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Dossiê

José Comblin e a Igreja dos pobres


José Comblin and a Church that has made an option:
“A Church with the poor’s”

Hermínio Canova1

Resumo Abstract
O objetivo específico deste trabalho é apontar The objective of this paper is to show out José
José Comblin como um autêntico “doutor da Comblin as an authentic "doctor of the Church
Igreja dos Pobres” do nosso continente, pelo of the poor" in our continent. Because his work
trabalho de articulação e formação of articulation and missionary formation.
missionária, pela reflexão e vasta obra escrita. Through his reflection and extensive written
Comblin soube articular a grande cultura que work Comblin learned to articulate the great
ele possuía com a fé e a experiência de vida do culture that he had with the faith and the life
Povo Pobre da América Latina. “Doutor”, na experience of the Latin America's poor people.
Igreja, é aquele que dá visibilidade e The title "Doctor", in the Church, is the one
sistematiza as experiências de fé do povo who gives visibility and systematizes the
cristão. Neste trabalho, procuro definir melhor experience of faith of Christian people. In this
este conceito e entender como pode ser paper we seek to define this concept in a better
aplicado este título à pessoa de José Comblin. way and understand how it can be applied to
O testemunho da sua vida, o amor ao povo the person of José Comblin. His life's
cristão pobre e, sobretudo, a valiosa obra testimony and the love of Christian people
escrita, que ele nos deixou, fazem deste poor and, in particular, the valuable written
sacerdote/missionário/educador um work he left to us, make this
verdadeiro mestre e doutor por muitas priest/missionary/educator a true master and
gerações de cristãos. doctor for many generations of Christians.

Palavras-chave Keywords

Povo de Deus e Igreja dos pobres. People of God and Church of the poor.
Formação missionária. Missionary formation.
Doutor da Igreja. Doctor of the Church.
Pais da Igreja da América Latina. Church father's of Latin America.
Vocação para a liberdade e esperança dos Calling for freedom and hope of the poor.
pobres.

1 Membro e assessor da Comissão Pastoral da Terra.


Estudou Teologia e Sociologia. Trabalha a Teologia da
terra e a formação missionária para leigos. Estudioso da
questão agrária no Nordeste. Vive na Paraíba e trabalha
em Recife, na sede da CPT Nordeste. Email:
hcanova46@gmail.com
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1 Introdução

Falar ou escrever sobre a vida de José tais como Helder Câmara (Brasil), Manuel
Comblin (1923-2011) é para mim tarefa fácil e Larrain (Chile), Leônidas Proaño (Ecuador) e
gratificante. Tive a oportunidade de encontrá- muitos outros.
lo em várias ocasiões, compartilhando Mas o objetivo específico deste meu
preocupações e alegrias quanto a vida do povo trabalho é apontar José Comblin como um
e a caminhada da Igreja. A pedido dele autêntico “doutor da Igreja dos Pobres” do
colaborei na Escola de Formação Missionária nosso continente, pelo trabalho de articulação
de Mogeiro –PB. e formação missionária,
Quero lembrar José pela reflexão e vasta obra
Comblin como padre O objetivo específico deste meu escrita. Comblin soube
trabalho é apontar José Comblin
diocesano, missionário, como um autêntico “doutor da articular a grande cultura
pedagogo da fé cristã, Igreja dos Pobres” do nosso que ele possuía com a fé e
continente, pelo trabalho de
teólogo da libertação, articulação e formação a experiência de vida do
cientista político, mas, missionária, pela reflexão e vasta Povo Pobre da América
obra escrita.
sobretudo e, acima de tudo, Latina. “Doutor”, na
como teólogo do Povo de Igreja, é aquele que dá
Deus e educador dos leigos e das leigas visibilidade e sistematiza as experiências de fé
comprometidos/as com a caminhada e as lutas do povo cristão. Mais adiante, neste trabalho,
das comunidades do campo e das periferias. procuro definir melhor este conceito e
Lembro também José Comblin como assessor e entender como pode ser aplicado este título à
amigo das grandes figuras da Igreja dos Pobres pessoa de José Comblin.
da América Latina, aqueles grandes profetas

