de penúria (Ibidem, p. 16). O
olhar eurocêntrico fixa a cultura do outro, no tempo do atraso, da barbárie e essa interpretação
abrangeu boa parte da produção historiográfica goiana.
As festas dos negros e mestiços – escravos ou não –, eram constantes em Goiás no
século XIX. Festas como as congadas do batalhão de Carlos Magno, de Moçambique, ou as
mais solenes, como a de Nossa Senhora do Rosário, realizada pela irmandade, existente desde
o século XVIII (Ibidem, p. 17). Johann Emmanuel Pohl fala-nos de uma festa exclusiva dos
mulatos, oito dias após a festa da Semana Santa chamada de Procissão dos Pardos das Dores
de Nossa Senhora, realizada em Vila Boa, onde se “esforçariam” os mulatos para “superarem
os brancos em magnificência. Aí contrastavam estranhamente os rostos escuros das meninas
que faziam o papel de anjos” (POHL, 1976, p. 144).
Luís da Câmara Cascudo, falando do reino do congo na terra do Brasil, no seu trabalho
Made in África, cita Pohl:

que em 1819, assiste em Traíras, Goiás, a festa de Santa Efigênia, virgem preta da
Etiópia, promovida pelos pretos; cavalgadas de “negros vestidos de uniformes
portugueses”, com os animais “ornados de campainhas e fitas”, “sob constante troar
de tambores, disparos de espingarda e o sonido de vários instrumentos nacionais do
Congo”, bandeiras, aclamações, num estrepitoso regogizo que contrariava a imagem
triste daqueles fuliões serem destituídos de qualquer capacidade jurídica. A
ninguém, entretanto, ocorria a idéia de proibir-lhes a participação estrondosa ou
diminuir os recursos para a espetacular indumentária de gala.

O motivo central dessas festas, além da louvação aos oragos, era uma
exaltação às virtudes legítimas do africano na plena fruição do costume lúdico. (...)
Fatalmente haverá uma escaramuça, embate de espadas, minutos de batalha ruidosa,

35
entusiasmada, tulmutuosa. Depois, comer e beber. E danças, sem que o Tempo seja
fator ponderável no cômputo funcional da duração (CASCUDO, 2001, pp. 31-32).

Sagradas ou profanas as festas realizadas em Goiás no século XIX ajudavam a


amenizar o dia-a-dia de ansiedade por esperar. O trabalho agrícola obedece a um tempo lento,
ditado pelas estações, no caso dos trópicos, das águas e da seca. Por outro lado, o ambiente do
conflito constante entre os diversos grupos que aqui viviam necessitava de algo amenizador e
congregante, e mesmo educativo ou de resistência, e a isto se prestavam às festas (DEUS;
SILVA, 2003) e principalmente a religiosidade (MORAES, 2002).
Portanto a participação em festas não era suficiente como garantia de cidadania. Os
negros e mulatos de Goiás solicitam participação na vida pública, como funcionários da
coroa, que lhes é rejeitado pelo Conselho Ultramarino, que despacha em 1803:

(...) Devendo as Câmaras das Vilas e Cidades ser governadas pelos homens bons e
prudentes dos mais zelosos do bem público (...) os americanos pardos, quais são os
suplicantes, carecem geralmente destas boas qualidades, pois dotando-os a natureza
de espírito vivo, ardilosos e sendo muito hábeis para as artes, transcendem pela sua
vivacidade os limites da prudência, sem a qual não pode haver governo feliz.
(Arquivo do Conselho Ultramarino de Lisboa apud Palacín, 1995)

Para Palacín a falta de solidariedade, a não integração dos “homens de cor” na


sociedade colonial goiana, impossibilitou a construção de um verdadeiro povo nas terras de
Goiás (1995). A “desobediência civil” caracterizada pelo contrabando de ouro, concubinato e
ócio demonstravam a manifestação de “resistência”, de afirmação dos direitos contidos,
acabavam por atestar uma cidadania, possibilitando o desenvolvimento de uma identidade
goiana longe das amarras dos padrões de vida europeus (CHAUL, 1998).
Com a abolição da escravidão, o negro parece desaparecer da construção social,
cultural e histórica de Goiás. O silêncio quanto as culturas negras em Goiás tem sido a
característica dos estudos regionais que têm o século XX como foco. Em Sombra dos
Quilombos, Martiniano J. Silva, ao falar da influência sócio-cultural do negro em Goiás
afirma que “embora com forte percentagem da raça negra em suas terras, não é mesmo uma
unidade da Federação que conserva grandes traços da cultura africana”. Somente com o
“advento de Brasília é que alguns cultos africanos, ou afro-brasileiros, chegaram às terras de
Anhangüera” (SILVA, 1974, p. 31).
Para Martiniano “Goiás sem o elemento negro, desde o seu início, elemento esse com
o seu fetiche, sua música sensual, certos costumes originais, suas magias, o seu dengue e
calundu, não seria o que é” (Ibidem, p. 32). “O processo de mulatagem em Goiás tem sido
bastante fértil, o que não significa ter sido aceito, sobretudo nos primeiros tempos”.

36
Martiniano conclui que Goiás seria o “paraíso dos mulatos” (Ibidem, p. 26-28), baseando-se
em dados do IBGE de 1950, que de uma população branca de 703.375 pessoas, em Goiás, os
mestiços já apresentavam 384.046 e os pretos 123.298. No maior país de população negra
fora da África, os negros desaparecem das estatísticas oficiais (Ibidem).
Martiniano Silva afirma ainda a contribuição civilizadora do negro, que “participando
na economia, no tipo humano, na língua, na alimentação, no folclore, como elemento quase
sedentário da terra”, ajudou a construir Goiás. Porém, no processo de miscigenação, foi tendo
sua cultura reduzida e incorporada à civilização goiana, brasileira, desaparecendo no ambiente
moderno e liberal (Ibidem, p. 32). Para nós não haveria desaparecimento, mas sim a
reprodução de seus traços em novos reinterpretações como no caso das Escolas de Samba ou
nos grupos de Capoeira sejam regional ou angola, e principalmente nas Congadas43.
A construção de Goiânia é o marco principal da historiografia sobre o século XX em
Goiás. Transitando entre a política e a economia, mesmo nos estudos ditos culturais, o âmbito
das pesquisas se situam quase sempre sobre a oficialidade da elite dominante. Sob os
auspícios da criação do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), esta historiografia
“consagrou a Revolução e a imagem de Ludovico como uma nova etapa da história goiana.
Enfim, iniciava-se o processo de leitura da história local que fez de 1930 o marco, de
Ludovico o líder e de Goiânia a imagem do progresso” (SANDES, 2002, p. 26).
A cidade de Goiânia está encravada no centro do Brasil. Planejada, foi construída
dentro do processo de interiorização e integração da população brasileira, incentivada pela
política do governo Getúlio Vargas, chamada de Marcha para o Oeste. A revolução ou golpe
de 1930 abriu caminho para a efetivação da mudança da capital do estado de Goiás. Com sua
construção, cria-se também um mito, o de Goiânia como metáfora ou emblema de um novo
tempo, o tempo da modernidade, que se instaura no centro do país (CHAUL, 1997; UNES,
1998).
Pólo imantador de grandes levas de migrantes, receberá gente de vários estados do
país. Mesmo nascendo sob o signo da modernidade, terá uma cara realmente moderna a partir
da década de 1970, com um aumento considerável de sua população, que ultrapassará os 700
mil habitantes em 1980, de uma cidade planejada para 50 mil (CAMPOS; BERNARDES,
1991). Levando, portanto a transformação dos hábitos bucólicos de cidade do interior para
hábitos modernos de consumo, lazer e socialização (OLIVEIRA, 1999). A juventude do

43
É importante perceber que há uma concepção de cultura negra pura, autêntica, cujo modelo exemplar seria o
Candomblé baiano.

37
interior do Estado acaba se transferindo para as cidades grandes, principalmente Goiânia e
Anápolis44.
No que tange às relações raciais, Goiânia fora “tida e havida como cidade sem
racismo, democrática, onde qualquer pessoa nela „chega, enrica e sobe na vida‟, seja negro ou
branco” (BAIOCCHI, 1983, pp. 12-13). Imagem diferente encontra a pesquisa realizada na
década de 1970 por Mari Baiocchi. Ao estudar o bairro rural negro de Cedro, em Mineiros,
cidade do sudoeste goiano, seu olhar se volta para Goiânia, “centro urbano com maior
densidade populacional”. Através de um questionário que visava perceber através dos
discursos como o negro é visto em Goiás, chega à conclusão da existência de dois mundos, o
dos pretos e o dos brancos,

(...) onde as relações associativo-profissionais se caracterizam por


relações assimétricas, de dominação e sujeição, onde o negro participa
ativamente do processo produtivo, sofrendo discriminação, que lhe
dificulta inserir-se na sociedade local e usufruir os seus bens, levando-
o à marginalização como indivíduo e como grupo de cor (Ibidem, p.
12).

Através de um questionário respondido por intelectuais goianos, em geral professores


acadêmicos, Mari Baiocchi demonstrou o racismo e a discriminação que contribuíram no
apagamento da memória do povo negro em nosso estado. Para o Intelectual A: “O negro não
influenciou na cultura goiana.” Para o B, “A influência do negro na cultura goiana é mínima,
porque após o ciclo da mineração, onde existia grande número de negros, estes foram se
dissolvendo.” Para o B1, “O negro não influenciou na cultura goiana. Ele, como escravo, não
teve condições” (Ibidem, p. 14).
Ao que parece reflete por aqui a idéia da miscigenação, que acaba por negar o negro e
sua cultura em Goiás. Menos por sua obscurecida contribuição do que pela discriminação e
racismo, aspectos fundamentais da unicultura cristã-européia, símbolos do caminho a ser
seguido pela civilização brasileira. Demonstrado pelos depoimentos colhidos por Baiocchi:
Intelectual C, “A mistura racial que existe em Goiás é vista como vergonha para a sociedade.
Tolera-se. Tenho preconceito, e não me casaria com uma preta. O negro foi escravo, porque é

44
No trabalho de Carlos Brandão, Peões, Pretos e Congos, ao tratar do trabalhador negro na cidade de Goiás
durante a década de 1970, afirma que (...) Membros de várias famílias vivem e trabalham atualmente em
Goiânia. São quase sempre jovens, filhos e filhas dos casais investigados. Os homens exercem, na capital,
atividades sempre consideradas como melhores (mais qualificadas e melhor remuneradas) do que as que tinham
em Goiás. As mulheres, ou se transferiram através de casamento com pessoas de Goiânia, ou são quase sempre
empregadas domésticas. Jovens negros repetem, ao tomarem o caminho das maiores cidades do estado, a mesma
trajetória de tendência geral em Goiás. Migram em busca de mais estudo ou de um “trabalho melhor” e
raramente voltam à cidade e ao trabalho de origem. (1976, p.50)

38
inferior até hoje.” Ou ainda, o Intelectual D: “Não me casaria nem permitiria o casamento de
filhos com negros. De maneira alguma; o casamento com negro traz muitos problemas”
(Idem).
Por outro lado podemos deduzir que a continuidade da exclusão e a manutenção da
subalternização negra, tanto material como psicologicamente, também contribuiu
grandemente para sua desaparição, reafirmando a idéia de que diante de relações racistas e de
dominação o negro tendeu a se “auto-branquear” como forma de ter reconhecida sua
cidadania e dignidade.
Em Peões, Pretos e Congos, Carlos Brandão chega a uma conclusão próxima a de
Baiocchi, percebendo uma sociedade dividida, ao pesquisar as relações de trabalho e um terno
de Congo, analisando como se dariam as relações “interétnicas” na cidade de Goiás. Brandão
demonstrou em seu trabalho as formas como negros e brancos se auto definem e definem uns
aos outros:

(...) O negro de Goiás não se descobre descendente de um “povo” ou sequer de


grupos étnicos definidos, como no caso das sociedades tribais. Ele se considera
originado de “uma gente” para cuja explicação só há significados a partir do
momento em que aparece associado `a sociedade “dos brancos”. Conseqüentemente,
“ser preto” não equivale a ser ou ter sido um outro povo de uma outra raça ou de
uma outra sociedade, em algum tempo distante da “dos brancos”. Significa, ao
contrário, ter sido escravo, logo “uma gente” desvalorizada (“a negrada”) desde o
começo de sua história vivida na memória, já em Goiás, e a serviço de senhores
brancos. (...) Os brancos são aqueles que possuem os direitos da sociedade, ao passo
que o negro tem que ultrapassá-lo quanto aos seus deveres, para alcançar direitos e
privilégios aproximados. (1976, pp. 123-125)

O que prevalece são os negros nos trabalhos menos valorizados, sem qualificação e
estigmatizados. Mesmo nas artes como no caso dos “potes de barro de Goiás”, atração
turística da cidade, os negros e pobres são considerados “artesãos”, as “poteiras” não tiveram
sua vida de pobreza e marginalidade modificadas. Enquanto isso, os brancos são considerados
“artistas” e têm sua arte valorizada e reconhecida pelo Estado e até mesmo fora dele. Ao
comentar o caso de um médico negro que existiu na cidade, Brandão conclui que “quando um
negro chega aos limites do trabalho dos melhores brancos aproximam-se também da lenda”
(Idem, pp.62-63). Um trecho de uma poesia de Eduardo Dum-Dum45 parece transformar em
crônica as conclusões do estudo de Brandão:

Outro dia um tiozinho com a lata de cimento, decepcionado com a vida, dividia seus
lamentos. Envés de ta na cadeira de balanço com charuto, ta com o carrinho de
pedreiro, cheio de entulho. Foi o chamado pião que o patrão escraviza, sem férias,
registro, aposentadoria. (In: FERRÉZ (org.), p. 26)

45
Rapper do grupo paulista Facção Central, um dos grupos de rap mais ouvidos do Hip-Hop atual.

39
Faz-se necessário perceber ainda, a característica do racismo “luso-brasileiro”
enquanto “polivalente e alternativo”, “paradoxal e ambíguo”, como a própria tradição
religiosa brasileira. Ancorando-se em Abdias do Nascimento, Martiniano Silva demonstra o
caráter “dinâmico-existêncial” de nosso racismo – “um dos mais ativos do mundo” – que
tomando “as cores do camaleão” mudaria “constantemente de tática e estratégia” (SILVA,
1995, p. 24).

Estamos vendo que o racismo no Brasil é mesmo vacilante e paliado – uma de suas
maiores características é o de ser exercido em um ambiente social onde “poucos
falam e decidem e muitos ouvem” – exatamente por ser filho legítimo da “ideologia
do tato”, de onde emerge a sua modalidade mais singular e original de todas: o
“jeitinho brasileiro” das elites dominadoras harmonizarem as misérias do povo,
adiando sempre as suas já inadiáveis soluções. (Ibidem, p. 25)

Transplantado, o mito das três raças prevalece na interpretação histórica de Goiás.


Desafiando o mito abre-se caminho para outras histórias, que contestam o padrão hegemônico
branco – cultural, estético, econômico e político. Os parcos estudos que atentam para a
dinâmica racial, publicados em Goiás, e mesmo a pequena produção destes estudos, acabam
por demonstrar o caráter ambíguo de nossas relações sociais. Cujo silêncio não consegue
esconder a permanente racialização que ajuda a tecer a hierarquias sociais, e um imaginário
marcado pela subalternização do negro através de imagens mentais que foram e continuam
sendo reafirmadas através principalmente dos meios de comunicação, uma vez que estão
avalizadas pelo silêncio e invisibilidade proporcionada pela produção acadêmica. Passamos
agora a analise das imagens dos negros nos meios de comunicação em Goiás, como forma de
melhor percebermos aquilo que Hélio dos Santos chamou de “visão da sociedade”.

I.3 - A coisa já chegou preta!: o negro n’O Popular

A década de 1980 no Brasil e no mundo foi vista como uma era de incertezas.
Incertezas vindas principalmente pelas modificações gestadas no plano do “sistema mundial
moderno46”. No plano político internacional, o acirramento da Guerra Fria pela vertiginosa
expansão militar estadunidense e soviética, estabelece no imaginário mundial a possibilidade
de um fim próximo, por um provável holocausto nuclear. A corrida armamentista, entre
outros fatores, leva ao esgotamento do modelo de estado socialista soviético. Adão e Eva

46
Conceito de dimensão espacial, baseado na expansão capitalista européia e posteriormente estadunidense e
suas relações com o mundo colonial. (MIGNOLO, 2003).

40
estabeleceram o paraíso, “Greed is good” (A ganância é um bem!). Princípio fundamental da
lógica neoliberal, a ganância acaba ditando as regras do mundo sob a égide do mercado livre e
avassalador, baseado principalmente na especulação monetária, e na valorização de ações no
mercado. Aliada a um incomensurável desenvolvimento em microeletrônica e nanotecnologia,
bem como da genética, da farmo-química, entre outros avanços tecnológicos, contribui para
uma distribuição cada vez mais desigual dos lucros e excedentes de produção e com uma
maior exploração de poucos sobre muitos.
A configuração geopolítica não está polarizada entre “Primeiro” e “Segundo” mundos,
nem entre ocidente e oriente, as interpenetrações e trocas se dão, sobretudo em níveis
comerciais. Segundo dados do “Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das
Nações Unidas”, de 2000,

(...) a disparidade de renda entre países mais ricos e os mais pobres, que era da
ordem de 3 para 1 em 1820, atingiu 44 para 1 em 1973, chegou a 72 para 1 em 1992
e está atualmente ao redor de 80 para 1. (...) os duzentos maiores multimilionários
do planeta acumularam juntos uma fortuna de 1, 113 trilhão de dólares em 2000, (...)
por outro lado, toda a população somada dos países do Terceiro Mundo, seu total de
renda chega a apenas a 146 bilhões, o que representa menos de dez por cento do
montante controlado pelos duzentos maiores bilionários (SEVCENKO, 2001, p. 43).

Para alguns os rumos para uma homogeneização cultural estava em curso,


principalmente com a desestruturação do “mundo socialista”. De um mundo bipolar, passava-
se a um mundo unipolar. Chegava-se ao “fim da história”, tendo a lógica liberal, em seu novo
corolário, “neoliberal” vencido o rival “comunismo” e o “marxismo”47. A era da
“globalização” não deixou de ter polaridades visíveis. Se durante a “Guerra Fria” a
polarização se deu entre capitalistas/socialistas (ou comunistas), com o “fim da história”, a
polarização se firmou entre ricos e pobres.
No caso da América Latina a influência estadunidense é sentida menos pela
intervenção militar direta do que pelos efeitos de sua “hegemonia cultural”, os vínculos
latino-americanos, econômicos e culturais com a Europa diminuíram e em contrapartida a
influência dos Estados Unidos aumentou consideravelmente. Segundo Nestor Canclini, “os
intercâmbios culturais entre os Estados Unidos e a América Latina ocorrem mais nas
indústrias de comunicação do que na literatura, nas artes visuais ou na cultura tradicional”
(1999, pp.19-21). A americanização do mundo é uma perspectiva ainda corrente nas análises

47
Dentro deste contexto é interessante lembrar do regime de apartheid na África do Sul, que vigorou até os anos
de 1994, criando zonas separadas para negros e brancos, ficando a minoria branca nos lugares em que o
progresso econômico e o bem estar social eram visíveis, enquanto a maioria negra vivia e vive segregada em
guetos sem infra-estrutura básica e altas taxas de violência para a contenção da massa “bárbara”. Interessante
ainda é poder verificar similaridades com as favelas brasileiras e o lugar do negro no Brasil.

41
da chamada globalização da cultura, “o estilo de vida americano” é encarado como uma
“força homogeneizadora corrosiva, como uma ameaça à integridade de todas as
particularidades” (FEATHERSTONE, 1997, p. 124).
Featherstone assinala uma “maior percepção da pluralidade da história” com as
criticas do pós-modernismo as teorias da modernidade. Foi contestado principalmente a
“força universalizante”, normatizadora das teorias da modernidade, a natureza construída da
História. Para este autor a tentativa de construir uma história global única “torna-se
incomensuravelmente complicada”, e ao se contestar a principal categoria das teorias de
modernidade – o “progresso” – gerou uma perspectiva de que a história não é apenas
“temporal ou cronológica, mas também espacial e relacional”. Nos últimos quinhentos anos e
acelerando mais nos fins do século XX e inicio do XXI, houve uma cada vez maior
“densidade dos intercâmbios”, um “aumento da intensidade de uma ampla variedade de fluxos
culturais, que tem tornado os encontros transnacionais mais freqüentes” e que, no entanto não
significou “maior tolerância e cosmopolitismo” (Ibidem, pp. 126-129).
A mídia é um dos principais meios pelos quais essas trocas são realizadas. Os meios
de comunicação acabam sendo agentes importantes na mediação da relação entre seus
públicos e essas transformações ocorridas. A imprensa especificamente, e a mídia em geral,
desempenham um papel importante na comunicação entre os homens como meio de
informação e entretenimento. Sua importância e as conseqüências sócio-culturais para o
mundo moderno ocidental, já há algum tempo, têm se tornado freqüente nos trabalhos
científicos. Segundo Maria Helena Capelato – ao discutir a imprensa como objeto da história
– a historiografia mais recente redefiniu o significado do documento para a história, tendo
amenizado e até mesmo excluído as “suspeitas” contra a imprensa enquanto objeto de estudo
da mesma (1988, p. 20).
Essa mudança de postura seria fruto de um esforço dos historiadores contemporâneos
que, ao repensarem “problemas, abordagens e objetos da história”, questionaram as
concepções tradicionais, redimensionando até mesmo a idéia de passado. Passado admitido
como construção e reconstrução a partir das necessidades e perspectivas do presente. A
imprensa passaria, no entanto, a estar habilitada a ser documento, inserida tanto como
abordagem, quanto como objeto da história. A esse respeito nos diz Capelato:

É em função da vida que se interroga os mortos. Compete, pois, aos historiadores


fazer reviver as personagens do passado, procurando entendê-las na sua época. Com
essa nova postura, a história morta cede lugar a uma história viva que se propõe,
como meta, captar as transformações dos homens no tempo. A imprensa oferece
amplas possibilidades para isso. A vida cotidiana nela registrada em seus múltiplos

42
aspectos permite compreender como viveram nossos antepassados – não só os
“ilustres” mas também os sujeitos anônimos. (Idem, p. 20)

Aqui é necessário pensar na escrita como domínio, poder. Relativizando a situação de


privilégio do jornal em relação aos leitores. Levando-se em conta que a leitura é sempre
determinada pelo lugar ocupado por um leitor na sociedade num dado momento histórico.
Na análise da escrita e das imagens publicadas no jornal O popular entre 1983 a 1996,
procuramos perceber os lugares dos sujeitos dentro do embate político existente no período
das publicações. Procuramos verificar o lugar do grupo afro-descendente no discurso do
jornal neste período, como o negro foi apresentado e representado no jornal O popular? Este
embate se deu em um contexto marcado pela transição gradual do militarismo ditatorial para
uma democracia participativa, e a importância dos movimentos sociais e das agendas postas
por eles no sentido de construir uma sociedade democrática.
Duas charges publicada n‟O popular48, na passagem entre os anos de 1983 e 1984 nos
chamaram a atenção. Tais imagens traziam um sistema de conotação que confirmariam o seu
caráter simbólico – segundo Barthes este sistema seria aquele que adota os signos de outro
sistema, para deles fazer seus significantes. No entanto, os conotadores na imagem são
“traços descontínuos”, ou melhor, “erráticos”, assim, “nem todos elementos da lexia podem
ser transformados em conotadores, resta sempre no discurso uma certa denotação, sem a qual
o discurso simplesmente não seria possível” (1990, pp. 27-43). No caso dessas duas charges,
o determinante sintagmático seriam as projeções para o novo ano que chegava, o ano de 1984.
Em geral, espera-se um ano novo melhor do que o que passou. Como diz a canção
performática popularizada: “Feliz ano novo, adeus ano velho; Que tudo se realize no ano que
vai nascer; Muito dinheiro no bolso; Saúde pra dar e vender”.
Porém, as estatísticas e ações do governo militar do General João Batista Figueiredo,
sobretudo relacionadas à economia, demonstravam que o dinheiro seria escasso. Governo cuja
política econômica era baseada na doutrina do milagre econômico, onde o crescimento
econômico era uma meta a ser atingida a qualquer custo. A política econômica, do Ministro
Delfim Neto, baseava-se em alternativas de endividamento externo. Em 1981, a dívida
externa chegava a “US$ 61,4 bilhões” com um serviço de mais da metade do valor das
exportações, em torno de “US$ 7 bilhões” e atingindo uma inflação de “110%” ao ano. Para
combater essas taxas, a indexação e desvalorização da moeda foram utilizadas (SKIDMORE,
1988, p. 48). Com a finalidade de manter o crescimento, novo empréstimo com o Fundo
Monetário Internacional é acertado, e em janeiro de 1983 é assinada uma “carta de intenções”

48
Jornal das Organizações Jaime Câmara, afiliada do Sistema Globo de Comunicações em Goiás.

43
na qual o governo brasileiro “se comprometia a cumprir metas especificadas de política fiscal
e monetária, assim como de política cambial e tarifária”. Tornava-se prática, a velha “fórmula
ortodoxa” de “reduzir a taxa de expansão da base monetária, apertar o crédito, diminuir o
déficit do setor público, fazer desvalorizações mais freqüentes, eliminar subsídios e restringir
aumentos salariais” A crise aprofundava gerando falências de empresas, o aumento do
desemprego e o crescimento da dívida externa. Em 1983, a inflação ultrapassou os 200% ao
ano, criando uma conjuntura econômica bastante grave (Ibidem, pp. 459-460; SEVCENKO,
2005, pp. 52-55).
Dentro desse processo de crise econômica, o chargista do jornal buscou expressar a
mudança do ano, através da simbologia da doença, no caso da charge de 31 de dezembro e 01
de janeiro:
Imagem 1
Charge Fróes49

Na primeira charge, o ano de 1984 é conotado como uma criança branca doente,
enquanto o ano de 1983 – o ano “velho” – na forma de um ancião sai de cena. Enquanto
doente aquele ano poderia se curar. A doença, um fardo, mas que pode ser extirpado. E as
crianças brancas têm sido mais atendidas pela rede de saúde pública e privada:

Os sensos demográficos de 1960/1980 do Brasil revelam que, em 1960, para cada


mil crianças brancas nascidas, 105 morriam antes de completar um ano de idade,
enquanto de cada mil crianças negras nascidas, 148 morriam antes de completar um
ano. Isso significava que, em 1960, para mil crianças, as mães negras perderam 43
crianças a mais que as mães brancas (Cadernos Geledés, s.d. Apud ALBERTO,
1998, p. 66)

Esta realidade pouco mudou:

49
Jornal O popular, Goiânia, 31 de dezembro de 1983 e 01 de janeiro de 1984, p. 2.

44
Segundo a PNAD/IBGE de 1996, a taxa de mortalidade infantil das crianças negras
era, em meados dos anos 1990, 71% maior que entre as crianças brancas, e a taxa de
mortalidade de crianças menores de 5 anos de crianças negras era 67% maior que a
mesma taxa entre crianças brancas. (PAIXÃO, 2003, pp. 78-79)

Já na charge do dia 03 de janeiro, o ano novo ruim é conotado por uma criança negra.
O indivíduo que se depara com a imagem da criança negra, espantado, expressa uma
mensagem lingüística: A coisa já chegou preta!

Imagem 2
Charge Fróes – A coisa já chegou preta!50

Retomando mais uma vez Barthes, poderíamos dizer que “toda imagem é polissêmica
e pressupõe, subjacente a seus significantes, uma „cadeia flutuante‟ de significados, podendo
o leitor escolher alguns e ignorar outros”. Desta forma a mensagem lingüística se torna uma
técnica destinada a fixar um sentido escolhido a priori. Uma fixação moral e ideológica,
expressão de uma sociedade. A mensagem poderia ainda ter uma função de relais, onde “a
palavra e a imagem têm uma relação de complementaridade; as palavras são, então,
fragmentos de um sintagma mais geral, assim como as imagens, e a unidade da mensagem é
feita em um nível superior: o da história, o da anedota, o da diegese.” Esta função traria ao
leitor uma mensagem menos “trabalhosa” (1990, p. 32-33). Segundo Sandra Pesavento
(...) as imagens estabelecem uma mediação entre o mundo do espectador e o do
produtor, tendo como referente a realidade, tal como, no caso do discurso, o texto é
mediador entre o mundo da leitura e o da escrita. Afinal, palavras e imagens são
formas de representação do mundo que constituem o imaginário (2003, p. 86).

50
Jornal O popular, Goiânia, Terça, 3 de janeiro de 1984, p. 2.

45
O imaginário que se apresenta na imagem da criança da charge do dia 03 de janeiro 51,
é o “fardo” da cor. No Brasil, quanto mais escura for a pele, ou mais crespo o cabelo,
certamente mais fora da participação social, menos em pé de igualdade com aqueles de pele
mais clara. Apesar dos dados quantitativos, vários intelectuais ou correntes acadêmicas
teimam em estabelecer simplesmente uma discriminação social conforme apresentado no
primeiro tópico deste capítulo. Ao interpretar estas imagens no âmbito da
modernidade/colonialidade, podemos perceber como a fixação do significado conotado na
charge do dia 03 de janeiro, representa um processo de epidermização do individuo negro.
Conforme Frantz Fanon este processo é uma “sobredeterminação do exterior”, a partir da
“aparência”. Processo em que o outro, o branco, sujeito, representante legítimo e natural da
civilização moderna ocidental, aprisionou os negros em um “círculo infernal” de rejeição
baseado no “preconceito de cor” (1983, pp. 101-105). A partir de sua própria experiência
Fanon apresenta como se dá a fixação dos estereótipos de inferioridade ao homem negro:

(...) fui concebido no irracional... Irracional até o pescoço. (...) Magia Negra,
mentalidade animal, tudo isso corre para mim. Tudo isto caracteriza povos que não
acompanharam a evolução da humanidade. Tratava-se, se preferirem, de uma
humanidade aviltada. Simples nas nossas manifestações. É que o corpo para nós não
se opõe àquilo que vocês chamam de espírito (1983, p. 105).

Assim, a noção de “colonialidade do poder” é acionada para pensar essa fixação de


estereótipos negativos para com as populações de cor no mundo moderno. Identificada com o
capitalismo e sua consolidação na Europa nos séculos 15 a 18, para Aníbal Quijano, esta
noção implica e se constitui por meio da “classificação e reclassificação da população do
planeta” e da construção de uma “estrutura funcional institucional para articular e administrar
tais classificações”. Definindo “espaços adequados a esses objetivos” (escolas, igrejas, meios
de comunicação etc.), mas principalmente uma perspectiva epistemológica para articular o
sentido e o perfil da nova matriz do poder. A partir da qual foi canalizada a nova produção do
conhecimento moderno e ocidental (Apud, MIGNOLO, 2003, pp. 40-42).
O mais importante é perceber como a construção da alteridade, dentro do discurso do
colonialismo, dependeu do conceito de “fixidez”, enquanto signo da “diferença
cultural/histórica/racial”. A fixação estabelece uma “representação paradoxal”, uma vez que
“conota rigidez e ordem imutável como também desordem, degeneração e repetição
demoníaca”. O estereótipo emerge no discurso colonial como a “principal estratégia
discursiva”, sendo inclusive e, portanto, uma forma de “conhecimento e identificação” que

51
Jornal O popular, Goiânia, Terça, 3 de janeiro de 1984, p. 04.

46
emerge no processo colonial, mas o ultrapassa estando presente no âmbito do “pós-colonial”
(BHABHA, 1998 p. 105). Pois, “(...) o colonialismo de fato nunca foi extinto, só passou de
mãos estrangeiras para o domínio local, continuando a servir aos mesmos propósitos de
exploração econômica e expropriação predatória de recursos naturais" (SEVCENKO, 2001, p.
51). É importante levar em conta que

(o) discurso racista estereotípico, em seu momento colonial, inscreve uma forma de
governamentalidade que se baseia em uma cisão produtiva em sua constituição do
saber e exercício do poder. (...) em que o espaço “ideológico” funciona de maneiras
mais abertamente coniventes com exigências políticas e econômicas (Idem, ibidem,
pp. 127-128).

A exploração econômica se deu basicamente a partir da inferiorização do outro. O


processo de racialização da diferença concretizado durante o século XIX perdurou mesmo
com a negação de raça como categoria sociológica para se estudar a história do Brasil. Os
atributos negativos incorporados aos afro-descendentes, bem como as comunidades indígenas,
e a inferiorizarão de toda suas manifestações sejam políticas ou culturais, éticas ou estéticas,
demonstram como o corpo negro “veicula um tipo de código moral e estético determinado,
sobretudo, por seus traços externos” (FONSECA, 2000, p. 90), nascido dentro dos processos
de colonização e expansão do capital que prevalecem nas sociedades pós-coloniais.

(...) Mesmo no Brasil atual, as desigualdades sociais que poderiam ser explicadas
por um ponto de vista econômico são justificadas como características de uma
inferioridade racial. A visão de que os negros têm condições de vida piores porque
carregam o peso da escravidão é voz corrente, e esse dado histórico transforma-se
em estigma, em marca indelével que transforma cor em maldição. Negro e negrura
delineiam-se por traços diferenciadores construídos por um discurso legitimado
como verdadeiro (Idem, ibidem, p. 102).

A legitimação da diferença produzida pelo grupo hegemônico se dá por meio não só


da mídia escrita, mas nas novelas52, na literatura53 e pela produção de saberes em geral, que
negam a existência de racismo no Brasil, ou, quando afirma sua existência, procura explicar
as desigualdades raciais pela diferença de classe, como um problema social e econômico. A
perspectiva de uma sociedade mestiça e essencialmente brasileira, onde não caberiam
polarizações entre brancos e negros é acionada para amenizar possíveis contestações da
democracia racial.

52
Cf. ARAÚJO; A negação do Brasil, 2000. Um estudo ímpar que demonstra a insistência no ideal de
branqueamento, e no desejo de “euro-norte-americanização” da indústria cultural brasileira, reforçando uma
identidade racial negativa, através imagem depreciativa do negro.
53
Cf. por exemplo GUIMARÃES, 1998; SILVA, 1974.

47
Uma publicidade do Departamento Estadual de Trânsito, no jornal O Popular de 01 de
janeiro de 1986, trazia em destaque a seguinte frase: “O negro mais amado de Goiás”. A
propaganda divulgava a pavimentação asfáltica que o governo do estado havia realizado em
1985. Por outro lado, publicisava o “negro” que era amado aqui. Não o ser humano de pele
mais escura, mas sim o asfalto, símbolo da modernidade urbanística, do “bem estar” e do
“progresso”. Porém, os atributos de progresso não se identificam com o negro dentro do
discurso racista. O lugar do negro é baseado na construção do mundo social e da nação, que
lhe impõe um lugar desprestigiado, e os clichês visuais servem para julgar, qualificar e
posteriormente nomear, tornando-se clichês verbais de negativização.
Imagem 3 Imagem 4
O negro mais amado de Goiás54 Tem filho que ainda nem achou mãe55

Não nos resta dúvida dos efeitos traumáticos produzidos por aquilo que Nelson
Inocencio chama de “via de mão única”:

Primeiro porque a violência racial exerce duas maneiras distintas de coerção. Uma
física e irrefutável, outra simbólica e questionável. No plano da estética esta coerção
simbólica produz uma crise esquizofrênica na mente negra, que anula qualquer
resquício de auto-imagem positiva que nela possa haver (INOCENCIO, 1999, p.
30).

A outra peça publicitária veiculada no dia 13 de maio de 198856, aos cem anos da
abolição da escravidão. Relacionou três temas, o dia das mães, a abolição da escravidão e a

54
Jornal O popular, Goiânia, 01 de janeiro de 1986, p. 13.
55
Jornal O Popular, Goiânia, 13 de maio de 1988, p. 16.

48
questão dos meninos de rua. Nela se reforça o estigma do negro. Alimenta-se uma imagem
negativa ao apresentar uma criança negra sem mãe. Segundo Ana Valente e Neusa Gusmão, o
problema de todo grupo discriminado seria a modificação de sua auto-imagem (1988, p. 139).
Por isso é importante uma reconstrução histórica que valorize o grupo negro no Brasil.
Reescrever a história do Brasil a valorizando as agências negras. Desde as lutas da Frente
Negra Brasileira, passando pelo Teatro Experimental do Negro, pela produção quase anônima
de intelectuais negros como o sociólogo Guerreiro Ramos e a historiadora Maria Beatriz do
Nascimento, à construção do Movimento Negro Unificado Contra o Racismo, em 1978, esta
reconstrução tem sido uma proposta seminal.
Tardiamente mas ainda a contento, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
foi modificada. Com a Lei Nº. 10.639, de janeiro de 2003 se estabeleceu a obrigatoriedade do
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira no ensino fundamental e médio. Incorporando
ao Estado brasileiro uma reivindicação dos movimentos negros, conquistada por suas ações
constantes e irredutíveis ao longo do século XX. No Programa de Ação do MNU, aprovado
em seu IX Congresso Nacional em março de 1990, salientava-se uma educação voltada aos
“interesses do povo negro e de todos os oprimidos”. A finalidade dessa educação estava em
demonstrar que o negro era e é “Gente na História”, a fim de que se pudesse percebê-lo como
“Agente da História”. Estabelecia assim a necessidade de

- Desenvolver projetos autônomos de alfabetização, tendo como base a questão


racial. – Mobilizar o povo negro para, junto com o MNU, criar escolas alternativas
onde o ensino formal esteja associado à história e à cultura do negro brasileiro. –
Elaborar um currículo afro-brasileiro para as escolas alternativas e como subsídio
para as escolas formais. Estimular a produção de material didático anti-racista, em
especial para os cursos de Magistério e Pedagogia. – Desenvolver projetos para
crianças e adolescentes onde a educação e a cultura sejam enfocadas como forma de
resistência, organização e resgate da negritude. – Desenvolver, orientar e ministrar
cursos, palestras, seminários dirigidos à comunidade escolar 57.

Além do mais uma agenda de luta foi estabelecida: “contra a discriminação racial nas
escolas e por melhores condições de ensino”, pela “inclusão da disciplina História da África e
do Povo Negro no Brasil nos Currículos Escolares”, “por um ensino voltado para os valores e
interesses do povo negro e de todos os oprimidos” e “por um Ensino Público e Gratuito em
todos os níveis”58.

56
Imagem 4.
57
Retirado do Programa de Ação do MNU, Aprovado no IX Congresso Nacional em Belo Horizonte, 13 a
15/04/1990. In: Documentos Básicos do MNU, Salvador – Bahia – 1992, pp. 04-24.
58
Idem.

49
O Movimento Negro Unificado surgiu nos fins da década de 1970, segundo Sérgio
Costa foi “uma espécie de denominação coletiva dos muitos grupos anti-racistas, (...)
difundidos pelo país”, que coincidiu com “o fortalecimento da ampla frente social por
democracia que incluía setores tão diversos da sociedade quanto as correntes progressistas da
Igreja católica, o movimento sindical de esquerda” e os vários atores que se auto-
denominaram sociedade civil na transição do governo militar ditatorial para uma
“democracia”. O MNU, para Sérgio Costa, diferenciou-se das outras organizações anti-
racistas negras surgidas durante o século XX no Brasil, como a Frente Negra Brasileira e o
TEN (Teatro Experimental do Negro)59, ao se constituir como um movimento popular e
democrático (2006, p. 144).
Em Goiás, até o início dos anos 1990, os meios de comunicação pouco ou quase nada
noticiaram sobre a organização e a luta do povo negro. Os artigos e ensaios de Martiniano
Silva, advogado, historiador e ativista do movimento negro, são quase as únicas aparições do
discurso da política contracultural negra na esfera pública. Em geral, os artigos e imagens se
restringiram a momentos como o 13 de maio e o 20 de novembro.
Imagem 5 Imagem 6
Kàteca – 14/05/198860 Kàteca – 15/05/199361

As tiras de Kàteca, o personagem “índio”, do quadrinista Britvs, muitas vezes mesmo


querendo denunciar acabaram reproduzindo imagens depreciativas do negro. Fato que levou a
59
Para um maior aprofundamento sobre a história das organizações negras no Brasil durante o século XX, cf.
por exemplo NASCIMENTO, 2002 e NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2000. Em especial no caso do MNU
ver JESUS, 1999 e CARDOSO, 2002.
60
Jornal O Popular, Caderno 2. Goiânia, 14 de maio de 1988, p. 4B.
61
Jornal O popular, Caderno 2. 15 de maio de 1993, p. 4B.

50
uma ação contra o quadrinista e o jornal, movidos pelo Movimento Negro de Goiás62.
Percebemos que a partir de 1993 nas datas de 13 de maio, ou 20 de novembro, as tiras de
Kàteca não apareceram no jornal63.
Conforme Nelson Inocêncio os clichês visuais são uma das extensões mais eficazes do
“poder branco”, cujo padrão estético nega o caráter multirracial do país. Conseqüência deste
discurso visual acabam sendo os clichês verbais. “Antes a diferença é vista e julgada,
posteriormente ela é qualificada e, em última instância, ela é nomeada. Neste caso, as falas
coloquiais são resultantes das leituras visuais” (1999, pp. 28-30). Daí, a profusão e
incorporação no imaginário de adágios depreciativos como: “A coisa tá preta!”, “Preto
quando não caga na entrada, caga na saída” ou ainda, “Serviço de preto”.
O jornal O Popular de 13 de maio de 1988 traz à capa em destaque um quadro
expondo o protesto do MNU no Rio e sua pregação sobre a reflexão do papel do negro em
nossa sociedade. Dada a repercussão e o tamanho da aglutinação alavancada pelo movimento
negro no país, o silêncio é quebrado.

Imagem 7
Protesto do MNU64

A ampliação da esfera pública negra, mesmo lenta e gradual, acaba sendo contestada
pela dissimulação. A legenda da foto do protesto põe em dúvida a existência de racismo no
Brasil: “O protesto público do MNU contra o racismo que diz ainda existir no País”. O
discurso do jornal coloca o MNU numa posição de inventora de uma prática não existente no
país. Para a linha editorial do jornal o racismo seria algo inconcebível e sua existência se daria
principalmente pelos negros se sentirem inferiores e se auto-discriminarem.
62
Essa informação nos foi passada em uma conversa informal com Aluisio “Mr. Black” e reafirmada por Carlos
Alberto “Guaraná”, mestre de capoeira angola e ex-militante do MNU.
63
Infelizmente não buscamos maiores comprovações a respeito da ação e de seus desdobramentos. O que
sabemos é que o quadrinista continua desenhando suas tiras para o jornal.
64
Jornal O Popular, Goiânia, 13 de maio de 1988, capa.

51
Nesta mesma edição o jornal pública na capa do Caderno 2, a matéria “Comemoração
de mentiras” em que publicisava a Sessão Especial da Câmara dos Deputados de Goiás: “100
anos de abolição da escravidão no Brasil”. A reportagem apresentava o contraponto
representado pelo MNU que afirmava a persistência do racismo e a conseqüente
“marginalização social” da população negra no Brasil e em Goiás 65. Em um quadro destacado
da matéria, intitulado: “Reflexões divergentes”, apresentam a visão “divergente” de cinco
negros presentes à sessão - quatro mulheres e um homem66 -; na ordem que seguem foram
publicados e analisados os depoimentos e analises dos entrevistados.
Dona Maria Raimunda de Jesus, de 54 anos, abre o texto dizendo acreditar na
“liberdade” advinda com a Abolição. Dona Maria ressalta que a discriminação existe, mas era
mais no tempo do cativeiro, atualmente segundo ela havia diminuído e a própria sessão
demonstrava essa mudança de comportamento em relação aos negros67. Silvani Silva,
integrante do MNU, 22 anos, “diverge” de Dona Maria ao afirmar que só sessões e
comemorações não adiantariam. Se não houvesse reflexão “sobre a falta de oportunidade dada
ao negro de legislar em causa própria”. Silvani apontava que na mesa da Sessão não havia
nenhum representante do Movimento Negro. A garota Patrícia Alves de Sal, oito anos, conta
ao jornal uma história de discriminação ocorrida em sua escola. Ela foi insultada como preta,
e diz à reportagem que quando crescer queria ser professora para ensinar aos alunos a não
xingar uns aos outros68. Outra voz que surge mediada é a de Ana Maria Souza, que critica o
reduzido número de parlamentares que dos 41, apenas 15 compareceram a sessão, e apontava
que ao analisar os discursos realizados na sessão “nos mínimos detalhes”, os “resquícios de
racismo” poderiam ser notados. Por fim apresentou as impressões do mensageiro Valdivino
Monteiro Camargo, conhecido como “pelezinho”, que segundo a matéria respondia “com
humor” as “brincadeiras” que faziam como a pergunta: “tá gostando da comemoração do seu
dia? (…) O que é isso todo dia é o meu dia”. Valdivino confessava ao jornal que nunca havia
sofrido “discriminação pelo fato de ser negro e que acha que é o próprio negro que
discrimina”. Para Valdivino o negro devia lutar para conquistar seu espaço e não ficar parado
e “com vergonha da cor”69.
Fechava-se a matéria reafirmando a não existência de racismo. O depoimento de
Valdivino Monteiro confirma um discurso recorrente, de que o negro é racista contra ele

65
Caderno 2. In: Jornal O Popular, Goiânia, 13 de maio de 1988, capa.
66
Algo apenas percebido e necessário de estudos futuros é a presença quase majoritária de mulheres no
movimento negro em Goiás.
67
Caderno 2. In: Jornal O Popular, Goiânia, 13 de maio de 1988, capa.
68
Idem.
69
Idem.

52
mesmo e reafirma o primeiro depoimento de Dona Maria de que a discriminação já não
haveria como antes70. A introjeção de atributos inferiorizantes seria uma conseqüência do
“racismo cordial” brasileiro? Conforme Hélio Santos “o trabalho é o primeiro e grande
parâmetro de todos os negros que vieram ou nasceram aqui” e “só se trabalhou, pouco viveu”,
e ainda assim são a maioria dos desempregados como já dito e mesmo o estudo não pode ser
tratado como um “passaporte seguro para o sucesso” da população negra (2001, pp. 159-160).
Ser “o maior inimigo de si mesmo” acaba por ser um argumento falso, já que, segundo Hélio
Santos, seria “impossível o negro ser o maior adversário dos demais negros até porque não
tem poder” (Ibidem, p. 163). Nesse sentido é necessário empreender uma perspectiva que leve
em conta e perceba a questão do “racismo” e do “anti-racismo”.
Segundo Larkin Nascimento ainda hoje “é comum lançar contra os movimentos
negros e as políticas antidiscriminatórias a acusação de racismo às avessas”, da mesma forma
com que a assunção da “identidade da Negritude”71 foi considerada como “racismo anti-
racista” e posteriormente como “racialismo anti-racista” (2003, p. 52). A discussão renovada
faz ressurgir o conceito de “racialismo”, derivado de uma linha de pensamento sociológico
inglês e retomado por Anthony Appiah. Segundo este autor “racialismo” é uma das doutrinas
que têm competido pelo termo “racismo” e cuja visão seria a

(...) de que existem características hereditárias, possuídas por membros de nossa


espécie, que nos permitem dividi-los num pequeno conjunto de raças, de tal modo
que todos os membros dessas raças compartilham entre si certos traços e tendências
que eles não têm em comum com membro de nenhuma outra raça. Esses traços e
tendências característicos de uma raça constituem, segundo a visão racialista, uma
espécie de essência racial; e faz parte do teor do racialismo que as características
hereditárias essenciais das “Raças do Homem” respondam por mais do que as
características morfológicas visíveis – cor da pele, tipo de cabelo, feições do rosto –
com base nas quais formulamos nossas classificações informais (1997, p. 32).

Essa linha de raciocínio segundo Larkin Nascimento, tende a distinguir o “racialismo”


do racismo. Para ela o racismo é um “conjunto de mecanismos discriminatórios institucionais
que perpetuam as desigualdades raciais” (2003, p. 52). Sendo assim a distinção não se
sustenta,

“(...) porque as teses racistas de cunho biológico são apenas a expressão de uma
etapa do processo ideológico do supremacismo branco, que se desenvolve bem antes
da formulação científica do critério biológico e mantém sua coerência por vários
tempos de mutação. (...) Este se sustenta por meio de uma trama mais ampla de

70
Idem.
71
Segundo Larkin Nascimento (2003, pp. 51-52) Negritude foi um “movimento anticolonialista de intelectuais
africanos e antilhanos de língua francesa liderado pelo então futuro governador de Martinique, Aimé Césaire,
pelo poeta Leon Damas e pelo futuro presidente de Senegal, Léopold Sédar Senghor". Cf. também MUNANGA,
1988 e NASCIMENTO, 2002.

53
representações que envolvem, sim, o legado das noções biológicas de raça. Esse
legado mantém seu impacto, de forma inconsciente, mesmo após a desmoralização
do racismo biológico como conceito científico” (Ibidem, p. 53).

