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www.otempo.com.br - Belo Horizonte - Segunda-feira, 11.4.

2016
MOISES SILVA

Meninodeabrigo
Joana Suarez e Natália Oliveira
O drama de Paulinho não é único. gamento de adolescentes que che-
Quando completou 18 anos, Pau- Em fevereiro deste ano, existiam garam ao abrigo empurrados por
linho não comemorou. Para o ga- 2.687 adolescentes com 17 anos um misto de pobreza, violência e
vivendo em abrigos no Brasil. Pela negligência familiar. Durante três
roto que, na infância, apanhava
legislação, ao completar 18 anos, meses, assistimos como esses ga-
da mãe alcoólatra e viveu por eles precisam deixar o acolhimen-
uma década em abrigo, o aniver- rotos, que passaram uma vida ins-
to institucional e dar conta da pró-
sário chegou como um ultimato titucionalizados, se prepararam
pria vida, mesmo se não tiverem
e o colocou, mais uma vez, na vínculos familiares ou capacita- para deixar de ter as garantias do
ciranda do abandono. Com a ção profissional. Um desafio além Estatuto da Criança e do Adoles-
maioridade, ele deixou de estar da maturidade que a maioria de- cente (ECA) – moradia, alimenta-
sob a tutela do Estado e foi obri- les acumulou. ção, assistência à saúde e educa-
gado a enfrentar sozinho a tran- Para produzir este caderno, O TEMPO ção – e foram novamente despeja-
sição para a vida adulta. acompanhou o processo de desli- dos na vida.
2 O TEMPO Belo Horizonte

|Especial
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016

Aos 18anos,
“A música sempre fará parte da minha
vida”, diz Paulo Mateus, que ganhou
o violão quando morava no abrigo.
Chegou a fazer aulas com um professor
voluntário e já compôs algumas
melodias, que posta no Facebook

o abrigo é a rua “Tentamos

MOISÉS SILVA
de tudo
¬ Sentado no chão da área exter- com o Paulo,
na da casa, espaço que alguns
adolescentes ocupavam com
cursos,
brincadeiras, Paulo Mateus da entrevistas,
Silva passava as tardes envolvi-
do apenas com seu tablet, sem
conversas.
tirar o fone do ouvido ou intera- Buscamos
gir com quem não estivesse no
seu mundo virtual. Foi assim apresentá-lo ao
que o conhecemos, em 26 de ou- mundo lá fora,
tubro do ano passado, arredio,
de cara fechada, indiferente, na- mas ele não
da que pudesse revelar o “Pauli- queria ser
nho” carinhoso e comunicativo
a quem os educadores do abrigo ajudado, tinha
se referiam no diminutivo. Os te-
midos 18 anos tinham chegado
uma grande
20 dias antes como uma senten- resistência,
ça, e o futuro se apresentou co-
mo um lugar próximo demais.
mesmo tendo
O governo, como prevê a lei, muito potencial.
deu a ele casa, comida e roupa
lavada, dos 8 aos 17 anos, mas o Institucionalizadoporumadécada,PaulodaSilva No final, ele teve
aniversário mais indesejado mar- muita sorte.”
cava o fim do acolhimento na Ca-
sa Tremedal, na região Noroeste
sairiadoacolhimentosemempregoesemlugar Fabiano Loureiro,
de Belo Horizonte. O garoto que PSICÓLOGO DA CASA TREMEDAL
apanhava da mãe alcoólatra e
foi largado em abrigos por uma explicava tamanha urgência. dade a pé para entregar currícu- mento de 50 m², onde dormia na
década – perdendo completa- Nas semanas definitivas, po- los. “Estou topando qualquer tra- bicama do quarto de um dos fi- EDITORIA DE ARTE / O TEMPO

mente o referencial de família – rém, em vez de correr atrás de balho agora”, mas só encontrou lhos, de 16 anos, com quem estu-
pensava que já tinha passado trabalho, Paulinho chegava da portas fechadas em um fim de daria, na mesma sala. Tudo pare- FICHA
por tudo de ruim na vida. Até en- aula e, invariavelmente, se agar- ano de crise ou vagas que exi- ciaseencaixar:“Ela(amãe)écari-
tender que o seu “pior momen- rava ao tablet, que comprou pou- giam o ensino médio completo, nhosa, eu também sou. Ele (o ir- Processo
to”, em suas palavras, seria a saí- co antes com o dinheiro que ga- que ele não tinha. mão) gosta de violão, eu tam-
da da instituição onde passou a nhou como menor aprendiz. Em No sufoco do seu penúltimo bém...”,lançouumsorrisoqueain-
Nome
maior parte da vida. Sentia co- uma de nossas tentativas de con- dia na unidade, em 17 de dezem- da não conhecíamos. No Ano No-
mo se estivesse sendo expulso da versa, ele tirou o fone da orelha e bro, Paulinho estampava um vo, pela primeira vez, Paulinho
própria casa. “A Justiça está pe- esclareceu o seu isolamento: “Es- olhar angustiado, sem conse- saiu de Belo Horizonte e conhe-
dindo a minha vaga. Não sei pa- guir planejar o futuro. O impro- ceu a praia. “É uma piscina sem Nascimento
tou saindo do abrigo. Estou mui-
ra onde eu vou. Estou tipo uma vável aconteceu na quinta à noi- fim”, descreveu o mar do Rio de Idade
to desanimado, muito mesmo”.
Janeiro,com direito a um selfie na Acolhimento*
bomba-relógio”, disse, enquanto Ele sabia que tinha contribuí- te: uma família, que só o viu
areia, postado no Facebook.
o suor escorria pela testa. do para estar nessa situação ao uma vez no Tremedal, apresen- Encaminhado pelo
Mas a euforia na casa nova
O fim do ano letivo era o limi- negar que era hora de enfrentar tou-se como voluntária para re- não sobreviveu a um mês. Pauli- Juizado da Infância e Juventude
te para que Paulinho, que cursa- o mundo. Chegou a fazer entre- cebê-lo como filho. Chegaram nho, que cresceu sozinho em
de Minas Gerais - Vara Cível
va o ensino médio, fosse embora. vistas em empresas sem levar do- tão de repente que Paulinho não abrigos, chegou a uma dramáti-
Os técnicos da unidade ainda cumentos e dizer em um cadas- teve tempo nem de se despedir ca conclusão. “Não dá, minha Motivo
conseguiram estender a moradia tro que não queria trabalhar às do abrigo. O seu momento mente não quer mais. Não consi- Abandono, negligência e
por mais dois meses, até dezem- sextas-feiras. Acreditava que, ao “mais difícil” passou vertiginosa- go mais viver em uma família, maus-tratos por parte da
bro, na tentativa de ao menos ga- mente, e o olhar de ansiedade se genitora. Pai desconhecido
se sabotar, teria uma desculpa ter irmãos. Penso em seguir sozi-
rantir que ele terminasse o ano para não o “expulsarem” da ca- converteu em expectativa. nho”, cumprindo a sentença de- Desligado do abrigo em
abrigado, e assim, ganhasse mais sa, ignorando que sua vaga ti- Aos 18 anos, Paulinho havia finida antes de ele ter tido a
tempo para buscar emprego e nha que ser passada adiante, ine- ganhado uma família completa: chance de ser filho: morar na 18/12/2015
não ter que sair para o “mundo vitavelmente. No dia 10 de de- pai, mãe, irmãos e até cachorros. rua. Às 7h de um domingo, jun-
FONTE: CASA TREMEDAL *INSTITUCIONAL
fora da Casa Tremedal” sem pers- zembro, o prazo foi decretado, Foi morar com eles em um aparta- tou suas coisas e foi embora.
pectiva de um lugar para morar. deveria ir embora dali em uma
Ele não possuía nenhum familiar semana. Paulinho e todos que o LINCON ZARBIETTI
a quem pudesse recorrer, o que rodeavam vivenciaram sete dias
de muita incerteza e aflição.

“Essa era a minha PREPARAÇÃO. Quando não é possí-


casa (abrigo), nesses vel que o menor retorne à família
deorigem ouvá morarcom paren-
10 anos me fechei tes extensos, a instituição começa
para o mundo lá a incentivar a autonomia do ado-
lescente para que ele possa sair
fora. Essa saída preparado aos 18 anos. Mas, no
agora é o pior final, Paulinho se acomodou. “A
gente falava com ele para guardar
momento da minha dinheiro porque ia precisar quan-
vida. Não gosto de do saísse, mas ele emprestou”,
contou a assistente social do Tre-
pedir favores. Sem medal, Maria Clara Braga.
emprego, eu não A inércia era tanta que todos
começaram a achar que ele tinha
tenho expectativa uma “carta na manga” para quan-
para o futuro.” do chegasse a hora de deixar o
abrigo. Às vésperas da saída, Pau-
linho passou a se dedicar com Prestes a deixar o abrigo,
Paulo Mateus da Silva, Paulo não saiu do seu mundo
RELATOU À REPORTAGEM ÀS mais empenho à busca por em-
VÉSPERAS DE SAIR DO ABRIGO prego, percorrendo o centro da ci- virtual, com o tablet que
comprou meses antes
Especial|
O TEMPO Belo Horizonte
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016 3

