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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Tema I

A organização dos Poderes. O princípio da separação dos Poderes. O controle recíproco entre os poderes. A
organização dos Poderes nos Estados e nos Municípios.

Notas de Aula1

1. Organização dos poderes

A organização dos poderes, como hoje posta, é fundamentalmente calcada na


separação dos poderes. Este princípio, esta tese, foi sistematizada por Montesquieu, mas
não foi por ele criada, eis que desde a Grécia antiga já se falava nesta separação, nas obras
de Aristóteles e Platão.
Em seguida, John Locke também tratou deste princípio, ao tratar dos limites do
poder estatal, em fundamento calcado no direito natural, antecedente e superior ao poder
estatal. Este autor dividiu o poder em rudimentos de um legislativo e um executivo.
Mas foi mesmo Montesquieu quem elaborou a tripartição de poderes, como hoje se
conhece. Ao se falar em tripartir o poder, na verdade há uma impropriedade, pois o poder
do Estado é uno e indivisível; o que se divide não é o próprio poder: dividem-se as funções
do poder estatal. Há uma divisão funcional do poder estatal. E há também uma separação
espacial do poder, que se verifica na ideia da federação, em que o poder se divide de forma
quadripartite, no Brasil – União, Estados, Municípios e Distrito Federal.
Montesquieu criou, portanto, a tripartição de poderes, de início estabelecendo: o
Legislativo; o Executivo do Direito das Gentes (espécie de direito público, o Executivo que
hoje conhecemos)); e o Executivo do Direito Civil (espécie de Poder Judiciário, como hoje
conhecemos).
Da formulação de Montesquieu decorreu o parlamentarismo inglês, e, mais tarde, o
presidencialismo estadunidense. O sistema presidencialista foi criado nos Estados Unidos
da América, que não adotaram o sistema parlamentarista inglês por não reputar a fórmula
do parlamento inglês a melhor para sua conformação política. Pelo ensejo, é interessante
traçar um paralelo entre o parlamentarismo e o presidencialismo, pois grandes são as
diferenças entre estes sistemas de governo, especialmente em relação à separação de
poderes.
No presidencialismo, há unidade do Poder Executivo, enquanto no parlamentarismo
há dualidade interna deste Poder. Isto significa que, no presidencialismo, o presidente é
tanto chefe de Estado quanto chefe de Governo – chefia de Estado é a representação
política internacional, enquanto chefia de Governo é a direção política interna. No
parlamentarismo, estes encargos se dividem entre duas figuras: o chefe de Estado é o
presidente, se se tratar de uma República parlamentarista; ou é o monarca, se se tratar de
uma Monarquia parlamentarista. Já o chefe de Governo, em qualquer das formas de Estado
parlamentarista (Monarquia ou República), é o primeiro ministro.
O primeiro ministro é vinculado ao parlamento, ao Legislativo, para poder atuar,
para governar. Não existe, no planeta, um parlamentarismo idêntico a outro, pelo que aqui
se focará o estudo no parlamentarismo inglês, que é o mais clássico, por assim dizer. Na
Inglaterra, o parlamentarismo surgiu da seguinte forma: com a Magna Carta, instituiu-se
um Conselho de Barões, dividido em duas casas – a câmara alta, Câmara dos Lordes, os
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Aula ministrada pelo professor João Mendes Rodrigues, em 9/4/2010.

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representantes da nobreza, e a câmara baixa, Câmara dos Deputados, representante popular.


Para fazer a interseção entre este parlamento e o Rei, este escolheu um gabinete de
ministros, representantes do Rei perante o parlamento. Dentre estes ministros, um deles se
tornou líder, na prática, e depois teve reconhecida a sua condição de primeiro ministro.
Adiante na história, a formação do gabinete de ministros passou a ser incumbência do
próprio parlamento, e não mais do Rei. Desta construção é que surgiu a dualidade do Poder
Executivo, no parlamentarismo clássico inglês.
Outra característica do presidencialismo é a irresponsabilidade política, que se
contrapõe à responsabilidade política do parlamentarismo. Neste, o primeiro ministro
depende da confiança que o parlamento deposita em si para desempenhar suas funções; se
perde esta confiança, pode sofrer uma moção de desconfiança, e ser deposto. Veja que não
cometeu qualquer infração à lei, à constituição, à ordem jurídica: ele simplesmente perdeu a
confiança do parlamento. Esta responsabilidade estritamente política não existe no
presidencialismo: se o presidente se vir em relação de tensão com o Congresso, não poderá
ser deposto por mera perda da confiança em si depositada2.
Vejamos um esquema gráfico:

Parlamentarismo Presidencialismo
Colaboração entre os poderes (vinculação do
Separação de poderes
Executivo ao parlamento)

Dualidade do Poder Executivo Unidade do Poder Executivo

Responsabilidade política Irresponsabilidade política

Retornando ao foco da separação de poderes, no modelo presidencialista, adotado


no Brasil com base no estadunidense, há o sistema de freios e contrapesos, controle
recíproco entre os poderes, exercido pela divisão de atividades típicas e atípicas de cada
poder. Cada poder exerce funções típicas e atípicas, e isto define bem a separação de
funções do poder.
A atividade típica natural do Poder Legislativo é a legiferante: produzir leis é sua
função maior. Contudo, a atividade de fiscalização que este Poder Legislativo exerce é
também típica, pelo seguinte aspecto: aquele que emite as leis, que nada mais são do que as
decisões do povo, tem o dever natural de fiscalizar o cumprimento destas leis, e por isso a
atividade fiscalizatória3 é imanente à atividade legislativa.
A CPI é um bom exemplo desta função típica: nada mais é, a comissão parlamentar
de inquérito, do que um órgão fracionário do Congresso, com atribuições investigativas.
Sendo função típica, pode-se dizer que, ainda que a CRFB não permitisse a criação de CPIs
expressamente, mesmo assim o Poder Legislativo ainda poderia criar estes órgãos com tal
atribuição. Veja, sobre isso, o HC 71.039, do STF:

2
A existência do impeachment não consiste em responsabilidade política: o presidente será deposto por
impeachment quando violar a ordem jurídica, e não por mera quebra de confiança. É claro que o
impeachment tem conteúdo político, mas não é exclusivamente motivado politicamente.
3
Tanto o controle externo realizado com auxílio do Tribunal de Contas quanto a CPI são manifestações desta
fiscalização.

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“HC 71039 / RJ - RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator Min. PAULO


BROSSARD. Julgamento: 07/04/1994. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação: DJ 06-12-1996.
EMENTA: Ao Supremo Federal compete exercer, originariamente, o controle
jurisdicional sobre atos de comissão parlamentar de inquérito que envolvam
ilegalidade ou ofensa a direito individual, dado que a ele compete processar e
julgar habeas-corpus e mandado de segurança contra atos das Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, art. 102, I, i, da Constituição, e a comissão
parlamentar de inquérito procede como se fora a Câmara dos Deputados ou o
Senado Federal ou o Congresso Nacional. Construção constitucional consagrada,
MS 1959, de 1953 e HC 92.678, de 1953. Às câmaras legislativas pertencem
poderes investigatórios, bem como os meio instrumentais destinados a torná-los
efetivos. Por uma questão de funcionalidade elas os exercem por intermédio de
comissões parlamentares de inquérito, que fazem as suas vezes. Mesmo quando as
comissões parlamentares de inquérito não eram sequer mencionadas na
Constituição, estavam elas armadas de poderes congressuais, porque sempre se
entendeu que o poder de investigar era inerente ao poder de legislar e de fiscalizar,
e sem ele o Poder Legislativo estaria defectivo para o exercício de suas atribuições.
O poder investigatório é auxiliar necessário do poder de legislar; "conditio sine qua
non" de seu exercício regular. Podem ser objeto de investigação todos os assuntos
que estejam na competência legislativa ou fiscalizatória do Congresso. Se os
poderes da comissão parlamentar de inquérito são dimensionados pelos poderes da
entidade matriz, os poderes desta delimitam a competência da comissão. Ela não
terá poderes maiores do que os de sua matriz. De outro lado, o poder da comissão
parlamentar de inquérito é coextensivo ao da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal o do Congresso Nacional. São amplos os poderes da comissão parlamentar
de inquérito, pois são os necessários e úteis para o cabal desempenho de suas
atribuições. Contudo , não são ilimitados. Toda autoridade, seja ela qual for, está
sujeita à Constituição. O Poder Legislativo também e com ele as suas comissões. A
comissão parlamentar de inquérito encontra na jurisdição constitucional do
Congresso seus limites. Por uma necessidade funcional, a comissão parlamentar de
inquérito não tem poderes universais, mas limitados a fatos determinados, o que
não quer dizer não possa haver tantas comissões quantas as necessárias para
realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos, inicialmente
imprevistos, não possam ser aditados aos objetivos da comissão de inquérito, já em
ação. O poder de investigar não é um fim em si mesmo, mas um poder
instrumental ou ancilar relacionado com as atribuições do Poder Legislativo. Quem
quer o fim dá os meios. A comissão parlamentar de inquérito, destinada a
investigar fatos relacionados com as atribuições congressuais, tem poderes
imanentes ao natural exercício de suas atribuições, como de colher depoimentos,
ouvir indiciados, inquirir testemunhas, notificando-as a comparecer perante ela e a
depor; a este poder corresponde o dever de, comparecendo a pessoa perante a
comissão, prestar-lhe depoimento, não podendo calar a verdade. Comete crime a
testemunha que o fizer. A Constituição, art. 58, § 3º, a Lei 1579, art. 4º, e a
jurisprudência são nesse sentido. Também pode requisitar documentos e buscar
todos os meios de provas legalmente admitidos. Ao poder de investigar
corresponde, necessariamente, a posse dos meios coercitivos adequados para o
bom desempenho de suas finalidades; eles são diretos, até onde se revelam
eficazes, e indiretos, quando falharem aqueles, caso em que se servirá da
colaboração do aparelho judiciário. Os poderes congressuais, de legislar e
fiscalizar, hão de estar investidos dos meios apropriados e eficazes ao seu normal
desempenho. O poder de fiscalizar, expresso no inciso X do ar t. 49 da
Constituição, não pode ficar condicionado a arrimo que lhe venha a dar outro
Poder, ainda que, em certas circunstâncias, ele possa vir a ser necessário. A
comissão parlamentar de inquérito se destina a apurar fatos relacionados como a
administração, Constituição, art. 49, X, com a finalidade de conhecer situações que

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possam ou devam ser disciplinadas em lei, ou ainda para verificar os efeitos de


determinada legislação, sua excelência, inocuidade ou nocividade. Não se destina a
apurar crimes nem a puni-los, da competência dos Poderes Executivo e Judiciário;
entretanto, se no curso de uma investigação, vem a deparar fato criminoso, dele
dará ciência ao Ministério Público, para os fins de direito, como qualquer
autoridade, e mesmo como qualquer do povo. Constituição, art. 58, § 3º, in fine. A
comissão parlamentar de inquérito tem meios para o desempenho de suas
atribuições e finalidades. Procede regularmente com os seus meios, intimando
testemunhas, requisitando papéis, servindo-se dos meios ordinários e habituais, o
contacto direto do relator, o telefone, o ofício, a intimação por funcionário seu,
posto à sua disposição, e só por exceção se serve da colaboração de outro poder.
Dificilmente a comissão poderia cumprir sua missão se, a todo momento e a cada
passo, tivesse de solicitar a colaboração do Poder Judiciário para intimar uma
testemunha a comparecer e a depor. Em casos de resistência ou recalcitrância ou
desobediência, comprovados e certificados pela comissão, por meio de seu
funcionário, solicita a colaboração do aparelho entre os Poderes, não lhe pode
negar. Lei 1579, art. 3º parágrafo único. Se a comissão parlamentar de inquérito
não tivesse meios compulsórios para o desempenho de suas atribuições, ela não
teria como levar a termo os seus trabalhos, pois ficaria à mercê da boa vontade ou,
quiçá, da complacência de pessoas das quais dependesse em seu t rabalho. Esses
poderes são inerentes à comissão parlamentar de inquérito e são implícitos em sua
constitucional existência. Não fora assim e ela não poderia funcionar senão
amparada nas muletas que lhe fornecesse outro Poder, o que contraria a lógica das
instituições. A comissão pode, em princípio, determinar buscas e apreensões, sem o
que essas medidas poderiam tornar-se inócuas e quando viessem a ser executadas
cairiam no vazio. Prudência, moderação e adequação recomendáveis nessa matéria,
que pode constituir o "punctum dollens" da comissão parlamentar de inquérito no
exercício de seus poderes, que, entretanto, devem ser exercidos, sob pena da
investigação tornar-se ilusória e destituída de qualquer sentido útil. Em caso de
desacato, à entidade ofendida cabe tomar as providências devidas ato contínuo,
sem prejuízo do oportuno envio das peças respectivas ou do atuo correspondente
ao Ministério Público para a instauração do processo criminal. Ninguém pode
escusar-se de comparecer a comissão parlamentar de inquérito para depor.
Ninguém pode recusar-se a depor. Contudo, a testemunha pode escusar-se a prestar
depoimento se este colidir com o dever de guardar sigilo. O sigilo profissional tem
alcance geral e se aplica a qualquer juízo, cível, criminal, administrativo ou
parlamentar. Não basta invocar sigilo profissional para que a pessoa fique isenta de
prestar depoimento. É preciso haver um mínimo de credibilidade na alegação e só
a posteriori pode ser apreciado caso a caso. A testemunha, não pode prever todas as
perguntas que lhe serão feitas. O Judiciário deve ser prudente nessa matéria, par
evitar que a pessoa venha a obter HC par calar a verdade, o que é modalidade de
falso testemunho. Prisão decretada pelo presidente da CPI que extravasa
claramente os limites legais. "Habeas Corpus" concedido para cassar o decreto
ilegal, sem prejuízo do dever de seu comparecimento à Comissão, para ser
inquirido como testemunha ou ouvido como indiciado.”

Vale dizer que as constituições brasileiras de 1824 e 1891 não previam


expressamente as CPIs.
O Poder Judiciário exerce como função típica a atividade judicante, e como função
atípica toda atividade administrativa ou legislativa (respectivamente, por exemplo, a
realização de um concurso ou a elaboração de um regimento interno). Basicamente, o que
se vê no artigo 96, I e II, da CRFB é função atípica do Judiciário:

“Art. 96. Compete privativamente:

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I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com
observância das normas de processo e das garantias processuais das partes,
dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos
jurisdicionais e administrativos;
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem
vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da
respectiva jurisdição;
d) propor a criação de novas varas judiciárias;
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o
disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da
Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei;
f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e
servidores que lhes forem imediatamente vinculados;
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de
Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e
dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus
membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;
d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e
Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de
responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.”

O Poder Executivo, tipicamente, exerce funções administrativas, realizando função


atípica quando elabora leis delegadas, decretos regulamentares ou medidas provisórias, por
serem atividades eminentemente legislativas. Há uma controvérsia se o Executivo
desempenha atividade judicante de forma atípica, consubstanciada no processo
administrativo disciplinar: há quem defenda que sim, mas é mais coerente, e por isso
prevalece, a tese de que não se trata de atividade judicante por carecer da definitividade que
impregna toda decisão judicial transitada em julgado (a preclusão administrativa não afasta
a possibilidade de se discutir em juízo a questão).
Vale dizer que o Poder Legislativo exerce função jurisdicional, quando julga
determinadas autoridades, como se verá adiante.

1.1. Organização dos poderes nos Estados e Municípios

O Estado-Membro tem poder constituinte derivado decorrente para se auto-


organizar, o que permite que edite sua constituição estadual. Os municípios não tem este
poder, não sendo a lei orgânica municipal um ato constituinte. Contudo, há corrente
minoritária que defende que o Município exerce, sim, poder constituinte derivado
decorrente de terceiro grau, mas é posição sem expressão.
A lei orgânica distrital, por sua vez, é peculiarmente híbrida, eis que o Distrito
Federal é um ente híbrido, cumulando posição estadual e municipal. Sendo assim, tem
natureza de constituinte derivado decorrente, no que disciplinar matéria estadual. Por isso,
pode haver controle de constitucionalidade de lei municipal diante desta lei orgânica
distrital, na parte que esta, como paradigma, versar sobre matéria de cunho estadual.

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Quanto à divisão dos poderes, os Estados, tal como a União, contam com a
tripartição, enquanto os Municípios são bipartites, não contando com Poder Judiciário. O
DF, por seu turno, poderia suscitar dúvidas, eis que há ali Poder Judiciário instalado, mas
este é mantido pela União, pelo que não há natureza municipal deste Poder Judiciário
distrital – as leis que disciplinam o Judiciário distrital são federais.
O poder constituinte derivado decorrente não é ilimitado como o originário. Seus
limites são: os princípios constitucionais sensíveis, do artigo 34, VII, da CRFB, que quando
violados ensejam a intervenção federal; os princípios constitucionais estabelecidos, aqueles
que a CRFB impôs diretamente aos Estados; e os princípios constitucionais extensíveis, que
são aqueles que a CRFB impôs à União, mas que devem ser estendidos, por simetria, aos
Estados.

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento
do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 29, de 2000).”

Quanto à simetria, é interessante enumerar alguns casos em que esta se verifica, o


que será feito em tópico próprio, adiante.

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Casos Concretos

Questão 1

Certa Constituição Estadual contém os seguintes dispositivos:

"...art. 92, V - O Desembargador será transferido obrigatoriamente para a


inatividade, com vencimentos integrais, quando completar dez anos de Tribunal
desde que tenha alcançado trinta anos de serviço;...art. 109, P.U. - Ao Procurador
de Justiça aplica-se o disposto no art. 92, V, desta Constituição, quando completar
o estabelecido na Procuradoria de Justiça;...art. 50, § 4º - Ao Conselheiro do
Tribunal de Contas aplica-se o disposto no art. 92, V, desta Constituição;... art. 42
do ADCT - Para cumprimento do estabelecido nos artigos 92, V, 109, P.U., e 50,
§4º desta Constituição, os Desembargadores, Procuradores de Justiça e
Conselheiros do Tribunal de Contas, atingidos pela determinação, após a data da
promulgação desta, permanecerão na ativa, no máximo por três dias, para a
promoção dos seus substitutos;...art. 121 - O Conselho Estadual de Justiça é órgão
de consulta e de fiscalização nos assuntos relacionados com o desenvolvimento da
estrutura do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da
Procuradoria-Geral do Estado e dele participam como membros: I - O Presidente
do Tribunal de Justiça; II - O Corregedor-Geral da Justiça; III - um representante
da Assembléia Legislativa do Estado; IV - O Presidente da OAB; V - O
Procurador-Geral de Justiça; VI - O Procurador-Geral do Estado; VII - O
Procurador-Geral da Defensoria Pública; VIII - O Secretário de Justiça. §1º -
Integram ainda o Conselho Estadual de Justiça um Juiz de Direito, um Promotor,
um Advogado, um Defensor Público, um Procurador de Estado e um serventuário
da Justiça, eleitos pelas respectivas categorias profissionais; §2º - O Conselho
Estadual da Justiça, que somente poderá deliberar com a presença da maioria
absoluta dos seus membros, será presidido pelo Presidente do Tribunal de Justiça
ou, na sua ausência, na seqüência, pelos membros referidos nos incisos deste
artigo;...art. 122 - Compete ao Conselho Estadual de Justiça: I - exercer a
fiscalização dos órgãos da estrutura judiciária, respeitados os seus poderes e
atribuições constitucionais; II - recomendar aos órgãos da estrutura judiciária a
instauração de medidas disciplinares contra seus membros; III - apresentar aos
órgãos da estrutura judiciária indicação de medidas que objetivem ao
aperfeiçoamento dos serviços da Justiça; IV - apurar denúncias contra agentes de
serventias judiciais e extrajudiciais, recomendando as medidas que julgar cabíveis;
V - exercer outras competências que lhe forem cometidas em lei;...art. 123 - Os
integrantes do Conselho Estadual de Justiça não perceberão remuneração."

O Poder Constituinte Estadual entendeu que, desde que fossem obedecidos os


princípios e respeitadas as vedações contidas na Constituição da República, teria o Estado
liberdade para disciplinar o relacionamento entre os órgãos de exercício de poder, a
estrutura deles e o seu modo de seu exercício.
Nessa linha, argumenta que na legislação não há palavra vã. É o juiz que decide
por si, razão pela qual o seu cargo precisa de garantia da vitaliciedade. Entretanto, o

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Desembargador integra um colegiado, que profere decisão por unanimidade ou por


maioria. Nessa hipótese, é o Tribunal que julga, e o Tribunal não precisa de vitaliciedade.
Acentua que, do artigo 95, I, da C.R.F.B., exsurge a idéia de que a vitaliciedade é garantia
do cargo e não da função. Por isso, não significa permanência no exercício da função
jurisdicional. O modelo estadual proposto visa à oxigenação do Poder Judiciário. Não
haverá prejuízo, pois os magistrados serão aposentados com proventos integrais.
Quanto à criação do Conselho Estadual de Justiça, destaca que a norma harmoniza-se
com o estabelecido no art. 125, da C.R.F.B.. Tal órgão dirige-se mais para o
assessoramento do que para a fiscalização propriamente dita, e seu modelo foi importado
de países democráticos como França, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha etc.
Examinado o enunciado, comente, fundamentadamente, a constitucionalidade da norma
estadual.

Resposta à Questão 1

No debate sobre a constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça,


enfrentaram-se argumentos pertinentes à casuística. O primeiro foi de que o CNJ afrontaria
a separação de poderes, eis que seria controle externo do Judiciário criado pelo Legislativo,
por meio de emenda, não previsto na CRFB – sendo que o controle externo só pode ser
efetivado nas formas que a Constituição prevê. O controle seria externo porque há membros
do CNJ alheios ao Judiciário. Outro argumento contrário ao CNJ é o de que este afrontaria
o pacto federativo, eis que órgão federal estaria fiscalizando órgãos estaduais, a justiça
estadual.
Nenhuma das teses foi encampada pelo STF. O CNJ é órgão do Judiciário, com
natureza administrativa, mas pertencente a este Poder (não fiscaliza a atividade judicante
em si, mas a estrutura administrativa do Judiciário) – não havendo violação à separação de
poderes. A composição híbrida deste órgão não afronta a separação de poderes, pois de
onde quer que venham os membros, uma vez integrados ao órgão, integram o Judiciário
(assim como ocorre com os próprios Ministros do STF).
Sobre o argumento de que há afronta ao pacto federativo, o STF entendeu que o
CNJ não é um órgão federal, e sim nacional, de acordo com a unidade do Judiciário. Por
isso, não haveria esta afronta.
A criação de conselhos estaduais de justiça, no entanto, é considerada
inconstitucional pelo STF, e é matéria sumulada, como se vê no enunciado 649 desta Corte:

“Súmula 649, STF: É inconstitucional a criação, por Constituição Estadual, de


órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual participem
representantes de outros poderes ou entidades.”

Veja a ementa da ADI 3.367, que tratou da criação do Conselho Nacional de Justiça:

“ADI 3367 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. CEZAR PELUSO.
Julgamento: 13/04/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 17-03-
2006.
EMENTAS: 1. AÇÃO. Condição. Interesse processual, ou de agir. Caracterização.
Ação direta de inconstitucionalidade. Propositura antes da publicação oficial da
Emenda Constitucional nº 45/2004. Publicação superveniente, antes do julgamento

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da causa. Suficiência. Carência da ação não configurada. Preliminar repelida.


Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Devendo as condições da ação coexistir à
data da sentença, considera-se presente o interesse processual, ou de agir, em ação
direta de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional que só foi publicada,
oficialmente, no curso do processo, mas antes da sentença. 2.
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004.
Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza
meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e
disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e
independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio.
Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência.
Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função
jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício
imparcial e independente. Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso.
Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos
vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda
Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o
Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário
nacional. 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime orgânico unitário.
Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo.
Conselho de Justiça. Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de
competência constitucional. Os Estados membros carecem de competência
constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho
destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da
respectiva Justiça. 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão
de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade
administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa
apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal
Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o
Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional.
Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF. O Conselho Nacional
de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus
ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele
está sujeito. 5. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça.
Competência. Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão
administrativa. Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e
constante do Projeto que resultou na Emenda Constitucional nº 45/2004. Supressão
pelo Senado Federal. Reapreciação pela Câmara. Desnecessidade. Subsistência do
sentido normativo do texto residual aprovado e promulgado (art. 103-B, § 4º, III).
Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art. 95, I, parte final, da CF.
Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não ocorrência. Argüição repelida. Precedentes.
Não precisa ser reapreciada pela Câmara dos Deputados expressão suprimida pelo
Senado Federal em texto de projeto que, na redação remanescente, aprovada de
ambas as Casas do Congresso, não perdeu sentido normativo. 6. PODER
JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Membro. Advogados e cidadãos.
Exercício do mandato. Atividades incompatíveis com tal exercício. Proibição não
constante das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004. Pendência de projeto
tendente a torná-la expressa, mediante acréscimo de § 8º ao art. 103-B da CF.
Irrelevância. Ofensa ao princípio da isonomia. Não ocorrência. Impedimentos já
previstos à conjugação dos arts. 95, § único, e 127, § 5º, II, da CF. Ação direta de
inconstitucionalidade. Pedido aditado. Improcedência. Nenhum dos advogados ou
cidadãos membros do Conselho Nacional de Justiça pode, durante o exercício do
mandato, exercer atividades incompatíveis com essa condição, tais como exercer
outro cargo ou função, salvo uma de magistério, dedicar-se a atividade político-
partidária e exercer a advocacia no território nacional.”

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Sobre a vitaliciedade das pessoas ali apontadas, no enunciado da questão, é cediço


que esta é uma garantia da função, e não da pessoa que a ocupa. Sendo assim, a emenda
que retira esta vitaliciedade é claramente ofensiva à Constituição, assim como o é a que cria
tal garantia para quem não a tenha atribuída na CRFB.

Questão 2

A Associação dos Magistrados Brasileiros promoveu Ação Direta de


Inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei nº XXX, aprovada pela Assembléia
Legislativa de uma unidade federativa a qual instituía o Código Estadual de Qualidade
dos Serviços Públicos que prevê controle de atividades do Poder Judiciário pelo Poder
Executivo sob pena de sanções pecuniárias e de controle orçamentário, afrontando
diretamente os artigos 2º, 96, I, "a" e "b", e 99 "caput" (primeira parte) e respectivo § 1º,
da Carta Magna. Examinado o enunciado, responda fundamentadamente:
1) Há inconstitucionalidade material na referida Lei?
2) Qual é o significado da expressão "poder" em sentido político?
3) Qual é a importância do princípio da separação dos poderes?
4) Estabeleça a distinção entre funções executiva e jurisdicional.
5) Há controle recíproco entre os poderes?

Resposta à Questão 2

1) Sim, as normas apontadas foram de fato violadas, eis que estabeleceu controle
externo alheio ao que a CRFB estipula, afrontando a separação de poderes.
2) Poder político, segundo Nagib Slaibi Filho, é o “conjunto de órgãos políticos de
um determinado nível federativo, que, ligados pela irmandade da similaridade das
funções, exercitam atividade estatal específica.”. Vê-se que há íntima correlação
com a separação territorial dos poderes, outra faceta deste princípio. Em última
instância, é a capacidade que cada ente da federação tem de se organizar.
3) A maior relevância deste princípio, em última análise, é a proteção do indivíduo,
evitando a concentração de poder em um único órgão ou pessoa. Por isso, a
alegação deste princípio contra os direitos individuais não pode ser suscitada (o que
ocorre bastante em teses defensivas do Estado, por exemplo, como na contestação
de pretensões de efetivação de direitos fundamentais, como a saúde).
4) A diferença entre a função jurisdicional e a administrativa assenta na
definitividade daquela, ausente nesta. Segundo Nagib, mais do que isso, o que
diferencia uma da outra é a substitutividade que se impõe na esfera jurisdicional,
ausente da administrativa, em que uma das partes é também a que decide.
5) Sim, porque cada poder exerce funções atípicas, que premiam o sistema de freios
e contrapesos.

Sobre o tema, veja a ADI 1.905:

“ADI 1905 MC / RS - RIO GRANDE DO SUL. MEDIDA CAUTELAR NA


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE. Julgamento: 19/11/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação: DJ 05-11-2004.

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

EMENTA: Separação e independência dos Poderes: freios e contra-pesos:


parâmetros federais impostos ao Estado membro. I. Os mecanismos de controle
recíproco entre os Poderes, os "freios e contrapesos" admissíveis na estruturação
das unidades federadas, sobre constituírem matéria constitucional local, só se
legitimam na medida em que guardem estreita similaridade com os previstos na
Constituição da República: precedentes. II. Conseqüente plausibilidade da
alegação de ofensa do princípio fundamental por dispositivos da L. est. 11.075/98-
RS (inc. IX do art. 2º e arts. 33 e 34), que confiam a organismos burocráticos de
segundo e terceiro graus do Poder Executivo a função de ditar parâmetros e
avaliações do funcionamento da Justiça: medida cautelar deferida.”

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Tema II

Os sistemas de Governo. Presidencialismo e parlamentarismo. A organização do Poder Executivo na


Constituição. O Poder Executivo nos Estados e Municípios.

Notas de Aula4

1. Simetria constitucional

1.1. Simetria no Poder Legislativo

No âmbito do Poder Legislativo, o principal caso em que a simetria se impõe é o


processo legislativo: não pode a constituição estadual tratar de matéria que seja de
iniciativa privativa do Governador, porque esta iniciativa se reprisa, em nível estadual, ao
espelho da iniciativa do Presidente da República em nível federal – como exemplo, o
regime de servidores públicos estaduais é matéria dada a lei de iniciativa privativa do
governador, tal como é de iniciativa privativa do Presidente a lei sobre serviço público
federal. Outro exemplo seria uma emenda constitucional de iniciativa parlamentar, em
matéria privativa do governador.
O artigo 61, § 1º, II, “b”, da CRFB, é importante:

“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer


membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do
Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal,
aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na
forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II - disponham sobre:
(...)
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária,
serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
(...)”

Este dispositivo fala sobre territórios, que são autarquias territoriais, e não em geral,
pelo que somente ali é que a lei sobre matéria tributária tem iniciativa privativa do
Presidente da República. Afora o caso dos territórios, a iniciativa de matéria tributária não é
privativa do Presidente, tampouco do governador, por simetria.
Outro caso de simetria no âmbito do Poder Legislativo é a CPI: as regras que regem
a CPI federal devem ser reprisadas na seara estadual e municipal.
O regramento acerca do Tribunal de Contas da União deve ser espelho dos TCEs,
bem como dos TCMs remanescentes.
A reeleição dos membros das mesas diretoras das casas legislativas também deve ser
simetricamente estabelecida na esfera unicameral estadual.
A CRFB permite que certos cargos de direção e presidência passem pelo crivo do
Senado Federal, por meio da sabatina – tais como os Ministros do STF ou o Presidente do
Bacen. O rol está no artigo 52, III, da CRFB, e não é taxativo, como se vê:
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
4
Aula ministrada pelo professor João Mendes Rodrigues, em 9/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

(...)
III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de:
a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;
b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da
República;
c) Governador de Território;
d) Presidente e diretores do banco central;
e) Procurador-Geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
(...)”

O STF entende que esta sabatina só pode ser criada por lei para outros cargos que
pertinam a entidades de direito público, ou seja, fora daqueles casos ali expressos, apenas
em autarquias e fundações públicas – e não de estatais, nem mesmo que preste serviço
público. A sabatina também deve ser simetricamente estabelecida nos níveis inferiores.