2 José Comblin missionário

Comblin deixou a Europa e se inseriu envelhecimento e decadência. Procurou a


na caminhada da Igreja da América Latina, América Latina, tendo a informação que aqui o
atuando em diversos países, sobretudo no Cristianismo era mais dinâmico e criativo e que
Brasil, no Chile e no Ecuador. Já na sua a Igreja Católica entrava por novos caminhos e
primeira experiência pastoral na Europa, na novas práticas libertadoras, buscando novas
Bélgica, Comblin tinha percebido que o formas de organização comunitária e de
Cristianismo e a própria Igreja Católica tinham militância cristã.
entrado, naquele continente, num processo de

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Em 1958 começou a “aventura” Homem de profunda espiritualidade e


missionária e teológica de Comblin no nosso de vasta cultura, Comblin analisava
continente. Tornou-se dentro de poucos anos criticamente os processos políticos e sociais e
um grande percebia as
protagonista na tendências para o
construção dos Comblin tinha percebido que o Cristianismo futuro. Foi
e a própria Igreja Católica tinham entrado,
fundamentos e naquele continente, [europeu] num processo protagonista de um
passos educativos de de envelhecimento e decadência. Procurou a novo modo de fazer
América Latina, tendo a informação que
um novo modelo de teologia e dedicou
aqui o Cristianismo era mais dinâmico e
Igreja e na elaboração criativo... Tornou-se dentro de poucos anos muito tempo à
de uma teologia um grande protagonista na construção dos fundação e
fundamentos e passos educativos de um
latino-americana novo modelo de Igreja e na elaboração de acompanhamento de
chamada depois “da uma teologia latino-americana chamada várias Escolas de
depois “da libertação”.
Libertação”. Comblin Formação para
não perdeu tempo: leigos e leigas
viajou, articulou, apoiou os bispos mais vocacionados/as à Missão, no Nordeste do
comprometidos porque acreditava que eles Brasil, no Chile e no Equador.
eram os pastores que deviam conduzir o Povo Membro da Igreja Católica, Comblin
Cristão pelos caminhos da fé libertadora. foi amigo-irmão de Teólogos e Pastores desta
sua Igreja e de outras Igrejas Cristãs.

3 A Igreja dos pobres na América Latina

O berço onde nasceram as práticas e assumiram o compromisso de voltarem para


formulações deste novo modelo de Igreja foi seus países e suas igrejas para viverem pobres
sem dúvidas a Religiosidade Popular dos povos “no meio do povo”. Acertou-se na ocasião o
latino-americanos. Particularmente, o “Pacto das Catacumbas”, alguns poucos
Catolicismo Popular do Brasil, com suas pontos/compromissos concretos para uma
práticas religiosas e com suas formas de Igreja despojada de riqueza e poder, servidora
resistência diante do catolicismo oficial e nas da humanidade e dos pobres.
lutas pela vida, foi o espaço e a fonte do modelo O Pacto das Catacumbas é a certidão
que mais recentemente foi chamado de Igreja de batismo desta nova formulação e novo
dos Pobres. modelo de Igreja. Os bispos que assinaram o
Durante o Concílio Vaticano II (1962- documento se comprometiam a viverem em
1965, em Roma, Itália), 40 bispos conciliares (a pobreza, renunciando a todos os símbolos ou
maioria latino-americanos), em sintonia com o privilégios do poder e colocando os pobres no
sonho do Papa de então, João XXIII, de uma centro de seu ministério pastoral. Vale a pena
“Igreja pobre a serviço dos pobres”, desceram lembrar alguns pontos do documento:
nas catacumbas dos primeiros cristãos e lá

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Procuraremos viver segundo o modo O importante não é destruir o modelo