LINCON ZARBIETTI
¬ Data: 26 de Janeiro de 2016.
Nome: Paulo Mateus Soares da
Silva. Idade: 18 anos. Escolarida-
de: 2° grau incompleto. Pai: des-
conhecido. Mãe: desaparecida.
“Ele não tem ninguém?”, pergun-
toua mulher na recepção do alber-
gue de moradores de rua. “Nem
avós, nem tios, nem primos, ne-
nhum parente?”,insistia, sem que- Paulo foi
rer acreditar que aquele menino recebido como
um tanto inocente, de olhar perdi- um filho
do, escolheu parar em um lugar na família de
Cláudia, mas
cercado por pessoas envolvidas não soube
com drogas e violência. Além da lidar com
ingenuidade aparente, o figurino a novidade
– tênis, bermuda e uma blusa es-
tampada no peito com “geração
forte” – o diferenciava. Foi instruí-
do a colocar um chinelo, ou pode-
ria ser roubado.
Carregava com ele “sua mu- lescência também não garantiu
dança” – duas mochilas e duas sa- que ele fosse preparado para ca-
colas –, o que era muita coisa para
quem chegava apenas para dor-
mir. “Isso aqui não é lugar para
ele”, ponderou a moça. Paulo saiu
da casa de acolhimento onde mo-
ravacommais13adolescentes,en-
minhar com as próprias pernas,
muito menos para a vida em famí-
lia. Quando apareceu uma que
lhe ofereceu um lar, Paulo não sa-
bia mais ser filho – já havia se
acostumado a ficar sozinho e de-
“Eunãosei
saiou um convívio familiar em um saprendido a amar. O albergue

serfilho”
apartamento, mas acabou em um de moradores de rua era, lamen-
alojamento junto a 150 adultos tavelmente, o seu destino.
com trajetória de vida nas ruas.
Entre a infância e a adolescên- CONVIVÊNCIA. Paulo não soube li-
cia institucionalizadas, Paulo es- dar com a rotina em família. Che-
teve na posição de vítima diver- gou a se entusiasmar com as pala-
sas vezes, inclusive de si próprio, vras “pai” e “mãe”, que passaram a
quando se boicotou em entrevis- fazer parte de seu vocabulário
tas de empregos e não construiu apósdezanos de vazio. “Écomo se
laços afetivos. Conheceu o abrigo eutivesse encontrado minhafamí- depois de sua chegada ao pequeno
aos 8 anos, após vizinhos denun- lia de verdade. Era isso que Deus apartamento, era perceptível que a
ciarem a negligência da mãe com reservava para mim”, expressou nova família ainda estava tentando
ele e as duas irmãs. Nos dez anos em sua primeira semana como fi- se adaptar. “Acredito que erramos
seguintes, não teve mais expe- lho. Mas não entendeu o sermão em relação às clarezas das regras,
riências em família. “Se ela é viva de um pai por ter mentido que es- porque ele chegou em um universo
hoje, não quero saber”, é só o que covou os dentes antes de dormir. muito diferente. Acho que ele se co-
ele diz sobre a genitora. Também Mentiu outras várias vezes por bo- bra muito”, ponderou a nova mãe.
não sabe o paradeiro das irmãs, bagens e não aceitou mudar, nem Talvez tenha sido com Lindinha,
que tiveram mais sorte e foram mesmo depois da conversa com a cadela da raça pinscher, com que
adotadas ainda crianças. um psicopedagogo voluntário. ele mais conseguiu se relacionar.
Os técnicos do acolhimento A família, muito religiosa, não Paulo ficava o tempo inteiro a

MOISÉS SILVA
nunca encontram nenhum paren- desistiu dele, abriu as portas da acariciando, enquanto se mostra-
te de Paulo. Enquanto era me- casa por acreditar que a missão va menos empolgado com aqui-
nor, ele sequer teve uma madri- de quem tem fé é “socorrer ór- lo que parecia um sonho na pri-
nha afetiva – espécie de mãe vo- fãos e viúvas”. “Paulinho é um an- meira semana. “Tudo que é no-
luntária aos fins de semana – jo que Deus mandou para a gen- vo para mim, é difícil. Não con-
com quem pudesse criar vínculo, te. Eu disse que ele podia ficar fio em ninguém”, disse o rapaz.
ouvir conselhos e se aproximar aqui o tempo que precisasse”, dis-
de um ambiente familiar. O siste- se Cláudia Ramos, 43. No dia em wvv vídeo
ma social que o assistiu até a ado- que o visitamos, quase um mês www.otempo.com.br

Apósganharumafamíliaaos18anos,elenãose
adaptoueabandonouolarparavoltaraviversozinho

No caminho para o albergue ciação Integração, da qual faz par- rua sem o apoio da associação.
“Tivemos duras
conversas com o Andando de moradores de rua, Paulo se
manteve em silêncio. Só respon-
deu, com dificuldade, a Bruno Pe-
te a família que tentou acolher Pau-
lo. Ele tinha dois meses para conse-
guir um emprego e se estabelecer
Com o empurrãozinho de Lí-
dia, ele logo conseguiu um em-
prego fixo como repositor de su-
Paulinho. Ele era muito
orgulhoso. Preferiu com as drosa – voluntário que o levava –
que tentaria ser sempre o “núme-
ro 1” e não se perderia naquele
em outro lugar. No domingo em
que ele saiu da casa da Cláudia Ra-
mos, Lídia o levou para conhecer a
permercado, próximo ao abrigo
Tremedal. Antes do primeiro sa-
lário, ele recuperou um emprés-
fugir do que enfrentar a
situação. Conseguimos próprias lugar. Em sua cabeça, lá seria co-
mo a Casa Tremedal, “só que pa-
ra adultos”. Mas era apenas um
realidade de moradores de rua.
“Paulinho chorou muito e se arre-
pendeu, mas teria que arcar com as
timo de R$ 20 que fez a um ami-
go, e disse que iria matar uma
vontade que há tempos lhe da-
a família com que ele
fosse morar, mas não pernas local para ele comer, dormir e to-
mar banho. Poderia chegar a par-
consequências do que fez”, contou.
O choque de realidade surtiu
va água na boca: comer um
hambúrguer.
tir das 17h e sair às 7h do dia se- efeito, e Paulo passava o dia todo Em fevereiro, Paulo iniciou o
deu certo. Abandonado guinte. Quando deu de cara com em busca de trabalho. Mas preci- ano letivo na mesma escola em
ele não ficou, mas tem os outros moradores de rua, al- sou da ajuda de Lídia, que impri- que estudava, agora vivendo por
guns sujos, malvestidos, logo avi- miu currículos, guardou os per- sua conta. “Prefiro ser sozinho, an-
sido um grande desafio sou: “Não vou ficar muito tempo tences dele, inclusive o tablet, e dar com minhas próprias pernas.
porque ainda não tem aqui. Esse lugar não é bom”, olha- lavou suas roupas, já que ele não Acho que estou amadurecendo”,
va, assustado. tinha onde fazer isso. “Está sen- reconheceu. Já deixou o albergue
maturidade.” A vaga na unidade estava garan- do difícil esse mundo novo sem e alugou um quarto. Agora, almeja
tida até o fim de março e foi solicita- meu tablet”, desabafou Paulo, voos mais altos, ainda que vagos:
Lídia Pedrosa, da por Lídia Pedrosa, mulher de sem se dar conta de que penoso “Quero ter minha casa e acho que
FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO INTEGRAÇÃO Bruno, com quem fundou a Asso- mesmo seria se ele estivesse na vou estudar música”.
4 O TEMPO Belo Horizonte

|Especial
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016

Medo de ser
independente
No mesmo dia em que viu
Paulo Mateus se despedir do
abrigo, Lucas Moreira se torna-
va um “dezoitão”, no dialeto dos
Paraquemcresceuemabrigos,sair
meninos da Casa Tremedal.
Consciente de que seria o próxi-
desseambienteéomaiordesafio
mo a sair da instituição, ne-
nhum abraço de parabéns pare-
paraencararavidaadulta
cia confortável para ele naquela
data. À tarde, Lucas recebeu
uma ligação da irmã mais velha,
e os educadores providenciaram período de acolhimento foi ter seria a “festa da família” no abrigo
um bolo improvisado para come- que ficar longe da família. Uma Dom Bosco, onde Leandro mora –
morar. Ao contrário do Paulo, década de estadia em abrigos a cerca de 13 km do Tremedal,
ele tinha para onde ir, poderia foi suficiente para que se tornas- mais de uma hora de ônibus. Os
morar com uma das irmãs, de se difícil justamente viver fora convidados para o encontro eram
20 e 24 anos, que deixaram o deles. Próximo de sair, Lucas parentes e padrinhos dos acolhi-
ainda estava sem emprego e dos, e como Lucas era “a família”
acolhimento anos antes dele.
sem saber com qual das irmãs do irmão, foi para o evento.
Mas isso não diminuía sua an-
mais velhas moraria dali para
gústia, e ele mal conseguia sus-
frente. “Eu não decidi ainda (o MONOSSILÁBICO. Na tentativa de
tentar um sorriso de canto de bo-
que vou fazer)”. Ele tem uma li- conhecer um pouco mais a sua
ca. Assim como a maioria dos
gação mais forte com o irmão história, nos oferecemos como
meninos institucionalizados há
mais novo, Leandro*, 14, e so- companhia para Lucas, mas o
mais tempo, Lucas temia ser in- bre isso demonstrava certeza: “dezoitão” dificilmente falava,
dependente, trabalhar e enfren- “quero ajudá-lo”. Afirmava que exibia poucos sorrisos tímidos
tar os desafios da vida adulta iria levá-lo para morar com ele ou proferia apenas “uhum” e
porque não se sentia preparado. ao sair do acolhimento, apesar “não sei”, usando sempre o arti-
Lucassemprecontoucom ocui- de ainda não ter responsabilida- fício de repetir a pergunta. Na
dado e a assistência dos cinco abri- de para isso. verdade, o silêncio dizia muito
gos da capital por onde passou du- Até o ano passado, os dois esta- sobre ele. Lucas não se fechou à
rante 11 anos. Sem conhecero pai, vam no mesmo abrigo, mas fo- toa. Não teve a mãe para lhe
ele foi levado para o acolhimento ram separados porque, na avalia- educar, conversar e dar afeto.
aos 7 anos após ser constatado que ção de psicólogos, o convívio não Apesar de tudo, ela lhe fazia fal-
a mãe, usuária de drogas, não ti- fazia bem para os meninos. Lean- ta todos os dias.
nha condições de cuidar dele e dos dro, considerado o “terror” dos No abrigo, Lucas passava a EDITORIA DE ARTE / O TEMPO
seis irmãos – entregues a institui- educadores, badernava contando maior parte do tempo assistindo
çõesdevido ahistóricosdeabando- com a proteção do irmão, que, ao televisão sozinho ou no vídeo ga- FICHA
no e trabalho infantil. Eles acaba- defendê-lo, se envolvia em confu- me emprestado por um vizinho. “Ele se esquiva de qualquer con-
ram ficando em abrigos diferen- são. “O que eu mais senti falta Enquanto alguns adolescentes versa. Não está querendo falar so- Processo
tes, separados por gênero e idade. (quando mudei de abrigo) foi do matraqueavam, pouco ouvíamos bre a saída do abrigo”, contou, à
O mais difícil para Lucas no meu irmão”, recorda Lucas. a voz dele. Os funcionários o defi- época, o psicólogo do Tremedal,
Nome
A timidez que sobra no Lu- nem como um menino “bonzi- Fabiano Loureiro.
cas falta no mais novo, nho” e “na dele”. E foi esse jeiti- No dia 23 de dezembro de
que é brincalhão e ba- nho que conquistou uma educa- 2015, cinco dias depois do aniver-
gunceiro. O cari- dora da antiga unidade onde ele sário, Lucas arrumava suas ma- Nascimento
nho entre eles morava. Quando ele saiu, ela pô- las (sacolas plásticas e mochila) Idade
não é visto em de se tornar sua madrinha afeti- para ir embora. Acolhimento*
um abraço, va. Por isso, Lucas respondeu so- “ Você está feliz?” “Sei não.”
Encaminhado pelo
mas na con- bre a melhor parte da vida em “ Mas está a fim de sair do abri-
sideração e abrigos: “Conhecer pessoas que go?” “Não”. Juizado da Infância e Juventude
LINCON ZARBIETTI