1.2. Simetria no Poder Executivo

A expedição de decretos regulamentares são simetricamente traçadas na


Constituição Estadual, seguindo a CRFB.
O provimento de cargo público por ato do Presidente da República também deve ser
simetricamente repetido na esfera estadual, para o Governador.
A autorização para ausência do Presidente da República do país é matéria também
simétrica. Na CRFB, está o Presidente autorizado a se ausentar do país sem necessidade de
permissão do Congresso; por mais de quinze dias, o Congresso deve autorizar sua saída. Na
Constituição Estadual do Rio de Janeiro, pretendeu-se impor autorização pela Alerj para
qualquer saída do Governador do território nacional, por qualquer tempo, e esta previsão
foi considerada inconstitucional pelo STF, na ADI 678-9, por afrontar a necessária simetria:

“Art. 143 - O Governador residirá na Capital do Estado.


§ 1º - O Governador não pode ausentar-se do Estado por mais de quinze dias
consecutivos, nem do Território Nacional por qualquer prazo, sem prévia
autorização da Assembléia Legislativa, sob pena de perda do cargo.
(...)”

“STF - ADIN - 678-9/600, de 1992 - Decisão da Liminar: “Por maioria de votos o


Tribunal DEFERIU medida cautelar, para suspender a eficácia do inciso IV do art.
99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e das expressões "nem do território
nacional por qualquer prazo", contidas no § 1º do art. 143, antigo 140, da mesma
Constituição, vencidos os Ministros Paulo Brossard e Moreira Alves, que a
indeferiam. Votou o Presidente. - Plenário, 26.02.92”. - Acórdão, Publicado no D.J.
Seção I de 30.04.93, página 7.563.
JULGAMENTO DO PLENO - PROCEDENTE
Decisão do Mérito: O Tribunal julgou procedente o pedido formulado na inicial
para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV do artigo 99 da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro, e, no § 1º do artigo 143, da mesma Constituição, da
expressão "nem do Território Nacional por qualquer prazo". Votou o Presidente, o
Senhor Ministro Marco Aurélio. Decisão unânime. Ausentes, justificadamente, o
Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário,
13.11.2002.
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. GOVERNADOR DO ESTADO: AUSÊNCIA
DO TERRITÓRIO NACIONAL POR QUALQUER PRAZO: EXIGÊNCIA DE

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DA ÁSSEMBLÉIA LEGISLATIVA:


INCONSTITUCIONALIDADE. Constituição do Estado do Rio de Janeiro, inc. IV
do art. 99; § 1º do art. 143. Constituição Federal, artigo 49, III. I. - Extensibilidade
do modelo federal - C.F. , art. 49, III - aos Estados-membros: a autorização prévia
da Assembléia Legislativa para o Governador e o Vice-Governador se ausentarem
do território nacional será exigida, se essa ausência exceder a quinze dias. II. -
Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”

Outro caso de simetria no Executivo é o da irresponsabilidade temporária do


Presidente, durante o mandato, por atos estranhos a suas funções – o Governador também
assim se vê temporariamente irresponsável.
No informativo 562 do STF, o julgamento das ADIs 4.298 e 4.309 trouxe questão
referente à simetria no caso de dupla vacância da Presidência da República. A regra de
sucessão do Presidente, em dupla vacância – óbito do Presidente e do Vice –, assim se
desenha: se restarem mais de dois anos de mandato por serem cumpridos, convoca-se
eleição direta, para mandato a ser cumprido pelo tempo restante (o chamado mandato-
tampão); se faltarem menos de dois anos, dá-se eleição indireta, realizada pelo próprio
Congresso.
Esta dinâmica, decidiu o STF, não precisa ser respeitada em nível estadual, sendo
constitucional a norma que estabeleça outra solução estadual – não há adstrição à simetria,
neste caso, por ser uma questão pontual, que não chega a subverter o modelo republicano e
democrático da representatividade popular. Veja as notas do informativo:

“Governador e Vice-Governador: Dupla Vacância e Eleição Indireta pela


Assembléia Legislativa – 1
Por não encontrar razoabilidade jurídica à pretensão, o Tribunal, por maioria,
indeferiu pedido de medida cautelar formulado em duas ações diretas ajuizadas
pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB em que pleiteada,
respectivamente, a declaração de inconstitucionalidade da Lei 2.143/2009, do
Estado do Tocantins, que “dispõe sobre a eleição, pela Assembléia Legislativa,
para Governador e Vice-Governador do Estado do Tocantins, na forma prevista no
§ 5º do art. 39 da Constituição Estadual”, e contra a Lei 2.154/2009, também do
referido Estado-membro, com idêntica ementa. Argúi o autor, em síntese, a
inconstitucionalidade formal e material das normas por ofensa aos artigos 1º, 2º,
16, 17, § 1º, 37, caput, 61, caput, e 81, § 1º, da CF. Preliminarmente, o Tribunal,
tendo em conta a urgência manifesta no caso e a revogação da Lei 2.143/2009 pela
2.154/2009, e diante do fato de que, antes da manifestação de qualquer dos
interessados jurídicos na causa, o autor apresentou emenda à inicial, passando
agora a atacar a nova lei, admitiu a petição de emenda à inicial 5, a fim de apreciar
como tal a ação perante a nova lei.
ADI 4298 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4298)
ADI 4309 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4309)”

“Governador e Vice-Governador: Dupla Vacância e Eleição Indireta pela


Assembléia Legislativa – 2
Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, relator, que registrou, inicialmente, que,
apesar de haver precedente da Corte em hipótese análoga (ADI 1057 MC/BA DJU
de 6.4.2001), os fundamentos ali expostos deveriam ser relembrados, se não
revistos, diante da nova composição da Corte e da exigência de motivação
controlável e legítima. Relativamente à questão da necessidade de observância, por

5
Esta admissão de emenda antes da manifestação dos interessados é inovação do STF, neste caso, pois a
perda do objeto era a regra, até então, em casos em que a lai alvejada fosse revogada.

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

parte dos Estados-membros, ante o princípio da simetria, da norma prevista no art.


81, § 1º, da CF, concluiu pelo caráter de não-compulsoriedade do modelo federal.
Asseverou não ser lícito, senão contrário à concepção federativa, jungir os
Estados-membros, sob o título vinculante da regra da simetria, a normas ou
princípios da Constituição Federal cuja inaplicabilidade ou inobservância local não
implique contradições teóricas incompatíveis com a coerência sistemática do
ordenamento jurídico, com graves dificuldades práticas de qualquer ordem, nem
com outra capaz de perturbar o equilíbrio dos poderes ou a unidade nacional.
Assim, a regra da simetria não poderia ser produto de uma decisão arbitrária ou
imotivada do intérprete. Aduziu que, diante do princípio democrático do exercício
do sufrágio universal pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, nos
termos do art. 14, caput, da CF, a absoluta excepcionalidade da regra
constitucional, estatuída no art. 81, § 1º, demandaria, por sua natureza singular,
interpretação estritíssima. Afirmou que o art. 39, § 5º, da Constituição do Estado
do Tocantins (“Art. 39... § 5º. Ocorrendo a vacância nos dois últimos anos do
período governamental, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois
da última vaga, pela Assembléia Legislativa, na forma da Lei.”) reproduziu a
provisão da Constituição Federal não por suposta necessidade de reprodução
obrigatória, e sim por força de livre decisão jurídico-política do constituinte
estadual no exercício da autonomia que lhe é assegurada pela Constituição da
República.
ADI 4298 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4298)
ADI 4309 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4309)”

“Governador e Vice-Governador: Dupla Vacância e Eleição Indireta pela


Assembléia Legislativa – 3
No que se refere, do ponto de vista da sua gênese, à natureza da lei que predica a
Constituição Federal no art. 81, § 1º, bem como a de lei estadual que regulamente
previsão idêntica da Constituição estadual, o relator salientou ser indiscutível a
competência ratione materiae privativa da União para legislar sobre direito
eleitoral (CF, art. 22, I), mas considerou que, quando o constituinte estadual
reproduz a regra de eleição indireta pelos representantes do Poder Legislativo, na
forma da lei, a lei exigida seria de competência do Estado, por não possuir caráter
jurídico-eleitoral. Explicou não se ter, nesse caso, uma lei materialmente eleitoral,
haja vista que ela simplesmente regula a sucessão do Chefe do Poder Executivo,
sucessão esta extravagante. Reportou-se à orientação firmada na ADI 2709/SE
(DJE de 16.5.2008), no sentido da constitucionalidade de norma constitucional
estadual que disciplina o processo de escolha de governantes em caso de dupla
vacância. Aduziu que, embora não deixem de revelar certa conotação eleitoral,
porque dispõem sobre o procedimento de aquisição eletiva do poder político, não
haveria como reconhecer ou atribuir características de direito eleitoral stricto sensu
às normas que regem a eleição indireta no caso de dupla vacância no último biênio
do mandato. Em última instância, essas leis teriam por objeto matéria político-
administrativa que demandaria típica decisão do poder geral de autogoverno,
inerente à autonomia política dos entes federados. Em suma, a reserva de lei
constante do art. 81, § 1º, da CF, nítida e especialíssima exceção ao cânone do
exercício direto do sufrágio, diria respeito somente ao regime de dupla vacância
dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, e, como tal, da óbvia
competência da União. Por sua vez, considerados o desenho federativo e a
inaplicabilidade do princípio da simetria ao caso, competiria aos Estados-membros
a definição e a regulamentação das normas de substituição de Governador e Vice-
Governador. De modo que, quando, como na espécie, tivesse o constituinte
estadual reproduzido o preceito constitucional federal, a reserva de lei não poderia
deixar de se referir à competência do próprio ente federado. No mais, predefinido
seu caráter não-eleitoral, não haveria se falar em ofensa ao princípio da
anterioridade da lei eleitoral (CF, art. 16).

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

ADI 4298 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4298)


ADI 4309 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4309)”

“Governador e Vice-Governador: Dupla Vacância e Eleição Indireta pela


Assembléia Legislativa – 4
O Min. Cezar Peluso acrescentou que tais conclusões, entretanto, não esgotariam o
campo das limitações constitucionais por observar na hipótese, visto que a
Constituição Federal hospedaria normas textuais que, relativas aos direitos
políticos ativos e passivos, seriam de incidência imediata e inexorável, como as
condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade, prescritas no art. 14.
Tratar-se-ia de normas eleitorais stricto sensu, de observância compulsória. Tendo
isso conta, entendeu, em seguida, que a Lei estadual 2.154/2009, em princípio, não
apresentaria vício de inconstitucionalidade. Não o apresentaria do ponto de vista de
iniciativa, por não haver, a respeito, reserva constitucional nem legal conferida ao
Poder Legislativo. Observou, ademais, não constar alegação ou prova de alguma
irregularidade formal no curso do devido processo legislativo, sendo irrelevantes,
no quadro da ação de inconstitucionalidade, as demais considerações factuais e
puramente político-partidárias, desenvolvidas na petição inicial. Ressaltou,
também, que, a despeito de ter, a rigor, sua pertinência adstrita aos termos da lei
revogada, a qual atribuía aos deputados o poder de inscrição de chapas de
candidatos, coisa que já não prevê a lei atual, nem colheria o argumento da
indispensável participação partidária, porque no caso em que não estivesse prevista
— como está na resolução regulamentar — a inscrição pelos partidos, incidiria
diretamente a regra constitucional à falta de norma regulamentar. Reputou, ainda,
prejudicada a alegação de inconstitucionalidade, pela impugnação original, quanto
à inserção das palavras “secreta” e “até” nos artigos 1º e 3º da Lei 2.143/2009
(“Art. 1º Vagos os cargos de Governador e Vice-Governador do Estado do
Tocantins, nos dois últimos anos de mandato, a eleição para preenchimento dos
cargos é feita pelo sufrágio dos Deputados integrantes da Assembléia Legislativa
em sessão pública e por meio de votação nominal e secreta... Art. 3º A eleição deve
ocorrer até 30 dias depois da última vaga, em sessão extraordinária, marcada para
tal fim.”), já que a lei superveniente não as teria mantido no texto.
ADI 4298 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4298)
ADI 4309 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4309)”

“Governador e Vice-Governador: Dupla Vacância e Eleição Indireta pela


Assembléia Legislativa – 5
No que respeita à questão de saber se a votação, na eleição indireta, deveria ser
aberta ou fechada, mencionando que a lei vigente teria adotado a aberta, apontou o
relator orientação jurisprudencial que declarara a constitucionalidade do preceito
de votação aberta. Frisou, entretanto, que a questão não se resolveria de todo no
plano dos aspectos práticos da opção legislativa aqui adotada, qual seja, o voto
aberto, por haver, sob tal perspectiva, bons argumentos em favor de ambas as
soluções teóricas. Esclareceu que, se a votação secreta subtrai ao eleitor, na
condição de representado, a possibilidade de controlar as escolhas dos
representantes, facilita-o a votação aberta, sobretudo quando haja suspeita ou risco
de acordos obscuros de bastidores. Assinalou que o princípio da publicidade, que é
a regra das deliberações parlamentares, também concorre para a idéia de
superioridade da votação aberta, sobretudo quando associada ao fato de que o
cunho secreto do voto é expediente primacial de tutela do cidadão como eleitor,
não de seu representante, cujo dever básico está em dar-lhe conta pública das suas
posições no exercício da atividade parlamentar. No entanto, considerou cumprir
não subestimar que o voto secreto compõe também o legado de nosso histórico
constitucional. Entendeu, porém, que, por guardar a coerência imprescindível à
segurança jurídica e à autoridade mesma das decisões da Corte, a solução curial
seria a conseqüência retilínea do juízo de inaplicabilidade da regra da simetria e da

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

reafirmação da autonomia política dos Estados-membros na matéria, tocando, ao


legislador ordinário estadual, a definição da modalidade da votação. Vencido o
Min. Joaquim Barbosa, que deferia a cautelar em parte, por vislumbrar
plausibilidade na argüição de inconstitucionalidade dos artigos 1º e 3º da Lei
2.154/2009. Julgou-se extinta, sem julgamento de mérito, em face da
litispendência, a segunda ação direta ajuizada (CPC, art. 267, V). Outros
precedentes citados: ADI 3549/GO (DJE de 31.10.2007); ADI 687/PA (DJU de
10.2.2006); MS 26900 MC/DF (DJE de 4.4.2008).
ADI 4298 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4298)
ADI 4309 MC/TO, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2009. (ADI-4309)”

A norma da Constituição Estadual que reprisa norma da CRFB que não era de
simetria obrigatória é denominada norma de imitação, mera opção do constituinte derivado
decorrente por copiar a norma da CRFB, que não era de reprise obrigatória.

1.3. Simetria no Poder Judiciário

O instituto da reclamação é possível de ser criado no âmbito estadual, na forma em


que é vigente no STF e STJ, para salvaguardar a competência ou a autoridade de decisões
do respectivo Tribunal Estadual. Veja os dispositivos-espelho da CRFB, 102, I, “l”, e 105

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões;
(...)”

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente:
(...)
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões;
(...)”

A reclamação, originariamente, surge como exercício pretoriano do mero direito de


petição, eis que se a Corte tem competência para decidir, tem competência para fazer ser
respeitada esta decisão – é reverberação da teoria dos poderes implícitos. Posteriormente,
foi tratada como recurso, tese logo descartada, e hoje, tem natureza de verdadeira ação
constitucional.
As garantias e vedações da magistratura também são simétricas, e, mais do que isso,
são de reprodução obrigatória.

2. Responsabilidade do Presidente da República

A responsabilidade do Presidente pode ser penal ou político-administrativa.


A responsabilidade penal se trata de crimes comuns, quaisquer deles. O juízo de
prelibação, de admissibilidade da persecução penal destes crimes, é feito pela Câmara dos
Deputados, e, admitido, é processado no STF.

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

No processamento por crimes comuns, o Presidente conta com três prerrogativas de


natureza processual. A primeira é o foro especial por prerrogativa de função, que perdura
desde a diplomação ao término do mandato. A segunda prerrogativa é a imunidade
temporária à prisão provisória – o Presidente só é preso após condenação transitada em
julgado. E a terceira prerrogativa é a imunidade temporária à persecução criminal, não
podendo ser responsabilizado por infrações alheias à sua função.
A responsabilidade político-administrativa é a que pode levar ao impeachment. Há
três correntes sobre a natureza do impeachment. A primeira corrente diz que o processo tem
natureza tão-somente política, o que não prevalece, porque não há ampla discricionariedade
na motivação da decisão pelo impeachment, o que só pode ser pretendido por violação
Constituição ou à lei. A segunda corrente entende que se trata de processo criminal,
meramente jurídico, não envolvendo qualquer aspecto político – o que também não pode
prevalecer, por conta da clara conotação política deste evento. A terceira corrente, mais
correta, defende natureza mista, eis que a nota política está clara, seguindo, entretanto,
parâmetros jurídicos e processuais, não sendo evento exclusivamente político.
O procedimento do impeachment é similar ao criminal: há o juízo de prelibação na
Câmara (quorum de dois terços para admitir o processo), e, admitido, passa ao Senado,
onde será processado e julgado, em processo presidido pelo presidente do STF, que não
exerce jurisdição própria, aqui, não votando, mas apenas dirigindo tecnicamente o
processo.
O MS 21.623, do STF, é emblemático neste tema:

“MS 21623 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 17/12/1992. Órgão Julgador
TRIBUNAL PLENO. Publicação 28-05-1993.
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. "IMPEACHMENT": NA ORDEM JURÍDICA
AMERICANA E NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA. O "IMPEACHMENT"
E O "DUE PROCESS OF LAW". IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO DE
SENADORES. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. Constituição
Federal, art. 51, I; art. 52, I, paragrafo único; artigo 85, parag. único; art. 86, PAR.
1., II, PAR. 2.; Lei n. 1.079, de 1.950, artigo 36; artigo 58; artigo 63. I. - O
"impeachment", no sistema constitucional norte-americano, tem feição politica,
com a finalidade de destituir o Presidente, o Vice-Presidente e funcionários civis,
inclusive juizes, dos seus cargos, certo que o fato embasador da acusação capaz de
desencadea-lo não necessita estar tipificado na lei. A acusação podera compreender
traição, suborno ou outros crimes e delitos ("treason, bribery, or other high crimes
and misdemesnors."). Constituição americana, Seção IV do artigo II. Se o fato que
deu causa ao "impeachment" constitui, também, crime definido na lei penal, o
acusado respondera criminalmente perante a jurisdição ordinaria. Constituição
americana, artigo I, Seção III, item 7. II. - O "impeachment" no Brasil republicano:
a adoção do modelo americano na Constituição Federal de 1891, estabelecendo-se,
entretanto, que os crimes de responsabilidade, motivadores do "impeachment",
seriam definidos em lei, o que também deveria ocorrer relativamente a acusação, o
processo e o julgamento. Sua limitação ao Presidente da Republica, aos Ministros
de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal. CF/1891, artigos 53, parag.
único, 54, 33 e PARAGRAFOS, 29, 52 e PARAGRAFOS, 57, PAR. 2.. III. - O
"impeachment" na Constituição de 1988, no que concerne ao Presidente da
Republica: autorizada pela Câmara dos Deputados, por dois ter cos de seus
membros, a instauração do processo (C.F., art. 51, I), ou admitida a acusação (C.F.,
art. 86), o Senado Federal processara e julgara o Presidente da Republica nos
crimes de responsabilidade. E dizer: o "impeachment" do Presidente da Republica

Michell Nunes Midlej Maron 18


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será processado e julgado pelo Senado Federal. O Senado e não mais a Câmara dos
Deputados formulara a acusação (juízo de pronuncia) e proferira o julgamento.
C.F./88, artigo 51, I; art. 52; artigo 86, PAR. 1., II, PAR.2., (MS no 21.564-DF). A
lei estabelecera as normas DE processo e julgamento. C.F., art. 85, par. único.
Essas normas ESTAO na Lei n. 1.079, de 1.950, que foi recepcionada, em grande
PARTE, pela CF/88 (MS n. 21.564-DF). IV. - o "impeachment" e o "due process of
law": a aplicabilidade deste no processo de "impeachment", observadas as
disposições especificas inscritas na Constituição e na lei e a natureza do processo,
ou o cunho político do Juízo. C.F., art. 85, parag. único. Lei n. 1.079, de 1950,
recepcionada, em grande parte, pela CF/88 (MS n. 21.564-DF). V. - Alegação de
cerceamento de defesa em razão de não ter sido inquirida testemunha arrolada.
Inocorrencia, dado que a testemunha acabou sendo ouvida e o seu depoimento
pode ser utilizado por ocasiao da contrariedade ao libelo. Lei N. 1079/50, art. 58.
Alegação no sentido de que foram postas nos autos milhares de contas telefonicas,
as vesperas do prazo final da defesa, o que exigiria grande esforco para a sua
analise. Os fatos, no particular, não se apresentam incontroversos, na medida em
que não seria possivel a verificação do grau de dificuldade para exame de
documentos por parte da defesa no tempo que dispos. VI. - Impedimento e
suspeição de Senadores: inocorrencia. O Senado, posto investido da função de
julgar o Presi dente da Republica, não se transforma, as inteiras, num tribunal
judiciario submetido as rigidas regras a que estao sujeitos os órgãos do Poder
Judiciario, ja que o Senado e um órgão político. Quando a Câmara Legislativa - o
Senado Federal - se investe de "função judicialiforme", a fim de processar e julgar
a acusação, ela se submete, e certo, a regras juridicas, regras, entretanto, proprias,
que o legislador previamente fixou e que compoem o processo político-penal.
Regras de impedimento: artigo 36 da Lei n. 1.079, de 1.950. Impossibilidade de
aplicação subsidiaria, no ponto, dos motivos de impedimento e suspeição do Cod.
de Processo Penal, art. 252. Interpretação do artigo 36 em consonancia com o
artigo 63, ambos da Lei 1.079/50. Impossibilidade de emprestar-se interpretação
extensiva ou compreensiva ao art. 36, para fazer compreendido, nas suas alineas
"a" e "b", o alegado impedimento dos Senadores. VII. - Mandado de Segurança
indeferido.”

3. Casos analisados pelo STF

Veja a ADI 3.549:

“ADI 3549 / GO – GOIÁS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 17/09/2007. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 31-10-2007.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ART. 75, § 2º,
DA CONSTITUIÇÃO DE GOIÁS - DUPLA VACÂNCIA DOS CARGOS DE
PREFEITO E VICE-PREFEITO - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL
- DOMÍNIO NORMATIVO DA LEI ORGÂNICA - AFRONTA AOS ARTS. 1º E
29 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O poder constituinte dos Estados-
membros está limitado pelos princípios da Constituição da República, que lhes
assegura autonomia com condicionantes, entre as quais se tem o respeito à
organização autônoma dos Municípios, também assegurada constitucionalmente. 2.
O art. 30, inc. I, da Constituição da República outorga aos Municípios a atribuição
de legislar sobre assuntos de interesse local. A vocação sucessória dos cargos de
prefeito e vice-prefeito põem-se no âmbito da autonomia política local, em caso de
dupla vacância. 3. Ao disciplinar matéria, cuja competência é exclusiva dos
Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás fere a autonomia desses entes,
mitigando-lhes a capacidade de auto-organização e de autogoverno e limitando a

Michell Nunes Midlej Maron 19


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sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira. 4. Ação Direta de


Inconstitucionalidade julgada procedente.”

A regulamentação pelo Estado, na sua Constituição, de como se darão as regras de


substituição nba dupla vacância no Executivo municipal foi considerada inconstitucional
pelo STF, por ofender a autonomia organizacional dos Municípios.
Veja agora a ADI 1.689:

“ADI 1689 / PE – PERNAMBUCO. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. SYDNEY SANCHES.
Julgamento: 12/03/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 02-05-2003.
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI ORÇAMENTÁRIA:
INICIATIVA. VINCULAÇÃO DE RECEITA. AUTONOMIA MUNICIPAL.
ASSISTÊNCIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 227 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, QUE DISPÕEM: "Art.
227. O Estado e os Municípios promoverão programas de assistência integral à
criança e ao adolescente, com a participação deliberativa e operacional de
entidades não governamentais, através das seguintes ações estratégicas: I - ... II - ...
III- ... IV - ... V - ... Parágrafo Único - Para o atendimento e desenvolvimento dos
programas e ações explicitados neste artigo, o Estado e os Municípios aplicarão
anualmente, no mínimo, o percentual de um por cento dos seus respectivos
orçamentos gerais". ALEGAÇÃO DE QUE TAIS NORMAS IMPLICAM
VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 18, "CAPUT", 25, "CAPUT", 30, III, 61, § 1º, II,
"b", E 167, IV, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 1. A
Prefeitura Municipal de Recife, ao provocar a propositura da presente Ação Direta
de Inconstitucionalidade, pela Procuradoria Geral da República, não pretendeu se
eximir da responsabilidade, que também lhe cabe, de zelar pela criança e pelo
adolescente, na forma do art. 227 da Constituição Federal e do artigo 227, "caput",
e seus incisos da Constituição Estadual. Até porque se trata de "dever do Estado",
no sentido amplo do termo, a abranger a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios. 2. Sucede que, no caso, o parágrafo único do art. 227 da Constituição
Estadual estabelece, para tal fim, uma vinculação orçamentária, ao dizer: "para o
atendimento e desenvolvimento dos programas e ações explicitados neste artigo, o
Estado e os Municípios aplicarão, anualmente, no mínimo, o percentual de um por
cento dos seus respectivos orçamentos gerais". 3. Mas a Consti tuição Federal
atribui competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo (federal, estadual e
municipal), para a iniciativa da lei orçamentária anual (artigo 165, inciso III).
Iniciativa que fica cerceada com a imposição e automaticidade resultantes do texto
em questão. 4. Por outro lado, interferindo no orçamento dos Municípios, não
deixa de lhes afetar a autonomia (art. 18 da C.F.), inclusive no que concerne à
aplicação de suas rendas (art. 30, inc. III), sendo certo, ademais, que os artigos 25
da parte permanente e 11 do ADCT exigem que os Estados se organizem, com
observância de seus princípios, inclusive os relativos à autonomia orçamentária
dos Municípios. 5. Ademais, o inciso IV do art. 167 da Constituição Federal, hoje
com a redação dada pela E.C. nº 29, de 14.09.2000, veda "a vinculação de receita
de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da
arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de
recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e
desenvolvimento do ensino, como determinado, respectivamente, pelos artigos
198, § 2º, e 212, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação
de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo". A
vedação é afastada, portanto, apenas nas hipóteses expressamente ressalvadas, que
não abrangem os programas de assistência integral à criança e ao adolescente. É
que, quanto a isso, o inciso IV do art. 167 da Constituição Federal encerra norma

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

específica, fazendo ressalva expressa apenas das hipóteses tratadas nos artigos 198,
§ 2º (Sistema Único de Saúde) e 212 (para manutenção e desenvolvimento do
ensino). 6. De qualquer maneira, mesmo que não se considere violada a norma do
art. 168, inciso IV, da C.F., ao menos a do art. 165, inciso III, resta inobservada.
Assim, também, a relativa à autonomia dos Municípios, quanto à aplicação de suas
rendas. 7. Ação Direta julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade
do parágrafo único do art. 227 da Constituição do Estado de Pernambuco.”

Novamente, a CE limitou a autonomia municipal indevidamente, criando restrições


orçamentárias inexistentes na CRFB.
Veja também a ADI 307, em que a CE foi também encontrada inconstitucional por
invadir a autonomia municipal:

“ADI 307 / CE – CEARÁ. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


Relator Min. EROS GRA. Julgamento: 13/02/2008. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno. Publicação: 22-05-2009.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 20,
INCISO V; ARTIGO 30, CAPUT; ARTIGO 33, §§ 1º E 2º; ARTIGO 35, CAPUT E
§ 3º; ARTIGO 37, §§ 6º A 9º; ARTIGO 38, §§ 2º E 3º; ARTIGO 42, CAPUT E §
1º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ. ARTIGO 25 DO
ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. PRINCÍPIO
DA AUTONOMIA MUNICIPAL. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS
38, INCISO III, E 29, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Ação
direta não conhecida no que concerne ao artigo 25 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Ceará. O preceito foi
declarado inconstitucional no julgamento da ADI n. 289, Relator o Ministro
SEPÚLVEDA PERTENCE. 2. Pedido prejudicado em relação ao artigo 33, §§ 1º e
2º, e ao artigo 42, caput e seu § 1º, em razão da alteração substancial decorrente
das Emendas à Constituição do Estado do Ceará ns. 6/91 e 47/01, 3.
Inconstitucionalidade dos §§ 6º a 9º do artigo 37 da Constituição do Estado do
Ceará, em razão do disposto no artigo 29, inciso V, da Constituição do Brasil. 4. O
artigo 30 da Constituição cearense impõe aos Municípios o encargo de transportar
da zona rural para a sede do Município, ou Distrito mais próximo, alunos carentes
matriculados a partir da 5ª série do ensino fundamental. Indevida ingerência na
prestação de serviço público municipal. O preceito afronta a autonomia municipal.
5. Inconstitucionalidade do § 3º do artigo 35 da Constituição estadual em razão de
afronta à autonomia municipal. 6. Ação direta não-conhecida em relação ao artigo
25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Pedido prejudicado em
relação ao artigo 33, §§ 1º e 2º, ao artigo 42, caput e seu § 1º, todos da
Constituição estadual. Pedido julgado improcedente no que toca ao artigo 20,
inciso V, da Constituição do Estado de Ceará. Pedido julgado procedente, em parte,
para declarar inconstitucionais: o artigo 30; o § 3º do artigo 35; os §§ 6º a 9º do
artigo 37; e os §§ 2º e 3º do artigo 38, todos da Constituição do Estado do Ceará.”

Já na ADI 104, o STF entendeu que a CE invadiu competência da União, ao tratar


de direito penal:

“ADI 104 / RO – RONDÔNIA. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.
Julgamento: 04/06/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 24-08-2007.
EMENTA: I. Poder Constituinte Estadual: autonomia (ADCT, art. 11): restrições
jurisprudenciais inaplicáveis ao caso. 1. É da jurisprudência assente do Supremo
Tribunal que afronta o princípio fundamental da separação a independência dos
Poderes o trato em constituições estaduais de matéria, sem caráter essencialmente

Michell Nunes Midlej Maron 21


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constitucional - assim, por exemplo, a relativa à fixação de vencimentos ou a


concessão de vantagens específicas a servidores públicos -, que caracterize fraude
à iniciativa reservada ao Poder Executivo de leis ordinárias a respeito: precedentes.
2. A jurisprudência restritiva dos poderes da Assembléia Constituinte do Estado-
membro não alcança matérias às quais, delas cuidando, a Constituição da
República emprestou alçada constitucional. II - Anistia de infrações disciplinares
de servidores estaduais: competência do Estado-membro respectivo. 1. Só quando
se cuidar de anistia de crimes - que se caracteriza como abolitio criminis de efeito
temporário e só retroativo - a competência exclusiva da União se harmoniza com a
competência federal privativa para legislar sobre Direito Penal; ao contrário,
conferir à União - e somente a ela - o poder de anistiar infrações administrativas de
servidores locais constituiria exceção radical e inexplicável ao dogma fundamental
do princípio federativo - qual seja, a autonomia administrativa de Estados e
Municípios - que não é de presumir, mas, ao contrário, reclamaria norma
inequívoca da Constituição da República (precedente: Rp 696, 06.10.66, red.
Baleeiro). 2. Compreende-se na esfera de autonomia dos Estados a anistia (ou o
cancelamento) de infrações disciplinares de seus respectivos servidores, podendo
concedê-la a Assembléia Constituinte local, mormente quando circunscrita - a
exemplo da concedida pela Constituição da República - às punições impostas no
regime decaído por motivos políticos.”

