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Civilização e nação:

o índio na historiografia brasileira oitocentista

por Christian Haußer

Abstract. – Historical works, and especially their treatment of the Indian, played a cru-
cial role for the national self-conception of Latin America’s newly created states after in-
dependence. Contrary to the Indian’s stylization in the late colonial era, scholarship on
historical works of the nineteenth century has repeatedly affirmed the detraction and
even the banishment of the Indian from the national past. In spite of that, the índio’s
representation in Brazilian historiography right after independence reveals that the Indi-
an’s true role may only be insufficiently addressed by the question for his inclusion into
the national project or his exclusion from it. By asking how the role of the Indian was de-
bated within the dominating concept of “civilization”, this article shows, moreover, why
such a dichotomous perception is mistaken.

O debate sobre o índio pertence aos temas mais constantes da história


latinoamericana.1 Desde a tomada de posse da América pelos euro-
peus, o índio – essa é a denominação usada pelos primeiros coloni-
zadores europeus que logo virou usual como termo coletivo para todos
os povos indígenas – vem se estabelecendo como objeto de discussões
intensas. Na primeira fase da colonização, ensaios escrupulosos do
pensamento e seu interesse orientado antes pela etnografia tentaram na
Idade Moderna classificar a América e seus habitantes dentro da tradi-
cional concepção européia do mundo e do homem para justificar de
todo a apropriação da América.2 Mais tarde, principalmente na Amé-

1
A seguir, o índio aparece como uma figura historiográfica. Conviria, portanto, a
essa distância temporal de pôr o termo entre aspas, algo de que se prescinde aqui, visto
a frequência do termo e seu tratamento exclusivamente nessa distância histórica. O
mesmo vale para o termo de civilização.
2
A discussão acerca da América e seus habitantes na Idade Moderna tem gerado nu-
merosos estudos. Um clássico a respeito do tema é Anthony Pagden, The Fall of Natural
Man. The American Indian and the Origins of Comparative Ethnology (Cambridge 1982).

Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas 44


© Böhlau Verlag Köln/Weimar/Wien 2007

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rica espanhola da época colonial tardia, o índio histórico tornou-se o


tema de uma historiografia crioula que, em evocar e idealizar as civi-
lizações pré-colombianas, visou comprovar a decadência gradual
dessas civilizações durante o reino da coroa castelhana, duvidando
assim da legitimidade do domínio espanhol.3
A estilização dos índios como ponto de partida da soberania
nacional antes da separação da metrópole contrasta com o tratamento
pela historiografia pós-independente. Após a independência, a histo-
riografia continuava um palco preferido para negociar a nação.4 Como
marca dessa historiografia, a pesquisa histórica tem afirmada a entre-
ga incondicional a modelos europeus, não apenas em termos de forma,
mas também em termos de conteúdo. O passado nacional foi interpre-
tado conforme os interesses das novas elites, isto é, como o avanço
insuficiente daquelas tendências que se visou então, sob gestão libe-
ral, promover com o objetivo de superar o atraso colonial. Numa tal
história feita por homens grandes, a maioria da população, e entre ela
também os indígenas e seus descendentes, não foi considerada pela
historiografia. Antes, os índios foram marginalizados ou até elimina-
dos do passado nacional, o que significava, visto o papel crucial da
historiografia como meio central da reflexão nacional, a sua exclusão
das nações hispanoamericanas em vias de formação.5

3
Um clássico a respeito desse tema é David A. Brading, The First America. The
Spanish Monarchy, Creole Patriots, and the Liberal State, 1492–1867 (Cambridge
1993). Veja, ademais, Anthony Pagden, Spanish Imperialism and the Political Imagina-
tion. Studies in European and Spanish American Social and Political Theory,
1513–1830 (New Haven/Londres 1990), cap. 4 e 5. Quanto à apropriação do passado na
época colonial, veja François-Xavier Guerra (ed.), Mémoires en devenir. Amérique La-
tine, XVIe–XXe siècle. Colloque international de Paris, 1er–3 décembre 1992 (Bordeus
1994), parte I. No tocante ao papel da historiografia crioula e o seu desenvolvimento no
século XVIII sob os sinais de patriotismo e de renovação científica, veja Jorge Cañiza-
res-Esguerra, How to Write the History of the New World. Histories, Epistemologies, and
Identities in the Eighteenth-Century Atlantic World (Stanford 2001).
4
A respeito da contratação nacionalista da historiografia pós-colonial nos vários
países ou regiões veja, além dos poucos estudos existentes sobre o tema, também
Guerra, Mémoires (nota 3), parte II. Um resumo da historiografia hispanoamericana
desde a independência sob os sinais de projetos nacionais apresenta Nikita Harwich
Vallenilla, “National Identities and National Projects. Spanish American Historiography
in the 19th and 20th Centuries”: Storia della Storiografia 19 (Turim 1991), pp. 147–156.
5
O juizo do caráter elitista da historiografia hispanoamericana do século XIX, da
sua função ideológica e, ligado a isso, da sua recusa de integrar a maioria da população
numa visão que abrange toda a nação, logo se tornou um lugar comum que na pesquisa

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A diferença ao Brasil, onde não existiam civilizações pré-colom-


bianas, onde nem a preterição da elite americana por aquela da metró-
pole teve um papel semelhante ao da América espanhola, e onde o
liberalismo depois da independência muitas vezes era uma força
secundária, não parece ter importância historiográfica. Pois também
para a historiografia brasileira do século XIX, e em especial ao seu
representante mais importante, Francisco Adolfo de Varnhagen, con-
tinua válido o juízo de se tratar de uma interpretação histórica projeta-
da a partir do estado, prestando homenagem aos vultos e dedicada à
monarquia, abafando assim a formação da população multiforme
brasileira como essência do passado nacional.6 É o índio que serve
como testemunha principal disso.
Todavia, a posição dele não era, a princípio, clara. Não era, por
exemplo, rejeitada de antemão a possibilidade da existência de uma
civilização pré-cabralina no Brasil, semelhante às civilizações centro-
americanas e andinas na América espanhola. Desde os anos trinta
do século XIX se discutia repetidas vezes sobre possíveis vestígios
de altas culturas antes da chegada dos portugueses. Finalmente, tais
suposições permaneceram meras especulações nunca corroboradas.7

é vinculado principalmente aos nomes de E. Bradford Burns e Germán Colmenares.


Uma crítica de uma tal interpretação dá a sinopse perita da historiografia hispanoameri-
cana oitocentista de Jochen Meißner, “The Authenticity of a Copy. Problems of Nine-
teenth-Century Spanish-American Historiography”: Eckhardt Fuchs/Benedikt Stuchtey
(eds.), Across Cultural Borders. Historiography in Global Perspective (Lanham/Oxford
2002), pp. 29–52, aqui: p. 33.
6
A pesquisa trabalhando sobre a historiografia brasileira se encarregou principal-
mente de Francisco Adolfo de Varnhagen e da sua História Geral do Brasil antes da sua
separação e independência de Portugal, revisão e notas de J[oão] Capistrano de Abreu
e Rodolfo Garcia, 5 vols. (10a ed., São Paulo/Belo Horizonte 1981) como a obra abali-
zada do século XIX acerca da história brasileira. A mais recente negação de Varnhagen
se deve muito a José Honório Rodrigues, História da história do Brasil, vol. 2, parte 1:
A historiografia conservadora (São Paulo/Brasília 1988), pp. 13–27. Outros trabalhos
são Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães, Geschichtsschreibung und Nation in Brasi-
lien, 1838–1857 (tese doutoral, Freie Universität Berlin 1987); Nilo Odália, As formas
do mesmo. Ensaio sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira Vianna
(São Paulo 1997). Menos caraterizado por um tom acusador é o trabalho de Arno Weh-
ling, Estado, história e memória. Varnhagen e a construção da identidade nacional (Rio
de Janeiro 1999).
7
A respeito da busca por altas culturas pré-lusas no Brasil no século XIX veja
Johnni Langer, “Enigmas arqueológicos e civilizações perdidas no Brasil oitocentista”:
Anos 90, 9 (1998), pp. 165–185.

