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23, nº 3, 777-788
DOI: 10.9788/TP2015.3-20
Resumo
O objetivo deste estudo foi compreender as percepções do homossexual masculino sobre a sua orienta-
ção sexual e as possíveis repercussões da sua homossexualidade no contexto familiar e social onde vive.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa com delineamento exploratório e descritivo. Os dados foram cole-
tados por meio de entrevista semiestruturada contendo questões norteadoras focando os sentimentos, os
comportamentos e as percepções dos participantes sobre sua homossexualidade e sobre as relações com
familiares, colegas de trabalho e amigos. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, por meio
da qual emergiram quatro eixos temáticos: amizade, vínculo para ser quem realmente somos; comporta-
mentos e sentimentos do homossexual; percepção pessoal da homossexualidade e revelação para a famí-
lia; repercussões da revelação da homossexualidade na família. A partir dos resultados, compreende-se
que o preconceito contra homossexuais está presente em determinados espaços, como o ambiente de
trabalho; as relações familiares e de amizade emergiram como fator de proteção e a percepção do pró-
prio indivíduo sobre sua homossexualidade pode contribuir para a manutenção ou para a atualização dos
tipos de interação que estabelece.
Palavras-chave: Homossexualidade, comportamento sexual, relações familiares, preconceito.
Abstract
The objective of this study was to comprehend the perceptions of the male homosexual about his sexual
orientation and the possible repercussions of his homosexuality in family and social contexts. This is
a qualitative research with an exploratory and descriptive design. Data were collected through semi-
structured interview, which contained guiding questions focusing on the participant’s feelings, behaviors
and perceptions about his homosexuality and about his relationships with family members, workmates,
and friends. Data were submitted to content analysis, generating four thematic axes: friendship, the bond
1
Endereço para correspondência: Rua Coronel Corte Real, 913/204, Petrópolis, Porto Alegre, RS, Brasil
90630-080. Fone: (54) 9161-3134; Fax: (51) 3590-8123. E-mail: cristoferbatistadacosta@gmail.com, mariana.
rmachado@yahoo.com.br e mwagner@imed.edu.br
778 Costa, C. B., Machado, M. R., Wagner, M. F.
to be who we are; behaviors and feelings of the homosexual; personal perception about homosexuality
and revelation to the family; repercussion on revealing the homosexuality for the family. Drawing from
the results, we understood that prejudice against homosexuals is present in determined spaces, such
as the working environment; family relations and friendships emerged as protection factors and the
perception of the individual about his homosexuality may contribute to maintaining or updating the
types of relationships established.
Keywords: Homosexuality, sexual behavior, family relations, prejudice.
Resumen
El objetivo de este estudio fue comprender las percepciones homosexuales masculinos de su orientación
sexual y las posibles repercusiones de su homosexualidad en el contexto familiar y social en el que vive.
Se trata de una investigación cualitativa con un diseño exploratorio y descriptivo. Los datos fueron
recolectados a través de entrevista semi-estructurada que contenía preguntas de orientación se centra
en los sentimientos, comportamientos y percepciones de los participantes sobre su homosexualidad
y la relación con los miembros de la familia, compañeros de trabajo y amigos. Los datos fueron
sometidos a análisis de contenido, a través del cual surgieron cuatro temas: la amistad, la relación
sea lo que realmente somos; comportamientos y emociones de homosexual; percepción personal de la
homosexualidad y la revelación de la familia; homosexualidad revelación del impacto en la familia.
De los resultados, se entiende que el prejuicio contra los homosexuales está presente en ciertas áreas,
tales como el medio ambiente de trabajo; las relaciones familiares y de amistad surgió como un factor
protector y la percepción del individuo sobre su homosexualidad puede contribuir al mantenimiento o la
actualización de los tipos de interacción que establece.
Palabras clave: Homosexualidad, comportamiento sexual, relaciones familiares, prejuicio.
