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A VIDA EM UMA ECOVILA

VIVER EM UMA ECOVILA

A restauração do mundo e sua população

Editado por Hildur Jackson e Karen Svensson


A VIDA EM UMA ECOVILA
VIVER EM UMA ECOVILA

A restauração do mundo e sua população

Editado por Hildur Jackson e Karen Svensson

Seria um exagero dizer que o surgimento do movimento das ecovilas é o mais significativo
evento do século XX? Eu acho que não.
Ted Trainer, Universidade de New South Wales, Austrália
Os 15 elementos da vida em uma ecovila

Sócio-econômicos
Educação e Comunicação
Vivência e Aprendizado

Estilo de vida saudável


Medicina preventiva
Medicina complementar

Comunidade construtiva
Tomada de decisões
Resolução de conflitos

Modernização do bem-estar
Cuidados às crianças e aos idosos
Integração dos deficientes

Economia localizada
Moedas complementares

Ecológicos
Negócios verdes
Análises dos ciclos de vida

Construções ecológicas
Energia renovável
Cuidado com as fontes de água locais

Permacultura
Projeto de ecovila

Regiões naturais, Biodiversidade


Restauração da Terra

Produção, consumo e circulação


de comida orgânica local

Culturais e Espirituais
Criatividade, Revelações pessoais

Espiritualidade
Encontro da Divindade em si mesmo
União com a Natureza

Celebração da vida
Respeito às culturas
Ciclos naturais

Visão de mundo, Ciência


e Filosofia de circulação holística

Localização, Biorregiões
Resistência à globalização

Conceito: Hildur Jackson e Karen Svensson


Arte: Kolja Hejgaard

Os elementos acima constituem uma ampla definição de sustentabilidade, que


incluem as dimensões sociais e culturais/espirituais. Uma boa maneira de
restaurar a Terra, nós mesmos e outros seres vivos é integrar os princípios da
Vida em uma Ecovila no nosso dia-a-dia.
Bem-vindo, caro leitor ou leitora!

Nas últimas décadas, povos de todo o mundo têm criado experiências alternativas para a
sociedade, considerada por eles destrutiva. A visão das ecovilas nasceu de uma dessas
experiências, trazendo soluções tanto urbanas quanto rurais; tanto no hemisfério Norte
quanto no Sul; e em todos os níveis, do núcleo familiar às comunidades locais e
organizações globais. As ecovilas são basicamente um meio de viver na Terra respeitando
todos os seres e sistemas naturais. Elas personificam um meio de vida consciente, que pode
continuar indefinidamente no futuro. Desta maneira, formam nada menos que uma nova
cultura, planejada para restaurar a Terra e sua população.

Este livro traz o melhor do conhecimento e da experiência das ecovilas em todo o planeta,
diretamente dos pioneiros, desde o seu desenvolvimento até hoje. Elas estão estruturadas
em torno de dimensões ecológicas, sociais e espirituais-culturais, as quais são integradas de
maneiras diferentes conforme a motivação de seus iniciadores. O livro deve ser útil
especialmente para as milhares de pessoas que, a cada ano, tomam a decisão de fazer
alguma coisa para integrar práticas e hábitos mais sustentáveis às suas vidas, aderindo a
ecovilas já existentes, ou aumentando a sustentabilidade de suas famílias, comunidades,
vizinhanças ou organizações.

Nesta publicação, subdividimos cada uma das três dimensões das ecovilas (ecológicas,
sociais e culturais-espirituais) em cinco elementos – quinze, ao todo, conforme o gráfico na
página ao lado. Esses elementos formam a principal estrutura das ecovilas. Cada elemento é
descrito em detalhes em artigos e entrevistas, além de ilustrações com exemplos.

Você verá que, ainda que as ecovilas sejam construídas a partir de uma visão comum, elas
apresentam grandes diferenças entre si, de acordo com o foco escolhido entre as dimensões
ecológicas, sociais e/ou culturais-espirituais. Elas são também muito influenciadas pelas
diferentes condições climáticas, seu meio ambiente natural e as culturas locais. Este livro
apresenta uma visão ilustrativa de quinze ecovilas diferentes (nos quesitos em que elas têm
mais a oferecer). É também rico em exemplos e fotografias de outras comunidades
sustentáveis de todo o mundo, e pode ajudá-lo ou ajudá-la a decidir se é assim que gostaria
de viver ou se gostaria de implantar alguns dos princípios da vida em uma ecovila no meio
em que vive.

A visão da ecovila também pode ser aplicada à área política, oferecendo uma alternativa à
globalização comercial. Em um recente e revolucionário exemplo, alguns países do
hemisfério Sul começam a estudar o conceito das ecovilas como possível base para um
novo modelo de desenvolvimento que visa problemas locais reais e não interesses
comerciais estrangeiros.

Esperamos que este livro sirva de inspiração e que forneça um vislumbre do enorme
potencial para mudanças disponíveis em todos nós e que pode nos levar a um futuro mais
harmonioso e mais satisfatório.
Hildur Jackson
Karen Svensson
Editores

Da esquerda para a direita: Hildur Jackson e Karen Svensson em frente aos escritórios da Gaia
Villages/escritórios da GEN, com um representante de um grupo de ecovilas sul-coreanas. Foto: cortesia de
Yeon-Hyun Cho.
A VIDA EM UMA ECOVILA
( ou VIVER EM UMA ECOVILA)

A restauração do mundo e sua população

Sumário

Editorial - Hildur Jackson e Karen Svensson


O direito de realizar um sonho - Hildur Jackson
O que é uma ecovila? - Karen Svensson
Os padrões de uma ecovila: as três dimensões

A dimensão ecológica

1. Permacultura
Projeto de Permacultura: filosofia e prática - Jan Martin Bang
Permacultura para projeto de ecovila - Max Lindegger

2. Terra nativa, Biodiversidade, Restauração da Terra


Restaurar a Terra é viver para o Todo - Hildur Jackson entrevista Hanne Mastrand-Strong
Dez princípios de restauração da Terra - Allan Watson Featherstone
A restauração da Terra na Colômbia Cláudio Madaune

3. Produção, Consumo e Circulação de alimentos orgânicos locais


Produção de alimentos: local e em projeto de ecovila
Introdução - Hildur Jackson
Produção auto-suficiente de alimentos: conselho de um veterano - Hildur Jackson entrevista
Peter Harper
Auto-suficiência e produção em Svanholm, Dinamarca - Bo Laessoe
Produção de alimentos: alimentos frescos locais
Agricultura mantida pela comunidade: alimentos frescos nos mercados locais - Helena
Norberg-Hodge

4. Construção Ecológica, Energia renovável, Infraestrutura, Proteção da água local


Construção: um caso forçado de construção ecológica - Lynne Elizabeth
Construção natural: uma visão alquímica - Rolf Jacobsen, em tradução de Karen Svensson
Conselho para construtores ecológicos - Hildur Jackson entrevista Flemming Abrahamsen
Os elementos da construção ecológica - Karen Svensson entrevista Kolja Hejgaard
A escola de construção de pontes na Noruega - Jan Martin Bang
Energia: sistemas de energia renovável nas vilas - Hildur Jackson entrevista Preben Maegaard
Abastecimento e proteção da água local: zonas-raízes - Jorgen Logstrup
Filtro biolítico em águas limpas - Max Lindegger
Infraestrutura: infraestrutura da vila - Roger Kelly
5. Negócios verdes nas ecovilas
Atividades de negócios nas ecovilas - Karen Svensson e Hildur Jackson
Negócios na Ecovila Lebensgarten - Agnieszka Komoch
Um centro de negócios ecológicos: algo de novo sob o sol - Hildur Jackson entrevista Leif
Hierwagen
Um negócio do CTA pelo correio: uma história de sucesso - Karen Svensson

A dimensão social

1. Abundância sustentável, Simplicidade voluntária, Economia local


Economia alternativa: sucesso é a arte de agradecer - Karen Svensson
Microcrédito - segundo a documentação Damanhur
O crédito, a moeda Damanhur - Lepre Viola
A localização da economia: como estruturar a economia em uma ecovila - Guy
Dauncey
2. Modernização do bem-estar social, a integração de todos
A vila de Solborg Camphill - Jan Martin Bang
A rede de Camphill - Jan Martin Bang
Crianças e a comunidade - Leila Dregger
Mulheres na comunidade de Zegg - Leila Dregger

3. A construção da comunidade
Projetar com a comunidade em mente - Jan Martin Bang
Caixa de ferramentas eclética - Bea Briggs
Tomada de decisões e liderança em Sieben Linden - Silke Hagmayer

4. Estilo de vida saudável


Serviços de saúde complementares nas comunidades - Cornelia Featherstone
Gesundheit! Saúde em comunidade - Kathy Bloomquist
Universidade de Medicina Natural de Lumen - Elena Soldi

5. Ensino e comunicações
Construção de um Centro de Vivência e Aprendizado - Philip Snyder
Construção de parcerias acadêmicas - Daniel Greenberg
Gráfico de programas educacionais nas ecovilas
Comunicação na GEN (Rede Global de Ecovilas) - Lucilla Borio

A dimensão cultural-espiritual

1. Criatividade e revelações pessoais


Espiritualidade, arte e cultura em Damanhur - do site www.damanhur.org

2. Espiritualidade
O que é vida espiritual? - Hildur Jackson
Espiritualidade em Auroville - Marti Mueller
O ashram Vrads Sande e a comunidade Snabegaard - Susan Marcia Perdersen
Espiritualidade é uma relação com si mesmo – Hildur Jackson e Karen Svensson entrevistam
Vinya Ariyaratne
Tradições africanas culturais e espirituais no Senegal - Elise Mansaré e Karen Svensson

3. Celebração da vida, das culturas, da Natureza


A recuperação do sagrado na Natureza - Philip Snyder

4. Visão holística de mundo


A declaração de Findhorn sobre propriedade pública
Doze princípios de ativismo espiritual - Will Keepin

5. Localização, Biorregionalismo
Globalização e localização - Hildur e Ross Jackson

Ecovilas no Hemisfério Sul

Desenvolvimento baseado em vilas no Sri Lanka: o movimento Sarvodaya para a Paz - Vinya
Ariyaratne
Senegal: a primeira rede de ecovilas patrocinada por um governo - entrevista com Souleye
´NDiaye
O Projeto Ladakh (Cachemira indiana) - Helena Norberg-Hodge
Thlolego na África do Sul - Paul Cohen

O processo de criação de uma ecovila

Como formar um grupo e organizar o processo - Hildur Jackson


Futuros grupos de trabalho: jogos de renovação - Ditlev Nissen
Considerações práticas: o trabalho com autoridades - Max Lindegger
Financiamento de ecovilas:
Superação de problemas financeiros
Captação de recursos é captação de amigos - Jeff Grossberg
Armadilhas a evitar
Coisas a evitar e coisas a lembrar - Max Lindegger e Declan Kennedy
Centro de demonstração ou ecovila? - Peter Harper

Expansão do conceito de ecovila

Ecovilas para a reconstrução pós-desastres


Um projeto-paradigma para áreas de desastres naturais - Karen Svensson entrevista Rashmi Mayur
Ecovilas e co-habitação como projeto-paradigma
Sociedade integral: da co-habitação às ecovilas - Hildur Jackson
Por que e como planejadores locais devem apoiar as ecovilas?
Ecovilas podem ajudar a resolver problemas sociais e de planejamento - trechos de uma
reportagem de David Kanaley
O surgimento de uma corrente principal de ecovilas: Munksogaard na Dinamarca - Karen
Svensson entrevista Mikkel Strange
Benefícios sociais das ecovilas: criação de um ambiente propício ao aprendizado - Rolf Jackson
Cooperação com a ONU e outras ONGs: a Fundação Findhorn e as Nações Unidas May East
Redes de ecovilas: fazer o melhor possível na rede GEN (sigla em inglês para Global
Ecovillage Network, ou Rede Global de Ecovilas) - Lucilla Borio
A Rede de Ecovilas das Américas (ENA, sigla em inglês para Ecovillage Network of the
Américas) - Linda Joseph

Fontes

Publicado pela primeira vez na Grã-Bretanha em 2002 por Green Books LTD, Foxhole, Totnes, Devon TQ9
6EB www.greenbooks.co.uk
Em associação com Gaia Trust www.gaia.org
Copyright Gaia Trust 2002
Trechos deste livro podem ser reproduzidos exclusivamente para fins educacionais, sem fins lucrativos, e
acompanhados de referência à fonte.
Projeto de Karen Svensson, com agradecimentos a Kolja Hejgaard, pelo apoio técnico e de DTP.
Capa: telhado de palha de uma construção comunitária na ecovila Tlholego, África do Sul (páginas ) Foto
de Declan Kennedy.
Impresso por Book Print, Barcelona, Espanha.
Um registro catalogado deste livro está disponível na British Library. ISBN 1 903998 16 6
Agradecimentos a todos os que contribuíram: eles são de várias partes do mundo, a maioria, mas não todos, de
ecovilas e outras comunidades, e incluem dirigentes de governos locais, educadores, ativistas ecológicos, assim
como mulheres e homens de negócios, de organizações internacionais e ONGs. A maioria é membro da GEN
(sigla em inglês para Global Ecovillage Network, ou Rede Global de Ecovilas). Para informações sobre a GEN,
literatura, contatos com ampla rede de ecovilas e muito mais visite o site www.gaia.org
A GEN é uma organização sem fins lucrativos que une ecovilas e projetos semelhantes em todo o mundo. A rede
apóia meios de vida sustentáveis globalmente para que possam inspirar e estimular a criação de mais meios de
vida viáveis neste planeta.
O direito de realizar um sonho

Prefácio

Hildur Jackson

Os humanos são uma espécie capaz de resolver problemas, capaz de pensar, de aprender e de
manifestar pensamentos e sonhos. Freqüentemente os sonhos são reações a problemas,
tornando-se assim um mecanismo para resolver os problemas. Nós sonhamos e imaginamos
como as coisas poderiam melhorar. O sonho se expande, cresce e tem a possibilidade de se
manifestar no plano físico. Sonhos podem ser expressão de amor e de inspiração divina. A
idéia de um Paraíso é uma dessas manifestações inspiradas, que as pessoas vêm imaginando e
com a qual sonham há milhares de anos. Sonhar é um direito que temos desde que nascemos.

Hoje, muitas pessoas sonham com comunidades, com belas vizinhanças e com empregos
significativos. Essas pessoas têm um anseio interno por uma vida mais equilibrada e mais
espiritual, um lugar maravilhoso para os filhos crescerem e um estilo de vida que não os
obrigue a deixar as crianças sozinhas o dia todo, como se fosse um preço a pagar por serem
membros completos da sociedade. Um lugar cheio de vida, alegria e participação, de uma
vida perto da Natureza com plantas e animais ao seu redor, onde o amor é mais possível.
Toda a sabedoria, o conhecimento e a tecnologia necessários estão disponíveis para ajudar
este sonho a se realizar para todos neste planeta. Ecovilas são tentativas emergentes de
realizar isto, ou pelo menos parte disto. Elas são como pinturas sendo feitas no sonhado
Paraíso na Terra.

Se construirmos este Paraíso para viver, ele não estaria isento de problemas. Isso seria tedioso
demais. Mas seria um local que refletisse o melhor da nossa sabedoria e nosso discernimento,
um local onde nos sentíssemos felizes para poder criar nossos filhos. E não existe apenas
uma, mas várias versões possíveis: poderia ser um lugar em que se aprendesse como funciona
o mundo físico (ou seja, as leis da Natureza); ou como se conectar com os mundos
espirituais; como se tornar o amor e vivenciar a união com todos os seres vivos; como ser
criativo em preservar e desenvolver três milhões de anos de evolução biológica; ou como
criar uma sociedade integral, fazendo com que o local, uma parte apenas, seja um reflexo
holográfico do todo. Um grupo norte-americano manifestou a seguinte visão: queremos criar
um lugar onde gostaríamos de reencarnar como crianças em nossas próximas vidas.

Este livro mostra a construção do sonho da ecovila, que pode ser realizado de diversas
maneiras através de comunidades sustentáveis intencionais (em escala familiar ou
comunitária), projetos de restauração da Terra ou de povos, vizinhanças sustentáveis, esforços
localizados ou práticas transformadoras integrais.

Não conhecemos nenhuma ecovila que tenha anunciado que chegou à perfeição. Todos esses
assentamentos estão em obras, exibindo constantes melhorias e renovação em sua estrutura
física, social e cultural-espiritual. Desfrute de uma jornada entre elas.
O que é uma ecovila?
Karen Svensson

As ecovilas encarnam um meio de vida. Elas são fundamentadas na compreensão profunda


de que todos os seres e coisas têm ligação entre si, e que nossos pensamentos e ações têm
impacto no meio ambiente em que vivemos.

Ecovilas são comunidades de pessoas que se esforçam para levar uma vida sustentável em
harmonia com outras, com outros seres vivos e com a Terra. Seu objetivo é combinar um
meio ambiente sócio-cultural acolhedor com um estilo de vida de baixo impacto. As ecovilas,
enquanto novas estruturas sociais, ultrapassam a dicotomia dos dias de hoje de assentamentos
urbanos versus rurais: representam um modelo de ampla aplicação no planejamento e
reorganização dos aglomerados urbanos no século XXI.

A profunda motivação das ecovilas ou das comunidades intencionais é a necessidade de


reverter a desintegração gradual das estruturas sócio-culturais acolhedoras e o crescente
surgimento de práticas destrutivas do meio ambiente em nosso planeta. Uma das ênfases do
conceito das ecovilas é o desejo de assumir responsabilidade pela própria vida, de criar um
futuro que, em vez de esgotar energias do mundo mecânico dominado por empresas gigantes,
é regenerativo para o indivíduo e para a Natureza, e desta forma sustentável indefinidamente
no futuro. Um futuro que gostaríamos de legar a nossos filhos para que eles, e depois os
filhos deles, possam crescer como seres humanos equilibrados e saudáveis.