ordinário da nossa população, no que da Igreja de cristandade, mas
concerne à habitação, à alimentação, favorecer o surgimento da Igreja dos
aos meios de locomoção e a tudo que pobres, que, embora minoritária, tem
daí se segue. Para sempre força espiritual e qualitativa. Digamos
renunciamos à aparência e à realidade novamente que a Igreja libertadora ou
da riqueza, especialmente no traje, dos pobres não é seita, ou Igreja
nas insígnias de matéria preciosa; paralela à Igreja institucional, mas
nem ouro nem prata. No nosso um movimento de renovação no
comportamento, nas nossas relações interior da Igreja universal, e em
sociais, evitaremos aquilo que pode comunhão com ela. É um movimento
parecer conferir privilégios, profético que se realiza a partir de
prioridades ou mesmo uma uma experiência espiritual e teológica
preferência qualquer aos ricos e aos nova, como se dá nas CEBs e nos
poderosos (CONCÍLIO..., 1966, p. movimentos populares cristãos. Para
526). a América Latina, optar pela Igreja
libertadora não é moda nem
Este documento e o veleidade, é conseqüência da
necessidade de optar pelos
compromisso assumido por pobres, como resposta ao
sinal dos tempos de seu
aqueles bispos lá nas clamor ingente. Mais
Nascida da Religiosidade Popular
catacumbas dos mártires ainda, é conseqüência da
dos povos latino-americanos, a opção dos mesmos pobres
cristãos, em Roma, serão Igreja dos Pobres, tem sua pela Igreja. O verdadeiro
certidão de batismo selada pelo conflito na América Latina
fonte de inspiração na tomada “Pacto das Catacumbas”. Ela é não se dá entre a
das grandes decisões, como um movimento profético que se hierarquia e o povo, entre a
realiza a partir de uma Igreja hierárquica e a
veremos mais adiante, na Igreja popular, como às
experiência espiritual e teológica vezes se faz crer, mas entre
Conferência de Medellín. nova. [...] Optar pela Igreja os diferentes modelos de
Quanto aos desafios libertadora ou dos pobres [...] é Igreja, concretamente
conseqüência da necessidade de entre o modelo de
que esta peculiar experiência optar pelos pobres, como resposta cristandade (mais ou
ao sinal dos tempos de seu menos renovado em forma
de Igreja suscitou desde o de nova cristandade) e o
clamor ingente. modelo de Igreja
começo, não cabe aqui
libertadora. De cada
aprofundar muito. Lembro só modelo participam bispos,
sacerdotes, religiosos e leigos. Em
as questões que foram levantadas ao longo da todo caso, surge sempre o problema
caminhada: qual é o papel dos leigos na de como passar de um modelo de
Igreja para outro, de como passar de
evangelização? Em que sentido a Igreja “é” dos uma chave á outra.
pobres? Qual é a relação com a hierarquia?
José Comblin não participou do
Esta experiência é um elitismo, um
Concílio de Roma, mas acompanhou tudo e
vanguardismo popular cristão? Qual relação
escreveu muito para ajudar a entender as
entre as CEBs e as massas? Optei por colocar
mudanças trazidas por aquele evento. Comblin
aqui apenas algumas afirmações sobre o
percebeu as novidades e mudanças possíveis
assunto do teólogo residente na Bolívia, Victor
na Igreja e começou uma grande atividade de
Codina (1990, p. 223-224):
viagens, contatos, escritos, articulações a fim
(Na América Latina) as mudanças e de refletir, formar pessoas e consolidar o
evoluções sociais puseram em questão
modelo de Igreja Povo de Deus nos países e
a Igreja de cristandade. A Igreja de
cristandade tem relação com a dioceses por ele frequentados.
dimensão do poder institucional; a
Igreja dos pobres, com a vida. Mas
estas duas Igrejas não se pode opor de
forma maniqueísta: a Igreja dos
pobres nasce da Igreja de cristandade.
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A preocupação, quase uma angustia, de certamente. Podem colaborar. Mas os


evangelizadores surgirão e estão
Comblin era com a evangelização das massas. surgindo do meio dos pobres... O
Ele afirmava: mundo será evangelizado por leigos
ou não será evangelizado. [...] Se não
se faz este trabalho decisivo para o
[...] os portadores da palavra são futuro da Igreja que está na América
essencialmente os leigos. A Igreja é Latina, as massas irão abandonar uma
antes de mais nada um povo de Igreja que de fato já as tinha
leigos..... Os teólogos vão ser os abandonado (COMBLIN, 1986, p.
evangelizadores deste mundo? Não 336).