de Minas Gerais - Vara Cível


na vonta- me ajudaram”. Mais tarde, apertou a mão dos
de de esta- Mas completar 18 anos o ator- colegas acolhidos, abraçou sem
rem jun- mentou tanto que ele não quis jeito um dos educadores e seguiu Motivo
tos. No dia mais saber da madrinha, muito com a irmã para a “vida adulta” Negligência, mendicância, uso de
do aniver- menos conversar com os educa- da qual tanto evitou falar. drogas e álcool por parte da
genitora. Pai desconhecido
sário do Lu- dores e os técnicos da casa. Preci-
cas, à noite, sou tomar remédio controlado. * Nome fictício Desligado do abrigo em

23/12/2015
Na Casa Tremedal, as principais distrações de wvv vídeo
Lucas eram o futebol e os jogos no vídeo game www.otempo.com.br FONTE: CASA TREMEDAL *INSTITUCIONAL

¬ Quando um adolescente leva jeito no posta vem de um garoto aparentemen- semanaemuma quadra próxima ao abri-

Serjogador futebol e diz que quer ser jogador, não é


raro os pais o levarem para treinar, fa-
zer testes em times e estimular o talen-
to. Com Lucas não foi assim. Além de
te cansado de ver esse e outros sonhos
passarem desamparados pelos anos
de abandono. E, com a chegada dos
18 anos, veio a necessidade de traba-
go e o jogo de futebol no vídeo game.
Em novembro, ainda no abrigo, Lu-
cas conseguiu um emprego como entre-
gador de marmitex, por indicação do

defutebol ser um “menino de abrigo”, onde os en-


caminhamentos são naturalmente mais
trabalhosos, sua inibição e sua insegu-
lhar, dissolvendo ainda mais o sonho
de Lucas de ser jogador. “Queria mes-
mo era jogar bola. Não sei se eu conse-
cunhado. Ele estava no final do perío-
do letivo e conciliava o trabalho, de
dia, e a escola, à noite. “Não tô gostan-

nãopassou rança podem ter dificultado. É bem pro-


vável que ninguém tenha percebido es-
sa vontade para orientá-lo.
Nem ele sabe explicar o motivo de
guiria passar nos testes, mas queria ter
tentado”, lamentou.
Nas tardes em que o futebol tomava
conta da rua em frente à Casa Tremedal,
do do serviço porque tem que andar
muito. Mas o salário é R$ 930”, contou
feliz com a quantia que considerava al-
ta. Mas nem isso o segurou no cargo,

deumsonho nunca ter feito um teste. E por que não


tenta agora? “Já passei da idade de ter
alguma chance”. O desânimo da res-
Lucas se sobressaía. Todos garantem
que ele “é bom de bola”. Seus passatem-
pos prediletos eram a “pelada” no fim de
que abandonou em duas semanas.
“Vou esperar arrumar outra coisa. Meu
cunhado disse que vai me ajudar”.
Especial|
O TEMPO Belo Horizonte
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016 5

MOISÉS SILVA
Lucas
Lucas tatuou
da
da mãe
Ela
sete
do
tatuou oo nome
mãe nas

do vício
nome
nas costas.
Ela abandonou
costas.
abandonou os
sete filhos
filhos por
vício em
os
por conta
conta
em drogas.
drogas. Lucas quer
encontrar a mãe LINCON ZARBIETTI
¬ Simone. O nome tatuado
nas costas é uma das poucas re-
cordações que Lucas Moreira
tem da mãe. Mas ela nunca viu
a homenagem do filho. Eles
não se encontram desde que o
garoto foi acolhido por um abri-
go, há 11 anos. Ela “espanca-
va” (nas palavras da irmã) os
filhos, obrigava-os a pedir di- No último dia como
nheiro na rua e os abandonou, abrigado, Lucas
mas era a mãe que eles tinham, estava mais
não importava o que ela tives- reservado do que
se feito. A tatuagem responde de costume
por Lucas o que a genitora re-
presenta para ele. A irmã de 24
anos, com quem Lucas foi mo-
rar ao sair do abrigo, conta que
também sente falta do carinho
materno até hoje.
Enquanto estava no acolhi-
mento, Lucas não podia encon-
trar com a mãe porque ela havia
perdido o poder familiar sobre
os filhos. Mas, assim que ele foi
morar na casa da irmã, já expres-
sava a vontade de ir em busca
de Simone. Estar mais próximo
da família resgatou esse desejo:
“Vou procurar minha mãe. Te-
Longedosmurosdoabrigo,
nho saudade dela”, disse. Per-
guntado, então, sobre o que ele
umdosprimeirosplanosdeLucasé
faria se a encontrasse, Lucas
abre um sorriso largo e respon-
reencontrarquemoabandonou
de: “Não pensei ainda não”, co-
mo se aquilo fosse um sonho ain-
da distante. Em seguida, conta
que a levaria para morar com “Não vou abandonar o Lucas. Eu ro, aquela expressão desnortea- contandocom indicaçãodefamilia-
“Sinto saudade dos ele. Já a irmã fala sobre mágoas, e meu marido vamos ajudá-lo da que exibia antes de deixar o res, Lucas ainda não havia conse-
ao mesmo tempo em que expres- em tudo, inclusive para ele con- acolhimento deu lugar à de um guido trabalho. Não recebeu res-
meninos (acolhidos) e sa a vontade de um abraço. seguir um trabalho e construir a garoto mais motivado, e até postas às entrevistasque fez. “Espe-
dos educadores que A ausência da mãe estava sen- vida sozinho. Nós somos uma fa- mais falante – era o efeito de po- ro que alguém ligue. Vou conti-
me ajudaram quando do superada pela proximidade mília”, afirmou a irmã, que pe- der contar com o apoio da famí- nuarprocurando”, afirmou,noúlti-
entre os irmãos, que, aos poucos, diu anonimato. lia. “Foi bom ter saído do abri- mo contato que a reportagem con-
eu estava lá. Mas foi era retomada. Em uma casa de go”, já dizia ele com a firmeza seguiu fazer com ele.
bom (ter saído do três cômodos, Lucas passou a se ADAPTAÇÃO. Antes de ir para a ca- de quem estava em um lar, en- À época, o “dezoitão” também
abrigo) porque aqui sentir acolhido de verdade, após sa dela, Lucas tentou morar tre irmãos. Os novos planos do tinha outra preocupação: conti-
11 anos de vida institucional. com a outra irmã, de 20 anos, garoto vão desde tentar vestibu- nuar os estudos, pois ele ainda não
(na casa da família) a Ele, que sempre dividiu o quarto com quem mostrava ter mais lar para ciência da computação terminou o ensino médio, estava
gente fica perto e apoia com outros três adolescentes no afinidade. Não deu muito cer- até fazer um curso para cabelei- atrasado dois anos. Em fevereiro,
um ao outro.” abrigo, agora dormia com dois to, e, dias depois, ele se juntou reiro. “Quero ter uma profis- as aulas já tinham começado, e Lu-
sobrinhos, de 2 e 4 anos, e podia à mais velha. Precisou de algu- são”, disse ele, sem voltar a fa- cas não havia conseguido se matri-
ajudar a irmã a cuidar deles. Em mas semanas para se adaptar lá lar do futebol. cular na escola próxima a sua nova
Lucas Moreira, 18 troca, ele tinha a promessa – ou também. No início, Lucas não Ele precisava logo de um em- casa.“Minha irmãestá tentando re-
EX-ABRIGADO
o consolo – de que ela iria susten- estava à vontade com a mudan- prego. Mas quase dois meses de- solver a documentação, mas não
tá-lo pelo tempo que for preciso. ça. Mas, quando se sentiu segu- pois de deixar o abrigo, mesmo tem vaga”, justificou.