A mesma conclusão de Florestan Fernandes acerca do “preconceito de ter


preconceito”72 serve para a realidade retratada através das notícias vinculadas pelo jornal de
maior circulação no Estado de Goiás. Resta acrescentar a ressalva de Carlos Hasenbalg (1979,
p. 261): “o preconceito de não haver discriminação”.
Este material analisado acaba por demonstrar o quanto à esfera pública acaba sendo
um espaço interditado à população negra. A produção de conhecimento e informação de
maior circulação são realizadas por terceiros, que acabam por eufemizar ou reproduzir
estereótipos. A aparição ou menção à população negra e as suas questões mais pertinentes
ocorrem nas efemérides, e acabam por repetir a afirmação de Silvani Silva na mesma matéria
acima mencionada73, de que após o centenário não se falaria mais sobre o negro e seus
dilemas.
A discussão e publicidade das questões do negro no Brasil acabam por serem
desenvolvidas em uma esfera pública alternativa, que acaba por extrapolar as interdições do
“supremacismo branco” presente na realidade sócio-política brasileira. Não encontramos no
jornal notícias quanto à marcha pela igualdade racial e o fim do racismo organizada pelos
movimentos negros no Brasil no dia 20 de novembro de 1995, em alusão aos trezentos anos
da morte de Zumbi. Nem nos dias que antecederam a marcha ou após não houve menções à
mobilização significativa realizada em Brasília. Uma comissão de representantes das
entidades organizadoras da marcha foi recebida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Neste encontro foi decretada a instauração de um grupo Internacional “com a finalidade de
desenvolver políticas para a valorização da População Negra”74.
Acreditamos que perceber a produção da cultura hip-hop em Goiás, dentro de um
contexto marcado pelo racismo e pelas lutas anti-racistas, faz-se necessário para entendermos
o processo de ampliação da esfera pública e constituição de uma esfera pública negra no
Brasil e em Goiás. Estando atentos a transnacionalidade do anti-racismo e principalmente na
sua “idéia de raça” enquanto socialmente construída, “não-biológica”. Concepção assumida e
formulada pelo movimento negro “antes que a sociologia chegasse a este conceito teórico”
(LARKIN NASCIMENTO, Ibidem, p. 65).

72
SCHWARCZ, 2000, p. 13.
73
Caderno 2. In: Jornal O Popular, Goiânia, 13 de maio de 1988, capa.
74
Cf. http://www.irohin.org.br/ref/docs/doc03.doc, acesso em 18/07/2007.

54
A circulação de idéias contra-hegemônicas tem conseguido amplitude principalmente
por meio da música e da produção e consumo de bens culturais. Estas trocas e interações têm
mediado à construção de “novas etnicidades”. As “novas etnicidades” não remetem a uma
nacionalidade, nem representam uma ontologia essencialista. Categoria cunhada por Stuart
Hall ao analisar as lutas anti-racistas na Inglaterra, influenciado pelo pós-estruturalismo e
pelos estudos de gênero afirma o fim do sujeito centrado, enquanto uma totalidade positiva.
No lugar do ser, o devir, o tornar-se. No lugar da identidade, a identificação. Isto, segundo
Hall acaba forçando o movimento anti-racista a deparar-se com a questão da différrance, e no
lugar de limitar a representar positivamente aquele que é representado como inferior, é
necessário desmontar o próprio “sistema de representações”. As representações sendo
percebidas como “momento constitutivo das relações sociais”. O instrumento utilizado pelos
movimentos anti-racistas para o desmonte do “sistema de representações” hegemônico é a
“política de representações”. Política que consiste em “assumir plenamente a heterogeneidade
e o descentramento do sujeito, buscando a diferença múltipla no inteiro da diferença binária
(branco/preto), além de recuperar as interseções entre raça, classe, gênero e etnia” (COSTA,
op. cit., pp. 112-113). Neste sentido procuramos estudar como a cultura hip-hop a partir da
experiência goiana têm contribuído na luta por reconhecimento da população negra e na
ampliação da esfera pública negra.

55
CAPITULO II
B. BOYS NA “ROÇA ASFALTADA”: quebrando
estereótipos

Não é nada novo declarar que para nós a música, o gesto e a


dança são formas de comunicação, com a mesma
importância que o dom do discurso. Foi assim que
inicialmente conseguimos emergir da plantation: a forma
estética em nossas culturas deve ser moldada a partir dessas
estruturas orais.
Edouard Glissant

O que o Hip Hop indicou, visualmente, verbalmente, rítmica


e corporalmente foi que não pretendia ficar circunscrito a
sua comunidade de origem, que era um movimento que
vinha para mudar dentro e fora, para interferir e
transformar visões, para disseminar-se e impregnar outros
jovens e assegurar a inclusão do corpo no discurso político-
social.
Regina Miranda

Os "marginais" do passado, crianças inocentes, que


dançavam sobre papelões, coloriam becos, batiam em
latas de lixo, em cada esquina tomavam geral da policia e
faziam rimas sobre o seu dia-a-dia, hoje são adultos e
sabem que tudo que fizeram foi arte. Ajudaram a construir
uma Cultura que chegou ao século 21 contrariando todas
as previsões pessimistas sobre a sua sobrevivência.
Mr. Black – CENEG-Go/Sociedade Black

56
II. 1 – A produção da cultura hip-hop

A juventude negra urbana tem reformulado práticas de resistência cultural e, sobretudo


subversão do lugar destinado às populações negras na diáspora (ROSE, 1994; TAVARES,
2004) . Desde o processo iniciado pela escravidão africana o corpo negro sofreu a repressão
física, uma das formas de submetê-lo ao mundo erguido e dominado pela cultura cristã
européia. Transformado em mercadoria. De mercadoria em força de trabalho e renda fixa no
sistema escravista mercantil, os africanos tiveram seu corpo como o alvo inicial da
dominação. Foi necessária a construção de um universo simbólico que legitimasse as “formas
de repressão”, por seu turno a “resistência” foi o principal contraponto.
Os lotes de africanos escravizados, que tinham maior valor comercial eram aqueles
constituídos de pessoas de diferentes etnias. Quanto mais difícil à comunicação e o
reconhecimento do pertencimento entre eles melhor para a efetivação do processo de
dominação. A produção da Capoeira foi um instrumento e uma das várias formas de
resistência. Arte da guerra e da dança, manter o corpo sempre alerta, sempre pronto, e o jogo
da capoeira é um condicionamento e treinamento fundamental na preservação de seus corpos.
Corpos transformados em armas de resistência e liberdade. Para Júlio César Tavares a
resistência negra se dava

(...) na transgressão lúdica pelas formas carnavalizadoras (...) o corpo e o som


(ritmo-sonoro) vieram induzir uma identidade corporal e musical que não é normal.
(...) Para o negro da Afro-Diáspora o samba, o soul, o jazz, o reggae, o mambo, e
entre outros a Capoeira, são os textos que preservam os resíduos da viva
transgressão que o seu repertório de signos não-verbais vem realizando (Ibidem, p.
160).

Através de um “discurso não-verbal” transgrediram a rotina cotidiana “imposta pelo


significante despótico do corpo produtivo”. Transgressão que recompõe coletividade para os
africanos seqüestrados do “corpo comunitário” em que viviam na África (TAVARES, 1984).
A incorporação do break neste continuum de transgressão e resistência jogado pelas culturas
negras, só pôde se efetivar pela permanência da tentativa de dominação hegemônica branca.
Esta permanência se da pela imposição de esquemas corporais à população negra e mestiça.
Segundo Frantz Fanon, o negro é nomeado, fixado pelo outro. A partir de sua própria
experiência Fanon75 produz uma análise do processo repressor:

75
Fanon nasce numa família negra da burguesia da Martinica, forma-se médico especialista em neuropsiquiatria
e neurocirugia na França, indo trabalhar na Argélia no norte da África onde ingressa nas fileiras da Frente de
Libertação Nacional (FLN), se tornando um dos personagens fundamentais na independência da Argélia.

57
(...) No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades na elaboração de seu
esquema corporal. O conhecimento do corpo é uma atividade unicamente negadora.
É um conhecimento em terceira pessoa. (...) Elaborei, sob o esquema corporal, um
esquema histórico-racial. Os elementos que utilizei não me foram fornecidos pelos
“resíduos de sensações e percepções de ordem (...) táctil, vestibular, cinestésica e
visual”, mas pelo outro, o Branco, que os tecera para mim com mil detalhes,
anedotas, contos. Pensava em poder construir um eu fisiológico para equilibrar o
espaço, localizar sensações e eis que me exigiam em excesso. (FANON, 1983, pp.
92-93)

O corpo, alvo primevo da dominação colonial moderna, era atingido, desabando e


“cedendo lugar a um esquema epidérmico racial” sobre determinado pela aparência. Este
esquema leva a interiorização do complexo de inferioridade. Ser apenas um homem entre
outros, tarefa árdua no mundo branco racializado. No caso brasileiro as intenções de
extirpação da raça negra no processo de formação social foi conduzido com fundamentado
esmero “científico”. Através de um saber “objetivo” e “imparcial”, sobretudo na fase
posterior à abolição da escravidão, evidenciados em dois momentos de efetiva expressão dos
ideais de branqueamento. Primeiramente no I Congresso Internacional das Raças, realizado na
França em 1911, onde João Batista Lacerda diretor do famoso Museu Nacional do Rio de
Janeiro apresentava a tese intitulada “Sur lês mestis au Brésil”, prevendo a extinção da raça
negra no Brasil afirmava: “É lógico supor que, na entrada do novo século, os mestiços terão
desaparecido no Brasil, fato que coincidirá com a extinção paralela da raça negra entre nós”
(Apud: SCHWARCZ, 1998, p. 176). Anos depois no I Congresso Brasileiro de Eugenia,
ocorrido em 1929. Seu presidente, Roquete Pinto, previa “um país cada vez mais branco”,
afirmando que “em 2012 teríamos uma população composta de 80% de brancos e 20% de
mestiços; nenhum negro, nenhum índio” (Ibidem, p. 177).
Conforme Maria Bernadete Ramos a nação teria origem no “controle do corpo”, na
intenção de “transformar grupos heterogêneos em comunidades nacionais baseadas nos
critérios da unicidade da língua, do território, da história e da cultura” (2003 , p. 04). E a
unicidade se deu pela matriz civilizatória européia que excluía outros grupos étnicos dessa
constituição.

O embelezamento da raça brasileira dar-se-ia, portanto, num processo educacional


do corpo que o habilitasse para pertencer à parte boa da nação (...) O
branqueamento, portanto, da parte visível da nação brasileira expressava-se na
postura civilizada do corpo. (Idem, ibidem, p. 2)

As práticas intervencionistas no cotidiano das pessoas procuraram escrever os “desejos


da nação” nos corpos através da transformação dos saberes em vozes autorizadas para tal. A

Associou o trabalho cientifico a prática militante, e a partir dessa experiência construiu seu pensamento político.
Cf. CABAÇO; CHAVES, 2004.

58
incorporação das teorias raciais nas escolas de Medicina Legal, Direito, passando pela
Antropologia Criminal à Cultural, até a formação de um grupo de Eugenistas no Brasil, visava
impor um padrão de perfeição baseado na matriz filogenética européia (RAMOS, 2003;
SCHWARCZ, 1993).
O ideal do branqueamento tem prevalecido como uma verdade estética para o Brasil,
junto a um rebaixamento moral dos “afrodescendentes”. Prevalecem ainda as afirmações do
racismo cientifico do século XIX, cujo exemplo mais contundente está na intermitência no
campo da criminologia das teses de Lombroso. Fundamentadas em um determinismo racial,
estas afirmações permanecem presentes desde sua introdução e adaptação ao caso brasileiro
por Nina Rodrigues ainda no século XIX, à sua difusão pelos cursos de formação das polícias
e ainda “presente nos escritos de juristas contemporâneos” (LARKIN NASCIMENTO, 2003,
pp. 148-151).
Por outro lado a resistência gerada neste confronto de imposição e normatização
cultural foi possibilitada pela plasticidade do corpo negro, “aberto e fechado, estável e
instável, firme e escorregadiço, sólido e impalpável”. Um corpo “sempre aberto como
estrutura” e capaz de “incorporar” ao movimento de autopreservação e continuidade “a
alegria da dança” (SODRÉ, 2005, pp. 161-162).
Ao analisar a questão da “cultura popular negra”, Stuart Hall, nos faz perceber como a
construção de alternativas de sobrevivência culturais e do sentido comunitário se deu em meio
à perda de referenciais e memória histórica, ao lado da negociação com o padrão imposto:

A apropriação, cooptação e rearticulação seletivas de ideologias, culturas e


instituições européias, junto a um patrimônio africano – cito novamente Cornel West
-, conduziram a inovações lingüísticas na estilização retórica do corpo, a formas de
ocupar um espaço social alheio, a expressões potencializadas, a estilos de cabelo, a
posturas, gingados e maneiras de falar, bem como a meios de constituir e sustentar o
companheirismo e a comunidade. (2003, p. 343)

A “sobredeterminação” na construção dos repertórios culturais negros, efetivada a


partir das duas direções simultâneas, tanto o patrimônio africano, como a cultura européia
constituiu-se em um processo subversivo e impuro de negociação entre posições dominantes e
subalternas. Este processo não recuperou algo puro, mas criou algo novo, através de
“estratégias subterrâneas de recodificação e transcodificação, de significação crítica” a partir
de “materiais preexistentes”. Conforme Hall,

(...)Todas essas formas são sempre o produto de sincronizações parciais, de


engajamentos que atravessam fronteiras culturais, de confluências de mais de uma
tradição cultural (...) Essas formas são sempre impuras, até certo ponto hibridizadas

59
a partir de uma base vernácula. (...) elas são – adaptações conformadas aos espaços
mistos, contraditórios e híbridos da cultura popular. (Ibidem)

Ao nos aproximarmos das abordagens antropológicas podemos repensar o corpo como


uma construção social e cultural, e não como um dado natural. Na construção da pessoa é o
corpo e mais especificamente uma determinada “corporalidade” que é acionada. Assim, ele
passa a ser “agente e sujeito da experiência individual e coletiva, veículo e produtor de
significados, instrumento e motor de constituição de novas subjetividades e novas formas do
sujeito” (MALUF, 2002, pp. 88-96). Ao se pensar o corpo enquanto “sujeito da cultura” e
“base existencial da cultura”, temos um novo paradigma, o conceito de embodiment, ou
corporificação, sugerido por Thomas Csordas que implica nessa mudança de perspectiva
sobre o corpo nos estudos culturais. Nessa perspectiva a experiência cultural é corporificada,
uma vez que ela não seria exterior à experiência do sujeito. O outro passa a ser percebido não
como objeto, mas sim como um “outro eu mesmo”, pois a objetificação do corpo é um
processo construído histórica e culturalmente, e a objetividade é uma visão de “„qualquer
lugar onde o corpo possa tomar posição‟ e se colocar em relação às perspectivas de outros „eu
mesmos‟”. Enfim, fica posto que “o corpo é sujeito e agente da/na cultura” (Ibidem, p. 97)

Assim, antes de ser o mundo, o corpo se constitui numa rede de sentidos que ele
próprio forja para sua autovalorização. O poder inventivo e autônomo desafia as
redes dominantes de subjetivação – e é desafiado por elas. Em meio a esse embate, o
corpo produz territórios existenciais e, à sua maneira, mostra-se presente no mundo
(ALVES, 2003, P. 49).

E neste espectro de ressignificações e reconstruções corporais inserimos a cultura hip-


hop enquanto parte deste processo inacabado e constante de afirmação da diferença cultural
negada pela dominação cultural. Das margens, dos interstícios e tendo o corpo muitas vezes
como único capital cultural como “arquivo” e, sobretudo “arma” os afro-descendentes
souberam ousar, desafiar e transpor as barreiras da própria humanidade que lhes fora negada.
A década de 1950 na Jamaica era animada pelos sound systems76, onde DJs (Disc
Jockeys) tocavam músicas, chamadas dub77. Conforme Jaramillo Arango, “a música
jamaicana introduz procedimentos musicais e formas de escuta agenciadas por uma interação
inédita com os recursos de reprodução” (2005, p. 107). Desde a década de 1960,
76
Aparelhagem de som constituída de um toca-fitas ou toca-discos, ligados a um amplificador ou potência
conectada às caixas de som. Serviam como forma de diversão de jovens pobres Jamaicanos em Kingston.
Certamente, dessas audições coletivas emergiu a produção de outro estilo musical, o reggae, durante a década de
1960. Cf. VIANNA, 1997; HERSCHMANN, 2000 e em especial ROSE, 1994.
77
“O Dub é uma técnica (desenvolvida pelos Dj‟s jamaicanos) de reverberação sonora na qual são apagados os
instrumentos que constituem a melodia da canção deixando apenas a linha da percussão e do baixo, isto é, a
seção rítmica. Sobre essa base rítmica são “colados” ou mixados ecos, repetições isoladas de frases das letras das
canções que perdem sua função enunciativa.” RABELO, 2006, p. 332.

60
a presença dos disc jockeys (DJ´s) nas festas de sound system era reforçada pelos
gritos e discursos que eles faziam para animar a pista de dança. Alguns deles
passaram a gravar canções com forte instrumentação e suas intervenções muito mais
declamadas que cantadas. A esse discurso ou vocalização convencionou-se chamar
de toast (brinde) (RABELO, 2006, p. 332).

Vários trabalhos sobre o Hip-Hop apresentam os toasters jamaicanos como os


antepassados dos MCs (Master of Cerimony) que, junto com os DJs, formariam a base dos
grupos de rap.78 Os toasters, assim como os MCs, utilizam seu próprio corpo como
instrumento, a voz e suas intensas possibilidades dadas, então, pela aparelhagem
amplificadora, que potencializava a recepção das idéias declamadas por estes artistas de rua.:

Em Trenchtown, nos anos 1950, não havia energia elétrica na maioria das casas e
uma pequena bica chegava a fornecer água para quase duas mil pessoas (White,
1999, p. 125). A maior diversão consistia em festas noturnas ao lar livre, dentro de
paliçadas, nas quais eram tocados discos de blues, rhythm‟n‟blues e mento (espécie
de calipso jamaicano). Esses discos eram divulgados por D.J‟s ou toasters que
organizavam seu equipamento de som (sound system) em cima de grandes
plataformas ou caminhões. Nas ruas laterais vendiam-se comida e bebida para
aumentar a renda doméstica das famílias pobres (...) Há quem afirme que os bailes
dos sound systems foram os precursores das raves de música eletrônica surgidas na
Europa durante os anos 1990 (RABELO, 2006, p. 284).

Imagem 8
Block Party79

O Disc Jockey Kool Herc, de origem jamaicana80, leva para o Bronx a técnica dos
sound systems, passando a organizar festas em praças do bairro, as chamadas block parties.
Isto acontecia nos fins dos anos 1960, início dos 1970 (ROSE, 1994). Naquelas festas, Kool
Herc não se limitava a passar as músicas, mas utilizava mixagens para construir novas

78
Cf. ROSE, 1994, principalmente o capítulo 2: “All Aboard the Night Train”: Flow, Layering, and Rupture in
Postindustrial New York. Ou ainda, RABELO, 2006, em especial o tópico: Dance-Hall: a renovação ou a
pasteurização do reggae?
79
Disponível em: www.thefourelements.com, acesso em 19/02/2007.
80
Sobre o processo de imigração do Caribe e América Latina permanente na história de Nova Iorque, sobretudo
a partir do enfoque da latinidade e das relações com os afro-americanos, cf. FLORES; ROMÁN, 2000.

61
músicas, como se fazia na Jamaica, seu país de origem (Ibidem). As bases para essas
mixagens eram as músicas mais populares entre os jovens “afro-americanos” e “latinos” como
dos grupos New Orleans Jazz, Isaac Hayes, Bob James, and Rare Earth, entre outros.
Conforme Tricia Rose, Kool Herc era conhecido por seus sistema de auto-falantes maciços
que ele nomeou como b-beat ou break-beats. Também recebendo o nome para uma técnica de
colagem, os break-beats estabeleciam um contraste agudo com o dance beat inquebrável da
Eurodisco que dominava a cena da dança na segunda metade dos anos 1970 (Ibidem, p. 51). E
o toaster era realizado:

Kool Herc apenas falava algumas gírias e ditados populares. Além disso, era fácil
para ele mandar recados e fazer brincadeiras com as pessoas da platéia, porque
quase todos se conheciam, eram gente do próprio bairro. Com o sucesso das festas,
os improvisos (o famoso freestyle) foram ficando mais elaborados, envolvendo
versos populares tradicionais. Nessa época, o rap ainda era chamado de "MCing"
(ato relativo ao MC ou mestre de cerimônias). (PIMENTEL, 1997)

Outros DJs surgiram no Bronx como Grandmaster Flash que segundo algumas
histórias teria desenvolvido a técnica do “scratch”- utilização do toca-discos como
instrumento musical, destacando determinadas partes de uma canção ou movimentando no
sentido anti-horário os discos, de modo a produzir o som de arranhado (HERSCHMANN,
2000, p. 19; VIANNA, 1997, p. 21). À Grand Wizard Theodore, de apenas 13 anos, porém, é
creditada a invenção do “scratching”, cujo desenvolvimento e aperfeiçoamento são devidos a
Grand Master Flash (ROSE, 1994, p. 53).
Talvez o Dj mais influente, e ainda hoje na ativa, seja o barbadiano Afrika Bambaataa,
fundador da The Universal Zulu Nation, durante os anos 1970. Esta organização é
considerada a primeira Posse81 do Hip-Hop. A pretensão com a Posse era transformar as
gangues violentas do Bronx em crews (grupos de dança). Para tal, Bambaataa baseava-se em
princípios como “conhecimento, sabedoria, entendimento, liberdade, justiça, igualdade, paz,
união, amor e respeito”. Estes princípios formaram o quinto elemento da cultura hip-hop
(MARTINS, 2005, p. 30). Estabelecia ligações com os ensinamentos dos líderes negros
Malcom X e Martim Luther King. No lado musical, Bambaataa incorporou a Eurodisco,
como no caso do grupo alemão Kraftwerk, além do rock e do soul em suas performances, que
eram consideradas ecléticas em relação aos outros Djs do Hip-Hop (ROSE, 1994, p. 54). A
Bambaataa é creditado a formulação do termo Hip-Hop cuja tradução literal seria “saltar

81
“As posses constituem espaços (...) em que as discussões políticas de interesse do Hip Hop ocorrem. (...) nelas
que se encontram os „intelectuais‟, os pensadores dessa expressão sócio-cultural.” FÉLIX, 2005, p. 77.

62
mexendo os quadris”, uma espécie de grito de ordem para a festa, um convite para a
comunhão.

Imagem 9
Djs Kool Herc e Afrika Bambaataa82

Os primeiros grupos de rap surgiram durante a década de 1970 em Nova Iorque.


Como os grupos Kool Herc and The Herculoids, Grandmaster Flash & Furious Five entre
outros. Segundo Gilroy os “componentes musicais” do Hip-Hop se constituíram através de
uma “forma híbrida nutrida pelas relações sociais no South Bronx, onde a cultura jamaicana
do sound-system foi transplantada para o Bronx durante os anos de 1970”, criando “novas
raízes” que, em conjunto com as “inovações tecnológicas”, como os “samplers” 83, “mixers”84
e “toca-discos” acionaram “um processo que iria transformar a auto-recepção da América
negra e igualmente uma grande parcela da indústria da música popular” (2001, p. 89).
Anteriores ao rap, outras manifestações artísticas contribuíram na constituição da
cultura hip-hop nos guetos norte-americanos, que paralelamente implementaram o estilo dos
jovens urbanos afro-americanos. O breakdancing foi uma dessas manifestações. Uma dança
acrobática, altamente gestual e mímica, com contorções corporais abusivas, giros de cabeça,
iniciada a partir do balanço corporal fluido e sincopado. A competição seria sua característica
primeira. Executar manobras que outros não conseguissem e fundir diferentes passos e
acrobacias marcaram a execução do breaking.

82
Disponível em: www.daveyd.com, acesso 13/11/2003.
83
Aparelho que permite a numeração de sons nas escalas musicais a partir de sons reais retirados dos seus
suportes ou fontes de origem. Por exemplo, retira-se uma frase musical de uma música e a repete continuamente,
inserindo outras colagens e ritmos, e o canto sobre a nova música.
84
Faz a ligação entre músicas, na inversão entre um toca discos e outro, sem sair do ritmo geralmente, as
músicas que saem e entram dão continuidade à energia liberada pelo som.

63
Breaking, segundo Rose, referia-se originalmente apenas a um grupo de movimentos
de dança executados durante a quebra do beat85 (the break beat) nas mixagens dos Djs de rap.
Porém, ao incluir e relacionar outros movimentos e danças passou a acontecer em vários
pontos da música e não só nas quebras. O desenvolvimento do breaking se dava justamente
por conta de sua carga competitiva. São variadas as associações com as danças e os
movimentos dos afro-americanos como the lindy-hop, the Charleston, the cakewalk, the
jitterbug, the flashdancing executadas, sobretudo, no bairro negro do Harlem, Nova Iorque,
durante os anos 1940. Outras associações são feitas com a Capoeira, principalmente pelas
similaridades entre seus giros e saltos-mortais. O “karate”, arte marcial asiática, também foi
tomado emprestado e revisado pelos breakers, uma vez que havia o contato com estes
movimentos em Time Square (1994, p. 47).

Imagem 10
Rock Steady Crew86

Através da dança, parte da juventude negra afro-americana e caribenha pôde expressar


um novo estilo individual. Estilo que gerou um lugar de poder, desafiando a ordem social
vigente e comunicando uma energética e exuberante identidade grupal (MIRANDA, 2003).
Estes dançarinos ficaram conhecidos como B. boys (Break boys), e B. girls (Break girls), e a
dança conhecida como “break dance”. Porém os estilos de dança do Hip-Hop seriam quatro
danças diferentes. Segundo o dançarino brasileiro Frank Ejara da Companhia de Dança de

85
“O beat não é um elemento rítmico, como apontaria uma escuta cultural, é uma textura sonora de caráter
sinestésico, próprio da reprodução eletrônica, e ligada diretamente à amplificação. As baterias eletrônicas e os
sintetizadores produzem freqüências subsônicas, ou seja, baixas não audíveis, porém perceptíveis de forma tátil
ao ser amplificadas. O efeito psicoacústico produzido solicita uma escuta descondicionada. O beat é um
elemento de comunicação não verbal que se apóia nas pulsações do corpo e convida a dançar; por outro lado,
reafirma a mediação exercida pela reprodução eletrônica, invocando uma consciência no ato de escuta.”
(JARAMILLO ARANGO, Op. cit., p. 107)
86
B. boys da Rock Steady Crew Nova Iorque 1978 e 1981. In: http://www.answers.com acesso em 12/01/2007.

64
Rua “Discípulos do Ritmo”, a mídia propagou a idéia de “break dance” como se ela tivesse
aparecido em um único lugar. Porém, a partir dos anos 1990 principalmente com a vinda de
dançarinos estadunidenses ao Brasil, e com a difusão de material importado sobre a dança
houve uma mudança na visão sobre a dança da cultura hip-hop, passando a ser vista como
várias danças e não apenas uma87. Conforme Ejara, os estilos de dança do Hip-Hop são:

(...) o B. boying, que surgiu no Bronx, entre 1975/76. O B. boy dança “Top Rock”,
“Footwork”, “Freeze” e “Power Move”. Dança que usa basicamente o chão como
apoio para os passos. (...) O Locking, dança as técnicas criadas por Don
Campbellock durante o “Soul Train”, na década de 70, quando fez um movimento
em que fechava os braços. Locking significa “travar, fechar”. A partir deste passo
outros foram criados como “Stop and Go”, “Scoobot”, “Skeeter”, “Scooby Doo” etc.
(...) foi criado em Los Angeles entre 1969/70 e não tem uma ligação direta com o B.
boy (...) o Popping, estilo de dança que surgiu em Fresno, na Califórnia, entre
1977/78 e foi criado por Boogaloo Sam. (...) consiste basicamente na contração da
musculatura dos braços, pernas e peito. O passo mais famoso do Popping foi
popularizado por Michael Jackson, o “Back Slide”, aquele passo de andar para trás
(...) Brooklyn Rock (Up Rock), estilo que simula uma luta e foi criado por dois
dançarinos do bairro do Brooklyn, em Nova Iorque, entre 1968/69. Eram eles:
Rubber Man e Apache. Em 71. o Up Rocking original desapareceu, porém os B.
boys do bairro do Bronx continuaram a fazer alguns passos. 88

Imagem 11
Graffiti Phase289

O grafite (graffiti), a manifestação artístico-visual da cultura hip-hop, será


inicialmente propagado pelos muros, paredes e principalmente pelos vagões dos metrôs nova-
iorquinos. Serviam como demarcação de território, mas tornam-se cada vez mais artísticos
deixando de ser simples assinaturas, através do desenvolvimento da estilização dos ícones,
bem como sua utilização para transmitir mensagens de confronto ou conforto. A utilização
dos trens como local de exposição dos grafites serviam para a disseminação e comunicação
87
Cf. Entrevista com Frank Ejara e Jeff em RAP & CIA Collection, 2006, s/p; ZIBORDI, Marcos. O nome do
barato não é break. Em Revista Caros Amigos Especial. Hip Hop Hoje, 2005, p. 23.
88
Entrevista com Frank Ejara e Jeff em RAP & CIA Collection, 2006, s/p.
89
Vagão grafitado por Phase 2 em Nova Iorque, década de 1970. Disponível em: www.daveyd.com, acesso em
13/11/2003.

65
entre as comunidades negras e hispânicas, através da performance pública do grafiteiro que
percorria a cidade de Nova Iorque nos vagões dos trens e metrôs.
A década de 1970 nos Estados Unidos vê surgir os elementos constitutivos da cultura
hip-hop. Pode-se falar em um estilo próprio dos jovens que praticavam e/ou apenas se
divertiam nas festas organizadas nos bairros pobres de afro-americanos e latinos, regadas ao
som da black music90. Estilo materializado na performance desses jovens, com seu linguajar
diferenciado, cheio de gírias e códigos, no jeito de andar e cumprimentar, descontraindo as
normas e padrões lingüísticos e de sociabilidade. Produziam cultura tendo o corpo como lugar
de inscrição dos seus signos. Uma cultura de confronto e luta por reconhecimento do valor da
arte produzida por eles. A palavra liberdade, sem dúvida, aparecia sempre, povoando assim a
mente dos jovens negros, bem como de outras minorias. Livres e orgulhosos para serem o que
queriam ser. Livres para se divertirem a sua maneira, na rua, nos bailes.
As festas em praça pública ou em edifícios abandonados reuniam em torno de 500
pessoas. Em setembro de 76, num local chamado The Audubon, Grandmaster Flash
organizou um baile para 3 mil pessoas. Essa foi a festa que reuniu o maior número
de dançarinos antes que o Hip-Hop se tornasse conhecido fora de Nova York
(VIANNA, 1997, p. 21)

Figura 12
Cartaz Audubons91

A construção dessa liberdade se dava através do agrupamento, fortalecendo-os


individualmente e conseqüentemente dando-lhes mais segurança. Mas se antes se agrupavam

90
Para uma apresentação sintética e ampla ver SHUKER, 1999, pp. 36-37.
91
Cartaz de uma festa na Audubons em 1981. Disponível em: http://www.daveyd.com, acesso em 13/11/2003.

66
em gangues para brigar, medindo forças com gangues de outros territórios ou etnias 92 dentro
do próprio Bronx, passavam a se agrupar em crews (grupos) de break, em grupos de rap; se
antes pichavam para demarcar seus territórios, passam também a manifestar idéias através do
graffiti.
O grupo juvenil que produz a cultura hip-hop forja sua identidade e diferenciação
inspirado nos estilos musicais e nas formas como seus ídolos se vestem e se portam
socialmente. Esta seria uma espécie de inscrição de diferenciação e agrupamento juvenil que
se firmou nos anos 1980 nas grandes cidades do mundo e do Brasil. Em geral, estes grupos
juvenis teriam alguns elementos articuladores de suas atividades que chamariam a atenção,
como “a agressividade real e simbólica do seu comportamento”, a “negatividade de suas
representações do presente e do futuro” através das letras das músicas, o “investimento na
própria imagem”, o “privilegiamento do lazer” e do consumo de bens simbólicos, culturais,
desterritorializados pela indústria cultural93.
Essas novas identificações urbanas, que envolvem a formação de grupos de jovens têm
compartilhado principalmente uma mesma estética corporal. Estética expressa no tipo de
vestimenta, nas perfurações ou tatuagens no corpo, através de determinadas forma de cortar e
pentear (ou não pentear) os cabelos. Este processo acaba por evidenciar a dimensão corporal
ou corporificada da experiência que contribui na constituição de determinada identidade ou
identificação (MALUF, 2002, pp. 95-96). Essa experiência é mediada principalmente pelas
redes de comunicação.

(...) o hip-hop desenvolveu-se como parte de uma rede híbrida de comunicação. (...)
em razão da tecnologia das comunicações, as histórias com ressonâncias culturais e
narrativas se espalham em alta velocidade. Não levou muito tempo até que
comunidades negras e hispânicas marginalizadas, em outras cidades, pegassem a
onda da energia e do teor do hip-hop de Nova York. (...) Talvez o desenvolvimento
de um estilo que ninguém segura, um estilo que não pode ser facilmente
compreendido ou apagado e por intermédio de cuja reflexão se criam narrativas
contradominantes e contra um inimigo móvel e transformador, seja um dos meios
eficazes para ao mesmo tempo fortificar comunidades de resistência e reservar o
direito a um prazer comum (ROSE, 1997, p. 197-212).

O racismo de sangue que prevaleceu nos Estados Unidos para identificar os indivíduos
da nação conforme sua raça ou etnia efetivou um “apartheid” que perdurou mesmo após a
supressão de leis segregacionistas. E apesar das ações afirmativas que procuraram inserir os

92
Para uma visão geral sobre a temática das gangues nos EUA, ver ABRAMOVAY, Miriam...(et al.). Gangues,
galeras, chegados e rappers: juventude, violência e cidadania nas cidades da periferia de Brasília. Rio de Janeiro:
Garamond, 1999, pp. 92 – 93.
93
ABRAMO, 1994, p. 11. Portanto, deve–se atentar para o fato de que no estudo de Abramo, a pesquisa enfatiza
o universo punk e dark. No caso, dos hip-hoppers vai-se além da visão de impossibilidade de haver um futuro,
cara aos punks e darks. A religiosidade e principalmente a cristandade abastecem em muito o discurso do rap.

67
afro-americanos bem como outras minorias em postos de trabalho, passando pelo ingresso à
instrução prevaleceu uma polarização racial que manteve as minorias nas piores condições de
vida. Bakari Kitwana, teórico do Hip-Hop, afirmou que

(...) uma nova cultura jovem negra tenha emergido com a geração hip-hop, que,
obviamente, vai além apenas da música e da cultura hip-hop. Por exemplo, somos a
primeira geração a crescer em uma sociedade pós-segregação, a primeira a chegar à
idade adulta com taxas de encarceramento extremamente altas – cerca de 1 milhão
de afro-americanos nos EUA. (...) Somos a primeira geração para a qual, se você é
um trabalhador e está empregado, esse emprego não consegue pagar suas despesas,
não lhe permite atingir o estilo de vida da classe média americana. Esses são alguns
dos duros contrastes que têm afetado as diferentes visões de mundo partilhadas pela
geração hip-hop e nossos pais. 94

O processo de desestruturação das políticas afirmativas nos Estados Unidos tem


ocorrido com a contra-revolução conservadora, que “que remodelou a política americana nos
anos 1970 e 1980” (GILLIAM, 1997, p. 45). O retorno ao poder dos republicanos a partir do
governo de Ronald Reagan ajudou a estabelecer as bases e os princípios neoliberais,
continuados no governo de George Bush (pai) e pelo democrata Bill Clinton durante os anos
1990 e continuados por George W. Bush (filho) (PAC, 2000). Têm prosperado como política
de estado nos EUA a construção de prisões. Elas tem sido o “item mais extenso na maioria
dos orçamentos dos estados”, tornando-se uma “indústria das mais promissoras”, a partir dos
processos de privatização das penitenciárias, “criando uma rede subgovernamental, um
„complexo comercial de cadeias‟”. A cultura hip-hop acaba por comunicar este lugar comum
destinado à boa parte dos jovens negros tanto nos EUA como no Brasil, a prisão. Sem
“recursos para pagar advogados não tem havido „libertação condicional‟ possível para os
negros” (Gilliam, 1997, p. 51). Essa questão será discutida sobre o aspecto da cultura da
violência no próximo capitulo.
Em suma, a cultura hip-hop se caracterizou como um estilo de vida, uma maneira de
ser, de falar, de vestir-se e comportar-se, de jovens dançarinos de breaking (B. boys), Mcs e
Djs de rap, grafiteiros ou ainda apreciadores da cultura. “Arquitetado no coração da
decadência urbana como um espaço de diversão, o hip-hop transformou os produtos
tecnológicos, que se acumularam como lixo na cultura e na indústria, em fontes de prazer e
poder” (ROSE, Op. cit., pp. 192-212).
Os elementos constituintes da cultura hip-hop surgiram como possibilidades de
diversão e lazer realizados pelos jovens herdeiros das diásporas. Mesmo com poucos recursos
financeiros, nenhum ou quase nenhum conhecimento musical conceitual e com uma carga de

94
Folha de São Paulo, Mais!, A geração H, 18/08/2002, p. 4-5

68
exclusão racial acentuada, os encontros para dançar ou ouvir a música coletivamente deram
acesso, mesmo que fugaz, aos jovens negros da diáspora a momentos de fruição criativa e
auto-afirmação.
A cultura hip-hop faz rizoma com o mundo. Ela desenha um mapa. Pois é aberta, “é
conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber
modificações constantemente”. O rizoma tem sempre “múltiplas” entradas, e é sempre uma
“questão de performance”, não se remetendo a uma “competência” presumida, a maneira do
decalque e da árvore. “Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa
estrutura, numa arvore, numa raiz. Existem somente linhas”. O rizoma é o modelo de
realização das multiplicidades, e todas as multiplicidades são planas e definidas “pela linha
abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se
conectarem às outras”. O plano de consistência (grade) é o fora de todas as multiplicidades
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 22).
Tal perspectiva facilita a compreensão de uma rede de interação que não possui como
base uma língua, um território, uma raça, mas sim uma conexão de “cadeias semióticas” e
“organizações de poder” que “remetem às artes, às ciências, às lutas sociais”. A cadeia
semiótica, afirmam Deleuze e Guatarri, “aglomera atos muito diversos, lingüísticos, mas
também perceptivos, mímicos, gestuais, cogitativos: não existe língua em si, nem
universalidade da linguagem, mas um concurso de dialetos, de patoás, de gírias, de línguas
especiais” (Ibidem, p. 22). Esta dinâmica tem sido constantemente negligenciadas pela
produção de saber ocidental, baseada principalmente na textualidade (GILROY, 2001, pp.
157-172).
Neste sentido buscar entender as tradições de performance que têm caracterizado a
produção e a recepção da música na diáspora, passa pela consideração da “expressão
corporal”, a mímica, gestos e o vestuário distintivo como práticas significantes, os estilos,
cujos os quais a identidade negra é “elusivamente experienciada das maneiras mais intensas”
(Ibidem). A experiência cultural negra moderna é transnacional e desenha o mapa do
Atlântico negro, através de seu intenso deslocamento articulado sob o sistema de
comunicações globais que desde o navio até o long-play vem dominando na formação das
culturas populares da “moderna civilização ocidental” (Idem).
Esse deslocamento tem sido atravessado por territorializações, organização,
significação e atribuição, uma vez que o “rizoma compreende linhas de segmentaridade”.
Este processo faz parte do “principio de ruptura a-significante”, que se completa pela fuga

69
constante, pois o rizoma compreende também “linhas de desterritorialização” (DELEUZE;
GUATTARI, 1995, p. 18).
“Os processo de territorialização” – tanto desterritorialização quanto reterritorialização
– se apresentam não apenas como tradição ou “neo-arcaísmos”, como em Deleuze e Guatarri,
mas também, segundo Kraniauskas, “como a produção de novos sujeitos de uma ordem
sociocultural que, como o capital, é especificamente transnacional (pós-colonial)”. Enfim, a
reterritorialização pode também “situar-se – de fato, especialmente se situa – na abertura e no
cosmopolitismo [e no hibridismo]” (Apud: MOREIRAS, 2001, P. 316). Para Akil Gupta, “a
desterritorialização desestabilizou a fixidez do “nós” e do “outro”. Mas não criou sujeitos que
sejam mônadas livremente flutuantes” (GUPTA, 2000, p. 46).

(...) A localização física e o território físico, durante tanto tempo a única grade sobre
a qual a diferença cultural podia ser desenhada, precisa ser substituída por grades
múltiplas que nos permitam ver que conexão e contigüidade – de modo mais geral, a
representação do território – variam consideravelmente graças a fatores como classe,
gênero, raça e sexualidade, e estão disponíveis de forma diferenciada aos que se
encontram em locais diferentes do campo do poder (Ibidem, p.47).

Desta feita a diáspora é a lente certa para enxergar a “relação como algo mais do que
uma via de mão única” (GILROY, 2001, p. 21). A diáspora não é “apenas sinônimo de
movimento”. Ela contribui para estabelecer “novas compreensões sobre o self, a semelhança,
o sujeito e a solidariedade”. Com o fim da Guerra Fria “os negros de todos os lugares são
instados a cada vez mais a aceitar e internalizar versões de negritude de origem norte-
americanas”. Estas versões circulam através da “jurisdição imperial corporativa que tudo
abarca”. Assim princípios de “pseudo-solidariedade e conexão” tem atuado através de
“noções de proximidade e presença conectadas de um lado pelo consumismo e pelo estilo de
vida e de outro pelo ideal pós-moderno de caridade”. Fundindo à idéia degradante de
negritude “definições mais prestigiosas de negritude em termos de vitalidade, saúde e
dinamismo super-humano” (Ibidem, pp. 22-23).
Neste sentido podemos procurar escrever uma história da cultura hip-hop a partir da
experiência dos jovens goianienses e sua situação dentro da diáspora, a partir de uma teoria da
fronteira, cujo método é o da “construção cartográfica” (DUARTE, 2005, p. 19). “Construir
mapas é se propor ao registro aberto, relacional, reversível, arbitrário, múltiplo, político”. O
procedimento é micro analítico, a busca por “focos de unificação, nós de totalização,
processos de subjetivação”. Contra “os modelos estruturais” e “gerativos” propõe-se “o
modelo rizomático”. Neste modelo sobressaem a “conexão, heterogeneidade, multiplicidade e
ruptura como princípios de construção e apreensão de processos que ocorrem na dimensão

70
transformacional e subjetiva”. Através dessa teoria procuramos experimentar e apresentar.
Mais do que fixar, produzir a diferença. Levando-se em conta que é na fronteira que se
“produz a arte da contraconquista” (Ibidem, pp. 19-20).

II.2 – Os bailes black no Brasil: diversão e auto-estima

Vários trabalhos demonstram a importância dos bailes black, no Rio de Janeiro e São
Paulo dos anos 1970 para a irradiação de novas formas de afirmação positiva da negritude no
Brasil (VIANNA, 1997; FÉLIX, 2005). No começo daquela década, os “Bailes da Pesada” 95,
no Rio de Janeiro e posteriormente os bailes das equipes de som como “Revolução na
Mente”, “Uma Mente numa Boa”, “Atabaque”, “Black Power”, “Soul Grand Prix”, já
iniciavam um processo de produção de festas em que se exaltava o orgulho de ser negro. A
cena cultural construída por essa guinada à negritude foi chamada de Black Rio, em especial
pela imprensa. Segundo Hermano Vianna, essa seria uma fase na “história do funk carioca”
(1997, p. 26), uma das faces da produção cultural negra no Brasil. Os bailes também
aconteciam em São Paulo, principalmente “Chic Show” e “Zimbabwe”, além de Porto Alegre,
Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Campinas e certamente em outras cidades do país.
Os estilos soul e funk, advindos principalmente dos EUA, é que faziam a juventude
negra urbana balançar. A inserção da música Soul brasileira não fora muito presente nos
bailes, mas ainda assim Jorge Ben, Carlos Dafé e o Trio Mocotó, Elza Soares, Tim Maia,
Tony Tornado, Gerson King Combo, Hyldon, Bebeto, Dom Salvador e a Banda Black Rio
tiveram algum espaço na audição dos jovens que iam aos bailes em busca do ritmo
contagiante. Conforme o Dj Messiê Lima, da equipe dos “Bailes da Pesada”, ao definir a
música executada nos bailes do Rio, afirma que “música significa ritmo. Música sem ritmo
pra mim não existe. Botou balanço, dançou, colou, o couro come” (Ibidem, p. 25).
Interessante observar que a produção desses bailes, mesmo suburbanos, foi realizada
por negros de classe média baixa, a montagem da aparelhagem de som necessitava de
recursos não muito modestos. Outro aspecto a ser lembrado é que seus organizadores não
afirmaram haver um cunho político ou ligação com o movimento negro na produção dessas
festas, nada além de diversão. No entanto, os donos das equipes cariocas Soul Grand Prix e

95
Realizados no Rio de Janeiro, na Casa de shows Canecão, aos domingos. Com uma programação eclética, mas
com um público um tanto quanto seleto e restrito, provenientes em sua maioria da Classe média e alta carioca,
bem como turistas. VIANNA, 1997, p. 24-26.

71
Black Power foram presos no DOPS, pois para a polícia do regime militar havia “grupos
clandestinos de esquerda” por trás das equipes. Nirto da Soul Grand Prix assim declarou em
1976:

Poxa, não existe nada de político na transação. É o pessoal que não vive dentro do
soul e por acaso passou e viu, vamos dizer assim, muitas pessoas negras juntas,
então se assusta. Se assustam e ficam sem entender o porquê. Então entram numa
de movimento político. Mas não é nada disso. (...) É curtição, gente querendo se
divertir. (Jornal do Brasil, 17/07/76, p.4. Apud, VIANNA, 1997, p. 28)

Mesmo não percebido como tal pelos seus organizadores, o processo de aglutinação
negra para divertir ao som dos ídolos negros era um ato político de suma importância para
comunidade negra. Vista por Peter Fry como um “movimento de maior importância no
processo de formação da identidade negra no Brasil”. Influenciando inclusive a formação do
bloco Ilê Ayê, em Salvador (VIANNA, 1997, p. 29).
Acreditamos que, como as demandas da população negra não estavam inseridas nos
âmbitos da luta política das esquerdas, os bailes se constituíram efetivamente muito mais do
que espaços de lazer.

(...) esses espaços são também locais de práticas políticas, pois mediante eles as
pessoas constroem suas próprias identidades. (...) aquele público não vai ao baile
somente para ouvir música e dançar, mas também porque lá se sentem entre iguais e
não são discriminadas. Esse tipo de entretenimento é vivenciado como um momento
alternativo ao racismo cotidiano, pois nesse lugar não se recolocaria a hierarquia
racial presente em outros espaços sociais. (...) “espaço negro” (...) os bailes refletem
a racialização densamente presente na sociedade paulista (FELIX, 2005, p. 17)

Apesar de João Batista Félix analisar os bailes paulistas, concluímos analisando outros
estudos que o reflexo da racialização se expande por outros bailes realizados pelo Brasil afora,
inclusive em Goiânia, na década de 1990, principalmente com a produção dos bailes da
equipe Cash Box, do Dj Ruizão96, ou como em Belo Horizonte nos bailes da equipe Dupson,
ou no Máscara Negra (DAYRELL, 2005, pp. 47-49). Ou ainda nos bailes do Afro-Soul, em
Campinas nos fins da década de 1970 e princípios de 1980, cuja ação foi analisada como
contraditória por Carlos Benedito da Silva, uma vez que afirmava uma identidade específica
negra ao mesmo tempo em que uma identidade “como cidadão, comprometido com a
ideologia de ascensão social de uma sociedade capitalista” (1983, p. 261). A produção
identitária negra deveria estar ligada a um discurso marxista para demonstrar consciência e
não a alienação produtora de contradição no seio da população negra brasileira. Mas
poderíamos perceber esses encontros festivos como:

96
Mais adiante discutiremos melhor a questão dos bailes em Goiânia.

72
(...) uma produção do cotidiano, uma ação coletiva, que se dá num tempo e lugar
definidos e especiais, implicando a concentração de afetos e emoções em torno de
um objeto que é celebrado e comemorado e cujo produto principal é a simbolização
da unidade dos participantes na esfera de uma determinada identidade. Festa é um
ponto de confluência das ações sociais cujo fim é a própria reunião ativa de seus
participantes (GUARINELLO, 2004 p. 972).