4 A contribuição de José Comblin na caminhada da Igreja dos pobres

Pretendo destacar algumas das várias Université Catolique de Louvain, entrou em


contribuições de Comblin na dinâmica de sintonia com a cultura do povo nordestino e
renovação permanente da Igreja e no seu soube articular o saber acadêmico que possuía
compromisso com o povo. Possivelmente ele se amplamente com a fé do povo pobre. Ele fez
inspirou na afirmação que sempre fazia dom teologia com os pés na realidade que é sempre
Helder Câmara de que “precisava mudar cheia de conflitos e desigualdades, de
sempre para ser sempre o mesmo”; precisava humilhações e injustiças.
mudar, renovar, inovar sempre para ser A atenção de Comblin ficou sempre
sempre fiel ao compromisso evangélico. “colada” aos movimentos sociais. Eu posso
Comblin deixou a Europa e veio para testemunhar a presença dele nas grandes
América Latina. Na América Latina deixou os manifestações populares, nos Fóruns Sociais e
seminários onde se formam os padres como em outras ocasiões, em defesa da vida, da terra
“quadros” para a Instituição e organizou as e das liberdades. Comblin não perdia a ocasião
Escolas de Formação Missionária, onde se de observar e refletir sobre as lutas dos
formam os leigos missionários no meio do “debaixo”, dos movimentos de base, dos que
Povo. Deixou a Academia e optou por uma vida viviam sem os direitos reconhecidos. Conhecia
simples e mais perto do povo, para ter de perto as comunidades camponesas, a
condições de repensar a teologia e a tradição de cultura dos povos indígenas, manifestava
Jesus a partir das comunidades, grupos e sempre grande preocupação com as massas das
militantes das causas sociais. Deixou a cátedra periferias das metrópoles e com os ‘novos’
e pegou nas mãos a enxada. No Brasil, pobres, os desempregados e subempregados do
Comblin, com o doutorado em teologia na sistema.

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Estimado teólogo da Libertação, ‘Método de análise e de trabalho teológico’ que


Comblin me parecia mais interessado na ele usava. Este método tinha dois pressupostos
libertação do que na teologia: libertação das essenciais. Em primeiro lugar, Comblin refletia
opressões da história e das alienações da vida. e escrevia sobre o que ele fazia e sobre o que
Talvez desejasse mais libertação e menos ele via, não sobre o que ele imaginava.
teologia. Portanto, para
Certamente, ele, a teologia
ele foi um A atenção de Comblin ficou sempre “colada” aos na América
movimentos sociais. Estimado teólogo da Libertação,
grande Comblin me parecia mais interessado na libertação do Latina era
apaixonado que na teologia: libertação das opressões da história e teologia das
das alienações da vida. Talvez desejasse mais libertação e
pela lutas de
menos teologia. Certamente, ele foi um grande
‘liberdade’. apaixonado pela ‘liberdade’. Educar para a liberdade, “libertação” do
Educar para a ajudar os leigos e militantes a refletir sobre a ‘vocação à pecado social,
liberdade’, viver a liberdade cristã como proposta
liberdade, evangélica fundamental, isso foi a grande missão dele. de toda
ajudar os injustiça e da
leigos e ruptura com
militantes a refletir sobre a ‘vocação à Deus. Para ele, no Nordeste brasileiro, a
liberdade’, viver a liberdade cristã como teologia era teologia “da enxada”, uma reflexão
proposta evangélica fundamental, isso foi a organizada a partir da convivência de jovens
grande missão dele. Comblin acreditava que o missionários com a cultura e a vida do povo
núcleo fundamental do Evangelho não era a camponês. Nada de teologia genérica e perene,
Caridade, mas a Liberdade, assim como o fechada em dogmas, mas uma teologia que
apóstolo São Paulo a interpretou na sua carta surgia da fé e da luta das comunidades e dos
aos Gálatas; “Cristo nos libertou para que militantes.
sejamos verdadeiramente livres [...] Irmãos, Outro aspecto deste método foi a
vocês foram chamados para serem livres”. (Gal. precisão e a pesquisa sistemática que Comblin
5). usava no seu labor científico e teológico; usava
Mas, talvez, a maior contribuição que dados precisos, frutos de pesquisas e de
ele deu à nossa caminhada, seja o próprio informações diretas e de constatações pessoais.