¬ Leandro*, 14, o mais novo dos ir- tituição e às drogas para conse-
mãos, é o único que ainda está em abri- guir ter o que o acolhimento ga-
go. Lucas está determinado a tirá-lo de rantia a elas por lei: “comida
lá antes de o menor chegar aos 18 anos, feita, roupa lavada...”, cita
Irmãs mas a vida simples que ele e as irmãs
levam ainda não oferece condições para
isso. A irmã com quem Lucas mora
Jéssica. Ao perder isso, aos
14 anos, ela teve “que fa-
zer coisas que ninguém
desejam
MOISÉS SILVA

atualmente tem dois filhos, e a irmã deveria aprender”. E o


mais nova, Jéssica Moreira, 20, tem um que mais a assustou: “Vi
menino de 3 anos. Hoje Jéssica dá conta o olhar de maldade das
umdestino de sustentar o filho trabalhando de dia
e fazendo bicos à noite, mas admite que
pessoas”.
Agora, ela e a irmã

diferente já pensou em entregar o garoto para a


adoção por causa das dificuldades.
“É difícil crescer sem a mãe, a gente
querem ajudar Lucas e, fu-
turamente, Leandro, para
que eles não tenham “o mes-

paraele precisa de uma pessoa para ensinar, pa-


ra aconselhar”, afirma Jéssica, reprodu-
zindo um pouco da vida que ela e a irmã
mo destino”, na definição de-
las. “O Lucas tem a gente e tem
que aproveitar isso para concluir Na casa da
de 24 anos escolheram ao sair do abrigo os estudos e procurar um empre- irmã, Lucas
onde moravam, na adolescência, para go”, deseja Jéssica, que também fala ajuda a cuidar
viver na rua. As duas recorreram à pros- no próprio sonho: ser policial. dos dois
sobrinhos
6 O TEMPO Belo Horizonte

|Especial
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016

Sozinhos
Há dois anos fora
do abrigo, João
Victor Alves, 20,
trabalha e mora
sozinho em uma

MOISES SILVA
casa que alugou,
no Carlos Prates

edesamparados
¬ Eles já começam a ficar aflitos gumaviolaçãodedireitos(abando- há detalhes nem previsão de data.
aos 15 e 16 anos porque passam no, negligência, violência física “A maioridade dos acolhidos é
a lidar com uma contagem re- etc.) e não podem permanecer na uma questão que nos preocupa.
gressiva para a maioridade. família de origem são acolhidos Não há muita oferta de convivên-
“Quando penso em sair do abri- em instituições. Essa estadia, que cia comunitária, e a assistência so-
go, acho que vou morrer”, diz deveria ser de, no máximo, dois cial é uma política cara”, destaca
uma garota de 15 anos, que foi anos, como prevê o Estatuto da Norma Rosimere, coordenadora
acolhida aos 11. Alguns adoles- Criança e do Adolescente (ECA), daSupervisãodeEntidadesdaPre-
centes saem com mais tranquili- acaba se estendendo, em diversos feitura de Belo Horizonte (PBH).
dade e vão morar com outros jo- casos,porqueéconstatadaaimpos- A Associação Irmão Sol, res-
vens. “Mas outros se angustiam
diante da saída, principalmente
sibilidade de retorno à família. E,
após os 7 anos, as chances de ado-
ponsável por cinco abrigos em Be-
lo Horizonte, entre eles o Treme-
técnicos do abrigo buscam desen-
volver com eles a aquisição de au- Nopaís,
os que estão institucionalizados
há mais tempo e sempre tiveram
ção no Brasil são mínimas.
Quando o adolescente comple-
dal, já teve uma república onde
era cobrado cerca de R$ 50 por
tonomia e de responsabilidades
através de estudos, tarefas domés- 2.687
o Estado os amparando”, afirma
o psicólogo da Casa Tremedal,
ta 18 anos no abrigo, é abandona-
do mais uma vez, agora pelo Esta-
mês dos meninos que saíam do
acolhimento. Lá, eles podiam co-
ticas, trabalho e cursos. “Mas é
muito complicado porque a gente jovens
Fabiano Loureiro.
Paulo Silva e Lucas Moreira re-
do, que encerra suas obrigações.
Defensores dos direitos desses jo-
meçar uma vida independente,
com o apoio da entidade.Mas a or-
dá tudo para esse menino no abri-
go, ele não tem noção do valor
atingirãoa
presentam uma lista de nove* “ex-
pulsos”de unidades deacolhimen-
vens, no entanto, argumentam
que os municípios devem ofere-
ganização da casa não deu certo e
foi fechada recentemente.
das coisas e do dinheiro”, ressalta
o coordenador do Tremedal, Fre-
maioridade
todeBeloHorizonte,noanopassa-
do, por atingirem a maioridade.
cer uma república juvenil, onde
esse “recém-maior de idade” te-
Para o superintendente da
Coordenadoria da Infância e Ju-
derico Suppa Costa.
Aspartidas de Paulo e Lucas fo-
emabrigos;
Foram cinco homens e quatro mu-
lheres. Em 2014, oito*. Em todas
nha opção de morar até se estabe-
lecer de fato. A Secretaria Munici-
ventude do Tribunal de Justiça de
Minas (TJMG), desembargador
ram sofridas, mas eles se revela-
ram meninos bem-esclarecidos e
aprefeitura
as situações, o parecer técnico
apontavaquenãoexistia perspecti-
pal Adjunta de Assistência Social
informou que planeja criar neste
Wagner Wilson Ferreira, o Estado
e a sociedade deveriam ter mais
tiveram algumas oportunidades
nofinal.Há adolescentesquepreo-
dacapital
va de retorno ao lar nem de famí-
lia substituta para esses que se tor-
ano – pela primeira vez – duas re-
públicas para ex-acolhidos de 18
projetos para profissionalizar es-
sas crianças. “Com a preparação
cupam ainda mais, como os meni-
nosquepossuemtranstornosedifi-
planejacriar
naram jovens institucionalizados.
Ao redor do Brasil, havia, em feve-
a 21 anos, que não têm como se
sustentar.
adequada no abrigo, não seria ne-
cessária a república”.
culdades de socialização.
nesteano
reiro passado, 2.687** adolescen-
tes com 17 anos em abrigos – pró-
A proposta é ter unidades femi-
nina e masculina,com seis pessoas ANGÚSTIA. Diante da falta de alter-
* Informações do Sistema de Gestão
da Informação das Políticas Sociais
repúblicas
ximosa enfrentar osmesmos desa-
fios de Paulo e Lucas.
em cada. Será feito um chama-
mento público para selecionar a
nativas, com a proximidade dos
18 anos, quando não há possibili-
da PBH. ** Dados do Cadastro
Nacional de Crianças Acolhidas do
juvenis
Menores que são vítimas de al- entidade parceira, mas ainda não dade de reintegração familiar, os Conselho Nacional de Justiça.

EDITORIA DE ARTE / O TEMPO

ACOLHIMENTO EM BELO HORIZONTE Planejamento


Conheça a estrutura disponível para atendimento a esse tipo de público é o ‘trunfo’ para
49
unidades de
SEPARAÇÃO MEDIDA LEGISLAÇÃO deixar o abrigo
acolhimento
institucional para
Existem unidades para
crianças de 0 a 6
O acolhimento institucional
é uma medida protetiva
O acolhimento institucional é previsto
no Estatuto da Criança e do Adolescente sem susto
crianças e adolescentes, anos,irmãos de 0 a 11 aplicada pela Vara da (ECA) como medida protetiva ‘provisória
com cerca de anos, meninas e Infância e Juventude em e excepcional’, até que seja possível a Morar com a mãe não estava nos planos
700 vagas meninos (separados)
de 7 a 12, e adolescentes
casos de violação de direitos
de crianças e adolescentes.
reintegração familiar, com prazo
máximo de dois anos.
de JoãoVítor Alves quando ele saísse do abri-
de 12 a 17 anos (também É de responsabilidade da go, onde viveu por 11 anos. Ele tinha medo
Todas as casas são Se não houver retorno à família de
Organizações segregadas). Para essa Assistência Social a de não dar certo, de se envolver com proble-
origem, deve ser tentada a extensa (tios
Não-Governamentais última faixa etária, são proteção integral, a e outros parentes), e em último caso, mas e, por isso, desejava viver sozinho. Al-
(ONG), sendo 11 casas com 165 vagas. acolhida, a permanência e o uma substituta (adoção). Pela lei, o ves buscou, então, a maturidade que a maio-
Todas costumam ficar desligamento dos menores, ria dos abrigados não tem próximo de atin-
47 ocupadas garantindo o acesso à
atendimento nos abrigos é obrigatório
até os 18 anos incompletos. gir os 18 anos. Hoje, aos 20, ele olha para
conveniadas educação, à saúde, ao
com a prefeitura esporte, ao lazer, trás e conta como conseguiu deixar o acolhi-
ou parceiras dentre outros mentobem, contrariando todas as expectati-
da PBH vas. Ele está empregado, mora sozinho em
uma casa alugada no bairro Carlos Prates,
na região Noroeste da capital, e seu próximo
objetivo é fazer faculdade de design gráfico.
“Guardei dinheiro durante os estágios
que fiz quando ainda era menor de idade e
aprendia cozinhar, lavar roupae limpar a ca-
sa no abrigo”.Com a fala desenvolta, ele con-
ta a sua trajetória durante a infância e a ado-
lescência. “Crescer sem os pais te obriga a
atingir a maturidade mais cedo”. Mas ele só
conseguiu porque soube ouvir os conselhos
INVESTIMENTO dos educadores do abrigo e, principalmente,
EM 2015, FORAM APLICADOS:
da madrinha afetiva, que foi fundamental na
Quase
MUNICÍPIO R$ 15,5
sua formação. “Minha madrinha me incenti-
milhões vava a ler um livro por dia, aprendi um mon-
R$ 1,3 te de coisa”. Agora, ele faz questão de repas-
GOVERNO DO ESTADO
milhão Total sar essa orientação aos acolhidos, sempre
R$ 3,3 que volta ao abrigo. “Tem que aprender a se
UNIÃO
milhões
R$ 20,1 virarcedo”. Obom relacionamentona unida-
milhões de lhe rendeu frutos: João Victor é recepcio-
nista na Associação Irmão Sol, responsável
FONTES: PREFEITURA DE BH E PESQUISA DIRETA
pelos abrigos onde ele viveu.
Especial|
O TEMPO Belo Horizonte
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016 7