Enquanto ação social, a festa possibilita a construção de uma esfera pública de


circulação de idéias, de consumo e lazer. Ela contribui na construção da auto-realização
individual e coletiva da população negra. A festa é o momento de aparecer com o melhor
traje, dançar com desenvoltura e maestria. Transvalorizando o estereótipo o corpo passa de
objeto a agente da cultura. Segundo Nino Brown97,

“o hip hop tenta fazer com que a periferia tenha auto-estima. Esse ensinamento foi
deixado por Malcom X, mesmo o hip hop tendo nascido muitos anos depois, com a
Zulu Nation (...) Eu também não sabia quem era Malcom X, não tínhamos
informação com a facilidade de agora. Mas os bailes nos informavam” (ROCHA,
2001, p. 130).

Nos fins da década de 1960, a influência do movimento negro norte-americano, na luta


por direitos civis, reverberou nos músicos e bailes negros pelo Brasil afora. Alguns deles
viveram nos EUA, como Toni Tornado e Gerson King Combo. Este último afirma que sua ida
para os EUA em 1969 teria sido para “se doutorar no Black”. Nos EUA conheceu James
Brown,

“(...) arranjei uma namorada black e aprendi muito da sua cultura (...) O nosso
movimento black era, no meio da repressão e da ditadura, um negro brasileiro, como
eu, gritar que negro é lindo (...) Eu perguntava o que era ser negro americano e ela
me explicava que o negro americano tinha a sua razão para se revoltar, pois as
pessoas não podiam entrar em certos lugares, eram oprimidas, diferente do racismo
daqui, que é menos declarado” (Ibidem, p. 131).

Toni Tornado ganhava, em 1970, o V Festival Internacional da Canção (FIC), com a


música BR-3. Durante o festival transmitido pela televisão, o músico e ator apresentava-se
com o cabelo pixaim grande e com um sol tatuado ao peito, símbolo do grupo Panteras
Negras (Black Panthers98), que difundiu o “Black power”, exigindo poder aos afro-
americanos para decidirem os rumos de sua própria comunidade. Ao se lembrar daquele
tempo, Tony Tornado conta:

97
Considerado o “antropólogo do hip hop”, por possuir o “maior acervo particular sobre o movimento”,
“auxiliar de obras”, administra o “Museu do Hip Hop”, na Casa do Hip Hop em Diadema, no ABC paulista,
centro cultural inaugurado em julho de 1999, tendo apoio da prefeitura da cidade. Também conhecido como
King Zulu Nino Brown – nome de filiação à Zulu Nation, organização fundada por Afrika Bambaataa (ROCHA,
2001, p. 130).
98
Partido armado, criado por afro-americanos em Oakland, na Califórnia, que se estendeu por várias cidades dos
EUA. Cf. por exemplo o filme Black Panthers, de Mario Van Plebes.

73
“Depois tive de fazer um peeling, tive de raspar aquilo tudo. Estava me sentindo um
peixe fora d‟água. Não tinha muito a ver com a nossa política interna. Aqui é mais
flower, mais florido. É uma pena, porque é um racismo velado, é feio, é pior” 99

Em 1971, no VI FIC, Tony Tornado apresenta ao lado de Elis Regina a música Black
is Beautiful, dos brancos Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle. Durante a apresentação cerra os
punhos ao alto, este era o símbolo do Black Power. Ao sair do festival, Toni Tornado foi
preso100. No ano seguinte, lançou seu segundo álbum pela Odeon (hoje EMI), com o funk
Podes Crer, Amizade, que foi um grande sucesso de execução nos bailes black101. Logo,
Tornado seria expulso da gravadora junto com vários outros músicos negros:

“Fomos mandados embora da Odeon pelo Milton Miranda, que era o diretor-
musical, porque estávamos querendo inovar. Fomos eu, Simonal, Dom Salvador,
Oberdan Magalhães (da futura Banda Black Rio), os agitadores musicais da época.
Vinha pressão do próprio governo: „Vamos tirar essa negrada daí‟. Eu gravava tudo
que era chamado pelos americanos de protest song. Eu trouxe para cá e tentei
impingir essa situação aqui, mas entrou num choque que você não tem idéia.” 102

Tal depoimento demonstra a tensa relação com o regime autoritário mesmo quando a
produção cultural negra foi politicamente menos explícita, descortinando o racismo “velado”
e nem tanto “cordial”. Por outro lado, as baixas vendas do Soul nacional, com exceção de Tim
Maia103, faziam com que as gravadoras procurassem contratos mais lucrativos.
Ao analisar as mudanças na sensibilidade musical contemporânea, José Jorge de
Carvalho apresenta alguns dos efeitos mais significativos da moderna reprodução musical que
podem servir para análise dos bailes. “A introdução de eco ou reverberação na reprodução da
música pelos alto-falantes e a alta amplificação da intensidade da massa sonora” teriam uma
influência nessas mudanças (1999, p. 6). Para o autor,

(...) o efeito físico dessa música de mais de cento e trinta decibéis sobre o corpo
humano é devastador: pele, respiração, ritmo cardíaco, oxigenação do cérebro,
deslocamento do equilíbrio labiríntico, tudo se altera dramaticamente (Ibidem).

Paradoxal e altamente peculiar seria a diferenciação desta reprodução musical com os


estilos musicais tradicionais, pois tal efeito não pode ser conseguido na reprodução pelo rádio
ou TV, “mas somente no show”, ou bailes “com os grandes alto-falantes". A “performance”
passa a depender “absolutamente dos meios técnicos para a amplificação, o que coloca o

99
Revista Carta Capital, 26 de julho de 2006, ano XII, nº 403, p. 49.
100
Idem.
101
Idem, p. 50. A gíria Podes Crer serviu bem mais tarde para nomear a revista editada dentro do “Projeto
Rappers”, organizado pela ONG Geledés – Instituto da Mulher Negra – São Paulo. Circulando entre 1991 e
1994, a revista tinha o nome exato de “Pode Crê!” (FÉLIX, 2005; MUNANGA; GOMES, 2006)
102
Revista Carta Capital, Op. cit, p. 50.
103
VIANNA, Op. cit, p. 30-31.

74
papel dos técnicos tão importante quanto o dos músicos”. A “amplificação exagerada pode
muito bem funcionar como um sinal de efervescência comunitária, e contribuir com a
construção mesma de um vínculo coletivo” (CARVALHO, 1999, p. 7).
Em São Paulo, no ano de 1975, um baile com show de Jorge Ben, na italiana
Sociedade Esportiva Palmeiras, teve um público de 16 mil pessoas (FÉLIX, 2005, p. 55-56).
Ouvir juntos a música de gosto comum nos bailes para grupos de jovens adultos se constituía
como o principal ponto de lazer urbano. Organizavam-se para treinar os passos de dança, que
iriam impressionar na festa, servindo também para a conquista de um(a) parceiro(a).
Conquista que passava pela dança das músicas românticas, chamadas também de lentas.
Segundo Rosana Martins, as “damas” não pagavam, em alguns bailes distribuíam-se prêmios,
como camisetas, discos e exibiam filmes de “James Brown, Commodors, Jackson Five”. A
iluminação marcava a qualidade do baile, bem como as novidades musicais. Algumas equipes
de baile enviavam agentes aos EUA para trazer as novidades. Vários discos tinham o selo da
música rasurado para que não se descobrisse o nome da música e dos músicos que a
executaram (2005, pp. 36-42).
No Brasil seriam, portanto, as equipes de baile que se destacariam na divulgação da
música black e negra e não os Djs, como ocorreu nos EUA104. A equipe Chic Show de São
Paulo, trouxe ao Brasil, diversos músicos negros como Roger e Zapp Band, James Brown,
Parliament Funkadelic, Kurtis Blow, entre outros. Do disco aos shows estabelecia-se uma
conexão entre os negros brasileiros e a cultura negra estadunidense, através da música. A
fruição do baile logo estaria nas ruas, após a onda “Disco”, os raps começam a tocar e tomar
conta de boa parte dos bailes nos fins dos anos 1970 e durante os anos 1980. E Goiânia não
ficou de fora desse circuito cultural negro como demonstraremos a seguir.

II.3 – “Preta é a cor que cobre todas as outras”

Assim como em outras regiões urbanas do Brasil, os bailes serão um dos poucos
lugares de lazer para a juventude. Em Goiânia, os bailes foram realizados em casas, centros
comunitários e associações de moradores105. Nos fins da década de 1970, a equipe de som Mr.

104
“As técnicas de operação nos aparelhos reprodutores atingiram um nível de virtuosismo em mão de DJ‟s de
hip-hop. Nos anos 1980, esse movimento se constituiu como bandeira da comunidade negra em Nova York, que
se reuniu em torno dos DJs para dançar e render culto à reprodução. As técnicas desenvolvidas (scratching) por
DJs de hiphop, como Kool Dj Herc, Grandmaster Flash ou Afrika Bambaata anteciparam o trabalho de várias
gerações de músicos eletrônicos na interação com o sampler.” (JARAMILLO ARANGO, Op. cit., p. 167)
105
Conforme depoimento de Carlos Alberto “Guaraná”.

75
Funk animava bailes no Clube do Sargento e em quadras de escolas nos fins de semana, até
aproximadamente meados da década de 1980. Esta equipe era conduzida pelo Dj Celsão da
Mix Mania, o pseudônimo utilizado por Celsão era Mr. Funk. Celsão era radialista, trabalhava
na Rádio Araguaia FM e lançava as novidades em seus bailes. Como o próprio nome diz, o
funk era a grande sensação. O Clube Social Feminino, além da Petrus, César Roller, no Sena‟s
Choop e o Drive In foram também locais de suas danceterias106.
Imagem 13
Baile no Clube Social Feminino107

Segundo Dj Ruizão, nesses bailes tocava-se o “funk verdadeiro”, como o “Melô do


Tagarela, Melô do Brown, Melô da Bandinha, Melô do Skate, Melô do Transurb”. Foi com o
Dj Celsão que Rui conseguiu suas primeiras fitas cassetes, que eram executadas nas primeiras
festas em que comandou o som. Dj Ruizão foi aos poucos montando a equipe que seria
considerada o “carro chefe do Hip-Hop de Goiânia”108: a Cash Box. Após anos curtindo os
bailes e dançando ao som do Dj Celsão, desenvolveu uma visão própria para produzir festas.

Eu ia nas festas achava bom, dançava, eu gostava das músicas, dos lançamentos. E
eu aprendi que o dançarino gosta de novidade, gosta de música boa. Aí de tanto eu
ir, me chamou a atenção. Quando o Celsão parou eu montei o meu sonzinho, a Cash
Box. Aí ele era meu amigo e gravava fita para mim, porque não tinha acesso aos
discos, os vinis. Aí comecei com um tapezinho, e ficava no pé dele para gravar para
mim, aí fui gravando as fitinhas e fazendo as festinhas, fazia uma aqui, outra ali, no
começo. (Dj Ruizão)

A novidade era um chamariz para a audiência dos bailes. Tudo o que ganhava com as
festas era reinvestido na equipe, que na verdade era de um homem só. Diz ele que havia
pessoas apenas para ajudar a carregar o som, mas quem montava, equalizava e tocava era ele

106
Informações adquiridas em entrevista com Dj Ruizão, realizada em 10 de dezembro de 2006.
107
Arquivo pessoal – Aluísio “Mr. Black” – 1994.
108
Depoimento do Grafiteiro Testa, entrevista realizada em 18 de janeiro de 2007.

76
próprio. Segundo Ruizão, sempre houve dificuldade para conseguir música em Goiânia.
Assim, teve que se deslocar para São Paulo e Brasília. A maioria de suas compras foram feitas
por telefone, ele solicitava a audição da música que ele ouvia, sendo suas escolhas enviadas
pelo correio.
Imagem 14
Dj Ruizão (ao centro) e Sociedade Black109

Boa parte dos hip-hoppers entrevistados disseram que os bailes da Cash Box
influenciaram diretamente no conhecimento e no surgimento da cultura hip-hop em Goiânia.
Os bailes eram um dos lugares para se ouvir músicas, para dançar, encontrar conhecidos.

(...) foi 87 quando teve a Funk Mania ali na Avenida Anhanguera ali no Setor
Universitário. Aí eu comecei a ver os caras dançar ai (...) eu já dançava um tempo
atrás eu falei: por que num voltar agora, né? (Jean Bala, Eletrobreak110)

Os bailes não eram igual hoje mais (...) Era no Parque Atheneu, o som era Cash
Box, e o Gilmar da 2002, Mundial Som, 408 (...) tinha a barraquinha no Novo
Horizonte, na Igreja, (...) Goiânia Viva, no Finsocial, a Disco Laser, na Vila
Brasília, Clube do Gari, próximo ao terminal Bandeiras, tinha trem de mais que
rolava. (Albaniza, Ban Ban, Raízes do Gueto111)

O Ruizão era o carro chefe do Hip Hop em Goiânia, porque era um dos poucos Dj
que tocava só Rap, por exemplo a maioria tocava uma seleção enorme de lenta,
tocava rock nacional, aqueles rock do A-HÁ, antigamente, aquelas coisas assim,
U2. E o Rui fazia uma seleção enorme de Funk, uma seleção enorme de Rap, e
deixava mais pras lentas que era hora de beijar as meninas mesmo. E a galera ia
onde ele ia, até porque ele era da Santa Helena, o Kães de Rua era da Santa
Helena, Theodoro era da Santa Helena também, o pessoal era tudo daquela área,
então, eles eram tudo da mesma época. (Testa, grafiteiro, ex- Kães de Rua112)

109
Arquivo Pessoal – Aluísio “Mr. Black” – 1995.
110
Entrevista em 26 de novembro de 2002.
111
Entrevista em 09 de setembro de 2006.
112
Entrevista em 18 de janeiro de 2007.

77
Ruizão realizou bailes no Clube do Sargento no Setor Bueno; na danceteria Alegria,
Alegria, montada por ele na Avenida Tocantins, acima do Teatro Goiânia no Centro da
cidade; no Clube Balneário, no bairro Balneário Meia Ponte; na Disco Laser, na Vila Brasília;
na Discoteca 2002 e Gol de Placa, no Setor Novo Horizonte e ainda no Parque Atheneu, na
Discoteca 2000. Hoje, evangélico, relembra de uma maneira que afirma sua fé atual, mas ao
mesmo tempo saudoso dos tempos idos:

Coisa curiosa é que todos lugares em que foram casas de shows e que eu toquei
aqui, viraram hoje Igrejas evangélicas, e em quase todas morreram gente. Eu tive
várias danceterias: Funk Mania, na Anhanguera, Disco Laser, 2002, 2000,
Broadway, Stilus, Quadra da Gavião, Raiz. (...) Quando existia só o Kães de Rua,
Eletrock e o MegaVox lá no Cine Teatro Fênix era uma danceteria minha, eu
mandei grafitar ela todinha, o Príncipe e o Scott Ci., e quando ligava a luz negra
virava uma coisa de outro mundo, eu tinha que ter filmado, fotografado. Era a
Danceteria Carneiros. (...) Outro lugar que eu fiz o som foi na Estação Ferroviária
no centro, eu também fiz festa lá. Sábado e matinê no domingo. E era lindo de mais.
(Dj Ruizão)

Junto com os lugares fixos, realizava festas nas quadras de esporte, praças e ruas da
cidade. Segundo ele, poucos foram os bairros de Goiânia em que a Cash Box não divertiu a
juventude:

Aí eu lancei o Rock e Rua, sábado eu fazia uma festa em lugar fechado e cobrava.
No domingo na rua, na porta de chopinho, aí o lucro do dono dos bares era a venda
das bebidas e eu ganhava uma porcentagem. Começava três, quatro da tarde e ia
até dez, meia noite, ou até amanhecer. Então era pro pessoal mais humilde que
gostava, mas não tinha condição de pagar. Eu fui o único cara que lançou música
em Rock e Rua. (...) Eu não preocupava só em dinheiro, eu preocupava em levar
alegria para o jovem, pessoas, levar a dança para a rua. (DJ Ruizão)

Nesses bailes, Dj Ruizão animava o público não só com as músicas, mas com alguns
motes que ele dizia entre as músicas, ou quando iria tocar um lançamento, ou ainda antes de
uma música de grande sucesso. Nos bailes havia espaço para as músicas lentas, músicas
românticas para se dançar a dois, descansar, tomar água ou refrigerante, conforme afirmação
sua. No momento da troca para outro estilo, ele usava o microfone para incitar o público, e
realizava o “toast”: “A toda galera black de Goiânia”, agitava-se a iluminação, e avisava:
“Não quero ver ninguém parado”. Ou ainda os motes: “Passa mal!” e “Pode crer!”.
Segundo Mr. Black, nas festas da Cash Box, o Dj Ruizão perguntava ao microfone:
„Qual é a cor que cobre todas as outras?‟ E respondia: „Preta é a cor que cobre todas as
outras‟. Ao se referir às músicas que tocavam em seus bailes, Dj Ruizão afirma:

Essas músicas são Músicas Negras, o funk, o rap, o hip hop (...) Os sucessos nos
meus bailes foram todos de música negra (...) se eu mostrar as capas dos discos
você verá são tudo preto. O único branco que lançou e foi vaiado foi o Vanilla Ice, e

78
depois o Eminem, mas eu nunca dei valor, não gostei das músicas dele, ele queria
matar a mãe dele, eu nunca toquei música dele.

Em um informativo do I Fórum Regional do Movimento Hip Hop, realizado em Abril


de 2002, os organizadores afirmam que há vinte (20) anos existia Hip-Hop em Goiânia.
Assim, seus elementos estariam presentes aqui, por volta de 1982. No informativo editado
pela UMH²O-GO113, edição número cinco de novembro de 2001 no texto intitulado Hip Hop
Goiano não para, aparece que:

Em 1983, em Goiânia, já surgia as primeiras Gangues de Break, tais como: Kães de


Rua, Selvagens Eletro Rock, e outras. No final dos anos 80 o Break goiano cresceu
muito sendo reconhecido nacionalmente como um dos mais aprimorados.

Já no trabalho de Luciana M. S. do Santos, sobre o rap em Goiânia, temos o seguinte:

(...) O Hip Hop alcança Goiás em 1985 (segundo depoimento de Northon, do grupo
Contra Ataque, de Goiânia), principalmente através dos grupos de breakdancers.
Chega através da televisão, quando os jovens deparam-se com os alucinantes passos
de Michael Jackson – o Moon Walk – e também através de uma novela exibida pela
TV Globo: Partido Alto.( s/d, p.09)

Os primeiros dançarinos de break começaram a surgir pelo Brasil no embalo do


bombardeio midiático em torno de Michael Jackson, que conseqüentemente trazia para os
lares de todo mundo a estética black afro-americana, com os movimentos do break114, as
jaquetas coloridas, enfim, disseminou a cultura de rua afro-americana. Os cenários
apresentados em clips musicais, filmes, capas de discos se cruzam, no início do ato de ouvir,
perceber o movimento, se empolgar e começar a repetir, a recriar. Ao falar de como se
envolveu com o breaking, Jean Bala ex-Kães de Rua e dos grupos Eletro Break e Sociedade
Black nos disse que:

(...) desde 84 eu sempre tive uma ligação assim com a dança, com, com o break,
desde a época que eu via Michael Jackson dançar eu me empolguei, me envolvi, ai
em 84 eu comecei a fazer aqueles passos, entendeu?

Nelson Triunfo, em São Paulo, tornou-se um dos mais conhecidos dançarinos de funk,
passando a ser considerado o precursor do break no Brasil, mesmo sem saber ajudou a
115
fomentar a difusão da dança pelo país: “Comecei a dançar break sem saber” , depois de

113
União do Movimento Hip Hop Organizado de Goiás. Criada em 1998 continua na ativa
114
King Nino Brown nos alertou para esse caso, em que Michael Jackson popularizou o estilo Popping
desenvolvido entre 1977 e 1978 por Boogaloo Sam, em Fresno na Califórnia. Cujo passo mais famoso foi o
“Back Slide”, ou andar para trás. Cf. também, entrevista com Frank Ejara “Discípulos do Ritmo” In: Rap e Cia.
Collection. Nº1. São Paulo: Ed. Escala, 2005, s/p.
115
Revista Caros Amigos Especial: Movimento Hip Hop: a periferia mostra seu magnífico rosto novo, nº 03,
setembro 1998, p. 29.

79
aceitar um desafio de Silvio Santos, para imitar os “robozinhos” americanos. Em 1983, já
estava na rua com o seu grupo “Funk e Cia.”, mais exatamente em frente ao Teatro Municipal
de São Paulo. Daí irão se estabelecer nas esquinas das ruas Dom José de Barros com a 24 de
maio, dançando o dia inteiro e recebendo gorjetas dos transeuntes116.

Imagem 15
Capa do disco da novela Partido Alto117

Na carona do sucesso de Michael Jackson e da dança do Bronx entre grande parcela da


juventude das grandes capitais do país, a Rede Globo de Televisão põe no ar, em 1984, a
novela Partido Alto que apresentava em sua abertura dançarinos de break. O grupo Funk &
Cia. foi quem realizou a coreografia da abertura da novela. Vários jovens vão sendo
influenciados, tomam gosto e aprendem os passos do break. Vindos dos bairros pobres, vários
grupos surgiram a partir de então em várias cidades do país. E em algumas, irão proliferar e se
manter como em São Paulo118, Rio de Janeiro119, Belo Horizonte120, Porto Alegre121,
Brasília122, Fortaleza123, Goiânia, entre outras. Como o alcance televisivo se torna muito
amplo durante a década de 1980, fica difícil dizer os locais que não foram afetados pela onda
do break.
Os clipes musicais, bem como os filmes124 irão influenciar diretamente a produção dos
elementos da cultura hip-hop no Brasil. Dois filmes em especial são citados com maior
freqüência: Break Dance, de 1983 e Beat Street, de 1984. O filme Break Dance, segundo
Lagartixa, um dos ex-integrantes da gangue Kães de Rua, foi
116
Ibidem.
117
Disponível em: http://www.telenovela.hpg.ig.com.br/part.htm, acesso em 14/11/2003.
118
Cf. entre outros HERSCHMANN, 2000; MARTINS, 2005.
119
Ibidem.
120
Cf. DAYRELL, 2005.
121
Cf. LAYTANO, 1996.
122
Cf. AMORIM, 1998.
123
Cf. DAMASCENO, 1998.
124
Sobre filmes e documentários na TV sobre o Hip-Hop ver o site
http://www.grupoderua.com.br/dr2000/arquivfilmes.htm, acesso em 10/11/2002.

80
(...) o primeiro filme que a gente assistiu foi o Break Dance, ali no Cine Capri.
Fizeram uma roda lá, mano. Tinha o Welinton... só que ele não era do meu grupo e
ele era da Vila Brasília, lá do Setor Pedro, o Welinton viu o cara fazendo moinho de
vento no asfalto, foi e fez moinho de vento na mesma hora. „Ah, eu dou conta, dou
conta‟. Foi lá e fez e nós ficamos loucos. Falei: Nó! Mano, não é possível? Tinha o
Bolinha também, ele é cheio de tatuagem, nós achávamos até que ele era metaleiro,
né? Andava com umas botinonas. A botina nós não sabíamos, mas ela era peso,
pros pés dele, porque ele fazia o moinho de vento com os pesos no pé. Tinha altos
caras bons aqui.

O filme Beat Street apresentava a vida de jovens e adultos que cresceram no sul do
Bronx, com várias cenas de breaking e batalhas entre as gangues de break, alimentando assim
o imaginário de uma parcela significativa da juventude no Brasil:

A história de Gog no hip hop começou como a de tantos outros paulistas,


pernambucanos e brasilienses: na onda do break, no início da década de 80, ele se
tornou B. boy, na cidade satélite de Guará. Assistiu ao filme Beat Street e adotou o
hip hop como estilo de vida.125

Em O Livro Vermelho do Hip Hop, de Spency Pimentel, Zé Brown do grupo Faces do


Subúrbio, de Recife ao relembrar do tempo em que se iniciou no Hip-Hop, fala do filme:
(...) Fazíamos roda de break no Parque Treze de Maio, no Hamburgão, havia mais
de quinze gangues. Os veteranos ensinavam à gente que o Hip-Hop era uma forma
de protesto, de qualquer jeito. Break, grafite ou rap, na letra, no desenho, ou nos
movimentos, a agressividade estava na parada. Nas rodas em Piedade, conheci o
Fortunato, um dos mais velhos, com ele assisti ao "Beat Street" (1997).

Em um trecho da entrevista realizada com Dj Cenzala126, ao falar de onde retirou a


idéia para o nome do seu primeiro grupo de break, cita o filme:
O nome era Best Rockers, e (...) inclusive, a gente tirou o nome, assim, as idéia,
mais ou menos de um filme chamado Beat Street, não sei se você conhece, um filme
americano, entendeu? Então tem duas banda, uma chama Best Rockers e a outra
chama Street Warrior, então eles tinham um combate, um racha, foi a gente gostou
do nome, da banda, dos cara, tal, e(...) montamos o grupo.

Em 1984, Nego Ná coordenou um festival de dança, cujo estilo era chamado de


Discotheque. Ocorreu dentro do projeto Praça, Lazer e Cultura da Secretária de Cultura do
município de Goiânia. Citado em várias entrevistas como o precursor da dança negra em
Goiânia. Esta dança foi chamada por alguns de funk, devido à nomenclatura da música negra
dançante, vinda principalmente dos EUA, e que predominava nos eventos (festivais de dança,
matinês dançantes em ruas, praças e ou clubes). A dança seria renomeada posteriormente
como breaking – esta nomeação foi transmitido por filmes como Beat Street, e documentários
como “Em Busca da Batida Perfeita” de Susan Saw (DAMACENO, 1997).

125
Gog é rapper de Brasília. Revista Caros Amigos op. cit., p. 22.
126
Realizada em 23 de novembro de 2002.

81
Imagem 16 Imagem 17
Nego Ná127 Grupo “Butterfly”128

Em uma conversa informal, Nego Na – hoje professor de dança de salão – disse que o
Hip-Hop foi uma moda passageira, uma vez que o discurso do rap não trazia nada de positivo
ou produtivo, para a dança, a música e as culturas negras. Quanto ao festival de dança, uma
pequena nota sobre o evento aparece no Jornal O Popular, mas só trata de dizer ser um evento
de discotheque. E o grupo “Butterfly” aparece como um dos finalistas. O próprio nome indica
esta relação com a música ouvida, de matriz lingüística anglo-saxônica.
Em 1986 é realizado um campeonato de break em Goiânia, organizado pela Rádio
Cidade FM, hoje Rádio Terra, no Parque Mutirama. Este evento, segundo Dj Cenzala, abriu
certo espaço para o break, bem como mostrou para os simpatizantes dois grupos organizados
que serviram de exemplo para que outros fossem montados. Os grupos eram os Kães de Rua
do Lagartixa, que foi o vencedor, e o Eletro Rock de Teodoro Cruz o TC.
A partir daí mais e mais adeptos surgiram. As roupas e adereços que imitavam os B.
boys norte-americanos foram incorporados e assimilados. As marcas Adidas, Nike, eram as
favoritas dos B. boys de lá, já que se espelhavam nos jogadores de basquetebol da liga norte-
americana NBA, negros como eles, saídos dos bairros pobres e agora famosos. Surgia “uma
forma de se vestir conhecida como estilo B. boy, isto é, adoração e uso exclusivo de marcas
esportivas como Adidas, Nike, Fila” (VIANNA, 1997: 21)129. Ou ainda pode ser percebido na
comparação entre as imagens abaixo:

127
Jornal O Popular, 07 de Janeiro de 1984, p. 4B – Sem crédito.
128
Jornal O popular, Sábado, 14 de Janeiro de 1984, p. 6B – Foto: Carisma Furlan.
129
Aqui poderíamos pensar no principio da moda streetwear, que tomou conta do mundo a partir de meados dos
anos 1980, além do exacerbado culto ao corpo que se estabelece a partir de então, mas este não é nosso intuito
aqui.

82
Imagem 18 Imagem 19
Dj Grandmaster Flash130 Dj Cenzala131

É certo que o uso de roupas dessas marcas estavam fora do alcance de boa parte dos B.
boys daqui, principalmente devido ao preço. No entanto, similares são reproduzidos
artesanalmente pelos jovens, ou pelas confecções locais que criam marcas como Mike,
Redbook, tornando possíveis as releituras da estética B. boy norte-americana. Os nomes dos
grupos são também espelhados nos nomes dos grupos que apareciam nos filmes, como
verificado nas entrevistas realizadas:
(...) tinha o New York City Break, aí, eles viram, e quis o nome de Fantasma Detona
City, aí ele ficou, porque... detonava a cidade no break, né? Que eles queriam
falar... . Megabreak, eu tirei ele de um grupo que tem nos Estados Unidos que
chama Megatron, faz só música eletrônica, aí eu gostava de ouvir o Megatron, aí eu
tirei o Mega, coloquei break, Megabreak.(Ricardo do grupo Megabreak132)

Poderíamos dizer que adotavam um estilo de vida, o estilo B. boy. Estilo de vida visto
aqui como “a forma pela qual uma pessoa ou um grupo de pessoas vivenciam o mundo”,
influenciando seus comportamentos e escolhas. Definido por Bourdieu como elementos que
compõem o conjunto simbólico e se caracterizam por se distanciar das necessidades básicas
dos indivíduos ou grupos. Correspondem às diferentes posições que os grupos ocupam no
espaço social e “a sistemas de diferenciação que são a retradução simbólica de diferenças
objetivamente inscritas nas condições de existência" (Apud: AMARAL, 1992:35).
Mesmo sem saber do que se tratava, nascia a cultura hip-hop ressignificada no Brasil
pela juventude que se identificava com a música e dança produzida pelos jovens afro-
americanos. A juventude hip-hopper produzia aquilo que De Certeau chama de “politização
da prática cotidiana”, um jogo tático e de astúcia no consumo, em que o fraco tira partido do
forte, seja pela estética da falsificação ou pela reprodução não autorizada. Assim, produziram

130
Disponível em: www.mrwiggleshiphop.net, acesso em 22/11/2003.
131
Nos tempos em que treinava break em Trindade – Arquivo pessoal – 1989.
132
Entrevista realizada em 23 de novembro de 2002.

83
“pequenos sucessos, artes de dar golpes, astúcias de “caçadores”, simulações polimorfas,
achados que provocam euforia, tanto poéticos quanto bélicos” (1999, pp. 44-47). Tais práticas
contribuíram para tradução e reprodução da cultura hip-hop. Fator que possibilitou a
emergência desses jovens enquanto protagonistas de suas histórias marcadas pelas lutas por
reconhecimento desenvolvidas através da arte produzida por eles.

Imagem 20
Estilo B. boy133

II.4 – B. boys na “roça asfaltada”: dos bailes para as ruas

T.C., um dos fundadores da crew de break goiana Electrorock – uma das primeiras de
Goiânia – transita entre papéis, os quais desempenha sem muitos problemas apesar da
ambigüidade, é policial e é rapper. T.C. chama atenção ao por em relação e
complementaridade questões, muitas vezes vistas como ambíguas como sua própria vida
dividida entre o Hip-Hop e a instituição policial. No chapéu que usa estão de cada lado as
palavras Deus e Orixás. Tais palavras trazem dupla proteção, e ao mesmo tempo expressa a
ambigüidade da vivência negra no Brasil e no ocidente, na difícil tarefa de negociar e no mais
das vezes ceder ante a unicultura dominante.

133
Arquivo Pessoal – “Aluísio Mr. Black” – 1991.

84
Imagem 21
T.C. Eletrorock – Goiânia Viva 2005134

A experiência de T.C. aproxima e mistura o Mc com B. boy, demonstrando que não se


é ou deixa de ser, mas sim torna-se, e nesse sentido o antes e o depois se reforçam mais do
que se excluem. Hoje canta rap, mas no passado dançava break. A letra de B. boy um de seus
raps traz uma idéia do que é ser B. boy.

B. boys, nós somos B. boys. Eu sou B. boy, você é um B. boy. B. boys, dançarinos de
breakdance. Somos considerados estrelas reais, do movimento hip hop a nível
mundial. Dançando bem ou dançando mal, está valendo o esforço de cada um. Nós
temos que reconhecer e animar, contagiar, praticar o movimento hip hop. O
movimento que abraçamos com todo coração. Como eu falo, que o break dance está
na minha alma. Eu não consigo é viver sem ele. E através dos anos que se
passaram, muita lição na vida, aprendi. Constitui família e muitos amigos. Que ao
longo do tempo, ainda existem. Vi camaradas, manos meus se perderem por
caminhos, ao contrário aos nossos. Influências de companheiros seus. E hoje se
encontram distante da gente, a sete palmo de algum cemitério, preso, ou será vitima
de alguma traição. Ta certo viemos ao mundo para morrer e lutarmos pelos nossos
ideais. A vida só é uma, então saiba curti-la numa boa, ainda mais se vocês não
mexerem com drogas ou coisas que fazem mal a saúde. B. boys, B. boys, B. boys são
dançarinos de break dance. B. boys, B. boys, B. boys somos nós, gladiadores da
dança.135
A conscientização ideal para os B. boys se daria na transformação da relação dos
jovens com os entorpecentes e a criminalidade. Realidade vigente na vida dos jovens que

134
Arquivo Pessoal – Allysson, 2006.
135
Letra da música B. boy, de Teodoro Cruz, o TC. Electrorock, lançada na coletânea Dj Fox apresenta:
anhanguera rap, lançado em 2001 pela Anhanguera Discos.

85
vivem nos bairros pobres e periféricos136. Outro fator importante nesta relação tem haver com
o condicionamento físico que o dançarino deve possuir. Condicionamento atrapalhado pela
ingestão de substâncias tóxicas comprometedoras do preparo físico e do desempenho exigidos
pela dança. Idéia que incorpora ainda o discurso da “geração saúde” e do “politicamente
correto” combate às drogas, álcool e tabaco presentes na esfera pública desde anos 1980137.
A influência da cultura estadunidense no mundo a partir da segunda metade do século
XX é inegável. No entanto, os processos de incorporação dessa influência se dão de maneiras
diversas e negociadas em nossa sociedade. Em um panfleto de uma matinê de Hip-Hop
realizada em 2000 na Point Rap138, boa parte dos grupos possuía nomes em inglês: Master
Break, Street Dance, Master Funk, Sumary of the funk e Break Boys. Porém, não só o estilo e
a estética são re-assimilados, o discurso do Hip-Hop como uma “cultura de rua”, de periferia
e voltado para a diversão e a salvação do povo pobre e preto, também é reconstruído por aqui:

(...) dos anos 90 ao século 21 foi realmente a explosão do Hip Hop goiano, onde
foram juntados o lado social e o lado cultural fazendo com que o Hip Hop fosse
conhecido e reconhecido como uma legítima cultura de rua onde se prega a
conscientização e acima de tudo, o orgulho de ser um mano pobre, mais digno.
(Editorial do fanzine Voz da Quebrada, ed. 05, nov-dez/2001)

A diferenciação com o outro que assimila os aspectos dessa cultura139, na maioria das
vezes, constitui um outro ponto importante que salta aos ouvidos e olhos. O cotidiano é a
inspiração e de onde flui a sociabilidade do grupo. A inserção da dança de rua em academias
se torna uma heresia.

(...) Você tem que ver uma coisa, nós nascemos na periferia, nós não nascemos em
berço de ouro não. O funk de antigamente, o smurf de antigamente, tudo tem uma
ligação com o breakdance, a única coisa que num tem é aquele tal de street-dance.
Não é o grupo Street Dance, não, entendeu? É uma dança, porque street dance você
aprende é na academia, entendeu? Cê num aprende na rua, cê num aprende em
escola, cê aprende na academia, entendeu? E é a onde, como se diz, a burguesia ta
tomando de conta, de treinar o street dance, pra eles falarem que eles são da rua,
entendeu? E não é. Porque o Cê pode ver que num tem um aluno da periferia que ta
numa academia aí, treinando. Cara na rua, ele machuca, ele passa fome, entendeu?
Ele corre, vai atrás dos objetivo dele (...) (Jean Bala, Eletrobreak)

136
O tráfico de drogas é muitas vezes uma forma de sustento para a vida das comunidades pobres urbanas, que
sofrem os danos de forma mais violenta do que a classe consumidora formada em geral pelas camadas média e
alta da sociedade. Cf. ATHAÍDE, Celso... [et al.], 2005.
137
Discurso amplamente difundido pela mídia em geral, a partir dos anos 1980, Cf. OLIVEIRA, 2000.
138
Situada na Rua 4, quase esquina com a Rua 20, no centro de Goiânia, anexo ao bar Joãozinho Mercês, ponto
de encontro da diversidade goianiense – de estudantes a garotas de programa, de homossexuais a heavy metals,
da juventude periférica a artistas da classe média alta – nos fins da década de 1990.
139
Hoje hip hop é difundido enquanto street dance, nas academias de ginástica, e como gênero musical nas
boates da classe média e alta. Mas devemos salientar que já existem B. boys ministrando aulas nas academias e
Djs sendo residentes em boates de classe média e alta.

86
Hoje, porém, a heresia se torna lugar comum. A cultura hip-hop foi incorporada no
caso da street dance, que passou a ser ensinada nas academias, tendo muitas vezes os próprios
B. boys como professores. Os caminhos abertos pelas dificuldades e perigos da rua tornam-se
possibilidades de inserção no mundo do trabalho pela própria arte desenvolvida por eles140.
Assim, para compreender a reprodução e aparição dessa cultura pelas ruas de Goiânia,
devemos nos investir do olhar antropológico, pois a rua

(...) é recortada desde outros e variados pontos de vista, oferecidos pela


multiplicidade de seus usuários, suas tarefas, suas referências culturais, seus horários
de uso e formas de ocupação. A rua, rígida na função tradicional e dominante –
espaço destinado ao fluxo – às vezes se transforma e vira outras coisas: vira casa,
vira trajeto devoto em dia de procissão, local de protesto em dia de passeata, de
fruição em dia de festa, etc. Ás vezes é vitrine, outras é palco, outras ainda lugar de
trabalho ou ponto de encontro. (MAGNANI, 2000)

A cultura hip-hop é chamada pelos seus adeptos como “cultura de rua”. Os filmes,
clipes e discos traziam essa ambiência, como demonstra a capa do disco “The Message” do
Grandmaster Flash e The Furious Five, de 1982, que têm como cenário a rua, lugar da cultura
hip-hop por excelência:
Imagem 22
The Message141

A rua se torna território para viver, se divertir, criar, encontrar os manos, sobreviver e
fazer arte. O grafiteiro Testa que inicialmente foi dançarino de break hoje sobrevive de seu
grafite, através principalmente de fachadas para empresas. Um de seus principais trabalhos foi
grafitar os muros de uma grande concessionária de veículos. Seus trabalhos, porém estão
espalhados pela cidade sendo comerciais ou representando a cultura hip-hop. Notamos que
cada vez mais as empresas têm solicitado trabalhos de grafiteiros como uma forma de evitar
as pichações em suas paredes e muros. O grafite tem sido valorizado principalmente como

140
O B. boy Jerry do grupo Megabreak ministra aulas em academias de Goiânia, fato que lhe possibilitou um
intercâmbio na China para trocar experiências acerca da dança de rua.
141
Disponível em: www.daveyd.com, 26/11/2003.

87
uma forma de barrar as pichações, uma vez que os pichadores tendem a respeitar o trabalho
do grafiteiro.
Imagem 23
Grafite ponte da rua 243142

As práticas culturais do breaking, djing, rapping e grafitti definidas pela juventude


hip-hopper como “Movimento Cultural de Rua”, não estabeleceram um centro de poder. Sua
força estaria na conscientização individual propagada pelos seus membros. A solidão na
multidão da cidade, as dificuldades do dia-a-dia, as crises podem ser aliviadas ou contornadas
pela inserção no movimento:

(...) envolve com o breakdance que cê num envolve com droga, cê num envolve na
violência, entendeu? Porque o único meio que eu tive. Porque você sabe, quem
mora na periferia, tem dois caminhos pra seguir, ou o bem ou o mal. E é muito
difícil da periferia dar conta de seguir o bem. Que o poder aquisitivo da periferia
você sabe que é difícil, entendeu? Então é a onde a pessoa começa a envolver com
droga, começou a envolver com droga, droga é de tudo! Envolveu com droga cê ta
no furto, cê ta no tráfico, cê ta envolvido entendeu? Então, a minha infância na
periferia, eu escolhi, e optei pelo break-dance, entendeu? E pra você vê, meus
colega de infância hoje tão todos mortos, outros estão presos. E graças a Deus eu
estou aqui, com minha família e tô dançando. (Jean Bala, grupo Eletro Break)

As possibilidades dadas a esta juventude no sentido de inserção social e


principalmente no consumo de bens é dificultada pela falta de qualificação. O tráfico de droga
é uma das maneiras rápidas para se poder ganhar dinheiro. No entanto o caminho é curto,
sendo o final a morte ou a prisão. Neste sentido o Hip-Hop é sempre apresentado como um

142
Foto: Allysson. Grafite de Testa, Ocyo e Smile na ponte da rua 243 sobre a marginal Botafogo. Goiânia,
2006.

88
caminho alternativo para a construção do reconhecimento e da identidade, caminho que tem
possibilitado a elevação de auto-estima da juventude “outsider” dos grandes aglomerados
urbanos pelo mundo. Através da identificação com os elementos dessa cultura, vários jovens
da periferia de Goiânia construíram caminhos alternativos para se divertirem, bem como se
sentirem importantes, valorizados. Destacar-se, processo da auto-realização, é de suma
importância para que se sinta alguém além do anonimato e da invisibilidade.

Imagem 24
B. boys e rappers no Clube do Sargento – 1995143

O “centro nervoso” do break no Brasil tem sido São Paulo. De onde esta experiência
se irradiou pelo Brasil, através da Televisão principalmente, acionando sentimentos de
afeição, impulsionando as conexões. De Goiânia alguns jovens foram para São Paulo atrás da
dança de rua, que os havia conquistado. Um dos primeiros grupos criados em Goiânia, o Kães
de Rua, estabeleceu uma conexão com São Paulo:

Em 1983, formei o grupo Kães de Rua, meu irmão foi para São Paulo e não achou
os B. boys, e meu patrão Nonato foi e pagou a passagem para eu ir. Chegando lá
descobri a São Bento, que era o pico. Aí vim aqui em Goiânia mostrar como é que
era que os cara dançava, né? O que os caras estavam dançando lá em São Paulo. A
maioria das coisas eu aprendi lá em São Paulo, foot work, aprendi freezar, power
movie, nossa senhora, power movie então, foi a primeira coisa que eu peguei... que
foi o moinho de vento subindo pra cabeça, aí com o tempo eu fui conhecendo os
melhores de lá. Fiquei entre os melhores de lá, de São Paulo... eu morava lá, na
Liberdade, no centro. Aí como eu tinha uns amigos que moravam lá na Zona Sul,
né? É... sexta, sábado e domingo nós íamos lá na São Bento, toda sexta, sábado e
domingo nós íamos lá só para treinar. Até que um dia fechou, o cara do Metrô
pegou e não quis mais liberar lá para a gente. Quebraram um rádio de um cara lá,

143
Arquivo pessoal – Aluísio “Mr. Black”, 1995.

89
do espeto, aí deixou de mão. Mas lá teve vários picos de break, tem o Radial, fica na
Zona Leste, tem o Clube da Cidade, fica no centro. (Lagartixa, Kães de Rua) 144

O break estabeleceu novas formas de sociabilidade, fulano é do grupo tal, cicrano é do


outro grupo, são conhecidos pelos nomes, transformam-se em história construída por eles
mesmos. Buscar valorização e reconhecimento tanto no grupo que participam, quanto
externamente faz parte do processo:

O Lagarto para mim é a lenda do Hip Hop, foi para mim o maior dançarino, dos
caras que eu conheci pessoalmente, para mim ele ficou na história, nunca vou ver
ninguém para dançar que nem ele dançou, veio a evolução, mas ele dançava
demais. Eu vi ele dançando de cabeça, foi o primeiro a dançar em Goiás. (Black
Man)145

Para mostrar que em Goiânia havia B. boys Lagartixa procurou estabelecer o


intercâmbio com São Paulo:

(...) Em 93 eu levei o Jean, o Neneca, o Jabu, o Paulinho Mola, lá no Silvio Santos,


lá no Gugu, foi quando o Jean e o Neneca travavam o Flare, eles começaram a
travar o Flare, e ninguém fazia, ninguém aqui em Goiânia fazia isso, nem Goiânia,
nem nos Estados Unidos, não fazia isso. 93, em 92 eles já faziam já. 93 eu falei para
eles, oh, tem o maior encontro de B. boy aqui em São Paulo, 93, lembro como se
fosse hoje, o Thaíde falou assim para o Neneca assim: Ô Neneca, faz o salto aí de
novo. Neneca foi correndo fez o salto parafusado e tirou a camisa. Aí ele falou
assim: Nó mano, tirou a camisa no salto. Ele falou: Não! Tem muita coisa, muita
coisa mesmo... Aí que os caras foram ver que aqui em Goiânia tinha cara bom,
entendeu? E que os caras daqui de Goiânia foram ver que tinha os caras bons. Aí o
pessoal, todo mundo, começou a dançar. (Lagartixa, Kães de Rua)146

Para os B. boys de São Paulo, era incrível existir break na “roça asfaltada”. Epíteto
usado para denominar Goiânia, demonstra uma visão urbana que vê o mundo rural como
inferior. O depoimento de Dj Cenzala sobre a viagem dos irmãos para São Paulo demonstra
como se difundiu por aqui a incursão dos goianos em São Paulo:

(...) aconteceu no Gugu, foi o Jean, Neneca, do Eletro Break, o nome do grupo
deles, eles foram pra lá, pra apresentar, não sei se você lembra, tava tendo, um...
tipo uns campeonatinho lá, e quem ganhasse ia ganhar um dinheiro lá, cê
entendeu? E eles se interessaram, fizeram a inscrição e foram sorteado e foram pra
lá. Só que o pessoal de lá pensava que aqui nem existia break, só que os cara daqui
estavam melhor que os cara de lá, por que aqui era um vício, era na veia mesmo,
sabe? Um vício mesmo. E daí chegaram lá, dançaram, ganharam, foram... ficaram
classificado e depois dançaram em outro, ganharam. Aí o pessoal da rádio começou
a crescer o olho aqui, né? Ah, em Goiânia tem break, Goiânia tem break... porque o
pessoal de lá chamava a gente daqui de da roça, né? Ah, naquela roça asfaltada lá
num tem break não. Aí o pessoal daqui, pessoal tudo humilde, foram treinando,
treinando, até dar essa época. Né? Como diz o outro: tudo tem a época certa. Então

144
Entrevista em 2 de fevereiro de 2007.
145
Rapper paulista, hoje residente em Senador Canedo. Não foi entrevistado mas deu o depoimento durante a
entrevista com Lagartixa.
146
Idem.

90
eles esperaram, foram tranqüilo e lá foram nós. E ficamos representado, né?
Goiânia lá em São Paulo. Hoje em dia a gente tem bastante moral lá. (Dj Cenzala,
Conexão Suburbana)

A necessidade de serem reconhecidos, dizer que Goiânia também fazia parte da nação
Hip-Hop, contribui para inscrever uma ligação que reforça as relações e o reconhecimento das
práticas desenvolvidas em Goiás, sobrepondo os limites territoriais. Além de ser goianiense,
que é cidade e não roça, morador do Novo Mundo, Jean Bala representa estas relações para
além do nacional. Relações realizadas pelo encontro anterior com o Hip-Hop, intermediado
pelos meios de comunicação. Promovendo novas formas de estar no mundo gerando novas
possibilidades, estas relações ampliam os horizontes de expectativas. Estes que estarão
completos com o reconhecimento pelo grupo.
Os dois irmãos Jean e Neneca transformaram suas vidas através do break, seus filhos
hoje treinam a dança e fazem parte do grupo “Eletro Break”. Dão continuidade à trajetória
iniciada no passado. Que teve como divisor de águas o ano de 1993 quando estiveram em São
Paulo pela primeira vez. O fato de terem se apresentado na estação São Bento possibilitou um
fortalecimento de suas práticas enquanto B. boys, e mesmo com todas as dificuldades,
contornaram e lutaram até os dias de hoje para a sobrevivência do break e da memória de suas
realizações. Ao relembrar da incursão por São Paulo, Jean trata de estabelecer a relação deste
momento com a transformação positiva de sua vida:

(...) em 93 participamos do... programa Domingo Legal do Gugu ganhamos em 1º.


