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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Glenda Suelem Magno Duarte

Por uma hermenêutica das expressões do sagrado na poesia de


João de Jesus Paes Loureiro

Belém-Pa
2014
Glenda Suelem Magno Duarte

Por uma hermenêutica das expressões do sagrado na poesia de


João de Jesus Paes Loureiro

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião no
Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião
da Universidade do Estado do Pará.
Linha de pesquisa: Hermenêutica das linguagens da religião
Orientador: Prof. Dr. Douglas Rodrigues da Conceição.

Belém
2014
2
BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
Prof. Dr. Douglas Rodrigues da Conceição – Presidente
UEPA

_______________________________________________
Prof. Dr. Etienne Alfred Higuet
UEPA

_______________________________________________
Prof. Dr. Manoel Ribeiro de Moraes Junior
UEPA

3
Para minha Mãe
e meu Marido.

4
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sandra e João, por seu apoio, amor e incentivo, sobretudo, no
início da minha vida escolar.
Ao meu marido e amigo, Thiago Silva, por seu amor, apoio, dedicação e
paciência. Sem você nada disso seria possível.
A toda minha família, irmãos, sobrinhos e cunhada, por fazerem parte da
minha vida.
Ao meu orientador, Profº. Dr. Douglas Rodrigues da Conceição, por seu apoio
e interesse por essa pesquisa.
Aos professores que participaram da minha banca de qualificação, por suas
imprescindíveis sugestões.
Aos professores Etienne Alfred Higuet e Manoel Ribeiro de Moraes Junior,
por terem aceitado participar desta banca.
À CAPES, pela bolsa de pesquisa concedida durante o mestrado.
À UEPA, por mais uma oportunidade de progressão acadêmica.
Ao PPGCR, aos docentes, discentes e o corpo técnico, principalmente, à
secretária Andréa, por sua inesgotável atenção e dedicação.
Ao poeta, João de Jesus Paes Loureiro, por seu belo trabalho que serviu de
inspiração para essa dissertação.
A todas as pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para realização
desse trabalho.

5
Eu recordo, e cedo a fala da memória à voz
da adolescência, quando fiz o primeiro poema.
Tinha onze anos de idade e ainda não sabia
as regras teóricas de um poema. No entanto,
lembro que sentia ter feito uma poesia.

João de Jesus Paes Loureiro.

6
RESUMO

DUARTE, Glenda. Por uma hermenêutica das expressões do sagrado na poesia


de João de Jesus Paes Loureiro. 2014. 95 f. Dissertação (Mestrado em Ciências
da Religião) – Universidade do Estado do Pará, Belém do Pará, 2014.

O presente estudo tem como objetivo investigar as expressões do sagrado e seus


respectivos modos de articulação na poesia do escritor João de Jesus Paes
Loureiro, a partir de um diálogo entre religião e literatura. Assim, interessa-nos
compreender, mais especificamente, a inter-relação de sua poesia no contexto da
Amazônia, uma vez que certos aspectos simbólicos e místicos são características
típicas do sagrado no ambiente amazônico. Logo, partimos da hipótese de que a
poesia produzida por João de Jesus Paes Loureiro, em certo nível de articulação, é
apresentada como linguagem do sagrado no contexto amazônico. Portanto,
realizamos uma hermenêutica das expressões desse sagrado presente na poesia de
João de Jesus Paes Loureiro, com base nos conceitos desenvolvidos pelo próprio
autor, como imaginário poético e encantaria da linguagem.

Palavras-chave: Sagrado, literatura, poesia, hermenêutica, João de Jesus Paes


Loureiro.

7
ABSTRACT

DUARTE, Glenda. By a hermeneutic of the expression of the Sacred in the


poetry of João Jesus Paes Loureiro. 2014. 95 f. Dissertation (Master in Science of
Religion) – Pará State University, Belém of Pará, 2014.

The present study aims to investigate the expressions of the sacred and their
respective modes of articulation from the poetry of Pará‟s writer João de Jesus Paes
Loureiro, from a dialogue between religion and literature. Thus, we are interested in
understanding, more specifically, the interplay of their poetry in the context of
Amazonia, since certain symbolic and mystical aspects are typical characteristics of
the sacred in the Amazonian environment. Soon, we start from the assumption that
poetry produced by João de Jesus Paes Loureiro, at a certain level of articulation, is
presented as the sacred language of the Amazonian context. Therefore, we
conducted an hermeneutic of the terms of this sacred poetry João de Jesus Paes
Loureiro, based on concepts developed by the author, as a poetic imagination and
enchant the language.

Keywords: Sacred, literature, poetry, hermeneutic and João Jesus Paes Loureiro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11
1 RELIGIÃO E LINGUAGEM OU RELIGIÃO E LINGUAGENS 13
1.1 AS INTERFACES ENTRE RELIGIÃO E LITERATURA 13
1.2 A POESIA ENQUANTO EXPRESSÃO DO SAGRADO 18
1.3 RELIGIÃO E POESIA NUMA PERSPECTIVA FILOSÓFICA 23
1.4. RELIGIÃO E LITERATURA: TRAÇOS E LAÇOS 28

2 MITO, POESIA E RELIGIÃO NA AMAZÔNIA DE PAES LOUREIRO 30


2.1 MITO E MODERNIDADE NA TRIOLOGIA AMAZÔNICA DE JOÃO DE JESUS
PAES LOUREIRO 31

2.2 AS FORMAS DO MITO NOS CANTARES AMAZÔNICOS DO POETA JOÃO DE


JESUS PAES LOUREIRO 36

2.3 “METAMORFOSES POÉTICAS NOS POEMAS AMAZÔNICOS” 40


2.4 A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E POESIA NO CONTEXTO AMAZÔNICO 42

3 A EXPRESSÃO DO SAGRADO NA POESIA DE PAES LOUREIRO 51


3.1 A POÉTICA DO IMAGINÁRIO E A ENCANTARIA DA LINGUAGEM 51
3.2 NO CAMINHO DAS POESIAS 54
3.2.1 “A ARTE POÉTICA” 56
3.2.2 “DO CORAÇÃO E SUAS AMARRAS” 58
3.2.3 “FRAGMENTOS III” 61
3.2.4 “FRAGMENTOS II” 63
3.2.5 “FRAGMENTOS I” 64
3.2.6 “FRAGMENTOS III” 66
3.2.7 “RITUAL DE INICIAÇÃO” 67
3.2.8 “CÂNTICO I” 69
3.2.9 “CÂNTICO XVI” 71
3.2.10 “DESLENDA CRISTÃ I” 72
3.2.11 “O ROSTO DA AMAZÔNIA OU DESLENDA RURAL” 72
3.2.12 “AMAZÔNIA! AMAZÔNIA” 74
3.2.13 “ITINERÁRIO” 75

9
3.2.14 “CASA NATAL REVISITADA” 76
3.2.15 “UM ÍNDIO À PORTA DA IGREJA” 77
3.2.16 “HINOS DIONISÍACOS AO BOTO” 79
3.2.17 “CANTAR DOS ENCANTADOS” 84
3.3 A EXPRESSÃO DO SAGRADO POÉTICO 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 92

10
INTRODUÇÃO
O autor João de Jesus Paes Loureiro é natural de Abaetetuba, estado do
Pará, atualmente desenvolve atividades como poeta, teórico e professor nas
faculdades de Arte e Comunicação, da Universidade Federal do Pará. Possui
graduação em Letras e Direito, é Mestre em Teoria Literária e Semiologia e obteve o
título de doutorado em Sociologia da Cultura pela Universidade de Sorbonne Paris,
com a tese Espelho quebrado do imaginário (Cultura Amazônica: uma poética do
imaginário), orientada por Michel Maffesoli.
Paes Loureiro possui uma vasta produção bibliográfica, entre as suas
principais obras destacamos Porantim (1979), Deslendário (1981), Pentacantos
(1984), Altar em chamas e outros poemas (1982), Cultura amazônica: uma poética
do imaginário (1995), A arte como encantaria da linguagem (2008) e a coletânea
Obras Reunidas (2000), composta por quatro volumes, nos quais podemos
encontrar as obras citadas acima, assim como outras produções do autor.
Ele é um autor de muito prestígio e também muito premiado. No ano de 1970,
juntamente com o artista plástico Paulo Chaves foi classificado com três poemas
visuais na X Bienal de São Paulo e com o poema A Vanguarda Visual Brasileira – 50
anos depois da semana de arte moderna. Nesse evento o poeta ganhou um prêmio
internacional concorrendo com mais de seiscentos participantes.
Em 1984, obteve da Associação Paulista de Críticos de Arte o Prêmio
Nacional de Melhor Livro de Poesias, com a obra Altar em chamas. Em agosto de
1990 participou de um Simpósio sobre arte e ecologia na Itália, no qual um de seus
poemas (Cântico XLII) apresentado no encontro, o colocou entre os dez melhores
poetas no cenário literário mundial.
Por esse motivo a sua produção literária está em consonância com diversas
correntes literárias e é reconhecida mundialmente. A prova disso é a exportação da
sua produção para diversos países como França, Espanha, Alemanha, Japão, entre
outros. Isso acontece porque o autor suscita questões vivenciadas por qualquer ser
humano, como o sentimento de pertença, de solidão, de admiração, de
maravilhamento, sentimentos esses que podem ser entendidos por qualquer pessoa
independente da sua condição geográfica.

11
Portanto, essa dissertação se justifica pela necessidade de estudos voltados
à expressão do sagrado desenvolvido de maneira poética por João de Jesus Paes
Loureiro. A escolha desse autor se explica pela relevância de sua poesia no cenário
local e internacional, assim como pelo estudo teórico que o mesmo vem
aprofundando ao longo dos anos a respeito da poesia como encantaria da
linguagem, destacando em suas produções o imaginário e os mitos amazônicos.
No primeiro capítulo dessa dissertação Religião e Linguagem ou Religião e
Linguagens, realizamos um levantamento teórico a partir das interfaces entre religião
e poesia. A partir do primeiro tópico tratamos das interfaces que circundam esses
dois conceitos, da relação da poesia enquanto expressão do sagrado, e da religião e
poesia em uma perspectiva filosófica e ainda destacamos os traços e laços que
compõem a relação entre religião e literatura.
O segundo capítulo dessa pesquisa intitulado Mito, Poesia e Religião na
Amazônia de Paes Loureiro, destina-se a análise das produções acadêmicas
desenvolvidas no contexto amazônico com base na produção poética do autor em
questão. Nesse capítulo tencionamos demonstrar os pontos convergentes e
divergentes entre a nossa pesquisa e essas produções. Por fim, destacamos a
relação entre poesia e religião no contexto Amazônico.
O terceiro e último capítulo desse trabalho intitulado Por uma hermenêutica
da expressão do sagrado na poesia de Paes Loureiro, destinou-se ao momento das
interpretações das poesias selecionadas, com base nos conceitos desenvolvidos
pelo próprio autor João de Jesus Paes Loureiro e a partir de análises intertextuais e
semióticas dos elementos provenientes da religião presente nas poesias do autor.
Portanto, o principal objetivo dessa pesquisa é analisar a relação existente
entre religião e literatura no contexto amazônico, a partir das poesias de João de
Jesus Paes Loureiro, partindo do pressuposto de que o sagrado na poesia do autor
expressa-se de forma peculiar na Amazônia, entre outros, por meio do imaginário
poético e da encantaria da linguagem.

12
1 RELIGÃO E LINGUAGEM OU RELIGIÃO E LINGUAGENS

1.1 AS INTERFACES ENTRE RELIGIÃO E LITERATURA

O sagrado esteve presente no interior das mais diversas expressões culturais


humanas. As formas de manifestação do sagrado configuram-se de maneira tão
diversa a ponto de podermos afirmar que suas formas de expressão ultrapassam os
limites das mais diversas religiões atualmente reconhecidas:

A diversidade das expressões religiosas se deve principalmente à


diversidade de suas formas. Dentro de uma única tradição esta diversidade
pode ser encontrada: nela, religião é falada, escrita tornada visual,
expressada corporalmente, transformada em etiquetas para
comportamento, em temperos de refeições sacras, traduz-se em normas
para o corpo, em alquimia de elementos e palavras. Ainda que amplificada
no nosso tempo, a diversidade religiosa já era constitutiva das expressões
religiosas desde suas origens, devido aos diferentes códigos que a formam.
(NOGUEIRA, 2012, p. 15).

Ao considerarmos a relação entre religião e linguagem estamos tratando de


diversidade, de métodos, de abordagens e de manifestações. As artes de modo
geral, comportam essas linguagens entre elas a religião. Podemos perceber que a
experiência religiosa necessita tomar vazão, por meio dos códigos que compõem a
cultura humana, pois a vida em sociedade requer comunicação. Nesse contexto o
sagrado - sendo objeto da experiência coletiva e repassado de geração em geração
- tem suas próprias linguagens, como exemplo o mito e o símbolo.

As pessoas buscam o contato com o sagrado, estabelecem uma experiência


espiritual com ele, por isso necessitam da utilização de diversas expressões que
possam servir como veículo das ideias e sentimentos religiosos que elas possuem.
Por essa razão existem diversos meios ou códigos estabelecidos para que o homem
possa encontrar-se com a divindade, ou com o objeto considerado sagrado.

O homem vive em sociedade e para tal fim visa manter os valores


tradicionais, entre eles a religião, que por sua vez faz a manutenção do sagrado
como objeto da experiência coletiva, exemplo disso são os mitos, muitas vezes
considerados sagrados, por isso são repassados como uma forma de linguagem da
religião.

As manifestações religiosas que apresentam-se por meio de linguagens


podem acontecer de inúmeras formas: institucionalizada, em um espaço sagrado

13
específico, ou em qualquer outro lugar no qual o homem sinta-se a vontade para se
relacionar com o sagrado ou sobrenatural. Pois, suas representações estão em
todos os lugares inclusive no texto literário. Sobre essa diversidade religiosa
Nogueira destaca:

O religioso não se restringe ao clerical, sacerdotal e ao teológico. Há


discurso sobre o sagrado e sobre a experiência religiosa em diferentes e
inusitados lugares da sociedade. Este é o caso, em especial, das
linguagens da arte. Na pintura, na música, no teatro e na literatura há
abordagens do sagrado e sobre a experiência religiosa que vão muito além
de teologia implícita ou de correlações entre religião e cultura. (NOGUEIRA,
2012, p.15).

Assim, percebemos que aquilo que era considerado sagrado, não está mais
restrito somente a um ambiente institucional e confessional, pois “A religião não se
liquida com a abstinência dos atos sacramentais e a ausência dos lugares sagrados,
da mesma forma como o desejo sexual não se elimina com votos de castidade”
(ALVES, 1984, p. 11). A religião surge com suas múltiplas formas de expressões
desses sentimentos de entrega diante sagrado.

Os discursos religiosos fazem parte da dimensão humana, haja vista que,


eles representam uma tentativa de conferir sentido à vida e envolvem profundos
questionamentos em face aos mistérios da existência. A religião possui uma aura
que encanta e engendra o ser-humano, e dessa forma envolve-o em sua “teia de
símbolos, rede de desejos, confissão da espera, horizontes dos horizontes a mais
fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza” (ALVES, 1984, p.
22).

A religião, por acalantar os mais íntimos sentimentos dos homens e lhes


transmitir as respostas necessárias às suas inquietações - mesmo no mais absoluto
silêncio, ou na mais completa solidão - ainda é considerada essencial na vida das
pessoas, pois ela se manifesta no invisível:

O sagrado se instaura graças ao poder do invisível e é ao invisível que a


linguagem religiosa se refere ao mencionar as profundezas da alma, as
alturas dos céus, o desespero do inferno, os fluídos e influências que
curam, o paraíso, as bem aventuranças eternas e o próprio Deus.
(MAGALHÃES; PORTELLA, 2008, p. 25-26)

As religiões podem exercer grandes influências na vida das pessoas e gerar


impactos mais variados possíveis, no que tange a normatizações, regras para a
14
convivência. Elas representam um aspecto que pode ser considerado ambíguo e
marca fundamental da dimensão humana. Ela desperta nos homens os mais
variados sentimentos, assombro, maravilhamento, os mais profundos desejos e
fascínios; diante do mistério da vida e relaciona-se com as mais variadas noções do
bem e do mal, de acordo com Antônio Magalhães e Rodrigo Portella:

Um outro fator importante é algo „intrínseco‟ ao fascínio que a religião


desperta. Seu poder sedutor, sua força para além dos enfraquecimentos
institucionais e mais especificamente das instituições religiosas, sua
abrangência, seu impacto individual e coletivo, suas polissemias, sua
rigidez, mas também surpreendente flexibilidade, suas polissêmicas
manifestações. Religião é algo que fascina, envolve, seduz, faz matar e faz
viver. (2008, p. 16)

Parte do encantamento que gera está relacionado às ideias que sedimentam


as visões de mundo na tentativa de dar ordem à existência explorando a curiosidade
humana e revelando a necessidade que o homem tem de dar sentido a vida tratando
de temas de amplitude global como nascimento, casamento, a maneira de vestir-se,
de alimentar-se, e a existência algo depois da morte. Por outro lado, revela-se como
fator gerador de violência no mundo, o que muitas vezes lhe confere papel decisivo
na maneira como as pessoas vivem. Portanto, a religião é importante como parte
integrante das questões referentes à condição humana, pois:

Está dentro dos códigos vitais, faz parte dos gestos mais profundos
de luta pela sobrevivência, é, muitas vezes, o fundamento de
desenvolvimentos culturais e civilizatórios mais complexos. A mensagem de
que há um sentido radical da vida, o desejo de plenitude associado ao
absoluto, os sentidos para além do banal, esta união entre o corriqueiro e
aquilo que o transcende, os grandes gestos de compaixão e compromissos
profundos, tudo isso faz da religião uma busca e uma experiência
insuperáveis. (MAGALHÃES e PORTELLA, 2008, p. 16-17)

O sentimento resultante do contato com o extraordinário compõe a ideia de


que o sagrado dota a vida de sentido mais profundo, para além do que é comum, e
revela a ânsia humana, de modo geral, em ultrapassar a mera sobrevivência. Por
essa razão, para Antônio Magalhães e Rodrigo Portella (2008) a religião está
intrinsecamente ligada à história da humanidade:

O humano, em sua capacidade cognitiva e simbólica, seria impensável sem


a forma como a religião constituiu a própria humanidade. Ser humano é ser
religioso em termos históricos. Neste primeiro conceito, a religião emerge,
portanto, como a experiência humana mais antiga, confundido - se com o
próprio tornar-se humano. A religião é a experiência fundamental que
15
constitui a rede de significados mais antiga sobre a condição humana
(MAGALHÃES e PORTELLA, 2008, p. 26).

Desde o princípio, o homem usa em sua comunicação uma linguagem


religiosa, sobretudo por meio dos mitos, no intuito de explicar os fenômenos que
aconteciam ao seu redor, esses mitos eram transmitidos primeiramente por meio da
narrativa oral. As narrativas orais acompanham os relatos sobre o contato do
homem com a natureza, sua relação em sociedade, a expansão das cidades, os
feitos extraordinários dos heróis míticos e conservam temas originários que
pretendem estabelecer uma ordem para o surgimento do mundo, das divindades e
da humanidade.

O mito – a narrativa por excelência da religião – é tanto uma forma social de


expressar origem, pertença, relações com o sagrado, como um sistema de
criação (poiesis) e conhecimento do mundo, seja na classificação que
propõe em seus eixos paradigmáticos, seja na organização narrativa que dá
personagens, ações, espaços e temporalidades. (NOGUEIRA, 2012, p.10).

Os mitos estão intimamente ligados à elaboração da memória coletiva e


fazem parte do legado cultural nos quais transparecem, mais uma vez, as grandes
questões sobre a humanidade. Com o passar dos tempos e com o surgimento da
escrita, essas narrativas se transformaram em registros literários, pois deixaram de
ser propagadas exclusivamente por meio da oralidade, por isso:

Alguns autores observaram que alguns núcleos centrais de narrativas


míticas sobrevivem na literatura e que esta também tem habilidade do mito
de lidar com os temas profundos da sociedade e de sua relação com o
cosmo (NOGUEIRA, 2012, p.16).

Religião e poesia se aproximam, na medida em que ambas necessitam


comunicar, expressar os seus conteúdos. Isso demonstra dois aspectos
componentes do humano: o impulso para o conhecimento; que visa estabelecer os
meios para que o mundo seja inteligível e o aspecto da autoafirmação da
subjetividade, em confronto com o que há de mais íntimo e exprimível a respeito da
maneira como o sujeito se sente diante do mundo.

Podemos dizer que Religião e Literatura sempre estiveram em diálogo, pois


os temas da religião que eram cantados, narrados pelos poetas, serviam de base
para a expressão corporal nos ritos, nos símbolos, nas pinturas, e um dia tornaram-
se uma linguagem escrita. Assim, é possível caracterizar religião e literatura como
16
formas de linguagens que fazem parte do capital simbólico e que possibilitam a
difusão dos saberes tradicionais. Contudo, elas também fazem parte das produções
literárias que estão além das normatizações institucionais do sagrado. Por isso,
ambas apresentam diversas formas de manifestações.

Nessa pesquisa a linguagem da religião se expressa por meio do mito e


símbolo. Segundo Croatto (2010) o símbolo é uma das formas de linguagens da
religião juntamente com o mito, o rito e o texto sagrado. Croatto (2010) destaca que
a linguagem com base no símbolo, pressupõe a união entre duas coisas que
naturalmente seriam separadas, mas que de alguma maneira se complementam. O
símbolo possui um duplo sentido, mas a sua compreensão irá depender da
experiência humana e particular de cada pessoa. Dessa maneira o símbolo é o
primeiro elemento que possibilidade o entendimento das demais linguagens
religiosas, ele é o elemento originário. Sobre isso, Croatto argumenta:

Mas o ser humano pode „atravessar‟ esse primeiro sentido para ver nas
coisas de sua experiência fenomênica um segundo sentido. Diante do pôr-
do-sol (uma realidade astronômica cotidiana), eu posso sentir uma emoção
especial, tanto pela beleza do cenário como pela nostalgia do que termina e
fenece nesse momento. Ver uma formosa flor (que obedece as suas
próprias leis biológicas, seu primeiro sentido) me faz pensar na pessoa que
mais amo. O vôo de uma ave suscita uma sensação de paz e admiração. O
pôr-do-sol, uma flor, um pássaro que voa são uma realidade profana, mas
podem chegar a ser simbólicas: elas têm um „segundo sentido‟, captado por
meio do primeiro no cotidiano. (2010, p.86).