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Em primeiro plano, a questão pela presença de civilizações tratou de


esclarecer a história antiga do Brasil antes da sua tomada de posse por
Portugal. Ao mesmo tempo, porém, essa controvérsia tratava das ori-
gens da civilização no Brasil. Volta e meia, autores confirmaram que a
história possuía na civilização aquele princípio em cuja luz ela, antes
de mais nada, podia ser interpretada.8 Como princípio universal, a ci-
vilização era o meio obrigatório de interpretação também para a
história brasileira. Um autor lamentava, por exemplo, que ainda fazia
falta uma obra que merecesse ser rotulada de “história”, de maneira
que no Brasil “nada de completo sobre a sua civilização se tem publi-
cado”,9 confirmando assim a civilização como leitmotiv da história
nacional que precisava ser desenvolvido como tal.
Com isso, os índios não eram os últimos a entrar em foco. O Secre-
tário Perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
justificou a coleção de vários artefatos no museu daquela instituição
com o esclarecimento que esses artefatos podiam dar do estado da civi-
lização e da indústria da população indígena.10 Aos índios das Améri-
cas bem se concedeu civilização.11 Por conseguinte, a pesquisa sobre a
história antiga índia antes da chegada dos portugueses era justificada
com o grande interesse pelo “grau de civilisação a que haviam chega-

8
Emílio Joaquim da Silva Maia, “Estudos históricos sôbre Portugal e Brasil. Es-
tudo Primeiro, servindo de introdução” (s.l. [provavelmente Rio de Janeiro] s.d. [1859
ou antes, provavelmente antes de 1854]): Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (em seguida AIHGB), lata 345, documento 1, p. 3; Emílio Joaquim da Silva
Maia, Estudos históricos sôbre Portugal e Brasil. Estudo Decimo Sexto: Reflexões his-
toricas. Recebimento no Brasil da noticia da Constituição portugueza. Conducta do
governo fluminense por esta occasião. Rivalidade entre Portuguezes e Brasileiros
(s.l. [provavelmente Rio de Janeiro] s.d. [1859 ou antes, provavelmente antes de 1854]):
AIHGB, lata 345, documento 16, p. 5; M. P. da S. [Manoel Pacheco da Silva?], “Consi-
derações sobre o futuro da civilisação humana”: O Auxiliador da Industria Nacional (em
seguida AIN) (Fevereiro 1850), pp. 345–350, aqui: p. 345; Caetano Alves de Souza Fil-
gueiras, “Reflexões sobre as primeiras épocas da historia do Brazil em geral e sobre a
instituição das capitanias em geral”: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasi-
leiro (em seguida RIHGB) (1898, 1a ed. 1856), pp. 398–424, aqui: p. 410; Tristão de
Alencar Araripe, Historia da Provincia do Ceará, desde os tempos primitivos até 1850
(Recife 1867), p. V.
9
Da Silva Maia, Estudos [...] Estudo Decimo Sexto (nota 8), p. 4.
10
Manoel Ferreira Lagos, “Relatorio”: RIHGB (1844), pp. 520–551, aqui: p. 547.
11
José Ignacio de Abreu e Lima, Synopsis ou Deducção Chronologica dos factos
mais notaveis da Historia do Brasil (Pernambuco 1845), p. 7.

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do os povos d’esta porção do novo mundo, antes de apparecerem aos


seus descobridores”.12
Rápido, no entanto, o IHGB chegou à conclusão desiludida que, até
agora, faltavam no Brasil qualquer vestígios dessa civilização.13 Por
fim, os costumes primitivos dos índios brasileiros eram vistos como
bem longe da civilização.14 Um breve sumário histórico da formação
da literatura brasileira constata que a pergunta recentemente levantada
pelo nível de civilização dos índios é vã. Os índios, no Brasil, não ape-
nas não deixaram objetos significativos, ademais desconheceram tudo
o que poderia ter contribuído sequer para a civilização mais limitada.15
A suposta história antiga do Brasil se revelou como pré-história. Antes
do começo da sua evangelização pelos jesuítas nos meados do século
XVI, os índios tinham-se encontrado num estado pré-civilizatório,
“mui distante da aurora da civilisação”.16 A procura do IHGB por ci-
vilizações pré-lusas que não tinha produzido resultados significativos
era, ao mesmo tempo, a procura frustrada pelas origens civilizatórias
do Brasil. Os seus indígenas, independente dos diferentes costumes,
assim o resumo lacônico, “nenhuma civilisação possuiam”.17

12
Candido José de Araujo Vianna, “Discurso”: RIHGB (1863, 1a ed. 1843), suple-
mento, pp. 1–3, aqui: p. 2. Semelhante também Januario da Cunha Barbosa, “Relatorio”:
RIHGB (1860, 1a ed. 1841), pp. 521–547, aqui: p. 522; João Manoel Pereira da Silva,
Parnaso Brazileiro ou Selecção de Poesias dos melhores poetas brazileiros desde o des-
cobrimento do Brasil precedida de uma introducção histórica e biographica sobre a lit-
teratura brazileira, tomo I: seculos XVI, XVII e XVIII (Rio de Janeiro 1843), p. 8.
13
Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva, “Dissertação historica, ethnographica e po-
litica sobre as tribus aborigenes que habitavam a provincia da Bahia ao tempo em que o
Brasil foi conquistado; sobre as suas matas, madeiras e animaes que a povoaram, etc.”:
RIHGB (1874, 1a ed. 1849), pp. 143–257, aqui: p. 152.
14
José Joaquim Machado d’Oliveira, “Se todos os indigenas do Brasil, conhecidos
até hoje, tinham idéa de uma unica divindade, ou se a sua religião se circumscrevia ape-
nas em uma méra e supersticiosa adoração de fetiches; se acreditavam na immortalidade
da alma, e se os seus dogmas religiosos variavam conforme as diversas nações ou tribus?
No caso affirmativo, em que differençavam elles entre si”: RIHGB (1844), pp. 133–155,
aqui: p. 136.
15
Caetano Maria Lopes Gama, Carta ao 1o Secretário do Instituto Manoel Ferreira
Lagos, Rio de Janeiro, 22 de Novembro de 1850: AIHGB, lata 138, documento 13.
16
Raimundo José da Cunha Matos, “Dissertação ácerca do systema de escrever a
historia antiga e moderna do imperio do Brasil”: RIHGB (1863), pp. 121–143, aqui:
p. 131.
17
Silva, Parnaso (nota 12), p. 8.