Lugar, participamos da 1ª Mostra Nacional de hip-hop de Break Dance no Brasil
que foi em São Paulo, no dia 13 de março de 1993(...) eu acho que eu deveria ta
com, eu já era de maior, eu tinha 18 anos, não, não 17. Pegamos a nossa
mochilinha, a trouxinha, pegamos o ônibus e descemos nós dois sozinhos pra São
Paulo. Por quê? Por que falaram que em São Paulo tinha um cara que era o melhor
do Brasil, e meu irmão falou que era o melhor, aí chegou lá nós fomos para rachar
com o cara, entendeu? Chegou lá, o cara é tão gente fina que num teve racha. Nós
dançamos junto com eles no palco, entendeu? Então, pra você ver, passamos fome
em São Paulo, entendeu? Passamos necessidade(...) olha só o que a dança me deu.
Dois molequin, dois garotin da periferia, mal conhecia sua cidade, né? Meu, hoje
nós conhecemos São Paulo, conhece Minas Gerais, conhecemos Brasília, o interior
do estado inteiro. Agora pra você ver, o hip hop me deu tanta amizade, que onde eu
chego eu sou bem recebido(...) Então se eu falar pra você, eu acho que eu sem o
break - tratar do hip hop eu vou bater sempre na tecla do break, entendeu? Se não
fosse o break, eu te falo a real pra você, hoje eu não estaria aqui contando essa
história não, entendeu? O break me livrou de muita coisa, e me deu muitos amigos,
hoje eu tenho amigo demais da conta por causa do break dance. (Jean Bala, Eletro
Break)

A partir da década de 1990 Goiânia terá ruas transformadas em palco para as rodas de
break. Um calçadão de ardósia na Avenida Anhanguera quase esquina com a Avenida
Araguaia foi um desses pontos de encontro dos hip-hoppers da Grande Goiânia. Os espaços

91
destinados ao fluxo do trabalho, o centro do comércio e do poder em Goiânia se transformam
em palco para as aparições dos B. boys. No jornal Diário da Manhã, de 13 de julho 1996, uma
matéria no caderno DM Revista, intitulada Cultura de Rua, registrou o encontro da juventude
periférica:

Enquanto na Ricardo Paranhos teens da classe média vão desfilar roupinha nova,
dezenas de garotos da periferia se encontram no calçadão da Avenida Anhanguera,
quase esquina com Araguaia. (...) No centro de tudo um negro se contorce. (...) No
meio do círculo, Lagartixa faz suas estripulias. Tio Lú, Jef e outros rapazes elaboram
uma cama rítmica para o negro dançar. Impressionante em sua vitalidade, quase
inexplicável, Jean Bala voa com os saltos. A plástica é perfeita, Zumbi dos Palmares
ficaria orgulhoso disso. 147

Formam-se “territórios étnicos (ou raciais)” fugazes, “demarcados pela música negra”
– emanada através dos aparelhos de som portáteis – e caracterizados tanto pelo lazer quanto
pelos encontros e confrontos culturais148. Os atritos com comerciantes, polícia, seguranças
tornam-se rotina dentro destas aparições:

O Calçadão na Anhanguera veio depois que a feira Hippie saiu ali da Goiás, e a
gente ficou sem lugar para ir, e os guarda também não deixava a gente dançar na
Caixa Econômica Federal mais, aí tinha Clark Calçados ali na Anhanguera e o piso
era um tapete e aí pensamos: é lá que a gente vai ficar agora. (Testa, grafiteiro, ex-
Kães de Rua)

Na roda, organizada pelos dançarinos, amigos e simpatizantes, também encontravam-


se transeuntes desavisados. Tais rodas poderiam tornar-se esconderijo para “malandros”, para
“manés”; diversão para “meninos de rua”. Como poderia um bando de “desocupados”, “mal-
arrumados”, “às vezes sujos”, “negros” ficarem rolando no chão, formando rodinha? Pois,
sobretudo, impera a visão dominante da “vadiagem” que ainda permanece como uma “regra
não escrita da repressão policial” 149, conforme Wilson Barbosa:

(...) a afrocultura do Brasil continuava a ser vítima de maior pressão assimiladora do


que qualquer outro grupo. Até 1985 (advento do governo Sarney), não era possível
às pessoas pobres (na maioria não-brancos) andarem sem a carteira de trabalho.
Caso a mesma não estivesse assinada, o portador podia ser preso por “vadiagem”,
crime que só pode existir na imaginação de escravizadores. (2002, p. 19)

147
CARLOS, Wellinton. Cultura de rua. DM Revista, p. 6. In.: Jornal Diário da Manhã, 13 de julho de 1996.
148
Segundo Alecssandro Ratts, não seria apenas a predominância negra no agrupamento que definiria
racialmente o território, mas um conjunto de códigos e símbolos compartilhados, 1996, p. 85.
149
Em meus trabalhos de campo não foram poucas as vezes em que a Polícia Militar abordou “energicamente”
jovens integrantes ou simpatizantes do Hip-Hop, não um, mais vários espancamentos e abuso de poder foram
presenciados tanto em regiões periféricas, quanto em regiões centrais da Grande Goiânia, caso que merece uma
análise mais apurada.

92
O B. boy Nelson Triunfo comenta a repressão sofrida ainda durante a ditadura militar,
apanhou da polícia pela primeira vez já em São Paulo, em 1982, quando dançavam break na
rua:

Era uma loucura, as pessoas paravam de trabalhar, fechavam a roda. Aí, a gente
tinha problemas, porque a polícia baixava, prendia a gente, dispersava. Eles pediam
carteira de trabalho. Eu virei freguês da delegacia. Tinha um delegado que gostava
de mim e quando eu chegava lá ele perguntava: „Por que trouxeram esse cara aí de
novo? Vai embora‟. O cara tava de saco cheio de mim. 150

Nos Estados Unidos, os breakerdancers também tiveram problemas com a polícia, ou


melhor, com a cultura dominante, conforme demonstravam os artigos de jornais:

In January 1980, one of the first published articles on breakdancing covered a group
of breakdancers who were detained by the police for fighting and causing a
disturbance in a Washington Heights area subway station. Once the police were
convinced that is was, in fact, “just a dance,” the breakers were let go. As
unsanctioned public dance and public occupation of space, particularly by black and
Puerto Rican youths, breakdancing continued to draw the attention of the police.
Over the following five years, articles in the New York Times, Washington Post, and
the Los Angeles Times continued to cite examples of the police arresting
breakdancers for “disturbing the peace” and “attracting undesirable crowds” in the
malls151 (Apud: ROSE, 1994, p. 50).

Os confrontos, em Goiânia, suscitaram inclusive a construção de um código de ética,


divulgado através de cópias xerocopiadas. Conforme o código não se poderia estar na roda
sem camisa, descalço ou fumando, entre outros152. Continha claramente uma demonstração da
negociação com o grupo dominante – neste caso os comerciantes – que não viam com bons
olhos as aglomerações formadas em pleno centro de Goiânia.
Dentro deste processo conflituoso os territórios são transitórios. Vários foram os
pontos de encontro dos B. boys e simpatizantes. Após o calçadão da Anhangüera, as rodas
foram para a Rua 4,

Na rua quatro, tinha uma loja de Câmbio, uma agência do Correio, de frente a Dupé.
Quando tiraram o calçadão da Anhangüera, a gente passou a ir pra lá. Tinha até uma
tomadinha no prédio lá, que a gente serrava uma energia da mulher lá, ficamos lá
uns dois meses, foi um domingo, chegamos lá pra dançar, o cara tinha riscado a
calçada todinha com aquela maqui ta de cortar cerâmica, riscou todinha que virou

150
Caros Amigos Especial, nº 24, São Paulo: Editora Casa Amarela, junho de 2005, p. 13.
151
[Em janeiro 1980, um dos primeiros artigos publicados sobre breakdancing cobriu um grupo de breakdancers
que foram detidos pela polícia por lutarem e causar um distúrbio em uma estação do metrô na área do
Washington Heights. Uma vez que os polícias foram convencidas que era de fato “apenas uma dança,” os
breakers foram liberados. Como inadmitidas ocupações públicas da dança e do público do espaço,
particularmente pelos negros e pela juventude porto riquenha, o breakdancing continuou a extrair a atenção da
polícia. Nos cinco anos seguintes, os artigos do New York Times, do Washington Post, e do Los Angleles Times
continuaram a citar exemplos das apreensões policiais dos breakdancers por “perturbar a paz” e “atrair
multidões indesejáveis” nas alamedas.] Tradução livre por mim realizada.
152
Adquiri uma cópia do código de ética com Jean Bala.

93
uma lixa. Agora a gente num sabe se era o pessoal que estava escorregando quando
chovia, ou se era porque a gente estava indo para lá no domingo. Mas eu acho que
ele riscou lá porque tinha gente escorregando, porque era aquele piso muito liso.
(Testa, grafiteiro, ex-Kães de Rua)

Imagem 25
Roda de break na Avenida Anhanguera, Testa realizando um flair – 1995153

Ao terem o piso incapacitado para a dança, vão para a rua dois, entre as avenidas
Goiás e Araguaia. Dali, sobem mais um pouco e logo o “encerado”154 estava no meio da Praça
Cívica. Complementaram e destoaram a paisagem ostensiva do centro da cidade, com seus
letreiros, sua poluição visual e sonora e sua imponência representada pelos edifícios de
negócios e poder.
No breaking, o corpo negro se apresenta em liberdade, móvel, elástico, equilibrado
mesmo no desequilíbrio desafia a gravidade, a ordem estabelecida. Afirma-se nos
movimentos executados quem é o dono do corpo, quem controla o corpo. O desafio corporal
do break faz romper a historicidade do corpo negro escravizado, cerceado, perseguido.
Através da dança, o traço normatizador é corrompido. A cultura hip-hop se transforma em
possibilidade de conceber outras realidades sociais que contestam a dominação e o padrão
estético vigente.
Ao mesmo tempo em que rompe a historicidade construída pelas imagens veiculadas
nos jornais, livros didáticos e principalmente pela televisão, as práticas culturais negras se
conectam a uma historicidade alternativa que vem acionando uma contracultura do “Atlântico
Negro”. Esta contracultura plural, trans-histórica e transnacional atravessa verticalmente a
chamada cultura ocidental desde a expansão para além-mar dos europeus, por volta do século
XVI. Estabelece um continuum pela variada gama de manifestações construídas – enquanto
153
Arquivo Pessoal – Aluísio “Mr. Black”, 1995.
154
Linóleo, emborrachado liso, especial para a dança, conseguido com muito custo para amenizar atritos com o
solo e com os proprietários dos estabelecimentos que possuíam uma calçada lisa para a prática do breakin.

94
processos de ressignificação e hibridização. Dentro do processo traumático de domínio das
Américas pelos Estados nacionais europeus, desde o lundu às congadas, passando pela
capoeira, pelo samba, a música e a dança processaram uma argamassa de pertencimento que
desobedecem ao ordenamento da dominação.

Imagem 26
Batalha 2x2 – Colégio Lyceu, 2006155

Assim, os rituais cristãos são subvertidos, feitores e polícia são enganados, vez por
outra a casa grande é seduzida pelo ritmo. Um jogo de negociação e diálogo entre culturas em
movimento. Mas culturas hierarquizadas por um processo longo de tentativa de dominação e
construção de uma ordem aos moldes dos cânones estabelecidos pelas tradições européias,
que transplantadas na aventura atlântica para o novo mundo estabeleceram um processo de
subalternização das culturas não-européias (BHABHA, 1998; GILROY, 2001; HALL, 2003).
A realidade dos jovens que participaram e participam da cultura hip-hop não é pautada
pelo acesso ao lazer, a boas escolas, mas sim às ruas esburacadas e com esgoto a céu aberto.
Lugar destinado aos negros na diáspora que historicamente tem procurado subverter a ordem,
através da construção da auto-estima necessária para continuar vivendo sob condições
aviltantes e de sub-cidadania.
Ao entrevistar o ex-B. boy e hoje Dj Franscisco, perguntamos seu nome e ele se
apresentou como Cenzala. Esta identificação se remete, segundo ele, ao tempo da luta dos
escravos, porque o break também seria uma luta travada desde os Estados Unidos ao Brasil.
Esta luta transforma o delinqüente e marginal em artista. Ao manipular os significados a
Senzala se transforma em Cenzala, enuncia-se a cisão da denominação do lugar dos escravos
no sistema colonial. Abre-se aí o processo de hibridação que ilumina a diferença cultural que

155
Arquivo pessoal: Allysson, janeiro de 2007.

95
vem subverter a ordem e estabelecer novos processos a partir de uma nova agência desde o
subalterno rasurando o signo da dominação e hegemonia (BHABHA, 1998).
Conforme Cenzala este nome surgiu após participar de palestras sobre cultura negra,
desenvolvidas pelo Movimento Negro em Goiânia no ano de 1992. Este fato demonstra que o
processo de identificação positiva com a história dos negros só se dá fora das instituições
oficiais – como as escolas. Nelas ainda é estudada uma história que não reconhece o valor da
população negra na formação do país. E que tem reafirmado a superioridade branca, o mito da
harmonia racial e o ideal do cânone estético etnocêntrico europeu.
Apesar de toda caminhada, o break em Goiás ainda sofre com as dificuldades. Dos
diversos grupos existentes, vários não possuem lugar adequado para treinar. A rua ainda
continua sendo o lugar para tal. Mesmo os mais puristas sabem da necessidade de um lugar
adequado para o treino. Outro fator importante está na questão da preparação e do
condicionamento físico que quando não adequados levam a lesões graves. Um ou outro
consegue sobreviver como B. boy. Em sua maioria os treinos são realizados após o trabalho
ou nos fins de semana.
O trabalho desenvolvido pelo grupo “B. boys de Rua”, formado pelos irmãos B. boys
Roberto, Valdeni e Marrom156, na creche do bairro Goiânia Viva, zona oeste de Goiânia, é um
exemplo dos projetos desenvolvidos através da cultura hip-hop. Eles ministram aula de
breaking para jovens e crianças da região desde os fins de 2005. A creche pertence a igreja
católica. Roberto que é evangélico, diz que não há conflitos: “a madre Tereza, participa todo
domingo, o padre. Filmam, tiram foto. Acabou o treino faz oração, tem palestra. Educação é
não disputar negócio das religiões, a gente não pode discriminar. Nosso projeto, é mais que
isso”157. Não existe mensalidade e a única obrigação para quem participa é estar estudando.
Segundo Roberto, apesar dele e seus irmãos não terem podido estudar, a contribuição agora é
justamente possibilitar que os jovens e crianças de hoje estudem para que possam ter uma
vida menos difícil. E a cultura hip-hop, a arte podem atuar como catalisadoras para a
transformação da vida dos jovens pobres e negros:

Muita gente fala: que nome esquisito; a gente fala, nome esquisito não, isso é a
cultura, esquisito é o que a gente faz na roda. Que é cultura, não é só dança, mas é
cultura, é arte. Não é mesmo? Que a maioria das pessoas discriminam a gente,
pensam que a gente dança isso e aquilo pensam que é bandido, mas não é não. É
cultura é arte, mesma coisa que capoeira, um teatro. Porque os nosso eventos todos
são em Igreja, e em colégios. Acabou aí tem palestra, explico onde é a academia

156
A média de idade deles é 30 anos.
157
Entrevista realizada com Roberto em 03 de setembro de 2006.

96
nossa, nós não cobramos nada. Tanto faz ser criança, adulto, adolescente, não tem
idade. Tem que ter só força de vontade, mesmo.158

Imagem 27
B. boys de rua159

Algumas das alunas do projeto falam sobre o significado da cultura hip-hop para o
documentário Hip Hop: Arte, Cultura, Comunicação e Movimento Social realizado por
Carlise Borges160. Depoimentos que servem para demonstrar o sentido das construções
subjetivas que alimentam atitudes e práticas cotidianas estimuladas pelo contato com a
cultura hip-hop. Hélida de 10 anos afirma que o Hip-Hop é tudo em sua vida, além de ser sua
família. Segundo Heloísa de 15 anos, irmã de Hélida, o Hip-Hop estaria sendo uma forma de
esquecer os problemas, “é uma diversão, eu danço para me divertir, danço para os outros
verem que eu sei fazer alguma coisa”, já para Flávia de 18 anos o Hip-Hop a teria ensinado “a
respeitar as pessoas”, mostrando que “o espaço não é só meu, que cada um tem seu espaço,
cada um tem sua vida”161. Importantes laços de solidariedade são criados, além de uma
necessária base moral na relação com os outros.
O trabalho realizado pelos irmãos é um entre os vários que são desenvolvidos pelos
integrantes da cultura hip-hop. O que prevalece nestes trabalhos é o sentido de irmandade, de
família, uma vez que a dádiva é a moeda de interação social. A dádiva contribui na formação
de pessoas mais capazes para enfrentar as adversidades da vida, sobretudo nas áreas pobres.
Desde as irmandades negras até o Hip-Hop a dádiva têm contribuído para o fortalecimento do
grupo afro-descendente na sobrevivência ante a opressão, a adscrição e a violência.

158
Idem.
159
Foto: Allysson, novembro de 2006.
160
Trabalho de Conclusão do Curso de Relações Públicas, FACOB/UFG.
161
Cf. BORGES, 2006.

97
Por fim notamos a existência de certa tensão na relação entre B. boys e rappers.
Apesar de vários rappers terem sido, no início, B. boys. Como no caso de T.C. Eletrorock e
Nonato, do Kães de Rua:

(...) a gente foi montando assim, os baile, em 90, eu fui o primeiro cara a fazer um
baile só de break Eram feito em Trindade, num clube chamado lá Clube Social
Feminino, (...) era muito bom lá, o salão, o piso, tinha telão(...) aí o palco era lá em
cima, assim, mais ou menos um andar, uns seis metros acima, o Dj tocava lá em
cima, o telão lá no fundo com palco(...) Era ótimo, lá era uma beleza Só break, a
noite todinha, só break(...) aí como tinham dois, três caras do movimento, que era o
TC Eletrorock, não é? Ele já cantava o Rap, a gente abria um espaço pra ele a noite
aí, cantava um rap(...) Tinha o Nonato também, que era dos Kães de Rua, ele
também cantava um rap e a gente abria um espaço pra ele também e tal, aí foi bom,
bicho. Foi uma é... essa época, pra mim, foi a melhor época que teve do break,
sabe? Eu particularmente penso que, hoje em dia aqui em Goiânia pra fazer uma
festa dessa...desse modelo é muito difícil. (Dj Cenzala – Conexão Suburbana)

Além das gangues de break os grupos de rap passam a fazer parte de um circuito
cultural da juventude popular. Ao que parece, com o surgimento do rap, conflitos de gerações
se instauram. E o espaço conquistado e alavancado pelo break fica relegado ao passado, uma
vez que os shows de rap dispensarão aos poucos as apresentações dos B. boys:

Às vezes os caras num vão nos baile hoje, porque não são igual aos baile que a
gente fazia de antigamente (...) os baile ficaram muito agressivos, assim, entendeu?
O pessoal mexendo muito com droga. Quando era só baile de break, não. Quando é
só baile de break, você não vê nem álcool lá dentro entendeu. Mas às vezes
misturam os baile, faz de rap com break e aí num, já num presta. Aí às vezes os
veteranos vão sair bem nesse dia, aí o cara fica: pô na minha época num era assim,
né? Todo mundo dançava se divertia numa boa, né? E hoje tá essa aí, o cara nem se
interessa muito por sair de casa, entendeu? Aí prefere ficar em casa curtindo,
assistindo uma televisão, alguma coisa que gosta de fazer, né? Jogando uma caxeta,
qualquer coisa, mas num vai num baile desse... Mas os bailes de break de
antigamente eram muito bons, tenho saudade deles viu... Era mais específico, era
mais... voltado, cem por cento break, mesmo, entendeu? (Dj Cenzala – Conexão
Suburbana)

No processo de rememoração e lembrança os entrevistados acabam por resgatar com


saudosismo o tempo em que detinham um certo controle sobre a produção da cultura hip-hop,
seja através da dança ou dos bailes. Por outro lado percebemos que a experiência com o álcool
e as drogas não trazem boas lembranças, pois tem uma contribuição acentuada na violência
que atinge esses jovens. Sinônimos de degradação, serão temas para vários raps. O rap, pelo
poder da palavra se torna porta-voz da cultura hip-hop, e por sua maior visibilidade e
destaque transforma as relações entre os elementos da cultura. Ao contestar os padrões os
rappers acabam desagradando os b.boys, seja pela exaltação do hedonismo, seja pela
contestação dos perigos da utilização da maconha e do álcool. O elemento musical se destaca
enquanto uma arte mais aceitável e de melhor incorporação pelo público do que a dança. Por

98
outro lado, os raps apresentam outras possibilidades de diálogo e confronto no jogo político
de reconhecimento das artes e culturas negras. Este processo possibilita a ampliação da esfera
pública como tentaremos apresentar no próximo capítulo.

99
CAPITULO III
“RIMADORES PEKIZEIROS”: Música Preta Brasileira
Regional

A sentença já foi dada/ E a juventude já viu que Rap é


cultura/ Cultura que segura/ Pedra dura que não fura/ Mc
é porta-voz tem que ter postura
Pacificadores

Superar, representar, conquistar!/ Superstar, estrela negra


no ar!/ Igual Zumbi, Malcom X exemplo pra citar/
Superstar, brilha na periferia./ (...) É lógico, precisa sim/
Rap é o máximo, defenda-se/ Pra quem acha que é o
mínimo, blá!/ É aquilo, blá!/ Favela é o lugar, tem até
superstar!/ (...) Superstar, deixa us mano chegar./ Superar,
periferia vai abalar!
RZO

Rimadores Pekizeiros vêm chegando na pressão


Do Centro-Oeste os pioneiro,
Aí, que tamanha satisfação
Em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo
Se liga na pressão tamô chegando
Se liga na pressão Rap Goiano
Testemunha Ocular

100
III.1 – Música Negra no século XX: hegemonia subalterna

Vários estudos e pesquisas têm demonstrado cada vez mais a importância da música
na configuração histórica e social do século XX. Fundamentalmente, a música catalisou
emoções, sentimentos, anseios e desejos da sociedade Ocidental contemporânea. Por outro
lado caminhou junto com o desenvolvimento tecnológico e a urbanização do mundo moderno.
As primeiras décadas do século XX foram emblemáticas para a arte musical no
ocidente. Para Arnaldo Contier, a “fragmentação do sistema tonal – centro da chamada
música universal – implicou o afloramento de movimentos modernistas, caracterizados pelos
novos tipos de combinações e relações de agrupamentos sonoros” (1992, p. 259). A
dissonância na linguagem musical e o pluralismo nos estilos marcavam a tendência estético-
cultural “inaugurada” pelos modernistas. O marco divisório entre um “antes” e um “depois”
na história da música – e “também da dança” – teria ocorrido com a “turbulenta sessão
inaugural da Sagração da primavera, de Stravinski (com coreografia de Nijinski e os
dançarinos dos Balés Russos de Diaghliev), em Paris, no ano de 1913, às vésperas da Primeira
Guerra Mundial” (SEVCENKO, 2001, p. 109).
As ampliações das experiências artísticas se constituíram principalmente através das
pesquisas das “vanguardas modernistas” que buscaram em outros períodos e outras culturas
novos elementos para uma arte que procurava rejeitar, ou melhor, transgredir os cânones
estabelecidos e fixados no âmbito das aristocracias e burguesias ocidentais. Desde a Rússia ao
Brasil estas vanguardas abalaram a tradição clássico-romântica, colocando em seu lugar o
dodecafonismo e a dissonância, o futurismo, o expressionismo, o impressionismo, o
nacionalismo modernista, arte engajada e o antropofagismo:

Nas décadas de 1920 e 1930, os modernistas, preocupados com o ideal de


atualização técnico-estética do Brasil no campo musical em face dos modernismos
europeus, passaram a defender, com veemência, a construção de um projeto em prol
da criação de uma teia de significantes representativos da música brasileira
nacionalista em suas especificidades rítmicas, melódicas, timbrísticas, formais
(CONTIER, 1992, pp. 270-271).

O ideal estético da música pelo modernismo brasileiro mais “implicava uma defesa
temático-ideológica do que essencialmente musical”. A finalidade era o estabelecimento de
uma brasilidade baseada nos ideais de “progresso” e “aperfeiçoamento”. A produção cultural
brasileira deveria se desvencilhar da pura cópia dos modelos importados. E a partir do
reconhecimento da miscigenação e da importância da cultura popular emanada das relações
entre brancos, negros e índios estabeleceria uma identidade estético-histórica para o Brasil.

101
Portanto, a integração da cultura popular – vista como folclore – à cultura nacional, só poderia
se efetivar intermediada pela intelligentzia (Ibidem, p. 276). A música tornava-se elemento
fundacional da brasilidade:

a meio caminho da oralidade e da escrita, ela se apresenta como poderoso canal de


comunicação lingüística, acionando elementos de ordem afetivo-intelectual,
fortemente mobilizadores no tocante às idéias de pertencimento e de identidade
(VELLOSO, 2005, p. 169).

Ultrapassando os limites da nação, podemos perceber como as transformações


ocorridas no “sentido social da música e sua relação com o contexto cultural” no mundo
ocidental principalmente na “esfera popular”, cujas tradições saltaram para o primeiro plano
das culturas, embaralharam “irremediavelmente a distinção convencional entre o popular e o
erudito” (SEVCENKO, 2001, p. 111).
Para Marcos Napolitano “a partir de uma mirada local” seria possível pensar ou
repensar o mapa mundi da música ocidental, sobretudo o “objeto-não-identificado” chamado
“música popular” (2003, p.7). Tratemos, pois, de identificar esta “música popular” e em
especial a matriz que irá marcar a produção musical do ocidente no século XX. Tomaremos
por base as duas maiores usinas sonoras do mundo novo, Brasil e EUA pensados no “contexto
transnacional de ação” da “diáspora africana”.
O samba tornar-se-ia, a partir da década de 1930, a expressão máxima da brasilidade:
“De „símbolo étnico‟, ele se converteu a símbolo nacional, ou seja, foi incorporado à noção
sob determinado aspecto homogênea e hegemônica de cultura nacional” (ZAN, 2005, p. 188).
A busca de uma autenticidade acionava uma descaracterização da música produzida pelas
comunidades negras, uma vez que a brasilidade diluía a multiplicidade étnica na “meta-raça”
brasileira, o mestiço.
Nos EUA, o destaque ficou por conta da música originada nas comunidades negras e,
em especial o jazz. Segundo Sevcenko, o elemento rítmico, sincopado, das músicas de matriz
negra, “com seu irresistível apelo pulsional”, sintonizava as “cadências mecânicas das cidades
industriais” com “a intensidade emocional da vida moderna”. O autor ainda destaca que a
inspiração nas religiões e culturas africanas da música popular “mudou completamente a cena
cultural em escala mundial”. E aos ritmos negros se juntaram os latinos, fundindo ainda as
“múltiplas influências ibéricas, árabes, ciganas, mediterrâneas e do Norte da Europa” à
música ocidental (2001, p. 111-112).
O rock – gênero musical influenciado pelo blues e jazz – tornou-se a marca da
juventude “moderna”, dominante nas “economias de mercado desenvolvidas” após a década

102
de 1950. Segundo Hobsbawm, uma “cultura juvenil” configurou-se em um peculiar e
“espantoso internacionalismo”. Ela refletia “a esmagadora hegemonia cultural dos EUA na
cultura popular e nos estilos de vida”. Com a intensa mudança tecnológica, os jovens levavam
vantagem sobre as gerações anteriores: “O que os filhos podiam aprender com os pais tornou-
se menos óbvio do que o que o pais não sabiam e os filhos sim”, numa inversão dos papéis
das gerações (1995, p. 320).
A chamada “revolução cultural” acionada pela juventude em âmbito internacional
estabeleceu a negação e transformação dos valores dos mais velhos. Conforme Roberto
Muggiatti, “a juventude de classe média branca que, colocando-se como oprimida em relação
à sociedade estabelecida de seus pais, assume a cultura negra como bandeira” (1983, p.30).
Também para José Ramos Tinhorão, a instituição do rock‟n roll como padrão sonoro do
inconformismo juvenil de classe média dos países ricos do mundo capitalista se daria pela
adesão “na área da música popular, a um ritmo negro-americano”, o rythm and blues (1998, p.
333).
Por outro lado, o movimento pelos direitos civis nos EUA possibilitou a visibilidade
das formas de discriminação e exclusão raciais. Conforme Sevcenko, essa luta dos negros
estadunidenses se desdobrou “no grande movimento de resistência contra a guerra do Vietnã”.
O “motim crescente alcançou o pico em 1968” com a “revolução estudantil”, “o surgimento
da freak generation e da contracultura”. E a música desempenhou um papel fundamental,
“funcionando como elemento aglutinador e animador do confronto político e cultural”, e eram
sempre músicas de raízes negras (2001, pp. 113-114).
O contato da juventude negra brasileira com os bens culturais produzidos pela
indústria cultural entre as décadas de 1950 a 1980 era bem restrito. A não ser nas grandes
cidades onde os bailes e rádios ampliaram o universo sonoro das camadas populares.
Conforme dito no capítulo anterior, alguns músicos brasileiros tiveram contatos com a luta
dos afro-americanos nos EUA, o que influenciou suas produções musicais.
O trânsito estético desencadeado pelos long plays que tocavam nos bailes
aproximaram os jovens negros da diáspora, possibilitando a construção de novas
subjetividades e o fortalecimento do sentimento de grupo e sobretudo contribuindo com a
elevação da auto-estima ao se depararem com modelos de homens e mulheres negras que
ocupavam um lugar de destaque, neste caso as capas dos discos.
O exemplo da cantora carioca Elza Soares é interessante nesse sentido. Em 1963,
grava o disco “A Bossa Negra”, segundo ela, o disco nasceu por causa do produtor e crítico
musical Ronaldo Bôscoli que estava à procura de uma representante da raça negra. Bôscoli

103
arranjou um par para Elza, “o negro mais lindo da revista O Cruzeiro”, para que fossem aos
lugares em que achavam que existia preconceito ou eram conhecidos por atitudes de racismo:

A gente foi ao Copacabana Palace, ao Sacha‟s, ao Quitandinha... Mas eu na época


era muito inocente e não sabia da gravidade da coisa e a seriedade do que eu estava
fazendo. Eu apenas ia. Então a gente chegava com os fotógrafos pra ver quanto
tempo eles demorariam para servir. E algumas vezes eles não serviam, porque não
serviam negros mesmo. E eu comecei a ganhar aquela força da raça negra, sem
nunca ter escolhido, sem saber da responsabilidade que isso tinha, como hoje sei do
que se trata162

Imagem 28
Bossa Negra163

Vinda de uma família pobre, Elza se casou aos 12 anos. Ao adentrar o mundo artístico
pôde ampliar sua visão e perceber sua própria condição e relacioná-la com a vivência de
outros negros no Brasil e no exterior. O disco “A Bossa Negra” na verdade não seria um disco
de bossa nova164 mas sim de samba. A música Tenha pena de mim (Ai, Ai, Meu Deus), de
Cyro de Souza e Babahu, gravada pela primeira vez em 1937 por Aracy de Almeida, abre o
disco e trata de explicitar a condição social do negro, o seu lugar na sociedade:

Ai.. ai.. meu Deus! Tenha pena de mim/ Todos vivem muito bem só eu que vivo
assim/ Trabalho e não tenho nada, não saio do "miserê"/ Ai.. ai.. meu Deus! Isso é
pra lá de sofrer/ Sem nunca ter, nem conhecer felicidade/ Sem um afeto, um carinho
ou amizade/ Eu vivo tão tristonho fingindo-me contente/ Tenho feito força pra viver
honestamente/ O dia inteiro eu trabalho com afinco/ E à noite volto pro meu
barracão de zinco/ E pra matar o tempo e não falar sozinho/ Amarro essa tristeza
com as cordas do meu pinho

162
A Bossa Negra por Elza Soares, 2002, disponível no encarte do CD A Bossa Negra, RJ: Dubas Musica, 2003.
163
Disponível em http://www.bossa.net/image/E/Elza_Soares/A_Bossa_Negra-thumb.jpg, acesso em
05/02/2007.
164
Gênero produzido por parte da classe média urbana carioca, através da mistura entre samba e jazz.

104
Como intérprete Elza Soares não procurava escolher as músicas que ia gravar, com
medo de lhe prejudicar a carreira, mesmo assim enfrentou dificuldades com a indústria
fonográfica entrando em certo ostracismo, fato ocorrido corriqueiramente com os artistas
negros165. Em uma composição própria que deu nome a um disco lançado em 1985 pela Som
Livre, Elza contesta o racismo através do recado de que todos seríamos iguais. Em geral, estas
composições são tidas como demonstrações de nossa democracia racial não passando de
meras afirmações do preconceito social e não racial. Mas ao afirmar que o pranto não tem cor,
passa a contestar o mito:

Eu era tão pequenina/ Já me dizia papai/ Filha não fique triste/ Aqui somos todos
iguais/ Na guerra do dia a dia/ O homem é bicho feroz/ Mas sempre acaba vencendo/
Aquele que é mais veloz/ Nos campos de batalha/ Morre o homem, morre a flor/
Misturam todos os sangues/ Mas o pranto não tem cor!!! 166

O pai procura animar a filha de que todos são iguais, mas na luta diária a batalha é
difícil para os negros. A música foi um campo que possibilitou a ascensão social dos negros
dentro do „sistema mundo moderno‟. E esse espaço de inserção na esfera pública serve para
dizer sobre suas condições e solicitar igualdade e emancipação, dificultadas por processos que
permanecem no momento pós-colonial. Ademais apresenta a restrição a outras formas de
ascensão social e denuncia o racismo que naturaliza e essencializa, seja individualmente ou
em grupo, fixando os negros em um lugar subordinado. A música, portanto, possibilita
momentos de insubordinação e resistência.
Se de um lado a bossa nova ou o rock foram produzidos por brancos através da
influência da música negra, de outro, a música negra era produzida dialogando com as
inovações e ao mesmo tempo marcando a presença do ritmo reprimido. Em diversas regiões,
na diáspora, os africanos foram proibidos de tocarem seus instrumentos, alguns deixaram de
existir167, outros foram reinventados. O steel drum é um exemplo, foi criado pelos afro-
descendentes da ilha caribenha de Trinidad e Tobago. Nessa ilha eles foram proibidos de
utilizar tambores de pele de animais pelos colonos brancos protestantes, porém, passam a
produzir tambores de bambu e finalmente de aço. Criaram uma sonoridade e uma

165
Cf. D‟ADESKY, 2005, em particular o capítulo V, quando analisa a relação entre a mídia e a expansão da
música negra.
166
Todos Somos Iguais, LP Todos Somos Iguais, Som Livre, 1985.
167
A chihumba ou “viola de angola” é um desses instrumentos. O caso dos instrumentos de cordas existentes
entre os africanos acaba pondo em questão o estereótipo de que a música africana seria “essencialmente rítmica”
(SILVA, 2006).

105
instrumentação única, com orquestras inteiras de tambores de aço168 demonstrando a
inventividade e, sobretudo, a capacidade de criação sob condições adversas.

Imagem 29
Steel Drum - “Tenor Pan” de Tobago169

Em 1971, Jorge Ben grava o disco “Negro é Lindo”. A mensagem de auto-estima


estabelece momentos de esperança na emancipação e igualdade, esperadas e solicitadas pelos
negros:

Negro é amigo /Negro também é filho de Deus


Eu só quero que Deus me ajude /A ver meu filho
Nascer e crescer /E ser um campeão /Sem prejudicar ninguém/
Porque negro é lindo170

Jorge Lima Menezes, se tornou Jorge Ben, para homenagear seu avô etíope Ben Jorge.
Um jornal da época identifica Jorge Ben como o “Macumbeiro da bossa nova”171. Jorge Ben
afirmou na Revista do Rádio em 1963 ao lançar seu primeiro LP Samba Esquema Novo que
não inventava um novo ritmo, mas sim tocava o violão com uma “puxada” fazendo dele um
instrumento de ritmo. Dizia ele que só cantava o que compunha: “canto o que sinto e o que
sonho. Minhas letras têm toda a nostalgia do sangue negro, porque essa é a minha raça”172.

Imagem 30
Jorge Ben e Fio Maravilha173

168
Sobre o steel drum recebi as informações em um Mini-curso – Música, arte e cultura no Caribe
(CECAB/UFG), ministrado pelo barbadiano Terry Agerkop, que realizou uma vasta pesquisa junto à ONU sobre
música no Caribe.
169
Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Aasteeldrum.jpg, acesso 15/02/2007.
170
Negro é Lindo, LP Negro é lindo, Phonogram, 1971.
171
Disponível em http://www.gafieiras.com.br, acesso em 12 de fevereiro de 2006.
172
Idem.
173
Disponivel em http://clubedobalanco.uol.com.br/novo_paginas/home/home.htm, acessado em 16 de fevereiro
de 2007.

106
A imagem positiva dos negros é presente em todo trabalho de Jorge, o diálogo com a
cultura dominante e a inclusão dos negros aos parâmetros estéticos e culturais emanam em
suas produções. Músicas como “Xica da Silva”, “Zumbi”, “Fio Maravilha”, “Crioula” entre
outras faziam emergir personagens negros do passado e do presente em luta por dignidade e
amor. Sua produção foi rotulada muitas vezes como samba-rock, pois mesclava o som dos
atabaques e cuícas à guitarra eletrificada, criando uma sonoridade que influenciou músicos de
vários estilos do rock ao rap.
Lembrar ao mundo branco dominante a humanidade do negro foi seguramente uma
das funções da música negra. A música Rodésia, de Tim Maia, gravada em 1976, apresenta as
conexões subjetivas e simbólicas, onde Tim Maia aconselha seus “irmãos de cor” como
proceder na lutas por emancipação e descolonização na África:

Em Guiné Bissau não está legal/ Muito menos na Rodésia


África do Sul/ pegue o sangue azul e mande pras cucuias
Só assim vão ver que o preto é bom/ Mas é valente também
Meu irmão de cor chega de pudor/ Pois assim não é possível
Tome o que é seu/ Pois foi quem te deu/ Bela natureza triste
Foi deixar pra lá mas assim não dá/ Veja o que aconteceu.
Vai bem devagar/ Vai bem como és/ Mas vai bem objetivo.
Pegue o que é seu/ Viva a vida em paz/ Pois a sua terra é essa.
Sei que és do bom / Não é de matar/ Mas não vai deixar pra lá. 174

Imagem 31
Tim Maia, Polydor - 1976175

174
Rodésia, LP Tim Maia, 1976, Polydor.
175
Disponível em http://www.musicstack.com/records-cds/tim+maia, acesso em 18 de fevereiro de 2007.

107
Em geral, os historiadores da música popular brasileira procuraram enxergar “pureza”
e “autenticidade” na produção musical. Mas segundo Napolitano “a música urbana brasileira
nunca foi „pura‟, uma vez que as classes populares, sobretudo os “negros pobres”, “já tinham
a sua leitura do mundo branco e da cultura hegemônica” (2002, p. 48). A produção negra que
dialogou com o soul e funk entre os anos 1960 e 1970 foi condenada como hedonista e
despreocupada com a conscientização das massas. Tanto à direita, quanto à esquerda houve
uma dificuldade para perceber a música e a diversão como um ato político, ou simplesmente
se silenciaram quanto à luta dos racialmente subalternizados. O trecho abaixo demonstra bem
essa visão que acabou por desconsiderar o teor político da música negra:

(...) Sai de cena o reinado do realismo socialista das esquerdas, da arte voltada para
a educação das massas, e a Vênus Platinada ocupa o centro. Os novos tempos são
exaltados na voz de Wilson Simonal (e com menos sucesso, por Jorge Ben) que
mostrava a razão de sua alegria e algo mais: morar num abençoado país tropical que
tinha o Carnaval e Flamengo, bem como o Fusca, violão, e “uma nega chamando
Teresa” (CARMO, 2000, p. 110).

A militância negra que se constitui principalmente nos círculos universitários entre as


décadas de 1960 e 1970 teve uma visão ambivalente sobre o caráter político das
manifestações artísticas e dos encontros para se divertir através da dança. Tendo como base
principalmente os ideais marxistas, parte da militância via os bailes como espaços de
alienação, principalmente por que se reuniam para dançar músicas cantadas em inglês176.
A música negra, sua história e utilidade permitem acompanharmos “parte dos meios
pelos quais a unidade entre ética e política tem sido reproduzida como uma forma de
conhecimento popular” (GILROY, 2001, p. 99). Para Paul Gilroy a música negra seria uma
“aquisição histórica elementar produzida das vísceras de um corpo alternativo de expressão
cultural e política que considera o mundo criticamente do ponto de vista de sua transformação

176
Cf. o depoimento de José Luiz “Griot” para o documentário presente no DVD Racionais Mc‟s: 1000 Trutas,
1000 Tretas, 2006.

108
emancipadora” e não fruto de uma essência racial. O mero contato com os modelos negros e
sua performance musical nas capas dos LPs ou nas apresentações ao vivo contribuíram na
construção de uma identificação com outras representações de seus “iguais”. Uma vez que
nos espaços cotidianos como a escola as representações dos negros não produziam
reconhecimento e auto-estima, mas sim repulsa e fuga de sua condição.
Julio César Tavares nos chama a atenção para o emprego do termo “black music” mais
utilizado para denominar a “música negra” no Brasil (2004). Segundo ele este mecanismo
seria mais uma “armadilha que permite reter a força vigorosa que a idéia de música negra é
capaz de brindar”, pois essa expressão funcionaria como uma “arma de combate no campo
estético e cognitivo”, efeito político impedido pelo uso da expressão em inglês. Esta
representação vem sendo modificada pelo discurso de alguns rappers, cantores e
compositores da MPB. A idéia de Música Preta Brasileira apresentada por Sandra de Sá acaba
sendo interessante para repensarmos o encontro da estética com a etnicidade:

Eu acho que o Brasil sempre rodou por aí e a música feita no Brasil é a música preta,
só falta descobrirmos, percebermos e assumirmos essa parada e trazer pra gente.
Não confundir com música de preto, isso ou aquilo. Como fez Black Rio, Cassiano,
Gerson King Combo, Toni Tornado, entre vários, é bom saber que o pessoal não só
está fazendo um trabalho legal, como está interessado em saber o que rolou também,
isso é muito importante. É só unir e reunir tudo. Observar, absorver, jogar as ancas e
deixar fluir, que dá certo. (...) Eu até falo que, é “crioleba”, é criolo, é preto. Temos
que assumir isso, porque black music é nos EUA, aqui é música preta brasileira
mesmo. (...) Vamos lá, misturar rap com samba, samba com não sei o que, porque é
tudo MPB, música preta brasileira (...) (Sandra de Sá, RAP Brasil, Ano II, nº 15,
2003)

Conforme D‟Adesky, existe “uma barreira invisível que impede, aparentemente, os


artistas negros de expressarem seu talento em qualquer estilo ou gênero musical”. Para ele os
artistas negros acabam ficando circunscritos a gêneros como o pagode, o funk, o samba, pois
tendem a ficar limitados pela classificação MPB que não inclui esses gêneros. Tal fato acaba
cerceando a presença de negros, na música romântica, sertaneja e em “gêneros
comercialmente mais identificados com os cantores brancos”. Contribui para isto os “métodos
racionais de planejamento e de marketing adotados pela indústria do disco”, bem como o
apreço ao típico físico branco que restringiu a imagem televisionada do negro, imagem que
expandiu o mercado do disco no Brasil (2005, pp. 100-101).
Essa transformação política desencadeada pelos músicos negros acaba por colaborar
para a construção de uma nova paisagem social do Brasil. Além de acelerar os combates pelos
“direitos civis e da consciência cidadã, que como última manifestação, apresenta a ampliação
da discussão sobre a ação afirmativa no campo da estética” (TAVARES, 2004). Mas a própria

109
idéia de Música Preta Brasileira passa pela influência da produção musical negra nos Estados
Unidos e vice e versa. É preciso levar em consideração que os negros na diáspora
encontraram-se de saída excluídos da esfera pública dialógica, “fundada no intercâmbio de
argumentos” (COSTA, 2006, p. 126). Em contrapartida, desenvolveram uma política que
sempre envolveu dança, performance e a apresentação do corpo como meio de sua expressão.
A luta por reconhecimento travada pela população negra na diáspora é realizada através de
um “contexto transnacional de ação”, o Atlântico Negro. Sem território ou temporalidade
definido, os contextos constituem-se principalmente através de “temas, estratégias e objetivos
que não são circunscritos a um Estado-Nação particular” (COSTA, 2006, p. 25).
A música negra tem, portanto, disseminado discursos de empoderamento da
população negra. A polissemia é uma característica destes discursos. Eles emanam referentes
difusos que sofrem decodificações e reinterpretações indefinidamente, principalmente pela
falta de uma língua comum. Daí a importância da imagem e da corporalidade como acessórios
e mesmo enquanto discursos não-verbais que contribuem para as interações culturais através
do Atlântico Negro. Além do mais, é preciso considerar a permanência de assimetrias de
poder neste contexto de ação transnacional. Há uma maior difusão de elementos de
determinados espaços. O mundo anglo-saxão, principalmente Inglaterra, EUA e Jamaica, tem
tido primazia na elaboração e difusão das definições de negritude, ao mesmo tempo em que as
produções realizadas por homens são proeminentes em relação à produção das mulheres.
Neste sentido, procuramos construir uma cartografia do rap no âmbito do Atlântico
Negro. A partir de algumas produções mais influentes visamos estabelecer determinados
nexos e particularidades da produção do rap e do Hip-Hop procurando não perder de vista sua
diversidade, característica própria das conformações locais do Atlântico Negro. A “diferença”
não está assente na cor negra da pele, mas na resistência ao lugar subordinado que a história e
a sociedade modernas impuseram aos negros. Em cada contexto particular a diferença adquire
novas formas de expressão. Neste caso a “relação dupla entre o Atlântico Negro e a
experiência nacional moderna” gera “ao mesmo tempo compartilhamento e crítica, confiança
e dúvida”. E esta tensão entre as dimensões local, nacional e transnacional, é recorrente em
vários outros contextos transnacionais de ação, como o caso das lutas desenvolvidas por
judeus, feministas, ecologistas entre outros (COSTA, 2006, p. 126).

III. 2 – O rap e a expansão da cultura hip-hop

110
Em 1979, o grupo Sugar Hill Gang grava a música Rapper‟s Delight. Essa música foi
considerada o primeiro rap a ser gravado e lançado comercialmente. Rapper´s Delight é uma
música de intenso efeito vocal falado/cantado sobre o beat da música Good Times do grupo,
Chic177. Grande sucesso nas festas, clubes, pistas de dança em geral, a batida de Good Times,
com baixo, percussão e palmas salientes, passa a ter o dobro de duração em Rapper´s Delight.
Nesta última o diálogo com o ouvinte é intenso, não há um narrador em terceira pessoa, mas
em primeira. A música é iniciada com algumas palavras como se o Mc testasse o microfone.
Durante toda música o Mc desafia as pessoas a não ficarem paradas, pois essa seria sua
função, fazer com que as pessoas entrem no balanço, no ritmo da música e curtam a festa.

I said a Hip-Hop a hippie the hippie


To the hip Hip-Hop, a you don‟t stop
A rock to the bang bang boogy say upchuck the boogy,
To the rhythm of the boogity beat.
(…) Now what you hear is not a test - I‟m Rappin to the beat
And me, the groove, and my friends are gonna try to move your feet
See I am wonder mike and I like to say hello
To the black, to the white, the red, and the brown, the purple and yellow
But first I gotta bang bang the boogie to the boogie
Say up jump the boogie to the bang bang boogie
Let's rock, you don‟t stop
Rock the riddle that will make your body rock
Well so far you‟ve heard my voice but I brought two friends along
And next on the mike is my man hank
Come on, hank, sing that song178
A letra é um convite para movimentar o corpo, nela o Mc diz alô para todos, não
importando que sejam negros, brancos, amarelos, púrpuras ou vermelhos, pois o Hip-Hop é
antes de tudo festa, comunhão, onde todos juntos devem saltar e mexer os quadris. Esta
gravação abre caminho para outros grupos e para a internacionalização da cultura hip-hop
(ROSE, 1994, VIANNA, 1997). Grupo criado por Sylvia Robinson179, o Sugar Hill Gang não
fazia parte da cena “local” do Bronx. Um de seus integrantes teria sido um porteiro de um
clube de rap que teve acesso a fitas piratas e utilizando o livro de rimas de Grandmaster

177
Grande sucesso do primeiro albúm Risque de 1979, chegou ao segundo lugar na lista de “singles”: Billboard
Hot 100, em agosto de 1979. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Chic, acesso em 15/06/2007.
178
SuggarHill Gang, Rapper´s Delight. EUA: Suggar Hill Records, 1978. [Eu digo um “Hip-Hop” um “hippie” o
“hippie”/ Um “rock” para estourar o “boogy”/ Jogando para cima o “boogy”/ “Boogity”(mexa-se) no rítmo da
batida/ (...) Agora o que você ouvirá, não é um teste/ Eu, o “groove”(a música, enquanto faixa no LP), e meus
amigos estamos tentando mover seus pés/ Veja, maravilha, eu tenho um microfone/ E gosto de dizer alô/ Para o
negro, para o branco, o vermelho e o marrom, o roxo e amarelo/ Mas primeiro eu vou estourar/ Estourar o
“boogie”(balanço, dança)/ Dizer: jogue o “boogie” para cima/ Para estourar, estourar o “boogie”/ Deixe estar
“rock”, você não pode parar/ “Rock” seu corpo tão crivado “rock”/ Mesmo tão distante você ouvira minha voz/
Mas trago aqui dois amigos/ Na seqüência me “homem novelo” no microfone/ Venha Novelo cante a música(...)]
179
Produtora da Sugar Hill Records.