Na ADI 1.353, tratou o STF da simetria obrigatória do processo legislativo:

“ADI 1353 / RN - RIO GRANDE DO NORTE. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA.
Julgamento: 20/03/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 16-05-2003.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO
DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA.
VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta
Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as
respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder
Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder
Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da
remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, "a" e "c" c/c artigos 2º
e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do
Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente.”

Na ADI 3.615, o STF julgou inconstitucional norma da CE que definia critérios de


municípios diversos daqueles traçados na CRFB:

“ADI 3615 / PB – PARAÍBA. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relatora Min. ELLEN GRACIE. Julgamento:
30/08/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 09-03-2007.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 51 DO
ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DO ESTADO
DA PARAÍBA. REDEFINIÇÃO DOS LIMITES TERRITORIAIS DO
MUNICÍPIO DO CONDE. DESMEMBRAMENTO DE PARTE DE MUNICÍPIO
E INCORPORAÇÃO DA ÁREA SEPARADA AO TERRITÓRIO DA
MUNICIPALIDADE LIMÍTROFE, TUDO SEM A PRÉVIA CONSULTA,
MEDIANTE PLEBISCITO, DAS POPULAÇÕES DE AMBAS AS
LOCALIDADES. OFENSA AO ART. 18, § 4º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. Para a averiguação da violação apontada pelo requerente, qual seja, o
desrespeito, pelo legislador constituinte paraibano, das exigências de consulta
prévia e de edição de lei estadual para o desmembramento de município, não foi a

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

norma contida no art. 18, § 4º, da Constituição Federal substancialmente alterada,


uma vez que tais requisitos, já existentes no seu texto primitivo, permaneceram
inalterados após a edição da EC 15/96. Precedentes: ADI 458, rel. Min. Sydney
Sanches, DJ 11.09.98 e ADI 2.391, rel. Min. Ellen Gracie, Informativo STF 316. 2.
Afastada a alegação de que a norma impugnada, sendo fruto da atividade do
legislador constituinte estadual, gozaria de uma inaugural presunção de
constitucionalidade, pois, segundo a jurisprudência desta Corte, o exercício do
poder constituinte deferido aos Estados-membros está subordinado aos princípios
adotados e proclamados pela Constituição Federal. Precedente: ADI 192, rel. Min.
Moreira Alves, DJ 06.09.01. 3. Pesquisas de opinião, abaixo-assinados e
declarações de organizações comunitárias, favoráveis à criação, à incorporação ou
ao desmembramento de município, não são capazes de suprir o rigor e a
legitimidade do plebiscito exigido pelo § 4º do art. 18 da Carta Magna. Precedente:
ADI 2.994, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04.06.04. A esse rol de instrumentos
ineficazes que buscam driblar a exigência de plebiscit o expressa no art. 18, § 4º,
da Constituição Federal, soma-se, agora, este de emenda popular ao projeto de
Constituição estadual. 4. Ação direta cujo pedido se julga procedente, com a
aplicação de efeitos ex nunc, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99.”

Os mandatos são regras de simetria obrigatória, como se vê na ADI 3.825:

“ADI 3825 / RR – RORAIMA. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento:
08/10/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 28-11-2008.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NORMA
CONSTITUCIONAL EMENDADA DO ESTADO DE RORAIMA QUE
POSSIBILITA EXTENSÃO DE MANDATOS DOS DEPUTADOS ESTADUAIS
POR PERÍODO SUPERIOR A QUATRO ANOS, NA FORMA PREVISTA NA
CONSTITUCIONAL DO BRASIL. EXPRESSÃO QUE PERMITE A
EXTENSÃO (ART. 30, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DE RORAIMA - E EM 15 DE
FEVEREIRO PARA POSSE...) CONTRÁRIA AO § 1º DO ART. 27 DA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. 1. O § 1º do art. 27 da Constituição do Brasil
define em quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais. A norma que, alterando
a regra da Constituição Estadual de Roraima (Emenda n. 16, de 19 de outubro de
2005) permite a extensão do mandato pela alteração da data de posse dos eleitos
em 2006, colide, frontalmente, com aquela regra. 2. A autonomia estadual tem os
seus limites definidos pela Constituição da República. 3. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente.”

A imunidade parlamentar é também simétrica, como se vê no RE 456.679:

“RE 456679 / DF - DISTRITO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 15/12/2005. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 07-04-2006.
EMENTA: Parlamentar distrital: imunidade formal: CF, art. 53, § 2º c/c os arts. 27,
§ 1º, e 32, § 3º: incidência. Com o advento da Constituição de 1988 (art. 27, § 1º),
que tornou aplicáveis, sem restrições, aos membros das Assembléias Legislativas
dos Estados e do Distrito Federal, as normas sobre imunidades parlamentares dos
integrantes do Congresso Nacional, ficou superada a tese da Súmula 3/STF ("A
imunidade concedida a Deputados Estaduais é restrita à Justiça do Estado"), que
tem por suporte necessário que o reconhecimento aos deputados estaduais das
imunidades dos congressistas não derivava necessariamente da Constituição
Federal, mas decorreria de decisão autônoma do constituinte local.”

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

A fixação do número de vereadores compete somente ao Município, respeitados os


limites da CRFB, não podendo a CE invadir esta competência.
A ADI 1.994 determinou que o regramento do TCE deve seguir o parâmetro da
CRFB para o TCU:

“ADI 1994 / ES - ESPÍRITO SANTO. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. EROS GRAU. Julgamento:
24/05/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 08-09-2006.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 6º DO
ARTIGO 74 E ARTIGO 279 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO, COM A REDAÇÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELA EMENDA
CONSTITUCIONAL N. 17/99. ARTIGOS 25, §§, 26, 27, CAPUT E
PARAGRÁFO ÚNICO, 28, §§, TODOS DA LEI COMPLEMENTAR
ESTADUAL N. 32/93, COM A REDAÇÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELA
LC N. 142/99. TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. CRIAÇÃO DO CARGO
DE SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO. DISCREPÂNCIA DO MODELO
DELINEADO NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO
NOS ARTIGOS 73, 75, PARAGRÁFO ÚNICO, 96, INCISO II, ALÍNEA "B", DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Estrutura dos Tribunais de Contas Estaduais.
Observância necessária do modelo federal. Precedentes. 2. Não é possível ao
Estado-membro extinguir o cargo de Auditor na Corte de Contas estadual, previsto
constitucionalmente, e substituí-lo por outro cuja forma de provimento igualmente
divirja do modelo definido pela CB/88. 3. Vício formal de iniciativa no processo
legislativo que deu origem à LC 142/99. A CB/88 estabelecendo que compete ao
próprio Tribunal de Contas propor a criação ou extinção dos cargos de seu quadro,
o processo legislativo não pode ser deflagrado por iniciativa parlamentar [artigos
73 e 96, inciso II, alínea b]. 4. Pedido julgado procedente para declarar
inconstitucionais o § 6º do artigo 74 e o artigo 279, ambos da Constituição do
Estado do Espírito Santo, com a redação que lhes foi atribuída pela Emenda
Constitucional n. 17/99, e toda a Lei Complementar n. 142/99, que promoveu
alterações na Lei Complementar n. 32/93, do mesmo Estado-membro.”

A respeito, veja a súmula 653 do STF:

“Súmula 653, STF: No Tribunal de Contas Estadual, composto por sete


conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo
chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e
outro dentre membros do Ministério Público, e um terceiro a sua livre escolha.”

É cediço que não pode ser criado tribunal de contas municipal, mas podem ser
criados tribunais das contas municipais, ou seja, nada impede que o Estado crie Tribunal de
Contas Estadual dedicado a contas de um só ou determinado número de Municípios,
tribunal este que será auxiliar do Legislativo municipal (ou municipais, se dedicado a mais
de um Município), mas é órgão vinculado ao Legislativo estadual.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Para apuração de crimes de responsabilidade do Presidente da República, é


instaurado o processo de impeachment perante o Senado Federal, competindo-lhe
formular a acusação (juízo de pronúncia) e proferir o julgamento (CRFB, arts. 51, I, 52,
86, § 1º, II e §2º). As normas de processo e julgamento estão contidas na Lei 1079/50
(CRFB, art. 85, parágrafo único).
Por entender que alguns Senadores seriam impedidos ou suspeitos para o seu
julgamento, insurge-se o acusado por meio de mandado de segurança, em que pugna pela
aplicação àquele processo do princípio constitucional do devido processo legal, visando
ao afastamento de determinados Senadores do julgamento. Deve ser deferida a segurança?

Resposta à Questão 1

Não cabe argüição de impedimento ou suspeição de congressistas no processo de


impeachment, o que não significa que não haja contraditório e ampla defesa, mas
adequados à natureza jurídica híbrida, político-jurídica, deste processo. A segurança não
deve ser deferida.

Questão 2

A) É possível a extensão de gratificação a outras categorias funcionais diversas


das previstas no projeto inicial encaminhado ao Legislativo pelo Governador,
mediante apresentação de emenda do Legislativo Estadual que aprova lei prevendo
esse aumento para diversas categorias de servidores não contempladas no projeto
original?
B) Há, in casu, preterição de algum princípio constitucional?
Fundamente as respostas.

Resposta à Questão 2

A) Cabe emenda parlamentar em projeto de iniciativa do chefe do Executivo, desde


que: não crie ou aumente despesa; ou crie ou aumente despesa, desde que esta
seja autorizada no orçamento prévio. Se a emenda gerar despesa além da
dotação orçamentária prévia, é inconstitucional. E veja que mesmo se houver
sanção do chefe do Executivo, Presidente ou Governador, não se convalida esta
inconstitucionalidade – a sanção não convalida vícios.
B) Sim: há ofensa ao princípio da separação dos poderes e da reserva
orçamentária. Também poderia se apontar violação ao princípio da correção
funcional: este princípio, muito associado à separação de poderes e à repartição
de competências, consiste exatamente na preservação da vontade do constituinte
ao dividir o poder internamente, resguardando o pacto federativo na forma em
que foi traçado, quando os limites forem questionados. É um princípio que
orienta o STF quando lhe é posta questão sobre constitucionalidade de leis em
relação à distribuição de competências constitucionais, segundo qual é dever do
STF corrigir a atuação funcional legislativa infraconstitucional, quando esta
contrariar a vontade do constituinte em relação à divisão de competências.

A respeito, veja as ADIs 2.791 e 1.729:

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“ADI 2791 / PR – PARANÁ. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. GILMAR MENDES.
Julgamento: 16/08/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 24-11-
2006.
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 34, §1º, da Lei Estadual do
Paraná nº 12.398/98, com redação dada pela Lei Estadual nº 12.607/99. 3.
Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rejeitada, por ser evidente que o
parâmetro de controle da Constituição Estadual invocado referia-se à norma
idêntica da Constituição Federal. 4. Inexistência de ofensa reflexa, tendo em vista
que a discussão dos autos enceta análise de ofensa direta aos arts. 40, caput, e 63, I,
c/c 61, §1º, II, "c", da Constituição Federal. 5. Não configuração do vício de
iniciativa, porquanto os âmbitos de proteção da Lei Federal nº 8.935/94 e Leis
Estaduais nºs 12.398/98 e 12.607/99 são distintos. Inespecificidade dos
precedentes invocados em virtude da não-coincidência das matérias reguladas. 6.
Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de
iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa
afronta os arts. 63, I, c/c 61, §1º, II, "c", da Constituição Federal. 7.
Inconstitucionalidade material que também se verifica em face do entendimento já
pacificado nesta Corte no sentido de que o Estado-Membro não pode conceder aos
serventuários da Justiça aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores
públicos (art. 40, caput, da Constituição Federal). 8. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente.”

“ADI 1729 / RN - RIO GRANDE DO NORTE. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. EROS GRAU. Julgamento:
28/06/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 02-02-2007.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 2º DO
ARTIGO 1º DA LEI n. 6.782 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, A
ELE ACRESCIDO PELA LEI N. 6.991/97. EMENDA PARLAMENTAR A
PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO.
CONCESSÃO DE VANTAGEM PESSOAL A SERVIDORES PÚBLICOS
ESTADUAIS. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 63, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL. 1. Reconhecimento de generalidade e abstração suficientes ao ato
normativo. Possibilidade de exame de constitucionalidade na via do controle
concentrado. Preliminar rejeitada. 2. A iniciativa de projetos de lei que disponham
sobre vantagem pessoal concedida a servidores públicos cabe privativamente ao
Chefe do Poder Executivo. Precedentes. 3. Inviabilidade de emendas que
impliquem aumento de despesas a projetos de lei de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo. 4. Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade do §
2º do artigo 1º da Lei n. 6.782/95, a ele acrescido pela Lei n. 6.991/97, ambas do
Estado do Rio Grande do Norte.”

Questão 3

JOÃO CARLOS, indicado pelo Governador do Estado para o cargo de Presidente


de uma sociedade de economia mista prestadora de serviço público, impetra mandado de
segurança contra ato da Mesa Diretora da respectiva Assembléia Legislativa que, depois
de sabatiná-lo, não aprovou sua indicação para o cargo. Alega que a não aprovação é
descabida, pois o fato de a Constituição Estadual estabelecer este procedimento não
condiz com os princípios republicanos. A Mesa Diretora, em suas informações, manifesta-
se no sentido de que somente fez cumprir a Constituição Estadual, como forma de controle
dos atos do Poder Executivo. Responda fundamentadamente se o writ merece ser deferido.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Resposta à Questão 3

Reprisando o entendimento sobre o tema na seara federal, eis que a sabatina é


matéria respeitante à simetria, não é possível estabelecê-la para cargos de estatais, ou
entidades privadas de qualquer sorte, mesmo que prestadora de serviço público. Somente o
espelho do artigo 52, III, da CRFB pode ser reprisado em nível estadual, e, além daqueles,
somente pode se estabelecer sabatina para cargos de autarquias e fundações públicas.
A respeito, veja a ADI 1.642:

“ADI 1642 / MG - MINAS GERAIS. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. EROS GRAU. Julgamento:
03/04/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 19-09-2008.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ALÍNEA "d" DO
INCISO XXIII DO ARTIGO 62 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS. APROVAÇÃO DO PROVIMENTO, PELO EXECUTIVO, DOS
CARGOS DE PRESIDENTE DAS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA INDIRETA ESTADUAL PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA.
ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 173, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DISTINÇÃO ENTRE EMPRESAS ESTATAIS
PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO E EMPRESAS ESTATAIS QUE
DESENVOLVEM ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO.
REGIME JURÍDICO ESTRUTURAL E REGIME JURÍDICO FUNCIONAL DAS
EMPRESAS ESTATAIS. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL.
INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. 1. Esta Corte em
oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação
dos Presidentes das entidades da Administração Pública Indireta restringe-se às
autarquias e fundações públicas, dela excluídas as sociedades de economia mista e
as empresas públicas. Precedentes. 2. As sociedades de economia mista e as
empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão
sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição do Brasil, ao
regime jurídico próprio das empresas privadas. 3. Distinção entre empresas estatais
que prestam serviço público e empresas estatais que empreendem atividade
econômica em sentido estrito 4. O § 1º do artigo 173 da Constituição do Brasil não
se aplica às empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais)
que prestam serviço público. 5. A intromissão do Poder Legislativo no processo de
provimento das diretorias das empresas estatais colide com o princípio da
harmonia e interdependência entre os poderes. A escolha dos dirigentes dessas
empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas. 6.
Pedido julgado parcialmente procedente para dar interpretação conforme à
Constituição à alínea "d" do inciso XXIII do artigo 62 da Constituição do Estado
de Minas Gerais, para restringir sua aplicação às autarquias e fundações públicas,
dela excluídas as empresas estatais, todas elas.”

Tema III

O Poder Legislativo I. O sistema bicameral. O Senado Federal. A Câmara dos Deputados. Competências.

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Notas de Aula6

1. Poder Legislativo

O Poder Legislativo é aquele a quem foi assinada a tarefa de criar, alterar ou revogar
leis. A função legislativa se presta a traçar a vontade geral do Estado, representada na lei.
Montesquieu foi quem primeiro identificou que, além da mera divisão das funções
de poder, era necessária a criação de órgãos para o exercício típico destas funções. Da
divisão funcional do poder veio também o sistema de freios e contrapesos, em que cada
poder fiscaliza os demais, e por eles é fiscalizado.
A separação das funções é ideia antiga, já mencionada no Código de Hamurabi,
mais antigo dos diplomas legais de que se tem notícia. No direito comparado, a ideia de
separação de poderes é a visão funcional do poder, pois como se sabe este é uno e
indivisível, que precisa apenas da criação de órgãos para, dividindo a competência do
exercício do poder em centros, torná-lo eficiente e operável.
O Poder Legislativo, no direito comparado, pode ser unicameral ou bicameral. O
sistema bicameral, que é o que foi adotado em nosso país, teve origem nos Estados Unidos,
que criou tal sistema para refletir a vontade do povo, mas também dos Estados, na produção
legislativa. Esta solução se deu para não permitir que os Estados com maior população
tivessem maior representatividade, se fosse computada a vontade do povo, somente. A
igualdade na representação dos Estados é o primeiro objetivo deste sistema.
Mesmo que pareça um sistema legislativo próprio de Estados federais, há Estados
unitários que adotam o bicameralismo, tal como o Reino Unido. No parlamento deste
estado, há duas casas, a Câmara Alta, Câmara dos Lordes; e a Câmara Baixa, Câmara dos
Comuns. Neste bicameralismo, não se representam os Estados, porque estes não existem:
há a representatividade de segmentos sociais.
O Estado federal tem três características essenciais: a descentralização política,
representada na repartição de competências entre os entes; a auto-organização dos Estados
por meio de constituições próprias; e a participação das vontades regionais na formação
da vontade nacional – e daqui vem o bicameralismo, no qual os senadores representam
estas vontades regionais.
Existe ainda uma espécie de bicameralismo técnico, no qual a segunda câmara se
presta somente a trazer auxílio técnico à primeira, no desempenho por esta da função
legislativa. Na Áustria, este é o modelo.

1.1. Modelo brasileiro

A primeira Constituição brasileira, de 1824, teve forte influência do direito


constitucional alemão, bem como do francês. O federalismo e o bicameralismo surgiram no
mesmo momento, na Constituição de 1891.
Uma das características que sustentam nosso ordenamento é justamente o
bicameralismo, e por isso este é cláusula pétrea. Há, aqui, a Câmara dos Deputados e o
Senado da República como estruturas inderrogáveis do nosso federalismo bicameral.
A Câmara dos Deputados é composta por quinhentos e treze deputados, e cada
Estado não pode ter mais de setenta nem menos de oito deputados nesta ordem, o que é
6
Aula ministrada pelo professor Humberto Peña de Moraes, em 12/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

medido por critério estritamente populacional. São Paulo é o único que conta com setenta
deputados, por ser o mais populoso do país.
Já o Senado é composto em igualdade numérica: nosso bicameralismo é do modelo
clássico, de equilíbrio, em que todos os Estados tem exatamente a mesma representação –
três senadores – somando o total de oitenta e um senadores, três para cada Estado da
federação.
Os deputados tem mandato de quatro anos, e os senadores de oito. Aqui se faz
mister trazer o conceito de legislatura: trata-se do período de quatro anos durante o qual se
realizam as atividades legislativas. Assim, os deputados exercem mandato por uma
legislatura, enquanto os senadores exercem-no por duas. A cada quatro anos, a Câmara se
renova, e o Senado renova um terço ou dois terços de seus quadros, alternadamente.
Há, em cada casa, a Mesa Diretora, e, nas reuniões conjuntas, há a Mesa Diretora
do Congresso, composta por membros das duas casas, que preenchem as posições de forma
alternada: se o presidente da Mesa do Congresso for o Presidente do Senado, o primeiro
vice será o primeiro vice da Câmara – e vice-versa. A cada legislatura, há duas
composições, cada uma por dois anos.
Vige, no bicameralismo, o princípio da unidade de legislatura: não há
interpenetração entre os períodos, sendo estes estanques: terminado um, tem início outro. O
artigo 57 da CRFB trata da ordem da legislatura:

“Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2


de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
§ 1º - As reuniões marcadas para essas datas serão transferidas para o primeiro dia
útil subseqüente, quando recaírem em sábados, domingos ou feriados.
§ 2º - A sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei
de diretrizes orçamentárias.
§ 3º - Além de outros casos previstos nesta Constituição, a Câmara dos Deputados
e o Senado Federal reunir-se-ão em sessão conjunta para:
I - inaugurar a sessão legislativa;
II - elaborar o regimento comum e regular a criação de serviços comuns às duas
Casas;
III - receber o compromisso do Presidente e do Vice-Presidente da República;
IV - conhecer do veto e sobre ele deliberar.
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de
fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição
das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o
mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 50, de 2006)
§ 5º - A Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presidente do Senado
Federal, e os demais cargos serão exercidos, alternadamente, pelos ocupantes de
cargos equivalentes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
§ 6º A convocação extraordinária do Congresso Nacional far-se-á: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
I - pelo Presidente do Senado Federal, em caso de decretação de estado de defesa
ou de intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação de estado de
sítio e para o compromisso e a posse do Presidente e do Vice-Presidente-
Presidente da República;
II - pelo Presidente da República, pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal ou a requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas,
em caso de urgência ou interesse público relevante, em todas as hipóteses deste

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

inciso com a aprovação da maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso
Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
§ 7º Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente deliberará
sobre a matéria para a qual foi convocado, ressalvada a hipótese do § 8º deste
artigo, vedado o pagamento de parcela indenizatória, em razão da convocação.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
§ 8º Havendo medidas provisórias em vigor na data de convocação extraordinária
do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta da
convocação.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).”

As casas congressuais possuem regimento interno, aprovado por cada respectiva


casa – que fazem seus próprios regimentos – e um regimento comum de todo o Congresso.
São três os atos normativos, portanto. As competências da Câmara, do Senado e do
Congresso estão, respectivamente, nos artigos 51, 52 e 49 da CRFB, e ali se encontra esta
competência regimental de cada casa.

“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:


(...)
III - elaborar seu regimento interno;
(...)”

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


(...)
XII - elaborar seu regimento interno;
(...)”

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


(...)
XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição
normativa dos outros Poderes;
(...)”

A este conjunto regimental se denomina, modernamente, de direito parlamentar.


O funcionamento do Congresso está previsto no artigo 44 da CRFB, que trata da
legislatura:
“Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe
da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.”

A legislatura é dividida em sessões legislativas, períodos de um ano. Por sua vez, as


sessões legislativas se dividem em dois períodos legislativos, semestrais. Estas definições
estão também no artigo 57 da CRFB, supra. no caput deste artigo se vê que não há sessão
legislativa nos períodos alheios aos interregnos de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de
agosto a 22 de dezembro. Entrementes, neste recesso parlamentar, porém, pode o
Congresso ser convocado extraordinariamente (como pode também o ser em horários e dias
fora da normalidade), na forma do artigo 57, supra.
1.2. Esboço do processo legislativo

A criação da norma jurídica é feita por meio de procedimento estrito, cuja


observância é inderrogável. No sistema bicameral, há, em regra, a casa iniciadora do
projeto de norma, e há a casa revisora. A casa iniciadora leva vantagem nos seus projetos,

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

pois resta à casa revisora a aprovação ou rejeição do projeto a si remetido, com ou sem
emenda parlamentar, que é atividade acessória à propositura do projeto.
Promovidas as emendas ou não, o projeto retorna à casa iniciadora, que manterá a
redação proposta na emenda ou não. Concordando, remete o texto final ao Presidente da
República; discordando, manda o texto inicialmente traçado por si – e daí se vê a vantagem
da casa revisora, neste processo.
Quando o projeto é de iniciativa do Presidente da República, ele o remete à Câmara
dos Deputados, e por isto esta é sempre a casa iniciadora destes projetos de iniciativa do
Presidente. Dali em diante, segue o rito dos projetos ordinariamente iniciados pela Câmara,
com prevalência de sua opinião sobre o texto, em relação ao texto emendado pelo Senado.

1.3. Princípio da unidade legislativa

A cada quatro anos, a cada legislatura, o Congresso será revitalizado, renovando-se


seus quadros. A Câmara se renova totalmente; o Senado, parcialmente. Ao fim de uma
legislatura, do período de quatro anos, como dito, tem início nova legislatura, totalmente
estanque, destacada da anterior. A isto se designa princípio da unidade legislativa. Cada
legislatura é una, e seguindo esta premissa se organiza o processo legislativo, por exemplo,
e a própria duração das CPIs, que nunca poderão ultrapassar o período de uma legislatura,
para adentrar outra.
A apuração de violações éticas não se sujeita ao princípio da unidade da legislatura,
podendo ser o parlamentar por elas processado mesmo após o término da legislatura em que
foram cometidas as infrações éticas.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Após a ocorrência do afastamento por licença do Presidente do Senado Federal,


que, nos termos do art. 57, §5º, da Constituição da República, é também o Presidente do
Congresso, assumiu (tanto no Senado quanto no Congresso) estas Presidências o 1º Vice
da Mesa do Senado, já que, por ser substituto do Presidente do Senado, exerceria em toda
sua plenitude as competências do substituído, nelas se incluindo a Presidência do
Congresso Nacional.
Está correta a substituição? A quem cabe, na hipótese, a Presidência da Mesa do
Congresso Nacional?

Resposta à Questão 1

Não, a substituição não está correta. O primeiro vice-presidente da Mesa do Senado


sequer integra a Mesa do Congresso, pois esta posição incumbe ao primeiro vice da
Câmara, quando o Presidente da Mesa do Congresso for o Presidente do Senado. A
presidência da Mesa do Congresso, nesta substituição, então, incumbiria ao primeiro vice
da Câmara. Observa-se exatamente o artigo 57, § 5º, da CRFB.

Questão 2

A Câmara dos Deputados aprovou determinado projeto de lei. Remetido para


revisão do Senado, este rejeitou o projeto inicial, aprovando um substitutivo. Retornado à
Câmara, é aprovado o substitutivo, que foi imediatamente enviado ao Presidente da
República para sanção.
Responda:
a) O processo de formação da referida lei está consoante com o determinado no
art. 65 e seu parágrafo único da Constituição?
b) Houve afronta ao sistema bicameral, já que a emenda substitutiva aprovada pela
Câmara teria que ser revista pelo Senado Federal por se tratar de projeto de lei
autônomo?

Resposta à Questão 2

a) Sim. Se a Câmara, casa iniciadora, aderiu ao substitutivo, nada obsta seu envio
desde logo ao Presidente da República. Mesmo se tratando de emenda
substitutiva, este procedimento é o correto, não se desenhando como um novo
projeto remetido pelo Senado. Veja o dispositivo mencionado:

“Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só
turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa
revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.”

b) Não há afronta: emenda substitutiva não consiste em novo projeto, formalmente.


Ainda é casa iniciadora a mesma que originou o projeto emendado, no caso, a
Câmara. Nada há de irregular, no caso enunciado.

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Edvaldo Ramos, Deputado Federal, impetrou Mandado de Segurança, perante o


STF, visando a obtenção de ordem a fim de paralisar as atividades da Comissão de
Sindicância, instituída pela Mesa da Câmara dos Deputados em 03/02/2003, para
apuração e oferecimento de relatório acerca de condutas que teriam sido atentatórias ao
decoro parlamentar.
Postulou, ainda, nessa especial sede, fosse declarada a nulidade do ato que
instituiu a referida Comissão, com o conseqüente arquivamento do inquérito
administrativo cuja validade insistiu em contestar.
Relatou que o ato supostamente atentatório ao decoro parlamentar fora praticado
na legislatura anterior e, em razão do princípio da unidade da legislatura, não poderia ser
investigado; que o Presidente da Câmara dos Deputados, ao agir na condição de
Presidente da Mesa da referida Casa Legislativa, desrespeitou princípios constitucionais
básicos, tais como a isonomia, a legalidade e o contraditório quando da edição do ato que
instituiu a sindicância.
Pergunta-se:
a) Procede a alegação do impetrante de que o princípio da unidade da legislatura
impede a investigação?
b) O princípio do contraditório deve ser observado pela Comissão de Sindicância
na investigação preliminar e sumária?
c) Em que consiste o sistema bicameral?

Resposta à Questão 3

a) Não: o STF é assente em dispor que contra atos de falta de decoro parlamentar
não se opõe a unidade da legislatura.
b) Não há que se observar contraditório neste momento, eis que a sindicância é
procedimento prévio, unilateral, que escapa às regras processuais.
c) Consiste no sistema em que o Poder Legislativo é dividido em duas casas, uma
representativa do povo, e outra representativa dos Estados-Membros.