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Ficando claro que as origens da civilização no Brasil não podiam


ser encontradas no próprio país, era preciso esclarecer a sua proven-
iência antes de desenvolvê-la como princípio da história brasileira.
Como berço da civilização era considerado mais ou menos o espaço
entre o Egito e a Mesopotâmia, lugar de onde ela se expandiu ao
Leste, mas principalmente ao Oeste, a Atenas e a Roma, mais tarde
espalhando-se por toda a Europa. O que importou é que a civilização
também lançava raízes em Portugal.18 Mesmo a chegada no final do
mundo conhecido pelos antigos não significava uma fronteira definiti-
va, antes pelo contrário, o oceano limítrofe já indicou o futuro cami-
nho às Américas, onde iria brotar a sementeira de uma nova civiliza-
ção.19 A chegada da civilização ao Brasil tinha, portanto, os seus
fundamentos na expansão portuguesa. Já as viagens à África e à Ásia
abriram caminho à civilização, já que foi a passagem pelo Cabo da
Boa Esperança com a qual “romperam os obstaculos que se oppunham
aos progressos da navegação, da industria e da civilisação”.20 Com a
chegada dos portugueses à América verificaram-se as origens da
história do Brasil como começo da civilização do país.21 Junto com a
figura de Cabral também chegou a civilização para o Brasil, sendo
força motriz da história do país. As raízes da história brasileira eram
ao mesmo tempo as raízes da civilização no Brasil.
Em relação ao período depois de 1500, a presença da civilização no
Brasil não foi posta em dúvida. Ainda que a atuação do poder colonial
nem sempre fosse aprovada, a civilização como princípio da história
nacional desde o desembarque de Cabral até a renúncia de Dom Pedro
I foi confirmada. Esse processo civilizatório incluiu a formação da
população brasileira, e, como em relação à pergunta por possíveis
vestígios de civilização antes da chegada dos portugueses, foram os
índios que atraíram especial atenção.

18
Filgueiras, “Reflexões” (nota 8), p. 403.
19
José Silvestre Rebello, “Discurso sobre a palavra – Brasil – para servir de supple-
mento á memoria lida na primeira sessão publica anniversaria”: RIHGB (3a ed. 1916, 1a
ed. 1840), pp. 636–641, aqui: p. 640; Filgueiras, “Reflexões” (nota 8), p. 402; Manoel
Ferreira Lagos, “Relatorio”: RIHGB (1847), volume suplementar, pp. 89–147, aqui:
p. 90.
20
José Ignacio de Abreu e Lima, Compendio de Historia do Brasil (Rio de Janeiro
1843), p. XIX.
21
Filgueiras, “Reflexões” (nota 8), p. 406; idem, “Relatorio”: RIHGB (1860),
pp. 658–685, aqui: p. 660.

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Não foi um problema de relacioná-los à civilização. Apesar de lhes


ser negada uma obra civilizatória própria antes do assenhoreamento do
Brasil por Portugal, os índios não eram excluídos da civilização. A sua
incapacidade de atuar autonomamente em termos de civilização não
prejudicou a princípio a sua aptidão para a mesma, já que os índios
tinham mostrado no passado muita receptividade à civilização.22 Os
índios não estavam, portanto, fora da civilização, mas pertenciam a
ela, ainda que “atrasados em civilização”.23 A contento geral, consta-
tou-se que os índios se tinham aberto voluntariamente e de boa dis-
posição à civilização e aos seus usufrutos, ainda que em medida
reduzida.24
Essa civilização não tinha perdido totalmente a sua proximidade
original à religião. Não se duvidava que ordens eclesiásticas con-
tribuíram de forma importante para a civilização dos índios, mesmo
havendo discórdia acerca da cota-parte dos jesuítas.25 Da mesma
forma não se duvidava que a aptidão índia para a civilização durante
toda a época colonial não havia sido esgotada, tendo sido ela, na maior
parte, até impedida.26 No fato de os portugueses terem escravizado ini-
cialmente os índios era visto “a causa principal do retardamento da sua
civilisação”.27 E mesmo depois do fim da escravidão índia que os sub-

22
José Joaquim Machado de Oliveira, “Qual era a condição do sexo feminino entre
os indigenas do Brasil?”: RIHGB (1863, 1a ed. 1842), pp. 168–201, aqui: p. 174.
23
Joaquim Manuel de Macedo, Lições de História do Brasil para uzo dos alumnos
do Imperial Collegio de Pedro Segundo (Rio de Janeiro 1861), p. 80.
24
Machado de Oliveira, “Qual era a condição” (nota 22), pp. 169, 198 y 201.
25
Ibidem, p. 198; Manuel Rodrigues da Costa, Memória sobre a catequese dos ín-
dios (s.l., Agosto de 1840): AIHGB, lata 18, documento 13, pp. 1–7, aqui: p. 5; J[anuá-
rio] da C[unha] Barbosa, “Qual seria hoje o melhor systema de colonizar os Indios en-
tranhados em nossos sertões; se conviria seguir o systema dos Jesuitas, fundado
principalmente na propagação do Christianismo, ou se outro do qual se esperem melho-
res resultados do que os actuais”: RIHGB (3a ed. 1916, 1a ed. 1840), pp. 3–18, aqui: pp.
4 y 10; José Silvestre Rebello, “Programa. Qual sejam as causas da espantosa extinção
das famílias indígenas” (Rio de Janeiro, 31 de Maio de 1839): AIHGB, lata 45, docu-
mento 14.
26
Alexandre José de Mello Moraes, Corografia historica, chronographica, genea-
logica nobiliaria, e política do imperio do Brasil, 2 vols. (Rio de Janeiro 1858–1863),
vol. 2, p. 504.
27
Januario da Cunha Barbosa, “Se a introducção dos escravos africanos no Brazil
embaraça a civilisação dos nossos indigenas, dispensando-se-lhes o trabalho, que todo
foi confiado a escravos negros. Neste caso qual é o prejuizo que soffre a lavoura Brazi-
leira?”: RIHGB (3a ed. 1908, 1a ed. 1839,), pp. 123–129, aqui: p. 123.

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traiu da influência civilizatória, a importação de escravos africanos,


por sua vez, resultou no desleixo de medidas de desenvolvimento em
relação aos índios.28 Visto esse duplo efeito da escravidão, tanto na sua
forma índia quanto na africana, um ensaio sobre a civilização dos
índios responsabilizou a escravidão pelos problemas a esse respeito,
chegando à conclusão que no passado brasileiro “a escravidão foi um
forte embaraço á civilisação dos índios”.29 A relevância transcendente
do vínculo entre índios e civilização no passado brasileiro resumiria
um autor em apontar ao fato de ser “a cathequese, civilisação e liber-
dade dos Indios uma das questões mais importantes para a historia do
Brazil”.30
Também na primeira, e por muito tempo única, história nacional
reconhecida, na História Geral do Brasil de Francisco Adolfo de
Varnhagen, publicada pela primeira vez em 1854, o passado do país
era interpretado à luz da civilização. O autor já tinha antes anunciado
a sua obra, intitulando-a provisoriamente História da civilização do
Brasil.31 Varnhagen salientou no prefácio à segunda edição da sua obra
principal que a substituição da história civilizatória por uma geral no
título definitivo da obra não significa uma recusa da civilização. O his-
toriador deixa a interpretação do passado brasileiro ao parecer da ci-
vilização e, portanto, àquilo em que consiste o verdadeiro desenvolvi-
mento do Brasil.
Na História Geral, a civilização foi confirmada repetidamente
como princípio do passado brasileiro ao qual era preciso fazer jus na
exposição historiográfica. Varnhagen deixa claro o enlace da história
com a civilização, por exemplo no contexto da sua descrição dos
primeiros desembarques dos europeus na costa brasileira. Para Varn-
hagen não era importante contar todas as estadias de navios na ainda
mal conhecida costa brasileira; pelo contrário, a essas estadias foi con-
ferida relevância apenas se deixaram vestígios na história da civiliza-

28
Ibidem, p. 124.
29
Ibidem, p. 126.
30
Diogo Soares da Silva de Bivar, “Parecer sobre o Indice chronologico do Sr. Dr.
Agostinho Marques Perdigão Malheiro”: RIHGB (1888, 1a ed. 1852), pp. 75–85, aqui:
p. 78.
31
“Ata do 19. 1. 1843”: RIHGB (1863, 1a ed. 1843), p. 94.

