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artigo de revisão
SUJEITADOS E CURRÍCULO:
uma breve análise do filme Narradores de
Javé
Adenaide Amorim Lima*
Denise Aparecida B. Barreto**
RESUMO
Quem sou eu? Quem é você meu caro leitor? Até que
ponto somos aquilo que está documentado? Até que
ponto nossos saberes válidos se limitam àquilo que foi
avaliado, registrado e qualificado? Que saberes,
realmente, formam nossa identidade e nos constitui
enquanto sujeitos? Os saberes documentados nos
valorizam ou nos rotulam? Acreditamos que todos os
saberes, sejam eles formais ou informais, científicos ou
sujeitados são importantes na constituição do sujeito.
Porém, no mundo globalizado, apenas um desses
saberes é valorizado, justamente aquele que pode ser
registrado, documentado e quantificado. Vivemos um
momento em que os sujeitos são classificados e
valorizados de acordo os saberes e habilidades que
possuem, ou seja, vivemos sob a lógica capitalista e
para o mundo globalizado vale o quanto e o que está
registrado sobre você. E quando não há nada
documentado? Como provar e convencer que temos
direito à existência? Qual deve ser o papel da
educação, nesse sentido? Refletiremos estas questões
* Mestranda em Educação no
a partir do filme Narradores de Javé e a partir do drama Programa de Pós-Graduação em
vivido pelos moradores deste povoado fictício, o Vale Educação (PPGEd), da Universida-
de Javé, pretendemos fazer um contraponto com a de Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB). E-mail: adenaideamorim@
nossa realidade, a qual o filme representa. Para tal gmail.com.
tarefa nos basearemos na reflexão de alguns teóricos ** Professora DSc. Titular do
Departamento de Estudos Linguísti-
da filosofia, da sociologia e do currículo como Foucault, cos e Literários – DELL/UESB e
Bauman e Tomaz Tadeu. Professora do Programa de Pós
Graduação em Educação –
PPGEd/UESB. E-mail: deniseabrito
Palavras-chave: Saberes Sujeitados. Globalização. Narradores @gmail.com.
de Javé. Currículo.
1 INTRODUÇÃO
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Michael Apple, a partir dessa mas origina, neste último, uma nova
abordagem de Foucault, relaciona essa maneira de viver e de ser”.
caracterização do saber com o O filme Narradores de Javé retrata,
funcionamento do poder: de forma humorada, o drama de uma
comunidade, que nos faz lembrar de
Foucault lembrou-nos de que se
quisermos compreender como outros sujeitos que se encontraram nas
funciona o poder, basta que
olhemos para as margens, basta mesmas condições, devido a falta dos
que observemos os
conhecimentos, a
saberes necessários que os pudessem
autocompreensão e a luta conduzir ao progresso. Existem pesquisas
daqueles que foram relegados à
condição de “os outros” por realizadas por professores da Universi-
poderosos grupos desta sociedade
(APPLE, 2011, p. 91). dade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB) sobre pessoas que viveram no
São esses “outros” de que fala
local onde hoje é a “barragem de Anagé1”,
Apple, de cujos saberes são aqueles
situada no município de Anagé/BA, que
descritos por Foucault, que caracteriza o
da mesma forma tiveram que sair de suas
povo de Javé.
terras para ceder lugar ao desenvolvimen-
Sobre a obra fílmica em si,
to/interesses da indústria. De acordo
Narradores de Javé, existem vários
Silva:
trabalhos acadêmicos que apresentam
diferentes abordagens, certamente, por [...] caso dos posseiros atingidos
ser um belo filme com enfoques e pela construção da Barragem de
Anagé, que expropriou cerca de
contribuições bastante consideráveis e 800 famílias camponesas,
conforme relato de alguns
significativos. De acordo com Vargas e entrevistados, em sua quase
totalidade posseiros, e que, por
Moreira (2012, p. 165), muitas questões isso, não tiveram o direito a
indenização pelas terras que
“podem ser propostas com base no filme foram alagadas, recebendo
Narradores de Javé e que merecem a apenas as indenizações referentes
às benfeitorias (SILVA, 2011, p.
atenção do pesquisador. De forma 48).
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respeito. É nesse sistema que estamos saber tem uma positividade, e é ela que
inseridos e que a todo instante estamos deve ser examinada”, sabemos que tudo
justificando, cientificamente, a nossa depende de quem examinará essa
permanência nele, constantemente nos positividade, e com quais intenções, pois
“globalizando” e nos capacitando para não existe saber neutro, todo saber é
melhor servirmos a essa dinâmica, do político e exige sempre uma tomada de
contrário seremos inúteis e descartáveis. posição por parte do sujeito que o
“O que coisa é científico?” pergunta examina.
Aristeu, e Zaqueu como uma espécie de Partindo desse pressuposto,
líder na comunidade responde: - podemos perceber que o currículo,
“Científico é... é... é coisa assim... com enquanto parâmetro definidor do que
sustança de ciência... versada, assim, nas deve ser ensinado, estabelece-se como
artes e práticas...”. No entanto, surge o verdade, disseminada, sustentado em
primeiro problema apontado por Maria: - uma seleção arbitrária de saberes que
“E como vamo juntar as histórias, se elas favorecem uma minoria que está no
tão na cabeça do povo?” (ABREU, 2008, poder. Segundo Apple,
p. 30).
Na prática talvez isso funcione
Este é o momento, no filme, em mais ou menos da seguinte
maneira “O conhecimento de
que começa toda uma luta, contada de quem vale mais?”. Que essa não é
simplesmente uma questão
forma bastante humorada, para organizar acadêmica fica bastante claro ao
um dossiê científico que, supostamente, se notar que os ataques da direita
às escolas, o clamor pela censura
salvaria Javé das águas. Mas, como e as controvérsias acerca dos
valores que estão e que não estão
colocar em “palavras escritas”, como sendo ensinados, acabaram por
transformar o currículo em uma
documentar, como legitimar, espécie de bola de futebol política.
Quando a isso se acrescenta a
cientificamente, os detalhes das histórias, imensa pressão, exercida sobre o
a variedade de seus saberes, a sistema educacional em muitos
países, para que as metas das
multiplicidade de seus valores, os empresas e das indústrias se
tornem os objetivos principais, se
segredos dos seus amores, enfim, o não os únicos objetivos da
formação escolar, então a questão
colorido da vida de um povo, a ponto de ganha ainda maior relevância
(APPLE, 2002, p. 50).
ser valorizado e reconhecido por outros?
Mesmo concordando com Machado
No entanto, a imposição desses
(2007, p. 160), quando ele diz: “todo
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REFERÊNCIAS
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