A sexualidade é variável em diversos senti- ca do corpo como macho ou fêmea. São proce-
dos, tomando formas diferentes no interior dos dimentos que articulam elementos tão diversos
próprios indivíduos, dentro dos gêneros, nas de regulação da vida social, quanto discursos,
sociedades e operando por meio de um conjun- instituições, formas arquitetônicas, enunciados
to heterogêneo de discursos e práticas sociais. científicos, proposições morais e filosóficas. O
Como resultado social, diferencia-se de gênero indivíduo aprende a se identificar e viver o gêne-
para gênero, de classe para classe e de sociedade ro e a sexualidade dentro da sua cultura, relacio-
para sociedade (Costa, 2007; Foucault, 2006; V. nando-se com o outro, tomando-o como referên-
G. Silva, 2007). cia e vivendo um processo de reconhecimento
Além disso, a sexualidade pode ser enten- (Louro, 2008).
dida também como uma condição humana que Nesse processo de reconhecimento entre
o indivíduo traz desde o seu nascimento e que iguais, revela-se, muitas vezes, a homossexua-
integra o fator natural, inalienável e imprescrití- lidade (Balderston, 2014). O referido autor exa-
vel (Dias, 2005). Noutra direção, Louro (2008) minou os vínculos poéticos a partir de um poema
refere que a construção da sexualidade e do gê- de Carlos Pellicer, encontrando a comunicação
nero acontece ao longo da vida, de maneira con- de segredos do amor homossexual que, por meio
tínua sendo, portanto, ensinada. Para o autor, a da poesia, passavam do privado ao público.
definição de masculino e feminino não é feita Através das poesias, revelava-se uma atmosfera
no nascimento e posterior classificação biológi- de segredos, silêncios e suspeitas a respeito da
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lho e gestualidade, até adereços corporais. Nesse ter filhos e levar uma vida digna. Ademais, al-
sentido, ser do sexo masculino e se apresentar guns setores da sociedade ligados às igrejas, pro-
socialmente com traços efeminados, implica em movem campanhas em prol, exclusivamente, das
não estar disponível e ser aceito em muitas ativi- configurações familiares tradicionais por meio
dades e postos de trabalho (L. F. Rios, 2012). De de ataques homofóbicos (Louro, 2008), e reafir-
acordo com pesquisa de Gouveia et al. (2012) as mam, assim, um perfil conservador, matrimonia-
motivações do agir sem preconceito estão asso- lizado, patriarcal, indissolúvel e historicamente
ciadas às necessidades individuais e às deman- heterossexual (Dias, 2008).
das da sociedade, que determinam posturas pes- De acordo com Frigo et al. (2014) o precon-
soais e asseguram um ambiente estável e seguro ceito, a discriminação e o constrangimento, são
ou de hostilidade e rejeição. fatos cotidianos na vida de muitos homossexuais.
Uma vez que a feminilidade nos corpos Tais situações acontecem por meio de violência
masculinos pode acarretar preconceito e ser de- verbal, psicológica e física em diversos segmen-
terminante nos lugares ocupados socialmente, o tos sociais, entre eles, escolas, bares, serviços de
indivíduo é privado de expressar sua subjetivi- saúde, instituições religiosas, instituições públi-
dade enquanto direito individual, social e difuso. cas e organizações privadas. São atos praticados
Dessa forma, nascem performances situacionais por pessoas da família, por amigos, por colegas
de gênero que apresentam-se como a modulação de trabalho e por pessoas desconhecidas.