5 José Comblin Cientista político

Comblin, em suas análises políticas, liberdade dos povos, dedicou muito tempo a
apontavam sempre os problemas estruturais e este tema e escreveu páginas fundamentais de
as questões éticas inerentes ao sistema análise e de denúncia. Alertou a Igreja que esta
dominante. Doutrina era nefasta para a democracia e a
Quando percebeu que a Doutrina da liberdade dos povos. Por causa disso, ele sofreu
Segurança Nacional era uma grande ameaça a expulsão dos países que adotara a Doutrina e
para os países da América Latina, Comblin, instauraram regimes de exceção, como o Brasil
com seu espírito crítico e apaixonado pela e o Chile, onde foram fechados por longos
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tempos os caminhos da liberdade e da da Doutrina, de origem norte-americana, no


participação popular. José Comblin e o bispo nosso continente; era nociva e antiética,
brasileiro dom Cândido Padim convocaram a promovia grande segurança para o capital e
Igreja a se opor com todas as forças à aplicação suas elites, e a total insegurança para o povo.

6 Comblin e os “Pais” da Igreja dos pobres

A Igreja Católica, em sua longa de 1960, 1970 e de 1980? Depois do Concílio


história, reconheceu em alguns dos seus Vaticano II (1962-1965), um grupo de bispos
membros o título ou carisma de “Santos Pais”, liderados por dom Helder Câmara e dom
em outros o carisma de “Doutores da Igreja”. A Manuel Larrain, preparou a Conferência
Igreja Católica tem hoje oficialmente 33 Episcopal Latinoamericana (CELAM), em
Doutores: 30 homens e 03 mulheres (!). Medellín, Colômbia, em 1968. Neste grupo,
Lembramos os mais conhecidos. Da haviam bispos que tinham descido nas
época patrística (até o 5º século) destacamos catacumbas de Roma para “beber” daquela
Basílio de Cesaréia, Gregório Nazianzeno, experiência cristã originária. O evento
Ambrósio de Milão, João Crisóstomo e Medellín foi considerado um verdadeiro
Agostinho de Hipona. Na época medieval: pentecostes do Espírito de Deus. Não foi uma
Gregório Magno, Antônio de Pádua, - o mais aplicação mecânica do Concílio ao continente
famoso - Tomás de Aquino e Catarina de Sena.
E na época moderna: Teresa de Ávila e Teresa
de Lisieux. O evento Medellín foi considerado
É pelo menos interessante que os um verdadeiro pentecostes do
Espírito de Deus. Não foi uma
últimos três (3) “mestres” que receberam este aplicação mecânica do Concílio ao
reconhecimento oficial da Igreja foram continente latino-americano;
naquele momento os bispos
mulheres: Teresa de Ávila e Catarina de Sena,
sabiam que estavam fundando a
em 1970. Surpreendeu, em 1997, o Igreja latino-americana, na opção
reconhecimento de “doutora da Igreja” dado a pelos pobres. O tema central da
Conferência, de modo inesperado,
uma jovem francesa, monja carmelita, Thérèse se tornou a pobreza: a pobreza e a
Martin (1873-1897); ela não era teóloga, mas miséria social do continente, e a
pobreza evangélica da Igreja como
escreveu uma original “História de uma alma”,
testemunho necessário diante da
obra de profunda espiritualidade. situação.
Mas a Igreja latino-americana e dos
Pobres tem também os seus ‘doutores’? Quem latino-americano; naquele momento os bispos
poderia ser ‘doutor da Igreja dos Pobres’? Qual sabiam que estavam fundando a Igreja latino-
é a função dos Doutores? Por que a Igreja americana, na opção pelos pobres.
precisa dos Doutores? O tema central da Conferência, de
Como surgiram tantos profetas e modo inesperado, se tornou a pobreza: a
mártires na Igreja da América Latina, nos anos pobreza e a miséria social do continente, e a
pobreza evangélica da Igreja como testemunho
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necessário diante da situação. Na Conferência expressão “os Santos Padres da Igreja do Povo
eclesial seguinte, em Puebla (1979), houve de Deus da América Latina”.
fortes debates sobre a presença e missão da Estes Santos Pais (ou Santos Padres)
Igreja no continente. O episcopado estava da Igreja latino-americana foram protagonistas
dividido, mas o grupo de bispos proféticos teve de um longo período eclesial e capazes de
a coragem e a capacidade de confirmar recuperar a dimensão profética no ministério
Medellín, consolidando a caminhada da Igreja episcopal. Pela fé que eles tinham, pelo estilo
Povo de Deus e segurando as decisões de vida simples e austero e pelo amor
anteriores, sobretudo a opção preferencial incondicionado aos pobres, aqueles homens
pelos pobres. Naquele momento era já uma tiveram a intuição profética de uma Igreja
plêiade o número de bispos/profetas e muitos evangelicamente pobre e perto dos pobres. Eles
deles são considerados ainda hoje referências buscaram criativamente e, às vezes, com
como mestres da fé, profetas e mártires. Vale a grande ousadia novas formas de presença e de
pena lembrar alguns nomes destes fundadores empenho a partir da opção pelos pobres. Eles
da Igreja da América latina e da nova se tornaram e são até hoje fonte de inspiração
caminhada. de novos caminhos de esperança e de
Uma primeira geração de bispos seguimento evangélico, não só na América
pastores/profetas da Igreja da América Latina Latina.
e que Comblin conheceu de perto são: Helder Comblin participou desta história;
Câmara, Manuel Larrain, Leônidas Proaño, intuiu a beleza da aventura de acompanhar e
Ramón Bogarín, Gerardo Valencia Cano, José refletir junto com estes pastores do povo e
Dammert Bellido, Raul Silva Henríquez, mestres da fé, e colocou toda sua experiência e
Marcos McGrath, Sergio Mendes Arceo, toda sua inteligência a serviço desta nova
Samuel Ruiz. caminhada da Igreja. Em João Pessoa (PB), em
Apareceu uma segunda geração de Talca (Chile), em Riobamba (Ecuador) e em
bispos/profetas: lembro, sobretudo, os outros lugares, Comblin se tornou irmão e
brasileiros Aloisio Lorscheider, Paulo Evaristo assessor dos bispos e pedagogo da fé dos
Arns, Luciano Mendes, Antônio Fragoso, José missionários e missionárias do meio popular,
Maria Pires, Pedro Casaldáliga, Tomás nessas igrejas. É verdade que Comblin refletia
Balduíno. sempre de modo crítico qualquer novidade e
Este episcopado profético da América desconfiava de certas afirmações e euforias,
Latina tem seus mártires: Henrique Angelelli mas sempre testemunhou e acreditou num
(Argentina), Oscar Romero (El Salvador), Juan novo amanhecer da Igreja a partir do povo e
José Gerardi (Guatemala). De modo algum a dos leigos.
lista pode ser exaustiva. A Igreja do continente, na sua
Comblin conheceu de perto muitos dimensão mais profética e evangélica, criou
destes bispos, colaborou e se tornou amigo. E esta “nova patrística”. Ela tem, portanto, seus
foi o próprio Comblin que, diante do “Santos Pais” como tem o testemunho heróico
testemunho destes bispos, construiu a dos seus mártires. E talvez, na elaboração de
uma teologia latino-americana em perspectiva