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ção do Brasil.32 Em formarem estado e nação junto com a civilização


a trindade conceptual da obra varnhageniana, o autor não se limita às
ações principais no nível do estado.33 Recorrendo à civilização como
um conceito totalizante de desenvolvimento, o historiador continua
antes comprometido também com a dimensão social da história bra-
sileira. Enquanto “os europeus, com toda sua civilização”34 não repre-
sentaram nenhum desafio e os escravos trazidos da África estavam
incapazes de serem associados à civilização em termos positivos, a
relação entre os índios e o conceito ainda estava para ser definida.
Primeiro, Varnhagen confirma a conclusão à qual tinha chegado a
polêmica que se tinha travado alguns anos atrás no Instituto Histórico,
isto é, que os índios do Brasil não eram capazes de gerarem civiliza-
ção por si próprios, sendo, por causa disso, impossível concebê-los
pelo termo de civilização antes de 1500. Os índios antes da vinda dos
portugueses não pertenciam ao próprio movimento histórico e, por-
tanto, não à civilização, cuja luz ainda não tinha chegado às culturas
pré-cabralinas.35 Não tendo chegado a civilização aos índios antes de
1500, não era possível tratá-los historicamente. Ao contrário de
Rousseau, a quem Varnhagen ataca aqui expressadamente, Varnhagen
rejeita resolutamente a exaltação de um estado primitivo e a interpre-
tação do processo que se distancia desse estado como decadência.36
Junto com isso recorre-se a um velho contra-conceito da civilização, a
“barbárie”. Antes da descrição detalhada da cultura indígena no ter-
ceiro capítulo da História Geral, o historiador constata que antes de
Cabral essas culturas se tinham encontrado num “estado, não podemos
dizer de civilização, mas de barbárie e de atraso. De tais povos na
infância não há história: há só etnografia”.37 Mas no momento em que
se transportou junto com os portugueses a civilização ao Brasil, ela
conseguiu adotar também os índios.

32
No decorrer de muitas edições, a obra foi revisada várias vezes, completada por
notas, mudando seu subtítulo da primeira à segunda edição. Se não indicado de outra
forma, todas as informações se referem aqui a Francisco Adolfo de Varnhagen, História
Geral (nota 6). No tocante a essa refêrencia veja ibidem, vol. 1, p. 95.
33
Para a noção de estado e a sua contratação patriótica da historiografia veja Weh-
ling, Estado (nota 6), cap. 5.
34
Varnhagen, História Geral (nota 6), vol. 1, p. 41.
35
Ibidem, vol. 1, p. 52.
36
Ibidem, vol. 1, p. 52.
37
Ibidem, vol. 1, p. 30.

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Apesar de dificuldades iniciais de se associar aos índios depois do


começo da história brasileira, em seguida a civilização com facilidade
os incorporou no seu horizonte conceptual como “civilização dos
índios”.38 Com essa civilização dos índios, o historiador confirma a
civilização como um conceito secular. A difusão da fé cristã não é
ignorada, indo ao par da civilização.39 A civilização que se vinha
desenvolvendo desde os finais do século passado ao lado da evange-
lização, no entanto, agora prepondera a religião como “poderosíssimo
instrumento de civilização”.40 Em se apoderar do ensino da doutrina
cristã como seu meio, a civilização vira conceito superior.41
Mais momentos do conceito se evidenciaram na adoção dos índios
como um elemento essencial da população brasileira pela civilização.
O conceito abrangeu os indígenas como um processo dinâmico,
provocando uma transformação profunda neles.42 Nessa transfor-
mação considerada positiva se manifestaram tanto a conotação positi-
va do conceito de civilização quanto a sua projeção ilimitada. Pois os
índios que estavam em vias de se transformar em feras humanas
mudaram os seus costumes, sendo atraídos e cobrados pela civiliza-
ção.43 Os índios nem queriam resistir a essa atração, cedendo final-
mente aos efeitos da civilização.44 Assim começou um movimento de
ascensão, reunindo-se os índios “em torno da civilização, para desfru-
tar dela os benefícios”.45
Logo após a publicação da História Geral do Brasil, ela foi con-
siderada a insuperável interpretação histórica totalizante, recebendo
muito elogio. A própria obra era estimada como parte do desenvol-
vimento civilizatório do país, ganhando o maior reconhecimento,
sendo-lhe atestado de “contentar as exigencias da civilisação”.46 A
influência da História Geral, assim como a importância conferida nos
meados do século XIX à localização dos índios no passado brasileiro,

38
Ibidem, vol. 2, p. 56.
39
Ibidem, vol. 1, p. 30.
40
Ibidem, vol. 1, p. 246.
41
Ibidem, vol. 1, p. 220.
42
Ibidem, vol. 1, p. 30.
43
Ibidem, vol. 1, p. 243.
44
Ibidem, vol. 1, p. 215.
45
Ibidem, vol. 1, p. 242.
46
Joaquim Manuel de Macedo, “Relatorio”: RIHGB (1898, 1a ed. 1856), suple-
mento, pp. 92–122, aqui: p. 109.

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Civilização e nação 245

revela-se numa discussão motivada pelo tratamento varnhageniano do


índio. Ainda que Varnhagen tenha apenas retomado e continuado uma
posição anterior em degredar o índio na pré-história brasileira, era só
com a sua obra que essa posição começou a ser contestada.
No início, porém, Varnhagen estava em boa companhia com a sua
avaliação. Mais ou menos ao mesmo tempo, o jornalista e historiador
João Francisco Lisboa aproveitou os poemas de Gonçalves Dias para
atacar os elogios do poeta ao índio. A visão de Lisboa não diferiu
muito da de Varnhagen. A civilização era associada exclusivamente
aos europeus, de modo que era só com eles que chegou a civilização
ao Brasil e, portanto, aos índios.47 Lisboa responsabiliza a incompati-
bilidade da barbárie índia com a civilização pelo desaparecimento
paulatino dos índios na época colonial.48 E mesmo quando os índios
tinham aptidão para a civilização por si próprios e sem pressão exteri-
or, essa civilização foi incompleta.49 Ainda que ele recorra a Toc-
queville, quem cita exaustivamente, o historiador brasileiro rejeita
com veemência o autor francês e sua acusação da civilização.50 Logo,
no entanto, Lisboa abandonou a sua adesão à colonização portuguesa.
Mas até nessa virada o conceito de civilização continuou sendo o meio
central.
O motivo da reavaliação do papel índio era o encontro com a obra
varnhageniana, na qual o cronista Lisboa viu retomadas e exageradas
as suas próprias idéias. Esse exagero foi o motivo de corrigir o seu
juízo à luz de novas fontes. Isso não significava, porém, que Lisboa
rejeitou a obra inteira de Varnhagen; pelo contrário: no fim da sua
observação ele pronuncia um elogio.51 Existe, no entanto, um tema
que Lisboa desaprova de forma expressa, isto é a justificação varn-
hageniana da escravização dos índios. Apoiando-se no conceito de
civilização, Lisboa mostra volta e meia que ambos, a civilização e a
submissão dos índios, ou até o seu extermínio, não se podem conciliar.
A escravidão, enaltecida por Varnhagen ainda como meio da civiliza-

47
João Francisco Lisboa, Crônica do Brasil colonial. Apontamentos para a história
do Maranhão (Petrópolis/Brasília 1976), p. 175.
48
Ibidem, p. 185.
49
Ibidem, pp. 186 e 194.
50
Ibidem, p. 195.
51
João Francisco Lisboa, “Nota C. Sobre a escravidão, e a História Geral do Brasil
pelo Sr. Varnhagen”: idem, Crônica (nota 47), pp. 577–605, aqui: p. 603.

