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ISSN 1645-4146

Direcção-Geral da Saúde C a d e r n o s

Nº 2 • OUTUBRO 2002 • PUBLICAÇÃO SERIADA


d a

A Vacinação Índice
Nota de Abertura 02

e a sua Em Foco
• A Vacinação e a sua História
• Nota sobre a Erradicação Europeia
03

História
da Poliomielite 08
• BCG – Programas de Vacinação
na Europa 09
Perspectivas
• Protecção Radiológica: Evolução
das Normas Básicas 13
• Cooperação em Imunoalergologia
na República de Cabo Verde 19
Foi Dito Por...
• Dr. Luís Filipe Pereira 21
• Dr. José Manuel Mendes Nunes 23
• Dr. Luís G. Sambo 25
• Dr. J. Alexandre Diniz 28
Notas Breves 31
Para Ler 35

Ficha Técnica
Direcção Director-Geral da Saúde
e Alto-Comissário da Saúde

Edição Direcção-Geral da Saúde


Alameda D. Afonso Henriques, 45
1049-005 Lisboa
http://www.dgsaude.pt
dgsaude@dgsaude.min-saude.pt

Coordenação Prof. Doutor Valentino Viegas

Revisão Gabinete de Documentação


e Divulgação

Ilustração Vitor Alves

Grafismo Ideias Virtuais


ideiasvirtuais@mail.telepac.pt

Tiragem 1000 exemplares

Depósito Legal 180389/02

É permitida a reprodução parcial ou integral dos


artigos publicados, desde que seja feita indicação da
fonte. Os artigos assinados são da responsabilidade
dos próprios autores, não reflectindo necessariamen-
te os pontos de vista da Direcção-Geral da Saúde.

Ministério da Saúde
Baixo-relevo da época de Amenophis III (Museu de Copenhaga) Direção-Geral da Saúde
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Nota de Abertura

A importância da
COLABORAÇÃO

Iniciar uma Publicação Seriada implica não só acreditar que


a ideia da sua concepção é boa como também confiar que há
força anímica para executar o rumo traçado.
Esta força, que pretende ser mobilizadora, só pode ser assegurada
pelos seus colaboradores. É sobretudo deles que depende
a continuação da publicação. São voluntários que garantem
o presente e decidem o futuro.
Foi graças ao seu contributo que o primeiro número teve grande
aceitação e recebeu numerosas felicitações.
É evidente que não são os cargos públicos nem as habilitações
académicas dos seus colaboradores que dão credibilidade a uma
publicação, mas sim o conteúdo dos seus textos.
Todavia, não pode deixar de ser motivo de orgulho quando, entre
outros, o Director para Gestão dos Programas da OMS para
a África e o próprio Ministro da Saúde de Portugal figuram entre
os seus colaboradores.
Por tudo isto, esta pequena nota introdutória só pode terminar
com um muito obrigado a todos quantos incentivaram,
participaram ou fazem tenção de colaborar nos Cadernos da
Direcção-Geral da Saúde.

O Coordenador
Prof. Doutor Valentino Viegas
valentinov@dgsaude.min-saude.pt

2
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

A Vacinação
e a sua História
Dr. João Feliciano
Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar
Mestre em Doenças Transmissíveis
Divisão de Cooperação Internacional
feliciano@dgsaude.min-saude.pt

A vacina (do lat. vaccina-, «de vaca»), no sentido estrito, etimológi- pele das pústulas e redução desta a pó, o
co, designava uma doença infecto-contagiosa que aparecia no gado qual era fornecido aos pacientes para ina-
vacum, sob a forma de pústulas. A sua transmissão acidental ao lação; num último, o pó obtido era inseri-
homem conferia-lhe protecção contra a varíola. do directamente numa das veias do indiví-
duo, com a ajuda de uma agulha.
A vacina é vulgarmente considerado um agente – microrganismo
ou substância – que, introduzido no corpo de um indivíduo, por Também na Turquia a variolização é prati-
via oral ou injectado, provoca a imunidade para determinadas do- cada. A sua introdução na Europa é reali-
enças. Assim, a vacina é um produto antigénico que leva ao apare- zada, em 1720, por Mary Wortley Montagu,
cimento de imunidade por mecanismos idênticos aos desencadea- esposa do embaixador Inglês na Turquia.
dos pelas próprias doenças, isto é, através da formação de anticor- Lady Montagu, tendo já sido vítima da varí-
pos específicos. ola, aprendeu a técnica da variolização, à
qual submeteu a sua filha de 3 anos. Pro-
Vacinação e imunização são termos usados quase como sinónimos.
move o princípio desta técnica e lança uma
Vacinação significa a aplicação de vacinas. Imunização tem um
campanha para inocular os Ingleses contra
sentido mais amplo e está conotada com o processo de aquisição de
a varíola.
imunidade após a administração de uma substância imunobiológi-
ca. Esta pode ser activa – pela produção de anticorpos através da
O método científico
vacina ou toxóide – ou passiva, pelo fornecimento de imunidade
temporária pela administração de anticorpos pré-formados. Apesar de os vários registos históricos que
evidenciam a tentativa de se proceder a
As primeiras vacinas uma vacinação, é a Edward Jenner que se
atribui o mérito da vacinação, dado o rigor
Os primeiros registos
científico com que este médico inglês apoi-
Confrontados, e decerto assombrados, com inúmeras epidemias ou as suas experiências. Em 1796 vacinou
que ocorreram ao longo dos tempos, os egípcios registam, cerca de uma criança com o pus da mão variólica
3000 a.C., relações entre a exposição à doença e o impedimento fu- duma mulher. Passadas 6 semanas, inocu-
turo de a contrair. lou o rapaz com a varíola e não verificou
qualquer reacção transmissível da doença.
O general grego Tucídides nota, no ano 430 a.C., o aparecimento
Um ano mais tarde, realizou nova inocula-
de uma imunidade natural nas vítimas da peste, que varre Atenas.
ção e esta contraprova revelou-se inofensi-
“Nem um foi atacado pela segunda vez”, deixa escrito na sua Histó-
va. Vinte e três vacinações são realizadas e
ria das Guerras do Peloponeso.
o resultado destas experiências publicado
Na China, é conhecida, pelo ano 1000, a prática de uma técnica num livro que marca a história da ciência,
denominada variolização, usada como tentativa de imunização em 1798: ”An Inquiry into the cause and
contra a doença conhecida actualmente como varíola. Três méto- effects of the Variolae Vaccinae, a disease
dos eram utilizados: no primeiro, retiravam pus e líquido de uma discovered in some of the western counties
lesão variólica que, com o uso de uma agulha, eram colocados na of England, particullary Gloucestershire,
região subcutânea; um segundo método consistia na remoção de and known by the name of «cow-pox»”.

3
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

O trabalho de Edward Jenner, com a vacinação por varíola bovina, QUADRO I


Datas de introdução de várias vacinas humanas.
é a primeira tentativa científica para controlar uma doença infec-
ciosa através de uma inoculação deliberada e sistemática. Esse tra- 1798 Varíola
balho lançou os fundamentos da vacinologia, cuja primeira teoria 1885 Raiva
é baseada na geração espontânea. Assim, a luta da humanidade 1897 Peste
contra as doenças, com um modo de vacinar contra a temida doen- 1923 Difteria
ça da época – a varíola, iniciou uma nova era da medicina, há mais 1926 Tosse convulsa
de 200 anos. 1927 Tuberculose
O termo vacinação continua a ser usado 100 anos depois pelo fran- 1927 Tétano
cês Louis Pasteur. Notabilizado pelos estudos sobre fermentação e 1935 Febre-amarela
bactérias – identifica leveduras microscópicas responsáveis pela Após a 2ª Guerra Mundial
fermentação do vinho e da cerveja, descobre o germe da cólera das 1955 Poliomielite injectável
galinhas, confirma a patogenia do bacillus anthracis –, este célebre 1962 Poliomielite oral
químico invalida a teoria da geração espontânea e adianta a teoria 1964 Sarampo
da infecção por germes. 1967 Parotidite
1970 Rubéola
A vacinação de Pasteur utiliza o próprio germe da doença que se
1981 Hepatite B
pretende prevenir, após uma atenuação da sua virulência, por di-
Adaptado de Plotkin AS, in “Vaccines”
versos processos: os germes envelhecidos possuem uma virulência
atenuada e protegem os animais contra a virulência normal do mi-
cróbio. A esta técnica ele atribui a designação de vacinação, termo
com o qual pretende render homenagem a Jenner. Contudo, o seu Actualmente, a prática sistemática da vaci-
método nada tem de semelhante com a inoculação efectuada por nação fez desaparecer a poliomielite autóc-
Jenner. tone dos países ocidentais e já levou à erra-
Pasteur é frequentemente recordado por ter descoberto a vacina dicação da varíola. O último caso desta do-
contra a raiva. Efectivamente, em 1885, Pasteur vacinou um jovem ença ocorreu em 1977, na Somália.
pastor mordido por um cão raivoso, com extractos de medula espi- De início, as vacinas são desenvolvidas com
nal de um cão com a doença. Além desta vacina, Pasteur desenvol- o objectivo de:
veu a vacina contra o bacillus anthracis e contribuiu, de maneira
• Evitar epidemias como as que se verifica-
determinante, para a utilização dos vírus atenuados em vacinas.
ram com a poliomielite e com a varíola;
O alemão Robert Koch confirma que cada doença é devida a um
germe determinado, que existe ”especificidade”, e identifica o • Proteger o ser humano de infecções como
bacilo da tuberculose, que retém o seu nome – o bacilo de Koch. a difteria e a raiva;
Promove a ciência da imunidade com o seu trabalho acerca da tu- • Prevenir doenças numa população vulne-
berculose, contribuindo para o estabelecimento da teoria da hiper- rável pela ”imunização de substitutos”,
sensibilidade retardada. por exemplo, a imunização da rubéola
Em 1888, é fundado o Instituto Pasteur, centro de investigação bio- para prevenir a síndroma congénita da
lógica, principalmente na luta contra as doenças infecciosas. Graças rubéola.
às escolas francesa e alemã, a vacinação regista progressos notáveis. Hoje em dia, verifica-se um novo motivo:
Obtêm-se vacinas contra a febre tifóide, a cólera, a tosse convulsa, a melhoria da qualidade de vida. Não deve
a febre-amarela, a tuberculose. ser apenas registado o número de óbitos
Das vacinas listadas no Quadro I, as anteriores à 2ª Guerra Mundial por doenças transmissíveis ou o número
foram suficientemente eficazes para reduzir drasticamente a mor- de pessoas que sobrevivem graças às vaci-
bilidade e mortalidade causadas por várias doenças, dando credi- nas. As vantagens das vacinas e dos pro-
bilidade aos programas de prevenção contra doenças infecciosas. gramas de imunização devem ter também
A explosão científica, que se seguiu àquele período, deu origem a em consideração o benefício que delas re-
novas vacinas, algumas das quais ainda em uso, como é o caso da sulta para a saúde e o bem-estar da huma-
polio, sarampo, parotidite e rubéola. nidade.

4
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

As primeiras vacinas em Portugal


A introdução da inoculação em Portugal, como método preventivo
dos ataques graves da varíola, começa a praticar-se na segunda me-
tade do século XVIII, depois de já muito acreditada em Inglaterra
e França. É seguida a prática mais geralmente adoptada, referida
no livro, de 1793, Methodo Actual de Inocular as Bexigas... de
Thomaz Dimsdale. Utilizava-se naquela época a lanceta para reti-
rar e inocular o pus variólico, como documenta o livro citado. Ini-
cia-se na cidade de Lisboa um serviço de inoculação no Hospital
Real. Dado o sucesso da experimentação levada a cabo no Hospi-
tal, seria de esperar uma introdução do método mais alargada, tor-
nando-o prática corrente.
Porém, vem a público o trabalho desenvolvido por Jenner. A vaci-
na, método inovador, é utilizada pela 1ª vez em 1799, no mesmo
Hospital onde decorreram até então as já referidas inoculações. Em
1801, apareceram as primeiras publicações em língua portuguesa
acerca do novo processo profiláctico. Apesar das invasões do país
por tropas francesas e apesar das controvérsias que se tinham esta-
belecido sobre a eficácia e sobre a inocuidade do método jenneria-
no, houve uma generalização do processo. Promove-se, em 1812, na
Academia das Ciências, a criação de uma instituição vacínica des-
tinada a estabelecer a vacinação gratuita em Lisboa e a fazer a pro-
paganda do novo método por todo o país.

Programas de vacinação mundiais


As vacinações, para além da protecção que conferem a nível indi-
vidual, têm objectivos mais vastos e de maior alcance em Saúde
Pública. Programas ou campanhas de vacinação bem planeadas e
correctamente executadas conseguem, numa primeira fase, o con-
trolo das doenças transmissíveis entre os seres humanos de uma
comunidade e, posteriormente, como objectivo final, mesmo a sua
erradicação. Entre 1900 e 1973, a utilização das vacinas esteve pra-
ticamente restringida aos países industrializados. À escala mun-
dial, a cobertura geográfica foi – e ainda é – fragmentada.
Há que evitar a experiência da Gâmbia, onde se tentou controlar o
sarampo, em larga escala, em 1967-1970. A doença é eliminada no
país por volta de 1972, mas mantém-se nos países vizinhos. A inca-
pacidade de obter uma elevada cobertura vacinal de forma contí-
nua, fez com que em poucos anos se regressasse aos níveis de mor-
bilidade e mortalidade anteriores à campanha.
A implementação planetária da vacina contra a varíola é iniciada
em 1956, através dos esforços conjugados de todos os países, sob
a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), e visava
erradicar a doença. São conseguidas elevadas percentagens de
cobertura vacinal e, em finais da década de 60, inicia-se também
uma estratégia de identificação-isolamento de casos com vacina-
ção dos possíveis contactados pelo infectado. A doença é erradi-
cada nos países industrializados, em 1960, e em todo o mundo, em
1977. Permanece como o único caso de erradicação global de uma

5
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

doença infecciosa humana e deve-se a várias condições favoráveis:


