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Introdução a linguística II UNIDADE 01 AULA 02

Adriana Sales Barros


Joseli Maria da Silva
Neilson Alves de Medeiros

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

A enunciação: das origens


da Gramática Tradicional à
Linguística da Enunciação

1 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

„„ Identificar as bases da constituição da Linguística da Enunciação;


„„ Refletir acerca da constituição da Linguística da
Enunciação, com um olhar pelo viés do sentido, a partir das
características dos estudos que moldaram o campo;
„„ Compreender a Linguística da Enunciação, remetendo-nos a um
campo heterogêneo, constituído também de diferentes gramáticas.
A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

2 Começando a história

Voltamos a nos encontrar, prezados colegas. Nosso assunto agora é a Linguística


da Enunciação. E podemos começar já com um questionamento: O que é
ENUNCIAÇÃO? Isso tem a ver com ENUNCIADO? Vamos conhecer o sentido
e o significado desses termos ao longo de nossa leitura, quando também
conheceremos outros termos e conceitos necessários à compreensão do que
seria a Gênese da Linguística da Enunciação. Nessa caminhada, teremos que,
forçosamente, passar pela estação da gramática, refletindo sobre as interpretações
que nos trouxeram à forma como entendemos hoje o estudo da língua, a partir
da forma e não do contexto e ou do sentido.

Começamos lembrando que toda teoria é resultado de uma evolução dentro de


sua área de conhecimento. Com a Linguística não poderia ser diferente. E, como
boa parte da área dos estudos da linguagem, a Enunciação tem suas raízes mais
primitivas nas reflexões dos gregos.

E lá vamos nós!

3 Tecendo Conhecimento

Vocês já devem ter ouvido falar, e lido também, sobre a influência das culturas
grega e romana em nossa formação cultural. Bem, essa cultura diz respeito não
apenas aos comportamentos éticos, sociais e políticos, mas também, e muito
fortemente, à origem de nossa língua, nosso idioma, a ponto de dizermos, com
base científica, que a Língua Portuguesa tem origem no latim, embora com
vasta influência de termos de outros povos. Mas isso vocês estudarão com maior
profundidade nas disciplinas de Fundamentos de Linguística Românica (FLR) e
História da Língua Portuguesa (HLP).

Vamos voltar, então, ao nosso trajeto linguístico!

Como sabemos, a linguística é o estudo científico da língua(gem). Segundo


Weedwood (2002), “A palavra linguística começou a ser usada em meados do
século XIX para enfatizar a diferença entre uma abordagem mais inovadora do
estudo da língua, que estava se desenvolvendo na época, e a abordagem mais
tradicional da filologia.”. Recordemos que a filologia trata dos estudos da língua
em sua perspectiva histórica, e mais precisamente se dedica aos textos escritos.

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Apenas para ampliar a noção que se tem sobre a filologia, podemos fazer uso da
explicação de Martelotta, et al (2008), que também nos apresentam a diferença
entre linguística e filologia. Assim se posicionam os autores:
Quanto à diferença entre lingüística (sic) e filologia, podemos
dizer que a última é uma ciência eminentemente histórica,
que por tradição se ocupa do estudo de civilizações passadas
através da observação dos textos escritos que elas nos
deixaram, com o intuito de interpretá-los, comentá-los, fixá-
los e de esclarecer ao leitor o processo de transmissão textual.

Vamos estudar a Filologia com mais acuidade, mais profundidade, na aula 10 de


Fundamentos da Linguística Românica.

Hoje em dia, também é comum que se faça distinção entre a linguística, como
ciência autônoma, e a Gramática Tradicional. Essa Gramática tem mais de
2.000 anos e sempre foi objeto de estudo, ou melhor, de produção mesmo, de
gramáticos gregos e romanos da Antiguidade clássica.

Vale a pena chamar a atenção, agora, para alguns esclarecimentos. Embora a


Linguística e a Gramática tenham como objeto de estudo os fenômenos da língua
(em qualquer idioma), seus pontos de vista são diferentes, suas perspectivas
não são as mesmas.

Enquanto a linguística tem especial interesse pela fala, já que é nesse meio
que a linguagem se manifesta de forma mais natural, a gramática se ocupa de
prescrever o que é correto no uso da língua. Assim, desde que entramos na escola,
começamos a nos policiar, a fim de evitar falar e escrever “errado”, ou melhor,
diferente do que orienta nosso livro de Português, por exemplo, do contrário não
atenderemos às exigências de nossos professores de língua e não atingiremos
as “notas desejadas para nossa aprovação”.

O estudo da língua na perspectiva da Gramática diz respeito ao que é prescritivo,


porque dita normas que devemos seguir, porque fazem parte de nosso padrão
linguístico normativo, oficial. E isso tanto na fala quanto na escrita.

É bem verdade que esse padrão deve se adequar também a condições sociais e
culturais dos locutores e interlocutores, ou seja, embora saibamos que devemos
falar seguindo o padrão culto da língua, devemos saber também que há uma
seleção lexical e uma organização sintática que favorece a comunicação em
momentos diferentes de interação verbal.