¬ Em uma das visitas que fizemos “Quando fui


preencher os papéis

Há chance de
ao abrigo Tremedal, encontramos
Miguel*, 16, aos prantos e gritan- do apadrinhamento,
do: “Vou fazer igual goleiro (quan- senti como se estivesse
do quer agarrar a bola) e me jogar
na frente de um carro. Quero ver se indo para a
Deus vem me buscar!”. Ele tinha maternidade. Eu ia

convívio
acabado de saber que seu padri- apadrinhar só uma,
nho desistiu dele após quatro anos
de convivência. O garoto tem dis- mas depois fiquei
túrbios mentais e começou a ficar sabendo que a irmã
mais agressivo. O padrinho tentou dela tinha perdido a
continuar, mas não aguentou.
Assim como na adoção, o apa-
madrinha, e trouxe
drinhamento de adolescentes é as duas.”

familiar
mais difícil, já que a maioria das pes- Márcia Costa, 56
soas prefere crianças de no máxi- Técnica de enfermagem
mo 12 anos. “De dez ligações que
recebo de voluntários, nove são nias Neves Ferreira.
querendo crianças”, contou o coor-
denador do Tremedal, Frederico EXPERIÊNCIA. Por estarem distantes
Suppa Costa. Até dezembro passa- dos pais e de outros parentes, os pa-
do, entre os 14 acolhidos (de 12 a drinhosdão aos menores a oportuni-
17 anos) na casa, apenas três ti-
nham padrinhos continuados.
Distantesdospais,acolhidosveemno dade de ter uma atenção individuali-
zada e de conviver em família. No
A Constituição Federal estabele-
cecomodeverdafamília,dasocieda-
apadrinhamentovoluntáriooportunidade apadrinhamento afetivo continua-
do, como o que tinha Miguel, os aco-
de e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta priori-
deteratençãoindividualizadaeuma lhidos passam fins de semana, feria-
dos e férias nas casas das famílias vo-
dade, o direito à saúde, à alimenta-
ção, à educação, ao lazer, à profissio-
outraexperiênciadevida luntárias e criam vínculos. Ainda
que haja desligamentos, os técnicos
nalização,àcultura,àdignidade eao dos abrigos acreditam que esse con-
respeito. Mas, quando se trata de tato é importante para os meninos.
adolescentes,existeuma dificuldade “O carinho familiar ajuda muito na
culturalparasecaptarpadrinhosafe- evolução deles”, avaliou o psicólogo
tivosqueosincluamnosconvíviosso- Fabiano Loureiro.
cial e comunitário. Por preconceito, Há três anos, a técnica de enfer-
a sociedade acha que o jovem é mais magem Márcia da Costa é madrinha
difícil de lidar. “Ele é marginalizado, afetiva das irmãs Júlia*, 12, e Bian-
mas, na verdade, é uma vítima so- ca*, 15. “Apadrinhei como um ato
cial. E o apadrinhamento poderia de fraternidade, mas, com o passar
mudar o rumo dele”, defende Nor- do tempo, percebi que elas é que
ma Rosimere, coordenadora dos me ajudavam a quebrar muitas
abrigosparceiros por parte da prefei- barreiras”, analisa Márcia. As me-
tura da capital. ninas brigavam muito, mas, de-
Há 15 anos, o Centro Vo- pois da convivência com o mari-
luntariado de Apoio ao Me- do e as filhas de Márcia, ficaram
nor (Cevam) desenvolve mais amigas.
o programa de apadrinha- O apadrinhamento também fez
mento a crianças e adoles- com que Bianca passasse a falar so-
centes de 4 a 17 anos, na bre realizar sonhos e já pensasse em
capital mineira. Eles es- ser cabeleireira. “É bom ter uma ma-
tão, atualmente, com cerca drinha para não sentir falta da
de 200 padrinhos, mas o ob- mãe e para saber que tem
jetivo é ter sempre 350. “As sempre alguém para nos
pessoas visualizam como ajudar fora do abrigo”,
criança só os pequenos. diz.
O conceito internacio- * Nomes fictícios
nal de criança é até
os 18 anos incom-
pletos. E o adoles-
cente tem uma
carência maior
pelo tempo Como apadrinhar? Os inte-
que está insti- ressados podem procurar o
tucionaliza- Cevam, na rua dos Goitaca-
do. Se quere- zes, 71, centro da capital. Te-
mos uma so- lefone: (31) 3224-1022 /
ciedade me- www.cevambrasil.com.br
lhor, isso pas- Irmãs adolescentes passam
sa por aco- fins de semana, férias e viajam
lher esses meni- junto com a família da
nos”, disse o presi- madrinha Márcia Costa wvv vídeo
dente do Cevam, Ana- www.otempo.com.br

MOISÉS SILVA

¬ No fim do ano passado, faltavam poucos e a procura é maior. Em Belo Horizonte, o computador, fezcom que aqueleapadrinha-
dias para o Natal, e, enquanto a maioria das Cevam faz essa mediação com os interessa- mento não se prolongasse depois. “Mas não

Àesperapor pessoas se preparava para a festa, os adoles-


centes do abrigo Tremedal torciam para en-
contrar quem os levasse para as comemora-
dos,e a ideia é que o apadrinhamento se tor-
ne continuado, mas não obrigatoriamente.
Vitor*, 14, conseguiu uma madrinha de
vou desistir de ajudar, talvez agora pegar
um mais novo”, avaliou Zilda.
AAssociaçãoIntegração,porsuavez,per-

umacasapara ções de fim de ano. Como a maioria deles


não tinha padrinhos afetivos, a data era a
chance de, ao menos uma vez, vivenciar o
Natal horas antes da festa. “Só de sair daqui
já é muito bom, mas eu quero comer aquela
comida gostosa e jogar bola”, revelou suas
cebeu que havia uma dificuldade de promo-
ver atividades com os adolescentes dentro
dos abrigos, e resolveu apadrinhar as unida-

passarNatal ambiente familiar. Mas a angústia da espe-


ra só acabou na tarde de 24 de dezembro,
quando todos eles conseguiram uma famí-
expectativas ao conhecer a mais nova ma-
drinha, Zilda Oliveira, 57. Ela abriu a casa
para o acolhido e ganhou uma companhia
des de acolhimento como um todo. “Os aco-
lhidossaemparapassear edepoisvoltampa-
ra a casa deles, que não têm nada de interes-
eAnoNovo lia para passar a noite natalina – a outra op-
ção seria ficar no abrigo com uma ceia im-
provisada pelos educadores de plantão.
para o neto adolescente. “Ele (o neto) sem-
pre passa as festas de fim de ano no meio de
um monte de adultos. Achei a proposta de
sante”, expressou a fundadora Lídia Pedro-
sa,31.Noabrigo Tremedal,quesó temrapa-
zes, voluntários do projeto participaram de
No Natal e no Ano Novo, as pessoas es- ser madrinha muito legal”, disse Zilda. Mas um churrasco na casa e levaram meninas de
tão mais sensíveis em apadrinhar crianças, o desinteresse de Vitor, que só quis saber do outras instituições para interagir.
8 O TEMPO Belo Horizonte

|Especial
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016

Sintomas
¬ Em uma apertada sala de televi-
são, 14 meninos assistiam ao fil-
me “Pequenos Grandes Astros”
como se estivessem em uma ses-
são de cinema. Mas eles estavam
ali, em um abrigo de adolescen-
tes, porque foram vítimas de algu-
ma violência e precisaram ser
afastados de suas famílias. Aque-
le cômodo em que se amontoa-
vam reunia as mais diversas vul-
nerabilidades sociais. Augusto*,
12, foi estuprado pelo professor
da escola. Pedro*, 13, foi largado
do abandono familiar