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246 Christian Haußer

ção, se revela em Lisboa como o contrário. Antes foi a sua escravidão


que impedia a civilização dos índios.52 A escravização de povos sub-
missos anda em conjunto com a sua civilização apenas em casos raros
que confirmam a regra contrária.53 Além disso, a civilização não con-
segue mais, como há pouco antes, se impor em todos os lugares.54 E
mesmo onde a civilização se impõe em forma de um povo superior
subjugando o inferior, a civilização do povo inferior de que devia se
tratar, fica para trás.55 Vale até para a forma mais pura da civilização
que ela é incompatível com o direito do mais forte.56 Com essas afir-
mações, o jornalista maranhense não perde de vista o seu adversário e
o passado brasileiro. Semelhante a exemplos do passado europeu,
mostrando que várias vezes foi considerado por engano civilização
aquilo que era o contrário, também Varnhagen foi acusado de con-
fundir a verdadeira civilização com a pretendida, à qual pertence tam-
bém a noção de escravidão.57 Terror, violência e pressão para Lisboa
não são compatíveis com a civilização; uma civilização da espada não
pode existir em relação aos índios da história brasileira.58
Lisboa acusa Varnhagen de oferecer uma alternativa que no fundo
não é uma tal, opondo na sua localização dos índios na história
nacional civilização e escravidão num lado, e liberdade e barbárie no
outro.59 Repetidas vezes, o autor maranhense se apóia na conotação
positiva da civilização repreendendo Varnhagen de desfigurar o passa-
do nacional e com ele o conceito de civilização, em interpretar, por
exemplo, a licença do poder colonial de prender e escravizar os índios
de acordo com a civilização.60 Lisboa repulsa qualquer tentativa de
Varnhagen de legitimar a escravidão dos índios justamente com o
apoio da civilização.61 Ademais, ele repreende Varnhagen de ter uma
opinião contraditória ao exaltar a escravização dos índios, recusando
ao mesmo tempo a dos africanos trazidos da África. De qualquer

52
Ibidem, p. 596.
53
Ibidem, p. 589.
54
Ibidem, p. 589.
55
Ibidem, p. 589.
56
Ibidem, p. 589.
57
Ibidem, pp. 579 e 590.
58
Ibidem, pp. 583, 588 e 592.
59
Ibidem, p. 583.
60
Ibidem, p. 584.
61
Ibidem, p. 594.

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Civilização e nação 247

forma, a respeito dos índios, para Lisboa, uma coisa está certa: em
condição nenhuma a escravização deles no Brasil podia ser um meio
da civilização.62
Uma outra réplica à obra varnhageniana é da mão de Domingos
José Gonçalves de Magalhães, conhecido principalmente como um
dos representantes destacados do romantismo no Brasil. No contexto
do empenho por uma literatura nacional brasileira autônoma criaram-
se obras poéticas e em prosa; além disso, Magalhães era o autor de um
estudo sobre a história do Maranhão. A resposta à obra historiográfica
varnhageniana, publicada em 1860 na revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, do qual o poeta era sócio, tinha como foco o
índio histórico. Sendo o substrato da história brasileira, o meio em que
se realizou a discussão científica acerca da representação do índio por
Varnhagen só pode ser o conceito da civilização.
Tanto por seu conhecimento dos índios quanto por sua familiari-
dade com o conceito de civilização de que tinha tratado anteriormente
numa obra filosófica, Magalhães estava bem preparado para enfrentar
Varnhagen.63 A repreensão principal feita a Varnhagen no tocante aos
índios era, no entanto, a de reduzir o significado do elemento índio na
formação da população brasileira.64 Em julgar assim, Magalhães outra
vez se refere à civilização que o historiador sorocabano transformaria
em um ídolo, utilizando-a arbitrariamente e sem precisão.65 Antes de
tudo, é a identificação da civilização com a atuação dos europeus por
Varnhagen que não é aprovada. Pois eram os próprios europeus que
faziam dos índios inimigos no decorrer da tomada de posse da Améri-
ca, de maneira que a civilização passa a significar o enriquecimento de
poucos às custas de muitos pelas medidas coercivas em relação aos
índios aprovadas por Varnhagen.66 É verdade que Varnhagen é elogia-
do como um historiador perito da conquista do Brasil pelos portugue-
ses. Por sua adesão ao elemento europeu, o autor da História Geral
do Brasil torna-se, no entanto, também panegirista de uma civiliza-

62
Ibidem, pp. 595 e 597.
63
Domingos José Gonçalves de Magalhães, Factos do Espirito Humano (Viena
1865), pp. 8 e 394.
64
Ibidem, p. 61.
65
Domingos José Gonçalves de Magalhães, “Os indigenas do Brasil perante a his-
toria”: RIHGB (1860), pp. 3–66, aqui: p. 31.
66
Ibidem, pp. 30 e 46.

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248 Christian Haußer

ção que se impunha com muita violência, desdenhando os nativos pré-


lusos.67
Magalhães não rejeita por inteiro as opiniões de Varnhagen. Tam-
bém ele reconhece que a civilização estava arraigada desde os gregos
e os romanos na Europa, tomando rumo dali para o Brasil, de modo
que era principalmente o elemento europeu ao qual “devemos o incre-
mento da nossa civilisação”.68 Mas apesar dessa concordância com as
idéias da época acerca da origem européia da civilização, Magalhães
não quer que a civilização seja reduzida exclusivamente a uma raiz
européia. Ele insiste na civilização como um verdadeiro princípio uni-
versal. Para ele, a civilização, semelhante à religião, inclui toda a
humanidade, não obstante de todas as diferenças e os vários níveis de
desenvolvimento.69 O erro de Varnhagen é o de considerar a civiliza-
ção como origem de todos os progressos positivos. Desse modo,
esquece-se que a civilização, por sua vez, é o resultado de uma boa
índole humana típica de todos os seres humanos em medida igual.70
Os índios de Magalhães estavam aptos por si próprios para a civili-
zação.
Uma prova dessa aptidão índia para a civilização são as altas cul-
turas centro-americanas e andinas que viviam na América já antes da
colonização européia. E por sua pacificidade e sua abertura aos por-
tugueses, também os índios brasileiros deram prova que tendiam,
como todos os povos americanos, à civilização.71 Despeito de especu-
lações sobre a verdadeira origem dos índios, para Magalhães é claro
que, uma vez chegados à América, eles completaram aí muito anterior
aos europeus a civilização durante muito tempo e numa forma parti-
cular.72 Magalhães concede prontamente que o nível de desenvolvi-
mento ao que haviam chegado os índios não era aquele de outros
povos. Mas ainda que ele separe os índios enquanto povos primitivos
de “nós filhos da civilisação”,73 ele constata que essa diferença é ape-

67
Ibidem, p. 9.
68
Ibidem, p. 6.
69
Ibidem, pp. 12 e 17.
70
Ibidem, p. 29.
71
Ibidem, p. 52.
72
Ibidem, p. 10.
73
Ibidem, p. 46.

