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“Uma neurose demoníaca no século XVII”,


um caso de histeria masculina1
Clarice Gatto2

Em “Uma neurose demoníaca no século XVII”, publicado em 1923, Freud 3 acolhe o


interesse amistoso do Conselheiro Dr. Payer-Thurn, diretor da antiga Biblioteca Jurídica (para o
Registro de Bens e Raiz, hoje incluída na Biblioteca Imperial de Viena), pela oportunidade de
estudar uma neurose demoníaca do século XVII. Conta Freud que Payer-Thurn descobriu nessa
biblioteca um Manuscrito originário do santuário de Mariazell (cidade de peregrinação religiosa na
Áustria) e no qual havia uma descrição pormenorizada da redenção miraculosa de um pacto com o
demônio, mediante a graça da Santa Virgem Maria. O interesse do Conselheiro foi despertado pela
semelhança dessa história com a lenda de Fausto (Goethe) e, ao descobrir que a pessoa cuja
redenção estava ali descrita estivera sujeita a crises convulsivas e visões, ele procurou Freud em
busca de uma opinião médica sobre o caso.
Trata-se do pintor Christoph Haizmann – que Freud lê “como se fosse o caso clínico de uma
neurose”. Logo após a morte de seu pai, “sentindo-se deprimido e incapaz de trabalhar Haizmann
ficou preocupado sobre como ganhar a vida” e nessa ocasião assinou um pacto com o demônio que
lhe prometera “auxiliá-lo de todas as maneiras e dar-lhe apoio”4.
Freud, até então, postulava a tese do “diabo = representante pulsional”, porém, nesse texto
de 1923, a equação se modifica: “o diabo = o pai”. O Manuscrito é ilustrado com um Frontispício5
em forma de tríptico (Figura 1), pintado por Haizmann em 1678 (entre os dois exorcismos), seguido
de mais 8 quadros, todos coloridos. Essas ilustrações, no total de 9, contêm diversas representações
do demônio – desde um honesto cavalheiro barbudo (Figura 2) a demônios nus e disformes com
pares de mamas femininas (Figura 3) e demônios com mamas, chifres, cauda e uma grande
serpente-pênis (Figura 4), entre outros.
Este texto privilegiou a histeria masculina contida nesse caso clássico de uma neurose de-
moníaca do século XVII tratado pelo olhar de Freud, polêmica quanto à questão diagnóstica entre


1
Publicado em: Teixeira, Angélia (org.) Identificação e identidade na psicanálise. Salvador, Campo Psicanalítico,
2017.
2
Psicanalista no Rio de Janeiro. Pesquisadora do CESTEH-ENSP / FIOCRUZ. Doutorado em Psicologia clínica / PUC-
Rio. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum do Campo Lacaniano – diagonal Rio
de Janeiro) e da Rede Diagonal Brasil. E-mail: <claricegatto@openlink.com.br>.
3
FREUD, Sigmund. Uma neurose demoníaca no século XVII [1923]. In: ______. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.19, p.83-120 (Cf. FREUD, S. Eine Teufelsneurose im siebzehn-
ten Jahrhundert. In: _______. Gesammelte Werke. Frankfurt a. M.: Fischer Taschenbuch Verlag, 1999. Band XIII,
p.315-359).
4
Id., ibid., p.97.
5
MACALPINE, Ida; HUNTER, Richard, A. Schizophrenia 1677: A psychiatric study of an Illustrated Autobiograph-
ical Record of Demonical Possession. London: Willian Dawson & Sons, 1956. p.111.

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os prós-freudianos, não só, mas ainda hoje. O esforço de Lacan, como observa Pierre Bruno6, não
estava dirigido em congelar um diagnóstico e justificá-lo, senão em elucidar o estatuto do histérico
em relação ao ato, à transferência, à ciência, enfim, ao discurso, perspectivas que orientaram a mi-
nha leitura.

Figura 1 – Frontispício

Fonte: Macalpine e Hunter (1956, p.112).

Figura 2 – “Diabo como honesto cidadão”

Fonte: Macalpine e Hunter (1956, p.61).


6
BRUNO, Pierre (Relator); BAUTISTA, B.; BOUSSEYROUX, M.; LAPEYRE, M.J.; SAURET, C.; TERRISSE, A.
Vals. 1886-1986: La histeria masculina. In: Histeria y Obsesión. Buenos Aires: Ed. Manantial, 1986.

3

Figura 3 – Demônio com mamas

Fonte: Macalpine e Hunter (1956, p.65).

Figura 4 – Demônio com mamas, chifres, cauda e uma grande serpente-pênis

Fonte: Macalpine e Hunter (1956, p.73).

O que faz Freud da história?