Com base no que registramos acima, reflitamos:

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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

Você acha que a forma como nos dirigimos a um público de cultura elevada,
como intelectuais, estudantes de cursos superiores, parlamentares etc., deve
ser a mesma a ser utilizada quando nos dirigimos às pessoas menos cultas
academicamente, por exemplo, pessoas que nunca frequentaram a escola ou que
ali ficaram por pouco tempo, sem acesso à leitura, a tecnologias que poderiam
ampliar sua formação cultural?

Enquanto você pensa sobre isso, vamos seguindo em frente.

Seja qual for a estrutura, a seleção lexical, morfológica, a entonação oral, enfim,
cada uma, e todas juntas, das articulações da língua, estaremos produzindo
Enunciados, ou seja, estaremos buscando manter um contato organizado e
coerente com nosso parceiros comunicativos; queremos estabelecer um diálogo
em que haja sucesso tanto nas intenções de quem o começa quanto nas “falas”
de quem responde, conversa conosco, enfim , estamos buscando realizar um
processo de Enunciação.

Acho que é uma boa hora para conceituarmos ENUNCIADO e ENUNCIAÇÃO.

Um dos grandes estudiosos da língua, e da linguística, é Mikhail Bakhtin. Seus


estudos sempre são fonte de referência para outros pesquisadores. Entre eles,
um linguista de Genebra, Jean-Paul Bronckart (1999), que reproduz em seu livro
o que diz Bakhtin sobre Enunciado. Para Bakhtin, então, “A utilização de uma
língua efetua-se sob a forma de enunciados concretos, únicos (orais e escritos)
que emanam dos representantes de um ou outro domínio da atividade humana.
O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada um desses
domínios [...]”.

Conversemos, meus bons colegas de estudo, sobre essa afirmação.

Para que se construa um enunciado, e para que este assim seja definido, é
necessário compreender que aquele que o produz – o locutor – está ciente das
condições específicas no momento de sua produção e a finalidade dessa produção.

Ora, quando produzo um enunciado, quero “dizer” algo a alguém, quero interferir,
pela língua(gem) no pensamento desse alguém, a quem chamaremos, a partir
de agora, de interlocutor. Se então esse não for o nosso interesse, então não
haverá problemas de falarmos sozinhos...

Bem, o “querer” dizer não se limita a isso, é necessário também verificar se


há condições para se realizar esse querer: o interlocutor está em atividade
comunicativa com o locutor? Há uma compreensão dos códigos em ação, ou
seja, falamos o mesmo idioma? Tratamos do mesmo assunto? Há receptividade
do outro em participar dessa interação?
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Se tudo isso está resolvido e respondido afirmativamente, então estamos


realmente em condições de produzir enunciados.

Agora já podemos dar um conceito mais prático para esse fenômeno linguístico:

Enunciado é uma unidade da comunicação verbal.

Enunciado é, portanto, o ato comunicativo já realizado. Assim definido, deve-se


considerar que os enunciados têm começo e fim. São elaborados para garantir a
comunicação, e, para isso acontecer, deve-se permitir que o outro – o interlocutor –
participe; logo as fronteiras (início e final) dos enunciados têm de ser reconhecidas
pelos interactantes. Esses interactantes­­, ou interlocutores, resolvem essas fronteiras
de forma bem simples: sempre que alguém lança uma ideia, uma proposição,
uma pergunta ou o que quer que seja, em uma situação comunicativa, espera-se
que o outro responda. Quando isso acontece, então o enunciado do locutor (o
que começou o diálogo) se finda, para dar início ao de seu interlocutor. Trata-se
de uma troca de turnos. Compreenderemos melhor a organização dessas trocas
em nossa próxima aula, que terá a Análise da Conversação como tema.

Observe, como bom estudioso que sabemos que você é, que trocamos enunciados
cada vez que dialogamos. Não trocamos frases, orações, embora estas sejam as
partes estruturais e formais que concretizam a matéria do enunciado.

Isso nos leva a conceituar agora a enunciação. Podemos, grosso modo, dizer
que a enunciação é o processo que nos impele, e ainda nos movee encoraja a
produzir o enunciado. Em suma,

Enunciação é o ato de produzir o enunciado.

A Linguística da Enunciação é a parte da Linguística que, amparada em outras


de suas ramificações, como a Semântica, a Pragmática, a Sociolinguística, a
Neurolinguística, entre outras, analisa os fenômenos e aspectos que mobilizam o
curso dos enunciados em sua plena realização, ou seja, no dizer nosso de cada dia.

Mas será que essa análise da realização dialógica já nasceu pronta? Como tudo
começou? Bem, na Índia antiga, a necessidade de manter viva a pronúncia correta
dos textos religiosos ancestrais levou à investigação da fonética articulatória;
os gregos, por sua vez, grandes entusiastas da retórica, preocupavam-se com
as proposições, ou seja, propostas sujeitas à análise, podendo ser refutadas ou
aceitas. Ora, para se proceder a uma análise lógica dessas proposições, os filósofos
da Grécia clássica previam a necessidade de um vocabulário técnico conceitual
o que resultou num sistema das partes do discurso (entenda-se discurso como
defesa de opiniões, argumentação propriamente dita).