Conforme o que foi citado acima, podemos entender que as coisas em si não
são constituídas como símbolos, mas sim, são tomadas como símbolos a partir de
uma relação pessoal de sentido. Um sentido que não está propriamente
estabelecido na coisa em si, mas na pessoa que lhe atribui o significado. Então, nos
cabe a seguinte questão como se configura o símbolo para o homem religioso:

Na experiência do homo religiosus, o transcendente que o símbolo convoca


não é objetivável nem definível em palavras. Percebe-se como mistério,
como claro-escuro, por isso é preciso a mediação das coisas de noção
experiência comum. (CROATTO, 2010, p.87).

Segundo Croatto (2010) A linguagem da religião baseada no mito, consiste,


primeiramente, na definição de mito, enquanto um relato, oral ou escrito, que é
narrado, dessa forma ele pertence ao campo literário. Ele é uma história e faz
referência a um acontecimento estabelecendo uma noção de tempo e lugar. Sua
composição está baseada no campo do imaginário do homem religioso. Como o
17
mito representa uma categoria discursiva, sua investigação possibilita um processo
hermenêutico de releitura. De acordo Croatto:

A característica do mito é situar o acontecimento narrado em um horizonte


primordial. É o illud Temus de que fala Mircea Eliade em todos os seus
livros. Mas no „começo‟ do acontecimento mítico não é cronológico. O mito
não costuma usar números para assinalar datas, mas expressões difusas
como „em outro tempo‟, „no princípio‟, „quando‟. (2010, p. 212).

Essa forma de iniciar um mito pode ser confirmada no poema de Paes


Loureiro que inicia da seguinte forma: Era o tempo naquele, quando não existia a
noite, nem o fogo e as caças e os peixes eram comidos assados ao sol. No mito não
há o estabelecimento de uma cronologia linear em suas narrativas. Eles revelam sua
sacralidade de duas maneiras:

Os mitos revelam de duas maneiras uma sacralidade intensa. De um lado, o


acontecimento criador dos Deuses é situado em um tempo e em um espaço
primordiais saturados de sacralidade e transcendência. Por outro lado, sua
própria recitação é um ato sagrado, visto que nela é „repetida‟ a ação dos
deuses. (CROATTO, 2010, p. 231).

A literatura com seu poder de transfiguração do real pode estabelecer uma


relação de compatibilidade com o mundo do mistério, com o sentimento do absoluto
em face da hierofania, expressão disso é o registro poético do autor João de Jesus
Paes Loureiro, no qual, os seres e a natureza encantados ganham forma e
expressão, em um estilo de escrita que concilia os aspectos de uma cultura
amazônica específica com o que podemos considerar de universal. No tópico
seguinte trataremos da poesia enquanto expressão do sagrado.

1.2 A POESIA ENQUANTO EXPRESSÃO DO SAGRADO

A obra literária não deve surgir com o único intuito de emocionar, de encantar,
de expressar o sentimento, porque ela deve fazer mais pelo seu leitor, fazer com
que ele critique e compare a sua realidade por meio da arte literária. Pois para o
autor o leitor fará o papel de ponte entre o mundo da obra literária e o seu mundo
real.
Goulart considera que a obra literária cria o seu próprio mundo, por meio da
ficção que é uma forma disforme da realidade que comporta palavras que compõem

18
as imagens produzidas na ficção, no qual o leitor ao se deparar com essa obra seja
capaz de criticá-la ou interpretá-la com base em sua própria realidade.
Assim, o autor sugere como conceito ideal de literatura o conceito exposto por
Massaud Moisés no qual menciona que “Literatura é a expressão dos conteúdos da
ficção, ou da imaginação, por meio de palavras de sentido múltiplo e pessoal.”
(GOULART, 1994, p.24).
Por meio da poesia podemos reorganizar a realidade. Ela é uma arte que lida
com os sentimentos, pensamentos e expressões. É por meio do signo e suas
múltiplas possibilidades, que o poeta consegue expressar sua forma diversificada de
perceber a sua própria existência. Desta forma, tudo pode ser considerado matéria
de poesia, inclusive o sentimento religioso, o sagrado.
A arte literária está diretamente relacionada com o sentimento transmitido por
quem a produziu. Segundo José Veríssimo, a expressão desse sentimento é uma
condição literária, por isso a literatura deve ser considerada “uma expressão e
interpretação da vida” (VERISSIMO, 1907, p.8). Portanto, ela possui determinados
elementos que representam-na por meio do registro literário, que são a emoção, a
imaginação e a forma.
Segundo Antônio Candido (1995), o direito a literatura deveria ser garantido a
todas as pessoas, sem qualquer exceção e fazer parte dos direitos humanos. Pois a
literatura faz parte da vida das pessoas, inclusive daquelas que não sabem ler ou
escrever, sobre isso o autor comenta:

Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a
possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação.
Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as
vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo
fabulado. (CANDIDO, 1995, p. 242).

A capacidade poética, o contato com o mundo do imaginário e do


encantamento, são sentimentos inerentes à condição humana. Ninguém vive sem
imaginar, não existe um homem, sequer, que possa viver totalmente conectado à
realidade. Imaginar, encantar a realidade é condição essencial para a vida de
qualquer pessoa. E para Antônio Cândido o que garante esse direito é o Sonho:

O Sonho a segura durante o sono a presença indispensável deste universo,


independentemente da nossa vontade. E durante a vigília a criação ficcional
ou poética, que é mola da literatura em todos os níveis de modalidades,
está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito -, como anedota,
causo, história em quadrinho, noticiário policial, canção popular, moda de
19
viola, samba carnavalesco. Ela manifesta desde o devaneio amoroso ou
econômico no ônibus até a fixada novela de televisão ou na leitura seguida
de um romance. (1995, p. 242).

A literatura tem o poder de humanizar, de trazer um sentido estético para a


existência. A poesia por meio da literatura confere essa expressão da imaginação e
quando os conteúdos dessa imaginação revelam uma aura mística, podemos dizer
que eles são sagrados. Por isso, para Candido a literatura “é uma forma de
expressão, isto é, manifesta emoções e a visão de mundo dos indivíduos e dos
grupos.” (1995, p. 244).

A poesia é um ato de criação que se configura a partir de um momento de


produção, no qual cada escritor dá voz a sua subjetividade. A partir disso ele
consegue reorganizar sua realidade. Benedito Nunes definiu a póieses (poesia)
como:

Produção, fabricação, criação. Há, nessa palavra, uma densidade


metafórica e cosmológica que precisamos ter em vista. Significa um produzir
que dá forma, um fabricar que engendra, uma criação que organiza, ordena
e instaura uma realidade nova. (2001, p. 20).

Tanto a poesia, como a religião, estão imbuídas dessa densidade metafórica


e cosmológica descrita pelo autor, ambas para serem propagadas necessitam estar
revestidas de uma aura de sacralidade e mistério, imaginação e realidade, criação e
fabricação, razão e sensibilidade. Todos esses elementos fazem parte do processo
criativo na experiência humana e dependendo da forma como são transmitidos
podem ser considerados sagrados.

Daí a importância da expressão do sagrado, pois para o homem religioso o


sagrado emerge para dar conta da manifestação de uma realidade que não fazia
parte de sua realidade habitual e quando ele se expressa poeticamente ele mostra
esse novo mundo que é revestido de sacralidade. Assim sendo:

O religioso ou sagrado resultam da função simbolizante do homem nesse


terreno que se estende entre o fascínio e o temor do que é incompreensível
ou misterioso. Todas as zonas de interrogação e espanto do homem e do
mundo são matéria de experiências religiosas ou sacralizantes. (OTTO,
1992, p 22).

Segundo Maraschin “a poesia nada mais é do que o enunciado em busca de


expressão” (2004, p 154). Portanto, quando ela se expressa a partir de um momento
20
de criação, ela adquire um caráter todo especial que possibilita um revestimento de
sacralidade em seus conteúdos e essa expressão pode ser percebida, sobretudo,
por meio da linguagem. Assim:

A poesia, por fim, é o símbolo da própria linguagem. É a expressividade em


estado nascente. É o símbolo transformado em linguagem. Se a poesia tem
a ver com a ausência, então, a imagem poética, ou seja, o símbolo poético,
promove uma reabsorção do real no irreal figurado (FRANCO, 1995, p.55).

Eduardo Gross (2012) entende que a poesia nada mais é do que um relicário
no qual está contido o sagrado, pois o sagrado é tão especial que não pode se
manifestar em qualquer ambiente, pois antes este recipiente precisará estar
revestido de uma aura para poder comportá-lo. Destaca ainda que, atualmente, as
manifestações do sagrado acontecem por meios de rastros, no qual a poesia é
compreendida como um espaço privilegiado em que podemos encontrar resquícios
do sagrado. Nesse sentido, o sagrado foi exilado da vivência comum e cabe ao
poeta ser o porta voz desse sagrado.

Assim, todo esse processo só é possível por meio dessa aura sagrada que
existe em torno da poesia. Pois o sagrado foi exilado e para que o homem entre em
contato novamente com ele é preciso que ocorra essa interseção por meio do poeta
e da sua poesia. Ao tratarmos de poesia estamos falando de expressão, sobretudo
da expressão de um sentimento religioso, sagrado, por meio do registro poético, pois
“Expressar o ser é impossível em última instância, ao mesmo tempo em que é uma
necessidade” (GROSS, 2012, p. 111).

Logo, é justamente por meio da expressão, que as relações entre religião e


poesia sempre existirão, pois ambas se configuram em linguagem, em expressão.
Por isso, Gross ressaltar a importância da aproximação entre linguagem literária e
expressão religiosa e a capacidade de transmissão que as duas linguagens
possuem.

O poeta francês Mallarmé também define a poesia como expressão, para ele:
"A Poesia é a expressão, por via da linguagem humana levada ao seu ritmo
essencial, do sentido misterioso dos aspectos da existência: ela dota assim de
autenticidade nossa permanência neste mundo e constitui a única tarefa espiritual"
(1946, p. 118).
21
O Massaud Moisés identifica a poesia “como a expressão do „eu‟ por meio da
linguagem conotativa ou de metáforas polivalentes” (2008, p.48-49). Assim, a poesia
interliga vários processos em sua composição entre eles podemos perceber a
metáfora utilizada como palavra-chave, pois ela consegue transportar a imagem
para o vocabulário literário, por meio dessa palavra central que orienta as demais
palavras do poema.

Segundo o autor, o tempo na poesia não é visto de maneira cronológica,


portanto “a poesia não se insere no do tempo (embora possa escolher o tempo
como tema), quer dizer, não se prende às dimensões do tempo, não se apresenta
em uma ordem temporal, cronológica, com um „antes‟ e um „depois” (Idem, ibidem:
p. 50).
Além da metáfora e do tempo Moisés nos apresenta o espaço e o enredo na
poesia, nesse momento os poetas subvertem a ordem histórica, porque a intenção
não é narrar o desenrolar dos fatos, mas sim:

Sugerir, evocar, descrever, ou projetar emoções, sentimentos e conceitos a


um só tempo [...] a poesia não remete para lugar algum, nem se situa em
espaço algum: é a-geográfica. E a própria Natureza que nela pode aparecer
obedece ao processo de evocação ou de sugestão metafórica o que
corresponde a dizer que constitui sempre um espaço ideal, meramente
referencial, cuja presença não se torna, via de regra, imprescindível para
que a poesia se realize como tal. (Idem, ibidem, p.51).

Ao longo dos tempos a produção poética passou por um árduo processo de


adaptação, isso aconteceu devido as constantes mudanças pelas quais foram
passando as sociedades. Com isso, surgiram várias formas de manifestações
poéticas para que a poesia pudesse sobreviver em meio a tantas mudanças,
contudo, essas adaptações vão muito além da esfera da palavra e do som:

Das primitivas e rudimentares formas de manifestação cultural – voz,


palavra, não mais – a atividade poética tem evoluído ao longo do tempo,
adaptando-se às circunstâncias, mas parece conservar ainda hoje muito do
impulso de origem: presença e representação, por meio da palavra, de uma
voz humana quase sempre individual, por vezes coletiva e anônima, que
para sobreviver ou até para existir precisa encontrar ouvidos humanos que
a propagem e multipliquem, integrando-a ao cotidiano da vida comum.
(MOISÉS, 2007, p.12).

Assim como a religião não está submetida a um único método de análise -


mas sim a uma gama de métodos de análises oriundos das diversificadas ciências

22
como a psicologia, a antropologia, a sociologia. - a poesia também não tem um
objeto específico, e tão pouco um método único de análise:

Não temos um objeto bem definido, temos vários; não temos um método
comprovado e universalmente eficaz, temos muitos; não temos uma
terminologia própria – mas isso não nos deve induzir à anarquia ou ao
império do subjetivismo. Deve, isto sim, estimular-nos a um esforço de vigor
ainda maior, para além do pseudo - esforço de adotar uma das várias
„teorias‟ disponíveis do estoque de plantão e aplicá-la mecanicamente.
(MOISÉS, 2007, p. 17).

O fazer poético é um processo diário para quem o pratica, requer esforço,


dedicação e deveria ser apreciado todo dia por todas as pessoas. O contato com a
literatura modifica a vida, torna a existência mais rica, é como se voltássemos aos
tempos de criança, quando tudo era belo e possível. Pois:

„A poesia nos ensina a ver como se víssemos pela primeira vez‟ é, afinal, a
lição elementar que podemos extrair não dos filósofos ou pensadores, dos
especialistas em arte poética ou dos educadores (todos, de um modo ou de
outro, governados pela ciência profissional). (Idem, ibidem, p.23).

A poesia envolve técnica e trabalho árduo para elaborar uma linguagem que
tenha apelo estético e que seja objeto da contemplação. Ela possibilita ao ser
humano outras formas de linguagens, no intuito de mediar a complexidade de seus
dilemas existenciais em sua abertura ao sagrado.

1.3 RELIGIÃO E POESIA EM UMA PERSPECTIVA FILOSÓFICA

Ao longo da história da filosofia podemos observar uma linha tênue, que em


certo ponto, é capaz de unir poesia à religião ou vice e versa, por meio do
pensamento filosófico. O filósofo Platão foi o primeiro que manifestou uma reflexão
filosófica a respeito do pensamento poético.

Para o filósofo a produção poética do poeta, no qual exercia a sua tékhne,1


era dotado apenas de inspiração divina e não de razão, pois a razão era um
privilégio que somente os filósofos possuíam. Mesmo que essa aproximação
apareça de forma critica e pejorativa, em Platão, ela não deixa de ser uma primeira
aproximação entre religião e poesia.

1
Arte, podendo também significar técnica habilidade, ou profissão.
23
A intersecção entre poesia e religião na elaboração do fazer poético por meio
apenas de uma inspiração divina e não do uso da razão pode ser encontrada no
livro Íon do filósofo Platão no momento em que ele promove um diálogo entre
Sócrates e o rapsodo Íon no qual Sócrates faz a descrição do que é um poeta:

O poeta é coisa leve, e alada, e sagrada, e não pode poetar até que se
torne inspirado e fora de si, e a razão não esteja mais presente nele. Até
conquistar tal coisa, todo homem é incapaz de poetar e proferir oráculos [...]
No resto cada um deles é banal, pois nos falam essas coisas por arte, mas
por uma capacidade divina; porque se soubessem falar belamente por arte,
respeito de um, a respeito de todos os demais também saberiam. Por isso,
o deus, tirando-lhes fora razão, utiliza-se deles como serviçais, e também
dos proferidos de oráculos e dos adivinhos divinos, para que nós, os
ouvintes, saibamos que não são eles – aos quais a razão não assiste – que
falam essas coisas assim dignas de tanta estima, mas que é próprio deus
quem fala, e por meio dele pronuncia a nós (PLATÃO, 2008, p.33-34).

A partir dessa concepção o poeta ou artista desenvolveria um papel


estritamente secundário de intermediador entre a divindade e os seus interlocutores
ou súditos. A arte era fruto de uma inspiração divina e o poeta apenas um
instrumento desprovido de razão que não exercia nenhuma influência durante esse
processo.

Segundo Loureiro, a beleza é considerada como emanação de um Ser


sublime, transcendente e que, portanto, a poesia não pode ser considerada um
objeto sem valor ou comum, haja vista ela comportar o belo. A beleza presente na
poesia é algo que transcende o sentimento vulgar do belo e afirma uma dimensão
mais ampla, que longe de constituir mero prazer estético a sua percepção, pode ser
considerada como forma de conhecimento.

Benedito Nunes ressalta que o primeiro momento de união entre poesia,


religião e filosofia, aconteceu por intermédio dos diálogos platônicos, tendo em vista
que desde o surgimento da filosofia, esta nunca foi indiferente à poesia:

Desde o seu nascimento, a filosofia nunca foi indiferente à poesia.


Paradoxalmente, como quer Arthur Danto, a filosofia terá conquistado sua
primeira identidade graças à polêmica, espelhada nos diálogos platônicos,
com que discrimina a poesia. Por outro lado, a escolástica medieval atribuiu
um espaço filosófico à poesia enquanto modo figurativo de tratar as coisas
divinas e abordar a teologia. (NUNES, 1999, p.13).

A relação entre filosofia e poesia começa na crítica que Platão faz a Homero
por não aceitá-lo como o poeta educador da cidade, por sua vez, o filósofo pensava

24
que a República ideal deveria ser governada por sábios. Essa revisão que Platão faz
da tradição homérica, não deve ser entendida de maneira precipitada como uma
crítica radical. Bloom coloca em dúvida essa polêmica ao afirmar que nos textos de
Platão há aspectos da própria elaboração poética:

Se Homero chegasse à fronteira da República de Platão, duvido que este


lhe impedisse a entrada. Tal noção contraria o que Platão disse acerca dos
poetas, mas devemos acreditar na polêmica? Não tenho competência para
avaliar Platão como filósofo, mas seus diálogos, no que têm de melhor, são
poemas dramáticos absolutamente singulares, sem par na história da
literatura. (NUNES, 2009, p. 45).

Apesar da tradição da história da filosofia tratar da crítica de Platão como um


discurso que se contrapõe ao poético, Bloom resgata essa relação entre filosofia e
poesia ao afirmar que os textos de Platão têm grande valor no que apresentam os
aspectos dramáticos, o que evidenciaria nos diálogos platônicos uma densidade
poética.

A poesia passa a ser considerada como algo que está além de uma mera
produção baseada apenas na inspiração divina, ela passa a ser vista como algo que
estar totalmente voltada para o desenvolvimento do homem enquanto um ser capaz
de produzir formas de saber superando, desta maneira, a antiga finalidade de
exclusiva fruição e deleite dissociada de uma reflexão. “Já não bastava mais a
fruição da Pintura, da Escultura e da Poesia. Agora, elas também passam a construir
objeto de investigação teórica” (NUNES, 2001, p. 08)

O pensamento poético passa a ser encarado como objeto diversificado que


comporta diversas possibilidades temáticas e abertura dialógica com outras
modalidades de discurso, algo capaz de suscitar reflexão, mas que também pode
ser fonte de pensamento que por vezes está revestido de uma aura de religiosidade:

[...] o inevitável movimento da poesia à filosofia e da filosofia à poesia, de


uma a outra instância, que as aproxima, sem absorção mútua, é um
movimento que se patenteia em nossa época, graças ao aguçamento da
crise da metafísica que despontara em Kant e graças à carga e pensamento
reflexivo na poesia, caracterizando a linguagem mista da lírica moderna
com acentuados traços de religiosidade, misticismo e especulação
filosófica. A poesia já efetuara, portanto, uma transação não só com a
filosofia, mas também com a religiosidade, com elemento sacral das
religiões. (NUNES, 1999, p. 18).

Não há essência ou verdade absoluta para o conhecimento, e sim


representação das coisas do mundo. Com isso torna-se possível a relação da
25
filosofia com a poesia, pois se deixou de lado a dicotomia entre um discurso de
verdade e outro de aparência, tal como os filósofos clássicos conceberam.

A partir da crise da metafísica, ou da necessidade de falar de uma pretensa


verdade absoluta, que resultou a relação entre a poesia e a filosofia a partir da
modernidade. A poesia conquista o seu espaço ao comportar temas reflexivos e
aproxima-se como tal da filosofia sem confundirem seus discursos.

Ao relacionarmos religião, filosofia e poesia, estamos articulando três formas


de conhecimento que influenciam a existência desde os primórdios da formação da
humanidade, e mesmo apesar de possuírem suas diferenças metodológicas e
teóricas, podem ser relacionadas por tratarem do mesmo conteúdo que é a própria
existência humana.

A poesia pode tratar com profundidade de assuntos que fazem parte do que
há de mais íntimo e universal que caracteriza a humanidade, servindo, desta
maneira, como discurso que expressa as tensões humanas, a percepção do mundo,
das relações sociais. É na poesia que convergem os dramas humanos, a
compreensão que as pessoas fazem de si mesmas e dos objetos que elas
percebem, da maneira como se comportam, inclusive religiosamente. A arte, de
modo geral, pode contemplar essa dimensão religiosa do humano.

Segundo Loureiro, uma das funções atribuídas à obra de arte é a função


mágico-religiosa que consiste em afirmar que “os objeto, por si, já se tornam
simbólicos, são símbolos de tipo especial, sendo que o significado é transcendente.
São signos-símbolos. O significado está fora do objeto” (2007, p.36)

Quando Loureiro (2007) trata da obra de arte como discurso que tem a função
de atribuir sentido ao mundo, aos objetos que compõe a relação dos humanos no
âmbito da cultura, isso diz respeito à dimensão cognitiva que o ser humano
desenvolveu ao destinar sentido às coisas, criar significados que não estão no
objeto como uma essência, mas que partem do próprio homem como sujeito que
nomina as coisas, as interpreta, cria significados, e isto é parte de sua capacidade
simbólica.

Essa dimensão simbólica faz parte da criação de objetos culturais, nos mitos,
nas crenças místicas do ser humano, e mantém relação com as produções culturais

26
mais variadas possíveis e com a vida em sociedade. A respeito dessa relação da
cultura e as instâncias simbólicas do homem, José Luiz Santos comenta:

[...] cultura diz respeito às festas e cerimônias tradicionais, às lendas e


crenças de um povo, ou a seu modo de se vestir, à sua comida, e seu
idioma. [...], quando falamos em cultura estamos nos referindo mais
especificamente ao conhecimento, às idéias e crenças, assim como às
maneiras como eles existem na vida social. (1986, p. 22 – 25)

Consideramos que o aspecto simbólico que permeia toda a cultura em sua


expressão poética, religiosa e filosófica, mantém relação com a dimensão humana,
com a capacidade que a humanidade tem de criar objetos que mantenham uma
forma de mediação entre as pessoas e suas crenças, suas ideias e formas de
comportamento.

