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EMERJ – CP II Direito Civil II

Tema I

Direito das Obrigações: conceito. Fontes das obrigações. Estrutura da relação obrigacional: sujeitos, objeto
e patrimonialidade da prestação, vínculo jurídico e causa. Débito e responsabilidade. Obrigações naturais.
Obrigações reais (propter rem) e figuras afins. Distinção entre obrigações reais, ônus reais e obrigações com
eficácia real.

Notas de Aula1

1. Direito das obrigações: visão tradicional

O direito das obrigações é o mais “matemático” dos ramos do direito civil, pois as
soluções encontradas aqui são bastante próximas do absoluto, menos relativas, mais exatas.
A própria estrutura da teoria geral das obrigações é baseada em normas imperativas,
deixando, o legislador, não muita margem para interpretações. Por exemplo, o devedor de
coisa certa, se não puder cumprir a obrigação em função da perda ou degeneração da coisa,
se teve culpa, responde pelo equivalente, somado a perdas e danos; se não teve, fica isento
de responsabilidade – ou a solução é uma, ou é outra, de forma imperativa. Da mesma
forma, as obrigações alternativas, que na perda de uma coisa se concentra o cumprimento
na outra – e assim por diante.
Esta é a visão clássica do direito das obrigações. No entanto, há duas décadas,
aproximadamente, e no Brasil especialmente depois da vigência do CDC, o direito das
obrigações tem sofrido profunda alteração em seus paradigmas. Tudo aquilo que foi sempre
imperativo e dogmático, na visão clássica, vem sofrendo uma releitura significativa.
Especialmente influenciadas pelo olhar acurado da função social e da boa-fé objetiva, as
obrigações ganharam nuances nunca antes vistas pelo patrimonialismo míope da clássica
visão. Com isso, teorias como o adimplemento substancial, o inadimplemento antecipado,
o adimplemento imperfeito, o venire contra factum proprium, supressio ou surrectio, tu
quoque, duty to mitigate the losses, e o inadimplemento positivo do contrato, passaram a
sugerir soluções diferentes daquela matemática oferecida pela lei, de forma imediata,
relativizando a interpretação estagnada da lei. A obrigação, então, deixou de ser tida por
uma instituição estática, e passou à moderna concepção de obrigação como um processo,
dinamizando-se o conceito.
Façamos, então, um estudo comparativo das fases deste ramo.
Classicamente, a obrigação é o vínculo jurídico que une o credor ao devedor, em
torno de uma prestação de dar, fazer ou não fazer, patrimonialmente apreciável. A primeira
referência a ser feita é que o termo “obrigação” admite várias acepções no direito civil. Este
conceito clássico, acima exposto, conceitua obrigação, em suma, como um vínculo jurídico.
Muitas vezes, porém, assume outro sentido, como quando o legislador classifica-a
como obrigação de dar, de fazer, de não fazer, alternativa, facultativa, de indenizar. Em
todos estes casos, em que o termo é empregado para efeito de classificação, assume sentido
de prestação, associado ao dever jurídico a que corresponde um direito alheio. O próprio
artigo 1º do CC dispõe o termo “deveres”, significando obrigações:

“Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.”

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Aula proferida pelo professor André Roberto de Souza Machado, em 9/10/2008.

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Assim, dos sentidos que assume – vínculo jurídico, objeto (prestação) ou dever
jurídico –, o primeiro, de vínculo, é o adotado pela corrente clássica, e é o ora abordado,
como se viu no conceito traçado.
Há quatro fontes geradoras do vínculo jurídico obrigacional: contratos, atos
unilaterais de vontade, atos ilícitos e a própria lei.
A lei, de fato, é a mais controvertida das fontes, pois autores há que crêem que a lei
seria fonte mediata de toda e qualquer obrigação, e não de uma obrigação concreta em
especial. Todavia, a lei como fonte de obrigações, aqui tratada, não se trata da fonte
mediata, que realmente está por trás de toda e qualquer relação jurídica – como suporte
jurídico do contrato, por exemplo –, mas sim da lei como fonte imediata, diretamente
criadora do vínculo. Por exemplo, a obrigação alimentar, em que é a própria lei que impõe
aos parentes tal vínculo, sem demandar nenhum tipo de negócio, ato unilateral ou ato ilícito
para este se formar – a própria lei cria o dever patrimonial de alimentar. No mesmo sentido,
a obrigação tributária.
As declarações unilaterais de vontade, como a promessa de recompensa, a oferta, a
proposta, todas criam ao manifestante unilateral o vínculo jurídico em relação a quem
preencham, eventualmente, o pólo ativo, credor.
O ato ilícito, que aqui se resume ao extracontratual, aquiliano, violação de dever
geral de conduta em não causar dano a outrem – neminem laedere –, cria vínculo
obrigacional com o que padece do resultado, causado pelo dano injustamente causado, a
teor dos artigos 186 e 187, combinados com o artigo 927, do CC:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.”

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.”
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

1.1. Sujeitos da relação obrigacional

A relação obrigacional é inter partes: há o necessário preenchimento específico dos


dois pólos da relação, ativo e passivo. É uma relação pessoal de conteúdo patrimonial, e
como tal, seus efeitos atinem, tradicionalmente, apenas às partes delimitadas na fonte do
vínculo. Ao contrário, traçando um paralelo, as obrigações pautadas nos direitos reais têm
oponibilidade erga omnes, em que o sujeito passivo é universal: todos, indefinidamente,
ocupam o pólo passivo, tendo um dever geral de abstenção perante o titular do pólo ativo.
A relação obrigacional tem por objeto imediato não uma coisa, sobre a qual se
exerça poder, como no caso da obrigação real, mas sim uma conduta: o objeto imediato da
relação obrigacional é uma conduta, positiva (dar ou fazer) ou negativa (não fazer). Sendo
assim, só se pode exigir este objeto daquele que ocupa, de forma identificada, determinada,
o pólo passivo. A vantagem patrimonial que o credor almeja, então, só poderá ser obtida se

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o devedor cooperar, dando, fazendo ou não fazendo o que a ele foi posto como dever, pela
fonte da obrigação. O objeto imediato, então, resume-se a este comportamento esperado do
devedor.
Vejamos um exemplo: um indivíduo é proprietário de uma coisa móvel, certa. A
relação de domínio sobre a coisa é um direito real, de propriedade, e, num primeiro
momento, este direito persiste independentemente de qualquer identificação do sujeito
passivo desta obrigação a que corresponde: o proprietário pode usar, gozar, dispor da sua
coisa certa sem que haja necessidade de intermediação de qualquer pessoa, sem que se exija
nenhum comportamento de ninguém. Contanto que se utilize da coisa regularmente, sem
violar a função social de seu direito, não precisa de qualquer intervenção alheia para que
tenha o benefício pleno de sua propriedade – há poder imediato sobre a coisa.
No passado, chegou-se a imaginar que, por ser assim, a relação de direito real não
teria sujeito passivo algum, ou seja, a relação se estabeleceria entre o titular do direito e a
própria coisa. Rapidamente, porém, se percebeu que coisa não poderia jamais ser sujeito de
relação alguma, e, sendo assim, não poderia haver relação unipessoal. Daí surgiu a
concepção de que o sujeito passivo é toda a coletividade, que se sujeita ao direito real do
titular, possuindo dever de abstenção.
Mas note que, ao contrário da relação obrigacional, na relação real não há
necessidade de manifestação de vontade de quem quer que seja para ocupar o pólo passivo:
o legislador tomou esta providência, manifestando, pelo poder a si conferido no pacto
social, a vontade coletiva em ocupar este pólo passivo universal. E, por assim ser, há a
necessidade de que os direitos reais sejam típicos, taxativos, previstos em lei, pois, do
contrário, se se permitisse a livre criação de direitos reais fora do rol numerus clausus da
lei, quem assim criasse estaria colocando toda a coletividade no pólo passivo de uma
relação, sem que esta coletividade tenha optado por assim fazê-lo (como o fez, no contrato
social, permitindo ao legislador manifestar por todos a sua vontade).
Suponha-se, então, que o titular deste direito real de propriedade pactue com alguém
uma compra e venda desta sua coisa certa móvel. É feita a proposta de venda pelo
policitante, e é dada a aceitação pelo oblato. Este contrato, consensual, se aperfeiçoa desde
quando há a dupla manifestação de vontades, ou seja, desde a aceitação: está surgida, desde
então, a obrigação pessoal, inter partes, de entregar a coisa e haver o pagamento.
Elaborando o exemplo, suponha que haja o pagamento, de imediato, pelo
adquirente, mas acerta-se que a tradição da coisa certa será feita em momento posterior, ou
seja, que a execução do contrato será diferida. Aqui se pode ver situação que ilustra bem a
diferença entre obrigações pessoais e direitos reais: ao aperfeiçoar o contrato de compra e
venda, não se transferiu a propriedade do bem, mas apenas se criou a obrigação, para o
devedor, de realizar este comportamento de entregar o bem. A propriedade só se transferirá,
neste caso, quando houver a tradição. Existe, portanto, a obrigação de dar, pessoal, do
devedor perante o credor, mas não existe, ainda, o direito real deste credor sobre a coisa. O
adquirente não é titular do direito real de propriedade sobre a coisa; é apenas credor, titular
do direito pessoal de crédito contra o devedor, alienante.
Elaborando ainda mais o exemplo, imagine-se que o devedor desta obrigação de dar
coisa certa, em que se estabeleceu momento ulterior para executar-se, já tendo recebido o
preço, revenda o bem a terceiro, pois encontrou melhor preço pela coisa, e entregue o bem
imediatamente a este terceiro, que nada sabia sobre a contratação anterior (estando de boa-

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fé, portanto). Aquele credor do primeiro contrato poderá reivindicar esta coisa daquele
terceiro, quando chegar o dies de cumprimento do seu contrato?
A resposta é negativa: o direito deste credor insatisfeito, como dito, é direito de
crédito, exigível exclusivamente inter partes, ou seja, o terceiro, agora proprietário da
coisa, em nada lhe é devedor. A obrigação contratual não cria seqüela para o credor. O pólo
passivo da obrigação contratual é preenchido apenas por aquele alienante que manifestara
sua vontade no contrato, e somente contra ele terá o credor insatisfeito alguma pretensão a
ser observada – que, in casu, gerará exigibilidade de perdas e danos, dada a impossibilidade
de entregar o bem contratado.
Diferente seria se a situação assim se desenhasse: se a alienante, na primeira
contratação, houvesse entregue o bem ao adquirente, e, posteriormente, o tomasse de
empréstimo e alienasse a terceiro inocente, o primeiro adquirente teria concentrado a
propriedade, e, por este direito erga omnes, teria seqüela quanto ao seu bem, podendo
reivindicá-lo do terceiro, mesmo de boa-fé. A venda a non domino não lhe seria oponível,
pois a propriedade, direito real, lhe criou o efeito da seqüela.
Existem, no entanto, algumas figuras que fogem a esta regra de determinação
expressa do sujeito ativo e do sujeito passivo nas obrigações. Há casos em que pode haver
sujeito ativo indeterminado, ou indeterminação do pólo passivo, num primeiro momento.
Veja: há relações jurídicas obrigacionais que nascem com sujeito ativo ou passivo apenas
determinável. São as relações que envolvem obrigações ambulatoriais.
Obrigações ambulatoriais são aquelas em que o credor ou o devedor são alterados
sem que haja qualquer ato de transmissão formal, pois, no seu surgimento, um dos seus
sujeitos ainda não está determinado. Como exemplo, um cheque ao portador: o devedor é
determinado, mas o credor, até a apresentação para pagamento, será indeterminado. É claro
que, na execução da obrigação, na apresentação do título, o credor se determinará, mas até
então, qualquer pessoa que portar o título será credora, pela circularidade absolutamente
informal desta cártula. O crédito é ambulante, havendo ambulatoriedade ativa.
Outro exemplo, em que a obrigação tem ambulatoriedade passiva, ou seja, o
devedor é indeterminado, é a famigerada obrigação propter rem. Obrigações há que são
pessoais, pois não erigidas a direitos reais, mas que guardam alguma ligação com a coisa:
são exigíveis não de quem figurou no momento do nascimento do crédito, mas sim de quem
esteja titularizando o direito sobre a coisa que é fonte geradora da obrigação. Exemplo é o
artigo 1.335 do CC:

“Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em


relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.”

Veja que esta regra impõe mobilidade ao débito: este vai ser pessoal, mas
acompanhará a coisa a quem quer que seja entregue sua titularidade. Mudando a
titularidade, automaticamente se altera o devedor, havendo ambulatoriedade passiva. São
propter rem as dívidas condominiais, o IPTU, o IPVA, etc.
Surge uma questão: o fornecimento de água, por exemplo, é propter rem? As
fornecedoras deste serviço defendem que sim: mesmo que o consumo tenha sido feito por
pessoa que ocupava o imóvel, e não pelo atual ocupante, é neste que recai a obrigação.
Ocorre que esta não tem sido a orientação jurisprudencial: trata-se de simples dívida de
consumo, estritamente pessoal, tendo no pólo passivo aquele que efetivamente consumiu o
serviço público.

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1.2. Objeto da relação obrigacional

O objeto imediato da relação obrigacional é a conduta pessoal do devedor em prol


do credor, quer seja por ação – dar ou fazer –, quer seja por inação, abstenção – não fazer –,
que pode ser uma tolerância do devedor.
Identificar se a obrigação é positiva ou negativa faz diferença prática significativa,
especialmente quando se precisar apurar o inadimplemento. Se a obrigação é positiva,
pode-se falar em mora, em atraso no cumprimento, mora que terá implicações diferentes
em cada modalidade de obrigação, e, se ainda for útil o cumprimento da obrigação, apenas
imporá alguns encargos ao devedor atrasado, quando da purga da mora. A obrigação
negativa, por seu curso, não comporta logicamente a mora: se o comportamento a que se
obriga o devedor consiste em uma abstenção, se este devedor age, ou seja, se faz algo que
se obrigou a não fazer, não há mora – há inadimplemento. Tanto é que o legislador trata da
obrigação negativa no artigo 390 do CC, fora do capítulo referente à mora, já sob o título
do inadimplemento:

“Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o
dia em que executou o ato de que se devia abster.”

De qualquer forma, o objeto imediato da obrigação não é a coisa, ou o serviço, ou a


abstenção, e sim o comportamento esperado do devedor. O efeito patrimonial, que será a
coisa, serviço ou abstenção (a vantagem econômica proveniente da abstenção, para ser mais
preciso), consiste no objeto mediato da obrigação – é o bem da vida. Por isso, por se
concentrar na conduta esperada, é que a obrigação é pessoal, a ser realizada pelo devedor
em função do credor. Não há direito sobre o bem, objeto mediato, pelo credor: há direito de
exigir do devedor que cumpra a obrigação, que se porte conforme devido.
A natureza do objeto mediato traz uma característica às obrigações pessoais: devem
sempre ser mensuráveis em valores pecuniários, devem sempre ser passíveis de medição
econômica. A isto se identifica como patrimonialidade das obrigações civis. Se não puder
ser economicamente mensurável o bem mediato, não se configura a obrigação civil.

1.3. Débito e responsabilidade

Há, na obrigação, um direito de crédito para o pólo ativo, correspondente a um


dever jurídico do pólo passivo. Violado o direito do credor, surge para ele a pretensão, que
é a exigibilidade do crédito perante o devedor. Veja o artigo 189 do CC:

“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue,
pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

Pretensão não é sinônimo de direito de ação, apesar de haver autores que,


concretistas, entendem que a prescrição implica em perda do direito de ação – o que a
teoria eclética da ação deixa claro não o ser, pois o direito de ação é subjetivo público,
incondicionado, exercido contra o Estado em face do devedor. A prescrição atinge a
pretensão, e não a ação.

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Por isso, pretensão é, sim, a possibilidade de se reconhecer que o crédito é exigível,


de forma que, por isso, quando o Estado-juiz for provocado para solucionar a crise de
inadimplemento, possa este subjugar o patrimônio do devedor para satisfazer o direito
subjetivo inobservado por este inadimplente. Veja que, havendo ou não pretensão legítima,
a ação ainda poderá ser exercida, e por isso não se identificam os conceitos.
Se o devedor, então, deixa de prestar aquilo a que está obrigado, a pretensão do
credor se torna resistida, e, sendo exigível, o Estado-juiz, quando provocado, substituir-se-á
na vontade do devedor, forçando que este cumpra aquilo a que se obrigou, por meio de uma
condenação, e sua respectiva execução.
Veja que o dever jurídico originário, aquele débito que se imputava ao devedor, se
for descumprido, gera um dever jurídico sucessivo, que é a responsabilidade pelo
inadimplemento do dever jurídico originário. E esta é a diferenciação entre débito e
responsabilidade, debitum e obligatio, shuld e haftung, desenvolvida na teoria dualista de
Brinz.
Esta teoria foi a responsável por conceber a relação jurídica obrigacional como
continente de dois deveres, o originário, e aquele decorrente de seu descumprimento, o
sucessivo. Este dever sucessivo é a responsabilidade por indenizar o credor por qualquer
padecer por este sofrido do inadimplemento, e pode ser contratual, quando decorre da
violação do dever originado de contrato, ou aquiliana, legal, quando decorre de um ato
ilícito.
Veja que, então, pode haver obrigação que tenha débito, mas não tenha
responsabilidade, e vice-versa: se há o dever jurídico, mas a sua violação não cria
exigibilidade, não há responsabilidade. As obrigações naturais são o melhor exemplo: se a
dívida por jogo ou aposta2 é uma obrigação natural, significa que não obriga aquele que a
descumprir. Não pode, o credor, sujeitar o devedor ao cumprimento da obrigação, se este
não a adimplir espontaneamente.
Contudo, o débito existe: se o devedor pagar a dívida, não poderá pretender que haja
repetição desta, vez que apenas adimpliu débito real – que só não gerava responsabilidade,
se descumprido. Veja o artigo 814 do CC, que trata do jogo ou aposta:

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Situação peculiar merece comentários: sendo aqui inexigível, a dívida de jogo não fundamenta pretensão
condenatória do credor, se inadimplida. Imagine, agora, que brasileiro contraiu dívida de jogo em país no qual
esta é exigível, e retorna ao Brasil, deixando-a inadimplida. Poderá o credor internacional, por meio de carta
rogatória ao Brasil, requerer a execução da sentença lá exarada sobre os bens do devedor aqui situados?
O STF, enquanto era competente para o exequatur da sentença estrangeira, entendia que a
incompatibilidade do direito exigido, o crédito de jogo, impedia até mesmo a citação do devedor brasileiro,
quanto mais a expropriação de seus bens, com base no artigo 17 da LICC:

“Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações
de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a
ordem pública e os bons costumes.”

Ocorre que com a EC 45, ao STJ passou a competir o exequatur, e esta Corte, em recente decisão,
decidiu que os atos processuais, a começar pela citação, podem ser realizados no Brasil, mas não os
substanciais – a obrigação não tem eficácia, sequer se alçando o Judiciário brasileiro a apreciar este mérito,
mas o processamento pode ser feito, pois pior avilte aos costumes do que a incompatibilidade da relação
exigida é o fomento à inadimplência em solo alienígena. Há, então, clara alteração de posicionamento
histórico no tema, para a qual se deve atentar.

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“Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se
pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por
dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.
(...)”

E há também responsabilidade sem débito próprio: o fiador, por exemplo, é


responsabilizado por débito que não é seu, assim como o pai em relação ao débito do filho,
o tutor em relação ao débito do pupilo, e o empregador em relação ao débito do empregado.
É atécnico, contudo, falar em responsabilidade sem débito: débito há, só que não foi
contraído pelo responsável. Veja, como exemplo, o artigo 818 do CC:

“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma
obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.”

Veja, por fim, um esquema gráfico a ilustrar a relação débito-responsabilidade:


Prestação
Devedor Credor

Débito (debitum) Responsabilidade (obligatio)

2. A obrigação como um processo: visão moderna

A visão liberal do contrato sempre privilegiou a autonomia da vontade, a liberdade


em contratar, a obrigatoriedade do pacto e a intangibilidade do contrato, ou seja: as partes
eram livres para fazer tudo aquilo que não fosse proibido; qualquer contrato era possível,
desde que não houvesse má-fé, inclusive se implicasse em disparidade nas prestações e
contraprestações; o contrato era lex inter partes imitigada, pacta sunt servanda; e nenhuma
força externa poderia influenciar as vontades expressas no contrato, não havendo qualquer
tutela externa do crédito ali contido – o qual era intangível e adstrito às partes.
Nesta dinâmica, a obrigação era estática, o que significa que sua exigibilidade era
calculada de acordo com o que se delineou no exato momento do surgimento da obrigação:
este momento ficava fotografado no mundo jurídico, e, adiante, se houvesse alguma
alteração nas condutas pactuadas, a análise seria estritamente atinente àquela “fotografia”
inicial da obrigação – que, se contrariada, implicava em responsabilidade.
Ocorre que a complexidade das relações jurídicas simplesmente não se
compatibiliza com uma observação estática das obrigações. Não pode, a obrigação, ser
estática como uma fotografia, mas sim dinâmica como um filme. Por isso, a obrigação só
pode ser vista como um processo.
Veja que o decurso do tempo e a sucessão de eventos da vida em sociedade pode
acarretar alterações tremendamente significativas na relação jurídica que ensejou a
obrigação, naquele primeiro momento. Por exemplo, pode haver de um contrato feito por
indexação ao dólar, cujo valor das prestações e contraprestações era paritário à época da
pactuação, ao desenvolver-se em sua execução se torne absurdamente díspar, por conta de
uma violenta majoração (ou minoração) do valor desta moeda. Esta força externa, na visão
clássica, não teria qualquer oponibilidade ao contrato: se o devedor extremamente onerado
não adimplisse a obrigação violentamente majorada, seria considerado pura e simplesmente
inadimplente, pois a observância obtusa do pacto assim exigiria – pacta sunt servanda.

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Hoje, porém, esta situação dada de exemplo não é assim tratada. Se há esta
onerosidade excessiva, o contrato, que é um processo, será verificado no momento em que
o efeito externo quebrar a paridade, desnaturando o caráter sinalagmático do contrato, e não
a mera verificação das condições originárias.
Outra representação desta evolução conceitual é o do adimplemento substancial das
obrigações. Veja um exemplo: em um contrato de compra e venda se firmou o pagamento
parcelado da coisa em trinta e seis parcelas mensais. Neste contrato, há cláusula resolutiva
expressa pelo inadimplemento. Suponha-se, então, que pagas duas, três parcelas, este o
devedor atrasa e não purga a mora: torna-se inadimplente. Se o credor invocar a cláusula
resolutiva, estará perfeitamente amparado, pelo contrato e pelo ordenamento jurídico.
Outrossim, imagine-se que este contrato seja inadimplido apenas quando do
pagamento da trigésima parcela. Poderá o credor invocar a cláusula resolutiva, da mesma
forma? É aqui que a nova concepção das obrigações se manifesta: considerando que a
obrigação nasce com uma finalidade ideal, comum a ambas as partes – seu adimplemento –,
e, neste caso, o fim ideal está muito próximo, aquele direito de rescindir o contrato, previsto
no início da relação, não pode mais ser considerado legítimo: nesta altura do processo
obrigacional, neste ponto do “filme”, não se justifica rescindir o pacto que se encontra tão
próximo do objetivo perfeito, pois que já há o adimplemento substancial da obrigação.
Rescindir este contrato, nestas bases, seria verdadeiro abuso do direito, pois que contraria a
função social endógena deste contrato, se afastando da boa-fé objetiva, especialmente no
consectário da autocooperação.
O adimplemento substancial, então, traz por efeito aquilo que é chamado supressio
do direito cuja justiça foi limada. Ao devedor do exemplo deverá ser proporcionada uma
forma de cumprir sua obrigação, menos gravosa do que a peremptória rescisão3.
Não se pense, porém, que é previsão exclusivamente protetiva do devedor: é uma
evolução interpretativa que protege o contrato, em vista da sua função social. Mesmo por
isso, é fácil cogitar de um exemplo em que é o credor quem se beneficia do supressio:
imagine-se que há, no mesmo contrato, cláusula de arrependimento em favor do adquirente.
Se ele exerce este direito contratual quando foram pagas poucas parcelas, nada há que o
impeça: o direito é legítimo. No entanto, se pretende invocar a cláusula de arrependimento
quando do pagamento da trigésima parcela, não é legítima sua pretensão, tendo havido
supressio deste direito por força do adimplemento substancial que se percebe no negócio.
Outra alteração conceitual derivada da boa-fé objetiva e seus consectários é a
imposição, ao credor, do duty to mitigate the losses, dever de minimizar seus prejuízos. Se
o inadimplemento de uma obrigação causa prejuízos ao credor, não por isso este deve tomar
atitudes que permitam que este prejuízo se agrave, pois este agravamento não será
imputável ao devedor. Veja um exemplo: locador recebe o imóvel do locatário com um
vazamento. Ao invés de consertar este vazamento desde logo, desde quando recebeu a
posse direta de volta, impedindo que danifique mais o imóvel, prefere quedar-se inerte, à
conta de ressarcir-se de todo o dano, à custa do locatário. Veja que, de fato, há o dever
sucessivo de indenizar, pois o dever originário de restituir em perfeito estado foi violado
pelo locatário. Todavia, o agravamento do prejuízo, oriundo da conduta desleal,

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Vale consignar, entretanto, que estas revoluções conceituais ainda não são pacíficas na jurisprudência, não
sendo raros os casos em que há julgados claramente atinentes à concepção clássica das obrigações, ignorando
esta teorização por completo. Todavia, tudo indica que este é o caminho da unanimidade jurisprudencial, por
já ser uníssona a doutrina moderna.

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objetivamente de má-fé, por parte do locador, não poderá ser imputado ao devedor. O
credor descumpriu também um dever: o duty to mitigate the losses.

2.1. Esquema gráfico

Processo obrigacional Inadimplemento


obrigacional

Início Fim

Adimplemento
Fontes das Transmissão das obrigacional
obrigações obrigações
 Contratos;
 Cessão de crédito.
 Atos ilícitos; Boa-fé Objetiva
 Assunção de
dívida.
 Atos unilaterais;
Função Social do
 Lei. Contrato

Casos Concretos

Questão 1

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Débito e responsabilidade são doutrinariamente diferentes? Formule um exemplo


de responsabilidade sem débito e outro de débito sem responsabilidade. A fundamentação
da resposta deve ser acompanhada da indicação de dispositivos legais e/ou princípios
jurídicos pertinentes.

Resposta à Questão 1

Sim, são diferentes. O débito é originário, é a obrigação inicial. A responsabilidade é


sucessiva, que surge no momento em que o débito é inadimplido. A obrigação natural, por
exemplo, tem débito, mas não tem responsabilidade, podendo-se colher de exemplo a
dívida de jogo, do artigo 814 do CC. Outro exemplo seria a dívida prescrita, pois a
pretensão não mais é exigível, e não há mais responsabilidade.
A fiança, do artigo 818 do CC, de outro lado, é obrigação de responsabilidade, sem
débito pretérito daquele fiador
Mas a fiança não é, tecnicamente, responsabilidade sem débito, pois há o débito de
terceiro; ela é sem débito próprio do fiador, mas o débito existe – só que foi contraído por
outrem, quem seja, o devedor afiançado.

Questão 2

João Marques interpôs ação de execução por título extrajudicial em face de Lucas
Ribeiro, a fim de receber quantia garantida através de nota promissória. Em embargos à
execução, o embargante sustenta que a dívida é decorrente de aposta e, por isso, na forma
do artigo 814 do Código Civil, não pode ser cobrada judicialmente. Por sua vez, o
embargado sustenta que mesmo tratando-se de dívida de jogo, a garantia dada em nota
promissória é autônoma, não se podendo mais indagar a origem do quantum aposto na
cártula. Decida, indicando os fundamentos legais.

Resposta à Questão 2

Não procede, a alegação do embargado. A cártula, in casu, é de emissão vinculada a


negócio jurídico que é inexigível, e por isso contamina-a a inexigibilidade material. A
autonomia e abstração do título de crédito só seria legitima se viesse de um terceiro de boa-
fé que, desconhecedor do negócio material que a fez emitida, nada pode ter contra si oposto
– e somente se recebera por endosso, pois o endosso purifica o título, mas sua mera cessão
não.
Se se entender que o título é exigível, se estará permitindo que uma obrigação
natural, inexigível, seja mascarada pela cártula, a fim de ganhar exigibilidade. Esta
alegação, portanto, não pode ser deduzida pelo credor.

Questão 3

O Condomínio Edifício Boa Morada ajuizou ação de cobrança de taxas de


condominiais em face de Rua Construções S/A que alegou preliminar de ilegitimidade

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EMERJ – CP II Direito Civil II

passiva, pois a posse do imóvel foi transferida, através de compromisso de compra e venda
irrevogável e irretratável, fato conhecido pelo Condomínio. Merece ser acolhida a
preliminar?

Resposta à Questão 3

A jurisprudência tem entendido que se o condomínio demandar o promitente-


comprador, este responderá, mas se demandar o proprietário, ainda que exista a promessa
de compra e venda – não tendo ainda havido a transcrição do registro –, também será
legitimado o proprietário no pólo passivo, tendo direito de regresso contra o possuidor.
Assim entende a jurisprudência por privilegiar o adimplemento, o direito da
coletividade em haver as cotas condominiais adimplidas. Contudo, não é pacífica, pois há
entendimento minoritário que entende que, sendo obrigação propter rem, se o condomínio
sabe da promessa, e da posse direta dada ao promitente-comprador, somente ele deve ser
alvo da cobrança.
A respeito, veja a ementa do REsp 194.481:

“CONDOMÍNIO. Despesas. Ação de cobrança. Legitimidade passiva.


- A ação de cobrança de quotas condominiais pode ser proposta tanto contra o
proprietário como contra o promissário comprador, pois o interesse prevalente é o
da coletividade de receber os recursos para o pagamento de despesas
indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher, - entre aqueles que tenham
uma relação jurídica vinculada ao imóvel (proprietário, possuidor, promissário
comprador, etc.), - o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação,
ressalvado a este o direito regressivo contra quem entenda responsável.
- Ação promovida contra o proprietário.
Recurso conhecido, mas improvido.”

Tema II

Classificação das Obrigações quanto ao objeto I. Obrigações positivas e negativas. Obrigações de dar e de
restituir. Obrigação de dar coisa certa. Modalidades. Obrigações de dar coisa incerta. Obrigações
alternativas. Obrigações facultativas.

Michell Nunes Midlej Maron 11


EMERJ – CP II Direito Civil II

Notas de Aula4

1. Classificação das obrigações

Classificar quaisquer institutos é relevante para que, diante das conseqüências


fenomênicas diversas que defluem de cada modalidade, o intérprete tenha mais segurança
em dar o tratamento jurídico adequado a cada espécie. De nada serve uma classificação
vazia, sem escopo; há que ser claro o objetivo em classificar, ou se estará apenas
exercitando pura vaidade doutrinária.
Nas obrigações, a classificação assume importância ímpar. É nela que se prepara o
jurista para interpretar os efeitos que decorrerão da relação, saudável ou não, do processo
obrigacional. Nas palavras de Caio Mário:

“(...) é irrecusável o interesse da classificação. Reduzindo-se todas as modalidades


de tipo obrigacionais a uns poucos grupos, consegue-se ter à mão, para qualquer
eventualidade, jogos de princípios que simplificam a solução das questões em
torno de cada uma.”

Desde o Direito Romano já se classificavam as relações, especialmente por seus


efeitos, que à época, diga-se, eram especialmente severos no inadimplemento, pela vigência
da coação pessoal pelo inadimplemento, e não meramente patrimonial.
Em que pese o Código Civil atual ser profuso em normas de tratamento das
obrigações, o estudo doutrinário das classificações é ainda mais preciso. Vamos a ele,
pontualmente.

1.1. Obrigações de dar

Primeira classificação, de breve explanação, é quanto às obrigações positivas ou


negativas. As obrigações são positivas quando o sujeito passivo tem de si esperada uma
conduta ativa, um dar ou fazer em prol do credor. A obrigação é negativa, ao contrário,
quando a conduta que se espera do devedor é a sua abstenção, inação, que gere proveito ao
credor – um não fazer.
Obrigações são de dar quando a conduta final do devedor deve ser a entrega do
objeto esperado, e de fazer ou não fazer quando a conduta do devedor encerra o próprio
objetivo, não se exigindo o resultado como adimplemento. Mesmo que isso pareça muito
simples, a distinção casuística nem sempre é tão fácil. Isto porque, de fato, toda obrigação
de dar envolve um facere. Nas palavras de Caio Mário:

“Os casos extremos não padecem dúvida, pois que uma envolve uma traditio ou
entrega, e outra uma ação pura. Mas numa zona grísea existem prestações que
reclamam acurada atenção, como, no exemplo clássico, o caso do artesão que
manufatura a coisa para o credor ou, em termos de direito positivo brasileiro, a
empreitada, em que existe o facere no ato de confeccionar e um dare no de
entregar a coisa elaborada, sendo ambos os momentos integrantes da prestação.”

4
Aula proferida pelo professor Rafael Viola, em 9/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Civil II

Como exemplo, um contrato de empreitada mista, na qual o empreiteiro fornece


material e mão-de-obra, a obrigação é de realizar a obra, ou entregá-la pronta? Indo um
pouco além: quais são as obrigações do incorporador imobiliário, entregar o bem ou fazer
algo específico no percurso?
Veja que em contratos corriqueiros, a obrigação é facilmente identificada, mas não
quando as relações são de alta complexidade, como nos ditos contratos. Não se discute que
a obrigação oriunda da compra e venda é dar o preço e dar a coisa. O problema recai nas
situações nebulosas, como as mencionadas.
A identificação precisa da obrigação se faz ainda mais importante quando se tem em
mente que a busca pela tutela específica do crédito é o ideal da prestação jurisdicional
sobre as obrigações. Sem saber-se ao certo qual é a prestação devida, a prestação
jurisdicional não se amoldará ao ideal. Veja: a compra e venda só alcança o termo perfeito
quando se extingue pela entrega da coisa comprada, mediante paga do preço. A resolução
em perdas e danos não é o ideal. Mas para saber que a entrega é o fim perfeito, é preciso
saber que é uma obrigação de dar típica.
Como parâmetro principal de identificação da obrigação, especialmente nos casos
cinzentos, a doutrina defende que é necessária a análise da finalidade preponderante da
obrigação. Quando a mescla for tamanha que não se identifique claramente a
preponderância, a doutrina informa: há que cingir-se a relação, aplicando-se a cada
prestação o tratamento que a sua natureza demanda. Esta é a solução, por exemplo, do
contrato de empreitada mista que se mencionou.
O STJ, no REsp 205.895, encampou esta tese, ao enfrentar a natureza da obrigação
de seguro de saúde: entendeu que a obrigação principal da seguradora é de dar, qual seja,
pagar a indenização, o reembolso pelas despesas médicas, mas que há também, no contrato,
obrigações acessórias de fazer, e que autorizam a cominação de multa no caso de seu
descumprimento (à época, obrigações de dar não autorizavam multa cominatória). A
principal obrigação de fazer no contrato de seguro de saúde é a de liberar a realização do
tratamento que depois será reembolsado. Veja:

“A obrigação principal no seguro-saúde é de dar; todavia, dependendo o


internamento hospitalar e a cobertura de despesas médicas de atos da
responsabilidade da seguradora, há no contrato obrigações acessórias, de fazer, que
autorizam a cominação judicial de multa para o caso de descumprimento. (STJ,
Resp. 205.895. Min. Rel. Ari Pargendler, DJU 05.8.2002)”

Atualmente, esta relevância não é mais tão severa, porque tanto as obrigações de dar
quanto as de fazer permitem cominação de astreintes para compelir seu cumprimento
específico, e as perdas e danos5 não mais são a única saída para o inadimplemento das
obrigações que à época não contemplavam cominação de multa.
Para Orlando Gomes:

“As prestações de coisas consistem na entrega de um bem, seja para lhe transferir a
propriedade, seja para ceder-lhe a posse, seja para restituí-la.”

5
A doutrina sempre foi forte em afirmar que as perdas e danos deveriam ser a última das soluções de uma
questão obrigacional, pois de fato não atendem ao que se espera de um pacto. São um remédio não desejado,
cabível apenas quando outra medida mais próxima da específica não for possível, e não uma solução
satisfatória.

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP II Direito Civil II

E para Caio Mário:

“Consistem na entrega de uma coisa, seja a tradição realizada pelo devedor ao


credor em fase de execução, seja a tradição constitutiva de direito, seja a
restituição de coisa alheia a seu dono.”

As obrigações de dar, como dito, nada mais são do que a entrega de um bem,
corpóreo ou incorpóreo, seja pela tradição do bem móvel, seja pela transcrição do registro
de bem imóvel. Há mais de uma espécie de obrigação de dar; por isso, vejamos cada
espécie em detalhes.

1.1.1. Obrigação de dar coisa certa

Coisa certa é coisa móvel ou imóvel individualizada e identificada, com


características determinadas e inconfundíveis. Caracteriza-se pelo gênero, qualidade e
quantidade.
Veja: a coisa somente será certa se for possível traçar-se a exata individualização do
bem. Se uma das características não estiver bem delineada, não é coisa certa. Um exemplo:
um automóvel da marca Fiat não será coisa certa de uma compra e venda a não ser que se
lhe indique o chassi, pois mesmo se a obrigação fizer menção ao ano, modelo, marca e cor,
ainda assim estará englobando uma enormidade de automóveis com tais características.
Dar coisa certa, então, é dar uma coisa exatamente identificada, sem margem a
generalização. Caracterizada a individualização da coisa, o adimplemento perfeito se
concentra unicamente na sua entrega: qualquer outro resultado, é adimplemento imperfeito.
De outro lado, se a obrigação for de dar coisa incerta, a entrega de qualquer bem daquele
gênero, que se insira nas especificações mais abrangentes, é adimplemento perfeito. Mesmo
por isso, a vantagem de uma aquisição de coisa incerta, que só depende da determinação do
gênero, é que se houver perecimento desta antes da tradição, por exemplo, basta apenas
entregar outra do mesmo gênero, porque genus nunquam perit – gênero não perece.
A análise pontual dos artigos referentes a esta matéria, que será realizada adiante,
revela que grande parte das normas atinentes às obrigações (como um todo, diga-se, e não
apenas quanto às de dar) são de natureza dispositiva. Mas também é de se consignar que a
autonomia da vontade em dispor destas normas, hoje, encontra norte (e por vezes severa
barreira) na função social do contrato e na boa-fé objetiva. No direito obrigacional, diga-se,
as relações partem de uma concepção de paridade entre as partes, mas sempre que esta
paridade se demonstrar irreal na casuística, o equilíbrio deve ser refeito pelo julgador. É
que, na verdade, a paridade real é rara, e o ordenamento deixa claro que quanto mais real a
paridade entre as partes, mais ampla será a autonomia da vontade, e vice-versa.
Princípio fundamental da relação que envolve obrigação de dar coisa certa é a
identidade da coisa devida: o devedor não se desobriga com a entrega de coisa diversa,
ainda que mais valiosa, pois o credor não é obrigado a recebê-la. Assim dispõe o artigo 313
do CC:
“Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida,
ainda que mais valiosa.”