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Civilização e nação 249

nas gradual.74 Pois até o presente vai a atividade múltipla também dos
índios brasileiros agindo “em prol da civilisação”.75
Essa aptidão dupla dos índios para a civilização, tanto no seu papel
tradicional passivo como objetos da política educativa do estado quan-
to, do mesmo modo, como elemento ativo e autônomo do processo
civilizatório, se manifesta também em termos de linguagem. Num
sentido tradicional, os índios continuam sendo objetos da civilização,
permanecendo uma tarefa do estado que consiste em “chamal-os á
civilisação e ao christianismo”.76 A sua definição lingüística como
elemento ativo, os índios recebem através da referência às suas
próprias obras e através do reconhecimento da importância particular
dessas obras para a povoação portuguesa do Brasil, em conceder uma
“civilisação dos indígenas”.77 Ainda que fique em suspenso se se trata
aqui de uma alusão consciente à famosa “civilisação dos índios” como
título programático da política indigenista tratando-se assim de uma
transformação, isto é, inversão deliberada do genitivus obiectivus num
genitivus subiectivus, é claro que se manifestam aqui em forma elo-
qüente os feitos próprios dos índios brasileiros. Os índios não eram
apenas objetos de uma civilização européia, sendo, pelo contrário,
bem capazes de contribuir por si próprios para a civilização no Brasil.
Em provar essa capacidade, os índios se tornaram ao mesmo tempo
idôneos para entrar na história.
Não se trata, portanto, com essa crítica a Varnhagen de uma re-
jeição da civilização. Magalhães estima Varnhagen e a História Geral,
apesar de opiniões diferentes em relação aos índios, compartilhando
ademais a negação de Varnhagen da interpretação da civilização como
processo de decadência dada por Rousseau.78 O poeta se encarrega
antes de proteger a civilização da deturpação pelo historiador. Antes
de tudo, Magalhães, que denominava a si próprio um “filho da civi-
lisação”,79 se refere igual ao seu adversário à civilização como princí-
pio da história brasileira.

74
Ibidem, p. 46.
75
Ibidem, p. 60.
76
Ibidem, p. 66.
77
Ibidem, p. 37.
78
Para a estima que Magalhães tinha por Varnhagen veja ibidem, p. 7; quanto a re-
cusa da crítica civilizatória de Rousseau veja ibidem, pp. 8 e 31.
79
Ibidem, p. 30.

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250 Christian Haußer

O mesmo vale para mais um crítico de Varnhagen. Tal como Mag-


alhães, também Antônio Gonçalves Dias era poeta e político, mostran-
do, além disso, um forte interesse científico para os índios. Esse inter-
esse resultou num dicionário da língua tupi e um artigo menor sobre a
origem dos índios brasileiros que, contudo, Dias não conseguiu detec-
tar. O trabalho mais famoso era uma obra concebida em perspectiva
comparativa acerca dos índios.
O ensaio sobre “Brasil e Oceania” não toma posição direto à His-
tória Geral do Brasil. Mas também em Dias, o tema é a valorização do
índio. E, como no seu predecessor Magalhães, essa valorização se
realiza na discussão sobre o índio histórico. Tão-pouco como Varn-
hagen, Dias vê nos índios uma população original, mas sim conquista-
dores que invadiram em tempos remotos.80 O poeta e etnógrafo esta-
belece, porém, uma conexão diferente entre os índios e o conceito de
civilização desenvolvido aqui que o historiador. Ao contrário dele,
Dias é capaz de diferenciar melhor a respeito do conceito de civiliza-
ção.
Por causa da universalidade do conceito, assim Dias constata, a
civilização se encontra em todos os povos do globo.81 Também aos
povos do Pacífico que servem aqui como meio de comparação aos do
Brasil, se concede civilização, ainda que em medida diferente.82 A
conexão da civilização com os europeus não representou problema
nenhum.83 O mesmo vale para os índios da América, precisamente já
antes de Colombo.84 Foram evidentemente os índios do Brasil que
chamaram a atenção em especial. Assim, Dias vê nos tupi sobejos de
uma civilização desconhecida.85 Ainda que seja verdade que os índios
se tinham encontrado num processo de decadência por volta de 1500,
mesmo assim possuíam um certo grau de civilização.86 E por mais

80
Antonio Gonçalves Dias, “Brasil e Oceania”: RIHGB (1867), parte segunda,
pp. 5–192 e 257–396, aqui: p. 5; quanto ao problema do nível de desenvolvimento dos
índios como condição de decidir sobre a sua futura aptidão para se desenvolver, veja ibi-
dem, p. 257.
81
A respeito da universalidade da civilização em Dias veja ibidem, pp. 163, 168
e 257.
82
Ibidem, pp. 343 e 395.
83
Ibidem, p. 343.
84
Ibidem, pp. 24 e 185.
85
Ibidem, p. 40.
86
Ibidem, p. 264.

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Civilização e nação 251

baixo que fosse o nível de desenvolvimento dos índios brasileiros, eles


não estavam excluídos da civilização, fazendo parte dela pelo menos
como “selvagens da civilisação”.87
Dias chega à conclusão que, não obstante erros possíveis resultan-
do da colonização portuguesa do Brasil, desde os começos do contato
com os europeus os índios dispunham das condições para a civiliza-
ção.88 Já no momento em que os portugueses tomaram pé em terra
americana, os seus habitantes mostraram aptidão para a civilização.
Confiando totalmente nos primeiros relatos vindos da nova colônia e
no peso das suas afirmações, Dias resume a aptidão dos índios para a
civilização com uma pergunta cuja resposta ele logo dá junto: “Have-
mos duvidar que do que affirmam os escriptores que de perto os obser-
varam e estudaram; que eram facillimos de admittirem a civilisação, e
aptos para todas as industrias? Não”.89
A civilização de que Dias fala aqui confirmou tanto a sua proximi-
dade à religião quanto ao mesmo tempo a sua autonomia como con-
ceito secular.90 Além disso, ao conceito se ligou uma dinâmica; no
entanto, retrocede o seu papel como um meio de descrever um esta-
do.91 Além disso, Dias defende a civilização contra todas as contes-
tações. No que diz respeito aos primórdios da colonização européia no
Brasil, ele afirma explicitamente que pela barbárie dos portugueses só
pode ser responsabilizada a “chamada civilisação”.92 Dias salienta o
tom positivo ligado à civilização em contrapor aos excessos e aos
vícios as “luzes e necessidades creadoras da civilisação”.93
Tal como no caso de Magalhães, é a intenção de Dias de propagar a
política indigenista e não desistir dela totalmente, antes contribuir para
a sua continuação melhorada, apesar de todos os erros que ele lhe ates-
ta até a sua própria época. Com um intuito prático, Dias contraria
aqueles que querem atrair principalmente colonos estrangeiros, esque-
cendo-se desse modo dos povos já existentes no Brasil.94 É principal-

87
Ibidem, p. 140.
88
Ibidem, p. 383.
89
Ibidem, p. 192.
90
Ibidem, pp. 372, 293 e 381.
91
Ibidem, pp. 307 e 366.
92
Ibidem, p. 148.
93
Ibidem, p. 396.
94
Ibidem, p. 396.