• Eliminação, até 1995, do sarampo autóc-
desde uma estratégia bem delineada, à existência de uma vacina
tone – tornando-se necessário assegurar
estável, muito eficaz e barata, até ao facto de o homem ser hospe-
uma cobertura vacinal de 95%;
deiro único do vírus.
• Inexistência de rubéola congénita até
A erradicação mundial da varíola veio trazer a esperança da erra-
2000;
dicação de outras doenças evitáveis pela vacinação. Assim, em
1974, a OMS criou o Programa Alargado de Vacinação, geralmen- • Eliminação da difteria até 1995.
te conhecido pela designação anglo-saxónica ”Expanded Program- Ainda que tenham sido recomendadas vári-
me of Immunization” (EPI), o qual inclui 6 vacinas: tuberculose, as medidas aplicáveis à vacinação contra a
difteria, tétano, tosse convulsa, poliomielite e sarampo – mais tar- tosse convulsa, tuberculose, tétano, paroti-
de adicionaria a febre-amarela e a hepatite B. dite, gripe, hepatite B, infecções pneumo-
Este programa não é instituído só para os países em desenvolvi- cócicas e por hemófilos tipo b, não se prevê
mento, é um programa colectivo dos Estados Membros, visando a curto ou a médio prazo a eliminação des-
uma cobertura vacinal total das populações e dos grupos etários tas doenças.
vulneráveis, em todo o mundo.
Entre 1974 e 1980, o EPI desenvolve cursos de formação, mobiliza Portugal e o programa nacional de
recursos humanos enormes e distribui documentação por todo o vacinação
mundo. É nesse período que a maioria das nações do mundo adop- Em Portugal, o Programa Nacional de Va-
ta o princípio de possuir um programa de vacinação nacional – cinação (PNV) inicia-se em Outubro-No-
muitos continuaram a chamar-lhe EPI. vembro de 1965. Trata-se de um conjunto
A OMS para a Europa propõe, em 1984, melhorar as políticas de de vacinas, com distribuição à totalidade
vacinação na Região Europeia, através do estabelecimento de vári- da população e de modo gratuito, segundo
as metas: orientações técnicas e um calendário reco-
mendado.
• Até 1985 – todos os países deviam declarar a sua adesão aos
objectivos e às actividades do EPI e definir objectivos nacionais, A primeira vacina a ser introduzida no PNV
até 1990, de redução da morbilidade e mortalidade das doenças é a da poliomielite.
abrangidas pelo EPI regional; A esta seriam acrescentadas, em 1966, a da
• Até 1986 – todos os países deviam ter um programa destinado a tosse convulsa, difteria, tétano e varíola. A
manter a protecção vacinal durante a vida do indivíduo; vacinação contra a tuberculose pelo BCG
foi integrada progressivamente no PNV.
• Até 1986 – todos os países deviam ter um sistema de observação
das reacções secundárias às vacinas; Muitas destas vacinas eram já administra-
das à população portuguesa antes de 1965,
• Até 1990 – 90% das crianças de todos os países deviam ter rece- embora com percentagens de cobertura da
bido, antes dos dois anos, as séries completas de vacinação de população muito inferiores às conseguidas
base; pelo PNV.
• Até 1990 – não deveria haver casos autóctones de poliomielite, Em 1973/74, é lançada, em regime de cam-
difteria e tétano do recém-nascido; panha, a vacinação anti-sarampo (VAS).
• Até 1995 – não deveria haver casos autóctones de sarampo; Em 1977, é retirado o carácter de obrigato-
• Até 2000 – a rubéola congénita deveria ser eliminada. riedade da vacina antivaríola, por esta afec-
ção ter sido considerada erradicada mundi-
As metas de 1984, para a Região Europeia, têm sido sucessivamen-
almente. Esporadicamente, esta vacina con-
te reformuladas nas várias reuniões anuais de peritos e responsá-
tinua a ser administrada até 1980.
veis nacionais pelos programas de vacinação. Em 1990, passam a
ser as seguintes: Em 1987, é introduzida no PNV a vacina-
ção universal contra a parotidite e a rubéo-
• Inexistência de tétano neonatal em 1990;
la, sendo estas duas vacinas administradas
• Eliminação, até 1995, da poliomielite clínica causada pelo vírus em combinação com a vacina do sarampo
selvagem; (VASPR).

6
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

Encontra-se estabelecida em legislação a obrigatoriedade da admi-


nistração de algumas vacinas, para determinados casos que aí ex-
pressamente se indicam: Bibliografia
Barquet N, Domingo P. Smallpox: the
• De 1894 a 1977, da vacina antivariólica;
triumph over the most terrible of the
• Desde 1962, da vacina antitetânica e antidiftérica, com a confir- ministers of death. Ann Intern Med
mação à entrada na escola primária, secundária ou de outro es- 1997;127 (8 Pt 1): 635-42.
tabelecimento de ensino. Basch P F. Vaccines and world health:
Para efeito de apresentação de prova, é criado, em 1965, o Boletim science, policy, and practice. New York, NY:

Individual de Saúde, em que se registam as vacinas efectuadas. Oxford University Press; 1994: 274 p.

CDC. Progress toward global measles control


As normas de vacinação portuguesas são revistas em 1971, 1987,
and regional elimination, 1990-1997. Morb
1990 e 1999.
Mortal Wkly Rep 1998; 47 (48):1049-54.
Com a revisão de 1999, o PNV é acrescentado com duas novas vaci-
Lemos M. História da Medicina em
nas, a hepatite B e o haemophilus influenza tipo b.
Portugal, Doutrinas e Instituições, 2ª edição.
Era referido, na introdução ao primeiro programa nacional de va- Lisboa: Publicações Dom Quixote/Ordem
cinação, em 1965, que o panorama epidemiológico das doenças evi- dos Médicos; 1991. Volume II, p. 285-9.
táveis por vacinações específicas, em Portugal, de há muito que nos Liu MA. Vaccines timeline. BMJ 1999 Nov
colocava em situação desprimorosa em relação aos restantes países 13; 319 (7220):1301.
da Europa.
Ministério da Saúde, Direcção-Geral da
Assistiu-se a uma história de sucesso na redução da morbilidade e Saúde. Programa Nacional de Vacinação
da mortalidade pelas doenças alvo de vacinação, ao longo dos anos (PNV). Circular Normativa N.º 14-DSPS/DT,
subsequentes. 16 de Dezembro 1999.

Mira MF. História da Medicina Portuguesa.


Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade,
Editorial Notícias; 1947. p. 314-6.

Plotkin SL, Plotkin SA. A short history of


vaccination. In: Plotkin SA, Mortimer EA,
eds. Vaccines, 2nd ed. Philadelphia, PA:
WB Saunders Company; 1994. p. 1-11.

UNICEF. The state of the world’s children


1999. Oxford: Oxford University Press; 1999.

Van Zeller ML, Castro Soares AB, Sampaio


A, et al. Programa Nacional de Vacinação
(PNV). Lisboa: Sociedade Tipográfica, Lda;
1968. p. 3-129.

World Health Organization. EPI information


system global summary, August 1997.
Geneva: World Health Organization, 1997.

World Health Organization. State of the


world’s vaccines and immunization.
Geneva: WHO/United Nations Children’s
Fund (UNICEF); 1996. 169 p. [WHO/GPV/96.04]

World Health Organization. Strategic Plan


1988-2001. Global Programme for
Vaccinnes and Immunization. Geneva:
WHO; 1998. 140 p. [WHO/GPV/98.04]

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

Nota sobre a Erradicação


Europeia da Poliomielite
Dr. Francisco George
Subdirector-Geral, Representante de Portugal na 14ª Reunião da
Comissão Regional de Certificação para a Erradicação da Poliomielite
george@dgsaude.min-saude.pt

Em 21 de Junho, foi declarada, pela OMS, a erradicação da polio- ta-se do plano estratégico que visa eliminar
mielite aguda nos países da Grande Europa. O acontecimento foi para sempre a poliomielite aguda e que se
devidamente comemorado nos magníficos espaços interiores do desenvolve nas seis regiões da OMS. Nas
Museu de Copenhaga. Américas, no Pacífico Ocidental e agora na
Europa, a doença encontra-se já erradicada
E não foi por acaso que os representantes dos 51 estados membros,
(há pelo menos três anos que não se verifi-
que integram a Região Europeia da Organização Mundial da Saú-
cam casos novos de doença). Por outro
de, se encontraram neste local.
lado, nas restantes regiões (África, Ásia do
É que, precisamente na ala egípcia daquele mesmo museu, está Sudeste e Mediterrâneo Oriental) os traba-
exposto um baixo-relevo original, da época do reinado de Ameno- lhos prosseguem.
phis III (1403-1365 anos a. C.), que exibe as sequelas da paralisia
Em Portugal, o último caso foi registado
infantil num homem que apresenta típicas deformidades físicas no
em 1986. O Programa Nacional de Erradi-
membro inferior direito.
cação da Poliomielite, que contempla as
Se bem que a doença tenha sido descrita na literatura médica mun- componentes de vigilância clínica, epidemi-
dial, pela primeira vez, em 1789, por Underwood, todos reconhecem ológica e laboratorial da Paralisia Flácida
que a poliomielite era já conhecida desde tempos muito distantes. Aguda, assenta, naturalmente, na concreti-
As imagens gravadas pelos egípcios suscitam reflexão. Mas, antes zação do Plano Nacional de Vacinação.
de mais, atestam a importância da Moderna Saúde Pública no con- A certificação da erradicação da doença im-
trolo das doenças transmissíveis e aquilo que estas doenças teriam põe a demonstração da capacidade de diag-
representado ao longo dos séculos. nosticar clínica e laboratorialmente todos
os casos suspeitos de doença paralítica, pro-
Jonas Salk e Albert Sabin, ao possibilitarem a imunização activa,
vocada pelo vírus selvagem endógeno.
através, respectivamente, da vacina inactivada injectável (1955) e
da viva atenuada oral (1962), criaram as condições para prevenir Estes requisitos, ligados à dimensão labo-
a doença. Sublinhe-se que qualquer das vacinas é muito eficaz, ratorial do Programa, foram cumpridos
assegurando protecção efectiva em relação aos três tipos de vírus com assinalável sucesso no Laboratório de
da pólio. Referência da Pólio do Instituto Nacional
de Saúde Ricardo Jorge (obteve a classifi-
Uma vez que a vacina oral, para além de provocar a formação de
cação de 100% na certificação anual atri-
anticorpos séricos e de dificultar a multiplicação do vírus selvagem
buída pela OMS).
nos intestinos, torna possível a interrupção da circulação do vírus
(e, portanto, da infecção), possibilitando a erradicação da doença a Já o mesmo não aconteceu quanto ao in-
nível global. ventário dos laboratórios portugueses, no
quadro do plano de contenção do vírus,
Esta doença será, assim, depois da varíola, a segunda a ser erradica-
que visa impedir, no futuro, eventuais fu-
da no mundo.
gas de laboratórios não controlados, uma
Para isso, a Organização Mundial de Saúde lançou, em 1988, a vez que se tratou de um processo mais de-
maior iniciativa de saúde pública da história da Humanidade. Tra- morado.

8
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

Outra questão a ter em consideração é a possibilidade de importa- Para que, em 2005, o vírus deixe de circu-
ção de casos, enquanto a poliomielite não for erradicada nas res- lar no Mundo e de infectar crianças, há um
tantes regiões do Globo. imenso trabalho a concretizar, de ora em
diante, quer nas regiões onde a pólio já foi
Para além do Paquistão e do Norte da Índia, há países em África
erradicada, quer nas que ainda não se li-
onde o vírus selvagem continua a circular e a sobrepor-se ao vírus
bertaram da doença. Só, assim, a evitabili-
vacinal. A este propósito, e uma vez que são estreitas as relações com
dade da poliomielite será demonstrada e
este Continente (em particular a situação endémica em Angola exi-
dará lugar à sua erradicação.
ge redobrada atenção), Portugal deve participar activamente no es-
forço acrescido que tem por objectivo apoiar as operações do Pro-
grama na Região Africana.

BCG - Programas de Vacinação


na Europa
A Organização Mundial da Saúde (OMS) emi-
tiu, em 1995, uma recomendação de acor-
Na sequência das recomendações da Organização Mundial da
do com a qual a vacinação com o BCG tinha
Saúde (OMS) sobre a política de vacinação, em 1995, foi lan-
uma relação custo-efectividade positiva e de-
çado um inquérito nos países da Região Europa da OMS
veria fazer parte do Programa Nacional da
sobre a metodologia preconizada pelos respectivos programas
Tuberculose (TB), em países com elevado
de controlo da tuberculose, relativamente à vacinação. A inicia-
risco desta doença (1).
tiva do inquérito partiu do Prof. Doutor Ludek Trnka, do Hos-
pital Universitário de Buloka – República Checa, e Portugal Nesses países (pertencentes, nos últimos
participou nas duas fases: em 1995 e 2001. anos, ao grupo de incidências intermé-
Entre estas duas fases, em Portugal procedeu-se à revisão do dia e alta de TB), a administração do BCG
Plano Nacional de Vacinação, com efectividade, a partir do foi recomendada o mais precocemente
dia 1 de Janeiro de 2000. Após amplo debate, foi abolida a re- possível, após o nascimento, já que exerce
vacinação, ficando assim a vacinação pelo BCG limitada a uma nas crianças uma protecção considerável,
única inoculação, preferencialmente logo após o nascimento particularmente contra formas graves de
(Circular Normativa da DGS nº 14 DSPS/DT, de 16/12/99). TB.
A suspensão da revacinação baseou-se na falta de evidência de Nos países com um risco mais baixo de infec-
que houvesse qualquer impacto na incidência da tuberculose. ção por TB (países de baixa incidência de
A manutenção da vacinação em massa dos recém-nascidos ba- TB), os efeitos adversos da vacinação com o
seia-se no facto de termos ainda uma alta incidência da doença BCG têm que ser ponderados face aos bene-
e de se assumir que confere protecção individual em relação às fícios.
formas graves na infância (meningite e formas disseminadas).
A revacinação com o BCG (vacinações repe-
O relatório do referido inquérito, ”Programa de Vacinação com tidas) deixou de ser recomendada, porque
o BCG nos Países da Europa 1995-2001”, contém informação não há evidência científica de que se veri-
que consideramos do maior interesse, pelo que o passamos a fique protecção acrescida.
apresentar, com a autorização dos autores.
Em 1995, efectuámos um inquérito nos
países Europeus sobre os programas de va-
Dr. Fonseca Antunes
cinação e revacinação em curso e as res-
Responsável do Núcleo de Tuberculose e Doenças
pectivas situações da epidemia da TB (2).
Respiratórias – Direcção-Geral da Saúde
Entretanto, em 2001, estão decorridos seis
afantunes@dgsaude.min-saude.pt
anos. Pareceu então aconselhável estimar
até que ponto as recomendações da OMS

9
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

QUADRO I foram adoptadas, desde 1995 até 2001, nos


Alteração da estratégia de vacinação BCG em 2001, relativamente a 1995
países da Europa, no que respeita aos pro-
Países Vacinação BCG gramas de vacinação e revacinação.

Países de incidência baixa Alemanha e Suíça Metodologia


Deixaram de efectuar vacinação
Em 2001, foram apresentados a todos os
gestores da TB (coordenadores dos progra-
mas nacionais de controlo da tuberculose
Países de incidência intermédia Portugal
ou seus representantes) questionários sobre
vacinação apenas com uma dose
os programas de vacinação e revacinação.
(recém-nascidos)
Esses questionários eram muito semelhan-
Turquia tes aos de 1995.
passou de vacinação universal
Os países da Europa foram agrupados de
para vacinação dos recém-nascidos
acordo com a tendência de evolução epide-
de alto risco
miológica da TB, desde os anos 80, e a
mortalidade por idades, em grupos de alta,
média e baixa incidência (3).
Países de incidência alta Não houve alterações
Relativamente ao questionário de 2001, foi
obtida resposta de 37 países (72,5%).
QUADRO II
Alterações da estratégia de revacinação BCG em 2001, relativamente a 1995 Os questionários combinados, de 1995 e
2001, foram obtidos em 31 países.
Países Revacinação BCG
Não foram recebidos um ou ambos os
Incidência baixa de TB Itália, Noruega, Suécia
questionários de 20 países: 8 com alta inci-
Já não aplicada
dência de TB (Arménia, Azerbaijão,
Geórgia, Tajiquistão, Turquemenistão,
Eslováquia
Uzbequistão, Quirguistão, Ucrânia), 5 paí-
Reduzido o n.º de doses de 3 para 1 ses com incidência intermédia de TB
(Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia,
Macedónia, Jugoslávia) e 7 países com
Incidência intermédia de TB Portugal baixa incidência de TB (Áustria, Grécia,
Já não aplicada Israel, Luxemburgo, São Marino, Andorra,
Mónaco).
Albânia, Turquia
Reduzido o n.º de doses de 3 para 1 Resultados
Na maioria dos países, com baixa incidência
Hungria
de TB, a vacina BCG já não era universal em
Reduzido o n.º de doses de 2 para 1
1995.
Nestes países, a tendência é para não usar
Incidência alta de TB Roménia, Letónia, Moldávia esta vacina ou para a restringir a recém-nas-
Já não aplicada cidos de alto risco ou a crianças mais velhas
de grupos de risco (maioritariamente, fil-
Rússia has de imigrantes). De acordo com o atrás
Reduzido o n.º de doses de 3 para 2 referido, a vacina BCG deixou de ser admi-
nistrada na Alemanha e na Suíça (Quadro I).
Bielorrússia, Casaquistão, Lituânia
Por outro lado, em países de incidências
Reduzido o n.º de doses de 2 para 1
intermédia e elevada de TB, a vacinação
universal dos recém-nascidos continua, com

