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1 Introdução
Este estudo parte da premissa de que o método deve ser estudado tanto quanto a
teoria 1. Afinal, conhecemos pela ação e conhecer é atuar sobre o objeto, construí-lo
desnaturalizando-o em uma estrutura de relações. Disso decorre refletirmos acerca
do método e das técnicas utilizados, evidenciando o objetivo e uso de cada técnica
empregada na pesquisa.
Assim, cabe ressaltar a distinção entre método e técnicas de pesquisa. De
acordo com Galliano (1979) método é o "[...] conjunto de etapas, ordenadamente
dispostas, a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou
para alcançar determinado fim.” (GALLIANO, 1979, p.6). Técnica, por sua vez, é o
Revista da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS
v. 19, n.2 – Jul./Dez. 2013
"[...] modo de fazer de forma mais hábil, mais seguro, mais perfeita algum tipo de
atividade, arte ou ofício.” (GALLIANO, 1979, p. 6). Distinção similar entre método
e técnica é encontrada em diversos outros autores como Ferrari (1982) e Lakatos e
Marconi (1991).
Ainda sobre essa questão, nos parece esclarecedor o posicionamento de
Denzin e Lincoln (2006, p. 39). Conforme estes autores, a distinção entre métodos e
técnicas varia de acordo com a disciplina em questão. Exemplificam citando os
etnometodologistas que empregam sua abordagem como um método, ao passo que
outros selecionam esse método tomando-o emprestado como técnica para suas
próprias aplicações. Como sabemos, a pesquisa qualitativa tem histórias
independentes e distintas nas diversas áreas disciplinares.
Grisa, em seu trabalho intitulado Histórias de ouvinte: a audiência popular
do rádio (2003), ao dissertar sobre a caracterização da história oral e de vida,
entendendo a primeira como método e a segunda como técnica, argumenta sobre a
impossibilidade da reivindicação dos métodos e técnicas qualitativas de investigação
por uma única disciplina, o que gera, segundo o autor, as indefinições do que sejam
esses procedimentos e instrumentos.
Ao considerar tais questões entendemos que o termo “método” é de natureza
epistemológica e refere-se às duas grandes arbordagens: quantitativo e qualitativo. O
termo “técnica”, por sua vez, é de natureza operacional, diz respeito aos
procedimentos e aos instrumentos de coleta de dados utilizados na pesquisa, a
exemplo do questionário, entrevista, formulário, etc. Dito de outro modo, enquanto
o método pressupõe aspectos gerais de ação especifica, a técnica pressupõe o modo
de agir, objetivamente, para obter determinado objetivo.
Desse modo, a “técnica” história de família está situada no campo do método
da história oral. A história oral é um método que se apoia na memória (POLLAK,
1992) e se situa em meio ao desenvolvimento dos métodos qualitativos de
investigação 2. Memória aqui entendida como um dos elementos fundamentais no
contexto da história popular, logo, como um meio de conservar e transmitir a
cultura, e que remete à identidade dos sujeitos, tanto individual quanto coletiva.
A história oral pode ser entendida como um relato de um narrador (ou de vários,
como é o caso da história de família) sobre sua existência através do tempo com a
mediação de um pesquisador. A história oral é, desse modo, uma recriação do
passado, uma manifestação social da oralidade, ou seja, se organiza a partir dos
princípios desta, em uma espécie de veículo social que os grupos acionam para
reforçar suas identidades 4. Isto é feito não somente, mas, sobretudo por meio de
relatos de grupos, de mitos, lendas e da tradição oral, no caso da família, de geração
em geração. A história oral se caracteriza por temáticas múltiplas, heterogêneas,
extensivas, testemunho pessoal, tradição oral, experiência coletiva, relatos de vida e
trajetórias (ACEVES LOZANO, 1998).
Tais características contribuem para que a história oral seja acusada de
produzir representações e não reconstituições do real. Essa crítica encontra-se
embasada muitas vezes no positivismo das Ciências Sociais. Michael Pollak (1992)
rebate tal crítica argumentando que, se a memória é socialmente construída, é óbvio
que toda documentação também o é.
Em similar linha de raciocínio, Ecléa Bosi (1994) se reporta à veracidade do
que é dito pelos sujeitos argumentando que, nesse sentido, tanto a escrita quanto a
oralidade encontram-se nas mesmas condições.
teriam algo a dizer à história, não nos parece suficiente. Diversos autores (BOSI,
1994; ACEVES LOZANO, 1998; POLLAK, 1992) reforçam a convicção de que a
representação deste método é válida se pensarmos na perspectiva de que qualquer
grupo social e sujeitos históricos são significativos, ou seja, valoriza qualquer um,
desde que inclua as suas experiências, por isso, históricas. É desse modo que
entendemos que a história oral e, por sua vez, a história de família, sejam
transmitidas para reforçar a identidade sociocultural de um determinado grupo.
Desse modo, a história de família se dá a partir de um contexto e, para
compreendê-lo, é essencial conhecer a visão de quem olha, isto é, como esse alguém
vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos
alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam.