de identificações de gênero a partir do modelo Nesse universo em que o indivíduo homos-
homem e mulher. E, do engessamento e enqua- sexual não possui uma referência que o locali-
dramento das definições de orientação sexual, za no mundo social, pode ocorrer o que Costa
emerge a segregação social e o preconceito, pro- (2007, p. 8) denominou de perda de um “sen-
movendo a heterossexualidade e estimulando o tido de si” estável, constituindo uma crise de
desrespeito e a homofobia, como se a orientação identidade. Esse entendimento corrobora Nu-
sexual não fizesse parte da dignidade humana (L. nan (2010) sobre o preconceito internalizado e
F. Rios, 2012; R. R. Rios, 1998; A. A. Souza et a autodestruição por meio de comportamentos
al., 2013; E. M. Souza & Pereira, 2013). de risco, enquanto possíveis repercussões da
Dessa forma, entre os desafios encontrados condição de marginalização do homossexual.
durante a busca de legitimação pelo direito de Segundo a autora, os riscos de contrair doenças
ser diferente da maioria (V. G. Silva, 2007), o sexualmente transmissíveis e HIV estão asso-
indivíduo homossexual enfrenta, muitas vezes, ciados aos reforçamentos do preconceito institu-
situações aversivas no próprio ambiente de tra- cionalizado no próprio indivíduo homossexual,
balho para permanecer no emprego e ter chan- como uma espécie de profecia autorrealizadora
ces de ascensão profissional (A. A. Souza et do seu futuro.
al., 2013). Além disso, os autores referem que Noutra perspectiva, Lomando, Wagner
o assédio moral e a discriminação no ambiente e Gonçalves (2011) realizaram uma pesquisa
de trabalho, por meio de ofensas verbais, é um com 111 pessoas homossexuais com o objeti-
acontecimento que o homossexual nem sempre vo de investigar a correlação entre a coesão e a
reconhece e, quando consegue identificar, preci- adaptabilidade conjugal e a percepção de apoio
sa subjugar-se à situação para se manter no em- social da família, dos amigos e das relações de
prego. trabalho/escola. Os resultados apontaram que
Nas instituições religiosas, outro segmento a família demonstra, atualmente, maior flexi-
social, os homossexuais são percebidos, muitas bilidade para aceitar a homossexualidade. O
vezes, como desajustados da natureza. Tais ins- ambiente familiar é compreendido, segundo o
tituições impõem à família a responsabilidade estudo, como um espaço de acolhimento e de
única da procriação e desconsideram o relacio- diálogo, apresentando-se de maneira menos de-
namento entre pessoas do mesmo sexo, como se fensiva e abrindo-se à possibilidade de revela-
elas fossem incapazes de constituir uma família, ção da homossexualidade.
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dades de sentido; (c) Categorização temática das de Designer e trabalhava como designer gráfico.
unidades de sentido definidas a posteriori; (d) P.4 referia que os seus pais eram separados e que
Identificação de intenções particulares, conside- residia com a mãe e a irmã de trinta e um anos.
rando o conteúdo das falas, a interpretação e as Por meio da análise de conteúdo emergi-
inferências a partir da experiência do pesquisa- ram quatro eixos temáticos: Eixo I – Amizade:
dor (Bardin, 2009). vínculo para ser quem realmente somos; Eixo
II – Comportamentos e sentimentos do homos-
Procedimentos Éticos sexual; Eixo III – Percepção pessoal da homos-
O estudo foi aprovado sob o protocolo de sexualidade e revelação para a família; Eixo IV
número 004/2010 pelo comitê de ética em pes- – Repercussões da revelação da homossexuali-
quisa da Instituição de Ensino onde a pesquisa dade na família.
foi realizada. Os participantes leram e assinaram
o termo de consentimento livre e esclarecido - Amizade: Vínculo para Ser Quem
TCLE. No termo, os participantes foram infor- Realmente Somos
mados que poderiam desistir de sua participação Os entrevistados relataram que, quanto
antes de assinar o TCLE, sem nenhum prejuízo, mais intimidade, mais naturais conseguem ser
e que os riscos que corriam era sentirem-se mo- nas relações interpessoais que cultivam. Os re-
bilizados emocionalmente durante a entrevista, lacionamentos sobre os quais os entrevistados se
sendo, nestes casos, avaliada cada situação e referiram foram aqueles cultivados no ambiente
feito o encaminhamento para atendimento na de trabalho, nos grupos artísticos e na rede de
Clínica Escola da Instituição de Ensino. Além amigos mais próximos. Neste último grupo, a
disso, foram assegurados os cuidados éticos em relação de amizade envolvia frequentar a casa
todos os procedimentos de pesquisa envolven- e manter um contato mais estreito com outros
do seres humanos, conforme as diretrizes e nor- membros da família dos participantes. Estes gru-
mas regulamentadoras que constam nas Resolu- pos, segundo eles, são formados tanto por hete-
ções 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde rossexuais, quanto por homossexuais.