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mente a esse objetivo que serve a interpretação histórica dos índios e


a indicação de um lugar adequado na história brasileira. Mesmo assim,
Dias não entende a sua valorização dos índios erradamente “como
o panegyrico de uma raça, que mais merece commiseração do que
louvor”.95
Apesar das diferentes perspectivas de Magalhães e Dias, ambos
estão em grande parte de acordo. Além do propósito de fazer jus ao
índio como elemento importante do passado brasileiro também em ter-
mos literários, ambos se orientam no seu trabalho científico ao índio
histórico, tal como ele se revela na análise etnográfica. Também quan-
to ao conceito de civilização, servindo em grande parte como meio da
discussão sobre os índios históricos, os dois autores têm muito em
comum. É verdade que a dimensão passiva da civilização, tratando os
índios antes como objetos de que atores da civilização, chama mais a
atenção em Dias, que fez da questão prática por uma política indi-
genista correta o seu tema preferido. Ambos os autores, no entanto,
concordam que os índios não apenas experimentaram civilização, mas
que tinham atuado, além disso, eles próprios já antes da colonização
portuguesa no sentido da civilização. Tal como Magalhães, também
Dias usa a civilização como um conceito que descreve uma dinâmica
universal; na pergunta pelo sucesso da civilização dos índios, o termo
prático é presente desde já de qualquer forma. Ademais, Dias protege
o termo para defender o som positivo de uma civilização bem entendi-
da. O mesmo vale para Lisboa que, de um lado, semelhante a Varn-
hagen e à diferença a Magalhães e Dias, viu nos índios antes objetos
de que atores da civilização. Mas também Lisboa avalia muito mais
alto o papel dos índios no passado nacional que Varnhagen. Essa va-
lorização se realizou através da universalidade do conceito de civiliza-
ção, e em especial através da sua conotação positiva.
Não obstante a relevância histórica conferida ao índio, aqui se re-
vela o que os diferentes pontos de vista têm em comum. Tanto Varn-
hagen quanto os seus adversários se referem à civilização como prin-
cípio da história brasileira. Também os oponentes de Varnhagen
realizam o seu propósito de valorizar o papel histórico dos índios
brasileiros por meio da valorização do conceito de civilização. Assim,

95
Ibidem, p. 396.

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Civilização e nação 253

a crítica da civilização descrita na História Geral do Brasil não sig-


nifica uma recusa do termo de civilização, mas a sua confirmação.
Não se pode tratar mais de uma correção, pois Lisboa, Magalhães e
Dias se baseiam no mesmo conceito como o seu adversário, sendo os
momentos elementares desse conceito tanto a dinâmica e a praticabi-
lidade quanto a universalidade e a conotação positiva. A disputa sobre
a civilização não era, assim, uma por princípio acerca do próprio con-
ceito e sua capacidade. O que estava em questão não era a semântica
da palavra, mas o uso apropriado do conceito na interpretação do pas-
sado brasileiro. Recorrendo tanto Varnhagen quanto os seus críticos à
conotação positiva e à universalidade do conceito, era justamente a
discussão sobre a interpretação correta da civilização em que se con-
firma a mesma como o leitmotiv incontestado do desenvolvimento
histórico do Brasil.
Aos seus críticos, Varnhagen respondeu em escritos menores, mas
antes de tudo com e na História Geral do Brasil. Já na primeira edi-
ção o historiador tinha previsto essas tentativas de revalorizar os
índios e advertido delas.96 E foi a própria História Geral que tinha
mostrado o seu interesse pelos índios no passado brasileiro, recon-
hecendo explicitamente, por exemplo, o seu papel importante para o
desenvolvimento da colônia nos seus começos.97 No prefácio da
segunda edição de 1877, o historiador se dirige aos seus adversários
indicando a atenção prestada aos índios, tanto em muitos dos seus
trabalhos que ele tinha escrito sobre os índios e a sua língua quanto
com a criação de uma seção etnográfica em dentro do IHGB motivado
por ele.98
Varnhagen reage também de uma outra forma. Enquanto a primeira
edição tinha começado com a chegada dos portugueses, na segunda
edição Varnhagen põe aqueles capítulos que tinham apresentado na
primeira edição os costumes dos índios não mais depois da exposição
da descoberta do Brasil pelos portugueses. No arranjo novo, esses
capítulos agora têm o seu lugar antes da chegada dos europeus, en-

96
Francisco Adolfo Varnhagen, “Prefácio da 1.a edição”: idem, História Geral do
Brasil. Antes de sua separação e independência de Portugal (São Paulo/Cayeiras/Rio de
Janeiro 1927), vol. 1, p. XXI.
97
Varnhagen, História Geral (nota 6), vol. 1, p. 212.
98
Francisco Adolfo Varnhagen, “Prologo da 2.a edição”: idem, História Geral do
Brasil (nota 96), vol. 1, p. XIV.

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254 Christian Haußer

quanto a seguir os índios são considerados na obra apenas a respeito


da sua relevância para a colonização européia do país. Assim, de uma
maneira elegante, Varnhagen de novo pode apresentar os índios como
um povo próprio pertencendo à pré-história do Brasil e, portanto, à
etnologia. Fazendo principalmente esses reajustes, Varnhagen volta a
frisar que a civilização, considerada ter entrado no país com a chega-
da de Cabral, continua ser a marca divisória. Dessa forma, ao índio foi
confirmado na segunda edição da História Geral do Brasil, também
em termos de composição, o seu papel na pré-história brasileira já
conferido anteriormente. Como origem da história do país e, portanto,
da nação, ele continuou não ser de interesse.
A polêmica sobre o papel histórico do índio não era, então, tanto
uma acerca da questão se o índio sequer fazia parte da história
nacional. Antes se tratou do modo como os índios participaram dessa
história que tinha o seu leitmotiv na civilização. Mesmo quando foi
considerado possível estabelecer uma conexão entre índios e civiliza-
ção só para o período após 1500, não se duvidou da capacidade de
adaptá-la e de se desenvolver nesse sentido. Como participantes da
civilização, os índios já eram, pelo menos desde a chegada dos por-
tugueses, também parte da nação.
Quando foi concedido civilização, ao inverso, aos índios já antes
de Cabral, essa não se limitava aos indígenas. A capacidade da civi-
lização, sem importância da sua procedência, de se apoderar tanto dos
colonos europeus quanto dos nativos americanos, não permitia à civi-
lização restringir-se a um só elemento da sociedade brasileira. É justa-
mente a interpretação do índio histórico à luz do conceito de civiliza-
ção que mostra que a civilização não era um privilégio de um certo
grupo da população. Sendo a origem do Brasil o próprio processo civi-
lizatório, a população do Brasil não podia invocar um povo original,
refutando assim a universalidade da civilização. Também a revalori-
zação do índio não significava que ele foi considerado fonte única, à
qual era possível reduzir em termos históricos o auto-entendimento
brasileiro enquanto nação autônoma no século XIX, sendo assim o
verdadeiro símbolo da originalidade nacional. Como quer que fosse
avaliado a relação entre índios e civilização em detalhes: em todos os
casos a discussão sobre o índio se realizou por meio de uma discussão
sobre a sua participação na civilização. A disputa do papel do índio na
história nacional a partir dos anos trinta do século XIX revela, então,
essa história como a da civilização no Brasil.