111
Caz‟s, um Mc que fazia freestyle e animava festas, construíram a música que elevou o rap ao
status de gênero musical (ROSE, 1997, pp. 195-196).
Na produção dos raps, jovens afro-americanos e caribenhos, experimentavam o
contato com as sobras do desenvolvimento tecnológico, principalmente com o microfone e os
toca discos, a preços relativamente acessíveis180. Quase poderíamos dizer que o poder da
amplificação das aparelhagens de som reverbera a expansão do gênero para fora das quadras
do Bronx:

Nesse momento o Hip-Hop se torna visível nas ruas elegantes de Nova York. Quase
todas as esquinas do Greenwich Village eram palco para as acrobacias de vários
grupos de break que dançavam ao som de rádios enormes, os ghetto blasters
(dinamitadores do gueto). Os breakers logo foram chamados para se apresentar nos
clubes mais famosos da cidade. Nessa época também surge o Roxy, um clube com
capacidade para 4 mil pessoas (...) onde se apresentavam os melhores Djs, rappers,
grafiteiros e breakers. (VIANNA, 1997, p. 23)

Segundo Tricia Rose, os rappers não acreditavam “que um registro da batida poderia
se tornar comercialmente bem sucedido” (1997, pp. 195-196). Mas entre 1978 e 1982 os
vários “singles” lançados fizeram “muito dinheiro” para os selos medianos de Nova Iorque
(ROSE, 1994, p. 56). Gravações como The Breaks, de Kurtis Blow, que apresentava aos
ouvintes a dança contagiante do break; Love Rap, música de Spoonie Gee em um “split
single”181 com The Treacherous Three, com a música The New Rap Language, apresentaram
o amor ao rap e sua qualidade de nova linguagem dos jovens afro-americanos.

Imagem 32
Kurtis Blow , Spoonie Gee183 e The Treacherous Three184
182

180
As aparelhagens e a tecnologia era adquirida por poucos - principalmente no caso dos Djs - e usufruídas por
muitos que procuravam mostrar seus talentos – neste caso os Mcs – cujo principal aparelho era a voz. O filme
Wilde Style de Charlie Ahearn de 1982, apresenta a ambiência desta inovação cultural e artística desenvolvida
no Bronx em Nova Iorque.
181
Compacto com uma música de cada grupo.
182
Disponível em http://www.myspace.com/kurtisblow3, acesso em 28 de fevereiro de 2007.
183
Disponível em http://www.myspace.com/spooniegee, acesso em 28 de fevereiro de 2007.
184
Disponível em http://www.myspace.com/thetreacherous3, acesso em 28 de fevereiro de 2007.

112
Os principais Djs do Bronx debutavam suas gravações em 1982. Afrika Bambaataa
com o grupo Soulsonic Force, produziu Planet Rock e Grandmaster Flash and the Furious
Five, com The Message. As músicas produzidas pelos Djs eram colagens retiradas de músicas
diversas, mas principalmente dos funks, blues e R&Bs. Os Djs enfatizavam o “beat”, a batida
contínua e circular, mascarando os “breaks” entre as músicas. Em algumas músicas faziam
questão de tornar imperceptível a cópia, em outras há uma ênfase na influência, a batida de
sucesso e que fez todo mundo mexer. Por sobre a base produzida dançava-se o breakdance e
os Mcs declamavam suas poesias no ritmo da batida (ROSE, 1994, p. 47).
Em The Message a poesia de Grandmaster Flash e The Furious Five traz um “texto
poderosíssimo falando sobre a pobreza e a decadência vividas em determinados bairros de
Nova Iorque”, inaugurando o “discurso biográfico, cronista e político” por relatar o cotidiano
do bairro decadente e a impossibilidade de modificar a situação, discurso esse que
influenciaria as letras de rap desde então (MARTINS, 2005, p. 55):

Broken glass everywhere


People pissing on the stairs,
You know they just don't care
I can't take the smell,
I can't take the noise,
Got no money to move out,
I guess I got no choice
Rats in the front room, roaches in the back
Junkie's in the alley with a baseball bat
I tried to get away, but I couldn't get far
Cause the man with the tow-truck repossessed my car
Don't push me, cause I'm close to the edge
I'm trying not to loose my head
It's like a jungle sometimes, it makes me wonder
How I keep from going under 185

A difícil vida para o jovem negro no bairro decadente é narrada em primeira pessoa,
onde os escombros, o mau cheiro e todos os tipos de dificuldades transformam o local em
uma selva. Para viver ali é necessário se esforçar afim de não perder a cabeça, pois sem
dinheiro e desempregado a criminalidade e as drogas surgem como possíveis subterfúgios e a
televisão o único passatempo. A última frase de The Message fecha a poesia áspera, inspirada
na vida dos jovens negros das grandes cidades dos Estados Unidos nas décadas de 1970 e

185
Grandmaster Flash, The Message, Sugar Hill Records, 1982. [Vidros quebrados por toda parte/ Pessoas
mijando sobre os degrau/ Você sabe eles apenas não se importam/ Não posso sentir o cheiro/ Eu não posso
aceitar o cheiro/ Eu não posso aceitar o barulho/ Não tenho dinheiro para sair daqui/ Acho que não tenho chance/
Ratos na frente do quarto/ Baratas na parte de trás/ Viciados na viela com bastões de baseball/ Eu tenho tentado
ir para longe/ Mas eu não posso ir muito longe/ Porque o homem do guincho prendeu meu carro/ Não me
empurre, pois estou perto da ponte/ Eu tenho tentado não perder minha cabeça/ As vezes ela é como uma selva/
Ela me faz espantar-se/ Como manter-me/ Como me manter indo para baixo]

113
1980: “mas agora seus olhos cantam a triste, triste canção de como você viveu tão rápido e
morreu tão jovem”. Expressa uma falta de perspectiva e vida breve que não difere da
experiência dos jovens negros no Brasil.
O grupo Run-DMC lança em 1983 a música Suckers Mcs que fez um grande sucesso.
Segundo Hermano Vianna, essa música resgatava os primórdios do rap, uma vez que o abuso
de instrumentos eletrônicos nas músicas desse período era vigente. Este grupo não foi
formado no Bronx, mas por dois jovens afro-americanos de classe média, dos subúrbios de
Hollins e Queens, demonstrando a expansão tomada pelo rap. Uma reportagem do jornal The
New York Times, de 21 de setembro de 1986, noticia esta expansão:

A música rap, popular principalmente entre os adolescentes urbanos desde que


apareceu no final da década de 70, estourou este ano. O rap costumava ser
programado pelas rádios apenas na área de Nova York, onde nasceu, e em
Washignton, Filadélfia e outras grandes cidades. Mas com o sucesso do último
compacto do Run DMC, “Walk This Way”, e do álbum Raising Hell, o rap está
sendo ouvido em todos os lugares (VIANNA, 1997: 23).

A partir deste momento o rap toma proporções de música pop186, acessando ao


“mainstream”. A música Walk This Way que narra a vida de um adolescente em sua
descoberta sexual, foi gravada em parceria com o grupo de “hard rock”, Aerosmith, fato que
atraía e aumentava a audiência de ouvintes brancos. Neste diálogo alternava-se o discurso
entre uma vida de festa e curtição, cara à juventude que mal tinha acesso ao lazer, e o caráter
combativo e altamente político influenciados pela luta por direitos civis, pelo “Black Power”
e pelo “Black Panthers”, mas principalmente pela experiência comum de violência e
desrespeito vivida pelos jovens negros nos EUA.
O grupo “Public Enemy”, surgido em 1987, foi o primeiro grupo “superstar” do rap.
Ele chamou a atenção da mídia por sua intensa articulação política em torno de um
nacionalismo negro, levantando bandeiras contra o sistema hegemônico branco dos EUA
(ROSE, 1994, p. 04). Afirmavam o rap como meio de levar informação e conscientização
para os guetos, como fica bem explícito nas frases de Chuck D: “Somos a CNN negra”; “As
pessoas nos chamam de separatistas. Mas achamos que temos de nos desenvolver
separadamente como negros, porque a nossa estrutura e formação são diferentes”187. Através

186
Abreviação para música popular, portanto, “(...) o termo pop é muitas vezes usado em oposição a rock, numa
dicotomia baseada em noções de arte e comércio na música popular. (...) usado para caracterizar a música da
parada de sucessos, orientada para um público adolescente... caracteriza-se pelos refrões fáceis de memorizar e
pelo amor romântico como tema.”. SHUKER, Vocabulário de música POP, p. 193.
187
Revista Bizz, encarte especial, 1991.

114
da destreza verbal e habilidade performática188 cantavam-falando com autoridade, convicção e
poder a história da população afro-americana vitimada pela segregação e pobreza. A música
Fight the Power, representa bem a forma combativa do grupo:
Elvis was a hero to most
But he never meant shit to me you see
Straight up racist that sucker was
Simple and plain
Mother fuck him and John Wayne
Cause I'm Black and I'm proud
I'm ready and hyped plus I'm amped
Most of my heroes don't appear on no stamps
Sample a look back you look and find
Nothing but rednecks for 400 years if you check
Don't worry be happy
Was a number one jam
Damn if I say it you can slap me right here
(Get it) lets get this party started right
Right on, c'mon
What we got to say
Power to the people no delay
To make everybody see
In order to fight the powers that be189

Elvis e John Wayne não representam nada para a população negra segundo Chuck D.
A música exorta os negros a dizerem em alto e bom som o orgulho de serem negros, apesar de
que seus heróis não apareceram nos selos postais. Como os rappers tem consciência do
passado de escravidão e da permanência da opressão e do racismo chamam para a festa, que é
o lugar para estarem juntos e unidos como um exército lutando por poder. Esta música
contribuiu para apresentar o clima tenso do filme dirigido por Spike Lee, “Faça a Coisa
Certa” (Do The Right Thing), filme que representou as complicadas relações raciais do bairro
nova-iorquino do Bronx190.
Surgindo em meio às crescentes desilusões sociopolíticas dos anos 1980 – com a
afirmação neoliberal dos governos Reagan e Bush (pai) – e sob complexas trocas culturais, a
cultura hip-hop pôde expor publicamente uma contracultura, inscrevendo uma identificação
que soube articular um sentido de denominação que transformou insubordinação em prazer.

188
Os relógios de parede utilizados em colares nos pescoços são uma marca da contestação desenvolvida pelo
grupo. Estes relógios brincam com a questão da subordinação no trabalho, representado pelas horas a serem
cumpridas. Contestam a escravização ao tempo, dominado pelo outro, com apologia ao tempo livre .
189
Public Enemy, Fight the Power, LP Fear of a Black Planet, Def Jam/Columbia Records, 1990. [Elvis foi um
herói para muitos/ Mas nunca deveria enxergar ele/ Para mim e para você é como uma merda/ Endireitar-se o
chupador racista que ele foi/ Simples e evidente: Foda-se ele e John Wayne/ Porque eu sou negro e tenho
orgulho/ Estou disposto e mais do que isso eu estou ligado/ Muitos de meus heróis não aparecem nos selos/ Veja
um exemplo: olhe para trás e descubra/ Mas se você checar nada de pescoços vermelhos/ Não se preocupe seja
feliz/ Como o enrascado número um/ Droga, se eu vejo ele você pode estapear-me aqui direito/ (Compreenda)
venha fazer com que esta festa comece imediatamente/ Imediatamente, venha/ Com razão, que nós iremos dizer/
Poder para as pessoas sem demora/ Para fazer todo mundo ver/ Em ordem para lutar por esse poder]
190
EUA: Universal Pictures, 1989 - Drama - 120 minutos.

115
(...) Um aspecto particularmente interessante é a inovação que o Rap traz para o
panorama da profissionalização musical, com a existência de pessoas que não
necessariamente leiam partituras ou toquem algum tipo de instrumento, mas que
possam um dia se tornar estrelas mundiais da música. (MARTINS, 2005, p. 53)

Essa inovação só se tornou possível pelo fato de que as gravações e a distribuição se


tornaram relativamente baratas, sendo controladas pelos músicos e produtores negros, que se
desvencilharam da censura e do controle dos grupos dominantes, podendo assim criar
livremente uma música que espalhou a cultura hip-hop e todo um estilo de vida. Poderíamos
falar mesmo de um ethos das comunidades marginalizadas que desafiando “as afirmações
unívocas da história dos brancos e da educação oficial” têm sugerido “narrações históricas
alternativas” (Ibidem).
Nos fins da década de 1980 surgia na Costa Oeste dos EUA um estilo de rap que
narrou as experiências e fantasias específicas de vida de jovens negros e pobres de Los
Angeles, em especial dos bairros Compton e Watts. Definido como gangsta rap os sons de
Ice Cube, Dr. Dre, Eazy-E que formaram o N.W.A. (Niggas With Attitude), além de Ice-T,
Snoop Doggy Dog, e posteriormente 2Pac (Tupac) Shakur, entre outros, logo ganharam as
ruas com mensagens de hedonismo e violência. A afirmação de Ice Cube demonstra o
discurso do gangsta rap: “My music is a product of who I am and where I came from. I'm
191
made in America. I'm not from Mars or nowhere else" (BEST, KELLNER, 1999). Para
João Félix, o gangsta rap daria “destaque a temas como violência urbana, tráfico de drogas,
violência policial e marginalização social das áreas periféricas da cidade” (2005, p. 126). A
música do grupo N.W.A., Fuck tha police, gravada em 1988, representa a tensa relação entre
as comunidades afro-americanas e a polícia.

Fuck tha police


Comin straight from the underground
Young nigga got it bad cuz I'm brown
And not the other color so police think
They have the authority to kill a minority
Fuck that shit, cuz I ain't tha one
For a punk muthafucka with a badge and a gun
To be beatin on, and throwin in jail
We could go toe to toe in the middle of a cell
Fuckin with me cuz I'm a teenager
With a little bit of gold and a pager

191
Minha música é um produto de quem eu sou de onde eu vim. Eu fui feito na América. Eu não sou de Marte ou
de outro lugar.

116
Searchin my car, lookin for the product
Thinkin every nigga is sellin narcotics192

O confronto com a polícia possuidora de autoridade para assassinar minorias, tendo os


jovens negros geralmente como suspeitos de serem traficantes é a realidade mostrada pelo
gangsta rap. Um caminho rápido tem sido a criminalidade para essas populações que vivem
às margens da produção capitalista, mas nunca um caminho fácil para se sair bem na
sociedade dominada pela supremacia branca, onde o tráfico de drogas tanto nos EUA como
aqui foi um caminho possível de ascensão social. Esta música marca um contraste entre a
“liberdade de expressão”, um dos símbolos da democracia estadunidense, e a censura, pelo
fato do FBI advertir o grupo e a gravadora Ruthless Records pelo teor da letra da música, que
incitava a violência contra os agentes da polícia. Vários shows das turnês do grupo foram
cancelados em cidades onde os chefes de polícia e as autoridades locais consideraram o grupo
um perigo para a moralidade e a ordem. Tricia Rose ao analisar esse caso exemplar na história
do FBI nos EUA demonstra a diferença de tratamento dispensado aos jovens brancos que
sofreram represálias por conta do Heavy Metal. Neste último caso a influencia gerou atos
isolados que não causariam danos a cultura da América, baseada em preceitos de uma
moralidade cristã, conservadora e branca. Já o gangsta rap, segundo o discurso da elite
branca, afetava diretamente a moral cristã e os preceitos da cultura americana (1994, pp. 128-
130)
Tomando de assalto o mundo da música o rap produzido pelos selos independentes
passou a ser distribuído pelas grandes gravadoras e diversos rappers assinaram contratos com
elas. Nos anos 1990 o rap nos EUA ultrapassou o Country, passando a ser o estilo musical
mais vendido, tornando-se o filão da indústria fonográfica norte-americana, passou a estar
sempre presente na premiação do Grammy193, além de uma extensa programação na MTV194.
Artistas como Snoop Doggy Dog e o rapper branco Eminem, produzidos por Dr. Dre195
tornaram-se estrelas do “mainstream”. O rap tornou os marginalizados o centro das atenções
no mundo da indústria musical nos EUA.

192
NWA, Fuck tha Police, LP Straight outta Comptom. EUA: Priority Records, 1988. [Foda-se a polícia/ Vindo
direto do subsolo/ Jovens negros tornaram-se maus pois sou marrom/ E não outra cor, como pensa a polícia/ Eles
tem autoridade para matar a minoria/ Foda-se está merda/ Pois não sou o único/ Para um “punk” filho da puta
com um emblema e uma arma/ Irá me surra, e de lambuja me enjaular/ Nós sabemos que de bicuda em bicuda
me levará para o meio da sela/ Fodendo comigo porque eu sou um adolescente/ Com um pequeno pedaço de
ouro e um “pager”/ Vasculhando meu carro, olhando para o produto/ Pensando que todos negros são traficante]
193
Uma espécie de Oscar da música.
194
Music Television. Canal de televisão com programação musical exclusivamente.
195
Dr. Dre integrante do grupo NWA até 1992, quando saiu para criar com Suge Knight a “Death Row
Records”, responsável pela expansão e sucesso do gangsta rap, também chamado de G-funk (Gangsta funk). Até
1996 esta gravadora foi responsável pela maior parte das gravações do gangsta rap da costa oeste do EUA.

117
Marshall Berman remete o rap a três tradições culturais do Ocidente: o “Bildung”, o
épico, e à chave dupla dos princípios estéticos da arte moderna, e como expressão
contemporânea de uma visão artística transgressora. Incluindo os grupos que manifestam uma
clara crença no poder das palavras que atuam nas ruas como uma espécie de versão musical –
de batida ritmada e forte – do programa educacional tal como concebido pelos humanistas ou,
mais contemporaneamente, da noção de "Bildung" (CAVALCANTE, 2001, pp. 05-11).
Palavra de difícil tradução, segundo Marshall Berman, o “Bildung” seria o valor humano
central do romantismo liberal e engloba “uma família de idéias como „desenvolver uma
subjetividade‟, „encontrar a si próprio‟, „crescer‟, „descobrir a própria identidade‟,
„autodesenvolver-se‟ e „tornar-se quem a pessoa realmente é‟” (BERMAN, 2001, p. 23).
Enfim, o “Bildung” faz parte de um processo de autoformação de uma parcela da sociedade
que se origina das suas ruínas e tenta, não obstante, elaborar uma imagem própria do mundo
que lhe possa servir de organizadora da experiência e orientadora da vida ética.
Uma segunda vertente, segundo Berman, reuniria os grupos cujos versos estariam
mais próximos de uma literatura de violência, como por exemplo, os “épicos”. Entretanto,
essa vertente do rap conserva estilo e temática agressivos, fazendo do recurso a essa
linguagem direta de violência sua principal estratégia de penetração, invasão ou conquista de
espaços sociais proibidos pelo fora-da-lei. Nela se reconstitui o mito de criação da figura do
herói.
Numa terceira vertente, Berman trata o rap em chave dupla: ao mesmo tempo,
tributário dos princípios estéticos da arte moderna de colagem e dissonância e expressão
contemporânea de uma visão artística transgressora, na qual a principal atitude política é
entendida como manifestação de delinqüência e marginalidade. Essas vertentes são
reterritorializadas no rap nacional, sofrendo processos de tradução que lhes dão outros
significados com a incorporação da experiência histórica e social da juventude urbana
brasileira que escolheu o rap como forma de expressão.
Ainda está por ser estudada a relação inversa, do impacto de países de língua não
inglesa na formação da cultura hip-hop e da música negra em geral. O documentário
“Brasilintime: Batucada com Discos” (2002), dirigido pelo irlandês B+, traça algumas linhas
da influência da musicalidade brasileira na música norte-americana e no Hip-Hop. Conforme
o documentário, o samba teria modificado o jeito de fazer percussão no EUA. A batida do
samba teria saído dos discos dos Djs. O jamaicano Kool Herc “fez com que o som
„Comanche‟, tocado por João Parahyba, do trio Mocotó, gravado na década de 60, ficasse

118
famoso nas primeiras festas de rua” em Nova Iorque196. O disco “Soul Bossa Nova”
produzido por Quincy Jones na década de 1960 marca essa relação, bem como a gravação de
What‟s Going On de Marvin Gaye utilizando a batida do samba invertida. Influências que
modificaram o jeito de fazer percussão e tocar bateria nos EUA, influenciando posteriormente
na produção musical do Hip-Hop197. Tal perspectiva pode ampliar o entendimento sobre as
interações culturais no Atlântico Negro, mas aqui, ainda fazemos o caminho inverso.

III. 3 – “O rap é compromisso!”

O rap produzido no Brasil se desenvolve nos anos 1980 circunscrito inicialmente, em


termos de produção fonográfica, a São Paulo e Rio de Janeiro. Ele se firma em princípios dos
anos 1990 no mercado musical, sofrendo uma expansão para todo o país, surgindo selos
independentes em várias cidades do Brasil. Segundo Rosana Martins (2005), o primeiro
registro de um rap no Brasil é a versão satírica da música Rapper‟s Delight, o Melô do
Tagarela de 1980, por Arnaud Rodrigues198 e Mièle199. A letra do Melô criticava a corrupção
política, a inflação e a pobreza:

É sim de morrer de rir, quando a gente leva a sério o que se passa por aqui
Sai com a menina tá tão caro a gasolina. Leva um tiro na esquina
É sim de morrer de rir, quando a gente leva a sério o que se passa por aqui
No supermercado a oferta da semana, tudo a preço de banana
O anúncio é um colosso vou comprar alguma coisa, estou vidrado no almoço
Mil cruzeiros pela carne pago um quilo levo um osso
Levo um carro de dinheiro pago as compras do meu bolso
É sim de morrer de rir, quando a gente leva a sério o que se passa por aqui
A praça é do povo que houve de novo uma fase tão crítica a frase política
É o MDB miou a Arena. Vem aí o PTB tem a esquerda de Ipanema
Continua a coisa preta tanta sigla tanta letra
Que o povo esperançoso que só quer voto direto vai vivendo de teimoso continua
analfabeto (...) (Idem, p. 61)

Ao fazerem piada com a situação do momento, o clichê verbal se faz presente:


“continua a coisa preta”. Expressão inculcada no imaginário brasileiro, utilizado amplamente

196
RAP Brasil. Nº 35, 2006.
197
Idem.
198
Ator, comediante fez dupla com Chico Anysio, “Baiano e os Novos Caetanos”, na novela das 20 horas da
Rede Globo, Partido Alto (1984), onde atuou no papel do Rapper Mr. Soul. Ultimamente participa do programa
“A Praça é Nossa” do SBT, tendo trabalhado como roteirista neste programa quando de sua produção pela Rede
Globo nos fins de 1970, com Mièle como apresentador.
199
Produtor, diretor, apresentador, atuou em diversos programas humorísticos na televisão, além de incursionar
pela música.

119
e em especial em anedotas que reforçam a estereotipia ao equiparar a cor preta ao que é ruim.
O “tagarela”200 ainda não era visto como rap. Percebemos que na medida em que o rap é
produzido pelos selos independentes há uma mudança de postura na utilização das expressões
“black” e “preto”, uma vez que os rappers passam a manipular tais expressões. Essa
manipulação gera uma transvalorização que contribui na construção de novos parâmetros que
contestam os estereótipos como veremos a seguir.
O rap será gravado no Brasil em disco pela primeira vez com o grupo “Black
Junior‟s” em 1984 – grupo formado por três irmãos com idades entre 9 e 11 anos. Os irmãos
trabalhavam como carregadores em uma feira na cidade de São Paulo e foram “encontrados”
por um agenciador da gravadora RGE. Inicialmente chamado de “Funk Junior‟s” o grupo foi
intermediado por Nelson Triunfo, eles se apresentaram em programas de TV como Raul Gil e
abriram grandes shows organizados pela “Chic Show” como James Brown, Chaka Khan e
Comodi. Porém a carreira do grupo foi finalizada em 1989 devido a problemas com a
gravadora e seus empresários e principalmente pelo trágico assassinato de dois dos irmãos e
do pai dos jovens em uma tentativa de assalto a casa deles para roubar os “discos de ouro”201
(Idem p. 62-64).
Em 1988 é lançada a coletânea Hip Hop Cultura de Rua202. Um dos principais
destaques foram Thaíde e Dj Hum, além de MC Jack e Código 13. Este disco é considerado
por boa parte dos integrantes da cultura hip-hop como o primeiro registro de rap no Brasil:

(...) A primeira música que eu interessei foi o rock ´n roll, mas a partir do momento
que eu fui para rua me chamou mais atenção... que é o Rap. Eu lembro, acho que foi
90 ou 89, que eu vi os caras treinando “break dance”, e os breaks colocavam o som
da coletânea “Cultura de Rua”, que tinha o Thaíde, “Corpo Fechado”, tinha o
Código 13, com uma música que eu gostava. (MC Lethal, Testemunha Ocular)203

Imagem 33
Hip-Hop Cultura de Rua204

200
Nome dado ao estilo de música de canto falado, o Rap, pelos ouvintes brasileiros entre os fins dos anos 1970
e inicio dos 1980. Cf.: MARTINS, op. cit; VIANNA, op. cit.
201
Na verdade um erro, pois os discos de ouro, não são de ouro mas uma imitação, um símbolo, entregue àqueles
que conseguem vender 50 mil cópias nas grandes gravadoras. Estes discos eram entregues e ainda o são, durante
aparições na mídia.
202
São Paulo: Gravadora Eldorado, 1988.
203
Entrevista em 21 de agosto de 2006.
204
Disponível em http://www2.uol.com.br/shoppingmusic/marco2002/images/volumemaximo09.jpg, acesso em
20/01/2007.

120
A música Corpo Fechado205 de Thaíde e DJ Hum foi um dos grandes sucessos da
coletânea. Esta música narra a história de um jovem sem identidade e sua luta por
sobrevivência, em diálogo e conflito com a cultura dominante representada pela polícia, pelos
documentos e pela escola. Ela apresenta uma gama de contatos/confrontos negociados com
habilidade no aprendizado e sobrevivência nas ruas. Sobrevivência mantida porque o rapper
tem o corpo fechado pela “força poderosa” dos cultos afro-brasileiros:

(...) Você não sabe de onde eu vim/ E não sabe pra onde eu vou./ Mais pra sua
informação vou te falar quem eu sou;/ Meu nome é Thaíde/ E não tenho R.G./ Não
tenho C.I.C./ Perdi a profissional/ Nasci numa favela de parto natural/ Numa sexta-
feira santa, que chovia pra valer;/ Os demônios me protegem e os deuses também/
Ogum, Iemanjá e outros santos do além/ Eu já te disse o meu nome/ Meu nome é
Thaíde/ Meu corpo é fechado e não aceita revide (...) Na 43 eu escrevi o meu nome
numa cela/ Queimei um camburão/ Que desceu na favela./ Em briga de rua já
quebraram meu nariz/ Não há nada nesta vida que eu já não fiz/ Vivo nas ruas com
minha liberdade/ Fugi da escola com 10 anos de idade/ As ruas da cidade foram
minha educação/ A minha lei sempre foi a lei do cão/ Não me arrependo de nada que
eu fiz/ Saber que eu vou pro céu não me deixa feliz.

Em “Corpo Fechado” estão presentes as vertentes apresentadas por Marshall


Berman206: o “processo de autoformação”207 como organizador da experiência no mundo
moderno, orientando a vida ética. O rapper enuncia que vive nas ruas com sua liberdade, e
nas ruas foi onde aprendeu a ser homem; “o mito de criação da figura do herói”, sob a noção
do “épico”208, também é manifestado, pois Thaíde tem o corpo fechado e protegido pelos
deuses; ainda a “atitude política” entendida como “manifestação de delinqüência e
marginalidade”209 se apresenta pela briga de rua, a fuga da escola, o nome escrito em uma

205
Idem. Primeira música do grupo a tocar nas rádios comerciais conforme Pedro Biondi. In: Revistas Caros
Amigos Especial: Movimento Hip-Hop, nº 3, 1998, p. 21.
206
2001, p. 23.
207
Idem.
208
Idem.
209
Idem.

121
cela, remetendo a uma passagem na prisão, e principalmente pela queima de um camburão na
favela. A identidade não é afirmada, mas sim construída através dos contextos os quais ele
pode transitar por níveis de identificação.
No início da década de 1990 surgem vários grupos de rap pelo Brasil. E sem dúvida o
grupo Racionais MC‟s irá desempenhar um papel importante na afirmação de um Rap
Nacional. Hoje com cinco discos lançados já venderam milhares de cópias oficialmente e
outras tantas pirateadas e não contabilizadas210. De Norte a Sul do país o grupo se tornou parte
da trilha sonora de uma juventude urbana considerável, inclusive nas classes média e alta211.
O grupo procura retratar em suas letras a vida cotidiana e extrema das periferias, favelas,
vielas e cortiços de São Paulo e do Brasil,

Este lugar é um pesadelo periférico/Fica no pico numérico de população (...) Nas


ruas áridas da selva/ Eu já vi lágrimas demais, o bastante pra um filme de guerra!
"Aqui a visão já não é tão bela/ Se existe outro lugar/ Periferia é periferia." Um
mano me disse que quando chegou aqui/Tudo era mato e só se lembra de tiro, aí (...)
Outro maluco disse que ainda é embaçado/ Quem não morreu, tá preso sossegado./
Quem se casou, quer criar o seu pivete ou não./ Cachimbar e ficar doido igual
moleque, então. (...) Com dois filhos, periferia é tudo igual/ Todo mundo sente medo
de sair de madrugada e tal. (...) Fico triste por saber e ver/ Que quem morre no dia a
dia é igual a eu e a você. Periferia é periferia. "Milhares de casas amontoadas"/
Periferia é periferia./ "Em qualquer lugar. Gente pobre"/ Periferia é periferia.
"Vários botecos abertos. Várias escolas vazias."/ Periferia é periferia. "Molecada
sem futuro eu já consigo ver"212

A Bala não é de festim, não tem dublê. (...) Para os manos da Baixada Fluminense à
Ceilândia, eu sei/ as ruas não são como a Disneylândia/ De Guaianazes ao extremo
sul de Santo Amaro/ Ser um preto tipo A custa caro/ É foda! Foda, é assistir a
propaganda e ver/ Não dá pra ter aquilo pra você.213

Em muitos momentos a narrativa dos raps do grupo Racionais MC‟s se aproximam


bastante do discurso contundente do nacionalismo negro estadunidense, baseado nas
influências dos grupos Public Enemy, N.W.A. e do rapper Tupac (2Pac) Shakur, bem como
das idéias do líder negro Malcom X e do marxismo214. Em suas músicas o grupo procura
denunciar a dificuldade que é para um jovem negro viver na cidade grande sem as mínimas
condições de dignidade. A cultura hip-hop se torna uma possibilidade de ascensão e o rap é
uma forma de empoderamento e reversão da situação de precariedade vivida pelos negros no
Brasil. Em entrevista de Mano Brown dado à revista Veja! em 1994 ele apresenta a
polarização entre brancos “boyzinhos” e os negros “favelados”:

210
ROCHA, et ali.,2001, p. 34.
211
Uma expressão desse alcance está na matéria “Pretos, pobre e raivosos”, da coluna “Comportamento” da
Revista Veja de 12 de janeiro de 1994, pp. 52-56.
212
Periferia é Periferia, Sobrevivendo no Inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997.
213
Capitulo 4, Versículo 3, Idem.
214
Posteriormente iremos discutir tais relações.

122
“Dos brancos eu só quero o dinheiro (...) A polícia pega no nosso pé só porque
somos negros (...) Os brancos são boyzinhos, e eles se acham superiores só porque
têm dinheiro (...) Os boyzinhos não gostam de mim, gostam da minha música (...)
Então, que paguem mais caro”215.

Tornar-se um “preto tipo A” não é tarefa fácil, conseguida com a conscientização de


seu lugar no mundo para não ser mais um neguinho, ou Zé Mané, alienado, entregue ao
sistema que explora sem dar nada em troca. Os brancos detentores do dinheiro são
pretensiosamente superiores. Para quebrar tal embuste o rapper negro adquire dinheiro
através de sua música. Mas ainda assim precisam demonstrar que “preto e dinheiro” não são
palavras rivais216 e com isso apresentam um desafio ético: “o dinheiro tira o homem da favela,
mas não pode arrancar de dentro dele a favela”217.
A incorporação do gangsta rap nas músicas do grupo Racionais MC‟s fica clara no
discurso e nas imagens representadas nas capas dos discos. O disco Raio-X do Brasil218 traz
em sua capa detentos pendurados na grade de uma cela lotada, na contracapa uma foto dos
integrantes com revólver na mão em primeiro plano, e com outros jovens armados em
segundo plano. No disco anterior Escolha o seu Caminho219 traz todos armados na capa e na
contracapa lendo livros de Marx, Lênin e a biografia de Malcom X (FÉLIX, 2005, pp. 121-
122). As armas e os carros, unidos à consciência adquirida na aquisição do conhecimento – o
“quinto elemento” – representam poder e autonomia. O disco Sobrevivendo no Inferno220
também traz da mesma forma imagens dos integrantes e outros companheiros com armas e
em seus carros, o livro presente agora é a Bíblia221. Já em seu último trabalho Nada como um
dia após o outro dia... os carros continuam presentes, as armas saem de cena entram as
champanhes e os cordões de ouro e pedras preciosas, mas o que sempre está presente são os
vários “manos”, representando a irmandade e a comunidade.

Imagem 34

215
Revista Veja, 8 de junho de 1994, pp. 136-137.
216
V.L. (Vida Loka). Nada como um dia após o outro dia. São Paulo: Cosa Nostra, 2002.
217
Negro Drama. Ibidem.
218
São Paulo: Zâmbia, 1993.
219
São Paulo: Zâmbia, 1992.
220
São Paulo: Cosa Nostra, 1997.
221
Uma característica significativa do rap e da cultura hip-hop é o discurso da salvação, há uma analogia entre a
salvação eterna com a salvação terrena efetuada pela inserção dos jovens na cultura hip-hop. Por outro lado há
uma crescente relação com o protestantismo, onde muitas igreja vem abrindo espaço para a produção e
desenvolvimento de atividades ligadas a cultura hip-hop, disponibilizando equipamentos para ensaio, produção e
gravação, bem como momentos específicos para junventude hip-hopper. Inclusive houve o aparecimento do
termo Rap Gospel para designar os raps que procuram pregar os ensinamentos bíblicos. Cf. Rap Brasil. Ano V,
nº 33. São Paulo, Editora Escala, 2006, pp. 13-16; 19-23.

123
Raio X do Brasil222

O grupo manifesta uma atitude política de confronto explicita com a sociedade racista
e excludente. O discurso proliferado nas músicas e nas imagens das capas dos discos tem o
efeito de apresentar à esfera pública os problemas que acometem a população pobre e negra
das grandes cidades: a falta de dignidade em que vive essa população e os efeitos gerados
pelo desrespeito. Ao enunciarem outra realidade que não a da “democracia racial” e da
“cordialidade” brasileira rasuram o discurso de harmonia e interferem na reprodução da
representação do jovem negro da periferia. Apresentam uma espécie de radiografia – como no
título do terceiro disco – de uma sociedade fraturada, doente pela falta de oportunidade, pela
ganância, opressão e exploração. A radiografia não é feita pelo aparato técnico ou cientifico,
mas pela experiência dessa população que sofre com o tratamento policial, a falta de estrutura
e o permanente estado de pobreza dos trabalhadores que fazem a cidade funcionar. Há,
portanto, uma exacerbação do discurso iniciado pelo rap de Thaíde e DJ Hum. O rapper
Mano Brown afirmou em várias ocasiões que não aceita a autoridade da polícia, que não os
obedece e que sua segurança ele mesmo faz223. Ele define o rapper gangsta como aquele que
não tem “medo”, é o rapper que faz “o som do jeito que a quebrada é, com a cara da
quebrada, sem meias palavras, sem se preocupar se vai ou não entrar dinheiro, se vai vender
ou não”, enfim, “gangster” é “ser malandro e não ser vítima” 224. Em seu último trabalho a

222
Foto do LP – por Allysson.
223
Cf. Revista Veja, 8 de junho de 1994, pp. 136-137; Rap Brasil. Ano V, nº 26. São Paulo, Editora Escala,
2005, pp. 12-27; Revista Caros Amigos Especial: As grandes reportagens. Nº 27, Ano IX. São Paulo: Ed. Casa
Amarela, 27 de fevereiro de 2006, pp. 20-25.
224
Rap Brasil. Ano V, nº 26. São Paulo, Editora Escala, 2005, p. 16.

124
expressão “Vida Loka”, passa a identificar os “malandros”, os parceiros na guerra contra o
sistema225.
Ao expressar através de seus raps a crônica que dissemina informação entre e para a
população pobre e negra, procuram elevar o nível de consciência com a finalidade de
transformar a situação degradante da maioria desta população que habitam as grandes cidades
brasileiras. Neste sentido o grupo modificou suas rimas, se antes escreviam com a ajuda de
um dicionário procurando acertar no português, passaram a utilizar gírias aproximando o
linguajar da forma com que se comunica na favela, sem as formalidades da regra culta da
língua. Conforme Brown esta mudança teve a intenção de aproximar o grupo do seu
verdadeiro público:

A parte mais difícil da fita toda é fazer o favelado te ouvir, não o classe média. O
classe média estuda, analisa o que você fala. Os caras têm um conceito, estudaram,
uns já deram sorte de viajar, outros de fazer faculdade. Já o favelado compra axé,
sertanejo, samba (esse samba que os caras fazem hoje), que é já pra não ouvir a letra.
Pra você fazer esses caras ouvirem o seu rap, truta, se você tiver um estilo, vamos
dizer, aristocrata, não vai conseguir. A minha intenção é fazer eles ouvirem, porque
o rap é música popular, é música do povo. Então eu não posso falar que nem um
político, com o linguajar político.226

Em seus trabalhos o grupo Racionais MC‟s afirma que a partir de um lugar difícil de
se viver ainda é possível criar, pois do “lixão, nasce flor”227. Sem nunca ir à televisão de
massa como SBT e principalmente Rede Globo chegaram onde poucos artistas chegam.
Camisetas, adesivos, frases, pôsteres, bandeiras, calças, enfim um infinito mercado formal e
informal foi criado em torno do nome Racionais MC‟s, que musicou e verbalizou o cotidiano
do homem jovem negro pobre paulistano. Algumas empresas foram criadas por seus
integrantes, como a Cosa Nostra Fonográfica que produz seus discos; a Ice Blue produções e
marca de roupas; a Equilíbrio Discos e a 4P, uma mistura de produtora, grife e salão de
beleza. Através destes empreendimentos procuram manter o controle não só das idéias
difundidas nas letras como também a produção e distribuição de seus discos228, sendo eles
mesmos o exemplo de que preto e dinheiro não são palavras rivais.

225
As analogias de “Vidas Lokas” nas composições do disco são Malcom X, Che Guevara, Ghandi, Bob Marley,
bem como Dimas, o ladrão, considerado o primeiro Vida Loka, crucificado ao lado de Jesus, se arrependeu e foi
salvo, ao contrário dos soldados romanos.
226
Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1499, acesso em 15 de abril
de 2007.
227
V.L. (Vida Loka), op. cit. Algumas pessoas dizem que esse disco foi lançado pela Sony Music, multinacional
japonesa.
228
Exemplo importante é o último disco, Nada como um ida após outro dia... Disco duplo que trazia na capa o
preço sugerido para venda de R$ 23,90. Se compararmos com outros lançamentos da indústria fonográfica seja
de música Pop, Sertaneja ou trilhas de novelas, este preço sugerido está bem abaixo da faixa entre R$ 20,00 e R$
35,00 para os discos simples lançados pelas grandes gravadoras.

125
Outro grupo de rap que tem uma amplitude importante no Brasil é o também paulista
Facção Central. Considerado como gangsta rap o grupo fica atrás apenas dos Racionais em
vendas. Formado em 1989 na região central da cidade de São Paulo, é considerado como “o
grupo mais contundente do Rap Nacional”229. Consideram-se a “CNN periférica” – como o
Public Enemy – ao procurar noticiar tudo que vêem em suas músicas, elaboram crônicas do
cotidiano. “Da mesma forma que abordamos temas sobre a violência, gostaríamos de abordar
temas sobre a alegria. Mas, infelizmente, não é o que vemos no dia-a-dia”230. Os títulos de
seus trabalhos apresentam essa contundência direta: “Juventude de Atitude” (1995), “Estamos
de Luto” (1998), “Versos Sangrentos” (1999), “A Marcha Fúnebre Prossegue” (2001),
“Direto do Campo de Extermínio” (2003) e “O Espetáculo do Circo dos Horrores” (2006). A
principal analogia recorrente em seus trabalhos se dá pela representação da elite brasileira
como nazistas, sendo a polícia, a “SS”, treinada para matar pretos e favelados que seriam os
judeus da experiência presente brasileira. Na música “Artistas ou não?” 231 apresentam o lado
difícil e violento para os rappers também no mundo artístico:
Se não bastasse a humilhação já sofrida todo dia/ Tinha que acontecer também na tal
vida artística/ Tinha de ser fudida como é a nossa/ Otários sempre na frente/ Os
melhores sempre na bosta/ Um mundo tão filha da puta quanto é o normal/ Uma
panela constante, pilantragem capital/ Talento aqui até existe só que não importa/
Sem o dinheiro ou influência baterão sempre as portas/ Ignorados pela mídia sempre
a piada/ Na música nacional passar em branco não é nada/ Apenas é considerada
música de ladrão/ Diversão de menores, artistas sem expressão/ Pouco estudo sem
dinheiro apenas bom assunto/ Mas pouco importa pra boy se pobre vive no absurdo/
Gostam de ver a burguesia se acabando na guitarra/ Falando de porra nenhuma se
drogando enchendo a cara/ E tem TV e tem jornal revista pra burguês/ No rap
nacional é só merda, não tem vez/ (...)

E completa perguntando se os rapppers seriam artistas ou não? A humilhação vivida


no dia-a-dia acaba se refletindo na vida de artista. Reclamam por espaço na mídia e pela
pecha de ladrão, questionam se ser artista é se drogar e falar nada com nada como nas músicas
do burguês, principalmente no rock que têm espaço em revistas e televisão, restando ao rap a
falta de reconhecimento. Ainda assim, os discos do grupo venderam mais do que muitos
grupos com estrutura das grandes gravadoras e da mídia.
Hoje vivendo da música que produzem, com shows pelo Brasil afora em quase todos
finais de semana do ano, afirmam que estariam vivendo um “conto de fadas”: “cantamos,
vivemos da música, fazemos shows, damos autógrafos, tiramos fotos e isso é muito loko. Só
que isso não é o cotidiano, não é assim que as pessoas vivem (...) O mundo é bem

229
Segundo a revista Rap Brasil. Ano II nº 15. São Paulo, Editora Escala, 2003 e Rap.BR. Ano I, nº 01. São
Paulo, Editora Escala, 2007.
230
Rap.BR, 2007, p. 16.
231
Juventude de Atitude, São Paulo: Discoll Box, 1995.

126
diferente”232. O cotidiano é o pano de fundo para suas criações, falar da realidade seria uma
espécie de missão divina: “Deus manda e a gente põe no papel”233. De 1995 quando surge o
grupo até os dias atuais, os espaços foram sendo construídos: revistas, jornais, fanzines,
programas de rádio e televisão além de páginas na internet que têm possibilitado visibilidade
e interação entre os hip-hoppers, contribuindo para um debate amplo sobre os
encaminhamentos da cultura hip-hop.
Referência importante é apresentada por Goetz Ottmann, em sua análise sobre o
“local” no Hip-Hop brasileiro. Ottmann acaba por reconhecer uma unidade na especificidade
do rap paulistano:

Em muitos sentidos, (...) o hip-hop paulistano funde o legado de várias décadas de


política popular local radical e com freqüência messiânica com a profecia de uma
diáspora afro-americana celebrando a chegada de uma nova nação negra, e o
transforma em um espetáculo comercialmente bem-sucedido. Um espetáculo,
todavia, que até hoje retém algumas antigas reivindicações de autenticidade
propagadas por movimentos sociais inspirados nas CEBs (Comunidades Eclesiais de
Base) uma década antes; reivindicações de autenticidade enraizadas na pureza da
pobreza subalterna e no antimaterialismo prescrito espiritualmente (OTTMANN,
s/d).

A ambigüidade e a multiplicidade de elementos que fundamentam a cultura hip-hop


em São Paulo, também não é diferente em outros lugares do Brasil. Brasília, durante a década
de 1990, se torna um dos maiores focos do rap nacional, principalmente pela difusão dos
grupos de rap através do selo independente, “Discovery”. Um desses grupos foi o Câmbio
Negro, surgido em 1990, formado inicialmente por X234 e Jamaika. Antes de formar a banda
X tocava com o DJ Chocolate e Jamaika tinha um grupo de rap chamado "BSB Boys". O
grupo Câmbio Negro apareceu no cenário do rap nacional em 1993, com o LP "Sub-Raça",
trazendo um discurso anti-racista como expressa na música homônima:

Agora irmãos vou falar a verdade/ A crueldade que fazem com a gente/ Só por nossa
cor ser diferente/ Somos constantemente assediados pelo racismo cruel/ Bem pior
que fel é o amargo de engolir um sapo/ Só por ser preto isso é fato/ O valor da
própria cor/ Não se aprende em faculdades ou colégios/ E ser negro nunca foi um
defeito/ Será sempre um privilégio/ Privilégio de pertencer a uma raça/ Que com o
próprio sangue construiu o Brasil/ Sub-raça é a puta que pariu!/ Sub-raça sim é
como nos chamam/ Aqueles que não respeitam as caras/ Dos filhos dos pais dos
ancestrais deles/ Não sabem que seu bisavô como eu era escuro/ E obscuro será o
seu futuro/ Se não agir direito/ Talvez ser encontrado em um esgoto da Ceilândia/
Com três tiros no peito/ O papo é esse mermo a realidade é foda/ Não dê um bote
mal dado senão Câmbio te bota/ Fique esperto racista se liga na fita/ Somos animais
mesmo, se foda quem não acredita.

232
RAP.BR, Op. cit.
233
Rap Brasil, Op. Cit.
234
Utiliza-se da pronuncia em inglês : « éks ».

127
O primeiro disco vendeu 20 mil cópias garantindo em parte os interesses do grupo que
seriam mostrar para a classe média que o rap e a cultura hip-hop não eram coisas de
marginais e por outro lado, informar aos negros brasileiros o orgulho e o valor da raça negra.
O valor da negritude, algo que não se poderia aprender na escola, já que lá não se estuda a
história do povo negro235. Em 1998, já sem DJ Jamaika e com a inserção de guitarra, baixo e
bateria, lançam pela gravadora paulista Trama236 um disco homônimo. Na música “Esse é o
meu país”, dão continuidade a um discurso crítico ao racismo e à desigualdade social,
performativamente invertem a realidade vigente, apresentando a transformação possível do
Brasil em um país de primeiro mundo:
Igualdade racial, social/ Negro e branco tratado de igual pra igual/ Boas escolas
analfabetismo inexistente/ Saúde em alta bons hospitais, atendimento eficiente/
Mortalidade infantil há muito eliminada/ Pobreza não se vê, foi erradicada/
Criminalidade cai 90%/ Todos têm moradia, ninguém ao relento/ Policiais educados,
segundo grau completo/ Recebem salário digno, equipamento moderno/ Não abusam
do poder, não há brutalidade/ Admirados por todos da comunidade/ Honestidade na
política admirável/ Mulheres no governo com certeza invejável/ Tratadas como se
deve com respeito devido/ Não mais como cadelas e sim como indivíduo/ Vários
negros no senado, trabalho reconhecido/ Anos de faculdade, lugar ao sol merecido/
Vendemos tecnologia para o mundo todo/ Cientistas brasileiros sempre, sempre no
topo/ Recebem prêmios e prêmios no exterior/ Criam o mais moderno computador/
Aqui é o nosso país/ Brasil primeiro mundo, todo mundo feliz/ Esse é o meu país/
Primeiro mundo, Brasil, todo mundo feliz. (...) Rap nacional sempre difundido/
Letras inteligentes trampo descente, bem produzido/ Não se confunde liberdade de
expressão com desacato/ Espaço garantido, artistas de fato/ Vários discos de ouro
reconhecimento/ População bem informada respeita o movimento/ Levando a sério
objetivos alcançados/ Povo da periferia não é mais humilhado.