10
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

Quadro III excepção da Turquia, onde a vacina só é


Política de vacinação e revacinação BCG em países europeus, em 2001
administrada em regime de voluntariado
BCG ou em recém-nascidos de alto risco.
Países/Incidência
Vacinação Revacinação A revacinação com BCG não era usada, em
Baixa 1995, na maioria dos países com baixa inci-
Andorra Não Não dência de TB (excepto em França, Marro-
Bélgica crianças de risco Não cos, Malta, República Checa e Eslováquia).
República Checa universal em recém-nascidos universal aos 11anos Em três países (Itália, Noruega, Suécia) dei-
Dinamarca crianças de risco Não xou de ser efectuada no período compreen-
Finlândia voluntária em recém-nascidos Não dido entre os dois estudos (Quadro II).
França universal em crianças crianças de risco
As alterações à política de revacinação com
Alemanha Não Não
o BCG ocorreram na maioria dos países
Islândia Não Não
com incidências intermédia e alta de TB:
Irlanda voluntária em recém-nascidos Não
ou se reduziu o número de doses, para ape-
Itália recém-nascidos de risco Não
nas uma dose, nas idades dos 7 aos 14 anos
Malta universal em crianças crianças de risco
(em 7 países), ou se deixou de efectuar a
Mónaco universal em crianças crianças de risco
revacinação (em Portugal e em 3 dos países
Holanda crianças de risco Não
de alta incidência de TB: Roménia, Letó-
Noruega crianças de risco Não
nia e Moldávia).
República da universal em recém-nascidos universal aos 11 anos
Eslováquia A política actual de vacinação nos 37 países
Eslovénia universal em recém-nascidos Não europeus que participaram na investigação
Suécia recém-nascidos de risco Não de 2001 está resumida no Quadro III. Em
Suíça Não Não 4 países, com baixa incidência de TB, a
Reino Unido crianças de risco Não vacina não é administrada; a vacinação se-
Média lectiva (voluntária ou em pessoas de alto
Albânia universal em recém-nascidos universal aos 7 anos risco) de recém-nascidos ou de crianças
Bósnia-Herzegovina universal em crianças universal aos 7 anos com idade superior não é administrada em
Hungria universal em recém-nascidos universal aos 14 anos 9 países. A vacinação universal de recém-
Polónia universal em recém-nascidos universal aos 7, 12, 18 nascidos continua a efectuar-se na Repúbli-
anos ca Checa, Eslováquia e Eslovénia.
Portugal universal em recém-nascidos Não
Nos países com incidências intermédia e
Espanha universal em recém-nascidos Não
alta de TB continua a administrar-se a vaci-
(só País Basco)
na (determinada, na maior parte dos países,
Turquia recém-nascidos de risco universal aos 7 anos
por legislação). Em Espanha está limitada
Jugoslávia universal em recém-nascidos universal aos 10 anos
somente ao país Basco. Na Turquia, a vaci-
Elevada nação selectiva tem como destinatários os
Bielorrússia universal em recém-nascidos universal aos 7 anos
recém-nascidos de alto risco.
Estónia universal em recém-nascidos universal aos 7 anos
Casaquistão universal em recém-nascidos universal aos 11 anos
A revacinação com BCG é raramente admi-
Quirguistão universal em recém-nascidos universal aos 7 anos
nistrada em países com baixa incidência de
Letónia universal em recém-nascidos Não
TB. Por outro lado, em países com incidên-
Lituânia universal em recém-nascidos universal aos 7 anos
cias intermédia e elevada é comum e deter-
República da universal em recém-nascidos Não
minada por lei, excepto em cinco países
Moldávia
(Roménia, Letónia, Moldávia, Portugal,
Federação Russa universal em recém-nascidos universal aos 7, 14 anos
Espanha).
Roménia universal em recém-nascidos Não
Ucrânia universal em recém-nascidos universal aos 7, 14 anos Conclusões
As recomendações da OMS sobre a política
do BCG (1) foram implementadas na maio-
ria dos países em 1995 e 2001.

11
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Em Foco

A política de vacinação, na maioria dos países, corresponde às reco-


mendações da OMS, bem como à situação epidemiológica da tuber-
culose.
A vacinação selectiva das crianças de alto risco ou a não vacinação
são comuns nos países com baixa incidência de TB.
Em países com incidências intermédia e elevada, a vacina BCG é
dada, depois do nascimento, a todas as crianças.
A estratégia de revacinação com BCG alterou-se substancialmente
desde 1995. A revacinação deixou de se efectuar ou foi reduzida a
sua frequência.
Em países com baixa incidência de TB, a revacinação não é
comum, excepto em França, Marrocos, Malta e Repúblicas Eslova-
ca e Checa, onde a reavaliação da estratégia de revacinação é uma
prioridade importante.
Países com incidências intermédia ou alta de TB, como Portugal,
Roménia, Letónia e Moldávia deixaram de efectuar a revacinação.
No entanto, na maioria dos países com incidências intermédia ou
alta de TB, a aplicação do BCG é repetida uma vez e na Federação
Russa e na Ucrânia, duas vezes. A Polónia, com três revacinações,
é um caso único na Europa.

Trnka L, Dankova D.
Unidade de Vigilância da Tuberculose
Hospital Universitário de Bulovka-República Checa

Referências
1. Global Tuberculosis Programme
and Global Programme on Vaccines.
Statement on BCG revaccination for
the prevention of tuberculosis.
Weekly epidemiological record 1995;
70 (32): 229-236

2. Trnka L et al. Survey of BCG


vaccination policy in Europe:
1994-1996. Bull WHO 1998; 76 (1): 85-91

3. Euro DOTS Expansion Plan To Stop


TB in Europe 2002-2006. WHO
working document 2002.

Agradecimentos
Os relatores agradecem a todos
os que participaram na resposta
ao questionário pela sua cooperação.

12
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

Protecção Radiológica
Evolução das Normas Básicas

Dra. Délia Escaja Gazzo


Responsável pelo Núcleo de Protecção Contra Radiações – Direcção-Geral da Saúde
Investigadora Auxiliar
deliag@dgsaude.min-saude.pt

A exposição a radiações ionizantes de ori-


gem natural, a que nos encontramos sub-
Com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, em
metidos, provêm tanto do espaço extrater-
1986, as Directivas e Recomendações (EURATOM) do
restre como da própria Terra.
Conselho têm vindo a ser vertidas para o Direito Portu-
guês formando um conjunto sequencial e complemen- Átomos radioactivos estão presentes no ar,
tar, que estabelece princípios e normas por que se de- na água, nos organismos dos seres vivos e
vem reger as acções a desenvolver na área da protecção são ubíquos na crosta terrestre.
contra as radiações. A ordem de grandeza da exposição a radia-
Considerando que, nesta área, actualmente, as popula- ções é expressa no gráfico seguinte:
ções dos países da UE devem dispor de informação
Gama Radão
necessária acerca das questões que podem afectar a Médicas
saúde e o ambiente, de modo a poderem ser tomadas as
medidas de protecção adequadas, destacam-se os seguin-
tes tópicos :
Outras
1. Radiações - uma realidade que nos rodeia Cósmica
Interna Torão
2. Protecção contra radiações Contribuição das diferentes fontes de exposição, de origem
natural e artificial, para a dose recebida pela população

2.1. Introdução histórica


2.2. Objectivos da protecção radiológica Apenas os sectores relativos a “fontes mé-
dicas” e “outras fontes” dizem respeito a
2.3. Legislação
radiações artificiais. Os sectores relativos
aos raios cósmicos, aos raios gama, ao ra-
dão e ao torão incluem a exposição ao ar
livre e em interiores. O sector relativo a
1. Radiações – uma realidade que nos rodeia “outras fontes de radiação” inclui as do-
ses resultantes de precipitações provenien-
O termo “radiação” tem um significado vasto e abarca domínios
tes da explosão de armas nucleares, de
tão diferentes como a luz e as ondas hertzianas, mas é geralmente
descargas radioactivas, de exposições pro-
utilizado, latu sensu, para designar as Radiações Ionizantes, isto é,
fissionais e de várias outras fontes artifici-
as radiações capazes de originar partículas carregadas (iões) na
ais. Este sector representa menos de 1%
substância em que incidem.
do total.
Porque este efeito pode ocorrer tanto em matéria inanimada como
Periodicamente, as Nações Unidas infor-
em seres vivos, as radiações ionizantes constituem um perigo para
mam sobre a exposição a radiações a nível
a saúde humana.
mundial e calculam a dose média anual
Mas é impossível evitar as radiações. Elas provêm de diferentes fon- proveniente de todas as fontes. Nos últimos
tes, umas naturais, outras produzidas pelo Homem. anos, o seu valor tem sido de 2,8 mSv.

13
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

2. Protecção contra as radiações menção apenas àqueles que directamente


se relacionam com a matéria de protecção
2.1. Introdução histórica radiológica e se apresentam no quadro, re-
lacionando, no tempo, acontecimentos e
“O carácter cumulativo na vida do homem é essencial em qualquer forma de cultura: vemos
factos científicos relevantes com as princi-
melhor Cézanne se conhecermos bem Vermeer, compreendemos melhor Locke se conhecer- pais medidas de protecção radiológica.
mos Aristóteles. Na cultura científica a única diferença é que esse carácter cumulativo é abso-
lutamente indispensável”. Em resultado do interesse e da admiração
Oppenheimer
que a descoberta da radioactividade e dos
raios X suscitou no público leigo, surgem
É na segunda metade do século XIX que Faraday introduz o con- inúmeras aplicações levianas, que vão
ceito revolucionário de campo na história da Física. Traduzindo desde elixires de longa vida, com solutos
matematicamente este conceito, Maxwell reduz as leis da Electri- radioactivos, até “fotografias” e aplicações
cidade e do Magnetismo a um só sistema de equações de um novo cosméticas com raios X. Como consequên-
tipo, pondo fim aos conceitos de acção à distância e de forças ins- cia, de imediato começaram a surgir em
tantâneas. O campo electromagnético, propagando-se em forma de todo o mundo milhares de vítimas, apre-
ondas, transporta as acções electromagnéticas. sentando desde eritemas e queimaduras
graves até atrofias e afecções neoplásicas.
Em finais do século, a Óptica converte-se num capítulo do Elec-
Assim, a admirável aceitação inicial cedo
tromagnetismo, e Heinrich Hertz, produzindo ondas por meios
deu origem ao maior medo e repúdio.
puramente electromagnéticos confirma a teoria do campo de
Faraday e de Maxwell. Roentgen descobre radiações de caracterís- O facto de estas radiações serem ionizantes
ticas novas a que chamou raios X. constituiu um factor de risco que, na épo-
ca, não foi tido em conta.
Ainda em finais do século XIX, uma outra descoberta vital tinha
lugar: Henry Bequerell, ao estudar o fenómeno da fluorescência É com aplicações médicas que tanto a radi-
natural – derivado da descoberta dos raios X –, verificou que os ação X como a radioactividade começam a
sais naturais de urânio emitiam continuamente raios com uma ser encaradas como algo de muito impor-
força de penetração muito superior à dos raios X (raios urânicos). tante, tendo em conta as suas aplicações
Estava descoberta a radioactividade. promissoras no diagnóstico e na terapia.
Já no século XX, Rutherford e Soddy revelaram que a radiação gama Mas, apesar da percepção do perigo, bastan-
é emitida pelo núcleo atómico; Milikan estabelece a ligação entre os tes foram as exposições que conduziram à
raios X e a radiação ultravioleta, enquanto toda a solução de conti- incapacidade e mesmo à morte de alguns
nuidade entre infravermelho e as ondas hertzianas desaparecia por profissionais da área médica e de numero-
sua vez. Assim, ficava completo o espectro electromagnético. sos pacientes, durante as décadas seguintes,
tornando evidente a necessidade do estabe-
Devido ao vasto leque de frequências (1021 Hz a 104 Hz) daquele
lecimento de um código de protecção.
espectro, torna-se vantajoso classificá-las por grupos: radiação
gama, radiação X, radiação ultravioleta, radiação visível, radiação Atendendo ao escasso conhecimento dos
infravermelha e radiofrequências. efeitos das radiações, em meios biológicos,
surge o limiar de eritema como o primeiro
O estudo que se seguiu das radiações emitidas por elementos radi-
indicador de dose de radiação.
oactivas evidenciou três tipos de radiações diferentes: radiação alfa
(α), portadora de carga eléctrica positiva; radiação beta (β), porta- Só em 1916, por iniciativa da Roentgen So-
dora de carga eléctrica negativa e radiação gama (γ), de natureza ciety, aparecem recomendações relativas ao
electromagnética, extremamente penetrante. Sendo a α e a β de uso de barreiras de protecção, restrição do
natureza corpuscular, a γ é, portanto, de natureza ondulatória, número de horas de trabalho e inspecção
como qualquer radiação electromagnética. de equipamento.
Assim, se quanto à sua natureza as radiações podem classificar-se É em 1925 que Seavert, utilizando o con-
em corpusculares ou ondulatórias, quanto aos efeitos que produ- ceito de dose de tolerância, recomenda o
zem podem classificar-se em ionizantes e não ionizantes.E são valor de 0,1 da dose eritema por ano, para
estas radiações ionizantes que permitem investigar, com êxito, a limite de exposição aos raios X e ao rádio.
estrutura íntima da matéria. Dos notáveis avanços que se seguiram Admitia-se que para esta dose nenhum efei-
na história da Física, quer experimental, quer teórica, far-se-á to persistiria no organismo.