Em todo esse processo de intersecção entre poesia, religião e filosofia


percebemos a importância da linguagem enquanto veiculadora de pensamentos e
valores, não somente como um instrumento de comunicação, especificamente “A
literatura e particularmente a poesia são formas privilegiadas de transmissão destes
valores” (GROSS, 2012, p.102).

Portanto, podemos considerar a literatura como essa fonte mediadora entre


os sujeitos e suas ideias e suas crenças. Por meio da linguagem as palavras podem
alcançar outra dimensão das coisas “as letras mostram o som da voz, esta mostra o
que é experimentado na alma, que por sua vez mostra as coisas que atingem a
alma, e que quando a voz mostra o experimentado na alma, está é atingida pelas
coisas” (NUNES, 1999, p.121). A respeito disso, Nunes comenta:

A poesia cria as suas obras na linguagem, da matéria [stoff] da linguagem


[die sprache], ainda que a poesia não seja simples ornamento, um jogo
inofensivo, que acompanha o Dasein, porque “o nosso Daisen é um
fundamentar poético”. É, pois a poesia que torna possível a linguagem, mas
esta não é simples “matéria” a ser trabalhada por aquela... (NUNES, 1999,
p. 120).

O homem não é um ser isolado ou uma essência definida separadamente da


vida, ele está incluído na vida, isto é, um fundamento poético, pois o discurso
poético trata da dimensão humana como um conjunto de relações com o mundo. A
partir de emoções que são elaboradas a partir da vivência, da existência do homem
no mundo. E a religião, como parte desta vivência, compõe um dos aspectos
fundamentais da própria poesia.
27
1.4 RELIGIÃO E LITERATURA: TRAÇOS E LAÇOS

A autora Mariângela de Andrade Paraízo apresenta suas considerações entre


a relação existente entre religião e literatura em seu ensaio Literatura e Religião:
traços e laços. No ensaio mencionado, Mariângela ressalta que existe uma série de
pontos em comum entre essas duas áreas de conhecimento, entre eles podemos
citar:

O fato de que ambas se valem da narração como meio de transmitir


determinados sentimentos ou se utilizam da linguagem poética como um
caminho para renovar a força das palavras. É também desnecessário dizer
que neste texto não cabe abordar a totalidade de facetas que se encontram
nos discursos literários ou religiosos, ou nos discursos que os têm como
objeto de estudo. Também não seria possível abordar a multiplicidade de
religiões ou de práticas literárias, nem mesmo se nos restringíssemos
àquelas que gozam de maior prestígio no mundo contemporâneo.
(PARAÍZO, 2012, p. 08)

Quando buscamos estabelecer uma relação, ou comparação entre religião e


literatura, muitos percursos de análises se apresentam. Seja ele pelo próprio viés do
texto escrito, ou da oralidade. Esses textos suscitam os mais variados sentimentos,
todavia as duas áreas possuem uma capacidade de representação que se multiplica
cada vez mais e transforma quem entra em contato com elas, por isso tantos pontos
de aproximação:

Entre muitos pontos em comum, destacamos a aproximação desses dois


discursos pela maneira como são criados ou pelo modo como são
enunciados. Em outras palavras, há no texto religioso e na prática poética,
um traço de estilo que os torna, ao mesmo tempo, enigmáticos e
reveladores, que permitem que sejam repetidos sem se desgastarem. Ao
contrário, ambas se renovam a cada vez que o lemos ou recitamos.
(PARAÍZO, 2012, p 09).

Tanto a religião como a literatura revela o seu poder por meio do discurso,
um discurso tão carregado de simbologia que é capaz de arrastar uma gama de
seguidores. Discurso esse que não cai em desuso, sempre se renova, pois possui
uma aura que fascina e encanta que os ouve ou profere; uma aura por vezes mística
e enigmática. Esses fatos é o que muitas vezes garantem a perenidade dos seus
textos.

Para as pessoas que acreditam nas narrativas, tanto religiosas como


poéticas, não importa necessariamente se elas são elaboradas com base na
realidade ou não, o que importa são os conteúdos desenvolvidos por elas e a
28
possibilidade de interpretação desses conteúdos. Como nos mostra Mariângela
Paraízo:

Para esboçar esse possível diálogo entre literatura e religião, poderíamos


tomar como referência as narrativas religiosas que resistem a milênios de
leitura sem perder sua capacidade de surpreender. Em que pese a
relevância dos estudos que procuram determinar os fatos históricos
relatados na bíblia, por exemplo, o que mais importa ao fiel não é saber se
essas histórias são um registro da realidade; antes interessa a mensagem
que elas veiculam e que as ultrapassa. Da mesma maneira, a verdade da
linguagem literária está sempre além – ou aquém – do que ela retrata ou
produz. (2012, p.09).

Outro indício dessa relação seria por meio da própria poesia, pois muitos
estudos vêm apontando para essa crescente presença de elementos místicos em
poesias, uma vez que, a poesia pode ser considerada um elemento de ligação entre
o homem e Deus, pois ela por vezes é considerada como um lugar no qual pode
residir o sagrado, assim:

Outro caminho possível para essa comparação seria recuperar a linguagem


mística encontrada nas curvas traçadas pela poesia em busca de um
caminho certeiro. Em nossa tradição ocidental, os poetas vêm procurando,
sempre, delinear a densidade do inatingível, abordar o que não se abarca.
Daí o risco de derivarmos para uma linguagem poética ao tratar de
literatura, pela dificuldade de traduzi-la em outro estilo. Da mesma maneira,
a linguagem da oração não cabe no discurso científico ou no texto
convencional, mas necessita de outro tipo da linguagem que lhe seja
propícia, alguma que, principalmente, comporte a subjetividade. (PARAÍZO,
2012, p.09).

A literatura e a religião não deixam de ser encaradas como linguagem. Como


já vimos, ambas tentam se afirmar por meio do discurso, todavia a linguagem
poética pode falar de sentimentos relacionados ao sagrado e a linguagem religiosa
pode falar poeticamente e usar da subjetividade para ao tratar do sagrado. Por isso,
elas tocam tão profundamente que são capazes de atingir até aqueles que não
desenvolveram a linguagem em todos os sentidos:

Consideramos, ainda, da maior relevância, lembrar, neste exercício de


comparação que encontramos a linguagem poética ou a linguagem religiosa
tanto no texto escrito como na tradição oral. Não há grupo que se prive de
criar histórias ou de consolidar as bases sólidas de sua religião através de
todos os recursos que se pode extrair da linguagem. Todos os tipos de
comunidade – letradas, analfabetas ou ágrafas – elaboram textos para
contar, recordar e construir. (PARAÍZO, 2012, p. 10).

29
Por isso autora destaca a importância da linguagem poética e da linguagem
religiosa, no texto escrito e no texto oral, pois todas as pessoas, as letradas ou não,
possuem a capacidade de sonhar, de imaginar, de criar, de acreditar, de contar, de
se relacionar. Dessa forma, todas devem estar inseridas nesse processo de
comparação entre literatura e religião.

30
2. MITO, POESIA E RELIGIÃO NA AMAZÔNIA DE PAES LOUREIRO

João de Jesus Paes Loureiro desenvolve uma obra original, fala da Amazônia
sem se prender a estereótipos e seu trabalho é cheio de poeticidade, pois é repleto
de sua própria compreensão sensível do mundo através das fontes amazônicas
desenvolvidas poeticamente por meio de metáforas dessa própria realidade. Assim,
mito, poesia e religião se intercruzam na Amazônia idealizada do autor.
A produção de João de Jesus Paes Loureiro é pautada por uma visão
singular da região amazônica. Essa forma de ver a região se transformou no seu
projeto poético, uma vez que, o autor busca sua inspiração na visão amazônica do
mundo que o sustenta. Assim, há uma relação existencial entre a realização desse
projeto e a maneira como o poeta está engajado na região, o que revela a inter-
relação entre o poeta, a sua obra e a sua terra.
Com base nessa forma de perceber a região amazônica, é que a produção
literária do autor serve de influência para a criação de diversos trabalhos
acadêmicos. Duas significativas dissertações de mestrado serão discutidas nesse
estudo como uma amostra desta vasta produção. A primeira, intitulada Mito e
modernidade na trilogia Amazônica de João de Jesus Paes Loureiro, data de 2001,
e a segunda, sob o título As formas do mito nos cantares amazônicos do poeta João
de Jesus Paes Loureiro, data de 2009, ambas defendidas na Universidade Federal
do Pará. Além dessas duas dissertações também apresentaremos outros ensaios
que foram produzidos a partir de análises da produção poético-literária do autor.

2.1 MITO E MODERNIDADE NA TRIOLOGIA AMAZÔNICA DE JOÃO DE JESUS


PAES LOUREIRO

A primeira dissertação tem por principal objetivo verificar como se daria uma
suposta passagem de uma consciência mítica para uma consciência moderna, nas
obras Porantim, Deslendário e Altar em Chamas, obras essas denominadas Trilogia
Amazônica, de João de Jesus Paes Loureiro. Assim, o autor da dissertação
mencionada analisa os reflexos do contexto histórico, político e social, no qual as
obras são produzidas. Obras essas que compõem o corpus da seguinte pesquisa.
Esse primeiro trabalho, parte do princípio de que na região amazônica existiu
um processo abrupto de “modernização”, sobretudo por meio do capitalismo, o qual
modificou toda uma consciência coletiva que era baseada nos mitos amazônicos. A
31
partir da leitura de alguns poemas de Loureiro, Relivaldo Oliveira tenta demonstrar
como esse processo é recepcionado pelo poeta. E assim, através desses discursos
de âmbitos diferentes demonstra que na elaboração de seus poemas Paes Loureiro
constrói uma poética em que o mito vai sendo erigido sob uma ideia de um tempo
mítico.
Portanto, com base nas mudanças que esse processo acarretou para a
região, sobretudo no seu contexto social e geográfico, o mito é posto no mesmo
nível de uma realidade configurada como moderna. Assim é verificado que, na
poesia, o mito e a modernidade são representados pela ótica do conflito, no qual a
modernidade é a responsável pela desestruturação do Mito.
De acordo com Relivaldo Oliveira (2001), A Amazônia passou por um forte
processo de modernização que influenciou de maneira decisiva a sua história, fatos
que se tornaram essenciais pelas características com que se desenvolveram,
sempre tendo como um dos vetores principais a interferência externa em seus
aspectos primordiais. Sobretudo no século XX, quando:

A região passou por seu momento mais contundente, ou, pelo menos o
mais visível, de sua exploração, nesse processo a entrada do capital se fez
com o auxílio de um estado que intencionava a promoção do
desenvolvimento regional e de sua integração ao resto do país. Novamente
ficaram pegadas visíveis ainda hoje e caminhos nem sempre trilhados.
Quando o foram, os trilhos descarrilaram e as pegadas sumiram na poeira
da retórica, cujos oradores foram as empresas exploradas, os estados, o
púlpito e as populações regionais a plateia silenciosa-silenciada.
(OLIVEIRA, 2001, p. 08)

Os reflexos desse processo de exploração foram sentidos em toda região. No


intuito de equiparar o desenvolvimento da região amazônica ao do restante do país,
foi estabelecido esse processo, contudo não foi pensando de que maneira esses
impactos trazidos com a modernidade iriam afetar a população da região, e tudo
aconteceu ali à vista de todos e não foi possível se fazer nada para impedir, e com
isso foi modificado também um processo cultural. Como nos mostra Paes Loureiro
nesse trecho do poema Deslendário:

Amazônia! Amazônia!
A destroçada árvores das lendas
A desmatada agenda de cereais.
O desmentido estandarte de minérios.

32
Outrora era Tupã ora ensinando
Menino Deus a nadar entre as iaras.
Agora o capital acumulando
A latifúndia razão
A primitiva
A concentrada estação da mais-valia. (LOUREIRO, 2000, v I, p. 101).

Com a chegada da “modernidade” na região, a exploração do lugar aconteceu


de forma desenfreada, e com isso os seres encantados que faziam parte da história
de vida das pessoas tiveram que se ausentar. A partir da análise deste contexto,
Oliveira defende a ideia de que a Amazônia ficou destroçada, sua cultura foi
totalmente modificada em razão dos impactos gerados pelo avanço da modernidade.
Para estabelecer o paralelo entre as obras de Paes Loureiro e a influência
dos avanços da modernidade que modificaram a noção de mito, Oliveira parte do
princípio de que a obra literária sofre influência da sociedade na qual ela está
inserida, como podemos perceber na seguinte citação:

Sabe-se que a obra literária não está disjunta do meio em que é produzida.
Mesmo aquelas que se querem mais abstratas ou as que se ligam a um
intimismo obscuro possuem alguma relação com os elementos exteriores à
própria obra. Sejam estes de ordem pessoal a que o escritor se prende,
sejam os que, enquanto matéria social, contribuem para a construção do
trabalho, variando de graus em relação a utilização desses componentes.
Pois, a poesia, o poeta e o poema, enquanto instâncias criadoras do
literário, não seguem outro caminho, senão esse da transformação das
coisas em formas artísticas. (2001, p. 10).

Com base no que foi citado, podemos inferir que o autor Paes Loureiro não
estava desatento aos impactos que o desenvolvimento causava na região, por isso
suas obras podem ser consideradas como um registro da forma como o autor
percebeu, ou vivenciou esse processo, na medida em que, sua produção poética e a
região amazônica estão interligadas.
Oliveira também destaca em seu trabalho, que a partir desse processo de
modernidade vários autores começaram a escrever sobre a Amazônia, por exemplo,
o critico e literário José Veríssimo teceu suas considerações a partir do
desenvolvimento do meio físico, cultural e populacional da região; tudo isso muito
influenciado pelos moldes europeus.

33
Outro momento apresentado pelo autor que caracteriza esse avanço foi o
surgimento da Universidade Federal do Pará, na década de cinquenta. Com isso
houve o avanço na produção do conhecimento científico na região. “A ciência, e
principalmente, as Ciências Humanas passam, então, a dispor de um endereço para
analisar o passado e o presente e vislumbrar o futuro da região.” (OLIVEIRA, 2001,
p. 09).
À medida que o progresso chegava a região, ela tornava-se cada vez mais
conhecida, até no círculo literário, em um dos movimentos mais importantes para
literatura brasileira: a semana de Arte Moderna de 1922, que aconteceu em São
Paulo, a região vira tema de investigação em alguns de seus aspectos, inclusive ela
serviu como cenário para o escritor Mário de Andrade, na obra Macunaíma e para
Raul Bopp, na obra Cobra Norato. O autor da dissertação destaca que a produção
literária na região norte, também estava atenta para esse processo, sobretudo os
seguintes autores:

Na década de 1920 e 1930 a de Jaques flores e Bruno de Menezes, na de


1940 a de Paulo Plínio Abreu e Rui Guilherme Barata e a de Mário Faustino;
Cauby Cruz e Max Martins na década de 1950. João de Jesus Paes
Loureiro, segundo o filósofo e ensaísta Benedito Nunes, seria pertencente à
geração posterior daquelas das décadas passadas. (OLIVEIRA, 2001, p.
10).

Oliveira ressalta que alguns ensaístas teceram comentários sobre a produção


do poeta João de Jesus Paes Loureiro, entre eles podemos destaca os comentários
de Benedito Nunes, na apresentação das Obras Reunidas, assim como o sociólogo
Octávio Ianni, a pesquisadora Katrin Nissel e Fábio Lucas.

A partir de então o autor desse trabalho irá direcionar o seu foco para as
obras especificamente. Com base na obra Porantim ele irá desenvolver um capítulo
intitulado A Épica de Porantim. Depois estabelecerá o confronto dos tempos da
Trilogia, em seguida analisa a relação entre Mito e Modernidade nas obras
Deslendário e Altar em Chamas.

Com base, na análise de uma mesma temática – Mito e Modernidade - entre


as obras Porantim, Deslendário e Altar em Chamas, é que se constitui o trabalho do
autor Relivaldo Oliveira. O pesquisador ainda destaca que essas obras possuem
lugar privilegiado na produção poética do autor João de Jesus Paes Loureiro, pois,
são nelas que encontramos as concepções do referido autor sobre a realidade

34
Amazônica, por isso a escolha dessas obras como corpus de sua pesquisa, assim o
autor conclui:

Mito e modernidade são dimensões que se encontram na obra, como


elementos basilares dessa relação. Com o mito, o poeta erige sua poética e
representa uma dimensão dessa realidade, com a modernidade ele a
submete a um teste incessante, na tentativa de apresentá-la antes, durante
e após o conflito que se instaura entre as duas parcelas do mundo
amazônico do poeta quando postas em uma única dimensão de onde são
observadas e representadas. (OLIVEIRA, 2001, p.101).

Oliveira tentou verificar a relação e o confronto existente entre mito e


modernidade na Amazônia, com base nos próprios poemas do autor Paes Loureiro.
Daí a necessidade de uma leitura criteriosa e interpretativa reiteradas vezes, para
que os objetivos da sua pesquisa fossem alcançados. Por fim, o autor conclui que no
princípio existia uma relação harmônica entre o homem e a sociedade amazônica,
esse tempo era o tempo mítico, porém com a chegada da modernidade essa relação
desapareceu o homem amazônico não se reconhecia mais naquela sociedade
urbanizada.

A convocação dessa dissertação como revisão da literatura para a nossa


pesquisa, revela sua importância, na medida em que, demonstra uma análise do
mesmo contexto de produção poética e do mesmo autor que iremos abordar. No
entanto, a dissertação analisada foi desenvolvida com base nas mudanças que
ocorreram na Amazônia durante um processo de desenvolvimento da região. E a
nossa pesquisa analisa os poemas de Paes Loureiro, no intuito de compreendermos
de que maneira o sagrado se expressa por meio delas.

Contudo, consideramos que a dissertação analisada circunscreve a análise


do corpus apenas em dois conceitos, mito e modernidade, o que permite-nos
perceber a tensão entre esses dois discursos, pois eles apresentam um processo de
choque cultural de uma visão da modernidade e do mito o que acaba
desqualificando a obra do poeta, pois estamos nos referindo a interpretações de um
registro poético e não somente a obtenção de dados empíricos. E tampouco,
devemos pensar que a modernidade chegou na região do dia para noite, mudou
toda sua estrutura e expulsou todos os encantados e personagens míticos acabando
com toda uma cultura de uma hora para outra, haja vista que, o processo de
desenvolvimento acontece de forma gradual.

35
Entendemos que ao utilizar a obra de Loureiro como objeto de verificação das
tensões entre o discurso mítico e os valores da modernidade, Oliveira apresentou
um horizonte dicotômico e absolutizante para a percepção do imaginário e da
cultura. E mesmo que o autor aborde essas questões em suas poesias, elas não são
o tema principal de toda a sua obra, e sim apenas mais dois aspectos de
compreensão e interpretação, pois a poesia é uma forma de linguagem passível de
novas interpretações.

2.2 AS FORMAS DO MITO NOS CANTARES AMAZÔNICOS DO POETA JOÃO DE


JESUS PAES LOUREIRO

A segunda dissertação é do autor Nivaldo da Silva (2009) que também


analisa os poemas que compõem a Trilogia Amazônica ou Cantares Amazônicos, no
qual corespondem as obras Porantim, Deslendário e Altar em chamas como corpus
de sua pesquisa.
Essas obras são analisadas em conjunto, uma vez que apresentam uma
centralidade composta pela utilização de dois elementos presentes na paisagem
amazônica: o mito e a modernidade. Esses três livros foram concebidos sob a
intenção de se manter uma temática comum: a Amazônia, pois de outra forma, não
estariam enfeixados como obras que possui um caráter unitário, com o objetivo de
apontar como o poeta aborda as formas do mito e como revive e recria um pouco a
história da Amazônia em seus poemas.
Os aspectos teóricos e metodológicos que permeiam o trabalho são os
elaborados pelo próprio autor analisado, tais como conversão semiótica, epifania
negativa, entre outros. Foram utilizadas também algumas obras que retrataram a
situação da Amazônia a partir dos anos 50, período de implantação do projeto de
desenvolvimento de modernização da região.
A leitura dos poemas é realizada com base no contexto histórico e cultural em
que a chegada de novos capitais à região desestrutura e as relações aí existentes.
Então surge como principal questão da pesquisa: Como se deu esse processo? E
quais as suas consequências para os nativos da região amazônica e para a
natureza que virou um espaço de exploração e cobiça perturbando o homem
amazônico?

36
Assim nessa pesquisa coube ao autor da dissertação demonstrar como se
processou a passagem de uma mentalidade mítica para uma racionalidade
capitalista, ou seja, a deslenda mítica e a visão da cidade como um espaço de ruína,
o que nos apresenta dois aspectos da análise: memória e esquecimento. Partindo
desse trajeto, que mostra a relação entre poesia e a realidade da qual o poeta colhe
o material para sua escritura, convertendo a realidade cotidiana em material estético,
consideramos que a poesia não é só ficção, ou criação abstrata, mas mantém
relação com os impactos que a realidade promove no íntimo do poeta.
Quando Loureiro retrata em suas poesias a crueza dos valores da
modernidade e seu impacto no discurso mítico, esse processo ocorre não para
ressaltar a miséria tornando-a bela, mas apresentando-a de uma forma poética ao
tempo histórico que cruza e é cruzado com o mito ou com as formas poéticas do
mito. Com isso, ao longo da dissertação analisada tenta-se evidenciar as formas
literárias do mito, isto é, os olhares do poeta João Jesus Paes Loureiro para a
Região Amazônica:

Intimamente ligada ao imaginário popular, em especial, o Amazônico, sua


pesquisa tem por base os reflexos desse imaginário na arte e na cultura em
uma época de conflito e desenvolvimento na região. Ao analisar os mitos de
mudanças e as mudanças de mitos [...] O poeta avalia em que medida o
imaginário, na Amazônia, por estar intimamente ligado às relações sociais
predominantes na região, assume uma importância sociocultural maior do
que a observada em outras regiões do país. (SILVA, 2009, p.10-11).