A sociedade utópica livre de violência, pobreza e discriminação racial, que para ser
alcançada deveria ter como principal instrumento a “informação” – o “quinto elemento”: a
sabedoria, difundida pelo rap, mas que só poderá se efetivar através do reconhecimento do
trabalho artístico e sobretudo da dignidade do negro, bem como da própria mudança de
postura dos rappers. Essa perspectiva política de rap é seguida por outro rapper brasiliense,
GOG (Genivaldo Oliveira Gonçalves) que questiona o papel do rap: “Fazer letras mostrando
o que é a marginalidade e apresentando saídas é uma coisa boa. Glorificar a violência é

235
Cf. AMORIM, 1998.
236
Gravadora presidida por André Szajman e João Marcello Bôscoli, se autoconsideram como um movimento de
Música. O Manifesto Trama divulgado à imprensa, apresenta uma proposta inovadora e progressista no
gerenciamento da produção musical: “Os interesses comerciais não podem definir a música. (...) Acreditamos na
capacidade da música emocionar e transformar pessoas (...) na arte que sensibiliza, mas que também desperta
consciência e senso crítico (...) que a arte é um caminho para o desenvolvimento político e social do país. (...) A
tecnologia existe para servir a música e não o contrário. (...) o propósito é e sempre será a MÚSICA (...)
Estimular um movimento de transformação da indústria que dê à música sua devida importância - cultural e
mercadológica - dentro do negócio, respeitando seus valores e propósitos originais. (...) Fortalecer e estimular a
atuação da música independente.” Disponível em: http://www.trama.com.br, acesso em 09/09/2006.

128
inadmissível” (ROCHA, 2001, p. 70). Uma de suas músicas, “Brasil com P” traz a cara deste
rap politizado ou “consciente”, como também é chamado:

Pesquisa Publicada Prova/ Preferencialmente Preto, Pobre, Prostituta Pra Polícia


Prender/ Parem, Pense, Por quê? Prossigo.../ Pelas Periferias Praticam
Perversidades, PMs/ Pelos Palanques Políticos Prometem, Prometem, Prometem,
Pura Palhaçada/ Proveito Próprio, Praias, Programas, Piscinas, Palmas/ Pra
Periferia... Pânico, Pólvora, Pá, Pá, Pá/ Primeira Página/ Preço Pago... Pescoço,
Peito, Pulmões Perfurados/ Parece Pouco.../ Pedro Paulo, Profissão Pedreiro/ Preso
Portando Pó, Passou Pelos Piores Pesadelos.../ Presídios, Porões, Problemas
Pessoais, Psicológicos, Perdeu Parceiros/ Passado, Presente, Pais, Parentes,
Principais Pertences/ PC, Político Privilegiado Preso Parecia Piada, Pagou Propina
Pro Plantão/ Policial, Passou Pelo Portão Principal/ Posso Parecer Psicopata/ Pivô
Pra Perseguição/ Prevejo Populares Portando Pistolas/ Pronunciando Palavrões/
Promotores Públicos Pedindo Prisões/ Pecado, Pena, Prisão Perpétua/ Palavras
Pronunciadas Pelo Poeta, irmão...237

Neste sentido a marginalidade é inevitável para aqueles que já são estigmatizados pela
sociedade. A reflexão e o diálogo, a negociação, sobretudo, são apresentados como a solução
contra a violência e o conflito. Por outro lado a inevitabilidade da violência é prevista como
contrapartida à violência estrutural, principalmente pela relação com a polícia e o acesso aos
direitos básicos como saúde e educação.
Com a cisão no grupo Câmbio Negro, predominou em Brasília o rap gangsta. Os
principais grupos dessa vertente seriam: o Álibi formado por Dj Jamaika e seu irmão Kaballa;
o grupo Cirugia Moral e Guind‟art 121. Estes três grupos foram os mais difundidos e ouvidos
em Goiás conforme Albaniza, da Posse Raízes do Gueto, ao falar dos bailes que freqüentou na
década de 1990 em Goiânia:

Vinha o Álibi lá de Brasília tocar aqui, (...) era tipo 92 para 95, (...) naquela época
o Álibi era rei para nós daqui de Goiânia, dançávamos demais, vinha no meio de
todo mundo, fazia os shows ficava no meio de todo mundo, o povo ficava doido.
Tinha o Guind‟art também.238

A ruptura ocorrida entre Jamaika e X acabou sendo expressa na música “Intro”, do


grupo Álibi. Neste rap, X é acusado de traidor por aliar-se ao “rock”239. “Intro” também
aponta a violência em Brasília como algo irreversível já que a paz não existiria nesta cidade:

Era uma árvore tão cheia, hoje está despida/ Muitos se afastaram, outros
sobreviveram/ Hoje tocam rock ou são pagodeiros/ Álibi necessidade de uma
eclosão/ Experiência sempre contente, então/ Foda-se os traidores dessa nossa
história/ (...) Foda-se um falso pacificador/ Que se organizam no palco/ Só quer

237
Caros Amigos/Literatura Marginal. Ato III. São Paulo: Editoras Casa Amarela e Literatura Marginal, abril de
2004, p. 13.
238
Entrevista realizada em 09/09/2006.
239
A relação entre o Rap e o rock tem sido constante, para alguns essa relação é uma evolução ao incorporar
intrumentos ao Rap, para outros é uma deturpação do verdadeiro Rap, feito apenas com as pick ups e os efeitos.

129
tocar o horror/ Baixos, baterias, guitarras/ (...) Planaltina, Samambaia, Gama,
Ceilândia ainda tem a fama/ Cidade brava de rocha/ Nunca vire as costas/ Moleque
pré já anda com a arma morta/ Pá, pá, paz, infelizmente não há mais240

Posta em questão a pureza e autenticidade no rap, que seria a utilização


exclusivamente das pick ups, mixers e samplers, em contraponto à utilização de baixo,
guitarra e bateria, tornando a aproximação com o rock e o pagode como sinal de impureza e
traição ao movimento Hip-Hop241. X é colocado como falso pacificador, uma vez que
debandou do movimento ao transformar o seu grupo Câmbio Negro em um híbrido de banda
de rock com rap. Nos discos do grupo Câmbio Negro, porém há uma preocupação em
demonstrar a sua filiação a cultura hip-hop, por exemplo ao gravar com Afrika Baambaata e
seu filho T. Izlam além de promulgar suas músicas como instrumento de divulgação do
“quinto elemento”. No entanto, o que fica claro é a diversidade de idéias presente no Hip-
Hop, não tendo um núcleo, uma raiz comum, mas absorvendo inúmeras influências da música
às idéias políticas.
O grupo Guind‟art 121, citado também por Albaniza, teve forte influência sobre o rap
de Goiás. Daher, o líder do grupo, saiu de Goiânia, especificamente do bairro Finsocial para
Brasília. O primeiro disco lançado em 1996, chamado “Ser ou não ser Gangster”, chegou às
10.000 cópias vendidas oficialmente, e a cerca de 100.000 piratas242. Para Daher, o gangsta
rap predomina no Brasil como predomina nos EUA, pois “como não cantar a violência se o
que vivemos no país por parte da polícia, do governo, é violência”. Ao invés de apologia ao
crime, como são muitas vezes condenados, cantam a realidade como Daher afirma 243. O
segundo disco, “Livre Arbítrio”244, só no Centro-Oeste vendeu 15.000 cópias. A música mais
executada foi “Deus é nosso pai”, que apresenta esta perspectiva da realidade:

240
Abutre. Brasília: Discovery, 1998.
241
Uma questão parecida se dá dentro do movimento punk brasileiro cujo exemplo mais expressivo é o caso de
João Gordo e do grupo Ratos de Porão, que durante uma certa época foi condenado como traidor por fletar com
o heavy metal, violando a pureza dos três acordes musicais e da ideologia anarcopunk divergente da alienação do
heavy metal.
242
Conforme entrevista para o site Rap Nacional. Disponível em www.Rapnacional.com.br. Acesso em
12/01/2007.
243
Idem.
244
Discovery, 1998.

130
(...) Um tanto eu suspeito em falar que somos ainda mais fortes (gangstar)/ Não pelo
jeito de expressar, ferro na cinta é fácil andar/ Moreno cor de homem se está armado
some/ Tem a fome no dedo e o medo na mão, fazer contagem puxar o cão/ Uma bala
na agulha (pá) duas balas (pá,pá)/ Puxa o seu que eu puxo o meu vamos ver o que
vai dar/ De ponta a ponta, redor a redor/ Estamos expandindo cada vez melhor/
Estamos nessa e com certeza não estamos só/ Ratátátá, click, cleck bummm/
Guind‟art 121/ Deus é nosso pai ele na frente e a gente por trás/ De quem está aqui e
daqueles que aqui não existem mais245

O “gangstar” ostenta a virilidade, o seu estado de alerta sempre pronto para não levar
desaforo para casa. Próximo ao discurso de Mano Brown, a narrativa do Guind‟Art salienta
que a segurança é feita por eles mesmos sob a benção de Deus. Se a realidade da juventude no
Distrito Federal tem sido violenta, o rap só pode refletir a violência constante e presente no
ambiente em que vivem os jovens. Para Abramovay, o rap teria um importante papel na
formação de uma “identidade social juvenil” na periferia do Distrito Federal, pois teria uma
dupla função, sendo ao mesmo tempo “um componente central das atividades de lazer” e um
canal de expressão da revolta desses jovens, “um protesto contra a perseguição e a falta de
direitos”. O rap torna-se um caminho para afastar os jovens das diversas gangues de
pichadores, assaltantes ou traficantes, que se constituíram na periferia de Brasília, afastá-las
enfim da criminalidade em geral, pois o Hip-Hop seria um lugar de afirmação e respeito para
a juventude pobre brasiliense (1999, p. 182).
No âmbito da expressão da violência o trecho da música Outro Flagrante, do grupo
goiano Realidade Carcerária é exemplar:

(...) o preto aqui é 100% atitude/ Começando pelo nome, Escuro/ Acompanhado
pelo meu mano: Sinistro B/ Engatilhado e bem armado/ Com um papel e uma
caneta/ O microfone ta na mão. Mão na cabeça!/ Já estou cansado de ser
discriminado/ Eu vou por minha atitude em ação/ Vou fazer o atentado contra a
burguesia/ Que é protegida pela polícia/ Você se esconde atrás do carro blindado/ E
não olha pra periferia/ Você não ta nem aí, se as panelas lá de casa estão vazias/ Ou
se vai faltar o leite pra minha filha/ Eu já sei qual é a intenção da burguesia/ É ver o
pobre morrendo na mão da polícia/ Ou então se acabando numa cela fria 246.

O rapper assume a postura do confronto, as armas são papel, caneta, e microfone, e o


adversário é a “burguesia”, a classe dominante que mantém o status quo através da
indiferença e da repressão, sobretudo contra o jovem preto e pobre, a principal vítima da
violência sistêmica e estrutural da sociedade brasileira247. Implicitamente, o lugar de grande
parte da juventude negra no Brasil, se faz presente na letra da música. O lugar destinado não é

245
Idem.
246
Realidade Carcerária, Outro Flagrante. In.: Quem permanece no erro é coroa de flor. Governo de
Goiás/Agência Prisional/AGEPEL, 2003. O grupo surgiu dentro do presídio estadual em Aparecida de Goiânia e
contou com o apoio da Agência Prisional para ser gravado, visava a reinserção social através da música.
247
Cf. a pesquisa de OLIVEIRA et ali, op. cit.

131
a escola, muito menos a faculdade. A vida desses jovens é atravessada pela sombra da
marginalidade. A estética da violência se faz presente na letra que visa denunciar, mas,
sobretudo confrontar aqueles que são seus algozes. E é a palavra cantada – rap -, a arma usada
por eles, na busca de sua afirmação e transformação para trilhar outro caminho que leve ao
lado oposto da criminalidade e exclusão.
As lutas simbólicas travadas nas relações de força entre os diversos grupos que
compõem a sociedade civil contemporânea acabam trazendo à tona o caráter de exclusão e
tentativa de normalização de grupos etários, étnicos, de gênero, de classe, de orientação
sexual, religiosos na construção da nacionalidade, através das afirmações identitárias
nacionais e regionais. As promessas articuladoras dos avanços da modernização preconizadas
principalmente no seu caráter de “bem estar social” acabam por serem desmistificadas através
dos raps. Da mesma forma são contestados o caráter da “democracia racial”, a letra morta da
lei em que “todos são iguais”, mas que não se efetiva na vivência comum do dia-a-dia dos
brasileiros, em particular dos afro-descendentes.
Mas não apenas simbólicas são as lutas, assim como a violência não é meramente
simbólica. Ela se materializa nas filas dos hospitais e postos de saúde públicos, no
descompasso entre escolarização e idade da maior parte da população, também nas mortes de
mulheres por produtos utilizados para alisar cabelo ou emagrecer a qualquer custo e
principalmente na violência policial que reprime – dos movimentos organizados aos jovens
negros “desocupados” – prováveis suspeitos dentro de um código criminal de moldes
lombrosianos do século XIX, com seu caráter “racializado”, ainda presente nos escritos de
juristas contemporâneos. Este trecho do Manual de criminologia, de João Faria Jr. publicado
no ano de 1996, é significativo:

Passado um século dessa abolição, o negro ainda não se ajustou aos padrões sociais
e o nosso mestiço, o nosso caboclo, em geral é indolente, propenso ao alcoolismo,
vive de atividades primárias e dificilmente consegue prosperar na vida. É este tipo
que normalmente migra e forma as favelas dos grandes centros demográficos. Ele
forma um vasto contingente, sem instrução e sem nível técnico, não consegue se
248
firmar socialmente e envereda para a marginalidade e para o crime.

Em uma análise epidemiológica que procurou descrever a morbidade e a mortalidade


por acidentes e violência no Brasil, as pesquisadoras Edinilsa Souza e Maria Lima (2006)
diferenciam a violência urbana, por sexo, cor e idade, e concluem que os homens jovens
negros são aqueles com maiores taxas de mortes por homicídio, taxas que são mais altas entre
jovens de 15 a 29 anos. A média é de 80 mortes a mais de jovens negros em cada 100 mil

248
Cf. Larkin Nascimento, 2003, p. 150.

132
habitantes aproximadamente (pp. 368-369). Tais dados confirmam o que o movimento negro
vem denunciando há décadas: o genocídio da população negra e a contradição presente no
fato de que se sabe quem é negro no Brasil no momento da discriminação e da criminalização,
ao passo que o caráter racial e seus efeitos na efetivação dos direitos e da cidadania são
dissimulados por um conjunto de idéias que criam aquilo que Hélio Santos chamou de “visão
da sociedade”.
O rap gangsta e sua reação contra esta estrutura representam a vertente épica presente
no Hip-Hop, conforme apresentada por Marshall Berman. Com seus versos que se aproximam
de uma “literatura de violência” conquistam espaços proibidos através de uma “linguagem
direta de violência”. A desobediência civil parece ser a única forma de conquista de uma
cidadania. Em um Estado onde as instituições pela alta burocratização, pela tradição racista e
excludente, acabam por conferir aos negros o estatuto de marginal. Somente às margens o
rapper pode ressignificar sua forma de resistir à estrutura hierárquica, na fronteira tênue entre
o mundo artístico e a marginalidade muito presentes na realidade dos artistas negros249.
O grupo Realidade Carcerária foi formado por detentos que cumpriam pena no sistema
prisional de Goiás. Escuro e Sinistro gravam o disco através de um projeto beneficiado pelo
Programa Estadual de Incentivo à Cultura GOYAZES (Lei nº 13.613). O projeto surge de um
convênio entre a Agência Goiana do Sistema Prisional e a Agência Goiana de Cultura Pedro
Ludovico Teixeira (AGEPEL). Para a direção da Agência Prisional o projeto chamado
“Reeducação pela Cultura” tinha o objetivo de transformar os “recuperandos do RAP” em
“verdadeiros artistas”, onde a música propiciaria a reinserção social e a “ressocialização” dos
integrantes do grupo.
Após o disco gravado, o grupo Realidade Carcerária fez shows nos presídios e cadeias,
bem como em outros espaços no estado de Goiás. Durante os anos de 2001 a 2004 eles
participaram de muitos eventos com seu show, inclusive fazendo parte dos grupos que se
apresentaram juntamente com o grupo RZO e no evento o Rap contra a Fome250. O grupo saía
escoltado pela polícia, retornando ao presídio após as apresentações.

249
Exemplos importantes, fora da esfera do Hip-Hop são o músico Seu Jorge, considerado hoje um dos maiores
representantes da música brasileira, aclamado na França e no Estados Unidos, que antes de todo sucesso, chegou
a viver na rua, após ter o irmão morto em uma chacina em Belford Roxo, bairro da Baixada Fluminense, TOP
Magazine. Ano 7, edição 81. São Paulo: Editora Top Magazine, 2005; e o caso de Cartola, considerado um dos
maiores músicos brasileiros, e talvez o maior sambista brasileiro, passou um período como lavador de carros
durante o dia e guardador de carros a noite, nos fins dos anos 1940 e inicio dos 1950, mesmo após sucesso
internacional, Nova História da Música Popular Brasileira: Cartola. 2ª edição, São Paulo: Abril S. A. Cultural e
Industrial, 1977.
250
Produzido pela UMH²O-GO (União do Movimento Hip-Hop de Goiás), que desde 1997 realizaram mais de
30 eventos em parceria com entidades de bairros, públicas ou filantrópicas.

133
A reinserção não foi fácil, Sinistro, o primeiro a ir para o semi-aberto, teve
dificuldades para conseguir uma ocupação e ser “artista de verdade” não possibilitava o
sustento razoável, acabou reincidindo e retornando ao regime fechado. Com o integrante
Escuro acabou ocorrendo o mesmo. O Realidade Carcerária não foi o primeiro grupo de rap
brasileiro a surgir dentro do sistema prisional, alguns exemplos são os paulistas Detentos do
Rap e 509-E e o Liberdade Condicional de Brasília.
Para Micael Herschmann, a disseminação de uma cultura da violência se dá no Brasil
porque o “modelo político tradicional” estaria saturado. Uma vez que o aparato jurídico legal,
na “prática”, “só é capaz de punir camadas menos favorecidas da população”. Segundo ele
podemos conceber a violência como uma forma de ruptura da ordem jurídico-social, como
uma forma de „resposta‟ concreta da sociedade (2000, p. 46). Ao mesmo tempo é necessário
perceber o papel estruturador e fundador da violência na dinâmica social, uma vez que sua
visibilidade e repercussão no imaginário social podem desencadear novas “expressões do
social”, possibilitando novos sentidos, alterando pontos de vista e mesmo “visões de mundo”
(Idem, p. 42).
O contraponto à violência estatal no rap se dá pela expressão da violência. O grupo
goiano Quadrilha da Voz realça o caráter violento e deliquente no nome do grupo, uma
quadrilha formada para agir através do rap. O corpo é a arma que dispara as balas através das
palavras, desencadeando rupturas. “A liberação e a esperança, promovidas através da
ambigüidade e da fala” (TAVARES, 1984, 2004):

Eu sou o click da morte, produto da violência/ O crime é minha sina, minha


convivência/ Sou conseqüência da pobreza que aqui existe/ Quem convive com a
miséria encontra refúgio no calibre/ Quem passa fome não tem dó do barão na praça/
Um vacilo já era, o enquadro rola na alta/ Se reagir, pá, pá... vai passar de assalto
para latrocínio/ Eu sou mais um revoltado que não pensa muito/ Foragido da escola,
sem estudo/ Ignorante, bruto, mal educado/ Só aprendi, véi! O que me foi ensinado/
Só pensamento ruim, só idéia escrota/ Altas vezes sonhei com uma metralhadora/
Assaltando um banco e saindo de boa/ Com a grana na mão sem perseguição/ Sem
sangue no chão, sem corpo dentro do caixão/ O Marcin, o Kiko e o Lokão/ E o tio
Ozias só na cobertura, pra dar a fuga/ Não sei se é precisão ou ambição/ Mas sempre
tive vontade de morar numa mansão/ E ter um carro zero, de preferência um BMW/
Com meu chegado e as putas de lado/ Mas minha real é outra, estou ciente disso/ É
ferro na mão, tambor lotado, dedo no gatilho 251

Em “Interpretando o crime”, o grupo contesta a hierarquia e a diferença social. Como


“etnógrafos nativos” os rappers chamam a sociedade civil para o debate. O discurso
produzido por eles tem contribuído para “a construção de um novo Brasil”. Ao narrarem um
Brasil perverso e profundamente hierarquizado “a atitude proposicional do rapper torna a sua

251
Quadrilha da Voz. Interpretando o crime. In.: De Mano pra Mano II. Aparecida de Goiânia: Studio R, 2001.

134
função ainda mais cruel, ao colaborar com a rede sistemática de desconstrução do sonho do
Brasil pacífico, do Brasil cordial, do Brasil homogêneo e harmônico” (BRAGA, 2006).
A experiência vivida pelos hip-hoppers contribui para gerar um discurso ambíguo.
Mesmo falando de crime procuram mostrar que esta estrutura hierárquica não poderá se
modificar através da violência e da criminalidade. Mesmo contestando hierarquias afirmam
lugares de poder. O antropólogo Waldemir Rosa ao analisar a masculinidade no rap brasileiro
e a construção da nação como uma narrativa masculina, nos ajuda a elucidar esse processo
desencadeado pelo rap nacional:

A mestiçagem e a cordialidade são os elementos centrais à identidade nacional


brasileira que serão apresentados nas letras do rap nacional como versões
fraudulentas e socialmente comprometidas com a exploração persistente e expansiva
da população negra e/ou pobre do país. Com a recusa em identificar estes elementos
como pertinentes para se pensar a realidade brasileira, o rap propõe uma
interpretação do Brasil a partir da explicitação das suas bases violentas, e focaliza os
processos de discriminação racial e de exploração econômica. (ROSA, 2006, pp. 36-
37)

A interpretação do Brasil focalizada pelo rap acaba por ser um desdobramento dos
discursos dos movimentos negros, dos movimentos e instituições de esquerda, das
comunidades eclesiais de base, dos partidos políticos, das igrejas evangélicas no bojo das
transformações sofridas na sociedade brasileira nos fins do século XX. A urbanização da
década de 1980, quando 70% da população passou a viver na cidade (SANSONE, 2000), o
processo de transição da ditadura para uma democracia, junto às ampliações tecnológicas são
elementos do contexto em que essa interpretação foi construída.
O rap agrega a vivência das ruas, do aprendizado e trabalhos informais, e
principalmente do não trabalho, ao mesmo tempo em que afirma uma arte não separada do
cotidiano e das idéias de quem produz. O eu literário é uma mistura de profeta e visionário,
um olho que tudo vê, e transforma tudo em rima. Rimando a realidade para informar e
conscientizar aqueles que não possuem acesso ao conhecimento:

O rap é uma manifestação que salvaguarda um comportamento crítico e propositivo


dos problemas sociais que afligem uma parcela significativa dos jovens afro-
descendentes. Os rappers constroem representações da sua própria realidade e de
acordo com os interesses e as ideologias dos grupos. Eles fazem de sua realidade
social, local, cultural e étnica o ponto de partida para rompimentos éticos, estéticos,
simbólicos, históricos e imaginários da sociedade (TELLA, 2000, p. 230.).

O Hip-Hop é uma experiência artística que boa parte da juventude pobre e negra passa
a vivenciar e produzir. No sentido do consumo, do lazer, da política, a cultura hip-hop
contribuiu na ampliação do imaginário social durante a década de 1990, quando o rap passa a

135
ser um veículo de comunicação e diálogo entre eles, e principalmente com a parcela da
sociedade que os discrimina. A voz dessa juventude foi ampliada e ouvida, incorporando a
presença de novos atores na esfera pública nacional e regional, “novas etnicidades”
produzidas no diálogo transnacional, mesmo que sejam poucos os momentos desse diálogo,
uma vez que as músicas não estariam dentro de um padrão vendável e possível de ser
transmitido nas rádios e TVs comerciais, a disseminação foi possível por uma rede alternativa
de comunicação, distribuição e consumo do discurso produzido pelos rappers.
Apontando linhas gerais sem esgotar a análise do rap nacional, um ponto importante a
ser destacado é a divisão surgida no rap do Brasil entre a “velha escola” e a “nova escola”.
Esta última seria uma espécie de geração de rappers que inseriu outras influências temáticas e
musicais, diferenciadas principalmente do gangsta rap, porém, as citações, à “velha escola”
são uma constante nos raps da “nova escola”, bases e scratches de Racionais MC‟s ou Thaíde
e Dj Hum são manipuladas em suas composições. Outra vertente conhecida como
“underground” também faz parte da “nova escola”, acreditamos que o termo pode ser
estendido para a maior parte do rap nacional. Segundo o paulista Rodrigo Brandão do
Mamelo Sound System, grupo considerado “underground”, o termo remete mais a um
inconformismo, “uma busca de transitar, sem depender dos tentáculos da Matrix, de fazer
justiça pelas próprias mãos, no bom sentido”252. A “nova escola” teria iniciado com grupos
como os paulistas RPW253, RZO254, SNJ255, De Menos Crime, Xis, os cariocas D2, Black
Alien, Speed, ainda os gaúchos Da Guedes, entre outros. Mas para vários rappers e djs só
haveria rap nacional. Esta divisão também é uma espécie de tradução para os termos surgidos
nos Estados Unidos para diferenciar vertentes do rap, entre “Old School Rap” e a “New
School”.
A Academia Brasileira de Rima (ABR) é um exemplo dos caminhos da “nova escola”
no Brasil, fundada com a ajuda de Thaíde representante da “velha escola”. Segundo seus
integrantes, a ABR teria como meta a busca de “evolução” para o rap nacional através de
letras pacifistas e exercidas pelo freestyle, o estilo livre, no qual a partir de um tema o rapper
improvisa. O rapper Thaíde afirmou que “no Brasil há a tradição do repente que é bem mais
velho que o rap”, assim os rapper devem “ter muito respeito pelos repentistas, que realmente

252
DE MAIO, Alexandre. Especial – Fora dos tentáculos da Matrix: A vitória do underground. In: Rap.BR. Ano
I, nº 01. São Paulo, Editora Escala, 2007, pp. 30-36.
253
Sigla construída pelas iniciais dos integrantes do grupo – Rúbia, Paul e W-Yo.
254
Acrônimo para “Rapaziada Zona Oeste”.
255
Acrônimo para “Somo Nós a Justiça”.

136
sabem rimar há muito tempo”256. A semelhança com o “repente” nordestino assume uma
influência importante para a afirmação de um rap com características propriamente
brasileiras.
O destaque da “nova escola” foi o rapper paulista Sabotage. Sua rápida e meteórica
carreira produziu uma linha divisória no rap brasileiro, entre antes e depois de “Rap é
compromisso!”, seu disco de estréia. Sua performance estabeleceu um estilo particular e
diferenciado de rimar, bem como outros caminhos e atitudes na relação do rap com a
indústria cultural. Músicas como “Um Bom Lugar” e “Rap é compromisso” estabeleceram um
novo paradigma no rap brasileiro:

(...) acontecimentos vem revelar/ A vida do crime não é pra ninguém/


Enquanto houver desvantagem só ilude um personagem/ É uma viagem a
minha parte, não vou fazer pela metade/ Nunca é tarde, Sabotage está é a
vantagem/ Rapper de fato grita e diz: Rap é compromisso!257

O compromisso é com o desenvolvimento individual e coletivo do povo pobre e negro


na luta por reconhecimento. O trecho do “Rap No Brooklin” a relação da população da favela
com o Estado e as instituições denuncia o desrespeito:

(...) De vez em quando a lei vai lá pra nos atrapalhar/ Choque, borrachada,
bala perdida, coronhada/ Cotidiano violento na favela da Espraiada/ Quem
tem sorte é forte enfrenta treta, cata/ Em plena praça se pá, presenciei não
imaginava, truta/ Salseiro no Itaú da rua Alba/ Agência desossada, PM
acionada/ Celular na mão do Zé Povinho virou uma arma/ Que louco,
sufoco, o malote tá com o troco, pipoco/ A meio corpo eu vejo um gordo
enfiando bala/ Pra ser mais claro parou de AR-15 aquela barca/
Impressionante cena cinematográfica/ Central de Santo Amaro Brooklin sul,
o tempo não pára/ Não tem desculpa, só tem disputa/ País que viva a luta, se
vem das ruas, pergunta curta/ Se liga Juca, favela pede paz, lazer, cultura,
inteligência, não muvuca/ Rap é compromisso esse é meu hino, que me
mantém vivo/ Então que seje breve e considere isso:/ Branco e preto pobre
não dão sorte contra o meritíssimo258

A lei e a polícia ao contrário de proteger os direitos básicos servem para oprimir.


Perante o juiz os pobres “não dão sorte”. O rapper narra um cotidiano extremamente violento
– “impressionante cena cinematográfica” – é uma realidade presente e constante na vida da

256
Revista Palavra. Nº 14, junho 2000, pp. 28-30. Músicas como “De Repente” de Rappin‟Hood com
participação dos “repentistas” Castanha e Caju, cf.: Sujeito Homem. São Paulo: Trama, 2001 e “Desafio no Rap
embolada” de Thaíde e DjHum, com participação de Nelson Triunfo procuram demonstrar a fusão e parentesco
do Rap com o repente e a embolada nordestinos, cf.: Assim caminha a humanidade. São Paulo: Trama, 2000.
257
Rap é compromisso. Sabotage, op. cit.
258
No Brooklin. In: Sabotage. Rap é compromisso! São Paulo: Cosa Nostra, 2001.

137
maioria das pessoas que vivem nas favelas. O compromisso do rap com a favela e o povo
pobre e preto é salientado por Sabotage, concomitante ao discurso de salvação viabilizada
pelo contato com a cultura hip-hop e o rap. Compromisso de levar informação, construir
consciência e estabelecer alternativas, pautadas em sua própria experiência, de jovem da
periferia que largou o crime e o tráfico para se tornar um dos rappers mais respeitados no
país. Apelidado por Rappin‟ Hood de “maestro do Canão”, por conta da favela em que morou
de apenas uma rua. Esta favela foi o que sobrou da expulsão de 50.000 pessoas da favela
Água Espraiada, para a construção da avenida mais cara do mundo, 800 milhões por 5
quilômetros, durante a gestão de Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo259.
Em um documentário produzido em 2003 pela 13 produções que circula na internet no
site YouTube.com260, Sabotage apresenta um pouco da sua história que acaba por representar
a vida de milhões de brasileiros que vivem em condições precárias: pessoas que são
amontoadas, espremidas e fortemente oprimidas:

“A favela é uma circunstância que o governo criou (...) „Ô excelentíssimo não-sei-o-


quê, a favela ta precisando de água e luz‟; „Ah, depois a gente vê‟, e a favela vai
crescendo sem água e luz‟. Vai ficando uma revolta na mente das pessoas. O veneno
é tão grande, a criança se perde, o barato vai ser sempre louco aqui. Por que eu, a
irmã aqui, o irmão aqui, já fomos moleques. Se eu disser que não me envolvi com 8,
9 anos no tráfico, é mentira minha. Parei com quinze anos, trabalhei de guardador de
carro em restaurante, aí eu comia os restos que os malucos deixavam no prato, aí
voltei. Todos os meus amigos, meus primos, meus tios, é tudo traficante. Porque o
tráfico é a única fonte de renda da favela. Se eu parei, sobrevivi, foi por causa do
rap.”261

O rap foi uma alternativa digna à criminalidade, pois trabalhar pelo salário que se
paga no Brasil que vulgariza o trabalho braçal executado pela grande massa de pessoas, acaba
gerando um dos fatores da desagregação familiar. Para o jovem que vivencia esta situação
compensa materialmente e moralmente levar a vida do crime, já que haverá respeito e
reconhecimento: “Todo mundo já pensou isso na vida, de um dia se revoltar entrar pra boca e
ser sinistro pra ter reconhecimento”262. A conseqüência disto são homens jovens morrendo,

259
AMARAL, Marina. Som e fúria: a saga de Sabotage. In.: Revista Caros Amigos Especial. Hip Hop Hoje. Nº
24, São Paulo: Editora Casa Amarela, junho de 2005, pp. 18-19.
260
Esta página é exclusiva para vídeos que são postados pelos próprios internautas, sendo de acesso gratuito,
assim como os uploads (inserção dos dados), quanto os downloads (cópias dos dados). Tem causado desconforto
na grandes redes de televisão mundiais pelas possibilidades abertas pelo YouTube. Ao mesmo por ter sido
comprada pela empresa Google, uma gigante da internet que disponibiliza sites de relacionamento, e-mails,
busca na rede, entre outros, vem se formando um enorme monopólio das informações transmitidas na rede
mundial de computadores, acesso em outubro de 2006.
261
AMARAL, Ibidem.
262
Trecho de abertura do Rap O crime manda no Brasil, do Rapper mineiro radicado em Goiânia Beaga, hoje se
encontra preso no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.

138
sendo encarcerados, ou se afundando nas drogas, ficando a cargo das mulheres todo sustento e
o cuidado com filhos e com o lar, alimentando o “círculo vicioso”.
Pela via oposta o reconhecimento através da arte ajudou Sabotage a levar o rap
nacional ao cinema, participando de dois filmes: O Invasor de Beto Brant, 2002, onde atuou e
foi consultor na composição do personagem principal, participando também da criação e
elaboração da trilha sonora que ganhou prêmio nos Festivais de Brasília e Recife em 2002 e
atuou também em Carandiru de Hector Babenco, em 2003. Em de janeiro de 2003 foi
assassinado a tiros, ao deixar sua esposa no serviço. Segundo o inquérito policial o crime foi
cometido por antiga rixa relacionada ao tráfico de drogas. Sabotage não contrariou as
estatísticas que apontam o maior número de morte violentas dos homens negros. Aos 30 anos
deixou sua esposa e dois filhos ainda na favela. Entrou no rol dos rappers assassinados como
Jan Master Jay, Tupac Shakur e Notorious Big nos EUA, do paulista Gilmar (Alvos da Lei),
Wellington “Gaiola” em Goiânia, Negro Blul na Bahia, entre outros.
A chamada “nova escola”, segundo Claudim, do grupo Testemunha Ocular, faria uma
outra leitura do Hip-Hop. Esta leitura seria uma nova forma de falar do crime, abrangendo
outros problemas, com a finalidade de derrubar as barreiras da marginalização do Hip-Hop.
Para a “nova escola”, esta marginalização se mantém devido aos rappers, que ao retratarem a
violência de forma difusa e ambígua, acabam gerando mais violência263.
Em 15 de fevereiro de 2005, após o assassinato de um jovem em um show dos
Racionais MC‟s em Bauru em janeiro daquele ano, aconteceu em São Paulo264 uma reunião
com diversos grupos paulistas das variadas “tendências e facções”. Estes grupos procuraram
reavaliar as mensagens produzidas pelo rap, com isso, identificaram que as mensagens
disseminadas acabaram muitas vezes sendo assimiladas pelos fãs como incentivo ao crime e a
violência. Comprovando o que já era afirmado pela “nova escola”. A finalidade da reunião
foi afirmar a separação do rap do crime. A música Eu Sou 157, do último disco dos Racionais
MC‟s é um exemplo, este rap narra a entrada de um jovem em uma quadrilha para fazer um
assalto a mão armada. Seu refrão é: “Hoje eu sou ladrão/ Artigo 157/ A polícia me olha/ Sou
herói dos pivetes”. Nela a linha tênue entre representar a realidade e a apologia fica a cargo de
quem ouve, apesar de no final da música haver uma mensagem dizendo para os jovens não se
envolverem com o crime, estudarem e respeitarem o pai e a mãe. O debate iniciado naquela

263
Cf. depoimento no documentário BORGES, Carlise Nascimento. Hip Hop: Arte, Cultura, Comunicação e
Movimento Social – uma pesquisa realizada em Goiânia. Produção áudio-visual para T.C.C. de Comunicação
Social, habilitação em Relações Públicas – FACOMB/UFG, 2006.
264
VIANA, Natália. Enquanto isso na sala de justiça. In.: Revista Caros Amigos Especial. Hip Hop Hoje. Nº 24,
São Paulo: Editora Casa Amarela, junho de 2005, p. 07.

139
reunião encaminhou como compromisso daqueles ali presentes um maior cuidado com as
mensagens difundidas em suas músicas.
Esta questão, também nos aponta certos elementos para interpretar a critica ao rock
feita por grande parte dos rappers. Músicas de grupos do chamado Rock Brasil, surgido na
década de 1980, como Polícia do grupo Titãs265, ou Veraneio Vascaína do grupo Capital
Inicial266, não tiveram repercussões maiores e nem reflexos diretos nos shows destes grupos,
como acabam ocorrendo com constância nos shows de rap, com a intervenção policial. Ou
seja, os artistas que se enquadram no padrão de mercado podem falar da polícia, criticar o
sistema, já os “manos” não.
Duas intervenções policiais amplamente divulgadas e discutidas nos meios de
comunicação ocorreram em São Paulo em shows do grupo Racionais, a primeira em 1994, no
festival “Rap do Vale”, no Vale Anhangabaú, quando ao terminar de cantar a música
“Homem na Estrada”, que narra a história de um homem morto pela policia na calada da
noite, o grupo é detido e acusado de incitação ao crime (MARTINS, 2005, p. 79), e em 2007,
na Virada Cultural em São Paulo, evento promovido pela prefeitura da cidade. O show do
grupo foi suspenso antes do fim pela dispersão do público com bombas de gás lacrimogêneo e
balas de borracha. Nas primeiras músicas cantadas estava Eu Sou 157267. A análise e a
conclusão para este confronto foram apresentadas por Mano Brown e é quase um consenso
ente os rappers, e tendo semelhança também com os efeitos gerados pelo rap do grupo
N.W.A. nos EUA no inicio da década de 1990:

Eu vejo a injustiça. Falo como vejo as coisas. A polícia é preconceituosa. Preto não
pode ter as coisas, tem que ficar toda hora provando de onde veio, de onde comprou,
mostrar notas fiscais (...) Caras da nossa cor, falando gíria em cima de um som
discriminado como o rap, irrita porque eles não esperavam: "Como é que nós
deixamos isso acontecer, ó o tamanho que os caras tão ! " Isso vai dar liberdade pra
preso falar, favelado (...) Então para os caras isso é uma conspiração dos pobres, dos
presos, dos pretos, dos favelados268

Contundente ou político, comercial ou underground, o rap nacional tem contribuído na


luta por reconhecimento e transformação da situação degradante em que vive a população

265
Disco “Cabeça de Dinossauro”, WEA, 1986.
266
Disco “Capital Inicial”, WEA, 1986.
267
Uma importante analise sobre as relações entre a polícia e o negro no Brasil são feitas na autobiografia de
Neninho Obaluaê (José Augusto Gonçalves da Silva): Beco sem saída: eu vivi no Carandiru. Rio de Janeiro:
Record: Rosa dos Tempos, 1999. Para uma outra visão do “gansta Rap”, ver a ficção do inglês-jamaicano
Benjamin Obadiah Iqbal Zephaniah, Gangsta Rap, na qual apresenta as tramas de uma gravadora para ganhar
dinheiro através da disputa entre Rappers transformados em gangsters.
268
KALILI, Sérgio. A fúria de Mano Brown: os Racionais Mcs atacam a polícia e o establishment e fazem
sucesso. In.: CAROS AMIGOS ESPECIAL: As grandes reportagens. Nº 27, Ano IX. São Paulo: Ed. Casa
Amarela, 27 de fevereiro de 2006, p. 23.

140
afro-descendente. O Hip-Hop “expressa uma identidade afro-descendente sem falar de negro
e de raça” e essa expressão elevam a auto-estima e contribui na auto-realização individual e
do grupo. A cultura hip-hop alcança e mobiliza “as grandes massas populares dos bairros, dos
grupos de trabalhadores e desempregados” realizando uma das utopias do Movimento Negro
dos anos 1970, que seria a mobilização e o engajamento da massa popular à luta anti-racista
(CUNHA JR., 2003).
Sendo assim, podemos considerar o Hip-Hop como uma vertente do Movimento
Negro? Sim, se levarmos em conta dois fatores: primeiro que o discurso do Hip-Hop tem
como um de seus objetivos “o reconhecimento do valor da comunidade afro-brasileira em
termos étnico-culturais e a reversão das desigualdades socioeconômicas que atingem
preferencialmente as populações negras” que é um dos objetivos do Movimento anti-racista
brasileiro (D‟ADESKY, 2005, p. 156); e em segundo o fato dos rappers manipularem os
conceitos “consciência” e “conscientização”, conceitos que ocuparam desde a fundação do
MNU, em 1978, “lugar decisivo na formulação das estratégias do movimento” em sua critica
ao discurso nacional hegemônico, condenando a “assimilação” e combatendo a “ideologia da
democracia racial” (COSTA, 2006, p. 144). Mas devemos levar em conta que essa
confluência não se dá sem conflitos e diferenças de concepções que também afastam o Hip-
Hop do Movimento Negro. Para Antonio Sérgio A. Guimarães “a mobilização do carisma de
raça tem, no Brasil, efeito muito mais circunscrito, apesar de fundamental” e a luta contra as
desigualdades raciais é dificultada por que a sociedade brasileira não reconhece o racismo,
vendo as desigualdades raciais como desigualdades sociais de classe e esse senso comum
“fortemente estabelecido” perpassa o Hip-Hop (2005, p. 232).
Assim, voltamos-nos agora para Goiânia a fim de perceber a especificidade da
produção musical da cultura hip-hop, sua luta por reconhecimento e contribuição para a
ampliação da esfera pública negra em Goiás.

III.4 – Da “Goiânia Country” aos “Rimadores Pekizeiros”

Em 27 agosto de 1997, a revista Isto É publica um artigo intitulado A Dallas


brasileira, que apresentava Goiânia de uma forma elogiosa. Elogios estes por ser ela capital
de um estado, situado no centro de uma região onde circula boa parte da riqueza agropecuária
141
do país. O título de Dallas era dado a Goiânia pela riqueza e prosperidade presentes na
cidade. A analogia tinha como base a característica agropecuária dessa riqueza269.
Contribuiriam para tal comparação algumas estatísticas que apresentavam Goiânia como
possuidora da “maior frota per capita de caminhonetes”, bem como a “maior proporção de
veículos por habitantes no País – um carro para cada duas pessoas” (MELLO; DUSEK, 1997,
p. 114).
Em um artigo intitulado A força dos movimentos populares270 (2000), Nasr Fayad
Chaul271 reafirma a prosperidade de Goiânia:

“(...) Goiás se projeta nos anos 90 como um Estado emergente, detentor da 7ª


colocação na economia nacional e ciente de suas potencialidades, assustado ainda
com sua dinâmica agroindustrial e com sua, cada vez maior, participação nos rumos
políticos do País”. (O Popular, 2000)

Através destes artigos são difundidas imagens de Goiânia e do estado de Goiás


representando riqueza e prosperidade. Estas imagens, somadas à visão de ser uma cidade sem
racismo272, obscurece os problemas enfrentados pela grande maioria da população local.
Problemas que não se diferenciam dos enfrentados pela população do restante do país,
assolada pelo racismo e pela grande desigualdade e exclusão social. Será que a experiência
social contemporânea brasileira não seria caracterizada mais pela tensão entre os diversos
grupos sociais existentes no país, do que propriamente pela visão otimista de harmonia e
consenso? Tensões que não começaram hoje nem ontem, mas remontam há séculos atrás, e
que tem sido apontadas pelos rappers conforme apresentado no tópico anterior.
O artigo da revista Isto É, fez uma alusão à disputa ao título de “capital country”273
entre Goiânia e Barretos, afirmava que os “espetáculos countries”, cada vez mais,
conquistavam os adolescentes da cidade. O “entusiasmo pelo country”, segundo o artigo, não
seria recente, mas remeter-se-ia ao início da construção de Goiânia, pois faria “(...) parte da
herança recebida pelos primeiros fazendeiros que ajudaram a erguer a cidade há 64 anos,

269
Durante a década de 1980 o seriado Dallas exibido pela Rede Globo, apresentou a história das ricas e bem
sucedidas famílias do Texas, com seus poços de petróleo, fazendas de gado, enfim, ricos, mas caipiras. O atual
presidente dos EUA e seu pai, os Georges Bush, são caricaturados como caipiras por serem naturais do estado do
Texas.
270
Disponível em: http:// www2.opopular.com.br/especiais/pop60/ pag13.htm, acesso em 08/10/2003.
271
Historiador e presidente da Agencia Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, entre 1999 a 2006.
272
Fator já posto em questão por Mary Baiocchi (1983) e cujo símbolo maior é o “Monumento às três raças”
presente na praça cívica e que representa a associação entre brancos, índios e negros na construção da cidade.
Inaugurado em 6 de julho de 1967, foi um homenagem ao jubileu de prata do batismo cultural de Goiânia, feita
pelos Rotary Clubes de Goiânia, representados por Luis Rassi e Elias B. Daher. Traz em sua placa a seguinte
mensagem: “Como justa homenagem àqueles que viveram a grande epopéia da construção de uma capital
plantada em pleno sertão bruto de outrora”.
273
Country é um gênero musical estadunidense “dos mais populares internacionalmente”. “Nos Estados Unidos,
o country emergiu como mercado poderoso nos anos 1990”. Para mais detalhes cf. SHUKER, 1999. pp. 81-82.

142
sobre um terreno de três fazendas desapropriadas”. Afirma o artigo que não seria “raro”
encontrar na cidade quem não tinha fazenda, chácara ou sítio e que não era filho de
proprietário rural ou camponês (MELLO; DUSEK, 1987, p. 114).
O estilo “country” seria o ponto culminante da transformação ocorrida na “música
caipira” através de sua “apropriação” pela indústria cultural274. Segundo Walter de Sousa, a
indústria fonográfica e as rádios perceberam que a introdução de guitarras e teclados
transformavam o estilo em algo “muito popular”, explorado com mais intensidade a partir da
década de 1980. Momento que, segundo o autor, coincide com a “ascensão da classe média”
como consumidora do estilo já transformado. “A dupla que fez essa transição de forma mais
marcante foi Chitãozinho e Xororó”, que inaugurou a virada do estilo “caipira” para o
“sertanejo”, representando a urbanização do “caipira”. Em lugar da simplicidade e da vida no
campo, ele hoje anda de “picape, participa de rodeio, usa chapéu de caubói”. Para Walter de
Souza a “indústria cultural transformou o discurso, o ritmo e tudo o mais, criando um estilo
romântico” restando do estilo “caipira” apenas o canto formado por duas vozes 275. Em Goiás
irão despontar nos fins dos anos 1980 as duplas sertanejas Cristian e Ralf, Leandro e
Leonardo e Zezé Di Camargo e Luciano, entre outras.
O simples fato de boa parte de a população descender de famílias do meio rural, não
quer dizer que todos participem ou usufruam de forma igualitária desta situação de “riqueza”
e “prosperidade” harmônicas, características de uma cultura “country” tradicional, segundo o
artigo da revista. O depoimento de uma jovem que vivenciou e se identificou com esta
cultura, sendo por um determinado período uma cowgirl276, apresenta o aspecto multifacetado
da juventude no consumo dos bens culturais. Ela freqüentou os espaços destinados à música
“sertaneja” e “country” na cidade. Para ela, a definição de Goiânia como a capital “country”
funcionou como:

(...) um merchandising, como moda realmente, que as pessoas realmente gostam, se


identificaram, ficaram, pegaram para si, mas as outras também não ficaram presas a
isso. Vivenciaram também o restante das coisas que estavam funcionando por aqui.
A cidade não era em si country. Entendeu? Tinha outras coisas. Assim como eu fui
influenciada pelo samba que mexeu comigo, que me envolveu, outras pessoas foram
se envolvendo pelo axé, pelo hip-hop, por todos outros ritmos, que tiveram. Então
não foi o country em si que mexeu. Mas tem muita gente que ainda preserva. Eu

274
Dialética do Jeca, In: Ilustrada, + Livros. Folha de São Paulo, 2 de novembro de 1999, p. 08.
275
Idem.
276
O termo é utilizado às mulheres que adotam o estilo de vida cowboy, marcado principalmente pela utilização
de alguns acessórios, a audição de determinadas músicas e o encontro em determinados lugares que reproduzam
a temática.

143
respeito. Mas acho que foi muita propaganda, e de certa forma enganosa, da cidade.
(Karine, 26 anos, estudande de letras na UFG) 277

O projeto que visava transformar Goiânia na capital “country” do país surgiu na gestão
do prefeito Darcy Accorsi, do Partido dos Trabalhadores (1993-1996). Desenvolvido como
um filão turístico para a cidade, teve como formulador Luiz Alberto Gomes de Oliveira,
Secretário de Desenvolvimento. Segundo o secretário, seria um projeto de marketing ousado,
pois refletiria “um estudo sobre nossa realidade”278. O projeto de lei visava criar incentivos à
implantação de investimentos na área de lazer e entretenimento. Fomentar um circuito de
eventos que iria de maio a agosto seria a grande intenção, iniciando com a festa Agropecuária
e terminando com o Festival Goiânia Country, tendo entre eles o Rodeio Cowboy do Asfalto.
Entre as propostas estavam festivais de música “country”, com a vinda do cantor
estadunidense Willy Nelson; corridas de Cross Country, charretes, quartos-de-milha e
caminhões; transformação do Parque Agropecuário em uma “verdadeira cidade country”;
transformação da Avenida Castelo Branco em uma atração, por contra de sua vocação para o
comércio agrícola; realização de feiras de equipamentos agrícolas; fazer com que a Rede
Globo transmitisse de Goiânia um Som Brasil Sertanejo; “Usar o merchandising em novelas,
mostrando personagens em Goiânia”; além da criação e implantação de um
“Agroshopping”279.
O debate em torno do projeto “Goiânia Country” foi pautado pela discussão acerca da
cultura local, onde a relação entre a tradição local e a nacional e a imposição mercadológica
emergiram no confronto de idéias. O projeto, porém não era unanimidade dentro do próprio
Partido dos Trabalhadores, Marina Sant‟Anna, por exemplo, acenava com a preocupação de
que correríamos “o risco de fazer uma imposição de gosto musical, vestimentas e costumes
que poderia ser passageira". Afirmou ao jornal que a população precisava ser ouvida sobre
essa questão que poderia “mudar nossas raízes culturais”280.
Mas quais seriam tais raízes? O presidente do Instituto Histórico e Geográfico de
Goiás, José Mendonça Teles, definia essas raízes pela “tradição” fundada com o Batismo
Cultural, evento de inauguração oficial de Goiânia ocorrido entre os dias 1º e 11 de julho de
1942. Tal evento aconteceu “como um ritual de incorporação à nação, condição propiciada
somente após a separação do estado anterior, representado pela porção indesejada da tradição:

277
Entrevista em 07 de outubro de 2005.
278
NERCESSIAN, Lara. Seguuuuuuura goiano! In: Caderno 2, capa. Jornal O Popular, Goiãnia, sábado, 30 de
setembro de 1995. Ano: LVI, Nº 15.265.
279
Idem.
280
Idem.