As ecovilas encarnam um meio de vida. Elas estão fundamentadas na compreensão profunda


de que todos os seres e coisas têm ligação entre si, e que nossos pensamentos e ações têm
impacto no meio ambiente em que vivemos. Baseadas nessa filosofia, as ecovilas montaram
uma grande variedade de combinações das três dimensões:

Ecológica
Comunitária (a dimensão social)
Cultural-espiritual

Hoje há tantas versões diferentes de ecovilas quanto ecovilas propriamente ditas. Cada uma
alcançou um nível individual de desenvolvimento, e reflete criatividade e inspiração próprias
de seus criadores. Algumas ecovilas existem há mais de 20 anos e começam a apresentar
sinais de que completaram suas experiências em matéria de vida sustentável, enquanto outras
estão apenas surgindo. No passado, elas foram algumas vezes vistas como assentamentos
marginais ou idealistas demais, mas agora gradualmente vamos testemunhando o surgimento
do “ideal principal das ecovilas”, que integra os princípios das ecovilas adaptados a outros
modos e expectativas de vida (por exemplo, na arquitetura, com moradias que funcionam
num sistema misto de aluguel e propriedade privada, com comodidades privadas e também
compartilhadas, inclusive jardins comuns e particulares, cenários mistos, com diferentes
ocupações e idades). Essas ecovilas permitem uma diversidade, tanto na composição social
quanto no foco individual das pessoas e nos níveis de participação na comunidade, que
refletem o ideal principal.
O próximo tópico apresenta uma visão geral das três dimensões das ecovilas, que se integram
com ênfases diferentes em comunidades diferentes. Essas dimensões também representam as
três áreas que podemos escolher para enfocar no estabelecimento de um modo de vida mais
sustentável para nós mesmos em outros cenários (por exemplo, em nossas famílias,
vizinhanças ou organizações).

A dimensão ecológica de uma ecovila

A dimensão ecológica das ecovilas revela a conexão das pessoas com a Terra viva: o solo, a
água, o vento, as plantas e os animais. Ela se estende da intenção expressa de economizar
energia e reciclar lixo até um comprometimento mais amplo com uma vida de baixo impacto,
com sistemas de integração de energia locais, usinas de tratamento de água, restauração da
Terra, permacultura (por exemplo, para a produção de comida) e construções ecológicas.

Ecologia, entre outras coisas, significa*:


produção da maior quantidade possível de alimentos orgânicos na biorregião da comunidade;
criação de casas vivas feitas com materiais naturais locais e usando tradições (arquitetura)
locais;
uso de sistemas integrados locais de energia renovável;
uso de princípios de negócios ecológicos (negócios verdes locais);
tributação do ciclo de vida dos produtos usados na ecovila a partir de um ponto de vista
social-espiritual e ecológico;
preservação da limpeza do solo, da água e do ar através do gerenciamento correto da energia
e do lixo;
proteção e apoio à biodiversidade e defesa das áreas nativas.

*Trechos do livro “What is na ecovillage?”, de Hildur Jackson, Marti Mueller e Helena Norberg-Hodge.

A dimensão social de uma ecovila

A dimensão social das ecovilas se refere ao desejo das pessoas de passar mais tempo juntas e
de criar um ambiente acolhedor onde cada um possa se aprimorar como indivíduo e como
parte do grupo. As ecovilas são pequenas o suficiente para que cada um sinta que tem
poderes. No mundo ocidental, em meio ao ensurdecedor barulho de interesses industriais,
comunicações em excesso e megaestruturas políticas, a voz de um único indivíduo
freqüentemente não é ouvida. Em uma ecovila, a voz soa em alto e bom som. As pessoas
podem participar na tomada de decisões que afetam suas vidas e as da comunidade de forma
transparente - ou seja, com total abertura. Para as crianças, as ecovilas fornecem um
ambiente amoroso que as envolve em tarefas diárias, como jardinagem e construção. Isso as
leva a desenvolver grande variedade de habilidades através da experiência prática. Aprender a
atuar como membros responsáveis de uma comunidade também as ajuda a pensar por si
próprias, enquanto, ao mesmo tempo, se lembram de seu lugar no todo. Normalmente as
ecovilas são capazes de promover um equilíbrio entre liberdade pessoal e a própria
responsabilidade para com os outros, criando seres humanos livres e bem-intencionados que
aprendem a identificar e satisfazer suas necessidades assim como as da sociedade em que
vivem.

Comunidade significa*:
reconhecer e se relacionar com os outros;
partilhar recursos em comum e fornecer ajuda mútua;
aprender a tomar decisões acertadas e a resolver conflitos;
enfatizar práticas de saúde holísticas e preventivas;
fornecer trabalho significativo e subsistência para todos os membros;
permitir que crianças, idosos e grupos marginais vivam uma vida plena;
promover educação inacabável;
encorajar a união através do respeito pelas diferenças;
promover a expressão cultural;
economia verde.

Ramificações econômicas

O cenário econômico das ecovilas é freqüentemente projetado para acomodar uma vida social
e familiar acolhedora ao reduzir as necessidades financeiras e permitir mudanças no meio de
vida. O indivíduo pode economizar o tempo que estaria em trânsito para o trabalho
procurando emprego mais perto de casa, ainda que isso signifique uma renda menor e uma
redução de horas de trabalho. Isso, por sua vez, permite que tenha mais tempo para a vida
familiar e social e pode abrir caminho para a montagem de um negócio local. Na prática, esse
cenário em geral significa a adoção de princípios de simplicidade voluntária, com um
aumento progressivo da integração entre trabalho e vida privada e a criação de ocupações que
forneçam uma renda dentro da própria comunidade. A auto-suficiência parcial em termos de
produção local de alimentos e energia – associada com uma poderosa rede comunitária –
fornece um senso de segurança adicional para indivíduos e grupos para que ousem apoiar
mudanças no cenário econômico. Algumas vezes a comunidade ajuda no lançamento de
novos empreendimentos, ao apoiar seus criadores durante começos difíceis. Em muitos casos,
a criação de um sistema econômico alternativo pode dar à ecovila mais independência em
relação aos sistemas globais e fortalecer a comunidade. Economias alternativas são quase
sempre baseadas nos princípios de doação e troca, desta maneira diretamente ligadas a
parâmetros e valores sociais.

Os princípios econômicos que mantêm as ecovilas abrangem:


moedas complementares (sistemas LETS, favores entre amigos, moeda da ecovila);
bancos alternativos;
simplicidade voluntária;
atividades locais que geram renda (negócios verdes, consultorias);
economia informal expandida (refeições comunitárias, serviços).

A dimensão cultural-espiritual de uma ecovila


Ao integrar os princípios culturais e espirituais em sua estrutura, muitas ecovilas intencionais
refletem o renascimento de tradições culturais de todo o mundo, e se voltam para um estilo de
vida em que a harmonia entre todos os seres e a nossa Terra se torna a espinha dorsal do dia-
a-dia. As ecovilas encarnam um senso de unidade com o mundo natural. Elas adotam o
reconhecimento da vida humana e da Terra como parte de um cosmos maior. Algumas
ecovilas optam por um caminho espiritual bem definido, mas muitas não dão ênfase a
quaisquer práticas espirituais. Quando, no entanto, se observa os ciclos naturais, quando há
respeito pela Terra e todos os seres vivos, a tendência é manter, recriar ou ainda encontrar
novas expressões culturais da conexão humana com a Natureza e o universo.

Cultura e espiritualidade são expressas das seguintes maneiras:


com a adoção de um senso de alegria e integração através de rituais e celebrações segundo
ciclos naturais (por exemplo, enfeitar os mastros no mês de maio, uma tradição no hemisfério
Norte, festas de colheitas, de alto verão)
ao ressaltar a criatividade e as artes enquanto expressão de união e inter-relação com o
universo;
ao expressar uma visão mundial espiritual de conexão global;
com o respeito ao fato de que a espiritualidade se manifesta de muitas maneiras;
com o respeito à expressão de diferentes culturas;
ao facilitar o aprimoramento pessoal e práticas espirituais integrais.

Vilas tradicionais

No hemisfério Norte, a maioria das ecovilas é de natureza intencional, em que há tentativas


de reconstruir comunidades a partir de esboços baseados em um objetivo escolhido
(ecológico, social e/ou cultural-espiritual). No Sul, de 50 a 75% da população ainda vivem
em vilas em que a estrutura social, cultural e espiritual se mantém intacta, e onde seus
habitantes sobrevivem quase todos numa economia de subsistência (amparada por uma
produção agrícola auto-suficiente). E os fazendeiros são cada vez mais forçados a trocar
policulturas por monoculturas.

O conceito de ecovila fornece alternativas viáveis para o êxodo populacional e a crescente


tendência à monocultura no hemisfério Sul: com redes de vilas (por exemplo, no Sri Lanka,
no Senegal, em Burkina Faso e na Índia), e cada vez mais governos tentando integrar os
princípios das ecovilas às estruturas tradicionais dos vilarejos, para alcançar uma forma local
de desenvolvimento sustentável que atenda às necessidades básicas da população com
recursos locais, enquanto que, ao mesmo tempo, se adaptam a exigências mais modernas e
novas demandas de mercado.

Por causa de sua configuração singular, abrimos um capítulo apenas para as ecovilas do
hemisfério Sul (veja na página ).

(legenda página 11)


Na ecovila Torri Superiore, na Itália, membros da comunidade e voluntários ajudam a restaurar o teto de uma
casa no alto de uma colina, passando de mão em mão, de etapa em etapa, os materiais de construção: são os
princípios do trabalho em comunidade. Foto: Torri Superiore.

(legenda página 12)

Abaixo: pintura retratando Fjordvang, na Dinamarca, onde nasceu a Rede Global de Ecovilas (GEN) em
desenho de Hildur Jackson. Copyright: Hildur Jackson.

Padrões de projetos de ecovilas


Hildur Jackson

O foco em uma ou mais das três dimensões resulta em diferentes padrões de projetos de
ecovilas.

Em outras palavras, a motivação das pessoas ao construir uma vila vai determinar em grande
parte o projeto a ser escolhido:

Ecovilas orientadas para a ecologia começam a partir da perspectiva do desenvolvimento de


um estilo de vida de baixo impacto, freqüentemente com a restauração da Terra. É cada vez
mais comum a utilização de análises de permacultura para estudar o meio ambiente e planejar
a futura ecovila. Os projetos de permacultura incluem localizações de acordo com as quatro
direções, exposição ao sol e ao vento, observação e utilização de água da chuva, capacidade
para armazenar água, etc. A localização e a arquitetura das casas são decididas com base
nessas observações e em outros princípios ecológicos. O mesmo se aplica na localização de
atividades e métodos de produção de alimentos, de energia, de tratamento de água,
reciclagem de lixo, negócios verdes e todo e qualquer processo de construção. A vila de
permacultura de Crystal Waters, na Austrália, é um exemplo de ecovila inspirada na ecologia
e baseada na permacultura. Foi amplamente projetada para preservar e recuperar o meio
ambiente. Alguns projetos norte-americanos usaram a permacultura como princípio
organizacional (veja os recursos à página ). Outras ecovilas misturaram projetos de
permacultura com elementos sociais ou espirituais (Hertha, Munksogaard). O mais
importante é lembrar que cada projeto tem que definir claramente suas prioridades.

A vila com motivação social tem como centro e foco principal uma casa comunitária. As
moradias são construídas perto umas das outras em uma rua ou caminho ou ainda ao redor de
áreas comuns (playgrounds ou terraços). Freqüentemente as casas são divididas em grupos
para que haja mais interação e vida comunitária em cada grupo. Neste tipo de ecovila, os
carros são mantidos do lado de fora da entrada. As casas típicas não têm mais que um ou dois
andares. Ecovilas de inspiração social são construídas em grande parte a partir dos mesmos
princípios, incluindo outros aspectos. Em Hertha, na Dinamarca (inspirada da filosofia de
Rudolf Steiner), toda vida é baseada na integração social invertida, onde as pessoas
“normais” se integram às vidas dos jovens deficientes mentais. As casas são construídas ao
redor das moradias do jovens e das áreas comunitárias (teatro, sala de reuniões, cozinha, sala
de refeições). Hertha mantém uma fazenda biodinâmica, uma padaria, um artesanato em prata
e um laboratório Steiner de pesquisas mantido pelos jovens e seus professores. Também
abriga o escritório da LOS, a Associação Dinamarquesa das Ecovilas. O local é um bom
exemplo de como uma estrutura social provoca impacto, ou mesmo gera um cenário
econômico que funciona bem para seus moradores. Da mesma forma, Zegg, na Alemanha, é
famosa por suas experiências sociais. As mulheres de Zegg pesquisaram o espírito da
feminilidade em comunidade. A ecovila também enfatiza a criação de filhos em comunidade.
Uma ecovila irmã de Zegg, Tamera, em Portugal, enfatiza a criação de biótopos de cura e
processos de paz (veja Tamera na página ).
As ecovilas com ênfase na dimensão cultural podem optar por ter um teatro no meio da
comunidade (Huehuecoyotl, no México, construída por artistas) ou alguma outra espécie de
salão para celebrações culturais (para dança, música, arte e comemorações sazonais). Em
vilas tradicionais do hemisfério Sul, freqüentemente há um local central para encontros (uma
árvore, um poço, um salão de festas), onde os moradores vão em busca de conselhos dos
idosos, ou contam histórias que são passadas de geração em geração, ou fazem festas (por
exemplo, festivais das estações). Nas vilas tradicionais da Escandinávia, a igreja (espiritual),
a hospedaria (social) e o salão de reuniões (cultural) foram construídos perto do poço
comunitário.

As ecovilas orientadas para a espiritualidade podem ser construídas ao redor de um local


para meditação, de fácil acesso para todos. Isso acontece em Auroville, na Índia, que tem
como centro o Matrimandir, que inclui um centro de meditação e salas de reuniões. Peter
Dawkins, na Inglaterra, propõe uma linha de análise de energia (templos misturados à
paisagem como estruturas de chakras) como padrão para distribuir as diferentes funções na
comunidade e uma maneira de construir conforme leis espirituais e naturais. O templo
subterrâneo de Damanhur fica numa montanha especial onde se cruzam três linhas de
energia, o que ajuda a melhorar a comunicação de todo o mundo. Alguns grupos espirituais
(Maharishi) querem construir a vila na forma de uma mandala. Para muitas vilas culturais e
espirituais, é importante incorporar os princípios de Vastu Sastra (arquitetura indiana), de
Feng Shui e outros sistemas com projetos semelhantes.

Na hora de começar uma ecovila, não importa qual a ênfase principal - o fato é que nada é
certo ou errado. Esta introdução pretende apenas ajudar a esclarecer o que a pessoa acha que
tem importância e a manter em mente que é preciso um projeto cuidadoso para um
desenvolvimento orgânico sólido a longo prazo. Muitas ecovilas começam com estruturas já
existentes (construções, proximidade de um vilarejo, vizinhança de uma cidade) e condições
planejadas, ou outros fatores que vão determinar, de certa forma, seu padrão de
desenvolvimento. Em muitos casos, as diferenças entre idéias e a realidade impõem restrições
na hora de realizar os projetos originais. O mais importante, no entanto, é fazer com que o
processo flua da melhor maneira possível e é neste ponto que podemos aprender com a
experiência dos outros. Assimilar experiências e ouvir conselho dos veteranos pode nos
ajudar a acelerar o processo na hora de estabelecer comunidades sustentáveis. Nos dias de
hoje, há muito terreno fértil para a expansão de modos de vida sustentáveis. Enquanto,
tempos atrás, o conceito de ecovila era visto como uma aventura meio marginal de poucos,
agora começa a ganhar impulso e a ser adotado por um número cada vez maior de pessoas em
todo o mundo. Estamos aos poucos chegando ao advento da idéia principal de uma ecovila,
uma forma de comunidade sustentável que harmoniza exigências modernas e meios de vida,
e nos conecta com todo e qualquer tipo de vida. Existe uma expressão do antigo ponto de
vista holográfico que diz que cada parte é reflexo do todo (microcosmo-macrocosmo): da
mesma forma, o microcosmo da ecovila começa a refletir a necessidade urgente do
macrocosmo do mundo em redesenhar nossa realidade mais de acordo com as necessidades
humanas básicas e as leis da existência.
(legendas página 14)

As páginas e mostram mapas, projetos e tabelas de energia que ilustram as abordagens para o
planejamento de uma ecovila.
À esquerda: planta da ecovila Hertha, na Dinamarca, baseada nos princípios sociais de Rudolf Steiner
(Antroposofia). O projeto mostra as áreas residenciais no centro, circundadas por apartamentos de aluguel e
casas particulares. O resto da área é reservado para agricultura biodinâmica. Ilustração: cortesia LOS.

Página à direita, acima: mapa de Auroville, na Índia.


Abaixo, à esquerda: mapa da Europa, mostrando dois dos maiores sistemas de energia – Grail Temple (à
esquerda) e Heartline of the Bull (à direita). Há ainda um sistema de energia que cruza a Europa, de Santiago
de Compostela ao Mar Negro.
Abaixo, à direita: os princípios de Zoence, desenvolvidos por Peter Dawkins, em Findhorn, na Escócia –
mostrando um duplo sistema de chacras.

Página : o biótopo de Tamera, em Portugal.


Página : projeto de permacultura da ecovila Thlolego, na África do Sul.

(legendas página 15)

Mapa de Auroville, na Índia (2 km2), com Matrimandir – um centro de meditação com 12


construções sob a forma de pétalas ao seu redor. Veja também à página .

Sistemas de energia na Europa

Sistemas de chacras em Findhorn, na Escócia

(legendas página 16)

Tamera, Portugal
Veja também às páginas

1.Centro de hospedagens com recepção, acomodação para visitantes (10 quartos, banheiros e sala
comunitária), camping e piscina.
Planejados: grande área para recepção e salão de reuniões, cafeteria e livraria, hospedaria com 30
camas e uma área de ashram.

2.Área jovem com facilidades para acampar, cozinha ao ar livre, pérgulas, construção em forma de
abóbada 0=6m para um Internet café de jovens.
Planejados: casa para jovens com salas de seminários e reuniões, dormitórios, pequenas unidades
residenciais.