(2012) e 016/2000 do Conselho Federal de Psi- Os participantes disseram: P.2: “eu acho
cologia (2000). que não muda assim com meus amigos íntimos
heterossexuais e homossexuais, eu diria que
Resultados e Discussão não é diferente”; P.4: “brincadeiras com pesso-
as mais íntimas ou não, não deixo de ser eu da
Os participantes do estudo têm as seguintes mesma forma que eu tô falando com você, porém
características: o primeiro entrevistado (P.1), ti- quando é mais íntimo pode brincar um pouco
nha 31 anos de idade, era solteiro, possuía en- mais, mas não ajo diferente”; P.3: “tenho ami-
sino superior completo e trabalhava como pro- gos heteros que frequentam minha casa, tanto é
fessor de língua estrangeira. P.1 residia com o que meus amigos heteros são os mesmos amigos
pai, a mãe, um irmão com 26 anos e a cunhada. dos meus amigos homossexuais. Para mim, isso
O segundo participante (P.2) tinha 19 anos, era nunca teve nenhum tipo de problema”; P.1:
solteiro, possuía ensino médio completo e não “muda um pouco a postura . . . Eu não vou ter
trabalhava. P.2 era filho único e morava com o o mesmo comportamento com meus amigos ínti-
pai, a mãe, os avós paternos, um tio também pelo mos, isso é óbvio [sic]”.
ramo paterno, a esposa do tio e o primo. O tercei- Pode-se compreender que, nas relações de
ro entrevistado (P.3), tinha 25 anos de idade, era amizade, quanto mais significativo o grau de in-
solteiro, apresentava ensino médio completo e timidade, mais abertura para tratar de temas de
trabalhava como sub gerente na área de vendas. cunho privado e agir com espontaneidade; so-
P.3 morava com o pai, a mãe e a irmã de deze- bretudo nestes casos, porque o laço afetivo apro-
nove anos. O último participante (P.4), tinha 23 xima e pode permitir olhar para além da orien-
anos de idade, era solteiro, cursava a faculdade tação sexual. Entretanto, talvez tal questão não
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a sociedade, e você percebe que você é assim e foi nada forçado, tanto eu queria quanto ele, e
que nada pode mudar, não foi fácil, com certeza daí, a partir daí [pausa]. Não, antes mesmo eu já
não”; P.3: “eu me sentia bem para baixo . . . sabia que era gay [sic]”.
Uma culpa, uma dor aqui dentro assim que só eu Por meio dos relatos, percebe-se que iden-
sei”; P.4: “uma confusão só porque assim, você tificar o momento em que o indivíduo se desco-
via as meninas, você via seus amigos ficando, briu homossexual é algo difícil ou até mesmo
aquela reação toda, e você não sentia a mesma impossível. Uma compreensão para esse resul-
coisa [sic]”. tado é a de que a percepção pessoal da orienta-
Diante desse resultado, pode-se pensar o ção sexual não é uma necessidade do próprio
que provocou os sentimentos que os participan- indivíduo que se desenvolveria conforme seu
tes disseram. Uma possibilidade é de que eles instinto e características biopsicossociais. En-
estejam associados aos estereótipos do que é es- tretanto, devido aos condicionamentos cultu-
perado socialmente, em termos de etapa do de- rais e sociais, o sujeito precisa se justificar por
senvolvimento de um menino heterossexual e ao ser diferente, por fugir à norma ou, de alguma
que a família, especialmente as figuras parentais, forma, romper padrões estabelecidos, seja na
esperam desse filho. Segundo os estudos (Frigo esfera sexual, estética, familiar, entre outras
et al., 2014; Maffesoli, 2007; V. G. Silva, 2007), (Frigo et al., 2014; Maffesoli, 2007; V. G. Sil-
espera-se que o menino seja forte, não chore, se va, 2007).