144
a decadência de Vila Boa”. Essa decadência tinha como um dos principais efeitos a
ruralização da população. Com a construção de Goiânia civilizava-se o sertão, a integração do
estado à nacionalidade, a vitória dos valores urbanos sobre a tradição de atraso do Brasil
sertanejo, fundavam uma nova ordem regional baseada no saber científico muito bem
representado pelo Interventor Federal, o médico Pedro Ludovico Teixeira, saber expressado
em seu discurso “Mensagem ao Brasil”: “(...) Ao entregar à comunhão nacional a cidade cuja
construção foi parte primacial do meu programa de governo, despido de espírito regionalista,
ergo o meu olhar para a Pátria comum, antevendo o seu futuro esplendoroso (...)” (VIDAL E
SOUZA, 2002, p. 93).
Se por um lado o título de capital “country” borra o caráter nacionalista da construção
da cidade, por outro lado representa a efetivação do movimento civilizador na transformação
do atraso rural para o “futuro esplendoroso” e civilizado. Para Luiz Alberto Gomes de
Oliveira, Secretário de Desenvolvimento, com o título de “capital country” não mudaria os
valores inaugurados com a construção de Goiânia: “Não estamos criando a „cidade country‟,
Goiânia já é country, queremos agora difundir e tirar proveito dessa imagem”281. Conforme
Maria Abadia Silva, a Secretária de Cultura do Município na gestão de Accorsi, o projeto não
era uma proposta cultural, o seu caráter era econômico, pois trabalhava “em cima de
mercado” e “não em relação à cultura”282.
Sendo o mercado e não a cultura o grande fomentador do projeto, o rodeio “Cowboy
do Asfalto”, misto de rodeio e show, conseguia mobilizar um grande público que pagava para
ver as montarias em touros e os shows das duplas sertanejas de renome nacional. Gerador de
mercado e postos de trabalho diretos e indiretos possibilitava o aumento na arrecadação dos
impostos pela prefeitura, viabilizando uma associação entre a administração pública e a
iniciativa privada. Salvino Pires Filho, um dos 10 rancheiros organizadores do evento,
defendia a idéia pelo argumento de que a iniciativa privada faria “bem feito”: “Não
precisamos de dinheiro da prefeitura, mas do apoio (...) é preciso desmistificar isso. Ser
country é gostar do campo”283. O debate fazia aflorar as contradições. Conforme Chaul,

(...) as duplas sertanejas invadiram o Brasil, mas não trouxeram dividendos culturais
para este lado de cá do Paranaíba. Uma infeliz idéia parece ter ganho, no fim da
década, sua sepultura: a de transformar Goiânia em „capital country‟. A pluralidade
falou mais alto. (2000)

281
Idem.
282
Idem.
283
Idem.

145
O autor demonstra que a não fixação de uma identidade “country” para Goiânia
significaria, então, respeito e tolerância à pluralidade e a diversidade cultural goiana. Fruto de
uma “posição liberal”, a perspectiva do autor, mesmo indo além da simples confirmação ou
alusão a uma identidade única existente entre os goianos e especificamente goianienses, não
tenderia a naturalizar, cristalizar, essencializar a diversidade, a identidade e a diferença? E ao
mesmo tempo, tal perspectiva não serviria para ocultar as diversas lutas que encerram a
construção da identidade e da diferença no espaço local? O Mc do grupo de rap Segundo Ato,
Jeff, ao falar do seu envolvimento inicial com o break “por volta de oitenta e oito, oitenta e
nove” demonstrou como a “pluralidade não falou mais alto”, e que a harmonia, o consenso e a
prosperidade não faziam parte do cotidiano dos jovens que não andavam de camionete e não
possuíam fazendas:

Eu morava no setor Pedro Ludovico. De lá a gente pegava baú, descia pro centro às
vezes de bicicleta (...) a galera gostava do som, num tinha opção, aqui. Então, a
gente é(...) além do preconceito das pessoas, que via a gente dançando lá. A
maioria das pessoas falava: - tal, um bando de cara drogado, lá, rolando no chão,
loco lá, sabe? Então, além desse preconceito, a gente ainda tinha o preconceito
musical, num rolava nosso som em rádio. Inclusive até hoje também, se você não
tiver uma grana pra bancar, você também num vai ouvir nunca. 284

Vários grupos de rap surgem em Goiânia a partir dos anos 1990. Antes de se
organizarem em posses, associações, uniões, enfim, núcleos de Hip-Hop, não tinham espaço,
sejam nos projetos e políticas públicas da área cultural ou educacional desenvolvidos pelos
poderes públicos municipais e estadual, bem como na mídia em geral. Porém ao se
deslocarem para o centro da cidade construindo “territórios” passageiros, chamam a atenção,
aguçam a curiosidade, se relacionam com um fluxo grande de pessoas, conquistando espaço
para expressarem suas idéias. Em fevereiro de 1996 é realizado no Martim Cererê o “1º
Grande Encontro do Movimento Hip-Hop em Goiânia”285, organizado pelos grupos Kães de
Rua286 e Sociedade Black, que se associavam na “Organização Hip-Hop de Goiânia”
(OHHG). Um dos intuitos do evento era estabelecer o projeto Goiás Capital do Break (GCB).
Idéia que vinha sendo a tônica dos eventos organizados pela OHHG.

Imagem 35
Kães de Rua e Mr. Black (Sociedade Black)287

284
Depoimento colhido por mim em 26 de novembro de 2002.
285
Jornal Diário da Manhã. DM Revista: AESSE, Ulisses. COLUNA TITITEEN. GOIÄNIA, Domingo, 04 de
fevereiro de 1996. Ano X, nº 3056, p. 5.
286
Inicialmente uma “gangue de break”, que se torna uma posse contando com grafiteiros como o caso de Scott
Ci e também Mc, como Tio Lú e Jeff, representando os elementos da cultura hip-hop.
287
Arquivo Pessoal – Aluisio “Mr. Black” – Abril 1996.

146
Em novembro de 1995 um concurso de Break Dance tinha o intuito de demonstrar
essa vocação do Estado, contando com os grupos Street Dance, Consciência Break, Mega
Break, Bit Street, Dragões de Rua, Radiontron (Anápolis), Moleques de Rua e Cultura Negra
afirmavam a força do break em Goiás, iniciada com a aventura de Lagartixa, Jean e Neneca
em São Paulo. Luiz Franscisco, o Tio Lú, afirmava, à época, que o concurso contribuía “para
desfazer a imagem” de Goiânia como “capital country”. Para ele, “antes de tudo, Goiânia é a
cidade do break. Para comprovar isto basta dar uma olhada na quantidade de pessoas que
integram nosso movimento”288.
Podemos forçar uma analogia ao lembrar do Decreto-Lei 63.783 assinado pelo poder
executivo federal em 1968, também chamado de “Lei do Boi”, que estipulava cotas para o
ingresso de filhos de fazendeiros nos cursos de Agronomia e Veterinária. Em contraste, hoje
temos a celeuma contra as “ações afirmativas” que incluem cotas para o ingresso de negros,
índios e alunos de escola pública nas universidades públicas do país. Assim, um projeto como
o de “cidade do break” nunca estaria nos planos de uma administração pública dominada pelo
patriarcado rural, como esteve o “Goiânia Country”. A analise de outro militante do Partido
dos Trabalhadores para O popular, o diretor teatral e professor da Escola Técnica Federal,
Sandro de Lima, revela este sentido:

Como a Prefeitura não tem competência para incentivar projetos sociais para
a juventude e sociedade em geral, então pega carona nesses eventos que não
precisam delas para acontecer (...) A realidade cultural dos sem-terra, por
exemplo, poderia ser mostrada sobretudo por uma prefeitura do PT289

288
DM Revista, p. 2. Jornal Diário da Manhã. GOIÄNIA, Domingo, 05 de novembro de 1995. Ano IX, nº 2970.
289
NERCESSIAN, Op. cit.

147
Mesmo circulando em segundo plano, o discurso do rap goiano apresentou suas
proposições e críticas à instauração do projeto “Goiânia Country”. A não aceitação da
pretensa essência identitária goianiense, reconstruída como “country”, é demonstrada
enfaticamente na música Bem vindo a Goiás, do grupo Sociedade Black:

(...) vamos contar o que acontece, na cidade que eles chamam de country (...) Assim
somo nós, um tênis, uma calça larga, um bermudão até nas canelas/ Uns carecas, e
outros cabeludos/ Sejam bem vindo, vem fazer parte deste submundo/ Também uma
bombeta, uma lupa, uma camiseta/ Não me importa a etiqueta, assim como sexo,
cor, nacionalidade (...) Em nossa cidade temos que ficar espertos/ Para os
domintantes vai ser um choque/ Tendências culturais, regionais/ Unidos seremos
forte, em nosso estado/ Porque a elite por aqui sempre fez questão de nos por de
lado/ Não estamos nem um pouco preocupados/ Que seja assim vamos pras ruas
para as praças centrais ver os skatistas, bikers, com manobras radicais/ B. boys,
grafiteiros, roqueiros, Mc´s/ Zumbi dos Palmares ficaria orgulhoso de seu povo
aqui/ Querendo provar algo ao mundo com seu visual muito ideal/ Olha que legal,
esse é meu povo é a minha gente/ Curtindo Rap, rock, reggae/ Sociedade Black,
música consciente/ Tirem sua conclusão se Goiânia é uma cidade country ou não? 290

A voz, o “espetáculo do dizer” ultrapassa a significação, “vai além da mera


enunciação lingüística”291 estimulando a constituição de laços comunitários, debilitados na
vida urbana contemporânea. A performance no ato de dizer procura transformar a realidade
dessa comunidade imaginada que é a “favela”, representando através do rap “a voz dos
excluídos, dos pobres, das „minorias étnicas‟” e difundindo a força dos negros, dos jovens
negros brasileiros e das suas “raízes” (CONTADOR, 2004, p. 179). O trecho da música Aqui
é favela, do grupo goiano 1º Suspeito, sugere esta condição:

(...) Sou um sobrevivente, um herói sem reconhecimento/ Um combatente, o


defensor da prostituta/ Do mendigo, do filho sem pai, da mãe sem marido/ Do
moleque de rua, do nordestino/ Inimigo que bate de frente/ Perturbando o
psicológico, a mente do presidente/ Eu sou a pedra em seu sapato/ Advogado do
preto, do branco, do velhinho no azilo/ Do presidiário que apodrece numa cela/ Eu
sou favela com muito orgulho/ Fique sabendo que o povo não é burro/ Ta vendo
tudo (...)292

Os rappers se apresentam como aqueles que possuem a informação, a consciência


para instruir a população das favelas e periferias, apresentam a cultura hip-hop como uma
possibilidade aberta para todos aqueles que vivem estigmatizados e longe dos benefícios da
modernização brasileira, explorados economicamente seja no campo ou na cidade. Julgados
racialmente e socialmente têm na união de forças, no agrupamento, uma saída. Como
apresentada no trecho do rap A paz acabou, do grupo Poetas da Periferia:

290
Sociedade Black, Bem vindo à Goiás. In.: Jovens a procura de ideais. Goiânia: produção independente, 1999.
291
SODRÉ, 2005, p. 147.
292
Aqui é favela. Aqui é Favela. Goiânia: 100% Correria, 2001.

148
Essa classe diferente, que nos julga assim/ Estamos certos, e nos julgam como
pessoas ruins/ Estamos chegando na área e vamos detonar/ A sociedade não se liga
só vive nos criticando/ Periferia é minha parte/ Favela é minha casa, e vivo bem
informado/ Em cada parte de Goiânia, só mano sangue bom/ Cada agito na geral,
rap é nosso som/ Não é sertaneja, não é modão/ Fique esperto burguesia/ Sangue no
olho meu irmão/ A união é a esperança da nossa cidade/ Vamos dar as mãos/ O rap
dar continuidade/ Zona oeste, Goiânia Viva, nossa área pode acreditar (...) Oh, meu
Deus, eu glorifico, repito/ Ilumine os menores de rua, as prostitutas, os mendigos/
Tire da noite dos manos, todo mau/ Hip-Hop no sangue/ Rap nacional/ Zona pobre
de Goiânia, zona oeste (...)293

Este rap fala em nome de um coletivo difuso e diverso. Em geral, o rap comunica e
inclui na mesma luta aqueles que seriam “vítimas do sistema”. No “ato de dizer”, afirma a
diferença, incorporando os “outsiders” à esfera pública através da repetição, ganhando
notoriedade e espaço na mídia local constituindo uma “esfera pública negra”, um espaço,
portanto, de enunciação. Se antes o espaço se dava nas efemérides dos 13 de maio e/ou
quando muito nos 20 de novembro, abrem novos canais de reivindicação e expressão.
No jornal O Popular de 25 de março de 1996, os jovens rappers apresentaram
informações positivas acerca da cultura hip-hop. A matéria intitulada Música e Dança:
elementos de conscientização, acabava surtindo o efeito desejado de poder dizer à sociedade o
sentido para além da diversão e arruaça, como eram julgados. Conforme a fala de Northon
Chapadense, ex-integrante do grupo Kães de Rua e organizador do projeto “Hip-Hop nas
escolas”, o objetivo maior do Hip-Hop era “conscientizar os jovens negros” através do rap294.
Pois os rappers sentem na pele o preconceito, “porque as pessoas se incomodam com a
maneira dos rapazes e moças se vestirem, pela forma que dançam, no chão e, sobretudo,
porque o movimento é formado quase sempre por negros e pobres”295, mas como os rappers
tem a consciência da opressão eles podem orientar e instruir os jovens a superá-la.

Imagem 36
Elementos de Conscientização296

293
Poetas da Periferia, A paz acabou, Goiânia: Anhanguera Discos 7082240-5, 2001.
294
Idem.
295
Idem.
296
Jornal O popular. Caderno 2. Goiânia, Segunda, 25/03/1996, LVII, nº 15440, p. 8.

149
Nesta reportagem os rappers puderam divulgar ainda outros aspectos relevantes para a
apresentação à esfera pública não apenas da cultura hip-hop, mas das demandas do
Movimento Negro. Os entrevistados informaram que seu ídolo era Zumbi dos Palmares e
salientaram a importância do 20 de novembro como o Dia Nacional de Consciência Negra e
da imortalidade de Zumbi, além do dia 21 de março, como o Dia Internacional Pela
Eliminação da Discriminação Racial. Divulgavam suas idéias por outras partes da cidade e do
estado, apresentando outra imagem e outras possibilidades para os jovens negros e pobres.
Também outro jornal de grande circulação no estado, Diário da Manhã, abria espaço
para divulgar os eventos e as opiniões que expressavam os sentidos dos eventos, que em geral
eram marginalizados, conforme Tio Lú do grupo Kães de Rua, o Hip-Hop estaria
“desenvolvendo culturalmente a periferia do Estado, ajudando inclusive a muitos jovens
abandonarem o uso abusivo de drogas”. Para ele o rap era uma forma de fazer com que os
jovens marginalizados aparecessem em meio ao anonimato297. A cultura hip-hop ampliou a
discussão sobre as condições do negro na sociedade, Mr. Black em depoimento ao jornal
afirmou:

Alguns integrantes passavam a discutir a forma com que o negro vem sendo tratado
na sociedade. A partir daí surge uma maior integração entre várias modalidades de
arte. Aparece, então, o grafite e as letras com contextualização política.298

Os hip-hoppers usam o espaço cedido nos jornais para reclamarem da invisibilidade


sofrida pela sua arte, conforme Alessandro Lopes do grupo Atitude Rap, em Goiás faltava

297
Diário da Manhã. DM Revista. GOIÄNIA, Domingo, 05 de novembro de 1995. Ano IX, nº 2970, p. 02.
298
Idem.

150
espaço para divulgarem a cultura negra e o rap, este que era a linguagem e “a única forma de
conscientização” a alcançar a periferia299.
Tanto pela auto-afirmação de ser negro e pobre, quanto pela profusão de conexões
com skatistas, bikers, roqueiros, Zumbi dos Palmares, com a favela, os menores de rua, as
prostitutas e os mendigos, o rap instaura um discurso da diferença no âmbito público, ao
mesmo tempo demonstra uma identidade em movimento. Para Tricia Rose estes discursos
“tomariam a forma de uma „restauração negra‟ do urbano”, ao criarem “narrativas
contradominantes” mesmo “com poucos bens econômicos disponíveis”, pois contaram com
“abundantes recursos estéticos e culturais”, “a juventude da diáspora africana designou as ruas
como o local para a competição e estilo, como um acontecimento de prestígio e recompensa”
(1997, p. 212).
Assim, é importante pensar a cultura como “lugar enunciativo” e “promulgador”, que
abre a possibilidade para outros “„tempos‟ de significado cultural” e “outros espaços
narrativos”. Processo que segundo Bhabha transforma os “outros objetificados” em “sujeitos
de sua história e experiência”. As criticas negras e pós-coloniais “propõem formas de
subjetividade contestatórias que são legitimadas no ato de rasurar políticas da oposição
binária”. Constituem uma “noção aberta da coletividade negra, no ritmo mutante, deslizante
do presente” através da “comunidade dialógica e performática da música negra” (2003, pp.
245-250).
Ao incorporar a música regional e caipira como base para os raps goianos, a chamada
“nova escola”, acaba perturbando a ordem dos símbolos culturais, traumatizando ainda mais a
tradição, encaminhando uma abertura que desestabiliza as intenções essencialistas de
identidade. Uma vertente chamada “Rimadores Pekizeiros” foi constituída por alguns grupos
goianos, liderados pelo grupo Testemunha Ocular, que já possui três discos gravados, Bate
Cabeça do Cerrado (2001), Frutos da Rua (2003) e Apruma-te (2005). Esta vertente
incorporou na temática e na musicalidade aspectos regionais como a catira, a congada, a folia
de reis, com as guitarras distorcidas e a batida do hardcore presente no estilo “bate cabeça”:
Desde os dez estou hiphopnotizado/ A Tropa e Testemunha no corre lado a lado/
Pronto pro que der e vier nosso time aqui é forte/ Na região Medanha, cumpade, na
zona norte/ Não sei onde vamo chegar, mas se for longe a gente atalha/ Na mão o
mike e na cabeça o chapéu de palha/ Então ajuda e não atrapalha, nossa rima nunca
falha/ Sai de fininho com suas tralha/ Você diz tomara, mas não falha/ Nóis é
mesmo caipira e faz o som que os louco pira/ E nos comédia causa ira/ Então
confira no rôle convivo com vários manos/ Da viola do pai do Tibuia sai o som

299
Diário da Manhã. DM Revista. GOIÄNIA, Domingo, 05 de maio de 1996. Ano X, nº 3147, p. 02.

151
profano/ É rap com viola, veja como é da hora/ Original, ragga rural, mil grau, nova
escola.300

A base vem da viola do pai de um dos integrantes, o “ragga rural” é produzido para
levá-los a um lugar para além do anonimato, a música deve servir como meio de vida,
enuncia-se a mudança de status, e ao mesmo tempo o reconhecimento de uma identidade
“caipira” ressignificada no “sampler” da viola. Se antes foram motivo de chacota 301 agora
incorporam a imagem pejorativa e a transformam em uma força identitária original e aberta. A
transvalorização do estereótipo em possibilidades de autoria de uma música original é
explicada pelos integrantes do coletivo UBC² (União Bate Cabeça do Cerrado)302,

Caipira sim. Por que não? Mas a questão não é nem do caipirismo, acho que rola
muitas lendas (...) Vejo que a parada cresce e não rola de confundir, (...) eu escutei
uma música que fala assim: - se me chamar de caipira eu fico até agradecido, porque
se fosse sertanejo eu seria confundido (...) Já cheguei a ponto de ouvir assim que
neguim achava que na Avenida Goiás só passava máquina agrícola né. Mais isso é
bom, cada um tem sua característica, Pernambuco tem a característica deles, em
Brasília tem característica da parada mais rock, e São Paulo, realmente já prevalece
mais o Rap, né? (Pr Jow - Sinhôdidade)303

A ginga para lidar com o estereótipo que visa fixar a identidade, faz emergir o
movimento e a manobra, de uma identificação liminar e híbrida que acaba por superar a
discriminação negativa:
Goiânia é uma cidade provinciana, caipira. Caipira mesmo! Agora esse lance dos
caras falar que Goiânia é roça é uma brincadeira também. É uma piada. Uma vez o
Roberto Carlos falou isso, mas para mim, é de muito mau gosto, porque eu já estive
em fazendas que não tem nada a ver com Goiânia. Já estive em terras muito mais
caipira, inclusive Curitiba, eles forçam para ser uma cidade caipira, mas não
conseguem, porque é muito cosmopolita. Mas esse tipo de preconceito que Goiânia
sofre a gente supera facilmente. (Claudim – Testemunha Ocular)304

Imagem 37
Rimadores Pekizeiros305

300
Hiphopnotizado, Testemunha Ocular, com participação do grupo A Tropa. Apruma-te, Goiânia: Fósforo,
2006.
301
Como apresentado no capítulo anterior a visão de Goiânia como “roça asfaltada” na incursão dos b.boys
goianos em São Paulo, DjFox comenta que ao levar as produções de Rap goianas à São Paulo havia o espanto
das pessoas que achavam que em Goiânia só havia cantor sertanejo.
302
O Bate Cabeça seria um estilo que incorpora o estilo “hardcore” ao Rap, um de seus precursores foi o grupo
paulista RPW.
303
Entrevista realizada em 21 de agosto de 2006.
304
Idem.
305
Arquivo Pessoal – Allysson, agosto de 2006.

152
Na subversão da identidade fixa a ironia é uma saída importante. A musicalidade
deslizante entre o mundo rural caipira e o cosmopolitismo urbano trai as tentativas de
enquadrar e estereotipar:
Fazer isso é irônico, saca? E é um lance que a gente ta provando pro paulista, ta
ligado? Que a gente faz musicalidade com o que a gente tem aqui em volta da gente
aqui mesmo. E apesar de muitas curtições que muitos fazem. Você vai ali pra
Brasília, você já ouve esse lance de caipira. E o Testemunha é irônico. Porque o
cara, pô! O cara vê o Lethal. Fui para Brasília esses tempos, tinha um convite fui lá
numa festa lá a Makossa, e tal. Aí o cara ouve o som, pá. Primeiro o cara fica de cara
com o barato da musicalidade. Depois ele vê que se pã eu sou até mais urbano que
ele próprio, que ta lá em Brasília. No meio daquilo ali tudo, o cara choca véi!
(Lethal – Testemunha Ocular)306

A performance desestabilizadora não apenas inverte os papéis, mas procura colocar no


centro o marginal, e ao mesmo tempo marginaliza o centro. A partir da tentativa de afirmação
de Goiânia como cidade Country, houve uma geração de “processos de subjetivação” ex-
cêntricos307, que sem hierarquizar ou impor, subverte a ordem hierárquica e opressiva da
discriminação e do estereótipo. A partir das “fronteiras enunciativas” é que “algo começa a se
fazer presente”308 e esse algo no caso do Rap goiano seria sua regionalização
(des)essencializadora:

Dos meus versos espalho caos por toda parte/ Diferenças a parte, é só quebrada
sente o baque/ Bate forte o atabaque, é os maloqueiros que invadem/ Aqui GO sem
despacho, pouco a pouco rompe o lacre/ Vai que vai é desse jeito, de longe eu vejo o
som rompendo/ De Cora Coralina, Zona Norte no veneno, desenvolvendo/ Veja
bem, energia pro meu povo/ Rimadores Pekizeiros, tipo Claudim, sou eu de novo/
Criolo louco, livre leve solto/ Os meus versos lhe toco com a delicadeza de um soco/
Se falo, faço, não calo, só faço o que me vem a cabeça/ Pois um rebelde inteligente
faz diferença/ Não se esqueças, pensa, pensa, se esforças, pois tu é capaz/ Os que se
julgam os tais, pra nós, que diferença isso faz/ Se somos hospitaleiros foi porque
implantamos respeito/ Com rimas de duplo impacto, do Centro Oeste os pioneiros/
Sem devaneios eu sou Claudim, eu vi primeiro/ Lado B do Bate Cabeça, com os fins

306
Idem.
307
Bhabha, 2003.
308
Idem.

153
que justificam os meios/ Ileso, inteiro, frutos da maloca, difusores do cerrado os
rimadores pekizeiros.309

A subversão na cultura hip-hop e enunciada nos raps, desde o surgimento nos EUA,
acabou sendo realizada na utilização positiva de termos pejorativos como “nigger”, “preto”,
“criolo”, “marginal”, “maloqueiro” entre outros, como no caso do “Preto tipo A” dos
Racionais, e posteriormente no enunciado disjuntivo de MV Bill: “Não sou o movimento
negro, sou o preto em movimento”. Ao analisar o rap em Cuba e Venezuela Sujatha
Fernandes apresenta essa similaridade da incorporação e rasura dos estereótipos e das
identidades sociais:

(…) La cultura urbana hace surgir nuevas formas de identificación social, con
frecuencia basadas en figuras del pasado, estereotipos sociales o ciertas identidades
que la juventud negra y marginalizada reclama. Los raperos cubanos se representan
a sí mismos como mambises luchadores negros en la Guerra de Independencia
contra España y cimarrones desobedientes, esclavos fugitivos; mientras que los
venezolanos reestructuran las figuras del malandro y el hampón, delincuente y
excluido social, en guerreros y luchadores callejeros. La respuesta contemporánea
está enmarcada en términos de luchas históricas por la independencia y va en contra
de normas sociales obligatorias. (FERNANDES, 2004, p. 2)

Estas ressignificações geram estranheza em quem houve e a primeira vista acaba


deixando a impressão de que rap é som de bandido. Mas tais identificações demonstram a
autonomia e certo poder aos jovens que ao manipular signos pejorativos transvaloriza-os,
dando outros significados e sentidos. Um sentido que pretende intencionalmente chocar as
pessoas e ao mesmo tempo chamar a atenção para a vida com que os rappers e o povo da
favela têm vivido.
A construção da cultura hip-hop em Goiânia foi trabalhada através dos vários
contatos, tanto locais, regionais, como nacionais e transnacionais. Não sendo fixa, mas em
constante movimento, seja pelas relações externas ou internas a própria cultura hip-hop,
firmou-se aqui e sobreviveu, justamente pela sua capacidade de se metamorfosear, de se
recriar sempre. As culturas negras sobreviveram à dominação e à aculturação, graças a sua
intensa mobilidade e ressignificação de si mesma na diáspora. O trecho do rap “Cerrado
Bravo” do grupo UPlano traz elementos significativos destas constantes ressignificações pelas
quais o legado cultural negro permanece e se atualiza na tensão entre o local, o nacional e o
transnacional, entre a tradição e a novidade, a pureza e a mistura:

Sabedoria popular passada de geração pra geração/ Hereditariedade, perseverança,


amor e união/ Os frutos são a esperança da prática, a construção/ Poetas do novo
milênio, U Plano em evolução/ Sei que de onde eu venho, mantenho o meu

309
Rimadores Pekizeiro. Testemunha Ocular: Frutos da Rua. Goiânia: Two Beers or Not to Beers, 2003.

154
desempenho/ No cerrado, na restinga, a ginga sempre contenho/ Ensinamentos,
vitórias, meus documentos, histórias/ Vários momentos de gloria, atentos na
trajetória/ Vou superando as crises, cicatrizes, deslizes/ Planejando diretrizes,
ramificando raízes/ Mesmo nos vilarejos, raças e etnias/ União, tradição, herança da
dinastia/ Povo conservador, castigados pelo mormaço/ No semblante os traços
marcados pelo cansaço/ No clima quente, procissão, sempre tem quem paga
promessa/ Elementos culturais, aqui contém formas diversas/ Como a prosa, a folia,
da congada à catira, do cordel à poesia/ Os versos que me inspiram, princípios e
valores na terra dos Kalungas/ Cerrado desbravado de segunda a segunda/ O
espetáculo das cores, na primavera as flores/ Não horrores mais amores, assim diz os
versadores310.

Ao reterritorializar o hip-hop na cidade moderna e planejada, em pleno sertão, os


jovens negros ressignificaram as práticas e os valores culturais, mantendo viva a força da
cultura negra. Com os espaços da escola e da qualificação, e por conseqüência o trabalho
vedados311, foram as artes, em especial a dança e a música, os espaços em que os negros
puderam sobressair. Para tal buscam nas tradições negras312, ensinamentos que fortaleceram a
caminhada ante o racismo e os processos de exclusão vigentes ainda em nossa sociedade.
Os “Rimadores Pekizeiros” são um dos desdobramentos tomados pela cultura hip-hop
e pelo rap produzido em Goiás. O caminho da música desbravado pelos primeiros Mcs saídos
das gangues de break, e dos primeiros grupos como o Mega Vox, considerado o primeiro
grupo de rap a gravar músicas e realizar shows em outras cidades, e o grupo Expressão de
Rua, primeiro a gravar um CD completo em 1999, seguido pelos grupos Caçadores de
Harmonia (2000), Conexão Suburbana (2000) e Sociedade Black (2000). Dados os custos
para gravações, a saída encontrada para lançar as músicas do rap goiano foram as coletâneas,
organizadas de forma coletiva como: Legião do Rap I (1999), Legião do Rap II (2000), Porão
do Rap (2000) e Anhanguera Rap (2001). Em 2004, através do selo “100% Correria”, Dj Fox
reuniu 104 grupos em 8 coletâneas, conseguindo ampliar a divulgação dos inúmeros grupos
de Rap que foram criados em Goiânia e no estado.
Além dos custos, os complicadores para a produção de Rap foram os próprios
produtores que em geral não estavam ligados ao Hip-Hop, o que dificultava uma produção
coerente com as idéias dos grupos. O Studio R dos irmão Rinaldo e Sérgio, em Aparecida de
Goiânia, é o mais antigo e aquele que produziu o maior número de grupos em Goiás. Com a

310
Cerrado Bravo, U Plano. In: www.tramavirtual/artistas/uplano, acesso em 07 de junho de 2006.
311
No caso da escola, por exemplo, a disciplina de história ainda traz em seus livros didáticos narrativas do
tempo da escravidão, imagens dos escravos sendo violentados, mesmo após a lei 10.639, de janeiro de 2003, que
tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. No caso do trabalho, ainda se pode
encontrar anúncios que pedem boa aparência, ainda que haja um código invisível. Por outro, lado, sem educação
não se consegue bons empregos.
312
Aqui adotamos a perspectiva traçada para analisar as tradições afro-brasileiras por Edimilson de Almeida
Pereira e Núbia Pereira M. Gomes, enquanto “tradição principio”, àquela que “prevê a ocorrência das mudanças
como risco sem que tenha mecanismos para controlá-los. Por isso estimula situações, em geral, abertas e
polêmicas, que apontam para a diversidade diante da qual os sujeitos terão de se mobilizar”, 2000, p. 53.

155
ampliação tecnológica e conseqüentemente o barateamento dos equipamentos, atualmente ao
invés de uma mesa, com vários canais, os sistemas analógicos foram substituídos por sistemas
de gravação digital que simplificaram a produção com programas de computador, como por
exemplo o Protools313.
Dois outros estúdios se destacam na produção dos discos recentes: Dill Studio, de
Edson Cruzorff, instalado no Jardim Novo Mundo314 e o DoxSoul Studio, do rapper Dox
Soul315, no Parque Atheneu, todos os dois realizam produções a baixo custo sem portanto
perder a qualidade por conta das possibilidades dadas pelos processos digitais. Não existe um
selo especificamente de rap em Goiânia, as gravações são independentes e dependem dos
próprios rappers para divulgação. Dj Fox tem uma parceria com os chamados “pirateiros”,
que reproduzem cds e dvds sem autorização para venderem no mercado informal, a última
coletânea lançada por Fox foi “Pankadão do Rap 2007”. A sua parceria consiste em vender a
matriz para os “pirateiros” ao preço de R$ 15,00 e a partir dela eles reproduzem e distribuem
vendendo a valores que variam de um a cinco reais. Outro produtor goiano é Uzzy, Mc do
grupo Conexão Suburbana, teve uma breve passagem pelo grupo Caçadores de Harmonia.
Além da produção de seus trabalhos solos, produz outros grupos da grande Goiânia, para ele a
dificuldade de produzir rap em Goiás sempre houve já que boa parte dos produtores eram de
“música sertaneja”, que acabavam por descaracterizar o rap que se produzia. Hoje segundo
ele houve uma mudança: “Agora fazemos a música da forma que queremos, do jeito que ela
deve ser”316. Passam a dominar as técnicas de produção pelo acesso às possibilidades
tecnológicas.
O interessante é que ao passo que se desvencilham de uma possível característica
sertaneja, acabam por incorporar a mesma, estabelecendo, porém, o controle sobre ela. A
questão não parece ser a não vinculação a uma possível tradição e as culturas locais e
regionais, mas sim a forma de se relacionar com essas tradições. A autonomização e a
heterogeneidade são os momentos de plenitude da produção artística. Não simplesmente
negar os processos e estruturas, mas poder dialogar de igual para igual, não apenas em termos

313
Programa de produção musical que mostra a música na tela do computador e permite manipulá-la facilmente,
recortando, alterando partes, limpando trechos e realizando simulações.
314
Edson vem de uma família de músicos, iniciou seu contato musical com grupos de Heavy Metal, hoje tem um
grupo de Tecno-Rock, Cruzorff, que mistura baixo e guitarra, com bateria e efeitos digitais.
315
Evangélico, se destaca na produção de grupos também evangélicos. Porém, não se atém ao “gospel”,
produzindo também grupos de rap “secular”. Entre as principais produções estão Stéfanas ou Negro Ativo, que
ganhou o prêmio Hutuz 2004, na categoria melhor demo com o rap “Nobre Vagabundo”. Outro destaque de suas
produções é o rapper Gasper, que também foi indicado para melhor demo no prêmio Hutuz de 2006 com a
música “Gangueragem”.
316
RAP Brasil, nº 35, 2006.

156
materiais, mas em termos de respeito à arte por eles produzida. Problemática difícil de
resolver por conta da característica subversiva e, sobretudo, desafiadora imposta por uma arte
que embaralha e nega as escolas, as vertentes, os rótulos, que contesta os copy rights317, e se
coloca enquanto uma alternativa à grande mídia318.
A música produzida pelos negros na diáspora vem alertando para a não desvinculação
entre cultura e política. Segundo Paul Gilroy, a maior parte das histórias que dominam a
cultura popular negra são as “histórias de amor e perda” (2001, p. 375). E essas histórias
continuam sendo reproduzidas pelos jovens da diáspora, que têm dado seqüência à luta por
reconhecimento, iniciada por seus antepassados que forçadamente foram inseridos em
processos sociais cuja subordinação e invisibilidade, o apagamento enquanto pessoa foram
uma constante na construção da sociedade civil no mundo moderno. Assim, são capazes de
preservar e cultivar uma “relação distintiva com a morte”, derivada da escravidão e seu
correlato ontológico, chamado por Gilroy de “condição do ser em estado de dor”
característica que prevalece na atualidade através das culturas expressivas produzidas pelos
negros na diáspora (2001, 379). Isto ocorre justamente pela permanência da “colonialidade do
poder”, que busca fixar padrões morais, éticos, mas sobretudo mascarar um sistema de
exploração econômica, baseado na subordinação da “diferença” (MIGNOLO, 2003).
A música é “tomada de assalto”, como uma arena para transcodificação dos anseios e
lamentações, priorizando a irredutibilidade do presente através da “negatividade”, da
“dissonância” e da “tensão”, características do melancólico sofrimento dos negros.
Sofrimento externalizado e amplificado pela expressão musical que tem apresentado
dispositivos morais e éticos sem, portanto, reificar os absolutismos étnicos e identitários, pois
suas respostas ao racismo tem sido componentes do “processo infinito” de construção das
identidades. Esse processo oferece, portanto, uma lição que não se restringe aos negros, sendo
beneficamente moral para o mundo inteiro.
Através de suas narrativas, os rappers vêm buscando estabelecer o diálogo e a
afirmação de um espaço político, aberto também a outros grupos. Acabam dando margens a

317
Vários samplers de outras músicas são utilizadas pelos Djs ao fazerem as bases e batidas para os Raps, os
custos para registro e distribuição acabam tornando as reproduções caseiras ou disponibilizada para dowload na
internet inviáveis. Esta licença “barra e criminaliza tanto a xérox do livro quanto o remix das músicas, sem
autorização prévia dos autores”. Hoje novas formas de licenciamento de cultura foram idealizados, a principal
delas é a Creative Commons (CC), licença criada pelo professor de Direito da Universidade de Stanford (EUA)
Lawrence Lessing, foi impulsionada pela internet, reserva alguns direitos, mas possibilita que qualquer individuo
possa copiar, distribuir, exibir, executar e criar conteúdos derivados – desde que citado o autor. Cf.: MELHADO;
BASILE, 2006, pp. 16-17.
318
O papel dos fanzines, jornais, revistas e sites é importante na construção de redes de informação alternativas,
assim como os próprios Raps, e sua divulgação nas rádios comunitárias, ainda bastante perseguidas e impedidas
de funcionar.

157
novas subjetividades coletivas, que tem estabelecido comunidades prospectivas,
reapropriando “universos de valores” no seio dos quais processos de singularização tem
reencontrado consistência, possibilitam a geração de “novas práticas sociais, novas práticas
estéticas, novas práticas de si na relação com o outro, com o estrangeiro e com o estranho” 319.
Assim, nos encaminhamos para uma conclusão que possa apresentar a mudança do foco da
identidade para a relação, processo que tem nas lutas por reconhecimento e na ampliação da
esfera pública negra elementos importantes na construção de um outro imaginário.

319
GUATTARI, 2003, p. 55.

158
POR CONCLUIR...: movimento é cultura, cultura em
movimento

O Hip-Hop produz mais do que um “contradiscurso”, uma vez que vem traçando
“novas fronteiras socioculturais (e espaciais)” oscilantes entre a integração e a exclusão:

a) ao promover novas redes sociais, revitalizando velhos movimentos sociais e laços


comunitários; b) ao ocupar nem sempre de forma tranqüila espaços da cidade,
inclusive as áreas nobres; c) ao denunciar e expor nas músicas o "avesso do cartão-
postal" da cidade; d) ao possibilitar, por meio de seus eventos, o encontro entre
diferentes segmentos sociais; e) ao amplificar ou conquistar visibilidade social
através da articulação com a cultura institucionalizada e o mercado (BENTES;
HERSCHMANN, 2002).

A cultura hip-hop produz uma “contracultura”, conjurando e instituindo “novos


modos de amizade, felicidade e solidariedade” realizados com “a superação da opressão
racial” sobre a qual se assentou a modernidade e “sua antinomia do progresso racional,
ocidental, como barbaridade excessiva” (GILROY, 2001, pp. 96-97).
A combinação desses processos desencadeados pelo rap e o Hip-Hop contribuem no
estabelecimento e ampliação da esfera pública negra, de início parcialmente oculta e
inteiramente específica às margens dos processos de reprodução da sociedade civil e dos
projetos de nação. As posses, assim como as associações compostas por rappers, B. boys,
grafiteiros, produtores e também simpatizantes da cultura hip-hop, têm se reproduzido em
várias partes do mundo onde os elementos do Hip-Hop se estabeleceram (HERSCHMANN,
2000; FÉLIX, 2005).
Para João Félix, existiriam duas posições quanto às relações entre cultura e política no
seio do Hip-Hop: uma que entende a cultura como “uma simples correia de transmissão dos
poderes em jogo na sociedade”; e outra que vê a cultura como autônoma “o suficiente para
participar das articulações das relações de poder” (2005, p. 178-179). Para os seus integrantes
o Hip-Hop é tido inicialmente como uma cultura e depois como atividade política. Conforme
Dj Fox, um dos fundadores da UMH²O-GO, a cultura está entrelaçada na política e o ativismo
surge e se propaga pela arte produzida:

Porque nós utilizamos da cultura para poder fazer um movimento, entendeu? É uma
coisa dupla mesmo, não tem como a pessoa falar é só isso ou só aquilo. Tem uma pá
de moleque aí que começam pela cultura, pelo ato artístico, pelo ato de querer
cantar, de querer se expressar. (...) Na verdade, o cara é um militante artístico, um

159
movimento cultural, né? O movimento move aquilo que milita, aquilo que você faz
realmente transforma. Cultural é nossa cultura, né, Mano? É o som é o artístico
mesmo. Sabe,? Então não tem como (...) ele é um militante cultural.320

As associações dos integrantes da cultura hip-hop, que em geral são chamadas de


“Posses”, reúnem os hip-hoppers para realizar “ações sociais” em suas comunidades
(ROCHA, 2001, p. 145). Em boa parte, essas formas associativas estão voltadas para o lazer,
para as artes, constituindo espaços onde as discussões e reflexões políticas e ideológicas
ocorrem, firmando a existência plena e crítica da cultura hip-hop. Não há necessidade de um
espaço físico, uma sede, mas sim do “compromisso de divulgar os ideais do Hip-Hop que,
segundo Afrika Bambaataa são: sabedoria, cultura e aceitação” (FELIX, 2005, p. 77).
A União do Movimento Hip-Hop de Goiás foi criada entre 1996 e 1999, saiu de uma
tentativa frustrada de formar uma cooperativa para gravar e lançar músicas de quinze grupos,
chamada “União faz o disco”. Inicialmente, fôra uma resposta ante a dificuldade para se
apresentar no principal espaço destinado ao break e rap de Goiânia, que era a “Rap Mania”. A
“Rap Mania” foi organizada e mantida pela AMH²-GO (Associação do Movimento Hip-Hop
de Goiás), criada em 1996, seu primeiro presidente era o Sr. Eduardo, dono da casa de dança
Cantoria localizada ao lado do bosque do Botafogo, próximo ao Parque Mutirama, onde se
realizavam os bailes de rap aos domingos. Os bailes eram realizados com grupos de Goiânia e
cidades vizinhas, principalmente Brasília, além de um show internacional com o grupo
californiano “True Colors”321.
Imagem 38
“True Colors”

320
Segundo Mr. Black, foi por acaso que encontrou o grupo, puxou conversa um de seus integrantes na Vila
Nova, devido o visual, o jovem que estava em visita a parentes no Brasil não tardou para estar no palco da “Rap
Mania”. Depoimento colhido por mim em 12 de janeiro de 2007.
321
Informação dada em uma conversa informal em fevereiro de 2007 com Mr. Black.

160
A UMH²O-GO teve como primeiro presidente DJ Fox e hoje esta organizada por meio
de um colegiado, não tendo presidente, mas sim diretores, conforme estatuto322. Além de
eventos como o “Hip-Hop solidário: Rap contra a fome”, mantém uma produção áudio-visual
em forma de cooperativa entre diversos grupos da grande Goiânia e tem se preparado para
estabelecer uma rádio comunitária323. Em seu Estatuto Social apresenta como objetivos gerais,
questões de relevância para a sociedade como um todo, tendo como veículo propulsor da
transformação e manutenção cultural a cultura hip-hop:

a) Promover estudos, pesquisa, educação, ensino, reflexão, difusão e produção


cultural do movimento Hip-Hop; b) promover a cultura, defesa e conservação do
patrimônio histórico e artístico; c) difundir e promover eventos e manter intercâmbio
técnico, científico, filosófico e político com entidades congêneres; e) promover o
desenvolvimento econômico e social, combatendo toda e qualquer forma de
discriminação; f) promover a ética da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da
democracia como valores universais na construção de um novo modelo de
desenvolvimento.324

Afirmam em seu estatuto que o papel da entidade não é apenas o de manter e


promover a cultura hip-hop, mas de contribuir para a inserção de seus integrantes nas
discussões e projetos que tenham como foco o desenvolvimento da dignidade. A União tem,
portanto, como finalidade a “luta por reconhecimento” dos jovens negros e pobres, procura
demonstrar a capacidade de produzir cultura, idéias, e sobre tudo, reivindicar protagonismo
nas formulações de políticas públicas que visem os jovens, as populações pobres e os afro-
descendentes.
A AMH²O-GO não existe mais, se fundiu à ONG CENEG, criada em Uberaba como
“Centro de Formação Profissional e Cultural da Raça Negra”, tornou-se um projeto nacional
em 2002 passando a ser chamado “Centro Nacional de Cidadania Negra”. Segundo o
presidente da entidade em 2002, Odo Adão, ela teria como objetivo “defender os direitos da
população que sofre preconceitos, principalmente da raça negra e seus descendentes”, além de
“oferecer cursos de qualificação para essas pessoas, através de oficinas de informática,
esportes, artes, línguas e cursinho pré-vestibular”325. Em Goiás, o foco está baseado
principalmente nas oficinas de informática e artes.

322
Informação adquirida em cópia do estatuto nos cedida por Pretto Joe, um dos diretores atuais da UMH2O.
323
Merecedora de um estudo acurado, a radiodifusão comunitária tem conseguindo transpor barreiras
importantes, mas ainda assim, não tem sido respaldada pela legislação e pelo judiciário, que acabam por deferir
ações de fechamento das rádios, apreensão dos equipamentos e toda sorte de pressões, coibindo a ação
constitucional de livre expressão e uso público das faixas de transmissão de ondas de rádio. Na Grande Goiânia,
algumas rádios foram “Alternativa FM”, de Aparecida de Goiânia, hoje “Vitória FM” e “Pirâmide FM”, da Zona
Leste, que têm possibilitado a radiodifusão da música negra, em especial o funk e o Rap.
324
Estatuto Social da Entidade.
325
MAGALHÃES, 2002.

161
A partir de 2004 o presidente do CENEG-GO passa a ser Mr. Black, do grupo
Sociedade Black, remanescente da AMH²O-GO. A principal frente de atuação passa a ser a
inserção cidadã da juventude negra através do Hip-Hop, com ampla busca de apoio
institucional junto a deputados e o executivo estadual. Em 20 de setembro de 2005, foi
sancionada pelo Governador de Goiás a Lei 15.380326, que declarou o CENEG-GO como uma
entidade de utilidade pública, fato que gera maiores possibilidades para captação de recursos
junto aos órgãos fomentadores de cultura do estado327. Dentro de uma estrutura social e
cultural hierarquizada, as relações com o poder público acabam por estabelecer ambigüidades
ante os caminhos propostos pela cultura hip-hop e a própria sobrevivência dos artistas328.
A idéia do Movimento Hip-Hop Organizado (MH²O) foi lançada a público em 1989
por Milton Salles – empresário do grupo Racionais MC‟s à época –, “tinha a intenção de ser
composto por toda e qualquer pessoa que praticasse pelo menos um dos elementos
fundamentais do Hip-Hop, bem como por todas as posses existentes na cidade da São Paulo”.
Portanto, nunca passou de uma “palavra de ordem” que todos utilizavam, mas ninguém
praticava, sendo os grupos, possses e indivíduos autônomos (FÉLIX, 2005, p. 85-86). Afirma
Salles:

O que me motivou a criar o MH²O foi a possibilidade de fazer uma revolução


cultural no país. A idéia principal foi fazer do MH²O um movimento político através
da música (...) A música é uma arma, está em todos os lugares. Se ela tem esse poder
de mover esse sistema, ela tem também o poder de elucidar. Eu trouxe essa proposta
política para o rap (Apud, ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p. 52).

O Movimento Hip-Hop Organizado não seria uma entidade política no sentido


partidário, mas sim uma organização facilitadora para a criação de “cooperativas de produção
para shows e CDs”, um espaço organizado “para lutar por verbas para as oficinas de hip hop e
profissionalizar a nova geração de artistas do break, graffiti e rap”, segundo Milton Salles
seria “um movimento cultural”329. Esta entidade contribuiu no reforço da “dádiva como
moeda de interação social” (TAVARES, 2004).