14
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

Quadro
Cronologia da Evolução da Protecção Radiológica

Data Acontecimentos e factos científicos relevantes Principais medidas de protecção radiológica


1895 Descoberta dos raios X (W. C. Roentgen, Alemanha)
1896 Descoberta da radioactividade (H. Becquerel, França)
1897 Identificação dos electrões (J. J. Thomson, Inglaterra)
1898 Isolamento do rádio a partir da pechblenda (P. e M. Curie, França)
1899 Observação das radiações α, β e γ (E. Rutherford, Inglaterra)
1900 Hipótese dos quanta (M. Planck, Alemanha)
1905 Proposta do princípio da equivalência entre massa e energia
(A. Einstein, Alemanha)
1911 Sugestão da existência do núcleo atómico (Rutherford, Inglaterra)
1913 Formulação da teoria do átomo de hidrogénio (N. Bohr, Dinamarca)
1916 A Sociedade Roentgen propõe as primeiras
recomendações
1919 Descoberta das reacções nucleares (E. Rutherford, Inglaterra)
1926 Dá-se expressão quantitativa da protecção
radiológica com a criação da ICRU e da ICRP
1927 Sievert propõe o conceito de dose de tolerância
1928 A ICRU propõe o roentgen para unidade de medida
de dose de exposição
1929 A ICRP fixa os limites de dose de tolerância em
0,2 R por dia ou 1 R por semana
1932 Descoberta do neutrão (J. Chadwick, Inglaterra)
1934 Descoberta da radioactividade artificial (F. Joliot, França)
1938 Descoberta da cisão nuclear (O. Hahn e F. Strassmann, Alemanha)
1839 Determinação do número de neutrões emitidos por cisão
(Halban, Joliot e Kowarski, França)
1940 Transmutação do urânio – 238 em plutónio 239
(G. Seaborg e E. Segré, EUA)
1940/ Notável desenvolvimento da Radiopatologia Introduz-se o conceito de dose máxima admissível
1950 com abandono do limiar de segurança sem risco
1942 Pilha atómica (E. Fermi e W. Zinn, EUA)
1945 Explosões com fins bélicos sobre Hiroshima e Nagasaqui
1950 A ICRP estabelece o valor de 300 mrem/sem como
dose máxima admissível para pessoal
profissionalmente exposto
1954 Primeiro reactor nuclear integrado numa rede de transporte de
energia eléctrica de 5 MW (URSS)
1955 Primeira Conferência “Átomos para a Paz”, realizada em Genebra
1956 A dose máxima admissível é fixada em 5 rem/ano,
ou seja, 100 mrem/semana.
É introduzido o conceito ALARA
1957 É fundada a Comunidade Europeia
1958 É criado o Tratado EURATOM Estabelece-se a criação de normas de base
1959 O Conselho começa a adoptar normas É estabelecido um sistema de limitação de doses.
São fixadas normas de base
1980/ Directivas n. 80/836/EURATOM de 15-07-1980 e 84/466 e
os
São fixadas, para além das normas de base relativas
1984 84/467/EURATOM do Conselho, de 03-09-1984 à protecção da população e dos trabalhadores,
também medidas fundamentais de protecção
relativas à exposição médica

15
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

Data Acontecimentos e factos científicos relevantes Principais medidas de protecção radiológica


1989 Directiva n.º 89/618/EURATOM do Conselho EURATOM do Conselho, São fixadas as medidas de protecção sanitária a
27-11-1989 adoptar em caso de emergência radiológica
Directiva n.º 90/641/EURATOM do Conselho, de 04-12-1990 São protegidos os trabalhadores exteriores,
sujeitos ao risco de radiações ionizantes,
durante a intervenção numa zona controlada
Directiva n.º 93/3/ EURATOM do Conselho, de 03-07-1992 Fiscalizam-se e controlam-se as transferências
de resíduos radioactivos
Directiva n.º 96/29//EURATOM do Conselho, de 13-05-1996 São fixadas normas de base revistas, relativas à
protecção da população e dos trabalhadores
Directiva n.º 97/43/EURATOM do Conselho, de 30-06-1997 São revistas as normas relativas à protecção da
saúde das pessoas em exposições radiológicas
médicas

Em 1928, a Comissão Internacional de Unidades Radiológicas Tendo em conta as recomendações da


(ICRU) especifica e adopta o Roentgen (R) como unidade de medi- ICRP, revistas em 1977, e o trabalho levado
da de exposição, e a Comissão Internacional de Protecção Radio- a cabo por comités especializados da Co-
lógica (ICRP), em 1934, fixa os limites de dose em 0,2 R/dia para missão, são constituídas as bases técnico-
a exposição profissional de corpo inteiro. Estes valores eram deri- científicas das Directivas EURATOM do
vados das doses de radiação que produziam efeitos biológicos per- Conselho n.º 80/836/, de 15 de Julho de
sistentes, fazendo intervir um factor de segurança 10. 1980, e n.º 84/466 e n.º 84/467, de 3 de
Setembro de 1984, que fixam as normas de
É o implemento de um novo ramo científico – a Radiobiologia –
base de protecção sanitária da população,
que conduz aos conceitos de encurtamento de vida e de alterações
bem como das pessoas submetidas a expo-
genéticas como efeitos a longo prazo provocados pelas radiações.
sições radiológicas médicas.
Daí que o conceito de dose de tolerância seja abandonado e subs-
tituído pelo de dose máxima admissível, com a introdução da noção Entende-se por normas de base:
de risco aceitável. a) As doses máximas permitidas que sejam
Em 1950, a ICRP estabelece o valor de 300 mrem/semana como compatíveis com uma margem de segu-
dose máxima admissível para as pessoas profissionalmente expos- rança suficiente;
tas. Mais tarde, em 1956, a mesma comissão, por razões de ordem b) Os níveis máximos permitidos de exposi-
genética, reduz a dose para 100 mrem/semana. Em 1959, foram ção e de contaminação;
publicadas recomendações apresentando os conceitos básicos e
c) Os princípios fundamentais de vigilân-
estabelecendo valores de dose máxima admissível para membros do
cia médica dos trabalhadores.
público e doses máximas para órgãos.
Continuando as radiações ionizantes a ser
É estabelecido um sistema de limitação de doses que pressupõe os
um factor sanitário ponderado, tanto pelas
seguintes requisitos básicos:
legislações nacionais como pelas organiza-
Princípio de justificação da prática – nenhuma prática que impli- ções internacionais (OMS, AIEA, FAO,
que exposição a radiações deve ser adoptada, a não ser que intro- OIT), o Conselho da União Europeia, tendo
duza um benefício nítido para a sociedade, de modo a compensar o em conta a necessidade imposta pela evo-
detrimento radiológico que possa causar. lução das aplicações radiológicas, continua
a determinar a observância de diplomas le-
Princípio da optimização da protecção – todas as exposições
gais, quer de matriz normativa, quer regu-
devem ser mantidas tão baixas quanto possível, tendo em conta fac-
lamentar, contendo especificações técnicas
tores sociais e económicos.
determinadas por um conhecimento cada
Limites de equivalente de dose individuais – os limites estabeleci- vez mais aprofundado dos efeitos nocivos
dos devem ser encarados como limites máximos, e nunca excedidos. das radiações ionizantes.

16
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

2.2. Objectivos da protecção radiológica 2.3. Legislação


Ao ionizarem a matéria que atravessam, estas radiações alteram A partir de 1956, ficaram separadas as apli-
ligações químicas, cindindo moléculas e provocando ligações novas cações pacíficas das aplicações militares
que não ocorreriam espontaneamente. Estas perturbações são, em em matéria de tecnologias nucleares:
parte, reparadas pelos mecanismos de retroacção e regulação celu-
1– Reacção explosiva, com aplicações mili-
lar dos seres vivos, mas por vezes introduzem perturbações não
tares;
recuperáveis. Nestes últimos casos, a maioria das células atingidas
morre, mas há um risco residual de que alguma célula recupere o 2– Reacção controlada, aplicada em reacto-
seu metabolismo modificado em relação ao original e, deixando de res para a produção de energia térmica,
obedecer aos mecanismos de regulação próprios, prolifere, origi- de que deriva a energia mecânica para a
nando efeitos somáticos, ou modificações nas gerações seguintes, propulsão naval ou para a produção de
efeitos genéticos. energia eléctrica (centrais nucleares).
Quanto ao tempo de latência, os efeitos somáticos podem ser pre- Dado haver domínios comuns nas duas tec-
coces ou tardios, e os genéticos podem levar algumas gerações. nologias referidas, foram assinados trata-
dos em que os signatários se comprometem
Condicionado pela heterogeneidade morfológica da célula viva, pa-
a renunciar ao desenvolvimento de armas
ra uma mesma energia em jogo, o efeito que pode ocorrer tem ca-
nucleares e se submetem a um regime in-
rácter aleatório – efeitos estocásticos.
ternacional de verificação, conduzido pela
Mas há efeitos para os quais a severidade da perturbação varia com Agência Internacional de Energia Atómica
a dose, isto é, há um limiar de dose acima do qual o efeito deleté- (AIEA), organismo da ONU criado com essa
rio se produz – efeitos não estocásticos. finalidade, tendo, em contrapartida, acesso
As normas básicas de protecção radiológica têm por objectivo : comum às tecnologias das aplicações referi-
das no ponto 2.
1– Prevenir a produção de efeitos biológicos não estocásticos;
Assim, do enquadramento legal destas ma-
2– Limitar a probabilidade de aparição de efeitos biológicos esto-
térias, devem destacar-se:
cásticos até valores que se considerem aceitáveis.
• Tratado de Não-Proliferação de Armas Nuc-
2.2.1. Fundamentos da dosimetria
leares (TNP);

No âmbito da protecção radiológica, das interacções possíveis en- • Salvaguardas Euratom e da AIEA;
tre as radiações ionizantes e a matéria, apenas interessam os efei- • Agência Aprovisionamento Europeu;
tos em que há cedência progressiva de energia aos materiais atra-
• Agência de Energia Nuclear da Organi-
vessados.
zação de Cooperação e Desenvolvimento
Neste estudo há que ter em conta tanto o feixe incidente como o Económico (AEN/OCDE).
alvo atingido.
Estão ainda incluídas neste âmbito as ma-
O estudo quantitativo destes efeitos obrigou à introdução de novas térias relativas a incidentes que originam
unidades de energia, extremamente pequenas quando comparadas dois níveis de intervenção:
com as da Mecânica Clássica.
1. Troca rápida de informação através de:
Há muitos exemplos sugestivos que podem ilustrar estas ordens de
• Constituição de sistemas de alerta, de que
grandeza, demonstrando que as radiações ionizantes, devido ao seu
é exemplo o “Sistema Ecurie“, na Comu-
carácter corpuscular, produzem impactos extremamente localiza-
nidade Europeia;
dos de onde advém a eficácia deletéria dos seus efeitos.
• Ponto de Contacto Nacional Emissor
No âmbito da Radiobiologia, a medição da interacção destas radia-
(Focal Point);
ções com um organismo vivo, pode ser interpretada em termos de
energia depositada no organismo. 2. Assistência mútua em caso de acidente
nuclear, através de:
Surgiram assim grandezas e unidades dosimétricas: dose absorvida
(D), factor de qualidade (Q), equivalente de dose (H), factor de pon- • Acordos multilaterais de responsabilida-
deração para o tecido ou orgão T (Wt), dose eficaz (He). de civil;

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

• Convenções Internacionais de notificação e de ajuda mútua. A listagem dos diplomas legais que atribuem
competências à Direcção-Geral da Saúde em
Generaliza-se o termo “Questões nucleares” como dizendo respeito breve será alterada, devido à publicação de
especificamente às aplicações da cisão nuclear. cinco diplomas que efectuam a transposição
das Directivas n.ºs 96/29 e 97/43/ EURA-
As técnicas que utilizam isótopos radioactivos e as técnicas de pro-
TOM para o direito interno do nosso País.
dução e utilização de radiação X, amplamente usadas na indústria
e em medicina, chamam-se simplesmente “Técnicas produtoras de Os diplomas legais em vigor que atribuem
radiações ionizantes“. competências à Direcção-Geral da Saúde são:

1. Decreto-Regulamentar n.º 9/90, de 19 de Abril, que, dando execução ao Decreto-Lei n.º 348/89 de 12 de Outubro e tendo
em conta as Directivas (EURATOM) n.º 838/80 de 15 de Julho, 466/84 e 467/84, de 3 de Setembro, estabelece os princípios e
normas por que devem reger-se as acções a desenvolver na área da protecção contra as radiações ionizantes, bem como as
medidas fundamentais relativas à protecção radiológica das pessoas submetidas a exames e tratamentos médicos.

2. Decreto Regulamentar n.º 3/92, de 6 de Março, que, clarificando o DR n.º 9/90, estabelece, de forma mais abrangente, o
regime de isenção de autorização prévia de práticas que impliquem a utilização de radiações ionizantes.

3. Despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 93-7-15, que fixa os critérios de aceitabilidade do equipamento médico de
radiodiagnóstico.

4. Despacho da Ministra da Saúde, de 95-11-20, que, na sequência do diploma anteriormente citado, proíbe o funcionamen-
to de equipamento de radioscopia sem intensificador de imagem.

5. Decreto-Lei n.º 95/95, de 9 de Maio, que estabelece as regras a que deve obedecer a instalação de equipamento médico
pesado, definindo critérios de programação e de distribuição territorial.

6. Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/95, de 28 de Junho, que estabelece os rácios a que deve obedecer a distribuição
referida anteriormente.

7. Decreto-Lei n.º 36/95, de 14 de Fevereiro, que transpõe para o direito interno a Directiva n.º 89/618/EURATOM do Conselho,
de 27 de Novembro, relativa à informação da população sobre as medidas de protecção sanitária aplicáveis e sobre o com-
portamento a adoptar em caso de acidente nuclear ou emergência radiológica.

8. Despacho Conjunto, de 94-6-27, dos Ministérios da Administração Interna, da Agricultura, da Saúde e do Ambiente e Re-
cursos Naturais, que cria o Conselho para Acidentes Nucleares e Emergências Radiológicas (CANER) e define as atribuições
e competências deste.

9. Despacho Conjunto, de 94-02-18, dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Indústria e Energia, da Saúde e do Am-
biente e Recursos Naturais, que redefine a composição da Comissão Técnica Permanente (CTP), estabelecida para zelar pelo
cumprimento do Acordo Luso-Espanhol em Matéria de Cooperação sobre Segurança das Instalações Nucleares de Fronteira,
assinado em Lisboa, em 80-3-31.

10. Decreto Regulamentar n.º 29/97, de 29 de Julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 90/641/EURATOM
do Conselho, de 4 de Dezembro, fixando as disposições de protecção operacional dos trabalhadores externos sujeitos ao
risco de radiações ionizantes durante uma intervenção numa zona controlada.

11. Despacho do Gabinete da Ministra da Saúde nº. 8934/97, de 97-10-09, que estabelece as disposições relativas ao documen-
to individual de controlo radiológico referido no diploma anterior.

12. Despacho do Gabinete da Ministra da Saúde, de 97-09-05, que, tendo em conta os riscos de exposição a radiações ioni-
zantes, provenientes das actividades nas áreas de radioterapia, de medicina nuclear e de radiodiagnóstico, estabelece crité-
rios de aceitabilidade relativos às instalações desta mesma área e ainda os relativos às instalações e equipamentos nas áreas
de radioterapia e de medicina nuclear.

13. Decreto-Lei n.º 492/99, de 17-11-99, que aprova o regime jurídico do licenciamento e da fiscalização do exercício das activi-
dades desenvolvidas em unidades de saúde privadas que utilizem, com fins de diagnóstico, de terapêutica e prevenção,
radiações ionizantes.

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

Cooperação em Imunoalergologia na
República de Cabo Verde
Um Projecto com 13 anos
Prof. Doutor J. Rosado Pinto
Director do Serviço de Imunoalergologia do Hospital de D. Estefânia
Professor Auxiliar Convidado da FCML
hde.imunoalergo@mail.telepac.pt

Em Novembro de 1989, por convite do Dr. António Moniz, então


Director do Hospital Dr. Agostinho Neto, da cidade da Praia, deu-
-se início a um projecto de cooperação na área de Imunoalergologia,
com o apoio dos Ministérios da Saúde de Portugal e de Cabo Verde,
que, ao longo dos anos, se tem desenvolvido de forma constante.
O Projecto apoia-se em três vertentes:

1. Assistencial
Foi a primeira a ser desenvolvida, através da instalação de áreas da
especialidade, sobretudo vocacionadas para as doenças alérgicas
mais prevalentes (respiratórias, de expressão cutânea, ocular e diges-
tiva), com a criação de 2 consultas de referência nos Hospitais Cen-
trais Dr. Agostinho Neto, na Cidade da Praia, e Dr. Batista de Sousa,
no Mindelo. Além disso, deu-se um apoio particular na ilha do Sal,
porta de entrada do país, através do seu aeroporto internacional.
Complementarmente, as consultas foram sendo dotadas de equipa-
mentos fundamentais para o seu funcionamento, tais como, medi-
camentos, baterias de testes cutâneos, aparelhos de avaliação funci-
onal respiratória, adequados à prevenção e ao tratamento de situa-
ções clínicas agudas, e nebulizadores, para dar resposta apropriada a
estas situações. Actualmente, encontram-se referenciados em fichei-
ros mais de 6000 doentes, crianças e adultos, oriundos de todo o
país. Em cada deslocação de técnicos portugueses a Cabo Verde, são
discutidos os casos clínicos mais relevantes e observam-se, em média,
200 doentes. Para além de assegurar a instalação do equipamento e
a actualização terapêutica, cada Missão portuguesa é portadora, em
mala diplomática, de livros e cerca de 100kg de medicamentos, ofer-
ta dos grupos de indústria farmacêutica mais ligados ao diagnóstico
e terapêutica das doenças alérgicas e que se disponibilizam a apoiar
gratuitamente este projecto. Mais: ao longo dos anos, tem sido pres-
tado um contributo de consultadoria na actualização do Formulário
Nacional de Medicamentos de Cabo Verde.