Retomo a bela conferência de Michel de Certeau “O que Freud faz da história: a propósito
de ‘Uma neurose demoníaca do século XVII’” 7, apresentada no Congresso de Estrasburgo em
dezembro de 1968. Ele foi um estudioso da história das religiões, em especial a mística nos séculos
XVI e XVII, e incluiu a psicanálise entre seus estudos.
Certeau assinala que, como esse, havia milhares de casos de “possessão” no século XVII,
esse “universo selvagem de superstições” que detém e fascina o historiador e o filósofo! Se, para o
historiador, a feitiçaria ficava na margem, como o espaço em branco, nos documentos pesquisados,
para o filósofo era o diabólico, definido com o termo eliminado (e, porque excluído, tornado


7
CERTEAU, Michel de. Ce que Freud fait de l’histoire. À propos de “Une névrose démoniaque au XVIIe siècle”.
Annales : Économies, Sociétés, Civilisations, Paris, v.25, n.3, p.654-667, 1970. Traduções próprias dos trechos transcri-
tos para fins deste trabalho.

4

ilegível) em uma “estrutura de limite” essencial à constituição de toda razão e de toda sociedade8.
Certeau, que era muito próximo de Michel Foucault, comenta uma passagem de A história da
loucura na idade clássica (1961) para reafirmar que a história “só é possível sobre fundo de uma
ausência de história”9, pois essa ausência de história, essa supressão, deixa traço, e esse elemento é
o que produz tanto a história quanto a psicanálise.
Ao se indagar o que Freud fez da história, Certeau formula que, diante do Manuscrito de
Mariazell, a atitude de Freud é surpreendente, pois ele reconhece nesses escritos – provindos do
século XVII – um fragmento do conjunto factício mas real, constituído pelas leituras,
conhecimentos, interesses, em suma, a cultura de Freud.

A terapêutica freudiana revela nas palavras do doente uma organização que “trai”
uma gênese; ela as remete assim a acontecimentos que elas escondem e que se
tornam – como ausentes e presentes – um passado. A interpretação parte
melifluamente “do que se pode encontrar em toda parte”, nos diz Freud, mas ela
faz confessar no presente e no cotidiano “as conclusões mais estranhas” (GW. 328).
A história é uma forma dessa “estranheza”. Ela não é um dado imediato nem um a
priori. Ela é o produto de um ato científico. Ela resulta aqui da psicanálise. Como?
Dedicando-se ao caso de Haitzmann, Freud vai mostrá-lo por sua elucidação. (GW,
p.329).10

Após a conferência de Certeau, Lacan fez o seguinte comentário:

É bastante surpreendente ver em Freud o polimorfismo do que concerne à relação


ao pai. Todo mundo parece dizer que o mito de Édipo, é óbvio; eu, eu pago para
ver. A neurose demoníaca é aqui muito importante. A possessão no século XVII
deve ser compreendida em certo contexto sobre o pai que toca as estruturas mais
profundas. Mas a questão que você nos coloca é saber onde está essa coisa agora.
Creio que em nossa época, o rastro, a cicatriz da evaporação do pai é o que
poderíamos colocar sob a rubrica, o título geral de segregação. Cremos que o
universalismo, a comunicação da nossa civilização homogeneíza as relações entre
os homens. Eu penso, ao contrário, que o que caracteriza nosso século, e não
podemos não nos aperceber, é uma segregação ramificada, reforçada, sobrepondo-
se em todos os níveis, que não faz mais do que multiplicar as barreiras, fazendo
perceber a incrível esterilidade de tudo o que pode acontecer em qualquer campo;
acredito que é aí que é preciso ver o nervo da questão que você levantou.11


8
Id., ibid., p.656.
9
FOUCAULT, Michel. Histoire de la folie à l’âge classique. Paris: Plon, 1961. p. v-vi (apud CERTEAU, Michel. Ce
que Freud fait de l’histoire..., op.cit., p.656).
10
CERTEAU, Michel. Ce que Freud fait de l’histoire..., op. cit., p.657.
11
LACAN, Jacques. Intervention sur l’expose de M. de Certeau em 12/10/1968. Pas-tout Lacan, Ecole Lacanienne de
Psychanalyse, Paris. p.1185. Disponível em : < www.ecole-lacanienne >. Acesso em: 21 mar, 2011.

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A hipótese diagnóstica de Freud

Freud se apoiou em um conjunto de documentos12 que relatam a assinatura de um pacto por


duas vezes (escritos em tinta preta e com sangue, respectivamente) entre Christoph Haizmann e o
demônio, e Freud os analisará como enunciações dignas de uma fantasia.

