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Florianópolis, 2018.
1 INTRODUÇÃO
2 ANÁLISE DOUTRINÁRIA
Guilherme Nucci aponta a forte influência da escola positiva, à qual ele critica
por fundar a punição indiscriminadamente na periculosidade do indivíduo, no
princípio da individualização da pena na contemporaneidade devido a presença de
critérios como a conduta social para atribuição da sanção.
Nucci denota esvaziamento do critério dos antecedentes após a reforma e
inserção da figura da conduta social. Antes da Reforma, como já mencionado, os
antecedentes abrangiam todo o passado do réu conforme vigente à época:
Art. 42. Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do
agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às
circunstâncias e consequências do crime:
Para fundamentar, Nucci traz o livro Penas e medidas de segurança no novo
Código, em que os autores Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, Ricardo Antunes
Andreucci e Sérgio Marcos de Moraes Pitombo apontam que os antecedentes não
se referem apenas ao passado penal. Os antecedentes seriam a forma de vida em
uma visão mais ampla, como o meio de ganhar a vida, a honestidade nas tarefas, a
responsabilidade perante a família e a comunidade. Porém os autores definem
conduta social como “o comportamento do réu no seu trabalho, no meio social,
cidade, bairro, associações a que pertence…”, definição que sobrepõe a de
antecedentes, induzindo ao bis in idem, e fornecendo mais a obscuridade e
parcialidade da conduta social como circunstância.
Sendo assim, à luz da recente figura da conduta social, Nucci a evidencia
como um dos principais fatores para individualização da pena - em contraposição à
doutrina Lições fundamentais do direito penal, que critica em múltiplas instâncias
como a conduta social ofende os princípios básicos do direito penal de fato. Para o
entendimento mais crítico, é evidente que a conduta social como critério para
dosimetria é um resquício de direito penal do autor ainda presente no Código Penal
atual. A inquisição deveria ter sido o suficiente para se mostrar que a denúncia de
testemunhas pode ser falsa, porém mesmo assim, Nucci ensina em seu manual que
já que “a simples leitura da folha de antecedentes não presta para se afirmar a
conduta social do acusado”, o juiz pode se valer de pessoas que conheçam a
conduta do réu anteriormente a prática do crime ao aplicar a sanção.
A prova testemunhal para Nicola Framarino dei Malatesta, clássico penalista
italiano, se funda “na presunção de que os homens percebam e narrem a verdade,
presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual
mostra como na realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico”.
Porém se tratando de um critério de extrema subjetividade como conduta social, é
esdrúxulo decidir o destino da liberdade dos acusados com testemunhos.
Embora Nucci reforce que antecedentes não são sinônimos de conduta
social, em seu manual ele favorece o direito penal do autor e abre margem à
arbitrariedade judicial ao pontuar que “conforme o caso, tanto a acusação, como o
próprio juiz, podem valer-se da folha de antecedentes para levantar dados
suficientes, que permitam arrolar pessoas com conhecimento da efetiva conduta
social do acusado”.
3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA (TJSC)
Habeas Corpus 435246 que teve como relator o Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, ajustou à conduta social que havia sido agravada anteriormente pelo
presidente do Tribunal do Júri com a justificativa de o réu ter cometido a tentativa de
homicídio durante o período “extramuros”, o Ministro no gozo de sua função,
considerou que este fato não tem relação com alguns aspectos considerados na
motivação do acórdão impugnado, como “grande intensidade do dolo” e “conduta
social negativa”, sendo assim, a pena foi reduzida em 1/8 na primeira fase da
dosimetria.
Agravo regimental no Agravo de Instrumento no Recurso Especial
2015/0266382-1, que teve como relator o Ministro Jorge Mussi, em que o caso
discutido era acerca de um roubo circunstanciado, nesse caso a justificativa utilizada
para aumento da pena-base pela conduta social mantida pelo colegiado estadual de
São Paulo foi o fato do crime ter ocorrido em via pública, fundamento que não é
legítimo nos termos da jurisprudência deste Sodalício. Desse modo, a inadequação
da análise das circunstâncias judiciais, o acórdão foi impugnado ser reformado
nesse ponto, a fim de reduzir a pena-base para o mínimo legal, com isso sendo
estabelecida pela Corte Superior a pena em patamar superior a 4 anos e inferior a 8
anos de reclusão e ante a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis,
proporcional o estabelecimento do regime inicial semiaberto para o cumprimento da
reprimenda, nos termos do art. 33, §2°, letra “b” e § 3, do CP. Assim, fixou-se a pena
em 5 anos e 6 meses de reclusão e multa.