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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

Os discursos eram comuns na Grécia quando, extinta a tirania na Sicília – grega


– se tratou de permitir aos proprietários que tinham sido atingidos pelos antigos
tiranos que defendessem em causa própria, a fim de recuperar seus bens.

Na verdade foi daí que surgiu a Retórica. E em sua pior conotação, pois esses
“advogados” não usavam as proposições e os argumentos de forma a veicular a
verdade sobre os fatos, mas “sua verdade” sobre seus interesses. Eram os antigos
sofistas, os quais vendiam essa sua habilidade de argumentação e de persuasão
àqueles que tinham dificuldades de falar em público. Ocorre que Platão, sábio e
excelente orador, com grande domínio sobre as vertentes do diálogo e, é claro,
da língua, condenou essa prática. Encontramos, em uma das obras de Meyer
(2007), o que pensava Platão sobre retórica e filosofia. Segundo o autor, Platão:
foi sempre infatigável em opor a retórica – falso saber ou
sofística – à filosofia, que se recusa a sujeitar-se às aparências
de verdade para dizer tudo e também seu contrário, o que
é condenável, mesmo que rentável. Disso nasceu a idéia
(sic) de que sofisma é um raciocínio falacioso e enganador,
mas que não aparece como tal. Tem todos os indícios de
verdade, salvo um, o que conta: ele é um erro. O sofista é a
antítese do filósofo, assim como a retórica é o contrário do
pensamento justo.

Vale dizer, entretanto, que essa imagem da Retórica hoje já não mais se apresenta.
Alguns filósofos da atualidade cuidaram de aplicar uma nova roupagem a
essa ciência, dando-lhe o respaldo merecido, a exemplo de Chaïm Perelman e
Lucie Olbrechts-Tyteca. Falaremos sobre essa nova retórica quando tivermos
oportunidade, em outra disciplina de nosso curso, talvez quando adentrarmos
o mundo da Pragmática.

Muito bem, vemos que há muito temos a dizer sobre as origens da Linguística da
Enunciação. E não pensem que nos afastamos de nosso ideal: quando falamos
em Retórica também falamos de Enunciados, concordam?

Assim como os indianos, os romanos também tinham interesse especial em


preservar os textos religiosos no Judaísmo, difundir novas religiões como o
Cristianismo e o Islamismo, e isso fez com que a língua não figurasse mais como
ferramenta de comunicação, mas a partir dessas necessidades passou a ser
objeto de estudo.

E voltemos a falar de Platão. Este foi um dos pensadores que, em Atenas, onde
se iniciou a história registrada da linguística ocidental, começou a refletir sobre
os problemas fundamentais da linguagem. E surgem duas visões essenciais e
fundamentalmente opostas:
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1) A língua(gem) como fonte de conhecimento e

2) A língua(gem) como meio de comunicação.

Daí surgiram questões como:

a) A língua tem algum vínculo direto e essencial com a realidade,


espiritual ou física, ou
b) A língua é puramente arbitrária?

Responder a essas questões, concordando com uma delas, significaria negar a


outra. O que angustiava os pensadores gregos, entre eles Platão, era justamente
se a conexão entre as palavras e aquilo que denotavam (significavam) provinha
da natureza ou era imposta pela convenção.

Naquela época, Platão publicava “diálogos”, cujo teor era de cunho filosófico e
(por que não dizer?), científico. Em um desses diálogos, intitulado Crátilo, Platão
conduz suas dúvidas e respostas por meio de três interlocutores. Um deles, o que
dá nome à obra, Crátilo, sustenta que a língua espelha o mundo; Hermógenes, um
segundo interlocutor, defende a posição contrária, e diz que a língua é arbitrária,
ou seja, não corresponde ao que se apresenta no mundo, tem assim, vida própria;
e Sócrates, terceiro interlocutor, representa instância intermediária, ressaltando
tanto os pontos fortes quanto as fraquezas dos outros dois e levando-os, por
fim, a uma solução conciliatória. Em sua argumentação, Sócrates discorda de
Hermógenes e afirma que as palavras são ferramentas, por isso cada uma serve
a um propósito, ou melhor, as palavras devem ter propriedades que as tornem
apropriadas ao uso.

Para tentar finalizar esse embate, Sócrates convida Hermógenes a fazer duas
suposições 1ª) a de que as palavras, em algum sentido, são corretas, pois do
contrário não cumpririam sua função; e 2ª) a de que, tendo surgido por convenção,
elas devem ter sido inventadas por alguém, humano ou divino: em grego
nomoteta (legislador).

3.1 Chegamos a algum lugar?

Difícil expor em tão pequeno espaço e tempo, como o nosso, todo o processo
por que passaram estudiosos e a própria língua para se chegar a uma conclusão,
pelo menos, acessível a nossa tão limitada leitura sobre a filosofia da linguagem
desde os gregos e romanos.