2. Formação
A formação tem sido um objectivo prioritário na actualização dos
responsáveis pelas consultas dos Hospitais Centrais, quer através de

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Perspectivas

estágios feitos no Serviço de Imunoalergologia do Hospital de çado numa maior consistência, podendo
Dona Estefânia, quer através da participação em reuniões científi- apresentar, no futuro, uma dimensão ainda
cas realizadas em Portugal. mais alargada se o convite do responsável
da área respiratória da Organização Mun-
A deslocação de cada Missão é precedida do levantamento das
dial de Saúde, feito ao coordenador das Mis-
necessidades formativas dos médicos hospitalares do país. Assim,
sões, para uma reunião de trabalho duran-
até hoje, mais de 50 temas teóricos de alergologia e imunologia
te o mês de Julho, em Montpellier, der os
foram apresentados em reuniões, bastante participadas, por médi-
resultados pretendidos. O facto de uma or-
cos, enfermeiros e psicólogos dos hospitalares e das Delegacias da
ganização de prestígio da OMS conhecer o
Saúde. Recentemente, foram equipados com nebulizadores os Hos-
projecto e pretender implementá-lo numa
pitais e Delegacias de Saúde de todo o país, iniciativa que foi, em
mais ampla dimensão é significativo.
grande parte, apoiada pelo Ministério da Saúde de Portugal. A últi-
ma entrega de material, concretizada em Janeiro de 2002, em ceri-
mónia pública, amplamente divulgada pela comunicação social, foi Conclusões
seguida da necessária formação de técnicos (médicos e enfermei- O sucesso, que tem sido este trabalho, deve-
ros) em actividade complementar, durante o seu horário de traba- -se, sobretudo, ao apoio dos Ministérios da
lho, de forma a ser garantida a boa utilização do equipamento. Saúde de ambos os países e à grande ami-
Em Setembro de 2002, será efectuado o exame da primeira médica zade que se estabeleceu ao longo de vários
especialista de Imunoalergologia, no Ministério da Saúde de Cabo anos de trabalho. 18 Missões de curta dura-
Verde, por um júri misto, composto por médicos portugueses, do ção (7-15 dias), envolvendo dezenas de médi-
Serviço de formação (Imunoalergologia do HDE), e de Cabo Verde. A cos, técnicos (de laboratório e cardiopneu-
candidata fez um internato de 3 anos e meio como bolseira do Institu- mografia) e psicólogos, só foram possíveis
to da Cooperação, com curriculum adaptado às necessidades do país. de manter, nas actuais condições de traba-
lho, devido ao espírito de missão instituído
no Serviço. Há 13 anos, juntamente com o
3. Investigação
Prof. Nuno Neuparth, deu-se início a este
Em 1993, em complemento das vertentes do projecto inicialmente projecto; há 9 anos, o Dr. Mário Almeida
desenvolvido, foi principiado um trabalho de investigação, incidindo implementou e desenvolveu projectos com-
sobre a epidemiologia das doenças alérgicas, sobretudo nas escolas plementares de formação e investigação, e
das ilhas do Sal e de S. Vicente, de que resultaram publicações em agora a Drª. Maria do Céu Teixeira, há 4
revistas, apresentações em congressos nacionais e internacionais e, anos a fazer a especialidade de Imunoaler-
inclusivamente, a obtenção de prémios científicos, nomeadamente da gologia em Portugal, termina um ciclo de
Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) e formação.
da European Academy of Allergology and Clinical Immunology
A ponte deste projecto está lançada para a
(EAACI). Todo o trabalho científico nesta área, que envolveu milhares
sua continuação.
de jovens, dezenas de médicos e de professores portugueses e cabo ver-
dianos, contou com a colaboração exemplar dos Ministérios da Saúde
e da Educação da República de Cabo Verde.
Em 2002, foi atribuído ao Projecto de Cooperação do Serviço de
Imunoalergologia do Hospital de Dona Estefânia, na República de
Cabo Verde, o Prémio Especial do Anuário do Hospital de Dona
Estefânia.
Um estudo comparativo sobre o impacto da asma na criança e sua
família está a ser preparado, conjuntamente com o Serviço de Psi-
quiatria do Hospital Dr. Agostinho Neto, com vista a ser iniciado
ainda este ano.

4. O Projecto e o seu futuro


Sempre apoiado pelos Ministérios da Saúde de ambos os países, o
Projecto tem toda a possibilidade de seguir o seu caminho, alicer-

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

Saúde Mental
Nova Compreensão, Nova Esperança

Dr. Luís Filipe Pereira

...Foi com muito apreço que registei a iniciativa da Organização lância e determinação, em conjugação com
Mundial de Saúde de, pela primeira vez, em 2001, ter dedicado o outras estruturas institucionais – designa-
Dia Mundial da Saúde à Saúde Mental. damente nos sectores da Saúde, Acção So-
Para além das importantes mensagens de alerta e solidariedade cial, Educação, Emprego, Justiça, Cultura,
que procurou transmitir ao mundo e às suas comunidades sociais Desporto, do poder autárquico, nas institu-
e profissionais, incluindo naturalmente os prestadores de cuidados ições não-governamentais e de solidarieda-
de saúde, os utentes e as famílias, os poderes autárquicos e gover- de social, etc –, de modo a que todos possa-
namentais, bem como todas as entidades públicas e privadas, de mos convergir na criação e fortalecimento
solidariedade social e de voluntariado, este Dia Mundial da Saúde de parcerias interinstitucionais e intersec-
constituiu um marco de iniludível valor no combate aos múltiplos toriais, susceptíveis de melhor contribuir
estigmas, que hoje ainda, infelizmente, perduram na sociedade, para o sucesso das recomendações, hoje
quanto à melhor forma de organizar e melhor tratar todos aqueles aqui tão eloquentemente reveladas.
malogrados pela deficiência mental. A par da observação de que as doenças
Do mesmo modo, me apraz registar e felicitar a realização desta mentais podem afectar pessoas de todas as
Sessão Solene no nosso País, destinada à apresentação do Relatório faixas etárias, devemos destacar a impor-
Mundial da Saúde 2001, e cujo título – “Saúde Mental: Nova Com- tância da patologia psiquiátrica grave e po-
preensão, Nova Esperança” – resume com toda a clareza, a neces- tencialmente incapacitante, tantas vezes
sidade hoje cada vez mais sentida em todo o mundo, de empreen- associada à exclusão social, pelo facto de po-
der uma nova atitude e um novo estilo de actuação, no que respei- der atingir jovens e adultos na fase mais
ta à compreensão da saúde mental, não apenas no âmbito desta activa da vida, exigindo de todos nós a máxi-
poder constituir uma área problemática de saúde pública, mas ma atenção e prioridade. Assim como a sus-
numa perspectiva muito mais vasta e integrada de prevenção e pro- ceptibilidade de grupos específicos, parti-
moção da saúde dos cidadãos, de uma melhor integração social de cularmente frágeis e vulneráveis, tais como
todos, sem exclusão, nomeadamente dos que se encontram com as crianças, os adolescentes e os idosos.
este tipo de problemas. Igualmente preocupantes são os problemas
O relatório hoje apresentado pelo mui ilustre especialista Dr. ligados ao álcool, não só o alcoolismo per si
Benedetto Saraceno, Director do Departamento de Saúde Mental e como também o consumo excessivo de ál-
Dependência de Substâncias da OMS, que aproveito para saudar cool, nomeadamente nas camadas mais
com particular estima e consideração, resume no essencial o esta- jovens, bem como a problemática da sinis-
do da arte da saúde mental em todo o mundo, e emite importantes tralidade, dos comportamentos de risco e
recomendações que o nosso país não deixará certamente de tomar todos os problemas de saúde e sociolabo-
em linha de conta nas acções a desenvolver no futuro. rais associados.
Na minha qualidade de titular da pasta da Saúde, e não obstante o O consumo de drogas ilícitas, muito liga-
reconhecimento do muito que já foi feito nesta área, posso assegu- das à delinquência e à marginalidade, bem
rar-vos que, no longo caminho que ainda há para percorrer, o como às doenças infecciosas, é outra área
Ministério da Saúde vai continuar a manter uma postura de vigi- que deve merecer toda a nossa atenção. Ao

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

falarmos do consumo de substâncias não podemos deixar de men-


cionar o tabagismo e a importância da promoção de estilos de vida
saudáveis.
A deficiência mental, isoladamente ou associada à deficiência físi-
ca e/ou à doença mental, é outra área de fulcral relevância que
necessita de uma abordagem intersectorial e em que, tal como nas
áreas já referidas, a pluridisciplinaridade e a articulação interins-
titucional são indispensáveis.
Nas últimas Presidências da União Europeia (UE), nomeadamente
da Finlândia, Portugal, Suécia e Bélgica, a Saúde Mental (SM) e os
Problemas Ligados ao Álcool (PLA) têm sido abordados com parti-
cular relevância. De realçar, durante o ano de 2001, os temas
“Jovens e Álcool” e “Stress e Depressão”, respectivamente de con-
ferência interministeriais em Estocolmo e Bruxelas e, anterior-
mente, a Conferência de Évora com os “Determinantes em Saúde”
(incluindo a Saúde Mental e o Álcool).
Na prestação de cuidados em Saúde Mental é importante haver
uma boa articulação entre os cuidados primários, os cuidados hos-
pitalares e os cuidados continuados. Estes últimos, dirigidos em
particular a pessoas em situação de dependência, deverão ser leva-
dos a cabo, sobretudo a nível da comunidade, próximo das popula-
ções, numa perspectiva de promoção do bem-estar, da autonomia e
integração, através do tratamento e reabilitação física, sem esque-
cer a componente psicossocial.
É vital melhorar a motivação e o empenho dos profissionais de saúde
e dar às pessoas um atendimento de qualidade em tempo útil, com
eficácia e com humanidade. Os cuidados deverão estar orienta-
dos/centrados nas necessidades dos utentes e no acesso a serviços
de qualidade.
Tal como todos vós, o Ministério da Saúde está empenhado em con-
tribuir para melhorar a organização e o atendimento de todos os
cidadãos, a todos os níveis, incluindo a Saúde Mental.

Dr. Luís Filipe Pereira


Ministro da Saúde
gms@ms.gov.pt

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

A Criança e a Comunicação Social


O Direito à Privacidade

Dr. José Manuel Mendes Nunes

...Felicito o Instituto de Apoio à Criança pela realização deste En- relatório sobre o tema da American Me-
contro sobre a Criança, a Saúde e o Direito, não só pela importân- dical Association (AMA).
cia do tema em si, mas também pelo programa científico, nomea-
Mas também há exemplos em que a inter-
damente, no seu aspecto multidisciplinar, que reflecte a forma mais venção dos media complicou os problemas:
adequada como os problemas da criança devem ser abordados, inte-
grando as múltiplas dimensões para o seu desenvolvimento feliz. • O caso conhecido por “Child B”, em que
a mediatização da leucemia de Jaymee
Gostava de salientar o significado desta sessão de trabalho (A Bowen dificultou consideravelmente a op-
Criança e a Comunicação Social – o Direito à Privacidade). Ela ção terapêutica, contribuindo para uma
reflecte a tomada de consciência da importância da comunidade falsa esperança dos pais, aumentando-
social e dos seus profissionais como determinantes de saúde das -lhes o sofrimento.
populações.
• O da mediatização da suspeita de associ-
Com efeito, todos os profissionais de saúde devem ter a consciência ação da vacina tríplice com o autismo,
de que os mass media podem ser importantes aliados na luta pela induzindo nos pais de muitas crianças
melhoria do estado de saúde das populações e, como tal, devem vê- britânicas o receio da vacinação, aliás um
-los como seus parceiros e não como opositores, na tarefa de dar efeito diametralmente oposto ao verifica-
informação e instrumentos cognitivos que contribuam para o em- do em Portugal, com a mediatização dos
poderamento dos indivíduos. casos de meningite, que gerou igualmen-
Por sua vez, os jornalistas, como “construtores da realidade social”, te ansiedade nos pais, mas cujo resultado
têm uma enorme responsabilidade na formação e na manutenção foi a procura da vacinação contra a Me-
das crenças em saúde e, como tal, também devem ter a preocupa- ningite C, determinada pela emoção.
ção ética de contribuir para a melhoria da qualidade de vida das • O ocorrido quando o ginecologista bri-
populações. tânico, Phillip Bennet, confessou ter fei-
Os mass media devem assumir que têm um instrumento que, de- to um aborto numa mulher grávida de
pendendo do modo como o utilizam, tem consequências para a saú- gémeos, com 26 semanas. O motivo do
de da comunidade, tanto mais que a comunicação obedece à lei da aborto era atribuído ao facto de a mãe
“irreversibilidade”, ou seja, qualquer mensagem, uma vez dita, não ter péssimas condições sociais. Na pers-
pode deixar de existir. pectiva da grávida e do obstetra, seria
melhor abortar um dos fetos para mini-
Neste contexto, podemos apresentar, entre outros, dois exemplos:
mizar o problema. Claro que este “desa-
• A enorme importância que os media tiveram na conscienciali- bafo” teve, como consequência, uma enor-
zação das populações para os problemas da SIDA, aliás, a pri- me repercussão pública nos mass media,
meira doença mediática por excelência, e que obrigou os deci- desencadeando fortes reacções das orga-
sores políticos a investir nesta área. nizações antiaborto.
• A sua importância no combate ao tabagismo, desde que a rela- • A notícia que surge, passados alguns dias
ção entre o tabagismo e cancro recebeu, pela primeira vez, tra- sobre o caso anterior. Desta vez, uma mu-
tamento jornalístico, em 1954, na sequência da divulgação do lher grávida de oito gémeos insistia em

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

levar a termo todos os fetos. Neste contexto, o movimento de Por sua vez, os profissionais da comunica-
apoio à grávida entra em acção, ao ponto de surgirem patroci- ção social, que são peritos da comunica-
nadores, com um montante de um milhão de libras, para se levar ção, devem tentar saber mais sobre saúde.
a gravidez octogemelar até ao fim, apesar de a opinião médica, Esta sessão de trabalho é o produto dessa
generalizada, ser a de que o aborto selectivo era imprescindível vontade.
para que alguns dos 8 gémeos, pelo menos, sobrevivessem. Na
Comunicar é um bem tão importante como
realidade, a probalidade de todos os oito gémeos vingarem era
o ar que respiramos, mas, tal como o ar, só
infinitamente pequena, a escolha era difícil e a mediatização da
reconhecemos a sua importância quando
situação dificultou extraordinariamente a decisão.
nos falta ou é de má qualidade.
Direi, então, que a palavra, escrita ou falada, pode ser indutora, no
receptor, de sofrimento e, no limite, de doença e incapacidade ou
mesmo de morte. Como tal, os mass media também devem assimi- Dr. José Manuel Mendes Nunes
lar no seu código deontológico o princípio do primum non nocere. Subdirector-Geral da Saúde
josemnunes@dgsaude.min-saude.pt
A este propósito, recordo os princípios básicos das “guidelines para
os jornalistas de saúde profissionais”, que foram o produto final de
uma reunião de peritos, realizada em Moscovo, em Maio de 1998,
sob os auspícios da OMS-Europa (Norris, 1999, p. 59):
1. Não cause dano;
2. Seja directo. Confirme os seus factos, mesmo que os prazos sejam
colocados em causa;
3. Não levante falsas esperanças. Seja especialmente cuidadoso ao
noticiar “curas miraculosas”;
4. Esteja atento aos interesses camuflados. Interrogue-se sobre
quem beneficia com a “estória”;
5. Nunca divulgue a fonte de informação, traindo a confiança, a
não ser que a isso esteja obrigado por força da lei nacional;
6. Quando lida com doentes ou incapacitados e, em especial, cri-
anças, lembre-se das consequências que a sua “estória” pode ter.
Eles terão que continuar a viver com elas muito para além da
sua divulgação;
7. Nunca se intrometa no desgosto privado;
8. Respeite a privacidade do doente, do incapacitado e das suas
famílias, em qualquer momento;
9. Respeite os sentimentos de luto, especialmente quando lida com
desastres. Grandes planos (close-up), fotografias ou imagens de
televisão das vítimas ou das suas famílias devem ser evitadas,
sempre que possível;
10. Na dúvida, deixe-a” (a estória e dúvida).
De qualquer modo, os media são importantes determinantes de
saúde das populações, mas as suas potencialidades dependem de
um diálogo permanente entre os técnicos de saúde e os da infor-
mação, de modo a que cada um contribua para um capital de co-
nhecimento comum nesta arte de bem comunicar.
Nós, profissionais de saúde, temos de assumir que não sabemos
comunicar com as populações e que temos de procurar aprender.