Habeas Corpus 423974/SC que teve como relator o Ministro Felix Fischer,
julgou acerca do crime de lesão corporal cometido contra vítima que estava
dormindo, afastou à conduta social tendo em vista que ela retrata o papel do agente
na comunidade, no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança, não
sendo assim, tal circunstância judicial idônea para sustentar a elevação da pena
quando não há notícias negativas sobre esses aspectos sociais do comportamento
do paciente.
João Paulo Orsini Martinelli e Leonardo Schmitt de Bem criticam fortemente o
uso da conduta social como uma das circunstâncias agravantes, por motivo de
serem resquícios do direito penal do autor, analisando as decisões acima,
observa-se que o Supremo Tribunal Federal não desconsidera a conduta social
como circunstância agravante, porém, exige que para ela ser levada em conta é
necessário um motivo razoável, não podendo sendo vedada a utilização de
inquéritos e ações penais em curso para agravar a pena-base, tendo como
justificativa a súmula 444 deste mesmo tribunal.
Visto que após a Reforma Penal de 1984, a figura da conduta social ganhou
autonomia em relação aos antecedentes, esperaria-se das cortes supremas respeito
a legislação vigente. Porém, como observa-se na decisão do ministro Lewandowski
relatada a seguir, na prática jurisprudencial não se cumpre a diferenciação entre os
antecedentes e a conduta social:
A existência de condenações anteriores caracteriza maus antecedentes e
demonstra a sua reprovável conduta social, o que permite a fixação da
pena-base acima do mínimo legal. (RHC 106.814, Relator Ricardo
Lewandowski, Primeira Turma, DJe 24.02.2011).
O ministro da Corte Suprema votou desta forma desprovendo o habeas corpus
em questão, embora violasse através de seu voto o princípio do ne bis in idem. Tal
princípio indica que jamais alguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato ou,
como no caso das circunstâncias judiciais do art. 59, ninguém pode ter sua pena
aumentada em razão dos mesmos elementos em duas circunstâncias distintas.
Na decisão do ministro Lewandowski, infere-se que aquele com maus
antecedentes, obviamente tem má conduta social. No entanto, como pontua Luis
Regis Prado, ter sido ou não responsabilizado penalmente independe de uma
conduta social louvável ou reprovável. Comumente, nas notícias, lê-se sobre crimes
cometidos por “cidadãos do bem”, autonomamente da conduta social positiva.
Utiliza-se as aspas, pois a conduta social positiva de um suposto cidadão do bem
deve ser vista com ressalvas, tendo em vista que “Cidadão de Bem” fora o nome do
jornal do Ku Klux Kan e, no Brasil, é a autodenominação dos punitivistas mais
ferrenhos.
No julgamento do recurso extraordinário nº591054/SC, o ministro Lewandowski
relata que as circunstâncias judiciais do art. 59 depositam no “arbítrio prudente do
juiz a possibilidade de dosar a pena”. Acrescenta-se ainda ao voto do ministro que
no entendimento dele os antendencentes do art. 59 não se confundem com o
agravante de reincidência do art. 61, I, porém o próprio ministro alguns anos antes
em seu voto confundiu antecedentes com conduta social.
A tese concluída neste julgamento de que inquéritos policiais ou ações penais
sem trânsito em julgado não pode ser considerada com maus antecedentes para fins
de dosimetria da pena é análoga à Súmula nº444 do STJ, conforme os próprios
ministros debatem ao final dos votos. No entanto, pontualmente, o ministro Marco
Aurélio, relator da causa em foco, aponta que “a controvérsia que chegou ao
Supremo não diz respeito à conduta social, mas a antecedentes criminais.”