O credor não está obrigado a receber coisa diversa, mesmo que mais valiosa, pelo
simples fato que pode não lhe ter qualquer utilidade esta coisa mais valiosa. A entrega de
coisa diversa é uma violação positiva do contrato, pois é um cumprimento imperfeito da

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP II Direito Civil II

obrigação, equiparado ao descumprimento. Se o credor quiser receber, nada o impede,


porém.

1.1.1.1. Teoria dos riscos na obrigação de dar coisa certa

Uma das principais problemáticas em direito das obrigações é a chamada teoria dos
riscos, e suas aplicações em cada espécie de obrigação. Não se pode confundir esta com a
teoria do risco, que tem sede na responsabilidade civil objetiva, pois a teoria dos riscos tem
relação com a perda, o perecimento da coisa alvejada numa obrigação, determinando quem
assume o prejuízo pela perda.
O principal aspecto da teoria dos riscos, em geral, é a culpa. Ao contrário da
tendência objetivista do direito, em que até a boa-fé subjetiva vem perdendo importância
diante da objetiva, o direito obrigacional guarda íntima dependência deste elemento,
quando da análise das terminações imperfeitas das obrigações. Por isso, a culpa é regra
geral para a imputação de responsabilidade a um dos relacionandos, somente se escapando
a esta regra quando se tratar de responsabilidade objetiva – o que é sempre excepcional6.
Não somente nas obrigações que envolvem coisa certa, mas como norte geral,
devemos levar em consideração o brocardo res perit domino (a coisa perece para o dono)
como uma máxima: quem suporta, em regra, o ônus do perecimento da coisa é o seu dono,
o seu proprietário. Havendo, é claro, um atuar culposo do relacionando que não é dono,
poder-se-á imputar-lhe o perecimento; não havendo atuação culposa de ninguém – ou seja,
havendo fortuito ou força maior –, o prejuízo é do dono.
Grande importância assume esta regra quando se trata da obrigação de restituir, que
é mera variação da obrigação de dar. Nesta, a coisa não está em poder do dono, e sim do
possuidor, e, mesmo se a perda da coisa ocorre na posse do devedor da restituição, não
havendo culpa deste devedor, o prejuízo é do credor, proprietário, pois se aplica, de forma
simples, a regra res perit domino. São exemplos o contrato de locação, ou o comodato.
Na obrigação de entrega simples, e não restituição, o dono é o devedor, pois a
propriedade só se transfere com a tradição da coisa móvel, ou a transcrição no registro,
quando imóvel. Antes da tradição, havendo perecimento sem culpa, simplesmente se
resolve a obrigação, e quem deve arcar com o ônus da perda é o devedor. Se o credor
houver adiantado algum pagamento ao devedor, deve haver a simples devolução. A relação
deve voltar ao status quo ante.
Se antes da tradição a coisa se perde, agora, por culpa do devedor, proprietário, a
conseqüência jurídica é que, além de se resolver a obrigação, restituindo-se eventuais
adiantamentos feitos pelo credor da obrigação de dar, será devida a este a indenização, pelo
proprietário-devedor culpado, do equivalente somado a eventuais perdas e danos, tais como
danos emergentes ou lucros cessantes, e mesmo alguma perda de chance.
Veja o que dizem os artigos 233 e 234 do CC:

“Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não
mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.”

“Art. 234. Se no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do


devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a

6
No CDC, por exemplo, a desnecessidade de culpa vem da adoção da teoria da qualidade, na vertente
adequação (ausência de vícios) e na vertente segurança (ausência de fatos danosos).

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obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor,


responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.”

Após a tradição, como se percebe, o ônus é do credor.


Vale ressaltar que o conceito de perda, nas obrigações, é amplo, não se atendo
exclusivamente ao perecimento: engloba também a deterioração, e inclusive a perda da
utilidade para o credor da coisa, mesmo que o bem esteja íntegro. Nas palavras de Caio
Mário:

“O conceito de perda é lato e engloba tanto o desaparecimento total, quanto ainda


o deixar de ter as suas qualidades essenciais, ou de tornar indisponível, ou situar-se
em lugar que se tornou inatingível, ou ainda de confundir-se com outra.”

Ocorrendo a deterioração, e não o perecimento, a regra é a mesma, mas o CC admite


uma nova possibilidade de solução: pode o credor preferir, ao invés da simples resolução
(com entrega do equivalente somado a perdas e danos, se culpado o devedor), receber a
coisa deteriorada, com abatimento proporcional da sua contraprestação por ela. Veja os
artigos 235 e 236 do CC:

“Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor
resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.”

“Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou


aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em
outro caso, indenização das perdas e danos.”

Há que se abordar, aqui, o conceito de inadimplemento mínimo, o adimplemento


substancial. Quando o adimplemento se aproximar muito do completo, do perfeito, a
resolução por alguma falha mínima não é compatível com os consectários da boa-fé
objetiva, especialmente o dever de lealdade entre as partes. Como exemplo, já mencionado,
o pagamento de quase todas as parcelas de uma compra e venda fracionada, que causa a
supressio do direito de resolver a obrigação, para o credor, que poderá apenas reclamar
perdas e danos proporcionais.

1.1.1.2. Acréscimos e melhorias na coisa certa

Até a entrega ou restituição da coisa, as benfeitorias necessárias, úteis ou


voluptuárias que a melhorarem ou valorizarem pertencerão ao devedor, que poderá cobrar
do credor o aumento respectivo.
E note que se o credor não concordar, nasce ao devedor o direito de pedir a
resolução do negócio jurídico. Veja o artigo 237 do CC:
“Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos
e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir,
poderá o devedor resolver a obrigação.”

É claro que este direito não pode ensejar abusos pelo devedor. Não pode ele,
pretendendo forçar a resolução, incrementar demais o valor da coisa com benfeitorias úteis
ou voluptuárias, pois se trataria de quebra da lealdade imposta pela boa-fé objetiva,
denotando abuso de direito.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP II Direito Civil II

1.1.1.3. Obrigação de restituir

Conforme já se pôde adiantar, a obrigação de restituir consiste na devolução do


bem, pelo possuidor ao proprietário. Como diz Gustavo Birenbaum:

“A prestação consiste na devolução de determinado objeto à posse do titular do


domínio respectivo.”

São exemplos mais comuns a locação, o depósito, o comodato e o mútuo. Em toda


obrigação de restituir, houve anteriormente a entrega da posse direta do bem ao devedor da
restituição, a quem se impõe a devolução deste bem, em determinado momento, ao credor,
proprietário. O mútuo, peculiarmente, transfere a propriedade, sendo contrato real, mas
ainda assim persiste a obrigação de restituir. Veja o artigo 587 do CC, que trata desta
peculiaridade do mútuo:

“Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário,


por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.”

Como dito, nas obrigações de restituir os efeitos da teoria dos riscos são um tanto
diferentes. A regra geral, como se viu, por conta do res perit domino, é que a coisa se perde
para o proprietário, mas acontece que aqui o proprietário não está na posse da coisa.
Mesmo assim, se há fortuito que impeça a restituição, o prejuízo será do credor-
proprietário, ainda que a coisa esteja na posse do devedor. Se a coisa se perder antes da
restituição, sem culpa do devedor, será resolvida a obrigação, cabendo ao credor o que seria
devido como contraprestação até o dia da perda. Ocorrendo culpa do devedor, o credor terá
direito ao valor equivalente da coisa mais perdas e danos.
Veja o que dizem os artigos 238 e 239 do CC:

“Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor,
se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá,
ressalvados os seus direitos até o dia da perda.”

“Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo
equivalente, mais perdas e danos.”

Há que se atentar para um detalhe fundamental: se a obrigação de restituir deriva de


um contrato oneroso – como exemplo, um estacionamento de veículos –, a perda é arcada
pelo credor, ressalvados os direitos até o dia da perda. Significa, então, que se um tornado
destruir os veículos no estacionamento, este fortuito externo determina que ao credor da
restituição, dono do carro, serão impostos os prejuízos, e o estacionamento ainda poderá
cobrar dele as prestações pelas diárias em que prestou o serviço de guarda7 (pois do
contrário seria enriquecimento sem causa, vez que o serviço, naqueles dias, foi prestado).

7
Data maxima venia, não entendo, pessoalmente, que seja esta a leitura deste artigo. A concordância da
expressão “ressalvados seus direitos até o dia da perda” só pode dizer respeito ao próprio credor, como se
depreende da mera leitura do artigo. Sendo assim, o direito ressalvado até o dia da perda é o do credor da
restituição, aquele que suporta o prejuízo, e deve dizer respeito, no meu entender, a qualquer efeito da
obrigação prévio ao fortuito, que porventura tenha ocorrido. Fica a questão.

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EMERJ – CP II Direito Civil II

Na hipótese de deterioração, a regra é simétrica: se houve culpa do devedor, o


credor poderá exigir o equivalente mais perdas e danos ou receber a coisa no estado que se
encontrar mais perdas e danos; se não houve culpa, o credor receberá a coisa no estado em
que se achar sem direito a indenização. Veja:

“Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o


credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor,
observar-se-á o disposto no art. 239.”

Se ao contrário, o que se dá é um melhoramento, um acréscimo à coisa a ser


restituída, há que se perscrutar o esforço do devedor em tal acréscimo: no caso de
melhoramento da coisa sem esforço do devedor, o credor lucra o incremento, sem a
obrigação de pagar qualquer indenização; se houver esforço por parte do devedor, este será
indenizado, aplicando-se as regras das benfeitorias ao possuidor, conforme artigos 1.219 a
1.222 do CC, especialmente no primeiro:

“Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias


necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a
levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de
retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.”

“Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias


necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de
levantar as voluptuárias.”

“Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao


ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.”

“Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de


má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de
boa-fé indenizará pelo valor atual.”

Na obrigação de dar, como é lógico, o bônus é de quem melhora ou acresce, e, antes


da tradição, só pode ser o devedor da entrega.

1.1.1.4. Inadimplemento das obrigações de dar

Havendo inadimplemento, a primeira medida de coerção que se cogita é a das


astreintes. Isto porque o principal aspecto a ser considerado no inadimplemento das
obrigações de dar é a execução da tutela específica, que é o meio ideal de findar a relação
obrigacional – entregando aquilo que se esperava.
Nas obrigações de restituir, há outros métodos de forçar o cumprimento, que
implementam esta tutela específica: busca e apreensão, reintegração da posse, até mesmo a
ação reivindicatória, em alguns casos.
Assim, na hipótese de inadimplemento, é preciso atentar para a tendência moderna,
possibilitando ao credor a execução específica. Somente quando a entrega do bem for
impossível, ou se resultar em constrangimento físico do devedor, recorre-se à via das perdas
e danos, como deixa claro o artigo 461-A, usque 461, do CPC:

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o
pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
do adimplemento.
§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou
se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático
correspondente.
§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou
mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada
ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou
compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do
preceito.
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e
apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de
atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso
verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.”

“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a
tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
§ 1o Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o
credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao
devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
§ 2o Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do
credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar
de coisa móvel ou imóvel.
§ 3o Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art. 461.”

E veja que este artigo 461-A, instituído pela Lei 10.444/02, tornou sem sentido o
teor da súmula 500 do STF:

“Súmula 500, STF: Não cabe a ação cominatória para compelir-se o réu a cumprir
obrigação de dar.”

1.1.2. Obrigação de dar coisa incerta

Trata-se da obrigação, também chamada de genérica, em que a coisa é determinada


apenas pelo gênero e pela quantidade. A obrigação deve ser no mínimo determinável.
Gênero é o agrupamento de coisas que apresentam caracteres comuns. Quantidade é
representada por números, pesos, medidas – enfim, grandezas.
Se a obrigação não tiver determinado o gênero ou a quantidade, trata-se de
obrigação nula. Não é sequer anulável, mas nula por completo, porque não resta preenchido
requisito do artigo 104, II, do CC, ou seja, objeto determinável, ao que o artigo 166, II, do
CC comina a nulidade:

“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:


(...)

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP II Direito Civil II

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;


(...)”

“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


(...)
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
(...)”

A individualização da coisa fica para um momento posterior ao da constituição do


vínculo obrigacional. O momento da indicação da coisa antes referida apenas pelo seu
gênero e quantidade, momento em que se passa a identificar a coisa como certa, denomina-
se concentração do débito. É o momento da determinação, da escolha da coisa que deve ser
prestada.
Veja que, em regra, a concentração se dá no momento da tradição, mas não
necessariamente. Pode ocorrer a individualização em momento anterior, quando se
identifica ao credor exatamente qual será o bem que lhe será entregue, para posterior
tradição. Como exemplo, se um atacadista delimita o lote exato de um produto que será
entregue ao credor no dia seguinte, desde o momento em que o credor teve ciência da
exatidão do lote devido já se convolou em obrigação de dar coisa certa, sofrendo todos os
efeitos desta modalidade.
Esta concentração do débito em momento prévio à tradição deve ser cientificada ao
credor sem deixar qualquer margem de dúvida. Não basta que o devedor tenha determinado
a coisa por sua conta, é necessário que a ciência do credor seja inconteste – é necessária a
declaração receptícia deste credor.
É muito importante observar-se esta regra, especialmente quando se tratar de
perecimento ou deterioração da coisa, pois os efeitos são diversos, em sendo considerada a
coisa como certa ou incerta – vez que, na coisa incerta, vige o brocardo genus nunquam
perit, ou seja, o gênero não perece, e a coisa ainda deverá ser entregue. Veja os artigos 245
e 246 do CC:

“Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção


antecedente.”

“Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da
coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.”

Em regra, a escolha cabe ao devedor, salvo se o contrário resultar do título. Veja:

“Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha
pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não
poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.”

De imediato, pode se verificar da segunda parte do dispositivo legal que se está


diante de uma forma de concretização da cláusula geral de boa-fé objetiva. Veja o que diz
Paulo Luiz Netto Lôbo:

“A escolha deverá ser razoável ou segundo características médias de gênero e


qualidade, ou seja, não pode ser a pior nem obriga que seja a melhor. Pior é a coisa
que está abaixo da média.”

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP II Direito Civil II

Nada impede, porém, que se pactue, pela autonomia da vontade, a escolha pelo
credor, e, mais ainda, que este possa escolher qualquer bem, mesmo o melhor.
Quando a escolha não se der no momento da tradição, esta será considerada quando
o devedor cientifica o credor da escolha feita.
Cabendo a escolha ao credor, excepcionalmente, se ele não faz esta escolha, cabe ao
devedor ingressar com ação para que o credor a faça em cinco dias (ou no prazo
contratual), sob pena de poder o devedor fazê-lo mediante consignação em pagamento. Veja
o artigo 894 do CPC:

“Art. 894. Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao


credor, será este citado para exercer o direito dentro de 5 (cinco) dias, se outro
prazo não constar da lei ou do contrato, ou para aceitar que o devedor o faça,
devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar lugar, dia e hora em que se fará
a entrega, sob pena de depósito.”

Se, no entanto, a escolha couber mesmo ao devedor, conforme a regra geral, e este
não a faz, poderá o credor ajuizar ação para obter a coisa, conforme preceitua o artigo 629 e
seguintes do Código de Processo Civil:

“Art. 629. Quando a execução recair sobre coisas determinadas pelo gênero e
quantidade, o devedor será citado para entregá-las individualizadas, se lhe couber a
escolha; mas se essa couber ao credor, este a indicará na petição inicial.”

Se o devedor ainda assim não escolher a coisa, quando instado a fazê-lo, este direito
de escolha passa a ser do credor.

1.1.2.1. Teoria dos riscos na obrigação de dar coisa incerta

Enquanto não é feita a concentração, o ônus da integridade da coisa incumbe ao


devedor, mesmo que por caso fortuito ou força maior. Isto ocorre porque gênero não perece
– genus nunquam perit – como visto no artigo 246 do CC.
Essa questão, entretanto, possui exceção. Pense-se nas hipóteses em que uma
determinada mercadoria, objeto de obrigação genérica, deixa de ser fabricada num
momento entre a celebração do negócio e a concentração. Neste caso, a exceção não é à
regra legal, e sim à própria regra naturalística da impossibilidade de perecimento de um
gênero: de fato, neste caso, o gênero realmente pereceu (é o que se chama de gênero
restrito). Sendo este o caso, se há culpa do devedor, responderá por perdas e danos.
1.1.3. Esquema gráfico

Obrigação Dar coisa certa Restituir Dar coisa incerta

Entregar coisa determinado pelo


Objeto Entregar coisa indivdualizada Restituir (devolver) coisa individualizada
gênero e quantidade

Permanece a obrigação, salvo


Resolve-se a obrigação, sem perdas e
Resolve-se a obrigação, sem perdas e hipótese de gênero restrito em
danos. O credor suporta o ônus da perda. O
Perda sem culpa danos. O devedor suporta o ônus da que se resolverá a obrigação,
devedor faz jus à sua remuneração até o dia
perda. (art. 234, CC) sem perdas e danos. (art. 246,
da perda8. (art. 238, CC)
CC)

8
Vide nota pessoal na página 18.

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP II Direito Civil II

Permanece a obrigação, salvo


Resolve-se a obrigação e o devedor Resolve-se a obrigação e o devedor gênero restrito em que se resolve
Perda com culpa responde pelo equivalente, mais responde pelo equivalente, mais perdas e a obrigação e o devedor
perdas e danos. (art. 234, CC) danos. (art. 239, CC) responde por perdas e danos.
(art. 236, CC)

O credor poderá resolver a obrigação


O credor receberá, obrigatoriamente, a coisa
Deterioração sem ou receber a coisa com o abatimento Permanece a obrigação. (art.
no estado em que se encontra, sem direito à
culpa proporcional do preço, sem perdas e 236, CC)
indenização. (art. 240, CC)
danos. (art. 235, CC)

O credor poderá exigir o equivalente,


O credor poderá exigir o equivalente mais
mais perdas e danos ou receber a
Deterioração com perdas e danos ou receber a coisa no estado Permanece a obrigação. (art.
coisa com o abatimento proporcional
culpa em que se encontra, mais perdas e danos. 236, CC)
do preço, mais perdas e danos (art.
(art. 240, CC)
236, CC)

Se não houve esforço do devedor, quem


Se de boa-fé, o devedor poderá exigir lucra é o credor. Se houve esforço do
Acréscimos ou
aumento do preço, sob pena de devedor, este será indenizado pelas
melhoramentos
resolver-se a obrigação. (art. 237, CC) benfeitorias, conforme art. 1.219, CC. (arts.
241 e 242, CC)

1.2. Obrigações alternativas

As obrigações que envolvem apenas uma única prestação são chamadas simples. As
obrigações que envolvem pluralidade de elementos são as chamadas complexas, e são elas
as obrigações alternativas, facultativas e cumulativas.
Há que se consignar aqui, porém, uma nova leitura desta classificação de obrigações
simples e complexas. Na concepção da obrigação como um processo, ainda que se esteja
diante de uma obrigação classicamente considerada simples, ela será, de fato, sempre
complexa: a boa-fé objetiva impõe, a toda e qualquer obrigação, os deveres anexos que as
partes devem respeitar, quais sejam, os deveres de informação, cooperação e lealdade.
Assim, nesta moderna leitura, toda obrigação é complexa, pois que conta com diversos
deveres. No entanto, a classificação simplista, clássica, não deve ser abandonada, pois
garante a solução de diversos problemas, como se verá.
As obrigações complexas podem ser conjuntivas (ou cumulativas), quando mais de
uma prestação é devida de forma cumulada. Nesta hipótese, o credor tem o poder de exigir
o cumprimento de todas elas, na medida em que todas são devidas. Deve-se destacar a
inexistência de um regime legal particularizado às obrigações de objeto conjunto, e por isso
são aplicadas segmentadamente as regras das obrigações de dar, fazer ou não fazer que
porventura formem o conjunto obrigacional complexo.
O ponto nodal, contudo, é que o devedor não se desonera com cumprimento de
apenas uma das obrigações previstas no cúmulo. O interesse do credor está no conjunto e,
portanto, o devedor só estará exonerado se entregar todas as coisas. O objeto
composto que ela prevê vem destacado pela partícula aditiva “e”: por exemplo, a compra e
venda de uma casa e um carro.
Veja que a causa das obrigações deve ser a mesma, para que possam ser
consideradas cumuladas. No exemplo dado, a compra e venda da casa e do carro, o pacto
deve passar o sentido de unidade, ou seja, o dever de um é pagar o preço total
compromissado pelos bens, e o de outro entregar tais bens. Se a causa for diversa, ou seja,
se se passar a idéia clara de separação – no molde “compra da casa por tal preço, e do carro

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP II Direito Civil II

por tal preço”, mesmo havendo aparência de um negócio cumulado, não há cúmulo teórico:
há duas obrigações.
Já nas obrigações alternativas (ou disjuntivas), ao devedor compete a entrega de
uma das prestações objeto da obrigação. O objeto não é único, mas o devedor se desobriga
entregando apenas um deles. Nessa obrigação, existem duas ou mais prestações, mas o
devedor só está obrigado a cumprir uma delas. Mesmo por isso, se identifica tal obrigação
por serem os objetos ligados pela partícula “ou”. Como exemplo, compra e venda de uma
casa ou um carro: o adimplemento se dá, perfeito, na entrega de um ou outro.
Veja que, para a caracterização de uma obrigação alternativa, pouco importa que as
prestações sejam genéricas ou que uma seja genérica e outra específica, ou, ainda, que uma
seja uma obrigação de dar e outra de fazer.
A verdadeira função de uma obrigação alternativa, para alguns autores, é garantir o
cumprimento da obrigação para o credor; outros, entendem que se trata de uma facilidade
para o devedor no adimplemento; na verdade, é uma combinação de ambas estas
finalidades, especialmente a depender de a quem incumbe a escolha.
Os problemas, é claro, surgem na solução da concentração e na aplicação da teoria
dos riscos. Vejamos.

1.2.1. Concentração e cumprimento das obrigações alternativas

No cumprimento das obrigações alternativas, é importante notar que o objeto, que


inicialmente é múltiplo, se torna individualizado num momento posterior. Após esse
momento da individualização, a obrigação, outrora alternativa, se processa de forma
semelhante a uma obrigação simples.
Ordinariamente, a escolha compete ao devedor, estando esse entendimento
consubstanciado no artigo 252, caput, do CC, mas nada obsta que o acordo de vontades
entre as partes reserve essa faculdade para o credor. Veja:

“Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa
não se estipulou.
§ 1o Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte
em outra.
§ 2o Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção poderá
ser exercida em cada período.
§ 3o No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre eles,
decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.
§ 4o Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder exercê-la,
caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes.”

As partes podem também estabelecer que um terceiro realize a escolha. Pode ser
ainda que a escolha caiba a uma pluralidade de indivíduos. Se o terceiro não quiser realizar
a escolha ou se a pluralidade de optantes não chegar a um consenso, é dado ao juiz escolher
a prestação a ser cumprida
A escolha é feita, de acordo com Orlando Gomes, mediante declaração de vontade
receptícia. Desse modo, somente quando a outra parte toma conhecimento da declaração é
que ocorre a concentração. Depois de realizada a escolha, a obrigação alternativa se
converte em obrigação simples e seguirá as regras referentes ao tipo de obrigação (dar,
fazer ou não fazer).

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP II Direito Civil II

O § 1º deste artigo 252 traz previsão importante: não há que se falar em


cumprimento da obrigação alternativa por parte de um e parte de outro bem. É, sempre, um
ou outro (novamente, podendo haver ajuste neste sentido, pela manifestação da vontade das
partes).

1.2.2. Teoria dos riscos na obrigação alternativa

Enquanto não for realizada a escolha, pode ser que uma, ou as duas prestações
venham a se tornar impossíveis. Novamente, a questão passa pela culpa, e por quem deve
arcar com o prejuízo. Nesse caso, será necessário perquirir, mais uma vez, a culpa do
devedor. No entanto, em se tratando de escolha do credor ou do devedor, os efeitos serão
diferentes, conforme veremos.
Não havendo culpa no perecimento ou deterioração, se a escolha cabe ao devedor,
se uma das prestações se perder, opera-se a concentração do débito em relação à outra. Em
se perdendo ambas as prestações, sem culpa, resolve-se a obrigação. Veja os artigos 253 e
256 do CC:

“Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se
tornada inexeqüível, subsistirá o débito quanto à outra.”

“Art. 256. Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor,


extinguir-se-á a obrigação.”

Havendo culpa do devedor, no entanto, se a escolhe cabe ao devedor e a prestação


se perde por culpa sua, os efeitos serão diferentes. Nesse caso, se perder uma prestação,
ocorre a concentração em relação à prestação subsistente9. Se todas as prestações se
perderem, fica o devedor obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais
as perdas e danos. Veja o artigo 254 do CC:

“Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações,
não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que
por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.”

Se, contudo, a escolha couber ao credor, caso uma prestação venha a se perder por
culpa do devedor, aquele poderá optar entre a prestação subsistente ou o valor da que se
perdeu, mais perdas e danos. Em razão da escolha estar a cargo do credor, pode ser que ele
não tenha interesse na outra prestação e, portanto, lhe é facultado exigir o equivalente da
prestação que se perdeu, mais perdas e danos.
Se, no entanto, todas as prestações se perderem por culpa do devedor, o credor terá
direito de exigir o valor de qualquer das prestações, mais indenização por perdas e danos.
Veja o artigo 255 do CC:
“Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se
impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação
subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos; se, por culpa do devedor,
ambas as prestações se tornarem inexeqüíveis, poderá o credor reclamar o valor de
qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos.”

9
Gisela Sampaio entende que, neste caso, se abre a possibilidade, para o devedor, de cumprir a prestação ou
pagar as perdas e danos. É posição minoritária.

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP II Direito Civil II

Caso a escolha caiba ao devedor e este se recusar a realizá-la, o credor poderá


intentar ação de execução citando o devedor para que realize a escolha no prazo de dez
dias, se outro não foi estipulado, como dispõe o artigo 571 do CPC:

“Art. 571. Nas obrigações alternativas, quando a escolha couber ao devedor, este
será citado para exercer a opção e realizar a prestação dentro em 10 (dez) dias, se
outro prazo não lhe foi determinado em lei, no contrato, ou na sentença.
§ 1o Devolver-se-á ao credor a opção, se o devedor não a exercitou no prazo
marcado.
§ 2o Se a escolha couber ao credor, este a indicará na petição inicial da execução.”

Caso a escolha incumba ao credor, e ele se recuse a fazê-la, a solução se encontra no


artigo 342 do Código Civil e no artigo 894 do Código de Processo Civil. O devedor,
portanto, poderá ingressar com ação de consignação em pagamento para que o credor faça a
escolha em cinco dias (ou no prazo contratual), sob pena de o devedor poder fazê-lo.

“Art. 342. Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado
para esse fim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o
devedor escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo
antecedente.”

“Art. 894. Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao


credor, será este citado para exercer o direito dentro de 5 (cinco) dias, se outro
prazo não constar de lei ou do contrato, ou para aceitar que o devedor o faça,
devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar lugar, dia e hora em que se fará
a entrega, sob pena de depósito.”

1.2.3. Esquema gráfico

Escolha do devedor Perda de uma prestação Perda de todas as prestações


Concentração na segunda prestação. (art.
Sem culpa do devedor Resolve-se a obrigação. (art. 256, CC)
253, CC)

O devedor fica obrigado a pagar o equivalente da


Concentração na segunda prestação. (art.
Com culpa do devedor última que se perdeu, mais perdas e danos. (art. 254,
253, CC)
CC)

Escolha do credor Perda de uma prestação Perda de todas as prestações


Concentração na segunda prestação. (art.
Sem culpa do devedor Resolve-se a obrigação. (art. 256, CC)
253, CC)

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP II Direito Civil II

O credor poderá escolher entre a segunda


prestação ou o equivalente da primeira O credor poderá escolher o equivalente de qualquer
Com culpa do devedor
prestação, mais perdas e danos. (art. 255, das prestações, mais perdas e danos. (art. 255, CC)
CC)

1.3. Obrigações facultativas

O ordenamento pátrio, seguindo o exemplo da maioria das legislações estrangeiras,


não se ocupa das obrigações facultativas.
A obrigação facultativa tem por objeto apenas uma prestação principal; no entanto,
possibilita a liberação do devedor uma vez que ele efetue o pagamento de outra prestação
prevista em caráter subsidiário. É, nos dizeres de Orlando Gomes, a faculdade de
substituição conferida ao devedor no momento da celebração da obrigação.
Podemos afirmar, então, que, nesse tipo de obrigação, o devedor está obrigado a
cumprir uma única prestação. Entretanto, lhe é permitido substituir a prestação por outra,
que também terá o condão de liberá-lo.
Veja: enquanto na obrigação cumulativa é devida uma prestação e outra, e na
alternativa é devida uma prestação ou outra, nestas obrigações facultativas a prestação é
uma só, mas se não for possível sua entrega, ou ao arbítrio razoável do devedor,
subsidiariamente, uma outra prestação poderá ser hábil a cumprir a obrigação.

1.3.1. Teoria dos riscos na obrigação facultativa

Ponto fundamental de distinção entre a obrigação facultativa e a alternativa diz


respeito justamente aos efeitos oriundos na hipótese de cumprimento por meio da prestação
subsidiária.
Na obrigação facultativa, caso a prestação acordada venha a se perder sem culpa do
devedor, resolve-se a obrigação sem perdas e danos. Se, contudo, se perder com culpa,
resolve-se a obrigação, ficando o devedor obrigado a restituir ao credor e pagar as perdas e
danos. Veja que jamais terá o credor o direito subjetivo de exigir que a prestação subsidiária
lhe seja entregue: é uma faculdade do devedor fazê-lo (e por isso a classificação é de
obrigação facultativa).
Mesmo por isso, se a prestação que se perder for a prestação facultativa, não haverá
qualquer repercussão na relação obrigacional, pelo fato de que, em verdade, não existe
pluralidade de prestações, mas somente uma.
Casos Concretos

Questão 1

Renato aderiu ao Consórcio X pretendendo adquirir um automóvel Fiat Uno, zero


km, cor a sua escolha. Quitadas todas as quotas previstas no contrato, o consórcio colocou
o veículo à disposição de Renato. Este, porém, pretende receber uma carta de crédito
correspondente ao valor do bem, com o que a administradora do consórcio não concorda.
Em ação própria, Renato pleiteia que o consórcio X seja compelido a entregar-lhe a carta
de crédito. Contestando a ação, o consórcio sustenta não haver previsão contratual que
imponha a substituição da obrigação, razão pela qual insiste na entrega do veículo Fiat
Uno. Decida a questão.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP II Direito Civil II

Resposta à Questão 1

Correta a defesa do consórcio. A obrigação de dar coisa certa se concentra no bem


pactuado, não podendo haver sua substituição pelo credor, não contando ele com este
direito subjetivo. O contrato não prevê a alternatividade, e por isso não há este direito de
escolha ao credor: vige o princípio da identidade da coisa.

Questão 2

A e B realizaram um negócio jurídico em que o primeiro se obrigou a fornecer, no


curso de 90 dias, por preço certo, de logo adiantado, 20 cabeças de vacas leiteiras da raça
holandesa, dentre as melhores de seu pasto, no Município de Cações. Cláusula especial
estabeleceu que, no dies ad quem do termo, poderia A desobrigar-se, entregando, no lugar
do gado, 5 cavalos da raça manga larga marchador, em criação no Haras Solar, situado
no município vizinho. Uma súbita epidemia dizimou todo o rebanho bovino de A,
impedindo a entrega das 20 vacas. B, então, exigiu os 5 cavalos, invocando o artigo 253
do Código Civil. Responda objetivamente:
a) Que tipo ou espécie de obrigação assumiu A?
b) Cabe aplicar-se ao caso o artigo 253 do Código Civil?
Resolva, sucintamente, a questão, fornecendo os esclarecimentos e a
fundamentação necessários e pertinentes.

Resposta à Questão 2

a) Obrigação facultativa: a critério do devedor, a obrigação poderia ser cumprida


com o bem secundário, e não a critério do credor. É uma faculdade do devedor,
e não um direito do credor.

b) Não: este artigo é aplicável para obrigações alternativas, e, como dito, o caso
trata de obrigação facultativa. O credor não tem direito de concentrar seu pleito
no bem secundário, resolvendo-se em perdas e danos. O devedor deverá apenas
restituir eventuais adiantamentos, sem acréscimos, posto que não teve culpa.

Questão 3

Ana vendeu a Beatriz um quadro pintado por artista plástico consagrado e


obrigou-se a proceder à tradição da coisa no próprio domicílio da credora em
determinado dia. Beatriz planejou, para exibição do quadro adquirido, uma festa, para a
qual gastou uma vultosa quantia. Ocorre que, às vésperas do prazo avençado, Ana,
inutilizou a obra de arte, por inteiro, ao tentar limpá-la. Pergunta-se: que tipo ou espécie
de obrigação assumiu Ana e quais as conseqüências de seu ato?

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP II Direito Civil II

Obrigação de dar coisa certa infungível. Perecendo o bem, por culpa da devedora,
não resta outra saída senão apurar as perdas e danos da credora, e nestes entendo inclusos
os gastos com a festa, frustrada pela quebra do dever originário, e por isso inclusa na
obligatio da devedora.

Tema III

Classificação das Obrigações quanto ao objeto II. Obrigações de fazer e não fazer. Execução genérica e
específica. Obrigações de meio e de resultado. Obrigação condicional e a termo. Obrigação principal e
acessória.

Notas de Aula10

1. Introdução

10
Aula proferida pelo professor Ricardo Cyfer, em 10/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP II Direito Civil II

Antes de tudo, vale trazer breve consideração acerca das diferenças entre obrigações
contratuais e extracontratuais. Na verdade, a principal diferença reside em um aspecto
fundamental: a presunção de culpa. Nas obrigações contratuais, a existência de um vínculo
obrigacional claramente delineado, com as suas bases fixadas, determina que, havendo
descumprimento, haja presunção de culpa daquele descumpriu. Por isso, a alegação de
descumprimento de uma relação contratual faz recair sobre aquele que é apontado como
descumpridor o ônus de provar que não o fez.
Na relação extracontratual, ao contrário, a inexistência de vínculo prévio claramente
estabelecido faz com que não haja qualquer tipo de presunção de culpa, pelo que a alegação
de que outrem causou dano, infringindo dever legal, deve comprovar esta alegação, em
regra.
Dito isso, passemos ao tema específico.

2. Obrigações de meio e de resultado

A primeira classificação das obrigações quanto ao objeto divide-as em obrigações


de meio ou de resultado. Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“Incide em obrigação de meio, sempre que, o conteúdo da obrigação exigir,


somente, o emprego do meio mais adequado sem, contudo, exigir o resultado.”

Na obrigação de resultado, por sua vez, o devedor se compromete a alcançar o


resultado esperado pelos contratantes.
Para se identificar corretamente uma ou outra modalidade, quando duvidosa a
relação, é necessário que se busque saber ao certo se há ou não o controle quanto ao
resultado.
Veja: se o obrigado tem o efetivo controle quanto ao resultado, a obrigação tende a
ser de resultado, pois há este compromisso em alcançar aquilo que se tem por inerente. Ao
contrário, se a atividade que se delimita na obrigação não oferece qualquer controle em
adquirir ou não o resultado que dela é possível, tende-se a interpretar aquela obrigação
como de meio. A obrigação de meio, então, é aquela que visa ao resultado, sem se
comprometer com sua obtenção.
Exemplo claro de obrigação de meio é o de prestação de serviços advocatícios: não
há, pelo advogado, o controle efetivo do resultado que será obtido da demanda judicial. A
prestação do serviço, em si, é o objeto do contrato, é o que se demonstra como objeto da
obrigação, e não o resultado favorável na demanda.
A contratação de serviço médico é, em regra, e para a corrente majoritária, de meio.
Este exemplo já foi muito debatido na jurisprudência e doutrina, mas se a análise partir do
critério do controle sobre o resultado, fica claro que o médico, em regra, não domina este
resultado. No entanto, há a exceção da prestação de medicina estética, em que a maior parte
da jurisprudência entende que o médico pode ter domínio sobre o resultado, e por ele se
comprometer. A respeito, veja um julgado do TJ/RJ e outro do STJ, pela ordem:

“2008.002.07133. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA


PROVA. DETERMINAÇÃO PARA A PARTE RÉ CUSTEAR OS HONORÁRIOS
PERICIAIS. IMPLANTE DENTÁRIO. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CULPA
PRESUMIDA. Na verdade não tem a parte recorrente obrigação de fazer prova,
mas o ônus de fazê-lo para obter uma vantagem processual ou deixar de ter um

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP II Direito Civil II

prejuízo. No caso, não se trata propriamente de impor ao agravante o pagamento


dos honorários periciais, mas tão somente de adiantá-los. Embora possa parecer
estar transferindo-lhe o onus probandi, se não quiser arcar com esse ônus, bastará
deixar de recolher o valor da perícia. Nesse caso, terá contra si a presunção que
milita em favor do agravado. A prova pericial passou a ser do seu interesse, não
obstante requerida também pelo agravado. Precedentes jurisprudenciais desta
corte, bem como do Superior Tribunal de Justiça. Agravo a que se nega seguimento
nos termos autorizados pelo artigo 557, caput, do Código de Processo Civil.”

“REsp 196306 / SP. CIVIL. CIRURGIA. SEQÜELAS. REPARAÇÃO DE


DANOS. INDENIZAÇÃO. CULPA. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1 - Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e paciente é contratual e
encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de
meio e não de resultado.
2 - Em razão disso, no caso de danos e seqüelas porventura decorrentes da ação do
médico, imprescindível se apresenta a demonstração de culpa do profissional,
sendo descabida presumi-la à guisa de responsabilidade objetiva.
3 - Inteligência dos arts. 159 e 1545 do Código Civil de 1916 e do art. 14, § 4º do
Código de Defesa do Consumidor.
4 - Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença.”

Identificada a natureza da obrigação, a maior repercussão está no seu adimplemento.