MOISÉS SILVA
ainda pequeno com o irmão den-
tro de casa por quatro dias, co-
mendo alimento podre. Júlio*,
16, é filho de moradores de rua
que perderam o poder familiar so-
bre ele. Francisco*, 17, era obriga-
do pela mãe a pedir comida no su-
permercado até os 7 anos. Outros
também foram forçados a traba-
lhar e até a assaltar ainda crian-
ças, ou possuem famílias envolvi-
das com o tráfico de drogas.
Mas o filme contava a história Além da bola, acolhidos
de um garoto de um orfanato nor- dividem na casa sonhos,
te-americanoqueencontrouumtê- carências e dificuldades
nis mágico para realizar seu so- de se relacionarem
nho.Eseessesapatomilagrosofos-
se parar no abrigo Tremedal, em
Belo Horizonte – perguntaram as
voluntárias(estudantesdepsicolo-
gia que promoveram a sessão com
pipoca) –, o que os meninos fa-
riam?“Queriausarotênisparamu-
dar o que as mães fizeram com as
criançasqueforamparao abrigo,e
manter os filhos perto dos pais”,
confidenciouumdosgaro-
tos. “Aí nem mágica resol-
ve”, retrucou o do lado.
A proposta da ativida-
de, explicada ao final, era
fazê-losacreditar que o tê-
Jovenscarregamas nacional mos-
tra que, atual-
ro nobre da capital mineira. Esse
é o primeiro passo para, futura-
lembro de tudo, da vida na rua
(durante três anos), das drogas,
nis que pode mudar a vi-
da deles está na força de
maisvariadasfragilidades, mente, 75%
dos menores
mente, o adolescente passar a ser
seu filho legal. Mas Maurício tem
das brigas”, diz Marcelo, que per-
gunta:“Foi bom para o meu irmão
vontade de cada um. “To-
do mundo quer o tênis,
comodéficitdeatenção já passaram
dessa idade
um irmão gêmeo que continua
na casa de acolhimento – Marce-
sair daqui, né, tia?”, e ele mesmo
responde: “A casa que ele está é
mas ninguém estuda, só
eu”, argumentou, então,
edesestímulo (veja os núme-
ros abaixo).
lo*, 13, tem uma deficiência na
perna e, por isso, recebe um salá-
muito boa. O padrinho dele disse
que, se eu estudar, vai me ajudar
Luiz*, 16. Diante des- rio mínimo do governo. quandoeu tiver 18anos”, agarran-
se cenário, Os dois foram acolhidos com 7 do-se à esperança que lhe resta.
FRAGILIDADES. No abrigo, Maurício*, 13, anos e planejam morar juntos. * Nomes fictícios
eles têm quase tudo que um ado- provoca neles abrangem defasa- é uma exceção. O padrinho afeti- Maurício sempre visita o irmão no
lescente precisa para crescer “for- gem escolar, déficit de atenção e vo pediu a guarda dele na Justiça abrigo. Há quatro anos, eles não wvv vídeo
te”, mas faltam afeto, amor de tendência a problemas psiquiátri- e o levou para morar em um bair- têm notícias dos pais. “Mas me www.otempo.com.br
mãe e atenção de pai. A fala emo- cos. “Providenciamos os encami-
cionada de Anderson*, 13, é a ex- nhamentos em relação à saúde, à LINCON ZARBIETTI
pressão dessa ausência: “Minha educação e a outros aspectos que
mãe, uma vez, disse que me ama- possam minimizar essas dificulda-
va”. Mesmo com todo o empenho des”, explica o psicólogo do abri-
do mundo, os educadores que cui- go, Fabiano Loureiro. É por isso
dam deles não conseguiriam, em que o acolhimento institucional é A maioria dos
12 horas de plantão, dar conta de a última das medidas de proteção adolescentes de
toda essa carência que os meni- a ser aplicada a uma criança, ape- abrigo faz uso de
nos carregam. Nós, repórteres, nas quando os vínculos familiares medicamentos
sentimos isso já na segunda visita estão completamente fragiliza-
que fizemos à casa, quando passa- dos. E, quando chega a esse pon-
mos a ser chamadas de tias e tios, to, muitas vezes, é irreversível.
recebendo abraços aconchegan- Com os pequenos, é mais fácil
tes e, na despedida, a mesma per- conseguir um futuro fora da insti-
gunta: “Quando vocês voltam?”. tuição. Mas a adoção tardia não é
A maioria dos meninos faz uso uma cultura brasileira. Enquanto
de medicamentos. Os efeitos cola- 96,5% dos pretendentes querem
terais que o abandono familiar crianças de até 7 anos, o cadastro

EDITORIA DE ARTE / O TEMPO

ESPERA INVERTIDA Veja abaixo os dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), atualizados em fevereiro deste ano
NÚMERO DE PRETENDENTES NÚMERO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Minas é o 4º Estado 24,65ê
Brasil Total dos que em número de
pessoas para
95,6% das
possuem irmãos dos pretendentes crianças no
6.314 adoção, perde para cadastrados desejam CNA têm
4.288 São Paulo, Rio adotar crianças de até 7 anos
Grande do Sul e até 7 anos
Paraná
Brasil Minas Gerais
São 335 pretendentes para adolescentes de 12 a 17 anos,
34.806 3.855 mas 3.475 jovens nessa faixa etária aguardam adoção.
Minas Gerais
729 Quase 1.000% a mais
FONTE: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Especial|
O TEMPO Belo Horizonte
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016 9

Bullying ¬ “Numa folha qualquer eu dese-


nho um sol amarelo/E com cin-
co ou seis retas é fácil fazer um
castelo”. Em uma tarde de quin-
ta-feira, em dezembro do ano
passado, a música “Aquarela”,
no e não voltou. A suspeita é
que ele esteja na casa da mãe ou
dos irmãos paternos que moram
no interior de Minas e já tinham
interesse na guarda.
Felipe foi o primeiro dos cin-

provoca evasão
de Toquinho e Vinicius de Mo- co meninos que evadiram desde
raes, tomou conta da cozinha do quando a reportagem começou
abrigo Casa Tremedal. Aquela a acompanhar o Tremedal, em
era a última vez em que o som outubro de 2015. Foi um impac-
do violino de Felipe*, 12, ecoa- to grande porque esperávamos
ria pela casa. No dia seguinte, o a apresentação dele na cantata
garoto evadiu-se. No lugar, não de Natal do TJMG. Assim que
se usa a palavra fugiu porque os deixou o acolhimento, ele nos
Por não conseguirem lidar com a vida em abrigos, meninos não estão presos e são deu notícias pelo Facebook e dis-
mantidos no abrigo por uma me- se que estava bem, mas preferia
muitos acolhidos vão embora; em 2015, foram 43 dida protetiva. Em 2015, 43 ado- não contar onde estava. Quan-
lescentes – 24 homens e 19 mu- do saem do abrigo, os adolescen-
lheres, de 12 a 17 anos – fizeram tes se mantêm conectados às re-
EDITORIA DE ARTE / O TEMPO
o mesmo movimento de Felipe e des sociais, postando fotos e ví-
FALANDO EM SONHOS abandonaram os abrigos da capi-
tal mineira.
deos constantemente.
Os educadores do abrigo não
Em uma atividade com um grupo de estudantes de psicologia, A evasão de Felipe surpreen- podem impedir essa situação.
Violência alguns dos meninos do abrigo contaram sobre seus sonhos e deu a todos na casa. Dedicado,
ele estudava violino diariamen-
Eles tentam não facilitar, manten-
do as portas da casa trancadas,
desejos para o presente e o futuro. Confira:
é sinal de te. “Eu gosto muito de música.
Via os meninos tocando e pedi
mas os menores não estão presos
e, se decidem sair, só resta à uni-
Casar e
defesa e de ter filhos, jogar futebol,
trabalhar, ser funkeiro, engenheiro
Ter a família
reunida, ajudar as pessoas que
precisam, ajudar a família
aos educadores para me leva-
rem na aula”, contou antes de
dade comunicar o ocorrido à Jus-
tiça. “Temos que ir atrás desse
partir. Ele participava da orques- menino. Nós nos baseamos no
carência ou jogador de futebol,
sair daqui
quando crescer, ser ciclista, ser
atirador do Exército, ser tra de adolescentes do Tribunal histórico dele no abrigo. Se esti-
recepcionista ou jogador de de Justiça de Minas Gerais ver com a família que não tem
¬ “Eu esperei ele ir para futebol, encontrar pessoas (TJMG) desde o início de 2015 mais a guarda, é feita uma busca
12 ANOS
o quarto, derrubei ele e – um ano difícil para o garoto. O e apreensão”, explica Nádia Quei-
comecei a bater. Eu ia pe- 13 ANOS irmão de que ele gostava foi roz, coordenadora do Serviço de
gar a tesoura e enfiar na Tirar morto a tiros, a mãe foi presa, e Orientação e Fiscalização a Enti-
garganta dele, mas sol- a mãe da rua, ter o pai morreu de depressão. dades de Acolhimento (Sofes).
tei, e ele deu umas sete condições de ajudar Na semana em que ele dei- Se o adolescente que abando-
tesouradas nas minhas os pobres, ser Tirar carteira de xou o acolhimento, a mãe tinha nou o abrigo quiser voltar, deve
jogador de futebol, motorista, ser cozinheiro,
costas”. Após essa briga morar nos EUA
saído da prisão e ido visitá-lo. ir ao Conselho Tutelar. “Em
goleiro ou professor (de
com o pai, Gabriel*, 15, Depois disso, Felipe avisou que 2014 e 2015, 41 adolescentes
matemática e geografia),
foi para o abrigo Casa comprar um carro iria embora. Naquela mesma se- passaram mais de uma vez no
Tremedal, em 2013, logo mana, os outros acolhidos come- conselho. Alguns, quatro vezes.
que se recuperou das le- 14 ANOS çaram a chamá-lo de “homosse- Precisamos trabalhar melhor os
15 ANOS
sões e saiu do hospital. xual” – o bullying tem conse- casos para acabar com essa rein-
Ainda assim, se pudesse, quências mais graves quando cidência alta”, afirma Denise
PRIORIZAÇÃO DE SONHOS
Gabriel moraria com o ocorre em um abrigo. Tudo aqui- Magalhães Matos, gerente que
progenitor, que perdeu a O quê? Por quê? Como? Quando?
lo perturbou Felipe e, na manhã está à frente do conselho pela
guarda do filho por cau- de uma sexta-feira, ele saiu co- Prefeitura de Belo Horizonte.
sa das frequentes agres- Conquistar bens Criar independência Buscando emprego O mais rápido mo se fosse para a aula de violi- * Nome fictício
sões entre ambos. possível
De toda essa violência Comprar iPad Para uso pessoal Sendo obediente Até os 1à anos MOISÉS SILVA
que relata, Gabriel her-
dou um jeito agressivo Ser do Exército, Para matar as Estudando, A partir dos 17 anos
que alterna com o de um do FBI e pessoas ruins e fazendo um (o garoto dessa
menino carinhoso. Ao atirador proteger as boas curso e se resposta tem 13 anos)
ameaçar os outros acolhi- de elite alistando Apaixonado pelo
violino, Felipe disse
dos – “vou enfiar a faca”, Construir uma É importante Casando-se Até completar 15 anos ter o sonho de se tornar
dizia sempre –, ele mos- família ter uma família
músico ou engenheiro.
trava que precisava de O sorriso doce e fácil
atenção. Gabriel já saiu O QUE REPRESENTAM AS PALAVRAS “AMOR”, “GRATIDÃO” E “PERDÃO” do garoto conquistou
algumas vezes do abrigo. educadores e muitos
“Eu não sei o que aconte- “Amigo e amor é igual “Sentimento que tem por frequentadores
ce, do nada quero muito parafuso, só sabe se é bom outra pessoa, pela mãe” do abrigo
agredir. Não me dou quando aperta”
“Sei o que é o perdão, mas
bem com os meninos da- não consigo perdoar minha
“É o que sinto pela minha
qui”, disse ao tentar justi- mãe, tia e meu irmão, mas mãe”
ficar algo que vem do pró- meu pai, quero que morra.
prio histórico de violên- Meu pai eu nunca perdoo” “Não sinto amor por
cia e de abandonos. ninguém”
A mãe dele morreu IMAGENS E O QUE ELAS REPRESENTAM PARA AS CRIANÇAS
em 2012, vítima de cân-
cer. As duas irmãs mais Família:
velhas alegam que não AMOR
têm condições de ficar Abraço
com o caçula. Talvez de pai:
uma tia o recebesse em PERDÃO
casa. Enquanto isso, o
adolescente apresenta di-
ficuldades no abrigo. Já Brigas
Aosairdoabrigo,avoltaparaotráfico
chegou a tentar enforcar familiares:
um dos acolhidos e só pa- VIDA Provenientes de comunidades violentas, muitos adolescentes voltam a
rou com a intervenção de ter contato com o crime assim que deixam o acolhimento. Pedro*, 13, e
um educador. Enzo*, 14, abandonaram juntos o abrigo e foram para a casa da avó de
Ansioso, Gabriel Pedro, onde também moram os pais do menino e o irmão – todos envolvi-
quer sair logo da unida- dos com o tráfico de drogas. Na semana seguinte, os rapazes postaram
de, embora sinta que a no Facebook fotos com cigarros e mensagens relacionadas a gangues.
vida fora de lá não será Outro acolhido, Alex*, 15, também abandonou o abrigo para voltar a
das mais fáceis. “Aqui, morar com a avó, onde ele tinha se envolvido com traficantes e foi amea-
aprendo a ter regras, çado de morte pela perda de um revólver. “Agora tá suave”, disse Alex
mas não gosto de não po- Neymar: aos educadores, pois o líder do crime teria permitido sua volta. Bastou
der sair à noite”. GRATIDÃO chegar à comunidade para ele ter que sair correndo, mas já não poderia
* Nome fictício retornar ao abrigo ou colocaria todos em risco. * Nomes fictícios
10 O TEMPO Belo Horizonte