Pela abrangência, veja a posição do STF, no julgado abaixo:

“Princípio da Unidade de Legislatura e Falta de Decoro Parlamentar - MS (MC)


24.458-DF (Transcrições) RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar,
impetrado com a finalidade de obter, do Supremo Tribunal Federal, ordem que
paralise as atividades da Comissão de Sindicância instituída, em 03/02/2003, pela
Mesa da Câmara dos Deputados (fls. 44), para apurar e oferecer relatório a respeito
de condutas alegadamente atentatórias ao decoro parlamentar, em que teria
incidido o Deputado Federal Francisco Pinheiro Landim, supostamente envolvido
em "tráfico de influência, junto à Justiça Federal, em benefício de narcotraficantes"
(fls. 45).
Postula-se, ainda, nesta sede processual, seja declarada a nulidade do Ato nº 01, de
03/02/2003 (fls. 44), com o conseqüente "arquivamento do inquérito
administrativo" (fls. 41), cuja validade é ora questionada na presente impetração
mandamental.
O impetrante, para justificar a impugnação que deduz perante esta Suprema Corte,
sustenta que o eminente Presidente da Câmara dos Deputados, ao agir na condição

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

de Presidente da Mesa dessa Casa legislativa, teria desrespeitado, quando da


edição do Ato nº 01/2003, postulados constitucionais básicos, lesando, dentre
outros, os princípios da isonomia, da legalidade, da presunção de inocência, da
garantia de defesa e aquele que veda o "bis in idem".
Passo a apreciar o pedido de medida liminar.
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA
APRECIAR MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA A MESA
DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Reconheço, preliminarmente, que a qualidade
do órgão estatal ora apontado como coator - Mesa da Câmara dos Deputados - faz
instaurar a competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e
julgar, na espécie, a presente ação de mandado de segurança (CF, art. 102, I, "d").
O ABUSO DE PODER, DE QUE DERIVA LESÃO A DIREITOS SUBJETIVOS,
ALEGADAMENTE PRATICADO COM SUPOSTO DESRESPEITO A
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, LEGITIMA A POSSIBILIDADE DE
CONTROLE JURISDICIONAL. Impõe-se observar, de outro lado, por necessário,
que o exame da impugnação deduzida na presente sede mandamental justifica - na
estrita perspectiva do princípio da separação de poderes - algumas reflexões
prévias em torno das relevantíssimas questões pertinentes ao controle jurisdicional
do poder político e às implicações jurídico-institucionais que necessariamente
decorrem do exercício do judicial review.
Como sabemos, o regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas
relações entre o Poder e o Direito, não tem condições de subsistir, quando as
instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e
as leis, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade
de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só
instituição.
Na realidade, impõe-se, a todos os Poderes da República, o respeito incondicional
aos valores que informam a declaração de direitos e aos princípios sobre os quais
se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado.
Delineia-se, nesse contexto, a irrecusável importância jurídico-institucional do
Poder Judiciário, investido do gravíssimo encargo de fazer prevalecer a autoridade
da Constituição e de preservar a força e o império das leis, impedindo, desse modo,
que se subvertam as concepções que dão significado democrático ao Estado de
Direito, em ordem a tornar essencialmente controláveis, por parte de juízes e
Tribunais, os atos estatais que importem em transgressão a direitos, garantias e
liberdades fundamentais, assegurados pela Carta da República.
Vê-se, daí, na perspectiva do caso ora em exame, que a intervenção do Poder
Judiciário, nas hipóteses de suposta lesão a direitos subjetivos amparados pelo
ordenamento jurídico do Estado, reveste-se de plena legitimidade constitucional,
ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder
Legislativo, como se registra naquelas situações em que se atribuem, à instância
parlamentar, condutas tipificadoras de abuso de poder.
Isso significa, portanto - considerada a fórmula política do regime democrático -
que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis.
Nenhum órgão do Estado - situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder
Executivo, ou no Poder Legislativo - é imune à força da Constituição e ao império
das leis.
Uma decisão judicial - que restaure a integridade da ordem jurídica e que torne
efetivos os direitos assegurados pelas leis - não pode ser considerada um ato de
interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já proclamou, em unânime
decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, qualquer que seja a natureza do
órgão legislativo cujas deliberações venham a ser questionadas em sede
jurisdicional, especialmente quando houver, como no caso, alegação de desrespeito
aos postulados que estruturam o sistema constitucional:

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

"O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR


COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO
DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da
necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado,
representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio
mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela
Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e
nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos
abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de
qualquer instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e
para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de
maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da
República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado
pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-
constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o
exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima
interferência na esfera de outro Poder da República.
O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM
POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO.
- O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de
poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de
instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no
plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos
Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.
Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa
conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que
sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se,
ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por
qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão
Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios
inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória."
(RTJ 173/806, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Em suma: a observância dos direitos e garantias constitui fator de legitimação da
atividade estatal. Esse dever de obediência ao regime da lei se impõe a todos -
magistrados, administradores e legisladores.
É que o poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado democrático de Direito,
não há lugar para o poder absoluto.
O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ABUSOS IMPUTADOS AO PODER
POLÍTICO - PORQUE TRADUZ REAFIRMAÇÃO DA AUTORIDADE DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - NÃO TRANSGRIDE O PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DE PODERES. Ainda que em seu próprio domínio institucional,
nenhum órgão estatal pode, legitimamente, pretender-se superior ou supor-se fora
do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal e das leis da República.
O respeito efetivo pelos direitos individuais e pelas garantias fundamentais
outorgadas pela ordem jurídica aos cidadãos em geral representa, no contexto de
nossa experiência institucional, o sinal mais expressivo e o indício mais veemente
de que se consolidou, em nosso País, de maneira real, o quadro democrático
delineado na Constituição da República.
A separação de poderes - consideradas as circunstâncias históricas que justificaram
a sua concepção no plano da teoria constitucional - não pode ser jamais invocada
como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de

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opressão estatal ou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer,


sem justa causa, o exercício do direito de protesto contra abusos que possam ser
cometidos pelas instituições do Estado.
As razões ora expostas - que bem traduzem anterior decisão por mim proferida
(MS 24.082/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 03/10/2001) - justificam
a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal conhecer da presente ação
mandamental, eis que a alegação de ofensa a princípios de índole constitucional -
precisamente por introduzir, no exame da controvérsia, um dado de natureza
jurídica - descaracteriza a existência de questão exclusivamente política,
permitindo, desse modo, ante a inocorrência de ato interna corporis, o pleno
exercício, por esta Corte, de sua jurisdição constitucional.
Lapidar, sob tal aspecto, o magistério, erudito e irrepreensível, de PEDRO LESSA
("Do Poder Judiciário", p. 65/66, 1915, Francisco Alves):
"Em substância: exercendo atribuições políticas, e tomando resoluções políticas,
move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo
de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa
periferia, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à competência do
poder judiciário. Desde que ultrapassa a circunferência, os seus atos estão sujeitos
ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a
direitos, lhes tira toda a eficácia jurídica." (grifei)
É por essa razão que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal
jamais tolerou que a invocação da natureza interna corporis do ato emanado das
Casas legislativas pudesse constituir um ilegítimo manto protetor de
comportamentos abusivos e arbitrários do Poder Legislativo.
Daí a precisa observação de PONTES DE MIRANDA ("Comentários à
Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969", tomo III/644, 3ª ed., 1987,
Forense), cujo magistério - embora acentuando a incognoscibilidade judicial das
questões políticas atinentes à oportunidade, à conveniência, à utilidade ou ao
acerto do ato emanado do órgão estatal - registra advertência, que cumpre não
ignorar:
"Sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do poder executivo, ou do
poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está formulada, o
elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica." (grifei)
Assentadas essas premissas, e considerando que o Deputado Federal Pinheiro
Landim, parte ora impetrante, alega múltiplas transgressões ao que dispõe o texto
da Constituição da República - notadamente no que se refere aos postulados
constitucionais da isonomia, da legalidade, da presunção de inocência, do
contraditório e da vedação ao "bis in idem" -, entendo, presente esse específico
contexto, que se revela suscetível de conhecimento esta ação de mandado de
segurança, eis que a invocação de temas constitucionais faz instaurar, de modo
pleno, a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, para apreciar a controvérsia
exposta nesta sede processual.
por quem então se achava investido na condição de membro de qualquer das Casas
do Congresso Nacional (CF, art. 55, I, "e", §§ 1º e 2º).
Parece revelar-se essencial, portanto, para os fins a que se refere o art. 55, § 2º da
Constituição da República, a existência de uma necessária relação de
contemporaneidade O PRINCÍPIO DA UNIDADE DE LEGISLATURA NÃO
IMPEDE A INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE CASSAÇÃO DE
MANDATO LEGISLATIVO, AINDA QUE POR ATOS ATENTATÓRIOS AO
DECORO PARLAMENTAR COMETIDOS, POR TITULAR DE MANDATO
LEGISLATIVO, NA LEGISLATURA ANTERIOR. Tenho para mim, ao examinar,
em sede de estrita delibação, a pretensão mandamental deduzida pelo ora
impetrante - não obstante as razões tão excelentemente desenvolvidas por seus
eminentes Advogados - que tal postulação parece não se revestir de plausibilidade
jurídica, especialmente em face da existência de decisão plenária, proferida pelo
Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do MS 23.388/DF, Rel. Min.

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NÉRI DA SILVEIRA, ocasião em que esta Suprema Corte, tendo presente situação
virtualmente idêntica à que ora se registra neste processo ("Caso Talvane Neto"),
rejeitou a tese de que a Casa legislativa não pode decretar a cassação de mandato
de qualquer de seus membros, por falta de decoro parlamentar, se o fato motivador
dessa deliberação houver ocorrido na legislatura anterior.
Essa decisão, emanada do Plenário do Supremo Tribunal Federal, acha-se
consubstanciada em acórdão assim ementado:
"Mandado de segurança. 2. Ato da Mesa da Câmara dos Deputados, confirmado
pela Comissão de Constituição e Justiça e Redação da referida Casa legislativa,
sobre a cassação do mandato do impetrante, por comportamento incompatível com
o decoro parlamentar. 3. Pretende-se a extinção do procedimento de perda do
mandato. Sustenta-se que a cassação do mandato, para nova legislatura, fica
restrita à hipótese de, no curso dessa legislatura, se verificarem condutas, dela
contemporâneas, capituláveis como atentatórias do decoro parlamentar. 4. Não
configurada a relevância dos fundamentos da impetração. Liminar indeferida. 5.
Parecer da Procuradoria-Geral da República pela prejudicialidade do mandado de
segurança, em face da perda de objeto; no mérito, pela denegação da ordem. 6.
Tese invocada, acerca da inexistência de contemporaneidade entre o fato típico e a
competência da atual legislatura, que se rejeita. 7. Não há reexaminar, em mandado
de segurança, fatos e provas (...). 9. Mandado de segurança indeferido." (grifei)
Cabe destacar, neste ponto, que o princípio da unidade de legislatura - que faz
cessar, a partir de cada novo quadriênio, todos os assuntos iniciados no período
imediatamente anterior, dissolvendo-se, desse modo, todos os vínculos com a
legislatura precedente (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Princípios do Processo de
Formação das Leis no Direito Constitucional", p. 38/39, item n. 14, 1964, RT) -
rege, essencialmente, o processo de elaboração legislativa, tanto que, encerrado o
período quadrienal a que se refere o art. 44, parágrafo único, da Constituição
Federal, dar-se-á, na Câmara dos Deputados, o arquivamento das proposições
legislativas, com a só exceção de alguns projetos taxativamente relacionados na
norma regimental (Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 105).
É por essa razão que o eminente Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao tratar do
postulado da unidade de legislatura, examina-o dentre os princípios que informam
o processo constitucional de formação das leis.
De outro lado, e ao contrário da limitação de ordem temporal imposta à atividade
investigatória das Comissões Parlamentares de Inquérito - cujo âmbito de atuação
não pode ultrapassar a legislatura em que instauradas (HC 71.193/SP, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE - MS 22.858/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -,
cumpre rememorar que o Supremo Tribunal Federal, como precedentemente
assinalado, já firmou orientação no sentido de que o princípio da unidade de
legislatura não se reveste de efeito preclusivo, em tema de cassação de mandato
legislativo, por falta de decoro parlamentar, ainda que por fatos ocorridos em
legislatura anterior (MS 23.388/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, Pleno).
Isso significa, portanto, que o princípio da unidade de legislatura não representa
obstáculo constitucional a que as Casas legislativas venham, ainda que por fatos
anteriores à legislatura em curso, a instaurar - contra quem já era titular de
mandato na legislatura precedente - procedimento de caráter político-
-administrativo, destinado a viabilizar a decretação da perda do mandato, por fato
atentatório ao decoro parlamentar, cometido entre a prática do ato contrário ao
decoro parlamentar, de um lado, e o exercício do mandato legislativo, de outro,
mesmo que o ato ofensivo à dignidade institucional do mandato (e, também, à
honorabilidade do Parlamento), tenha ocorrido na legislatura imediatamente
anterior, praticado por quem, naquele momento, já era integrante do Poder
Legislativo, tal como expressamente o reconheceu o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, no precedente mencionado.
Cumpre identificar, neste ponto, a "ratio" subjacente a esse entendimento que
resultou do julgamento plenário do

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MS 23.388/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA: é que a ordem jurídica não pode
permanecer indiferente a condutas de membros do Congresso Nacional - ou de
quaisquer outras autoridades da República - que hajam eventualmente incidido em
censuráveis desvios éticos, no desempenho da elevada função de representação
política do Povo brasileiro.
Foi por tal motivo que o Plenário desta Suprema Corte, atento aos altíssimos
valores que informam e condicionam todas as atividades governamentais - não
importando o domínio institucional em que elas tenham lugar -, veio a proferir o
seu dictum, reconhecendo a possibilidade jurídico-constitucional de qualquer das
Casas do Congresso Nacional adotar medidas destinadas a reprimir, com a
cassação do mandato de seus próprios membros, fatos atentatórios à dignidade do
ofício legislativo e lesivos ao decoro parlamentar, mesmo que ocorridos no curso
de anterior legislatura, desde que, já então, o infrator ostentasse a condição de
membro do Parlamento.
Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por
administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, que
desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que
condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo
honesto - nunca é demasiado reconhecê-lo - traduz uma prerrogativa insuprimível
da cidadania.
O sistema democrático e o modelo republicano não admitem, nem podem tolerar a
existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de
responsabilidade.
Nenhum membro de qualquer instituição da República está acima da Constituição,
nem pode pretender-se excluído da crítica social ou do alcance da fiscalização da
coletividade.
A imputação, a qualquer membro do Congresso Nacional, de atos que importem
em transgressão ao decoro parlamentar revela-se fato que assume, perante o corpo
de cidadãos, a maior gravidade, a exigir, por isso mesmo, por efeito de imposição
ética emanada de um dos dogmas essenciais da República, a plena apuração e o
esclarecimento da verdade, tanto mais se se considerar que o Parlamento recebeu,
dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para
legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais
Poderes.
Qualquer ato de ofensa ao decoro parlamentar culmina por atingir, injustamente, a
própria respeitabilidade institucional do Poder Legislativo, residindo, nesse ponto,
a legitimidade ético-jurídica do procedimento constitucional de cassação do
mandato parlamentar, em ordem a excluir, da comunhão dos legisladores, aquele -
qualquer que seja - que se haja mostrado indigno do desempenho da magna função
de representar o Povo, de formular a legislação da República e de controlar as
instâncias governamentais do poder.
Não se poderá jamais ignorar que o princípio republicano consagra o dogma de
que todos os agentes públicos - legisladores, magistrados, e administradores - são
responsáveis perante a lei e a Constituição, devendo expor-se, plenamente, às
conseqüências que derivem de eventuais comportamentos ilícitos.
Cumpre insistir na asserção de que a prática de atos atentatórios ao decoro
parlamentar, mais do que ferir a dignidade individual do próprio titular do mandato
legislativo, projeta-se, de maneira altamente lesiva, contra a honorabilidade, a
respeitabilidade, o prestígio e a integridade político-institucional do Parlamento,
vulnerando, de modo extremamente grave, valores constitucionais que atribuem,
ao Poder Legislativo, a sua indisputável e eminente condição de órgão da própria
soberania nacional.
É por essa razão que o eminente Professor MIGUEL REALE ("Decoro
Parlamentar e Cassação de Mandato Eletivo", in Revista de Direito Público, vol.
X/89), ao versar o tema em questão, adverte que o ato indecoroso do parlamentar
importa em falta de respeito à própria dignidade institucional do Poder Legislativo:

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"O 'status' do deputado, em relação ao qual o ato deve ser medido (e será comedido
ou decoroso em razão dessa medida) implica, por conseguinte, não só o respeito do
parlamentar a si próprio, como ao órgão ao qual pertence (...).
No fundo, falta de decoro parlamentar é falta de decência no comportamento
pessoal, capaz de desmerecer a Casa dos representantes (incontinência de conduta,
embriaguez, etc) e falta de respeito à dignidade do Poder Legislativo, de modo a
expô-lo a críticas infundadas, injustas e irremediáveis, de forma inconveniente."
Não é por outro motivo que PINTO FERREIRA ("Comentários à Constituição
Brasileira", vol. 3/28, 1992, Saraiva), em magistério lapidar sobre a matéria,
assinala:
"Outro motivo mencionado pela Constituição do País para a perda do mandato de
deputado ou senador é o procedimento reputado incompatível com o decoro
parlamentar. É, então, um poder discricionário que tem a Câmara de expulsar os
seus membros, quando sua conduta venha a ferir a própria honorabilidade da
Assembléia. Conquanto o deputado ou senador tenha todas as condições para
continuar em seu cargo, a própria Câmara ajuíza que ele é indesejável ou
intolerável, surgindo a cassação como uma medida disciplinar.
.......................................................
(...) A desqualificação do parlamentar não impede que ele venha a candidatar-se
novamente. Eventualmente pode reeleger-se. Mas sobra, ainda, à Câmara, o
exercício do seu poder para cassar novamente o mandato do dito membro." (grifei)
A submissão de todos à supremacia da Constituição e aos princípios que derivam
da ética republicana representa o fator essencial de preservação da ordem
democrática, por cuja integridade devemos todos velar, enquanto legisladores,
enquanto magistrados ou enquanto membros do Poder Executivo.
Não foi por outro motivo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar
a extensão do princípio da moralidade - que domina e abrange todas as instâncias
de poder -, proclamou que esse postulado, enquanto valor constitucional revestido
de caráter ético--jurídico, condiciona a legitimidade e a validade de quaisquer atos
estatais:
"A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência,
está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que
se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade
administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público,
confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se
funda a ordem positiva do Estado.
O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao
exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do
Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o
comportamento dos agentes e órgãos governamentais."
(ADI 2.661/MA, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pleno)
Impõe-se uma última observação a propósito do princípio da unidade de
legislatura.
No caso ora em exame, embora tratando-se de fato ocorrido na legislatura anterior,
ele só deixou de ser apurado, em virtude da extinção anômala do respectivo
procedimento, por efeito da livre e unilateral declaração de vontade emanada do
próprio impetrante, que renunciou ao mandato de que, então, era titular.
Daí o fato de a nova Mesa da Câmara dos Deputados haver deliberado, em
03/02/2003, sobre a necessidade de abertura de novo procedimento, em ordem a
legitimar, em função de novas investigações, a regular instauração, em momento
oportuno, do processo de cassação de mandato, por alegada falta de decoro
parlamentar, que teria sido cometida pelo ora impetrante.
Veja-se que, no precedente referido (MS 23.388/DF, Rel. Min. NÉRI DA
SILVEIRA, Pleno), o fato - também praticado em legislatura anterior (16/12/98) -
veio a ser objeto de procedimento de cassação de mandato, instaurado no último
mês de determinada legislatura (janeiro/99), que teve prosseguimento e conclusão

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no início da legislatura seguinte, quando certo Deputado Federal teve o seu


mandato cassado, por falta de decoro parlamentar (em 07/04/99), transitando, o
respectivo processo de cassação, de uma legislatura para outra, sem qualquer
solução de continuidade.
Presente referida situação (fato ocorrido em legislatura anterior, em cujo âmbito foi
instaurado o concernente procedimento de cassação, encerrado na legislatura
subseqüente, com os respectivos atos processuais havendo sido praticados em
seqüência ininterrupta) - situação essa em tudo aparentemente mais desfavorável
que a ora exposta pelo impetrante -, esta Suprema Corte, mesmo assim, veio a
reconhecer que a Carta Política não exige que haja necessária relação de
contemporaneidade entre o fato típico e a legislatura sob cujo domínio temporal
teria ocorrido o evento motivador da responsabilização política do legislador, por
falta de decoro parlamentar, consoante esclareceu o Plenário do Supremo Tribunal
Federal:
"3. Pretende-se a extinção do procedimento de perda do mandato. Sustenta-se que
a cassação do mandato, para nova legislatura, fica restrita à hipótese de, no curso
dessa legislatura, se verificarem condutas, dela contemporâneas, capituláveis como
atentatórias do decoro parlamentar (...) 6. Tese invocada, acerca da inexistência de
contemporaneidade entre o fato típico e a competência da atual legislatura, que se
rejeita."
(MS 23.388/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei)
APARENTE INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO "NON BIS IN
IDEM". Vê-se, do próprio precedente resultante do julgamento do MS 23.388/DF,
Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA (Pleno), que parece revelar-se inconsistente a
alegação de que a Mesa da Câmara dos Deputados, com a edição do Ato nº
01/2003, teria infringido o postulado que veda o "bis in idem".
Na realidade, o procedimento de apuração preliminar da conduta alegadamente
indecorosa do ora impetrante, instaurado na legislatura anterior, não se concluiu,
em decorrência de obstáculo exclusivamente criado pelo próprio impetrante, que
renunciou ao seu mandato (fls. 46/49), impedindo, assim, ante a superveniente
perda de objeto, a conclusão da sindicância.
Torna-se evidente, pois, que, em virtude dessa anômala extinção da sindicância
administrativa - a que deu causa, unicamente, o próprio impetrante (fls. 46/49) - o
órgão legislativo dela encarregado não teve condições de concluí-la e de relatá-la,
o que, por si só, afasta a alegação de que a instauração de nova sindicância, sob a
responsabilidade de órgão legislativo composto por novos integrantes, teria
importado em ofensa ao princípio do "non bis in idem".
Esse desrespeito ao postulado que veda o "bis in idem" simplesmente não ocorreu,
eis que, na legislatura anterior, não se registrou, contra o ora impetrante, e a
propósito dos mesmos fatos ensejadores da atual sindicância, a inflição de qualquer
sanção de índole político-administrativa, nem se verificou o encerramento de
qualquer procedimento de caráter disciplinar.
Disso resulta que inexiste, no caso, qualquer possibilidade de dupla punição
político-administrativa, motivada pelo mesmo fato, a ser eventualmente imposta
pela Casa Legislativa a que pertence o ora impetrante, uma vez que - insista-se - a
imputação existente contra o Deputado Federal Pinheiro Landim, além de não
haver constituído objeto de apreciação definitiva na legislatura anterior, sequer
resultou em qualquer sanção ao parlamentar em referência.
PROCEDIMENTO INQUISITÓRIO (FASE PRÉ-PROCESSUAL) E GARANTIA
DE DEFESA. Também não me parece, em sede de estrita delibação, que a
Comissão de Sindicância tenha desrespeitado a garantia da plenitude de defesa,
pois ainda não se instaurou o processo político-administrativo a que se refere o art.
55, § 2º, da Constituição.
É que a Comissão de Sindicância - que constitui a longa manus do Conselho de
Ética e Decoro Parlamentar - atua, no presente momento, numa fase estritamente
pré-processual, realizando diligências investigatórias destinadas a comprovar,

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

ainda que de modo sumário e preliminar, os fatos que poderão substanciar, em


momento oportuno, o ulterior oferecimento de acusação formal ("representação")
contra o ora impetrante, por suposta prática de atos alegadamente incompatíveis
com o decoro parlamentar.
Isso significa, portanto, que a fase ritual em que presentemente se acha o
procedimento de apuração sumária e preliminar dos fatos não comporta a prática
do contraditório, nem impõe a observância da garantia da plenitude de defesa, eis
que a investigação promovida pela Comissão de Sindicância reveste-se, no
presente momento, do caráter de unilateralidade, impregnada que se acha de
inquisitividade, circunstância essa que torna insuscetível de invocação a cláusula
da plenitude de defesa e do contraditório.
É por essa razão que JOSÉ FREDERICO MARQUES ("Elementos de Direito
Processual Penal", vol. I/157, item n. 82, 2ª ed., 1965, Forense), ao versar o tema
da investigação penal, adverte que não tem pertinência, nessa fase procedimental,
caracterizada pela nota da unilateralidade da apuração dos fatos, a invocação do
princípio do contraditório, exatamente por ainda não haver sido instaurado o
concernente processo:
"Um procedimento policial de investigação, com o contraditório, seria verdadeira
aberração, pois inutilizaria todo esforço investigatório que a polícia deve realizar
para a preparação da ação penal."
Essa lição revela-se inteiramente aplicável à atividade igualmente investigatória
desenvolvida pela Comissão de Sindicância, instituída pela Mesa da Câmara dos
Deputados, pois, também no caso ora em exame, mostra-se prematura a pretendida
observância da garantia do contraditório e da plenitude de defesa, eis que ainda não
se instaurou, na forma do art. 7º do Regulamento do Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar da Câmara dos Deputados, e para os fins a que se refere o art. 55, § 2º,
da Carta Política, o pertinente processo de perda do mandato, por suposta falta de
decoro parlamentar.
O fato irrecusável é um só: a Comissão de Sindicância - que promove a
investigação preliminar e sumária - atua como verdadeira fact-finding commission.
Nela não há a figura do acusado, porque ainda inexistente qualquer acusação
formal e também porque inocorrente a própria instauração do processo político-
administrativo a que alude o art. 55, § 2º, da Carta Política, e cuja disciplina ritual
observará o que dispõe o art. 7º do Regulamento do Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar da Câmara dos Deputados, oportunidade em que será, então,
assegurada ampla defesa ao parlamentar, com todos os meios a ela inerentes,
inclusive aquele referente à garantia do contraditório (CF, art. 55, § 2º).
É certo que o Estado, em tema de punições de índole disciplinar ou de caráter
político-administrativo, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou
arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade censória, o postulado da
plenitude de defesa, pois - cabe enfatizar -, o reconhecimento da legitimidade
ético-jurídica de qualquer sanção punitiva imposta pelo Poder Público exige, ainda
que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel
observância do princípio do devido processo legal, consoante adverte autorizado
magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO,
"Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 1/68-69, 1990, Saraiva;
PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 1/176 e 180,
1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, "O Direito à Defesa na
Constituição de 1988", p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA
BUENO FILHO, "O Direito à Defesa na Constituição", p. 47-49, 1994, Saraiva;
CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 2/268-
269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "Direito
Administrativo", p. 401-402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,
"Curso de Direito Administrativo", p. 290 e 293-294, 2ª ed., 1995, Malheiros, v.g.).
Ocorre, no entanto, que essa diretriz constitucional (CF, art. 5º, LV), assim
interpretada pelo magistério da doutrina e pela jurisprudência dos Tribunais,

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somente terá aplicação, se e quando se tratar de processo (administrativo ou


judicial), não, porém, quando se cuidar, como no caso, de simples apuração
sumária, por Comissão de Sindicância, destinada a subsidiar futura acusação
formal contra qualquer parlamentar, a quem vier a ser imputada a prática de ato
incompatível com o decoro inerente às Casas legislativas.
Uma vez instaurado o processo de decretação de perda de mandato, por suposta
infração ao que dispõe o art. 55, II, da Constituição, resultante de formal
oferecimento da representação, por parte de quem dispuser de legitimidade ativa
para tanto (CF, art. 55, § 2º), aí, então, impor-se-á, por efeito do que determina a
própria Carta Política (CF, art. 55, § 2º), a observância da garantia indisponível da
plenitude de defesa.
Antes, porém, tal como já enfatizado, não se revelará aplicável a garantia a que se
refere o art. 55, § 2º da Constituição, pois, na fase pré-processual de apuração
sumária e preliminar dos fatos e respectivos elementos probatórios, inexiste -
considerado o contexto emergente da presente causa - qualquer possibilidade
jurídica de imposição da sanção constitucional de perda do mandato, tal como se
discutiu, amplamente, no Plenário desta Corte, quando do julgamento do MS
21.861/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA.
AUTONOMIA DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR, AINDA QUE OS
FATOS A SEREM APURADOS POSSAM QUALIFICAR-SE COMO ILÍCITOS
PENAIS. De outro lado, cumpre enfatizar que a Comissão de Sindicância -
considerada a extrema gravidade dos fatos submetidos à sua apuração - dispõe de
plena liberdade de atuação para investigar e para esclarecer os eventos que
motivaram, no plano institucional, a reação da Câmara dos Deputados.
O aprofundamento e a extensão das investigações promovidas pela Comissão de
Sindicância, instituída pela Mesa da Câmara dos Deputados, visam a um só
propósito: o de permitir a apuração da verdade real sobre os fatos que
caracterizariam a alegada falta de decoro parlamentar.
A circunstância de esses mesmos episódios constituírem objeto de investigação
penal não impede, nem inibe a Câmara dos Deputados, por intermédio da
Comissão de Sindicância, de também apurar os fatos, na exata medida em que as
informações deles decorrentes mostrarem-se relevantes para os fins a que alude o
art. 55, II, da Constituição da República.
Cabe relembrar, neste ponto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por
unanimidade, reconheceu a possibilidade de qualquer das Casas do Congresso
Nacional - agindo nos estritos limites de sua competência institucional - realizar
investigações ou promover inquéritos e sindicâncias, com o objetivo de apurar
fatos sujeitos a procedimentos incluídos em sua esfera de atribuições (precisamente
como no caso), não obstante esses mesmos fatos possam constituir objeto de
inquéritos policiais ou, até mesmo, de processos judiciais em curso:
"AUTONOMIA DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR.
- O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como
procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de
finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão legislativa - sempre
respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e
observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição - promover a
pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir,
eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos
policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal
objeto da apuração congressual. Doutrina. Precedente: MS 23.639-DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO (Pleno)."
(MS 23.652/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Esse entendimento jurisprudencial reflete-se, por igual, no magistério de eminentes


autores (JOÃO DE OLIVEIRA FILHO, "Comissões Parlamentares de Inquérito",
in Revista Forense, vol. 151/9-22, 13; ALCINO PINTO FALCÃO, "Comissões

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Parlamentares de Inquérito - Seus Poderes Limitados - Relações com a Justiça -


Testemunhas", in Revista Forense, vol. 185/397-399, item n. 4; JOSÉ LUIZ
MÔNACO DA SILVA, "Comissões Parlamentares de Inquérito", p. 34-35, 1999,
Ícone; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, "Comissão Parlamentar de Inquérito (Atuação
- Competência - Caráter investigatório)", in Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 6/171-185, 180; CARLOS MAXIMILIANO, "Comentários à
Constituição Brasileira de 1946", vol. 2/80, item n. 315, 5ª ed., 1954, Freitas
Bastos):
"Em virtude da natureza da investigação parlamentar, nada impede, entre nós, que
ela se realize paralelamente com o inquérito policial ou o processo judiciário."
(NELSON DE SOUZA SAMPAIO, "Do Inquérito Parlamentar", p. 45/46, 1964,
Fundação Getúlio Vargas - grifei)
Presentes todas as razões ora expostas, mas considerando, sobretudo, o precedente
firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (MS 23.388/DF, Rel. Min.
NÉRI DA SILVEIRA, "Caso Talvane Neto"), entendo que resulta descaracterizada,
na espécie, a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental ora deduzida.
Cabe enfatizar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, que resulta do
concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais,
somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos
no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51: a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni
juris), de um lado, em concurso com a possibilidade de lesão irreparável ou de
difícil reparação (periculum in mora), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos - que são necessários, essenciais e
cumulativos -, não se legitima a concessão da medida liminar.
Orienta-se, nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
"Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os
motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a
saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa
resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar."
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID - grifei)
Sendo assim, em sede de mera delibação, e tendo em consideração os fundamentos
que venho de expor, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Requisitem-se informações ao eminente Presidente da Câmara dos Deputados,
em sua condição de Presidente do órgão colegiado ora apontado como coator,
encaminhando-se, a Sua Excelência, cópia da presente decisão.
Publique-se. Brasília, 18 de fevereiro de 2003. * decisão publicada em 21.2.2003.”

Tema IV

O Poder Legislativo II. Organização das Casas Legislativas. Imunidade parlamentar. Comissões
permanentes e temporárias.

Notas de Aula7
7
Aula ministrada pelo professor Humberto Peña de Moraes, em 12/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

1. Organização das casas legislativas

Para o desempenho da função legislativa, é necessária a criação de órgãos hábeis a


realizá-las. O Poder Legislativo tem esta divisão funcional no artigo 44 da CRFB, já
transcrito, sendo desempenhada a função legislativa no sistema bicameral, adotado em
nível federal, e unicameral, nos entes federativos menores.
O bicameralismo federal é cláusula pétrea, inclusive, eis que representa a forma
federativa de Estado. Por isso, qualquer ato que o subverta – como uma matérisa que
exigisse quorum em ambas as casas, tendo sido emitida sem quorum em uma delas – é
inconstitucional. Veja o artigo 47 da CRFB:

“Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada


Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria
absoluta de seus membros.”