Na obrigação de resultado, este adimplemento se dá exatamente com a entrega do resultado
prometido; na obrigação de meio, o adimplemento está na realização correta e completa da
atividade esperada, havendo ou não resultado querido.
Uma confusão que é comumente realizada, mas que é absolutamente errada, é
entender que haja correlação entre obrigações de meio e resultado e responsabilidade
objetiva ou subjetiva.
A obrigação de meio dispensa, de fato, a aquisição do resultado, mas não dispensa a
atuação precisa e empenhada do devedor. Se for percebida atuação inábil do devedor, este
inadimplemento ou adimplemento imperfeito ser-lhe-á imputável se for apurada culpa em
sua inabilidade, e não de forma objetiva. Sua responsabilidade é subjetiva, como a regra
geral.
Inclusive, o contrato de profissionais liberais – e aí se inclui o de serviços de
advocacia –, que é de consumo, é a única exceção em que a relação consumerista não prevê
responsabilidade objetiva ao fornecedor do serviço, pois assim dispõe o artigo 14, § 4º, do
CDC:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de


culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
(...)
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.”

Mesmo sendo responsabilidade subjetiva, ainda é uma relação de consumo, e, se


verificada a hipossuficiência do pólo consumidor deste serviço liberal, e verossimilhança
das suas alegações, pode o juiz inverter os ônus probatórios sobre a questão da diligência
ou não na execução da obrigação de meio, em eventual ação por descumprimento
contratual, na forma do artigo 6º, VIII, do CDC:

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências;
(...)”

Já a obrigação de resultado, da mesma forma, em nada se confunde com o tipo de


responsabilidade do devedor, subjetiva ou objetiva. O que se dá é que, inadimplindo a
obrigação contratual, surge a dita presunção de culpa do devedor, mas não significa que a
sua responsabilidade seja objetiva: é responsabilidade com culpa presumida, e não
responsabilidade em que se faz dispensada a análise da culpa – é ainda subjetiva, em regra.
Veja que, então, sequer se demanda a inversão do ônus probatório, se a relação for
consumerista.
Nada impede que os pactuantes, se estiverem no exercício de sua liberdade
contratual e autonomia da vontade, possam firmar compromisso que transforme a obrigação
de meio em obrigação de resultado. Se o devedor se dispuser a atingir o resultado, mesmo
que não tenha, em regra, total domínio sobre este, ficará obrigado por sua aquisição.
Esta contratação se dá pela simples assunção da responsabilidade pela obtenção do
resultado, mas pode também surgir pela aposição da chamada cláusula de aleatoriedade,
em que se cria uma situação de aleatoriedade pela inexistência naturalística do controle
sobre aquele resultado prometido. Neste caso, o devedor condiciona a contraprestação a si
devida à aquisição do resultado (emptio spei), ou à intensidade com que o resultado será
obtido (emptio rei speratae). Inocorrendo o resultado, nestes casos, mesmo que o devedor
tenha envidado todos os esforços na sua aquisição, a obrigação que seria de meio – e
estaria, então, adimplida – se convolou em obrigação de resultado, e por isso restou
inadimplida.
O contrário, no entanto, é impossível: não há como se transformar uma obrigação
que seja naturalmente de resultado em uma obrigação contratualmente de meio.

3. Obrigações de fazer

A obrigação de fazer guarda algumas peculiaridades, especialmente no tocante à sua


fungibilidade ou infungibilidade. Se a obrigação de fazer for infungível, ela exige do juiz a
tomada de algumas providências especiais para que seja cumprida, porque vige o princípio
da presunção do interesse no objeto específico da obrigação. A não ser que haja uma
cláusula resolutiva expressa, as obrigações serão preferencialmente cumpridas na
especificidade do objeto esperado, pactuado.
A regra, em qualquer obrigação, hoje, é que as perdas e danos sejam a ultima ratio,
devendo sempre ser buscada a tutela específica das obrigações, enquanto nela houver
interesse pelo credor. Como dito, havendo cláusula resolutiva que exprima que na
inobservância da exata forma de cumprimento da obrigação o credor não terá mais qualquer
interesse nesta, as perdas e danos são automaticamente a opção imediata.
Veja que, inexistindo esta cláusula resolutória expressa, há, em toda e qualquer
relação obrigacional contratual, uma cláusula resolutiva tácita, que significa apenas que

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP II Direito Civil II

qualquer um dos contratantes pode resolver o contrato, a qualquer tempo, variando apenas
as conseqüências desta resolução.
Outra hipótese em que a tutela específica não mais tem lugar é quando a situação
fática demonstrar que não há mais interesse no objeto contratual. Exemplo clássico é a
entrega de um vestido de casamento à noiva, a tempo para usá-lo na cerimônia: se passar o
dies ad quem sem que seria possível usá-lo, não há mais qualquer interesse, em regra, no
cumprimento desta entrega, e as perdas e danos são o caminho mais coerente.
Seguindo a normalidade, porém, é fato que em regra é mais interessante o
cumprimento específico do objeto do que a solução das perdas e danos.
Se a obrigação de fazer for fungível, a solução é simples, pois existem duas
possibilidades de se alcançar a satisfação específica da prestação: a própria parte poderá
obter a prestação de um terceiro, às expensas do seu devedor, quando a urgência a
autorizar; ou o juiz comandará que terceiro realize a obrigação de fazer, também à custa do
devedor original. Veja:

“Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo
executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da
indenização cabível.
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de
autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.”

O parágrafo único deste artigo é uma hipótese de autotutela legalmente autorizada.


A fungibilidade e a urgência da prestação justificam estas providências. E veja que,
executada a prestação pelo terceiro, com a devida razoabilidade, o credor ainda tem direito
a ser indenizado pelo devedor que foi inadimplente, não só pelos custos da prestação pelo
terceiro, como por eventuais perdas e danos que sobejarem a estes custos de execução.
Maior problema surge quando a obrigação de fazer for infungível. Esta obrigação
intuitu personae, só pode ser cumprida pelo devedor, e mais ninguém. Como contemplar a
execução específica, neste caso?
Em primeiro plano, é necessário interpretar o contrato, a fim de deixar bem clara a
natureza infungível da obrigação, pois nem sempre será expressa esta natureza. Sendo certo
o intuitu personae da prestação, e havendo o inadimplemento pelo seu devedor, passa-se a
cogitar do meio de obtenção da tutela específica.
Imagine como exemplo a contratação de um renomado advogado para sustentação
oral no tribunal do júri: esta obrigação só é cumprida quando o próprio contratado fizer a
sustentação. É certamente infungível, dadas as peculiaridades do trabalho de sustentação
oral no júri, em que a performance em plenário é de tremenda importância (por mais que
haja posições minoritárias que a entendem fungível). Se outro advogado do escritório
realizar esta prestação – e, diga-se, mesmo se triunfar na causa –, houve violação
contratual, inadimplemento positivo do contrato.
Todavia, há uma diferença enorme quando da análise do resultado deste
inadimplemento: se porventura, como dito, o descumprimento da obrigação de meio não
gerou qualquer prejuízo – como no exemplo, se a defesa do substituto for vitoriosa –, não
há que se falar em indenização, por simples ausência de dano, pressuposto necessário do
dever de indenizar11 (que vem de in damni, desfazer o dano). De outro lado, se este

11
Há que se abordar brevemente a discussão sobre a natureza do dano, na responsabilidade civil. O artigo 186
do CC parece dispor que se trata de elemento do ato ilícito, dado o uso da expressão “violar direito e causar

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP II Direito Civil II

inadimplemento positivo causar dano material ou moral – por exemplo, se porventura a


defesa não foi tão perita quanto seria se o advogado renomado a realizasse, e o réu teve
prejuízos – merecerá indenização.
Outro exemplo seria o da contratação de um advogado renomado para a propositura
de uma ação de cobrança. Se outro advogado do mesmo escritório, sem o renome do que
foi buscado, subscrever a peça, será inadimplido o contrato? Esta situação, ao contrário da
do júri, parece não ser inadimplemento, pois mesmo tendo sido contratado o advogado
renomado, não há infungibilidade na prestação, vez que a produção da peça não é tão
intuitu personae como a sustentação oral no tribunal do júri: é fungível, podendo ser
adimplida por outro advogado do escritório. Reafirme-se, porém, que a fungibilidade é a
regra, e a infungibilidade, quando não expressamente criada no contrato, deve partir de uma
interpretação profunda das características da obrigação em questão.
Dito tudo isso, volta-se à questão: descumprida a obrigação infungível, como
solucionar a crise de inadimplemento, tendo em mente que a especificidade só poderá ser
cumprida pelo devedor inadimplente, e mais ninguém?
O artigo 247 do CC assim dispõe:

“Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar
a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.”

Na verdade, este dispositivo traz uma posição um tanto escapista do legislador, pois
simplesmente ignora a guia mor das obrigações, hodiernamente, que é a busca pela
execução específica da obrigação, dada a presunção de interesse no objeto prestacional,
para dizer que se impõe o dever de indenizar, solução que deveria ser secundária,
subsidiária.
Por isso, a solução não está neste artigo, e sim no artigo 461 do CPC. Veja:

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o

dano a outrem”, o uso da partícula “e” indicando cumulação:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.”

O caput do artigo 927 do CC, ao contrário, dá a entender a sua redação que o ato ilícito pode ser
cometido independentemente do dano, pois separa os conceitos, não sendo elemento do ato ilícito, mas sim
um resultado que o torna indenizável. Veja:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.”

A doutrina, então, é majoritária na tese de que o dano é pressuposto do dever de indenizar, e não
elemento do ato ilícito, pois é certo que atos ilícitos podem ser praticados sem que haja resultado danoso –
continuam sendo ilícito, mas não são indenizáveis. Por isso, a doutrina diz que o dano do artigo 186 é o
jurídico, a lesão a bem juridicamente tutelado, enquanto o dano do artigo 927 é o efetivo prejuízo no mundo
dos fatos – compatibilizando os dispositivos, portanto. Destarte, a indenização depende do prejuízo, na forma
do artigo 927, mas a configuração do ato ilícito depende apenas da violação a bem jurídico, mesmo sem dano
fático.

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP II Direito Civil II

pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao


do adimplemento.
§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou
se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático
correspondente.
§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou
mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada
ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou
compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do
preceito.
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e
apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de
atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso
verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.”

Este artigo, então, vem coroar a idéia geral da busca pela execução específica. Veja
um caso concreto que ilustra bem esta busca: alunos de um colégio, pretendendo sair da
instituição e se matricular em outra, precisavam do histórico escolar. A instituição de ensino
se recusava a emitir este documento em tempo hábil para a matrícula na nova escola.
Ajuizada a ação, a tutela específica seria a obtenção dos históricos, mas esta prestação é
infungível, somente a escola de origem podendo realizá-la. O juiz poderá, neste caso,
cominar astreintes, de forma a compelir a ré a prestar a obrigação; poderá, também, se
ineficaz a multa diária, determinar busca e apreensão dos históricos – mas esta providência
pode ser infrutífera, se não forem encontrados. Como solucionar esta situação, se a escola
de origem se negar a atender ao comando judicial?
Veja que a resolução em perdas e danos é inútil: não garante a finalidade pretendida,
qual seja, a matrícula na nova escola. Por isso, orientado pela necessidade da prestação
específica, cabe ao juiz identificar medida que a implemente (ou ao autor requerê-la, se
souber). Neste caso concreto, medida que teria o condão de atender ao anseio dos autores
seria a seguinte: colhendo dos alunos todas as provas, avaliações, que realizaram no curso
dos estudos, produzir, em sentença declaratória, um “histórico escolar judicial” – é a
medida equivalente à específica, a que alude rol exemplificativo do § 5º deste artigo 461 do
CPC. Destarte, estaria atendida a especificidade que é o norte das obrigações.
Veja que, então, o juiz tem liberdade criativa para solucionar as questões de
descumprimento obrigacional de prestações infungíveis. Orientado pelo norte da presunção
do interesse no objeto específico, pode determinar prestação que seja suficiente a tal
implemento.
Vejamos ainda um outro exemplo, este de grande presença casuística: se há
inscrição indevida nos cadastros desabonadores de crédito – SPC e Serasa –, somente estas
instituições podem desfazer este cadastro. Todavia, não são parte do processo, em regra,
sendo parte a instituição que requereu a inscrição do suposto devedor. Neste caso, de nada
valerá a cominação de multa ao réu – que, repita-se, não é a entidade de cadastro, mas sim
o credor –, pois não pode este realizar a conduta fim, que é a retirada do registro. Por isso,

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP II Direito Civil II

neste caso, resta apenas uma saída ao juiz: oficiar à entidade de cadastro (e não intimar,
notificar ou citar, pois não é parte), mesmo de ofício, para que cancele o registro, sob pena
de configurar crime de desobediência (não pode cominar astreintes ou nenhuma medida
processual, pois estas só se dedicam às partes do processo). Se o ofício não for eficaz, pode
o juiz extrair cópias ao MP, a fim de promover a devida ação penal.
Sobre as astreintes, vale ainda consignar que só se justificam quando a prestação a
que se quer compelir for exeqüível. Se não puder ser cumprida, outro método deve ser
adotado, especialmente a obtenção de resultado equivalente (que deve ser a medida
preferencial, desde o início, quando o devedor infungível não cumpre a sua obrigação).
Vale dizer que não há teto para as astreintes, mas há que se atentar para a razoabilidade, e
para a sua eficácia, que, sendo perdida, deve ser convertida em outra medida qualquer.
Há ainda que se abordar as obrigações de declarar vontade, que são obrigações de
fazer, e que se sujeitam a todas as regras ditas sobre esta modalidade, mas estas obrigações
ainda contam com uma outra possibilidade: pode ser pedido que o juiz emita sentença
constitutiva, substitutiva da declaração que seria prestada pelo devedor. Por exemplo, o
contrato de promessa de compra e venda, cujo objeto é a declaração futura de venda ou
compra: pode o juiz substituir-se a um dos contratantes que se negue a declarar a vontade
compromissada no contrato de promessa, firmando o contrato de compra e venda
objetivado, executando a negociação em si. A partir desta sentença constitutiva, então,
surge o contrato de compra e venda, como se o inadimplente da promessa houvesse
manifestado sua vontade, como deveria, em adimplemento da promessa. O nome da ação
que pretende esta sentença é ação adjudicatória.

3.1. Esquema gráfico

Obrigação de fazer fungível Obrigação de fazer infungível


Impossibilidade de
Resolve-se a obrigação, sem perdas e danos. (art. Resolve-se a obrigação, sem perdas e danos. (art. 248,
cumprimento sem culpa do
248, CC) CC)
devedor
Impossibilidade de
Resolve-se a obrigação, com perdas e danos. Resolve-se a obrigação, com perdas e danos. (art. 247,
cumprimento com culpa do
(art. 248, CC) CC)
devedor

Admite, apenas, a imposição de algumas medidas


Admite, além da imposição de medidas
Obtenção da tutela coercitivas, como astreintes (art. 461, CPC). Se a recusa
coercitivas, que um terceiro cumpra o ato às
específica permanecer, obrigatoriamente, deverá ser resolvida em
custas do devedor. (art. 461, CPC e 249, CC)
perdas e danos. (art. 247, CC)

4. Obrigações de não fazer

Segundo Clóvis do Couto e Silva:

“Essas obrigações também se referem a uma atividade – não fazer algo.”

Para Caio Mário:

“O devedor obriga-se a uma abstenção, conservando-se em uma situação


omissiva.”

E para Orlando Gomes:

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP II Direito Civil II

“A obrigação de não fazer tem por fim impedir que o devedor pratique ato que
teria o direito de realizar se não tivesse se obrigado a abster-se.”

Estas obrigações são muito freqüentes em pactos civis, mais comuns do que se pode
pensar. Por exemplo, todos os contratos que prevêem qualquer tipo de exclusividade na
prestação de serviço, ou na utilização de algum bem, prevêem cláusula que impõe
obrigação de não fazer, qual seja, a de não contratar com outrem sobre o mesmo objeto.
A licitude do objeto da obrigação de não fazer deve ser observada com atenção, pois
há um limite do que se pode impor a alguém que não faça. Existe um entendimento
doutrinário e jurisprudencial que a obrigação de não fazer não pode implicar em uma
abstenção genérica, pois não é razoável. Veja: não se pode fixar em um contrato, como
exemplo, uma obrigação de “não se casar”. Trata-se de uma abstenção extremamente
restritiva, por demais ampla e genérica, e esta cláusula seria nula. Ao contrário, uma
cláusula que impusesse a obrigação de “não se casar com determinada pessoa” seria,
aprioristicamente, válida, desde que acompanhada de plausível justificação.
As obrigações de abstenção podem ter ou não prazo estipulado. Caso não haja prazo
estipulado, é preciso verificar o aspecto finalístico da obrigação para poder-se precisar a sua
duração, ou seja, para quê se destina o dever de abster-se. Se não tiver mais sentido em
abster-se, não mais se impõe a obrigação. Repare, inclusive, que casos há em que até
mesmo depois de encerrado o contrato em que uma cláusula de abstenção tenha sido
consignada, esta obrigação de não fazer pode perdurar indefinidamente, se a ética
contratual assim o impuser: por exemplo, a obrigação de não revelar um segredo industrial,
que pode se estender indefinidamente, qualquer que tenha sido o contrato que envolveu esta
obrigação.
Enquanto se mantiver a omissão, a obrigação está sendo cumprida. Desde que o
devedor pratique o que deve omitir, é inadimplente. Veja o artigo 390 do CC:

“Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o
dia em que executou o ato de que se devia abster.”

O inadimplemento da obrigação de não fazer faz incidir nas cominações do


contrato, se houver, e é relevante também se perquirir a culpa do devedor na inadimplência:
se não houver culpa, extingue-se a obrigação; havendo culpa, o credor poderá exigir do
devedor que desfaça o ato, mais perdas e danos. Veja os artigos 250 e 251 do CC:

“Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor,
se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.”

“Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor
pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o
culpado perdas e danos.
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar
desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do
ressarcimento devido.”

5. Obrigações condicionais e a termo

Atos condicionais só podem ser negócios jurídicos, e jamais atos jurídicos lato
sensu: somente naquelas relações em que às partes é dado o controle sobre seus efeitos é

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP II Direito Civil II

que pode haver a imposição de condicionantes de qualquer natureza. Sendo assim, um


contrato pode prever condição ou termo, pois seus efeitos são controlados pelas partes, mas
uma adoção, ato jurídico lato sensu, por exemplo, não pode ter qualquer condicionante a si
imposta pelo adotante – seus efeitos são ex lege, e não sob controle das partes.
Negócios jurídicos condicionados são aqueles que têm seus efeitos, o início ou fim
da sua produção, a depender da condição (suspensiva ou resolutiva) ou termo (inicial ou
final) vinculados a um evento de ocorrência futura e incerta. Nos contratos aleatórios,
curiosamente, já existe uma condicionante que lhe é imanente, natural, pois a alea
determina que os efeitos serão uns ou outros, a depender da ocorrência ou não do evento
futuro e incerto que lhe é ínsito.
Exemplo claro de contrato em que a alea é um elemento natural é o seguro:
dependendo da ocorrência ou não do sinistro, haverá um ou outro efeito. Veja que o fato de
não haver sinistro, que é a condição do pagamento da indenização, não significa, de forma
alguma, que este contrato seja unilateral quanto à reciprocidade de obrigações (pois pode
assim parecer, vez que o segurado pagou o prêmio e não teve necessidade da indenização):
há, durante toda a vigência deste contrato, a prestação do segurado – o prêmio pago –, e
prestação da seguradora, que consiste na garantia contra o risco. Esta segurança é uma
contraprestação em si, e de alta relevância, pois assumir o risco é o que dá a tranqüilidade
esperada pelo segurado. O pagamento da indenização é apenas um outro efeito que virá se
houver implemento da condição, qual seja, ocorrência do sinistro.
Contrato de alta presença no ordenamento, em que há uso de condições suspensiva e
resolutiva, é a alienação fiduciária em garantia: de um lado, o credor do pagamento da
pecúnia tem propriedade resolúvel, pois o implemento do pagamento integral do preço é
condição resolutiva de sua propriedade; de outro, o devedor das parcelas tem propriedade
suspensa, pois esta não se consolida enquanto não houver o pagamento integral do preço,
que para ele é a condição suspensiva de sua propriedade. Se não se implementa a condição
– se o preço não é pago – consolida-se a propriedade do credor; se se implementa,
consolida-se a propriedade do devedor.
As condições não podem ser dadas à ingerência de uma das partes, pois seria
condição potestativa, desequilibrando a relação, vez que ao exclusivo arbítrio de quem a
domina estariam condicionados os efeitos do negócio12.
O termo, de seu lado, é um marco certo quanto à sua existência: o evento vai
acontecer, podendo ser certo ou incerto o momento em que se dará. Como exemplo, a
morte: é termo, e não condição, pois é certa sua ocorrência, apenas incerto o momento. A
diferença fundamental, então, entre o termo e a condição é exatamente esta certeza da sua
ocorrência, em algum momento.
Para todos os efeitos, estabelecido o termo para o adimplemento, este deve ser
respeitado. Questão importante é definir se o termo é presumidamente em favor do credor
ou do devedor: o tempo do pagamento, do adimplemento, é dedicado ao credor ou ao
devedor, ou seja, é direito do devedor antecipar o pagamento, ou do credor em se recusar a
receber o adimplemento antecipado?

12
O suicídio não elide a exigibilidade de pagamento do seguro de vida, se não for voluntário. Suicídio
voluntário é aquele em que o contratante do seguro já o pactuou predisposto a se matar, ou seja, já tinha esta
resolução em mente quando pactuou o seguro – ele controla o elemento futuro, e por isso há quebra da boa-fé
do contrato. Ao contrário, o suicídio é considerado juridicamente involuntário quando os motivos que o
ensejam surgem posteriormente à pactuação do contrato de seguro, e este caso não desautoriza a cobertura.

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP II Direito Civil II

A doutrina e a jurisprudência entendem que se se tratar de prestação pecuniária, o


devedor sempre poderá antecipar o termo estabelecido para pagamento, porque há
presunção absoluta de que o credor tem interesse em receber antecipadamente o valor
pecuniário que lhe é devido (que deve ser integral 13, pois o pagamento parcial pode ser
recusado pelo credor, dado o princípio da integralidade do pagamento). Em se tratando de
obrigações diversas da pecuniária, se o devedor intentar antecipar o adimplemento, o credor
até poderá recusar, mas cabe a ele apresentar justo motivo para esta sua recusa. Do
contrário, o devedor poderá antecipar.
Como exemplo, se o credor de obrigação de dar não estiver fisicamente aparelhado
para receber a coisa antes do termo convencionado, há motivo justo para recusar tal entrega
antecipada.
Nas dívidas pecuniárias, nunca haverá recusa justa, pois a presunção de interesse do
credor na antecipação é absoluta. Nas relações de consumo, a antecipação da obrigação
pecuniária implica em redução proporcional dos juros, pois se estes são a remuneração do
capital (o “aluguel” do dinheiro), a entrega do bem antecipadamente exige que a
remuneração não seja mais paga, pois não mais se justifica.

Casos Concretos

Questão 1

Um pintor de arte obrigou-se a fazer o retrato de uma pessoa, mas, quando


assumiu a obrigação, estava acometido de uma doença que o impediu de pintar, a qual ele
pensava que era curável, embora houvesse sido diagnosticada como incurável. Qual o seu
reflexo na obrigação?

Resposta à Questão 1

Não tendo havido causa superveniente que determinasse o inadimplemento, pois a


causa era conhecida do devedor quando da contração da obrigação de fazer infungível – o

13
A integralidade pode ser medida na parcela: se a obrigação é parcelada, não pode ser imposto o pagamento
parcial de uma parcela, mas somente a integralidade da parcela (e não do débito total: a parcela é uma
integralidade em si).

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP II Direito Civil II

vício é de origem –, há culpa, quiçá má-fé contratual objetiva, vez que mesmo que
subjetivamente estivesse de boa-fé, a análise é objetiva, de acordo com o novo direito
privado. Por isso, responde por perdas e danos do credor.
Diante da situação, a análise da boa-fé objetiva parte do comportamento esperado
do homem médio, e não da convicção pessoal do agente: se o padrão de conduta, a conduta
standard esperada do homem médio naquela situação foi contrafeita, há violação da boa-fé
objetiva. É um juízo objetivo de adequação, e não uma análise subjetiva da intenção do
agente.
Destarte, no caso, há quebra da boa-fé objetiva, mesmo que o pintor estivesse de
boa-fé subjetiva.

Questão 2

Mauro vendeu a Osvaldo seu veículo usado. Ajustaram as partes que o comprador
ficaria responsável pela transferência do registro junto ao Detran. Dois anos após, o
veículo ainda estava registrado em nome de Mauro, e diversas notificações com multas
chegaram à sua casa. Em ação própria, Mauro pleiteia que Osvaldo seja compelido a
proceder à transferência, inclusive das multas de trânsito posteriores à data da venda, sem
requerer, todavia, a aplicação de multa destinada a compelir ao cumprimento da
obrigação. Em contestação, Osvaldo alega que não procedeu à transferência porque
perdera o CRV (Certificado de Registro do Veículo), cuja segunda via o autor não lhe
entregou (alegação não demonstrada). Decida a questão, indicando os dispositivos legais
aplicáveis. Caso seja acolhido o pedido, poderá o juiz aplicar a multa cominatória?

Resposta à Questão 2

A obrigação de realizar a transferência é legalmente estatuída, e incumbe ao


adquirente. Não tendo demonstrado culpa do alienante, é sua responsabilidade. Sendo
assim, o artigo 461, § 4º, do CPC, permite ao juiz impor o meio de coerção cabível, mesmo
sem ser requerido.
Ocorre que, neste caso, as astreintes não serão, provavelmente, um meio eficaz para
compelir o devedor ao cumprimento, sendo preferível encontrar meio de coerção que
produza efeitos mais adequados.

Questão 3

O contrato pelo qual o Banco assume a custódia dos bens guardados no cofre, tem
natureza de obrigação de meio ou de resultado? Decida a questão fundamentadamente.

Resposta à Questão 3

É obrigação de resultado. A guarda não é adimplida apenas pelo envide de todas as


medidas de segurança cabíveis: é adimplida quando não há perecimento do objeto,
objetivamente. Sua atividade exerce controle sobre o resultado, que é a restituição
incólume. Se há a perda, o resultado esperado não foi alcançado, e há o inadimplemento.

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP II Direito Civil II

Se a responsabilidade for objetiva, por ser relação de consumo, somente o fortuito


externo a exclui (podendo ser assim considerado um terremoto, por exemplo), e não o
fortuito interno, ou seja, um furto ou roubo.

Tema IV

Classificação das Obrigações quanto ao sujeito. Indivisibilidade e solidariedade. Conceito de


indivisibilidade. Efeitos da indivisibilidade. Pluralidade de devedores e de credores. Perda da
indivisibilidade. Solidariedade. Conceito. Solidariedade ativa. Solidariedade passiva. Extinção da
solidariedade.

Notas de Aula14

1. Indivisibilidade e solidariedade das obrigações

14
Aula proferida pelo professor Ricardo Cyfer, em 10/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 40


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De início, saliente-se que são institutos completamente diversos.


O artigo 258 do CC é a sede legal das obrigações indivisíveis:

“Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa
ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem
econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico.”

Este artigo demanda combinação com o artigo 87 do CC, pois é este último que traz
o conceito de divisibilidade dos bens:

“Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua
substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se
destinam.”

O artigo 264 do CC, por sua vez, traz o conceito da solidariedade:

“Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um


credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.”

Segundo Antunes Varela:

“Diz-se divisível a obrigação cuja prestação é susceptível de fraccionamento sem


prejuízo do seu valor proporcional; e indivisível aquela cuja prestação (seja pela
sua natureza, seja por exigência da lei ou por estipulação das partes) não comporta
fraccionamento, ainda que sejam vários os credores ou os devedores.”

É importante perceber que a classificação em obrigação divisível ou indivisível só é


relevante quando há pluralidade subjetiva na relação jurídica. Se há apenas um devedor e
um credor, não há importância em se discernir a divisibilidade ou não da prestação.
Repare que, sendo a obrigação singular, pouco importa a divisibilidade ou não, pois
o cumprimento deve ser integral, de acordo com o artigo 314 do CC:

“Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o
credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se
ajustou.”

Imagine-se, então, que há uma relação obrigacional com dois indivíduos no pólo
passivo e um credor, em relação de indivisibilidade. Veja o esquema gráfico:

Devedor
“A”
Vínculo interno Vínculos externos Credor

Devedor
“B”

Se a prestação que estes devedores devem ao credor for indivisível, o credor poderá
exigir-lhes, de cada um, a sua integralidade. Suponha-se que seja um automóvel: o débito
de cada devedor é de metade do automóvel, em regra, mas como é impossível exigir a
entrega de meio automóvel, pela natureza da coisa, a lei cria esta possibilidade ao credor,

Michell Nunes Midlej Maron 41


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de exigi-lo por inteiro de um só dos devedores, restando a este que pagou além do seu
débito se sub-rogar na posição de credor pelo excedente, contra o co-devedor inadimplente.
Sendo a obrigação solidária no pólo passivo, a situação é diferente: os devedores
têm, desde sempre, a obrigação pela integralidade da prestação, diante do credor, não sendo
possível, se demandado por esta integralidade, a sub-rogação na posição de credor, mas
apenas o regresso contra os demais co-devedores. Veja como se desenha graficamente:

Devedor
“A” Vínculo externo

Vínculo interno Credor

Devedor
“B”

A diferença, então, salta logo aos olhos: a solidariedade é uma situação jurídica em
que se cria um só vínculo externo do pólo passivo com o credor, enquanto a
indivisibilidade, ao menos no exemplo, é uma circunstância fática, em que há pluralidade
de vínculos externos, mas em que se permite a cobrança de um só por toda a integralidade,
vez que é impossível fracionar a prestação. Mesmo por isso, prestações naturalmente
divisíveis, mas cobradas de um pólo solidário, ainda podem ser exigidas na integralidade de
apenas um dos co-devedores.
Veja: mesmo que a situação seja faticamente similar, ou idêntica – um dos
devedores poderá arcar com a integralidade da prestação –, ela é juridicamente diferente: na
solidariedade, cada co-devedor é devedor da integralidade, desde o início, mediante a
análise do vínculo externo do pólo passivo com o pólo ativo; na indivisibilidade, cada co-
devedor tem prestação parcial perante o credor, mas pose ser instado a arcar com toda ela,
pela necessidade fática.
O artigo 265 do CC determina que a solidariedade não se presume, devendo a lei ou
o contrato estabelecer esta situação. O artigo 2º da Lei 8.245/91 é um exemplo de
solidariedade legal:
“Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”

“Art. 2º Havendo mais de um locador ou mais de um locatário, entende - se que


são solidários se o contrário não se estipulou.
Parágrafo único. Os ocupantes de habitações coletivas multifamiliares presumem -
se locatários ou sublocatários.”

Outra diferença retumbante pode ser vista na leitura dos artigos 263, 271 e 279 do
CC:

“Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e


danos.
§ 1o Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores,
responderão todos por partes iguais.
§ 2o Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse
pelas perdas e danos.”

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os


efeitos, a solidariedade.”

“Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores


solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e
danos só responde o culpado.”

O que dali se depreende é que, na indivisibilidade, se há eventual resolução em


perdas e danos, deixa de existir indivisibilidade; na solidariedade, ao contrário, a resolução
em perdas e danos não acaba com a comunhão do pólo passivo.
O artigo 279 do CC, supra, impõe medida de justiça: se o pólo solidário não pode
adimplir, continua sendo solidário pelo equivalente, mas não é solidário na obrigação de
indenizar eventuais perdas e danos, se quem os deu causa foi apenas um dos devedores:
esta indenização é uma obrigação pessoal e singular deste culpado. No mesmo sentido, em
previsão similar, o § 2º do artigo 263.

1.1. Remissão

O perdão da dívida tem diferentes efeitos na obrigação indivisível e na solidária.


Impõe-se, aqui, a leitura confrontada dos artigos 262, 272 e 277 do CC:

“Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para
com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor
remitente.
Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação,
compensação ou confusão.”

“Art. 272. O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento


responderá aos outros pela parte que lhes caiba.”

“Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele
obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia
paga ou relevada.”

Imagine-se que no exemplo da obrigação de entregar um automóvel, o credor


remitir a dívida de apenas um dos co-devedores. Veja que a obrigação do devedor
remanescente é, e sempre foi, meio carro; contudo, a remissão da parte da dívida indivisível
faz com que o devedor remanescente tenha obrigatoriamente que arcar com todo o débito,
como já poderia ser feito, mesmo sem remissão, mas como o valor de cinquenta por cento
que pagará a maior, por impossibilidade fática de fracionamento, não lhe era imputável,
deve ser-lhe restituído pelo credor, na forma do artigo 262 do CC, supra.
Na solidariedade, como se viu, há um só vínculo externo, e a situação é diferente: se
remitir a dívida, o credor quebra este vínculo único, e a dívida simplesmente desaparecerá
para todos os devedores solidários.
O artigo 272, supra, é referente à solidariedade ativa: se um co-credor remitir a
dívida indivisível, ela será remitida como um todo, por sua natureza, e os quinhões dos
demais co-credores ser-lhe-ão cobráveis por estes.

1.2. Sub-rogação vs. regresso

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EMERJ – CP II Direito Civil II

Sub-rogação significa substituição. A lei atribui muito mais poderes a quem se sub-
roga do que a quem apenas age em regresso. Veja: se o credor contava com uma garantia
real, por exemplo, ao sub-rogar-se em sua posição, o devedor passa a contar com a mesma
garantia, o que não ocorre no mero regresso; da mesma forma, se um credor tinha um título
executivo, o devedor que paga mais do que devia contará com este título. Veja o artigo 259
do CC, que trata da sub-rogação do devedor, que se passa na indivisibilidade:

“Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada
um será obrigado pela dívida toda.
Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em
relação aos outros coobrigados.”

Diferentemente, na solidariedade, há apenas o direito de regresso, como se


depreende do artigo 283 do CC:

“Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada
um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do
insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-
devedores.

Isto porque na solidariedade, como já se pôde perceber, o devedor solidário não


pagou mais do que devia, quando demandado pela integralidade: como o vínculo externo é
um só, ele devia ao credor a integralidade, sendo que apenas internamente há a divisão de
cotas de débito a ser respeitada.
Veja que isto é, inclusive, excepcionado (a questão das cotas internas do pólo
solidário) quando o interesse da dívida for de um só dos devedores, na forma do artigo 285
do CC:

“Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores,


responderá este por toda ela para com aquele que pagar.”

1.3. Solidariedade ativa e solidariedade passiva

A principal nota da solidariedade ativa é que cada um dos credores pode exigir a
dívida por inteiro do devedor, a teor do artigo 267 do CC:

“Art. 267. Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o
cumprimento da prestação por inteiro.”

A passiva, tem a mesma dinâmica só que no sentido inverso, como se vê no artigo


275 do CC:

“Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos


devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido
parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação
pelo credor contra um ou alguns dos devedores.”

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP II Direito Civil II

O intuito da solidariedade ativa é facilitar o adimplemento ao devedor, que poderá


buscar qualquer credor para adimplir a obrigação, diminuindo a eventual necessidade de,
por exemplo, consignar em pagamento se um dos credores não fosse encontrado; paga tudo
àquele que encontrar.
A passiva, ao contrário, é favorável ao credor, porque facilita a exigibilidade da
obrigação, na medida que este poderá buscar de qualquer um dos integrantes do pólo
passivo a integralidade de seu crédito.
Veja que, havendo solidariedade ativa, o credor criou um limite processual à
liberdade de pagamento pelo devedor: se este estiver sendo demandado por um dos co-
credores, será vedado o pagamento a qualquer outro. É o que se vê no artigo 268 do CC:

“Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor
comum, a qualquer daqueles poderá este pagar.”

Existe um princípio do pagamento, o princípio da integralidade, que é visto no


artigo 314 do CC:

“Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o
credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se
ajustou.”

As exceções que são pessoais contra um dos co-credores não podem ser utilizadas
contra os demais, por aquele devedor que a detém. Este princípio é basilar do direito como
um todo – nas obrigações, sendo devido ao princípio da relatividade contratual –, e é
expressamente mencionado no artigo 273 do CC:

“Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções
pessoais oponíveis aos outros.”

Sendo assim, uma compensação de débitos do devedor contra um dos credores


solidários não poderá ser alegada contra os demais credores solidários. O artigo 281 do CC
reforça esta idéia, apenas invertendo a ótica para do credor diante dos devedores solidários:
“Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem
pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro
co-devedor.”

Diversas outras menções no CC, entretanto, excepcionam esta mecânica geral da


pessoalidade das exceções, ditada pelo princípio da relatividade das obrigações. Veja os
artigos 294 e 371 do CC:

“Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem,
bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha
contra o cedente.”

“Art. 371. O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever;
mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado.”

1.4. Esquema gráfico

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EMERJ – CP II Direito Civil II

Obrigações Indivisíveis Obrigações Solidárias


A causa geralmente resulta da natureza da
A causa reside no próprio título, no vínculo
Quanto à causa prestação. Pode, entretanto, resultar da
jurídico.
convenção das partes.

O demandado não é devedor do total, mas


Quanto à parte
a natureza da prestação não admite o O demandado é devedor do total.
devida
cumprimento fracionado.

A regra é que a solidariedade seja subjetiva. É


A indivisibilidade geralmente é objetiva
artifício jurídico para reforçar o vínculo e
na medida em que decorre na natureza da
Derivações da facilitar o adimplemento da obrigação.
prestação.
natureza
É de origem técnica. Decorre da lei ou do título
É de origem material.
constitutivo (art. 265).

Quando se converte em perdas e danos,


Conversão em Quando se converte em perdas e danos o
desaparece a característica de
perdas e danos atributo da solidariedade permanece. (art. 279)
indivisibilidade (art. 263).

Casos Concretos

Questão 1

O Condomínio do Edifício Pedro Álvares Cabral ajuizou ação de cobrança em face


de proprietária e locadora do apartamento 301, para receber valores relativos a multas
aplicadas ao locatário do imóvel por descumprimento de regras previstas na convenção de
condomínio. Em contestação, a ré argüiu ser parte ilegítima, pois a multa imposta é
pessoal e só alcança o infrator, não vinculando a locadora. Qual das partes está com a
razão?

Resposta à Questão 1

Há solidariedade entre o proprietário e o locatário, ante o dever de vigilância que


aquele deve ter para com as condutas deste, sendo claro que o proprietário terá direito de

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP II Direito Civil II

regresso contra o locatário (e não sub-rogação, pois há solidariedade). Assim dispõe a Lei
4.591/64, no artigo 10, § 1º. Veja:

“Art. 10. É defeso a qualquer condômino:


(...)
§ 1º O transgressor ficará sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou
no regulamento do condomínio, além de ser compelido a desfazer a obra ou abster-
se da prática do ato, cabendo, ao síndico, com autorização judicial, mandar
desmanchá-la, à custa do transgressor, se êste não a desfizer no prazo que lhe fôr
estipulado.
(...)”