O primeiro, escrito a tinta preta, dizia o seguinte:


‘Eu, Chr., H., subscrevo-me a este Senhor como seu filho obrigado, até o nono
ano’
O segundo, redigido com sangue, dizia:
‘Chr. H., assino um compromisso com este Satã, de ser seu filho obrigado, e, no
nono ano, pertencer-lhe em corpo e alma’.13

Graças a dois exorcismos, o pintor alcançou uma cura miraculosa de sua possessão
demoníaca, mas não de sua histeria, conforme concluiu Freud. Mesmo que a expressão “neurose
histérica” não esteja presente nesse texto de Freud, ele tomou partido: trata-se de uma neurose e não
de uma psicose; trata-se de “manifestações histéricas” sobre “trajes demoníacos”14. Além disso, ele
evocou principalmente Charcot como aquele que soube reconhecer a histeria nos retratos de
possessão e êxtase preservados nas produções artísticas daquela época, sobre as quais Freud disse
“não ser difícil retraçar o tema geral de uma neurose”15.
Contudo, na literatura psicanalítica, há controvérsias sobre a questão diagnóstica do caso
Haizmann. Os autores ingleses Ida Malcapine e Richard Hunter, no livro Sobre esquizofrenia
167716, contestam a tese freudiana do “demônio = pai”. Para esses autores – “de uma erudição mais
cientificista do que científica” (conforme assinala Certeau) –, o demônio não seria um substituto
paterno e, sim, um substituto masculino-feminino, bissexual ou pré-sexual, não referido ao
complexo de Édipo. Eles estabeleceram uma equivalência entre o delírio de procriação do
presidente Schreber e a fantasia delirante de gravidez de Haizmann, da qual o pacto com o demônio
seria o testemunho; dessa forma, o diagnóstico é de uma psicose. Menos arriscada, assinala Pierre
Bruno, é a tese defendida pelo psicanalista belga Gaston Vandendriessche 17 , em 1965, que
“considerou impossível converter seriamente a tese freudiana do demônio como substituo do pai”.


12
Manuscrito originário de Mariazell: um Relatório escrito em latim de um escriba monástico e um Diário do pintor
Christoph Haizmann escrito em alemão (FREUD, S. Uma neurose demoníaca no século XVII, op. cit.).
13
Id., ibid., p.109.
14
FREUD, S. Uma neurose demoníaca no século XVII, op. cit., p.87.
15
Id., ibid., p.87.
16
MACALPINE, Ida; HUNTER, R.A. Schizophrenia 1677: A psychiatric study of an Illustrated Autobiographical
Record of Demonical Possession. London: Willian Dawson & Sons, 1956.
17
VANDENDRIESSCHE, Gaston. The parapraxis in the Haizmann case of Sigmund Freud. Louvain: Publications
Universitaires, 1965 (apud BRUNO, Pierre (Relator). 1886-1986: La histeria masculina, op. cit.

6

Ainda que esse autor tenha-se apoiado na “ambivalência fundamental a respeito do sexo”, ele
considerou essa ambivalência como não dialética e manteve, portanto, o diagnóstico de psicose.18
A ambivalência em relação ao pai, no caso do pintor, está baseada no “ódio ao pai”, e o
problema levantado por Freud é o de saber se esta não assunção do “ódio ao pai” deriva de uma
foraclusão ou do recalcamento. A resposta a essa questão foi formulada pelo próprio Freud no caso
Schreber, quando demonstrou por meio da gramática (pulsional) do delírio que, no paranoico, o
enunciado “o odeio” não pode jamais se tornar consciente, pois o modo de contradizer a fórmula
matriz do delírio “eu (um homem) o amo (a ele, um homem)”19, na psicose, revela o efeito da
questão preliminar enunciada por Freud com a tese: “o que foi abolido internamente volta do lado
de fora”20. Ou, dito de outro modo, pela fórmula consagrada por Lacan: “o que é recusado na
ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real” 21. Abolido do simbólico, ou seja,
jamais integrado na rede em que todo sujeito situa sua posição, em particular a posição homem-
mulher, o ódio, presente na fala do sujeito na psicose, vem de fora, da certeza delirante que enuncia
“ele me odeia”, “ele me persegue”, conforme o delírio de perseguição.
Sabemos que nada disso aconteceu com Haizmann, para quem Freud pensava que seria
necessário levá-lo a interrogar-se sobre a gênese desse enunciado sobre “o ódio ao pai”:

Se pudéssemos conhecer tanto sobre Christoph Haizmann quanto conhecemos


sobre um paciente que faz análise conosco, seria assunto fácil trazer à tona essa
ambivalência, fazê-lo recordar quando em face de quais provocações ele encontrou
motivos para temer e odiar o pai, e acima de tudo, descobrir quais foram os fatores
acidentais que se acrescentaram aos motivos típicos para o ódio ao pai, inerentes ao
relacionamento natural de filho e pai.22

Como demonstra Freud, “o inconsciente determina a neurose” e o mais importante, assinala


Lacan, “é que o inconsciente nos mostra a hiância onde a neurose se liga ao real; real que pode não
ser determinado” 23 . Nas neuroses o recalque recai sobre os representantes da representação
pulsional, ou seja, os significantes, e tem como efeito o sintoma (indício e substituto da satisfação
pulsional interceptada; um modo de gozar do inconsciente), e o afeto que indica a falha do processo
de defesa é a angústia, sinal da presença do real.