A regra das decisões parlamentares é que cada casa decida seu turno, havendo
excepcionais reuniões conjuntas, para matérias específicas.
Os mandatos dos Deputados, de quatro anos, correspondem a uma legislatura.
Senadores tem mandato de oito anos, correspondentes a duas legislaturas. O número de
senadores representantes dos Estados é igualitário, independentemente da grandeza
populacional de cada Estado.
As casas se organizam por regimentos internos. O STF não admite sua intervenção
sobre matérias interna corporis, previstas nos regimentos, a não ser quando for para tutelar
direitos alheios alvejados pela norma regimental. O STF sequer admite sua atuação para
interpretar os regimentos, eis que esta interpretação incumbe aos membros das casas.
Repita-se, porém: se há lesão a direito subjetivo alheio, o STF pode ser instado a avaliar a
questão. O MS 24.356 do STF é importante:

“MS 24356 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 13/02/2003. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Publicação: DJ 12-09-2003.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATOS DO
PODER LEGISLATIVO: CONTROLE JUDICIAL. ATO INTERNA CORPORIS:
MATÉRIA REGIMENTAL. I. - Se a controvérsia é puramente regimental,
resultante de interpretação de normas regimentais, trata-se de ato interna corporis,
imune ao controle judicial, mesmo porque não há alegação de ofensa a direito
subjetivo. II. - Mandado de Segurança não conhecido.”

1.1. Imunidades parlamentares

Os membros do Congresso tem prerrogativas para o desempenho da função – são as


imunidades parlamentares. Estas garantias funcionais não se dirigem diretamente aos
congressistas, apenas protegendo-os indiretamente, pois são destinadas às casas do
Congresso – são garantias da função, e não da pessoa que ocupa o cargo.
É por isso que, fora do exercício das funções parlamentares, os congressistas não
gozam destas imunidades. Se um Deputado for nomeado Ministro de Estado, não estará no

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

exercício da função parlamentar, e sim na de administrador público, não detendo mais as


imunidades.
As imunidades não se confundem com o foro especial por prerrogativa de funções.
São institutos diversos, com funções diversas.
As imunidades parlamentares são irrenunciáveis, porque não pertencem ao
congressista, mas sim à função, pelo que não é dado renunciar a quem não a titularize
primariamente.
Estas garantias intencionam proteger o livre exercício da função. Por isso, não há
crime contra a honra, por exemplo, quando o congressista profere ofensas relacionadas ao
exercício democrático, em uma deliberação do Congresso; mas há crime quando o
congressista ofende a honra de uma pessoa em momento completamente alheio ao seu
cargo político (numa discussão de trânsito, por exemplo). Para haver imunidade, é
imperativo o liame entre o ato do parlamentar e a sua função.
A origem das imunidades parlamentares é inglesa. Surgiram na Bill of Rights, em
1688 (mesmo que tenham tido já um arremedo no direito romano e grego), quando se
prestavam a proteger a liberdade de opinião daqueles que integravam o parlamento, bem
como protegê-los pessoalmente.
Hoje, no Brasil, é prevista no artigo 53 da CRFB:

“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por


quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 35, de 2001)
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 35, de 2001)
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não
poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos
serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a
diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por
iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus
membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo
improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre
informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre
as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 7º A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora
militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa
respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de
sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da
Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso
Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.(Incluído pela
Emenda Constitucional nº 35, de 2001).”

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Há imunidades materiais, as inviolabilidades, e imunidades formais, processuais.


As materiais estão no artigo 53, caput; as formais, nos §§ 2º e 3º deste artigo: as
imunidades materiais excluem o crime, e afastam a responsabilidade civil; e as imunidades
formais impedem a prisão (salvo em flagrante de crime inafiançável), e possibilitam o
sobrestamento do feito, por iniciativa da respectiva casa do parlamentar processado.
Uma vez excluído o crime, por ter incidido a imunidade material, jamais poderá
haver persecução por aquele fato, nem mesmo quando findo o mandato. A exclusão do
crime é perpétua.
Na incidência da imunidade formal, o crime não se exclui, mas pode ser suspensa a
persecução criminal, e não há prisão cautelar a não ser que o crime seja inafiançável.
Se o crime foi cometido antes da diplomação, não há imunização alguma, assim
como não é imune o ex-parlamentar.
Sendo preso por crime inafiançável, o levantamento da prisão pode ser feito pela
casa, que para tanto deverá votar por maioria absoluta. É rara hipótese de levantamento
político de prisão.
Como na imunidade formal não há exclusão de crime, uma vez findo o mandato, o
ex-parlamentar será alvo de persecução.
As imunidades subsistem mesmo em estado de sítio.

Casos Concretos

Questão 1

Um Deputado Federal, eleito pelo Estado X, afastou-se do exercício do mandato


para ocupar um cargo de Secretário de Estado. O mesmo Deputado está sendo acusado da
prática de crime. A sua imunidade está conservada?

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Não: a imunidade é uma garantia da função. Estando alheado da função, mesmo não
perdendo o cargo, não conta com imunidade alguma.
Veja:

“Decoro Parlamentar e Perda do Mandato - Parte Final


O parlamentar acusado de prática de ato incompatível com o decoro em
decorrência de condutas adotadas enquanto investido no
cargo de Ministro de Estado pode, sim, ser processado pelo Poder Legislativo.
04/06/2008 - 00:47
Na semana passada, após abordar o tema da prática de ato incompatível com o
decoro parlamentar como uma das causas constitucionais de perda do mandato,
lancei o seguinte questionamento (em face de notícias veiculadas na imprensa
sergipana): as disposições constitucionais sobre decoro parlamentar e perda do
mandato aplicam-se, também, ao parlamentar que esteja eventualmente afastado do
exercício de suas funções para exercer a atribuição de Secretário de Estado? Em
outras palavras, pode um parlamentar que não se encontra no exercício de suas
atribuições próprias do Poder Legislativo praticar conduta incompatível com o
decoro parlamentar?
De início, deve ser apontado que a Constituição Federal (de igual modo a
Constituição do Estado de Sergipe), no contexto da harmonia entre os Poderes,
admite que um parlamentar se afaste do exercício de suas atribuições para o
exercício de cargos no Poder Executivo, sem que isso constitua causa de perda do
mandato:
Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território,
Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou
chefe de missão diplomática temporária;
A temática proposta, então, é a seguinte: se um parlamentar está afastado
temporariamente do exercício de suas funções parlamentares - por se encontrar no
exercício de funções administrativas, ocupando temporariamente o
cargo de Ministro de Estado ou de Secretário de Estado, por exemplo
(cargos de agentes políticos auxiliares diretos do Chefe do Poder Executivo das
respectivas esferas federativas) – precisa observar o decoro parlamentar, e, em
decorrência, a obrigação de os parlamentares manterem conduta íntegra, proba,
que não comprometa a honorabilidade da instituição representativa dos interesses
democráticos e pluralistas da cidadania, qual seja, o Parlamento? Na medida em
que o parlamentar não exerce a função parlamentar, tem como, por alguma conduta
sua, comprometer a honorabilidade do Parlamento?
O problema já foi enfrentado. Refiro-me ao caso do ex-deputado federal e ex-
Ministro de Estado da Casa Civil, José Dirceu. Eleito deputado federal em 2002 e
empossado em 01/02/2003 para um mandato de quatro anos, afastou-se do
exercício parlamentar para exercer o cargo de Ministro de Estado da Casa Civil, a
convite do Presidente da República (Lula). Em 2005, foi acusado publicamente
pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson de, na
condição de Ministro de Estado da Casa Civil, ter comandado um
esquema de pagamento a deputados para que votassem, na Câmara Federal, a
favor de projetos de interesse do Governo. Acusação que ficou conhecida
como “esquema do mensalão”.
Foram instauradas Comissões Parlamentares de Inquérito para apurar a acusação,
a Câmara dos Deputados instaurou procedimento de investigação, até que o PTB,
partido político representado naquela Casa Legislativa, requereu a instauração de
processo de cassação de mandato do ex-deputado José Dirceu, sob o fundamento
de prática de atos incompatíveis com o decoro parlamentar. Que atos? Atos que
teria praticado quando Ministro de Estado, comandando, do Ministério e no

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Ministério, reuniões preparatórias e executivas de todo o esquema de atividades


ilícitas destinado ao pagamento mensal de deputados federais, a fim de que
votassem a favor dos projetos encaminhados pelo Governo. Ou seja: nenhum ato
praticado enquanto parlamentar, mas atos praticados enquanto Ministro de Estado.
Insatisfeito, o ex-deputado José Dirceu impetrou mandado de segurança no
Supremo Tribunal Federal, sustentando a tese de que não poderia ser
acusado de prática de ato incompatível com o decoro parlamentar quando tal ato
foi praticado na condição de Ministro de Estado. A tese, sem dúvida, tem
razoabilidade. Contudo, o que decidiu o STF?
Em uma longa e polêmica sessão realizada na data de 19/10/2005, a Suprema
Corte decidiu que o parlamentar acusado de prática de ato incompatível com o
decoro em decorrência de condutas adotadas enquanto investido no cargo de
Ministro de Estado pode, sim, ser processado pelo Poder Legislativo e
eventualmente punido com a perda do mandato, se assim entender a Casa
Legislativa. E isso basicamente por conta de algumas premissas: a) não há uma
necessária coincidência entre exercício da função e submissão ao regime jurídico
parlamentar, tanto que: - antes mesmo de empossados e de entrarem em exercício
os deputados e senadores já possuem o foro especial, a partir da expedição do
diploma (Art. 53, § 1º), que é uma prerrogativa da função parlamentar; - antes
mesmo de empossados e de entrarem em exercício os deputados e senadores, já a
partir da expedição do diploma, ficam proibidos de “firmar ou manter contrato
com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública,
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo
quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” e de “aceitar ou exercer cargo,
função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad
nutum", nas entidades constantes da alínea anterior” (Art. 54, I, “a” e “b”); b) a
circunstância de os deputados e senadores se encontrarem temporariamente
afastados do exercício funcional no Parlamento não os exime do
dever de observância a todo o estatuto constitucional dos congressistas, no qual se
inclui o respeito ao sistema de proibições instituídas aos parlamentares, bem como
a necessária observância às regras do decoro parlamentar; em outras
palavras, embora investido no cargo de Ministro de Estado, o parlamentar não está
dispensado de ter comportamento compatível com a ética do Parlamento (MS-MC
25579 – Relator para o acórdão Ministro Joaquim Barbosa, decisão tomada por
maioria, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Nelson Jobim).
Como é de conhecimento público, após essa decisão, a Câmara dos Deputados deu
normal prosseguimento ao processo de cassação, que teve como resultado final a
aprovação da perda do mandato do ex-deputado José Dirceu e conseqüente
inelegibilidade para as eleições que se realizaram até 31/01/2007 e nos oito anos
subseqüentes.
O que o STF concluiu para parlamentar afastado de suas função para exercício do
cargo de Ministro de Estado aplica-se, na íntegra, à situação de parlamentar
afastado de sua função para exercício do cargo de Secretário de Estado.

A matéria, porém, é polêmica, e o precedente acima descrito foi o primeiro caso


enfrentado pela Suprema Corte quanto a essa específica discussão, à luz da
Constituição de 1988. É, em decorrência, matéria sujeita a reexame.”

Questão 2

Arnaldo Adolfo, Deputado Federal e dirigente de clube de futebol, em recente


entrevista jornalística concedida a uma emissora de televisão, teceu comentários a respeito
de vários assuntos. Dentre eles, referiu-se ao Deputado Federal, Sr. Pantaleão, conhecido
desafeto político, como sendo simpático a ideais racistas, o que explicaria a sua postura

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

na votação de lei referente ao sistema de cotas nas Universidades Públicas. Manifestou-se


também contra determinada pessoa jurídica, patrocinadora de atividades esportivas,
declarando-a organizadora de um esquema ilícito para beneficiar um time em uma partida
de futebol.
Insatisfeitos com tais declarações, tanto o Deputado quanto aquela pessoa jurídica,
separadamente, propuseram queixa-crime contra Arnaldo, por ter ele se insurgido contra
suas honras, fora do recinto da Casa Legislativa, estando assim a descoberto da
imunidade que lhe confere a Constituição.
Devem tais queixas serem recebidas pelo Tribunal?Fundamente.

Resposta à Questão 2

A ofensa realizada no exercício da função não deve ser perseguida – o crime


inexiste, pois há imunidade material. A outra ofensa, no entanto, merece persecução: a
ofensa contra a pessoa jurídica nada se relaciona com a função, não estando acobertada pela
imunidade.
Veja a ementa abaixo:

“Inq 1588 QO. Relator Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 12/12/2002. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 27/10/2006.
E M E N T A: IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL
(INVIOLABILIDADE) - SUPERVENIÊNCIA DA EC Nº 35/2001 - ÂMBITO DE
INCIDÊNCIA - NECESSIDADE DE QUE OS "DELITOS DE OPINIÃO"
TENHAM SIDO COMETIDOS NO EXERCÍCIO DO MANDATO
LEGISLATIVO OU EM RAZÃO DELE -INDISPENSABILIDADE DA
EXISTÊNCIA DESSE NEXO DE IMPLICAÇÃO RECÍPROCA - EXISTÊNCIA,
NA ESPÉCIE, DESSE VÍNCULO CAUSAL - PROPOSTA DE CONCESSÃO,
DE OFÍCIO, DA ORDEM DE "HABEAS CORPUS" ACOLHIDA. - A garantia
constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, "caput")
- que representa um instrumento vital destinado a viabilizar o exercício
independente do mandato representativo - somente protege o membro do
Congresso Nacional, qualquer que seja o âmbito espacial ("locus") em que este
exerça a liberdade de opinião (ainda que fora do recinto da própria Casa
legislativa), nas hipóteses específicas em que as suas manifestações guardem
conexão com o desempenho da função legislativa (prática "in officio") ou tenham
sido proferidas em razão dela (prática "propter officium"), eis que a superveniente
promulgação da EC 35/2001 não ampliou, em sede penal, a abrangência tutelar da
cláusula da inviolabilidade. - A prerrogativa indisponível da imunidade material -
que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não
traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) - não se estende
a palavras, nem a manifestações do congressista, que se revelem estranhas ao
exercício do mandato legislativo. - A cláusula constitucional da inviolabilidade
(CF, art. 53, "caput"), para legitimamente proteger o parlamentar, supõe a
existência do necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações
moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício congressional, de
outro. Doutrina. Precedentes. - A situação registrada nos presentes autos -
manifestação proferida em razão do mandato parlamentar ("propter officium")
-indica ser legítima a invocação, em favor do congressista denunciado, da garantia
constitucional da imunidade parlamentar em sentido material. Ordem de "habeas
corpus" concedida de ofício.”

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

O Ministério Público do Estado de Camaçari, em 26 de agosto de 1999, ofereceu


denúncia contra Norton Oliveira, Vereador da Câmara Municipal de Bom Jesus - CA, por
ter praticado uma série de delitos em detrimento do erário público municipal.
O acusado foi devidamente notificado, como manda o art. 514 do CPP, momento em que
ofereceu sua defesa prévia.
Entretanto, por força de fato novo intercorrente, qual seja, a investidura do Sr.
Norton em mandato eletivo de Deputado Federal, em razão da cassação de outro
Deputado Federal, o juiz declinou da competência para o STF, na forma do art. 102, I, b,
da Constituição da República.
O Ministro relator solicitou a licença prévia à Câmara dos Deputados, em
17/11/99, momento em que suspendeu o curso da prescrição.
Em 12/02/01, o Deputado juntou projeto de resolução firmado pelo Presidente da
Comissão de Constituição, Justiça e Redação, instrumento que continha informação no
sentido de ter sido negada a autorização para processá-lo.
Em 21/12/01, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 35, que alterou o art. 53
da Constituição da República.
Expostos os fatos, responda:
a) A investidura do acusado no Congresso Nacional e o deslocamento da
competência para o STF afeta a validade dos atos praticados perante o juízo
anterior? Faz-se necessária a ratificação da denúncia pelo Procurador-Geral da
República?
b) É a Comissão de Constituição, Justiça e Redação órgão competente para
deliberar sobre a concessão ou negativa da licença?
c) A E.C. 35/01 modificou o alcance da imunidade do Congressista?
d) Persiste a exigência da licença prévia? Qual é a sua natureza?
e) Qual o reflexo da E.C. 35/01 na fluência do prazo prescricional?

Resposta à Questão 3

a) Não: os atos são mantidos, pois à época havia competência para tanto, bem como
havia atribuição perfeita do MP. Não há nenhuma nulidade. Sendo assim, a
ratificação não é necessária.
b) Não: a competência seria do plenário da respectiva casa.
c) A EC incrementou a imunização, trazendo o alcance desta sobre quaisquer
manifestações.
d) Não: a persecução se instaura, podendo apenas ser sustada pela respectiva casa,
mas já estará em curso. A licença tinha natureza de ato político, condição objetiva
de procedibilidade da persecução, fosse exigida.
e) Só há prescrição se há possibilidade de persecução, pois assim há inércia a ser
punida. Antes da EC, como não era possível a persecução sem a licença, não corria
a prescrição; hoje, corre este prazo, porque a persecução é possível – suspendendo-
se juntamente com a suspensão do processo que a casa eventualmente realizar.

Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“Inq 1459 / PR – PARANÁ INQUÉRITO. Relator Min. ILMAR GALVÃO.


Julgamento: 08/08/2002. Publicação DJ 14/08/2002.
DESPACHO: Vistos, etc. Cuida-se de processo-crime iniciado por meio de
denúncia oferecida pela Procuradoria da República no Estado do Paraná,
imputando aos acusados a prática dos crimes previstos no art. 1.º, inc. I, II e V, da
Lei n.º 8.137/91; no art. 22 da Lei n.º 7.492/86; e no art. 299 do Código Penal. Em
face da eleição do réu José Carlos de Castro Martinez para o cargo de Deputado
Federal, posteriormente ao recebimento da denúncia, os autos foram remetidos a
esta Corte.
Distribuído o feito em 23.03.99, os autos vieram-me conclusos em 24.03.99 e, na
mesma data, abri vista ao Ministério Público Federal, que, em manifestação
exarada pelo eminente Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, em
31.07.2002, consignou, in verbis (fls. 82/86):
"Em 20 de dezembro de 2001, foi promulgada a Emenda Constitucional n.º 35, a
qual deu nova redação ao art. 53 da Constituição da República (publicada no DOU
de 21/12/2001). A referida norma constitucional passou assim a disciplinar a
matéria: "Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente,
por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1.º Os Deputados e Senadores,
desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal. § 2.º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse
caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva,
para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
§ 3.º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após
a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por
iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus
membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. § 4.º O pedido
de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de
quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. § 5.º A sustação do
processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. § 6.º Os Deputados e
Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou
prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou deles receberam informações. § 7.º A incorporação às Forças
Armadas de Deputados e Senadores, embora militares e ainda que em tempo de
guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva. § 8.º As imunidades de
Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser
suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos
casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam
incompatíveis com a execução da medida." (NR) A norma constitucional ora
transcrita modificou substancialmente a questão referente à imunidade formal dos
parlamentares, pois ficou eliminada a exigência de licença prévia do Poder
Legislativo para a instauração ou prosseguimento de processos contra membros do
Congresso Nacional.
Esse Excelso Pretório, resolvendo Questão de Ordem no Inquérito n.º 1566/AC, de
relatoria do Eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, assim decidiu, verbis:
"EMENTA: imunidade parlamentar: abolição da licença prévia pela EC 35/01:
aplicabilidade imediata e conseqüente retomada do curso da prescrição. 1. A
licença prévia da sua Casa para a instauração ou a seqüência de processo penal
contra os membros do Congresso Nacional, como exigida pelo texto originário do
art. 53, § 1.º, da Constituição configurava condição de procedibilidade, instituto de
natureza processual, a qual, enquanto não implementada, representava empecilho
ao exercício da jurisdição sobre o fato e acarretava, por conseguinte, a suspensão
do curso da prescrição, conforme o primitivo art. 53, § 2º, da Lei Fundamental. 2.
Da natureza meramente processual do instituto, resulta que a abolição pela EC
35/01 de tal condicionamento da instauração ou do curso do processo é de
aplicabilidade imediata, independentemente da indagação sobre a eficácia temporal

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

das emendas à Constituição: em conseqüência, desde a publicação da EC 35/01,


tornou-se prejudicado o pedido de licença pendente de apreciação pela Câmara
competente ou sem efeito a sua denegação, se já deliberada, devendo prosseguir o
feito do ponto em que paralisado. 3. Da remoção do empecilho à instauração ou à
seqüência do processo contra o membro do Congresso nacional, decorre retomar o
seu curso, desde a publicação da EC 35/01, a prescrição anteriormente suspensa."
(INQQO 1566-AC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 22.03.02, p. 32 -
sem ênfase no original).
Recebida regularmente a denúncia, como o foi pelo Juízo Federal de 1.ª instância,
deve o presente feito prosseguir em seus ulteriores atos, notificando-se o
denunciado para as providências a que se refere o art. 7.º da Lei n.º 8.038/90.
Nesse sentido é a iterativa jurisprudência dessa Excelsa Corte, tal como já decidido
por Vossa Excelência nos autos do Inq n.º 1.018/RO (decisão publicada no DJ de
29/04/2002), bem assim como nos arestos abaixo colacionados:
"STF -- COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA POR PRERROGATIVA DE
FUNÇÃO -- ADVENTO DA INVESTIDURA NO CURSO DO PROCESSO -
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE SUPERVENIENTE DA DENÚNCIA E DOS
ATOS NELE ANTERIORMENTE PRATICADOS - REVISÃO DA
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL.
1. A Perpetuatio jurisdicionis, embora aplicável ao processo penal, não é absoluta:
assim, V.G., é indiscutível que a diplomação do acusado, eleito Deputado Federal,
no curso do processo, em que já adviera sentença condenatória pendente de
apelação, acarretou a imediata cessação da competência da Justiça local e seu
deslocamento para o Supremo Tribunal.
2. Daí não se segue, contudo, a derrogação do princípio tempus regit actum, do
qual resulta, no caso, que a validade dos atos antecedentes a alteração da
competência inicial, por força da intercorrente diplomação do réu, há de ser
aferida, segundo o estado de coisas anterior ao fato determinante do seu
deslocamento.
3. Não resistem a crítica os fundamentos da jurisprudência em contrário, que se
vinha firmando no STF:
a) o art. 567 Código de Processo Penal faz nulos os atos decisórios do Juiz
incompetente, mas não explica a suposta eficácia ex tunc da incompetência
superveniente a decisão;
b) a pretensa ilegitimidade superveniente do autor da denúncia afronta, além do
postulado tempus regit actum, o princípio da indisponibilidade da ação penal.
4. Enquanto prerrogativa da função do congressista, o início da competência
originária do Supremo Tribunal há de coincidir com o diploma, mas nada impõe
que se empreste força retroativa a esse fato novo que o determina.
5. Desse modo, no caso, competiria ao STF apenas o julgamento da apelação
pendente contra a sentença condenatória, se, para tanto, a Câmara dos Deputados
concedesse a necessária licença.
6. A intercorrência da perda do mandato de congressista do acusado, porém, fez
cessar integralmente a competência do Tribunal, dado que o fato objeto do
processo e anterior a diplomação.
7. Devolveu-se, em conseqüência, ao Tribunal de Justiça de Estado de Rondônia a
competência para julgar a apelação pendente, uma vez que a diplomação do réu
não afetou a validade dos atos anteriormente praticados, desde a denúncia a
sentença condenatória."
(INQO 571-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 05.03.1993).
"INQUÉRITO PENAL - QUESTÃO DE ORDEM - REQUERIMENTO DE
SUSTAÇÃO DO PEDIDO DE LICENÇA À CÂMARA DOS DEPUTADOS POR
FALTA DE RATIFICAÇÃO, PELA PROCURADORIA-GERAL DA
REPÚBLICA, DA DENÚNCIA OFERECIDA ANTES DA OCORRÊNCIA DA
COMPETÊNCIA DESTA CORTE POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO -- Este
Plenário, ao julgar questão de ordem relativa ao Inquérito n.º 571, decidiu,

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

reformulando a jurisprudência que se firmara anteriormente, que "não há razão


suficiente para que, advindo a diplomação do réu, na pendência de um processo já
instaurado, à diplomação superveniente do juízo originário, se concedam efeitos
retrooperantes de nulidade dos atos anteriormente praticados, dos quais nunca se
cogitara de outorgar à necessidade superveniente da licença para o processo", não
havendo, portanto, ilegitimidade superveniente do autor da denúncia, o que
afrontaria o postulado tempus regit actum e o princípio da indisponibilidade da
ação penal. Daí, haver-se decidido nessa questão de ordem que, inclusive, é válida
a denúncia oferecida pelo Ministério Público antes de ocorrer a competência
superveniente desta Corte, independentemente de ratificação pela Procuradoria-
Geral da República. Questão de ordem que se resolve no sentido do indeferimento
da diligência requerida."
(INQQO 1028-6, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU 16.05.1997).
Por derradeiro, mister frisar que a denúncia preenche os requisitos do art. 41 do
Código de Processo Penal, sendo que, de resto, os delitos nela descritos não estão
acobertados pelo manto da imunidade material do Parlamentar (art. 53, caput, da
Constituição Federal).
Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo prosseguimento do
feito, a fim de que seja designada data para interrogatório dos denunciados, os
quais deverão ser oportunamente notificados para a realização do ato."
Incensurável o pronunciamento. Com efeito, nos termos da orientação firmada pelo
Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento do INQ 571, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, a alteração da competência inicial em face de posterior diplomação do
réu não invalida os atos regularmente praticados, devendo o feito prosseguir da
fase em que se encontre, em homenagem ao princípio tempus regit actum.
Consoante demonstrado pela manifestação transcrita, não existe, na espécie,
nenhum óbice ao prosseguimento do processo, devendo o feito ser reautuado como
Ação Penal. À Secretaria, para as providências cabíveis.
Publique-se. Brasília, 08 de agosto de 2002. Ministro ILMAR GALVÃO. Relator.”

Tema V

Comissão Parlamentar de Inquérito. Atribuições. Limitações. Princípios aplicáveis.

Notas de Aula8

1. Comissões Parlamentares de Inquérito

A Comissão Parlamentar de Inquérito – doravante CPI – existe porque o Poder


Legislativo tem três funções essenciais, quais sejam: a legislativa típica, que é produção de

8
Aula ministrada pelo professor Arcênio Brauner Junior, em 13/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

atos normativos; a representativa, em que dá voz aos sentimentos e vontades de seus


representados, na vida política do país; e a função fiscalizadora, também típica, em que se
controla a eficiência, a probidade, e o zelo da administração pública.
Mas a CPI vai além da função fiscalizadora, pois pode se dedicar a solucionar
problemas de grande impacto nacional, como no recente caso da investigação parlamentar
da pedofilia.
Traçando um conceito de CPI, esta se trata de um procedimento investigatório,
dedicado a colher provas, e não a punir quem seja por ela investigado. É uma investigação
especial, porque é desempenhada e comandada por agentes políticos. A CPI tem prazo
determinado, em regra, e sempre busca investigar fatos expressamente delimitados,
determinados. Por objetivo final, a CPI tem sempre o bem estar social, em última análise.
Historicamente, há dois autores divergindo sobre a origem da CPI. Rogério Tucci
defende que a CPI nasceu no século XVII, no reinado de Eduardo II, na Inglaterra, mas o
posicionamento que prevalece é o de Hely Lopes Meirelles, que entende que a CPI nasce
no mesmo século XVII, na Inglaterra, mas em momento posterior, em 1689, tendo por
objeto investigar a traição do Coronel Lundy, governador de Londonderry, em uma batalha
contra os irlandeses. Esta investigação se deu na Câmara dos Comuns inglesa.
Todavia, é assente que o primeiro ato normativo que instituiu a CPI, positivando
este instituto, foi a França, em 1828. O primeiro país a constitucionalizar a CPI, no entanto,
foi a Alemanha, que na Constituição de Weimar, em 1919, previu este instrumento
investigativo.
Mas foi mesmo nos Estados Unidos que a CPI se implementou com grande
amplitude. Neste país, a CPI tem por atribuição investigar o cumprimento das
determinações constitucionais, quer dentro do Poder Público, quer na sociedade como um
todo. Copiando este modelo, criou o Brasil a sua CPI.
A CPI, no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu somente na Constituição de 1934,
em que se previu que a Câmara dos Deputados pudesse criar estas Comissões, como se vê
no artigo 36 desta revogada Carta:

“Art 36 - A Câmara dos Deputados criará Comissões de Inquérito sobre fatos


determinados, sempre que o requerer a terça parte, pelo menos, dos seus membros.
Parágrafo único - Aplicam-se a tais inquéritos as normas do processo penal
indicadas no Regimento Interno.”

À época, não podia o Senado criar CPI.


Em 1937, a CPI foi extirpada da ordem constitucional pela Constituição outorgada,
imposta ao povo. O máximo que este texto constitucional permitiu foi que Ministros fossem
chamados ao Congresso para esclarecer questões que o Legislativo suscitasse – e nenhuma
outra forma de fiscalização similar à CPI.
Na Constituição de 1946, a CPI é resgatada e ampliada: não só se previu a CPI da
Câmara, como se permitiu também ao Senado a criação destas Comissões.
Em 1967, além de manter a CPI em duas casas, o constituinte ampliou ainda mais o
instituto, criando a CPMI, Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, empreendida em
conjunto pelo Senado e pela Câmara. Também nesta Constituição foi implementado o prazo
certo de duração da CPI.

1.1. Previsão normativa atual

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Na CRFB de 1988, a CPI está no artigo 58, § 3º. Veja:

“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e


temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo
regimento ou no ato de que resultar sua criação.
(...)
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das
respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de
seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas
conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova
a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
(...)”

A CPI tem os mesmos poderes de investigação de uma autoridade judicial, mas não
os poderes de implementação de decisões, ou seja, não tem jamais a coercitividade
jurisdicional. Por isso, não pode comandar cautelares, constranger liberdades, e demais atos
que são dados à reserva de jurisdição.
No plano infraconstitucional, a Lei 1.579/52 trata da CPI, regulamentando, em
linhas gerais, o processamento da CPI. Esta Lei foi recepcionada apenas parcialmente pela
CRFB. A Lei 10.001/00 traça outra regra importantíssima: a CPI tem prioridade na
tramitação, quando de sua conclusão, seja no MP, seja em órgãos administrativos em que se
possa implementar comandos da CPI. Esta prioridade se deve ao próprio fato de que a CPI
somente investiga, e não executa medidas quaisquer contra os investigados – por isso
precisando dos órgãos alheios para responsabilizar autoridades públicas, eis que somente
com a autoexecutoriedade da administração pública ou a persecução pelo MP é que haverá
a responsabilização concreta pelos atos apurados na CPI. Veja os artigos 2º e 3º desta lei:

“Art. 2º A autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao remetente,


no prazo de trinta dias, as providências adotadas ou a justificativa pela omissão.
Parágrafo único. A autoridade que presidir processo ou procedimento,
administrativo ou judicial, instaurado em decorrência de conclusões de Comissão
Parlamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra,
até a sua conclusão.”

“Art. 3º O processo ou procedimento referido no art. 2o terá prioridade sobre


qualquer outro, exceto sobre aquele relativo a pedido de habeas corpus, habeas
data e mandado de segurança.”

A LC 105/01 permite que a CPI tenha acesso a informações sigilosas dos


investigados, acerca de dados em poder de instituições financeiras ou do próprio Bacen.

1.2. Controle da CPI pelo Judiciário

Sendo a CPI uma decorrência direta das funções do Poder Legislativo, tendo ela
base constitucional e legal, seria possível o seu controle jurisdicional, ou haveria violação à
separação de poderes?