interesse por meninas, goste de brincadeiras de A revelação da homossexualidade aconte-
homem, entre outras coisas. Os pais sonham que ceu de forma muito particular em cada grupo fa-
o menino seja bem sucedido profissionalmente e miliar. Os entrevistados disseram P.2: “aos treze
que tenha filhos para dar continuidade ao sobre- anos eu já contei para minha mãe, pro meu pai,
nome da família. para a família e tal. Era bem complicado, não
Quando o menino, mais tarde, se descobre foi nada fácil, talvez tenha sido a pior época da
homossexual, percebe que não se encaixa em minha vida”.
muitas das características que deveria ter, se- P.3: uma noite nós estávamos na minha
gundo preceitos familiares e sociais. Inicia-se, casa, só eu e minha mãe, também tomei um
então, um processo interno de “des”ajustamento porre porquê a bebida abre a minha boca
e “des”construção que provoca profundo sofri- e sai, daí eu quis contar e conversar com a
mento, já que existe uma contradição entre o minha mãe sobre tudo, da minha vida intei-
mundo interno e o mundo externo do homosse- ra, daí eu contei tudo. Ela [a mãe] começou
xual que, muitas vezes, sente, pensa e é diferente a ficar muito culpada, ai eu falei que ela
do grupo de iguais, conforme os participantes não tinha que ficar tão triste.
relataram (Costa, 2007; Nunan, 2010). P.4: para minha mãe foi mais difícil. Ela
chorou bastante e disse que foi uma decep-
Percepção Pessoal ção muito grande, assim na hora sabe? Daí
da Homossexualidade eu evitei algumas coisas, excluí algumas
e Revelação para a Família coisas que ela falou porque foram dolori-
Neste eixo temático discute-se o momento das, digamos assim. Eu acho que talvez pelo
em que o próprio indivíduo se dá conta da sua grau de escolaridade dela, por viver sempre
homossexualidade e a revelação da orientação no interior, por não ter contato com isso,
para a família. Quanto à percepção da própria então eu acho que é bem difícil, a cabeça é
orientação, os participantes disseram: P.1: “eu ainda um pouco fechada [sic].
sempre soube, desde que eu tenho consciência Além disso, dois participantes disseram
sobre mim, eu sempre soube. Sabia que eu era desconfiar que os familiares já sabiam da ho-
diferente, e aos poucos, eu fui vendo qual era a mossexualidade:
diferença na verdade”; P.2: “eu perdi a virgin- P.1: é um processo, já pensei bastante sobre
dade com um homem aos treze anos, mas não isso, mas foi um processo de vinte e seis
Percepções do Homossexual Masculino: Sociedade, Família e Amizades. 785
vinte e sete anos, não aconteceu assim da comparar pode fazer o indivíduo se sentir menos
noite para o dia, na verdade eu acho que temeroso e solitário para gerenciar as emoções
eles sempre souberam e sabiam antes mes- e o impacto que a notícia provocará dentro da
mo de eu saber, só que tem tantas barreiras família (Balderston, 2014; Louro, 2008).
e coisas que acontecem que né, eles, a gente
acaba ocultando. Repercussões da Revelação
P.3: semana passada minha mãe me contou da Homossexualidade na Família
que meu pai falou pra ela “ele tendo estudo Neste eixo são apresentadas as repercussões
e trabalho, não interessa se ele estiver com da revelação da homossexualidade na família.