De acordo com o que foi citado, podemos perceber que os impactos da


modernidade são sentidos de maneira mais intensa na região amazônica do que em
outros lugares do país, pois nela as relações sociais estão totalmente entrelaçadas
ao imaginário. E esse por sua vez, estar relacionado com espaço e com a cultura
local. Assim, quando esse espaço e essa cultura passam por mudanças, a forma
como esse imaginário é desenvolvido, muda também.
Primeiramente, Silva (2009) realiza em seu trabalho um apanhado da obra de
Paes Loureiro, assim como apresenta alguns aspectos da tese de doutorado do
autor, que resultou no livro cultura amazônica: uma poética do imaginário. Ao
analisar essa obra Silva faz uma descrição do autor mencionado:

Loureiro é um poeta que extrai do sumo da realidade circundante suas


motivações artísticas e encara a existência como matéria digna de se tornar
poesia, fazendo o possível para se relacionar a existência e a criação. Ele

37
vai se afirmando cada vez mais na medida em que supera os
condicionamentos pela conquista do universal a partir de particulares. Sua
obra é resultado da transformação da matéria em novo ser, em objeto
humanizado, objetivando os sentimentos e satisfazendo a necessidade de
comunicação e comunhão com os outros. (SILVA, 2009, p.13).

Por isso, destacamos a importância da produção do autor para a literatura


amazônica. Pois a poesia, de um modo geral, está relacionada com a vida, por se
inspirar na realidade não pode estar totalmente afastada dela, por isso quando um
autor de propõe a realizar um trabalho dessa natureza precisa ser valorizado. Assim,
Silva comenta:

Colocamo-nos na perspectiva de demonstrar tal processo em Paes


Loureiro, traçando um caminho interpretativo que engloba fatos históricos,
sociais, e culturais, acontecimentos pessoais, assim como diretrizes
ideológicas e poéticas, a fim de lançar luz sobre a origem e a evolução do
autor dos Cantares. É uma investida centrada na incorporação da paisagem
amazônica como espaço físico composto por rios, florestas e homens e por
uma realidade que vai além do fisicamente percebido, um imaginário
povoado por lendas e seres mitológicos. (2009, p.14).

Nesse sentido, tudo que existe na região amazônica, nas mãos de Paes
Loureiro vira matéria de poesia, os rios, as florestas, os mitos, as lendas, o modo de
viver das pessoas, as mudanças na região, tudo se converte em poética. Uma
poética que suscita reflexões, uma poesia que vai além do prazer estético, é uma
poesia que faz pensar. Assim “A cultura amazônica é semelhante às antigas culturas
gregas e egípcias e à cultura indiana, possuindo um caráter estetizante tão forte
que, em muitos casos se converte em ética de relações.” (SILVA, 2009, p.13).
Silva (2009) situa o contexto histórico e cultural no qual a Amazônia está
inserida, com base no processo de modernidade/modernização. Também situa
nesse contexto a obra de Paes Loureiro e a contribuição que a sua narrativa traz
para o desenvolvimento da região:

É possível reconhecer, no pensamento e na poesia de Loureiro, uma


contribuição fundamental para que se compreendam configurações
marcantes de uma região na qual se espelha muito da história de um
continente e das transformações por que passou. Nesse sentido é que a
obra do autor pode ser considerada uma grande alegoria. (SILVA, 2009, p.
34).

Paes Loureiro possui uma obra original, uma poética com musicalidade e
reflexão, os seus conteúdos remetem para uma região, porém seu trabalho é

38
conhecido no Brasil e fora dele. Consideramos que sua obra tem aceitação em
diversos países pelo seu caráter universal, porque o autor fala de questões
relacionadas à condição humana, dessa maneira seu trabalho pode ser comparado
ao trabalho feito por Homero ou Hesíodo na Grécia Antiga.

Silva destaca, em um dos capítulos, a memória mítica, tempo em que o mito


era desenvolvido em harmonia com a sociedade. Pois, como as suas formas têm
contornos poéticos, a linguagem mítica era a maneira de se fazer poesia na
Amazônia.

Por fim, Silva irá abordar a questão das deslendas: a deslenda do mito, a
deslenda indígena, a deslenda fluvial e a deslenda rural, a partir dos poemas de
Paes Loureiro. Com base na realidade moderna presente na Amazônia, temática
que perpassa as três obras. Essas fortes mudanças na região não permitem que as
lendas do mito, as lendas indígenas, as lendas fluviais e rurais, se desenvolvam
como outrora, por isso essas lendas são chamadas de deslenda. Desta maneira a
“dissertação evidenciou as formas literárias dos mitos, isto é, os olhares do poeta
João de Jesus Paes Loureiro para a Região Amazônica, principalmente [...] através
do processo de modernização” (SILVA, 2009, p. 120).

As duas dissertações elencadas para essa pesquisa abordam o mesmo autor


que analisamos, assim como o mesmo contexto de produção poética. Dessa forma,
ao analisarmos ambas produções interessa-nos compreender, mais
especificamente, a inter-relação da poesia de Paes Loureiro com o contexto
amazônico, em que sua obra é produzida, ambiente moldural de sua poética, posto
que determinados aspectos simbólicos, míticos e também traços característicos do
sagrado no ambiente amazônico apresentam-se de maneira ostensiva e como
fundamento referencial de sua poesia.
Contudo, ambas dissertações analisam especificamente os poemas que
compõem a Trilogia Amazônica de Paes Loureiro, ou seja, os livros Porantim,
Deslendário e Altar em Chamas e a nossa pesquisa, em comparação com as
pesquisas apresentadas, destaca como escolha do corpus a obra poética do autor,
pois não nos deteremos em livros específicos. Entretanto, a leitura das produções
nos ajudam a entender de que maneira o poeta utiliza as formas do mito em seus
poemas e como a Amazônia serve de cenário para o autor. Nossa intenção não é a
de utilizar a obra poética de Loureiro como instrumento de verificabilidade das
39
possíveis tensões entre religião e modernidade no contexto da Amazônia, mas,
sobretudo, visamos compreender como se dá a relação entre religião e poesia no
âmbito das produções do poeta.

2.3 “METAMORFOSES POÉTICAS NOS POEMAS AMAZÔNICOS”

Nessa pesquisa também abordaremos o ensaio elaborado pela pesquisadora


Katrin Nissel, intitulado Metamorfoses poéticas nos poemas amazônicos, presente
no livro Obras Reunidas (2000). Nesse ensaio, a autora destaca as metamorfoses
pelas quais os mitos passam nos poemas de Paes Loureiro, até se tornarem uma
linguagem poética, ou encantaria da linguagem.
Nissel menciona que a cultura amazônica está impregnada de uma fusão da
realidade com a imaginação, do real com o surreal, do natural com o sobrenatural.
Essa fusão está pautada na vivência do caboclo, homem da Amazônia que ao se
abismar com a natureza encantada e magnífica, transforma o mundo real no qual
vive em espiritual, e dessa dimensão tira os seus mitos. Dessa maneira, a
diversidade natural amazônica propícia uma percepção repleta de significados desse
ambiente, assim:

Eles constroem um universo em sua imaginação e entendem os rios as


florestas e as margens não só como meio ambiente real e necessário a que
estão vivendo, mas também como espaço mítico onde vivem os seres
encantados. (NISSEL, 2000, vol. III, p.391).

É a partir dessa vivência pautada no imaginário caboclo que Loureiro


estabelece em sua poesia uma interseção entre a visão imaginal do espaço com a
encantaria e a teoria poética, entendendo assim a poesia como encantaria da
linguagem. Nissel menciona que ao escrever sobre a Amazônia, Paes Loureiro em
meio a uma gama de possibilidades discursivas, na qual caberiam muito bem suas
reflexões, como o discurso antropológico e a narrativa, escolhe a lírica para
descrever essa interseção, tendo em vista que:

A dimensão poética está contida em potência, submersa, capaz de se tornar


dominante, no momento em que o poeta, pelo toque criador na palavra
poetizada, faz a poesia emergir na escrita, o poema – forma privilegiada, e
essencial da expressão poética. (NISSEL, 2000, vol. III, p. 391).

40
A poesia proporciona uma maior liberdade criativa, como nenhum outro
gênero poderá ter. Por meio de metáforas, sonoridades, e suas formas em versos,
ela é o gênero por excelência elencado por Paes Loureiro. No qual o tema principal
é a Amazônia, seja na composição de um simples verso, ou na composição de uma
obra completa, o poeta utiliza símbolos que representam a cultura inteira, como o
rio, as embarcações, ou próprio caboclo.

Ao tematizar a Amazônia em seus poemas, Loureiro desenvolve métodos


diferentes de apresentação dos mitos por meio da linguagem. O mito não vira
apenas uma narrativa, mas também metáforas. Assim, Katrin Nissel aponta a forma
como Paes Loureiro reencanta o mito que, por causa de tantas análises
psicológicas, antropológicas e pelos impactos causados pela modernidade, foi
desencantado, por isso, o poeta menciona sua concepção sobre o mito “o mito serve
para encantar e não para normatizar.” 2

A ensaísta ressalta que no topo da criação, baseadas em lendas, sejam elas


cristãs, gregas ou indígenas, se configura uma teoria poética desenvolvida por Paes
Loureiro na estruturas de seus poemas, dessa forma, para o poeta “todo poema
revela uma forma de teoria da criação, constituindo uma poética em movimento.”
(NISSEL, NISSEL, 2000, vol. III, p. 393).

Ao propor a metaforização do tempo, o autor sintetiza o presente, o passado


e o futuro, no intuito de resgatar um tempo mítico que se perdeu atualmente na
cultura cabocla. Em seus poemas ele confere vitalidade a natureza, ao elaborar a
sexualização de seus elementos. Dessa maneira, a natureza torna-se mais atuante
e dinâmica ao receber traços humanos. Na tentativa de reaproximar o homem e a
natureza.

A autora propõe que um dos efeitos mais importantes da mataforização


dentro da obra de Paes Loureiro é a sua capacidade de ligação entre elementos que
essencialmente em outros contextos estariam em constante oposição, sobre esse
processo Nissel destaca:

É a fusão entre elementos que normalmente são separados, como tempo e


espaço, linguagem e rio, natureza e ato sexual, uma fusão que permite a
separação de cada elemento. Isto espelha o pensamento imaginal do
homem amazônico que não separa o real do imaginal, o visível do invisível
e alude também a um fenômeno que se encontra na natureza amazônica, a

2
Frase dita pelo autor Paes Loureiro no Livro Encantaria da linguagem. (2008)
41
fusão das águas amarelas do Rio Amazonas com as escuras do Rio Negro
sem elas se misturarem” (NISSEL, 2000, vol. III, p. 394).

Portanto, a cultura ribeirinha da Amazônia, rica em lendas e encantarias


encontrou sua materialização no registro poético de Paes Loureiro. Pois, “ao serem
poetizadas, transformadas em linguagem poética, as encantarias são transfiguradas
em formas significantes e assim assumem uma esteticidade.” (NISSEL, 2000, vol. III,
p. 394).

A força do pensamento do homem amazônico é tão grande que não separa a


dimensão real da imaginal. Por isso, o espaço central dentro da vida cabocla é o rio,
assim como na poesia de Loureiro. O rio torna-se um lugar metafórico, no qual irá se
desenrolar os acontecimentos poéticos. Portanto, na descrição do espaço na cultura
cabocla sempre irão aparecer dois espaços o mágico e o real. Dessa forma, os
espaços nos poemas amazônicos são povoados de personagens alegóricos que
compõem a mitologia grega, cristã e indígena. O que irá conferi a metamorfose
poética dos poemas.

A contribuição do ensaio de Nissel para a nossa pesquisa reside no


apontamento que a autora faz da caracterização da poesia como um ponto de
convergência de duas dimensões que estão presentes no contexto da cultura
amazônica e que podem ser compreendidos como espaços mágicos e reais. A
poesia, portanto, poderia ser apresentada como linguagem da religião por comportar
a dimensão do mágico integrado à realidade e como tal vivenciado pelo caboclo.

2.4 A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E POESIA NO CONTTEXTO


AMAZÔNICO

A relação entre religião e poesia na Amazônia está estritamente relacionada


ao imaginário poético. Segundo Loureiro (2007) essa dimensão transfigurada do real
que são as encantarias conferem uma espécie de ilusão, da vida, sentimento este
primário de toda arte poética. De acordo com Paes Loureiro, a poesia é:

Palavra originária e fundadora, não apenas de todos os povos, como


também das culturas e religiões. Devoradora do agora em sua fome de
eternidade, ela confere ao poeta, segundo antiga tradição greco-latina ou de
tribos amazônicas, dupla dimensão de memória viva dos povos e dos
42
videntes. Fruto de uma contemplação ativa ou de um agir contemplativo, a
poesia tem representado essa memória emocionada das civilizações, entre
as sílabas do sempre. (LOUREIRO, 2000, p. 309).

Portanto, a poesia assume densidade memorial em face da manutenção


daquilo que foi acumulado historicamente pelas tradições culturais, ela é
caracterizada pelo compromisso com a dimensão originária e mística do ser
humano. A poesia se faz originária pela sua função rememorativa, integrante da
intencionalidade que o ser humano tem de romper o vazio com o qual o tempo lhe
ameaça, é produto da obstinação do ser humano em sua luta contra o esquecimento
e diante do assombro da vastidão das eras. A poesia preenche o possível vazio da
vida percebido pelo homem:

Seu toque no botão da palavra faz estalar a eternidade no agora, permite


brotar, por entre as frestas dos fonemas, o mais íntimo do ser e a cósmica
correspondência das forças do universo. Intermediação entre o poeta e a
coletividade – a poesia – na conjunção de signos do poema, acontece pela
expressão da alma do poeta, dialogando com a alma recriadora de quem lê.
(LOUREIRO, 2000, p. 309).

A poesia permite o sentimento do absoluto mesmo na fração de instantes do


momento em que, com profundidade, o poeta estabelece o jogo estético lidando de
maneira existencial com a linguagem. Mas, esse jogo é repleto pelo interesse que o
poeta tem, em criar pela expressividade o mais íntimo do ser humano e de suas
experiências decorrentes da vida em sociedade. A poesia também é expressão do
sonho, da dimensão transcendente que o ser humano estabelece no encontro
consigo, com o mundo encantado e extraordinário:

É um sentimento vago, túrbido estado de espírito, palavra em rotações de


devaneio. Linha inconsútil de sílabas e significações cristalizando a
experiência numinosa do espírito, a poesia no poema é um permanente
religar do mundo dos homens ao mundo dos deuses e dos mitos. (idem,
ibidem).

A poesia é percebida também como um processo de religamento do homem


com as instâncias do inefável, do incomum, expressão da hierofania, da experiência
profunda e impactante da linguagem encantada, plena de sentido místico,
extraordinário e apresenta uma experiência criativa que mantém relação com a vida.

43
O autor Paes Loureiro também destaca alguns aspectos essenciais para a
criação de uma poesia mencionada por Shelley no livro Defesa da Poesia, no qual,
“afirma que os materiais da poesia são: a linguagem, a cor, a forma, os hábitos civis
e religiosos.” (LOUREIRO, 2000, p. 52).

Esses materiais dos quais se serve a poesia são articulados no sentido de


criar o sentimento de prazer e encantamento. Na Amazônia idealizada, imaginária,
os elementos diários como: o ar, rio, a floresta, etc., trazem em si um duplo sentido,
outra conotação, causando assim um sentimento que Paes Loureiro chama de
maravilhamento:

O maravilhamento traduz uma atitude reveladora de admiração sincera,


pura, nascida na surpresa ou na percepção de algo que ultrapassa o real.
Algo como uma espécie de origem, destino, uma segunda realidade, nos
elementos da natureza circundante. É uma atitude eufórica do espírito
(1995, p.139).

O sentimento de enlevo estético e numinoso na poesia traduz uma esfera de


relação do homem com a natureza, na qual, esse reconhece um sentido de
extraordinária riqueza nesta, imagina-a dotada de vida, uma vida transfigurada pela
noção da hierofania.
Esse mesmo homem considera-se parte de uma geografia maravilhosa e
misteriosa que compõe seu imaginário religioso, o que provoca no ser humano o
sentimento de pertença à ordem natural que é um indicativo da diversidade da fauna
e flora, mas resignificados na esfera do sagrado. A natureza assume um contorno
todo especial pela sua nova condição de reino incomum, extraordinário.
Conforme Paes Loureiro (1995), no reino natural amazônico, para o caboclo 3
as coisas não são o que parecem ser. Na existência de cada elemento há outra
coisa, outro motivo, outra imagem, outra explicação pautada no imaginário, desta
forma o mundo físico necessita de uma explicação imaginária. O mundo natural
adquire um valor superior ao que é estritamente físico no sentido comum e
transforma-se em uma dimensão encantada que faz parte do próprio caráter
imaginativo, portanto, poético, que o homem carrega consigo.

3
O termo caboclo na linguagem indígena significa o homem que vem do mato, da floresta,
independente da sua condição racial. Cf. LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma
poética do imaginário. Belém: Cejup, 1995.

44
Loureiro (1995) ressalta que essa circunstância cabocla de “ver maravilha nas
coisas”, - é o que configura o modo peculiar do ribeirinho de conviver com o
estranhamento diante da sua realidade cotidiana, por isso essa realidade é
transfigurada tantas vezes pelo devaneio - é o reflexo da forma de viver de um povo
que é guiado pela memória e pela palavra oralizada, daí a importância da narrativa
nesse processo de transmissão cultural.
Narrar é um ato que aproxima as pessoas. Segundo Walter Benjamin (1993)
é possível ocorrer à cura por meio de uma narrativa, pois através do relato de uma
história a pessoa se tranquiliza, escuta e interage com o narrador e com isso o
processo de cura pode acontecer de forma mais rápida e eficaz.

Um narrador deve ser performático, porque além de contar uma história ele
deve interpretar, falar com a voz e com o corpo, deve transmitir para o seu ouvinte
toda a emoção, suspense e poder que possui uma narrativa. O contador de história
é um transmissor de saber, saber este adquirido com a experiência, como nos diz
Walter Benjamin “A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte que
recorreram todos os narradores.” (1993, p. 198). Logo, quando não acontece a troca
de experiências de pessoa para pessoa, não há narrador.

Segundo Ecléa Bosi, quando pessoas idosas narram historias elas estão
compartilhando as lembranças que existem em suas mentes, nesses casos a
memória exerce um papel fundamental, pois:

Se existe uma memória voltada para a ação, feita de hábitos, e uma outra
que simplesmente revive o passado, para ser esta a dos velhos, já libertos
das atividades profissionais ou familiares. Se tais atividades nos
pressionam, nos fecham o acesso para a evocação, inibindo as imagens de
outro tempo, a recordação nos parecerá algo semelhante ao sonho, ou
devaneio, tanto contrasta com nossa vida ativa. Esta repele a vida
contemplativa (BOSI, 1994, p.81).

Quando os caboclos utilizam a memória para contar uma narrativa


envolvendo algum encantado, eles estão recordando, sonhando ou por vezes
devaneando. Assim, os conteúdos dessas narrativas revelam um caráter especial,
uma aura contemplativa. Por isso, a memória e a narrativa são imprescindíveis no
ato da transmissão das histórias sobre as encantarias. As encantarias são a maneira
peculiar que os caboclos encontraram para expressar a sua religiosidade,
criatividade e o seu imaginário poético na Amazônia:

45
As encantarias amazônicas são uma zona transcendente que existe no
fundo dos rios, correspondente ao Olimpo grego, habitadas pelas
divindades encantadas que compõem a teogonia amazônica. É dessa
dimensão de uma outra realidade que emergem para superfície dos rios e
do devaneio os botos, as iaras, a boiúna, a mãe d‟água, as melodias
sedutoras cantadas por invisíveis sereias, as entidades plásticas do fundo
das águas e do tempo. É o maravilhoso do rio, equivalente à poetização da
realidade histórica promovida pelo maravilhoso épico. Esses prodígios
poetizam os rios, os relatos míticos, a paisagem (que é a natureza
convertida em sentimento e cultura) e o imaginário. (LOUREIRO, 2007, p.
46)

O reino da encantaria fornece o tema propício ao aspecto de sonho e


miragem próprios da poesia, o sentimento de que o homem se encontra diante de
uma imagem magnífica, grandiosa em sua condição expressiva do extraordinário.
De acordo com Heraldo Maués e Gisela Villacorta (2004), as pessoas se encantam
quando são atraídas por encantados para o reino da encantaria, local no qual
habitam:

O encante se encontra "no fundo", normalmente nos dos rios e lagos, em


cidades subterrâneas ou sub-aquáticas. Para que alguém seja levado para
o fundo, por um encantado, é preciso que este "se agrade" da pessoa, por
alguma razão. É comum a idéia de que, se alguém for levado por algum
encantado para visitar o encante, deve evitar comer as coisas que lhe são
oferecidas, caso contrário se encantará, não podendo mais viver no mundo
da superfície, como os demais seres humanos. (MAUÉS; VILLACORTA
2004: p.20).

Conforme ainda Maués e Villacorta (2004), os encantados podem ser


considerados entidades invisíveis aos olhos dos mortais e por isso podem
manifestar-se de diversas maneiras. E por meio dessas diferentes formas de
manifestação, eles podem aparecer em três contextos diferentes, e também
recebem diferentes nomenclaturas:

São chamados de bichos do fundo quando se manifestam nos rios e


igarapés, sob a forma de cobras, peixes, botos e jacarés. Nessa condição,
eles são pensados como perigosos, pois podem provocar mau olhado ou
flechada de bicho nas pessoas comuns. Caso se manifeste sob a forma
humana, nos manguezais ou nas praias, são chamados de "oiaras"; neste
caso, eles freqüentemente aparecem como se fossem pessoas conhecidas,
amigos ou parentes, e desejam levar as pessoas para o fundo. A terceira
forma de manifestação é aquela em que eles, permanecendo invisíveis,
incorporam-se nas pessoas, quer sejam aquelas que têm o dom "de
nascença" ou que foram escolhidas pelos próprios xamãs (pajés) já
formados; nesse caso, são chamados de caruanas, guias ou cavalheiros.
Ao manifestar-se nos pajés, durante as sessões xamanísticas, os caruanas
vêm para praticar o bem, sobretudo para curar doença (MAUÉS E
VILLACORTA, 2004: p. 21).
46
Esses seres encantados são parte da riqueza cultural do caboclo que compõe
o seu cenário poético baseado na relação que tem com a natureza. A poesia está
repleta destes temas que são expressão de uma mentalidade religiosa específica da
Amazônia. Com relação a isso, o poeta Paes Loureiro em sua poesia enaltece o
imaginário amazônico e dialoga com diversas possibilidades de manifestações do
sagrado.