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

O Judiciário é, inegavelmente, uma função prevalente em nosso sistema


neoconstitucional. É este Poder o fiscal último das demais funções estatais, e é o único
tutelar da regularidade de seus próprios atos. Assim, controla as demais funções estatais,
mas não é controlado diretamente por nenhuma delas. Neste contexto, incumbe, sim, ao
Judiciário, fiscalizar e controlar a legalidade da CPI, a sua juridicidade, tal como faz com
qualquer ato administrativo.
Não pode, por isso, o Judiciário se imiscuir no mérito da instauração ou não de uma
CPI. Esta instauração é arbítrio dado exclusivamente ao mérito, à oportunidade e
conveniência definidas pelo Legislativo, com exclusividade.

1.3. Elementos essenciais da CPI

O primeiro elemento é quantitativo: é necessária a presença de um terço dos


deputados ou um terço dos senadores aderindo, subscrevendo a instauração da respectiva
CPI, da respectiva casa. A CPI, portanto, tem quorum de instalação tão qualificado como o
de uma emenda constitucional.
Uma vez alcançado o quorum de um terço dos componentes da casa, a CPI não pode
ser obstada pelos dois terços remanescentes. A respeito, veja o MS 24.849, do STF:

“MS 24849 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 22/06/2005. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 29-09-2006.
Ementa: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO DE
OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES -
EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO IMPREGNADO
DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO
PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIV A CPI - TEMA QUE
EXTRAVASA OS LIMITES "INTERNA CORPORIS" DAS CASAS
LEGISLATIVAS - VIABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL -
IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO
ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS MINORIAS
LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À INVESTIGAÇÃO
PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE SEGURANÇA
CONCEDIDO. CRIAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO:
REQUISITOS CONSTITUCIONAIS. - O Parlamento recebeu dos cidadãos, não
só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o
mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados, nesse processo
de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela
Constituição Federal. - O direito de investigar - que a Constituição da República
atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) - tem, no
inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse
relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria
essência da instituição parlamentar. - A instauração do inquérito parlamentar, para
viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à
satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta
Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo,
1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser
objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. -
Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da
Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depe nde, por isso mesmo, da vontade
aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º),
cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de


mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o
seu caráter autônomo (RTJ 177/229 - RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados,
em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais. O
ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS PARLAMENTARES: A
PARTICIPAÇÃO ATIVA, NO CONGRESSO NACIONAL, DOS GRUPOS
MINORITÁRIOS, A QUEM ASSISTE O DIREITO DE FISCALIZAR O
EXERCÍCIO DO PODER. - A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao
Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos
corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente
no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar
membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada
em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e
nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas
minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação
do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente
daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. - Existe, no
sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das
minorias parlamentares, cujas prerrogativas - notadamente aquelas pertinentes ao
direito de investigar - devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem
incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a
essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição,
analisado na perspectiva da prática re publicana das instituições parlamentares. - A
norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a
participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação
legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das
agremiações que compõem a maioria parlamentar. A CONCEPÇÃO
DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO REFLETE UMA REALIDADE
DENSA DE SIGNIFICAÇÃO E PLENA DE POTENCIALIDADE
CONCRETIZADORA DOS DIREITOS E DAS LIBERDADES PÚBLICAS. - O
Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, mais do que
simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema
jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de
potencialidade concretizadora dos direitos e das liberdades públicas. - A opção do
legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode
esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático
de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa
organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da
República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do
próprio regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo
os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da
República. - O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias
legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional
inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a
sua prática efetiva e concreta. - A maioria legislativa, mediante deliberada inércia
de seus líderes na indicação de membros para compor determinada Comissão
Parlamentar de Inquérito, não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários
que atuam no Congresso Nacional, do direito público sub jetivo que lhes é
assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de
ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar em torno de fato
determinado e por período certo. O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS
PARLAMENTARES: POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE
DESRESPEITO A DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE
CONSTITUCIONAL. - O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as
franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da
Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se


projete na esfera orgânica do Poder Legislativo. - Não obstante o caráter político
dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que
os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou
exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos
impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros
do Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes. - A ocorrência
de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de
Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de
controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806),
sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de
outro Poder da República. LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO
PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL - AUTORIDADE DOTADA DE
PODERES PARA VIABILIZAR A COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES
PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - O mandado de segurança há de ser
impetrado em face de órgão ou agente público investido de competência para
praticar o ato cuja implementação se busca. - Incumbe, em conseqüência, não aos
Líderes partidários, mas, sim, ao Presidente da C asa Legislativa (o Senado
Federal, no caso), em sua condição de órgão dirigente da respectiva Mesa, o poder
de viabilizar a composição e a organização das comissões parlamentares de
inquérito.”

As CPMIs dependem de um terço dos deputados e um terço dos senadores para


serem instauradas. Como é mista, precisa da adesão mínima de cada casa.
Segundo elemento, além do quorum, é a necessidade de que o objeto da CPI seja
bem definido: a CPI só pode ser instaurada para investigar um fato determinado. Não é
possível uma CPI para investigar a corrupção no país, objeto amplo e indeterminado; mas é
possível instaurar uma CPI para investigar a corrupção na Petrobras, por exemplo (como
recentemente ocorreu, diga-se).
Por haver esta determinação de objeto, imagine-se que, no curso de uma CPI
regularmente instaurada, surja uma prova que importa em corrupção em outra seara da
administração, em outra pessoa jurídica, por exemplo. Se assim ocorre, a CPI original não
poderá ser expandida em seu objeto, ou seja, para investigar aquele novo fato, uma nova
CPI, determinada para aquele objeto, deverá ser instaurada. Neste sentido, veja o MS
23.652 do STF:

“MS 23652 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 22/11/2000. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 16-02-2001.
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE
SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - ATO PRATICADO EM
SUBSTITUIÇÃO A ANTERIOR QUEBRA DE SIGILO QUE HAVIA SIDO
DECRETADA SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO - POSSIBILIDADE -
EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTOS PENAIS EM CURSO,
INSTAURADOS CONTRA O IMPETRANTE - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO
IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA PERTINENTE INVESTIGAÇÃO
PARLAMENTAR SOBRE FATOS CONEXOS AOS EVENTOS DELITUOSOS -
REFERÊNCIA À SUPOSTA ATUAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
NO ESTADO DO ACRE, QUE SERIAM RESPONSÁVEIS PELA PRÁTICA DE
ATOS CARACTERIZADORES DE UMA TEMÍVEL MACRODELINQÜÊNCIA
(TRÁFICO DE ENTORPECENTES, LAVAGEM DE DINHEIRO, FRAUDE,
CORRUPÇÃO, ELIMINAÇÃO FÍSICA DE PESSOAS, ROUBO DE
AUTOMÓVEIS, CAMINHÕES E CARGAS) - ALEGAÇÃO DO IMPETRANTE

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

DE QUE INEXISTIRIA CONEXÃO ENTRE OS ILÍCITOS PENAIS E O


OBJETO PRINCIPAL DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR - AFIRMAÇÃO
DESPROVIDA DE LIQUIDEZ - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO.
A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE
COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES
DE INQUÉRITO. - A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer
pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela
Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante
deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique, com apoio em base
empírica idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária.
Precedente: MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO E QUEBRA DE SIGILO
POR DETERMINAÇÃO DA CPI. - O princípio constitucional da reserva de
jurisdição - que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de
interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a
situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) - não se estende ao tema da quebra
de si gilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela
própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à
Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente
motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas.
AUTONOMIA DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR. - O inquérito
parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como procedimento jurídico-
constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância
esta que permite à Comissão legislativa - sempre respeitados os limites inerentes à
competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que
ditaram a sua constituição - promover a pertinente investigação, ainda que os atos
investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a
acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem
conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina.
Precedente: MS 23.639-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). O
PROCESSO MANDAMENTAL NÃO COMPORTA DILAÇÃO PROBATÓRIA. -
O processo de mandado de segurança qualifica-se como processo documental, em
cujo âmbito não se admite dilação probatória, pois a liquidez dos fatos, para
evidenciar-se de maneira incontestável, exige prova pré-constituída, circunstância
essa que afasta a discussão de matéria fática fundada em simples conjecturas ou
em meras suposições ou inferências.”

Outro elemento necessário da CPI é o prazo certo, que é de cento e vinte dias.
Ocorre que este prazo é prorrogável, indefinidamente, quantas vezes forem necessárias, a
critério de necessidade, sendo que o STF limita esta prorrogação apenas a uma legislatura,
ou seja, quatro anos, em atenção ao princípio da independência das legislaturas. Veja o HC
71.231:

“HC 71231 / RJ - RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator Min.


CARLOS VELLOSO. Julgamento: 05/05/1994. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação: DJ 31-10-1996.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO: FATO DETERMINADO E PRAZO CERTO. C.F., ARTIGO 58, §
3º. LEI 1.579/52. ADVOGADO. TESTEMUNHA. OBRIGAÇÃO DE ATENDER
À CONVOCAÇÃO DA CPI PARA DEPOR COMO TESTEMUNHA. C.F.,
ARTIGO 133; CPP, ART. 207; CPP, ART. 406; CÓD. PENAL, ART. 154; LEI
4.215, DE 1963, ARTIGOS 87 E 89. I. - A Comissão Parlamentar de Inquérito
deve apurar fato determinado. C.F., art. 58, § 3º. Todavia, não está impedida de
investigar fatos que se ligam, intimamente, com o fato principal. II. - Prazo certo: o

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Supremo Tribunal Federal, julgando o HC nº 71.193-SP, decidiu que a locução


"prazo certo", inscrita no § 3º do artigo 58 da Constituição, não impede
prorrogações sucessivas dentro da legislatura, nos termos da Lei 1.579/52. III. - A
intimação do paciente, que é advogado, para prestar depoimento à CPI, não
representa violência ao disposto no art. 133 da Constituição nem às normas dos
artigos 87 e 89 da Lei 4.215, de 1963, 406, CPC, 154, Cód. Penal, e 207, CPP. O
paciente, se for o caso, invocará, perante a CPI, sempre com possibilidade de ser
requerido o controle judicial, os direitos decorrentes do seu "status" profissional,
sujeitos os que se excederem ao crime de abuso de autoridade. IV. - H.C.
indeferido.”

Finda a CPI, esta remete ao MP o relatório final ,ou os autos, ou ainda um relatório
alternativo.

1.4. Poderes investigativos da CPI

Como se antecipou, a CPI tem poderes investigativos típicos de autoridade judicial.


Mesmo por isso, todos os seus atos decisórios devem ser motivados, sob pena de nulidade,
controlável pelo Judiciário.
A CPI pode excepcionar sigilo bancário e fiscal diretamente, sem intervenção
judicial. Uma vez que a CPI quebre o sigilo, deixa de ser um procedimento público, porque
não pode ser dada publicidade a tais dados. Quanto a estes documentos, a CPI guardará
sigilo, somente expondo-os no relatório final, e somente a quem pertinam (MP ou órgão da
administração).
A interceptação telefônica pela CPI, contudo, é inadmissível: esta providência é
reservada ao Judiciário, na forma da Lei 9.296/96, que só permite ao juiz, em processo
criminal ou inquérito policial, determinar esta providência.
Os dados estáticos derivados da conversa telefônica, outrossim, podem ser
excepcionados diretamente pela CPI. A quebra de sigilo telefônico não se confunde com a
interceptação telefônica, pois na colheita de dados estáticos só se amealha o destinatário, o
dia e o tempo do telefonema, o que não é violação da intimidade garantida para a ligação
telefônica.
A CPI também pode requisitar documentos, de qualquer natureza, desde que seja
útil à investigação, estejam estes em entidades públicas ou privadas.
Em síntese, tudo aquilo que não for reserva de jurisdição pode ser empreendido,
propria manu, pela CPI. São reservados ao Judiciário: a busca e apreensão de bens; a
indisponibilidade de bens; a prisão cautelar.
Pode, a CPI, prender em flagrante, assim como todo e qualquer do povo.
A CPI não pode requisitar elementos de processo que corra em segredo de justiça.
Prevalece o sigilo sobre o poder de requisição Veja o que disse o STF em seu informativo
515:

“CPI e Quebra de Sigilo Judicial - 1


Em regra, o segredo de justiça é oponível à Comissão Parlamentar de Inquérito e
representa uma expressiva limitação aos seus poderes de investigação. Com base
nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, referendou decisão concessiva de
pedido de liminar, formulado em mandado de segurança, impetrado por Tim
Celular S/A e outras operadoras de telefonia fixa e móvel, contra ato do Presidente
da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar Escutas Telefônicas
Clandestinas, que lhes determinara a remessa de informações cobertas por sigilo

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

judicial. Em 4.8.2008, o Min. Cezar Peluso, deferira a cautelar, autorizando, até


decisão contrária nesta causa, as impetrantes a não encaminharem à CPI o
conteúdo dos mandados judiciais de interceptação telefônica cumpridos no ano de
2007 e protegidos por segredo de justiça, exceto se os correspondentes sigilos
fossem quebrados prévia e legalmente. Reputou que aparentava razoabilidade
jurídica (fumus boni iuris) a pretensão das impetrantes de se guardarem da pecha
de ato ilícito criminoso, por força do disposto no art. 325 do CP e no art. 10, c/c o
art. 1º, da Lei federal 9.296/96, que tipifica como crime a quebra de segredo de
justiça, sem autorização judicial, ou, ainda, por deixarem de atender ao que se
caracterizaria como requisição da CPI, bem como que estaria presente o risco de
dano grave, porque na referida data se esgotava o prazo outorgado, sob cominação
implícita, no ato impugnado, a cujo descumprimento poderia corresponder medida
imediata e suscetível de lhes acarretar constrangimento à liberdade. Naquela
sessão, considerou o relator a jurisprudência pacífica da Corte no sentido de que,
nos termos do art. 58, § 3º da CF, as CPIs têm todos os "poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais", mas apenas esses, restando elas sujeitas aos
mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e substancial, oponíveis
aos juízes de qualquer grau, no desempenho de idênticas funções.
MS 27483 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2008. (MS-27483)”

“CPI e Quebra de Sigilo Judicial – 2


O relator asseverou que, sob esse ponto de vista, o qual é o da qualidade e extensão
dos poderes instrutórios das CPIs, estas se situam no mesmo plano teórico dos
juízes, sobre os quais, no exercício da jurisdição, que lhes não é compartilhada às
Comissões, nesse aspecto, pela Constituição, não têm elas poder algum, até por
força do princípio da separação dos poderes, nem têm poder sobre as decisões
jurisdicionais proferidas nos processos, entre as quais relevam, para o caso, as que
decretam o chamado segredo de justiça, previsto como exceção à regra de
publicidade, a contrario sensu, no art. 5º, LX, da CF. Esclareceu, no ponto, que as
CPIs carecem, ex autoritate propria, de poder jurídico para revogar, cassar,
compartilhar, ou de qualquer outro modo quebrar sigilo legal e constitucionalmente
imposto a processo judiciário, haja vista tratar-se de competência privativa do
Poder Judiciário, ou seja, matéria da chamada reserva jurisdicional, onde o
Judiciário tem a primeira e a última palavra. Aduziu, ainda, ser intuitiva a razão
última de nem a Constituição nem a lei haverem conferido às CPIs, no exercício de
suas funções, poder de interferir na questão do sigilo dos processos jurisdicionais,
porque se cuida de medida excepcional, tendente a resguardar a intimidade das
pessoas que lhe são submissas, enquanto garantia constitucional explícita (art. 5º,
X), cuja observância é deixada à estima exclusiva do Poder Judiciário, a qual é
exercitável apenas pelos órgãos jurisdicionais competentes para as respectivas
causas - o que implica que nem outros órgãos jurisdicionais podem quebrar esse
sigilo, não o podendo, a fortiori, as CPIs. Concluiu que é essa também a razão pela
qual não pode violar tal sigilo nenhuma das pessoas que, ex vi legis, lhe tenham
acesso ao objeto, assim porque intervieram nos processos, como porque de outro
modo estejam, a título de destinatários de ordem judicial, sujeitas ao mesmo dever
jurídico de reserva.
MS 27483 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2008. (MS-27483)”

“CPI e Quebra de Sigilo Judicial - 3


Nesta sessão, o Tribunal, preliminarmente, tendo em conta a relevância da matéria,
por votação majoritária, entendeu possível ao relator trazer à apreciação do
Plenário a decisão liminar. Vencido o Min. Marco Aurélio que considerava caber
apenas ao relator, nos termos do art. 203 do RISTF, o exame da decisão liminar em
mandado de segurança. No mérito, o Tribunal referendou a decisão, com as
ressalvas, na presente sessão, aduzidas pelo relator. Em acréscimo à decisão
liminar deferida em 4.8.2008, asseverou-se, não obstante reconhecendo os altos

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

propósitos da Comissão Parlamentar de Inquérito, que estes não poderiam ser


feitos à margem ou à revelia da lei. Em razão disso, entendeu-se que a maneira que
seria de o Judiciário contribuir com o trabalho da Comissão não poderia estar na
quebra dos sigilos judiciais, a qual, frisou-se, nem o Supremo teria o poder para
fazê-lo no âmbito dos processos judiciais de competência de outro juízo. Dessa
forma, concluiu-se que, eventualmente, a CPI, se tivesse interesse, poderia receber
algumas informações que poderiam constituir subsídios para suas atividades. A
liminar foi concedida nestes termos: se a Comissão tiver interesse, as operadoras
deverão encaminhar as seguintes informações: 1) relação dos juízos que expediram
os mandados, bem como da quantidade destes e dos terminais objeto das ordens -
quantos mandados e quantos terminais; 2) relação dos órgãos policiais específicos
destinatários das ordens judiciais; 3) havendo elementos, relação dos órgãos que
requereram as interceptações; 4) relação da cidade ou das cidades em que se
situam os terminais objeto das ordens de interceptações; e 5) duração total de cada
interceptação. Ficando claro que não podem constar das informações, de modo
algum: 1) o número de cada processo; 2) o nome de qualquer das partes ou dos
titulares dos terminais interceptados; 3) os números dos terminais; e 4) cópias dos
mandados e das decisões que os acompanharam ou que os determinaram. Vencido
o Min. Marco Aurélio que negava referendo à liminar deferida, e, salientando que a
regra prevista no art. 5º, XII, da CF teria sido temperada pelo próprio constituinte
quando previu, no art. 58, § 3º, da CF, que as CPI teriam poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, afirmava que, ao negar o acesso da CPI aos
dados pretendidos, estar-se-ia esvaziando por completo o objeto da CPI, e
conferindo interpretação restritiva ao § 3º do art. 58 da CF, o que geraria um
conflito institucional.
MS 27483 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2008. (MS-27483)”

E-mails, mensagens de texto, MSN e chats eletrônicos podem ser excepcionados


pela CPI? Vejamos cada um: o chat é uma conversa pública, não resguardada por sigilo,
porque não se tem expectativa de intimidade neste meio de comunicação, e por isso a CPI
pode requisitar conversas deste tipo armazenadas em servidores.
O e-mail é classificado como comunicação de dados, não sendo excepcionado o seu
trânsito, não sendo permitida a interceptação dos dados – com a só exceção dos e-mails
situados em domínios profissionais, institucionais, em que pode o chefe da instituição,
pública ou privada, controlar e interceptar seu trâmite.
O e-mail já recebido ou enviado, aquele armazenado no servidor ou na máquina
pessoal, pode ser excepcionado: passa a ser dado estático, e como tal pode ser colhido, pois
não é interceptação de dados, e sim colheita de dados – tal como a colheita de um
documento.
O MSN, para todos os efeitos, é tratado como e-mail.
As mensagens telefônicas de texto, os SMS, são tratados como conversa telefônica,
e por isso até podem ser interceptados, mas na forma da interceptação telefônica, da Lei
9.296/96. Uma vez que a SMS está armazenada em um celular, passa a ser dado estático, e
pode ser colhida – no percurso entre envio e recebimento, é telefonema; armazenada, é
dado estanque.

1.4.1. Presença de advogado

O investigado pode ser representado por advogado, tendo inclusive direito a se


entrevistar com seu patrono no curso do inquérito. A CPI é procedimento inquisitivo, não
admitindo contraditório, mas a garantia de um defensor, para orientar o seu cliente,

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

inclusive interrompendo seu depoimento para que ele não responda a perguntas que o
prejudicarão, é imponível.
Mas repare que o depoimento sem advogado não é anulável: a CPI é um
procedimento administrativo, e se o depoente escolhe falar sem advogado lhe assistindo,
nada há que obste ou invalide este proceder. Se a presença do advogado é exigida pelo
depoente, e é-lhe negado este direito, aí sim há nulidade.

1.4.2. Direito de defesa

Não pode aquele chamado a depor negar-se a comparecer à CPI, ao argumento de


que esta ausência é seu direito de defesa. Não comparecendo, será conduzido
coercitivamente. E, comparecendo, pode quedar-se silente, mas se opta por falar, deve falar
a verdade, sob pena de incidir em falso testemunho – excepcionando-se somente quanto à
auto-incriminação, que permite que o depoente minta ou fique em silêncio para não se
incriminar.
Aquele que tem sigilo profissional pode opô-lo à CPI, pois é imposição de dever
exatamente de não falar.

1.4.3. CPI estadual

O constituinte estadual, exercendo o poder constituinte derivado decorrente, deve


seguir três princípios constitucionais, necessariamente: os princípios constitucionais
sensíveis, do artigo 34, VII, da CRFB; os princípios constitucionais estabelecidos, que
tratam da organização da administração pública, na forma do artigo 37 e seguintes da
CRFB; e os princípios constitucionais extensíveis, segundo os quais se traz aos Estados-
Membros a organização do processo legislativo federal e a estruturação das funções
estatais. É neste ponto que se insere a CPI: é nos princípios extensíveis que se coloca a
necessária repetição da CPI por simetria, para os Estados.
A CPI estadual, portanto, se amolda ao espelho das normas referentes À CPI
federal. Neste sentido, pode desempenhar tudo que aquelas, da União, podem. Veja, a
respeito, a ACO 730, do STF:

“ACO 730 / RJ - RIO DE JANEIRO. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. Relator Min.


JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 22/09/2004. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação:11-11-2005.
EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA.
QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS DETERMINADA POR
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA. RECUSA DE SEU CUMPRIMENTO PELO BANCO CENTRAL
DO BRASIL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. Potencial conflito federativo (cf.
ACO 730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos estados-
membros, de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação de
poderes previsto na Constituição federal de 1988. Função fiscalizadora exercida
pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de checks-and-
counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988. Vedação da utilização
desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos estados-membros.
Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e da separação de Poderes.
Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa a Lei Complementar 105/2001,
podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários,

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

com base no art. 58, § 3º, da Constituição. Mandado de segurança conhecido e


parcialmente provido.”

Casos Concretos

Questão 1

Instaurada CPI para apurarar ilícitos ocorridos na Prêvidencia Social, consignou-


se em ata o sequinte:
"Foi requerida a realização de diligência, com delegação de competencia para
adoção de medidas legais cabíveis no Estado de São Paulo, no dia 16/12/01; após
discutida,foi submetida a votos e aprovada por unanimidade".
Após, o Presidente da CPI expediu mandado de busca e apreensão de quaisquer
documentos relativos ao investigado que se encontrassem em poder de quem quer que
fosse, especialmente os que estivessem sob a guarda ou registros da Administração do
Hotel Maksoud, na cidade de São Paulo, onde se hospedava freqüentemente.
A diligência restou cumprida não em São Paulo, mas no Rio de Janeiro, onde ficava o
escritório do advogado (também investigado pela CPI) do investigado.
A mesma CPI determinou a intimação de magistrado, para que prestasse
esclarecimentos quanto aos motivos que o levaram a demorar mais de 3 anos para
prolatar sentença em que era réu um dos investigados.

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Por fim, entendeu conveniente decretar a indisponibilidade de bens daquelas


pessoas, como medida assecuratória para garantir a eficácia de eventual sentença
condenatória.
Pergunta-se:
a)É competente a CPI para determinar busca e apreensão domiciliar?
b)Se entendida a competência da CPI para determinar tal diligência, na hipótese,
foi ela efetuada de acordo com as limitações constitucionais e legais?
c)A convocação de magistrado para prestar depoimento ofende ao princípio da
separação e independência entre os Poderes em qualquer hipótese? Comparecendo
o magistrado, poderia ele recusar-se a responder alguma indagação?
d)Pode a CPI decretar a indisponibilidade de bens?

Resposta à Questão 1

a) Não. A CPI tem poderes de investigação, mas não de efetivação de medidas


constritivas, que são reserva de jurisdição.
b) Não, por diversos motivos: por não serem definidos quais documentos devem
ser apreendidos; por não definir o local exato da apreensão; e por conta da
inviolabilidade do escritório profissional (exceto quando for local de prática de
delitos, quando deixa de ser asilo inviolável).
c) Não: o magistrado não pode ser convocado à CPI para explicar suas decisões. A
respeito, veja o HC 80.539, e o MS 25.510, ambos do STF:

“HC 80539 / PA – PARÁ. HABEAS CORPUS. Relator Min. MAURÍCIO


CORRÊA. Julgamento: 21/03/2001. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação:
DJ 01-08-2003.
Ementa: HABEAS-CORPUS. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
CONVOCAÇÃO DE MAGISTRADO PARA PRESTAR DEPOIMENTO EM
FACE DE DECISÕES JUDICIAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
CARACTERIZADO. 1. Configura constrangimento ilegal, com evidente ofensa ao
princípio da separação dos Poderes, a convocação de magistrado a fim de que
preste depoimento em razão de decisões de conteúdo jurisdicional atinentes ao fato
investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Precedentes. 2. Habeas-
corpus deferido.”

“MS 25510 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relatora Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 30/03/2006. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Publicação: DJ 16-06-2006.
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. CPI DOS BINGOS. ATO
JURISDICIONAL. SEPARAÇÃO DE PODERES. 1. O acerto ou o desacerto da
concessão de liminar em mandado de segurança, por traduzir ato jurisdicional, não
pode ser examinado no âmbito do Legislativo, diante do princípio da separação de
poderes. O próprio Regimento Interno do Senado não admite CPI sobre matéria
pertinente às atribuições do Poder Judiciário (art. l46, II). 2. Segurança deferida.”

Já o magistrado que estiver sendo investigado por improbidade, este


poderá ser chamado a depor. Da mesma forma, o magistrado pode ser
chamado a depor sobre ato administrativo seu, pois então é chamado na
qualidade de autoridade administrativa, e não de juiz.

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

d) Não. É matéria reservada ao Judiciário.

Questão 2

Durante o interrogatório do parlamentar Y, na sessão da Comissão Parlamentar de


Inquérito X, o advogado desse parlamentar quis se manifestar, para evitar que seu cliente
depusesse sobre fatos que lhe eram desfavoráveis. Todavia, o advogado foi impedido, e,
como se recusou a retornar ao seu lugar, foi retirado da sala pelos policiais que faziam a
segurança da Câmara dos Deputados.
Pergunta-se: O advogado, neste caso concreto, tem o direito à livre manifestação
em uma CPI para defesa de seu cliente? A CPI está sujeita ao controle jurisdicional? Ao
responder, leve em consideração o caráter unilateral e inquisitivo do procedimento de
investigação parlamentar. Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 2

Apesar de inquisitiva, a presença do advogado, e sua conferência com o cliente, é


um direito deste. Inclusive, pode o advogado se manifestar em defesa de seu patrocinado.
A respeito, veja o MS 23.576, do STF:

“MANDADO DE SEGURANÇA 23.576-4 DISTRITO FEDERAL. RELATOR:


MIN. CELSO DE MELLO.
EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. ATUAÇÃO
ABUSIVA. INADMISSIBILIDADE. SUBMISSÃO INCONDICIONAL DA CPI
À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DAS LEIS DA REPÚBLICA.
EXIGÊNCIA INERENTE AO ESTADO DE DIREITO FUNDADO EM BASES
DEMOCRÁTICAS. DIREITOS DO CIDADÃO E PRERROGATIVAS
PROFISSIONAIS DO ADVOGADO. LEGITIMIDADE. PEDIDO DE
RECONSIDERAÇÃO INDEFERIDO.”

Questão 3

A Assembléia Legislativa do Estado de Mananciais impetrou Mandado de


Segurança em face do Banco Central do Brasil, em razão da negativa deste de quebra do
sigilo bancário requerida pela Comissão Parlamentar de Inquérito estadual que
investigava denúncias de irregularidades e corrupção na LOTERJ e no
RIOPREVIDÊNCIA.
A requerente alega afronta ao pacto federativo, para invocar a competência da
Corte Constitucional, nos termos do artigo 102, I, f, da Constituição Federal.
O Banco Central do Brasil recusou-se a fornecer os dados protegidos por sigilo bancário a
um órgão do Estado do Rio de Janeiro, simplesmente por ser tal órgão estadual.
Indaga-se:
a) Quais são os poderes inerentes à Comissão Parlamentar de Inquérito?
b) A Comissão Parlamentar de Inquérito estadual tem poderes para requerer
quebra de sigilo bancário ao Banco Central do Brasil? Qual fundamento legal?
c) Quais são os princípios aplicáveis às Comissões Parlamentares de inquérito?

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

a) Tem os poderes investigativos da autoridade jurisdicional, exceto aquilo que for


reserva de jurisdição.
b) Sim, pois o sigilo bancário pode ser colhido, não sendo reserva de jurisdição,
diferentemente da interceptação telefônica. O permissivo é a Constituição
Estadual, reprisando a CRFB, por simetria.
c) Os princípios aplicáveis à atividade investigativa judicial – necessidade de
fundamentação das decisões, manutenção de sigilo, etc.

Tema VI

O Processo Legislativo. As diversas etapas que compõem o rito parlamentar. Controle judicial do processo
legislativo.

Notas de Aula9

1. Processo legislativo

Processo legislativo é o conjunto de disposições que objetivam a concretização de


atos normativos. O rol de atos normativos, na CRFB, está no artigo 59:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:


I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
9
Aula ministrada pelo professor Arcênio Brauner Junior, em 13/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração
e consolidação das leis.”