18
BRUNO, Pierre (Relator). 1886-1986: La histeria masculina, op. cit.
19
FREUD, Sigmund. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia Paranoi-
des). In: _____. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.12, p.7.
(Cf. FREUD, S. Psychoanalytische Bemerkungen über einem Autobiographisch beschriebenen Fall von Paranoia
(Dementia Paranoides). In: ______. Gesammelte Werke. Frankfurt a.M.: Fischer Tachenbuch, 1999. Band VIII, p.299).
20
“wir sehen vielmehr ein, daβ das innerlich Aufgehobene von Auβen wiederkehrt” (FREUD, S. Psychoanalytische
Bemerkungen über einem Autobiographisch beschriebenen Fall von Paranoia (Dementia Paranoides), op. cit., p.308).
21
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 3: as psicoses [1955-1956]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1985. p.21.
22
Id., ibid., p.103.
23
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise [1963-1964]. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1979. p.27.

7

Pierre Bruno24 chama a atenção sobre a direção do tratamento com os histéricos para dizer
que essa é uma orientação extremamente difícil de ser mantida, o que pode explicar a impressão de
se estar diante de um obstáculo intransponível. Esta quase “aporia clínica” se relaciona com o que
conduziu Lacan a elucidar as condições de definição do discurso psicanalítico, sem as quais a
posição do histérico na análise tornar-se-ia inexpugnável.

Alguns pontos da análise detalhada de Freud

1. O pacto com o demônio assinado por Haizmann é consecutivo à morte de seu pai. As
condições para o pacto: o demônio se encarregaria de substituir seu pai morto por 9 anos, e o
motivo do pacto seria para Haizmann poder sair, graças a esse substituto, do estado de depressão
melancólica acompanhado de inibição para o trabalho. (Donde Freud construiu a hipótese de que o
demônio tinha o significado de um substituto paterno e, a partir da escansão do significante “nove”
com a reativação da fantasia de gravidez recalcada, ele é obrigado a se defender dela com uma
neurose e com o aviltamento do pai, negando a castração simbólica).
2. A tese de Freud é que o demônio era um substituto do pai, figurado mesmo quando
Haizmann o havia representado com mamas que o feminizavam (Figura 3), a partir do segundo dos
8 quadros em série consagrados por ele à história de sua possessão. Somente no primeiro quadro,
Haizmann representou o demônio como um “honesto cidadão” (Figura 2).
3. Se o demônio é o substituto do pai e Haizmann escolhe assinar um pacto com ele, essa
atitude testemunha seu amor pelo pai. Contudo, a transformação do luto em melancolia indica, para
Freud, que este amor pelo pai provavelmente encobriria “o ódio pelo pai”. A intensidade
sobredeterminada do ódio pelo pai no conflito edipiano é uma característica diferencial da histeria
masculina.
A arte é o meio de expressão privilegiado do ódio contra o pai, já que a perda da arte,
consecutiva à morte do pai, é para Haizmann a perda do desejo. A hipótese de Freud segundo a
qual o pai havia contrariado sua vocação artística, não surge sem fundamento. Finalmente, o ódio
pelo pai encontrará sua tradução na degradação do pai em demônio.
4. Por que, indaga Freud, deveria o pai, após ser reduzido à condição de demônio, portar a
marca física de uma mulher, retratada a partir do segundo quadro? Freud propõe duas explicações
que competem uma com a outra sem se excluírem. A primeira, a atitude feminina de um menino
com o pai sofre recalque tão logo ele compreende que sua rivalidade com uma mulher pelo amor do
pai tem, como precondição, a perda de seus próprios órgãos genitais masculinos – em outras
palavras, a castração. O repúdio da atitude feminina é, assim, o resultado de uma revolta contra a


24
BRUNO, Pierre (Relator). 1886-1986: La histeria masculina, op. cit., p.4.

8

castração. Ela normalmente encontra sua expressão mais forte na fantasia inversa de castrar o pai,
de transformá-lo em mulher. Desse modo, as mamas do demônio corresponderiam a uma projeção
da própria feminilidade do indivíduo sobre o substituto paterno. A segunda explicação desses
acréscimos femininos ao corpo do diabo não tem mais um sentido hostil, mas afetuoso. Ela vê, na
adoção dessa forma, uma indicação de que os sentimentos ternos da criança pela mãe foram
deslocados para o pai, e isso sugere que houve previamente intensa fixação na mãe, fixação que, por
sua vez, é responsável por parte da hostilidade da criança para com o pai. Mamas grandes são as
características sexuais positivas da mãe, mesmo numa ocasião em que a característica negativa de
uma mulher – sua falta de um pênis – ainda é desconhecida da criança.25
Assim, o amor pelo pai produz uma fantasia inversa, mas nem por isso é uma solução.
Certamente, porque evita o enfrentamento do ódio de Haizmann para com seu pai, servindo apenas
para eludir a castração do lado masculino em nome do gozo, porém o problema da castração
repousa agora do lado feminino, pois Haizmann se encontra na posição feminina perante o pai.
5. É para contrariar a castração do lado feminino que, desde o segundo dos quadros da série
de 8, Haizmann representa o demônio sob uma forma feminizada agregando-lhe mamas (Figura 3).
Eis o “impasse subjetivo” de Haizmann. Não aceita a castração nem do lado masculino,
retrocedendo ante o enfrentamento com o pai, nem do lado feminino, retrocedendo ante a
implicação de uma posição feminina em relação ao pai. O compromisso que adota é precário:
consiste em representar o demônio como mulher, isto é, castrar o pai, aquilo pelo qual Haizmann
espera poder manter a negação da própria castração. O afeto que surge, Freud assinala, é a
repugnância pela castração, que tem também o valor de força recalcadora, tornando impossível
apaziguar o anseio pelo pai e, como consequência, é compreensível que se tenha voltado para a
imagem da mãe em busca de auxílio e salvação.