De acordo com Loureiro (1992), essas manifestações acontecem


principalmente por meio do imaginário que é propagado através dos mitos e
encantarias que configuram a linguagem que percebemos o caráter poético. Assim,
consideramos que existem alguns elementos importantes na poesia feita na
Amazônia: a palavra, o imaginário e o mito.

De acordo com Brandão (1997), o mito expressa o mundo e a realidade


humana, mas cuja essência é uma representação coletiva, que chegou aos dias
atuais passando de geração em geração.

O poeta português Fernando Pessoa em seu poema Ulysses, também


caracteriza o mito: “O mito é o nada que é tudo. / O mesmo sol que abre os céus / É
um mito brilhante e mudo – / O corpo morto de Deus, / Vivo e desnudo. (1996, p.
08).”

Sobre o mito Gilbert Durand diz que:

Entendemos por mito um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e


esquemas, sistemas dinâmicos que, sob o impulso de um esquema, tende a
compor-se em narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que
utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os
arquétipos em idéias. O mito explica um esquema ou um grupo de
esquemas. Do mesmo que o arquétipo promovia a idéia e que o símbolo
engendra o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o
sistema filosófico ou, a história e a narrativa lendária. (DURAND, 1997, p.
62-3).

O mito sendo uma linguagem da religião envolve um processo de


racionalização, haja vista que o homem opera através de um sistema simbólico que
é utilizado como corpo doutrinário mítico pelo qual fundamenta as ideias que
compõem o imaginário. Loureiro (1995) também ressalta a importância do mito para
a poesia, pois quando o mito é oralizado e dirige-se à provocação de um acontecer

47
ele torna-se poético e essa é uma forma de fazer poesia, não de maneira formal,
mas de maneira simples.

Para o autor, essa poeticidade nasce do próprio modo de falar do falador, ou


seja, de quem conta o mito onde a sua intenção é encantar e expressar e não
apenas demonstrar a realidade na qual ele está inserido, pois ele ressalta a estética
e a poesia que está presente no mito. O mito, muitas vezes, expressa de maneira
poética o modo de vida das coletividades humanas ao relatar suas histórias
idealizadas, por que:

Na Amazônia as pessoas ainda veem seus deuses, convivem com os seus


mitos, personificam suas idéias e as coisas que admiram. A vida social
ainda permanece impregnada do espírito da infância, no sentido de
encantar-se com explicação poetizada e alegórica das coisas. Procuram
explicar o que não conhecem, descobrindo o mundo pelo estranhamento,
alimentando o desejo de conhecer e desvendar o sentido das coisas ao seu
redor (LOUREIRO, 1995, p.103).

De acordo com Loureiro “O imaginário é a forma poética do ser, uma forma de


imaginação maravilhada, campo da gratuidade pura, uma das formas de finalidade
sem fim da existência” (1995: p. 326). Sendo assim, quando ocorre a criação dessa
imagem poética, o homem amazônico tem a possibilidade de compreender, de se
maravilhar e oralizar aquilo que há em sua mente, de expressar tudo o que
compõem a sua existência humana e é na natureza amazônica que esse ser
encontra sua inspiração:

Rica de plasticidade e inocente magia, a natureza amazônica revela-se


como pertencente a uma idade mítica, plena de liberdade e energia telúrica.
Situa-se em um tempo cósmico no qual tudo brota como nas fontes
primevas da criação: a mata, os rios, as aves, os peixes, os animais, o
homem, o mito, os deuses. É nesse contexto que o imaginário estabelece
uma comunhão com o maravilhoso, tornando-se propiciador de epifanias.
Sob o sfumato do devaneio fecundado pela contemplação do rio e da
floresta, olhando o horizonte das águas que lhe parece como alinha que
demarca o eterno, o homem da Amazônia foi dominando a natureza
enquanto ia sendo por ela dominado como forma imaginal motivadora.
(LOUREIRO, 2000: p.08).

Desta forma, podemos dizer que o homem em sua essência é um ser de


devaneios, pois toda a sua vida está permeada por sonhos, fantasias, imaginação.
Antes de desfrutar a realização de um desejo, esse desejo foi vivido no mundo das
ideias, ás vezes, sonhamos com riquezas de detalhes que fica difícil diferenciar o
real do irreal, e é isso que nos garante o poder do imaginário:
48
O imaginário nos garante as aventuras de sonhar. Sonhamos antes de
conhecer. Imaginamos antes de conquistar. Nosso devaneio é incansável,
interfere na realidade, o que faz com que, tantas vezes, o imaginário seja
mais real do que o real. O imaginário confere ao real sentido. Inclusive o
próprio real. Não há real não imaginado. (LOUREIRO: 2007, p 17).

Daí a importância do devaneio poético, pois no mundo do sonho e da fantasia


tudo é possível, a linguagem se expressa livremente, sem a preocupação com os
interditos impostos pela realidade, o pensamento poético fica livre para se
manifestar, mesmo que seja por meio de um silêncio total. A respeito disso, Loureiro
comenta:

Do devaneio inquieto [...] o vago pensamento não revelado com palavras e,


ao mesmo tempo, tecido de palavras – linguagem do pensamento em
liberdade. O estado que interliga os seres sob um estado intemporal de
poesia – o devaneio poético. Essa linguagem da pura emoção poetizada,
anterior ao verbo do poema, mas resistente ao silêncio das palavras
(LOUREIRO, 1995, p.49).

Portanto, a partir do imaginário poético proposto pelo o autor, percebemos


que a linguagem é potencializada e por isso torna-se poética, utilizando-se da
simbologia amazônica e da experiência local que fomenta o imaginário, ela se
encanta, por meios dos mitos, das encantarias e da própria linguagem.
Assim, “O estado que interliga os seres sob um estado intemporal de poesia
– o devaneio poético. Essa linguagem da pura emoção poetizada, anterior ao verbo
do poema, mas resistente ao silêncio das palavras” (LOUREIRO,1995, p. 51). A
poesia instaura uma nova realidade, mesmo por meio do mais absoluto silêncio, a
vida com poesia é mais bela, faz mais sentido, pois ela traz sentimento, reflexão, a
capacidade de sonhar e de imaginar, a poesia é o pão da alma:

Revelando a beleza escondida do mundo, a poesia alarga o círculo da


imaginação, alimentando o pensamento. Com sua forma, ação, linguagem e
repercussão da cultura, ela torna, inclusive, uma época mais memorável
que outra. Essa prática „significante que faz do poema poesia é
intermediada pelo prazer. Mas uma forma de prazer iniciatório, isto é, que
sempre está se iniciando ou está sempre se originando e produzindo uma
„infinitização do sentido‟. É que, no poema, a linguagem está deslocada do
sentido corrente da comunicação e transfigurada em „instância simbólica‟
(LOUREIRO, 1995, p.52).

A poesia torna a vida mais suportável quando nos apresenta pela linguagem a
beleza que descortina uma nova perspectiva de sentido diante das agruras da
existência. Portanto, é pela sua linguagem transfigurada e transfiguradora que o ser
49
humano tem a oportunidade de desenvolver o aspecto lúdico, imaginativo e criativo.
No caso da Amazônia, esta linguagem fornece os referenciais a partir dos quais o
homem pode valorizar seus costumes, a natureza e produzir uma cultura rica em
diversidade e beleza.

50
3 A EXPRESSÃO DO SAGRADO NA POESIA DE PAES LOUREIRO

3.1. A POÉTICA DO IMAGINÁRIO E A ENCANTARIA DA LINGUAGEM


O homem da Amazônia tem um modo específico de conviver, devido a
variada biodiversidade do lugar, o que promove um profundo impacto na maneira
como ele considera a si mesmo e ao mundo. De acordo com Loureiro, o homem
sempre desenvolveu uma relação mista de enfrentamento e integração com a
natureza que marca a sua forma de ser no mundo. Isso transparece na maneira
como esse homem elabora sua cultura marcada pelo reconhecimento de uma
presença sem igual que reside na natureza:

Situado diante de uma natureza magnífica, de proporções monumentais, o


caboclo, além de criar e desenvolver processos altamente criativos e
eficazes de relação com ela, construiu um sistema cultural singular. Uma
cultura viva, em evolução, integrada e formadora de identidade.
(LOUREIRO, 2000, vol. IV, p. 07).

O homem cria suas formas de existência a partir da convivência com a


natureza, a partir da percepção de que a cultura é fundamentada na maneira como
este homem encontra-se integrado ao natural. Logo, podemos considerar que esta
relação com o natural marca a forma como o ser humano cria as suas formas
simbólicas de reconhecimento do sagrado, pois, na cultura amazônica, o imaginário
religioso está impregnado por esta relação na qual o homem reconhece o sagrado
como parte da natureza.
Assim, o imaginário amazônico caracteriza-se como uma forma de integração
entre o homem com a natureza diz respeito a diversos aspectos de sua vida,
inclusive o religioso, o que lembra-nos a classificação de Piazza (1991) a respeito
das religiões de integração. De acordo com esta ideia, é considerada uma forma de
integração aquela religião que reconhece o sagrado na natureza, que ancora a
experiência religiosa no reconhecimento de que o homem e os elementos religiosos
estão integrados em um grande todo natural.
Segundo Loureiro, o homem amazônico considera que o tempo natural é o
mesmo do tempo mítico. Isso ocorre porque a experiência religiosa que constitui seu
imaginário apresenta-se a partir da percepção da natureza como algo monumental,
exuberante e extraordinário. A elaboração da cultura está permeada pela
convivência do homem com essa natureza, que marca seu imaginário e define o
51
campo possível de suas relações religiosas, em que a natureza torna-se um
elemento que atua sobre as formas de representação poética e religiosa, sendo
uma:

Relação pela qual o homem foi formando seu mundo e a si mesmo desde a
invenção de uma teogonia até as pequenas ferramentas e usos de seu
cotidiano prático. Um modo de ser no mundo e com o mundo que se vem
constituindo na horizontalidade da convivência espontânea com a natureza,
na verticalidade aurática do sentido do sublime a ela inerente, de um pensar
cultural em liberdade com a natureza, marcado pela poeticidade e
sentimento de comunhão cósmica. (LOUREIRO, 2000, vol. IV, p.07-08).

O imaginário expresso na poesia de Loureiro faz parte da compreensão deste


horizonte de convivência do homem com o sagrado imanente, com um modo de
perceber o sagrado em diálogo com a própria natureza que, longe de ser
considerada algo banal, constitui um elemento de enorme importância para a cultura
devido sua magnitude. É desta relação que emana o fazer poético, sensível a
percepção do mundo e deste mundo como algo extraordinário, carregado de
sentido.
A poesia assume um papel importante neste processo de referência do
imaginário, pois é no encontro com o sublime natural que o homem cria um processo
estetizante da existência, na qual a natureza assume um papel que é recriado pela
capacidade imaginal que a converte em signos do extraordinário e que comporta o
sentimento de uma espécie de comunhão cósmica:

Há, no mundo amazônico, a produção de uma verdadeira teogonia


cotidiana. Revelando uma afetividade cósmica, o homem promove a
conversão estetizante da realidade em signos, por meio dos labores do dia-
a-dia, do diálogo com as marés, do companheirismo com as estrelas, da
solidariedade dos ventos que impulsionam as velas, da paciente amizade
dos rios. É como se aquele mundo fosse uma só cosmogonia, uma imensa
e verde cosmo-alegoria. Um mundo único real-imaginário. Foi-se
constituindo nele uma poética do imaginário, cujo alcance intervém na
complexidade das relações sociais. (idem, Ibidem, p. 65).

Ao considerar a natureza como algo extraordinário, o homem amazônico


aplica a ela um princípio estético: o da transfiguração. Loureiro considera que uma
poética do imaginário reside um processo pelo qual o homem confere a natureza um
significado transformando-a em signo.

52
Outro aspecto importante que compõe uma das relações analisadas nos
poemas de Loureiro, diz respeito a compreensão de sua poesia como um discurso
que está impregnado dos caracteres religiosos da Amazônia, um imaginário voltado
para a natureza em sentido cósmico, de uma percepção de que o natural é
transformado em signo por um processo poético de transfiguração do real natural.
Neste contexto de caracterização de sua poesia, Loureiro considera o seu fazer
poético a partir de um princípio que ele afirma ser o estético-religioso das
encantarias correspondendo a:

teoria que tem como pólens geradores o conceito estético-religioso das


“encantarias” – espécie de Olimpo submerso nos rios da Amazônia, onde
habitam os encantados, os deuses da cultura amazônica – e a atmosfera
que impregna toda a poesia. O caráter poético do poema e do mito, [...]
advém do fato de que ambos navegam no rio da linguagem, como troncos
submersos em sua encantaria. [...] Dimensão transfiguradora do real, as
encantarias dos rios da Amazônia tornam-se uma espécie de “expressão
simbólica do sentimento”, [...]. (LOUREIRO, 2008, p. 7-8).

O caráter poético encontrado na maneira como o homem da Amazônia se


relaciona com a natureza está fundado no princípio transfigurador do real, princípio
este que orienta a maneira como o ser humano eleva o natural a qualidade de
símbolo.
Loureiro considera que o princípio da encantaria da linguagem serve de
orientação para a produção de seus poemas, haja vista que, a dimensão estético-
religiosa impregna tanto o sentimento com o qual o homem se relaciona com a
natureza (objeto de seus poemas), percebendo nela a encantaria, quanto o trabalho
do poeta, pois em ambos transparece uma função estetizante (transfiguradora) do
mundo ligadas aos elementos de um extraordinário imanente.
Se essa relação transfiguradora do homem se dá em termos de uma
encantaria da natureza, seu redirecionamento para uma significação mítica, isso se
dá por meio de uma faculdade imaginal do ser humano que vertida em linguagem
cria um universo próprio de expressão do sentimento religioso que já constitui uma
poética.

53
3. 2. NO CAMINHO DAS POESIAS

Ao interpretarmos as manifestações do sagrado, por meio das poesias de


João de Jesus Paes Loureiro, percebemos que as poesias propriamente ditas, não
são religiosas, mas sim, há nelas a presença de palavras ou expressões ou
símbolos que se relacionam de forma intertextual e semiótica, com algum elemento
que estabeleça uma comunicação com a religião.
Ao mencionar o conceito de intertextualidade nos finais da década de
sessenta, Julia Kristeva provocou uma espécie de rachadura profunda na idéia
cristalizada e estabelecida sobre o autor ser visto como fonte exclusiva do texto, a
autora afirmava que tanto uma mesa posta para jantar como um poema, enquanto
sistema de significantes, são constituídos de sistemas significantes anteriores, ou
seja, sofrem a influência de outros textos.
Assim, uma obra literária sob tal ponto de vista, não é simplesmente produto
do trabalho de escrita de um único autor, ela nasce de seu relacionamento com
outros textos e estruturas da própria linguagem, uma vez que, ela sofre influência de
outras produções. Para Kristeva (1969) qualquer texto é construído a partir de
combinações de citações, como uma espécie de mosaico, qualquer texto é absorção
e a transformação de outro.
Quando essas manifestações ocorrem de forma intertextual, temos
diretamente um texto escrito recorrendo a outros textos escritos. Dessa forma, a
intertextualidade pode acontecer de forma explícita; por meio de citações diretas e
de maneira implícita; quando ocorre sem citações diretas, nesse caso cabe ao leitor
estabelecer a associação a partir da leitura. A seguir a autora Koch apresenta o seu
conceito de intertextualidade:

A intertextualidade ocorre quando, em um texto, está inserido em outro texto


(intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de
uma coletividade. [...] É elemento constituinte e constitutivo do processo de
escrita/leitura e compreende as diversas maneiras pelas quais a
produção/recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros
textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relação
que um texto mantém com outros textos. (2010, p. 86).

Neste caso devemos considerar o conceito de semiótica por ser mais


abrangente, pois o texto poético não encerra em si mesmo um significado,
homogêneo, haja vista ser composto de diversas possibilidades de relação com

54
outras linguagens. Consideramos que no contexto de uma análise semiótica da
cultura há o reconhecimento de que um texto pode ser entendido não apenas em
sua formatação escrita, mas sim como tudo aquilo que comporta o sentido.
Portanto, tratar das poesias a partir dessa forma de compreensão, baseada
na intertextualidade e em uma perspectiva semiótica, nos permite tratar da relação
possível da poesia com relação a textos ou símbolos como códigos interdiscursivos.
De acordo com Nogueira, na análise da semiótica da cultura compreende-se texto
muito além de sua forma escrita: “Esta noção de texto se aplica, portanto, não
apenas a mensagem da língua natural, mas a todos os portadores de sentido”.
(2012, p. 20). No caso de um texto religioso, há a ocorrência de uma dupla
codificação: uma baseada na expressão da língua natural e outra baseada em uma
codificação própria do sistema religioso com suas regras e semânticas próprias.
Com isso, podemos considerar que a relação entre o texto poético e o
símbolo corresponde a formação de novos sentidos e mantêm-se em relação a
novos códigos, inclusive possibilitando a formação destes novos códigos. Trata-se,
pois, de compreender o texto poético como um universo de significações que pode,
no contexto da análise semiótica, transcender sua dimensão de escritura alcançando
o status de símbolo, daí sua relação com a religião.
Isso contempla a possibilidade da dupla codificação na poética ao assumir
uma função de linguagem criadora de símbolos religiosos, pois uma forma de
linguagem pode contemplar a criação de novas linguagens pois o texto não é um
sistema fechado em si mesmo, está passível de ser influenciado e gerar novas
formas de linguagem e significado: “Esta dupla codificação de qualquer mensagem
lhe amplia ainda mais o potencial de criação de novas mensagens.” (NOGUEIRA,
2012, p. 19).
Por isso, iremos realizar a hermenêutica das manifestações religiosas nas
poesias de Paes Loureiro, com base na intertextualidade e interdiscursividade como
fios condutores para a compreensão do sagrado. Pois, percebemos que nas
produções poéticas do autor, os elementos que fazem referência ao campo religioso
ou a manifestação do sagrado aparecem de forma semiótica e intertextual em suas
poesias.

55
Dessa maneira, o primeiro poema analisado nessa pesquisa pertence à obra
Ser Aberto, esse poema foi escolhido por representar a arte poética do autor Paes
Loureiro, nele encontramos todos os elementos que compõem o seu processo de
criação, a encantaria da linguagem e sua relação com os mitos e com os elementos
que compõem a cultura Amazônica como o canoeiro, o caboclo, o rio, o devaneio, o
imaginário, enfim tudo o que caracteriza a poesia do autor. Como podemos verificar
abaixo:

3.2.1 “Arte poética”

I
A canoa leva o homem.
O homem leva a canoa.
Canoa e homem consomem
a mesma linguagem nua.

[...]

A canoa faz do leme


seu pensamento e razão.
Assim o poema, que ao tema
imprime forma e paixão.

[...]

A canoa tem no leme


sua liberdade e prisão.
A forma clara e distinta,
parnasiana invenção.

[...]

O canoeiro – palavra
boiando simples no rio –
com seu olhar de boiúna
só vê pelo o que não viu.

Esse ver o que seria


que o próprio ser desencanta,
vê no verso a encantaria
em que a linguagem se encanta.

O canoeiro ainda vê
o tempo ser no foi...
Assim como o igarité
Assim como peixe boi.

Que sua canoa navega


na língua, espelho de lendas,
ele só vê quando o sonho
o embala em rede de rendas.

[...]

O homem conduz o sonho.


56
O sonho conduz o homem,
no rio que dá no outro rio
que dá noutros rios, que somem.

[...]

Poesia é quando a linguagem


sonha. Também é poesia
a canoa que, sonhando,
faz sua própria epifania.
Palavras sonhando seres
na busca do que seria,
canoa e homem tornaram-se
mais que palavras-poesia. (LOUREIRO, 2000, vol. II, p.117-122).

Nesse poema o poeta compara o seu fazer poético ao trabalho do canoeiro


que guia a sua canoa pelos rios da Amazônia, o canoeiro guia a sua canoa e o
poeta guia o verso no rio da linguagem. Ambas tarefas necessitam da razão e da
emoção. Porém, o trabalho do canoeiro é simples, quase uma contemplação, pois
da mesma maneira que ele navega, ele sonha com suas lendas e encantarias.
Como percebemos no poema há uma carga simbólica que permite a
constatação de uma relação semiótica, por exemplo, nas referências feitas ao rio,
aos encantados, as plantas, ao porantim, a lua, ao sol, aos animais, a floresta, ao
homem, ao índio... Revelam essa forma de sacralidade pautada nos símbolos
amazônicos:

É a maneira de se manifestar ou a forma de um objeto, e a maneira de agir


de um ser vivente (uma árvore, um animal ou um ser humano) o que conduz
a um outro aspecto do sagrado, manifestando justamente por essa
dimensão. (CROATTO, 2010, p. 88).

O autor nesse poema menciona o conceito de encantaria da linguagem,


desenvolvido por ele, no qual, a poesia é vista como uma encantaria da linguagem,
essa linguagem que é influenciada pelos mitos da Amazônia, pois para o autor todo
poema revela uma teoria da criação. Portanto, sua poesia é influenciada pelas
encantarias. Dessa maneira, podemos dizer que a poesia de Paes Loureiro
comporta o sagrado que se manifesta nesse espaço privilegiado que é a poesia.
Outro elemento que percebemos no poema é a presença do devaneio, é ele
quem nos permite a capacidade criadora e poética, ele amortece os pesares da vida,
ele torna a realidade mais amena. Na Amazônia encontramos esse lugar propício
para o devaneio, sobretudo por suas condições naturais.

57
O imaginário pode compor um conjunto de conteúdos reconfortantes e
sustentar o aspecto emocional do ser humano, quando esse se depara com
situações que constituem o real em sua mais degradante afirmação. De acordo com
Bachelard o homem utiliza a sua capacidade de imaginar como uma espécie de
válvula de escape e desta maneira “o devaneio é uma fuga para fora do real, nem
sempre encontrando um mundo irreal consistente” (1988, p. 05).