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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

Vamos, ao menos, tentar.

Continuando nossa perseguição aos estudos de Platão e sua explanação por


meio dos personagens de seu diálogo Crátilo, entendemos que muitas palavras
possuem uma correção intrínseca, aquelas em que a estrutura natural não pode
ser detectada, seja por terem sido mal formadas, seja por terem sido corrompidas
pela passagem do tempo, logo essas palavras são entendidas por convenção.
Para Platão, o responsável por essa impossibilidade de não se poder detectar
a origem da palavra é do nomoteta, ou legislador, pessoa que apreendeu essa
realidade de modo imperfeito.

Ora, se o nomoteta pudesse estudar a realidade diretamente, nós também


poderíamos. E como isso não é possível, concluímos que a conexão entre palavras
e coisas não era direta, mas indireta. Faltava agora determinar qual era a natureza
exata do relacionamento entre as palavras e as coisas. Como dar nome às coisas,
que nomes seriam adequados?

Para economizar nosso tempo, vamos tentar encaminhar essa discussão com a
chegada de Aristóteles, discípulo de Platão. Com o objetivo de tentar responder às
questões anteriores, Aristóteles, em sua obra Perì hermenēias (De interpretatione),
delineou um processo em três etapas:
ūū Os signos escritos representam os signos falados;
ūū Os signos falados representam impressões na alma;
ūū As impressões na alma são a aparência das coisas reais.
Em resumo, para Aristóteles, as impressões e as coisas são as mesmas para todos
os homens, ao passo que diferem as palavras que representam as interpretações.
Para seus contemporâneos esse era um processo tripartite muito difícil de
compreender. Resolveu-se, então, acrescentar uma nova etapa entre a recepção
passiva da impressão e a fala: o conceito, ou seja, uma noção que pode ser
verbalizada.

E finalizamos essa primeira discussão com as palavras de Weedwood (2002):


Assim, embora todos os homens possam receber as mesmas
impressões das coisas que percebem, como sustentava
Aristóteles, os conceitos que eles formam dessas impressões
diferem, e são eles que estão representados na fala.

E nós completamos: se esses conceitos estão representados na fala, assim estão


nos enunciados.

Contemporâneos de Platão e de Aristóteles, havia outros filósofos que, além de se


preocuparem com questões como a virtude e a ética, acompanhavam e opinavam
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sobre as questões linguísticas, dado que a língua está absolutamente , ligada


às questões filosóficas. Eram os estóicos. Segundo esses homens, um conceito
(lektón) era representado num enunciado significativo, lógos. Para Diógenes de
Babilônia (estóico do século II a.C.), um lógos é esboçado como “um enunciado
significativo dirigido pelo pensamento racional”.

De forma mais simples, a substância física desse enunciado seria phone (a “voz”),
porém, sem significado, apenas um som, fosse articulado ou não. Se, entretanto,
essa voz pudesse ser representada pela escrita, então, teríamos um som articulado
chamado de léxis.

Assim, temos o termo léxis para nos oferecer campo lexical, lexicografia,
lexicologia etc.

Um léxis diferia de um lógos porque este último precisava de significado, e o


léxis não obrigatoriamente, tratando-se apenas de uma forma representacional.

Entre os gregos, a distinção entre logos, a palavra ou enunciado visto como uma
entidade significativa, e léxis, a palavra vista como forma, é fundamental para o
pensamento linguístico estóico e pós-estóico.

Você se lembra de que, um pouco mais acima, neste mesmo texto, falávamos da
importância que os gregos davam às atividades da oratória e da retórica? Pois
bem, imagine agora como fica essa preocupação com o que acontece com o
conceito de lógos.

Aos poucos o lógos foi sendo analisado em partes do discurso. Eram essas partes
que formavam a estrutura dos enunciados significativos.

Ocorre que, nessa análise do enunciado por partes, acabava-se por não se saber
ao certo onde, em que parte específica, localizava-se o que se dizia verdadeiro,
nem o que se dizia falso.

Transpondo essa sistemática à nossa gramática atual, teremos a taxinomia (ou


taxonomia), isto é, a classificação das palavras em substantivos, adjetivos, verbos,
pronomes etc.

Imagine, meu atento estudante, quão difícil seria para nós dizer se uma afirmação
é verdadeira ou falsa apenas visualizando as palavras em sua classificação como
nomes, verbo, adjetivo, advérbio...!

Voltando aos gregos, precisava-se, assim, de atribuir sentido a essas partes.


O processo semântico começava a tomar forma, pois dele dependia a análise
segura das proposições, ou, melhor dizendo, dos enunciados significativos. E
esses estudiosos tinham consciência disso.
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

Analisando cuidadosamente os enunciados em suas “partes”, os gregos entenderam


que poderiam articular uma divisão funcional e semântica, não formal, de modo
a definir em que ponto do enunciado se poderia dizer se havia ou não algo
verdadeiro.