|Especial
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016

EDITORIA DE ARTE / O TEMPO

¬ Se criar só um adolescente já dá
trabalho, imagine 14 meninos em
Uma resolução
conjunta do
Conselho Nacional
A CASA TEMPORÁRIA
uma mesma casa, e cada um com
uma bagagem social maiscomple- de Assistência O valor repassado pelo A comida é doada
Social (CNAS) e poder público para por voluntários e
xa do que a outra. É por isso que cada adolescente pela Prefeitura de
em um abrigo de menores aconte- do Conselho
acolhido é de BH, que também
ce de tudo: desavenças, frustra- Nacional dos envia uma
Direitos da
ções, doenças, vícios, agressivida-
Criança e do
R$ 2.242,24 nutricionista toda
de e bullying. Além dos proble- para a faixa etária semana para
mas individuais, a adolescência é Adolescente de 12 a 18 anos. O checar a qualidade
umperíodo de formação, de trans- (Conanda) recurso é utilizado para da alimentação,
a higiene
formação,de descobertase de difi- estabelece pagamento de aluguel,
e a validade dos
culdade de reconhecer autorida- parâmetros para Cada uma das tributos, funcionários,
medicamentos, alimentos. Há
des, principalmente no caso des- as casas de 49 casas deve um cardápio
tarifas de
ses garotos que não tiveram o de- acolhimento de ter no máximo
transportes etc a ser seguido
vido apoio familiar antes de se- menores. Veja 15
rem acolhidos. E, por melhor que como as unidades acolhidos
sejao abrigo,será sempre uma ins- são estruturadas
tituição, nunca uma família. em BH:
Na Casa Tremedal, no bairro
Carlos Prates, na região Noroeste
de Belo Horizonte, que a reporta- REGRAS ESPECÍFICAS FUNCIONÁRIOS
gem visitou por três meses, essa
Os acolhidos têm tarefas domésticas programadas São três casas de passagens Dois educadores (com formação mínima de
atmosfera já era sentida da porta, a cumprir: buscar pão, arrumar cozinha, lavar para adolescentes com perfil ensino médio) por turno de 12 horas por 36 horas
com a música no volume máximo banheiros, quartos, sala etc. A funcionária da de trajetória de vida nas ruas. Um coordenador e dois técnicos (psicólogo e
– geralmente funk. Se não fosse is- faxina os ajuda nas atividades. Os menores de Lá, eles não têm obrigação de assistente social)
so, até passaria como uma casa 16 anos não saem sozinhos, já os que têm 16 a permanecer ‘fixos’, eles
Um auxiliar de serviços gerais
“normal”, pois na fachada não há 1à (incompletos) devem avisar quando saem. geralmente ficam algumas
O horário de chegada deles é no máximo às 22h. horas enquanto se trabalha a Um funcionário na cozinha por turno de 12 horas
nenhuma identificação de abrigo
Os computadores só são liberados de sexta a possibilidade de passar mais Quando abrigam crianças pequenas, as unidades
para não expor os meninos. São podem ter mais profissionais
domingo tempo em cada ida ao local
quatro quartos com dois beliches
em cada um, cozinha, copa, escri- FONTES: PBH E PESQUISA DIRETA

tórios, lavanderia, sala de compu-


tador e espaço de TV – se ela esti-

Cada semana,
ver transmitindo jogo de futebol,
eles se apertam para assistir.
Não houve uma única vez em
que a reportagem visitou a unida-
de que não tivesse uma novidade,
um menino novo ou algum que
saiu. A rotatividade tornava a con-
vivência entre eles ainda mais difí-

uma novidade
cil e caracterizava a casa como um
lugar de passagem e, consequen-
temente, de drama para aqueles
que ficavam por mais tempo.
Em uma de
nossasidasaoTre- MOISÉS SILVA
medal, Elton*,
12, havia acabado
de chegar. “A mi-
nha mãe me aban-
Com14adolescentes,todoscom
donou, foi para o
Rio de Janeiro. Eu
demandasdiferentes,édifícil
morava com
meus irmãos, tios
manterumarotinafixanoabrigo
e primos, mas pe-
di para sair de lá
porque tinha mui-
ta confusão”. Em outra visita, o limpar a casa. Durante a execução
novato era Henrique*, 15, que ha- da tarefa, o garoto não abriu mão
via sido transferido porque arru- do fone de ouvidos com o volume
mou confusão. E quem causou al- do som nas alturas. Também pre-
voroço quando chegou foi Ma- senciamos os educadores punin- Na sala
tias*, 14: quebrou vidros, amea- do um grupo de garotos que foi fla- do abrigo,
çou a todos, até que voltou para a grado com drogas – um deles ha- a única
família – não se tratava de caso de via influenciado outros três. família é dos
abrigamento, mas de um menino No processo para que os adoles- Simpsons,
que aprontou com a mãe em casa. centes adquiram autonomia, cada e os meninos
um desempenhaumafunçãona ca- assistem
ROTINA. Dia após dia, esses adoles- sa, de varrer a sala a colocar o lixo atentos
centes se entendem e se desenten- para fora. A funcionária da limpe-
dem em suas diferenças e seme- za disse que a maioria dos meni-
lhanças. Enquanto um toca violi- nos é preguiçosa, não ajeita nem a
no alheio às discussões, o outro cama. Em uma tarde, na hora do
dança o “Passinho do Romano” lanche, eles falavam sobre as tare-
(funk). Um faz o dever de inglês, fas domésticas, que chamam de
os outros falam de uma namora- “trabalho” no abrigo. Há quem pre-
da em comum (tinham ficado fira limpar o banheiro a acordar ce-
com a mesma garota, vizinha da do para ir à padaria. O papo foi in- ¬ Antes de chegarem aos abri- encaminham os meninos para
casa). Mas o que chama a atenção
de todos, sem exceção, é o celu-
terrompido pelo educador: “Aqui
não é hotel. Todo mundo tem que
Menores gos, os meninos passam pelo outros órgãos, mas recebem
Conselho Tutelar. Alguns che- muitas demandas espontâneas
lar. “Tia, posso tirar um selfie?”, é
a deixa para eles fazerem a festa.
aprender a cuidar da casa”.
Equipamentos e presentes que
chegam gam cansados, com sono e com
fome ao plantão, que funciona
de adolescentes e de pais.
Quando é necessário o abri-
Mas não é só de farra que se
constrói a rotina. Quando eles de-
eles ganham de parentes e padri-
nhos também têm uso regulado,
ao plantão na Secretaria Municipal de Polí-
ticas Sociais, na rua Espírito
gamento, a Central de Vagas é
consultada. A demanda maior
sobedecem, têm punição: ficam
sem poder usar computador,
assim como a internet, que só é li-
berada de sexta a domingo. Eram
com fome Santo, no centro da capital.
Os conselheiros – são 45 em
na capital hoje é justamente pa-
ra acolher adolescentes. E, se
sem videogame ou recebem uma
tarefa a mais na casa. Bernardo*,
dias em que evitávamos as visitas,
já que não havia a menor chance
em busca Belo Horizonte, sendo cinco
por regional – fazem visitas às
não tiver vaga, o menor volta
para casa até aparecer uma.
13, o mais extrovertido, fez birra
para não ir à aula e, sabendo que
de eles nos darem atenção.
de ajuda comunidades para verificar vio-
lações de direitos, notificam as
Em outros tempos, segundo a
prefeitura, a procura era por
estava errado, logo se propôs a * Nomes fictícios famílias caso haja necessidade, unidades para bebês.
Especial|
O TEMPO Belo Horizonte
SEGUNDA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2016 11