Assim, pode-se dizer que o devaneio desempenha em nossa existência um


papel fundamental, pois “uma das funções do devaneio é libertar-nos dos fardos da
vida” (BACHELARD, 1988, p. 70). Para que possamos nos livrar, dos fardos da vida,
das amarras que nos são impostas pela nossa condição precisamos imaginar,
sonhar, devanear, e para que isso ocorra devemos encontrar-nos em condição
propícia. Para o poeta a imaginação e o devaneio exercem papel fundamental no
seu processo criativo, tendo em vista que “no devaneio do poeta o mundo é
imaginado, diretamente imaginado.” Bachelard (1988, p.167). Nesse momento o
sonhador está livre, encontra-se desprendido de qualquer pudor ou limite, está
apenas encantado.

Para o canoeiro o seu devaneio está pautado nas lendas e mitos que
compõem a encantaria amazônica. Por isso, o homem conduz o sonho e o sonho
conduz o homem. Assim, a poesia torna-se linguagem, potente como o rio, assim,
homem, rio, canoa e as palavras, tornam-se mais que linguagem, tornam-se poesia.
Quando o homem sonha, ele se torna um ser que tudo pode realizar, por isso se
entrega sem medidas nesse sonho. Apesar de saber que ele está em um mundo
real, por meio do devaneio ele poderá ser totalmente livre.

O próximo poema faz parte do livro intitulado Do coração e suas amarras


(2001).

3.2.2 “Do coração e suas amarras”

Esconde o oceano em uma lágrima,


acumula navalhas na memória,
em ovulo reverte o nascituro,
cala os apelos da noite, silencia
todas orantes por amor,
apaga-me as lembranças, retira-me
a força de meus braços, sufoca-me
os ais! De gozo, atira-me no abismo,
acumula calvários em meus passos,
embaralha equinócios, desregula
58
os astro e estações, os hemisférios,
entorna o rio-mar no vão da lua,
emudece o cantar dos encantados,
desvirtua o perdão dos tribunais,
desnatura os semáforos, conflita
o trânsito, embaralha os trilhos,
seca os lábios de preces, degenera
a via-láctea, aparta a unidade
da Santíssima Trindade, cala
o Cânticos dos Cânticos, desliga
candelabros no céu, desvaira vídeos,
refaz na aurora a noite, desintegra
o DNA do ser, desassossega
o sono, afasta a mão amiga
e desespera Deus, arranca o sol,
acumula em meu peito as tempestades,
apaga minha sombra, me rumina
em ódio de cruentas profecias,
com sílabas de saberes castra o verso,
retém o curso ávido da vida,
sustém aracnídeo fio da morte,
faz do Demônio meu Anjo da Guarda,
relega-me vazio no ardil da sorte,
livra meu coração de suas amarras,
desata-me da linha do destino,
quebra os fonemas de mim neste poema,
se eu não morrer de amar de amor amado
se eu não morrer de amor por ti amada. (LOUREIRO, 2001, p. 17).

Esse poema de João de Jesus Paes Loureiro é influenciado pela poesia


medieval, o refrão se eu não morrer de amar de amor amado / se eu não morrer de
amor por ti amada, pontua as oito estrofes do poema que traz a temática do mundo
invertido. A religiosidade está presente de forma intertextual logo na primeira estrofe
que representa a desordem cósmica, como percebemos nos seguintes versos.
No verso, acumula calvários em meus passos, temos uma intertextualidade
com a religião cristã por meio da palavra calvário (que em aramaico significa Gólgota
lugar de sofrimento) que faz referência, segundo o novo testamento, ao monte em
Jerusalém onde Jesus foi crucificado. O termo significa caveira, referindo-se a uma
colina que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que se
assemelha a um crânio. O calvário é mencionado em todos os quatro evangelhos,
quando relatam a crucificação de Jesus:

Eles chegaram a um lugar chamado Gólgota, que significa o Lugar da


Caveira. (BÍBLIA SAGRADA, Mt, 27:33);
Eles levaram-no ao lugar chamado Gólgota, que é traduzido por Lugar da
Caveira (BÍBLIA SAGRADA, Mc, 15:22);
Então eles chegaram ao lugar chamado de Caveira. (BÍBLIA SAGRADA, Lc,
23:33);
59
E carregando ele mesmo a sua cruz, saiu para o assim chamado Lugar da
Caveira, que em hebraico se diz Gólgota. (BÍBLIA SAGRADA, 2005, Jo.
19:17).

No verso, emudece o cantar dos encantados. Observamos uma referência


aos seres que compõe a religiosidade amazônica, os encantados, eles são seres
que vivem na vizinhança de índios ou caboclos, no céu, nas selvas e nos campos,
bem como entre o céu e a terra, abaixo destas ou sob as águas, em qualquer parte
ou em sítios sagrados, esses seres são animados por forças mágicas ou
sobrenaturais, antropomorfos, divinos ou satânicos.
No verso, Aparta a unidade da Santíssima Trindade, cala o Cânticos dos
Cânticos. Temos mais uma intertextualidade com um elemento da religião católica: A
Santíssima Trindade, ela é o mistério que consiste na crença de um só Deus em três
pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. A santíssima trindade é considerada o principal
dogma da religião católica. Em algumas passagens, O Pai, o Filho e o Espirito Santo
se transformaram em uma só fórmula. Paulo termina sua segunda epístola à Igreja
de Corinto com esta saudação: „A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e
a comunhão do Espírito Santo estejam sempre com todos vós!‟.
Essa unidade entre o pai o filho e o Espírito Santo, expressa em forma de
saudação por Paulo à Igreja de Corinto, se transformou em uma máxima que até
hoje é relembrada todos os dias ao final de cada celebração da missa católica, pelo
padre, como sinal de despedida e proteção para os fiéis por meio da personificação
da santíssima trindade.
Já o título Cânticos dos Cânticos representa em hebraico4, uma fórmula de
superlativo; significa o mais belo dos cânticos ou cântico maior, refere-se a um livro
da bíblia no qual a autoria é atribuída a Salomão. O cântico dos cânticos
transformou-se no principal meio de expressão da experiência religiosa e da relação
amorosa de Deus com a Igreja.
No verso, faz do demônio5 meu Anjo da Guarda, o demônio é a entidade que
povoa o imaginário das religiões cristãs, elas tentam combatê-lo, pois ele é

4
C.f. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
5
Sempre que o cristianismo deixa marcas da sua influência, está presente a crença no diabo. No
antigo testamento, é entendido como o que se opõe; é o adversário, é o acusador. A partir de
determinado momento, a tradição olha-o como um ser individual. No novo testamento, onde é
frequentemente descrito o encontro pessoal, sucedem-se a derrota de Satanás. (NOGUEIRA, 2002,
p. 08)
60
considerado uma força atuante, um ser espiritual vivo, perverso, uma realidade
misteriosa e amedrontadora. Assim, “No afã de garantir a hegemonia das crenças, a
Igreja necessita detectar, divulgar e exorcizar o Mal, garantindo assim, o domínio da
consciência coletiva” (NOGUEIRA, 2002, p.12). Esse Mal está representado na
figura do diabo.
Os próximos poemas analisados abaixo fazem parte do livro Pentacantos,
nessa obra cinco cantos6 são organizados no intuito de reconciliar o leitor e a poesia.
Segundo Fábio Lucas “A grande metáfora que a atravessa é a palavra fundadora da
poesia. Habilmente o poeta explora os signos da Retórica, conciliando-os com os
códigos do amor e da vida” (LOUREIRO, 1984, p, 03). Os poemas desse livro são
repletos de jogos de palavras, que atrelam o seu significado com as referências do
mundo amazônico e do seu universo simbólico. Como iremos observar nos poemas
abaixo

3.2.3 “Fragmento III”

[...]

Em cada hora, para tudo, há um nada?


E para o nada tudo sempre avança?
Eros é dança.
Tânatos remansa.
Do sal do semêm brotam teogonias,
a cal não temem
gerações para a dor predestinadas.
Folhas roladas
Correntes
seixos largados
Rezas
Filhos folhas
oh! incerteza
da seta antes do arco retesado... (LOUREIRO, 1984, p.13).

Nesse poema, podemos atestar como se configura a diversidade religiosa a


partir da diversidade de suas formas. Assim, percebemos que o poema possui
inúmeras interdiscursividade com a religião, pois o poema em si não é religioso, mas
as fontes utilizadas no poema pelo autor se valem dessa imagem religiosa. Há
nessa estrofe do poema uma forte relação com a religião grega, por meio de uma
referência ao deus Eros classificado por Valdomiro Piazza como:

6
Som musical produzido pela voz de um homem ou doutro animal, música vocal, poesia lírica;
canção, divisão de um longo poema. Dicionário Aurélio (2008).
61
„O mais jovem os deuses e eternamente jovem‟ (Platão). Representa a força
primordial da fecundidade, que garante a unidade do cosmo e a
continuidade de todas as coisas vivas. No período clássico assume uma
forma mítica e poética, tal como vemos na sua representação de um menino
com assas, arco e flecha. (1991, p.131).

O deus Eros na mitologia grega que é associado uma espécie de força de


atração, associado também ao amor. E ao Tânatos que aparece em contraposição
ao Eros, Tânatos significa “dissipar-se, extinguir-se. O sentido de morre, ao que
parece, é uma inovação do grego. O morrer, no caso, significa ocultar-se, ser como
sombra.” (BRANDÃO, 1996, p.225). O mesmo autor descreve o Tânatos como:

Tânatos, que tinha coração de ferro e entranhas de bronze, é o gênio


masculino alado que personifica a morte, mas não é agente da mesma. Na
tragédia grega surgiu como personagem pela primeira vez na obra de
Frínico (século VI a. C) [...] Tânatos não tem um mito propriamente seu.
(BRANDÃO, 1996, p. 226).

Assim nesse jogo entre essas „personagens‟, pois enquanto um dança o outro
remansa, Loureiro estabelece o jogo entre a sensualidade, a contrariedade e o ato
de criação, estabelecido por meio da Teogonia. Dessa maneira, acontece a
intertextualidade com o livro, pois em Teogonia, Hesíodo estabelece uma genealogia
dos deuses e narra suas lutas até a vitória de Zeus. Assim, o autor estabelece como
surgiram esses deuses e de que maneira eles influenciaram a nossa cultura.
Para Loureiro, na Amazônia também podemos encontrar essa Teogonia
descrita por Hesíodo e ela acontece por meio das encantarias, pois de acordo com o
autor: “As encantarias amazônicas são uma zona transcendente que existe no fundo
dos rios, correspondente ao Olimpo grego, habitadas pelas divindades encantadas
que compõem a Teogonia amazônica.” (LOUREIRO, 2008, p. 46).
Os próprios discursos míticos amazônicos estão revestidos deste aspecto
poético de um imaginário, propiciado por locais extraordinários que despertam o
sentimento de que a natureza está animada por uma força incomum. Loureiro
compara as encantarias amazônicas com as divindades do Olimpo grego e estas
são comparadas aos encantados da Amazônia.

Portanto, como já mencionamos nesse trabalho é a encantaria com sua


dimensão imaginária que fornece a matéria prima para o estabelecimento da poesia
de Paes Loureiro. Com isso, confirmamos que o sentimento sagrado e religioso, não

62
é exclusivo de espaços teológicos e sacerdotais. A seguir iremos analisar mais uma
estrofe de um poema do livro Pentacantos:

3.2.4 “Fragmento II”

Navegação em mar de espelhos,


máscara de Deus
o sol sorrir nas velas...
No altar, ara de lemes, caravelas
Pianíssimo imola-se o bezerro.
Arde o sonho entre sílabas na proa.
As oferendas boiam à flor dos mares.
Escamas saltam para pescador
que incorpora guelras
e respira
junto ao mar
maroceano
arco
de azul cavossoante violoncelo,
onde azuis violam céus
em seus infernos. (LOUREIRO, 1984, p. 29).

Nesse poema, encontrarmos a relação com a religião, a partir do momento no


qual o homem se confronta com o seu reflexo, mas não em um espelho comum, e
sim no espelho mar. Esse mar que esconde a face de Deus. Dessa maneira,
concluímos que o sagrado se instaura por meio dessa relação com o invisível. O mar
também serve de lugar sagrado aonde são apresentados sacrifícios e oferendas,
duas palavras centrais para várias religiões.
Esses conceitos são considerados questões centrais nos cultos de muitas
religiões, o sacrifício para quem o pratica é considerado como algo valioso que é
oferecido para os deuses e divindades, esse sacrifícios podem ser constituídos de
frutas, animais e em algumas culturas encontramos, inclusive, o sacrifício humano.
Já o propósito de uma oferenda vai depender do que o sacrificante anseia alcançar,
essencialmente se oferece um presente a divindade e recebe outro em troca.
No verso, pianíssimo imola-se o bezerro, temos uma referência ao sacrifício
de expiação, que ocorre quando um pecador quer se redimir de alguma coisa que
tenha feito e que desagradou alguma divindade, para que ele seja redimido um
animal é imolado em seu lugar. Esse tipo de sacrifício era muito comum no antigo
testamento os animais eram muito ofertados. Na bíblia temos uma referência a esse
tipo de sacrifício na passagem Deus prova Abraão:

63
Chegando ao lugar indicado por Deus, Abraão ergueu ali um altar, colocou
a lenha em cima, amarrou o filho e o pôs sobre a lenha do altar. Depois
estendeu a mão e tomou a faca para imolar o filho. Mas o anjo do Senhor
gritou-lhe dos céus: „Abraão! Abraão!‟ Ele respondeu: Aqui estou! E o anjo
disse: „Não estendas a mão contra o menino e não lhe faças mal algum.
Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu único filho.‟ Abraão
ergueu os olhos e viu um carneiro preso pelos chifres num espinheiro.
Pegou o carneiro e ofereceu em sacrifício em lugar do seu filho. (BÍBLIA
SAGRADA, 2005, Gn, 22, 9-14).

Assim, temo mais uma vez, intertextualidade com a bíblia, porém dessa vez
essa relação acontece por meio do antigo testamento. No poema de Paes Loureiro o
lugar no qual ocorre esse sacrifício é o mar, em muitos de seus poemas ele aparece
como lugar sagrado. Na próxima estrofe do poema também iremos encontrar essa
referência ao mar, no entanto, o mar aparece para demarcar a passagem do tempo:

3.2.5 “Fragmento I”

Pelo tempo. Pelo vento. Pelo tempo.


Naveguei. Naveguei. Naveguei.
Dei á cunhã Macuxi um pé de tambatajá e juramos
Para sempre amor.
Navegamos depois pelo tempo pelo sempre
buscando a terra sem males
além da Serra da Lua. (LOUREIRO, 1984, p. 59).

Nessa estrofe, cabe o conceito de hierofania proposto por Mircea Eliade, que
consiste nas formas diferenciadas de manifestações das realidades sagradas que
podem ser chamadas de hierofanias, ou seja, quando algo considerado sagrado é
mostrado, revela-se ao homem, e este o reconhece como tal e manifesta-se
independente da sua forma, ou lugar:

A partir da mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação do


sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore – e até a hierofania
suprema que é para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo,
não existe solução de continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato
misterioso: a manifestação de algo „de ordem diferente‟ – de uma realidade
que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante
do nosso mundo „natural‟, „profano‟. (ELIADE, 2010, p.17).

O reconhecimento de algo sagrado revela-se para o homem religioso como


um acontecimento de ordem extraordinária, que dota a existência de um valor
incomum, que confere novo status aos objetos, espaços, pessoas, inclusive com
relação à linguagem. Pois, a percepção do homem que reconhece algo como

64
sagrado não pode ser considerada como a mesma do reconhecimento de algo
comum: um texto jornalístico que trata da economia diária não tem o mesmo valor
ou natureza de textos sagrados em que são relatadas experiências hierofânicas.

A interpretação de que as coisas do mundo podem emanar um sentido que


lhes é conferido por algo maior, sublime. Subverte o sentido do próprio mundo e da
existência que deixam de ser percebidos através de uma consideração corriqueira,
profana, normal, e passam a ser de ordem extraordinária, portanto, sagrada.

Mesmo com o advento da modernidade o homem continua em busca de


respostas às suas angustias e desejos, porém, a diversidade de formas de
manifestações do sagrado acaba por vezes assustando-o, ou como bem nos mostra
Mircea Eliade:

O homem ocidental moderno experimenta um certo mal-estar diante das


inúmeras formas de manifestação do sagrado: é difícil para ele aceitar que,
para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou
árvores, por exemplo. Mas, como não tardaremos a ver, não se trata de
uma veneração da pedra como pedra, de uma árvore como árvore. A pedra
sagrada, a árvore sagrada não são adoradas como pedra ou como árvore,
mas justamente porque são hierofanias, porque „revelam‟ algo que não é
nem pedra ou árvore, mas o sagrado. (2010, p.17)

Com base no que foi exposto por Eliade, em relação à hierofania, podemos
dizer que as formas de manifestação do sagrado ocorrem por meio do
reconhecimento que o homem faz de aspectos extraordinários que tem valor de
mistério e são incomuns pela descontinuidade que altera a percepção do mundo.

O sagrado é diferente daquilo que é considerado comum. Ao transpormos


essa noção de extraordinário - como expressão do sagrado que se apresenta ao
homem como mistério – para a literatura, especificamente na poesia de Paes
Loureiro, podemos perceber que esta comporta o sentido do incomum quando se
apropria das temáticas que envolvem o sagrado.
O que por correspondência a torna uma forma de linguagem da religião que
comunica uma realidade sagrada, do inteiramente diferente do que há de comum.
Assim, em qualquer lugar pode manifestar-se o sagrado em uma pedra ou em uma
planta, como no verso Dei a cunhã Macuxi um pé de tambatajá. Planta considerada
sagrada na região. Nesse caso a interdiscursividade acontece por meio de uma
lenda amazônica, pois o tambatajá possui uma história que é conhecida por todos os
caboclos e índios da região, assim temos a semiótica com base no relato oral:
65
O espírito ou alma de um pássaro se encarna numa dessas espécies de
aráceas: „o tajá que pia‟; e o tamba tajá‟, que está ligado à vida amorosa da
gente simples e romântica da Amazônia. Do tamba-tajá dizem no estado do
Pará, que tem „sexo de mulher‟, referindo-se a pequena folha que lhe
aparece (nem sempre em todas) colada a página inferior das principais, e
vendo, também, no talo que se destaca entre elas, um sexo masculino. O
tamba-tajá terá nascido no lugar em que foram enterrados dois índios
amorosos e que representam o amor total na vida e além da morte. O amor
eterno. (LOUREIRO, 2001, p. 39).

Já no verso, buscando a terra sem males, temos a referência ao mito tupi da


“terra sem mal nos é descrita inicialmente como lugar de abundância: o milho cresce
sozinho, as flechas alcançam espontaneamente a caça... Opulência e lazeres
infinitos. Mas nenhum trabalho.” (CLASTRES, 1978, p. 67). Segundo o mito no lugar
da terra sem males não haveria guerras, fome, nem doença. Esse mito foi utilizado
como forma de resistência à opressão portuguesa que a tribo viveu no período da
colonização do Brasil. “A terra sem Mal é esse lugar privilegiado, indestrutível, em
que a terra produz por si mesma os seus frutos e não há morte.” (CLASTRES, 1978,
p. 67).
Na estrofe do último poema que selecionamos do livro Pentacantos, temos
mais uma referência à religião cristã. Nesse poema, o autor realiza um diálogo com
Deus em forma de prece, assim como Jesus o fez na Cruz, por isso em cada verso
inicial o autor faz referência à frase dita por Jesus no momento da sua crucificação:
Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes. (BÍBLIA SAGRADA, 2005, Mt. 27,
46).

[...]

3.2. 6 “Fragmento III”

Por que me abandonaste


Nas palavras,
oh! vós que sóis meu verbo
em minha voz?

Por que me abandonaste


a sós no verso,
posto que nele estou
(oh! cruz, palavras)
e que não é sem mim
pois infinito sou
e palavra e poeta
estou no mundo?

Por que me abandonastes


com minhas lanças solar de alegoria,
para subir ao reino das palavras?
66
O reino das palavras... (LOUREIRO, 1984, p. 64)

Nesse poema o poeta tece uma comparação entre o seu fazer poético e o
momento da crucificação de Jesus, dois processos de sofrimento. Nesse momento o
poeta se vê em desespero em meio às palavras e os versos. Podemos dizer que
nessa hora „lhe faltou à inspiração‟, por isso ele ressalta a questão: Por que me
abandonastes. Recorrendo a uma força maior que rege tudo, assim como também
fez Jesus. Porém, com a morte da inspiração ele poderá alcançar o reino das
palavras, assim como Jesus alcançou o reino dos céus para a religião cristã.
Os poemas que iremos analisar agora compõem o livro Porantim, esse é o
primeiro livro que compõe a trilogia amazônica de Paes Loureiro, Segundo Octavio
Ianni “O segredo da poesia de Porantim é a tensão permanente, crescente e
renovada entre o homem e a natureza. É dessa tensão que arranca a invenção
poética de Jesus.” (LOUREIRO, 1978, p. 09). Mas, para compreendermos o
verdadeiro significado da obra devemos, antes de mais nada, compreendermos o
significado do seu título:

„... a peça etnográfica PORANTIM, encontra-se entre os índios Maué, do


lugar Terra Preta, no alto do Rio Andirá, Estado do Amazonas, Brasil, é um
„remo mágico‟ e uma „arma de guerra‟ ao mesmo tempo. Nele se acham
inscritos os signos que narram a tradição lendária da tribo, desde a antiga
terra de origem – Noçoquém – lugar de felicidade perdida. Segundo a
tradição, o remo mágico eu é o Porantim, veio, pelo tempo à fora, das mãos
do Tucháua Muratu, que, morto o deixou para seu filho.‟ (LOUREIRO, 1978,
p. 20).

Inspirado nessa peça etnográfica é que Paes Loureiro cria os poemas do livro
Porantim, o livro possui 43 cânticos, que tratam da temática do homem em relação à
natureza, porém essa natureza aparece de maneira devastada e explorada e nesse
cenário o índio acaba sendo a vítima desse processo de exploração, como podemos
perceber no poema abaixo:

3.2.7 “Ritual de iniciação”

Porantim! Porantim!
Eles nos fala...

As origens são ângulos,


losângulos
e somos como pássaros
no mundo.
67
Noçoquém, terra antiga, Noçoquém,
Que defumados cadáveres povoaram
e o anjo despescando, em rios, milagres,
maldições de Mahiras e Caaporas.
Assombram-se as razões de se viver,
sem mais o tarubá, sonho sorvido
em crânios inimigos,
pois gerações perdemo-nos em trevas
e somos como pássaros no mundo.

[...]