A jurisprudência interpreta o termo “transgressor” de forma ontológica,


compreendendo ali o locatário, imputável por ação, e o locador, imputável por omissão.
Mas anote-se que, para tanto, o condomínio deve ter registro, pois se se tratar de
condomínio de fato, assim não se interpreta.
O STJ, no REsp 254.520, assim se posiciona:

“CONDOMÍNIO. MULTA POR INFRAÇÃO PRATICADA PELO LOCATÁRIO.


RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO TITULAR DO DOMÍNIO.
- O proprietário do apartamento responde in solidum por fato imputável ao seu
locatário, em face da obrigação de vigilância que deve ter o titular de domínio
sobre os acontecimentos relacionados com o imóvel de sua propriedade. Recurso
especial conhecido e provido.”

Questão 2

A médica Renata ajuizou ação de embargos à execução em face da ex-paciente


Paula, dizendo, em resumo, que a embargada foi vitoriosa em ação indenizatória, em que a
médica foi ré, em litisconsórcio com o Hospital Boa Saúde. Aduz que ambos foram
condenados no pagamento da quantia de duzentos salários mínimos, a título de danos
morais, e em indenização por danos materiais referentes às despesas com nova cirurgia,
totalizando-se o valor devido em R$ 25.467,34. Esclarece que a embargada firmou acordo
com o Hospital e recebeu a quantia de R$ 16.552,00, restando receber R$ 8.915,34.
Sustenta a embargante que a embargada pretende valor excessivo, qual seja: a quantia de
R$ 15.920,00, devendo tal cobrança indevida trazer, por conseqüência, a condenação da
credora no pagamento em dobro do que pretende, na forma do artigo 940 do Código Civil.
Pretende a procedência dos embargos para ver afastado o valor cobrado em excesso,
prosseguindo-se a execução pelo valor de R$ 8.915,34 e condenando a embargada a
repetir o valor cobrado excessivamente, deduzindo-o do valor devido. A embargada
afirma, com base no disposto no artigo 604 do CPC, estarem os cálculos corretos. Entende
que, por se tratar de obrigação solidária, devem responder a médica e o hospital, a metade
cada um, e que, se o hospital pagou a maior, tal não pode ser aproveitado para diminuir a
parte devida pela médica, não se aplicando à espécie o artigo 940 do Código Civil. Frisou
que a coisa julgada material condenou a ora embargante e o outro réu, solidariamente, a
pagar a embargada o valor total da condenação. Se o outro réu pagou algum valor a mais,
cabe a ele buscar a repetição da quantia sobejante, se o desejar, e comprovar erro nesse
pagamento. O que não pode é a embargante pretender se beneficiar com o valor do
pagamento feito pelo co-réu. Autos conclusos, decida fundamentadamente.

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Resposta à Questão 2

O TJ/RJ assim se posicionou, na apelação cível 1999.001.11987:

“PROCESSO CIVIL E CIVIL. SOLIDARIEDADE. EXCESSO DE EXECUCAO.


OCORRENCIA. DECISAO INTERLOCUTORIA QUE MANDOU RECOLHER
INCIDENTEMENTE A TAXA JUDICIARIA, INEFICAZ, ANTE A
INFORMACAO DO CONTADOR DO JUIZO DE QUE REFERIA-SE AO
PROCESSO PRINCIPAL E NAO AO DE EMBARGOS. DESACOLHIMENTO
DO AGRAVO RETIDO. DECISAO DE CONHECIMENTO CONDENATORIA
DE HOSPITAL E MEDICA A COMPOR DANOS MORAIS A PACIENTE.
SOLIDARIEDADE, NA FORMA DO ART. 1518, PARTE FINAL, DO CC.
APLICACAO A HIPOTESE, DA 21 PARTE, DO ART. 904, AINDA DO
DIPLOMA MATERIAL. PAGAMENTO DE GRANDE PARTE POR UM DOS
DEVEDORES. OBRIGACAO DO OUTRO PELO RESIDUO. EXCESSO DE
EXECUCAO INILUDIVEL ANTE O PLEITO QUE DIVIDIU A PRESTACAO
INDIVISIVEL E CALCULOU OS HONORARIOS ADVOCATICIOS SOBRE O
VALOR DA CONDENACAO, DIVERSAMENTE DA COISA JULGADA, QUE
FE-LO INCIDIR SOBRE O VALOR DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE DE SUA
REVISAO NA SEDE DE EMBARGOS DE DEVEDOR. PROVIMENTO
PARCIAL DO PRIMEIRO RECURSO IMPROVIMENTO DO SEGUNDO.
VOTO VENCIDO.”

Questão 3

Carlos Barbosa ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais em face
de Transportes Terrestres Unidos S/A e National Airlines, em virtude do extravio de
bagagem em transporte aéreo. As empresas foram condenadas solidariamente a indenizar
o autor, sendo que, em execução, a empresa aérea celebrou acordo com o credor pelo qual
quitou a dívida. Tendo cumprido integralmente a obrigação, requereu ao Juízo o
prosseguimento da execução para o fim de receber do outro devedor solidário a quota-
parte, a teor do que dispõe o artigo 283 do Código Civil. Transportes Unidos, sustentou
que, mesmo tendo efetuado o pagamento integral, a National Airlines não tem o direito de
regresso contra si, por ter sido ela quem efetivamente deu causa ao dano objeto da
indenização, uma vez que a bagagem extraviou-se durante o transporte aéreo, no percurso
Rio-Paris, o que a torna responsável exclusiva e única interessada em solver a dívida.
Aduz, assim, que a solidariedade declarada na sentença se aplica aos executados perante
o credor, mas não entre os devedores. Por fim, esclarece que os serviços, embora
contratados sob a cláusula porta a porta, não apresentaram nenhum defeito na parte
terrestre, desde a coleta dos livros na casa do passageiro até o seu embarque no aeroporto
do Rio. Dando os fatos como provados e considerando que a sentença prolatada no
processo de conhecimento, assim como o acórdão que a confirmou, deixaram claro ter
ocorrido o extravio dos livros na parte aérea do transporte, e não na terrestre efetuada
pela transportadora, decida a questão, indicando os fundamentos e dispositivos legais
aplicáveis à espécie em exame.

Resposta à Questão 3

Aplica-se o artigo 285 do CC:

Michell Nunes Midlej Maron 48


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“Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores,


responderá este por toda ela para com aquele que pagar.”

Não há direito regressivo, portanto, vez que aquele que pagou é o único interessado
na dívida, tendo sido o verdadeiro causador do dano.
O TJ/RJ assim se posicionou, na apelação 2007.001.23169:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA - DANOS MATERIAIS E


MORAIS. TRANSPORTE AÉREO - PERDA DE CONEXÃO. APLICAÇÃO DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AFASTADA A CONVEÇÃO DE
VARSÓVIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELOS
IMPROVIDOS. O serviço de transporte aéreo envolve relação de consumo
amparada pelo Código de Defesa do Consumidor que, em se tratando de norma de
ordem pública e de interesse social, afasta a incidência da Convenção de Varsóvia.
Responsabilidade civil objetiva. Com fulcro na norma consumerista, que veda o
exercício da denunciação à lide (art. 88), nega-se provimento ao agravo retido. O
presente caso não enseja a aplicação do art. 733, do CC/02, visto que os danos
suportados pelos autores/apelados se deram em decorrência de falha do serviço de
ambas as transportadoras aéreas para cumprimento da conexão contratada entre
seus vôos, bem como pela falta de providências rápidas e eficazes para sanar o
problema em curto prazo. Portanto, a responsabilidade pela reparação dos danos se
dá de forma solidária entre as rés/apelantes. Não foi provado que o atraso do vôo
da United, de Washington para Nova York, decorreu de caso fortuito ou força
maior. Mesmo que tal atraso tenha sido gerado em razão de problemas técnicos no
controle de fluxo do aeroporto não isenta a responsabilidade das rés, mas apenas
lhes dá a possibilidade de exercer o direito de regresso contra o causador do
problema. Os transtornos que suportaram os autores/apelados, não só pela perda da
conexão, mas, ainda, em face do tratamento desrespeitoso e o atraso da chagada ao
destino, após 48 horas, não podem ser considerados aborrecimentos corriqueiros
do dia-a-dia, caracterizando danos morais passiveis de indenização. Considerando
as circunstâncias do fato e, principalmente, o longo tempo em que os autores
suportaram os constrangimentos e desconfortos físicos e emocionais, a indenização
fixada na sentença se mostra razoável e compatível. De acordo com a
jurisprudência deste Tribunal, é autorizada a condenação na moeda em que a
obrigação foi contraída, sendo o valor convertido quando do efetivo pagamento.
Se, atualmente, o serviço de transporte aéreo, as obrigações inerentes a contratos
de transportes e ao Programa Smiles estão sendo executados pela VRG Linhas
Aéreas S/A, que se tornou efetiva titular da marca VARIG e responsável por tais
serviços e obrigações, a primeira ré/apelante deve acertar com tal empresa a forma
para cumprir a condenação que lhe foi imposta na sentença, referente ao
ressarcimento aos apelados em relação às milhagens do referido programa
utilizados para o up-grade, que não foi efetivamente desfrutado. Não houve
julgamento ultra petita, posto que, na inicial, os pedidos dos autores/ora apelados
totalizam valores superiores aos fixados na sentença. Se o valor atribuído à causa
estava incorreto e incompatível com o montante do pedido exordial, em momento
oportuno, caberiam medidas próprias.”

Michell Nunes Midlej Maron 49


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Tema V

Extinção das Obrigações I. Pagamento. Natureza jurídica. Elementos. Solvens e accipiens. Pagamento por
terceiro interessado e não interessado. Prova, lugar e tempo do pagamento. Pagamento antecipado.
Pagamento indevido. Pagamento feito a credor putativo e incapaz.

Notas de Aula15

1. Pagamento

Pagamento é a entrega da prestação avençada ao credor. É o ato pelo qual se realiza


o interesse econômico do credor, pela entrega do objeto da obrigação, qualquer que seja a
prestação (e não apenas o dinheiro, o preço, como se pode comumente associar). Em última
análise, é o adimplemento, implemento, solução, execução da prestação, qualquer que seja
a natureza desta.

15
Aula proferida pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 13/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP II Direito Civil II

Antunes Varela, civilista português, sugere que o termo pagamento fosse adstrito
apenas às obrigações pecuniárias, enquanto às demais se dedicaria o termo cumprimento. O
CC brasileiro, porém, mantém-se fiel ao termo pagamento, para qualquer obrigação.
A conseqüência jurídica do pagamento é a extinção do vínculo obrigacional. Pelo
pagamento, o devedor se liberta do credor, se alforria da obrigação. O pagamento é a
“morte natural” da obrigação, e por isso é a solução ideal de toda obrigação, sempre bem-
vindo, implementando, de forma saudável, o pacta sunt servanda. Veja que o pagamento é
um dever jurídico do devedor, e não um favor que este presta ao credor; por isso, é um
direito subjetivo do credor, correspondendo a uma faculdade de agir deste: se o devedor não
entrega a prestação como devido, o credor poderá movimentar a máquina estatal para
compelir o devedor a lhe pagar.
Há um interesse social no pagamento, pois quando este se implementa, a segurança
jurídica se incrementa: o não pagamento é um ato que gera turbulência jurídica e
conseqüente insegurança. Ao pagar, o devedor está servindo à sociedade. Mesmo por isso,
um dos indicadores do desenvolvimento social é a curva de inadimplemento desta: se
estiver elevada, é sinal que a sociedade não está saudável.
O pagamento pode ser direto ou indireto. Será direto quando o devedor entrega a
prestação ao credor, na forma, lugar e prazo convencionados. É claro que esta modalidade
é a ideal, pois dispensa qualquer intervenção do Estado, ou de quem quer que seja, vez que
há cumprimento voluntário e perfeito da obrigação. Todavia, como o mundo dos fatos não é
perfeito, o pagamento indireto é necessário, quando o pagamento direto não for possível,
por diversos motivos. Veja que é pagamento, e tem todos os seus efeitos, mas de forma
diversa do direto. Se não houvesse o pagamento indireto, o nível de inadimplemento
decerto seria muito mais elevado.
Exemplos de pagamento indireto são a consignação, a dação, a imputação, a
compensação, a sub-rogação, e todos os demais métodos, que serão vistos adiante.
Há ainda situações em que a obrigação se extingue sem que haja o pagamento,
direto ou indireto, sem significar inadimplência: é o caso da remissão (perdão do credor à
dívida), por exemplo, ou da confusão (reunião das figuras de devedor e credor na mesma
pessoa).
A natureza jurídica do pagamento é controvertida. Para alguns, é um mero ato
jurídico, pois produz resultado que a lei controla, qual seja, a extinção da obrigação; outros,
entendem ser apenas um fato jurídico; e outros entendem, ainda, que é um negócio jurídico
unilateral. Entretanto, a posição majoritária é que seja um negócio jurídico bilateral, pois
para que o pagamento ocorra é necessário que se conjuguem as vontades do devedor em
pagar, e do credor em receber – do contrário, realmente, não se implementa. Mesmo por
isso, vige o princípio da cooperação, segundo o qual tanto devedor quanto credor devem
envidar seus esforços para que ocorra o pagamento.
Uma regra basilar do direito das obrigações, referente ao pagamento, é aquela
segundo a qual o pagamento deve ser realizado da forma que seja menos onerosa para o
devedor, por razão óbvia: o pagamento é uma depleção patrimonial, e portanto não é um
momento exatamente prazeroso para o devedor.
O Estado, curiosamente, adota duas políticas exatamente contrárias, mas com o
mesmo escopo, de facilitar o pagamento: num primeiro momento, facilita ao devedor os
meios de pagar, estabelecendo regras que tornem este menos oneroso. Como exemplo, o
lugar do pagamento, em regra, é no domicílio do devedor – o que se chama de obrigação

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quesível, querable –; em segundo momento, se o devedor não pagou como devia, o Estado
inverte sua conduta, aliando-se ao credor a fim de que obtenha a satisfação de seu crédito,
criando regras que pesam sobre o devedor, como sanções pelo inadimplemento.

1.1. Elementos do pagamento

Para que o pagamento produza seu efeito principal, o efeito liberatório do devedor,
é necessário que alguns requisitos objetivos e subjetivos estejam presentes. Os elementos
subjetivos do pagamento são os sujeitos da obrigação: o devedor, denominado solvens,
incumbido do dever de pagar; e o credor, accipiens, titular do direito subjetivo na
obrigação, que pode se valer dos meios legítimos para compelir que seu crédito seja pago.
Elementos objetivos, por seu turno, dizem respeito à prestação devida, ao objeto da
obrigação. Vejamo-los.

1.1.1. Elementos subjetivos

É legitimado para receber o pagamento e emitir a quitação, ou seja, figurar na


posição de accipiens, não só o próprio credor, como diversas outras pessoas, por diversos
outros motivos. Assim podem figurar os herdeiros do credor, pois o crédito se inclui nas
forças da herança deixada pelo credor (e da mesma forma o legatário do crédito); o
cessionário do crédito, recebedor da sua titularidade por meio de ato inter vivos; o
representante legal do credor, quando este for incapaz; o representante convencional, o
mandatário do credor, desde que tenha estes poderes de receber e dar quitação
expressamente consignados no instrumento; até mesmo o simples portador da quitação
firmada pelo credor é presumidamente autorizado a receber seu crédito, dispensando-se o
mandato formal.
O leque de legitimidade accipiens é, portanto, bem amplo, mas o pagamento só é
legítimo se esta situação estiver sem qualquer vício, ou seja, se quem recebe o crédito for
realmente legitimado a tanto. O pagamento eventualmente feito a quem não está
regularmente inserto na posição de accipiens não é legítimo, e portanto não produz o efeito
liberatório do devedor: pagando mal, pagará duas vezes.
Há apenas uma hipótese em que o pagamento feito a pessoa diversa do credor, e que
não poderia representá-lo, não poderia receber, ainda assim terá o efeito liberatório. É o
caso do credor putativo: trata-se da pessoa que qualquer um, qualquer homem médio,
suporia ser o credor legítimo, dadas as circunstâncias que assim indicavam. Qualquer
pessoa comum entenderia que este credor putativo era, de fato, legítimo accipiens, e por
isso o erro do devedor em pagar a quem não devia é plenamente escusável, desculpável –
libertando-se do débito, portanto. Exemplo simples é o do credor que, tendo irmão gêmeo, é
este quem recebe, desautorizadamente: não se pode exigir do devedor que suspeite da
ilegitimidade do irmão do credor, passando-se por legítimo. Outro exemplo é o suposto
procurador que se apresenta para receber o crédito, portando habilíssima falsificação de
mandato especial, como se representasse o credor.
Sendo caso de pagamento ao credor putativo, o devedor está liberto, não mais tendo
débito ou responsabilidade. Contudo, o credor legítimo terá que acionar o credor putativo
que recebeu em seu nome, em regresso, para compeli-lo a entregar a prestação que recebeu
indevidamente.

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Mas veja que, além de ser legítimo, é importante se verificar ainda mais um aspecto
quanto ao accipiens: se este está na plena disponibilidade de seus créditos. Veja um
exemplo: se o credor estiver sendo executado, e recair sobre seus créditos uma penhora
requerida por credor do credor, o devedor do executado, desde que ciente da constrição do
patrimônio do seu credor, não pode mais pagar diretamente a ele, devendo depositar o
crédito no juízo de onde emanou a constrição. Se paga diretamente ao credor, paga mal, e
poderá ser instado a pagar novamente. Evidentemente que, neste caso, se não estiver ciente
da constrição, não pode o devedor ser punido, e sua situação se equipara a quando paga a
credor putativo: libertar-se-á da obrigação.
Em suma, então, quanto ao pólo ativo do pagamento, o accipiens deve ser legítimo,
e ter seu crédito disponível, para que o pagamento seja correto.
Vejamos, então, os requisitos subjetivos quanto ao solvens, devedor. O pagamento
não é apenas um dever do solvens: é também um direito seu. Isto porque pagar é o meio
pelo qual se liberta o devedor do vínculo, e esta libertação é um direito seu. Por isso, se o
credor, sem motivo justificado, recusa-se a receber a prestação, o devedor poderá compeli-
lo a receber, para o que foram criados mecanismos poderosos, tais como o pagamento por
meio de consignação.
Pode figurar como legítimo solvens não só o próprio devedor, chamado devedor
direto, principal, mas também uma série de outros legitimados, que poderão exercer o
direito de pagar, ou serem demandadas no dever de pagar. Assim figuram, por exemplo, os
herdeiros do devedor, que recebem na herança o passivo do devedor (que, como se sabe, se
limita às forças da herança, o chamado benefício do inventário, em que o passivo do
devedor obituado não alcança o patrimônio pessoal dos herdeiros, se insuficiente for o ativo
hereditário).
Também o terceiro interessado, que não é o devedor direto, mas ainda poderá ser
alcançado pela execução do credor (sendo exemplo mais claro o fiador, ou o avalista), é
legitimado a pagar: paga para que não se torne réu na execução, eventualmente.
As conseqüências do pagamento feito pelo terceiro interessado são peculiares. A
primeira é a substituição automática, legal, em todos os direitos do credor – é a sub-
rogação, a substituição do credor pelo terceiro interessado. A sub-rogação pelo terceiro
interessado não depende de qualquer manifestação do credor original, não precisa de sua
anuência. O terceiro interessado, inclusive, pode compelir o credor a receber, valendo-se
dos mesmos meios que o devedor principal, como a consignação (em nome próprio, por
direito próprio).
É de se ressaltar que a sub-rogação é mais que o mero regresso: ela coloca o
pagador na mesma posição do credor original, nos seus exatos termos, o que significa, por
exemplo, que as garantias que existiam, tais como uma hipoteca, continuam a existir.
Pode haver também o pagamento por terceiro não interessado. Este é a pessoa que,
não sendo o devedor direto, tampouco podendo ser alcançado pela execução levada a cabo
pelo credor, ainda assim deseja pagar16. Mas veja que o pagamento por terceiro não
interessado pode representar, por vezes, um certo desconforto para o devedor principal. Por
isso, a lei permite que o terceiro não interessado pague, mas não lhe confere as mesmas
prerrogativas que confere ao terceiro interessado, não lhe contemplando com as mesmas
garantias que ao interessado contempla.

16
O pagamento por terceiro não interessado, que parece uma excessiva liberdade legal, na verdade é
condizente com o interesse social que está por trás de todo pagamento, como dito.

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Há duas formas de o terceiro não interessado pagar a dívida do devedor principal:


pode pagar em nome do devedor, como se este houvesse pago, ou pode pagar em nome
próprio, identificando sua posição de pagador. Se a quitação for emitida em nome do
devedor principal, é como se o terceiro não interessado não tivesse pago, mas sim o próprio
devedor principal: o terceiro age de forma equiparada a um doador, em liberalidade total,
não dispondo, portanto, de nenhuma ação, nenhum mecanismo jurídico para recuperar
aquilo que pagou, quer do credor, quer do devedor principal. Ao assim pagar, não está
movido por interesse sequer econômico (sua motivação é afetiva, altruística), não havendo
razão jurídica para pretender recuperar aquilo que pagou.
O terceiro não interessado que paga em nome do devedor principal, no entanto,
poderá consignar a prestação, caso a recusa do credor seja injustificada, pois, como visto, é
interesse social que haja o pagamento das obrigações. A recusa se demonstra um mero
capricho, não podendo ser tutelada pelo direito. Quando assim o faz, consignando em
pagamento, o terceiro não interessado age em nome próprio, mas por direito alheio (direito
do devedor de pagar) – sendo caso de legitimidade processual extraordinária, portanto.
Ao pagar em nome próprio, no entanto, as conseqüências são diferentes. Não está,
este terceiro, agindo em liberalidade, de fato, e por isso dispõe de ação contra o devedor
para recuperar aquilo que pagou, sem haver, no entanto, sub-rogação legal, automática, na
posição de credor: há o mero regresso, não assumindo as garantias que porventura o credor
tivesse contra o devedor principal.
Este terceiro não interessado que paga em nome próprio não tem direito à
consignação em face do credor, não podendo compelir o credor a receber. Isto porque esta
quitação em nome de terceiros pode gerar problemas para o credor, e a recusa não se
demonstra, portanto, injustificada.
Nada impede, porém, que o terceiro não interessado que paga em nome próprio
obtenha do credor uma sub-rogação convencional: se o credor cede-lhe as garantias, a
situação se demonstrará uma sub-rogação feita pela vontade das partes.
O ponto nodal da questão deste pagamento por terceiro não interessado, quer em
nome próprio, quer em nome do devedor principal, reside na possibilidade de oposição a tal
pagamento por parte do devedor principal, antes de sua realização. Como dito, este
pagamento pode gerar uma perturbação para o devedor, na medida que o terceiro pode
assumir o direito de regresso com intenções não muito saudáveis: imagine-se que um
inimigo do devedor principal queira pagar sua dívida, a fim de colocar-se na posição de
credor, em regresso, deste devedor, seu desafeto. Por isso, o legislador condicionou este
pagamento à não oposição pelo devedor.

1.1.2. Elementos objetivos

Estes elementos dizem respeito ao objeto obrigacional, à prestação devida. São


elementos objetivos a prova, o lugar e o tempo do pagamento.
Não basta pagar, simplesmente; é preciso que haja a prova do pagamento, e o ônus
de haver consigo esta prova incumbe ao devedor. A prova comum do pagamento é a
quitação, o popular recibo. Por isso, obter a quitação é um direito do devedor, e emiti-la é
um dever do credor, tanto que o devedor pode se recusar a realizar o pagamento se o credor
se recusar a dar-lhe quitação: é uma causa próxima à ação de consignação em pagamento.

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP II Direito Civil II

A quitação tem requisitos formais para sua regularidade: tem que ser discriminada,
não tendo qualquer valor a quitação genérica (nos moldes “recebi do devedor tudo que me
deve”); tem que conter o nome de quem está pagando, do solvens; deve constar do recibo o
lugar em que se deu o pagamento, e a data em que se realizou; e conter a assinatura do
accipiens.
O CC de 1916 se limitava a arrolar estes requisitos de regularidade da quitação, e se
concluía, à época, que a falta de um deles a tornava inválida, não tendo o condão de liberar
o devedor. Hodiernamente, porém, a tecnologia fez revista a necessidade de tais requisitos,
vez que há quitações que inclusive sequer possuem corpo físico (como os pagamentos
online). Por isso, o CC de 2002 transformou estes requisitos essenciais em relativos, ou
seja, se ausentes, ainda assim poderá o juiz entender válida a quitação, se convencido de
que esta se realizou. Veja o parágrafo único do artigo 320 do CC:

“Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular,
designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por
este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu
representante.
Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a
quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a
dívida.”

O que se intenta, portanto, é que a quitação seja inequívoca, ainda que carente de
formalidades exigidas.
Há situações peculiares e excepcionais em que a prova do pagamento é dispensada,
em função de uma presunção relativa, juris tantum, de que houve tal pagamento. Se o
credor, nestes casos, entender que não houve o pagamento, a presunção fará com que ele é
quem deva provar o não pagamento, ou seja, há uma inversão do ônus geral da prova do
pagamento. Exemplo em que isso ocorre é quando a obrigação for divisível, tendo sido
fracionada a prestação em diversas parcelas, e o credor emite quitação da última parcela:
presume-se que todas as anteriores tenham sido pagas. Veja o artigo 322 do CC:

“Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última


estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.”

Outro exemplo vem logo no artigo seguinte, quando o recibo que silencia sobre os
juros faz presumir que estes foram pagos; e no artigo 324 do CC, surge a presunção de
pagamento da prestação quando o devedor estiver na posse do título de crédito que é a
única prova que representa seu débito. Veja:

“Art. 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se
pagos.”

“Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.


Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em
sessenta dias, a falta do pagamento.”

Também nas obrigações sucessivas, aquelas em que há várias prestações autônomas,


mas que se sucedem no tempo (e que não se confundem, portanto, com as divisíveis), a

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP II Direito Civil II

regra do artigo 322 do CC é aplicável: a quitação de uma prestação faz presumir pagas as
anteriores.
Tratando agora do local do pagamento, as obrigações se dividem em dois grandes
grupos: as quesíveis, ou querables, e as portáveis, ou portables. Obrigações quesíveis são
aquelas em que o local em que se deve realizar o pagamento é o domicílio do devedor, ou
seja, é o credor quem tem que se apresentar no domicílio do devedor a fim de colher o
pagamento. Esta é a modalidade que é regra geral, ou seja, no silêncio do título
obrigacional, a obrigação é querable, mas é regra dispositiva.
Ao contrário, a obrigação portável é aquela em que o pagamento deve ser feito no
domicílio do credor, ou em outro lugar qualquer que este indique, devendo o solvens ir ao
local do pagamento, portando a prestação (daí o nomen), para efetivá-lo. Para ser desta
espécie, é imperativo que haja pactuação, pois como dito a regra geral é o pagamento
quesível.
Se a obrigação for eleita portável, o credor pode se recusar, justificadamente, a
receber o pagamento em local diverso do pactuado; no mesmo sentido, o devedor só
poderá consignar em pagamento, quando portable, no lugar eleito.
Sendo quesível, se o credor não buscar o pagamento no domicílio do devedor, à
época estabelecida para vencimento, é o credor quem estará em mora – a chamada mora
accipiendi. Pode interessar ao devedor, neste caso, exercer seu direito de pagar, a fim de se
libertar do vínculo, quando então deverá consignar o pagamento. Veja que a definição do
lugar do pagamento, então, é de alta relevância, servindo até mesmo para definir quem está
em mora, se credor ou devedor.
O CC traz dois dispositivos sobre este tema que são altamente precisos, por duas
casuísticas que previnem. A primeira é a seguinte: imagine-se que o pacto estabeleça dívida
portable, sendo que o credor determina que deverá ser satisfeita em local de difícil acesso,
ou que cause algum constrangimento ao devedor. A fim de sanar esta dificuldade, o artigo
329 do CC diz o seguinte:

“Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar
determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.”

Outra situação é aquela em que o local indicado pelo credor deixa de ser exigível do
devedor, quando a reiteração dos pagamentos aceitos em local diverso assim demonstrar.
Veja que não pode haver oposição do credor, sendo necessária a reiteração de pagamentos
incontestes em local diverso. Veja o que dispõe o artigo 330 do CC:

“Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia
do credor relativamente ao previsto no contrato.”

O conceito de reiteração, aqui, é casuístico, e dependerá do número de parcelas ou


prestações da obrigação. Vale dizer que esta situação é um bom exemplo de surrectio, pois
a cláusula pactuada perderá exigibilidade, diante dos fatos.
Em relação ao tempo do pagamento, a regra é que este se efetive quando do
vencimento estipulado. O credor não pode exigir que lhe seja paga a prestação antes do
vencimento, mesmo que o devedor já possa fazê-lo. Mas esta regra tem exceções: o credor
pode exigir o pagamento antes do vencimento quando ocorrerem as hipóteses do artigo 333
do CC:

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“Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo
estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por
outro credor;
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito,
fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade
passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.”

No inciso I, se houver o concurso de credores, o princípio pars conditio creditorum


estabelece que os credores de obrigações ainda por vencer devem ter a mesma chance de
recebê-lo que aquele credor que já o tem vencido, pois se precisar esperar o vencimento
pode deixar de ter qualquer chance de receber seu crédito.
No inciso II do artigo supra, se a garantia de um crédito for ameaçada por penhora
alheia sobre esta, antecipa-se o vencimento, a fim de que a garantia não se perca.
No inciso III, o credor pode antecipar o vencimento por ver que as garantias se
esvaíram ou se tornaram insuficientes.
As hipóteses do artigo 333 são legais, mas não impedem a pactuação convencional
de outras hipóteses, a critério das partes. Por exemplo, é comum estabelecer que, em
dívidas parceladas, o não pagamento de três parcelas consecutivas importa em vencimento
antecipado de todas as posteriores. Estas cláusulas são limitadas apenas quanto à sua
abusividade.
Da mesma forma que a regra geral impede que o credor exija o pagamento antes do
vencimento, não pode o devedor compelir ao credor que receba a prestação em momento
posterior ao vencimento. Sendo assim, é preciso distinguir o simples atraso no pagamento
da situação de mora: se o devedor, ou o credor, não tem qualquer forma de cumprir a
obrigação, mas não por sua culpa, acarretando atraso, não necessariamente estará em mora.
Exemplo claro, já mencionado, em que há atraso no pagamento mas não há mora do
devedor é o do credor de dívida quesível que não busca o pagamento no domicílio do
devedor no prazo convencionado: por parte do devedor, há o atraso, mas não há mora,
porque o devedor não teve culpa alguma – a mora é do credor.
Além da culpa do devedor, o atraso só se converte em mora se a prestação devida
ainda for útil para o credor, pois se em razão do atraso culposo a prestação perdeu utilidade
para o credor, não se trata de mora, mas sim de inadimplemento absoluto.

1.2. Pagamento indevido

O pagamento é indevido quando há um erro qualquer quanto a um elemento. Por


isso, o pagamento pode ser subjetiva ou objetivamente indevido: é subjetivamente indevido
quando o devedor paga a quem não tinha legitimidade no pólo accipiendi, ou quando
alguém paga crendo dever uma prestação, verificando-se posteriormente que nada devia
àquela pessoa.
O pagamento será objetivamente indevido quando se entregar prestação diversa da
que era devida, ou mesmo quando se paga sem ter dívida a ser paga.

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EMERJ – CP II Direito Civil II

Havendo pagamento indevido, a devolução é necessária, se o erro for escusável,


para que não haja enriquecimento ilícito de quem recebeu. Mas veja que o erro deve ser
desculpável, pois do contrário a devolução não se justifica.

Casos Concretos

Questão 1

Através de escritura pública de cessão de direitos e obrigações, Matheus adquiriu o


imóvel hipotecado de Paolos, não tendo, todavia, a Caixa Econômica Federal, credora
hipotecária, participado do ato. Em seguida, Matheus pretende pagar a dívida de Paolos e
extinguir a hipoteca, sendo que a Caixa Econômica Federal nega tal possibilidade,
alegando que o pagamento não pode ser feito por pessoa estranha ao vínculo
obrigacional. É Matheus parte legítima para ingressar com ação de consignação em
pagamento? Justifique.

Resposta à Questão 1

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O terceiro, interessado, pode pagar toda a dívida em seu nome, a fim de levantar a
hipoteca imposta sobre seu bem. Esta recusa não é justa, e por isso a consignação é legitima
a Matheus, e deve ser julgada procedente. Mesmo que fosse terceiro desinteressado, ainda
assim poderia consignar em pagamento, vez que o faria em nome do devedor da hipoteca.
A respeito, vide o REsp 57.766:

“CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. MUTUO HIPOTECARIO. CESSÃO DE


DIREITOS. TERCEIRO INTERESSADO. SE HOUVE CESSÃO DE DIREITOS,
NÃO ASSUMINDO RELEVO A CIRCUNSTANCIA DE O CREDOR NÃO TER
ANUIDO, DESDE QUE NÃO SE EXECUTOU O MUTUO HIPOTECARIO, O
CESSIONARIO SE APRESENTA COMO TERCEIRO INTERESSADO NA
EXTINÇÃO DA DIVIDA, PODENDO, ASSIM, NESSA QUALIDADE,
SATISFAZER O DÉBITO E, SE O CREDOR SE OPUSER, LHE É DADO
CONSIGNAR, COMO RESSAI DO ART. 730 DO CODIGO CIVIL. RECURSO
NÃO CONHECIDO.”

Questão 2

Francisco José propôs ação de cobrança em face de Nova América Cia. de Seguros
S/A, postulando o recebimento de diferença de indenização em razão de seguro por roubo
de veículo. Alegou que o objeto da avença era uma indenização correspondente ao valor
atualizado da importância segurada, limitado ao valor médio de mercado do veículo.
Confiando na informação da seguradora, recebeu e deu quitação pela quantia que aquela
lhe pagou, certo de que a mesma correspondia ao valor referido. Constatou, logo em
seguida, que o valor recebido era bem inferior ao devido e manifestou imediato protesto,
recorrendo ao Judiciário a fim de ver solucionado o litígio. Em contestação, a empresa ré
alega que o autor, pessoa acostumada a praticar atos de comércio, recebeu o valor da
indenização e outorgou à seguradora plena, rasa, geral e irrevogável quitação, liberando
a devedora e transferindo-lhe a propriedade, de sorte que nada mais pode dele reclamar
em decorrência do evento. Ademais, sustenta que, somente em casos excepcionais, a
quitação pode ser invalidada, dentre os quais não se incluem os motivos expostos pelo
autor. Dando os fatos alegados na exordial como provados, decida fundamentadamente.

Resposta à Questão 2

A quitação não é prova cabal do pagamento, podendo ser questionada sua validade,
e também sendo certo que as declarações de que a dívida adimplida foi inteiramente
cumprida são juris tantum. Veja que houve um erro, ou mesmo dolo, que levou ao credor
apor que a quitação era integral, enquanto era parcial.
Assim, deve o julgador entender que a quitação só tem valor quanto àquilo que foi
efetivamente pago, e se a dívida material persiste em valor superior, este continua sendo
exigível – a quitação é parcialmente ineficaz, apenas quanto à parte que dela excede.

Questão 3

O Condomínio do Edifício Gentileza sofreu cisão entre os moradores que se


dividiram em relação às deliberações pertinentes a conveniência do condomínio, tendo

Michell Nunes Midlej Maron 59


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cada um dos dois grupos divergentes procedido à eleição de seu próprio síndico, sendo que
um desses grupos contratou determinada administradora incumbida de proceder à
cobrança das cotas condominiais. Um ano depois foi ajuizada ação de nulidade da
assembléia que votou o segundo síndico e esta foi julgada procedente, acarretando o
reconhecimento de que o condomínio somente poderia ter um síndico. O condomínio
reunificado ajuíza ação de cobrança de cotas condominiais em face das pessoas que
pagaram a cota condominial a quem não devia e estas se defendem alegando que já teriam
realizado o adimplemento. Diante do conflito de interesses, qual a decisão correta?

Resposta à Questão 3

As pessoas que pagaram o fizeram de boa-fé, a credor putativo que evidenciava erro
invencível. Não se aplica a regra do “pagamento errôneo, pague-se de novo”, e portanto
não poderão ser cobradas. Estão, então, em dia com sua obrigação, não havendo débito a
ser pago. A administradora anterior deverá regredir contra a nova, que recebeu
indevidamente.

Tema VI

Extinção das Obrigações II. Formas indiretas. Pagamento por consignação. Pagamento com sub-rogação.
Imputação do pagamento. Dação em pagamento.

Notas de Aula17

1. Consignação em pagamento

Pagamento é o meio natural de extinção das obrigações. É a forma de liberar o


devedor da obrigação contraída, que se faz naturalmente pela via direta, qual seja, a
realização da exata prestação comprometida.
Ocorre que, por vezes, a prestação avençada não pode ser cumprida na sua espécie,
até mesmo por conduta do próprio credor, que se recusa ao recebimento desta prestação.
17
Aula proferida pelo professor Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, em 13/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 60


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Para estes casos, em que o pagamento é desejado, mas a forma direta é dificultosa para o
devedor, ou rejeitada pelo credor, o ordenamento jurídico prevê as formas de pagamento
indireto, que nada mais é que uma prestação feita de forma diversa do pagamento direto, e
que também terá o condão de liberar o devedor de sua prestação.
O grande fundamento da existência destes meios indiretos é o interesse que há, para
a sociedade, que haja satisfação dos créditos. Do contrário, a instabilidade social aumenta
em muito, pois a lide é quase invariável se há inadimplemento das obrigações.
A primeira (e mais usual) forma de pagamento indireto é a consignação em
pagamento. Vejamo-la.
Quanto à natureza jurídica, trata-se concomitantemente de um instituto de direito
material e de direito processual, sendo clara a natureza mista deste instituto.
Por conceito, o pagamento por consignação é o meio indireto do devedor exonerar-
se do liame obrigacional, consistente no depósito judicial da coisa devida, nos casos e
formas legais. Veja o artigo 334 do CC:

“Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou


em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.”