homem, se tiver com mulher”. Por isso eu Segundo os entrevistados, contar sobre a homos-
estou com uma pulguinha atrás da orelha, sexualidade proporcionou novas formas de inte-
desde a semana passada, eu pensei, nossa, ração entre eles e os membros da família: P.1:
é bom saber disso né [sic]. “teve até aproximação com algumas pessoas, os
Através dos relatos, percebe-se que a deci- laços se solidificaram mais”; P.3: “eu me conti-
são e a iniciativa quanto a revelação da orien- nha, falava grosso e depois eu comecei a brincar
tação sexual pareceu ser realmente difícil para mais”; P.4: “digamos assim, ela [mãe] passou a
os participantes. Pode ser que tal momento en- me dar apoio, me apoiar e me aceitou. Eu passei
volva uma série de emoções tanto naquele que a existir de uma certa forma, eu passei a existir,
revela quanto na família e que poderão ser mais era como se eu fosse invisível [sic]”.
ou menos intensos, variando segundo as crenças Por meio dos dados coletados, é possível
pessoais e culturais de cada família e as formas compreender que a revelação da homossexua-
através das quais enfrenta as novas situações, lidade provocou uma alteração nos padrões de
corroborando outros estudos (Frigo et al., 2014; interação familiar e nos sentimentos dos partici-
Taquette et al., 2005). pantes, que não precisaram mais esconder a sua
O sentimento de dois entrevistados de que orientação sexual ou se esconder devido a ela.
os familiares já sabiam da homossexualidade A existência de segredos na família tenciona as
pode ser verdadeiro visto que os pais, normal- relações, engessa a espontaneidade e cria barrei-
mente, conhecem muito bem seus filhos. Entre- ras para que o segredo seja mantido, provocando
tanto, por desconhecimento, por não saber como distancias entre os membros da família. Nesse
lidar com a situação ou porque ao saber é neces- sentido, revelar a orientação sexual provocou
sário se posicionar, muitos pais e familiares não uma alteração no jeito de agir do próprio indiví-
tocam no assunto até que seja inevitável. duo e no tratamento que recebia dos familiares,
Segundo os participantes, quando existem alterando, assim, os padrões de interação e a di-
outros homossexuais na família, torna-se mais nâmica familiar (Lomando et al., 2011).
fácil relevar a própria orientação sexual. Os en- Além disso, os entrevistados disseram que
trevistados disseram P.2: “então foi mais fácil os familiares demonstram uma série de pre-
pelo fato de já ter um homoafetivo na família”; ocupações ao saber da homossexualidade. A
P.3: “na família por parte de mãe eu tenho uma apreensão familiar envolve principalmente so-
tia que é homoafetiva e um tio, então no lado frer preconceito, contrair doenças sexualmente
materno é bem mais fácil. Até me deram apoio transmissíveis, ser vítima de pessoas mal inten-
quando fui contar para a minha mãe [sic]”. O cionadas e não ter o futuro sonhado pelos pais.
fato de existir outros homossexuais na família Os participantes disseram:
pode ter reduzido o impacto da notícia uma vez P.1: eles tem muito medo assim de casos
que não se tratava mais de uma realidade desco- que ouvem falar de gays que foram mortos
nhecida daquele núcleo familiar. Além disso, as- por se envolver com pessoas perigosas,
sumir a orientação sexual quando se tem alguém e o medo deles assim é esse, de eu me
próximo em quem se apoiar ou com quem se relacionar com pessoas que não são boas,
786 Costa, C. B., Machado, M. R., Wagner, M. F.
sei lá, marginais, alguma coisa do tipo, esse Por outro lado, no segmento profissional e no
é realmente o medo deles. relacionamento com pessoas desconhecidas, re-
P.2: “de eu sofrer algum tipo de preconceito ferem ser necessário esconder ou mesmo evitar
durante a minha vida”; P.3: “eles querem revelar a orientação sexual para se proteger da
que eu trabalhe, que eu tenha um futuro, discriminação. Tais questões podem estar asso-
faça uma faculdade, meu pai falou que ciadas ao preconceito, às dificuldades de aceitar
tem que ver o futuro”; P.4: “o que minha a diversidade sexual e de se relacionar com indi-
irmã me passou em relação ao preconceito víduos de diferente orientação sexual.