3.Ashram político: centro espiritual Casa de Akron e Escola Mirja; prédio de IGF; o Disco (pérgula
para 250 pessoas); bauhütte (oficinas, escritórios de planejamento e área para reuniões), Café Tesla
(estúdio de artes).
Planejados: jardim para retiro, Salão Universal, área com construções e esculturas como o Globo
Geomântico, a Escultura Hiperbólica, a escultura “de Ovo”, piscinas, esculturas com manifestações
artísticas de natureza universal e um centro renovador de artes.
4.Área de trabalho com pagode (grande tenda para reuniões), pequenas construções com cafeteria,
escritórios, barracas e área para caravanas residenciais.
Planejados: unidades residenciais para grupos com até 30 pessoas; pequenas unidades residenciais e
uma casa para crianças; áreas para escritórios e reuniões; jardins e terraços.

5.Área residencial com pavilhões octogonais, cozinhas de verão, galeria ao ar livre, piscina.

6.Oficinas para carpintaria, metalurgia e consertos; prédio ecológico; enfermaria para plantas.

7.Santuário: grande lago para natação.


Planejados: centro de saúde com salas para tratamentos, salas coletivas, barracas para retiro; pequena
“capela”.

8.Fonte-oráculo e bosque de oliveiras com local de reuniões e prédio comunitário; Parque dos
Desejos (bosque de oliveiras) e Fonte-oráculo.
Jardim da Paz com jardim em bosque (em construção)

O biótopo curativo de Tamera, em Portugal, foi iniciado pelos membros e fundadores da comunidade
Zegg, na Alemanha. Um biótopo curativo é “uma comunidade de seres humanos, animais e plantas
cujas relações são baseadas na confiança, na cooperação e no apoio material”. Os criadores do
projeto baseiam seus atos “na hipótese de que um pequeno número de centros como este será
suficiente para estabelecer um campo global de cura”. Tamera ocupa 134 hectares de terras no
Alentejo, sul de Portugal. Tem duas nascentes de água potável, lagos, bosques de árvores frutíferas e
terras cultiváveis. Mapa e informações do livreto “Healing biotope I – Tamera”
Copyright Tamera.
tamera@mail.telepac.pt
www.tamera.org

(legenda página 17)

Instituto e detalhes da vila

A dimensão ecológica das ecovilas


Permacultura

A permacultura é cada vez mais usada como base para o projeto de ecovilas, assentamentos,
bairros e outras comunidades. Bill Mollison, o pai da permacultura, define o conceito desta
maneira: “Perma (nente) (agri) cultura é o projeto conscencioso e a manutenção de
ecossistemas agricolamente produtivos, que têm a diversidade, a estabilidade e a capacidade
de recuperação de ecossistemas naturais. É a integração harmônica da paisagem e das
pessoas, fornecendo comida, energia, abrigo e outras necessidades materiais e não-
materiais de maneira sustentável. Sem a agricultura permanente, não há possibilidade de
uma ordem social estável”. (Do livro em inglês “Permaculture: a designer´s manual”)
Permacultura tem tanto a ver com projetos benéficos quanto com valores e ética e a tomada
de “decisão de assumir responsabilidade pela nossa própria existência e pela de nossos
filhos”. Bill Mollison

Projeto de permacultura: filosofia e prática

Jan Martin Bang

Jan Martin Bang desenvolveu o conceito dos kibutzim verdes em Israel. Ele vive atualmente
na comunidade Solborg Camphill, na Noruega. É fundador da Escola Bridge Building (de
construções e projetos ecológicos, em português, Escola de Construção de Pontes))
juntamente com o arquiteto e construtor Rolf Jacobsen (veja à página ).

Introduzida na Tasmânia por Bill Mollison nos anos 70, a permacultura logo se popularizou
como uma maneira de planejar pequenas propriedades na Austrália, e desde então vem se
desenvolvendo como um sistema mundial de projetos, usado por planejadores em alguns
casos famosos como os de Village Homes, na Califórnia, e Crystal Waters, na Austrália. O
surgimento de um conceito de ecovila no início dos anos 90 se deu em um momento quando
a permacultura já tinha se desenvolvido o suficiente para contribuir significativamente com o
planejamento delas.

Permacultura tem a ver com projetos de assentamentos humanos sustentáveis. É uma


abordagem filosófica e prática para o uso da terra integrada ao micro-clima, plantas
funcionais, animais, solo, gerenciamento de água e necessidades humanas por meio de
sistemas interconectados e altamente produtivos. Permacultura significa pensar
cuidadosamente sobre o meio ambiente, o uso de recursos e de que maneira atender nossas
necessidades. Visa criar sistemas que resistam não apenas no presente, mas também no
futuro. A idéia é cooperar com a Natureza e com os outros, cuidar da Terra e das pessoas e
apresentar uma abordagem que projete ambientes com diversidade, estabilidade e capacidade
de recuperação rápida dos ecossistemas, ao regenerar terra danificada e preservar ambientes
que ainda estejam intactos. Permacultura é o projeto correto baseado em éticas corretas. Tem
sido usado em todo o mundo para planejar construções, fazendas, jardins e vilas, assim como
em projetos de negócios, industriais, organizacionais, sociais e educacionais.
Quando se fala em planejar a terra, a permacultura usa a idéia de Zoneamento, depois
modificada para Setores e Vetores. O Zoneamento é baseado na necessidade de localizar
atividades em círculos concêntricos e sensíveis, sendo que as mais intensivas devem estar
mais próximas das moradias, e as menos usadas ou visitadas, mais distantes. Segundo
Rosemary Morrow:

Zona 1: moradias e hortas (de segurança)


Zona 2: espaços públicos fechados e pomares
Zona 3: grandes espaços abertos e jardins comunitários
Zona 4: reservas, florestas combustíveis, proteção contra o vento, etc
Zona 5: corredores de vida selvagem, santuários de plantas nativas

As divisões são partes desses círculos e têm atributos específicos, de forma por exemplo que
o sol geralmente venha do Sul para o Norte, a direção de vento mais comum, as áreas de risco
de incêndio perto do local. Vetores são fluxos dinâmicos que cortam as divisões anteriores,
como por exemplo cursos de água, estradas ou caminhos já existentes ou planejados,
corredores de vida selvagem e as colinas e montanhas do local.

A ideologia coletiva da comunidade em questão tem que determinar primeiramente o layout


físico. Gostaria de ilustrar isso comparando o planejamento da ecovila de Clil, na Galiléia,
Israel, com o de um kibutz verde.

Clil é uma pequena vila de 170 habitantes assentados originalmente 25 anos atrás. Foi
inspirada por ideais como o pacifismo de Mahatma Gandhi, produção de alimentos
orgânicos, independência, espiritualidade e auto-suficiência. Os membros de Clil não
queriam usar modelos já existentes de comunidades rurais, na época disponíveis em Israel, e
foram muito bem-sucedidos no desenvolvimento de um estilo próprio. Hoje, cada família é
responsável pela construção e manutenção de sua propriedade, e o foco central da
comunidade se limitou às estradas comuns, um jardim de infância e à total tomada de
decisões sobre assuntos como o tamanho da vila e a admissão de novos moradores. Neste
caso, o conceito de zoneamento da permacultura tem relevância apenas no nível doméstico,
enquanto a localização de cada moradia depende em grande parte de terra disponível. Clil
pode ser entendida como um agrupamento de zonas, em que há a recusa deliberada de seus
moradores de aplicar qualquer conceito de amplo planejamento de uma vila como um todo.

No sistema dos kibutzim, o planejamento da comunidade como um todo sempre foi


fundamental. A família, individualmente, historicamente tem menor importância. Em grande
parte da história dos kibutzim, as crianças viveram e foram educadas separadas dos pais,
sendo que ainda hoje a maior parte das refeições é feita no salão comunitário. Com exceção
de uns poucos metros quadrados de jardim particular diante de cada moradia, não poderíamos
aplicar o conceito de Zoneamento em relação às casas de cada membro do kibutz. O conceito
de Zoneamento deve ser aplicado à comunidade como um todo. Considerando o início
extremamente radical da sociedade em kibutzim, ainda que com as mudanças feitas hoje em
dia – em direção a mais autonomia das famílias -, devemos ver um kibutz como um grande
lar, com as devidas implicações do Zoneamento.
Antes de falarmos do planejamento propriamente dito dentro do conceito de Zoneamento,
temos primeiro que definir nossos ideais, objetivos e parâmetros sociais enquanto
comunidade e enquanto indivíduos na comunidade. Isso tudo vai se refletir nas estruturas
físicas.

Jan Martin Bang brobbygg@start.no

Zona 0 Zona 1 Zona 2


novas plantas jardim doméstico viveiro de plantas pomar
lago de peixes galinhas lago
cabras

Zona 3 Zona 4 Zona 5


celeiro área de fazenda floresta-combustível meio ambiente natural:
animais* pastos forragem e recreação
esterco
armazenamento de água

*para venda ou troca

Ilustração: Karen Svensson

A ilustração mostra as zonas definidas pela permacultura, segundo os princípios de Bill Mollison (do livro
“Permaculture: a designer´s manual”). Zona 0 é a área da moradia (com componentes como uma estufa, teto
cultivado, jardins suspensos, etc). Zona 1 compreende tudo de que se necessita no dia-a-dia, e que fica
localizado a seis metros da casa: caixas para galinhas botarem ovos, jardins podados e com cobertura (onde se
pode produzir grande parte dos alimentos necessários à vida), tanques para guardar água de chuva. Zona 2 é o
local para jardins sem tanta cobertura e que não precisam de cuidados diários, além de plantações, galinhas e
outras aves, pequenos lagos, forragem para uso doméstico, um pomar caseiro. Zona 3 é a área de fazenda para
as plantações comerciais e animais para venda ou troca, reserva de esterco, depósitos maiores para o
armazenamento de água, celeiros e pequenas árvores podadas. Zona 4 é o limite com as áreas naturais que não
necessitam de cuidados (floresta, área de vida selvagem). Ali ainda se trabalha (floresta-combustível para uso
doméstico, pastos, árvores sem poda). As represas podem ser localizadas nesta zona, com o bombeamento de
água para outras zonas. Zona 5 é o meio ambiente natural, para forragem e recreação. Segundo Bill Mollison,
esta área “é o local onde aprendemos as regras que vamos aplicar em outras” (do livro “Permaculture: a
designer´s manual”).

Permacultura para o projeto de ecovilas


Max Lindeger

Max Lindegger é o presidente da GEN e um dos maiores professores e consultores de


permacultura do mundo. Ele vive na premiada ecovila Crystal Waters, na Austrália, que
ajudou a fundar. É o coordenador regional da Global Ecovillage Network (GEN, em
português, Rede Global de Ecovilas) para a Oceania e a Ásia, e dá cursos de
sustentabilidade ecológica, projetos para ecovilas e permacultura. Ele já levou até hoje sua
experiência para mais de 35 países em todo o mundo. Neste artigo, ele explica os princípios
da observação do local, observação de tributação e projetos ligados aos princípios da
permacultura sob a ótica do meio ambiente e da criação de ecovilas.

“Nossa habilidade para mudar a face da Terra aumenta numa velocidade maior que nossa
habilidade para prever as conseqüências de tais mudanças.”
De “Permacultura”, de Bill Mollison, 1990

“Trabalhe com a natureza, e não contra ela.”


Bill Mollison

Acredito que os princípios citados acima são um bom começo para um projeto de ecovila.
Eles nos fazem lembrar que as ecovilas e o desenvolvimento verde têm um impacto no meio
ambiente, e que esse impacto pode ser negativo se não houver um planejamento para se
trabalhar a favor da natureza; que o desenvolvimento em si pode não ser mau, na medida em
que as coisas positivas se sobreponham às negativas. Se quisermos nos assegurar de que as
mudanças que fazemos afetam positivamente o meio ambiente, é importante termos uma boa
compreensão dos princípios que norteiam os projetos ecológicos, reconhecermos as leis da
Natureza, percebermos o que não sabemos e perguntarmos aos outros; da mesma forma que
aprendermos com os erros dos outros para que não tenhamos que repeti-los. Um razoável
conhecimento dos princípios da engenharia é útil, assim como a compreensão dos processos
naturais. Projetar ecovilas, no entanto, não é necessariamente mais fácil para um expert que
para um novato. Os pré-requisitos mais benéficos são uma compreensão razoável da maior
parte das disciplinas que envolvem um projeto e o entendimento de que os diferentes
aspectos de um projeto devem estar ligados entre si. Provavelmente os atributos mais
benéficos entre todos são uma boa capacidade de observação e a disposição para trabalhar
com outros em grupo. Alguns indivíduos podem ocasionalmente se tornar a inspiração de
uma ecovila, mas eles raramente projetam e executam o projeto (eles freqüentemente
fornecem inspiração, mas não a transpiração!). A execução é mais um processo do grupo. No
caso de Crystal Waters, o grupo central é formado por Robert Tap, Geoff Young, Barry
Goodman e por mim (Max Lindegger). Muitos outros ajudaram com conselhos e sugestões,
ou apenas se ofereceram como “caixas de ressonância”.

Observação:
Descobri que a observação é o elemento mais importante para a criação de um projeto
ecológico bem fundamentado. Isso leva tempo. Infelizmente, neste mundo que vive em
função dos lucros, tempo é dinheiro e mais tempo significa potencialmente menos lucros.
Mas não seria razoável insistir que mais tempo de observação pode levar a um melhor
resultado, e, potencialmente, a mais lucros? Observar é a habilidade de ver os resultados e
fazer o processo funcionar. É também uma questão de somar dois mais dois e enxergar uma
solução. Sob o subtítulo de “Observação”, eu também incluiria a tarefa de pesquisar um
pedaço de terra, sua história, conversar com os vizinhos e pessoas de habilidades diversas.
Muitas observações podem ser feitas com facilidade, como por exemplo as variações de
temperatura entre as estações, o fluxo de um rio, o PH de um solo, velocidade do vento e
índice pluviométrico. Mas não podemos parar nessas medições básicas. Ao fazê-las, estamos
misturando nossas tintas, mas ainda não começamos a pintar. Estamos observando, mas ainda
não estamos planejando. Se partirmos para a ação depressa demais, diminuindo a etapa de
observação, e pulando uma etapa de planejamento, vamos nos arrepender mais tarde. Por
exemplo, será tarde demais quando a primeira construção ficar pronta e descobrirmos que o
solo não tem como absorver o lixo, ou quando reutilizarmos velhas construções e
descobrirmos que foi uma má idéia porque elas estavam contaminadas com asbestos.
Também há o risco de provocarmos desastres, de que talvez nunca venhamos a saber. Se
nunca observarmos uma coruja cinzenta, pode ser que nunca saibamos se destruímos seu
habitat. Se nunca testarmos a saúde de nossos rios e córregos, não saberemos se o poluímos.
Eu poderia dar vários outros exemplos. A etapa de observação em Crystal Waters levou nove
meses de trabalho em meio período. Não espere que os sítios de Brownfield levem menos
tempo ou sejam mais baratos – por exemplo, os testes nos locais de provas dos Jogos
Olímpicos de 2000 em Sydney, Austrália, custaram uma fortuna.

Apuração de resultados da observação:


“Há no caos uma oportunidade inigualável para que se crie uma ordem criativa.”
Bill Mollison

A coleta de dados resultantes da observação pode ser um tanto confusa. Podemos encontrar
informações que aparentemente se contradizem (por exemplo, muitos predadores e grande
quantidade de vítimas em potencial). Para algumas observações, talvez nunca cheguemos a
uma explicação, enquanto que, em outras, acabamos enxergando um padrão.

Seria bobagem descartar informações simplesmente porque elas não fazem sentido num
determinado momento. Isso pode ser uma indicação de que precisamos de mais informações.
Neste ponto é importante classificar tudo o que levantamos para que possa ser usado
facilmente. Nosso método preferido é o que chamamos de “coberturas de valores”, explicado
em detalhes por McHarg (veja, de McHarg, “Design with Nature”). O processo pode ser bem
simples ou tão detalhado e complexo quanto se queira. No caso da vila Crystal Waters,
usamos relativamente poucas “camadas”, mas achamos que eram o suficiente para começar o
projeto. Levantamos as seguintes informações:

Inclinação – mapeamos áreas com inclinação maior que 30% como favoráveis apenas para
florestas e pastagens restritas. Declives com inclinação de 20 a 30% têm, no nosso ponto de
vista, algumas limitações para a construção de estradas e o escoamento de água, mas são
apropriadas para florestas e reflorestamento cuidadoso. Áreas com inclinação entre 3 e 20%
são consideradas apropriadas para a construção de estradas e edificações em geral. Toda
atividade agrícola deve levar em consideração o potencial de erosão da área. Declives com
até 3% de inclinação provavelmente não são muito adequadas para drenagem de superfície,
mas são apropriados para estradas, construções e agricultura.
Hidrologia – aqui, as áreas sujeitas a enchentes são excluídas do desenvolvimento. Os
córregos e rios devem ser destacados claramente e áreas intermediárias estabelecidas de
maneira precisa. (Neste caso, de 20 a 25 metros a partir do nível mais alto das águas de
represas e lagos e 25 metros do centro de córregos sazonais.) A “cobertura” de hidrologia
também estabelece um padrão social e espiritual. O acesso a toda a água deve ser público
(nunca privativo) - um fato que tem hoje em dia grande efeito na maneira como os moradores
se preocupam com a água.

Vegetação – um mapa da vegetação será sempre razoavelmente generalizado, mas deve


estabelecer a localização de comunidades específicas de plantas. No caso de Crystal Waters,
diferenciamos plantações ribeirinhas de campos abertos com poucas árvores de florestas
plantadas e de ravinas úmidas (pequenos vales). O mapa da vegetação também deve
estabelecer a existência de qualquer espécie rara ou ameaçada de extinção.

Vida selvagem – aqui existe uma excelente oportunidade para se estabelecer a diversidade e
saúde da vida selvagem, assim como também a existência de água, habitat e locais adequados
para procriação. Não é tarefa fácil, mas corredores de vida selvagem ou áreas de vôos devem,
se possível, ser mapeados.

Agricultura – é essencial que os locais para a produção de alimentos de qualidade sejam


mapeados e preservados não apenas nas áreas verdes, mas – e talvez ainda mais importantes
– também nas áreas chamadas de marrons. Nós geralmente diferenciamos as diversas
qualidades de solo.