Essa é a razão de ele haver declarado que apenas a Santa Mãe de Deus de Mariazell
poderia libertá-lo de seu pacto com o demônio e de haver obtido sua liberdade mais
26
uma vez no dia da Natividade da Mãe em 8 de setembro.

6. Com isso, pode-se agora apreender o que, em última instância, é determinante: o impasse
de Haizmann, seu retrocesso perante a escolha do sexo, de sua posição sexual. A feminização
reativa uma fixação à imagem materna enquanto toda-poderosa, supondo um Outro não barrado.
Além disso, é sobre essa vertente que Haizmann vai, finalmente, inclinar-se, cedendo em seu desejo,
para alcançar a Virgem Maria. Com isso, neutraliza a mediação paterna necessária para salvar seu
desejo, que, a partir daí, se reduz, ao tomar parte na Ordem Sagrada, em cuja entrada veio funcionar


25
FREUD, S. Uma neurose demoníaca no século XVII, op. cit., p.106.
26
Id., ibid., p.106.

9

como limite ao gozo do Outro. Desse modo, tanto sua luta interior quanto sua necessidade material
terminaram. Em sua neurose, esse desfecho refletiu-se no ato de suas crises e visões terem um fim
com a devolução de um suposto primeiro compromisso.
7. O episódio decisivo dessa redenção é relatado pelo próprio Haizmann em seu diário. Em
26 de dezembro de 1677, chegando à Igreja de Santo Estevão para rezar, cruza com uma jovem e
bela dama acompanhada de um elegante senhor, que logo o faz “imaginar” ser ele mesmo “este
senhor que está tão bem vestido como ele”. Esta substituição ao homem como objeto de amor de
uma mulher o havia sustentado como homem desejante, identificado ao significante “bem vestido”.
Porém isso lhe exigia castigo, que, nessa mesma noite, o acometeu como um raio. “Viu a si mesmo
em chamas brilhantes e esvaiu-se num desmaio”; sentia estar rodeado de calor e odores infectos e
escutou uma voz dizer que fora condenado a esse estado em punição por seus pensamentos vãos e
ociosos (fantasias de tentação e punição), levando-o a renunciar definitivamente a assumir sua
rivalidade hostil para com o pai27.
Esta característica de covardia frente ao pai (ao ódio pelo pai) é a que reencontramos tam-
bém no texto de Freud de 1928, “Dostoievski e o parricídio”, manifestada primeiro pelo “medo di-
reto da punição e da castração” (pelo pai) e segundo, pelo “temor à atitude feminina” (diante do
pai).28
Há uma notável correspondência entre o caso Haizmann e Dostoievski em sua primeira ju-
ventude sob a forma de uma “melancolia súbita e sem fundamento”; “tem então o pressentimento
de que vai morrer ali mesmo”. Sem hesitar, Freud interpreta esse sentimento como significado de
“uma identificação com um morto, uma pessoa efetivamente morta ou ainda viva, porém “aquela de
que se deseja a morte”, assinalando que este segundo caso, o de Dostoievski, é o mais significativo.
Pôde então definir o ataque histérico29 como “um auto castigo pelo desejo de morte contra o pai
odiado” e situar como sua mola a não aceitabilidade do ódio perante o pai, enquanto deriva a angús-
tia para ele perante o espanto diante da castração. Tanto em Dostoievski como em Haizmann, a an-
gústia e o espanto se redobram numa posição feminina, inclusive na homossexualidade, que não
pode prover o refúgio buscado contra a castração. “Você queria matar o pai, a fim de ser você mes-