Seguindo, analisa-se o julgamento dos embargos de declaração
apresentados por três réus na Ação Penal 565/RO, condenados por fraude a
licitações ocorridas enquanto um dos réus era prefeito da cidade e os outros dois
réus eram presidente e vice-presidente da comissão municipal de tal prefeitura na
época dos fatos. O ministro Dias Toffoli, revisor da ação, em seu voto acolheu
parcialmente os embargos apresentados e propôs redimensionamento da dosimetria
das penas aplicadas, visto que no julgamento que os condenou foram invocados
quatro circunstâncias desfavoráveis: a culpabilidade, a conduta social, a
personalidade do agente e as circunstâncias do crime. Manteve-se negativa a
culpabilidade, pois é evidente que se usufruiu dos cargos municipais para
beneficiamento ilegal, reprovabilidade que a justifica. Mais além, manteve-se
desfavorável as circunstâncias do crime pois "o acusado aderiu e codirigiu a prática
delitiva, simulando realização de certames competitivos". No entanto, em relação à
valoração negativa da conduta social e da personalidade, o ministro Toffoli acolheu
os argumentos da defesa de que houve bis in idem. Tanto a conduta social como a
personalidade do agente foram desfavorecidas com os mesmos elementos que aqui
seguem:
investido de cargo público, a aderir à outorga de contratos públicos a
pessoas jurídicas privadas de forma irregular, participando de intricado
esquema para burlar as previsões legais relativas à gestão da coisa pública,
a revelar comportamento moral e eticamente reprovável, bem como
personalidade deformada e incompatível com as normas de conduta que o
homem público comprometido com as nobres funções de que se encontrava
investido deve observar
O ministro Dias Toffoli mostra louvável entendimento quanto às circunstâncias
judiciais, tendo em julgamento de recurso extraordinário em habeas corpus (RHC
123529/GO) repudiado a valoração negativa da conduta social sem motivação séria
que a justifique. Entre as motivações sem idoneidade utilizadas na jurisprudência
para valorar negativamente a conduta social está o vício em drogas, prática já
repelida tanto no STJ como no STF. À exemplo, no caso do Supremo Tribunal
Federal, em que deferiu-se pedido de habeas corpus nos termos do voto do relator
Ministro Cezar Peluso conforme ementa:
PENA. Criminal. Prisão. Fixação. Dosimetria. Tráfico de drogas.
Exasperação da pena-base. Vício em drogas como conduta social negativa.
Inadmissibilidade. Incompatibilidade com a nova política criminal
anti-drogas. Redução de pena. HC concedido para esse fim. O fato de o
réu ser viciado em drogas não constitui critério idôneo para que se lhe
eleve a pena-base acima do mínimo, porquanto o vício não pode ser
valorado como conduta social negativa. (STF - HC: 98456 MS, Relator:
Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-208
DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-04
PP-00967)
Na Segunda Turma, no recurso ordinário em habeas corpus 130.132/MS,
definiu-se como conduta social “o comportamento do agente no meio familiar, no
ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos.” Chama atenção,
no entanto, a consideração pelos ministros de que é inidônea a presença de
condenações anteriores transitadas em julgado para se desfavorecer a conduta
social, como já apontado, o ministro Lewandowski defendeu tal incivilidade ao
justificar a improcedência no RHC 106.814.
BIBLIOGRAFIA
NUCCI , Guilherme de Souza. Manual de direito penal. [S.l.]: 12ª Ed., 2016. 915 p.
DE BEM, Leonardo Schmitt ; MARTINELLI, João Paulo Orsini. Lições
fundamentais de direito penal. [S.l.]: 3ª Ed., 2018. 1114 p.
VIANNA, Túlio Lima. Roteiro Didático de Fixação das Penas. Justilex , Brasília,
a.1, n.11, novembro de 2002.
GO. Supremo Tribunal Federal. RHC nº 123529. Relator: Relator: Min. DIAS
TOFFOLI. Brasília, DF, de 30 de setembro de 2014.
MS. Supremo Tribunal Federal. RHC nº 106814. Relator: Min. LEWANDOWSKI.
Brasília, DF, de 24 de fevereiro de 2011.
RO. Supremo Tribunal Federal. AP nº 565. Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA. Brasília,
DF, de 08 de agosto de 2013.
SC. Supremo Tribunal Federal. RE nº 591054. Relator: Min. MARCO AURÉLIO.
Brasília, DF, de 06 de setembro de 2012.