A lista acima não tem a pretensão de ser a mais completa, com informações importantes ou
críticas que devem ser mapeadas, mas acredito que uma coisa deve ser enfatizada. McHarg
sugere que muitos outros valores devem ser considerados no mapeamento, como por exemplo
geologia, drenagem, terra em uso, pontos históricos, associações ecológicas, tabela de água –
isso só para mencionar alguns.

Ao marcar as áreas impróprias para o desenvolvimento com cor escura, o conjuntos de várias
coberturas vai mostrar um acúmulo de todas as áreas escuras e, se colocadas sobre uma caixa
clara, as áreas próprias para o desenvolvimento serão mantidas claras. Chamo isso de
“janela”. Ela mostra a área que, por todos os nossos critérios, é apropriada para o
desenvolvimento.

A etapa do projeto
Neste ponto já devemos ter uma boa compreensão da terra em questão, sua força e seus
desafios. A tarefa de entender as necessidades e os desejos das pessoas que vão viver na
ecovila é igualmente importante, e este processo não é fácil, já que as faces dos futuros
moradores ainda não são conhecidas. Em Crystal Waters fizemos pesquisas de mercado,
levantamentos e nossas próprias reuniões de brainstorming com um grupo de pessoas para
poder ter uma boa idéia sobre como nós, planejadores, poderíamos provocar bons efeitos nos
aspectos sociais da vila e acompanhar sua evolução até o desenvolvimento de uma
comunidade.
Gostaria de dividir o processo em, pelo menos, duas etapas – uma para um esboço e, depois,
um detalhado processo que leve ao projeto final. É importante que a etapa do esboço evite os
detalhamentos, mas que seja clara com relação ao traçado básico da terra e das localizações
de infraestruturas. Aqui também alguns critérios devem ser levados em consideração:

Traçado da terra: se a terra tem face para o Norte, qual a inclinação, tamanho, etc. Em Crystal
Waters, por exemplo, usamos 16 itens para o traçado do terreno.

Estradas: qual a largura que devem ter, que materiais serão usados, que velocidades máximas
deverão ser estabelecidas, etc. No caso de Crystal Waters, nossas estradas têm um máximo de
3,60 metros, e foram usados na construção diversos materiais locais.

Água: qual o volume necessário (para hidrantes, reservatórios de água potável, etc). Crystal
Waters tem a água bombeada dos córregos para toda a vila. Temos um hidrante de incêndio
localizado entre cada duas casas. Cada moradia é responsável por sua própria água potável
(normalmente usa-se água de chuva recolhida nos telhados).

Outros elementos incluem a energia (elétrica, a gás, solar), água não-potável, caminhos
internos, represas e lagos, telecomunicações e outros aspectos, que formam a infraestrutura.

No momento em que fizemos o projeto e, depois, na implementação, criamos um folheto, “O


relatório conceitual de Crystal Waters” (que mostra muitos dos princípios e da filosofia
aplicados ao projeto) e o “Manual do proprietário de Crystal Waters” (que tinha uma pequena
descrição de como ser um administrador da terra e como fazer o melhor uso do meio
ambiente e do clima).

Projeto final
O projeto deve ser algo mais do que um desenho com lindas figuras. Deve ser bem
apresentado e mostrar como unir os vários conceitos e idéias em um todo. Podemos chamá-lo
de projeto holístico. Cada elemento deve ter um motivo para estar ali, algo que tenha sido
pensado e pesado. Em resumo, as conexões entre os elementos serão o fator de sucesso ou
fracasso do projeto – a conexão de um corredor para a vida selvagem da área dos habitats
para a beira da água, evitar cruzamentos desnecessários de padrões naturais (rios, cômoros,
vales) com fluxos não-naturais (estradas, escoamentos), e a acomodação de seres humanos no
cenário sem que a área de vida selvagem seja destruída.

Uma série de fotografias aéreas tiradas a intervalos de 5 anos ou pouco mais deve mostrar
como o projeto se desenvolve. Um projeto como uma ecovila não termina nunca – as pessoas
vêm e vão, a tecnologia avança e pede mudanças.

Um projeto bem planejado quase que certamente evitará os grandes erros, mas não é garantia
de felicidade imediata, iluminação espiritual ou enriquecimento constante. Se dermos, no
entanto, o primeiro passo de maneira segura, o passo seguinte pode ser um pouquinho mais
fácil.... em direção a um enriquecimento, à saúde e felicidade.lindegger@gen-oceania.org
(legendas páginas 21, 22 e 23)
Crystal Waters Vila de permacultura, Austrália

A vila de permacultura Crystal Waters é uma ecovila várias vezes premiada que fica em Queensland,
na Austrália. Foi criada em 1987 por um grupo de pioneiros, entre eles o especialista em permacultura
Max Lindegger. Crystal Waters se espalha por 83 lotes, que ocupam 20% da propriedade de 259
hectares. Ela abriga vários e diversos tipos de negócios que vão de uma fábrica de produção de queijo
a uma consultoria de projetos de ecovilas. Estudantes de todo o mundo se matriculam nos cursos de
projetos de ecovilas de Universidade de Crystal Waters, que recentemente expandiu seu território com
uma área para educação ecológica que inclui painéis solares para demonstração e sistemas de
tratamento de lixo. www.ecovillages.org/australia/crystalwaters
Fotos: cortesia Max e Trudi Lindegger, Val Oliver

Acima, da esquerda para a direita: casas nos primeiros tempos. À direita: foto recente da casa de cima, à
esquerda, mostrando como a terra árida se tornou exuberante.
À esquerda: casa de terra batina em forma de domo com lago (veja a foto mais antiga acima, à esquerda). À
direita: voluntários trabalhando no campo.

Abaixo: o café de Crystal Waters. Na parte inferior: comemoração do aniversário de Dave, o mais antigo
residente de Crystal Waters. Na parte inferior à direita: estudantes apreciam os girassóis.

Uma horta em permacultura usa uma combinação de plantas de maneira a conseguir o maior equilíbrio
possível. Esta é uma horta de verduras e ervas em Fjordvang, Dinamarca.

Sentir a Natureza ao estar nela.

Estudantes da Universidade Luterana Kyushu, do Japão, aprendem permacultura e projetos de ecovilas em


Crystal Waters. Fotos: Max Lindegger.

Terra nativa, Biodiversidade, Restauração da Terra


Estamos cada vez mais conscientes de que a restauração da Terra é uma necessidade
urgente por toda parte para preservar e recuperar nossos recursos naturais depois de
séculos de abandono. Esta é uma atividade que as pessoas de todo o mundo podem integrar
em seu dia-a-dia com intensidades variadas, e que é uma das motivações mais essenciais na
criação das ecovilas. Em Auroville, na Índia, mais de 2 milhões de árvores foram plantadas
nos últimos 20 anos. A Fundação Findhorn, na Escócia, com Alan Featherstone à frente,
ganhou inúmeros prêmios pelo trabalho na restauração da Terra. O projeto “Trees for life”
(Árvores para a vida), de Featherstone, propôs que as Nações Unidas declarem o século XXI
o Século da Restauração da Terra. Hanne Marstrand-Strong, da Fundação Manitou, no
Colorado, EUA, fundou uma Unidade de Restauração da Terra para o treinamento de
sustentabilidade. Ela diz que as ecovilas, através de uma combinação bem-sucedida de
restauração da Terra e sistemas sociais sustentáveis, mostram à próxima geração como
viver, se a humanidade sobreviver.

Restaurar a Terra é Viver para o Todo

Entrevista com Hanne Marstrand-Strong

(legenda da foto)
Hanne Marstrand-Strong (no centro), rodeada por um grupo de jovens estudantes da Unidade de Restauração da
Terra no Colorado.
Foto: cortesia de Hanne Marstrand-Strong para ERC.

Hildur Jackson e Karen Svensson

Hanne Marstrand-Strong diz que praticar a restauração da Terra não é apenas necessário
para curar os males que fizemos a ela, mas é também uma maneira de encontrarmos nossa
própria identidade. É o primeiro passo para aprendermos onde nos situamos no universo.
Hanne defende o ensino da restauração da Terra nos quatro cantos do planeta, e vê as
ecovilas como um campo perfeito para esse aprendizado. Parte obrigatória do treinamento
em restauração da Terra é o acesso à vida selvagem e aos biótopos naturais de cura, para
que as pessoas entrem em contato com a Mãe Natureza. Isso existe em muitas ecovilas. A
Unidade de Restauração da Terra é uma iniciativa educacional que criada por Hanne há 10
anos como uma proposta alternativa para o serviço militar e uma forma de criar empregos
para jovens homens e mulheres, em especial no hemisfério Sul.

Hanne Marstran-Strong:
A Terra nos dá tudo, tudo vem dela. Se você vive de maneira a destruir aquela que lhe dá
tudo, isso não parece muito inteligente. A humanidade está basicamente cometendo um
suicídio: estamos matando o ar, estamos matando a água, tudo o que nos dá vida estamos
matando com nosso próprio comportamento... Nos últimos 60 anos, que é meu tempo de vida
até agora, matamos grande parte do que a Mãe Natureza levou 100 milhões de anos para
criar. Precisamos começar a restaurar o planeta em grande escala.
Vamos encarar o fato de que fomos todos apanhados pelo sistema: temos que pagar impostos,
seguros... Mas tem que haver uma alternativa para esse sistema que está destruindo o planeta.
Isso foi uma coisa que eu vi em Auroville e em ecovilas de outras partes do mundo: gente
disposta a reduzir seus meios de vida, viver apenas com as necessidades básicas supridas,
aumentar seus níveis de consciência. As ecovilas são o terreno perfeito para o treinamento da
restauração da Terra. Tudo o que precisamos ensinar está ali, inclusive uma nova estrutura
social em que cada pessoa se sinta parte de um todo.

Este novo sistema social em que cada um vive para o todo é a chave da compreensão. Neste
momento, cada um vive para si mesmo. O egoísmo e a ignorância são o problema -
ignorância diante da grande perda do universo, da grande perda da Natureza. Essa é a
ganância trazida pelo egoísmo: ganância por todas as coisas de que não precisamos, ganância
pelo poder, ganância pelo dinheiro... Temos que abraçar toda a família, o universo, a Terra.
Viver em um novo sistema social (nas ecovilas) nos leva a isso.

Pergunta: Como fazemos para restaurar a Terra?


Hanne Marstran-Strong:
Minha esperança são os jovens. Eles terão que promover as mudanças, e por isso têm que ser
bem informados. Este foi o motivo pelo qual criamos a Unidade de Restauração da Terra. O
programa educativo da Unidade consiste de três partes:

1.Você aprende a restaurar a si mesmo: sua consciência, sua moral, sua ética. E aprende qual
o seu lugar no universo. Promovemos retiros para que as pessoas encontrem o que há nelas e
não para colocarmos coisas de fora para dentro. Isso é o que significa educar. Usamos um
antigo método dos nativos americanos: a busca da visão que estabelece conexão com a Mãe
Natureza e com todo o universo. Você entra em contato com a Natureza sem comida nem
água. Você reza, chora e se torna mais humilde. A arrogância desaparece. Todas as estruturas
rígidas se quebram. Algumas vezes leva até quatro dias para que a pessoa tenha uma visão.

2.Você aprende como restaurar ecossistemas destruídos – florestas, solos, água e o ar. Isso
precisa ser feito em todo o planeta. Permacultura é uma boa base filosófica e prática para se
conseguir isso.

3.Você descobre quais formas de vida para a próxima geração não destruirão mais os
ecossistemas. Temos que ensinar agricultura orgânica, construções naturais e energia
renovável. Nos próximos 15 ou 20 anos, 1 milhão e 700 mil novos empregos serão criados
com a energia alternativa dos moinhos. A energia solar vai produzir dez vezes mais! Durante
30 anos, viajei por todo o planeta. Vi legiões de jovens saírem de universidade com apenas 10
mil novos empregos disponíveis. Nas Filipinas, 65% dos jovens não têm emprego. Os jovens
estão sendo treinados em todo o mundo para empregos que nunca vão conseguir, e aqueles
que conseguirem, vão trabalhar em empregos que destruirão tudo o que nos dá vida. É aí que
muitos jovens acabam envolvidos com drogas, crime (terrorismo) ou se tornam grileiros. A
única conclusão a que posso chegar é: temos que treinar os jovens de outra maneira. Meu
conselho para eles é: estamos numa corrida sem controle algum. Vocês, jovens, têm muito a
dar. A restauração da Terra vai fazê-los mudar a maneira de pensar. Depois de um programa
de restauração no Colorado, vários estudantes do Japão – todos os que vieram, sem exceção –
se comprometeram a trabalhar num local em que pudessem restaurar a Natureza ou ao menos
onde não destruíssem nada.

Pergunta: Como o currículo das ecovilas se encaixa nas suas idéias?


Hanne: De maneira brilhante. Precisamos de um grande fundo para ajudar as comunidades a
instalar um programa educacional e adaptar os currículos. A primeira coisa que temos que
fazer é treinar instrutores. Precisamos de instrutores em larga escala e temos que nos
concentrar nisso.

Pergunta: Como levantamos fundos para isso?


Hanne: A curto prazo, os dias das fundações estão quase esgotados. Podemos levantar fundos
com grandes e sólidas empresas ecológicas. Temos que nos tornar cada vez mais originais na
hora de captar recursos. Os países terão que abrir mão de suas forças armadas e criar
alternativas. O dinheiro terá que ser redirecionado – de armamentos e outras áreas destrutivas
para a restauração da Terra.

Veja o sistema de saúde pública, por exemplo. A doença é um direito econômico nos dias de
hoje. Mas temos que torná-lo mais econômico para que seja saudável. Temos que ensinar
medicina preventiva. As pessoas têm que aprender a tomar conta da própria saúde. Aí então o
dinheiro gasto no sistema de saúde pode ser deslocado para outra área.

O futuro está em tirar o dinheiro de coisas que não funcionam e ainda destroem nosso mundo
e redirecioná-lo para a restauração da Terra. Para isso, precisamos pressionar as pessoas.
Primeiro as pessoas têm que mudar. Os governos e corporações vão mudar apenas se as
pessoas mudarem.
erc@manitou.org

(legendas página 25)

Unidade de Restauração da Terra e Manitou, EUA

Crestone, no estado americano do Colorado, é a sede da Fundação Manitou e da Unidade de


Restauração da Terra. A Fundação sustenta um assentamento multi-religioso, construído com base em
princípios ecológicos e iniciado por Hanne Marstrand-Strong, que também criou a Unidade de
Restauração da Terra (em inglês, Earth Restoration Corps, ERC). A ERC é uma iniciativa educacional
estabelecida 10 anos atrás como uma proposta alternativa ao serviço militar e uma maneira de criar
empregos para os jovens – especialmente os do hemisfério Sul. Ela oferece treinamento em
restauração da Terra a jovens que queiram aprender como criar um modo de vida mais sustentável
nesta Terra.

Fotos: acima: um grupo de estudantes da ERC em uma expedição em terras nativas do Colorado. Para muitos
deles, foi a primeira vez em que se viram sozinhos junto à Natureza. Foto: Peter Engberg. À esquerda: um
grupo de estudantes japoneses da ERC e seus instrutores posando com mochilas. Foto: Peter Engberg. Abaixo,
à esquerda: Hanne Marstrand-Strong (no centro) com moradores do assentamento Manitou. Foto: cortesia
Hanne Marstrand-Strong. Abaixo: domo zen na Fundação Manitou. Foto: cortesia Hanne Marstrand-Strong.
Na parte inferior: a casa zen na Fundação Manitou. Foto: Peter Engberg.
(página 27)

Campo em Portugal. Foto: Peter Engberg.

Dez princípios de restauração da Terra

Alan Watson Featherstone

Alan Watson Featherstone, da comunidade Findhorn, na Escócia, vê a restauração da Terra


em grande escala com uma necessidade maior em todo o mundo. Ele propôs às Nações
Unidas que declare o século XXI como o Século da Restauração da Terra, para catalisar o
processo. “Se levarmos em conta o nível dos problemas ambientais no mundo hoje, a
restauração dos ecossistemas destruídos vai levar pelo menos 100 anos”, diz ele. Este artigo
introduz os princípios da restauração ecológica sob o ponto de vista dele. Alan Featherstone
é fundador do projeto “Trees for life” (“Árvores para a vida”), um programa
conservacionista escocês que se dedica à regeneração e restauração da floresta Caledoniana
nas Highlands (Terras Altas) da Escócia. “Trees for life” recebeu inúmeros prêmios,
inclusive o Millenium Marque, em 2000. Foi declarado Projeto de Conservação do ano de
1991 na Grã-Bretanha pelo trabalho de ajudar a restaurar ecossistemas destruídos.

1.Imite a Natureza sempre que possível


Um exemplo simples deste princípio envolve nosso programa de plantação de árvores em
Glen Affric, na Escócia. Sob circunstâncias normais, as árvores de uma floresta se
regenerariam sozinhas, mas o excesso de pastagens artificiais mantidas pelos interesses
humanos impede que isso aconteça. Portanto, quando plantamos árvores, nós trabalhamos
com padrões que imitam a distribuição de árvores novas naturalmente regeneradas em
ravinas, e nos mesmos tipos de solo e topografia em que as árvores cresceriam por si sós.

2.Trabalhe fora de áreas de força, onde o ecossistema está mais perto de suas condições
normais.
Isso facilita a dispersão de insetos, animais, sementes de plantas, etc, nas áreas próximas que
estiverem sendo restauradas, e minimiza a quantidade de intervenção humana, que é
necessária. Em Glen Affric, a cerca de Coille Ruigh na Cuileige é um cercado que protege
uma área de 50 hectares na periferia do que restou da floresta Caledoniana, onde árvores
adultas foram uma fonte de sementes para cerca de 100 mil novos pinhos regenerados do lado
de dentro da cerca, eliminando a necessidade de plantar novas árvores na área.

3.Dê especial atenção a espécies-mães (keystone species)


Na biologia conservacionista, estas espécies têm um papel essencial, crítico, nos
ecossistemas, e delas dependem outras espécies. Se um ecossistema puder retornar a um
estado em que elas floresçam, então todas as demais, que dependem delas, serão
beneficiadas. No lado Norte da floresta Caledoniana, como na área de pinhos de Glen Affric,
concentramos os pinhos escoceses como espécie-mãe, e descobrimos que toda a comunidade
da floresta começou a se recuperar. Outro exemplo de uma espécie-mãe para ecossistemas
ribeirinhos (ou em marginais de rios) é o castor europeu, que com suas construções de
represas criam micro-habitats de águas paradas. Isso beneficia algumas espécies de peixes e
promove o crescimento da vegetação aquática que, por sua vez, fornece alimentos para
animais como o alce.