¬ O futuro dos irmãos Walter*,


13, e Ariel*, 12, seria decidido
em uma audiência, na qual o
juiz estava prestes a destituir o
poder familiar do pai, Isac*,35,
com histórico de alcoolismo e
de negligência. Mas, toda vez
A volta para casa
é um sonho
que Isac ia ao abrigo para bus-
car Walter e com ele passar o
fim de semana, o olho do meni-
no brilhava: largava tudo que es-
tivesse fazendo e saía orgulhoso
por ter o pai, mostrando que ele
não era uma criança de abrigo.
Isso foi o que talvez tenha pesa- LINCON ZARBIETTI

do na decisão judicial que deu a disse e abraçou o menino, que los muitas vezes já foram rompi-
Isac um voto de confiança, com não escondeu a alegria. dos, a mãe e o pai não podem
a guarda de dois filhos de volta. Poucos dias depois, quem recebê-los de volta, fazem uso
Pedreiro, Isac tem oito filhos. nos deu a notícia sobre o pare- de álcool e outras drogas”, ex-
A esposa morreu aos 24 anos, víti- cer do juiz foi o próprio Wal- plicou a assistente social do
ma do mundo do crime e das dro- ter, por mensagem postada no abrigo Maria Clara Braga.
gas, e o deixou “com seis filhos na Facebook: “Vou embora ‘para
costela”, contou. “Se não tivessem sempre’ do abrigo. Vou morar TRABALHO. Enquanto o menor es-
morrido alguns, seriam 11. Eles com meu pai ‘para sempre’”, es- tá no acolhimento, os técnicos
começaram a ficar muito sapecas, creveu, com emoticons de cora- fazem visitas domiciliares, con-
aprontaram demais. Aí o Conse- ção. Esse foi um caso bem-suce- tato com a família extensa (tios,
lho Tutelar pegou”, recordou. Só dido de um adolescente que re- primos etc.) e buscam apoio de
dois ainda estavam em abrigos, tornou à família de origem de- outros órgãos. Somente em últi-
três foram adotados, dois já mora- pois de um intenso trabalho mo caso, abrem o processo de
vam com ele, e um está na Bahia, dos técnicos do abrigo – que destituição do poder familiar
calculava Isac. Antes de conseguir ainda o acompanharão por para incluí-lo no cadastro de
a guarda de Walter e Ariel, o pe- seis meses, por regra –, mas adoção, embora encontrar uma
dreiro estava confiante e demons- não é sempre assim. família substituta para um ado-
trouisso no dia em queo encontra- “Providenciar escola, curso, lescente seja o mais difícil.
mos no abrigo Tremedal, onde trabalho, documentação, saú- * Nomes fictícios
morava um dos meninos. de, passeios, esportes... isso tu-
“Vou pegar os dois de volta, do é tranquilo. O grande desa-
estou correndo atrás disso na Jus- fio é o trabalho de reintegra- wvv vídeo
tiça, sempre visito eles. Qual o ção familiar porque os víncu- www.otempo.com.br
pai que não quer o filho, né? Isso
é minha alegria”, afirmou Isac,
que acabara de largar o serviço,
ainda sujo da obra, e tinha ido
direto buscar o filho no abrigo. Retornofamiliaréo
“Meu garoto gosta de ir comigo”,
grandedesejodeacolhidos
Mesmo tímido, Walter
sempre se aproximava
eomaiordesafiodo
e pedia para levá-lo
para sair e andar
trabalhodostécnicos
de skate

Processos
precisam
Educadoresassumem ser mais
comprazermissãode rápidos
disciplinarmeninada ¬ A demora no processo ju-
LINCON ZARBIETTI

dicial dos menores abriga-


dos preocupa juízes, defen-
sores e promotores da in-
¬ Os pais são “figuras” tão impor- veis por cuidar dos adolescentes e fância. “A gente tem alerta-
tantes para os acolhidos que basta manter a disciplina, fazendo valer do que as crianças devem
umadolescente falar da mãe do ou- as regras da casa. Eles trabalham ser prioridade porque o
tro para começar um conflito no em dupla, por 12 horas, dia sim, tempo delas é diferente de
abrigo. “Aí é que você vê onde está dia não, nos períodos diurno e no- qualquer outro”, declara o
a carência deles. Tem menino que turno. Precisam ter o ensino mé- fazer desembargador Wagner
é mais complicado, mas a gente dio completo e recebem cerca de aula de Ferreira.
aprende a lidar”, disse o educador R$ 1.000 por mês. luta para Para a promotora Paola
Vanderlei Gomes, 40. No primeiro Diante da difícil missão de cui- trabalhar Educadora Domingues, é preciso traba-
dia de trabalho dele na Casa Tre- dar de 14 adolescentes, quem esco- aqui”, disse, em recebe o carinho lhar melhor o financiamen-
medal, o impacto foi tão intenso lhe ser educador o faz pelo prazer. tom de brincadeira, uma de adolescente to das entidades para que
que Gomes não sabiase voltaria pa- O psicopedagogo Carlos André educadora. as equipes técnicas desem-
ra o plantão seguinte. “Na primeira Leandro da Silva, 34, além de tra- Grupos voluntários de psicolo- penhem suas funções e os
vez eu tive medo. Achava que não balhar no abrigo, é também agen- gia também ajudam na preparação agarram qualquer oportunidade processos andem na celeri-
ia conseguir”, contou. te socioeducativo em um centro e nas dúvidas dos educadores. Eles que têm de sair da casa de acolhi- dade adequada. “Em Minas
Desde então, já são 12 anos de internação de menores em con- são orientados a não se envolve- mento. Ficam verdadeiramente Gerais como um todo, ve-
trabalhando lá e, atualmente, o flito com a lei. “Gosto de cuidar de rem emocionalmente com os aco- agoniados à espera de um passeio, mos crianças permanecen-
cargo se tornou uma paixão, a garotos às margens da sociedade, lhidos, no entanto, ao se tornarem uma atenção individual. do por um tempo grande
ponto de ser sofrido tirar férias. para transformá-los”, frisou. referência de adulto para os meno- Recentemente, virou lei em Be- nos abrigos”, aponta Paola.
“Fiquei contando os dias para vol- Mas nem sempre a tarefa é só res e nutrirem carinho e cuidado, lo Horizonte o serviço de famílias Segundo ela, uma resolu-
tar. Eu não trabalho aqui por cau- gratificante. Educar nesse caso é isso é inevitável. Não raro, viram acolhedoras com as quais as crian- ção nacional determina
sa do salário, é porque eu gosto também ouvir desaforos, ameaças, padrinhos de batismo de garotos ças convivem por até dois anos no que o Ministério Público fa-
mesmo. Minha alegria é pegar es- insistir na evolução deles, separar que passaram pelo abrigo. ambiente familiar. Atualmente, ça visitas frequentes às enti-
ses meninos e sair por aí com eles, brigas e até sofrer agressões. “Tive são 13 menores acolhidos em ca- dades para verificar a estru-
passear, jogar bola”, disse Gomes. que tirar um pau que estava na FAMÍLIAS ACOLHEDORAS. Devido à ca- sas de voluntários, e deles apenas tura de funcionamento e o
Os educadores são responsá- mãode um deles uma vez. Tem que rência afetiva, os adolescentes uma é adolescente (de 12 anos). andamento dos casos.
LINCON ZARBIETTI

Desafio
para todos
acolhimento de crian-

O ças e adolescentes é
uma das mais comple-
xas situações sociais.
Se esses meninos não tiverem
oportunidades de caminhos di-
ferentes, as falhas de pais alcoó-
latras, usuários de drogas, vio-
lentos e criminosos podem trans-
formar esses erros em herança.
“O acolhimento é uma medi-
da protetiva com ótima inten-
ção, mas não é usada apenas
como proteção, é também para
suprir uma deficiência da famí-
lia. Mas quem vai substituir os
pais? Todo ser humano precisa
de afeto. As pessoas que eles
encontram no abrigo estão ali
a trabalho”, diz Denise Matos,
gerente de Projetos Especiais
da Secretaria Municipal de Po-
líticas Sociais de Belo Horizon-
te. Muitas mães, segundo ela,
vão ao conselho por não darem
conta dos próprios filhos.
Na legislação, a medida de
acolhimento é para proteger
os adolescentes quando os
pais estão violando seus direi-
tos, mas como fazer isso com o
menor dano possível? Na práti-
ca, esses meninos são loucos
pelos pais, por mais que te-
nham sofrido em suas mãos. O
abrigo pode ser melhor que a
rua, mas não é melhor que
uma família, mesmo uma vo-
luntária que o acolha por um
tempo e ofereça o que ele preci-
sa. Um boa instituição, portan-
to, não é aquela que tem a me-
lhor estrutura, mas a que con-
segue dar uma solução para o
acolhido a partir de um árduo
estudo de caso. Quando não
tem jeito, o maior esforço pas-
sa a ser, então, prepará-lo para
a vida adulta. “Eles devem ter
uma formação e uma orienta-
ção de modo que se tornem
úteis e produtivos. Se esses me-
ninos não forem preparados, a
própria sociedade sofrerá”, de-
fende o desembargador Wag-
ner Wilson Ferreira, da Coor-
denadoria da Infância.
Quando chegou ao albergue
de moradores de rua, Paulo foi
visto como um menino inocente
que poderia se perder no meio
de uma realidade insensível a
seus dramas. Foi triste vê-lo na-
quela situação. Se fosse na Chi-
na, diz Denise, nenhuma crian-
ça ficaria na rua ou em abrigo.
“Os chineses entendem que os
menores são responsabilidade
de todos, não é preciso medida
de proteção. Mudar esse enten-
dimento em uma sociedade de-
manda anos”. Eis aí um desafio
para todos!

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