Se a semântica começa a ser aplicada na avaliação de um “dito”, a estrutura formal


também tem seu destaque. Começa a preocupação com a ordem e função das
palavras dentro dos enunciados. É hora de se analisar a sintaxe. Se era possível
estudar a ortografia para ajudar a recuperar a forma correta de uma palavra mal
pronunciada ou mal grafada, também se poderia fazer estudo da sintaxe para
ajudar a recuperar a estrutura verdadeira de uma frase defeituosa.

Recebemos esse conhecimento linguístico, na versão latina, trazida pelos romanos,


originando nosso idioma. O sistema que os gregos tão bem souberam utilizar na
análise dos enunciados foi, podemos dizer, mal interpretado pelos estudiosos
romanos. E, como consequência dessa interpretação não tão fiel, surgiu, portanto,
o problema de conciliar um sistema de classes de palavras (lembra-se das
partes do enunciado?) de base semântica com a necessidade, muitas vezes
incompatível, de classificar a palavra segundo sua forma (morfologia). Os gregos
conseguiram fazer isso, mas os romanos, não.

3.2 E quanto à Gramática em sua plenitude?

Como muitos outros assuntos ligados à intelectualidade, foram os gregos que


introduziram a gramática na cultura latina.

Ainda que o Império romano demonstrasse todo o seu poder e tivesse, até certo
ponto, conseguido algum domínio sobre os gregos, não obtiveram sucesso nas
questões linguísticas.

Prova disso é que muitas expressões do grego foram trazidas para o povo romano
e serviu de base à formação linguística de outros povos, séculos após séculos, a
exemplo da própria Língua Portuguesa.

Muito bem, agora que já sabemos como se originaram as classes de palavras e


a necessidade de uma organização para a estruturação sintática, vamos passar,
brevemente, a algumas considerações sobre as diversas gramáticas até chegarmos
a alguns aspectos importantes da linguística da enunciação.

Primeiro, devemos lembrar que a Gramática Tradicional tem sua base nos estudos
gregos que, absorvidos pelos romanos, mantiveram o sistema de classificação
morfológica, resultado de sistema de partes, ou seja, nossa estrutura gramatical
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está baseada em um sistema de articulação, do latim articulus (constituído de


membros ou partes). Isso quer dizer que os enunciados produzidos em uma
língua não se apresentam como um todo indivisível, ao contrário, eles podem
ser desmembrados em partes menores. Assim, posso “dividir” um nome, por
exemplo, em raiz, radical, desinência (de número, de gênero, de grau); posso
fazer o mesmo com um verbo, identificando-lhe raiz, radical, desinência (de
número, de pessoa, de tempo, modo).

Também posso separar as partes de uma oração, isolando seu sujeito, núcleo,
predicado, predicativo (se for o caso), complementos verbais (objetos direto e
indireto ou ambos), etc.

Assim, na construção de enunciados, os falantes usam morfemas para formar


vocábulos, estes para formar frases, estas para formar orações, períodos e assim
por diante, até termos um todo significativo, que nem sempre exige todos esses
elementos constituintes.

Vale lembrar que os falantes não têm total liberdade para combinar esses elementos
e garantir sua funcionalidade comunicativa. Se queremos indicar a pluralidade
de algum elemento, geralmente colocamos um –s no final da palavra: boi > bois.

O sistema que regula as condições para construção de enunciados é o gramatical.

Acontece que a Gramática também se permite interpretações diversas. Vamos


conhecer algumas delas.

1) Gramática Tradicional – já falamos sobre ela anteriormente. Trata-se daquele


modelo que utilizamos nas escolas, nas aulas de ensino fundamental, médio
e superior, para garantir que conheceremos como funciona a regra padrão
de funcionamento da língua.

Nasceu do interesse grego em entender alguns aspectos associados à relação


entre a linguagem, o pensamento e a realidade. Creio que já discutimos
bastante esse assunto no corpo dessa aula.

Segundo Martelotta (2008), “A gramática grega apresentava uma preocupação


normativa, ou seja, assumia a incumbência de ditar padrões que refletissem
o uso ideal da língua grega”.

E não é que trouxemos isso na mala quando, na nossa viagem virtual,


passamos por Roma? Como isso aconteceu? Também já vimos essa explicação
anteriormente. Os princípios básicos da gramática grega, conforme ainda nos
informa o autor acima (idem), foram adotados pelos romanos e adaptados
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

à língua latina. Embora os romanos soubessem do interesse filosófico dos


gregos, não compartilhavam dele, pois, com o Império em ascensão, o que
importava era padronizar a língua e unificar os povos recém conquistados.

Na época medieval, o latim permaneceu como linguagem da erudição,


adquirindo ainda mais prestígio por ser adotada pela Igreja. Mais um motivo
para se preservar o caráter normativo da gramática em uso.

Isso se perpetua no século XVI, pois o poder de Roma também se transfigurava


na língua.

