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(1915-1921)
Os fins justificam os meios?
Luciane Engel
Mestranda PPG Social e Institucional
Neste Texto, é possível observar a influência do pensamento marxista no modo como Benjamin
aborda a violência como meio de atingir os fins naturais, por exemplo, na classe trabalhadora.
Entretanto, sua ênfase no contrapelo, a partir da história dos vencidos, contrapõe o pessimismo
e o conformismo do historicismo alemão. Diferentemente do marxismo oficial, ele toma a
revolução como interrupção de uma evolução histórica que conduz à catástrofe. (Löwy, M., 2002,
p.201)
Para uma crítica da violência, sua tarefa, pode-se dizer, se dá na apresentação de suas relações
com o direito e com a justiça.
Direito – a relação elementar e fundamental é entre fins e meios, neste caso, a violência só pode
ser procurada na esfera dos meios e não dos fins. A crítica tem a ver com isso, com os meios que
levam a determinados fins. Justos ou injustos? Implicitamente sua crítica estaria dada num
sistema de fins justos.
O entendimento da violência como meio originário para todos os fins naturais se fundamenta
numa espécie de tratado teológico-político (Espinosa), demonstrando o quanto é estreita a
relação da filosofia da vida natural e da filosofia do direito, em que toda violência é adequada
aos fins naturais a que se destina.
A violência enquanto princípio seria ética, mesmo como meio para fins justos? Aqui é preciso a
diferenciação dos próprios meios, sem considerar os fins a que serve.
No caso de greve geral, o Estado entende que, em cada local de trabalho, a greve não teve seu
motivo específico previsto pelo legislador. Por isso, na contradição objetiva da situação de direito,
o Estado reconhece uma violência, nos fins naturais, considera com indiferença, mas na greve
revolucionária, com hostilidade.
Evidencia-se contradição objetiva apenas na situação de direito, mas não uma contradição lógica
no direito, pois o direito reage aos grevistas, enquanto praticantes da violência, com violência.
Se violência fosse um simples meio para apoderar-se imediato de algo que se deseje, ela só
poderia atingir seu fim como violência predatória, ela seria inapta para instaurar ou modificar
condições relativamente estáveis. Contudo, a greve mostra que a violência consegue isso, que é
capaz de fundamentar e modificar relações de direito, por mais que o sentimento de justiça possa
se sentir ofendido com isso.
Violência da guerra - a possibilidade de direito de guerra, mesmo que inicialmente procure seus
fins de maneiras imediatas e através de violência predatória, assemelha-se ao direito de greve
(não revolucionária) quando precisa celebrar a paz. Ou seja, se a violência da guerra é modelo
para toda a violência que persegue fins naturais, então é inerente a toda violência deste tipo um
caráter de instauração de direito.
O direito moderno tende a retirar do indivíduo enquanto sujeito de direito, qualquer violência,
mesmo àquela que se dirige a fins naturais. O Estado teme essa violência por seu caráter de
instauração do direito e, ao mesmo tempo, é obrigado a reconhecê-la como instauradora do
direito, como o faz ao conceder o direito de greve, de guerra. O direito concede aos
trabalhadores o direito de greve porque inibe ações violentas que teme enfrentar. Antes, os
operários passavam direto à sabotagem pondo fogo nas fábricas.
O serviço militar obrigatório é a imposição de violência como um meio para fins do Estado, é um
fim de direito, com a função de manutenção do direito. A sua crítica não é simples e coincide
com a crítica legal, pois a violência que mantém o direito é uma violência que ameaça. p.133
A ameaça do direito não possui determinação. Quando se questionou a validade do direito
positivo, a pena de morte foi a que mais suscitou crítica. A contestação da pena de morte não se
dirige contra alguma medida punitiva nem contra algumas leis, mas contra o próprio direito na
sua origem.
Mais do que qualquer ato de cumprimento do direito, no exercício do poder sobre a vida e a
morte é a si mesmo que o direito fortalece. Mas, é precisamente aí que se anuncia algo de podre
do direito e das condições observadas nos dois tipos de violência: a crítica da violência que
instaura o direito e a crítica da violência que o mantém.
Benjamin chamou de espécie de mistura espectral entre estes 2 tipos de violência observada na
instituição estatal polícia.
Polícia – uma violência para fins de direito (com o direito de disposição) e com competência
simultânea para ampliar estes fins de direito (com o direito de ordenar medidas). Sua violência
não tem figura, assim como não tem figura sua aparição espectral.
O que aconteceria se esta modalidade de violência, que se impõe à maneira do destino, usando
meios justificados, se encontrasse num conflito inconciliável com os fins justos em si?
E se fosse possível considerar uma outra modalidade de violência que não pudesse ser o meio
justificado e nem injustificado para aqueles fins, mas se relacionaria com os fins não como meio,
mas de maneira diferente? Devir.
A instauração do direito é instauração de poder e, enquanto tal, um ato de manifestação
imediata de violência.
Na Antiguidade, a violência divina era mantenedora do direito através do castigo.
A justiça é o princípio de toda a instauração divina de fins; o poder é o princípio de toda
instauração mítica do direito. O que é garantido pela violência instauradora do direito é o poder,
muito mais do que qualquer ganho desmedido de posses.
Da perspectiva da violência, a única que pode garantir o direito, não existe igualdade; na melhor
das hipóteses, violências de mesma grandeza.
Castigo X Expiação (transgressão da lei não escrita e desconhecida)
O princípio moderno de que o desconhecimento das leis não exime de punição, dá provas deste
espírito do direito.
Se a violência mítica é instauradora do direito, estabelece fronteiras, traz simultaneamente culpa
e expiação, é ameaçadora, sangrenta;
A violência divina é aniquiladora do direito, aniquila limites, expia a culpa, golpeia, é letal de
maneira não-sangrenta, não está só na religião, pois o poder que se exerce na educação que está
fora da alçada do direito.
A crítica da violência é a filosofia da sua história. Com olhar atento, é possível perceber um
movimento dialético de altos e baixos nas configurações do poder enquanto instituinte e
mantenedor do direito. A lei destas oscilações é de que todo poder mantenedor do direito, no
decorrer do tempo, acaba enfraquecendo o poder instituinte do direito representado por ele,
através da opressão dos antipoderes inimigos. A ruptura desta trajetória, que obedece a formas
míticas do direito, fundamenta uma nova era histórica, mas não longínqua, pois a existência do
poder (puro e imediato) é garantida também além do direito, o que prova a possibilidade do
poder revolucionário (a mais alta manifestação do poder puro, por parte do homem).