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feminina temos a oportunidade de Tomás de Aquino e Catarina de Sena. E na


encontrarmos os critérios de discernimento de época moderna: Teresa de Ávila e Teresa de
uma possível “matrística latinoamericana”. Lisieux.
Neste modelo de uma Igreja latino- É pelo menos interessante que os
americana e dos Pobres é reconhecido em últimos 3 ‘mestres’ que receberam este
alguns de seus membros o carisma de “Doutor reconhecimento oficial da Igreja foram
da Igreja”? mulheres: Teresa de Ávila e Catarina de Sena,
A Igreja Católica, em 1970. Surpreendeu,
em sua longa história, em 1997, o
reconheceu em alguns dos Estes Santos Pais (ou Santos reconhecimento de
seus membros o título ou Padres) da Igreja latinoamericana “doutora da Igreja” dado a
foram protagonistas de um longo
carisma de “Santos País“, período eclesial, capazes de uma jovem francesa,
em outros o carisma de recuperar a dimensão profética no monja carmelita, Thérèse
ministério episcopal. Buscaram
“Doutores da Igreja”. A Martin (1873-1897); ela
criativamente novas formas de
Igreja Católica tem hoje presença e de empenho a partir da não era teóloga, mas
oficialmente 33 Doutores: opção pelos pobres. Tornaram-se, escreveu uma original
e são até hoje, fonte de inspiração
30 homens e 03 mulheres. de novos caminhos de esperança e “história de uma alma”,
Lembramos os de seguimento evangélico, não só obra de profunda
na América Latina. Comblin
mais conhecidos. Da época participou desta história; intuiu a espiritualidade.
patrística (até o 5º século) beleza da aventura de Mas a Igreja
acompanhar e refletir junto com
destacamos Basílio de latino-americana e dos
estes pastores do povo e mestres
Cesaréia, Gregório da fé, e colocou toda sua Pobres tem também os
Nazianzeno, Ambrósio de experiência e toda sua inteligência seus “doutores”? Quem
a serviço desta nova caminhada da
Milão, João Crisóstomo e Igreja. poderia ser ‘doutor da
Agostinho de Hipona. Na Igreja dos Pobres’? Qual é
época medieval: Gregório a função dos Doutores?
Magno, Antônio de Pádua, - o mais famoso - Por que a Igreja precisa dos Doutores?