4.Utilize espécies pioneiras e sucessão natural para facilitar o processo de restauração.


Quando a comunidade de uma floresta coloniza uma área de terreno aberto, inicia-se um
processo de sucessão, que começará com espécies pioneiras. Elas são espécies típicas que
crescem rapidamente e têm vida curta, suas sementes se espalham por uma ampla área e
eventualmente abrem caminho para outras espécies de árvores, que crescem mais devagar e
vivem mais tempo. Nas florestas de pinhos, as principais árvores pioneiras são as bétulas, as
sorvas e os álamos, sendo que todos crescem rapidamente, mas vivem apenas cerca de 100
anos, em contraste com os pinhos escoceses, que crescem mais devagar e muito mais e
chegam a viver 350 anos. As árvores pioneiras tiram os nutrientes da terra, que depois voltam
ao solo da floresta quando as folhas caem a cada outono, desta maneira enriquecendo o solo
para as espécies sucessoras que vão precisar de mais nutrientes.

5.Recrie nichos ecológicos onde eles não existem mais.


Por exemplo, com a conversão de florestas naturais em plantações planejadas de árvores, em
diversas partes do mundo houve uma perda quase total de árvores mortas ainda em pé
(troncos) e de troncos caídos, que são considerados “inúteis” e removidos ou queimados para
abrir espaço para árvores “produtivas” em crescimento. Madeira morta sob a forma de
troncos, no entanto, fornece habitat para muitas espécies invertebradas que são componentes
essenciais do ecossistema da floresta, enquanto que os troncos ainda em pé servem de locais
para ninhos de várias espécies de pássaros.

6.Restabeleça laços ecológicos, reconecte os fios na teia da vida.


Um ecossistema é uma comunidade de espécies interdependentes, sendo que todas são
necessárias para a saúde e o perfeito funcionamento do todo. Quando ecossistemas se
degradam e se desfazem, muitos laços ou conexões ecológicas entre populações ou espécies
são rompidos. Um exemplo simples é o que restou da floresta Caledoniana: sobras
fragmentadas e isoladas, em alguns casos, só um punhado de árvores sobreviventes, um bolo
de genes do qual depende a saúde da espécie a longo prazo – o que é muito pouco.

7.Controle e/ou remova as espécies introduzidas.


As ilhas são particularmente muito vulneráveis às rupturas por causa de espécies
introduzidas: na ilhas Galápagos, por exemplo, as tartarugas gigantes endêmicas estão
seriamente ameaçadas por causa de cabritos, introduzidos na região, que comem seus ovos. O
controle ou, onde possível, a remoção de espécies introduzidas é um elemento importante,
essencial em qualquer programa de restauração de ecossistemas afetados por elas.

8.Remova ou reduza os fatores limitativos que impedem que a restauração se dê


naturalmente.
Nas Highlands (Terras Altas) da Escócia, o principal fator limitativo que impede que a
floresta Caledoniana se regenere por si só é o número excessivo de herbívoros que pastam,
como os veados vermelhos e os carneiros, que comem todas as novas árvores que crescem
sobre o solo. A redução do número de animais que pastam é melhor técnica para a
regeneração da floresta do que a construção de cercas para os veados, extensas, feias e caras.
9.Deixe a Natureza fazer a maior parte do trabalho.
Estamos introduzindo este princípio no nosso trabalho através do estabelecimento de
pequenos bolsões ou ilhas de novas florestas em locais estratégicos nas paisagens nuas de
West Affric e outras áreas. Quando as árvores entrarem na fase de dar sementes, vamos
confiar na regeneração natural para recuperar a floresta fora da área de exclusão, assumindo
que nesse ínterim o número de veados e carneiros já diminuiu. Desta maneira estaremos
dando o pontapé inicial no processo de restauração e, depois, deixando que ele se desenvolva
sozinho.

10.O amor tem efeito benéfico em todo tipo de vida.


Este é provavelmente o único princípio excepcional, que usamos no projeto Trees for Life, e
que tem origem nos primórdios da experiência do jardim inicial da comunidade Findhorn nos
anos 60. Ao trabalhar com amor e respeito, em colaboração com a Natureza, os jardineiros
conseguiram cultivar vegetais e flores excepcionalmente grandes. Qualquer pessoa que tiver
um “dedo verde” e cultivar em casa belas plantas ou verduras sabe o que isso significa. Este
princípio sustenta todo o nosso trabalho, já que sabemos que o amor alimenta a força da vida
e o espírito de todos os seres, além de ser um fator significativo para curar o planeta. Em
algumas áreas de Glen Affric, encontramos novos pinhos crescendo nos locais mais
improváveis e sabemos que, de certa maneira, isso está ligado à qualidade do amor que nós e
outras pessoas levamos para o trabalho de restauração por lá.

trees@findhorn.org
www.treesforlife.org.uk ou www.restore-earth.org

(legenda página 28)

Menina na floresta da ilha Kauai.Foto: Peter Engberg.

(legenda página 29)

Acima: a casa de Cláudio Madaune, na Colômbia. Foto: Kailash.


A restauração da Terra na Colômbia

Claudio Madaune

Claudio Madaune é membro-fundador da reserva natural e ecovila de Sasardi, na região de


Darlen, Colômbia. Ele praticou e ensinou a restauração da Terra com grande sucesso nessa
remota região, e conseguiu transmitir aos habitantes locais assim como aos visitantes o
sentido de uma rica herança natural e mostrar como preservá-la e regenerá-la.

A fundação Darién foi criada em 1993 na Colômbia, a partir dos esforços da reserva e ecovila
de Sasardi. Os membros da ecovila se instalaram na região em 1985, depois de optar por uma
vida sustentável no meio da floresta tropical, para preservar os recursos naturais e construir
uma auto-suficiência baseada em princípios conservacionistas. Eles trabalharam com
programas de educação de maneira informal com crianças e adultos das comunidades locais,
trocaram conhecimento, experiências e sonhos, estimularam as pessoas a internalizar valores
humanos como a unidade, a solidariedade, o respeito por todos os seres vivos, a
sensibilidade, a auto-estima, além de processos organizacionais, e ajudaram-nos a reconhecer
em tudo o que os cercava uma região especial e muito importante com uma vida selvagem
única e sua própria diversidade cultural.

A região biogeográfica de Chocó é uma das áreas de maior biodiversidade em todo o mundo
e seus ecossistemas estão ameaçados por uma séria degeneração. Os sistemas produtivos
impostos pela cultura extrativista dominante são originários do interior do país.
Macroprojetos de desenvolvimento como a estrada Panamericana, o canal interoceânico e a
construção de portos internacionais, planejados para a região, vão contribuir com as
influências destrutivas do meio ambiente e com a crítica situação social local (ainda mais
crítica por causa da presença de grupos clandestinos armados que lutam pelo controle da
região).

Diante dessas circunstâncias, o grupo de Sasardi criou a fundação Darién, para iniciar um
processo participativo com os moradores locais que visa não apenas preservar e restaurar o
meio ambiente, mas também promover meios sustentáveis de desenvolvimento que vão
elevar as condições de vida e dar melhores condições para a restauração da Terra. A
abordagem holística e integrada usada em vários projetos e programas inter-relacionados nos
permitiu alcançar metas muito significativas.

Alcançamos as seguintes metas:


Educação ambiental envolvendo escolas locais, moradores e visitantes, que promoveu um
alto senso de envolvimento e ajudou as pessoas a valorizar e respeitar a Natureza ao redor
delas. Alguns exemplos são: workshops feitos por pessoas ligadas a cura e médicos locais,
que transmitiram conhecimento tradicional e ensinaram o valor das espécies da flora, o
reconhecimento de plantas medicinais, como cuidar delas e como usá-las; projetos de jogos
didáticos que entretêm e divertem as crianças com informações locais para ensinar sobre o
meio ambiente, a cultura e a situação geral da região; publicação de um boletim com
informações práticas e atividades relacionadas com temas ambientais e sociais, aberto a
artigos dos moradores locais – o boletim se chama “Sementes ao vento”, referindo-se ao
plantio de muitas sementes cheias de vida e paz, com o desejo de que cresçam em toda a
região. Viagens de reciclagem com as crianças, para ensiná-las a ver os problemas causados
pelo mau gerenciamento ambiental.
Manufatura de artesanato com materiais locais como forma de produção alternativa, que usa
com vantagens recursos naturais da floresta de maneira sustentável. Usamos as sobras de
podas de boa madeira tropical e muitas sementes da floresta, e fazemos brincos, pulseiras,
colares, entalhes de figuras de animais e acessórios de madeira para cozinha. Também
produzimos bolsas e cestas a partir de fibras naturais das palmeiras.
Estabelecimento de projetos-piloto para alimentar os peixes e os animais, selvagens e
domesticados; pesquisa do uso de espécies locais promissoras (ou seja, espécies selvagens
que podem ser usadas para fins comerciais com boa possibilidade de geração de renda: flores
ou frutos nativos, essências de óleos de árvores e plantas), como modelos alternativos de
produção.
Promoção de uma reserva natural particular, as “reservas naturais da sociedade civil”. Foi
criada uma rede de ONGs regionais chamada “Rede regional de reservas naturais UNGANDI
no Chocoano Darién” (“Red regional de reservas naturales UNGANDI em el Darién
Chocoano”). Ela reúne quase 40 reservas naturais, que cobrem, juntas, 2 mil hectares na
região de Darién, para a preservação dos ecossistemas locais, gerenciamento sustentável dos
recursos naturais, observação das configurações dos corredores biológicos, e facilitação de
ações conjuntas num nível biorregional para proteger o meio ambiente ao redor da área do
golfo de Urabá. A reserva integrada de Sasardi é uma das fundadoras e membros da “Rede
nacional de reservas naturais da sociedade civil” (Rede nacional colombiana de reservas
naturais da sociedade civil).
Pesquisa etno-botânica com parteiras locais e pessoas ligadas à medicina, identificando
espécies de plantas usadas para fins medicinais e reproduzindo o conhecimento tradicional
sobre o uso de plantas que curam e previnem doenças, ou salvam vidas humanas (por
exemplo, depois de picadas de cobras).
Programa de proteção para as tartarugas marinhas de casco de couro (dermochelys coriacea);
atividades que promovem a educação ambiental e respeitam todas as formas de vida. A
apropriação do processo pela comunidade local através de atividades culturais e recreativas
deu resultados valiosos: músicas sobre as tartarugas marinhas com ritmos diferentes e feitas
pelos moradores locais, grafites e desenhos e até um monumento à tartaruga são alguns
exemplos concretos desse processo cultural e ambiental na cidade central de Acandi; ruas e
várias lojas hoje levam o nome das tartarugas marinhas, e todo ano a cidade escolhe a rainha
das tartarugas marinhas entre as meninas do local com idades entre seis e dez anos, durante
um incrível festival ecológico e cultural. Além disso, foram incentivadas novas alternativas
de produção sustentável para diminuir o consumo de ovos de tartaruga. Também foram
incentivadas pesquisas sobre os ciclos de vida da tartaruga marinha. Numa parceria entre os
moradores locais e as autoridades (o Ministério do Meio Ambiente) foram declaradas áreas
de proteção para o refúgio e nascimento e áreas especiais de gerenciamento, sendo que esses
locais ganharam status legal com a participação da população.
Acampamento internacional de trabalho voluntário, com diversas atividades como: plantação
de árvores nativas, gerenciamento de lixo, implementação de tecnologias apropriadas (junto
com a população local), partilha e trocas culturais. Esses acampamentos foram coordenados
com o Serviço Civil Internacional (SCI) e outras organizações semelhantes, que trazem
jovens da Europa para viver e trabalhar conosco. As pessoas vêm trabalhar em teses de
doutorado e pesquisas, e compartilham nossa maneira de viver (por exemplo, como
estagiários).
Programas de ecoturismo como comunidades locais, como alternativa às atividades de trocas
culturais e educacionais entre moradores locais e visitantes, o que ajuda as pessoas a
tornarem suas vidas mais naturais.

Facilitar os processos comunitários com uma visão integrada – através da educação, produção
alternativa e sustentável, gerenciamento correto de reservas naturais e esforços de
organização originada na população – ajuda as pessoas a apreciar a biodiversidade de suas
regiões e entender a importância da mudança de atitude de cada indivíduo em relação a todas
as formas de vida, do fortalecimento da relação entre seres humanos e a Natureza e da
tomada de medidas concretas para restaurar a Mãe Natureza.

fundarien@edatel.net.co
ecoaldeasnsa@hotmail.com
ena.ecovillage.org/Region/SudamericaNorte/Ecovillage/lareserva
Reservas naturais privadas: www.resnatur.org.co

(legendas página 30)

Fotos desta página: cortesia de Claudio Madaune. Acima, no sentido horário, a partir da esquerda: jovens
rainhas das tartarugas; o ensino junto à Natureza; treinamento em permacultura; artesanato; flora local;
escalada à cachoeira.
Produção local de alimentos orgânicos, Consumo e Circulação

Produção de alimentos: local e em projetos de ecovilas

Introdução

Hildur Jackson

O desejo das pessoas de produzir seus próprios alimentos nasce de uma necessidade humana
básica de ter contato com a Natureza, de prover para si mesmo e de desempenhar um papel
ativo e responsável em seu meio ambiente natural. Essa necessidade pode ser atendida de
várias maneiras, cultivando seus próprios jardins (inclusive em telhados), dividindo um
pedaço de terra com outros, ou plantando verduras e frutas em uma comunidade ou ecovilla.

Se considerarmos o estado dos agronegócios nos dias de hoje, teremos ainda mais motivos
para tornar local a produção de alimentos frescos e aumentar nosso nível de auto-suficiência.
A deterioração da indústria alimentícia, as doenças que atingem o gado e a modificação
genética de plantas aceleraram a necessidade de alternativas para as formas atuais de
agricultura industrializada.

No hemisfério Norte, as fazendas se tornaram imensas e produzem quantidades exorbitantes


de apenas um tipo de cultura e de maneira controversa (por exemplo, usando sementes
geneticamente modificadas e pesticidas). A reversão para um padrão de produção
ecologicamente mais saudável envolveria a mudança para novos sistemas ou a divisão de
fazendas em pequenas chácaras novamente.

No hemisfério Sul, a terra é dividida em áreas para culturas de subsistência e áreas para
culturas de exportação. Culturas de exportação (monoculturas como o amendoim) vêm
ocupando uma porcentagem cada vez maior da terra, mesmo que as pesquisas mostrem que
as pequenas áreas freqüentemente são muito produtivas e suprem todas as necessidades
básicas dos fazendeiros.

Por todo o planeta, o medo do terrorismo pode influenciar os políticos a começar a pensar em
termos de segurança alimentar de novo.

Baseados nesses dados, seria benéfico que cada biorregião se empenhasse pela auto-
suficiência na produção de alimentos frescos locais e começasse a pensar em exportar
colheitas e fibras para outras regiões ou países apenas quando tivesse alcançado um nível
adequado de auto-suficiência local. Isso é mais verdadeiro se aplicado a países ameaçados
pela seca, escassez de comida e água, onde deveria haver uma política oficial para exportação
se quiserem manter ou restabelecer os recursos locais.

Foram feitos relativamente poucos testes e experiências em locais com sistemas de produção
local e integrada de alimentos e há campo para incríveis experiências para se encontrar
alternativas aos atuais modelos. As ecovilas fornecem uma boa estrutura para esse tipo de
pesquisa. Na inscrição para um concurso dinamarquês que identificará a melhor comunidade
sustentável do século XXI, o grupo de uma ecovila na Dinamarca propôs que se junte uma
fazenda orgânica com uma ecovila, de maneira a produzir alimentos para a auto-suficiência e
também bons produtos para o mercado externo. Esta é uma possibilidade de modelo
alternativo. Se uma ecovila tiver terra suficiente para que dois fazendeiros vivam de seus
produtos, pode se tornar atraente como uma alternativa de trabalho às práticas atuais de
agronegócios.

Exemplos interessantes de alternativas para os atuais modelos agrícolas são oferecidos por:
Community Supported Agriculture (CSA, ou, em português, Agricultura Promovida pela
Comunidade), que ganhou força em muitos países como uma maneira de se conseguir um
suprimento maior de alimentos frescos locais (veja à página ) e a Integrated
Renewable Energy Farm (IREF, ou, em português, Fazenda de Energia Integrada Renovável),
um novo conceito projetado por El Bassam em Dedelsdorf, Alemanha, que integra energia
renovável com agricultura orgânica no nível das vilas. A organização trabalha para integrar
uma floresta-combustível, culturas perpétuas de energia, culturas de combustível (para
automóveis), culturas de alimentos para animais, cereais, culturas de açúcar, apicultura,
frutas, verduras, especiarias e ervas medicinais, criação de aves, ovelhas, pastagens, áreas de
forragem, cultivo de flores e um lago de peixes. Moinhos de vento, foto-voltaicos, energia
solar e biogás para suprir energia. O projeto é multifacetado de maneira singular (veja à
página ).

Muitos projetos, no entanto, tiveram decepções com sistemas de produção de alimentos e não
conseguiram aperfeiçoá-los como gostariam.