É de se ressaltar que não basta o mero depósito para ser considerado feito o
pagamento. É necessário, para que haja a liberação do devedor, que haja a eficácia deste
pagamento, ou seja, que este depósito seja considerado satisfatório, pelo próprio credor, ou
por sentença que constate todos os requisitos legais exigidos do depósito.
Tais requisitos legais objetivos são: o depósito integral, que deve corresponder ao
valor inteiro da dívida, diante do princípio da integralidade do pagamento; e a recusa
injusta do credor em receber a prestação, vez que não havendo recusa, não há interesse
processual, e sendo a recusa existente, mas justa, a consignação é improcedente. Outro
requisito, óbvio, é a própria existência da dívida, pois do contrário não há o que se
depositar.
Em suma, são requisitos objetivos: existência de débito líquido e certo, proveniente
da relação negocial que se pretende extinguir; oferecimento real da totalidade da prestação
devida; observância de todas as cláusulas estipuladas no negócio.
A modalidade de obrigação passível de ser consignada é somente a obrigação
positiva de dar. Não necessariamente se está falando de dinheiro, tampouco apenas de
coisas móveis: nada impede que haja o depósito de um bem imóvel, e como exemplo bem
claro e corriqueiro a devolução de um imóvel locado: se o locatário, desejoso em entregar o
imóvel ao locador, vê esta restituição recusada por seu credor, poderá consignar o imóvel
em pagamento da obrigação de restituir.
Veja que o bem a ser depositado será líquido e certo, no momento do depósito, mas
a obrigação pode ter sido ilíquida, ou incerta, até aquele momento: basta que seja
determinável, pois no momento do efetivo pagamento indireto por meio da consignação,
deverá estar individualizada.
O oferecimento real da integralidade da prestação devida é um requisito necessário
por conta de um dos principais efeitos da consignação procedente, qual seja, exonerar o
devedor de sua dívida. Mesmo por isso, uma das matérias de defesa do credor, na ação de
consignação, é a insuficiência do depósito – acarretando a improcedência do pedido, se
constatada esta carência de elemento essencial do depósito.

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP II Direito Civil II

Por ser tão importante a integralidade, é dado ao devedor-consignante, após a


reclamação de insuficiência pelo credor, rever e possivelmente complementar este valor, em
dez dias, a fim de obter a procedência. Veja o artigo 890 do CPC:

“Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com
efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.
§ 1o Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo
depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde houver,
situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se
o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a
manifestação de recusa.
§ 2o Decorrido o prazo referido no parágrafo anterior, sem a manifestação de
recusa, reputar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do
credor a quantia depositada.
§ 3o Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, o
devedor ou terceiro poderá propor, dentro de 30 (trinta) dias, a ação de
consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa.
§ 4o Não proposta a ação no prazo do parágrafo anterior, ficará sem efeito o
depósito, podendo levantá-lo o depositante.”

A integralidade do depósito se impõe porque não se pode compelir o credor a


receber prestação diversa da pactuada. Esta máxima é tão verdadeira que, mesmo se a coisa
for mais valiosa, não é imponível ao credor seu recebimento. Veja que o depósito a maior
não gera improcedência (se não se tratar de coisa certa e este “a maior” indicar coisa
diversa), pois a integralidade estará observada – bastando colher de volta o excesso ao final.
O bem depositado, por óbvio, é aquele que o devedor entende correto. Ora, fosse o
contrário, depositando-se o que o credor pretendia, é inconcebível que tenha havido recusa,
por mera lógica.
Quando o devedor deposita aquilo que entende devido, e o credor contesta o valor,
nada impede que o levantamento do montante incontroverso seja realizado pelo credor.
Todavia, a ação de consignação não vai se transformar em uma ação de cobrança para o
credor, do montante além do montante levantado.
A necessidade do depósito integral não impede o depósito de prestações periódicas,
desde que a integralidade de cada uma delas seja respeitada. Ao haver recusa de prestações
periódicas, há a possibilidade de consigná-las, e, inclusive, no decorrer do processo,
continuar efetuando depósitos de novas prestações a cada vencimento.
O depósito extrajudicial tem a mesma eficácia que o judicial, ou seja, destina-se a
liberar o devedor de sua obrigação recusada.
De outro lado, são requisitos subjetivos da consignação: a legitimidade passiva, que
tem por titular o credor ou seu representante legal ou mandatário; e a legitimidade ativa,
pertencente ao próprio devedor ou terceiro (interessado ou não, que paga em nome do
devedor).
Se o fundamento do instituto está em facilitar o adimplemento e a desobrigação de
quem deseja pagar, é certo que o legitimado ativo por excelência é o devedor, que tem a
legitimidade ordinária. Mas repare no teor do artigo 304 do CC:

“Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o


credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome
e à conta do devedor, salvo oposição deste.”

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP II Direito Civil II

Assim, terceiros, interessados ou não, podem consignar em pagamento, sendo que o


desinteressado que o faz em nome próprio e o faz em legitimidade extraordinária.
A obrigação natural, em que há a inexigibilidade do débito, poderia ensejar
consignação? Em que pese haver quem diga que a falta da exigibilidade faz carecer de
interesse em consignar, parece ser mais coerente que o mero interesse em livrar-se da pecha
de devedor já justifica o manejo da ação consignatória, se o credor desta obrigação recusar-
se a receber tal prestação. Mesmo porque, apesar de inexigível, a obrigação natural não é
repetível, caso seja paga, o que indica que é juridicamente relevante. Esta é a posição de
Sylvio Capanema.
O efeito típico esperado da consignação é a liberação do devedor. Não se presta, a
consignação, a afastar a mora, e sim alcançar a extinção do débito propriamente dito.
As causas que justificam o depósito em consignação estão elencadas no artigo 335
do CC:

“Art. 335. A consignação tem lugar:


I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar
quitação na devida forma;
II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição
devidos;
III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou
residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do
pagamento;
V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.”

Vale deixar claro que este rol não é taxativo. O artigo 890 do CPC, já transcrito,
dispõe que a consignação é justificada nos casos previstos em lei, e não no CC.
Doutrinariamente se conclui, então, que sempre que algum diploma legal previr a
consignação, esta é cabível.
O inciso I deste artigo 335 é a recusa injustificada do credor em receber o
pagamento direto ou dar quitação, e é a hipótese mais corriqueira, na casuística.
O inciso II trata das dívidas quesíveis, quando o credor deixa de buscar a prestação
no domicílio do devedor. Veja que, mesmo o credor estando em mora, a obrigação subsiste,
e o devedor pode dela querer se liberar, o que o fará pela consignação em pagamento.
O inciso III, auto-explicativo, não é hipótese muito freqüente, ao contrário do IV: a
dúvida sobre quem é o credor é bastante freqüente, especialmente em relações
previdenciárias e securitárias. Os autores mais modernos defendem que a dúvida é
fundamento para a consignação desde que seja razoável, ou seja, desde que a circunstância
realmente traga dúvida plausível. Neste caso, há uma análise bipartida: primeiro, se analisa
a integralidade do depósito e a razoabilidade da dúvida; feito isso, o juiz libera o devedor e
o exclui do processo, o qual terá seguimento, em procedimento ordinário, para solucionar a
disputa entre os credores – decidindo, ao final, quem deverá levantar o depósito. E veja
uma situação peculiar: se porventura se demonstrar realmente duvidosa a titularidade do
crédito, mas o autor-devedor não depositou a integralidade, a consignação será julgada
improcedente, e o depósito será restituído ao próprio devedor.
Veja, a respeito, a apelação cível 2000.001.14998, do TJ/RJ:

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP II Direito Civil II

“CONSIGNACAO EM PAGAMENTO. SEGURO DE VIDA. DEPOSITO


INSUFICIENTE. DUVIDA A QUEM PAGAR. LEGITIMIDADE
RECURSO DESPROVIDO. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.
INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. INSUFICIÊNCIA DO DEPÓSITO. Em ação
de consignação em pagamento, ajuizada com base na dúvida sobre o legítimo
beneficiário, havendo impugnação ao valor depositado, dado ao caráter primordial
da questão, deve a mesma sobrepor-se ao questionamento acerca da titularidade.
Constatada através da prova pericial realizada, que não foi corrigido devidamente o
valor do seguro, gerando diferença no valor depositado, impõe-se a improcedência
do pedido consignatório. Recurso conhecido e improvido.”

Pelo ensejo, vale tratar aqui da sentença da ação consignatória. Em que pese ser
meramente declaratória, o que é inconteste quando for de procedência, há um a tremenda
particularidade a ser observada quando a sentença for de improcedência por se constatar
que o valor foi depositado a menor: segundo Sylvio Capanema, a sentença de
improcedência, nestes moldes, é uma das raríssimas exceções em que, mesmo sendo
declaratória negativa, poderá ser executada pelo credor pelo valor faltante que foi
identificado no processo, a teor do artigo 899, § 2º, do CPC:

“Art. 899. Quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, é
lícito ao autor completá-lo, dentro em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a
prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.
§ 1o Alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a
quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor,
prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida.
§ 2o A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre
que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo,
facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos.”

Veja que, a rigor, não se trata de sentença dúplice; ela apenas declara que a
pretensão à quitação do autor não é procedente, pois há valor faltante (que deve ser
determinado pelo juiz). Sendo assim, é mesmo improcedente e executável, e por isso é
excepcionalíssima.

1.1. Efeitos do depósito judicial

Como se pôde perceber, o depósito, de per si, não é suficiente para liberar o
devedor: é apenas um requisito essencial da pretensão, sendo a liberação alcançada quando
houver sentença de procedência.
Assim, são efeitos da sentença de procedência da consignação: exonerar o devedor;
constituir o credor em mora; cessar, para o depositante, os juros da dívida e os riscos a que
estiver sujeita a coisa; e liberar os fiadores.
Se improcedente a consignação, tais são os efeitos da sentença: manter o devedor na
posição em que se encontrava; caracterizar a mora solvendi; e responsabilizar o devedor
pelas despesas processuais.
O levantamento do depósito pode ocorrer em diversos momentos, e por diversos
motivos. O CC é auto-explicativo, sobre este levantamento, valendo apenas observar os
artigos 338 e seguintes:

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o
impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas
despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito.”

“Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo,


embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores.”

“Art. 340. O credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer
no levantamento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com
respeito à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os co-devedores e
fiadores que não tenham anuído.”

2. Pagamento com sub-rogação

Por conceito, sub-rogação pessoal vem a ser a substituição, nos direitos creditórios,
daquele que solveu a obrigação alheia ou emprestou a quantia necessária para o pagamento
que satisfez o credor. Em outras palavras, é a substituição da pessoa do credor, assumida
sua posição por um terceiro pagador.
Na sub-rogação, há a satisfação do credor, sem que haja liberação do devedor, que
continua vinculado ao débito, mas agora havendo por credor a pessoa que sub-rogou-se.
A natureza jurídica da sub-rogação pessoal é de um instituto autônomo, mediante o
qual o crédito, com o pagamento feito por terceiro, se extingue ante o credor satisfeito, mas
não em relação ao devedor, tendo-se apenas uma substituição legal ou convencional do
sujeito ativo. A sub-rogação é, pois, uma forma de pagamento que mantém a obrigação,
apesar de haver a satisfação do primitivo credor.
Como o vínculo obrigacional é mantido exatamente como o era, originalmente, o
novel credor conta com todas as prerrogativas, todos os acessórios e garantias que existiam
no pólo ativo, antes da substituição pessoal procedida. A obrigação não foi extinta: apenas o
credor original deixou a relação, dando lugar ao sub-rogado.
O pagamento efetuado por terceiro interessado diferencia-se do feito por terceiro
não interessado justamente neste aspecto da sub-rogação: quando se trata de interessado, há
a sub-rogação nos direitos do credor; quando o terceiro pagador é não interessado, apenas
ganha direito de regresso, e não sub-rogação, o que lhe concede muito menos direitos do
que àquele que se sub-roga. Veja: sub-rogação implica em ganho da posição de credor, com
todos os consectários; regresso é direito apenas a ser reembolsado do que pagou.

2.1. Sub-rogação legal ou convencional

A sub-rogação legal, imposta pela lei, se encontra versada no artigo 346 do CC:

“Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:


I - do credor que paga a dívida do devedor comum;
II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como
do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;
III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado,
no todo ou em parte.”

Já a sub-rogação convencional, resultante de acordo de vontades entre o credor e


terceiro ou entre o devedor e terceiro vem tratada no artigo 347 do CC:

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 347. A sub-rogação é convencional:


I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere
todos os seus direitos;
II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a
dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do
credor satisfeito.”

Os efeitos da sub-rogação, em suma, são os seguintes: libera o credor originário do


vinculo, e translada ao credor sub-rogante todos os direitos que o credor primitivo detinha.
Ou, do ponto de vista do devedor, exonera-o perante o credor original, mas translada seu
dever de pagar ao credor superveniente.

3. Imputação do pagamento

Por conceito, imputação do pagamento é a operação pela qual o devedor de dois ou


mais débitos da mesma natureza a um só credor, aponta qual a dívida que irá se extinguir
com o pagamento efetuado.
Veja: um devedor tem perante seu credor mais de uma dívida, originadas de relações
diversas, mas com o mesmo objeto (pagamento de dinheiro, por exemplo). Ao realizar um
pagamento, o devedor deverá esclarecer qual das dívidas está liquidando, ou seja, imputar
aquele pagamento a um dos vínculos obrigacionais existentes com aquele credor.
Se o devedor não realiza este esclarecimento, não imputa qual obrigação está sendo
adimplida, o credor poderá fazê-lo; se este também não o faz, a lei prevê como se presume
imputado.
De forma bem sintética, tais são os requisitos que viabilizam a imputação do
pagamento: existência de dualidade ou pluralidade de dívidas; identidade de devedor e
credor; igual natureza dos débitos; e suficiência do pagamento para resgatar qualquer das
dívidas. Explicando: se não há pluralidade de dívidas, o pagamento sem identificação é
mera amortização daquela obrigação única. Se não há identidade de credor e devedor, os
pagamentos não se confundem, por sua própria destinação, não sendo necessário imputar.
Se os débitos são de naturezas diferentes entre si, da mesma forma não são passíveis de
serem confundidos, e a imputação não é necessária. E se o pagamento feito não for
suficiente para pagar qualquer das dívidas, não há possibilidade de se imputar nenhuma
delas: ao menos uma das dívidas deve ser passível de ser integralmente satisfeita, e esta
será a imputada.
Três são as espécies de imputação do pagamento: aquela feita pelo devedor, na
forma dos artigos 352 e 353 do CC; a feita pelo credor, na forma do artigo 353 do CC; e a
imputação do pagamento feita pela lei, como dispõe o artigo 355 do CC. Veja:

“Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só
credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem
líquidos e vencidos.”

“Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas
quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a
reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido
violência ou dolo.”

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros
vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar
a quitação por conta do capital.”

“Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa
quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar.
Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-
á na mais onerosa.”

A regra geral da imputação legal é destinar a prestação à obrigação mais antiga. Se


forem contemporâneas, o parâmetro passa a ser a onerosidade, sendo preferível a mais
onerosa às demais.
O efeito, a finalidade da imputação, de forma bem simples, é extinguir o débito a
que se dirige, com todas as garantias reais e pessoais.

4. Dação em pagamento

Por conceito, dação em pagamento vem a ser um acordo liberatório, feito entre
credor e devedor, em que o credor consente na entrega de uma coisa diversa da avençada. O
objeto da dação é uma prestação de qualquer natureza, não sendo de dinheiro: bem imóvel
ou móvel, fatos e abstenções.
É imperativa a aceitação do credor, pois a alteração do objeto não é direito
potestativo do devedor.
A natureza jurídica da dação e de pagamento indireto, por ser um acordo liberatório,
com o intuito de extinguir relação obrigacional, derrogando o princípio que obriga o
devedor a fornecer exatamente o objeto prometido, pois lhe permite, com anuência do
credor, entregar coisa diversa daquela a que se obrigara.
Veja que o valor das prestações não guarda relação de obrigatoriedade de
correspondência: o objeto da dação não precisa ser de mesmo valor que o objeto original,
podendo ser maior ou menor – basta que o credor anua em sua substituição.
São requisitos da dação: a existência de um débito vencido; o animus solvendi; a
diversidade do objeto oferecido em relação ao devido; e a concordância do credor na
substituição. Veja: se o débito não estiver vencido, não há ainda a configuração de devedor,
e a dação pode ser uma mera doação; o animus solvendi é a vontade de pagar a obrigação; e
a diversidade de objetos é mera lógica, pois senão se trata de pagamento direto.
O efeito da dação, como pagamento indireto, é a extinção da dívida. Mas se o credor
receber objeto não pertencente ao solvens, e se houver a sua reivindicação por terceiro, que
prove ser seu proprietário, ter-se-á evicção, e assim vai se restabelecer a obrigação
primitiva, ficando sem efeito a quitação dada. Veja o artigo 359 do CC:

“Art. 359. Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á


a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos
de terceiros.”

Há algumas causas que nulificam a dação em pagamento que devem ser apontadas
aqui: é nula a dação feita por erro, bem como a que é compreensiva de todos os bens do
devedor, deixando-o à míngua de patrimônio. Também é nula a dação feita por ascendente a
descendente, sem o consentimento dos demais, vez que pode significar violação das regras

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP II Direito Civil II

sucessórias. É nula a dação feita no período suspeito da falência. E é claramente nula a


dação levada a efeito com fraude a credores.

Casos Concretos

Questão 1

Empresa de seguros ajuizou ação indenizatória para obter de Fabrício o valor da


quantia que desembolsou na reparação dos danos de veículo de segurado, oriundos de
acidente por ele provocado. Alegou que, pagando os referidos danos, sub-rogou-se em
todos os direitos, ações e privilégios de seu segurado. Em defesa, Fabrício exibiu recibo
oriundo de acordo extrajudicial firmado com o segurado, no qual este dava plena e geral
quitação por danos sofridos em decorrência do sinistro. Assim, quitados os danos, não
haveria crédito a ser sub-rogado. Pergunta-se: diante desse acordo extrajudicial, ocorre a
sub-rogação? Justifique.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP II Direito Civil II

A sub-rogação da seguradora nos direitos do segurado não se discute, em situação


padrão, quando há o pagamento por esta da indenização: se torna credora do causador do
acidente, a teor da súmula 188 do STF:

“Súmula 188, STF: O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano,
pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato de seguro.”

Neste caso concreto, a discussão não se concentra na sub-rogação em abstrato, que


seria a regra, e sim na criação ou não do óbice que esta se realize pelo acordo extrajudicial
firmado entre o segurado e o causador do dano. Veja: se houve o pagamento ao segurado
pelo causador do dano, o crédito se extinguiu, e não haveria que se falar em sub-rogação
pela seguradora, a fim de exigir do causador do dano aquilo que já pagou. O que se
percebe, na casuística, é que o segurado é quem agiu em desconformidade com o direito,
recebendo duas vezes a indenização – pelo causador e pela seguradora –, locupletando-se
ilicitamente.
Em verdade, a seguradora deveria agir contra o segurado, a fim de receber dele
aquilo que lhe pagou, diante do pagamento já feito pelo causador do dano. Esta é a posição
do STJ, no REsp 274.768:

“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ACORDO


EXTRAJUDICIAL FIRMADO PELA SEGURADA COM O CAUSADOR DO
DANO. SEGURADORA. SUB-ROGAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTE
DA TERCEIRA TURMA. RECURSO DESACOLHIDO.
I - Na sub-rogação, o sub-rogado recebe todos os direitos, ações, privilégios e
garantias que desfrutava o primeiro credor em relação à dívida(art. 988 do Código
Civil). O sub-rogado, portanto, não terá contra o devedor mais direitos do que o
primitivo credor.
II - Assim, se o próprio segurado(primitivo credor) não poderia mais demandar em
juízo contra o causador do dano, em razão de acordo extrajudicial com plena e
geral quitação, não há que falar em sub-rogação, ante à ausência de "direito" a ser
transmitido.”

Repare que esta posição, datada de 2000, leva em conta o tratamento da matéria
pelo CC de 1916. Hoje, há uma norma expressa no CC de 2002 que, apesar de trazer
previsão que parece alterar substancialmente toda a concepção, não se aplica ao caso em
tela no sentido literal: a seguradora não pode ser prejudicada por atos do segurado que
disponham do seu crédito, a teor do artigo 786, § 2º, do CC, mas, no caso, o acordo não
diminuiu ou extinguiu direitos da seguradora; na verdade, esta ainda tem o direito de reaver
o que pagou, mas agora este direito deve ser exercido contra o próprio segurado, por
fundamento em enriquecimento sem causa, enquanto que na situação padrão o direito seria
exercido contra o causador do dano, por sub-rogação. Veja:

“Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor


respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do
dano.
§ 1o Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge
do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consangüíneos ou afins.
§ 2o É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do
segurador, os direitos a que se refere este artigo.”

Michell Nunes Midlej Maron 69


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Tema VII

Extinção das Obrigações III. Formas indiretas. Novação. Compensação. Confusão. Remissão de dívidas.

Notas de Aula18

1. Confusão

Há dois institutos da confusão no CC, um no direito das coisas, e outro que é


modalidade indireta de extinção das obrigações, que é o que aqui será abordado. No direito
das coisas, a confusão surge como forma de aquisição da propriedade móvel, espécie
extremamente peculiar de aquisição de bens que existem na forma líquida. Veja:

18
Aula proferida pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 14/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 1.272. As coisas pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou


adjuntadas sem o consentimento deles, continuam a pertencer-lhes, sendo possível
separá-las sem deterioração.
§ 1o Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo,
subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao
valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado.
§ 2o Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á do todo,
indenizando os outros.”

Mas este instituto, com o perdão do trocadilho, em nada se confunde com a


confusão que é modalidade de extinção da obrigação. Por conceito, a confusão que tem
lugar nas obrigações é a situação em que a figura do credor e a do devedor se fundem na
mesma pessoa, ou seja, o credor se torna devedor dele mesmo, ou vice-versa, o que acarreta
absoluto desinteresse jurídico ou econômico da pessoa pagar a si mesmo – causando,
portanto, a extinção da obrigação.
A confusão pode ser um efeito decorrente de uma série de atos ou fatos jurídicos.
Imagine-se que um pai empresta ao filho uma determinada quantia em dinheiro, ficando
credor deste filho único. Posteriormente, o pai-credor vem a falecer, e aquele crédito é
passado ao filho-devedor como parte da herança deixada. Desde então, o filho se torna
credor e devedor de si mesmo, operando-se a confusão – a obrigação fica extinta.
Outro exemplo é o de um empréstimo entre pessoas jurídicas, sendo que,
posteriormente, a empresa credora realiza a incorporação ou a fusão com a empresa
devedora, o ativo e o passivo se reúnem, passando a ser credora e devedora de si mesma.
Veja que qualquer que for a causa da confusão, esta será sempre uma causa
superveniente ao próprio surgimento do crédito. No nascedouro, há credor e devedor
absolutamente distintos, mas no curso do processo obrigacional, algum fato superveniente
acarreta a confusão.
A confusão pode ser total ou parcial. Em ambos os exemplos, a confusão é total,
extinguindo a obrigação. Imagine-se, porém, que no exemplo da sucessão mortis causa, ao
invés de deixar como único herdeiro o filho-devedor, o autor da herança, credor, deixa
também um segundo filho, que nada lhe devia. Ao apurar a herança, o crédito que era
formado pelo empréstimo feito a um filho será contabilizado normalmente na
universalidade, e será igualmente partilhado, tal qual todo o restante do ativo. Veja que,
sendo a partilha em partes iguais, a confusão opera-se apenas na parte que incumbe ao
herdeiro-devedor, restando este ainda devedor da metade que foi herdada por seu irmão,
agora tendo este por credor.
A confusão desaparecerá, fazendo renascer a obrigação original, se cessarem as
causas que a determinaram. Mesmo por isso, alguns autores chegam a defender que a
confusão, na verdade, apenas suspende a obrigação enquanto a causa persistir, e não a
extingue – opinião que não tem muito peso, diga-se. Veja um exemplo de reversão: se, no
exemplo da confusão pela sucessão mortis causa, vem a ser descoberto que o herdeiro
havia sido deserdado, e portanto não teria herdado aquele crédito. Neste caso, o quinhão
será direcionado a outro herdeiro, e com ele seguirá o crédito, ressurgindo a obrigação, e
tornando-se este novel herdeiro o credor do filho deserdado.
No exemplo da incorporação da pessoa jurídica, pode acontecer de que seja esta
alteração societária anulada por sentença, diante de impugnação por alguns acionistas,
quando então a obrigação renasce, na forma de antes, desfazendo a confusão.

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP II Direito Civil II

Questão interessante aparece nas obrigações solidárias passivas, em que pode


ocorrer uma confusão peculiar. Imagine-se que haja um credor, e três devedores solidários
de uma dívida de trinta, cada um sendo devedor interno por parcela de dez. Suponha-se que
um destes três devedores seja filho do credor, e que, no curso do processo obrigacional, este
credor vem a falecer, deixando para o filho aquele seu crédito de trinta. Operou-se, então, a
confusão parcial, dos dez que eram devidos pelo herdeiro, remanescendo a dívida solidária,
mas apenas por vinte, e o novel credor por sucessão poderá cobrar vinte de um dos
remanescentes, ou dez de cada um.
O CC, nos artigos 381 a 384, trata bem da matéria:

“Art. 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as


qualidades de credor e devedor.”

“Art. 382. A confusão pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte


dela.”

“Art. 383. A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só


extingue a obrigação até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na
dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade.”

“Art. 384. Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus
acessórios, a obrigação anterior.”

2. Remissão

Consiste no perdão da dívida, na renúncia do credor ao crédito que detém. Como o


crédito é um bem patrimonial, em princípio, é disponível, podendo renunciar a este a seu
critério, quando então extingue a obrigação.
Remissão, que dá origem ao verbo remitir, não se confunde com remição, do verbo
remir. Esta última é instituto completamente diferente, em que o devedor paga uma
obrigação – sendo, então, o oposto do instituto da remissão, que é perdão da dívida, ou seja,
ausência de pagamento.
A remissão pode ser total ou parcial, a critério do credor. É um ato de liberalidade, e
seu limite é traçado pelo credor. A remissão, como forma de renúncia, deve ser levada ao
conhecimento inequívoco do devedor, e só produz efeitos desde então. Se o devedor não for
cientificado pelo credor da remissão da sua dívida, ele suporá que ainda tem o débito, e
poderá até mesmo chegar a consignar em pagamento, se chegado o vencimento da dívida
quesível o credor não buscar a prestação. Não se pode confundir a remissão com o mero
abandono do crédito.
A devolução do título representativo é uma hipótese de remissão, na forma do artigo
386 do CC:

“Art. 386. A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito


particular, prova desoneração do devedor e seus co-obrigados, se o credor for
capaz de alienar, e o devedor capaz de adquirir.”

Já a restituição voluntária de bem empenhado não configura remissão, mas apenas a


renúncia a esta garantia, persistindo a obrigação, porém. Veja o artigo 387 do CC:

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 387. A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do


credor à garantia real, não a extinção da dívida.”

Pode ocorrer remissão em obrigação solidária passiva: usando o mesmo exemplo


dado no tópico anterior, em que há três devedores solidários em uma dívida de trinta,
suponha-se que o credor perdoa apenas um dos devedores, mas apenas o seu quinhão de
dez. A remissão feita a um dos devedores solidários apenas reduz o valor total da prestação
no montante remitido, e nada mais, persistindo a obrigação no valor restante. Veja o artigo
388 do CC:

“Art. 388. A remissão concedida a um dos co-devedores extingue a dívida na parte


a ele correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade
contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida.”

Remitir um dos devedores solidários é diferente de exonerar um dos co-devedores


da solidariedade a si imposta. Veja: se o credor exonera um co-devedor da solidariedade,
apenas está dividindo a obrigação em duas partes: este exonerado somente poderá ser
cobrado em seu quinhão, e nunca mais na integralidade da dívida; e os demais co-
devedores somente poderão ser demandados pelo restante, excluído o quinhão do
exonerado.
A remissão pode ocorrer em relação aos créditos tributários, quando então é mais
conhecida como anistia fiscal, caso em que o ente federativo concede anistia de partes das
dívidas, como multas, de forma a atrair o pagamento pelos contribuintes morosos. A
remissão tributária, porém, depende de lei que a autorize, sob pena de crime de
responsabilidade de quem dispor da receita tributária de forma ilegal.
A remissão não é um direito absoluto do credor. Em uma situação isoladamente
considerada, como dito, o bem patrimonial é, em princípio, disponível, mas pode haver
algum óbice a esta disposição, em situações em que a remissão não é permitida – se
realizada, é ineficaz. Notadamente, a remissão é proibida quando acarretar prejuízo a
terceiro. Veja o artigo 385 do CC:

“Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas
sem prejuízo de terceiro.”
A regra é simples: só pode remitir seu devedor o credor que após a remissão
continuar solvente. Veja: se o credor de uma relação por quantia de cem é devedor em
outra, diante de outra pessoa, por quantia de oitenta, e em seu patrimônio só possui como
ativo aquele crédito de cem, é ainda solvente, porque seu passivo é menor que o ativo. Este
indivíduo não poderá remitir a divida de cem integralmente, pois se tornará insolvente;
poderá, no máximo, remitir parcialmente a dívida, pelos vinte que seu ativo excede o
passivo, quando então ainda continuará solvente. Se proceder à remissão total, o seu credor
pelos oitenta disporá de ação pauliana, a fim de anular esta remissão, que se demonstrou
uma fraude contra credores.
A remissão é irrevogável, não admitindo arrependimento desde quando for levada
ao conhecimento do devedor – momento em que a obrigação se extinguiu. Nada impede,
porém, que se existir um vício de consentimento qualquer, a remissão seja anulada, como
qualquer negócio jurídico.
Por óbvio, outro óbice à remissão é a indisponibilidade do crédito: se o credor tiver
seu crédito penhorado, é claro que não mais poderá remitir seu devedor.

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP II Direito Civil II

3. Novação

Consiste na extinção de uma obrigação para que em seu lugar surja uma nova
obrigação. É a substituição de uma obrigação por uma nova.
Pressuposto essencial, inafastável, da novação, é que a obrigação original tenha sido
extinta, dando lugar a uma nova obrigação. Veja que as meras modificações na obrigação,
em aspectos da obrigação, não são novações – são mesmo meras modificações, meros
aditamentos. Se não houver a extinção da obrigação, não se pode falar em novação.
Se é possível a livre modificação das obrigações, qual é a necessidade de se
proceder à novação? Há situações em que as divergências em uma obrigação são tão
severas, que a mera alteração não é suficiente para sanar todos os conflitos. Por isso, as
partes preferem pôr fim àquela obrigação original, e reiniciar a relação, mas sem solução
temporal entre um vínculo e outro: a extinção se dá pela própria iniciação da nova
obrigação.
Assim, é necessária a presença de um outro elemento, este subjetivo: o animus
novandi, a intenção em inovar, em criar uma nova obrigação em substituição à antiga,
extinta. Veja o que diz o artigo 361 do CC:

“Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a
segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.”

A novação pode ser subjetiva ou objetiva. Será subjetiva se na nova obrigação


houver a mudança do credor, ou do devedor, ou de ambos; será objetiva, por óbvio, se o
objeto obrigacional se alterar.
Vejamos uma casuística que apresenta situação peculiar. Imagine-se que um
incapaz, um menor com quinze anos completos, pactua de mão própria um contrato de
locação de imóvel. O pai deste menor, interessado na manutenção do imóvel, vem ao
negócio e pactua um novo contrato com aquele locador, agora em seu nome como locatário.
O que é que está retratado nesta situação?
Veja que não se trata de novação, nem mesmo se assim consignarem os novéis
contratantes, pelo simples fato de que não se pode novar uma obrigação nula: a novação é
a extinção de uma obrigação, para dar lugar a uma nova, substituta; se a obrigação original
é nula – como o é, in casu –, significa que jamais existiu, e portanto não há que ser sequer
extinta, quanto mais novada. O que se retrata, nesta hipótese, é a simples pactuação de um
novo contrato, de um primeiro contrato válido.
Outro motivo pelo qual não se pode novar obrigação nula é que este instituto seria
um meio de sanar nulidades insanáveis, subvertendo a ordem jurídica, violando a teoria
geral das nulidades.
Veja agora outro caso: um menor, com dezessete anos, pactua um contrato de
locação em nome próprio. O pai do menor, interessado no negócio, procura o locador e
pactua novo contrato, agora em seu nome. Qual é o instituto aqui retratado?
Aqui, sim, há novação: a nulidade do primeiro contrato é relativa, ou seja, é
anulabilidade, e a novação é um modo de corrigir o vício relatividade. De fato, não seria
necessária a novação, bastado que o pai ratificasse, como assistente, o contrato celebrado
pelo menor relativamente incapaz, mas se feita, sanou o vício da mesma forma.

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP II Direito Civil II

Outrossim, imagine-se que um contrato, eivado de dolo – anulável, portanto –, seja


extinto pelas partes pela feitura de uma novação. Esta novação será, em princípio, válida,
mas desde que o vício deixe de existir: se a novação continuar eivada do dolo, não tem o
condão de sanar a anulabilidade, sendo igualmente anulável. A novação só será válida e
eficaz se ambas as partes soubessem, à época da realização da novação, da existência
daquele vício. E veja que, mesmo que a nova obrigação for idêntica á primeira, será
perfeitamente válida, se há ciência de ambos os relacionandos do vício que eivava a
primeira: usaram da novação exatamente como forma de sanação do vício. Se uma das
partes não sabia do vício, na verdade, estará novando em erro, pois é certo que preferiria
anular a obrigação.
Veja o artigo 367 do CC:

“Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de
novação obrigações nulas ou extintas.”

A novação extingue os acessórios e garantias que existiam na primeira obrigação,


pois, nunca é demais repetir, é forma de extinção da obrigação. Somente persistirão as
garantias se os garantidores anuírem na novação. Para tanto, deverão ser repetidas e
repactuadas na novel obrigação.
Imagine-se uma obrigação com solidariedade ativa: pode o credor solidário novar a
obrigação com o devedor, sem anuência dos demais? É claro que pode: na solidariedade
ativa, cada credor age como se fosse o único, e tem ampla liberdade para realizar a extinção
da obrigação, mediante novação. Por óbvio, se assim o fizer, ainda responderá perante os
demais credores que não anuíram, pela parte endógena da obrigação original – ou seja, por
cada quinhão respectivo.
O artigo 363 do CC merece uma análise mais profunda:

“Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação
regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição.”

Se a substituição for maliciosamente impingida ao credor, e somente assim, o


primeiro devedor será imputável. Isto porque a primeira obrigação foi extinta, e aquele
devedor foi liberado, e como regra geral, o regresso deverá ser baseado em conduta
maliciosa do primeiro – do contrário, o risco da insolvência do novo devedor corre por
conta do credor que o aceitou.

4. Compensação

Este instituto é o mais prático dos meios de pagamento indireto. Consiste na


extinção da obrigação quando há reciprocidade de créditos e débitos entre os relacionandos,
ou seja, um é devedor e credor do outro simultaneamente. Ao invés de operarem-se dois
pagamentos, simplesmente cancelam-se os montantes recíprocos, se idênticos, ou paga-se
apenas o que um exceder ao crédito do outro.
Além da reciprocidade dos débitos, é necessária a presença de alguns outros
requisitos. É preciso também que ambas as prestações sejam representadas por coisas
fungíveis, ou não serão compensáveis. Basta serem fungíveis, não precisando ser dinheiro,

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP II Direito Civil II

ao contrário do que se possa pensar. Se uma das prestações for infungível, não há como se
compensar
Além disso, as prestações precisam ser da mesma espécie, e da mesma qualidade.
As prestações devem também ser certas e líquidas, pois o cálculo não poderá ser
feito, se não o forem.
Outro requisito é a exigibilidade: ambas as prestações precisam ser exigíveis para
serem compensáveis. Do contrário, se uma delas não for exigível, estar-se-ia impondo a
antecipação do pagamento àquele devedor cuja prestação ainda não é vencida.
Presentes todos os requisitos, as partes não podem negar a compensação, a não ser
que no negócio se tenha consignado expressamente a sua vedação. Recusando-se a
compensar, aquele devedor que se sentir prejudicado poderá consignar em pagamento a
diferença daquilo que compensaria, pois esta recusa é injusta.
Como dito, a compensação pode ser total ou parcial, sem problemas. Se há a total,
ambas as obrigações são extintas. Na compensação parcial, ainda haverá um pagamento por
ser feito, da diferença não compensada.
A princípio, a origem do débito, a causa da prestação, é irrelevante para a
possibilidade de compensação: se uma vem de um contrato de locação, e outra de uma
compra e venda, nada há de relevante; ambas são dívidas pecuniárias, compensáveis.
Todavia, há exceções: se uma das prestações resulta de ilícito penal, não poderá haver
compensação, pois se estaria legitimando o ato ilícito, praticamente convalidando-o. Outra
exceção é quando uma das prestações devidas tem caráter alimentar: não se a pode deixar
de pagar, a título de compensação. Isto porque a verba alimentar é subsistencial, e não pode
a subsistência ser detrida por qualquer outra satisfação creditícia. Da mesma forma, os
salários não são compensáveis, pois têm esta mesma natureza alimentar.
A reciprocidade de débitos e créditos é pressuposto inafastável da compensação,
como dito, mas há uma única exceção: o fiador, instado a pagar a dívida pela qual se
responsabilizou, pode compensar a dívida pelo crédito de seu afiançado perante o credor.
Veja: se o afiançado é credor de seu credor, ele tem reciprocidade, mas o fiador não;
contudo, é uma exceção perfeitamente cabível, pois não representa prejuízo a nenhum dos
envolvidos. O fiador pode compensar com o credor aquilo que o credor deve ao afiançado.
Veja o artigo 371 do CC:

“Art. 371. O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever;
mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado.”
4.1. Solidariedade e compensação

Sobre este tema, a análise é mais bem feita de forma indutiva. Imagine-se que há
três credores solidários, diante de um devedor, por dívida de trezentos, e cada um com um
quinhão de cem. Um dos credores solidários, em outra relação absolutamente desvinculada
desta, é devedor singular daquele devedor da obrigação de pólo ativo solidário, por cento e
quarenta.
Um dos credores solidários, diverso deste que tem dívida recíproca, cobra do
devedor a integralidade, os trezentos. Poderia o devedor alegar compensação dos cento e
quarenta, contra este credor, sendo que seu crédito é perante outro credor?
Veja: contra os credores solidários, a compensação pode ser requerida, mas somente
até o quinhão que ao credor-devedor incumbe naquela relação. O devedor pode compensar

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP II Direito Civil II

com um dos credores o que outro credor lhe dever, mas apenas até o limite do quinhão do
credor-devedor na dívida comum – que no exemplo, é de cem.
A razão técnica é que o devedor não pode opor a um dos credores comuns exceção
pessoal que tenha contra outro credor. No exemplo, o valor de cem é uma exceção comum,
pois integra a dívida comum, consubstanciando-se no quinhão do seu devedor naquele
crédito; todavia, os quarenta remanescentes, se fossem opostos, invadiriam as parcelas que
incumbem aos demais, ou seja, seria uma dívida pessoal de um dos co-credores invadindo
os quinhões dos demais.