Porantim! Porantim!
Ele nos fala...
Em relevo de linhas, sobre discos,
Os guerreiros em torno de Mahira
furtam o fogo,
de prometeus perdidos em barrancos.
Entre ciladas
vão se cadáveres banhados
pelas folhas mágicas

[...]

Porantim! Porantim!
Remo de Ouro
onde deliram lendas
nuas de lírios
e liras naufragadas no martírio
de gerações do mar em ti, ó Rio,
entre apagadas canções de canoeiros
levados para o nada, nas inúteis
igaretés do tempo,
rimas – passos sem pegadas –
em direção das eras sem aurora
Horizontes de hímens navegados.
Alvas quilhas de botos entre as ondas.
E nos braços do rio,
dependuradas,
as liras, arquipélagos de ilhas,
ao sol sem melodia. (LOUREIRO, 2000, vol. I, p. 29.).

O primeiro elemento no qual podemos fazer uma interdiscursividade com a


religião é o próprio título do poema Ritual de Iniciação, esse processo iniciático está
presente em diversas religiões, pois é uma marcação temporal, é o que
possibilidade uma mudança de status dentro de uma comunidade religiosa. As
principais fases que compõem esse rito são: o nascimento, festas que marcam a
passagem para vida adulta, o casamento e a morte. Esses rituais simbolizam uma
iniciação em uma nova fase da vida, todas as religiões possuem ritos de passagens.
Na estrofe do poema acima mencionado, percebemos por meio da narrativa
mítica do índio Maué a descrição de seu povo, um povo que nasceu para ser livre
68
como um pássaro e não para ser subjugado. Por isso, o índio faz referência a tudo
que compõe o seu universo simbólico nos versos: maldições de Mahira7 e Caapora8.
Assombram-se as razões de se viver, sem mais o tarubá9 sonho sorvido. No intuito
de reforçar a sua cultura, como forma de resistência, pois mesmo que toda sua
geração se perca, ainda assim, eles sobreviveram por meio de sua crença, como
pássaros soltos no mundo.
Nesse poema também, há a relação entre a religião indígena da tribo Maué e
o mito de Prometeu. Segundo Thomas Bulfinch (2006) Prometeu foi um defensor da
humanidade conhecido por sua astucia e inteligência, foi o responsável por roubar o
fogo de Zeus e o dar aos mortais. Zeus teria o punido por esse crime, deixando
amarrado a uma rocha por toda a eternidade enquanto uma grande águia comia o
seu fígado e no outro dia ele estava todo no lugar.
Assim, atestamos mais uma vez que a poética de Paes Loureiro se relaciona
e é influenciada pelos mitos amazônicos e gregos. No poema a seguir iremos
perceber outro elemento constante na poética de Loureiro a referência ao mito, que
para Loureiro é a “palavra originária e fundadora, não apenas de todos os povos,
como também das culturas e religiões. [...] memória emocionada das civilizações,
entre as sílabas do sempre.” (2000, p.309).

3.2. 8 “Cântico I”

Era o tempo naquele, quando não existia


a noite, nem o fogo e as caças e os peixes
eram comidos assados ao sol.
O canoeiro trabalhava, gapuiava
sem a noite, sem o fogo
e sua mulher sua foi à casa do pai
e trouxe a noite trouxe
ao canoeiro, pudesse descançar.
A noite, essa uma, era fêmea
e o hímen-lua vinha oculto
em sombras sombras umbras...
A noite era fêmea e trazia
diadema de carapanãs
e tremia de frio.

(Da noite feita o canoeiro


o canoeiro da noite foi buscar

7
Herói mítico dos Parintins ou Cauiaiúas, do rio Madeira, Amazonas. De origem tupi. Suas aventuras
tem sabor de malicias e de zombaria, lembrando o Macunaíma. Dentre suas experiências está o furto
do fogo dos urubus.
8
Espécie de curupira de pés normais. Ser folclórico. Na língua geral significa habitante do mato.
Quem o encontra fica infeliz nos negócios e no que quer empreender.
9
Nome tupi de uma bebida fermentada, de alto teor alcoólico, feita com beju-açu dissolvido na água.
69
feita em fogo que no ventre
da noite do jacaré ardia
dentro foi buscar do rio
no ventre o fogo da noite
o canoeiro
que dentro foi buscar
e era o tempo naquele)

Era o tempo naquele


em que o rio,
sem começar a ser rio-mesmo,
fazia sua linguagem
e era o tempo. (LOUREIRO, 2000, vol. I, p. 31).

Nesse canto temos a presença do mito de criação da tribo Maué, nada existia,
nem a noite, nem o fogo e as comidas eram assadas ao sol, a noite era a fêmea
ardilosa. O mito religioso tem essa característica, procurar explicar alguma coisa,
como uma espécie metafórica de explicação, para as questões fundamentais da
vida. Nogueira (2012) considera o mito a narrativa por excelência da religião, uma
maneira que o homem encontra para expressar sua origem, sua cultura, seu
sentimento de pertencimento social.
É por meio da narrativa mítica que muitas dessas formas simbólicas se
manifestam. Tendo em vista que “O mito proclama a aparição de uma nova
„situação‟ cósmica ou de um acontecimento primordial. Portanto, é sempre a
narração de uma „criação‟: conta-se como qualquer coisa foi efetuada, começou a
ser.” (ELIADE, 2010, p. 85).
O imaginário está diretamente relacionado com o lugar social de quem o
representa, pois ele é o fruto das experiências pelas quais os homens passam ao
longo de suas existências. Desta maneira os mais diversos aspectos que compõem
a vivência do homem fazem parte do processo de construção do seu imaginário.
Pois, ele tira da sua própria realidade a matéria prima para o seu devaneio poético,
inclusive da sua própria experiência religiosa
Nesse poema percebemos também outros elementos próprios da região
amazônica, o canoeiro e o rio. Nele o autor traça essa relação entre o mito o
canoeiro, o ribeirinho que desde o princípio de tudo já estava lá, ele navegando pelo
rio e fazendo poesia no rio a linguagem. Pois, o mito na Amazônia está relacionado
com o processo de criação, poesia.

70
3.2.9 “Cântico XVI”

[...]

Oh! emergência de cruzes


sobre as ondas.
Oh! iminência de luzes
Sobre espadas.
Oh! consciência infeliz
sobre a boiuna.

Crista de onda,
manto de Cristo...
Rionazareno.
A consciência em si
é o descaminho
É o sempre aquém do ser
que sonha além?

Eternidade – delta mar sem quilha.


Eterna idade sempre cio.
Malinação. (LOUREIRO, 2000, vol. I, p. 55)

No próximo poema encontramos mais uma vez o interdiscurso com a religião


católica e a crença amazônica. Primeiramente, por meio da referência ao principal
símbolo cristão à cruz e depois através da referência ao próprio Cristo por meio de
um jogo de palavras, que nos apresenta Jesus como o próprio rio. O imaginário
rompe com as barreiras de espaço e tempo, possui sua lógica própria, e assim é
composto por um vasto e rico complexo de imagens simbólicas, nas quais o rio é
uma delas.
Nesse poema há uma forte relação com o rio, daí surge à referência a um dos
mais terrificantes mitos populares da Amazônia: a boiúna, do tupi Mboi (cobra) e una
(preta). É a cobra preta ou cobra grande figura mítica que transmite tanto medo aos
nativos. Em noite de luar, transforma-se em navio iluminado e percorre os rios
infundido pavor e naufragando embarcações. Aqui nos deparamos com um forte
elemento presente nas religiões o fascínio, o medo e ao mesmo tempo o respeito.
Percebemos também nesse poema outro termo muito conhecido da cultura
amazônica, o termo malinação, essa palavra é uma corruptela do termo maligno,
significa malinar, maltratar, ou fazer malvadeza. Para a crença cabocla uma pessoa
pode se transformar em bicho e malinar com os outros.
Os poemas que seguem abaixo compõem o livro Deslendário, segundo livro
da trilogia amazônica, nesse livro Loureiro estabelece um paralelo entre o tempo
mítico de outrora e a realidade na Amazônia, como está no presente e como ela

71
será no futuro. Dessa maneira, a temática dessa obra perpassa pela destruição da
sociedade, a mortalidade dos índios e o fluxo de ribeirinhos que deixam a região
onde moram e começam a passar situações de miséria na cidade. Assim, a maioria
dos poemas desse livro levam no título Deslenda, para ressaltar esse processo de
perda. O primeiro poema a ser analisado é o Deslenda cristã I:

3.2. 10 “Deslenda cristã I”

Quando chegar o ser


por sobre as águas,
repartirá os haveres
sobre o tempo
e a decisão
entre o eterno e o efêmero.
Tudo se cumprirá
em face de todos
e em derredor do círculo de espinhos.

E o ser dirá redividido a noite em açoite


e paludismo
entre oliveiras do calvário agrário:
o que há de me trair,
o que há de dividir o meu sudário,
tem sua mão afogada em seu salário. (LOUREIRO, 2000, vol. I, p.107.)

Nesse poema acontece, mais uma vez, a referência a Jesus, porém por traz
dessa referência está velada uma crítica à forma de exploração agrária. Nesse caso
a região amazônica é comparada a Jesus e tudo o que ele passou no momento de
sua estada no mundo. Assim acontece com a Amazônia explorada. Antes a terra era
vista como uma espécie de presente de Deus para os homens e até então essa
relação não havia sido contestada.

3.2.11 “O rosto da Amazônia ou deslenda rural.”

[...]

Senhor,
por que me abandonaste
aos que me crucificam
em minha terra
em meu salário
em minha fome...
Senhor,
por que me abandonaste
aos que lançaram dólares
em minha terra
em meu salário
em minha fome...

72
Senhor,
por que me abandonaste
aos que me amortalham
em minha terra
em meu salário
em minha fome...

Tomai e comei
este é meu corpo
redividido em lucro e latifúndio.

Tomai e bebei
este é meu sangue
redividido em ouro e minérios.
Comei e bebei
este é meu povo
redividido em braço e mais-valia. (LOUREIRO, 2000, vol. I, p.109-113)

[...]

No poema mencionado Paes Loureiro relaciona a exploração da região por


meio dos latifundiários com o processo de crucificação de Jesus. Como se o povo
tivesse sido abandonado por deus nas mãos daqueles que estão a castigá-los, e
mais uma vez o autor utiliza a máxima utilizada por Jesus na cruz: Senhor, por que
me abandonastes.
Em seguida o povo se entrega, Loureiro demostra esse fato por meio de uma
referência ao momento central da liturgia católica o sacramento da eucaristia. Nessa
hora os católicos cumprem a missão deixada por Jesus no momento da vigília da
sua paixão, e assim proferem as seguintes palavras deixadas por Jesus na última
ceia:
Isto é meu corpo, que será entregue por vós, fazei isso em memória de
mim. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice, dizendo
este cálice é a nova aliança no meu sangue; todas as vezes que deles
beberdes, fazei-o em memória de mim. (Primeira Epístola ao Coríntios
2005, 11, 23-25).

No poema a seguir temos, mais uma vez, uma referência a uma paisagem
mítica da região, por meio dos elementos Lua e Sol. Na simbologia, a lua é vista
como uma figura feminina, sobretudo, por causa do antigo ideograma yin, um corpo
celeste que recebe a luz passivamente, também é considerada um símbolo feminino
por analogia ao mês lunar e ligação ao ciclo menstrual, dessa forma podemos
entender a referência feita no poema abaixo:

73
3.2. 12 “Amazônia! Amazônia”

Paisagem mítica
Foi Baíra quem criou o sol e a lua.
O sol é homem
a lua é mulher.
Fez o membro do sol
da raiz da paxiúba
e da raiz do apuizeiro
fez a fenda
do enluado sexo da lua.
O sol, solteiro homem, sai de dia.
A lua, que é mulher, de noite sai.
Cada qual compreende seus deveres.
Na terra, como o sol, nasceram os homens.
E, como a lua, saíram-se as mulheres. (LOUREIRO, 2000, vol. I, p.119)

No poema mencionado, percebemos que a mulher é vista, mais uma vez,


como um ser ardiloso, um ser da noite. Na Amazônia a mulher é esse ser
encantador que fascina e envolve o homem, por isso ela é comparada a lua.
Loureiro nos conta uma lenda amazônica, na qual a mulher também é associada à
lua:

No imaginário indígena da Amazônia, a lua amando seu irmão, praticava o


incesto, visitando-o a noite, protegida pela escuridão, para fazer amor. O
irmão, desconfiado, marcou o rosto da irmã com suco de jenipapo.
Percebendo-se marcada, com risco de ser descoberta no incesto, a irmã foi
para o céu e transformou-se na lua. Que até hoje tenta apagar as manchas
do seu rosto. (2001, p. 15)

O imaginário seria uma forma de resistência reconfortante diante da pressão


sofrida pelo ser humano em face das forças contrárias a sua existência, uma
tentativa de capturar algo que está ausente na condição de ser humano, algo que se
apresente durável, eterno, como parte do anseio angustiado do homem diante da
finitude da vida.

Segundo Eliade (2010) o afastamento do divino ocorre quando o homem


traduz, cada vez mais, a sua realidade a partir das suas próprias descobertas
religiosas ou culturais. Portanto, o homem percebe o sagrado por meio da
fecundidade terrestre, de experiências religiosas mais concretas, ou seja, mais
carnais, até mesmo orgíacas.

Com isso, o homem se afasta do divino, transcendente institucional para se


ligar ao sagrado de forma introspectiva e pessoal, assim outras formas de sagrado

74
entram em questão, a sexualidade, a fecundidade, a mitologia da mulher, e da terra,
por isso, a experiência religiosa torna-se mais concreta e intimamente mistura à
própria vida.

Os próximos poemas pertencem ao livro Altar em Chamas, o título desse livro


já faz uma referência ao altar, plataforma parecida com uma mesa, pode ser de
madeira, vidro ou uma rocha. Esse símbolo é utilizado por várias religiões, para o
catolicismo é no altar onde se celebra a missa, já para o protestantismo no altar os
pastores pregam e em religiões africanas também se utilizam o altar para a
apresentação de oferendas e sacrifícios. No início do livro Loureiro traz uma citação
do livro A cidade antiga, de Fustel de Coulangens, o que bem representa a
atmosfera da obra:

Assim como o altar doméstico mantinha unidos ao seu redor os membros


de uma família, assim o culto de uma cidade era a reunião de homens que
tinham os mesmos deuses protetores e realizavam o ato religioso no
mesmo altar. Na cidade nada mais existiu de mais sagrado que esse altar,
sobre o qual ardia sempre o fogo sagrado. (LOUREIRO, 2000, p. 213).

O livro de Coulanges (2007) nos revela a presença de um lugar dentro de


suas casas, no qual os gregos e os romanos cultuavam o fogo, esse lugar era um
altar. Nele o fogo deveria permanecer sempre aceso, dia e noite, o fogo só deixaria
de brilhar no dia em que toda a família desaparecesse. O fogo tinha algo de divino,
por isso era cultuado e adora pela família no altar doméstico. A partir dessa
atmosfera familiar é que Loureiro irá compor os poemas dessa obra o primeiro deles
é o poema Itinerário:

3.2. 13 “Itinerário”

Coração persistente
no ventre
mãe.
Oh! vínculo vicinal
umbigo e terra,
que nem a lâmina do rio
e a idade cortam.
Tão leve e alado sigo
em busca do sagrado,
que frágil me deparo
ante o impuro
e me deploro nu
ao pé do agora
nesta Belém grelando em barcarenas
recomposta de barros e memórias

75
onde
estruturas de amor
originamos... (LOUREIRO, 2000, vol. I, p. 215)

Com base na citação de algumas paisagens da região, o poeta traça sua


relação sentimental com elas, sobretudo, Belém e Barcarena. Pois, para o poeta a
vivencia em um determinado lugar irá influenciar na forma na qual a sua poesia será
criada. Essa relação é tão forte como uma relação entre mãe e filho, entre o homem
e a sua terra, que jamais poderá se apagar. Assim, o autor segue em busca daquilo
que ele considera sagrado.
Portanto, a manifestação do sagrado através desse reconhecimento que o
homem faz de aspectos considerados incomuns. Aspectos esses que alteram a sua
realidade e conferem um mistério a sua existência, dessa forma acabam por alterar
a sua noção de mundo, sendo assim, o sagrado é considerado diferente daquilo que
é comum.
A religião e a poesia estão abertas as expressões, pois elas são elaboradas a
partir do desejo humano, do sentimento incontido de ligação à vida, em suas
relações existenciais elas demonstram os sentimentos de ausência do homem.
Esses sentimentos podem ser pelos seus entes queridos ou pelo desejo de
imortalidade em face do medo da morte, típicos de uma existência precária, pois o
desejo é expressão do distanciamento entre o sujeito desejoso e o objeto desejado,
portanto, poesia e religião se relacionam como símbolos de ausências individuais ou
coletivas.

O próximo poema é bastante melancólico, faz uma contraposição ao que


representa um altar para Coulanges. Pois, nesse altar revisitado pelo poeta o fogo
sagrado já se apagou, tudo que sobraram foram cinzas e as lembranças de um
passado que não existe mais, todos se foram, porém um restou, mas ao confronta-
se com esse momento de solidão ele percebe que está sozinho, por isso, também já
morreu.

3.2. 14 “Casa natal revisitada”

O que era tudo para mim


hoje
é um altar em cinzas...
Uma fogueira de relógios
arde no vazio.

76
Angústia de buscar-me
nas alcovas
arruinadas de uma casa ausente.
Foi ali que nasci
O cheiro de alfazema
Que outros nasceres inundaram a casa
ainda evola das cinzas.
Foi ali que nasci.
Embora vendo
Esse destino de chamas
das salas e varandas e cortinas
pensei:
„Foi então que morri‟ (LOUREIRO, 2000, vol. I, p.266).

Ao revisitar o lugar onde nasceu e se deparar com o seu „altar em cinzas‟, o


eu lírico revela um sentimento de profundo pesar, pois conforme a crença antiga
aquele lugar que representava um lugar sagrado de nascimento, estava em ruínas,
pois todos haviam partido. Nesse poema podemos perceber a importância que tem o
imaginário proposto por Durand (1997) quando afirma que o dinamismo do
imaginário, conferindo-lhe uma realidade e uma essência própria. Em princípio, o
autor também apresenta uma formulação quando afirma que o imaginário é uma
resposta à angústia existencial frente à experiência "negativa" da passagem do
tempo.

O apego ao imaginário seria uma forma de resistência confortante que o


homem criou para suportar a existência de forças contrarias a sua existência. De
acordo com Rubem Alves (1984), a partir do desejo de esperar o que está ausente é
que surge a possibilidade de criar, de imaginar, onde o que importa neste processo
são os objetos que a fantasia e a imaginação são capazes de construir.
O poema seguinte, também nos revela uma imagem muito marcante. Pois
nos mostra um novo quadro, o índio que expulso de sua terra vai para frente de uma
igreja tentar conseguir algum dinheiro. E para isso ele recorre à exposição de um
mito de sua tribo, como podemos ver a seguir:

3.2. 15 “Um índio à porta da igreja”

Longe
o horizonte industrial.
O arco-íris retesa-se a lançae
flechas de chuva.
Versos pés ante pés pombos páginas caminham...
Na calçada pública da igreja
um índio pede esmolas.

77
Óculos escuros
pés descalços
um índio pede esmolas.
Pelas frestas dos vitral
Alguma coisa sangra.
Em tudo a sombra do Calvário.
O índio
- maracá na mão-
perdida a auréola, o cocar,
com voz de canto chão,
o índio conta uma vaga história
a troco de moedas.

„Na festa Tocandira


as borboletas encantavam-se em mulheres.
Uma esmola, senhor.

As bocas enchiam-se de espinhos


de não dizer ao noivo qual sua noiva.
Uma esmola senhor.
Os botos seduziam mulheres enluadas
para o fundo do rio.

As cunhantãs cuidavam-se escondidas


coroando-se de flores.
Uma esmola, senhor.

O sol era gente


e caminhava entre os jovens pretendentes
acendendo-lhes, fogueira, seu desejo.
Uma esmola, senhor.
Os pássaros levavam o dia para longe.
Com a mão embrulhada em mel e tocandiras,
bentre gritos e dores,
guerreiros jovens iniciavam a dança.
Uma esmola, senhor.
Tambores batiam e os jovens guerreiros
dançavam, gritavam, pulavam, sofriam.
As cunhantãs espiavam
e de quem se condoessem
o retiravam da dança
(corça sobre o gamo)
para dele cuidar em rede de envira leve
à beira do igarapé.
E se tornavam marido e mulher.
Uma esmola, senhor.
O amor amortecia o sofrimento.
E a lua virava beija-flor,
para beijar constelações
à flor das águas.
Uma esmola, senhor”.

Crepúsculos imóveis olham.


Transeuntes passam.
Campanários calados.
A eternidade espreita em calendários.
Um índio à porta da fé
cantando esmola
a ouvidos que passam
a pés que passam
78
a cheques, talões que passam
Imploram, não moedas
para a sopa noturna, como pensam
e pensa.
A esmola que ele implora é a própria vida. (LOUREIRO, 2000, vol. I, p.341)

O poema mencionado revela o que aconteceu com o índio que perdeu tudo
no que acreditava, sua cultura sua crença, sua tribo. E nesse momento se encontra
sem nada em frente à uma igreja, com óculos escuros, descalço, mas com o maracá
na mão. Tenta conseguir algum dinheiro, porém só conhece estórias que poucas
pessoas que passam estão dispostas a ouvir. São histórias sobre lendas e mitos do
seu povo, o que confere a interdiscursividade ao poema.
O índio é comparado a um anjo que perdeu sua aureola, pois ele perdeu o
seu cocar, o que lhe conferia a sua identidade. Relembra à festa de Tocandira, a
festa possui esse nome em referência as formigas de ferroadas dolorosas, nessa
festa eram celebradas as núpcias dos índios Maués.
O índio também faz referência ao boto figura mítica da Amazônia, uma
espécie de golfinho. É um ser encantado, habitante das encantarias do fundo dos
rios. Transforma-se em um belo rapaz e seduz as mulheres que habitam as regiões
ribeirinhas. Por fim, o índio em meio as suas histórias e pedindo suas esmolas,
revela no final que ele não quer dinheiro necessariamente, mas sim, a sua vida de
volta que foi roubada no período da colonização, e como ele está em frente a uma
igreja, podemos dizer que ele está pedindo de volta a sua crença.
Os próximos poemas fazem parte da coleção As encantarias, esses poemas
são especialmente voltados para os encantados da Amazônia. A partir desses
encantados e das referências aos mitos é que vão se configurar a intertextualidade
religiosa desses poemas. Como podemos perceber em seguida:

3.2.16 “Hinos Dionisíacos ao Boto.”