Peter Harper (Centro de Tecnologia Alternativa, Gales, Grã-Bretanha) e Bo Laessoe


(Svanhom, Dinamarca) nos falam de suas experiências nos artigos seguintes.
A importância da permacultura

Um curso sobre permacultura responde a muitas questões sobre projetos de sistemas de


alimentos para novas ecovilas, e é altamente recomendado. Vai ajudá-lo a decidir que tipo de
cultura vai manter ou quais animais quer tirar da lista dos essenciais que mostramos a seguir,
e onde colocar as diferentes áreas em seu projeto:

1.Ervas e flores para cozinhar, para infusões e outras finalidades médicas: isso se origina nas
tradições monásticas. Uma ecovila sem ervas é difícil de imaginar. Idem em relação às flores.
2.Áreas de frutos silvestres: groselha, vacínios e framboesas são naturais de climas
temperados, onde crescem com facilidade, podem ser congelados e preservados. Frutos de
roseiras (rosehips) podem ser incluídos nessa categoria.
3.Árvores frutíferas também são necessárias nas ecovilas e freqüentemente são as primeiras a
serem plantadas.
4.Cinturões de abrigos com uma grande variedade de espécies de árvores.
5.Diferentes espécies de salgueiros são fáceis de plantar (quase sempre de 10 a 15 espécies,
com troncos de cores diferentes). Eles são freqüentemente colocados perto dos sistemas de
tratamento de água, onde a água reciclada fornece alimento para essas árvores de rápido
crescimento. A fabricação de cestas se torna cada vez mais popular e é um hobby útil e
significativo. É um tema comum nos cursos.
6.Árvores que produzam nozes, castanhas e amêndoas são boas para fazer cercas vivas e
muito apreciadas pelas crianças.
7.Bambu é útil para construções e fabricação de móveis, entre outras utilidades.
8.Árvores de forragem e oliveiras são parte da vegetação natural em climas subtropicais.
9.Verduras são cultivadas na maioria das ecovilas, tanto em projetos coletivos como
individualmente.
10.Galinhas quase sempre ficam perto das hortas, em função da sinergia existente: elas se
alimentam das sobras das hortas e produzem esterco. Elas precisam se alimentar duas vezes
por dia e devem ficar perto das casas.
11.Abelhas devem ficar perto das ervas, dos cinturões de abrigos (florações) ou em uma área
nativa.
12.Ao olhar para projetos já existentes, você verá que freqüentemente terá que escolher se
manterá animais ou não, que animais terá e para quais finalidades. Vacas por causa do leite e
do queijo e ovelhas por causa da lã são as opções mais comuns; da mesma forma que
galinhas por causa dos ovos; e cavalos, do transporte, também são comuns; cães e gatos
podem não ser bem-vindos porque espantam animais selvagens; já animais para o consumo
de carne não são muito aceitos e podem criar muitos problemas.
13.Áreas nativas, áreas de restauração da Terra e áreas para meditação devem ser definidas.

As culturas e os animais mencionados acima ficam quase sempre de fora da economia formal
de uma ecovila, e desta maneira encarados como ocupações de lazer. Se alguém opta por uma
intensa atividade agrícola, a ecovila precisará de mais terra e recursos (tempo e dinheiro), e
terá que considerar a atividade como trabalho, que deverá ser remunerados de maneira
correspondente (veja os artigos seguintes). É possível que, no futuro, mais projetos queiram
deixar a produção de alimentos de fora dos cálculos econômicos.
A lavoura do futuro: produção sem desperdício
Nossos campos dão generosamente uma grande quantidade de produtos. O conceito de desperdício
não existe. Cada elo da corrente serve de base para nova produção que cobre as necessidades básicas
de alimentos, roupas, energia, luz e máquinas, etc. A longo prazo, qualquer sistema de cultivo deve
estabelecer um equilíbrio entre o que é recuperado e o que deve voltar ao ciclo. Água limpa de fonte e
uma camada de húmus vivo são metas por si próprias e os meios para se recriar a necessária
sustentabilidade. O novo sistema, abaixo, foi planejado pelo Centro Popular Dinamarquês de Energia
Alternativa. Ele inclui certos componentes que já estão desenvolvidos, como, por exemplo, técnicas
de biogás e métodos auto-suficientes que usam proteínas e petróleo. Esses sistemas ainda devem ser
mais desenvolvidos, para que possam fornecer uma alternativa às monoculturas dominantes nos dias
de hoje e que produzem um equilíbrio energético negativo. Gráfico: copyright Folkcenter for
Vedvarende Energi, Thy, Dinamarca.

(página 33)

Acima: o conceito de uma Fazenda Integrada de Energia Renovável (IREF, sigla para o nome, em
inglês: Integrated Renewable Energy Farm) foi planejado por El Bassam em Dedelsdorf, Alemanha,
em cooperação com o Centro Popular Dinamarquês de Energia Alternativa. IREF é um modelo de
sistema agrícola com excelente nível de autonomia energética, incluindo produção de alimentos e, se
possível, exportação de energia. A produção e o consumo de energia na IREF não devem ser
prejudiciais ao meio ambiente, e sim sustentáveis e se possível baseados principalmente em fontes de
energia renováveis. O conceito de IREF inclui uma combinação de diferentes possibilidades na
produção de energias não-poluentes, como, por exemplo, eólica ou solar, ou ainda a partir da
biomassa. Também deve prever uma área descentralizada de moradias em que as necessidades diárias
(alimentos e energia) podem ser produzidas diretamente no local, com um mínimo de entradas de
energia externa. A terra em uma IREF pode ser dividida em áreas para o plantio de culturas de
alimentos, árvores frutíferas, culturas de energia anuais ou perpétuas e florestas de curta rotatividade,
junto com unidades de energia eólica e solar, tudo dentro da fazenda. Gráfico: copyright IREF by El
Bassam

À esquerda: um estábulo projetado pela arquiteta Ane Orum para o gado de sua fazenda em Ero, na
Dinamarca. A construção, luminosa e compartimentada, é um estábulo funcional (no caso, para 40
vacas e seus bezerros). O modelo criou a possibilidade de áreas de apoio dos dois lados. Nesta figura,
pode-se ver a cumeeira com a estocagem de grãos e uma área de rolamento abaixo. Se se precisar de
mudanças, a área menor pode ser facilmente adaptada para outros fins, como, por exemplo, para
acomodação.
Foto e desenho: Anne Orum

À direita: galinheiro em Fjordvang, Dinamarca. Foi construído num velho vagão e pode ser deslocado
quando necessário. Os ovos podem ser apanhados por fora, ao se abrir o tampo preto. O local é limpo
através de um tampo que pode ser aberto do outro lado. Esterco é retirado dos coletadores sob as
estacas diretamente para os carrinhos de mão para ser utilizado em hortas ou estufas. Estacas são
colocadas com pequenos intervalos do lado de fora, e são usadas pelas galinhas para entrar no
galinheiro à noite (altura de 180 cm).

Projeto: Hildur Jackson e Peter Schmidt-Jensen


Foto: Hildur Jackson
Produção auto-suficiente de alimentos: conselho de um veterano

Entrevista com Peter Harper

Hildur Jackson

Peter Harper é o diretor do CAT (sigla em inglês para Center for Alternative Technology, ou
Centro de Tecnologia Alternativa, no País de Gales), um dos mais antigos centros de
demonstração deste tipo no mundo, situado no topo de uma pedreira de ardósia
abandonada. Jardineiro profissional e um pioneiro no cultivo local de alimentos frescos, ele
está em ótima posição para nos aconselhar sobre os sistemas de alimentos nas ecovilas.
Entrevistamos Peter na cúpula subterrânea do Folkecenter de Thy, Dinamarca, durante o
encontro dos Centros de Energia Renovável da Europa, no verão de 2001, de que
participaram 60 líderes internacionais no assunto.

Pergunta: Se um grupo de iniciadores de uma ecovila quiser um conselho sobre como criar
sistemas de produção local de alimentos frescos, o que você diria a eles?
Peter Harper: Eu começaria com uma pergunta: por que vocês querem fazer isso? Tenho
observado a auto-suficiência sob diversos ângulos nos últimos 30 anos. Parece muito
agradável e pode ser muito divertido, se não se levar muito a sério. Mas quando se quer
produzir alimentos em grande quantidade, chegamos à conclusão de que precisamos de muita
habilidade e tempo para desenvolver os recursos, e isso envolve muito trabalho pesado. Gente
no mundo inteiro abandona o trabalho agrícola porque não dá dinheiro suficiente se
comparado a outras fontes de renda. Isso nos diz alguma coisa sobre o mundo moderno. Em
termos de dinheiro, alimentos são uma parte relativamente pequena da nossa economia: uma
porcentagem menor do PIB e algo entre 10% e 15% dos gastos domésticos. Ainda que uma
casa ou uma comunidade possam produzir 100% de sua comida, isso cobriria
economicamente apenas uma pequena parte de seus gastos. Aí voltamos à questão: por que
fazer isso? Ou, pelo menos, por que fazer tanto?

“Em termos de dinheiro, alimentos são... algo entre 10% e 15% dos gastos
domésticos. Para mim, isso não tem a ver com economia... A coisa mais
importante é a diversão.”

Durante dois anos, estudei o cultivo de verduras na minha própria horta e anotei tudo. Como
sou jardineiro profissional, sei o que estou fazendo. Usei um terreno de 70 metros quadrados,
uma medida bastante comum em se tratando de hortas urbanas. O solo era bom e havia adubo
suficiente. A produção na região era de 20 toneladas por hectare, avaliadas em 15 mil libras
esterlinas (na época, cerca de 24 mil dólares), e maioria dos agricultores se sentiria muito
satisfeita com isso. Mas, na minha terra, o valor -depois de deduzidos os gastos - era de
apenas 6% do que eu gastava com comida e menos de 1% dos meus gastos domésticos. O
retorno do meu tempo de investimento era de cerca de 1,5 libra esterlina a hora (cerca de 2,4
dólares), que ao menos era positivo, mas muito baixo se comparado com outras coisas que eu
poderia estar fazendo. Eu gastava muito do meu tempo. Era razoável perguntar por que eu
estava fazendo tudo isso, quando o produtor orgânico local poderia fazer de maneira mais
eficiente....

Para mim não é uma questão econômica. Tem a ver com cultura e meio ambiente. Estou
tentado projetar uma horta com múltiplos objetivos que vai juntar funções ecológicas com a
maximização do valor da terra enquanto contribuinte de qualidade para o meio ambiente. A
coisa mais importante é a diversão. Isso pode surpreender, mas jardinagem é uma tremenda
fonte de força espiritual. Não existe hobby melhor. É barato. Mantém sua boa forma, física e
mentalmente. Pode se espalhar para o resto da família. Eu sempre insisto em fazer minhas
hortas acessíveis às crianças. E outras pessoas vêm para apreciá-las. Isso é uma alternativa
para passeios de compras, viagens de automóvel, e ainda tem um impacto positivo no meio
ambiente. As diversas atividades em um jardim ou uma horta comuns levam à biodiversidade,
especialmente se você usar práticas orgânicas e incluir um pequeno lago. Estranhamente, se
você abandonar a terra e deixá-la entregue à Natureza, normalmente vai haver uma queda na
biodiversidade.

O tratamento de lixo é provavelmente mais útil em termos ambientais do que a produção de


pequenas quantidades de alimentos. Algo entre 50% e 60% de todo o lixo doméstico é
biológico, o que é mais do que se normalmente imagina. E ele deve ser processado em casa,
na medida do possível. É importante que seu lixo biológico não acabe em um aterro. Isso faz
muita diferença. Jardins e hortas são bons para este tipo de lixo e tudo isso se soma à
biodiversidade.

“Pergunte a si mesmo: o que é que você pode produzir que seja diferente dos
fornecedores locais?... Eles não são bons na produção de vitaminas, minerais e
aromas. Então isto você pode fazer.”

O processamento de lixo gera muito adubo e você pode usá-lo para certas culturas de
alimentos. Como já disse anteriormente, apenas maximizar a quantidade da produção de
alimentos não é racional, então que tipo de produto você pode cultivar melhor? Pergunte a si
mesmo: o que é que você pode produzir que seja diferente dos fornecedores locais? Eles são
bons na produção de calorias baratas e proteínas. Eles não são bons na produção de
vitaminas, minerais e aromas. Então isto você pode fazer. Apenas uma pequena fração de
suas necessidades dietéticas não precisa ter essa qualidade, mas a maior parte das hortas
pode, sim, atender a essas necessidades. Encontre seus pontos fortes: com ervas, verduras e
substâncias frescas.

Eu penso, de maneira especial, nos micro-nutrientes. Elementos raros como o selênio e o


cobalto. Se estivermos adubando, devolvendo nutrientes ao solo, estaremos nos alimentando
e retirando dos alimentos a vitalidade correta. Poderemos precisar de alguns suplementos,
usando ocasionalmente adubos minerais para os minerais raros, mas, normalmente, ao
adicionar matéria orgânica da compostagem derivada de sobras de alimentos, isso nos dará
uma gama completa de minerais essenciais, e obteremos esses elementos raros através da
própria comida – muito melhor que tomar pílulas! O importante é saber que você não precisa
de muito, apenas pequenas e constantes quantidades, incluindo plantas selvagens comestíveis
e ervas daninhas.
Pergunta: Quer dizer que você pode economizar dinheiro não comprando vitaminas e outras
pílulas e provavelmente não precisando de médicos tantas vezes?Isso não deveria entrar nos
cálculos econômicos?

Peter: Você está absolutamente certo. Eu vivi no Irã durante alguns anos. Eles começam uma
refeição comendo várias verduras tiradas da horta, colocadas cruas na mesa (na verdade, era
no chão!). Eles me diziam sorrindo: “Estas são nossas pílulas de vitaminas”.

Mas se você quer provocar o maior impacto possível nos alimentos sustentáveis, ao observar
sua própria dieta provocará mais impacto do que se cultivar seus alimentos. Pouca carne (ou
nenhuma carne), alimentos orgânicos produzidos localmente, que passaram por um mínimo
de processamento: esta é a ecodieta. Boa para o planeta, boa para a sua saúde. Observe todo o
sistema de produção de alimentos na sua região e veja se pode encaixar sua própria produção
nele. Você deve conhecer os agricultores locais e evitar competir desnecessariamente com
eles.

Pergunta: Então qual é o seu conselho para a produção local de alimentos?

Peter:
1.Pesquisa. Pense em alguma coisa que não sabemos. Se quiser cultivar um produto, divida a
plantação em várias partes com tratamentos diferentes, registre os resultados e faça um
relatório. Você vai usar a produção para seu próprio consumo, mas avançará nos
conhecimentos. De outra forma, ficaremos repetindo eternamente os contos de fadas dos
agricultores dos anos 50.

2.Conservação de variedades raras e tipos especiais é muito importante, porque estamos


prestes a perdê-los. Isso é valioso para todo o mundo. Você pode adotar uma variedade e
cuidar dela, seja um banco de recursos.

3.Produza suas próprias variedades, adaptadas às condições locais, usando sementes de


plantas selecionadas e desenvolvendo aos poucos novas variedades.

4.Estocagem e preservação. Observe coisas fáceis e divertidas e que tenham um significado


cultural. Como geléias, bebidas feitas com flor do sabugueiro, pesto, sachês de lavanda. Você
pode produzi-los num ritual que é agradavelmente especial, como transformar abóboras em
luminárias no dia das bruxas (Halloween).

Pouca carne (ou nenhuma carne), alimentos orgânicos produzidos localmente,


que passaram por um mínimo de processamento: esta é a ecodieta.

Pergunta: Qual é o seu conselho para as pessoas do hemisfério Sul: como lidar com a auto-
suficiência versus se integrar ao mercado global?

Peter: Minha resposta talvez não seja o que você espera ouvir. Eu não acho que produzir
alimentos deva ter uma grande importância na nossa imaginação como pensávamos tempos
atrás. Tradicionalmente, idéias sobre a auto-suficiência obcecam todo mundo, mas há muitas
outras coisas que temos que fazer. Nas sociedades modernas, apenas uma pequena
porcentagem dos habitantes está envolvida na produção séria, correta de alimentos. Essas
pessoas fazem o trabalho adequadamente, profissionalmente, organicamente, com
sustentabilidade. Eu discordo dos que pensam que o Sul deve continuar sendo basicamente
uma economia de subsistência. Não acho que isso seja sustentável. Haverá progresso em
direção a uma espécie de sociedade moderna, muito mais especializada, na qual poucos
produzem alimentos e todos vivem vidas modernas, diversas umas das outras. Deve haver um
certo movimento de alimentos a longa distância. Acho que o chamado comércio justo é
importante, um trabalho de boas relações entre produtor e consumidor. Isso pode ajudar a
produzir um desenvolvimento rápido. Sei que aqui eu discordo de muitos outros pensadores
do movimento verde, mas eu realmente acredito que a modernidade, num amplo sentido, é o
único futuro possível. Não poderemos ter um mundo dividido em duas partes, uma afluente,
dinâmica e moderna, e a outra pobre, estática e tradicional. Na verdade, não queremos
transportar imensas quantidades de materiais maciços de um canto para outro do mundo.
Comercializar coisas leves, de alto valor, é bom e valoriza o local onde foram produzidas. A
maneira como o chocolate é produzido na Europa, por exemplo, deveria ser mudada. Mas,
por outro lado, um estudo dinamarquês mostra que menos energia é usada no transporte de
verduras de inverno da Itália até a Dinamarca do que se elas fossem produzidas em hortas
dinamarquesas. Isso é contraditório, mas temos que olhar para os números. Considerar apenas
o que chamam de milhas de alimentos (food-miles) não reflete com precisão os custos
energéticos ou ambientais. O embarque de batatas do Chipre, por exemplo, custa pouca
energia por tonelada.

Pergunta: Mas elas são transportadas via aérea! E o que dizer de todas as verduras frescas
de inverno que são produzidas nas Ilhas Canárias? A água é dessalinizada através de um
sistema feito com imensas turbinas movidas a energia eólica, e o produto cresce num solo
artificial com a utilização de muitos pesticidas.

Peter: Isso é muito complicado e não há uma única solução fácil. Acho que devemos
desenvolver altas normas sociais, ambientais, comerciais e orgânicas, etc, e ajudar os países a
se desenvolver para atingir essas normas. Não acho que devemos recolher a ponte levadiça e
nos recusar a manter laços comerciais.

Sobre modernização sustentável:

Peter: O grande problema é modernizar o mundo inteiro com sustentabilidade. As sociedades


tradicionais são sustentáveis, e as sociedades pós-modernas podem, em princípio, ser
sustentáveis também. Mas há as que ficam no meio (a maioria, nos dias de hoje) que –
esperamos que temporariamente – não são. Deixar algumas sociedades para trás não é nada
sustentável. Este é o século da transição e isto não é opcional! Será neste século que teremos
os maiores impactos ambientais antes que as coisas se acalmem. Alguns impactos são
irreversíveis e devemos prestar muita atenção a eles. São as mudanças climáticas, perdas de
espécies e seus habitats (biodiversidade), perdas de solos tropicais e água (poluída e
escasseando) em algumas áreas.