Casos Concretos

Questão 1

João ajuizou embargos à execução de nota promissória que lhe move Banco do
Brasil S/A, alegando a iliquidez do título pois decorrente de empréstimo para cobrir saldo
devedor de conta corrente, com presença de cláusulas abusivas de juros remuneratórios
acima do limite legal de 12% a.a, capitalização mensal e cobrança de multa de 10%. Em
admitindo a vinculação da nota promissória quando da celebração do contrato de conta
corrente, pode o devedor ou avalista discutir em juízo o débito em cobrança? Após a
apuração do saldo devedor, assinada uma nota promissória em realização de uma novação

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP II Direito Civil II

da dívida, tem o estabelecimento bancário título hábil para promover sua execução? A
novação impede o exame da abusividade dos critérios de apuração do saldo devedor? Se
vinculada a contrato de abertura de crédito, perde a nota promissória as atribuições de
autonomia e literalidade?

Resposta à Questão 1

Em princípio, é possível ao devedor da obrigação novada discutir a abusividade da


primeira obrigação, porque não é convalidada a nulidade da primeira obrigação pela
novação quando esta não era a intenção das partes ao novar.
A respeito, veja a ementa do REsp 251.007:

“NOTA PROMISSÓRIA. Conta corrente. Novação. Embargos de devedor. O


garante de contrato bancário que emite nota promissória em novação da dívida
correspondente ao saldo devedor pode discutir, nos embargos de executado, o
modo pelo qual formou-se a dívida que o título expressa. Essa nota promissória
está vinculada ao contrato bancário, e a novação não valida obrigações nulas ou
extintas. Recurso conhecido e provido.”

Questão 2

Jurex Administradora de Consórcio S/C Ltda ajuizou em face de José Pereira da


Silva ação de busca e apreensão tendo por objeto automóvel alienado fiduciariamente
como garantia em um consórcio de 50 meses. A demanda fundamentou-se na comprovada
mora do devedor fiduciante. Deferida a liminar e citado o réu, este se defende dizendo que
consultou o escritório e verificou que havia saldo em seu favor decorrente da formação do
fundo de reserva e que, portanto, o pedido deveria ser julgado improcedente. O juiz
extinguiu o feito na forma do artigo 269, II, do CPC, condenando o réu nas custas e
honorários fixados em 10 % sobre o valor da causa. Analise as questões jurídicas que
norteiam a demanda, abordando o acerto ou desacerto da decisão.

Resposta à Questão 2

Comprovado o saldo a receber do consórcio, nada impede a compensação, pois que


presentes todos os requisitos da compensação: prestações recíprocas, de mesma natureza,
certas e líquidas, e exigíveis. A decisão errou em extinguir por este fundamento; deveria ter
sido improcedente, com base no artigo 269, I, do CPC – compensação é defesa indireta do
mérito –, e se o valor pedido para compensar for suficiente para quitar a dívida, os
honorários são devidos pelo autor (e rateados, se o valor for insuficiente).
Sobre o tema, veja a apelação cível 2003.001.25178, do TJ/RJ:

“CONSORCIO. EXTINCAO MEDIANTE COMPENSACAO. DISCUSSAO DE


MERITO. RATEIO DAS CUSTAS.
Processual Civil. Consórcio. Alienação Fiduciária. Ação de Busca e Apreensão.
Compensação entre o débito do Réu e o saldo resultante do rateio do fundo de
reserva, existindo saldo credor em favor do Suplicado. Sentença que julgou extinto
o pedido com julgamento do mérito com base no art. 269, II, do CPC, condenando
o Réu no pagamento das custas e honorários de advogado. Apelação do Réu

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP II Direito Civil II

pretendendo a partilha das custas. Configurando a compensação defesa indireta de


mérito, o processo deveria ter sido extinto com julgamento de mérito na forma do
artigo 269, inciso I, porém, para julgar improcedente o pedido autoral, com a
conseqüente condenação do autor nos ônus da sucumbência, o que, todavia, por
não ser objeto do recurso, inviabiliza sua alteração por este Tribunal, consoante o
princípio tantum devolutum quantum appellatum. Conhecimento e provimento da
apelação somente para que sejam as custas partilhadas.”
O argumento da corrente favorável calca-se na previsão do artigo 129, VII e VIII, da
CRFB, que supostamente consolida o brocardo de “quem pode mais, pode menos”:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


(...)
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
(...)”

Esta seria uma manifestação da teoria dos poderes implícitos: se o MP pode


controlar a atividade policial, e requisitar (não requerer, mas sim exigir) diligências
investigatórias, nada o impediria de, ele próprio, realizar o que pode comandar, sendo
inclusive medida de economicidade processual. O poder de investigação estaria implícito,
compreendido nestas duas prerrogativas.
Há ainda outro argumento a favor do poder investigativo do MP: o artigo 129, III,
da CRFB, poderia ser aplicado por analogia à investigação criminal. Veja:

“(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(...)”

A diferença entre a ação penal pública e a ação cível pública reside apenas na
matéria que é tratada em cada uma, sendo que ambas são dedicadas à proteção do bem
comum – na penal a segurança pública, e na cível quaisquer outros bens coletivos ou
difusos. Assim sendo, se o MP pode buscar suporte fático para a promoção da ação civil
pública diretamente, porque não o poderia na ação penal? é por isso que este é um
argumento sólido a favor do exercício da polícia judiciária pelo MP.
Há ainda que se mencionar como fundamento a previsão do artigo 129, IX, da
CRFB:

“(...)
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.
(...)”

Este inciso deixa aberta a possibilidade de se ampliar as prerrogativas do MP,


tornando o rol constitucional das prerrogativas em elenco numerus appertus,
exemplificativo. Destarte, ali se incluiria o poder investigativo do MP, pois é plenamente
compatível com a finalidade do parquet: é corolário natural da sua atribuição investigativa

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP II Direito Civil II

na seara cível a mesma possibilidade na órbita criminal. Todavia, este inciso dependeria de
previsão expressa infraconstitucional que conferisse expressamente tal atribuição ao MP,
sendo matéria tratada na Lei Complementar 75/93 e na Lei Orgânica do MP, Lei 8.625/93,
nesta constando do artigo 26, incisos II e IV:

“Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:


(...)
II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir
procedimentos ou processo em que oficie;
(...)
IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de
inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da
Constituição Federal, podendo acompanhá-los;
(...)”

A LC 105/01 veio a disciplinar justamente a quebra de dados bancários e


financeiros, e, enquanto não declarada inconstitucional (há ADI em curso), deve ser
observada, valendo inclusive paras o MP no exercício da atividade investigativa.

Questão 3

Amanda comprou de Bruno determinado bem, sendo o preço fixado para


pagamento num certo prazo. Vencido o prazo, Amanda pediu prorrogação do mesmo, que
foi atendida, mas Bruno dela exigiu nota promissória no mesmo valor, com nova data de
pagamento, sem que fosse feita qualquer ressalva. Não sendo pago o título na data
aprazada, Bruno pediu a rescisão do contrato com a devolução do bem, devolvendo a nota
promissória com sua juntada nos autos. Como juiz, decida a questão.

Resposta à Questão 3

A nota promissória não configurou novação, e sim mera confirmação da obrigação


original, que não se extinguiu. O inadimplemento é evidente, e por isso, o contrato deve ser
rescindido, sem qualquer óbice.

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP II Direito Civil II

Tema VIII

Transmissão das Obrigações. Cessão de crédito. Conceito e natureza. Validade da cessão de crédito entre as
partes e em relação a terceiros. Responsabilidade do cedente. Efeitos da cessão. Assunção de dívida.
Conseqüências.

Notas de Aula19

1. Transmissão das obrigações

Transmissão é um gênero, do qual fazem parte as espécies cessão de crédito e


assunção de dívida. O que se altera, nesta transmissão, é o pólo obrigacional, ativo ou
passivo.
Tecnicamente, o termo cessão só pode ser empregado para bens incorpóreos,
enquanto o termo alienação só pode ser empregado para bens corpóreos.
A cessão de crédito, ou a assunção de dívida, é um negócio jurídico como qualquer
outro, que pressupõe os mesmos elementos destes, quais sejam, sujeitos, objeto e vínculo
jurídico. Na verdade, nada mais é que um contrato. Como tal, pode ser oneroso ou gratuito,
e o fato de ser oneroso ou não é relevante para o meio de interpretação do negócio.
Em regra, a cessão de crédito é onerosa, mas nada impede que seja gratuita. Se for
onerosa, se aproxima bastante da compra e venda: é como se fosse a venda daquele crédito.
Se for gratuita, a cessão de crédito é similar a uma doação daquele crédito. Pelas
similaridades, os efeitos são mesmo bem parecidos.

1.1. Cessão de crédito

São partes, lato sensu, de cessão de crédito o cedente, que repassa o seu crédito; o
cessionário, que é o que recebe o crédito; e o cedido, que é o devedor daquele crédito. É
importante ressaltar, porém, que este contrato não é triangular: é bilateral, e só são partes
dele o cedente e o cessionário.
Todavia, o devedor, cedido, deve ser notificado, pois a ciência de quem é o seu
accipiens é fundamental, vez que deve poder pagar com segurança. Veja o artigo 290 do
CC:

“Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão
quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito
público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.”

Uma vez notificado eficazmente, se o cedido pagar ao cedente, terá pago mal, e não
se libertará da dívida perante o cessionário. Se acionado por este, deverá pagar, mas terá
regresso contra o cedente. Se não foi notificado, contudo, não é eficaz a cessão contra si, e

19
Aula proferida pelo professor Ricardo Cyfer, em 14/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP II Direito Civil II

terá pago bem se pagou ao cedente – cabendo ao cessionário agir contra o cedente pelo
crédito.
O artigo 286 do CC traça as linhas gerais a respeito de quais créditos são passíveis
de cessão:

“Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da
obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão
não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da
obrigação.”

A regra geral é a liberdade em ceder o crédito, mas assim como quaisquer negócios
que envolvam bens têm restrições, a cessão de crédito tem estes limites traçados na lei.
A cláusula proibitiva de cessão pode ser livremente pactuada pelas partes (similar a
uma cláusula de inalienabilidade, fosse um bem corpóreo).
Há também proibições expressas na lei, assim como se vê, por exemplo, no artigo
520 do CC:

“Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.”

A última ressalva ao direito de ceder, presente neste artigo 286 do CC, é quando a
própria natureza da obrigação impede a cessão. Trata-se das obrigações em que os créditos
são ligados à natureza de subsistência, como os créditos alimentares, ou salariais.
Há ainda mais uma restrição à cessão, que vem consignada no artigo 298 do CC:

“Art. 298. O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo
credor que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo
notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de
terceiro.”

Este óbice é processual, qual seja, se o crédito for penhorado, estará indisponível.
A respeito dos efeitos da cessão de crédito, os artigos 295 e 296 do CC são
fundamentais:

“Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize,
fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe
cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver
procedido de má-fé.”

“Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência
do devedor.”

No artigo 295, supra, o cedente garante ao cessionário, por lei, a existência do


crédito: a existência do crédito é um pressuposto de validade da cessão. Na cessão gratuita,
esta garantia da existência só se impõe se o cedente procedeu de má-fé. A cessão que
garante apenas a existência é denominada pro soluto.
Veja que a existência não se confunde com o adimplemento do crédito cedido, que
depende de conduta do devedor. Por isso, vem a previsão do artigo 296 do CC, desonerando
o cedente da incumbência da dívida. Assim, é o cessionário quem deverá arcar com o
eventual prejuízo se o devedor não adimplir o débito.

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP II Direito Civil II

Se for da vontade das partes, pode ser criada uma obrigação pro solvendo, quando o
cedente passará a ser responsável subsidiário pelo adimplemento do crédito, e não somente
pela sua existência.
Numa cessão de crédito onerosa pro solvendo, o cedente terá maior compensação
pelo crédito cedido, pois a garantia que oferece ao cessionário é muito maior. Sendo pro
soluto, ou seja, garantida apenas a existência do crédito, o cessionário pagará menos pelo
crédito que lhe é cedido, pois a garantia é menor.
Os contratos de factoring, que nada mais são do que cessões de créditos que são
oriundos de títulos de crédito, nos quais o faturizador é o cessionário, é vedada a
constituição de cessão pro solvendo. Isto porque, por natureza, a empresa de factoring
compra o risco, e se fosse pro solvendo, seu risco seria muito baixo. Se há esta cláusula em
contratos de faturização, é nula. Nada impede, outrossim, que em cessões entre particulares
seja criada a cessão pro solvendo.
A cessão de crédito, em regra, como qualquer contrato, só gera efeitos entre os
contratantes, vez que vige o princípio da relatividade. Mas este princípio está longe de ser
absoluto. E um dos exemplos de exceção a este princípio vem no artigo 294 do CC:

“Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem,
bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha
contra o cedente.”

Significa que, cedido o crédito para o cessionário, o devedor estaria sendo


desfavorecido se tivesse alguma exceção pessoal em relação ao cedente, se não pudesse se
valer desta exceção contra o cessionário. Por isso, relativiza o princípio da relatividade. E,
agora em dinâmica normal, também pode se valer das exceções que tenha contra o próprio
cessionário.
Há um detalhe importante, aqui: o artigo diz que só será alegável a exceção contra o
cessionário se já existia quando teve conhecimento da cessão, e o devedor deve dar notícia
ao cessionário, assim que souber da cessão, desta exceção que lhe será oponível. A
jurisprudência entende que esta ciência que deve ser dada ao cessionário pelo cedido deve
ser realizada em tempo razoável, em prol da segurança jurídica – e para que o cessionário
possa regredir habilmente contra o cedente.
O cessionário obtém um crédito, que provavelmente é objeto de um contrato
firmado entre cedente e cedido. Mas veja que a cessão não é do próprio contrato: é a cessão
apenas do crédito, que é um dos elementos do contrato, qual seja, um objeto contratual.
Ceder o contrato é entregar ao cessionário a posição jurídica contratual por inteiro, ou seja,
é uma completa alteração subjetiva. Este instituto, a cessão de contrato, não é
regulamentado no CC, mas entende-se que é o plus da cessão de crédito: o cessionário, que
na cessão de crédito apenas deteria o direito creditício, aqui passa a ser parte do contrato
original.
A diferença é especialmente relevante, entre cessão de crédito e cessão de contrato,
quando se trata da legitimidade para algumas providências relativas às relações jurídicas.
Na cessão de crédito, o cessionário tem legitimidade exclusiva e unicamente para reclamar
o crédito, que agora lhe pertence; na cessão de contrato, o cessionário é legitimado para
propor ação rescisória do contrato, ação que pretenda discutir a validade de alguma cláusula
contratual, incidência de cláusula penal, etc. O cessionário do crédito, então, só discute

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP II Direito Civil II

assuntos relativos ao crédito; o cessionário do contrato, discute o que bem entender em


relação ao contrato inteiro, como se fosse o contratante originário.
Pelo ensejo, a cessão de contrato mais comum na jurisprudência brasileira é aquela
que se convencionou chamar de “contrato de gaveta”: consiste na cessão de contratos em
que mutuários de financiamentos bancários entregam, por instrumento particular, sua
posição contratual ao cessionário, mas esta posição é de devedor do mútuo, tratando-se de
uma substituição do pólo passivo – e por isso se aproxima mais da assunção de dívida. Será
mais bem abordada adiante.
Se a casuística analisada deixar alguma dúvida em relação ao que foi cedido, se o
crédito ou o contrato, a jurisprudência tem preferido entender que é mais coerente se optar
pela cessão do “menos”, ou seja, entende que, na dúvida, está cedido o crédito, e não o
contrato.
O cessionário do crédito, além de ter legitimidade para cobrá-lo, pode defender este
crédito, na forma do que dispõe o artigo 293 do CC

“Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o


cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido.”

Como exemplo, pode o cessionário promover a notificação do devedor para


pagamento, o que tem o condão de interromper a prescrição – defendendo o crédito,
portanto. Neste campo, surge questão duvidosa: teria o cessionário legitimidade para
negativar o nome do devedor, ou protestar o título? Parte da jurisprudência entende que este
artigo não se aplica a estas providências, que estariam além das forças do cessionário
(posição bem defensória). Contudo, a posição prevalente é que estas providências são, sim,
dadas ao cessionário por este artigo 293, remanescendo uma dupla legitimidade para a
negativação, do cedente20 (que ainda é parte da relação contratual) e do cessionário.

1.2. Assunção de dívida

Também chamada cessão de débito, esta operação tem natureza jurídica de contrato,
que pode ser oneroso ou gratuito, ou seja, quem assume o débito pode fazê-lo sem custo, ou
mediante alguma contraprestação.
Diferença fundamental entre este contrato e a cessão de crédito é que enquanto este
último é bilateral, não fazendo parte do negócio o devedor, cedido, e portanto não tendo
este qualquer ingerência sobre a sua efetivação (bastando ser notificado, como visto), na
assunção da dívida a participação dos três envolvidos – assuntor (cessionário da dívida),
cedente e cedido – é por vezes necessária.
Veja: há duas espécies de assunção de dívida, aquela que é celebrada entre credor e
terceiro, que é denominada cessão por extromissão; e a que é celebrada por devedor e
terceiro, denominada cessão por delegação. A primeira, de fato, consiste em uma expulsão
do devedor da relação, procedida pelo credor; nesta, não há mera autorização do credor
para substituição do pólo devedor: há uma ação direta deste nesta expulsão, afinal é ele
próprio quem está contratando com o terceiro.

20
Se a cessão for pro soluto, o cedente, em verdade, não teria interesse em negativar o nome do devedor, pois
só responde pela existência, e não pela solvência do crédito; se for pro solvendo, aí sim há interesse do
cedente no adimplemento do crédito, pois senão será responsável pelo pagamento.

Michell Nunes Midlej Maron 84


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Já na assunção por delegação, em que quem procede à alteração é o devedor e o


terceiro, existe um requisito de eficácia a ser observado, qual seja, a anuência do credor.
Veja que não se trata de um requisito de validade da cessão de débito, que é contrato
perfeito e válido entre o devedor e o terceiro; é requisito de eficácia, pois se não for
observado, não terá efeitos perante o credor cedido.
Em qualquer caso, a assunção de dívida pode ser total ou parcial. Se for total, é
chamada de perfeita; se for parcial, denomina-se imperfeita. Assim, por exemplo, a
assunção da dívida por extromissão perfeita é o contrato em que o credor e o assuntor
pactuam a tomada do débito por este, em substituição ao devedor.
A assunção de dívida por extromissão imperfeita consiste na parcial cessão do
débito, em que o credor pactua com terceiro a sua entrada no pólo passivo da obrigação,
sem excluir o devedor. Ao ser assim procedida, se forma pólo passivo plural, mas não se
forma pólo solidário passivo, se assim não pactuarem os negociantes. E note que se o
assuntor pactua com o credor que assume solidariamente a dívida, o devedor original
sequer tem interesse para refutar a solidariedade, vez que na origem ele já responderia pela
integralidade do débito – esta dívida sempre foi inteiramente exigível de si.
A assunção de dívida por delegação perfeita é o contrato em que o devedor se faz
substituir integralmente pelo assuntor. Como dito, é necessário que o credor seja notificado,
vez que pode não lhe interessar esta alteração no pólo passivo. Por exemplo, se o assuntor
apresentar risco maior de inadimplência que o devedor original, não será interessante para o
credor aceitar esta mudança no pólo passivo de seu crédito.
Aqui é importante consignar uma breve digressão sobre a cláusula geral do silêncio,
nas obrigações. Esta cláusula geral do direito vem prevista no artigo 111 do CC:

“Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o


autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”

Em regra, a manifestação de vontade das partes deve ser expressa (ou tácita), e o
silêncio é ausência de manifestação. Contudo, nestes casos ali previstos, o silêncio assume
natureza de manifestação positiva de vontade, e a casuística demanda interpretação. Um
exemplo seria o de um contrato renovado sucessivamente, mês a mês: se os contratantes
habituais não se opuserem, o silêncio importa em anuência, em renovação do contrato.
Mas, reitere-se, a regra é que o silêncio é ausência de manifestação de vontade. Como
exemplo, um cartão de crédito enviado sem ser solicitado: se o destinatário não fizer
absolutamente nada, o negócio é inexistente.
Há ainda situações em que se verifica o chamado silêncio qualificado. Veja que a
cláusula geral, do artigo 111, demanda análise das circunstâncias casuísticas para que o
silêncio ganhe significância; no silêncio qualificado, a própria lei exprime o significado
que o silêncio assume, se é manifestação positiva ou negativa. Dito isso, a aceitação do
credor da assunção de dívida é um caso típico de silêncio qualificado. Veja o parágrafo
único do artigo 299:

“Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o


consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo
se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.
Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que
consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.”

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP II Direito Civil II

Vale consignar que o consentimento é expresso quando é dirigido ao que dele


depende, a quem fez a proposta, e é tácito quando se dirige a algum outro indivíduo.
Se o credor concorda com a assunção da dívida por delegação, mas ignorava,
quando consentiu, que o assuntor já era insolvente, a hipótese se aproxima de uma fraude, e
se assim ficar demonstrado, o devedor original voltará a ocupar seu lugar na relação.
Repare que a lei qualifica o silêncio como não concordância do credor, neste caso.
O artigo 303 do CC é pertinente, aqui:

“Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento
do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a
transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.”

Veja que, nesta situação específica, inverte-se a qualificação legal atribuída ao


silêncio: considera-se assentimento, e não recusa, porque dada a seriedade da relação que
está em jogo, não pode o credor quedar-se inerte, se eficazmente notificado. E esta
assunção de dívida tende a ser onerosa, pois o assuntor está adquirindo um imóvel e a
dívida que este imóvel é garantidor – provavelmente abatendo esta dívida, integral ou
parcialmente, do valor pago pelo assuntor pelo imóvel.
Há uma hipótese de repristinação no artigo 301 do CC:
“Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito,
com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se
este conhecia o vício que inquinava a obrigação.”

Mas veja que as garantias não se repristinam, pois o terceiro não pode ser
prejudicado pela nulidade, salvo se este terceiro garantidor soubesse da nulidade, quando se
desonerou.

Michell Nunes Midlej Maron 86


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Casos Concretos

Questão 1

O Banco "A" ajuizou ação de rescisão contratual em face de Belarmindo, alegando


falta de pagamento. Em sua defesa, Belarmindo alega que o Banco "A" não tem
legitimidade ativa para propor tal ação, pois cedera seu crédito em relação ao contrato
que pretenderia rescindir com o Banco "B" e que este teria legitimidade, pois era o novo
credor. Replica o banco alegando que não houve cessão do contrato, e sim de um crédito
dele decorrente. Decida sobre a legitimidade ativa.

Resposta à Questão 1

Na verdade, o banco “A” tem legitimidade. É que só pode ajuizar a ação de rescisão
contratual quem tenha participação no contrato, e o terceiro, que é cessionário apenas do
crédito, nada tem com a relação original. Apesar de ter cedido o crédito, continua sendo o
contratante. Não tem razão, portanto, Belarmino.
O STJ, no REsp 97.554, assim se posicionou:

“CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO. RESCISÃO DO CONTRATO QUE O


GEROU. A ação de rescisão contratual é de quem participou do contrato - não, do
cessionário dos créditos decorrentes desse ajuste; acórdão que atribuiu à cessão de
crédito efeito próprio da cessão de contrato. Recurso especial conhecido e
provido.”

Questão 2

Com dificuldades financeiras para arcar com as despesas relativas ao pagamento


do décimo terceiro de seus funcionários, determinada empresa acertou com uma
instituição financeira que o pagamento da gratificação natalina dependeria da assinatura
de um financiamento realizado em nome dos funcionários. Admitindo-se como provado que
os funcionários não foram informados de que o valor recebido a título de 13º seria na
verdade a contração de um empréstimo, queira responder se estaríamos diante de uma
hipótese de assunção da dívida por parte do empregador frente à instituição financeira e
se é cabível a exclusão do nome dos funcionários do cadastro de inadimplentes junto ao
SPC e SERASA.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 87


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A assunção de dívida permite que alguém, alheio à relação jurídica originária,


assuma aquela dívida. O empregador, ao pactuar com o banco, assumiu a dívida
representada no empréstimo feito pelos empregados, até o limite do décimo-terceiro salário.
Todavia, estes empréstimos são anuláveis, in casu, pois que eivados de erro, quiçá dolo: os
empregados não sabiam da contratação do empréstimo, crendo estar apenas recebendo seu
salário. A invalidade está em trocar um direito que já tinham por um débito, mesmo que
assumido pelo empregador.
Destarte, é claro que é cabível a exclusão dos nomes dos cadastros desabonadores. A
falta da boa-fé objetiva do empregador em informar aos empregados é falha incontestável
na relação.
Ressalte-se que o valor que excedeu ao salário, ou seja, o empréstimo realizado de
valor maior do que o que o empregador acordara, este deve ser suportado pelo empregado,
pois é negócio plenamente aceito por este, sem vícios.
O TJ/RJ, na apelação cível 2004.001.09739, assim se manifestou:

“DESFAZIMENTO DO NEGOCIO JURIDICO. EMPRESTIMO. DECIMO


TERCEIRO SALARIO. ASSUNCAO DE DIVIDA. PROVIMENTO PARCIAL.
ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATOS DE
EMPRÉSTIMOS PESSOAIS. ACORDO DO EMPREGADOR PARA
PAGAMENTO DO 13º SALÁRIO DE SEUS FUNCIONÁRIOS. ASSUNÇÃO
DA DÍVIDA. O pagamento do 13° salário pelo empregador foi a causa
determinante do comparecimento de seus funcionários na agência bancária,
resultando na abertura de conta corrente e assinatura dos documentos apresentados,
inclusive contrato de empréstimo, por cada um dos empregados ancorou-se em
revelada assunção da dívida pelo empregador, mediante acordo entre a fornecedora
do crédito e o empregador. Os contratos de empréstimos celebrados entre as partes
litigantes sequer adentraram o plano de existência do negócio jurídico, e, ainda,
que se superasse tal fase, afiguram-se inválidos no plano da validade, considerando
o erro substancial e escusável na manifestação da vontade dos contratantes. Impõe-
se o decreto da anulação dos contratos de empréstimos pessoais, assinados pelos
autores, nos termos do art. 147, II, do então vigente Código Civil e. por violação da
boa fé objetiva dos consumidores (art. 4°, III e 51, IV e XVI, da Lei n° 8,078/90) ,
tão somente, quanto aos valores referentes ao 13° salário, afastando-se outras
importâncias derivadas do fornecimento de outros produtos e serviços oferecidos
pelo banco réu e aceitos por alguns autores. Impõe-se a exclusão dos nomes dos
autores do cadastro de inadimplentes quanto aos referidos débitos. Não merece
acolhimento o pleito de reparação por danos morais, considerando os efeitos ex
nunc da anulabilidade do negócio jurídico, e a aparência de crédito do réu,
desvendado na presente decisão. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.”

Michell Nunes Midlej Maron 88


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Tema IX

Inadimplemento das Obrigações I. Inadimplemento absoluto e relativo. Mora. Espécies. Efeitos. Mora
presumida. Juros de mora. Purgação da mora.

Notas de Aula21

1. Inadimplemento

O pagamento seria a forma natural de extinção das obrigações. No entanto, nem


sempre isso ocorre, caso em que estará presente o inadimplemento. Deve ser consignado
que nem sempre o inadimplemento tem o condão de gerar uma ruptura na relação jurídica,
posto existirem duas espécies distintas, quais sejam: absoluta e relativa. Vejâmo-las.

1.1. Inadimplemento absoluto

O inadimplemento absoluto se caracteriza não pela quantidade de obrigações


inadimplidas, mas sim pelo fato de que o restante, no todo ou em parte, não poderá mais ser
satisfeito por ter se tornado inútil22 ou impossível23.
Importa ressaltar que o fenômeno da inutilidade apresenta controvérsias, pois ainda
poderia ser adimplida a obrigação pelo devedor, ao menos naturalisticamente. No entanto,
neste instituto, a prestação após o termo não vem a ser útil ao credor, motivo pelo qual este
poderá reputá-la como inadimplida de forma absoluta, não havendo, por óbvio, que se falar
em mora.
Ocorre que nem sempre a inutilidade está flagrante na casuística, momento em que
dependerá de uma análise circunstancial, na qual se aplica a tese do abuso de direito, caso
em que se verifica se excedem manifestamente os limites impostos pela boa-fé ou quando
se desvia de sua função social ou econômica24.
Para ilustrar o caso, podemos trazer à baila o Decreto-Lei 911/69, que foi
recentemente alterado pela Lei 10.931/04. Tal norma acabou por trazer ao ordenamento
jurídico vigente a famigerada alienação fiduciária em garantia. Em apertada síntese,
21
Aula proferida pelo professor André Roberto de Souza Machado, em 15/10/2008.
22
Este se dá quando mesmo possível a sua adimplência, não haveria utilidade ao credor a sua adimplência,
não havendo que se falar em mora mais sim em inadimplemento absoluto.
23
A referida impossibilidade se trata da superveniente, pois se fosse originária seria maculada com vício de
nulidade.
24
Podemos trazer à baila o exemplo das instituições financeira, que em sede de alienação fiduciária em
garantia, havendo inadimplemento mínimo ou adimplemento substancial, preferem a busca e apreensão com
vencimento antecipado do saldo, com a ruptura absoluta do contrato, ao invés de receber as parcelas em
atraso.

Michell Nunes Midlej Maron 89


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podemos esclarecer o instituto como sendo aquele pelo qual em um negócio jurídico se
concede em garantia a propriedade de um bem que é de sua propriedade ou que acabara de
ser seu em razão de uma relação triangular.
Inicialmente, tal instituto se incorporou ao ordenamento para favorecer as
instituições financeiras, tendo como objeto bens móveis infungíveis. Posteriormente foi
ampliado o rol, permitindo-se também a ter como objeto bens imóveis, bem como a
possibilidade de realização do negócio por pessoas jurídicas que não fossem instituições
financeiras.
Antes da Lei 10.931/04, o devedor que deixava de pagar as parcelas poderia sofrer a
busca e apreensão do bem; esta, depois de efetivada, possibilitava ao devedor purgar a mora
acrescida dos encargos e mantendo o contrato em relação às parcelas vincendas. A polêmica
era se a purga poderia se dar a qualquer momento da inadimplência, e daí se discutia qual o
percentual do débito deveria já se encontrar pago para que se concedesse a possibilidade do
devedor purgar a mora. A posição do STJ era de que a purga da mora seria tida como direito
do devedor, desde que este já tivesse pagado ao menos quarenta por cento do contrato.
Cumpre trazer o artigo 3º do referido decreto, com as respectivas alterações pela Lei
10.931/04, que assenta:

“Art 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou


terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciàriamente, a qual será
concedida Iiminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do
devedor.
§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a
propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário,
cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado
de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado,
livre do ônus da propriedade fiduciária.
§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida
pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial,
hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.
§ 3o O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da
execução da liminar.
§ 4o A resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se utilizado da
faculdade do § 2o, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição.
§ 5o Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo.
§ 6o Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz
condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor
fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado,
devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado.
§ 7o A multa mencionada no § 6o não exclui a responsabilidade do credor fiduciário
por perdas e danos.
§ 8o A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e
independente de qualquer procedimento posterior.”

Assim, a pergunta que se faz é se, diante do texto do referido decreto, ainda caberia
a purga da mora. A resposta varia: caso a interpretação do referido dispositivo se dê de
forma literal a resposta seria negativa, pois o § 2º fala em toda a dívida ou execução total
do contrato, e não em mora. Nesse sentido, o TJ/RJ tem decisões em que se exige todo o
pagamento do contrato para receber o bem em sede de busca e apreensão, devendo ser a
discussão sobre a legitimidade ou não das cobranças ser feita a posteriori. Para corroborar

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP II Direito Civil II

o exposto, deve ser salientado que a contestação deveria ser apresentada no prazo de quinze
dias, ao passo que o referido pagamento deveria ocorrer em cinco dias.
De forma contrária, ao interpretar o dispositivo de forma principiológica, tem-se
que a obrigação não é estática, mas sim dinâmica, devendo ser analisado casuisticamente
acerca da utilidade ou impossibilidade. A exclusão do direito a purgar a mora acabaria por
violar a função social do contrato, ignorando o fato de que quando o devedor contrata em
sede de alienação fiduciária em garantia seria justamente pela impossibilidade financeira
deste fazer o pagamento de forma imediata (à vista), sendo caracterizado um abuso de
direito.
Nesse sentido, o legislador acabou por retirar o limite mínimo objetivo previsto em
lei para purgação da mora, deixando a critério do julgador reputar casuisticamente se seria
legítima ou ilegítima esta purgação, independentemente de um patamar mínimo.
Diante do exposto, há julgados no próprio TJ/RJ no sentido de permitir a purga da
mora pelo devedor, levando-se consideração somente às parcelas vincendas acrescidas os
encargos legais, ignorando as vencidas. Este entendimento tende a prevalecer, posto o
caráter principiológico da matéria.
Em suma, sobre o inadimplemento, este é absoluto quando resulta da
impossibilidade ou inutilidade da prestação contraída; a inutilidade está no parágrafo único
do artigo 395 do CC, em que se permite a conversão em perdas e danos, em conformidade
com o artigo 187, do CC:

“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais
juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este
poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.”

1.2. Inadimplemento relativo

Envolve o retardo no adimplemento, ou seja, mesmo que não tenha sido solvido
ainda, poderá ser, posto ainda ser útil e possível na relação entre credor e devedor. Não
enseja a conversão em perdas e danos, mas sim a reclamação da obrigação principal
acrescida dos encargos moratórios.
Tais encargos são: juros de mora; correção monetária; multa moratória 25; honorários
de advogado26; custas judiciais; verbas sucumbenciais; e indenização suplementar27.
Assim, se faz necessário discorrer acerca dos institutos de forma específica.

1.2.1. Juros de mora e correção monetária


25
Deve ser salientado que somente será devida a cobrança da multa, caso haja convenção prévia entre as
partes.
26
Desde que se necessite da figura do mesmo para que seja realizada a cobrança. O mesmo ocorre com as
custas e honorários.
27
O legislador do CC de 2002 veio a inovar, trazendo a possibilidade de indenização suplementar nos casos
em que os juros na casuística não se comprovem suficientes para cobrir o prejuízo, caso este em que os juros
somente terão papel de aferição mínima.

Michell Nunes Midlej Maron 91


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Importa salientar que a ausência de previsão no contrato acerca dos juros de mora
não tem o condão de ilidir sua aplicação, pois tal encargo é moratório, sendo devido a partir
do momento da configuração da mora, não havendo que se falar em sua cobrança antes do
advento do inadimplemento relativo.
Os juros têm caráter de ressarcimento do capital que deveria estar à disposição do
credor a partir do vencimento, pois se trata de ilícito, sendo desnecessária a previsão
contratual.
Mesmo destino não possuem os juros remuneratórios ou compensatórios, posto ser
necessária a sua previsão no pacto para ensejar a sua cobrança.
Os artigos que regem a matéria são:

“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais
juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este
poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.”

“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem
taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados
segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional.”

A dúvida freqüente é acerca de qual taxa deve ser aplicada, se a SELIC ou o um por
cento do CTN. O primeiro entendimento seria o exposto no enunciado 20 da I jornada do
CJF, já transcrito, que entende que deveria ser aplicada a taxa de um por cento prevista no
artigo 161, § 1º, do CTN. Nesse sentido, veja a súmula 95 do TJ/RJ:

“Súmula 95, TJ/RJ: JUROS MORATÓRIOS. ART. 406. NOVO CÓDIGO CIVIL.
CRITÉRIO DE INCIDÊNCIA. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO.
Os juros, de que trata o art. 406, do Código Civil de 2002, incidem desde sua
vigência, e são aqueles estabelecidos pelo art. 161, parágrafo 1º, do Código
Tributário Nacional.”

Há uma subdivisão junto ao segundo entendimento. O STJ, no âmbito da Primeira e


Segunda Turma, entendia que deveria ser aplicada a taxa SELIC a preencher o artigo 406
do CC. De forma contrária, a Terceira e Quarta Turmas acabavam por seguir a linha de
pensamento da súmula 95 do TJ/RJ, entendiam que para garantir o equilíbrio na relação
entre os particulares, deveria ser adotada a taxa fixa de doze por cento ao ano.
Esta divergência veio a ensejar Embargos de Divergência na Corte Especial, vindo a
reputar como devida a taxa SELIC. Ocorre que tal decisão acabou por gerar diversas
controvérsias, as quais veremos de forma específica.
Quanto à aplicabilidade em processos correntes, tal decisão tem o condão de
alcançar os processos já em curso, até em fase de liquidação ou recursal, salvo, por óbvio,
àqueles em que transitaram em julgado.
É sabido por nos que o índice da SELIC já possui em seu bojo a correção
monetária; logo, sob pena de bis in idem, não se poderia aplicar juros de mora mais
correção monetária. Ainda sobre o tema, deve ser salientado que a correção monetária deve
ser realizada, após a edição do plano real, anualmente. Assim, ante a presença da mesma no

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP II Direito Civil II

bojo do índice SELIC, se acabaria por realizar correção mensal – posto ser sabido por nós
que os juros são reajustados mensalmente –, gerando um conflito com a legislação vigente
acerca da matéria.
Tais questões não estão respondidas, posto a surpresa quando da adesão do STJ a
tese da SELIC.
Há outra discussão, que diz respeito que, à época da edição do CC de 2002, não
havia sido revogado o artigo 19228 da CRFB; logo, os juros de mora seriam de até doze por
cento ao ano. Assim, esta tese entende que seria inconstitucional o artigo 406, CC caso este
se vincule a SELIC, pois esta é superior àquele limite.
Somente é pacífico à impossibilidade de cumulação do índice SELIC com a
correção monetária.
Ainda sobre os juros, estes poderiam ser cobrados uns sobre os outros, o chamado
anatocismo, conforme assenta o artigo 591 do CC, desde que fosse anualmente. Veja:

“Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros,


os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art.
406, permitida a capitalização anual.”

