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12 de maio de 2017
Jessica Raul
Moradora de Acari, Militante do Coletivo Fala Akari, Colaboradora do Fórum de Juventudes/RJ e do Hub
das Pretas RJ (Fase/Ibase/Criola). Mestre em Relações Étnico-Raciais (PPRER/CEFET-RJ, 2016),
Especialista em Educação e Relações Raciais (UFF, 2015), Graduada História (UERJ, 2013) e Graduanda em
Pedagogia (UERJ).
No Brasil, a questão das drogas inicia sua militarização em um contexto de aumento do trá co, entre as
décadas de 80 e 90. Somados ao sentimento de insegurança disseminado pela mídia e o aumento de um tipo
de cobertura jornalística policialesca, em 1995, Fernando Henrique Cardoso assina o “Acordo de combate ao
narcotrá co”, o cializando a atuação no Brasil de agências norte-americanas como a Drug Enforcement
Administration (DEA) e a Central Intelligence Agency (CIA) supostamente controlado pela Polícia Federal
(MARTINS FILHO, apud SANTOS et al).
Durante o primeiro mandato do presidente Lula foi promulgada a lei sobre drogas[2], que introduziu o tema
das penas alternativas para consumidores, mantendo a distinção entre “usuários” e “tra cantes”, estabelecida
ainda no regime militar e sem especi car quantidades como parâmetros para de nição de enquadramento da
posse (trá co/uso pessoal), fortalecendo a seletividade penal de acordo com a cor e estereótipos (RODRIGUES
apud SANTOS et al), mas desde 2001 já estava em vigor o decreto nº 3897[3], que conferiu poder de polícia às
Forças Armadas, atuando pela primeira vez no carnaval do Rio de Janeiro a pedido da governadora Rosinha
Mateus.
A Força Nacional de Segurança Pública foi criada como uma alternativa à intervenção das Forças Armadas,
passando a atuar como uma força policial militar subordinada à autoridade federal (MOTA, 2012, p. 17) que, no
Rio de Janeiro também tem seus relatos de violações de direitos humanos[4] nos quais presenciamos a
consequência da militarização da Segurança Pública. Nesse sentido, a lógica proibicionista inserida na lei
11.343, criminaliza o tra cante, acabando por não resolver o problema que está no centro da discussão sobre
o tra co de drogas. De acordo com Carl Hart[5], o que há no Brasil é um apartheid.
Para ele, enquanto o foco está nas drogas, temos as questões ligadas à falta de inclusão de certos grupos,
estrutura social, discriminação racial, pobreza, falta de educação, induzindo as pessoas a errar sobre o cerne da
questão das drogas na sociedade. Hart alerta ainda que a política antidrogas dos EUA resultou no aumento das
mortes e prisão de, pelo menos, 1/3 da população negra
masculina. Assim,
Para termos uma ideia, dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) apontam um aumento
de 78,4% no aumento do número de mortes em decorrência de ação policial, só nos dois primeiros meses
deste ano, em relação ao mesmo período de 2016. Como resposta, moradores de duas das favelas mais
atingidas da cidade, Complexo do Alemão e Acari, realizaram nos dias 29/04 e 06/05, respectivamente,
audiências públicas para exigir soluções do poder público no que diz respeito aos abusos cometidos pelas
polícias que atuam na cidade. Em Acari, a partir da fala dos moradores, foi ressaltado que esse tipo de
abordagem além de não resolver o problema causa enormes prejuízos e até a morte de moradores.
A retórica da guerra, utilizada pelo porta voz da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Ivan Blaz, ao se referir à
morte da estudante Maria Eduarda como “dano colateral”, tenta justi car ações arbitrárias da polícia em
territórios de maioria negra, cuja lógica se alimenta da territorialização do medo, onde supostamente estariam
todos os males da cidade. Deborah Small (2016, apud TREVISAN) considera que a guerra às drogas é um
mecanismo de manutenção da hierarquia racial, cuja política proibicionista teve sucesso ao criminalizar negros
e pobres.
Precisamos adotar a centralidade do racismo enquanto perspectiva analítica dos processos de desumanização
perpetuados desde o período colonial, cuja opção política de guerra às drogas mostra a face mais cruel do
racismo nas instituições brasileiras. Esta mesma guerra desempenha um papel genocida da nossa juventude
negra, sugada por uma lógica criminalizadora e que a todo momento nos leva a distorcer o papel que a justiça
tem em nossos territórios e nos fazendo errar quanto ao nosso dever de defender a vida acima de qualquer
ressalva.
Enquanto defensora desse princípio, entendo que os grupos que lutam pela garantia de direitos básicos são
orientados pela busca de uma política pública que supere os limites impostos pelo racismo institucional, tendo
como norte a noção de que o legado da escravidão e sua lógica punitivista não devem pautar o sistema de
justiça, que dessa forma se constitui em elemento de manutenção das hierarquias sóciorraciais.