326
Divulgada via correio eletrônico pelo CENEG-GO, publicada no Diário Oficial em 26 de setembro de 2006.
327
As leis de incentivo públicas distribuem os recursos por mérito dos projetos, nas seleções a contrapartida
social é um dos fatores mais relevantes na seleção dos projetos, sendo a CENEG-GO considerada uma entidade
de utilidade pública seus projetos teriam de saída o mérito do título.
328
Um projeto realizado pela Secretária de Segurança Pública durante a gestão do secretário Demóstenes Torres,
com a parceria da AMH²O-GO, chamado “Segunda Milha”, percorreu o estado de Goiás realizando atividades
voltadas ao combate às drogas, através de apresentações e palestras dos rappers, B. boys e grafiteiros. A
conseqüência indireta do projeto foi a eleição do secretário para o Senado pelo PFL, hoje DEM, como
parlamentar ele têm se destacado como um dos defensores da redução da maioridade penal, entre outros projetos
visando coibir a violência no país através do endurecimento das leis.
329
Revista Caros Amigos Especial. Hip Hop Hoje. Nº 24, São Paulo: Editora Casa Amarela, junho de 2005.

162
Longe de São Paulo, a idéia da organização do Hip-Hop se desenvolveu com grande
força no nordeste. Em novembro de 1990, foi criado o Movimento Hip-Hop Organizado do
Ceará (MH²O-CE), cuja característica principal foi à relação entre o “Movimento Estudantil”
e a “Sabedoria das Ruas”, estabelecendo uma “associação orgânica, de modelo centralizado e
centralizador”, com ações “politizadas e fundamentando suas propostas e práticas dentro do
campo ideológico das chamadas esquerdas”. Esta associação era fundamentada em
concepções marxistas e atuava na concepção da luta de classes. A ligação tanto com o
socialismo como com o anarquismo foi uma especificidade da construção da entidade do Hip-
Hop no Ceará (DAMASCENO, 1998, pp. 115-155).
A Organização acabou por se estender ao Piauí, onde é realizado em março de 1995 o
1º Encontro Pró-MH²O Brasil, em Teresina, com a participação das entidades MH²O-CE,
Questão Ideológica (PI) e Quilombo Urbano (MA). Neste encontro, além da ampliação para
todo Brasil, foi discutido e afirmado o caráter militante do movimento, a serviço da luta de
classes (DAMASCENO, 1998, p. 206). O segundo encontro foi realizado em São Luís do
Maranhão, no mesmo ano quando foi lançado um documento intitulado “Teses do Movimento
Hip-Hop Organizado do Ceará para o Segundo Encontro Interestadual Pró-Unificação
Nacioal”, onde se afirmou o caráter de luta de classe do movimento:

“- Por um movimento revolucionário e socialista! – Pelo rompimento com o


mercado fonográfico Burguês! – Pela construção de um mercado alternativo de
subsistência! – Rumo ao Movimento Contracultura! – Pelo MH²O Brasil orientado
pela Luta de Classe (Pobres vs. Ricos) – Fora Roseane (MA), „Mão Santa‟ (PI),
Tasso (CE) e FHC! – Por atos, passeatas, manifestações de movimento Hip-Hop de
todo país contra as reformas neoliberais de FHC! – Pela consciência de raça e
classe!” (Idem, pp. 208-209)

Outras organizações acabaram sendo criadas posteriormente a partir dessas discussões


iniciais. Um grande fomentador dessa idéia de movimento e organização foi o maranhese
Pretto Ghóez330, mc o grupo Clã Nordestino, ele viajou o país levando a idéia de
institucionalização de uma organização nacional de Hip-Hop através do Movimento Hip-Hop
Organizado Brasileiro (MHHOB), que foi um desdobramento das discussões ocorridas entre
os integrantes do Hip Hop do norte e nordeste. Em seu discurso, a “diversidade” é a tônica:

(...) estamos todos baseados na perda. Em algum momento da história, cataram os


pretos na África, meteram os pretos nos navios, acorrentados, desembarcaram
acorrentados, e hoje também os pretos estão divididos nas correntes dos partidos,
uns lutando contra os outros, está ligado? A gente não entende de diversidade, não
entende de unidade, não entende de nação, não enxerga o mundo como ele deve ser
enxergado. (...) fui resgatado pelo Hip-Hop também. Mas eu sempre trabalhei na

330
Morto em um acidente de carro em 2004.

163
autogestão. Até quando eu vendia fumo, não tinha patrão: eu mesmo vendia e
ganhava. Tudo era baseado na autogestão (...) Dá para a gente ir por nós mesmos,
“mano”.331

A diversidade para Pretto Ghóez pode ser vista como a incorporação das questões
postas pelo Movimento Negro, junto aos entendimentos da “esquerda brasileira” - que para
ele seria o “punk orgânico” - no que tange à luta de classe, cuja soma seria o Hip-Hop,
definição construída a partir das idéias discutidas nos encontros realizados entre os grupos do
Ceará, Maranhão e Piauí. O entendimento da “diversidade”, neste sentido, mostra que a auto-
estima de um povo não pode sobrepor a nenhum outro povo: “Tenho orgulho de ser preto,
mas isso não me torna melhor nem pior do que nada que está por aí” 332. A performance
poética de Pretto Ghoéz estabelecia a diversidade:

(...) O pobre, a puta, o preto, o feio/ A mais pura ruindade/ Entre um drink e outro
celebrem/ Toda a minha infelicidade. (...) Um Frankenstein latino, um preto
nordestino/ E nem deu tempo de ser menino (...) Sou feito de favela, pode ver a
etiqueta/ Mais um cabeça-chata de pele preta/ Um desgraçado enviado pelas tretas/
Respeita! A fita que eu canto, eu rimo (...) E se as trevas da UDR nos armarem uma
teia/ As almas de Eldorado vêm nos alumia/ E não é à toa que a internacional ecoa/
Bandeira vermelha que tremula e voa (...) Todo favelado é sem-terra/ Liberta a
vontade vermelha/ Todo sem-terra é da quebra/ A negritude, atitude semeia/
Carreguei o tambor com as vogais (Preto Ghóez – A Soma do que somos. Literatura
Marginal – Ato III, pp. 18-19).

Neste sentido, para Pretto Ghóez, não há contradições em amalgamar no Hip-Hop, o


punk e sua ideologia anarquista de auto-gestão, o socialismo e a internacional trabalhista, o
MST e a reforma agrária, os movimentos negros e a luta anti-racista, para afirmar a
diversidade e a relação mais do que a identidade. O caminho da organização da cultura hip-
hop enquanto um movimento sócio-cultural contribui na perspectiva de uma regionalização e
incorporação de outros elementos à musicalidade e às expressões artísticas. A valorização de
suas bases culturais, a reconstrução de tradições, a afirmação e o orgulho da diferença que não
se sobrepõe sobre o outro enriquecem a diversidade do Hip-Hop no Brasil.
A cultura despojada de estatutos conservadores e percebida enquanto processo e
diálogo, vir a ser, são posições importantes, que são colocadas em questão à esfera pública
pela cultura hip-hop. Essa interpretação aproxima as idéias dos hip-hoppers das
interpretações do chamado “pós-colonialismo” (ROSA, 2006). O coletivo Blackitude, em

331
Comissão Especial – Políticas Públicas Para Juventude. Seminário: “O que é ser jovem no Brasil hoje?”
23/09/03, p. 24.
332
Idem.

164
Salvador e o Movimento Hip-Hop da Floresta, da região Norte, exemplificam o que
poderíamos chamar de multivocalidade333 da cultura hip-hop brasileira.

Imagem 39
Hip-Hop e MST (Goiânia, 2006); Punks dançando break (São Paulo, 2006)

O Blackitude é um coletivo vinculado ao Hip-Hop através da “estética das linguagens


artísticas dos quatro elementos” e da “inserção nas lutas sociais” 334, incorporou a linha
estética e política do movimento Black-Bahia, desencadeado na década de 1970 pelos blocos
afro-baianos. Conforme Nelson Maca, o Blackitude concebe “a arte como uma forma de luta
contra a discriminação e contra o racismo”335, uma arte que abala os paradigmas artísticos das
“belas artes” e sua busca por singularidade:

O fato de um jovem de 18 anos tocar ou samplear James Brown, Bezerra da Silva,


Felá Kuti, Jovelina Pérola Negra, Jorge Benjor, Clementina de Jesus, Tim Maia ou
Originais do Samba revela, em parte, a orientação modelar promovida pelo Hip-
Hop. Essa procura de raízes é diferente da “arqueologia” conservadora, pois, embora
legitime a consciência de tradição, não busca purismo ou originalidade, mas
inspiração que se materializa pela apropriação. O sampler dilui as barreiras entre o
que a cultura da elite insiste em referenciar como original ou rejeitar enquanto
cópia.336

O Movimento Hip-Hop da Floresta (MHF) criado em 2004, inclui componentes dos


estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Acre e Amapá. A proposta do MHF “é fazer um
resgate da cultura dessa região tão estratégica e importante não apenas para o Brasil, mas para
o mundo”337. Esta organização tem como prioridade defender e fazer o resgate da cultura e

333
Ou seja, as vozes da diversidade e da multiplicidade não cristalizando um discurso unívoco.
334
MACA, 2005, p. 8.
335
Idem.
336
Idem, p. 9.
337
PENHA, Juliana. IV Festival Hip-Hop da Floresta: o resgate de nossas raízes, a luta pelo meio ambiente e por
um Hip-Hop consciente em Rondônia. RAP Brasil, Nº 33, 2006, pp. 36-37.

165
dos povos tradicionais da Amazônia, os ribeirinhos, indígenas e seringueiros338. Ainda não
institucionalizada, está em fase de discussão e a relação com o poder público é a tônica do
processo, conforme expõe um de seus coordenadores, Edjales Fama, de Porto Velho:

“Eu defendo que o movimento deve ser autônomo. Ser autônomo não significa que
não temos que dialogar com o poder público, muito pelo contrário, o poder público é
um poder do povo, portanto, devemos estar abertos ao diálogo. Isso também não
quer dizer que estaremos cometendo um atrelismo porque isso tira a autonomia
completa do movimento. Eu defendo que devemos ter um diálogo, mas mantendo a
autonomia, seja para dialogar, criticar ou reinvindicar”.339

As possibilidades de aparelhamento partidário das organizações acabam gerando


conflitos dentro delas. Em Goiás, a criação da União Bate Cabeça do Cerrado (UBC²), como
dissidência da UMH²O-GO partiu de divergências políticas entre seus componentes, apesar de
que tanto os que ficaram como os que romperam tenham ligações com o Partido dos
Trabalhadores.
A UMH²O-GO fez parte da Assessoria Especial da Juventude entre 2001 e 2003, na
gestão do prefeito petista Pedro Wilson. Ao comentar sobre esse período, Dj Fox afirma que o
espaço do Hip-Hop na assessoria dava representatividade aos jovens que estariam fora da
escola, e que eles representavam o inverso do Movimento Estudantil. Foram realizados
eventos, oficinas de grafite, dj, rimas, e principalmente a criação de um informativo produzido
pelos componentes da União. Este processo possibilitou a formação de redes em âmbito
nacional. Em janeiro de 2002, alguns representantes da UMH²O-GO participaram de um
encontro de Hip-Hop dentro do Fórum Social Mundial, com participantes de várias regiões do
país. Nesta ocasião decidiram que Goiás sediaria o Iº Encontro Nacional do Movimento Hip-
Hop, ocorrido entre 28 e 29 de setembro de 2002 em Goiânia. O encontro reuniu grupos do
interior de São Paulo, Brasília, Maranhão, Minas Gerais e Goiás. Houve debates quanto à
produção artística e ao ativismo político, mas basicamente foi salientada a necessidade de
unificação do Hip-Hop nacional. No entanto, não foi institucionalizada ou criada uma
organização consensual340.
Atualmente, uma das organizações da cultura hip-hop que possui a maior visibilidade
no Brasil são os projetos da CUFA, Central Única das Favelas e o prêmio Hutuz341,
organizados por Celso de Athaíde, tendo os irmãos rappers MV Bill e Negra Gizza como
parceiros na linha de frente do que se configurou como uma organização paradigmática na
338
Idem.
339
Idem.
340
Essas informações foram acessadas pela minha participação no encontro, além de diversas visitas à acessória
da juventude e acesso ao Informativo: Voz da quebrada.
341
Premiação para os destaques anuais da cultura hip-hop no Brasil desde 2001.

166
difusão da cultura hip-hop. O seu papel tem sido, sobretudo, criar uma geração de
empreendedores nas comunidades carentes, não apenas através dos elementos do Hip-Hop,
mas também com oficinas de vídeo, teatro, design gráfico, entre outras realizadas com a ajuda
de voluntários, como o cineasta Cacá Diegues e o antropólogo Julio César Tavares342.
Outra iniciativa importante criada por Athaíde e MV Bill foi o PPPomar, o Partido
Popular Poder para a Maioria. Este partido é fruto da crença de que nenhum outro partido
poderia representar o interesse da população pobre, dos integrantes da cultura hip-hop e dos
afro-descendentes. O PPPomar seria um partido só para negros, pois conforme Celso
Athayde, „„quem conhece o preconceito é o negro, e não um branco que ficou a vida inteira no
poder‟‟343. O partido teria como principal interesse criar leis para a organização dos negros, e
contribuir para a massificação do Hip-Hop, única expressão teria compromisso com as
favelas. No entanto, o partido não foi homologado e ainda não concorreu a nenhum pleito.
Esse importante processo de aglutinação desenvolvido a partir da cultura hip-hop
salienta a necessidade de construir alternativas protagonizadas pela juventude afro-
descendente. O discurso dos hip-hoppers, em geral, procura demonstrar que a juventude negra
precisa ser ouvida e não apenas ser vista como um problema. O depoimento de Preto Ghóez
durante Seminário “O que é ser jovem no Brasil?” representa os anseios de participar dos
processos decisórios:

(...) nós queremos ser os protagonistas desse processo, estamos cansados de ser o
melhor ator coadjuvante. Estamos cansados dessa "fita", entenderam? Queremos
reconstruir a nossa favela, a nossa "quebrada". Somos do hip hop, mas queremos ter
mais escritores, cantar ópera, tocar piano, escrever livro, tocar violino. (...)
Ajudamos a organizar o disco de hip hop por um Brasil decente, e o Lula disse que o
Governo do Fernando Collor foi o governo da música sertaneja; o do FHC, o da
música rebolante, e que o dele seria o do hip hop. Nós estamos esperando este
Governo Popular do hip hop, queremos construir juntos. Temos capacidade de ser
protagonistas. O pior de tudo é quando alguém vem com soluções prontas e quebra
nossas potencialidades, não nos escuta. Depois, muitos vão ler em livros teses que já
existem nas "quebradas". Só que ali é a prática. Não conseguimos conceituar, mas
estamos fazendo. Esse negócio de rede já existe há muito tempo.344

O rap assim como diversas manifestações e contribuições dos afro-descendentes no


Brasil vêm dizendo aquilo que as teses acadêmicas têm só agora levado em consideração, e
mesmo assim, com grande desconfiança. O caso da lei 10.639 e as pesquisas desenvolvidas
sobre História e Cultura Africana e Afro-brasileira, têm sido vistas como um modismo que

342
Cf. por exemplo Rap Brasil. Ano V, nº 36. São Paulo, Editora Escala, 2006; Raça Brasil. Ano 10, nº 101. São
Paulo: Símbolo. Agosto de 2006.
343
Correio Brasiliense, 09 de maio de 2001. Disponível em http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-05-
09/mat_37610.htmBrasília, quarta-feira, 19 de setembro de 2006.
344
Comissão Especial – Políticas Públicas Para Juventude. Seminário: “O que é ser jovem no Brasil hoje?”
23/09/03, p. 30.

167
não contribuiria verdadeiramente para o entendimento da sociedade brasileira, principalmente
quando as questões étnico-raciais são postas em discussão. Ao questionar a aplicação de
políticas públicas, projetos sociais e culturais que são criados à revelia daqueles que são os
protagonistas e conhecedores da realidade da população visada, Ghóez contesta a prevalência
do preconceito e a invisibilidade da contribuição negra para nossa constituição social, para ele
estes fatores contribuíram para a permanência do racismo e das desigualdades sociais. Para
uma determinada corrente que interpreta a sociedade brasileira aqui não existiria racismo e a
desigualdade seria um estado inexorável dentro da sociedade em que vivemos, principalmente
pela marca e herança deixada pela escravidão345.
O disco “Hip-Hop por um Brasil decente!” lançado durante a campanha presidencial
de 2002, foi idealizado por Dj Fox, que se transferiu por três meses para São Paulo, com a
finalidade de contribuir na eleição do candidato a presidente Luis Inácio Lula da Silva do
Partido dos Trabalhadores. Na crença de “poder ajudar a eleger um presidente representante
do povo com a força do rap e da cultura hip-hop”346, Fox bateu na porta dos coordenadores
da campanha e descobriu o goiano Delúbio Soares, tesoureiro da campanha, que acatou a
idéia e disponibilizou financeiramente o projeto. Dj Fox construiu o disco a partir da
colaboração de Marcão do grupo de rap paulista DMN. No disco foram inseridos trabalhos de
grupos do Rio Grande do Sul a Rondônia.
Em março de 2004, com Lula já eleito, houve um encontro em Brasília entre o
presidente e os representantes do Hip-Hop, segundo Dj Fox ele foi deixado de lado, pois
acabou não sendo avisado sobre a data do encontro. Nesse encontro, que contou com a
presença de GOG, MV Bill, KL Jay (Dj dos Racionais MC‟s), Rappin‟Hood, entre outros,
uma organização foi criada – a Frente Nacional do Hip-Hop. Esta organização teria uma
função de mediadora entre o hip-hop e o governo Lula. Segundo MV Bill, o encontro teve
como resultados satisfatórios a organização que se construiu entre membros do Hip-Hop
nacional para poder ir até o presidente, o encontro ajudou ainda no fortalecimento das
organizações que já existiam e no surgimento de outras segundo ele. MV Bill afirmou ainda,
que não fala em nome do Hip-Hop e que não conhece ninguém “que seja habilitado para
isso”347, apresenta assim, uma descentralização e desautorização da existência de líderes
individuais.

345
Uma importante contribuição na reformulação dessa interpretação no âmbito da História é o trabalho de Célia
Maria Marinho de Azevedo: Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites – século XIX, 1987.
346
Estes fatos foram recolhidos em conversa informal, fora do depoimento colhido e gravado por mim com
DjFox.
347
RAP Brasil, nº 36, 2006

168
Enquanto uma produção cultural heterogênea, o Hip-Hop, atua em várias frentes que
têm ampliado sobremaneira a esfera pública, bem como ajudado na construção de uma esfera
pública negra. Isso se dá através da construção de uma imprensa alternativa com jornais,
fanzines, revista e páginas na internet e principalmente pelo rap que dissemina as idéias da
cultura hip-hop e sua diversas influências que vão de Zumbi dos Palmares aos Panteras
Negras. Por outro lado, é preciso perceber como “a narrativa do rap brasileiro configura-se
como uma via de mão dupla”, em sua ambigüidade, por “ser ao mesmo tempo vanguardista
do ponto de vista do enfrentamento das desigualdades raciais” e “reacionária no campo das
desigualdades de gênero”348. Preto Ghóez já salientou essa questão ao afirmar que “o hip hop
é muito machista, homofóbico, porque vem de uma base da quebrada”349. Ou seja, para Ghóez
também na quebrada, nas áreas pobres emergem e prevalecem os valores patriarcais,
demonstrando a força desse sistema que coloca o homem como superior. Poder baseado no
autoritarismo e na subordinação da mulher, jovens e crianças.
Emergem, porém, no seio do Hip-Hop e no caso do rap vozes femininas que
alimentam um discurso “anti-sexista” e questionador das posições de poder masculinas, como
a imagem binária da mulher enquanto a mãe, “santa guerreira” e do outro lado a “mulher
vadia” (LIMA, 2005, p. 110). Conforme Waldemir Rosa, o gênero acaba por ser “o caminho
que os homens negros e/ou pobres da periferia encontram para exercer algum grau de poder
na sociedade”. Esse fato alimenta, portanto, um jogo duplo em que ao questionar a ordem
estabelecida, acabam transitando entre elas, desestabilizando as posições questionadora e
questionada, mas principalmente colocando os autores em posições vulneráveis, por lançarem
mão de categorias da dominação em seus discursos emancipatórios. Isto, porém, não implica
na existência de uma “guerra dos sexos” dentro do Hip-Hop (ROSA, 2006, p. 76). Desde os
primórdios do Hip-Hop, houve mulheres dançando break, fazendo rap, ou grafitando,
inserindo, portanto, vozes dissonantes e agregadoras ao discurso da cultura hip-hop.

Imagem 40
Núcleo Menarca350

348
ROSA, 2006, p. 80.
349
Comissão Especial – Políticas Públicas Para Juventude. Seminário: “O que é ser jovem no Brasil hoje?”
23/09/03, p. 30.
350
Foto: Anselmo Santos. Disponível em http://www.dm.com.br/impresso.php?id=37360 &edicao=5990, acesso
em 17/06/2006.

169
Em Goiás, o grupo Garotas do Gueto formado por Ana Claúdia e Juciléia Mota é
considerado o primeiro grupo feminino no Hip-Hop goiano. Para Ana, não existiria jogo de
poder entre homens e mulheres no Hip-Hop, por que ele seria “muito democrático”, sendo
que a partir do seu envolvimento com esta cultura ela teria se tornado “uma pessoa alegre,
extrovertida e consciente”351. Em 2002 foi criada em Goiás uma das únicas posses femininas
do Brasil, o Núcleo Menarca, que reuniu durante algum tempo rappers, B. girls e grafiteiras
goianas. Hoje já não se reúnem como ocorreu entre 2002 e 2004. Ao explicar o sentido do
nome Menarca, Zú relata:

O nome Menarca foi escolhido porque se trata da primeira menstruação, ou seja, o


período mais cabuloso do universo feminino, porque é aí que a menininha se
transforma em mulher, entra na adolescência, e começa a questionar o mundo, a
sentir a vida mais intensamente e é quando se molda o caráter. É nessa fase que mais
do que nunca se deve ter uma influência sadia, para que se formem mulheres fortes,
lutadoras e de pensamentos críticos e construtivos. 352

O aprendizado com os homens no Hip-Hop estabelece questões quanto à afirmação da


mulher enquanto rapper e não apenas “backing vocal”. Conforme análise de Camila, do grupo
goiano A Profecia, “os homens nunca escalam bandas femininas para as apresentações.
Preferem ver as mulheres fazendo backing vocal”, “quando tem espetáculo, o machismo fala
mais alto. Os homens sempre preferem chamar grupos masculinos, em detrimento dos grupos
femininos”353. Estabelecer uma posição de igualdade e respeito tem sido o traço principal do
discurso feminino no interior da cultura hip-hop, ampliando assim o espectro questionador
desta cultura:

Nessa levada envolvente vou agora rimar, o proceder da rima é forte/ Tente se
segurar para não cair nas ambições do sistema/ Linha de frente feminina, trema/ Pois

351
Jornal O popular. Caderno 2. Goiânia, Segunda, 25/03/1996, LVII, nº 15440, p. 8.
352
Informativo Voz da Quebrada. Goiânia: UMH²O-GO, setembro-outubro de 2002, edição 06, ano 03, p. 19.
353
BRANDÃO, Carlos. As mulheres do Rap. 28 de março de 2004. Disponível em
http://www.dm.com.br/impresso.php?id=37360&edicao=5990, acesso em 17/06/2006.

170
aqui quem não acreditava na palavra feminina, aqui é Harmony/ Mulher também
tem auto-estima, é muito triste ver os meus manos desempregados/ E procurar um
trampo e acaba discriminado, chegando no barraco/ Pratos vazios, filhos querendo
comer/ Vai fazer o quê, espera a boa vontade, de quem tem tudo/ Que vai esbanjar
no shopping da cidade/ Não encontra humanidade, nessa podre cidade/ Os teus olhos
são tão grandes que não enchergam as tuas (...)/ Mas tudo bem, sou de raça e sei me
virar sozinha/ Nunca precisei de favor, nem de patrício, nem de polícia/ Não bota fé,
escuta aí, guarda essas idéias/ O sistema são lobos e formam uma alcatéia/ Eu rezo
para não precisar apertar o gatilho/ Para pagar o aluguel e sustentar meu filho/ Pois
atitude não tem nome: masculino ou feminino/ Aqui é Harmony, disparando o
raciocínio354

A contundência do rap é utilizada para contestar a visão masculina sobre as mulheres


enquanto incapazes de fazer rap, uma vez que elas também têm raça e auto-estima, fatores
que dão segurança para sobreviverem sozinhas, mas, sobretudo com autonomia e atitude,
fazendo o papel também do pai ausente. O grupo Harmony ligado a Posse da Sul, foi um dos
poucos grupos femininos em Goiás, que quebraram barreiras, elas não chegaram a gravar um
disco, mas inseriram a palavra feminina no rap goiano, ultrapassando barreiras complicadas
de atravessar. No depoimento de Ban Ban, da Posse Família do Gueto, podemos identificar
uma analise a situação da mulher no Hip-Hop:

(...) Para a gente que é mulher no Hip Hop, cantar, principalmente aqui em Goiânia
não é fácil, é difícil. Porque se eu sair da minha casa (...) para subir no palco e eu
estiver lá cantando e chegar lá e dizer: “ela canta mau, para mim é uma
vagabunda”. Eu não quero isso para mim não. (...) Agora, tem uns treze ano que eu
bato perna no movimento. Da época da Disco Laser, era moleca, entendeu? O
respeito a consideração até hoje é a mesma. Não adianta, igual as meninas
chegaram lá no meu barraco, falou para mim: o que que eu faço para cantar? A
única idéia que eu passo para elas é assim: você tem que se respeitar, e se
considerar, pois não adianta (...) eu sendo mulher, hoje, chegar aqui e falar assim:
“cheio de gatinha, hoje eu vou trincar”. Para mim não resolve. Só quero curtir o
movimento Hip Hop, ser o que eu quero ser. E cantar é aquela coisa, você tem que
ir na risca é na linha, é dolorido, não é fácil. É cansativo? É. Muito cansativo,
porque as vezes você chega os caras: “nó os peitão”, é a Ban Ban de num sei
aonde, você tem uns peitão. Pô véi, mas eu não sou só peitão não. Eu sou de
boa(...)355

A rapper Albaniza mostra a dificuldade que a mulher tem para transpor os


estereótipos, acima de tudo há uma busca por respeito. Neste sentido é importante ver como o
espaço é dividido, a rua não seria lugar para a mulher, se ela está na rua, na noite pode ser
vista como vagabunda, pois seu lugar é no espaço da casa, nele é que a mãe, a mulher honesta
vive sua vida de obrigação para com os filhos e o esposo.
O reconhecimento e espaço na cultura hip-hop é conquistado pelas mulheres. Segundo
Maria Aparecida da Silva, “a presença da mulher vai diminuindo à medida que se passa do

354
Trecho do Rap Desabafo ao Sistema cantado por vários grupos que formam a Posse da Sul em Goiânia. In.:
UNIÃO RACIAL. Retrato de um Favelado. Aparecida de Goiânia/Goiânia: Studio R/100% Correria, 2003.
355
Entrevista op. cit.

171
rap para o break e, finalmente, para o grafite” (1999, p. 96). Isso também constatamos em
Goiás, raras grafiteiras. No rap em Goiás temos também os grupos Minas de Atitude da Posse
da Sul, Ideologia Feminina, Minas Revolucionárias, Revolução Feminina, além das Minas da
Periferia e Vocabulário D‟Blu de Aparecida de Goiânia. O grupo Vocabulário D‟Blu formado
pelas irmãs Eliane, Poliana e Adriana, é uma referência do rap feminino em Goiás. Em 2005,
foram indicadas na categoria “melhor demo feminina” no Prêmio Hutuz realizado anualmente
na cidade Rio de Janeiro, porém não puderam comparecer pois não tinham dinheiro para as
passagens. Para Eliane estas barreiras devem ser superadas, pois o importante para ela o que
importa é o protagonismo feminino no Hip- Hop, ou seja “falar a maneira como vemos a vida,
o corre das mulheres”, mesmo sendo “(...) complicado ser mãe, casada e fazer parte do Hip-
Hop. Para isso é preciso ser guerreira”356. A analogia à guerra parece iluminar a batalha que é
para a mulher participar e impor respeito dentro do Hip-Hop.
O rap, Beleza Rara, do grupo Minas da Periferia é expressivo. Ao elaborar uma
transformação da posição da mulher, assumem a responsabilidade de participar e contribuir
com a cultura hip-hop, através de suas músicas e suas idéias:

(...) Não tomar o lugar dos homens, mas sim ter o nosso próprio espaço/ Não ser
alvo do fracasso, não ser vista como objeto para sexo/ Com fé, em nosso criador,
que um dia isso possa mudar/ E a mulher venha a ser valorizada e não discriminada.

Beleza rara, brigamos por nossos ideais!


Beleza rara, lutamos pelos nossos direitos iguais!
(...) Não pare, só quem luta vence/ Pedimos a Deus todos os dias que o valor da
mulher seja notado e não sufocado/ Minas da periferia/ Contamos com os aliados na
favela/ Face Real, sempre do nosso lado/ Rap é compromisso/ Nós mulheres
conquistamos nosso espaço/ E a cada dia trombamos com os fatos, sem se esconder
dos problemas/ Bota fé?

Marido que chega bêbado em casa, batendo na mulher/ E causando a desgraça, mais
um filho que cresce revoltado/ Com incentivo a ser mais um psicopata, que aumenta
a estatística da quebrada/ Se liga, a mulher gosta de carinho, e não de ser espancada/
Mas estamos lutando/ Para que nosso som seja escutado/ E sirva de exemplo a todos
os manes/ Que acham bonito, bater em mulher (...)

Se liga para não amanhecer com a boca cheia de formiga/ Aqui em Aparecida tem
mulher de atitude/ Não se ilude com dinheiro ou carro/ Prefiro que você me ame,
para ser amado/ Ta ligado?/ Mulher gosta de carinho e não de esculacho/ Nove
meses de sofrimento que o homem não sente/ E não vai saber a dor de um parto,
uma luz que vem de Jesus/ Pra você servir de bom exemplo, porque ele é seu
espelho/ Diga com quem andas, que direis quem tu és/ Aí minas vamos atrás do
nosso direito/ Chegamos com fé e acabamos com o preconceito/ Somos livres para
pegar o que queremos/ Trabalhando dia a dia, lutando contra o tempo/ Mulher é
mulher e não um saco de pancadas/ Vivemos de boa, e muitas vezes sendo

356
Rap Brasil. Ano V, nº 36. São Paulo, Editora Escala, 2006, p. 62.

172
discriminadas/ Eu tenho orgulho de ser mulher vivendo na periferia/ Tirando os
manés, aqueles que gostam de maltratar as mulheres 357

Protagonizar a arte e a cultura de igual para igual com os homens, participar sem
serem vistas como incapazes, inferiores, seres passíveis de serem maltratados é a mensagem
transmitida pelo grupo. A amplitude das práticas e representações que geram a adscrição da
mulher e em particular das mulheres negras. As rappers trazem a esfera pública “demandas
especificas”358. A posição feminina ante o machismo, o patriarcado, e principalmente contra o
reflexo desses sistemas adscritivos, que é a violência, é demonstrar a capacidade da mulher e
ao mesmo tempo apontar os erros que vem sendo cometidos pelos rappers críticos do sistema,
mas reprodutores das desigualdades de gênero.
Ao produzir seu raps, as mulheres passam a agenciar as representações e imagens
sobre elas, imagens que circulam na mídia em geral, na música e em particular no rap. Neste
sentido as rappers rompem com a visão do “dever ser”, das imagens misóginas e do
machismo, imagens que em geral tendem a enquadrar as mulheres em padrões rígidos, como
as difundidas imagens da “boa para casar”, a “santa”, a “mãe” e seu contraste a “mulher da
vida”, a “puta”, a “vagabunda”359. A narrativa feminina levada à cena acaba por tornar o uno
em múltiplo e ampliar a participação das mulheres na cultura hip-hop, e na esfera pública. E
se o rap é a voz da realidade, as rappers levam para o espaço público a realidade do âmbito
privado, onde a violência é recorrente e silenciosa.
Outra questão relevante tem sido a incursão de rappers gays, que acabam por produzir
um debate sobre valores dentro da cultura hip-hop. Um projeto do produtor Celso Athayde,
de lançar um grupo de “Hip-Hop Gay”, segundo ele, seria “uma boa chance para o Hip-Hop
que, por excelência, luta por igualdade e o fim dos preconceitos exercerem seu papel!” 360. A
provocação de Athayde a viridade do rap é ampliada ao nomear o grupo como “Gangsta Gay”
– “um grupo de homossexuais assumidos que cantam RAP, no maior estilo cara feia” – para
ele será uma “boa chance para os machistas se manifestarem”. Já para Cascão, do grupo
“Trilha Sonora do Gueto” de São Paulo, tal projeto vai trazer “falta de orgulho” para seus
filhos, uma vez que deixava de se fazer a revolução para enfim desfilar “confusão de ego”,
respondendo Athayde em um artigo na revista “RAP Brasil” com o título: “O que nós vamos

357
Beleza Rara. In: HIP-HOP PELA PAZ... Goiânia/Aparecida: Nilson/CECOPPI-GO, 2006.
358
Para Sueli Carneiro (2003) “os grupos de mulheres indígenas e grupos de mulheres negras, por exemplo,
possuem demandas específicas que, essencialmente, não podem ser tratadas, exclusivamente, sob a rubrica da
questão de gênero se esta não levar em conta as especificidades que definem o ser mulher neste e naquele caso.
Essas óticas particulares vêm exigindo, paulatinamente, práticas igualmente diversas que ampliem a concepção e
o protagonismo feminista na sociedade brasileira, salvaguardando as especificidades”.
359
Cf. MATOS, 1998; LIMA, 2005.
360
RAP Brasil, nº 33, p. 31.

173
falar para os nossos filhos?”, contesta o projeto porque ele irá mostrar “à elite social que
somos um monte de falsos profetas que nada mais querem do que viver a “Sodoma e
Gomorra” que a elite vive”361. O debate está aceso e em processo, de um lado aqueles que
pensam como Athayde e de outro os que como Cascão acreditam que os homossexuais não
tem nada à acrescentar a cultura hip-hop, além dos que não tem opinião e/ou são
indiferentes362. O projeto FDP7 (Filho da Puta e do Padre 2007) de Dj Fox, tem tocado nesse
ponto ao estabelecer uma parceria com um travesti para a produção de alguns raps. Para Fox
o caminho é bem próximo ao apresentado por Athayde, ou seja, o rap e o Hip-Hop são
instrumentos de combate para a desconstrução dos preconceitos servindo como armas a todos
àqueles que são discriminados, que podem contar com mais um mecanismo de fortalecimento
na “luta por reconhecimento”.
Mas estas discussões deverão ser ampliadas em um outro momento, aqui nos interessa
mostrar como essa profusão de discursos e as lutas por representação desencadeadas no seio
da cultura hip-hop têm contribuído na construção, manutenção e ampliação da diversidade na
esfera pública. Assim, os hip-hoppers vão elaborando uma história descentrada,
demonstrando através da arte produzida por eles outras possibilidades de convívio e
ordenamento social. O espaço destinado à produção artística tem sido a arena de ampliação da
participação através das políticas de plenitude e realização, como apresentadas por Paul
Gilroy363. Estas políticas criariam novas possibilidades e aclamaria pela justiça emanada pelo
discurso liberal.
A cultura hip-hop atua na fronteira entre o local e o global, entre a hegemonia e a
subalternidade, gerando efeitos imprevisíveis. Isto ocorre porque esta produção artística se
constitui pelo pensamento “rastro/resíduo”, categoria construída por Édouard Glissant (2005)
para nomear o pensamento derivado dos processos de crioulização iniciados nas Américas,
em particular na chamada Neo-América que se constituiu pelo predomínio em seu
povoamento de povos africanos, compreendendo o Caribe, o nordeste do Brasil, as Guianas e
Curaçao, o sul dos Estados Unidos, a costa caribenha da Venezuela e da Colômbia, e uma
grande parte da América Central e do México. A crioulização consiste no processo de
recomposição cultural realizado pelos africanos a partir do que restou em suas memórias, uma
vez que na “passagem do meio”, na travessia do Atlântico os africanos chegavam despojados

361
Idem.
362
Cf. o fórum de discussão na página da CUFA na internet: http://www.cufa.com.br/06/in.php?id=forum.
363
Noções apresentadas na Introdução.

174
“de tudo, de toda e qualquer possibilidade e mesmo despojados de sua língua”. A hipótese de
Glissant é a de que o “mundo se criouliza” cada vez mais, pois segundo ele:

(...) hoje, as culturas do mundo colocadas em contato umas com as outras de


maneira fulminante e absolutamente consciente transformam-se, permutando entre
si, através de choques irremissíveis, de guerras impiedosas, mas também através de
avanços de consciência e de esperança que nos permite dizer – sem ser utópico e
mesmo sendo-o – que as humanidades de hoje estão abandonando dificilmente algo
em que se obstinavam há muito tempo – a crença de que a identidade de um ser só é
válida e reconhecível se for exclusiva, diferente da identidade de todos os outros
seres possíveis (Ibidem, p. 18).

Portanto, não faz sentido construir uma interpretação que busque unidade e harmonia.
Para que a crioulização se efetue verdadeiramente, devemos aceitar que os elementos
culturais postos em presença uns dos outros “devam ser obrigatoriamente „equivalente em
valor‟” (Idem, p. 21). Diferindo, porém, do pensamento sistema, sua falsa universalidade, seu
caráter conquistador e mortal, a crioulização exige que os elementos heterogêneos colocados
em relação “se intervalorizem”, “não havendo degradação ou diminuição do ser nesse contato
e nessa mistura” (Ibidem, p. 22). A tendência dessa crioulização do mundo, em que para nós a
cultura hip-hop tem tido papel fundamental, é a transformação da paisagem de “cenário
conveniente”, “invólucro passivo da toda-poderosa Narrativa”, para tornar-se “um
personagem do drama da Relação”, uma dimensão “mutante e perdurável de toda mudança e
de toda troca” (Ibidem, p. 30).
Na sua imprevisibilidade, a crioulização amplia a diversidade através de suas
“manifestações inesperadas”, “contraditórias”, e principalmente ao aproximar elementos
heterogêneos e às vezes distantes uns dos outros para produzir algo novo. Assim devemos
levar em conta o ato poético, como um conhecimento do real, que quebra o absoluto
ocidental, e estabelece uma relação com o mundo. Neste sentido poderemos enxergar a
cultura hip-hop dentro do continuum estabelecido pelos discursos dos afro-descendentes, na
“luta por reconhecimento”, enquanto uma contribuição para a transformação da “mentalidade
das humanidades”. Sem se ater apenas ao “humanismo, à bondade, à tolerância, que são tão
fugitivos”, esta transformação produz ensinamentos os quais conduzem a entrada nas
mutações decisivas da “pluralidade consentida como tal”. Estes ensinamentos ajudam a
pensar o outro não como inimigo, como o diferente que nos corrói, contribuindo na
construção de um imaginário onde não apenas sonhemos como o mundo, mas que penetremos
nele, fazendo Relação.

175
Considerações finais

Esperamos ter constuído uma história sobre a cultura hip-hop, a partir da experiência
dos jovens de Goiânia, que possa contribuir no debate sobre as possibilidades do fazer
histórico e sua relação com a realidade que nos cerca. Neste sentido, mais que desenvolver
uma explicação, um saber histórico com autoridade, produziu-se uma transformação, um
aprendizado, acima de tudo. Tal aprendizado só pode ocorrer a partir do momento em que
deixamos de ver a cultura hip-hop como um objeto de pesquisa, e passamos a conceber seus
produtores como agentes de uma importante contribuição no sentido de pensar a sociedade do
“sistema mundo moderno” nestes últimos tempos.
Esta contracultura tem propiciado um “modo melhorado de comunicação para além do
insignificante poder das palavras” – faladas ou escritas – ao se materializar em formas
culturais inéditas, onde a Poiésis – a criação – e a poética passam a coexistir. Estas formas
são: a literatura autobiográfica, as maneiras especiais e exclusivas de manipular a linguagem
falada e, sobretudo a música, que não estão contidas dentro das fronteiras nacionais ou
étnicas, mas contribuem na constituição de uma esfera pública alternativa, às vezes obscura,
enquanto contexto para a difusão da experiência de sofrimento e dor sofridos pelos africanos e
seus descendentes dentro do mundo moderno a partir do terror racial que se desenvolveu
desde à plantation ao apartheid, desde o navio negreiro ao camburão da polícia (GILROY,
2001, p. 374).
A cultura hip-hop têm levado a persistência e expansão dessa contracultura do
Atlântico Negro. Acreditamos como Paul Gilroy, que “a história dos negros no Ocidente e os
movimentos sociais que têm afirmado e reescrito essa história podem fornecer uma lição que
não se restringe aos negros”. Teríamos, ao valorizar esse pensamento, portanto, conforme
Paul Gilroy,

(...) uma contribuição potencialmente importante rumo à uma política de um novo


século no qual o eixo central do conflito não será mais a linha da cor, mas o desafio
do desenvolvimento justo e sustentável e as fronteiras que separarão as áreas
superdesenvolvidas do mundo (internamente e no exterior) da pobreza intratável que
já as circunda. Nessa circunstâncias, pode ser mais fácil considerar a utilidade de
uma resposta ao racismo que não reifique o conceito de raça e premiar a sabedoria
gerada pelo desenvolvimento de uma série de respostas ao poder do absolutismo
étnico (2001, p. 415).

176
Esperamos assim ter nos aproximado e contribuído para demonstrar a importância de
novos caminhos para escrever histórias que extrapolem as reificações e fixações da identidade
em nome da diversidade, da relação e principalmente do respeito. Ao procuramos inserir a
história da cultura hip-hop a partir de Goiânia, dentro de um espectro maior de “lutas por
reconhecimento” desencadeadas pelos afro-descendentes no Atlântico Negro, acabamos por
nos aproximarmos do pensamento “rastro/resíduo”, abandonando a idéia de raíz fixa e
profunda, pela idéia de rizoma, em sua extensão e descentramento, e assim, nos aproximar do
carater imprevisivel das interações e misturas culturais presentes no mundo contemporâneo.
Essa novidade do “caos-mundo”, que segundo Glissant, seria “o choque, o
entrelaçamento, as repulsões, as atrações, as convivências, as oposições, os conflitos entre as
culturas e povos na totalidade-mundo”, nos possibilita perceber como as culturas, suas
misturas e repercussões são imediatas e imprevisiveis. Os poetas e os artistas em geral têm
portanto uma grande contribuição a nos oferecer. Sua produção artística, tem insistentemente
nos alertado quanto à vocação do aprendizado do mundo, ou seja, não mais buscar a
profundidade e o universal, mas pretender a diversidade, a “desmedida da desmedida”, a
abertura para o “Todo-o-mundo” (GLISSANT, 2005, p. 112).
Desta forma, ao conceber a cultura e a arte produzida pelos afro-descendentes no
âmbito da relação e da abertura, tratamos por reconhece-los como agentes importantes na
efetivação da liberação da opressão e do racismo que têm persistido em nossa realidade,
interferindo na construção das relações de uns com os outros, pois conforme Deleuze e
Guattari do ponto de vista do racismo,

(...) não existe exterior, não existe pessoas de fora. Só existem pessoas que deveriam
ser como nós, e cujo crime é não o serem. A cisão não passa mais entre um dentro e
um fora, mas no interior das cadeias significantes simultâneas e das escolhas
subjetivas sucessivas. O racismo jamais detecta partículas do outro, ele propaga
ondas do mesmo até a extinção daquilo que não se deixa identificar (ou que só se
deixa identificar a partir de tal ou qual desvio). Sua crueldade só se iguala a sua
incompetência ou a sua ingenuidade (1996, pp. 45-46).

No Hip-Hop, negros e pobres têm conseguido articular com competência a


“consciência” da “imprevisibilidade” como algo positivo, ao contestar padrões, normas, e
junto com eles os estereótipos e fixações éticas e estéticas. Padrões que têm ainda teimado em
sobreviver nas tentativas de estandardização, na banalização presente na televisão ou na
mídia, que procuram afirmar a nossa capacidade e virtuosidade de país sem divisão e opressão
raciais, alimentando o mito da “mestiçagem”. Mas a mestiçagem conforme Glissant e
Kabengele Munanga tem seus efeitos previsiveis, e em nosso caso o efeito calculado é o

177
“branqueamento” da população e a negação do fenótipo negro, afetando porém, os “não-
brancos” como um todo, contribuindo para a manutenção do “sortilégio da cor” 364 e do
“círculo vicioso”365 que deixam marcas profundas na estrutura social e no reconhecimento do
valor das contribuições dos afro-descendentes.
Esta situação vem contribuido para a pauperização dos afro-descendentes, com a
continuidade da exploração economica e pelo desrespeito aos afrodescendentes, enquanto
pessoas dotadas de capacidade e beleza, são os traços da “colonialidade do poder” ainda
presentes no mundo “pós-colonial”. Rumo à brancura processos eugênicos, mesmo não sendo
manipulações diretas no sentido biológico, são disseminados simbolicamente. Banais e
corriqueiras, sutis e muitas vezes nem tanto, prevalece uma visão que trata a diferença e a
diversidade, índios, negros, orientais, mulheres, homossexuais, entre outros como
deformação, imperfeição, fealdade, inferioridade. O exemplo concreto é o caso da
manipulação das imagens dos negros na grande mídia, que à revelia da mistura afirmada pela
nossa “democracia racial” propaga a higienização e eugenia simbólicas, onde os negros não
são sinônimo de beleza, confome demonstrado no Capítulo I:

Imagem 41
Padrão de beleza

Caminhar rumo à “crioulização” é chegar no lugar onde não há melhor ou pior, belo e
feio, negro e branco, mas onde os valores são equivalentes. Consideramos portanto que a
cultura hip-hop está possibilitando não apenas a ampliação da esfera pública, mas também um
dialogo na construção de outras possibilidades de convivência, onde a criatividade e a

364
LARKIN NASCIMENTO, 2003.
365
SANTOS, 2001.

178
invenção tem papéis importantes na manutenção da resistência ante o fechamento e o
absoluto.
O conflito existente entre as forças estabilizadoras da “norma” presentes no
“pensamento sistema”, e a desestabilização provocada pela produção cultural do Hip-Hop,
enquanto um “pensamento rastro/resíduo” têm tramado a “Relação” a partir e entre “entidades
persistentes”, neste caso as “cultura negras”, rumo à um imaginário onde possamos nos
relacionar com os outros, com a “totalidade-mundo”, sem negar, ou diluirmos, permanecendo
nós mesmos, mas porém, transformados pela permuta com este outro. E esses impossíveis já
estão concebidos na intenção poética, como demonstramos ao longo deste trabalho.

179
FONTES CONSULTADAS
Entrevistas

Dj Cenzala – 23 de novembro de 2002


Ricardo Megabreak – 23 de novembro de 2002
Jam Bala(Eletrobrek) – 26 de novembro de 2002
Mr. Black(Sociedade Black) – 26 de novembro de 2002
Mc Jeff (Segundo Ato) – 26 de novembro de 2002
Dj Zupp(Segundo Ato) – 26 de novembro de 2002
Alê Treta(São Paulo) – 30 de novembro de 2002
Hélião(RZO – SP) – 30 de novembro de 2002
KLJay(Racionais Mc‟s – SP) – 22 de dezembro de 2002
Karine (ex-Cowgirl) – 07 de outubro de 2005
Mc Claudim (Testemunha Ocular) – 21 de agosto de 2006
Mc Lethal (Testemunha Ocular) – 21 de agosto de 2006
Pr Jow (Sinhôdidade) – 21 de agosto de 2006
Roberto (B. boys de Rua) – 03 de setembro de 2006
Rodrigo (B. boy Borracha) – 03 de setembro de 2006
Marcos (B. boy Macaco) - 03 de setembro de 2006
B. boy Fernando (Senador Canedo) – 03 de setembro de 2006
Albaniza (Família do Gueto) – 09 de setembro de 2006
Tibuia (A Tropa) – 16 de setembro de 2006
Mc Mola (Sanguinário na Rima) - 26 de novembro de 2006
Mc DNL (Sanguinário na Rima) – 26 de novembro de 2006
Grafiteiro Testa – 18 de janeiro de 2007
Carlos Alberto “Guaraná” (Kalunga) – 11 de janeiro de 2007
Dj Ruizão (ex-Cash Box) – 10 de dezembro de 2006
Dj Fox (FDP7) – 21 de janeiro de 2007
B. boy Lagartixa – 02 de fevereiro de 2007

180
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Informativo Voz da Quebrada. Goiânia: UMH²O-GO, novembro-dezembro de 2001, edição


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Informativo Voz da Quebrada. Goiânia: UMH²O-GO, setembro-outubro de 2002, edição 06,


ano 03.

Informativo da AMH-GO. Goiânia, fevereiro de 2001, edição 01, ano 01.

Informativo da Posse “O Domínio”. Goiânia, junho de 2002, edição 01, ano 01.

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