A inobservância do processo legislativo malfere justamente o princípio


constitucional do devido processo legislativo, o qual, em sendo violado, acaba por implicar
violação ao princípio da legalidade.
As violações ao devido processo legislativo e à legalidade podem ser controladas
ainda em fase preventiva, antes que a norma seja efetivamente produzida, pelas três funções
estatais. Pode o Legislativo controlar o processo legislativo por meio das Comissões de
Constituição e Justiça; o Executivo, fiscaliza o devido processo legislativo através do veto
jurídico; e o Judiciário promove este controle preventivo ao julgar o mandado de
segurança impetrado por parlamentar com esta finalidade. Vejamos.
O mandado de segurança com este objeto, para alguns, sequer se trata de
modalidade de controle preventivo, pois se trataria de um meio do parlamentar defender seu
direito liquido e certo de votar em um processo legislativo constitucionalmente regular.
Contudo, o STF reputa que seja, sim, controle preventivo.
Este mandamus só pode deduzir vícios formais do processo legislativo, ou
proibições de tramitação do processo legislativo que sejam estabelecidas na própria CRFB.
Este segundo caso são as cláusulas pétreas, contra as quais não pode sequer tramitar projeto
tendentes a abolir ou deprimir seu alcance.
O juízo competente para este mandado de segurança é o STF.
Se, no curso do mandado, o projeto de lei ou emenda que este alveja for convertido
no produto final, ou lei ou norma constitucional derivada, o mandamus restará prejudicado,
perdendo seu objeto – mandado de segurança não se presta a atacar lei em tese, mas sim
atos concretos, como eram os atos na tramitação do projeto.
O mandado de segurança é o único instrumento de controle do processo legislativo
pelo Judiciário. Contudo, há dois momentos em que este pode ser impetrado: contra atos do
projeto, no seu curso, por violações formais e contra cláusulas pétreas, como dito; e contra
veto intempestivo por parte do Presidente da República.
Neste segundo caso, o mandamus tem uma peculiaridade: ele não pode ser
impetrado antes que haja a apreciação do veto pelo Poder Legislativo, porque senão
representaria usurpação desta função do Legislativo, que deve controlar, ele próprio, a
tempestividade do veto.
Em síntese: o instrumento é sempre o mandado de segurança impetrado pelo
parlamentar, seja para controlar a formalidade do projeto ou o óbice constitucional da
deliberação da matéria, ou para controlar a tempestividade do veto presidencial – caso este
em que só pode ser impetrado após a apreciação política desta intempestividade, feita pelo
próprio Legislativo. De fato, esta segunda hipótese se encarta na primeira, na quebra de
formalidade, mas há a peculiaridade deste requisito negativo, que é a necessária espera pela
análise política do veto.
Este mandado de segurança é admissível, à simetria, no processo legislativo
estadual, que é reprise do processo federal, coma as devidas adaptações. A competência
para este mandado é a Corte Especial do Tribunal de Justiça.
Há simetria no processo legislativo estadual, e face do federal, por se tratar, este
processo, de um dos princípios constitucionais extensíveis. Os Estados, portanto, podem
repetir as previsões da CRFB, tanto quanto ao procedimento quanto aos tipos normativos –

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

podem, não sendo obrigatória esta repetição. É por isso que há Estados que contam com MP
estadual, e outros não. O rol do artigo 59 da CRFB não é impositivo aos Estados, mas
Saliente-se: é impositivo o modelo de atos, se forem adotados, não podendo o constituinte
estadual inovar em relação aos tipos normativos. Entenda: não é obrigatória a adoção dos
atos normativos ali previstos, mas se for adotar algum, o modelo federal tem que ser
necessariamente observado, tanto o ato quanto o procedimento legislativo para sua
formação.
É claro que, sendo o Legislativo estadual unicameral, as adaptações rituais devem
ser feitas, pois do contrário não seria jamais tido por regular um processo estadual, eis que
não há como se repetir exatamente o rito legislativo de um poder bicameral em uma seara
com uma só casa legislativa.

1.1. Principiologia

O primeiro princípio é o da publicidade, que abrange tanto as sessões como a


documentação das sessões deliberativas. Há possibilidade de sessões secretas,
excepcionando a publicidade, como há previsão no artigo 48 do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados:

“Art. 48. As reuniões das Comissões serão públicas, salvo deliberação em


contrário.
§ 1º Serão reservadas, a juízo da Comissão, as reuniões em que haja matéria que
deva ser debatida com a presença apenas dos funcionários em serviço na Comissão
e técnicos ou autoridades que esta convidar.
§ 2º Serão secretas as reuniões quando as Comissões tiverem de deliberar sobre:
I - declaração de guerra, ou acordo sobre a paz;
II - passagem de forças estrangeiras pelo território nacional, ou sua permanência
nele;
III – (Revogado pela Resolução nº 57, de 1994)
§ 3º Nas reuniões secretas, servirá como Secretário da Comissão, por designação
do Presidente, um de seus membros, que também elaborará a ata.
§ 4º Só os Deputados e Senadores poderão assistir às reuniões secretas; os
Ministros de Estado, quando convocados, ou as testemunhas chamadas a depor
participarão dessas reuniões apenas o tempo necessário.
§ 5º Deliberar-se-á, preliminarmente, nas reuniões secretas, sobre a conveniência
de os pareceres nelas assentados serem discutidos e votados em reunião pública ou
secreta, e se por escrutínio secreto.
§ 6º A ata da reunião secreta, acompanhada dos pareceres e emendas que foram
discutidos e votados, bem como dos votos apresentados em separado, depois de
fechados em invólucro lacrado, etiquetado, datado e rubricado pelo Presidente,
pelo Secretário e demais membros presentes, será enviada ao Arquivo da Câmara
com indicação do prazo pelo qual ficará indisponível para consulta.”

Outro princípio é o da oralidade, que prevê que todas as discussões parlamentares


devem se dar em viva voz. Este princípio ainda impõe a separação da discussão da votação:
o momento deliberativo não se confunde nunca com o momento de votação. A partir de
quando for iniciada a votação, não é mais admissível qualquer discussão do projeto,
nenhuma manifestação em relação a este.
Há ainda o princípio da unidade e independência da legislatura, já abordado, que
impõe aqui que uma vez encerrada uma legislatura, todos os projetos de norma são

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

arquivados, não podendo continuar seu processo na próxima legislatura. Se for interessante
manter aquele projeto em curso, produzir aquela norma, à nova legislatura, é preciso que
haja uma nova iniciativa sobre aquele projeto, um novo início, como se novo fosse.
Não se confunda o arquivamento dos projetos com arquivamento de Medidas
Provisórias10: estas não são projetos, são atos normativos prontos, e por isso em nada são
perturbadas pela mudança de legislatura.

1.2. Tipos de processo legislativo

O processo legislativo pode ser ordinário, especial ou sumário.


O processo ordinário é o previsto para leis ordinárias, e é o mais extenso, completo,
com todas as fases possíveis. O sumário, por seu turno, tem também todas as fases, e é
igualmente completo, mas conta com prazo máximo para sua tramitação. Já os processos
especiais são aqueles que se prestam à produção de atos normativos específicos, como a
emenda constitucional, a MP e a lei delegada. Estes processos legislativos especiais, por
vezes, tem fases especiais, ou sua especialidade consiste em não ter algumas das fases
previstas no ordinário.
Pela regra geral que representa, vejamos o processo legislativo ordinário em
detalhes.

1.2.1. Processo legislativo ordinário

O processo legislativo ordinário tem três fases internas: a fase introdutória, a fase
constitutiva e a fase complementar. A fase introdutória é a de iniciativa do projeto;
constitutiva, consiste na discussão, votação e sanção ou veto; a complementar, conta com a
promulgação e publicação.

1.2.1.1. Fase introdutória

A fase introdutória pode ser de iniciativa parlamentar ou não parlamentar, a


depender da matéria do projeto. Surge logo uma questão: o projeto de iniciativa não
parlamentar – do Presidente, por exemplo –, pode sofrer emendas parlamentares?
Em regra, sim, mas desde que não implique em aumento de despesas. E, ainda que
as emendas aumentem despesas, poderão ser realizadas, excepcionalmente, se observarem a
Lei de Diretrizes Orçamentárias, e a própria emenda indique de onde virá o custeio daquela
despesa.
Os projetos de iniciativa geral podem ter também a chamada iniciativa popular.
Veja o artigo 61, § 2º, da CRFB:

10
Em tema correlato, vale mencionar que a existência de projeto de MP por ser votado, hoje, tem o condão de
trancar a pauta unicamente de leis ordinárias e outras MPs. Não tranca a pauta para todo e qualquer ato
normativo, mas só estes. Este entendimento, capitaneado por Michel Temer, se baseia no fato de que as MPs
não poderia, impedir a tramitação de atos normativos que a ela não sejam análogos, como emendas ou leis
complementares. Como tem status de lei ordinária, impede o curso de leis ordinárias e de outras MPs.

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer


membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do
Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal,
aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na
forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(...)
§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos
Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado
nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três
décimos por cento dos eleitores de cada um deles.”

Questiona-se: é admissível a iniciativa popular até mesmo para emendas


constitucionais? Há duas correntes sobre o tema. Para José Afonso da Silva, é possível a
proposta de emenda por iniciativa popular, pois se ao povo é dado o poder constituinte
originário, poder normativo maior, que dirá do poder derivado reformador. Contudo, a
corrente majoritária, de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, entende que o silêncio
constitucional quanto à iniciativa popular de emendas constitucionais é eloqüente, e por
isso é da vontade do constituinte originário que não haja esta iniciativa.
A iniciativa do processo legislativo é sempre um ato discricionário do seu titular.
Contudo, há normas de iniciativa vinculada: as normas orçamentárias.
A iniciativa delimita a casa iniciadora do projeto. Projetos iniciados por senadores
ou por comissões do Senado terão neste a sua casa iniciadora; projetos iniciados por
qualquer outro legitimado – qualquer outro mesmo – terão por casa iniciadora a Câmara
dos Deputados. Assim, os projetos dos deputados, ou do Presidente, ou de iniciativa
popular, todos tem por casa iniciadora a Câmara.
As emendas constitucionais não tem casa iniciadora. A casa iniciadora tem
prevalência de opinião, e isto não ocorre nas emendas constitucionais.

1.2.1.2. Fase constitutiva

Passando à fase constitutiva, a qual, como dito, abrange discussão, votação, sanção
e veto. Na seara federal, o projeto passa por um sistema bicameral, partindo da casa
iniciadora, passando à revisora, e retornando à iniciadora, afinal. Partamos de um exemplo
em que se inicia na Câmara dos Deputados. Este projeto, ali iniciado, passará
necessariamente por duas comissões: a Comissão de Constituição e Justiça e Redação, na
Câmara, e por uma comissão temática, dentre as que estão arroladas no artigo 32 do
Regimento Interno da Câmara (dispositivo que, muito extenso, segue transcrito apenas em
seus incisos, dispensando-se as alíneas):

“Art. 32. São as seguintes as Comissões Permanentes e respectivos campos


temáticos ou áreas de atividade:
I - Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural:
(...)
II - Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional:
(...)
III - Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática:
(...)
IV - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania:
(...)

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

V - Comissão de Defesa do Consumidor:


(...)
VI - Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio:
(...)
VII - Comissão de Desenvolvimento Urbano:
(...)
VIII - Comissão de Direitos Humanos e Minorias:
(...)
IX - Comissão de Educação e Cultura:
(...)
X - Comissão de Finanças e Tributação:
(...)
XI - Comissão de Fiscalização Financeira e Controle:
(...)
XII - Comissão de Legislação Participativa:
(...)
XIII - Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável:
(...)
XIV - Comissão de Minas e Energia:
(...)
XV - Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional:
(...)
XVI - Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado:
(...)
XVII - Comissão de Seguridade Social e Família:
(...)
XVIII - Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público:
(...)
XIX - Comissão de Turismo e Desporto:
(...)
XX - Comissão de Viação e Transportes:
(...)
Parágrafo único. Os campos temáticos ou áreas de atividades de cada Comissão
Permanente abrangem ainda os órgãos e programas governamentais com eles
relacionados e respectivo acompanhamento e fiscalização orçamentária, sem
prejuízo da competência da Comissão Mista Permanente a que se refere o art. 166,
§ 1º, da Constituição Federal. (Artigo com redação dada pela Resolução nº 20, de
2004)”

Havendo aprovação pelas comissões, o projeto vai a plenário. O quorum para


instalação da votação do projeto é de maioria absoluta (para leis ordinárias e
complementares), ou seja, só se pode votar projetos se houver quorum presente consistente
no maior número inteiro imediatamente após a metade do quinhentos e treze deputados.
Instalada a votação, o quorum de aprovação da lei ordinária é a maioria simples, que
corresponde à maioria dos presentes à sessão plenária 11 (o quorum de aprovação da lei
complementar é de maioria absoluta).
Sendo reprovado na Câmara, ele se torna irrepetível, na forma do artigo 67 da
CRFB: só poderá ser apresentado novamente, na mesma sessão legislativa (um ano) se
11
A lei ordinária nem sempre será votada em plenário. É permitida a delegação interna corporis, passando a
ser votada apenas em comissões. Isto não se repete nas leis complementares, nem aos processos legislativos
especiais. Há uma PEC pretendendo permitir que PECs sejam votadas em comissões, por delegação interna
corporis, mas será fadado à inconstitucionalidade, por violar a cláusula pétrea implícita da forma de alteração
da CRFB.

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

contar com a maioria absoluta dos membros de qualquer das casas subscrevendo-o, e não
mais apenas um terço. Veja:

“Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir
objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria
absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.”

Sendo aprovado na Câmara, o projeto vai ao Senado. Nesta casa revisora, passará
também por duas comissões, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, e por uma
das comissões temáticas, do artigo 72 do Regimento Interno do Senado:

“Art. 72. As comissões permanentes, além da Comissão Diretora, são as


seguintes:
I – Comissão de Assuntos Econômicos – CAE;
II – Comissão de Assuntos Sociais – CAS;
III – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ;
IV – Comissão de Educação – CE;
V – Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização
e Controle – CMA;
VI – Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa – CDH;
VII – Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – CRE;
VIII – Comissão de Serviços de Infra-Estrutura – CI;
IX – Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo – CDR;
X – Comissão de Agricultura e Reforma Agrária – CRA.”

Se o Senado emendar o projeto, este deverá retornar à casa iniciadora. As emendas


parlamentares aos projetos classificam-se em supressivas, quando retiram dispositivos;
aditivas, quando acrescem dispositivos; aglutinativas, quando apenas reúne dispositivos, ou
projetos inteiros, formando novos teores; de redação, que se prestam a corrigir erros de
português, ou erros sistemáticos dos projetos; e emendas substitutivas, que implementam a
substituição de todo o projeto por outro.
Sobre as emendas substitutivas, mesmo que, na verdade, representem novo projeto,
o STF as reconhece como emendas, e por isso assim são tratadas, não se tornando o
Senado, no caso, que apresenta a substitutiva, a casa iniciadora deste novel projeto. A
respeito, veja a ADI 2.182:

“ADI 2182 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. MAURÍCIO
CORRÊA. Julgamento: 31/05/2000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação:
DJ 19-03-2004.
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 8.429, DE 02.06.1992, QUE DISPÕE
SOBRE AS SANÇÕES APLICÁVEIS AOS AGENTES PÚBLICOS NOS CASOS
DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NO EXERCÍCIO DE MANDATO, CARGO,
EMPREGO OU FUNÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA,
INDIRETA OU FUNDACIONAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL OCORRIDO NA FASE DE ELABORAÇÃO
LEGISLATIVA NO CONGRESSO NACIONAL (CF, ARTIGO 65). 1. Preliminar
de não-conhecimento suscitada pela Advocacia Geral da União: é desnecessária a
articulação, na inicial, do vício de cada uma das disposições da lei impugnada
quando a inconstitucionalidade suscitada tem por escopo o reconhecimento de
vício formal de toda a lei. 2. Projeto de lei aprovado na Casa Iniciadora (CD) e

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

remetido à Casa Revisora (SF), na qual foi aprovado substitutivo, seguindo-se sua
volta à Câmara (CF, artigo 65, par. único). A aprovação de substitutivo pelo Senado
não equivale à rejeição do projeto, visto que "emenda substitutiva é a apresentada a
parte de outra proposição, denominando-se substitutivo quando a alterar,
substancial ou formalmente, em seu conjunto" (§ 4º do artigo 118 do RI-CD);
substitutivo, pois, nada mais é do que uma ampla emenda ao projeto inicial 3. A
rejeição do substitutivo pela Câmara, aprovando apenas alguns dispositivos dele
destacados (artigo 190 do RI-CD), implica a remessa do projeto à sanção
presidencial, e não na sua devolução ao Senado, porque já concluído o processo
legislativo; caso contrário, dar-se-ia interminável repetição de idas e vindas de uma
Casa Legislativa para outra, o que tornaria sem fim o processo legislativo. Medida
cautelar indeferida.”

Retornando o projeto, com emendas, à casa iniciadora, esta pode acolher tais
emendas ou recusá-las. Se as recusa, prevalecerá o seu posicionamento: esta é a prevalência
de opinião da casa iniciadora, em projetos de lei ordinária ou complementar. Como se disse,
nos projetos de emendas constitucionais não há esta prevalência, o que resulta na
necessidade de que se componha uma vontade consoante, através da ida e vinda do projeto
de uma casa a outra, até que se aperfeiçoe um consenso12.
Aprovado o projeto no Senado, sem emendas, passa-se à fase de autógrafo. Este
consiste na formulação de um esboço final da norma, a conformação do projeto de lei em
lei efetiva, tal como virá ao ordenamento, quando finalmente publicada. É a concretização
das votações.
Neste ponto, o projeto é enviado ao Presidente da República, que terá prazo de
quinze dias para vetar ou sancionar expressamente. Corrido o prazo in albis, considera-se
que houve sanção tácita. Não há veto tácito: ele deve ser sempre expresso, de forma que
haja identificação de sua natureza, jurídica ou política – o que significa que o veto deve ser
sempre motivado. Veto jurídico é o que se baseia em inconstitucionalidade; veto político, o
que se fundamente na discricionariedade que assiste ao Presidente.
O veto é sempre supressivo, jamais aditivo. Sempre representa a retirada de artigos,
parágrafos, incisos ou alíneas, e nunca poderá haver veto parcial somente de expressões ou
palavras.
Havendo veto, este será apreciado pelo Legislativo, pelas duas casas em conjunto,
em uma sessão conjunta instalada com quorum de maioria absoluta, que exarará um
decreto legislativo. Esta apreciação deve ocorrer em trinta dias desde o veto, e se não se
realizar, será trancada a pauta do Congresso, apenas para sessões conjuntas das casas (e não
para sessões de cada casa em separado).
Havendo a sanção, passa-se à fase complementar.

1.2.1.3. Fase complementar

Esta fase consiste em dois atos: a promulgação e a publicação do projeto,


convertendo-o em lei. Há três possíveis responsáveis pela promulgação de um projeto: o
Presidente da República, que o fará em quarenta e oito horas desde seu recebimento;
passado o prazo, a promulgação será feita pelo presidente do Senado, também em quarenta
e oito horas; passado este prazo, assume a responsabilidade pela promulgação do projeto o

12
Vale ressaltar que as emendas de redação, mesmo em projeto de emenda constitucional, não precisam de
acolhimento ou rejeição pela casa iniciadora – são automaticamente incorporadas.

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

vice-presidente do Senado, também em quarenta e oito horas. Vale dizer que, nesta
dinâmica, somente o vice-presidente do Senado é imputado por sua inércia, se assim se
quedar: ele responderá, quando da omissão, por crime de responsabilidade.
Uma vez promulgado, o projeto passa a existir como ato normativo pronto. A norma
surge a partir da promulgação, e a partir desta já pode este ato ser alvejado por controle de
constitucionalidade concentrado, abstrato, porque não depende da eficácia da norma, este
controle repressivo do ato normativo primário, mas apenas de sua existência13.
A publicação, portanto, não é condição para a existência da norma: é apenas
condição de eficácia desta, que já existe desde a promulgação.

1.2.2. Processo legislativo sumário

Este processo sumário é idêntico ao ordinário, como se anteviu, mas com prazo de
tramitação máximo, de quarenta e cinco dias em cada casa, e mais dez dias para apreciação
das emendas parlamentares promovidas pela casa revisora.
Somados os prazos, chega-se a um total de cento e vinte dias: quarenta e cinco em
cada casa, mais dez de apreciação de emendas, mais quinze para a sanção ou veto, e mais
cinco de percurso interno do projeto.
Desrespeitados os prazos, há o trancamento da pauta da casa que procedeu no
atraso. Contudo, este trancamento não obsta os projetos de conversão de MPs, nem os
projetos de códigos.
1.3. Esquemas gráficos

Seguem abaixo esquemas gráficos da tramitação de projetos de lei ordinária e de


emendas constitucionais:

Processo legislativo - lei ordinária

13
Logo após a promulgação, então, pode haver ADI contra o ato promulgado, por exemplo, mas não será
possível uma ADC, por carência lógica de um elemento desta ação: a prova de relevante controvérsia
jurisprudencial sobre a constitucionalidade do ato normativo, interesse de agir especial, pois se sequer está
eficaz, não pode, naturalisticamente, ter havido controvérsia no Judiciário acerca de sua validade.

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Processo legislativo – emenda constitucional

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Casos Concretos

Questão 1

O projeto de lei complementar SGK, apresentado originariamente na Câmara dos


Deputados, foi aprovado na íntegra com o quorum de maioria absoluta. O Senado Federal
apresentou uma emenda substitutiva e uma emenda aditiva, em dois artigos, aprovando o
projeto com o quorum exigido. O referido projeto de lei voltou para a Câmara dos
Deputados, que alterou novamente o projeto de lei naqueles pontos. O projeto de lei voltou
ao Senado Federal, que manteve as alterações e enviou para o Presidente da República.
Entendendo, neste momento, que o projeto de lei complementar SGK teve seu trâmite
legislativo violado, um parlamentar, com assento no Congresso Nacional, impetrou
mandado de segurança no STF, invocando inconstitucionalidade formal. Pergunta-se:
a) o mencionado projeto de lei complementar está de acordo com o sistema
legislativo previsto na Constituição da República?
b) o mandado de segurança impetrado foi o instrumento jurídico correto e, em caso
positivo, tal ordem deve ser concedida?Analise as questões, avaliando o processo
constitucional legislativo e a possibilidade de controle preventivo das leis pelo
direito brasileiro.

Resposta à Questão 1

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

a) Não: não há que existir este retorno à casa revisora, pois a casa iniciadora
prevalece, na análise das emendas parlamentares.
b) Sim, este é o instrumento cabível, por violação ao devido processo legislativo
constitucional, e a ordem deve ser concedida, in casu.

Veja a posição do STF:

“INFORMATIVO Nº 320
Reforma Constitucional - Controle Jurisdicional (Transcrições).
MS 24.645-MC-DF* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO.
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE JURISDICIONAL DO
PROCESSO PARLAMENTAR DE REFORMA CONSTITUCIONAL E DE
ELABORAÇÃO DAS LEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DOS MEMBROS DO
PODER LEGISLATIVO. A QUESTÃO DAS LIMITAÇÕES JURÍDICAS AO
PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL OUTORGADO AO CONGRESSO
NACIONAL. A NATUREZA JURÍDICA DO PREÂMBULO DA
CONSTITUIÇÃO. OBRIGAÇÃO PROCESSUAL DE FUNDAMENTAR,
ADEQUADAMENTE, A ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL.
MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. DECISÃO: Trata-se de mandado de
segurança, com pedido de medida liminar, que, impetrado por quatro (4)
Deputados Federais, tem por objetivo fazer cessar a tramitação, "na Câmara dos
Deputados, da PEC nº 41/2003, que trata da Reforma Tributária" (fls. 22).
Sustenta-se, na presente sede mandamental, que a PEC nº 41/2003, quer em sua
versão original, quer naquela resultante da aprovação, em primeiro turno, pelo
Plenário da Câmara dos Deputados, da Emenda Aglutinativa nº 27/2003 (fls.
29/44), modificativa do Substitutivo adotado pela Comissão Especial (fls. 45/54),
ofendeu, em vários de seus dispositivos, o princípio da Federação (CF, art. 60, § 4º,
I), transgrediu "as diretrizes interpretativas do preâmbulo da Constituição" e
desrespeitou os objetivos fundamentais da República, tais como enunciados no art.
3º da Carta Política. Os ora impetrantes postulam, nesta fase introdutória do
processo mandamental, a suspensão cautelar da "tramitação da PEC nº 41/2003,
que se encontra submetida ao Plenário da Câmara dos Deputados" (fls. 22). Impõe-
se verificar, preliminarmente, no caso ora em exame, se os ora impetrantes - que
são membros da Câmara dos Deputados - possuem, ou não, qualidade para agir,
em sede jurisdicional, com a finalidade de questionar a validade jurídico-
constitucional de determinada proposta de emenda (PEC nº 41/2003), por eles
contestada em face da Constituição da República. A jurisprudência que o Supremo
Tribunal Federal firmou na análise dessa particular questão revela entendimento
afirmativo, consolidado em orientação que atribui, aos Deputados Federais e aos
Senadores da República - e apenas a estes (MS 23.334/RJ, Rel. Min. CELSO DE
MELLO), com a conseqüente exclusão de terceiros estranhos à instituição
parlamentar (RTJ 139/783, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI) - legitimação para
fazer instaurar o pertinente processo judicial: "O processo de formação das leis ou
de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível decontrole incidental
ou difuso pelo Poder Judiciário, sempre que, havendo possibilidade de lesão à
ordem jurídico-constitucional, a impugnação vier a ser suscitada por membro do
próprio Congresso Nacional, pois, nesse domínio, somente ao parlamentar - que
dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que
compõem o devido processo legislativo - assiste legitimidade ativa 'ad causam'
para provocar a fiscalização jurisdicional. - A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal firmou-se no sentido de recusar, a terceiros que não ostentem a condição
de parlamentar, qualquer legitimidade que lhes atribua a prerrogativa de
questionar, 'incidenter tantum', em sede mandamental, a validade jurídico-

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

constitucional de proposta de emenda à Constituição, ainda em tramitação no


Congresso Nacional. Precedentes. - Terceiros, ainda que invocando a sua potencial
condição de destinatários da futura lei ou emenda à Constituição, não dispõem do
direito público subjetivo de supervisionar a elaboração dos atos legislativos, sob
pena de indevida transformação, em controle preventivo de constitucionalidade em
abstrato - inexistente no sistema constitucional brasileiro (RTJ 136/25-26, Rel.
Min. CELSO DE MELLO) -, do processo de mandado de segurança, que,
instaurado por mero particular, converter-se-ia em um inadmissível sucedâneo da
ação direta de inconstitucionalidade. Precedentes." (MS 23.565/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, DJU 17/11/1999) Vê-se, portanto, que esta Suprema Corte
consagrou diretriz jurisprudencial que reconhece a possibilidade do controle
incidental de constitucionalidade das proposições legislativas, desde que
instaurado por iniciativa de membros do órgão parlamentar perante o qual se
achem em curso os projetos de lei ou as propostas de emenda à Constituição:
"Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a
deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser
tendente à abolição da república. - Cabimento do mandado de segurança em
hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da
lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (...) ou a sua deliberação (como na
espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento
do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer - em face da
gravidade dessas deliberações, se consumadas - que sequer se chegue à
deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já
existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda
constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a
Constituição." (RTJ 99/1031-1032, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES -
grifei) A "ratio" subjacente a esse entendimento jurisprudencial apóia-se na
relevantíssima circunstância de que, embora extraordinária, essa intervenção
jurisdicional, ainda que instaurada no próprio momento de produção das normas
pelo Congresso Nacional, tem por precípua finalidade assegurar, ao parlamentar (e
a este, apenas), o direito público subjetivo - que lhe é inerente - de ver elaborados,
pelo Legislativo, atos estatais compatíveis com o texto constitucional, garantindo-
se, desse modo, àqueles que participam do processo legislativo, a certeza de
prevalecimento da supremacia da Constituição, excluídos, necessariamente, no que
se refere à extensão do controle judicial, os aspectos discricionários concernentes
às questões políticas e aos atos "interna corporis", que se revelam essencialmente
insindicáveis (RTJ 102/27 - RTJ 112/598 - RTJ 112/1023 - RTJ 169/181-182).
Titulares do poder de agir em sede jurisdicional, portanto, tratando-se de
controvérsia constitucional instaurada ainda no momento formativo do projeto de
lei ou da proposta de emenda à Constituição, hão de ser os próprios membros do
Congresso Nacional, a quem se reconhece, como líquido e certo, o direito público
subjetivo à correta observância da disciplina jurídica imposta pela Carta Política,
em tema de elaboração das espécies normativas.

Questão 2

O Poder Executivo Federal enviou, para deliberação do plenário da Câmara de


Deputados, o Projeto de Lei nº 5.483/2001, que determina a alteração do comando contido
no artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A nova redação proposta é a seguinte:

"Art. 618 - As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo


coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a
Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho."

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

O Deputado Federal Justiniano da Silva impetrou mandado de segurança


preventivo, com pedido de medida liminar, contra ato do Presidente da Câmara dos
Deputados. Alega que a modificação pretendida com a proposta legislativa contraria o
comando contido no art. 60, §4º, da Constituição, uma vez que permite a supressão dos
direitos e garantias individuais previstos no art. 7º do mesmo diploma, que são cláusulas
pétreas, que nem mesmo poderiam ser objeto de proposição legislativa e muito menos
deliberativa.
Analise a possibilidade de ser ou não concedida a liminar e posterior segurança.

Resposta à Questão 2

O que há, in casu, é a discussão de cunho material do projeto, e não de


irregularidade formal ou cláusula pétrea, e para isto o mandamus não se presta.
Veja o MS 24.138, do STF:

“MS 24138 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 28/11/2002. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Publicação: DJ 14-03-2003.
EMENTA: Mandado de Segurança. 2. Processo Legislativo: Projeto de Lei. 3.
Controle de constitucionalidade preventivo. 4. Conflito de atribuições. 5.
Comprometimento do modelo de controle repressivo e do sistema de divisão de
poderes estabelecidos na Constituição. 6. Mandado de Segurança indeferido.”

Questão 3

O Governador do Estado do Rio de Janeiro, após receber Projeto de Lei, entendeu


por vetar 32 artigos. O veto, de acordo com as normas constitucionais estaduais, foi
intempestivo. A Assembléia Legislativa, entretanto, aprovou o Projeto de Lei, mantido
integralmente o veto governamental.
Anos após, sob a égide de nova legislatura, o Presidente da Assembléia promulgou
Decreto Legislativo, cuja finalidade era de reconsiderar a anterior deliberação
confirmatória do veto governamental, que foi reputado intempestivo. No mesmo ato,
proclamou como tacitamente sancionados os preceitos vetados pelo Chefe do Poder
Executivo. Aduziu que o conteúdo do primeiro ato legislativo era de natureza
administrativa e que o segundo ato visa a retificar um erro de procedimento cometido pela
legislatura já finda. Eis o teor do Decreto Legislativo:

"Art. 1º - Ficam declarados intempestivos os vetos opostos ao artigo 8º e seu


parágrafo único do Projeto de Lei nº 1.086/86, retificando a decisão anterior de
sua manutenção, e considerados sancionados tacitamente, o referido artigo e seu
parágrafo, passando a integrar a Lei nº 1.057/86.
Art. 2º - Este Decreto Legislativo entrará em vigor na data de sua publicação,
revogando-se as disposições em contrário."

Pergunta-se: É constitucional a retratação do veto? Fundamente.

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Resposta à Questão 3

O veto intempestivo pode ser controlado por meio do mandado de segurança


impetrado por parlamentar. In casu, há uma irregularidade: há preclusão da manutenção do
veto, não podendo haver sua retratação, tal como no processo administrativo, análogo, para
o STF.
Veja:
“ADI 1254 / RJ - RIO DE JANEIRO AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.
Julgamento: 09/12/1999. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 17-03-
2000.
Ementa: Processo legislativo: veto mantido pelo Legislativo: decreto-legislativo
que, anos depois, sob fundamento de ter sido o veto intempestivo, desconstitui a
deliberação que o mantivera, e declara tacitamente sancionada a parte vetada do
projeto de lei: inconstitucionalidade formal do decreto-legislativo,
independentemente da indagação acerca da validade material ou não da norma por
ele considerada sancionada: aplicação ao processo legislativo - que é verdadeiro
processo - da regra da preclusão - que, como impede a retratação do veto, também
obsta a que se retrate o Legislativo de sua rejeição ou manutenção: preclusão, no
entanto, que, não se confundindo com a coisa julgada - esta, sim, peculiar do
processo jurisdicional -, não inibe o controle judicial da eventual intempestividade
do veto.”