Estes temas são urgentes, mas outros problemas ambientais podem ser menores ou ainda
remediados no futuro. Pode haver casos de substituição de problemas irreversíveis por outros
menos urgentes e reversíveis, em uma espécie de saque temporário a descoberto para ajudar a
solucionar o problema. Podemos consertar esses problemas reversíveis mais tarde; no futuro,
afinal de contas, há muito tempo, desde que eles estejam em condições sustentáveis e não
deterioradas. Talvez tenhamos que fazer escolhas difíceis para alcançar esse estado estável,
sustentável, quando pudermos começar a consertar os erros do passado.

Center for Alternative Technology (Centro de Tecnologia Alternativa), País de Gales, GB


www.cat.org.uk
info@cat.org.uk

(legendas páginas 34 e 35)

Peter Harper. Foto: Hildur Jackson.

A horta em The Farm, no estado americano do Tenessee. Foto: GEN.


(pág 38)

Ecovila Svanholm, Dinamarca

Em 1978, a propriedade de Svanholm, com 400 hectares de terras, se transformou numa


comunidade agrícola tendo a economia ecológica, auto-suficiente e compartilhada como seu
principal objetivo. Hoje, os 70 adultos e 40 crianças que vivem em Svanholm avançaram no
longo caminho para realizar seu sonho. Svanhom abastece a região de Copenhagen (a capital)
com batatas, cenouras, cebolas e ervilhas congeladas – tudo ecológico. O projeto tem uma
fábrica de embalagens de frutas e verduras. Outros negócios em Svanholm são: produção de
refeições, de produtos lácteos (leite), uma fábrica de embalagem que fornece caixotes e
estrados de madeira feitos com madeira das árvores de lá. Outras atividades são: um moinho
de vento, o tratamento de água e lixo biológico, um estacionamento de automóveis com
oficina mecânica, um jardim de infância, uma cozinha comunitária onde uma equipe
permanente de cozinheiros faz refeições deliciosas e eleva ainda mais o alto padrão de vida
(apesar de que a economia comunitária vem de seus primeiros anos, e permite aos seus
membros a retirada apenas de uma pequena quantia de dinheiro por mês). Svanholm recebe
visitantes, estagiários e voluntários de todo o mundo. www.svanholm.dk

À direita: Bo Laessoe leva membros da Gaia Trust e o professor Niels Meyer para visitar
Svanholm durante um seminário internacional.
Na ponta, à direita: crianças e seus pais brincam na área de recreação em frente à sala de
refeições comunitárias.

À direita: vacas não-estabuladas de Svanholm.


Na ponta, à direita: colheita de cenouras ecológicas.

Abaixo, da esquerda para a direita: vacas leiteiras. Refeição comunitária com alimentos
ecológicos (à esquerda, Christian Coff, um jovem agricultor). Encontro no salão de
comemorações.

Fotos: Svanholm, Hildur Jackson


Auto-suficiência e produção em Svanholm, Dinamarca

Bo Laessoe

A Ecovila Svanholm, em Horns Herred, Dinamarca, foi fundada em 1978 e está localizada a
55 km da capital, Copenhagen. Algumas construções da propriedade estão lá desde a Idade
Média. Svanholm tem 230 hectares de terras cultiváveis, 130 hectares de bosques e 50
hectares ocupados por campos, parques, lagos e construções. A atividade agrícola, que
inclui criação de gado e silvicultura, produz empregos para cerca de 15 pessoas. As
atividades de embalagem de frutas e verduras, incluindo a fábrica de embalagens (caixotes e
estrados de madeira), emprega outras 15 pessoas. Na terra cultivável disponível, a produção
profissional de verduras ocupa 20 hectares, os grãos, 5 hectares, batatas, 15 hectares, e 5
hectares de sementes, 8 hectares de produção de óleo (semente de colza) e 10 hectares de
ervilhas para congelamento. A madeira dos bosques é vendida fora de Svanholm, enquanto
os galhos são utilizados para abastecer o sistema de aquecimento central. 167 hectares são
reservados para as vacas não-estabuladas e para os bezerros (110 cabeças). Em Svanholm,
vivem atualmente 65 adultos e 35 crianças, mais um número variado de visitantes. A
propriedade é dirigida com base em princípios ecológicos.

A auto-suficiência sempre teve uma conotação positiva em Svanholm. “Sempre” aqui quer
dizer desde 1978. No início, tínhamos grandes ambições de nos tornar 100% auto-suficientes,
ainda que nossa experiência com a produção de alimentos era praticamente nula. Começamos
a fazer uma horta e um pomar de um hectare cada. Compramos 10 vacas para produzir leite e
carne e alugamos um velho moinho para moer nossos grãos. Foi um choque descobrir a
quantidade de tempo de que precisávamos para essas atividades e a quantidade de coisas que
tínhamos que aprender para garantir uma produção saudável e suficiente de alimentos.
Abóboras preparadas de cem maneiras diferentes felizmente se tornou coisa do passado. O
fato é que, depois da fase inicial e da excitação de plantar com nossas próprias mãos em
nossa própria terra, concluímos que tínhamos muito pouco tempo para produzir nossos
próprios alimentos se ainda precisássemos cuidas das atividades que produziam renda,
fossem atividades agrícolas ou trabalho industrial em Svanholm, ou empregos fora da
ecovila. Acabamos fornecendo o básico da alimentação da nossa atividade produtiva
profissional para a cozinha comunitária (leite, cenouras, batatas, carne, cebola e farinha),
juntamente com várias verduras e frutas das nossas culturas auto-suficientes. Para garantir a
boa utilização dos nossos produtos, colocamos durante os dias de semana uma equipe
permanente na cozinha que passou a assar pães e a bater a manteiga. Todos em Svanholm
estão satisfeitos com a qualidade da nossa comida (servida na sala de refeições comunitária) e
nos faz bem saber que o abastecimento básico vem dos nossos quintais.

Eu gostaria, no entanto, de dar alguns exemplos para ilustrar como tivemos que comprometer
alguns dos nossos mais elevados ideais em função de abordagens mais pragmáticas. Em
Svanholm, nosso ideal é que todas as colheitas que não puderem ser vendidas como produtos
Classe A sejam consumidas na ecovila, como uma maneira de mostrar que as verduras são
suficientemente boas ainda que sua aparência não seja uma maravilha. Apoiamos também a
idéia de colher manualmente o que estiver em bom estado e espalhado nos campos pela
ceifeira industrial, demonstrando assim frugalidade e respeitos pelos frutos da Terra. Mas a
realidade é diferente. A relação custo-benefício não vale apenas para nossas atividades
produtivas. O tempo e a energia gastos para se produzir uma boa refeição não são
negligenciáveis. Você descasca quatro cebolas pequenas ou duas grandes? Você tem que
limpar os pontos escuros de todas as batatas ou apenas em uma em cada dez? Chegamos à
conclusão de que quando os alimentos in natura são baratos, nós comemos produtos Classe A
e deixamos os vegetais de menor qualidade para compostagem ou forragem. Quando os
alimentos in natura são mais caros, nós os vendemos e usamos os vegetais de menor
qualidade, que podem ser consumidos, ainda que isso implique um pouco mais de trabalho.

A necessidade de nos concentrarmos nos custos da produção de alimentos para o mercado


influencia a maneira como vemos a auto-suficiência na nossa comunidade. Os alimentos que
não produzimos profissionalmente - e que nós enquanto comunidade não concordamos em
produzir apenas para complementar nossas culturas auto-suficientes - consomem muito mais
tempo e sairiam muito mais caros para produzir se empregássemos trabalho remunerado.
Assim, optamos por organizar o cultivo de ervas, verduras e frutas especiais, frutos silvestres,
a produção de queijo e a criação de galinhas como trabalho voluntário, a ser realizado em
nossas horas de folga. Uso a palavra “organizar” de propósito, já que a maioria das pessoas
tem longas jornadas de trabalho e diferentes ritmos diários, e a Natureza não se guia pelos
nossos horários: temos que levar em conta que, quando o espinafre está pronto para a
colheita, uma equipe de voluntários deve estar pronta para o trabalho de colher, lavar e
congelá-los. A coordenação é a chave para um bom trabalho voluntário.

A tarefa de tornar Svanholm auto-sustentável é um processo sem fim e não acontece por si só.
Nós revisamos rotineiramente nossas metas ecológicas (uma vez por ano), comparando-as
com nosso modo de vida e nossas atividades produtivas. Todo ano nós concordamos com
mudanças, que melhoram nossas práticas sob a luz de nossos ideais. Isso pode parecer um
pouco fundamentalista, mas não seria próprio de Svanholm cair num padrão de
comportamento extremista. Achamos que o prazer e a alegria são a melhor garantia para um
futuro sustentável.

bo@svanholm.dk
Produção de alimentos: alimentos frescos locais

Agricultura mantida pela comunidade


Mercado no Rajastão, Índia. Foto: Peter Engberg

Helena Norberg-Hodge

Helena Norberg-Hodge é conhecida por seu apaixonado ativismo a favor do meio


ambiente global e seus 20 anos de trabalho no Ladakh, Índia (veja à página ) para
salvar uma cultura extraordinária. Ela é presidente do ISEC, Internacional Society for
Ecology and Culture (Sociedade Internacional de Ecologia e Cultura, na Grã-Bretanha).

A sociedade dos dias de hoje tem à sua frente a escolha entre dois caminhos. O caminho
endossado pelos governos e pela indústria leva a uma economia ainda mais globalizada, e
na qual a distância entre produtores e consumidores continuará a aumentar. Trilhões de
dólares são gastos na criação de super-rodovias e infraestrutura de comunicações que
facilitam o transporte a longa distância às custas do comércio local. Na última década,
quantidades exorbitantes de dinheiro de quem paga impostos também foram gastas em
pesquisas de biotecnologia – cujo objetivo é fazer com que os alimentos possam ser
transportados para distâncias ainda maiores, sobrevivendo a doses ainda maiores de
pesticidas e sendo produzidos em última instância sem a incômoda necessidade dos
fazendeiros. Grandes produtores corporativos têm vantagens incríveis a partir de políticas
que promovem “comércio livre”, como o tratado de Maastrich, o GATT e o NAFTA. O
resultado foi uma maior centralização do poder político e econômico das imensas
corporações transnacionais, o desemprego global, a erosão das comunidades e o rápido
esgotamento dos recursos naturais, além do conseqüente colapso do meio ambiente.

Existe, no entanto, um caminho alternativo, uma contra-tendência que, ainda que sem o
apoio de governos ou da indústria, continua a se expandir. Em todo o mundo, em especial
nos países industrializados, um número cada vez maior de pessoas reconhece a importância
de apoiar a economia local. Nessa contracorrente, as tentativas de unir fazendeiros e
consumidores são da maior importância. Um movimento pró-alimentos locais atualmente
se espalha pelo mundo.

Os benefícios dos sistemas de produção local de alimentos são enormes: eles ajudar a
reconstruir a comunidade, fortalecem a economia local, incentivam a diversidade e
protegem os recursos naturais. Os sistemas de produção local de alimentos têm várias
formas: dos marcados agrícolas para as cooperativas, dos caixotes para os vendedores
locais. Uma iniciativa de produção local que vem alcançando popularidade em todo o
mundo é o movimento Agricultura Apoiada pela Comunidade (CSA, iniciais para a sigla,
em inglês, Community Supported Agriculture). O princípio básico da CSA é simples: os
consumidores pagam adiantado aos agricultores e recebem em troca uma parte da
produção. Os agricultores se beneficiam porque conseguem um preço melhor para seus
produtos, enquanto que os consumidores conseguem comprar alimentos frescos e nutritivos
por um bom preço. E quando os agricultores passam a produzir segundo as necessidades
das pessoas, em vez de dirigidos para um mercado abstrato que exige cada vez maiores
quantidades de um único produto, eles tendem a cultivar uma variedade maior de produtos.
A ausência do empacotamento significa uma redução considerável das enormes quantidades
de lixo não-reutilizável e não-biodegradável que diariamente são jogadas nos depósitos de
lixo de todo o mundo. A pequena distância para o transporte, por outro lado, significa uma
redução do uso de combustíveis fósseis, menos poluição e quantidades menores de gases
lançados na atmosfera.

O movimento de produção local de alimentos já garantiu reais benefícios. Mas para


progredir será também necessária uma mudança em níveis políticos. Para que as economias
nacionais e as comunidades locais cresçam, temos que repensar as políticas de “livre
comércio” que favorecem os produtores corporativos transnacionais e questionar os
subsídios diretos e indiretos que são dados para expandir continuamente as infraestruturas
de transporte e os agronegócios corporativos. Temos que nos opor ao apoio governamental
da biotecnologia e de outras tecnologias que ameaçam o meio ambiente e acabam com
empregos. Precisamos, por fim, apoiar ativamente os caminhos mais curtos entre
produtores e consumidores – um processo que podemos começar agora mesmo ao divulgar
os incríveis benefícios sociais e ambientais da produção local de alimentos. Podemos dizer
honestamente às pessoas que comer alimentos frescos, deliciosos pode ser uma das
maneiras mais eficientes de salvar o planeta!
Construção
Veja à página centros de pesquisas de construções naturais.

Introdução

Lynne Elizabeth

Lynne Elizabeth é editora da New Village, o jornal nacional americano dos arquitetos,
designers e planejadores com responsabilidade social, e co-editora do livro “Alternative
construction: contemporary natural building methods”, John Wiley & Sons, 2000.
lynne@newvillage.net

A arquitetura e a construção ecológicas, em particular a construção não-industrializada, são


freqüentemente vistas com ceticismo por todos os que foram treinados em sistemas
industriais convencionais. Apenas a linguagem já pode provocar resistência preconceituosa,
como eu pude perceber enquanto trabalhava em um livro sobre métodos alternativos para
construções e fui advertida a não usar o termo “natural”.

Quando falamos em arquitetura ecológica queremos dizer suas aplicações, durabilidade,


disponibilidade e custo. Os sistemas naturais apropriados de construções, como qualquer
outro, devem ser escolhidos a partir de considerações sobre o local, clima, cultura,
disponibilidade de materiais (os sistemas de construções não são todos ubiqüamente
aplicáveis), mas métodos baseados em argila e palha foram utilizados com bastante sucesso
em modernos assentamentos urbanos. Hoje, a demanda por arquitetos experientes,
empreiteiros e artesãos treinados em construções alternativas ultrapassa a oferta, ainda que
eles sejam em número maior que dez anos atrás.

Testes padronizados documentados com materiais alternativos naturais e ecológicos em


diversos aglomeramentos de construções crescem a cada dia, apesar do contínuo desafio de
conseguir fundos para as pesquisas. E, com relação à economia nas construções ecológicas,
fortes evidências dos benefícios estão se espalhando, inclusive respeitados relatórios
institucionais sobre os amplos efeitos das várias práticas de construções na qualidade do ar,
água e florestas.

Um caso forçado de construção ecológica

Lynne Elizabeth

Na vanguarda de uma ética ecológica e um estilo de vida que são marginais em relação à
cultura dominante, somos vulneráveis a um ocasional desânimo e até a desesperança. A
distância entre ideal e realidade parece ser intransponível, ou o movimento para mudar
parece fragmentado e frágil demais para se manter sozinho. Freqüentemente queremos
coisas demais e depressa demais. Ou então nos concentramos nos obstáculos em vez de
desenvolver a visão do que queremos alcançar.

As pessoas suspeitam das mudanças, de maneira que as melhores revoluções são feitas
delicadamente, com pequenos passos de cada vez. Precisamos, no entanto, forçar um caso
para as mudanças necessárias, ainda que nos movimentemos no processo com a habilidade
de bons seres comunitários. Se mostrarmos nossa impaciência, desrespeito ou extrema
frustração, não chegaremos a parte alguma. Temos que fortalecer nossa fé nas alternativas
positivas e uma das melhores maneiras de fazer isso é educarmos a nós mesmos. Através do
processo de aprendizado, podemos montar um sistema de apoio de gente experiente, assim
como uma biblioteca de referências valiosas.

Algumas vezes, nós subestimamos a enormidade de nossas ambições. A distância entre


apreciar um belo violino e ser capaz de tocá-lo é imensa. Imagine agora treinar um punhado
de amigos para tocar em uma orquestra enquanto você ainda está aprendendo a ler música.
Introduzir na sua comunidade uma maneira inteiramente nova de construir e ainda
completar uma estrutura é nada menos que uma proeza. Sistemas de arquitetura que
levaram séculos para ser aperfeiçoados e habilidades para construções transmitidas através
de gerações não podem ser ensinados em um único workshop de fim de semana. Mas isso
freqüentemente é o esperado.

Para obter a aprovação de projetos dos departamentos municipais não-familiarizados com


sistemas como os feixes de palha ou terra socada, ou cerâmica leve ou uma mistura de
cascalho e palha para as paredes pode ser uma missão impossível, a menos que sejam feitos
esforços diplomáticos para levar os fiscais a passar por um processo educativo. Os fiscais
de construções podem ser restritos ainda pelas normas que obrigam, por exemplo, os
sistemas mecânicos no aquecimento, refrigeração e ventilação, quando você quer falar
apenas de sistemas naturais. Apresentar uma documentação profissional sobre o excelente
desempenho de suas soluções em contextos similares pode fazê-lo economizar o gasto com
a instalação de um sistema duplo.