Nos séculos XVII e XVIII, a antiga proposta grega vem à tona. Em 1660, a
chamada Gramática de Port Royal tenta retomar os estudos aristotélicos que
considera a língua como reflexo da razão, buscando construir, com base na
lógica, um esquema universal da linguagem, subjacente a todas as línguas
do mundo. Essa proposta perde força no século XIX, sendo mais tarde,
mais uma vez, retomadas por estudiosos chamados linguistas gerativistas.

2) Gramática Histórico-Comparativa – Os defensores dessa gramática tinham


como propósito comparar elementos gramaticais de línguas de origem
comum, a fim de detectar a estrutura da língua original da qual elas se
desenvolveram.

Segundo Martelotta (idem):


Mais do que semelhanças entre as palavras, chamou a atenção
dos comparatistas o fato de as diferenças entre duas ou
mais línguas apresentarem um alto grau de regularidade e
sistematicidade, o que foi visto como um sintoma de que
essas línguas tinham uma origem comum. Como esses
cientistas trabalhavam com línguas já desaparecidas, a
metodologia comparativa ajudava a relacionar línguas
que, supostamente, derivaram dessas línguas mortas. É o
que ocorre, por exemplo, com o latim e suas descendentes.

Ainda segundo o mesmo autor (idem):


Considera-se que essa tendência marca o início de uma nova
ciência, a lingüística, já que pela primeira vez um grupo de
cientistas se interessa por analisar as características inerentes
à língua naturais, sem interesses filosóficos ou normativos,
mas observando critérios estritamente lingüísticos.

3) Gramática Estrutural ou Estruturalismo – desenvolvida na primeira metade


do século XX, sob a influência das ideias de Ferdinand de Saussure, tinha
como tendência descrever a estrutura gramatical das línguas, vendo-as
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como um sistema autônomo. Para Saussure, a língua tinha duas facetas: a


langue e a parole. Para o estudioso, a langue constitui um sistema linguístico
de base social, utilizado como meio de comunicação por uma determinada
comunidade. Sendo assim, é um fenômeno coletivo, compartilhada e
produzida socialmente. Entende-se, por essa definição do linguista, que
a língua é exterior ao indivíduo, sendo interiorizada por exigência da
comunidade de falantes.

A segunda faceta da língua – a parole – seria um fenômeno de uso individual.


A partir dessa ideia, o falante deveria adaptar as restrições de sua língua ao
contexto, mas teria o poder de fazer essa adaptação de acordo com suas
preferências pessoais.

O termo estrutural ou estruturalista advém da ideia de Saussure de que


a análise linguística não poderia ser feita com elementos separados, mas
envolvidos em um todo estrutural. Assim, sua tese se baseava em três aspectos:

a) A existência de um conjunto de elementos;


b) O fato de que cada elemento não se realiza individualmente, ou
seja, é dependente das outras partes que forma o enunciado;
c) A existência de um conjunto de regras que comanda a combinação
dos elementos para formar unidades maiores.

Para esse estudioso de Genebra, o sistema linguístico é fonte primordial para


a comunicação, ignorando-se os aspectos interativos. Em sua teoria, o mais
importante é constatar quais elementos constituem o sistema daquela língua;
como eles se organizam dentro desse sistema; e, finalmente, como eles se unem
para formar unidades maiores.

4) Gramática Gerativa – Em 1957, Noam Chomsky revoluciona os estudos


linguísticos afirmando que a natureza da linguagem está relacionada à
estrutura biológica humana.

Essa teoria nasceu da divergência de opinião desse pesquisador em relação aos


estudos behavioristas, que defendiam ser a linguagem humana interpretada
como um condicionamento social, uma resposta que o organismo humano
produzia mediante os estímulos que recebia da interação social. Nessa
perspectiva, as pessoas aprendem a falar se houver outras que produzam
sons repetidamente até que isso seja totalmente absorvida pelos ouvintes
que passam a reproduzi-lo.

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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

Com o intuito claro de contrapor-se ao behaviorismo (ou seja, repetição


por estímulos externos), a Gramática Gerativa analisa a estrutura gramatical
das línguas, vendo-a como um reflexo de um modelo formal de linguagem
preexistente às línguas naturais e faz desse modelo o próprio objeto de
estudo da linguística. Conforme muito bem expõe Kenedy (2008):
Para Chomsky todos os falantes são criativos, desde os
analfabetos até os autores dos clássicos da literatura, já que
todos criam infinitamente frases novas, das mais simples e
despretensiosas às mais elaboradas e eruditas.

E ainda sobre a defesa de Chomsky em relação à sua teoria, continua o


pesquisador (idem):
Para Chomsky, a capacidade humana de falar e entender uma
língua (pelo menos), isto é, o comportamento linguístico dos
indivíduos, deve ser compreendida como o resultado de um
dispositivo inato, uma capacidade genética e, portanto, interna
ao organismo humano (e não completamente determinada
pelo mundo exterior, como diziam os behavioristas), a qual
deve estar fincada na biologia do cérebro/mente da espécie
e é destinada a constituir a competência lingüística de um
falante. Essa disposição inata para a competência linguística
é o que ficou conhecido como faculdade da linguagem.