27
Em maio de 1678, partiu para Mariazell quando ingressou na Ordem religiosa, contou sua história de um
compromisso anterior, escrito em tinta preta, ao qual explicitamente atribuiu seu tormento continuado pelo demônio,
recebeu de volta também esse compromisso e ficou curado.
28
FREUD, Sigmund. Dostoievski e o parricídio [1928(1927)]. In: ______. Edição standard brasileira das obras psico-
lógicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.21, p.189.
29
“O ataque histérico não é uma descarga, mas uma ação e conserva a característica original de toda ação: ser um meio
de reprodução de prazer” (FREUD, S. Carta 52. ESB. v. I, op. cit., p.287), sendo “o elemento essencial o retorno de
uma lembrança, o retorno de um estado psíquico que o paciente já experimentou anteriormente” – concepção diversa do
modelo médico que considerava o ataque histérico “uma descarga periódica dos centros motores e psíquicos do córtex
cerebral” (Id., ibid., p.194). Entre as fases que compõem o ataque histérico estão: a fase epileptoide; a fase de “grandes
movimentos” e a fase alucinatória ou atitudes passionais (Id., ibid., p.193).

10

mo o pai. Agora você é o pai, porém o pai morto”30, tal é o mecanismo do sintoma histérico no ho-
mem, pai, porém o pai morto.
Descobrimos, assim, a modalidade pela qual o homem histérico se distingue do obsessivo:
em lugar de promover o pai morto como significante-mestre31, identifica-se com ele no retorno do
recalcado que impõe ao sintoma histérico, o que às vezes vem acompanhado de graves falhas de sua
própria função paterna, como “não querer saber nada da verdade que esconde o sintoma enquanto a
sua castração”.
Finalmente, podemos observar a dissimetria que denota a histeria no homem em relação à
histeria na mulher. O amor pelo pai, nela, é consecutivo à sua castração, e sua relação com a morte
do pai não está inscrita na mesma lógica temporal.

A função paterna

A função paterna tem três aspectos: pai simbólico, pai imaginário e pai real, que influenciam
diferentemente no conflito edipiano. A problemática edipiana, nos diz Lacan, centra-se na maneira
pela qual o sujeito vai se situar em relação à função do pai, assinala Pierre Bruno32.
A castração é o reconhecimento da dívida simbólica; ela é colocada por Freud no centro da
crise edipiana e consiste no reconhecimento da falta de um objeto imaginário: o falo. Esse
ordenamento significante permite apenas apreender as experiências pré-genitais, mas, para que ele
tenha sua eficiência simbólica, é-lhe necessário um “espaço fechado”33: uma organização do mundo
simbólico, que se chama pai.
A função do pai como doador pode ser lida de maneiras diferentes na neurose. Se, na
homossexualidade feminina, por exemplo, o pai dá o objeto real à mãe, na histeria, ele não dá o
objeto, seja este último real ou imaginário. Ele não o dá, pois ele não o tem. O que caracteriza o pai
da histeria é sua impotência, e essa “inação/carência fálica”34 lhe assegura o apego de sua filha. É o
que faz Lacan dizer que Dora ama seu pai precisamente pelo que ele não lhe dá35.
Dora e a Jovem homossexual, essas duas analisantes de Freud, nos ensinam, por sua relação
com o pai, o que é o amor: amar, baliza Lacan, é amar alguém pelo que ele não tem, o falo


30
FREUD, S. Uma neurose demoníaca no século XVII, op. cit., p.190-191.
31
Há diferenças quanto ao sujeito suposição de saber na histeria e na neurose obsessiva, observa Lacan. Sobre a
localização subjetiva do ‘sujeito suposto saber’ para o obsessivo, Lacan assinala que este não se toma pelo senhor – na
dialética senhor-escravo – mas supõe que o “senhor sabe o que ele quer”, em cujo lugar, suposto, o sujeito promove o
pai morto como significante-mestre (LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 16: de um Outro a outro [1968-1969]. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar 2008. p.371).
32
BRUNO, Pierre. Le père et ses noms. Paris: Érès. 2012. p.76.
33
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 4: a relação de objeto [1956-1957]:aula de 5 de dezembro de 1956. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar , 1995. p.57.
34
Id., ibid.:aula de 23 de janeiro de 1957, p.142.
35
Id., ibid., p.143.