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

Situação e Impacto do VIH/SIDA

Dr. Luís G. Sambo

...Foi-me solicitado que falasse sobre a OMS e a SIDA. Como o tema A epidemia da SIDA na Região Africana
é vasto, vou concentrar-me sobre o papel da OMS a nível interna- não constitui apenas um problema de saú-
cional. Em primeiro lugar, queria reconhecer que a escolha da de, mas também uma crise de desenvolvi-
SIDA, como tema central deste seminário, é pertinente e oportuna, mento, pois:
pois a doença continua a propagar-se, de forma preocupante, nos
• Destrói o capital social de sectores de
países da África Subsahariana. No final de 2001, cerca de 70% do
produção importantes, tais como a agri-
total de pessoas infectadas com o VIH/SIDA viviam nesta Região.
cultura e a indústria;
Anualmente, milhões de homens, mulheres e crianças morrem de
SIDA. Os aumentos significativos na mortalidade das crianças e dos • Enfraquece as instituições nacionais (de
adultos resultaram na diminuição da esperança de vida em diver- governo, serviços públicos, educação, saú-
sos países e na redução da população das faixas etárias economica- de, polícia, forças armadas, etc.);
mente activas. • Contribui para o agravamento da pobre-
A epidemia da SIDA reflectiu-se negativamente nos recursos eco- za, numa região onde mais de 50% da
nómicos das famílias, pois ela reduziu grandemente a capacidade população vive abaixo do limiar da po-
funcional de trabalho, aumentou as despesas médicas e baixou os breza, com rendimento inferior a um dó-
rendimentos das pessoas infectadas, agravando a pobreza dos indi- lar americano por dia.
víduos e famílias afectados. No total, não hesito em dizer que a epi-
Por causa desta epidemia, cerca de 12 milhões de crianças ficaram demia da SIDA deteriora o estado geral
órfãs, necessitando de amor, carinho e apoio material. O número de saúde das populações, agrava a po-
crescente de órfãos representa uma geração potencialmente perdi- breza, inibe o crescimento económico e
da, com pouco ou nenhum grau de escolaridade e um fraco senti- tem um impacto francamente negativo
do de socialização. Se não for prestada a devida atenção, nesta altu- sobre o desenvolvimento humano. Na
ra, este grupo poderá ser problemático na sociedade futura. África Subsahariana, a situação e a ten-
dência actuais são graves, constituindo
É de salientar que algumas comunidades africanas estão a ser com- motivo de preocupação política, econó-
pletamente derrotadas pelo desespero e fatalismo, aceitando a in- mica e sanitária.
fecção pelo VIH e a morte prematura como um destino inevitável
de todos os jovens adultos. O VIH/SIDA fez estremecer os sistemas
Evolução a nível internacional
nacionais de saúde. Tem havido uma procura muito maior de cui-
dados médicos, medicamentosos e de enfermagem; o índice de ocu- O VIH/SIDA é visto como um problema
pação hospitalar é muio elevado, chegando a atingir, em alguns complexo e multifacetado. É reconhecida,
casos, 90% das camas. Ao mesmo tempo, o pessoal de saúde vê-se internacionalmente, a necessidade de ac-
também infectado e afectado pela epidemia. Os sistemas nacionais ções multi-sectoriais para fornecer res-
de saúde, dos países mais atingidos, estão a enfrentar a difícil esco- postas adequadas a esta problemática. Na
lha entre atribuir elevadas percentagens, dos seus magros orça- África Subsahariana, devido à gravidade
mentos, ao VIH/SIDA, ou a outros problemas de saúde, igualmen- da situação, fez-se apelo às lideranças polí-
te importantes, tais como a saúde materna e algumas doenças não ticas e à responsabilização e envolvimento
transmissíveis. de todos os segmentos da sociedade.

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

Para além da declaração do VIH/SIDA como um desastre, ou como tados a reforçar o contributo do sector da
uma prioridade nacional ou mundial, a responsabilidade política saúde para a resposta mundial contra o
deve ser demonstrada através das acções. Esta responsabilidade re- VIH/SIDA.
vela-se ainda através da atribuição de recursos adequados à dimen-
Através dos seus esforços de advocacia, a
são do problema, da garantia de uma política adequada, do plano
OMS trabalhou, conjuntamente com a
de acção ou programa nacional e do enquadramento jurídico que
ONUSIDA, de forma a mobilizar os líderes
apoiem as acções necessárias e mobilizem a sociedade no desem-
políticos a nível mundial. Em África, levou
penho activo do seu papel. Isto significa garantir que as institui-
os Chefes de Estado e de Governo da
ções, que têm um papel importante a desenvolver, tenham também
Organização de Unidade Africana a reco-
a necessária autoridade e capacidade de execução e controlo em
nhecer a necessidade e urgência de uma
relação à realização de resultados.
intensificação da resposta à epidemia por
Desde que o VIH/SIDA se tornou do conhecimento público, a VIH/SIDA. Os Chefes de Estado Africanos
OMS tem acentuado a sua responsabilidade a nível internacional e demonstraram o seu papel de liderança
o apoio técnico aos países. Todos se recordarão do Programa Espe- através da adopção da Declaração e do
cial da OMS para a SIDA, em 1998, que deu lugar ao Programa Plano de Acção de Abuja, em Abril de
Mundial da SIDA (GPA); esta foi uma resposta organizacional sem 2001. Esta declaração solicita um aumento
precedentes na história da saúde pública internacional. A dimen- da responsabilização política, com atribui-
são mundial da epidemia, a sua complexidade sob os pontos de ção de maiores recursos na luta contra a
vista biomédico e epidemiológico, os seus efeitos políticos, demo- SIDA, e recomenda o estabelecimento de
gráficos, socioeconómicos e culturais não poderiam ser previstos Conselhos Nacionais para a SIDA na alta
por aqueles que, nos meados da década 80, pretendiam controlar hierarquia do aparelho de Estado.
esta epidemia.
Mais uma vez, e em sintonia com a ONU-
O Programa Mundial sobre a SIDA obteve inúmeros sucessos, tais SIDA, trabalhámos para a mobilização dos
como o alerta e maior consciencialização sobre a ameaça da epi- Chefes de Estado, no sentido de partipa-
demia, a identificação e prossecução de uma estratégia coerente rem activamente na Sessão Especial da As-
para a acção mundial e a provisão atempada de cooperação técni- sembleia Geral das Nações Unidas sobre
ca aos países no estabelecimento e reforço dos seus Programas SIDA, em Junho de 2001. Esta Sessão visa-
Nacionais de Luta contra o SIDA. va colocar em prática um quadro de res-
Em 1992, a Assembleia Mundial de Saúde adoptou a estratégia de ponsabilização nacional e internacional na
prevenção e controlo do VIH/SIDA, fornecendo orientações úteis e luta contra esta epidemia. Como parte de
práticas, sublinhando os aspectos-chave para a prevenção e cuida- uma resposta mais abrangente, cada gover-
dos e recomendando aos países a sua implementação. no assumiu o compromisso solene de efec-
tuar uma série de campanhas tendo como
Reconhecendo a necessidade de uma resposta, alargada e multi-sec- alvo a prevenção, o apoio e tratamento de
torial, e um sistema de acção unificado por parte das Nações Uni- doentes e a situação das crianças órfãs e
das, a OMS foi um dos co-financiadores e fundadores do Programa vulneráveis.
Conjunto das Nações Unidas para o VIH/SIDA (ONUSIDA), lança-
do em 1996. A ONUSIDA, instituída como um líder na advocacia Em Abril de 2001, o Secretário-Geral das
contra o VIH/SIDA, tem efectivamente assumido a liderança no Nações Unidas propôs a criação do Fundo
apoio e no reforço da resposta à epidemia. Mundial de Luta contra a SIDA, a tubercu-
lose e o paludismo. O Fundo representa
Na Região Africana da OMS, os países adoptaram, em 1996, uma uma cooperação internacional inovadora e
resolução em que reafirmam o papel dos Ministérios da Saúde, no sem precedentes, um mecanismo de orien-
quadro de uma estratégia regional, visando a prevenção e o contro- tação de recursos financeiros, que envolve
lo da doença, numa aborgagem multi-sectorial, e que implique uma de igual forma os governos e as organiza-
acção mais enérgica do sector da saúde de acordo com as suas com- ções não governamentais. A OMS garantiu
petências técnicas. o apoio técnico aos países, e apraz-me dizer
Como co-patrocinador da ONUSIDA, a maior responsabilidade que, há cerca de poucos dias, mais de 500
da OMS é reforçar o sector da saúde na luta contra esta epide- milhões de dólares americanos foram ca-
mia. Através de uma Resolução emanada da Assembleia Mundial nalizados para 10 países da África Subsaha-
da Saúde, do ano 2000, os Estados-Membros da OMS foram ins- riana.

26
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

A OMS continua a desempenhar um papel de liderança na advoca- as experiências dos países onde as taxas de
cia do princípio de que a saúde, como um factor de desenvolvi- infecção estão a diminuir. Estes países de-
mento, merece mais atenção e maiores recursos. A luta contra a monstraram como uma forte liderança e
SIDA será mais consequente no contexto de sistemas de saúde com responsabilização colectiva podem inverter
mais recursos, bem geridos e com maior desempenho. Reconhe- a tendência.
cemos que o forte investimento na saúde é uma das formas mais
A missão da OMS nestes esforços é clara:
eficazes de promoção do desenvolvimento. A OMS continua a for-
contribuir para o mais elevado nível de
necer apoio técnico e financeiro, fundamental aos países, permi-
saúde para todos. O VIH/SIDA representa
tindo-lhes assim articular e implementar uma resposta dos sistemas
uma grande ameaça para a saúde de todas
de saúde a esta epidemia, o que constitui um componente crítico
as pessoas. Vamos todos cumprir com as
do multi-sectorialismo contra o VIH/SIDA.
nossas responsabilidades políticas, técnicas
Os aspectos-chave da acção da OMS incluem a advocacia, o apoio à e científicas, lutando contra a SIDA, que
formulação de programas nacionais de luta, a elaboração de nor- ameaça as nossa vidas e o nosso futuro.
mas técnicas, a vigilância epidemiológica e a recomendação de in-
Que as Resoluções mundiais se traduzam
tervenções, a diferentes níveis dos sistemas de saúde, baseadas em
em acções locais, que as políticas e progra-
evidências concretas.
mas se materializem. Que todos e cada um
de nós reflicta como melhor poder agir no
Desafios futuro para fazer a diferença junto das
É de todos nós a responsabilidade da prestação de cuidados a mais populações e indivíduos mais directamente
de 28 milhões de pessoas que vivem actualmente com VIH/SIDA na afectados1.
África Subsahariana. Alguns países fizeram grandes progressos na
melhoria da qualidade e no aumento da esperança de vida, mas a
Dr. Luís G. Sambo
maioria não o fez. Não podemos aceitar o argumento de que, pelo
Director para Gestão dos Programas
facto de a maioria das pessoas com SIDA poder vir a morrer nos
da OMS para a África
próximos 10 anos, as suas necessidades devam ser negligenciadas.
sambolg@yahoo.com
Não podemos apenas observar, enquanto os frágeis sistemas de
saúde se desmoronam com o peso de solicitações massivas e adicio-
nais. Sabemos quais são as necessidades das pessoas com SIDA. A
prevenção é uma medida fundamental que está ao nosso alcance! O
desafio está na forma como unirmos esforços e assumirmos as res-
ponsabilidades políticas e sociais para a prestação destes serviços.

Conclusão e Apelos
Está comprovado que, sempre que as estratégias de prevenção efi-
cazes foram bem implementadas, a incidência das infecções por
VIH foram reduzidas. Nas situações em que isso não sucedeu, o
VIH, continua a propagar-se de forma extremamemtne rápida. O
maior desafio actual é aplicar aquilo que se sabe ser garantida-
mente eficaz. Em muitos países, isto requer um elevado nível de
compromisso, de modo a encarar o VIH/SIDA como um problema
de desenvolvimento e a reforçar os sistemas de saúde com recursos
apropriados, para que as intervenções já comprovadas possam ser
aplicadas de forma segura e eficaz.
O VIH/SIDA pede respostas sem precedentes por parte de todos os
intervenientes no processo. Nunca antes foi tão prioritário nas
agendas internacionais, como tema de desenvolvimento. Devemos 1 Comunicação proferida por ocasião
centrar-nos no momento, devido à renovada atenção internacional do centenário do Instituto de Higiene
que é atribuída a este assunto, e não desesperar. Apesar da gravi- e Medicina Tropical de Portugal,
dade da situação, não estamos impotentes. Devemos aprender com em 8 de Maio de 2002.

27
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

Intervenção em Situações de
Diminuição de Autonomia

Dr. J. Alexandre Diniz

...Apesar de a maioria das pessoas idosas não ser doente nem apre- Ao abordar a diminuição da autonomia te-
sentar diminuição de autonomia, com o aumento progressivo da es- mos, assim, que ter em conta a perspectiva
perança de vida e o aumento do número de pessoas, de qualquer tridimensional: do órgão ou órgãos lesados,
idade, com patologias de evolução prolongada potencialmente inca- da pessoa enquanto indivíduo e da pessoa
pacitantes, surge, na sociedade onde vivemos, o enorme desafio de enquanto ser social, tendo por base quer as
promovermos a possibilidade dessas pessoas viverem da forma mais estruturas e funções orgânicas da pessoa,
autónoma possível. quer as suas capacidades para executar acti-
vidades e exercer a participação.
A Organização Mundial de Saúde estima que, nos próximos vinte
anos, aumentem substancialmente as necessidades em cuidados de
saúde da população mais idosa, paralelamente a um aumento acen-
tuado da prevalência de doenças não transmissíveis e de evolução
prolongada.
Se é verdade que o humanismo de uma sociedade se mede pela for-
ma como cuida as pessoas mais vulneráveis, parece-nos claro que,
se queremos honrar a sociedade onde vivemos, que se pretende
equitativa, justa e humanista, temos que encontrar respostas, em
termos de intervenção de qualidade, que satisfaçam as necessida-
des globais das pessoas com risco acrescido ou em situação de
diminuição de autonomia.
O conceito de deficiência1 tem-se baseado tradicionalmente na li-
mitação ou impossibilidade que certas pessoas têm em executar
actos e tarefas correntes da vida quotidiana, quer na manutenção
da higiene pessoal e doméstica, quer na mobilidade física e na ca-
pacidade de participação na vida social e de relação.
O conceito de deficiência evoluiu, hoje, no sentido de deixar de es-
tar centrado, apenas, nas consequências da doença, para se centrar
na saúde e nos domínios com ela relacionados, caracterizando si-
multaneamente tanto as incapacidades e o handicap dos indivídu- 1 Deficiência representa, no domínio
os como a sua funcionalidade. Ou seja, a nossa atenção deve estar da saúde, qualquer perda
principalmente dirigida para as potencialidades da pessoa e não ou anomalia de estrutura ou função
exclusivamente para o seu handicap, estimulando, o mais possível, psicológica, fisiológica ou anatómica
o que ela pode fazer. (WHO; International classification of
A própria Assembleia Mundial de Saúde aprovou, em Maio do ano Impairments, Disabilities and
passado, uma nova classificação internacional da funcionalidade do Handicaps. A Manual of Classification
handicap e da saúde, definindo os componentes da saúde e certos ele- Relating to the Consequences of
mentos do bem-estar relativos à saúde, como a educação e o trabalho. disease. 1980).