Muito bem, caros estudiosos da Língua Portuguesa, já podemos ver que estudar
a origem da Linguística não é tão simples nem pode ser feito a partir apenas de
uma perspectiva. É necessário que tenhamos conhecido um pouco a história
de sua gênese e como a Gramática está entrelaçada em seus ramos de pesquisa
e difusão de conhecimentos acerca dos fenômenos que cercam nosso idioma.

3.3 E quanto à Linguística da Enunciação?

Agora já podemos passar a esse novo campo de estudo.

Depois de conhecermos um pouco dos objetivos dos gregos ao analisarem


os enunciados, constatamos como, ao recebermos esses estudos pelo viés
romano, acabamos herdando, e mantendo, uma gramática que desconsidera as
relações interacionais entre os falantes. Apesar de não conseguirmos continuar as
investigações gregas, construímos um padrão que nos assegura certa unicidade
sintática em nossos textos orais e escritos.

Ainda assim, não podemos nos furtar aos estudos da Teoria da Enunciação, haja
vista sua importância na verificação de fenômenos que, se não justificados pela
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Gramática Tradicional (GT), podem servir de rico material para compreendermos


a dinamicidade e intensa criatividade de nosso povo.

Comecemos pela ideia de que, quando falamos, não obedecemos apenas ao


que dita a GT, aliás, é muito frequente cometermos desvios sintáticos, às vezes
até conscientemente, a fim de favorecermos nossa interlocução.

Quando construímos nossos enunciados fazemos diversas seleções: lexicais,


morfológicas e sintáticas. Essas seleções também dizem respeito às opiniões.
Isso mesmo. Escolhemos o que queremos ou podemos dizer, e a forma como
devemos fazer isso. Temos intenções, objetivos a serem alcançados em nossas
interlocuções; queremos que nossas intenções se realizem através da fala, do
enunciado, do discurso.

Para isso, argumentamos, construindo nosso caminho enunciativo, o qual parte


de teorias intersubjetivas da linguagem que estabelecem as relações entre os
participantes da interação, fazendo com que o outro irrompa na linguagem
(BAKHTIN, 1981).

Para Bakhtin, a verdadeira substância da língua se constitui na interação verbal


que se realiza na enunciação e, na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela
é determinada tanto pelo fato de que precede de alguém, como pelo fato de
que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro
(BAKHTIN, 1981, p. 113). E, para completar essa afirmação, o autor nos diz, sobre
a enunciação, que “é uma resposta a alguma coisa e é constituída como tal. Não
passa de um elo na cadeia dos atos de fala” (idem, ibidem, p.98). Da mesma forma,
a alteridade, ou seja, a diversidade é constitutiva do sujeito, pois na fala de um
sempre há a fala de outro. O eu, nesse sentido, não é apenas aquele que se enuncia
como eu, mas pode ser o porta-voz de muitas outras vozes. Entendamos essas
“outras vozes” como as informações que já recebemos de outras pessoas, outros
julgamentos, comentários. Se prestarmos atenção ao que falamos ou ao que
outras pessoas falam, veremos que sempre nos repetimos, quase sem perceber.
Não se trata de cópia ou falta de opinião própria, apenas construímos nossa
opinião, muitas vezes, com base no que já ouvimos ou aprendemos de outras
pessoas, em situações diferentes, não importa se discordando ou concordando
com o que ouvimos.

A esse fenômeno damos o nome de Polifonia.

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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

3.4 Podemos associar enunciação a dialogismo?

Vamos encerrar essa aula, dizendo que a enunciação se realiza no dialogismo,


isto é, no diálogo, na relação comunicativa entre interlocutores. É bem verdade
que participamos das atividades comunicativas com o interesse precípuo de
esclarecer situações, evitar mal entendidos. Nem sempre, porém isso é possível,
quer dizer, nem toda relação dialógica é tranquila. Nas discussões em que se
defendem pontos de vista ou opiniões diferentes, os agentes dessa interlocução
fazem uso de palavras e estruturas, nem sempre agradáveis de se ouvir, com o
intuito de garantir o efeito pretendido com o seu discurso.

Assim, podemos dizer que a enunciação é, então, orientada pelo contexto, por
situações precisas. Portanto, a palavra é lugar de confronto dos valores sociais, e
a comunicação verbal não pode ser separada de outras formas de comunicação.

Transcrevemos as palavras de uma pesquisadora da Linguística, Beth Brait (1997,


p. 98), que assim se posiciona:
(...) o dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem
sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes
discursos que configuram uma comunidade, uma cultura,
uma sociedade. É nesse sentido que podemos interpretar
o dialogismo como elemento que instaura a constitutiva
natureza interdiscursiva da linguagem. Por outro lado, o
dialogismo diz respeito às relações que se estabelecem
entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados
historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, instauram-se
e são instaurados por esses discursos.