Felizmente os recursos para ajudar arquitetos, empreiteiros, artesãos e construtores são


abundantes e melhoram a cada ano que passa. Escolas que oferecem assistência técnica
para construções naturais, ecológicas, sustentáveis, ambientais, saudáveis e verdes podem
ser encontradas em todo o mundo. Programas de treinamento, conferências e construção de
paredes também são populares. Quatro novos livros que mostram visões de métodos
promissores de construções ecológicas foram publicados só nos últimos 18 meses. Manuais
sobre sistemas de construções alternativas individuais estão se proliferando e atualizando.
Lindos livros ilustrados que exibem a beleza das construções naturais também enriquecem
esse campo, e a Internet ajuda muito a encontrar assistência técnica no dia-a-dia. A mídia
popular também deixou de retratar as construções ecológicas como sensacionais e começa a
ser mais madura e prática nas suas coberturas. Informações sobre a atividade convencional
de construir são cada vez mais aprofundadas como, por exemplo, no Congresso
Internacional de Técnicos em Construções (ICBO, iniciais da sigla em inglês Internacional
Congress of Building Officials), que dedicou três números de sua revista “Building
Standards” a métodos ecológicos e naturais.
Alguns dos melhores guias para planos arquitetônicos orientados e não-padronizados
através de um departamento oficial que emite autorizações foi escrito por David Eisenberg
do Development Center for Appropriate Technology (DCAT, sigla em inglês para o Centro
de Desenvolvimento para Tecnologia Adequada) em Tucson, Arizona, EUA. David
recomenda basicamente que seja avaliado o plano de responsabilidades do fiscal, reunida
uma dose infinita de paciência e iniciado o projeto o mais cedo possível para fornecer ao
fiscal local das obras a melhor informação possível sobre o método que você for usar para
uma construção em particular. Ele assinala ainda que as primeiras pessoas a apresentar
alternativas ecológicas para obter autorizações devem ter em mente que elas não estão
apenas trabalhando para ver suas próprias estruturas aprovadas, mas abrindo caminho para
todos os que vierem depois.

Como os sistemas de construções não-industrializadas não têm a vantagem das pesquisas


assinadas, do desenvolvimento, dos testes e da defesa atribuída aos materiais industriais, é
fácil que sejam ignorados nos códigos impressos. O DCAT vem trabalhando com os
dirigentes das organizações pioneiras em códigos para construções nos Estados Unidos, não
apenas em defesa da construção ecológica, mas iniciando um reexame dos princípios da
saúde e segurança das construções em geral, para que possam agora abranger o conceito de
sustentabilidade.

Além do mais, como uma casa à prova de mudanças climáticas pode ser boa se o ar lá
dentro for irrespirável?

(legendas página 41)

Acima: Casa da Cultura (Kulturhus) em Järna, Suécia, construída segundo os princípios de Steiner.
Arquitetos: Asmussens Arkitektkontor. A casa é parte da vila Järna, que abrange moradias, uma clínica de
medicina complementar, lojas, uma universidade e muito mais. Foto: Martin-Voss-J.

Abaixo: à esquerda, eixo luminoso no Banco ING em Amsterdã mostrando a integração de princípios mais
naturais e humanos na construção em meio aos métodos tradicionais. Arquitetos: Alberts & Van Huut. Foto:
Martin Voss-J. À direita: moradias naturais com fachadas tradicionais na Alemanha. Foto: GEN.
Construção natural: uma visão alquímica
Rolf Jacobsen
Tradução Karen Svensson

Rolf Jacobsen é membro do grupo arquitetônico Gaia e um dos iniciadores da Bridge-


building School (Escola de Construção de Pontes), na Noruega (veja à página ).
Neste ensaio, “A alquimia das construções”, ele faz uma conexão entre a construção
natural e o espírito humano. Ele demonstra que, hoje, ao mesmo tempo em que há um
materialismo feroz, também vamos descobrir que as pessoas buscam internamente uma
verdade interior. Ele diz que essas contradições aparentes podem se unir na alquimia da
construção. “A alquimia vê uma relação entre a realidade física e o mundo metafísico, e
podemos transferir isso para... a construção natural.” A busca de uma verdade interior
pode se realizar ao darmos forma ao nosso meio ambiente com as casas que construímos e
os materiais que usamos. Rolf Jacobsen fala sobre a alquimia da construção porque, como
um alquimista, o construtor natural usa materiais originais in natura (como matéria-
prima), que podem ser encontrados na natureza perto de onde ele está, para construir uma
ponte entre nossa realidade física e a existência metafísica. O processo de transformação
passa por experimentação, conhecimento de química e física, julgamento e erro. No final,
encontramos o ouro das construções naturais, que são curativas, abrem espaço para o
crescimento humano e são um quadro humano do universo, assim como um quadro do que
somos. Uma arquitetura viva, ecológica, pode representar o que sabemos, acreditamos e
sonhamos. O processo de construir (nossa própria casa), participar de corpo e alma,
superando as muitas dificuldades práticas que surgem, exercitando nossa força de vontade
para realizar um sonho, pode ser o mais efetivo ensinamento da vida. A seguir, trechos do
ensaio de Rolf Jacobsen.

A alquimia da construção: a matéria-prima

Uma construção natural começa com a utilização de materiais originais in natura, que
podem ser encontrados no próprio local. Esta será nossa matéria-prima: pode ser pedra,
madeira, cerâmica, areia ou palha. Construir naturalmente também é conhecer esses
materiais através de experimentos, muitos experimentos, e pesquisas. A alquimia da
construção vai transformar exercícios práticos em exercícios internos. Construímos uma
casa com alma, e construímos uma alma com fardos de palha, um martelo, uma colher de
pedreiro e pisoteando o solo.

“Genius loci”

A alquimia da construção tem origem na observação do que somos, por nós mesmos e na
realidade física. Temos que entender genius loci, a alma de um lugar. Isso inclui os
parâmetros físicos, concretos, como os recursos, solo, clima, vegetação, topografia, etc,
assim como qualidades menos precisas como luz, atmosfera, cheiros, ar, etc. Temos que
tentar entender, observar, ouvir, sentir, temos que analisar e ficar em silêncio. Que lugar é
este – no mundo? Quando tivermos interpretado e usado o que há em nós para entender a
alma do lugar, aí chegaremos à fundação necessária para criar uma arquitetura, que se
assentará naturalmente - uma casa que pertence ao lugar. Também temos que conhecer
nosso cenário interno, e procurar descobrir onde nos situamos em relação a ele. Onde é o
lugar da nossa alma? Aqui mais uma vez temos que procurar, sentir, observar e ficar em
silêncio para entender. Alquimisticamente estamos falando de matéria-prima em suas
formas interna e externa. Começamos por baixo, com o material in natura, e vamos
levantando a construção no mundo externo. Um pouco de humildade ajuda. Somos todos
novatos no mundo da construção alquímica.

Reconquistar nosso meio ambiente próximo

Sem um conhecimento básico das leis naturais, dos padrões das reações químicas,
propriedades da física e seus símbolos, o alquimista nunca será capaz de alcançar essa
nobre meta. Na construção alquímica, um dos pontos cruciais é o insight e a participação
em nosso meio ambiente próximo: onde vivemos, as circunstâncias naturais, o espaço
social, etc. Temos que reconquistar nosso meio ambiente próximo. Se está para surgir algo
novo e sustentável, sua fonte deve ser encontrada na comunidade local. A alquimia da
construção visa algo mais que apenas uma moradia natural individual. Tem mais a ver com
o desenvolvimento da comunidade, com formas sociais saudáveis, uma relação vibrante
entre moradia e gente, e uma vizinhança unida.

A dinâmica da transformação

O projeto do alquimista é um lento processo de transformação em vários níveis que requer


paciência, perseverança, amplos estudos e uma quantidade sem fim de experimentos. O
alquimista descobriu que fazer ouro - fosse ele físico ou espiritual - era difícil. Com a
alquimia da construção, é a visão que representa o ouro do alquimista: belas construções
naturais, férteis hortas de permacultura, ecovilas vivas e uma sociedade sustentável e justa.
Esta é a visão que vai nos inspirar e nos levar adiante. Nós construímos, aprendemos novos
métodos, experimentamos e criamos uma realidade. Passo a passo vamos introduzindo
mudanças. A alquimia da construção é a mudança lenta, a elevação do externo e do interno,
a mão e o coração. A visão do ouro nos leva adiante.

(legendas páginas 42 e 43)

Teto do Eurythmeum, no Instituto Goetheanum, na Suíça, fundado por Rudolf Steiner. Foto: Martin Voss-J.

Uma maneira diferente de criar modelos é usar argila e, depois, fazer fôrmas em gesso. Isto dá uma boa
visão tridimensional do projeto. Muitos arquitetos inspirados por Steiner usam esta técnica. Aqui aparecem
fôrmas das construções de Goetheanum, na Suíça. Foto: Martin Voss-J.

Argila é um material de construção tradicional utilizado por muitos construtores ecológicos. Ele tem várias
propriedade benéficas, como uma grande capacidade de absorção, de maleabilidade, de conservar a
temperatura e a umidade e muitas outras. A foto mostra uma mesquita em Djenné, Mali, construída em argila
e palha. Foto: copyright Peter Engberg.
Flemming Abrahamsen:
Conselho para construtores ecológicos
Flemming Abrahamsen fala sobre uma casa feita com uma mistura de argila, cascalho e palha para os
participantes de um curso. A construção foi feita por Flemming e sua equipe onde ele mora, em Stenlille, na
Dinamarca. A casa dele e as outras moradias locais são mostras de práticas de construção ecológica. Foto:
Hildur Jackson.

Entrevista com Flemming Abrahamsen

Hildur Jackson, tradução de Karen Svensson

Flemming é um dos pioneiros da construção ecológica no hemisférioNorte. Ele introduziu


modernas toaletes de compostagem na Dinamarca, assim como o “forno em massa”
finlandês (uma espécie de armazenagem de aquecimento em que um forno convencional se
encaixa em uma espécie de caixa de tijolos – que chega a pesar três toneladas – e que
mantém o aquecimento por até 24 horas). Ele foi modelo de treinamento para a próxima
geração de construtores ecológicos (veja Kolja Hejgaard, à página ). Flemmimg
criou a primeira construção ecológica e a primeira companhia de energia renovável na
Dinamarca, sendo que a “Energia Renovável” tem uma política de iguais salários e
responsabilidades.

Pergunta: Qual seu conselho para as pessoas que querem construir suas próprias casas?

Flemming Abrahamsen: Na construção ecológica, há uma tendência que leva as pessoas a


construírem suas próprias casas. Acho que isso é bom, mas eu aconselharia que elas
trabalhassem junto com profissionais. Muita gente, depois de já ter avançado muito no
processo da construção, se descobre dizendo: “Se eu soubesse disso antes....Poderia ter
feito isso ou aquilo e poderia ter evitado uma catástrofe”. Os construtores ecológicos
profissionais não devem ter medo de conversar com os construtores sem capacitação e estes
não devem ter medo de contatar os profissionais. As duas coisas devem andar juntas.

Pergunta: Que tipos de casas você aconselharia os construtores sem capacitação a fazer
no seu clima, na Dinamarca?

Flemming: Para entender o que se deve construir na Dinamarca, deve-se olhar para a
História nos últimos séculos. As condições climáticas aqui incluem fortes ventos de oeste,
chuva pesada, gelo nas paredes. As paredes têm que ser fortes o suficiente para agüentar
estas condições. Na Dinamarca, as casas devem ser à prova de vento, mas não à prova de
umidade. Eu apóio a construção natural que, para mim, significa fazer experimentos com
materiais naturais e locais. Eu penso, por exemplo, em diminuir o uso do concreto. (Esta é
uma das áreas em que se começa a quebrar as regras oficiais para construções, e a
influenciar o Ministério da Habitação para que adote novas soluções naturais – que, na
verdade, são as mais tradicionais). As pessoas normalmente começam o processo de
construir com a fundação da casa, que é de concreto, e enterrada a uma profundidade de 90
centímetros. Aqui paramos para pensar no que o concreto tem para ser útil: tem que ser
capaz de agüentar a casa. Mas as casas de família que precisamos construir podem, na
verdade, ter fundações de pedra. Não há razão para que precisem ser de concreto. Temos
que quebrar os padrões habituais de pensamento. Temos que voltar aos princípios da velha
igreja do interior: ela se apóia em pedra, e não em uma fundação de concreto. E não está a
90 centímetros abaixo da superfície. E está lá há 800, 900 anos! Portanto vale a pena dar
uma olhada nos velhos registros para identificar construções que existem há 900 anos. Isso
se aplica a todo o mundo. O pior que pode acontecer (à construção) é que os acadêmicos se
esquecem de ser humildes diante das criações tradicionais das populações locais,
alcançadas depois de muita tentativa e erro e muito trabalho duro. Geração após geração,
elas descobriram como construir coisas para durar. É errado ignorar essa sabedoria.

Pergunta: Então o que precisamos é fazer as pessoas transformarem em modernas as


construções ecológicas usando velhas tradições?

Flemming: Sim. Toaletes de compostagem são o melhor exemplo disso: houve muitos
problemas com as autoridades para introduzir as toaletes de compostagem na Dinamarca,
mas ainda assim sabemos que esta é a única maneira correta de fazê-las. Essas mesmas
autoridades, no entanto, não criaram problema algum conosco quando quisemos exportar
esta solução. Eu acho que nunca conseguiremos exportar toaletes de compostagem para a
China para salvar a situação mundial se não começarmos por usá-las em casa. Temos que
mostrar primeiro que aqui isto é moderno. Só assim poderá ser visto como moderno na
China. Não podemos pular essa etapa e dizer: “Os outros têm que fazer, nós não”.

Pergunta: Que tipo de materiais você usaria para construir na Dinamarca? Palha, blocos
compostos, pedra, argila?

Flemming: Eu usaria os quatro materiais que você citou juntos. Não gostaria de excluir
nenhum deles. O mesmo se aplica aos sistemas de energia: eu jamais confiaria em apenas
um deles. É importante combinar os sistemas, assim você poderá usá-los da melhor maneira
possível. Você nunca resolverá tudo com apenas uma solução.

Com relação às opções para construir na Dinamarca, eu faria o lado da casa que tem face
Norte com madeira. Esse é lado onde se perde mais calor, de maneira que ali a palha seria
um bom isolante. Onde bate o vento Oeste, eu cobriria uma parede com um reboco de
argila. Em alguns lugares você precisará apenas de argamassa e em outros poderá ter
paredes de blocos compostos. Eu gosto muito de fazer essas misturas nas casas. Existe uma
grande variedade de híbridos e muitas maneiras diferentes de misturá-los. Você pode fazer
as coisas mais lindas com lenha, como por exemplo paredes baixas com argamassa de
argila. Fica tão bonito... Paredes de pedra também são bonitas. E pisos de argila, que ficam
bastante sólidos.

Pergunta: Que tipo de sistema de aquecimento você recomendaria para uma ecovila?

Flemming: Um sistema de aquecimento comunitário é provavelmente o mais ecológico e


menos poluidor a longo prazo. No caso de Torup (nordeste de Zealand, Dinamarca), no
entanto, os engenheiros quiseram fazer “mágica” com um sistema de aquecimento central,
mas foi um fracasso porque saiu caro demais. Se um sistema de aquecimento central não
funciona, trabalhamos com altos fornos, com os quais estamos muito satisfeitos. Há uma
vantagem a mais com os altos fornos que é o fato de você ter fogo dentro de casa. Muita
gente começa pensando em termos de sistemas de energia e acaba descobrindo que o apelo
emocional de um fogo aceso dentro de casa, que deve ser cuidado e que está sempre tão
próximo de todos, tem o maior valor e vence todos os demais argumentos. Da mesma
forma, um forno de pão incorporado a um alto forno é uma coisa maravilhosa de se ter, está
sempre pronto para ser usado quando alguém chega da escola ou do trabalho.

Pergunta: Você usaria um alto forno para aquecer água?

Flemming: Não tenho nada contra o uso de um alternador de aquecimento – fazemos isso
muitas vezes, ao aquecer água na parte superior do forno. Mas ele deve ser relativamente
fácil de transportar para consertos.

Pergunta: Quantos metros quadrados um alto forno pode aquecer?

Flemming: Se estivermos falando de uma casa, que tem bom isolamento térmico, não há
problema em aquecer até 125 m2, mas não mais que isso. Também vai depender das
pessoas. Muitas acham que podem usar um suéter quando andam pela casa. Outras querem
uma temperatura ambiente de 21 graus centígrados o tempo todo. Os últimos, no entanto,
não são lá muito ecológicos. Trata-se de um conforto moderno, que adotamos nos últimos
40 anos. Ao longo da história, os castelos dos ricos tinham aquecimento em três salas e
quartos, o resto ficava a 0 grau.

Pergunta: Você falou há pouco sobre um alto forno de três toneladas.

Flemming: Nós construímos altos fornos de três a cinco toneladas com cubas, e eles são
feitos no próprio local com pedras. Só a porta e a gaveta para cinzas são feitas de ferro.

Pergunta: Qual a segunda melhor solução, depois do alto forno?

Flemming: Se estivermos falando em complementar nossa reserva de aquecimento com


energia alternativa entre dezembro e fevereiro, e se vivermos na Dinamarca, podemos usar
um moinho de vento. Há vento praticamente o tempo todo neste país, de maneira que um
moinho pode aquecer uma casa. Seria um moinho de vento ágil que aqueceria a água para o
sistema de aquecimento. Também são possíveis os pequenos moinhos, que podem ser
utilizados individualmente em cada casa. Mas eu acho difícil imaginar um cenário
dinamarquês com um moinho ao lado de cada casa.

Da mesma forma, a utilização de lenha também é possível na Dinamarca. Aqui (ao


contrário de grande parte do hemisfério Sul) trata-se de uma forma de energia renovável.
As árvores crescem por toda parte, são neutras em CO2, e nós adoramos nos cercar de
arbustos e árvores, assim que, por que não usar lenha?

Pergunta: Qual sua opinião sobre desperdício de água e sistemas de toaletes?


Flemming: Este é um ponto em que sou irredutível. Eu acho que a única maneira correta é
usar a compostagem, retendo e separando urina de fezes. O maior problema é que tentamos
levar urina e fezes através de canos para os pontos de escoamento de água e isto para mim é
uma catástrofe. Nesse meio tempo, passamos a pensar que as latrinas são a solução mais
moderna e mais higiênica: de fato, até que o esgoto deixe a casa, e aí achamos que o resto
não é mais nosso problema. Mas é, sim, nosso problema.

Pensamos que somos muito espertos, mas eu diria que o nível de inteligência caiu muito
desde o tempo em que as pessoas conheciam o equilíbrio nutricional da Natureza, o tempo
em que as pessoas sabiam como usar urina e fezes na Natureza. O esgoto representa 90%
da poluição ambiental doméstica.

O que sobra é 10% - e aqui os produtos de limpeza são os mais nocivos, de forma que
devemos usar os mais neutros e inofensivos possíveis.

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