28
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

Ao abordar uma pessoa em situação de deficiência ou em risco ele- Precisamos, assim, em termos organizaci-
vado de perda de autonomia, temos que avaliar os seus diferentes onais, de um sistema de respostas baseado
domínios – e aqui devemos entender por domínio o conjunto, prá- na continuidade de cuidados, com respeito
tico e significativo, das suas funções neuropsicológicas, das estrutu- pelos princípios da plena participação, da
ras anatómicas e das acções inerentes à vida – de forma a inferir a não discriminação e do direito à compen-
sua capacidade para fazer e ser. sação.
Digamos, assim, que funcionalidade releva, de uma maneira glo- Deve entender-se por continuidade de cui-
bal, de todas as funções orgânicas ou actividades da pessoa, assim dados o processo organizacional que coor-
como da sua capacidade de participação no seio da sociedade, dena a transição das pessoas em situação
enquanto o handicap releva das suas deficiências, das suas limi- de diminuição de autonomia entre dife-
tações de actividade e restrições de participação. Torna-se, por- rentes tipos de respostas e os níveis de
tanto, claro que existem factores contextuais, de natureza ambi- prestação de cuidados de saúde e de apoio
ental e social, que exercem influência directa, como obstáculos social, tendo em conta que a continuidade
ou como agentes facilitadores, sobre a funcionalidade e o handi- deve ser:
cap do indivíduo, com repercussão sobre o seu perfil de deficiên-
1. Centrada na pessoa – caracterizando-se
cia. Ou seja, o estado de funcionalidade ou de handicap de deter-
pelo acompanhamento da pessoa com di-
minada pessoa é o resultado da interacção dinâmica entre o seu
minuição de autonomia ao longo do tem-
estado de saúde (doenças, perturbações, etc.) e os factores contex-
po, com especial atenção ao impacto cau-
tuais onde ela se situa.
sado por esta nas suas condições de vida;
A deficiência analisada na óptica da saúde, ou seja, analisada na
2. Transepisódica – baseando-se na valori-
inter-relação entre a funcionalidade e o handicap, resulta, assim,
zação, ao longo do tempo e na mesma
do somatório das funções orgânicas (designadamente das funções
pessoa, da frequente associação de doen-
fisiológicas dos sistemas orgânico e psicológico), das estruturas ana-
ças com a diminuição de autonomia;
tómicas (designadamente das partes anatómicas do corpo, como os
órgãos e os membros), das incapacidades (designadamente dos pro- 3. Centrada no sistema de cuidados – tra-
blemas na função orgânica), da actividade (designadamente da sua duzindo-se na necessidade de participa-
execução) e da participação (designadamente na capacidade de ção sem hiatos, ao longo do tempo e na
implicação numa situação da vida real). mesma pessoa, dos intervenientes dos
diferentes níveis e tipos integrados de
Neste contexto, a deficiência, ou seja, a correlação funcionalida-
respostas, com as suas capacidades e os
de/handicap, pode ser quantificada e escalonada desde as formas
seus recursos colocados ao serviço de
mais ligeiras, às formas moderadas e graves, as quais, naturalmen-
objectivos comuns.
te, requerem respostas diversificadas e adequadas.
A continuidade de cuidados, requerida para
Perante este quadro, a deficiência apela às políticas transversais de
a abordagem das pessoas em situação de di-
apoio, nomeadamente dirigidas às pessoas idosas que, pelo seu nú-
minuição de autonomia, obriga, como refe-
mero e possibilidade acrescida de sofrerem patologia crónica múl-
rimos, ao rigoroso cumprimento dos seguin-
tipla, representam uma população com risco acrescido, obrigando
tes princípios:
à preocupação pela sua readaptação ao mundo envolvente, pela sua
reabilitação e pela sua integração familiar e social. 1. Respeito pela dignidade humana – que
pressupõe, designadamente, o direito à
Estima-se que, em Portugal, o índice de envelhecimento seja de
completa privacidade e à preservação da
cerca de 92% (Instituto Nacional de Estatística, 1999). Esta situa-
identidade;
ção mostra como tem aumentado o número de pessoas em risco
acrescido ou em situação instalada, ou transitória, de deficiência 2. Respeito pela manutenção ou recupera-
que necessitarão de cuidados adequados. ção permanentes da autonomia – que
pressupõe a prestação de cuidados per-
Por tudo isto, estas pessoas requerem qualificação de intervenção em
manentes, de modo a melhorar os níveis
termos da organização de serviços e de práticas, através de respostas
de autonomia, participação e bem-estar
integradas a elas dirigidas, baseadas num paradigma de actuação
da pessoa;
diferente do habitualmente usado tanto na abordagem curativa dos
serviços de saúde, nomeadamente da alta especialização e tecnologia 3. Respeito pela proximidade dos cuida-
hospitalares, como nas formas de prestação de apoio social. dos – que pressupõe a manutenção do

29
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Foi Dito Por...

contexto relacional social e a promoção da inserção social da passando as fronteiras das ciências da saú-
pessoa; de, não deve ser considerada tecnicamente
menor por dispensar a alta tecnologia hos-
4. Respeito pelo incentivo ao exercício de cidadania – que pressu-
pitalar mas, antes, humanamente sofistica-
põe a promoção da capacidade, da pessoa com diminuição de
da e diferenciada.
autonomia, para tomar decisões sobre a sua própria vida.
Consideramos que a intervenção baseada no conceito de continui-
dade de cuidados, que acabámos de expor, deve ser baseada num Dr. J. Alexandre Diniz
modelo de intervenção integrado, que preveja diferentes tipos e Médico. Mestre em Ética da Saúde
níveis de respostas, de acordo com os diversos níveis de neces- Chefe de Divisão de Doenças Genéticas,
sidades dos seus potenciais utilizadores, o que exige não apenas a Crónicas e Geriátricas, da Direcção-Geral
reengenharia dos serviços de saúde e de apoio social, mas também da Saúde
a criação de novas respostas. adiniz@dgsaude.min-saude.pt
Este modelo deve assentar na promoção:
1. Da flexibilidade – garantindo fluidez na utilização dos vários ní-
veis e tipos de respostas;
2. Da complementaridade – garantindo continuidade entre as ac-
ções preventivas e terapêuticas, de acordo com um plano indivi-
dual de intervenção, que integra a caracterização interdisciplinar
da situação da pessoa com diminuição de autonomia, a identifi-
cação das suas necessidades e a natureza dos cuidados a prestar;
3. Da integração de serviços – garantindo a intersectorialidade tra-
duzida na promoção de sinergias protocoladas com base em par-
cerias, potenciadoras das actuações individuais.
Este modelo deve assentar numa tipologia de respostas que satisfa-
çam as necessidades globais da pessoa com diminuição de autono-
mia, e que passa por equipas móveis de apoio domiciliário, hospi-
tais-de-dia e internamentos, em estruturas específicas, de carácter
transitório, prolongado e permanente, prestadores de cuidados pro-
motores da autonomia, qualquer que seja o nível de deficiência da
pessoa, centrados na sua readaptação, reabilitação e manutenção.
Este modelo obriga, inevitavelmente, à existência de profissionais
vocacionados, formados e treinados para abordar a diminuição de
autonomia de uma forma personalizada, através da inter-relação
entre a funcionalidade e a desvantagem no contexto ambiental e so-
cial em que a pessoa habitualmente vive.
Prestar cuidados em continuidade à pessoa em situação de dimi-
nuição de autonomia requer, ainda, profissionais que saibam lidar
com o sofrimento global da pessoa a quem prestam cuidados, base-
ando a sua actuação não exclusivamente no paradigma curativo,
mas também no paradigma do cuidado e do acompanhamento.
Prestar cuidados em continuidade à pessoa em situação de dimi- Comunicação apresentada no
nuição de autonomia requer, assim, aptidões técnicas não apenas Seminário “A Formação em
no campo biomédico, como nos campos psicológico, espiritual, Gerontologia Social – uma exigência
antropológico, sociológico e ético, o que representa um enorme para a qualidade”, em 26 de Março
desafio para as escolas de saúde e de acção social que têm a res- de 2002.
ponsabilidade de formar e actualizar profissionais que pretendam ISSS – Cooperativa de Ensino Superior
trabalhar ou trabalhem nesta área das ciências humanas que, ultra- de Intervenção Social.

30
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Notas Breves

Os Sistemas de Segurança Social dos Estados


Membros e o Mercado Interno – Jurisprudência do
Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
Autorização prévia para reembolso de despesas médicas efectuadas noutro Estado-Membro

1. Acórdãos ”Kohl” e ”Decker”, de 28 de Abril de 1998: tamento efectuado por um odontologis-


ta, fora de qualquer infra-estrutura hos-
Estes acórdãos marcam, pela primeira vez, pelo menos de forma
pitalar, e que essa prestação deve ser con-
tão explícita, a posição do Tribunal de Justiça das Comunidades
siderada como um serviço. Ao impor uma
Europeias (TJCE), determinando a aplicação das disposições em
autorização prévia, essa legislação nacio-
matéria de livre circulação de mercadorias e de livre prestação de
nal está a desencorajar os segurados a
serviços à área da segurança social, que até à data era considerada
dirigirem-se a prestadores de serviços
da competência exclusiva dos Estados Membros.
médicos noutro Estado Membro, o que
Neles, o Tribunal aborda a compatibilidade dos sistemas de segu- constitui um obstáculo à livre prestação
rança social dos Estados Membros com os princípios do Tratado da de serviços.
Comunidade Europeia em matéria de livre circulação de mercado-
• Embora aceite que esse entrave pode ser
rias e de livre prestação de serviços no mercado interno.
justificado por um risco grave para o equi-
Destes dois acórdãos resulta que os Estados Membros, embora sen- líbrio do sistema de segurança social, no
do competentes para estabelecer os requisitos e o modo de funcio- caso em análise, o Tribunal constata que
namento dos seus sistemas de segurança social, devem sempre res- o reembolso dos tratamentos segundo as
peitar os princípios do direito comunitário que se aplicam à livre tarifas do Estado de filiação não teria
circulação de pessoas e bens e à livre prestação de serviços qualquer incidência significativa no finan-
ciamento daquele sistema.
1.1. Pontos essenciais do caso ”Kohl” (livre prestação • Quanto à invocação de razões de saúde
de serviços) pública, que o Tratado permite, o Tribu-
Matéria de facto: nal vem lembrar que, no caso das presta-
ções médicas, existem directivas comuni-
• A caixa de segurança social do Luxemburgo indeferiu um pedi-
tárias que harmonizaram as condições de
do de tratamento, feito pelo médico da filha menor de Kohl, a
formação e de exercício das actividades
praticar por um odontologista na Alemanha.
de médicos e de dentistas em todos os
• O indeferimento teve como fundamento o facto, por um lado, Estados Membros, garantindo um eleva-
de que o tratamento previsto não era urgente e, por outro lado, do nível de protecção da saúde.
de que podia ser efectuado no Luxemburgo.
Posição do TJCE: 1.2. Pontos essenciais do caso
Decker (livre circulação de
• O Tribunal declarou que ”os artigos 59º e 60º (CE) – actual-
mercadorias)
mente 49º e 50º (CE) – opõem-se a uma legislação nacional que
faz depender de autorização do organismo de segurança social do Matéria de facto:
beneficiário o reembolso, segundo a tarifa do Estado de filiação,
• A caixa de segurança social do Luxembur-
de despesas com tratamentos dentários efectuados por um odon-
go recusou a Decker, nacional luxembur-
tologista estabelecido noutro Estado Membro”.
guês, o reembolso do preço de um par de
• O Tribunal declara ainda que no processo está em causa um tra- óculos comprado num oculista estabele-

31
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Notas Breves

cido no estrangeiro, concretamente na Bélgica, pelo facto de não ter a quem erradamente se recusou uma autori-
sido concedida autorização prévia. zação para ser hospitalizado num outro Esta-
do Membro, tem, todavia, direito ao reembol-
Posição do TJCE:
so das despesas que teve de suportar, caso essa
• O Tribunal decretou que ”os artigos 30º e 36º – actualmente 28º autorização seja concedida após a hospitali-
e 30º – do Tratado (CE) opõem-se a uma legislação nacional por zação, eventualmente por via jurisdicional.
força da qual um organismo de segurança social de um Estado
Membro recusa a um beneficiário o reembolso de um montante No segundo caso, o Tribunal, embora decla-
fixo para óculos com lentes de correcção comprados num oculis- rando que o sistema de autorização prévia
ta estabelecido noutro Estado Membro, com fundamento no facto constitui um obstáculo à livre prestação de
de que a compra de qualquer produto médico no estrangeiro deve serviços médico-hospitalares, reconhece,
ser previamente autorizada.” no entanto, que razões imperativas decor-
rentes da necessidade do equilíbrio finan-
• O Tribunal rejeita o argumento segundo o qual a segurança social ceiro dos sistemas de segurança social e da
enquanto tal não está abrangida pelo âmbito de aplicação das dis- manutenção de um serviço hospitalar acessí-
posições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias. vel a todos podem justificar essa restrição.
• Embora o Tribunal reafirme que os Estados Membros perma-
necem competentes para organizar os seus sistemas de seguran- 2.1. Pontos essenciais do caso
ça social e que, na falta de harmonização comunitária, compe- ”Vanbraekel” (hospitalização
te à legislação de cada Estado Membro determinar as condições noutro Estado Membro)
de inscrição num regime de segurança social e as condições de
Matéria de facto:
concessão de prestações, o Tribunal recorda que, no exercício
das suas competências, os Estados Membros devem respeitar o • A caixa de segurança social belga re-
direito comunitário. cusou à Senhora Descamps, belga, um
pedido de autorização para receber uma
• Uma legislação nacional, que faça depender de autorização pré-
intervenção cirúrgica ortopédica em
via o reembolso das despesas efectuadas noutro Estado Membro
França. Contudo, em 1990, a operação
e o recuse aos beneficiários que não a tenham, constitui um en-
foi realizada neste país, intentando-se
trave à livre circulação de mercadorias, uma vez que incita os
uma acção na Bélgica para obter o reem-
beneficiários a adquirirem esses produtos só no país de filiação
bolso das despesas que teve de suportar,
em vez de o fazerem também noutros Estados Membros, podendo
tomando por base as tarifas da Bélgica
assim ser susceptível de entravar a importação de óculos montados.
(49 935,44 FRF) e não as praticadas em
• A recusa de reembolso de um montante fixo não se justifica, já França (38 608,89 FRF).
que não tem qualquer incidência real no financiamento ou no
• Em 1994, o relatório de um perito desig-
equilíbrio do sistema de segurança social.
nado pela caixa confirma que a operação
• Além disso, as condições de acesso e de exercício das profissões em causa não era correntemente feita
regulamentadas foram objecto de directivas comunitárias, abran- na Bélgica e que o estado de saúde da
gendo um sistema geral de reconhecimento das formações pro- doente obrigava a uma hospitalização
fissionais. no estrangeiro.
• Por conseguinte, a legislação nacional, neste caso, não pode ser jus- • A Sra. Descamps morreu na pendência
tificada por razões de saúde pública ligadas à protecção da quali- do processo, mas os herdeiros, Vanbrae-
dade dos produtos médicos fornecidos noutros Estados Membros. kel, prosseguiram o processo.
Posição do TJCE:
2. Acórdãos ”Vanbraekel” e ”Peerbooms”,
de 12 de Julho de 2001 • ”O artigo 59º do Tratado (CE) – actual-
mente artigo 49º (CE) – deve ser inter-
Os recentes Acórdãos ”Vanbraekel” e ”Peerbooms” vêm completar
pretado no sentido de que, se o reembolso
a jurisprudência do TJCE.
das despesas suportadas com os serviços
O primeiro destes casos tem por objecto a autorização prévia para os hospitalares no Estado Membro de esta-
tratamentos médicos recebidos noutro Estado Membro. O Tribunal da, que resulta da aplicação das regras
pronuncia-se no sentido de que um beneficiário da segurança social, em vigor nesse Estado, for inferior ao que