que eu iria enfrentar, que algumas pessoas Os resultados do estudo possibilitam com-
poderiam se aproveitar, ou seja, outros preender que, apesar das situações discrimina-
homens poderiam se aproveitar, devido a tórias, algumas transformações ocorrem lenta-
doenças [sic]”. mente, como a aceitação entre amigos, mesmo
Exceto pela referência ao preconceito, rela- aqueles de diferente orientação sexual, e no
cionado especificamente à orientação sexual, as contexto familiar. Além disso, a preocupação
preocupações dos familiares, especialmente dos dos familiares está associada, muitas vezes,
pais, não são exclusivas apenas quando o filho a um possível sofrimento e preconceito que
é homossexual. Os pais normalmente querem o indivíduo possa experienciar, preocupação
proteger os filhos, traçam planos para suas vidas para além da sexualidade. Muitos avanços vêm
e sonham com um futuro promissor. Quanto ao acontecendo de modo que é possível perceber
preconceito, de fato a homossexualidade é tema famílias recebendo a notícia sobre a homos-
de muitas discussões e, por mais que atualmente sexualidade de forma mais pacífica, flexível e
existem leis garantindo os direitos dos homos- acolhedora. Porém, a sexualidade ainda é nor-
sexuais e a comunidade LGBT (lésbicas, gays, matizada a partir da heterossexualidade. Nesse
bissexuais e travestis/transexuais) tenha con- sentido, a percepção do próprio indivíduo sobre
quistado um espaço social e midiático importan- sua homossexualidade é um fator importante
te, muito ainda precisa ser feito para se pensar para a manutenção ou atualização dos tipos de
efetivamente em igualdade e liberdade (Frigo et interação que estabelece devendo, portanto, ser
al., 2014; Grossi, 2003; R. R. Rios, 2006). Nesse observado.
sentido, a preocupação que os participantes rela- Por ser uma pesquisa qualitativa, os dados
taram por parte da família é uma questão atual e precisam ser discutidos à luz do contexto in-
relevante (Nunan, 2010). vestigado. Foram percepções de um grupo pe-
queno de indivíduos, residentes no interior do
Considerações Finais estado do Rio Grande do Sul, sobre suas vivên-
cias, comportamentos e sentimentos dentro de
O objetivo do presente estudo foi compre- uma realidade bastante específica sociocultural-
ender as percepções do homossexual masculi- mente. Portanto, mais investimento em termos
no sobre a sua orientação sexual e as possíveis de pesquisa devem ser feitos a fim de se poder
repercussões da sua homossexualidade no con- levantar outras discussões e reflexões que efe-
texto familiar e social onde vive. A partir dos tivamente provoquem mudanças/avanços nas
relatos dos entrevistados, identificou-se que os políticas públicas de saúde, na legislação e nos
homossexuais constituem um grupo de pessoas diferentes segmentos da sociedade. Propiciar
que busca seu espaço junto à sociedade. Para que a homossexualidade seja reconhecida como
tanto, explicitam publicamente sua orientação uma das formas legítimas de expressão da se-
sexual às pessoas mais próximas, como fami- xualidade humana é fundamental para que os
liares e amigos, que, na percepção dos partici- homossexuais vivam sem se preocupar com as
pantes, aceitam mais facilmente a homossexua- consequências adversas que o seu jeito de ser
lidade pela proximidade afetiva que os vincula. pode provocar.
Percepções do Homossexual Masculino: Sociedade, Família e Amizades. 787
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