Bibliogra a:
FRANCO ADAILTON. Brasil vive apartheid e culpam as drogas, diz Carl Hart. In: À tarde online. Disponível em:
http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1709556-brasil-vive-apartheid-e-culpam-as-drogas-diz-carl-
hart-premium
HART, Carl L. Slogans vazios, problemas reais. In: Revista Sur: Dossiê Sur sobre drogas e Direitos Humanos, v.
12, nº 21, 2015. Disponível em: http://sur.conectas.org/wp-content/uploads/2015/09/Sur-21_completo_pt.pdf
JUSTIÇA GLOBAL. Manifesto pela apuração das violações de direitos humanos cometidas
na operação Complexo do Alemão [online], 2007. Disponível em:
http://www.global.org.br/blog/manifesto-pela-apuracao-das-violacoes-de-direitos-
humanos-cometidas-na-operacao-complexo-do-alemao/
LUSSENHOP, Jessica. Bill Clinton: Por que é tão controverso? In: BBC News Magazine,
2016. Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-us-canada-36020717
MORAES, Ana Luisa Zago de. A 13ª Emenda: da escravidão à criminalização? In: Canal de ciências criminais
[online]. Disponpivel em: https://canalcienciascriminais.com.br/13-emenda-escravidao/
MOTA, Jackeline Luciano. Combate ao narcotrá co no contexto dos objetivos da Política Externa do primeiro
governo Lula. In: 36º Encontro Anual da Anpocs. GT 28 – Política Internacional. Disponível em:
http://www.anpocs.org/index.php/papers-36-encontro/gt-2/gt28-2/8171-o-combate-ao-narcotra co-no-
contexto-dos-objetivos-da-politica-externa-do-governo-lula/ le
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil: Secretaria para assuntos jurídicos. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de
2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil: Secretaria para assuntos jurídicos. Decreto nº 3.897, de 24 de agosto
de 2001.
SANTOS, Camila Cerqueira Pinto dos [et alii]. A Questão do Narcotrá co no Brasil a partir da Experiência
Estadunidense: uma Síntese [online]. Disponível em:
http://www.defesa.gov.br/arquivos/ensino_e_pesquisa/defesa_academia/cadn/artigos/xii_cadn/a_questao_do
_narcotra co.pdf
TREVISAN, Maria Carolina. Racismo: a máquina de matar e encarcerar negros. In: Revista Brasileiros, 2016.
Disponível em: http://brasileiros.com.br/2016/08/maquina-de-matar-e-encarcerar-negros/
13Th. Direção: Ava DuVernay. Produção: Adam Del Deo; Angus Wall; Ava DuVernay; Bem Cotner; Howard
Barish; Lisa Nishimura; Spencer Averick. Estados Unidos: Net ix, DVD/Blu-Ray, 2016.
[1] Em 1974, foi criado o instrumento de repressão Drug Enforcement Administration (DEA), que atuará
também fora do país, especialmente no Caribe e México.
[2] Em 2003, a Resolução n°1 do CONAD, que dispões sobre orientações estratégicas e diretrizes para o
Sistema Nacional Antidrogas; em 2005 a Resolução n°3 do CONAD que estabelece Política Nacional Sobre
Drogas (PNAD) e em 2006 a nova Lei Antidrogas, a Lei n°11.343/06. Esta última foi uma importante revisão da
Lei de 1976 e é resultado de leis aprovadas anteriormente no mesmo governo, como a Lei 10.409 de 2002, a
Lei 9.034 de 2005 sobre o crime organizado, inspirada no modelo italiano na luta contra a má a, concentrada
no combate ao ilícito de entorpecentes (MOTA, 2012).
[3] Art. 1º As diretrizes estabelecidas neste Decreto têm por nalidade orientar o planejamento, a
coordenação e a execução das ações das Forças Armadas, e de órgãos governamentais federais, na garantia da
lei e da ordem (PRESIDÊCIA DA REPÚBLICA, 2001).
[4] No dia 27 de junho de 2007, uma operação policial que durou cerca de oito horas foi realizada pelas Polícias
Militar e Civil do Estado do Rio de Janeiro em conjunto com a Força Nacional de Segurança (1.350 agentes),
sob pretexto de repressão ao trá co [varejista] de drogas. Como resultado, 19 pessoas foram assassinadas e
cerca de 60 foram feridas por arma de fogo, a maioria vítima de balas perdidas. Ainda, entre o dia 2 de maio e
19 de julho do mesmo ano, mais de 40 pessoas morreram e 80 foram feridas durante as operações realizadas
no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro (JUSTIÇA GLOBAL, 2007).
[5] Primeiro neurocientista negro a se tornar professor titular da universidade de Columbia, Nova York (EUA) e
autor do livro Um Preço Muito Alto: a jornada de um neurocientista que desa a nossa visão sobre as
drogas, participou da agenda de compromissos por Uma Nova Política Sobre Drogas (INNPD), em Salvador
(BA), entre os dias 31/08 e 02/09 em 2015.
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