No entanto, há uma medida provisória que permite a capitalização em periodicidade


livre (mensal, diária, ou mesmo por hora). Como esta se encontra em discussão sobre sua
inconstitucionalidade, o TJ/RJ a reputou incidentalmente como inconstitucional, proibindo
a cobrança e permitindo a restituição do indébito. No entanto, no STJ há decisões no
sentido da constitucionalidade, vindo o Ministro Ari Pargendler requerer a reunião de todos
os processos sobre o tema, a fim de aplicar decisão em recursos repetitivos. E, diga-se, este
ministro já possui decisões no sentido da constitucionalidade da medida provisória. Esta
deve ser a tendência.
Após a discussão sobre a matéria, relevante trazer o motivo da dúvida acerca da
constitucionalidade da mesma. A alegação seria de que a medida provisória que versava
sobre o tema de administração pública, que em sua décima sétima edição, acabou por
apresentar artigo que não guardava coerência com o seu conteúdo. Tal artigo permitia aos
bancos capitalizar livremente. Assim, a tese de inconstitucionalidade seria na modalidade
formal, sob a alegação de violação da Lei Complementar 95, que estabelece a necessidade
de coerência no conteúdo, bem como pela ausência de urgência.

1.2.2 Espécies de mora

Veja o artigo 394 do CC:

“Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o


credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer.”

O este artigo trata da mora solvendi e accipiendi: a primeira é a mora do devedor em


solver (pagar) a obrigação, ao passo que a segunda seria a do credor em não querer receber
e dar quitação ao adimplemento.
Veja agora o que diz o artigo 395 do CC:

28
A súmula vinculante n.º 7 entendia o art. 192, CRFB/88 como não sendo auto-aplicável.

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais
juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este
poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.”
Tal artigo, em seu parágrafo único, traz a conversão do adimplemento relativo em
absoluto, logo da mora a perdas e danos.
“Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em
mora.”

Para melhor interpretar este dispositivo, necessário se faz verificar a regra prevista
no artigo 393 do CC: a responsabilidade é subjetiva.

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

No entanto, tendo ocorrido o vencimento, e não tendo sido adimplida, a culpa seria
presumida, cabendo ao devedor comprovar o caso fortuito ou força maior, ilidindo a sua
responsabilidade. A exceção seria em sede de responsabilidade objetiva, tais como em
relações consumeristas.
“Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida 29, no seu termo,
constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação
judicial ou extrajudicial.”

O artigo 397, por sua vez, trata-se do dies interpelatt pro homine, ou seja, o simples
vencimento já constituiria em mora o devedor, sendo uma mora ex re. Dá-se em sede de
obrigação positiva (dar ou fazer)30.
Dúvida há acerca do momento em que ocorrerá a constituição em mora, incidindo
os juros de mora. Esta, segundo Nery, Cavallieri e Cláudia Marques, se daria partir do
vencimento, não havendo que se falar em citação válida.
No entanto, não havendo termo ou liquidez, a mora se dará a partir de uma
interpelação judicial ou extrajudicial, posto se tratar de mora ex persona. Dúvida há se esta
teria o condão de interromper a prescrição, devendo prevalecer a tese de que somente teria
tal efeito a interpelação judicial, posto a extrajudicial não figurar no rol do artigo 202 do
CC. Ademais, o ato que teria o condão de interromper a prescrição seria o “cite-se”.
Dúvida também há acerca da possibilidade de interrupção da prescrição, em que
pese esta, pelos ditames do artigo 202 do CC, somente poder ocorrer uma vez. Há um
primeiro entendimento capitaneado por Caio Mario, que orienta ignorar a referida norma,
podendo a interrupção da prescrição se operar quantas vezes puder ser proposta a demanda,
ou seja, até o limite da perempção. Outro entendimento, majoritário, assenta pela aplicação
29
A obrigação líquida seria aquela em que é certa quanto à existência e qualidade, logo sendo exigível e
determinado quanto ao objeto mediato.
30
Faz-se necessário salientar que em se tratando de obrigação de “não fazer” não há mora, posto o simples
comportamento positivo, quando se comprometera por abster-se, acabaria por gerar o inadimplemento
absoluto (art. 390, CC).

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP II Direito Civil II

do artigo 202 do CC; logo somente poderia ser interrompida uma só vez, vindo as
proposituras supervenientes a gerar somente a suspensão da prescrição.
Ao fazermos uma interpretação conjunta entre o artigo 397, § único e 405, do CC, a
solução seria, majoritariamente, que havendo obrigações sem termo ou ilíquidas, os juros
de mora seriam contados desde a citação válida. Outros sustentam que os juros deveriam
ser computados desde a interpelação (extrajudicial) ou da citação válida (judicial).
“Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em
mora, desde que o praticou.”

Nas obrigações decorrentes de ilícito extracontratual, considera-se em mora –


incidindo os juros, portanto –, desde a data do fato. Este é o conteúdo da súmula 54 do STJ:
“Súmula 54, STJ: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual”

Michell Nunes Midlej Maron 95


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Casos Concretos

Questão 1

Em ação de despejo por falta de pagamento, o réu requereu a purga parcial da


mora e contestou alegando que algumas parcelas cobradas não eram devidas. Diante do
artigo 62 da Lei 8.245/91, é possível tal cumulação?

Resposta à Questão 1

Inicialmente, deve ser salientado que a purga da mora seria um direito do devedor,
desde que ainda seja útil e possível. Mas a questão não é pacífica, pois há entendimento no
sentido de serem atitudes antagônicas, vez que se há pagamento, presume-se a aceitação, ao
passo que a contestação externa divergência quanto à cobrança. No entanto, se a dívida
cobrada for superior à devida, então nada seria exigível neste momento, somente sendo
verificado em sede meritória. Porém, se somente contestar e não pagar, há sério risco de
que seja reputado como legítimo, e por isso gerar cobrança de todo o valor, posto haver
decisão do próprio STJ no sentido de obrigatoriedade de purgar a mora da parcela
incontroversa, vindo a cumprir com a boa-fé, e contestar quanto a diferença. Veja:

“Resp 201237/RJ – Min. Fernando Gonçalves – 6º Turma – 06/09/1999


RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. PURGA DA MORA E CONTESTAÇÃO.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO ANALITICAMENTE.
SÚMULA 284 DO STF.
1. O locatário em atraso, que alega ser outro o aluguel, mas nem mesmo esse valor
deposita para purgar a mora, está sujeito a despejo.
2. O recorrente não demonstrou a divergência de forma analítica, pois não
transcreveu nenhum trecho do acórdão recorrido, só o fazendo em relação aos
arestos paradigmas. Sem essa providência, não há como se demonstrar a identidade
entre os casos confrontados. Deficiente a fundamentação do recurso, incide na
hipótese a Súmula 284-STF.
3. Recurso especial não conhecido.”

Questão 2

Fernanda Maia propôs ação Indenizatória em face de Seguradora Sulamericana


Ltda., ao fundamento de que seu veículo fora furtado e a empresa Ré não efetuou o
pagamento do valor referente ao seguro contratado, sendo inadmissível que apenas rejeite
a prestação quando ocorra o sinistro, tendo em vista que sempre efetuou o pagamento das
prestações em atraso, sendo esta prática aceita pela empresa autora, sem qualquer
restrição. Em contestação, sustenta a empresa Ré que a última prestação do prêmio, com
vencimento anterior ao sinistro, não havia sido paga, fato que ensejou a extinção do
contrato de seguro. Decida fundamentadamente.

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP II Direito Civil II

Resposta à Questão 2

Vê-se na situação proposta que, caso a parcela fosse paga em atraso, mas não
tivesse ocorrido o sinistro, a parcela teria sido admitida, sob a alegação de mera liberalidade
da seguradora.
Para sanar a controvérsia, o STJ tem entendido que, pela aplicação da teoria do
adimplemento substancial ou inadimplemento mínimo, seria abuso de direito do segurador
optar por rescindir o contrato, ante a possibilidade de purgar a mora e permanecer o
contrato, obrigando a seguradora a custear o sinistro.
Neste sentido, veja a ementa do REsp. 76.362:

“SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO


DA ULTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.
RESOLUÇÃO. A COMPANHIA SEGURADORA NÃO PODE DAR POR
EXTINTO O CONTRATO DE SEGURO, POR FALTA DE PAGAMENTO DA
ULTIMA PRESTAÇÃO DO PREMIO, POR TRES RAZÕES: A) SEMPRE
RECEBEU AS PRESTAÇÕES COM ATRASO, O QUE ESTAVA, ALIAS,
PREVISTO NO CONTRATO, SENDO INADMISSIVEL QUE APENAS
REJEITE A PRESTAÇÃO QUANDO OCORRA O SINISTRO; B) A
SEGURADORA CUMPRIU SUBSTANCIALMENTE COM A SUA
OBRIGAÇÃO, NÃO SENDO A SUA FALTA SUFICIENTE PARA EXTINGUIR
O CONTRATO; C) A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVE SER REQUERIDA
EM JUIZO, QUANDO SERA POSSIVEL AVALIAR A IMPORTANCIA DO
INADIMPLEMENTO, SUFICIENTE PARA A EXTINÇÃO DO NEGOCIO.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.”

O STJ tem ido além, entendendo pela necessidade de notificação prévia ao segurado
de que não estaria mais coberto. Tal tese vem a coadunar com a tutela da confiança.

Questão 3

Henrique propôs ação de consignação em pagamento em face de Empresa "X"


Administração e Participações Ltda. Alega que celebrou contrato de promessa de compra
e venda com a Ré a fim de adquirir um apartamento, sendo avençado entre as partes o
pagamento de uma entrada e o parcelamento do restante em 60 prestações. Ocorre que
não conseguiu cumprir com o pagamento de quatro prestações na data convencionada.
Após o vencimento da obrigação, dirigiu-se até a empresa Ré, a fim de saldar seu débito,
recusando-se esta ao recebimento das prestações, fato que ensejou o depósito judicial do
valor devido. Em contestação, sustenta a Ré que já havia proposto ação de rescisão de
promessa de compra e venda, tendo em vista que o contrato prevê expressamente a sua
rescisão no caso de não pagamento de três prestações consecutivas. Aduz que o fato de o
devedor estar em mora impede a propositura da ação de consignação em pagamento.
Decida fundamentadamente.

Resposta à Questão 3

Inicialmente, cumpre informar que o fato de se encontrar o devedor em mora não


possui o condão de ilidir a propositura da ação de consignação em pagamento. O que se

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP II Direito Civil II

impõe é que, junto com a parcela em atraso, se faça também o pagamento consignado dos
encargos moratórios referentes ao período.
Antes, se entendia que a ação de consignação seria uma “execução as avessas”, que,
para ser proposta, deveria haver a liquidez, certeza e tempestividade.
Essa visão é ultrapassada. Veja: se é direito do devedor purgar a mora, e esta poderá
ser feita por consignação em pagamento, ter-se-á por legítima a via eleita, não havendo que
se falar em impedimento legal.
Quanto ao pedido de rescisão do contrato, deve ser considerado abuso de direito,
posto o adimplemento substancial ou inadimplemento mínimo (quatro parcelas).
Por todo o exposto, seria possível a consignação em pagamento, bem como a
impossibilidade de rescisão do contrato.
Nesse sentido, veja a apelação cível 2004.001.12925, do TJ/RJ:

“CONSIGNACAO EM PAGAMENTO. RESCISAO DE CONTRATO


SENTENCA CONFIRMADA.
AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. PRESTAÇÕES RELATIVAS A
FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. AÇÃO DE RESCISÃO DE PROMESSA
DE COMPRA E VENDA. POSSIBILIDADE DA CONSIGNAÇÃO JUDICIAL
MESMO NA HIPÓTESE DE MORA DO DEVEDOR, QUE, PRETENDENDO
PURGÁ-LA, ESBARRA NA RECUSA DO RECEBIMENTO. O
ORDENAMENTO PÁTRIO AO PERMITIR QUE, EM SE TRATANDO DE
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS, O DEVEDOR DEPOSITE AQUELAS QUE
VENCEREM NO CURSO DA DEMANDA (ART. 892 DO CPC), CONFERE
MERA FACULDADE E NÃO UM REQUISITO NECESSÁRIO AO
ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO CONSIGNATORIA. A PRESUNÇÃO DE
VERACIDADE DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL DECORRENTE DA
REVELIA É RELATIVA, PODENDO SER ELIDIDA EM RAZÃO DE PROVA
EM CONTRÁRIO. NEGADO PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.”

De forma oposta, poderia o devedor desistir do negócio, mesmo o credor


informando que aceita o pagamento? O STJ, no informativo 359, acabou por entender que
não, pois, salvo com previsão contratual, o credor teria direito a execução forçada do
contrato.

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP II Direito Civil II

Tema X

Inadimplemento das Obrigações II. Cláusula penal. Natureza e caracteres. Pena convencional moratória e
compensatória. Cláusula de arrependimento. Efeitos da cláusula penal. Arras: confirmatórias e penitenciais.

Notas de Aula31

1. Cláusula Penal

1.1. Cláusula Penal Compensatória

Se o inadimplemento é absoluto porque a prestação se tornou inútil ou impossível,


haverá sua conversão em perdas e danos; a cláusula penal, em sua modalidade
compensatória, seria justamente a prevenção do inadimplemento, vindo a ser uma pré-
fixação das perdas e danos.
Importa questionar se, havendo solidariedade, caso somente um daqueles tenha dado
causa a impossibilidade da prestação, vindo a gerar o inadimplemento absoluto, todos
suportariam igualmente o prejuízo? O equivalente seria as perdas e danos, mas são
diferentes: uma coisa é a obrigação solidária, outra coisa é a responsabilidade solidária,
devendo diferenciar o débito da responsabilidade. Portanto, pelo equivalente, todos se
obrigaram, logo responderão; no entanto, quanto às perdas e danos, somente aquele que
deu causa a esta com ela arcará.
Trata-se da controvérsia do artigo 279, CC, gerando a necessidade de separar o
equivalente das perdas e danos. Veja:

“Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores


solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e
danos só responde o culpado”

Para facilitar a compreensão, se faz necessário exemplificar. Quando há devedores


solidários, quer dizer que mais de uma pessoa se comprometeu a honrar com a prestação
inteira. Veja: imagine-se um cavalo de quinze mil; pelo valor deste, todos assumem
solidariamente, mas se a morte do cavalo ocorreu por culpa de somente um destes, os
prejuízos que excederem ao valor do cavalo somente serão imputados ao causador da
morte, salvo se as partes tenham assumido expressamente, além da solidariedade no débito,
solidariedade também na responsabilidade.
Quando se insere cláusula penal compensatória, acaba-se por se pré-fixar as perdas
e danos, ou seja, todo o prejuízo. Isto inviabiliza a cobrança do equivalente somado à
multa, bem como da prestação e da multa. Assim, ou o bem é útil para adimplemento da
obrigação, havendo que se falar em cláusula penal moratória, ou se torna inútil, caso em
que se falará apenas em cláusula penal compensatória.
Destarte, vê-se que a multa é uma alternativa que favorece o credor em casos em
que a obrigação se tornou inútil, ou quando realmente se tornou impossível. Daí se utilizar
da multa para evitar discussão em juízo acerca das perdas e danos, sendo um substitutivo da
prestação principal, e não cumulativa a ela, sob pena de bis in idem.

31
Aula proferida pelo professor André Roberto de Souza Machado, em 15/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP II Direito Civil II

Mas qual seria o valor desta cláusula penal? O artigo 412 do CC assenta que o valor
da cláusula compensatória não poderia exceder ao valor da obrigação principal ou seu
equivalente. Veja:

“Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal.”

Diante do exposto, pode ser afirmado que em sede de obrigação solidária, caso a
mesma não possa ser adimplida por atitude de um dos devedores, todos deverão arcar com
o valor da cláusula penal, pois quem assume a obrigação principal assume também a
custear o equivalente, mesmo não tendo sido culpado, caso este em que o não culpado que
arcar terá direito de regresso contra o causador.
Ademais, deve ser ressaltada a diferença do contrato de trato sucessivo para o de
execução diferida, pois neste último é inviável o pedido de rescisão cumulado ao pedido de
recebimento a prestação, somente sendo possível em sede de contratos com trato sucessivo,
posto a rescisão se operar com efeito ex nunc, ao passo que nos de execução diferida ocorre
ex tunc.
O inadimplemento absoluto não é sinônimo de inadimplemento total. Tal afirmação
se torna clara em sede de contratos de trato sucessivo 32, pois pode ser cumprida parte do
contrato, sem que tenha direito a ressarcimento ao valor já pago. Assim, pode ser que as
partes venham a ajustar uma cláusula penal que, no curso da obrigação, vem a se tornar
excessivamente onerosa; nestes casos, ante ao adimplemento parcial, não se poderia aplicar
a mesma sanção daquele que não fora em nada cumprido – se aplicam as normas dos
artigos 413 e 416 do CC.

“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”

“Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue
prejuízo.
Parágrafo único: Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não
pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se
o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor
provar o prejuízo excedente.”

O juiz tem o dever de reduzir eqüitativamente, pois trata-se de norma de ordem


pública.
Para aplicar a norma no caso em concreto, podemos trazer como exemplo um
contrato de locação, onde há possibilidade de que conste no contrato cláusula em que o
locatário possa denunciar o contrato imotivadamente no curso do prazo determinado,
podendo se deparar com uma multa. Qual seria o limite desta multa? O da obrigação
principal?
Depende, pois não seria justo que em um contrato de cinco anos, em que tenha sido
cumprido somente um, o locatário seja obrigado a custear como multa o equivalente a
quatro anos. É claramente excessiva.

32
Como dito, necessário ressaltar que estes se diferenciam dos de execução fracionada na medida em que sua
rescisão se dá ex nunc, ao passo que os últimos na forma de ex tunc.

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP II Direito Civil II

Diante disso, a jurisprudência acabou por fixar como parâmetro o depósito de


caução de garantia do contrato, qual seja, o valor equivalente a três meses de aluguel que
serve de caução em contratos de locação, sendo este razoável para se aplicar no caso em
concreto.
Tal tese resolve a segunda parte do artigo 413 do CC, mas não a sua primeira parte.
Deve ser aplicado o mesmo artigo para reduzir a multa ante ao cumprimento parcial do
contrato, ou seja, a multa deve ser reduzida eqüitativamente o seu valor ante ao
cumprimento parcial do contrato, devendo ser feita a seguinte matemática: diante do
cumprimento de dois terços do contrato, se paga somente um terço da multa.
Importa salientar, que mesmo nos casos em que o contrato contenha renuncia ao
beneficio do artigo 413 do CC, ou seja, poderia ser exigida a multa integralmente em
qualquer fase do contrato, deve ser ressaltado que a referida norma é de ordem pública,
sendo inderrogável pela vontade das partes. Tal afirmação possui fulcro nos enunciados de
355 e 356, da IV Jornada do CJF. Pelo ensejo, seguem alguns enunciados mais sobre o
tema:
“Enunciado 355, CJF - Art. 413. Não podem as partes renunciar à possibilidade de
redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413
do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública.”

“Enunciado 356, CJF - Art. 413. Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código
Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício.”

“Enunciado 357, CJF - Art. 413. O art. 413 do Código Civil é o que complementa
o art. 4º da Lei n. 8.245/91. Revogado o Enunciado 179 da III Jornada.”

“Enunciado 358, CJF - Art. 413. O caráter manifestamente excessivo do valor da


cláusula penal não se confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva
onerosidade e a frustração do fim do negócio jurídico, que podem incidir
autonomamente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos.”

“Enunciado 359, CJF - Art. 413. A redação do art. 413 do Código Civil não impõe
que a redução da penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percentual
adimplido.”

Em sede de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, que é de execução


fracionada e não de trato sucessivo, caso se verifique a possibilidade de inadimplemento
absoluto, pode o credor inserir no contrato uma cláusula penal compensatória, segundo a
qual se houver inadimplência por três meses poderia ser rescindido o contrato como um
todo, não havendo que se falar em execução forçada, caso em que o que já houver sido
pago permaneceria com o credor, mas sob o título de cláusula penal – perdendo o valor já
pago.
O exemplo acima se encontra dentro dos limites do artigo 412 do CC, e antes do CC
de 2002 seria válida. No entanto, hodiernamente, trata-se de caso em que há excessiva
onerosidade, devendo ser levado em conta o artigo 53 do CDC:

“Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante


pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia,
consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das
prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento,
pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP II Direito Civil II

§ 1° (Vetado).
§ 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação
ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além
da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou
inadimplente causar ao grupo.
§ 3° Os contratos de que trata o caput deste artigo serão expressos em moeda
corrente nacional.”

Peculiarmente, tal artigo não se amolda ao contrato de leasing. Este contrato de


arrendamento mercantil tem natureza mista, posto ser de trato sucessivo, a princípio, que
pode vir a se tornar um contrato de execução fracionada, conversão que somente se dá ao
final, quando da opção pela compra (em que pese o pagamento do valor residual de garantia
– VRG – diluído no preço, que não desnatura o leasing, como entende o STJ).
E se houver caso de inadimplência absoluta em que a multa se encontre com valor
abaixo dos prejuízos que sofrera o credor, ou seja, a multa não é excessivamente onerosa,
mas sim absolutamente o contrário? Neste caso, o juiz tem o dever de ampliar a multa?
Pode ser majorada a requerimento da parte interessada?
A resposta é negativa, pois tal matéria não se encontra prevista no artigo 413 do CC,
mas sim no parágrafo único do artigo 416 do CC, ou seja, só pode haver ampliação do
quantum se previamente convencionaram as partes.
Assim, o credor não precisa comprovar seu prejuízo, mas também não poderá exigir
indenização suplementar se assim não for pactuado. A multa somente poderá ser reduzida
por excesso, sendo ela tida como um mínimo indenizatório. Diante disso, pode ser
convencionado que, como exemplo, caso a parte tenha prejuízo na ordem de quatorze mil, e
tenha convencionado uma cláusula penal de dez mil, ela pode ir a juízo atrás dos quatorze
mil, devendo receber o montante equivalente a sua comprovação. Assim, se somente
comprovar oito mil, mesmo assim, fará jus aos dez mil da cláusula, em que pese haver a
possibilidade de comprovar o valor de quatorze mil, caso em que fará jus ao referido valor.
Pode o credor abrir mão da multa e se dirigir à justiça para perder perdas e danos
somente, correndo o risco de somente receber o que comprovar? A cláusula penal é uma
alternativa para o credor ou obrigatória?
Diverge a doutrina. O primeiro entendimento, capitaneado por Gustavo Tepedino e
Nelson Rosenvald, entende que uma vez estipulada a cláusula penal, esta deverá ser
utilizada, devendo ser aplicada tanto para o credor, quanto para o devedor; logo, havendo
inadimplemento absoluto, o credor deveria cobrar a multa e não mais do que a multa, salvo
a indenização suplementar eventualmente pactuada, na forma do artigo 416, parágrafo
único, do CC33.
De forma oposta, sendo tese da doutrina clássica, o segundo entendimento é no
sentido de que sendo a cláusula penal um benefício ao credor, este poderia renunciar a esta
e se dirigir diretamente à justiça, discutindo as perdas e danos – lembrando que se não
lograr êxito, receberá somente o que provar, posto já ter aberto mão da cláusula penal.
1.2. Cláusula Penal Moratória

33
Tal tese deve ser tida como majoritária, tendo em vista se tratar a cláusula penal de uma estipulação
bilateral, devendo valer tanto para credor quanto para o devedor. Isto porque se trata também de garantia do
devedor acerca do ônus de seu inadimplemento, e, assim, deve ser interpretada tal cláusula como uma
“renúncia” à discussão judicial das perdas e danos, para que seja cobrado somente o valor fixado na cláusula
penal.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP II Direito Civil II

Em que pese ter sido este instituto bem abordado no tema anterior, se faz necessário
estabelecer uma solução em caso de inadimplemento relativo, em que deve ser cobrada a
cláusula penal moratória, que é o valor principal acrescido de encargos.
Ao contrário da compensatória, que como sabemos possui o desiderato de pré-fixar
o valor a ser pago a título de perdas e danos, a cláusula penal moratória visa inibir a
inadimplência, podendo ser cobrada a multa mais perdas e danos, tal como ocorre em sede
de contratos de trato sucessivo.
Mas qual seria o valor máximo da cláusula penal moratória? Podemos utilizar o
limite da obrigação principal?
Parece óbvio que não, salvo em sede de obrigação de fazer, nos casos em que o
efeito decorrente do inadimplemento seja tão significativo a ponto de justificar uma
cláusula penal um pouco maior. No entanto, como regra, não se utiliza o artigo 412 do CC.
Assim, dependerá da natureza da relação jurídica em análise.
Caso seja relação de consumo, necessária se faz a aplicação do § 1º do artigo 52 do
CDC, o valor equivalente a até dois por cento34. Veja:

“Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito


ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros
requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
(...)
§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu
termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.
(...)”

Caso se tratar de condomínio, pelo código anterior seria de vinte por cento; no
entanto, pelo artigo 1.336, §1º, do CC, o valor da referida multa será também de dois por
cento. Veja:

“Art. 1.336. São deveres do condômino:


(...)
§ 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros
moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e
multa de até dois por cento sobre o débito.
(...)”

Acerca do tema, cumpre cogitar da aplicação de tal norma nos casos em que a
convenção de condomínio ocorrera antes do novo diploma civil. A resposta deve ser
fundamentada diante do caráter de ordem pública que reveste o tema, e, assim, deverá
incidir imediatamente sob os efeitos futuros dos atos jurídicos pretéritos, reputando o STF
como caso de retroatividade mínima.
Por derradeiro, nos demais contratos, o limite objetivo seria o previsto na Lei da
Usura, Decreto-Lei 22.626/33, no artigo 9º, que estabelece o teto da multa em dez por
cento:

34
Importa ressaltar que a multa moratória, como dito, possui o escopo de inibir o inadimplemento; logo,
incidirá somente uma vez, mesmo que haja várias parcelas em atraso, devendo sobre estas incidir somente os
juros de mora. A exceção seria em sede de obrigação mensalmente vencível, caso este em que a multa incidirá
sempre que ocorrer o inadimplemento de cada prestação (nas de trato sucessivo, não nas parceladas).

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP II Direito Civil II

“Art. 9º. Não é válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da
dívida.”

Pode haver cumulação entre cláusulas penais moratórias e compensatórias? A


cumulação é possível, mas tão-somente em sede de contratos de trato sucessivo, caso em
que se pretenderá discutir a mora quanto às prestações anteriores e não pagas, bem como a
frustração das vincendas, em razão da rescisão contratual. No entanto, são sobre obrigações
distintas, não havendo que se falar na referida cumulação em sede de mesma obrigação.
Assim, em sede de obrigações de trato sucessivo, caberia a cumulação, pois há uma
obrigação por cada período, logo é possível a mora nas vencidas, e a compensatória sobre
as vincendas. Esta seria a inteligência do artigo 395, parágrafo único.
“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais
juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este
poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.”

Concluindo o raciocínio acerca da mora, importa informar que a responsabilidade


decorrente da mora é a mesma da má-fé, ou seja, sendo responsabilidade civil objetiva,
devendo a parte inadimplente comprovar que o resultado teria ocorrido independentemente
da ocorrência da mora, pois ocorrendo esta o devedor assume o risco. Como exemplo em
que a responsabilidade não seria diretamente decorrente da mora, o incêndio em um imóvel
que deveria ter sido entregue: a mora deu causa ao perecimento, mas se ficar comprovado
que, houvesse o imóvel sido entregue sem mora, ainda assim o incêndio ocorreria, a
responsabilidade do devedor moroso da restituição fica afastada.

2. Arras

2.1. Arras confirmatórias

As arras confirmatórias funcionam como uma sinalização de que o compromisso é


firme e valioso. Assim, como regra, estas possuem o escopo de confirmar o negócio, vindo
a dificultar o descumprimento da obrigação, o inadimplemento, seja relativo ou absoluto.
Caso seja relativo, a parte inocente poderá executar o contrato, recebendo o valor faltante
nos moldes do que fora pactuado. Se for absoluto, haverá uma latente aproximação das
arras com a cláusula penal compensatória, posto as arras passarem a serem vistas como
mínimo indenizatório: o credor vai reter as arras, sem prejuízo de cobrança de indenização
suplementar, desde que haja prova de prejuízo superior. Cumpre ressaltar que não há
necessidade de previsão contratual desta indenizabilidade suplementar, posto não se tratar
de cláusula penal, mas sim de arras, em que a previsão é legal.
Tais são os dispositivos acerca da matéria:

“Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título
de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser
restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.”

“Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo
por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP II Direito Civil II

quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o
equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, juros e honorários de advogado.”

“Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior
prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente
exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o
mínimo da indenização.”

“Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer


das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso,
quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-
las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização
suplementar.”

Após a verificação dos artigos supra, surge uma questão: se as arras possuírem
valores muito elevados, tais como cinquenta por cento da prestação, e o negócio for
desfeito por inadimplência, valeria a literalidade da lei no sentido de aplicar tal percentual
com um mínimo indenizatório?
Esta lógica não pode prosperar: deve ser realizada uma analogia ao artigo 413 do
CC, vindo o magistrado a afastar a excessiva onerosidade do sinal dado, por imperativo da
boa-fé objetiva e comutatividade. O CJF, no enunciado 165, assim se manifestou:

“Enunciado 165, CJF – Art. 413: Em caso de penalidade, aplica-se a regra do art.
413 ao sinal, sejam as arras confirmatórias ou penitenciais.”

2.2. Arras penitenciais

Estas estabelecem uma obrigação facultativa; logo, se permite ao devedor se


arrepender do negócio, se desobrigando da obrigação principal, optando pela perda das
arras penitenciais. Não há inadimplemento, mas sim arrependimento, facultado ao devedor.
Não há perdas e danos, posto haver previsão complementar de se substituir a
obrigação principal pelo cumprimento da obrigação facultativa, vindo a impossibilitar
também a execução forçada do contrato.
É por isso que estas arras têm natureza de penitência, e não indenização, pois há
exercício do direto de arrependimento, mediante cumprimento de obrigação facultativa.
Imagine-se uma situação peculiar: pactuada promessa de compra e venda de imóvel,
recebidas as arras penitenciais, antes da imissão na posse do promitente-comprador, o
prédio desaba. Neste caso, as arras deverão ser devolvidas pelo promitente-vendedor, posto
a impossibilidade de adimplemento da obrigação, mas de forma alguma devem ser pagas
em dobro, posto não se tratar de arrependimento do contrato, mas sim resolução do contrato
em razão de caso fortuito ou força maior.
Importante salientar que as obrigações acessórias, pelo princípio da gravitação
jurídica, seguem a sorte do principal; logo, havendo impossibilidade de cumprimento da
obrigação principal, igual sorte terá a facultativa, não havendo que se falar em arras
penitenciais, mas sim em resolução do contrato.

2.2.1. Momento do arrependimento

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP II Direito Civil II

Sobre o tema, deve sar salientado que se aplicam as modernas concepções do


adimplemento substancial, ou inadimplemento mínimo, bem como o nemo potest venire
contra factum proprium.
Além disso, se entende que, após o sinal, qualquer parcela que venha a ser dada
acarreta o fenômeno da supressio, ou seja, não há maiis possibilidade de arrependimento, e
o abandono do contrato será considerado inadimplemento. Este seria o entendimento do
STF, reputando-se com um direito abusivo o arrependimento após pagamento de parcela
ulterior. Ademais, a própria base principiológica, tanto a função social do contrato quanto a
boa-fé objetiva, assim fariam entender.

2.2.2. Devolução das arras

Havia entendimento no sentido de que quem entregava as arras, de início, deveria


somente perder o valor, ao passo de que quem as recebia deveria devolver em dobro, se o
arrependimento fosse seu. Diante deste entendimento, alguns reputavam que a sanção legal
do recebimento seria superior à de quem fornecia.
É claro que este entendimento não deve prosperar, posto que o CC assevera que
somente se deve devolver o sinal, acrescido do equivalente. Logo, a penalidade suportada
pela faculdade de arrependimento de um é a mesma que o outro suportaria pelo exercício
da mesma faculdade, ou seja, se devolve o que foi pago, junto com o pagamento de uma
penitência idêntica à que o outro contratante teria se fosse ele o arrependido.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP II Direito Civil II

Um famoso pintor se obrigou a fazer um quadro para exposição em galeria de Arte,


pelo preço certo de R$ 10.000,00 (dez mil reais), e deveria entregá-lo quinze dias antes do
evento, sob pena de pagar multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais). Não se desincumbiu. O
dono da galeria, três dias antes da exposição, adquiriu outro quadro em substituição e
logo moveu ação de indenização com os pedidos seguintes:I. Pagamento de cláusula penal
compensatória e mais o valor integral da cláusula penal moratória;II. Reparação dos
danos materiais, emergentes e lucros cessantes, estimados em R$ 15.000,00 (quinze mil
reais) assim distribuídos:a) Diferença de R$ 2.000,00 relativo ao preço pago a maior pela
compra do quadro em substituição:b) Lucros cessantes de R$ 13.000,00, devido a melhor
cotação dos quadros do pintor inadimplente. Responda, objetivamente:
1. Podem ser cumulados os valores da cláusula penal moratória com os da
cláusula penal compensatória?
2. É possível à parte lesada pelo inadimplemento cobrar juntamente com a cláusula
penal compensatória mais perdas e danos, provando, neste caso, a insuficiência da
cláusula penal compensatória?

Resposta à Questão 1

1) Não se pode cumular a cláusula penal moratória com a compensatória na mesma


obrigação: ou se reputa o contrato como ainda vigente e se cobra a moratória, ou
se reputa como rescindido, cobrando apenas a compensatória. Em contratos de
trato sucessivo, porém, pode haver moratória das vencidas, e compensatória das
vincendas.

2) Como discorrido, seria possível, desde que estivesse estipulação expressa neste
sentido no contrato, conforme assenta o artigo 416, parágrafo único, do CC.

Como complemento, deve ser consignado que o fato de se fracionar a multa ou


cláusula penal não a faz similar às astreintes, posto que a primeira é oriunda de vontade das
partes, ao passo que a astreintes é decorrente de atuação do magistrado que busca garantir a
eficácia da tutela jurisdicional, não possui previsão no pacto, podendo, inclusive, ter o valor
superior à obrigação principal. Ademais, o próprio legislador assenta que a concessão das
astreintes não possui o condão de elidir a cobrança das perdas e danos.
O STJ definiu que as astreintes poderão ser reduzidas pelo Judiciário, caso seu
acúmulo tenha ensejado o enriquecimento sem causa.

Questão 2

A redução proporcional da cláusula penal prevista no artigo 413 do Código Civil,


na hipótese de cumprimento parcial da obrigação, pode ser deferida de ofício pelo
magistrado, ou depende de provocação da parte interessada? Para que a redução tenha
lugar, é necessária a observância de algum requisito ou basta a ocorrência de pagamento
parcial? Fundamente.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP II Direito Civil II

Deve ser observado o entendimento do CJF, exposto no enunciado 356 deste


conselho. Ademais, deve ser observada a modalidade do contrato, pois a ruptura dará ensejo
à aplicação ou não da integralidade cláusula penal. Como exemplo, em contrato de
execução fracionada (como na promessa de compra e venda), o cumprimento parcial do
contrato com restituição do preço não enseja, necessariamente, a redução da cláusula penal.

“Enunciado 356, CJF - Art. 413. Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código
Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício.”

Tema XI

Inexecução das Obrigações. Dolo e culpa. Indenização: dano emergente e lucro cessante. Redução pelo Juiz.
Inexecução da obrigação sem indenização: caso fortuito de força maior. A cláusula de não indenizar.

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP II Direito Civil II

Notas de Aula35

1. Inadimplemento

O termo mais preciso a ser empregado, aqui, é mesmo inadimplemento, e não


inexecução, como se via no antigo Código Civil de 1916. Isto porque o inadimplemento
pode ocorrer mesmo se houver execução da obrigação, sem que seja correspondente a uma
inexecução, portanto.
O inadimplemento é o descumprimento ou o cumprimento inadequado da
obrigação. Na moderna dinâmica da obrigação como um processo, a prestação é o dever
principal, cercada pelos deveres anexos, acessórios, oriundos da boa-fé objetiva. Inadimplir
a obrigação é descumprir qualquer destes deveres, principal ou acessórios, e não somente a
prestação principal, como se pode pensar. Inadimplemento, então, é o não cumprimento da
prestação da forma em que avençada (não cumprindo de forma alguma, ou cumprindo mal
– a chamada violação positiva do contrato), ou não observar os deveres acessórios.
A partir da idéia de que o objeto da obrigação não se compõe apenas de uma
prestação, mas também de deveres acessórios, anexos, laterais, torna-se possível pensar em
uma obrigação em que a prestação é cumprida, mas sendo inadimplidos apenas os deveres
acessórios. Violar deveres acessórios também é inadimplir a obrigação.
Bom exemplo da modernização da concepção da obrigação é a teoria do
adimplemento substancial. Uma obrigação composta por prestações fracionadas, por
exemplo, em que se alcance o cumprimento da maior parte das parcelas, deixando de
cumprir as demais, pode gerar a supressão do direito de rescindir o contrato pela parte
credora insatisfeita, porque o cumprimento da maior parte da obrigação gera a expectativa
do devedor de que, em atenção aos deveres acessórios – cooperação, lealdade, proteção –, a
mora não seja suficiente para impelir situação tão gravosa quanto a resolução: o direito de
resolver o contrato, nesta situação de inadimplemento mínimo, não mais pode ser exercido,
porque seria abuso do direito resolver um contrato nestas condições. A teoria do
adimplemento substancial interpõe-se como óbice ao exercício abusivo do direito que
frustra a boa-fé objetiva, a legítima expectativa criada por uem adimpliu quase a totalidade
de sua obrigação.
O adimplemento substancial impede a rescisão do contrato, mas não impede que o
indivíduo minimamente inadimplente tenha de si exigido o crédito correspondente ao seu
inadimplemento, por óbvio. Cobrar as poucas parcelas inadimplidas é exercício regular do
direito do credor; abusiva seria apenas a rescisão por conta deste inadimplemento mínimo.
Observe como se opera uma inversão curiosa: o credor que se vê diante de um
inadimplemento mínimo da obrigação a si devida, e exerce o direito de resolver o contrato,
estará incorrendo em abuso de direito; neste caso, é este credor quem estará se tornando
inadimplente, porque estará, com sua conduta abusiva, violando os deveres acessórios da
obrigação, especialmente o dever de cooperação – cometendo, com seu abuso, ato ilícito,
na forma do artigo 187 do CC, despertando até mesmo a possibilidade de que o devedor
minimamente inadimplente reclame eventual indenização. Veja:

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.”
35
Aula proferida pelo professor Fábio de Oliveira Azevedo, em 21/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP II Direito Civil II

A teoria do adimplemento substancial foi desenvolvida pelo direito inglês e


germânico, e consiste, em síntese, em considerar abusivo o exercício do direito de resolver
uma obrigação pelo descumprimento de parte mínima da prestação, o que frustra a boa-fé
objetiva, e com isso viola os deveres acessórios da relação obrigacional.
Tem relevância, aqui, a leitura conjunta dos artigos 389 e 394 do CC:

“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais
juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos,
e honorários de advogado.”

“Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o


credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer.”

Há, na doutrina, quem diga que a mora, em sentido técnico, é o descumprimento da


obrigação no tempo ajustado, enquanto não observar o lugar e a forma de cumprimento é
violação positiva do contrato, porque está sendo cumprida a obrigação, mas de forma
imperfeita.
Inadimplir uma obrigação significa não realizar a prestação no momento, forma e
lugar convencionados, assim como violar os deveres acessórios da relação obrigacional.
A indenização não é um efeito automático do inadimplemento. O artigo 389 do CC
é o fundamento para se falar na responsabilidade civil contratual (enquanto os artigos 186 e
187 do CC, combinados com o artigo 927 do mesmo diploma, são os fundamentos para a
responsabilidade civil aquiliana36), e a indenização é um dever sucessivo que só surge da
causação do dano, e não do mero inadimplemento: não havendo dano, não há que se
indenizar, e, por vezes, mesmo que haja dano, se não há culpa, também não há que se falar
em indenização.
Passemos às classificações do inadimplemento, em absoluto, relativo ou violação
positiva do contrato.

2. Classificação do inadimplemento quanto aos efeitos

2.1. Violação positiva do contrato

Violar positivamente o contrato é cumprir defeituosamente a obrigação, de modo a


frustrar a expectativa legitimamente criada nas partes. Como exemplo fático, a entrega de
um projeto de arquitetura dentro do prazo convencionado, mas sem observar os requisitos
mínimos necessários, estabelecidos pelo respectivo conselho de classe, conselho de
arquitetura.
Segundo o professor Gustavo Tepedino, o artigo 394 do CC, supra, se refere à mora
apenas quando fala em não cumprir a prestação no tempo convencionado, tratando da
violação positiva do contrato quando há descumprimento do lugar e forma pactuados.
36
A grande diferença entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual é que na primeira vige forte
presunção de culpa no inadimplemento: a conduta do contratante inadimplente é presumidamente culposa,
cabendo a ele comprovar a ausência de culpa pela inobservância do que pactuara. Já a responsabilidade
aquiliana impõe ao prejudicado que forme o fundamento para a culpabilidade do imputado, pois não há tal
presunção.

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP II Direito Civil II

2.1.1. Função social do contrato

A função social do contrato é um conceito de comento inescapável, quando se está


tratando de qualquer aspecto do direito obrigacional. A função social do contrato tem por
principal escopo a mitigação da relatividade contratual, na medida que, por sua
observância, se verifica a criação de vínculos sobre pessoas alheias ao cerne contratual, e
que não estariam, natural e originalmente, atreladas a nenhuma norma contratual estipulada
– é a função social exógena. A função social, na vertente endógena, surge para criar deveres
aos sujeitos de uma relação obrigacional, que extrapolam os meros interesses diretamente
surgidos do vínculo obrigacional. Se os contratantes criam obrigações expressas, há
também a criação implícita e necessária de um contrato além do contrato, imposto pela
necessária observância da função social.
A função social exógena não é um conceito pacificamente tolerado pela doutrina
pátria. Esta tutela externa do crédito, em que se impõe a proteção do contrato contra efeitos
nefastos oriundos de terceiros, não é reconhecida pacificamente como um elemento
contratual. Quem critica a própria existência desta suposta vertente exógena da função
social defende que não é necessário que se transfigure o instituto, que é naturalmente
dedicado à proteção intracontratual, e, no máximo, à proteção do meio externo de efeitos de
um contrato ignóbil – e não a via oposta. Para esta corrente, a tutela externa do crédito não
vem da função social, e sim da própria boa-fé, objetiva ou subjetiva, princípio geral do
ordenamento que se impõe também sobre as relações de terceiros com os contratantes. É
dominante, porém, a corrente que interpreta a dupla via da função social, endógena e
exógena.
A importância da função social do contrato é tamanha que, diante das reverberações
que um contrato pode ter sobre o meio externo, quando inobservada a função social
exógena do contrato perante o meio, se o direito violado pelo pacto privado for difuso,
coletivo ou individual homogêneo, o parquet terá legitimidade para, em ação civil pública,
questionar a legalidade daquele contrato privado – o que seria impensável se não fosse
reconhecida a repercussão do contrato sobre o meio externo. O artigo 421 do CC é o
dispositivo que legitima esta atuação do MP:

“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.

Curiosamente, há parcela da doutrina que critica até mesmo a necessidade de uma


função social endógena, porque todos os efeitos que esta intenta combater são combatidos
pela observância de um princípio contratual anciente e inegável, qual seja, a
comutatividade. Esta corrente é muito pouco significativa, porém.
Há ainda que se traçar uma correlação entre a função social do contrato e a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais. Trata-se de duas soluções jurídicas, que na verdade se
miscigenam, para um mesmo problema. Suponha-se que um contrato cause severa violação
À dignidade da pessoa humana de um dos contratantes – como o já recorrente exemplo do
“contrato de arremesso de anão”. Neste caso, qual é a tutela jurídica que deixa patente esta
ilicitude? A quebra da função social endógena do contrato, porque um dos contratantes está
violando direito indisponível do outro; ou a violação direta a um direito fundamental que é

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP II Direito Civil II

aplicável nas relações aparentemente paritárias, e não apenas nas relações em que impera a
verticalidade?
Veja que, de uma ou de outra forma, a tutela terá o mesmo efeito: o contrato será
nulificado. Se se optar pela violação à função social, estar-se-á apenas consolidando, no
direito privado, o respeito a um preceito desenvolvido para esta seara; se se optar pela
aplicação direta da proteção constitucional aos direitos fundamentais no pacto privado
horizontal, não será necessária a roupagem da função social para tanto. E repare que a
mescla dos conceitos se dá apenas quando se aplica a perspectiva privada ao dilema:
quando se aplica a função social como método de controle desta ilicitude, se está apenas
revestindo o próprio direito fundamental – in casu, dignidade da pessoa humana – com uma
roupagem desenvolvida para o direito privado, nomeada de função social. Destarte, então,
no fundo, é a mesma solução.

2.2. Inadimplemento absoluto

O inadimplemento é tido por absoluto quando a prestação não pode mais ser
cumprida, ou quando o cumprimento não mais interessa ao credor.
Surge uma questão: esta análise deve ser feita de forma objetiva ou subjetiva? A
impossibilidade de cumprimento é de verificação naturalmente objetiva, mas a aferição da
inutilidade do cumprimento poderia suscitar dúvida quanto ao seu meio de verificação. A
doutrina é tranqüila ao afirmar que a utilidade ou não da prestação deve ser feita diante do
credor no caso concreto, ou seja: é uma análise subjetiva.
A explicação é simples: não se pode analisar esta utilidade objetivamente, à luz do
homem médio, pela simples razão de que haveria grave injustiça se fosse observada a
utilidade em abstrato de uma prestação, tomando por base o homem médio. O que é útil em
uma perspectiva aberta pode ser completamente inútil para aquele contratante.
Veja um exemplo simples: sujeito adquire um veículo de luxo com o propósito de
usufruir do bem durável, mas também de utilizá-lo em determinada data específica, como
na sua festa de formatura. O vendedor inobserva a data de entrega, e só põe o carro à
disposição em data posterior à dita festa. Esta prestação, diante do homem médio, é útil – o
bem durável, mesmo se entregue com atraso, poderá ainda servir por muitos aos ao seu
propósito principal. Todavia, ao comprador, a utilidade do bem será questionável, senão
inexistente, vez que um dos propósitos, para ele tão importante quanto o uso duradouro do
bem, será impossível de ser adimplido – a festa já ocorreu, e ele não dispôs do bem quando
precisou. Por isso, para ele, é inadimplemento absoluto.

2.3. Inadimplemento relativo – mora

A mora é o atraso. Há que se ter cuidado com duas questões em relação a esta
afirmação. Primeiro aspecto é a já comentada redação do artigo 394 do CC, pois que dali
poder-se-ia depreender que não observar o lugar e a forma de cumprimento seria também
mora, enquanto já se viu que é violação positiva do contrato; segundo aspecto é a existência
de mora sem atraso, no sentido dicionário: a mora accipiendi ocorre quando o credor dá
causa, ou seja, o devedor não incorreu em atraso, e mesmo assim há mora, só que do credor
Por isso, é mais técnico, terminologicamente, se dizer que a mora é o retardo do
cumprimento da obrigação.

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP II Direito Civil II

A mora difere do inadimplemento absoluto por um simples detalhe: ainda há


utilidade no cumprimento da prestação retardada.

3. Inadimplemento total ou parcial

Esta classificação divide o inadimplemento em total ou parcial, e não guarda


relação com a anterior, sendo calcada em premissas diversas. Mesmo por isso, cumulam-se
perfeitamente ambas as classificações, podendo o inadimplemento absoluto, relativo ou a
violação positiva do contrato ser total ou parcial – uma classificação não se substitui à
outra.
Inadimplemento total é o completo inadimplemento da prestação, deixando-se de se
cumprir tal prestação por inteiro. O inadimplemento parcial, por sua vez, é o
descumprimento de parte de uma prestação, tendo havido algum cumprimento desta.
Veja um exemplo de inadimplemento parcial relativo: em um curso, há dez aulas
previstas, mas só se ministram nove no prazo estipulado. Há ainda o interesse na aula
faltante, pelo que a prestação parcialmente inadimplida pode ser integralizada, e por isso é
simples mora. Outrossim, imagine-se que o cronograma destas aulas fosse programado para
que a última aula fosse ministrada a tempo de uma prova de concurso: a aula de reposição
não mais será interessante ao credor, porque será ministrada depois da prova alvo, o que
identifica um inadimplemento parcial absoluto.

4. Inadimplemento culposo e fortuito

O inadimplemento culposo, lato sensu, é aquele que advém de dolo ou culpa stricto
sensu do contratante descumpridor. Os consectários deste inadimplemento são todos os
encargos cabíveis, tais como perdas e danos e multas.
O inadimplemento fortuito, por sua vez, ocorre quando não há qualquer fato
imputável ao descumpridor, e tem expressão no artigo 393 do CC:

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

O parágrafo único deste artigo supra equipara o fortuito e a força maior quanto aos
seus efeitos, que é afastar os consectários do inadimplemento. Todavia, há distinção entre
fortuito e força maior: para a melhor doutrina, o fortuito, gênero, consiste no acontecimento
ligado à natureza ou a terceiro, daí surgindo a distinção entre fortuito interno e externo,
espécies; a força maior, por seu turno, seria exatamente o fortuito externo.
O fortuito interno é aquele evento oriundo de um risco criado pela própria natureza
da atividade que está sendo desenvolvida, enquanto o fortuito externo é aquele que é
proveniente de riscos estranhos à normalidade da atividade.
5. Cláusula de não indenizar

A cláusula de não indenizar, em contratos comuns, paritários, da seara civilista, ao


contrário do que se pode pensar, não são tidas por ilícitas ou abusivas, de plano. De fato,
nada há, no ordenamento jurídico, que impossibilite a existência deste tipo de cláusula

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP II Direito Civil II

nestes contratos, sendo válida, a princípio. A jurisprudência, de fato, só se posiciona pela


ilicitude ou abusividade de uma cláusula de não indenizar quando, na casuística, se
apresentarem fundamentos que assim a identifiquem; do contrário, em regra, são
plenamente válidas, oriundas da autonomia da vontade.
Em contratos de adesão, ainda que sem natureza consumerista, porém, estas
cláusulas são nulas porque resultam em renúncia a direito inerente à própria contratação,
impostas pelo contratante elaborador do contrato ao aderente. Assim, deve ser observado o
artigo 424 do CC:

“Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”

Na seara do direito do consumidor, a norma expressa sobre o tema, que igualmente


faz nula esta cláusula, é o artigo 51 do CDC:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por
vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou
disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor
pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
(...)”

Pelo artigo 424 do CC, a cláusula de não indenizar poderia ser declarada nula por se
tratar de um direito resultante da natureza do negócio, mas somente se inserida em contrato
de adesão. Da mesma forma, seria nula pelo artigo 51, I, do CDC, quando o contrato for
regido pelo codex consumerista. Reitere-se, a cláusula é considerada válida se for inserida
em contratos paritários, nas relações entre comuns. Exemplo recorrente, em que esta
cláusula é válida, é sua colocação em convenções de condomínio.
Há eu se mencionar ainda um detalhe fundamental: a regra, nas relações de
condomínio, é que não haja esta responsabilidade, mesmo que a convenção seja omissa,
não existindo cláusula de não indenizar. Veja porque: suponha-se o furto de um automóvel
na uma garagem de um condomínio. Se a responsabilidade civil subjetiva impõe a conduta
culposa ou dolosa para que haja imputação, se o condomínio não concorrer culposamente
para o dano – por exemplo, o porteiro que abriu a porta sem zelo algum, deixando o
meliante entrar por negligência –, não há conduta culposa, e não há como se imputar ao
condomínio tal responsabilidade, porque não há dever originário que tenha sido quebrado:
o condomínio não se propõe, pela natureza de seu escopo, à guarda dos veículos. Não há
legítima expectativa de que os bens serão guardados e restituídos incólumes.
Por isso, nesta situação específica do condomínio, entendimento que se pode
estender às associações não empresariais em geral (clubes, agremiações, etc), para haver a
responsabilização é necessária a prova da responsabilidade subjetiva, e sequer seria
necessária, de fato, a presença da cláusula de não indenizar.
Diferente é se o condomínio (ou o clube) cria a expectativa de guarda: se a
associação apregoa que há plena segurança, lançando mão de câmeras, vigias noturnos,
rígido controle de entrada e saída de pessoas, etc, o condomínio está gerando esta
expectativa, e com isso criando para si o dever originário de guarda, que, se quebrado por
um furto, criará a responsabilidade pela indenização para este condomínio.

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP II Direito Civil II

Em síntese: segundo o STJ, a inexistência de cláusula de não indenizar não importa


na responsabilização da associação. Só haverá responsabilidade quando houver expressa
previsão de responsabilizar-se, no estatuto da associação. Para o TJ/RJ, a presença de
segurança no condomínio afasta a cláusula de não indenizar, porque neste caso há uma
assunção de responsabilidade, sendo criada a legítima expectativa no morador.

6. Esquema gráfico do inadimplemento

Absoluto Conversão em Cláusula penal compensatória


(impossibilidade ou equivalente somado a (pré-fixação das perdas e danos)
inutilidade da prestação) perdas e danos
Inadimplemento
obrigacional
Relativo (mora) Principal somado aos Cláusula penal moratória (visa inibir
encargos inadimplência e impontualidade)

7. Denúncia injusta

Uma outra forte presença da cláusula geral da boa-fé, no CC, é a previsão que vem
expressa no parágrafo único do seu artigo 473:

“Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente
o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver
feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só
produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto
dos investimentos.”

Este artigo expõe deforma expressa a atenção à boa-fé objetiva, mas vale dizer que
sequer seria necessária esta previsão expressa. O STJ, de fato, vem aplicando esta lógica ali
impressa desde há muito, sendo casuística recorrente especialmente em contratos de
distribuição, nos quais um contratante precisa do fornecimento de bens para desenvolver
sua atividade. Nestes casos, o fornecedor só poderá denunciar o contrato se o distribuidor
puder sanar todos os prejuízos que forem ser gerados pela denúncia, ou seja, mesmo
havendo cláusula de resilição unilateral, esta só poderá ser invocável quando os
investimentos houverem sido repostos, no mínimo.
Veja que este dispositivo nada mais faz do que pôr expresso aquilo que a lealdade e
cooperação, consectários da boa-fé objetiva, já impõem por natureza. Se há a denúncia
injusta, há abuso do direito, e há responsabilidade civil.

Casos Concretos

Questão 1

"A" ajuizou ação ordinária de indenização em face de "B", alegando que, após
quatro anos de cumprimento do contrato, o último deixou de oferecer ao primeiro os

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP II Direito Civil II

produtos que revendia, o que ocasionou sua falência, como estabelecimento comercial.
Considerando que A, na inicial, requereu indenização pelos lucros cessantes, mas não
particularizou o quantum devido a esse título, é possível ao juiz, diante da prova cabal de
sua existência, concedê-lo?

Resposta à Questão 1

De plano, consigne-se que esta falta de fornecimento pode ser considerada uma
denúncia injusta, se violou a legítima expectativa criada no revendedor de que teria o
fornecimento dos itens necessários.
Todavia, a questão é mais processual do que material: é fato que se impõe, apenas,
que na petição inicial o autor apresente o pedido de indenização por danos emergentes e
lucros cessantes, mas é desnecessário que tais verbas sejam particularizadas desde a inicial.
É caso em que se admite o pedido genérico, certo quanto ao quid, incerto quanto ao
quantum, o qual será deixado à apuração em liquidação de sentença. a existência do dano
deve ser demonstrada ab initio; a quantificação, não.
A respeito, veja o REsp 201.414:

“CIVIL. DANO MORAL. O inadimplemento contratual implica a obrigação de


indenizar os danos patrimoniais; não, danos morais, cujo reconhecimento implica
mais do que os dissabores de um negócio frustrado. Recurso especial não
conhecido.”

Questão 2

Stadium Produtora e Eventos LTDA propôs ação de indenização em face de


Roberto Caldas, renomado cantor, por inadimplemento contratual. Sustenta que contratou
os serviços do Réu para que este realizasse um show de final de ano em uma casa famosa
de espetáculos, pagou o cachê e o cantor não compareceu para fazer sua apresentação,
advindo de sua conduta diversos prejuízos, tendo em vista que teve que devolver o dinheiro
do público pagante. Em contestação, sustenta o Réu que não realizou a apresentação,
tendo em vista ter sido acometido de forte gripe e rouquidão, o que ficou comprovado pelo
laudo médico. Procede a ação indenizatória? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 2

Se a prestação se impossibilitar sem culpa do devedor, pela ocorrência de força


maior ou de caso fortuito, resolver-se-á a obrigação, reconduzindo-se as partes ao status
quo ante, havendo devolução do que, porventura, tenham recebido, prevalecendo o
princípio ad impossibilia nemo tenetur, ou seja, de que ninguém é obrigado a realizar coisas
impossíveis. Mas se a obrigação de fazer tornar-se impossível por culpa do devedor,
responderá este por perdas e danos. Tudo indica que, no caso, o fato impediente é fortuito, e
por isso não há que se falar em responsabilidade civil do inadimplente.

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP II Direito Civil II

José ingressa com ação em face de Vôo Linhas Aéreas, requerendo a compensação
dos danos morais decorrentes do atraso no vôo programado entre Rio de Janeiro e São
Luís em julho de 2007, com escala programada apenas em Recife. Afirma que, em razão de
atrasos nos vôos, oriundos de São Paulo (Congonhas), e por não ter a conexão aguardado
seu vôo, foi obrigado a fazer trajeto bem mais longo (Rio de
Janeiro/Salvador/Recife/Fortaleza/São Luís), atrasando sua chegada ao destino final em
quatro horas. A empresa aérea, em contestação, alegou caso fortuito, por ter ocorrido o
fato durante a situação de caos aéreo que assolou e vem assolando o país, e, em especial,
em virtude dos problemas operacionais ocorridos no Aeroporto de Congonhas, de onde
proveio o vôo. Decida a questão.

Resposta à Questão 3

Embora a questão seja polêmica, não pode ser negada a incidência de mero fortuito
interno, ou seja, inerente ao risco empresarial do transportador aéreo, que não rompe o nexo
causal, ao contrário do fortuito externo.
O caos aéreo, por si só, ainda que devido parcialmente a terceiros, como o sistema
de controle aéreo (Cindacta), não exclui a responsabilidade do transportador. Assim prevê o
artigo 735 do CC, com redação idêntica à súmula 187 do STF:

“Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o


passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.”

Ademais, o trajeto prestado ao consumidor não corresponde ao contratado, tendo


sido feitas escalas não ajustadas, merecendo ser ressaltada, apenas, a norma do artigo 231
do Código Brasileiro da Aeronáutica, em cujos termos “sendo o atraso superior a quatro
horas, caberá ao transportador suportar as despesas de hospedagem e alimentação do
passageiro”.

Tema XII

Prestações pecuniárias. Dívidas de valor. Obrigação de pagamento em moeda estrangeira. Indenização.


Correção monetária.

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP II Direito Civil II

Notas de Aula37

1. Indenização

A indenização, usualmente expressa na expressão “perdas e danos”, quando devida,


é composta pelos danos materiais e morais, respectivamente patrimoniais e
extrapatrimoniais.
Como dito, o não cumprimento de uma obrigação não gera dever de indenizar
automaticamente. É necessária a efetiva causacão de um dano, pois se não há dano material
ou moral, não há que se falar em indenizar. A própria etimologia da palavra indenização
traz esta informação imanente: indenização vem de in damni, que significa desfazer o dano;
se não há dano a ser desfeito, não há o que se indenizar.
Perdas e danos, então, é a expressão que congloba todos os elementos da
indenização, material e moral. O dano moral é o avilte aos direitos da personalidade, sendo
seu espectro amplíssimo. Os danos materiais, todavia, decompõem-se em dois elementos
clássicos, quais sejam, os danos emergentes e os lucros cessantes, e uma novidade
doutrinária que tem sido aceita na jurisprudência, que vem a ser a perda de uma chance.
Os danos emergentes são aqueles prejuízos materiais efetivamente experimentados,
com a sua leitura no tempo verbal do passado: são os danos materiais que foram causados.
Os lucros cessantes, por sua vez, são aqueles danos materiais que, também efetivos, se
encontram, temporalmente, no porvir: são aqueles danos que estão sendo e serão causados.
Em breve síntese: danos emergentes são o que se perdeu; lucros cessantes, o que se deixou
de ganhar.
A perda de uma chance, por sua vez, é um elemento de alta indagação. Partamos de
uma análise indutiva: um advogado, ao conduzir uma causa, perde o prazo para a
interposição de um recurso, o qual era grandemente tendente ao sucesso – havendo
perspectiva real de triunfo. Com isso, seu cliente teve contra si transitada em julgado uma
condenação de cem mil reais por danos morais. Haveria responsabilidade civil deste
advogado?
Aqui, de todos os elementos da responsabilidade civil – conduta, nexo causal, dano
e culpabilidade –, é a identificação do elemento dano que se demonstra peculiaríssima. A
conduta está presente, materializada na ação de interpor o recurso intempestivamente; a
culpa é clara, tendo havido negligência; é o dano que demanda estudo, aqui, pois se
constatado, estará aperfeiçoado o nexo entre a conduta e este dano.
Não existe dano que seja hipotético. Mesmo no lucro cessante, há que se comprovar
fortemente o que efetivamente se deixou de ganhar. Na perda da chance, que vem do
francês pert d’une chance, ao contrário do que se poderia pensar, não se estará em nada se
aproximando de um lucro cessante hipotético: há a perda de um bem efetivo que já integra
o patrimônio do prejudicado, e não algo que certamente integraria (o que é o lucro cessante
em si). E este bem perdido é a própria chance em si.
Entenda: não se está indenizando um lucro cessante imaginário perdido, jamais,
porque não há como se indenizar um dano hipotético. Na perda da chance, o dano é
material, sendo encarado pela maior parte da doutrina como uma espécie de dano
emergente. Mas há quem defenda que não é dano emergente, propriamente dito, porque a

37
Aula proferida pelo professor Fábio de Oliveira Azevedo, em 21/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP II Direito Civil II

materialidade deste dano é questionável, e por isso a chance seria um direito subjetivo
próprio, uma nova natureza, diversa do dano material.
Em verdade, é mais simples do que parece: a chance é um direito em si, que se
exprime na assertiva de que é direito subjetivo do detentor a chance de tentar conseguir
algum proveito. Por conta disso, a extirpação desse direito subjetivo de tentar é tida por um
dano em si – há a supressão da chance, o que é um dano real de per si.
E como todo dano deve ser real, e não meramente uma hipótese, voltando ao
exemplo dado, para que se entenda existente o dano é necessário que se comprove a
existência real da chance de reverter a sentença prejudicial. Se a chance de reversão
inexiste, a conduta culposa do advogado não pode ser tida por causadora de um dano,
porque simplesmente não existe o bem jurídico supostamente afetado: não existe a chance,
e por isso não há prejuízo, porque nada foi perdido. Comprovando-se claramente a
existência real da chance de reversão, há a perda da chance, e há o dano – havendo que se
indenizar.
Veja que mesmo se existir a chance, mas de forma muito remota, se estará tratando
de uma chance hipotética, e ainda assim não há que se indenizar, porque, repise-se, não há
dano hipotético.
Quanto ao cálculo do valor da indenização pela perda da chance, o problema é ainda
mais complexo. A doutrina vem tendendo a dizer que se deve realizar um arbitramento do
valor, baseando-se como parâmetro (e apenas como parâmetro de lógica, não como medida
obrigatória) na verificação do percentual de chance de ganho que se auferiria se a chance
não fosse perdida. Veja: se, no exemplo dado, o recurso tempestivo faria com que o
condenado ao pagamento de cem mil reais reduzisse sua condenação a dez mil reais, sendo
esta chance real (porque a jurisprudência maciça condena o fato ali imputado neste
montante), o cálculo é bem simples: o advogado fez, com sua conduta culposa, com que o
cliente perdesse a chance real de deixar de pagar noventa mil reais, e este é o valor que
deverá perseguir quando acionar o próprio advogado pela perda da chance: este é o melhor
parâmetro para calcular o valor da sua chance perdida. Veja que não será o exato valor,
porque se estaria indenizando a título de lucro cessante; será mais ou menos próximo do
valor de noventa mil o quanto mais real for a chance perdida.
Em síntese: não se deve indenizar o dano meramente hipotético, pois que a certeza é
um elemento necessário do dever de indenizar. Na responsabilidade por perda de uma
chance, não se indeniza a título de lucro cessante, pois isso equivaleria à indenização de um
dano hipotético. Para a doutrina moderna, se trata de um dano emergente, que consiste
numa violação ao direito subjetivo à chance. Como qualquer dano, deverá ser comprovado
que a chance era real, sólida, e não mera possibilidade remota. A fixação da indenização é
feita por arbitramento, e não pode utilizar o valor que seria ganho se a chance não fosse
perdida de forma estanque, porque se estaria indenizando o lucro cessante hipotético; o
valor da perda pode, outrossim, valer como parâmetro para o arbitramento, sendo mais
próximo da integralidade o quanto maior for a chance perdida.

2. Pagamento de prestações pecuniárias

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP II Direito Civil II

Existem dois princípios que impõem, respectivamente, o pagamento das prestações


pecuniárias em dinheiro e em moeda nacional: são eles o nominalismo e o curso
obrigatório e curso forçado da moeda (sendo que estes dois últimos se suplementam).

Há diferença entre dívida de dinheiro e dívida de valor. Dívida de dinheiro é aquela


em que o próprio dinheiro em si é o fim da obrigação. Como exemplo, a mensalidade de
uma escola. Já na dívida de valor, o dinheiro é apenas a medida da obrigação, e não o fim
em si. Como exemplo, a dívida de alimentos, ou a própria responsabilidade civil: na dívida
alimentar, o fim é a subsistência alimentar, e o dinheiro é a medida, calcada na
possibilidade pagadora e necessidade alimentar, para que a subsistência seja possível. Na
responsabilidade civil, o fim da obrigação é o restabelecimento do status quo ante da
ocorrência do dano, e o dinheiro é somente a medida de tal reposição.
O CC adota o princípio do nominalismo no artigo 315:

“Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda


corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes.”

Pelo princípio do curso obrigatório da moeda corrente, é obrigatória a aceitação da


moeda nacional para o adimplemento das obrigações; pelo princípio do curso forçado, a
moeda nacional é a única forma de adimplemento possível. Veja o que diz o artigo 318 do
CC:

“Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda


estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da
moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.”

Veja que é perfeitamente possível se estabelecer uma obrigação em moeda


estrangeira, em dólar americano ou euro, por exemplo, mas esta moeda será
necessariamente tida apenas como indexadora da obrigação, e não a própria prestação em
si. Isto significa que, quando do vencimento desta obrigação, será observado o valor da
moeda estrangeira, mas não poderá o devedor ser impedido de pagar em moeda nacional
corrente. O STJ assim já se posicionou, dizendo ainda que a conversão será feita pelo valor
vigente no momento do pagamento. Para o STJ, não é ferido o princípio do curso
obrigatório da moeda nacional a utilização da moeda estrangeira como indexadora do
contrato, desde que possa ocorrer o efetivo pagamento em moeda nacional. A
jurisprudência do STJ, inclusive, alterou seu antigo entendimento de que a conversão era
feita pelo momento do ajuizamento da ação correspondente, passando a entender que a
conversão obedecerá o valor da moeda estrangeira no momento do efetivo pagamento.
Há três exceções ao princípio do curso obrigatório da moeda nacional, exceções
permitidas pela parte final do artigo 318 do CC. A primeira é o Decreto-Lei 857/69:

“Art 1º São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos,


bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro,
em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus
efeitos, o curso legal do cruzeiro.”

“Art 2º Não se aplicam as disposições do artigo anterior:


I - aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP II Direito Civil II

II - aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às


operações de exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o
exterior;
III - aos contratos de compra e venda de câmbio em geral;
IV - aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja
pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de
imóveis situados no território nacional;
V - aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação,
assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que
ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país.
Parágrafo único. Os contratos de locação de bens móveis que estipulem pagamento
em moeda estrangeira ficam sujeitos, para sua validade a registro prévio no Banco
Central do Brasil.”

“Art 3º No caso de rescisão judicial ou extrajudicial de contratos a que se refere o


item I do artigo 2º dêste Decreto-lei, os pagamentos decorrentes do acêrto entre as
partes, ou de execução de sentença judicial, subordinam-se aos postulados da
legislação de câmbio vigente.”

A segunda exceção é a Lei 8.880/94:

“Art. 6º - É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação


cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de
arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País,
com base em captação de recursos provenientes do exterior.”

A última exceção é a lei do Plano Real, Lei 10.192/01, que na verdade faz apenas
menção à aplicabilidade das demais exceções ao real:

“Art. 1o As estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exeqüíveis no


território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal.
Parágrafo único. São vedadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de:
I - pagamento expressas em, ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira,
ressalvado o disposto nos arts. 2o e 3o do Decreto-Lei no 857, de 11 de setembro de
1969, e na parte final do art. 6o da Lei no 8.880, de 27 de maio de 1994;
(...)”

3. Correção monetária vs. aumento real do valor

Correção monetária não é aumento real: é a mera recomposição do valor da moeda,


que a inflação corroeu ao longo do tempo.
Há uma discussão sobre o sentido do artigo 316 do CC. Veja:

“Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.”

Este artigo é muito controverso. Há quem entenda que se trata de autorização legal
para a chamada cláusula de escala móvel, que é a cláusula que permite gradações efetivas,
aumentos reais, nas prestações de trato sucessivo. Como exemplo, uma cláusula que
preveja prestações de mil no primeiro ano, dois mil no segundo, e três mil no terceiro ano
de contrato.
Mas há quem entenda que este dispositivo seja apenas a autorização para a correção
monetária, recomposição do valor da moeda. Gustavo Tepedino é um dos que entendem

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP II Direito Civil II

que é uma autorização à escala móvel, pela simples razão de que a correção monetária
dispensa, para sua admissibilidade, qualquer previsão legal expressa: é permitida pela
própria vedação ao enriquecimento ilícito, que ocorreria para o devedor se não se pudesse
se recompor o valor perdido da moeda, ao longo do tempo.

Casos Concretos

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP II Direito Civil II

Questão 1

Jarbas firma com o Banco Pontual contrato de mútuo, cujo objeto foi vinculado ao
dólar norte-americano, a ser convertido para a moeda nacional por ocasião do
vencimento, devendo o pagamento ocorrer no Brasil. Comente a legalidade da cláusula
acima, em face do curso forçado da moeda nacional e da orientação jurisprudencial sobre
a matéria.

Resposta à Questão 1

A jurisprudência do STJ é hoje pacífica no sentido do cabimento da contratação em


moeda estrangeira, desde que o pagamento seja realizado em moeda nacional. Logo, o real
figurará como moeda de pagamento, ou seja, aquela fixada para execução do contrato,
limitando-se o dólar americano a funcionar como moeda de conta (aquela em função da
qual a obrigação é contratada), não violando o curso legal da moeda nacional, estabelecido
no artigo 1º, parágrafo único, da Lei 10.192/01, que dispõe sobre medidas complementares
ao Plano Real, e no artigo 1º do Decreto-Lei 857/69.
Veja o REsp 402.071:

“Contrato de empréstimo em moeda estrangeira. Resolução nº 63 do Banco Central


do Brasil. Nota promissória. Abusividade. TR. Precedentes da Corte.
1. A jurisprudência da Corte "já assentou a melhor interpretação do art. 1º do
Decreto-lei nº 857/69, admitindo a contratação em moeda estrangeira, desde que o
pagamento seja realizado pela conversão em moeda nacional" (REsp nº
194.629/SP, da minha relatoria, DJ de 22/5/00; no mesmo sentido: REsp nº
90.875/RJ, da minha relatoria, DJ de 01/12/97; REsp nº 86.124/SP, Relator o
Senhor Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 21/10/96; REsp nº 57.581/SC, Relator o
Senhor Ministro Barros Monteiro, DJ de 18/10/99). Exempli pare, esta Turma
decidiu que quando o título requer, apenas, a elaboração de cálculos aritméticos,
não há falar em falta de liquidez, aí incluída a conversão de moeda estrangeira
(REsp nº 270.674/RS, da minha relatoria, DJ de 20/8/01).
2. Desde que pactuada é possível a adoção da TR como índice de correção
monetária.
3. Meras alegações genéricas sobre a abusividade do contrato e o excesso de
execução não servem para derrubar a afirmação do Acórdão recorrido sobre a
legalidade das cláusulas contratadas e a ausência de prova do excesso de execução.
4. Recurso especial não conhecido.”

Agora, o REsp 332.944:

“CIVIL E PROCESSUAL. CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO


EXTERNO EM MOEDA ESTRANGEIRA, COM PREVISÃO DE
PAGAMENTO EM MOEDA NACIONAL. VALIDADE. AVAL E HIPOTECA.
NOTA PROMISSÓRIA. EXECUÇÃO CORRETAMENTE DIRIGIDA CONTRA
OS GARANTES. SÚMULA N. 27/STJ. DEMONSTRATIVO DA DÍVIDA.
SUFICIÊNCIA.
I. Válida a execução que tem como títulos contrato de repasse de empréstimo
externo em moeda estrangeira, com previsão de pagamento equivalente em moeda
nacional, acompanhado de nota promissória.
II. "Pode a execução fundar-se em mais de um titulo extrajudicial relativos ao
mesmo negócio" (Súmula n. 27/STJ).

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP II Direito Civil II

III. Correta a execução movida contra os garantes, seja em função de aval dado na
nota promissória, seja em razão da hipoteca atrelada ao contrato.
IV. Instrução suficiente da execução.
V. Recurso especial conhecido e provido.”

Questão 2

Caio celebrou com Tício contrato de mútuo feneratício, dele recebendo a quantia
de R$ 10.000,00, com a taxa de 3% ao mês de juros remuneratórios, vencendo-se o
empréstimo no dia 30 de outubro de 2003; o mutuário não realizou o pagamento no seu
vencimento. O mutuante ajuíza a ação, dele exigindo o principal, correção monetária, pelo
índice previsto no contrato, que é o IGP-M, juros remuneratórios devidos, juros
moratórios, multa moratória, também avençada, de 20% sobre o débito, além das perdas e
danos, já que insuficiente à multa para ressarci-lo integralmente, mais custas e honorários
de advogado. Em sua defesa, sustenta Caio o excesso de cobrança, alegando a existência
de "bis in idem", já que a multa e as perdas e danos têm a mesma natureza jurídica, aduz,
ainda, a prática de juros abusiva e impossibilidade de cumulação entre juros
remuneratórios e moratórios. Julgue a causa, dispensando relatório. Se for acolhida a
pretensão, a partir de quando fluirão a correção monetária e os juros? Justifique.

Resposta à Questão 2

Inadmissível a cumulação entre a cláusula penal compensatória e as perdas e danos,


na ausência de convenção neste sentido, em face do que dispõe o artigo 416, parágrafo
único, do CC. Tal situação não se confunde com a do artigo 411, que não fala em perdas e
danos (já prefixadas na cláusula penal), mas apenas na obrigação principal, que pode ser
objeto de execução específica.
A cobrança de juros remuneratórios é abusiva, em face do que dispõe o artigo 591
do CC, em cujos termos, destinando-se o mútuo a fins econômicos, os juros não poderão
exceder a taxa de um por cento prevista no artigo 161, § 1º, do CTN, correspondente a doze
por cento ao ano e um por cento ao mês. Nesse sentido, veja o enunciado 20 do CJF:

“Enunciado 20, CJF: Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406
é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês.
A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é
juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é
operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros
ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo
Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser
incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros
reais superiores a doze por cento ao ano.”

Merece ainda referência a Lei de Usura, Decreto 22.626/33, em seu artigo 1º:

“Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer
contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062).
(...)
§ 3º. A taxa de juros deve ser estipulada em escritura publica ou escrito particular,
e não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano, a

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EMERJ – CP II Direito Civil II

contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial.


(Retificado)”

O valor da cláusula penal, em vinte por cento, também se mostra excessivo,


ultrapassando o limite de dez por cento previsto no artigo 9º da Lei de Usura, sem prejuízo
do disposto no artigo 413 do CC, que permite ao juiz reduzi-lo, se o seu montante for
manifestamente excessivo. Embora o artigo 8º da Lei de Usura determine que a prefixação
das perdas e danos por meio de cláusula penal inclui as custas judiciais e honorários
advocatícios, a jurisprudência majoritária não afasta os ônus sucumbenciais a cargo do
vencido, na forma da legislação processual civil.
Nada obsta a cumulação entre juros remuneratórios e compensatórios, cada qual
visando a uma finalidade diversa, ou seja, punir a mora do devedor e remunerar o credor
pelo capital colocado à disposição do devedor. Porém, faz-se necessário que haja uma
sucessão entre ambos, ou seja, apenas os juros de mora passem a fluir a partir do
inadimplemento.
A fluência dos juros de mora passa a fluir a partir do vencimento, em se tratando de
mora ex re, em havendo termo, na forma do artigo 397 do CC. O mesmo deve ser dito em
relação à correção monetária, em face do que dispõe o artigo 1º, § 1º, da Lei 6.899/01.

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