11

simbólico. Dora ama seu pai que não tem o falo simbólico, a jovem homossexual não pode amar
seu pai, que o tem, é por isso que ela prefere a Dama a ele, pois que ela, não o tem.
No que se refere ao menino, sua posição em relação à função do pai consiste em poder ace-
der àquela de “ser pai”, que constitui o “verdadeiro objetivo do Édipo”36. Para chegar aí, a entrada
do complexo de Édipo, pelo viés de “uma rivalidade quase fraterna com o pai”37, é indispensável.
A aposta fálica se encena a partir do objeto real, o pênis, cujo pertencimento se realiza na relação da
criança com o pai simbólico, ou, mais exatamente, a “o que é o real no simbólico”38. É por intermé-
dio de um jogo imaginário que assim pode inscrever-se a lei do coração da criança, e por isso esta
deve ter um parceiro real que lhe responda ao nível do Outro. Não pode ser o pai simbólico, que
decorre da categoria de um pai mítico: é o pai morto, lembra Lacan. É preciso, portanto, um que
venha, na realidade, vivificar a relação imaginária, ocupando o papel e a função devolutos ao pai
simbólico.
O pai imaginário é o pai das fantasias da infância, cuja figura apavorante não tem nenhuma
relação com as qualidades do pai real. Ele é todo-poderoso, é um Deus, um mestre no fundamental
da ordem do mundo. A encarnação do pai simbólico no pai real permite ao sujeito se extrair do jogo
especular do eu ideal e ser marcado com a chancela da lei. É, portanto, pela “intervenção
sancionadora da castração” que “há no homem um significante que marca sua relação ao
significante, e isto se chama o supereu. Existem, mesmo, muito mais que um deles, e a isso se
chama os sintomas”39. É pela intervenção desse pai real que o sujeito poderá fazer uma verdadeira
escolha de objeto de amor, visando o que no amor importa, a saber, o ser, que Lacan define como
“o objeto apreendido no que lhe falta”. No entanto, em razão das espessuras das fantasiais e da
captura do simbólico no sujeito, o pai real é frequentemente muito difícil de ser discernível pela
criança 40 . Sua incidência é, no entanto, capital: a eficiência da castração depende disso. É
necessário à criança que tenta raptar sua mãe de seu pai, um pai que troveje, que se ponha a rugir,
que entre em cólera, que responda aos ataques amorosos de seu filho à sua mulher. E é exatamente
este pai que falta ao pequeno Hans. Para paliar essa carência, ele então recorre a um sintoma, a uma
fobia em que o animal castrador é intimado a representar para ele o papel do pai real, “o deus
Trovão”41.
O pai real deve responder à “privação fundamental pela qual é marcada a mãe”: o que a mãe
não tem, o pai deve dar-lho pela copulação. E é neste terreno que a criança pode encenar sua
rivalidade.


36
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 4..., op. cit., aula de 6 de março de 1957, p.208.
37
Id., ibid., p.211.
38
Id., ibid., p.214.
39
Id., ibid., p.216.
40
BRUNO, Pierre. Le père et ses noms, op. cit., p.80.
41
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 4..., op. cit., aula de 27 de março de 1957, p.269.

12

O demônio melancólico de Lermontov, o demônio desejante de Cazotte

Para concluir, relembro a presença de outros demônios que atravessaram o campo


psicanalítico.
O Satã de Mikhail Lermontov encarna o profundo questionamento dos valores ‘pequeno-
burgueses’ já presentes na Rússia pré-revolucionária, mas nos assinala também uma mudança
essencial no despertar do demoníaco que o Romantismo apresenta no século XIX. É no
romantismo, o mal do século, que a noite, os sepulcros, o Caos, a ironia e os ocasos se inserem
como temática, traduzem a nostalgia do infinito e fundam a insatisfação espiritual, excessivamente
mais exacerbada do que no pré-romantismo, em que a musa era a melancolia.
O herói de Lermontov age de outro modo. Seu lenitivo é procurar responder ao enigma do
desejo. O demoníaco de Lermontov é diverso, portanto, do demoníaco apresentado na novela de
Jacques Cazotte (1719-1792), O diabo enamorado, de 1772, como nos deu a conhecer Jacques
Lacan através da reflexão em “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”,
de 1960. Escrita em pleno Iluminismo, a novela de Cazotte revela um herói marcado pelo ‘desejo
de saber’, “A curiosidade é a mais forte minhas paixões”42, diz Álvaro. Aquele que ‘ouve e vê’
despertar fantasticamente a demanda Che voui? ao querer, e é também aquele que, aturdido,
soluciona sua condição de sujeito dividido, desmentindo o desejante, ou seja, “o herói deseja mas
não quer”... Esse me parece ter sido o viés que conduziu Lacan a se servir dessa novela para
construir o grafo do desejo, não sem nos apontar para o risível do “como escolher entre cem e não
ficar na angústia das outra noventa e nove?”
Lacan, no Seminário 6: o desejo e sua interpretação43, se serve de um outro diabo para a
entrada do sujeito no discurso. Este, ao contrário do de Lermontov, é incapaz de responder ao
enigma da diferença sexual e, por isso mesmo, situa o sujeito no âmago desta diferença: o diabo
enamorado de Cazotte, aquele que responde ao oráculo com um Che vuoi? – “que queres?” –
assinala que o desejo é desejo do grande Outro, enigma insofismável. É enquanto outro que o
sujeito deseja.
Em “A subversão do sujeito e a dialética do desejo”, Lacan escreve:

Eis por que a pergunta do Outro, que retorna para o sujeito do lugar de onde ele
espera um oráculo, formulada como um Che vuoi? – “que quer você?”- é a que
melhor conduz ao caminho de seu próprio desejo – caso ele se ponha graças ao
savoir-faire de um parceiro chamado psicanalista, a retomá-la, mesmo sem saber
disso muito bem, no sentido de um “Que quer ele de mim?”.44


42
CAZOTTE, Jacques, O diabo enamorado [1772]. 2.ed. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p.20.
43
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 6: o desejo e sua interpretação [1958-1959]. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
44
LACAN, Jacques. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano [1960]. In: ______. Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 807-842. p.829.