É o Boto que celebro.


O Boto de roupas brancas filhos das águas e do luar.
Ele que um dia surgiu tal resplendor de um sol
no diadema da noite.
Luz no fundo túnel do desejo.
O rio cedeu espumas para que a lua
em seu tear tecesse a sua vestimenta.
Alvura, brancura, claridade.
Oh! Boto,
encantamento soprado em duas sílabas.

79
Esse nome despontou um dia
por sobre os promontórios da linguagem,
na crispação dos fonemas
atormentados em busca de sentido.
(Quem saberá dos peraus
onde renasce
o verbo inicial em cada nome?)
Estava ali o nome vestido de vogais
arcado de consoantes.
Duas sílabas querendo decidir o mundo
e dividir a vida em dois
- quem ama, quem não ama...
A palavra brotando como canto
no vale do silêncio,
ou como o botão de flor de um ai! Numa garganta,
ou como a brusca insurreição de um coral de primaveras.

[...]

Oh! Monarcas de menarcas, grão senhor do rio dos encantados,


comandante investido no poema.
Tu que aos homens te assemelhas
para ser dessemelhante dentre os homens.
Deflagrador de tempestades de contrários,
solitário imperador dos impérios
cultivados na várzea do poema.
Conduzindo-me na poesia
esse teu ser
escravo da linguagem que é teu reino.
Em tempo mitomorfo navegando
ergo as velas verbais da alegoria
no deflagrar bandeiras e metáforas
diante do prodígio de vocábulos
que saem do dicionário
transbordados de som e de sentido,
entre espumantes vinhos são levados
aos lábios de cantares e dos hinos,
ou como rimas e louros consagrados
a coroar a fronte de uma estrofe.
Se eram palavras comuns, tornaram-se raras;
já não querem dizer, querem cantar;
mas além de cantar, querem dançar;
e, muito além de dançar,
elas se querem ser outras palavras
que não sejam somente o que elas são
ora ser e não-ser
vitral e luz
ungidas nesse próximo distante
das catedrais verbais do imaginário.

Eu te saúdo nome-falus
Como encantado que és

80
e te celebro
nesse cantar que se mantém cativo
do mesmo encantamento que cativas.
Tu que meu canto acorda em leito de morfemas
e te ergue pelas mãos de um verso heróico,
desde a pátria de hexâmetros de Homero
até as encantarias deste poema...

Oh! tu
que levas aos mortais
o leve salto no abismo da paixão humana.
A ti eu canto!
Tu que vens e vais, voltas não-voltas,
feito esse adeus que um deus paralisou na forma de uma lua.
Tu que arrastas a noite como um manto imenso
tal como a vela arrasta o infinito,
tal como a vela arrasta o lençol dos oceanos.
A ti eu canto!
Celebro teu ser em festa nas festas do teu ser.
Celebro a música que adorna teu silêncio,
a pura sedução de teu segredo,
a doce transgressão de teu delírio.
A ti eu canto!
cavaleiro do vale entreaberto em coxas no horizonte de algum ventre,
personagem das mil e uma noites
das várzeas, dos peraus, dos igapós...

Tu que amas as danças e a vertigem


dessa orgia de ser.
Herói de troias de tabuas e mangueiras,
glorioso filho das encantarias.
Tu és aquele escolhido pelos hinos
coroado de limo, mururés
e antiquíssimas cicatrizes da coroa de louros.
Pura aparência de imortal essência.
Olhares te procuram,
as cunhas te seguem com o desejo fisgado em teu anzol
sob o silêncio cúmplice de águas e florestas.

[..]
Eu te consagro aqui
grande esperado,
que a eterna espera faz teu ser eterno.
Oh! filho de Dionísio, neto de Selene.
Errante cavaleiro do sagrado
Instalado em palavra que te instala
Como tronco submerso em rio de encantarias.
Vocábulo lançado na essência da linguagem
como um dado,
como carta de um baralho e seus arcanos.
No vale do desejo e do poema
palavra pertencida que pertence,

81
edificando tempo articulado
de sentido e som, violino e arco.
Revelação por si mesma revelada, tua essência
é luz o vitral das aparências,
pura aparência que se faz essência
para ser.
Amor que vem à luz numa palavra inscrita no destino,
teu ser irrompe no nome como um jorro
tronco
da funda encantaria da linguagem.

[...]

Oh! palavra em festa na linguagem,


essência de alegria, gozo, canto,
existência do ser sendo prazer.
Teu reino não se nutre de conquista
nem outros
nem tesouros.
Teu reino é o dos fonemas
onde habitas e danças
rejubilas
que morres sem morrer
pois ressuscitas
cada vez que um relato te relata
ou que suspira em sílabas de espera
a cunhã que na rede te soletra.
Entrelaçado efêmero no eterno.
Divindade recolhida na palavra.
Palavra-templo que te abriga e de onde
Errante sacerdote de Dionísio
vagas na margem dos rios e do desejo
polinizando nos lábios que te chamam. (LOUREIRO, 2000, vol. II, p. 27-34).
[...]

A partir do poema Hinos Dionisíacos ao Boto, percebemos que na Amazônia


os conceitos sobre poesia e encantaria estão estritamente relacionados. Segundo
Loureiro (2008) essa dimensão transfigurada do real que são as encantarias,
conferem uma espécie de ilusão da vida, sentimento este primário de toda sua arte
poética.
A sua poesia reflete o imaginário dos mitos amazônicos, nos quais a
consciência religiosa do homem em relação à natureza encantada, torna-se um dos
aspectos essenciais para essa elaboração. Tendo em vista, que o tema central das
poesias está permeado pelo conceito estético-religioso que possuem as encantarias
o autor comenta:

82
Os mitos amazônicos, os „encantados‟ que habitam as „encantarias‟ -
espécie de Olimpo submerso nas águas dos rios da Amazônia - são
compreendidos por sua aparência estetizada e por meio dela garantem a
força abstrata de sua duração. Eles não falam, não dialogam, não
sentenciam, eles não emitem preceitos morais. Revelam-se como imagens
de pura aparência. Uma espécie de epifania. Atravessam as galerias do
imaginário ribeirinho como iluminações, nunca etnocenografia, hierofânica,
um puro deslizar de alegorias. (LOUREIRO 2008, p.26).

Essas encantarias que são mencionadas várias vezes ao longo de todo o


poema e revelam essa relação entre o homem e natureza. Essa representação
mental, consciente ou não, é formada a partir de vivências, lembranças e
percepções passadas, e está sujeita a ser modificada por novas experiências, um
imaginário que para o ribeirinho se confunde com a sua própria realidade.
A partir do que foi apresentado acima percebemos que a personagem central
do poema é o Boto, golfinho dos rios da Amazônia é um ser „encantado‟, habitante
das encantarias dos fundos dos rios. Transforma-se em um belo rapaz e seduz as
mulheres que vivem na região ribeirinha. Ele é celebrado, exaltado como grande
senhor no rio dos encantados, figura ambígua ser que está preso nesse reino das
encantarias e que também aprisiona.
Ele é considerado um ser que compõe a mitologia amazônica e por isso é
exaltado pelo poeta em forma de hinos10. O Boto é um símbolo da mitologia
Amazônia, sua presença denota inúmeros significados, sacralidade, sensualidade,
mistério, perigo, beleza, encantamento, tabu, entre outras coisas. A partir da
importância simbólica que o Boto tem para os ribeirinhos na Amazônia, o poeta
homenageia-o poeticamente, por que:

Na Amazônia, inventamos nossos mitos encharcados de poesias para


podermos viver na desmedida solidão de rios e florestas. Mitos de
encantados que são o próprio recolhimento da palavra no sagrado dos
mitos, até que a palavra se torne, ela mesma, o sagrado que se mostra na
poesia. (LOUREIRO: 2008, p. 16).

Na composição desse poema percebemos que ocorre uma intrínseca relação


entre um ser mitológico especificamente amazônico, o boto, com um ser da mitologia
grega, Dionísio, ao longo do poema os elos que caracterizam tanto um como o outro
vão surgindo por meio de efeitos poéticos. Como nos seguintes versos: Oh! filho de
Dionísio, neto de Selene. / Palavra-templo que te abriga e de onde / errante

10
Poema ou cântico de veneração louvor ou invocação à divindade.
83
sacerdote de Dionísio / vagas na margem dos rios e do desejo. Dionísio é
caracterizado como o deus da fertilidade e é considerado como:

Um deus gentil e generoso, normalmente descrito como „o dispensador de


cuidados‟. Foi ele quem deu ao rei Midas o dom de transformar tudo em
ouro em troca da ajuda a um sátiro bêbado que se casou com Ariadne
quando Teseu a abandonou. Acima de tudo, Dionísio criou o vinho,
reverenciado pelos gregos como uma bebida sagrada, e fez com que o leite
e o mel jorrassem. Seu culto, associado às danças, aos disfarces e ao uso
de máscaras, criou o teatro, o drama, a comédia e a sátira. (HALLAM, 2002,
p.110).

Desta forma atestamos como ocorre no poema uma das principais


características da arte poética do autor João de Jesus Paes Loureiro, a relação de
uma poesia feita na Amazônia, influenciadas por seus mitos e com a mitologia
grega. Ambos, tanto o Boto como o deus Dionísio, são considerados entidades
sensuais, encantadoras, que revelam uma aura de sacralidade.
Nesse poema também percebemos uma forte relação com a linguagem, mas
não a linguagem propriamente dita, mas sim a poesia como encantaria da
linguagem. Conceito desenvolvido pelo autor, que corresponde na influência das
encantarias no processo criativo da sua poesia. Errante cavaleiro do sagrado /
Instalado em palavra que te instala / Como tronco submerso em rio de encantarias. /
Vocábulo lançado na essência da linguagem.
Assim, fazendo um paralelo com o mito de Orfeu o autor nos apresenta a
importância da linguagem em uma comparação entre o mito e o seu fazer poético
“Orfeu que mergulha na profundidade das coisas, para resgatar a mulher amada, o
poeta, mergulha na linguagem, para desencantar de suas encantarias, o poético, a
poesia e os poemas ali contidos.” Loureiro (2008: p.09).
A seguir temos outro poema que compõem o livro As encantarias, esse livro
dialoga com principal temática os encantados da Amazônia, faz referências aos seus
mitos e lendas. Porém, nesse poema encontramos a intertextualidade mais
diretamente relacionada a uma passagem bíblica do antigo testamento:

3.2. 17 “Cantar dos encantados”

Amon contemplava a irmã


Tamar, que no rio banhava-se.
Logo o seu corpo, qual rio,
em ondas se arrepiava.
Tamar, seus peitos de fora
84
o sol ardente beijava
e o rio em sua cintura
braços e pernas trançava.
Amon de Tamar se achega
e em sua ilharga se instala.
Sendo tempo de verão
ela, sem anágua estava.
Por sob o lençol do rio
macho e fêmea se encontravam.

A Iara vaga atônita.


O Uirapuru se calava.
Botos nadavam em pânico,
por esse amor que pecava.
Uma leve garça pálida
alvas penas arrancava.
No pasto, em dorso de égua,
um alazão relinchava.

Tamar e Amon, entre peixes,


macho e fêmea se tornaram.
Rubras pétalas desfeitas
à flor das águas boiaram.
Tamar e Amon, nesse rio,
para sempre se encantaram.
Enquanto as águas revoltas
seus corpos arrebataram. (LOUREIRO, 2000, vol. II, p. 35)

A intertextualidade presente nesse poema perpassa, primeiramente, pela


relação existente entre os nomes das personagens Amon e Tamar, pois ambas são
nomes de personagens bíblicos que vivenciaram uma situação de incesto, como no
poema apresentado. Para que seja possível o estabelecimento da relação entre os
textos, faz-se necessária a citação da seguinte passagem bíblica:

¹Depois aconteceu o seguinte Absalão filho de Davi tinha uma irmã muito
bonita de nome Tamar, e Amnon filho de Davi apaixonou-se por ela, aponto
de sofre e ficar doente por causa da sua irmã Tamar. É que ela era virgem e
portanto parecia impossível aproximar-se dela. Ora, Amnon tinha um amigo,
seu nome era Jonadab filho de Sama, irmão de Davi. Jonadab era homem
muito esperto. Ele interpelou Amnon: „Caro príncipe, por que andas cada
manhã com rosto mais abatido? Que tal se te abrisse comigo?‟ Amnon
respondeu-lhe: „Eu amo Tamar, irmã do meu irmão Absalão. Então Jonadab
lhe disse: deita-te na cama como se estivesse doente, e quando teu pai vier
visitar-te, lhe dirás: Deixe minha irmã Tamar vir aqui, para me dar de comer;
que ela prepare a comida na minha presença, para que eu a veja e coma de
sua mão. [...] Depois Amnon disse a Tamar: traze a comida para o meu
quarto, de modo que possa comer de tua mão. Tamar tomou os bolos que
tinha feito e os levou para o quarto do seu irmão Amnon. Mas quando lhe
apresentou comida ele a agarrou a força e disse: Vem e deita-te comigo,
minha irmã! Ela respondeu-lhe: Não faças isso, meu irmão! Não me
violentes, pois isto não se faz em Israel! Fala com o rei. Ele certamente não
recusará entregar-me a ti. Mas ele não quis ouvi-la, apoderou-se dela a
força e a violentou, deitando-se com ela. Depois Amnon foi tomado de

85
profunda aversão contra ela, uma aversão ainda mais forte do que o amor
que lhe tivera. Por isso lhe disse: Vai-te embora e some daqui! Ela
respondeu: isto não, meu irmão! Pois escorraçar-me agora seria uma
infâmia ainda pior que a outra que cometeste contra mim! Mas ele não quis
ouvi-la. Chamou um dos moços que o serviam e lhe deu a ordem: Põe esta
mulher para fora daqui e tranca a porta! Ela usava um vestido de mangas
compridas – pois era assim que se vestiam as princesas virgens. Então o
servo a colocou para fora e trancou a porta. Tamar tomou poeira e a lançou
sobre a cabeça, rasgou o vestido de mangas compridas, pôs as mãos na
cabeça e se retirou gritando sem parar. Seu irmão Absalão lhe perguntou:
Teu irmão Amnon esteve contigo? Bem, por ora fica calada, minha irmã,
pois afinal ele é teu irmão... Não te aflijas por isto! (BÍBLIA SAGRADA,
2005, 2SAMUEL, 13, 01-20).

A citação da passagem bíblica se faz necessária para uma melhor leitura do


poema, assim como para evidenciar a relação intertextual com a bíblia. No poema
de Paes Loureiro também há uma relação incestuosa, porém ela não acontece de
forma violenta como na passagem bíblica, pelo contrário, o poeta deixa transparecer
uma sensualidade natural entre as personagens. Todavia, eles são irmãos e dessa
forma essa relação não seria permitida. Tanto na história da bíblia como no poema
analisado, desenvolve-se a mesma temática do incesto, que até hoje é considerado
um tabu por muitas religiões.
Em seguida percebemos no poema a presença da encantaria que
compõem a religião indígena, cabocla e a dimensão entre profano e sagrado. A
presença dos seres encantados que vivem nas profundezas dos rios, e são vistos
como guardiões daquele lugar sagrado que não pode ser profanado.
Por isso, ao violarem esse lugar sagrado às personagens Amon e Tamar são
punidos no poema, pelas águas revoltas. De acordo com Eliade (2010) a água
possui valorizações consideradas religiosas, por dois motivos, o primeiro por surgir
primeiro que a terra e o céu o que pode ser atestado no livro do gêneses no período
da criação do mundo:

Deus disse: faça-se um firmamento entre as águas, separando-as uma das


outras. E Deus fez o firmamento. Separou as águas que estão debaixo do
firmamento das águas que estão por cima do firmamento. E assim se fez”
(BÍBLIA SAGRADA, 2005, Gn. 6-8)

E o segundo motivo é por ela melhor representar o valor religioso por meio da
estrutura e da função do símbolo, nesse poema a sacralidade da água é
representada pelo rio. Logo, os encantados todos se revoltam com que aconteceu,
no rio sagrado, a Iara ser mitológico indígena que é considerada a mãe-dágua,
também conhecida por ser a protetora dos rios, vaga atônita. O uirapuru ave canora
86
se calou, o boto ser mitológico mais conquistador ficou em pânico, nenhum
encantado aceitou a relação entre os dois irmãos, por isso eles foram punidos, foram
arrebatados para o reino da encantaria, onde se encantaram.
Daí surge o sagrado para Otto (1992) dessa função simbolizante que existe
entre o homem e aquilo considerado incompreensível ou misterioso. A poesia de
Paes Loureiro reflete esse imaginário composto pelos mitos amazônicos, desperta
uma consciência religiosa do homem em relação à natureza que ele considera
encantada. Dessa forma, o tema central das poesias está permeado pelo conceito
estético-religioso que possuem as encantarias.

3.3 A EXPRESSÃO DO SAGRADO NAS POESIAS DE PAES LOUREIRO

Com base nas interpretações e análises realizadas a partir do material poético


do autor João de Jesus Paes Loureiro, consideramos que a há uma forte relação em
suas poesias, basicamente, entre três religiões em articulação com os seus mitos, a
religião grega, indígena e cabocla. Também, constatamos que a linguagem literária
criada
por ele dialoga com duas linguagens da religião, o mito e o símbolo, tendo em
vista que essas duas linguagens partem de uma noção de experiência com o
sagrado.
Obedecendo ao princípio estético-religioso que, segundo Loureiro, orienta o
seu fazer poético e fundamenta a maneira como o homem amazônico considera a
natureza, a partir do mito e do símbolo, pois estes são considerados como
dimensões importantes na configuração da linguagem. Assim, é no processo de
significação do mundo em seu sentido cósmico que o ser humano elabora o
conteúdo imaginal que transforma a realidade natural em símbolo, sendo, pois, o
seu discurso uma forma de poética e um princípio transfigurador.
O poeta Paes Loureiro afirma que em sua poética ocorre um distanciamento
com relação à linguagem comum presente na comunicação corrente, pois nesse
momento de criação a linguagem está transfigurada em “instância simbólica”. É pela
dimensão de símbolo que a sua poesia adquire o status de linguagem da religião por
comportar um modo de referência à poética do imaginário que faz parte do modo
como o homem amazônico compreende a natureza pela encantaria.

87
O princípio estetizante que compõe o sentimento religioso do homem
amazônico, consiste a realidade de uma espécie de afetividade cósmica e faz dela
uma transfiguração, haja vista que o simples natural abandona o seu modo comum e
é elevado à condição de símbolo, de referência significativa do sentimento religioso
das encantarias.
Isso nos remete à similaridade entre a poética do imaginário, que é o
processo estetizante que o homem aplica à natureza, transformando-a em símbolo
por meio do discurso mítico, e a encantaria da linguagem que assume, através do
trabalho do poeta, uma função de memória da cultura sagrada, pois é por meio da
linguagem que o sagrado é transmitido.
Em ambos os processos, da poética do imaginário e da encantaria da
linguagem, encontramos o processo poético como forma de elaboração imaginal que
confere a realidade de sentido, sendo, pois, uma tentativa do homem em referir o
mundo, em apresentar os conteúdos imaginativos a partir de uma linguagem que
crie uma possibilidade de existência.
Portanto, compreendemos que ao referir a poética do imaginário, a maneira
como se apresenta o imaginário religioso do homem amazônico, Loureiro assume
como condição de sua poesia da encantaria a função de atualizar aspectos do
imaginário amazônico, fazendo da poesia essa forma de memória coletiva, uma
espécie de inventário estético das encantarias, essa cultura considera sagrada.
Assim, percebemos ao longo desse trabalho que a produção literária de João
de Jesus Paes Loureiro estabelece em seus poemas uma “arte poética” que sofre
influencia direta dos mitos amazônicos, essa arte é caracterizada como encantaria
da linguagem, no qual o sagrado sobrevive porque é transmitido e a poesia de
Loureiro é a responsável por realizar essa tarefa.

88
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação analisou a forma como é desenvolvida a expressão do


sagrado a partir de algumas poesias do poeta paraense João de Jesus Paes
Loureiro. Para uma melhor compreensão geral de como ocorre essa expressão na
poética do autor, não nos detivemos em obras específicas do mesmo, mas sim,
selecionamos algumas poesias nas quais percebemos possibilidades de relação
com a religião e com a manifestação do sagrado.
Assim, entendemos que a dimensão religiosa que emana das poesias de
Loureiro encontra neste formato da linguagem sua expressão subjetiva, o que a
nosso ver indica o potencial polissêmico dado na poética por meio das metáforas e
símbolos que sugerem a percepção do sagrado. Também, tratamos da manifestação
do sagrado como possibilidade linguística da poética em sugerir a emoção voltada
para o mistério, para um tipo de encantaria que se faz linguagem.
O fazer poético é um modelo de expressão da linguagem recorrente nas
tradições mitopoéticas, sendo, pois, um modo de ser do religioso. Esta implicação
entre o fazer poético e o modo de expressão das religiões nos permitiu considerar
que a poesia assume uma qualidade que lhe é intrínseca no que diz respeito ao
sagrado.
A encantaria da linguagem é um modo de transfiguração objeto do próprio ato
religioso do ser humano que, por meio de sua capacidade simbólica, nomeia e
interpreta o mundo que considera extraordinário, dotado de uma aura encantada.
Neste processo de afirmação simbólica do ser humano em face do mistério ocorre
um processo poético haja vista o sujeito considerar os objetos do mundo a partir de
uma perspectiva encantada repleta de um teor magnífico e misterioso, próprios de
uma sensibilidade religiosa e artística.
Portanto, considerar a poesia como expressão do sagrado, nos termos de
uma sugestão interpretativa de forma imagética e transfiguradora, permiti-nos
compreender que a relação entre religião e poesia em sua forma poética torna-se o
lugar ideal do sagrado.

90
Por fim, esperamos que essa dissertação contribua para uma maior
compreensão da produção poética de João de Jesus Paes Loureiro. Pois, ao
considerarmos que suas poesias são de ampla carga simbólica, estamos
constatando que há nelas diversas possibilidades de abordagens, sendo, pois, o
viés que pauta nosso trabalho, apenas mais um percurso de compreensão.

91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Curso de Mestrado em Ciências da Religião
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