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Inicia com música clássica, a personagem entra dançando com uma cadeira até
o centro do palco.
- Me peguei por esses dias pensando na vida. Ouvindo música. Sempre penso
na vida quando ouço música. Não qualquer música, lógico…. Algumas dá
vontade de se matar e não de pensar na vida… aliás nem de pensar dá
vontade. Acredito que os autores de algumas músicas também nem
pensem, porque se pensassem jamais lançariam certas drogas musicais…
mas não vem ao caso. Estava eu pensando na vida, e a música que ouvia
falava sobre tudo de ruim que nela existe, e que se excluirmos tudo isso o
resto é perfeição. (risos) Meio óbvio!.. Mas a música é boa. Uma amiga me
dizia, certa vez, que a vida é simples, quem complica é a gente pensando
muito em vez de simplesmente viver. Aí fico um pouco confusa, porque os
autores de certas músicas não pensam, e nesse caso prefiro continuar
pensando. E complicando a vida. Mas ouvindo a música que fala que
tirando o que está errado o resto é perfeição, me peguei pensando na
imperfeição da vida. Da forma como as coisas acontecem. Você pode
planejar tudo, tudo, tudinho… mas só vai acontecer o planejado se, e
somente se, a vida quiser.
- O sonho de toda a mãe é que a filha seja bailarina. Da minha mãe não. Ela
queria que eu fosse médica, engenheira, advogada, analista, psicóloga,
dentista... bailarina não. Esse era o sonho do meu pai. Quando completei 6
anos me matriculou para fazer ballet.
- Ai! Não dá mais... Mas quando eu tinha 6 anos dava. Minha professora,
Gertrudes, era o diabo em pessoa. Só faltava os chifres e o rabo... se bem
que chifres, mais tarde, ouvi dizer que ela tinha sim... mas não vem ao caso
agora. Voltando a falar das aulas...
- Eu estou tentando!
- Eu estou tentando!
(Gravação “Tenta mais, não está conseguindo! Ainda não está PERFEITO”
Pára a música.)
- Nessa época minha mãe já tinha se conformado que eu não seria médica,
engenheira, advogada, analista, psicóloga, dentista, freira... é... não, minha
mãe nunca mencionou a vida religiosa. Bem, ela já tinha se conformado e
estava até orgulhosa. Eu era uma boa bailarina.
- Com o tempo fui sendo notada, conquistando espaço. E aos dezoito anos já
era a primeira bailarina do Teatro Municipal!
- Ensaiava várias horas por dia... meus pés praticamente não tinham pele.
Tinha calo na fila esperando para entrar no pé. Virei melhor amiga do
farmacêutico, de tanto remédio para dor muscular que eu comprava....
- Viajei o mundo! Fiquei famosa! E na Rússia conheci Vladmir. Dancei com ele
nos palcos do mundo. Dancei com ele nos palcos da vida. Vladmir foi meu
grande amor.
- Mas a vida prega peças... quando tudo parece perfeito, percebemos melhor
o imperfeito. O sucesso... a felicidade... incomoda os outros. Vladmir era
ótimo comigo. Ótimo comigo e com todo corpo de baile do Teatro
Municipal, sem exceção. Comentaram que ele parecia muito com o marido
da professora Gertrudes, mas isso não vem ao caso...
(Breve silêncio, como que pensando nas semelhanças dos dois, sorrindo
tristemente.)
Silenciou...