13

O que se estabelece a partir daí é uma transferência a um sujeito suposto saber e não a um
mestre que possa nomear ante o desejo do Outro, que, enquanto significante, pode significar
qualquer coisa menos a si mesmo, o que é uma definição precisa da pura diferença45.
O Frontispício (Figura 1) do Manuscrito, em formato de tríptico, oferece uma visão geral do
conflito que levou o pintor ao pacto com o demônio e à Ordem religiosa em busca de uma cura
milagrosa para suas visões e ‘absences’, nas quais via e experimentava acessos convulsivos
acompanhados de sensações penosas e, algumas vezes, paralisias nas pernas. Contudo, se esse
tríptico ilustrado pelo pintor nos dá a pensar no tríptico de Lacan do Real, do Simbólico e do
Imaginário, sabemos que foi preciso também o Manuscrito, de modo que a fala do sujeito-pintor
pudesse deixar a marca sintomática em suas palavras escritas sobre os atributos do sofrimento de
sua divisão subjetiva, aquela “do sujeito tomado numa divisão constitutiva” 46, dita Ichspaltung.
No final de “A ciência e a verdade”, Lacan retorna principalmente ao Freud de
“Organização genital infantil” (1923), e pergunta: divisão do sujeito? – para responder: “este ponto
é um nó”47. Assim conclui, com Freud, que o sujeito se divide lá onde se revela a natureza do falo
(simbólico) para com a realidade, ante o instante de visibilidade e descoberta da ausência de pênis
na mulher.
O “discurso da histérica” produz um grande Outro que sabe, ainda que impotente. Esse foi o
lugar onde ficou o demônio na fantasia do pintor, enquanto substituto do pai, razão de um fracasso
da defesa e de sua “descompensação neurótica” quando se aproximava o momento de concluir o
pacto que ele havia selado.
A fantasia de gravidez, conforme a interpretação de Freud, dividiu subjetivamente o pintor
perante a escolha de sua posição sexual (“sou um homem ou sou uma mulher?”) assinalando para o
caráter problemático da assunção de sua posição viril no nível simbólico.48
Na fantasia, tal qual é articulada por Freud, o voto inconsciente é sua formulação, sua
enunciação. Daí a importância da transferência em análise, que possibilita as escansões
significantes. Não tendo sido possível esse recurso ao pintor, o sucesso de sua cura miraculosa de
possessão demoníaca ficou restrita ao discurso místico.
Nessa perspectiva, no Seminário 16: de um Outro ao outro, Lacan vai dizer: “O sujeito
mulher encena o sujeito suposto saber. Em outras palavras, e lembrem-se de Dora, a histérica fica
interessada, cativada pela mulher na medida em que acredita que a mulher é que sabe o que é

45
LACAN, Jacques. L’identification. Paris: Association Freudienne Internationale [Aula de 6 de dezembro de 1961:
publicação fora de comércio, s/d].
46
LACAN, J. A ciência e a verdade [1966]. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.869-892. p.856.
47
Id., ibid., p. 877.
48
Cf. o comentário de Lacan sobre um caso de histeria masculina de Eisler Joseph. In: LACAN, J. Les structures
freudiennes des psychoses (Séminaire 1955-1956) : aula de 14 de março de 1956. Paris: Éditions de l’Association
Freudienne Internationale. Publicação fora de comércio, 2001, p.247.

14

preciso para o gozo do homem”.49 Ou, dito de outro modo, para o sujeito histérico (macho ou
fêmea) “a mulher é aquela que supostamente sabe”.50
A partir dessa colocação, Lacan propõe atribuir como traço comum ao sujeito histérico,
homem ou mulher, a “suposição da mulher como sujeito suposto saber”. E ao realizar a mulher
como não-toda (fálica) seria do lado do histérico o equivalente à destituição subjetiva e,
consequentemente, a uma cura analítica, o que de fato não aconteceu com Haizmann.

Heráclito, em seu fragmento B 119, diz que “a personalidade do homem é seu demônio”.
Resta saber: de que demônio se trata em cada um de nós?


49
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 16: de um Outro ao outro: aula de 18/6/1969, op. cit., p.373.
50
Id., ibid., p.373. Em « Propos sur l’hysterie », conferência em Bruxelas de 26/2/1977, Lacan indaga: “… histérico
macho? Não encontramos nenhum destes que não seja uma fêmea”. Quarto (Suplemento belga de La lettre mensuelle
de l’École de la cause freudienne), Paris n.2, 1981, p.6. Traduções próprias dos trechos transcritos para fins deste
trabalho.

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