7 José Comblin “Doctor Eclesiae”

Proponho que seja reconhecido em Doutores existem para serem lidos e


José Comblin o carisma de “Doutor da Igreja estudados”.
dos Pobres da América Latina”, pelo exemplar Não tenho aqui o espaço, e não é
testemunho de fé e pela preciosa inteligência oportuno no momento, fazer uma análise sobre
teológica colocada a serviço do povo. O teólogo como o conceito de “doutor da Igreja” nasceu e
e historiador Bernard McGinn (1999, p. 51) se desenvolveu na Igreja Católica.
afirma no seu trabalho sobre os doutores da Problemático é sempre o nível ou a instância
Igreja: “os Doutores da Igreja vivem não só na em que foi tomada a decisão de outorgar este
veneração e memória de que são objeto como título a um membro da Igreja. Mas vale, neste
santos, mas, sobretudo, em seus escritos. Os
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momento, e sobre este assunto a conclusão de Liberdade”, para que nos alicercemos na
McGinn (1999, p. 298): verdadeira “Tradição de Jesus”: é esta a
temática fundamental de Comblin e inclusive,
Os Doutores são hoje sempre vitais
para o magistério da Igreja e para o são estes - entre aspas - os títulos de alguns
progresso da teologia. Não cabe aos
teólogos estabelecer quem deve ou escritos dele.
não deve ser reconhecido como
É um grande “magistério” que Comblin
doutor, porque os pareceres de
qualquer teólogo são individuais e nos deixou, magistério para o tempo presente e
pessoais, e porque os doutores estão a
serviço de uma comunidade bem mais para o futuro e não só para a Igreja da América
ampla e que abrange séculos, mais do
que a maior parte dos teólogos possa
Latina.
esperar. Não devemos esquecer que Na questão do magistério e da relação
nem os Papas “fazem” os doutores.
Como papa Paulo VI nos lembrou, os entre ‘pastores e teólogos/doutores’, com
papas não criam os doutores; eles
grande competência nos ajuda Leonardo Boff
simplesmente reconhecem só o que o
Espírito Santo pode dar e tem dado a (Jornal do Brasil, 28/04/2013):
muitos homens e mulheres na história
da Igreja. Está comprovado historicamente: a
categoria “magistério” atribuída aos
A obra escrita de Comblin é Papas é uma criação recente.
Começou a ser empregada pelos
reconhecida pelo Povo Cristão da América Papas Gregório XVI (1766-1846) e por
Latina como uma Pio X (1835-1914) e se faz comum
com Pio XII (1876-1958).
referência, um inteligente Antes “magistério” era
constituído pelos doutores em
e precioso Proponho que seja reconhecido em teologia e não pelos bispos e
aprofundamento e José Comblin o carisma de “Doutor pelos Papas. Estes são
da Igreja dos Pobres da América mestres da fé. Os teólogos são
compreensão da fé cristã Latina”, pelo exemplar testemunho mestres da inteligência da fé.
de fé e pela preciosa inteligência Portanto, aos Bispos e Papas
e do seguimento de Jesus não cabia fazer teologia, mas
teológica colocada a serviço do testemunhar oficialmente e
Cristo. Na realidade, os povo. garantir zelosamente a fé
escritos de Comblin são cristã.
de fácil acesso para os leigos e as leigas
Quero acrescentar esta minha
comprometidos/as, missionários/as,
convicção; Comblin com sua obra teológica
animadores de comunidades, padres e
rompeu a barreira do “acadêmico” separado do
religiosas, militantes cristãos e sociais.
“leigo”; Comblin também não apostou na
Comblin traduziu vários temas teológicos em
ruptura polêmica entre intelectuais e pastores
cartilhas, com exemplos da vida e textos
na Igreja. Ele optou pela Igreja Povo de Deus e
bíblicos, para contribuir na formação nas
dos Pobres, onde o labor teológico e a
Escolas Missionárias.
inteligência da fé são colocados a serviço da
“Jesus de Nazaré” nos abriu “o
vivência cristã, da formação missionária e das
Caminho”, e a “Ação do Espírito Santo”, que
práticas libertadoras dos leigos e das leigas
está presente no mundo como força e luz, é que
comprometidos com o Reino de Deus.
nos guia como “Povo de Deus”, por aquele
caminho e suscita em nós a “Vocação para a

Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 21-32, jan./jun. 2013


Hermínio Canova – José Comblin e a Igreja dos Pobres ~ 31 ~

8 Conclusão

Pode-se dizer que José Comblin não Ratzinger apareceu um papa latinoamericano,
esteja tão interessado, lá no céu, do título de que sonha com “uma Igreja pobre para os
Doutor da Igreja dos Pobres. Pela humildade pobres”. O papa Bergoglio, inclusive, vem
dele, pela vocação dele à liberdade, pela convidando os cristãos a se adentrarem com
renúncia a honrarias e rótulos. Comblin nunca coragem por novos caminhos da pobreza, os
falou em definição da sua pessoa, mas é das “periferias existenciais” deste mundo, lá
inegável que o testemunho da sua vida, o amor onde as pessoas sofrem a solidão, a doença, a
ao povo cristão pobre e, sobretudo, a valiosa marginalização e o abandono; sempre os
obra escrita, que ele nos deixou, fazem deste pobres!
sacerdote/missionário/educador um
verdadeiro mestre e doutor por muitas
Comblin nunca falou em definição
gerações de cristãos. da sua pessoa, mas é inegável que
Acrescento que, no crepúsculo de sua o testemunho da sua vida, o amor
ao povo cristão pobre e, sobretudo,
vida, Comblin “sentiu” que a Igreja dos Pobres a valiosa obra escrita, que ele nos
tinha perdido seu brilho e que a opção pelos deixou, fazem deste
sacerdote/missionário/educador um
pobres não tinha mais espaço e consideração
verdadeiro mestre e doutor por
nos documentos e nos planos pastorais. As muitas gerações de cristãos.
opções da Instituição eram já outras. Estava a
caminho um processo imposto de restauração O Espírito Santo conduz o Povo de

do passado contrário às decisões do Concílio e Deus pelos caminhos de Jesus. A Tradição do

de Medellín. O episcopado já era outro e novas Nazareno pode tomar novo fôlego. Com

forças e movimentos de caráter conservativo certeza, de todos os livros de José Comblin, o

avançavam no continente. último, póstumo, é o melhor. A lista completa

Mas a esperança vive! A história pode desses livros pode ser encontrada em Muggler

surpreender. Depois do papa Pacelli apareceu (2013).

papa Roncalli, ultimamente, depois do papa

Referências

MUGGLER, Mônica Maria. Padre José CONCÍLIO VATICANO II. Compendio do


Comblin, uma vida guiada pelo Espírito. Vaticano II: Constituicoes, decretos,
São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora. declaracoes. Pacto das Catacumbas. Petropolis:
2013. Vozes, 1966, p. 526-528. Vol. V.

COMBLIN, José. O Espírito Santo e a McGINN, Bernard. The Doctors of the


Tradição de Jesus. (Obra póstuma). São Church. Thirty-three men and women
Bernardo do Campo: Nhanduti Editora. 2013. who shaped Christianity. New York: The
Crossroad Publishing Company, 1999.
______. A força da palavra. Petrópolis:
Vozes, 1986.

Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 21-32, jan./jun. 2013


~ 32 ~ Hermínio Canova – José Comblin e a Igreja dos Pobres

CODINA, Víctor. Para comprender la LA DOTTRINA della Sicurezza


eclesiologia desde America Latina. Nazionale. Bologna: EMI-Quaderni Asal, 22.
Estella (Navarra): Verbo Divino, 1990. 1981.

Artigo recebido em 23 de maio de 2013.


Aprovado em 17 de junho de 2013.

Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 21-32, jan./jun. 2013

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