32
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Notas Breves

resulta da aplicação da legislação em vigor no caso de hospitali-


zação no Estado Membro de inscrição, a instituição competente
deve conceder ao beneficiário da segurança social um reembolso Formação
complementar correspondente a essa diferença.”
Curso sobre Promoção da Saúde
em Meio Escolar
2.2. Pontos essenciais do caso ”Geraets e Peerbooms”
(justificação para a restrição à livre prestação de Investir na promoção da saúde junto de crianças
e jovens é hoje a estratégia mais eficaz na obten-
serviços médico-hospitalares):
ção de ganhos em saúde, a médio e longo prazo.
Matéria de facto: A escola tem um papel determinante na aquisi-
ção de estilos de vida saudáveis e na prevenção
• A caixa de segurança social holandesa recusou o reembolso das de comportamentos nocivos. Assim, actualizar
despesas efectuadas pela Sra. Garaets, que sofria de doença de conhecimentos e reforçar competências dos pro-
Parkinson e que foi tratada numa clínica especializada na Ale- fissionais de saúde que exercem saúde escolar é
manha, por considerar que existe tratamento adequado nos da maior importância para a melhoria da imple-
mentação da actividade e da parceria saúde/
Países Baixos.
educação.
• No caso do Sr. Peerbooms, a caixa recusou o reembolso por in- Neste contexto, a Direcção-Geral da Saúde pro-
ternamento numa clínica austríaca, pelas mesmas razões, isto é, moveu, com o apoio do Programa Operacional
por existir na Holanda o tratamento adequado. Saúde XXI, a realização de dois cursos de for-
mação, designados “Promoção da Saúde em
Posição do TJCE: Meio Escolar”, nas instalações do seu edifício
• Os artigos 49º e 50º do Tratado (CE) não se opõem a que a legis- sede, na Alameda D. Afonso Henriques, 45, em
lação de um Estado membro sujeite a tomada a cargo de cuida- Lisboa. O primeiro foi já efectuado, entre os
dias 10 e 12 de Julho, prevendo-se que o segun-
dos de saúde dispensados num estabelecimento hospitalar situado
do tenha lugar entre os dias 16 e 18 de Outubro
noutro Estado Membro à obtenção de uma autorização prévia, de 2002.
mas devendo ficar sujeita à dupla condição de, por um lado, o tra-
Os seus destinatários são todos os profissionais
tamento poder ser considerado ”habitual no âmbito profissional” de saúde que desenvolvam actividades relacio-
– entendendo-se o carácter habitual quando testado e validado nadas com a saúde infantil e juvenil, em parti-
pela ciência médica internacional – e, por outro lado, o paciente cular, aqueles que integrem as Equipas de Saúde
poder receber tratamento idêntico ou com o mesmo grau de efi- Escolar.
cácia, em tempo oportuno, num estabelecimento convencionado.
Curso sobre Genética Médica
e Diagnóstico Pré-Natal
3. Posição das Autoridades Portuguesas
As anomalias genéticas têm uma grande reper-
O nº 2 da Base XXXV da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (“Lei de cussão nos indicadores de morbilidade e morta-
Bases da Saúde”), dispõe: “só em circunstâncias excepcionais, em lidade em Portugal. A par da definição de estra-
que não seja possível garantir em Portugal o tratamento nas condi- tégias que conduzam a uma melhor prevenção
ções exigíveis de segurança e em que seja possível fazê-lo no es- das anomalias congénitas, importa assegurar a
trangeiro, o SNS suporta as respectivas despesas.” melhor preparação dos profissionais de saúde
que intervenham neste processo.
Face a estes casos de jurisprudência do TJCE e partindo das carac-
Com base neste enquadramento, e com o apoio
terísticas do Sistema Nacional de Saúde que vigora em Portugal, a do programa Operacional Saúde XXI, a Direcção-
posição das autoridades portuguesas tende para considerar justificá- Geral da Saúde organizou, nos dias 19, 20 e 21
vel, em certas circunstâncias, o recurso a cuidados hospitalares em de Junho de 2002, um Curso sobre Genética
instituições alheias ao sistema de saúde (nacionais ou estrangeiras), Médica e Diagnóstico Pré-Natal, que decorreu
desde que autorizado previamente. nas instalações do INFARMED, em Lisboa.
O curso destinava-se a médicos que desenvolvem
actividades relacionadas com a saúde materna
e infantil, nomeadamente os que integram as
Dra. Maria da Guia Manteigas
Unidades Coordenadoras Funcionais.
mguia@dgsaude.min-saude.pt

Dra. Ana Cristina Freitas


acfreitas@dgsaude.min-saude.pt

33
CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Notas Breves

Notícias

Centro de Saúde Arnaldo Sampaio Para além de se registar o clima fraterno


verificado durante os três dias da visita,
Desde o passado dia 22 de Junho, o Centro de Saúde de Guimarães
salienta-se a assinatura de um Protocolo de
passou a designar-se Centro de Saúde Arnaldo Sampaio. Na cerimó-
colaboração com o INFARMED.
nia da mudança de nome estiveram presentes vários membros da
família Sampaio, nomeadamente o actual Presidente da República, A Delegação daquela Região Administrativa
Jorge Sampaio, e Daniel Sampaio, psiquiatra e escritor. Especial da China esteve também em Coim-
bra, onde se perspectivaram acções de coo-
Arnaldo Sampaio, entre outras funções que desempenhou, foi Di-
peração com os HUC, Hospital Pediátrico
rector-Geral da Saúde de 4 de Agosto de 1972 a 7 de Junho de
(especialmente no que respeita à telemedi-
1978.
cina), bem como com o Centro Regional de
Saúde Pública.
Comemoração dos 125 anos da Inauguração do
Hospital de Dona Estefânia Os dirigentes de Macau foram recebidos
pelo Sr. Secretário de Estado da Saúde, Dr.
Com a presença do Sr. Ministro da Saúde, do Alto-Comissário para Carlos Martins, e pelo Bastonário da Ordem
a Saúde e do Presidente da Administração Regional de Saúde de dos Médicos.
Lisboa e Vale do Tejo, no dia 17 de Julho de 2002, foram come-
morados os 125 anos da Inauguração daquele Hospital, com a rea- No final da visita, foi realizada uma reunião
lização de diversas actividades. na Direcção-Geral da Saúde, com a presença
do Sr. Alto-Comissário, do Sr. Presidente do
INFARMED e dos principais responsáveis das
Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável
instituições envolvidas neste novo impulso
Teve lugar, no dia 18 do mês de Julho, no auditório do INFARMED, de cooperação com Macau.
uma reunião de trabalho envolvendo representantes de vários serviços
e organismos dependentes do Ministério da Saúde, com o objectivo de Bioterrorismo
analisar o documento “Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sus- Plano de Contingência Português
tentável ENDS 2002”, que se encontra na fase de discussão pública. para a Saúde
Promovida pelo Prof. Doutor José Pereira Miguel, Director-Geral Pelo Despacho n.º 18 923/2002 (2.ª série),
e Alto-Comissário da Saúde, com a participação da Sr.ª Eng.ª Fer- publicado no Diário de República n.º 196 de
nanda Santiago, Vice Presidente do Instituto do Ambiente, orga- 26 de Agosto, o Sr. Ministro de Saúde, Dr.
nismo responsável pela elaboração da presente Estratégia, e dos Luís Filipe Pereira, reconhecendo a necessi-
representantes do INSA, Gabinete de Gestão da Saúde XXI, Con- dade de serem criadas condições para res-
selho Nacional de Saúde Mental, Instituto da Qualidade da Saúde, ponder de forma rápida e coordenada, caso
ARS Norte, Instituto de Medicina Preventiva, assim como dos di- ocorra uma ameaça ou acto de bioterroris-
rectores de serviços, chefes de divisão e técnicos desta Direcção- mo, aprovou o plano «Bioterrorismo - Plano
-Geral, aquela reunião foi muito participada, tendo sido prestados de Contingência Português para a Saúde».
importantes contributos imediatos e prometidos posteriores
comentários mais fundamentados. Dando cumprimento a este Despacho, a Di-
recção-Geral da Saúde, através da Circular
Normativa n.º 12/DT, de 02/09/02, elabo-
Cooperação Portugal Macau
rou e divulgou o Plano de Contingência que
No quadro do estreitamento das relações de cooperação técnica consta dos seguintes pontos: justificação,
entre Portugal e Macau, no domínio da saúde, visitaram oficialmen- finalidade, objectivos, estratégias de redução
te Portugal o Director dos Serviços de Saúde de Macau, Dr. Koi, e o do risco, actividades e fases de intervenção/
Director do Centro Hospitalar Conde de São Januário, Dr. Lei. actuação.

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Para ler

O Papel das Revistas de


Educação e Promoção da Saúde
As revistas de Educação e Promoção da Saúde são um instrumento
excelente de aprofundamento destas duas áreas disciplinares, con-
sensualmente consideradas como fundamentais nas práticas dos Programa
profissionais de saúde.
A eficácia destas práticas reflecte-se no bem-estar das populações,
de acção
nos ganhos em saúde e na prevenção da morbilidade e mortali-
dade.
comunitária
Estas edições periódicas são um veículo importante de divulgação no domínio da
dos modelos de boas práticas, das investigações realizadas, da pro-
dução teórica, da problematização e discussão sobre os vários as- saúde pública
pectos relacionados com as diferentes áreas temáticas que consti-
tuem a Educação e Promoção da Saúde. 2003-2008
Como exemplo, um dos últimos números da revista francesa La
O programa de saúde pública da União
Santé de L’Homme (nº 355, de Setembro-Outubro 2001) inclui dois
Europeia foi aprovado pela Decisão do Par-
artigos sobre o conceito de Resiliência, um termo inicialmente uti-
lamento e da Comissão n.º 1786/2002/CE,
lizado pelas ciências físicas, realçando a sua adequação (utilidade)
de 23 de Setembro de 2002.
em Educação para a Saúde.
Dada a sua relevância e por forma a garan-
O conceito de resiliência pode ter algumas nuances diferentes na
tir o acesso a todos os interessados, o texto
sua interpretação, como é comum quando se teoriza sobre aspec-
integral está disponível em:
tos do domínio comportamental.
http://www.dgsaude.pt
La Santé de L’Homme propõe como hipótese de trabalho:
“La résilience fait référence à un processus dynamique rendant
possible une adaptation réussie en dépit d’un contexte de forte ad-
versité” (pg. 7).
A educação para a saúde, ao ser sensível não apenas aos factores de
risco, mas também aos factores de protecção, pode tornar as suas
práticas mais adequadas. O conceito de resiliência permite teorizar
e aprofundar essas práticas numa perspectiva diferente.
Um desses artigos, consiste numa entrevista ao investigador Boris
Cyrulnik, a propósito da edição do seu livro Les Villains Petits Ca- Esclarecimento
nards. A partir das suas respostas, podemos reflectir sobre a pers-
O endereço do correio electrónico indica-
pectiva que o autor tem de resiliência.
do na assinatura do texto “Receituário do
Cyrunilk considera que a resiliência não é um conjunto de qualida- SNS”, publicado no n.º anterior, pode in-
des ou características fixas mas um processo em constante alteração. duzir os leitores em erro. De facto, foi ela-
Uma criança inteligente, numa determinada situação (a sua família, borado pela Dr.ª Teresa Azevedo, enquanto
a escola, o meio), pode comportar-se como se o não fosse quando as técnica do Gabinete Jurídico desta Direc-
condições se alteram ou algo acontece que a afecta profundamente. E ção-Geral, onde exercia, então, as suas
o contrário também se verifica: uma criança com dificuldades de funções. Qualquer pedido de esclareci-
aprendizagem, de relação ou comportamentais pode ultrapassá-las, se mento ou sugestão deve, assim, ser ende-
forem encontrados ou reforçados os factores de protecção. reçado a este Gabinete Jurídico.

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CADERNOS DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Para ler

No entanto, estes factores de protecção não são, na maioria dos ca-


sos, inatos e fixos, mas tricotados, quotidianamente, a partir de duas
malhas: os recursos internos e os recursos externos.
Quando os recursos internos não são suficientes, numa determina-
da situação contextual, é necessário disponibilizar recursos exter-
nos que permitam fazer face a essa mesma situação.
Nesta perspectiva, não existem soluções conceptuais, metodológicas
ou práticas que possam ser generalizadas nos domínios da educação
e promoção da saúde. Cada caso, cada contexto, cada cultura impli-
cam adequações que diferem no tempo.
Não se é resiliente ou não resiliente toda a vida, mas de forma in-
termitente. Um acontecimento grave pode afectar o indivíduo inde-
levelmente e, com frequência, não se esquece. Há, no entanto, diver-
sos meios que reforçam a capacidade de o ultrapassar, sem se fazer
uma “carreira” de vítima ao longo da vida, com toda a componen-
te negativa que esse facto comporta, relativamente ao bem-estar e
saúde individual, como salienta Cyrulnik.
A partir do conceito de resiliência, torna-se possível descentrar as
práticas de educação para a saúde dos comportamentos considera-
dos de risco e das vulnerabilidades individuais ou grupais, verifi-
cando-se ser mais adequado identificar e desenvolver os factores
protectores, considerados de resiliência.
Mas colocam-se alguns problemas. Os factores protectores para uma
pessoa podem não o ser para outra e os factores que se revelam pro-
tectores para determinado indivíduo, num dado momento ou con-
texto, podem não o ser noutra altura da vida.
Outro aspecto importante relaciona-se com a operacionalização
prática destes conceitos, como é salientado na revista supracitada:
“Les évidences théoriques qui fondent le concept de résilience invi-
tent les éducateurs pour la santé à s’intéresser davantage aux re-
sources actuelles des personnes, qu’à ce qu’elles donnent à voir en
termes de carences ou de comportements autodestructeurs” (pg. 9 ).
O reconhecimento dos factores de resiliência pelo próprio indivíduo
não é fácil, pois, com frequência, desconhece uma parte importante
dos recursos que é capaz de mobilizar. Intervir no sentido de ajudar
a fazer emergir essas potencialidades pode ser exactamente uma das
prioridades do profissional no âmbito da educação para a saúde.
Este, como outros temas de Educação e Promoção da Saúde, é
constantemente actualizado em revistas prestigiadas, científica
e academicamente, como a Health Promotion International, a Health
Education and Behavior, a Health Education Research, a Community
Health Education ou a já citada La Santé de L’Homme, que podem
ser consultadas na biblioteca da Direcção-Geral da Saúde e de ou-
tras instituições de saúde.

Dr. Pedro Ribeiro da Silva


pedros@dgsaude.min-saude.pt

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