Assim, entender a história de família significa também conhecer o lugar social e a
visão de mundo do grupo familiar dos sujeitos que o compõe. Esse conhecimento
faz da compreensão sempre uma interpretação e, consequentemente, uma releitura
por parte daqueles que narram sua história. Somam-se a essa perspectiva as
concepções e interpretações feitas pelo pesquisador, originando desse modo outra
(re) construção, que é conjunta.
A elaboração da história de família não se dá a partir da simples transcrição
das narrativas, uma vez que os sujeitos raramente se limitam a narrar os fatos em
ordem cronológica ou relatando suas vidas de modo linear. Cabe ao pesquisador,
organizá-los na perspectiva do seu objeto e no seu modo de apreender a realidade.
Nesta perspectiva parece cabível o pensamento de Gabriel García Marquez 5 quando
diz que “A vida não é a que a gente viveu, e sim a que gente recorda, e como recorda
para contá-la.” (2005). Nesse sentido, a busca por linearidade em uma história de
família é um esforço de organizar a descontinuidade do espaço e do tempo com o
intuito de produzir sentido, entretanto há limitações. Assim, as histórias de família
são de algum modo, discursos não-lineares que, à proporção que vão sendo
analisadas podem possibilitar maior segurança e racionalidade à pesquisa. É
necessário ressaltar que essas histórias não se articulam enquanto verdade universal,
mas um saber exemplar de uma sabedoria prática e de um conhecimento de vida e de
experiência (MARINAS; SANTAMARINA, 1993). O método da história oral
[...] na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer,
reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje as experiências do
passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve duvidar da
sobrevivência do passado, ‘tal como ele foi’, e que se daria no
inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída
pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de
representações que povoam nossa consciência atual (BOSI, 1994, p.55).
4 Considerações Finais
memória familiar estabeleça conexões entre gerações, transmitindo aos mais jovens
fragmentos de antigos saberes e habilidades, assegurando a conservação da tradição.
Nesse sentido, compreende-se a narração como lugar de exercício no qual o
indivíduo e o grupo familiar tomam forma, se (re) elaboram e experimentam tanto a
sua história de vida, quanto a história familiar. A técnica história de família
possibilita ainda compreender o grupo familiar a partir de uma história singular,
específica e contextualizada, sem, contudo, negligenciar questões mais amplas, que
devem ser cuidadosamente explicitadas a partir de elementos sociológicos. A técnica
história de família, quando colocada em perspectiva sociológica, permite
dimensionar a história a diversas outras famílias e contextos similares.
No que se refere à amostra da pesquisa, a técnica história de família se
mostra bastante oportuna, dada a variedade de perfis dos sujeitos (levando em
consideração os marcadores sociais como gênero, geração, grau de escolaridade,
etnia, etc.) e a diversidade de configurações familiares, o que certamente amplia e
propicia maior complexidade ao fenômeno observado.
As questões aqui levantadas não tem a pretensão de serem únicas ou
completas, são apenas um, entre tantos outros modos de conceber a história oral
enquanto recurso metodológico na pesquisa em comunicação.
Referências
BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Cia das
Letras, 1994.
GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Viver para contar. Rio de Janeiro: Record, 2005.
THOMPSON, Paul. A Voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.
Abstract: The purpose of this paper is to demonstrate the contribution of the oral
history method in the development of the family history technique. The first part
deals with qualitative research in communication studies, approaching basic notions
to better understand theoretic-methodological aspects in the choice of the research
procedures. In the second part we delineate conceptual notions of family history,
how to apply the technique and its contribution to the methodological discussion.
Among the main results, we have verified that the technique enables: connections
between generations established through family memory; the comprehension of the
family group from a singular contextualized specific mediated history, without
neglecting broader issues that must be explicated in their sociological aspects; a
diverse sample given the variety of subjects profiles and the heterogeneity of family
configuration, which amplifies and propitiates greater complexity to the observed
phenomena.
1
Este artigo é um desdobramento da Tese de Doutorado intitulada Melodrama como matriz cultural
no processo de constituição de identidades familiares: um estudo de (tele)novela e bumba-meu-boi -
usos, consumo e recepção, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação
História oral, história de família: perspectivas teórico-metodológicas na pesquisa em | 430
comunicação
Lourdes Ana Pereira Silva
Revista da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS
v. 19, n.2 – Jul./Dez. 2013
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No que concerne à questão metodológica, delineou-
se um referencial que contemplou tanto a reflexão teórica quanto a pesquisa metódica, de modo a
optar pelo método da história oral e seus desdobramentos na técnica história de família. Para tanto
foram realizadas entrevistas do tipo semiestruturada e entrevista em profundidade além do
questionário e de observações etnográficas.
2
Afiliamo-nos aos teóricos Aceves Lozano (1998) e Thompson (1992), que concebem a história oral
como um método de pesquisa, isto é, que ultrapassa uma decisão técnica ou um procedimento
metodológico.
3
Vale ressaltar que os pesquisadores envolvidos tantos nos estudos de recepção equanto nos estudos
culturais reivindicam um estatuto interdisciplinar , o que significa renunciar à divisão do
conhecimento em disciplinas e o desejo de combinar as contribuições de saberes cruzados.
4
Não só do passado, mas do presente também, conforme proposições de Marinas e Santamarina
(1993).
5
Gabriel García Márquez, colombiano, escritor, jornalista e editor. Recebeu o Nobel de Literatura de
1982.