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Civilização e nação 255

Essa interpretação da nação brasileira à luz do conceito de civiliza-


ção se subtrai da questão mais recente pela inclusão ou exclusão dos
índios. Nessa pergunta se revela principalmente o conceito moderno
de “cultura” enquanto termo científico, que serve como categoria para
o estudo de formas coletivas de vida, em particular na antropologia,
atribuindo a essas formas um valor próprio irredutível, assim permitin-
do apenas a alternativa entre inclusão ou exclusão.99 Não é possível,
porém, conceber dessa forma o papel do índio na historiografia brasi-
leira oitocentista. No Brasil pós-colonial, os índios eram considerados
como parte integral da história da nação sem que isso tenha significa-
do um reconhecimento sem crítica ou até uma exageração da cultura
índia. É verdade que na praxe, a reivindação da tutelagem educativa
expressada na legislação indigenista do oitocentos atraves do lema da
civilização mal podia ser realizada.100 Mas é também nesse caso que o
papel da civilização como leitmotiv do passado brasileiro explorado
pelo método da “história dos conceitos”, e a ligação desse conceito aos
índios, revela justamente isso: no conceito são preservados tanto a par-
ticipação de princípio dos índios na nação quanto, como conseqüência
dessa participação, o seu desenvolvimento que ainda na época dos
contemporâneos não foi considerado completo.
O acesso da “história dos conceitos” à civilização como meio cen-
tral de interpretação no Brasil no século XIX não visa disputar a per-
gunta moderna pela inclusão ou exclusão historiográfica dos índios
através da civilização como categoria histórica. Muito menos, ela quer
apenas fazer reviver uma consciência lingüística do passado. Em diri-
gir a atenção ao conceito da civilização na historiografia brasileira
oitocentista e a sua relação para com o índio, não se pode nem se deve
substituir a pergunta mais recente pela inclusão ou exclusão do índio
na história nacional. Todavia, o estudo da civilização como um con-
ceito básico da linguagem política e social no Brasil revela que a alter-
nativa é pouco instrutiva no que diz respeito ao verdadeiro significado

99
Quanto à cultura como termo especial científico veja breve Jörg Fisch, “Art. ‘Zi-
vilisation, Kultur’”: Otto Brunner/Werner Conze/Reinhart Koselleck (eds.), Geschichtli-
che Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland,
vol. 7 (Stuttgart 1992), pp. 679–774, aqui: p. 770.
100
A respeito da política indigenista no século XIX veja Manuela Carneiro da Cunha,
“Política indigenista no século XIX”: eadem (org.), História dos índios no Brasil (São
Paulo 1992), pp. 133–154.

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256 Christian Haußer

do índio na historiografia pós-colonial. Pertencer à nação e mudar for-


mas tradicionais de vida, ou até desistir delas, ser parte da nação e ao
mesmo tempo continuar passar a sê-lo não eram contradições. Antes,
para o índio era válido o mesmo que era válido para toda a população
do Brasil: ambos só podiam receber reconhecimento na medida em
que eram capazes de manter-se perante a civilização.
Uma tal concepção não era limitada ao Brasil. Também outros país-
es da América Latina consideraram os índios como partes importantes
da nação, sendo justamente como tais um objeto de projetos de desen-
volvimento por lado da elite.101 A atenção que atrai especialmente a
civilização enquanto conceito básico da linguagem político-social
dentro de uma tal concepção do papel do índio e na interpretação da
história nacional no Brasil é justificada principalmente pelo alcance do
conceito, indo muito além do século XIX. A referência ao momento
integrante que fazia dos índios, pelo menos desde a chegada dos por-
tugueses, elementos da civilização, e assim também do desenvolvi-
mento da nação, continuou no século XX. Tanto para o regime Vargas
quanto para a ditadura militar, o índio era uma fonte significativa das
coisas brasileiras, tornando-se justamente sob sinais nacionalistas um
elemento importante de medidas estatais de desenvolvimento. Junto
com a confirmação da potência do índio para contribuir ao desenvol-
vimento da nação, sempre ia a recusa de reconhecê-lo fora desse pro-
jeto.102

101
Veja, por exemplo, Ursula Heimann, Liberalismus, ethnische Vielfalt und Nation.
Zum Wandel des Indio-Begriffes in der liberalen Presse in Mexiko, 1821–1876 (Stuttgart
2002); Jochen Meißner, “‘Extinguir’ oder ‘educar’. Der ‘Indio’ im Elitendiskurs der me-
xikanischen Zeitungspresse des 19. Jahrhunderts”: Stefan Karlen/Andreas Wimmer
(eds.), ‘Integration und Transformation’. Ethnische Gemeinschaften, Staat und Welt-
wirtschaft in Lateinamerika seit ca. 1850 (Stuttgart 1996), pp. 163–180; Ulrich Mücke,
“La desunión imaginada. Indios y nación en el Perú decimonónico”: Jahrbuch für Ge-
schichte Lateinamerikas 36 (1999), pp. 219–232; Frank Safford, “Race, Integration, and
Progress. Elite Attitudes and the Indian in Columbia, 1750–1870”: Hispanic American
Historical Review 71, 1 (1991), pp. 1–33.
102
Para a revalorização do índio e a sua contribuição à construção do Brasil no re-
gime Vargas, tornando ao mesmo tempo o índio o objeto do empenho de integração e de
desenvolvimento por parte do estado, veja Seth Garfield, “Commentary. ‘The Roots of a
Plant that Today is Brazil’. Indians and the Nation-State under the Brazilian Estado
Novo”: Journal of Latin American Studies 29, 3 (1997), pp. 747–768; Antonio Carlos de
Souza Lima, “On Indigenism and Nationality”: Greg Urban/Joel Sherzer (eds.), Nation-
states and Indians in Latin America (Austin 1991), pp. 236–258.

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Civilização e nação 257

Muitas vezes, essa recusa significava marginalização e até exter-


mínio, que foram lamentados com toda a razão repetidas vezes até
hoje. Um famoso ajuste de contas da política indigenista do século XX
é de Darcy Ribeiro. Na sua obra Os índios e a civilização; a inte-
gração das populações indígenas no Brasil moderno, a conexão ou-
trora natural dos índios com a civilização se revela frágil, apesar da
continuação lingüística do termo no título.103 Essa ruptura retoma tam-
bém a filologia, sendo fundamental para o seu tratamento da literatura
nacional em vias de formação o paradoxo da exclusão real do índio da
nação no século XIX, acompanhado ao mesmo tempo pela sua
estilização na poesia e na prosa.104 Confirma-se a respeito da histo-
riografia como forma literária, por outro lado, a exclusão dos índios do
passado nacional, sem se incomodar, no entanto, com a grande pro-
ximidade ou até identidade do tratamento literário e do historiográfico
em termos intelectuais, institucionais e pessoais.
Todos esse juízos têm em comum procurar definir o papel do índio
através da pergunta por sua pertença ao projeto nacional ou a sua
exclusão dele. Ignora-se, dessa maneira, que o índio na historiografia
brasileira oitocentista simplesmente desde sempre fazia parte de um
processo dinâmico. Antes que fosse sequer possível surgir uma tensão
entre inclusão e exclusão, essa tensão já foi resolvida no conceito de
civilização. Na historiografia brasileira do século XIX, a nação ainda
estava para ganhar a sua feição definitiva, partindo de um passado que
tinha que ser continuado e excedido no sentido da civilização. É, em
particular, nos índios que essa idéia encontra a sua manifestação elo-
qüente. E é apenas nesse sentido que é, no máximo, possível falar do
índio como símbolo nacional.

103
Darcy Ribeiro, Os índios e a civilização. A integração das populações indígenas
no Brasil moderno (Rio de Janeiro 1970).
104
Esse parádoxo também é a hipótese fundamental em David Treece, Exiles, Allies,
Rebels. Brazil’s Indianist Movement, Indigenist Politics, and the Imperial Nation-state
(Westport, CT 2000), ainda que o autor negue com toda a razão a divisão subjacente a
esse parádoxo, isto é, a divisão entre ficção e realidade no indianismo brasileiro, a sepa-
ração do índio literário do real como objeto da política estatal.

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