Dessa forma, o dialogismo não é apenas a orientação da palavra ao outro, mas o


confrontamento, no enunciado, das vozes ideológicas de um grupo social, num
momento e lugar historicamente determinados. Finalizando, entendemos que o
dialogismo bakhtiniano é entendido como interação entre locutor e destinatário,
ou interlocutor, seja para concordar com o dito seja para refutá-lo.

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4 Aprofundando seu conhecimento

Figuras 1 e 2
Estes estudos trazem, no
seu conjunto, e cada um
por si, uma contribuição
à grande problemática da
linguagem que se enuncia
nos principais temas
tratados: consideram-se
as relações entre o
biológico e o cultural,
entre a subjetividade e o
social, entre o signo e o objeto, entre o símbolo e o pensamento, e também
os problemas da análise intralinguística.

Essa obra apresenta as teorias que são Figura 3


a base da pesquisa linguística. O livro
oferece um roteiro de leitura das teorias
da enunciação que têm ampla circulação no
Brasil, apresentando as ideias de importantes
pensadores, como Benveniste e Bakhtin.

5 Trocando em miúdos

Se você for um leitor perspicaz, e tenho certeza de que é, terá visto que a
preocupação com a enunciação, ou seja, com a unidade de comunicação verbal,
já existia desde antes de Cristo.

Também terá percebido que tudo começa pela gramática, pelo material
concreto, realizável pela fala, mas regularmente analisado na produção escrita.
O cuidado com a forma e com a ordem das palavras nas frases, e no lógos, marcou
intensamente os estudos linguísticos e nos deixou essa carga como legado. Por
isso, tão forte é a prática de estudos gramaticais em nossas escolas, de qualquer
nível ou categoria. Conhecer as estruturas gramaticais e saber lidar com elas é
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação

imprescindível para mantermos o controle sobre nossos próprios enunciados.


Isso é fruto das orientações que recebemos nas lições de nossos antepassados.

E para justificar o que dissemos acima, voltemos às pesquisas de Weedwood


(2002), que nos chama a atenção da seguinte forma:
Uma importantíssima consequência da filtragem da doutrina
gramatical grega pelos romanos consequência visível até
hoje nos compêndios gramaticais normativos, é o que
poderíamos chamar de “teoria da frase auto-suficiente”.
Nas obras de Apolônio Díscolo e Dionísio Trácio, a frase (ou
oração, ou sentença, ou cláusula) é definida como autotelōs
logos. Um problema de interpretação-tradução da palavra
autotelōs gerou uma concepção distorcida de “frase”
que permanece praticamente intacta até hoje no ensino
gramatical tradicionalista. Enquanto aqueles autores gregos
tinham em mente, com autotelōs logos a idéia de “expressão
auto-sustentada” graças a seus elementos semânticos e à
sua função dentro de uma situação comunicativa, isto é,
dentro da totalidade de um texto, a tradição latina associou
autotelōs a “completo, acabado, perfeito”, o que levou a tratar
a frase como independente do texto em que ela aparece e
como objeto suficiente para o conhecimento das relações
sintáticas. É por isso que os manuais de sintaxe escritos
e publicados até nossos dias se limitam a fazer análises
sintáticas de frases isoladas do texto: o ponto final gráfico
é também o ponto final da análise gramatical.

E continua a autora:
A moderna análise linguística insiste na necessidade de
tomar o texto como unidade básica de análise, levando em
conta as propriedades de coesão e coerência, entre outras. O
estudo de uma frase isolada só faz sentido se for associado ao
estudo de todas as demais frases do texto e das articulações
que se estabelecem entre elas.

Enfim, com base na Linguística da Enunciação, percebemos que o conhecimento


da Gramática Tradicional pode não ser pré-requisito para sua aplicação, não
de forma imediata, mas será de grande valia se quisermos organizar nossos
enunciados de forma coerente, a fim de não deixar dúvidas quanto ao nosso
intento nos frequentes e rotineiros momentos de atividade interativa.

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6 Autoavaliando

E agora que paramos para descansar, aproveite esse momento de relaxamento


para pensar um pouco e responder ao que se coloca a seguir:

a) Você conseguiria fazer um resumo, em tópicos, de todos os pontos


que estudamos?
b) Sentir-se-ia à vontade, e com segurança, para explicar a outros
colegas professores, por que o estudo de língua em nossas escolas
se prende tanto aos aspectos normativos?
c) Seria possível construir um enunciado sem a presença de
outro? Por quê?

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Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 2 ed. São Paulo: HUCIT,1981.

______.Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BRAIT, B. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In BRAIT,


B (org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1997.

KOCH, Ingedore Villaça. Argumentação e Linguagem. 8. ed. São Paulo:


Cortez, 20002.

MARTELOTTA, Mário Eduardo. (org.) Manual de Linguística. São Paulo:


Contexto, 2008.

MEYER. Michel. A retórica. Trad. Marly N. Peres. São Paulo: Ática, 2007.

WEEDWOOD. Bárbara. História concisa da Lingüística. Trad. Marcos Bagno.


São Paulo: Parábola editorial, 2002.

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