Tema VII

Espécies normativas. Emendas Constitucionais. Lei Complementar. Lei Ordinária. Lei Delegada. Medida
Provisória. Decreto Legislativo. Resolução.

Notas de Aula14

1. Espécies normativas

O artigo 59 da CRFB apresenta as espécies normativas primárias adotadas por nosso


constituinte. Veja:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:


I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração
e consolidação das leis.”

14
Aula ministrada pelo professor José Carlos Vasconcellos dos Reis, em 14/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Na pirâmide de Kelsen, à exceção das emendas constitucionais, todas são normas


imediatamente inferiores à CRFB. Do ponto de vista hierárquico, Constituição e as
emendas são superiores, mas todas as demais se encontram em um patamar de igualdade,
logo abaixo do texto constitucional, sem escalonamento entre si.
As espécies normativas primárias são capazes de criar direitos e obrigações, e esta é
uma diferença fundamental entre estas e as espécies normativas secundárias (decretos,
resoluções, etc.), que não criam, não inovam, mas apenas detalham ou definem aquilo que
as normas primárias criaram (abstraindo-se, por ora, da questão dos regulamentos
autônomos, normas primárias excepcionais).
O artigo 5º, II, da CRFB, se refere à lei em sentido amplo, e não só à lei ordinária.
Remete a todas as normas primárias deste artigo supra, e não a um ou outro tipo normativo
expresso. Veja:

“(...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei;
(...)”

Há ainda a reserva legal, que é mais restrita do que esta legalidade ampla, e que
ocorre quando a CRFB reserva alguma matéria para ser tratada especificamente em
determinada espécie normativa, como lei ordinária ou complementar. Quando a CRFB não
o fizer, entende-se que qualquer das espécies primárias do seu artigo 59 atende à legalidade.
Passemos, doravante, à analise das espécies normativas primárias mais importantes.

2. Lei ordinária e lei complementar

Estes diplomas são, como se disse, equivalentes hierarquicamente, apesar de haver


ainda uma minoria doutrinária que defende superioridade da lei complementar sobre a
ordinária – por todos, Alexandre de Moraes. A jurisprudência se pacificou no entendimento
de que não há hierarquia.
A diferença entre estes tipos normativos reside, basicamente, no quorum de
aprovação, eis que a lei complementar demanda maioria absoluta, enquanto a lei ordinária
se aperfeiçoa por maioria simples. Afora esta questão formal, o processo normativo é
idêntico.
Sempre que a CRFB pretender que o legislador adote a lei complementar,
expressará este comando. Não sendo exigida lei complementar, será admissível a lei
ordinária. A diferença material, de conteúdo, portanto, é definida pelo próprio constituinte.
Se o legislador adotar lei ordinária, quando a CRFB impuser lei complementar, há
inconstitucionalidade formal desta norma. Mesmo não havendo hierarquia, se há reserva de
lei complementar, esta tem que ser observada.
Por ter um maior quorum, por ser, em tese, uma lei cuja representatividade popular
foi maior para sua aprovação, a lei complementar pode, facultativamente, ser adotada pelo
legislador em matérias que a ela não são reservadas, mas o contrário não se permite, pois se
trataria de ofensa à reserva legal. Também por isso, pode a lei complementar revogar lei
ordinária, mas não o contrário, em regra. Veja que se fala em regra, porque nada impede
que a lei ordinária revogue a lei complementar quando esta lei estiver tratando de matéria

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

que não é reservada a si, ou seja, se a lei complementar foi adotada para uma norma por
opção do legislador, e não por uma imposição constitucional, a lei ordinária poderá revogar
esta matéria – trata-se de lei formalmente complementar, mas materialmente ordinária.
O CTN traz algumas normas nesta condição: grande parte de sua matéria é
revogável por lei ordinária, porque é matéria apenas formalmente tratada em lei
complementar, não sendo materialmente reservada à lei complementar.
A chave para esta questão não está na análise de qual tipo normativo está tratando
da matéria, mas sim qual espécie é exigida pela CRFB para aquela matéria. A CLT, por
exemplo, lei ordinária pré-constitucional, traz temas que não são passíveis de reforma por
lei ordinária, porque a CRFB impõe que sejam tratados, a partir dela, por meio de lei
complementar.

3. Emenda constitucional

O artigo 60 da CRFB sedia esta espécie:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal,
de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos
dos respectivos membros.
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por
prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”

As emendas, manifestações do poder constituinte derivado reformador, é limitado e


condicionado pela própria Constituição originária. Há, inclusive, quem critique a
classificação do poder reformador como constituinte, pois a verdadeira ordem constituinte
não encontra limites – mas esta crítica é minoritária.
As limitações deste poder são expressas, como as cláusulas pétreas, limitações
materiais, e as limitações formais, ou implícitas. Há também limitações circunstanciais,
como a impossibilidade de emendas em estado de sítio, defesa ou intervenção federal,m na
forma do § 1º do artigo supra.
As limitações formais, a maior dificuldade de alteração do texto constitucional, é o
que empresta à CRFB o caráter rígido. É justamente esta maior exigência para a aprovação
de emendas que dita este caráter à nossa Carta. Todas estas limitações estão no artigo supra.

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Grande peculiaridade do processo de aprovação da emenda é a inexistência de


sanção e veto. Uma vez aprovada, é promulgada diretamente pelas Mesas do Congresso,
Câmara e Senado em conjunto.
As cláusulas pétreas do artigo 60, § 4º, supra, como dito, são a principal limitação
material às emendas. De plano, ressalte-se: as cláusulas pétreas podem, sim, ser alteradas,
desde que para incremento do valor que protegem. O que é impossível é admitir a sua
depleção por meio de emenda. Bom exemplo desta dinâmica foi a EC 45/04, que criou o
CNJ, e foi considerada constitucional quando impugnada por supostamente violar a
separação de poderes. Esta emenda ainda criou novo direito fundamental, alterando
validamente o sacro artigo 5º, inserindo o inciso LXXVII:

“(...)
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)”

Vale mencionar que não só os direitos fundamentais do artigo 5º da CRFB são


protegidos pela cláusula de petricidade. Há diversos outros direitos fundamentais
espalhados pela CRFB, merecendo todos a mesma proteção. Como exemplo, o princípio da
anterioridade tributária, que foi incrementado pela EC 42/03, no artigo 150, III, “c” da
CRFB:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado


à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
(...)”

Além das limitações expressas, há limites implícitos ao poder reformador. A


doutrina é assente em pelo menos dois exemplos. Primeiro, a inalterabilidade do elenco de
cláusulas pétreas é, por si só, uma cláusula pétrea. Uma emenda não pode suprimir uma das
cláusulas ali elencadas, a fim de que uma outra emenda, posterior, possa modificar para
pior aquilo que era protegido. Esta hipótese, chamada de dupla revisão, é uma limitação
implícita, porque não está prevista no próprio dispositivo15.
Segundo exemplo é a inalterabilidade do processo de alteração constitucional, para
facilitar a aprovação de emendas. A rigidez constitucional é uma cláusula pétrea implícita.
Nada impede, portanto, e de acordo com a lógica sistêmica, que uma emenda torne ainda
mais difícil a alteração formal da constituição, a aprovação de emendas.
As emendas constitucionais de revisão tinham meio de aprovação mais simples do
que as de reforma. Veja o artigo 3º do ADCT:

15
Manoel Gonçalves entende ser cabível esta dupla revisão, em posição completamente isolada.

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da
promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do
Congresso Nacional, em sessão unicameral.”

Ainda persiste a divisão doutrinária sobre a possibilidade ou não d realização de


uma nova revisão constitucional, prevalecendo a corrente que defende que é inadmissível,
justamente com base na rigidez constitucional – estas emendas revisionais são mais
facilmente aprovadas.

4. Medidas provisórias

O artigo 62 da CRFB é a sede:

“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá


adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
I - relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia
de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e
suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer
outro ativo financeiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
III - reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de
2001)
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto
os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício
financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em
que foi editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias,
prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso
Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas
decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória,
suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.(Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito
das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus
pressupostos constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias
contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em
cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver


tramitando. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida
provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a
sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas
provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão
separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que
tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após
a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas
constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão
por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida
provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou
vetado o projeto.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).”

Veja que o dispositivo foi completamente alterado pela EC 32/01, que melhorou
bastante o regramento das MPs.
A nossa MP foi importada do direito italiano, mas por lá este instituto é mais
corretamente empregado, eis que está num sistema parlamentarista. Lá, quem edita a MP é
o Primeiro Ministro, e por ser este passível de ser deposto por quebra de confiança do
parlamento, ele tem muito mais zelo pelo teor de suas MPs. No Brasil, a MP é do
Presidente, que não é destituído por mera quebra de confiança – permitindo uma certa
irresponsabilidade na edição de MPs.
Além desta importação indevida do instrumento, o seu tratamento na CRFB é muito
lacunoso, gerando enormes problemáticas. As matérias que podem ser tratadas por meio de
MP, por exemplo gerou enorme polêmica, antes da EC 32/01. A possibilidade de reedição
das MPs foi outro ponto controverso – e a reedição foi praxe em nosso país, por muito
tempo.
A EC 32/01 resolveu bastantes destes problemas. Estabeleceu o âmbito material da
incidência das MPs, como se vê no § 1º;

Se a MP não pode ser reeditada, como é possível a vigência, até hoje, de


determinadas MPs, e o que é pior, sobre matérias que não podem ser tratadas em MP? A
explicação vem no texto da EC 32, no artigo 2º:

“Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta


emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue
explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.”

É por isso que há MPs que, editadas no regime anterior, são mantidas vigentes até
hoje. Como exemplo, a MP 2.220/01.
Os §§ 3º, 4º, 6º, 7º e 10 do artigo 62 da CRFB são os que trazem as vedações mais
importantes. O prazo de vigência da MP, hoje, é fatal. Mesmo por isso, como forma de

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

compelir o Congresso a votar a matéria, antes que a MP perca sua eficácia, prevê a CRFB o
trancamento da pauta para votação de outras normas, antes que a MP seja votada. Hoje, a
MP tranca a pauta apenas para leis ordinárias e outras MPs, em matérias que são também
dadas à MP. Veja o MS 27.931, noticiado no informativo 572 do STF:

“Interpretação do Art. 62, § 6º, da CF e Limitação do Sobrestamento


O Tribunal iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado por membros
do Congresso Nacional contra decisão do Presidente da Câmara dos Deputados
que, em questão de ordem, formalizara, perante o Plenário dessa Casa Legislativa,
seu entendimento no sentido de que o sobrestamento das deliberações legislativas,
previsto no § 6º do art. 62 da CF (“Se a medida provisória não for apreciada em até
quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência,
subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando
sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas
da Casa em que estiver tramitando.”), só se aplicaria, supostamente, aos projetos
de lei ordinária. O Min. Celso de Mello, relator, denegou a ordem. Entendeu que a
interpretação emanada do Presidente da Câmara dos Deputados reflete, com
fidelidade, solução jurídica plenamente compatível com o alto significado que
assume, em nosso sistema institucional, o modelo teórico da separação de poderes,
haja vista que revela fórmula hermenêutica capaz de assegurar, por meio da
preservação de adequada relação de equilíbrio entre instâncias governamentais (o
Poder Executivo e o Poder Legislativo), a própria integridade da cláusula
pertinente à divisão do poder. Deu, ainda, interpretação conforme ao § 6º do art. 62
da CF, na redação resultante da EC 32/2001, para, sem redução de texto, restringir-
lhe a exegese, em ordem a que, afastada qualquer outra possibilidade
interpretativa, seja fixado entendimento de que o regime de urgência previsto em
tal dispositivo constitucional — que impõe o sobrestamento das deliberações
legislativas das Casas do Congresso Nacional — refere-se, tão-somente, àquelas
matérias que se mostrem passíveis de regramento por medida provisória,
excluídos, em conseqüência, do bloqueio imposto pelo aludido dispositivo, as
propostas de emenda à Constituição e os projetos de lei complementar, de decreto
legislativo, de resolução e, até mesmo, tratando-se de projetos de lei ordinária,
aqueles que veiculem temas pré-excluídos do âmbito de incidência das medidas
provisórias (CF, art. 62, § 1º, I, II e IV). Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen
Lúcia. MS 27931/DF, rel. Min. Celso de Mello, 16.12.2009. (MS-27931).”

A relação entre as MPs e as leis anteriores sobre as matérias nela versada é a


seguinte: embora a MP possa versar sobre temas que já estejam sob tratamento de lei
ordinária, por exemplo, a MP não revoga a lei anterior com ela incompatível: ela suspende
a eficácia da lei anterior, durante sua vigência. Se a MP for rejeitada, a lei anterior torna a
incidir; se a MP for convertida em lei, e somente então, há revogação da lei anterior por
esta lei convertida da MP.
Quando o Congresso rejeitar uma MP, deverá regulamentar as situações fáticas que
a MP gerou, por meio de um decreto legislativo. Se o Congresso não o fizer, as relações
criadas por meio da MP serão preservadas, por questão de segurança jurídica, na forma co §
11 do artigo 62, supra.

5. Decreto legislativo

Esta é a espécie normativa editada quando o Congresso regulamenta matérias que


são de sua competência exclusiva, na forma do artigo 49 da CRFB:

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a
permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele
permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei
complementar;
III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do
País, quando a ausência exceder a quinze dias;
IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio,
ou suspender qualquer uma dessas medidas;
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder
regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
VI - mudar temporariamente sua sede;
VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado
o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos
Ministros de Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II,
153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar
os relatórios sobre a execução dos planos de governo;
X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do
Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;
XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição
normativa dos outros Poderes;
XII - apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio
e televisão;
XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União;
XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares;
XV - autorizar referendo e convocar plebiscito;
XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos
hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;
XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área
superior a dois mil e quinhentos hectares.”

Assim, esse tipo normativo é específico para tratar das matérias ali arroladas. Bom
exemplo é a regulamentação da questão intertemporal quando há a rejeição de uma MP,
como dito.

6. Resolução

Outro ato exclusivo do parlamento, consiste no ato normativo exarado por cada casa
do Congresso, de forma isolada, e não em conjunto como o decreto legislativo. Os artigos
51 e 52 da CRFB são a sede das matérias tratáveis por resolução:

“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:


I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o
Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;
II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não
apresentadas ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da
sessão legislativa;
III - elaborar seu regimento interno;

Michell Nunes Midlej Maron 88


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IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação


ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei
para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos
na lei de diretrizes orçamentárias; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)
V - eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.”

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos
com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)
II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do
Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o
Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de
responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de:
a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;
b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da
República;
c) Governador de Território;
d) Presidente e diretores do banco central;
e) Procurador-Geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
IV - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em sessão secreta, a
escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;
V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o
montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios;
VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo
e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas
autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;
VIII - dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em
operações de crédito externo e interno;
IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional
por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
XI - aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do
Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato;
XII - elaborar seu regimento interno;
XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação,
transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a
iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
XIV - eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.
XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em
sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias
da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente
o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será
proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das
demais sanções judiciais cabíveis.”

O inciso X deste artigo 52, supra, tem sido bastante comentado, porque ali se
menciona que é competência do Senado suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Esta
resolução senatorial tem sido apontada como mera formalidade, para corrente moderna,
capitaneada por Gilmar Mendes, pois as decisões do STF já teriam o condão de afastar a
eficácia da norma encontrada inconstitucional por si só.

7. Lei delegada

O artigo 68 da CRFB é altamente literal, e sua mera leitura esclarece muito do


instituto:

“Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que
deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do
Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia
de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do
Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional,
este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.”

Esta modalidade tem muito pouca aplicação prática, ante a maior agilidade da MP.

Michell Nunes Midlej Maron 90


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Casos Concretos

Questão 1

De acordo com a norma contida no art. 24, I, §1º, da Constituição da República,


tem o Estado competência concorrente para legislar sobre Direito Tributário.
A Constituição também confere autonomia para que cada Estado elabore sua própria
Constituição, como se vê do artigo 25, bem como do artigo 11 do ADCT.
Com base em tais princípios, o Poder Legislativo do Estado X concedeu anistia de multas
sobre débitos fiscais por meio de norma contida no ADCT de sua Constituição.
A par da prerrogativa de auto-organização estadual, pergunta-se: É o Ato das
Disposições Transitórias da Constituição estadual veículo normativo idôneo para dispor
sobre tal tema? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 1

O artigo 150, § 6º, da CRFB, precisa ser observado. A CE não é sede para concessão
de isenções, anistias e correlatos, e sim lei específica e dedicada.

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado


à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou
municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o

Michell Nunes Midlej Maron 91


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correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º,


XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
(...)”

Veja a posição do STF, na ADI 155, na ADI 3.462 e na ADI 2.639:


“ADI 155 / SC - SANTA CATARINA. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. OCTAVIO GALLOTTI.
Julgamento: 03/08/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 08-09-
2000.
EMENTA: Inconstitucionalidade, por contrariar o processo legislativo decorrente
do art. 150, § 6º, da Constituição Federal (onde se exige a edição de lei ordinária
específica), bem como do princípio da independência dos Poderes (art. 2º), a
anistia tributária concedida pelo art. 34, e seus parágrafos, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, de 1989, do Estado de Santa Catarina.”

“ADI 3462 MC / PA – PARÁ. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relatora Min. ELLEN GRACIE. Julgamento:
08/09/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 21-10-2005.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA
LIMINAR. TRIBUTÁRIO. AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA QUE DÁ AO
PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE CONCEDER, POR
REGULAMENTO, OS BENEFÍCIOS FISCAIS DA REMISSÃO E DA ANISTIA.
PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA ABSOLUTA
DE LEI FORMAL. ART. 150, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.
Ocorrência, no caso, de atuação ultra vires do Poder Legislativo, consubstanciada
na abdicação de sua competência institucional em favor do Poder Executivo,
facultando a este, mediante ato próprio, a prerrogativa de inovar na ordem jurídica
em assunto (liberalidade estatal em matéria tributária) na qual a Constituição
Federal impõe reserva absoluta de lei em sentido formal. Precedentes: ADI 1.247-
MC, DJ 08.09.95 e ADI 1.296-MC, DJ 10.08.95, ambas de relatoria do Ministro
Celso de Mello. 2. Presença de plausibilidade jurídica na tese de
inconstitucionalidade e de conveniência na suspensão da eficácia do dispositivo
atacado. 3. Medida liminar concedida.”

“ADI 2639 / PR - PARANÁ AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


Relator Min. NELSON JOBIM. Julgamento: 08/02/2006. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Publicação: DJ 04-08-2006
Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO PARANÁ (EC 14/2001).
INDENIZAÇÃO POR ATOS DE EXCEÇÃO. TERCEIROS DE BOA-FÉ. ARTS.
8º E 9º DO ADCT. 1. A anistia referida nos arts. 8º e 9º do ADCT foi prevista em
benefício daqueles que foram vítimas de atos de "exceção, institucionais ou
complementares" que, de alguma forma, sofreram prejuízos em suas atividades
profissionais, em seus direitos ou por motivos políticos, mesmo que trabalhadores
da iniciativa privada, dirigentes e representantes sindicais. 2. A anistia dos arts. 8º e
9º do ADCT tem índole político-institucional e, por essa mesma natureza, sua
competência de concessão legislativa é exclusiva do poder constituinte originário
federal. Isso porque, muito embora seja previsão importante do ponto de vista da
compensação financeira das vítimas de atos de exceção, constitui-se também na
aceitação excepcional de uma responsabilidade civil extraordinária do Estado,
quanto aos atos políticos do passado. 3. Essa repercussão política e financeira
quando da concessão de anistia reveste o ato de absoluta excepcionalidade e, por
isso, não é possível que norma constitucional estadual amplie tal benefício. ADI
que se julga procedente.

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Questão 2

Emenda Constitucional autoriza a instituição de tributo, dispensando a


observância do princípio da anterioridade. É legítima tal Emenda? Pode uma Emenda
Constitucional ser declarada inconstitucional?

Resposta à Questão 2

Conforme leciona o Ministro Gilmar Mendes em sua obra Curso de Direito


Constitucional, é admissível aferição de constitucionalidade do chamado Direito
Constitucional secundário, sendo legítima, segundo a doutrina e a jurisprudência
dominante, a aferição de constitucionalidade de uma emenda constitucional, em sentido
formal e material. A EC é exercício do poder constituinte derivado, e é limitada ao texto e
principiologia originários.
Acerca da emenda proposta na casuística, a anterioridade tributária é cláusula
pétrea, e por isso sua derrogação é violação constitucional – a EC em questão é
inconstitucional16. Vale dizer que a imunidade tributária recíproca também é considerada
cláusula pétrea, por representar elemento do pacto federativo.
Veja a ADI 939:

“ADI 939 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. SYDNEY SANCHES. Julgamento:
15/12/1993. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 18-03-1994.
EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de
Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F.
Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de
Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4.,
incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição
Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte
derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada
inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda
da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de
17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício
de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto
a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse
modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis (somente eles, não
outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte
(art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o
princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio,
rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4.,
inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras
imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de
qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive
suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistencia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
e "d"): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em
consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de
16
Flavio Bauer Novelli refuta esta configuração da anterioridade tributária como cláusula pétrea, mas é
corrente isolada.

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidencia do


tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no
art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n.
77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para
tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos
os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a
cobrança do tributo no ano de 1993.”

“ADI 939 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. SYDNEY SANCHES.
Julgamento: 15/09/1993. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicação: DJ
17-12-1993.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade (medida cautelar). I.P.M.F. (Imposto
sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza
financeira). Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993 (art. 2., par. 2.). Lei
Complementar n. 77, de 13.07.1993. Art. 60, par. 4., inciso IV, c/c arts. 5., par. 2. e
150, III, "b", da Constituição. Preliminar de inepcia da inicial. Legitimidade ativa
(art. 103, IX, da Constituição Federal). Legitimidade passiva. 1. Se do texto
completo da inicial se verifica que impugna a Emenda Constitucional que permitiu
a criação do imposto, e a Lei Complementar que o instituiu, torna-se irrelevante o
fato de, ao final, referir-se apenas, inadvertidamente, a inconstitucionalidade da lei.
2. Sendo a C.N.T.C. uma Confederação Sindical, tem legitimidade para propor
ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, IX, da Constituição Federal). 3.
Nessa espécie de ação, a União não e parte e nem se pode deduzir, contra ela,
pretensão a restituição de tributos, o que só se admite em ação de outra natureza e
no foro competente. 4. Estando caracterizada a plausibilidade jurídica da ação
("fumus boni iuris"), ao menos quanto a alegação de violação do disposto no artigo
60, par. 4., inciso IV, c/c arts. 5., par. 2., e 150, III, "b", todos da Constituição, e de
se deferir medida cautelar para suspensão da eficacia do art. 2. e seus paragrafos da
Emenda Constitucional n. 3/93, que autorizou a criação do I.P.M.F., bem como de
toda a Lei Complementar n. 77/93, que efetivamente o instituiu. 5. Hipótese em
que a suspensão deve vigorar até 31.12.1993, reservando-se o Tribunal para, antes
do inicio do recesso judiciario (19.12.1993), examinar se a estendera (a suspensão)
ao exercí cio de 1994, apreciando, inclusive, os demais fundamentos da ação, caso
até essa data não tenha sido ela julgada, pelo mérito.”

Questão 3

Foi proposta ação de representação por inconstitucionalidade, com pedido de


suspensão cautelar, cujos objetos de exame eram os artigos 2º e 8º da Medida Provisória
nº 120/03, editada pelo Prefeito do Município de Santo Antônio.
O artigo 2º dispõe sobre a criação de 94 cargos públicos de médico, dentista,
agentes sanitários, garis e outros, todos por necessidade e urgência. O artigo 8º contém
norma sobre a revisão geral dos vencimentos dos servidores civis da Administração
Pública Municipal.
O artigo 56 da Lei Orgânica daquele Município permite ao Prefeito baixar medida
provisória, com força de lei, em caso de calamidade pública para abertura de crédito
extraordinário.
No curso da ação de representação por inconstitucionalidade, a Medida Provisória
foi aprovada na íntegra e convertida na Lei nº 290/03.
Indaga-se:
a) Pode o Prefeito editar medida provisória?

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

b) É possível o controle abstrato de constitucionalidade de medida provisória?


c) Quem pode ser o legitimado ativo para a propositura da representação por
inconstitucionalidade?
d) Prejudica o exame material, em sede de controle abstrato de
constitucionalidade, a intercorrente conversão, sem alterações, de medida
provisória em lei?
Repostas fundamentadas.

Resposta à Questão 3

a) Sim, desde que haja previsão na Lei Orgânica do Município e na Constituição do


Estado. Isso decorre do artigo 29, fine¸ da CRFB que subordina a lei organizadora
do município aos princípios estabelecidos na CRFB e na Constituição Estadual –
pode haver a simetria.

b) Sim, conforme ADI 295, desde que não seja norma de efeitos concretos, na
casuística – o que não ocorre no caso concreto, podendo haver a ADI. Veja:

“ADI 295 MC / DF - DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. PAULO BROSSARD.
Relator p/ Acórdão Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 22/06/1990. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 22-08-1997.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA
PROVISÓRIA - PERTINÊNCIA - Na dicção da ilustrada maioria, cabível é a ação
direta de inconstitucionalidade contra medida provisória. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR - A concessão de liminar pressupõe a
relevância do pedido e o risco de manter-se com plena eficácia o preceito de lei
atacado. Isso não ocorre relativamente a ato normativo por meio do qual se veda,
em certas matérias, a concessão de medida acauteladora pelo Judiciário, impondo-
se o julgamento definitivo da lide.”

c) Dependerá de quem a CE eleger para tanto. A única vedação é que seja dada esta
legitimidade a uma só autoridade. Em regra, seguem, as CEs, a CRFB, por
simetria.

d) Não há a perda de objeto da ADI, desde que a petição inicial seja aditada, para
alvejar a lei convertida. A rejeição da MP ou a sua alteração substancial, quando
da conversão em lei, importam, estas sim, em perda do objeto. Veja a ADI
2.391:
“ADI 2391 / SC - SANTA CATARINA. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relatora Min. ELLEN GRACIE. Julgamento:
16/08/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 16-03-2007.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 51 E
PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
ADOÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA POR ESTADO-MEMBRO.
POSSIBILIDADE. ARTIGOS 62 E 84, XXVI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
EMENDA CONSTITUCIONAL 32, DE 11.09.01, QUE ALTEROU
SUBSTANCIALMENTE A REDAÇÃO DO ART. 62. REVOGAÇÃO PARCIAL
DO PRECEITO IMPUGNADO POR INCOMPATIBILIDADE COM O NOVO
TEXTO CONSTITUCIONAL. SUBSISTÊNCIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DO
COMANDO EXAMINADO, PRESENTE EM SEU CAPUT.

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

APLICABILIDADE, NOS ESTADOS-MEMBROS, DO PROCESSO


LEGISLATIVO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA
DE VEDAÇÃO EXPRESSA QUANTO ÀS MEDIDAS PROVISÓRIAS.
NECESSIDADE DE PREVISÃO NO TEXTO DA CARTA ESTADUAL E DA
ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS E LIMITAÇÕES IMPOSTAS
PELO MODELO FEDERAL. 1. Não obstante a permanência, após o
superveniente advento da Emenda Constitucional 32/01, do comando que confere
ao Chefe do Executivo Federal o poder de adotar medidas provisórias com força de
lei, tornou-se impossível o cotejo de todo o referido dispositivo da Carta
catarinense com o teor da nova redação do art. 62, parâmetro inafastável de
aferição da inconstitucionalidade argüida. Ação direta prejudicada em parte. 2. No
julgamento da ADI 425, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19.12.03, o Plenário desta
Corte já havia reconhecido, por ampla maioria, a constitucionalidade da instituição
de medida provisória estadual, desde que, primeiro, esse instrumento esteja
expressamente previsto na Constituição do Estado e, segundo, sejam observados os
princípios e as limitações impostas pelo modelo adotado pela Constituição Federal,
tendo em vista a necessidade da observância simétrica do processo legislativo
federal. Outros precedentes: ADI 691, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.06.92 e
ADI 812-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 14.05.93 . 3. Entendimento reforçado
pela significativa indicação na Constituição Federal, quanto a essa possibilidade,
no capítulo referente à organização e à regência dos Estados, da competência
desses entes da Federação para "explorar diretamente, ou mediante concessão, os
serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida
provisória para a sua regulamentação" (art. 25, § 2º). 4. Ação direta cujo pedido
formulado se julga improcedente.”
Tema VIII

O Tribunal de Contas. Controles externo e interno.

Notas de Aula17

1. Tribunal de Contas

A Corte de Contas tem sua história remontando a 1826, no Brasil. Desde esta época
imperial já se pretendia a criação de órgão autônomo para controle das contas de outros
poderes, pois o controle de contas, à época, se dava unicamente por fiscalização interna.
Em 1891, a primeira Constituição republicana brasileira trouxe este órgão ao
ordenamento, por influência de Rui Barbosa. Em 1893, passou a existir de fato.
As Constituições ditatoriais, de 1937, 1967 e 1969, reduziram drasticamente as
atribuições originais dos Tribunais de Contas, mas em 1988 esta Corte atingiu seu ápice
histórico em termos de amplitude de atribuições.
Uma questão ainda persiste sem pacificação, porém: a natureza jurídica desta Corte.
Para a doutrina administrativista, se trata de um órgão do Poder Legislativo. Para os
Constitucionalistas, contudo, se trata de um órgão independente e autônomo, que não faz
parte da estrutura de nenhum dos poderes da federação. Vige, de fato, sob uma relação de
coordenação com o Legislativo, mas a ele não se subordina, muito menos o integra
estruturalmente.

17
Aula ministrada pela professora Flávia Bahia Martins, em 19/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

A Corte de Contas exerce jurisdição administrativa, e não jurisdição típica. O artigo


71 da CRFB, verdadeira sede desta entidade, traça as competências deste órgão, que
implementa a previsão do artigo antecedente, 70, no que tange à fiscalização externa:

“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e


patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à
legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de
receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e
valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma
obrigações de natureza pecuniária.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)”

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante
parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu
recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens
e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e
sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles
que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo
ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a
qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de
provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas
e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento
legal do ato concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal,
de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas
dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no
inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital
social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado
constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de
suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de
auditorias e inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras
cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias
ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão
à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

§ 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo


Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas
cabíveis.
§ 2º - Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias,
não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a
respeito.
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão
eficácia de título executivo.
§ 4º - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente,
relatório de suas atividades.”

Veja que o sistema de fiscalização interno não é em nada prejudicado pelo sistema
de controle do Tribunal de Contas. Coexistem ambas, em todas as funções do poder estatal.
Veja o artigo 74 da CRFB

“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma


integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos
programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência,
da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da
administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades
de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos
direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de
qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da
União, sob pena de responsabilidade solidária.
§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima
para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal
de Contas da União.”

O Tribunal de Contas, então, nasceu em 1891, com a atuação preventiva na


fiscalização das contas públicas, e ao longo da história, assumiu também papel repressivo
na fiscalização contábil e orçamentária. Sobre sua natureza jurídica, a doutrina é
controvertida: para o direito administrativo, majoritariamente, faz parte do Poder
Legislativo; para os constitucionalistas, é órgão independente e autônomo, que mantém
uma relação de coordenação, e não de subordinação, com o Poder Legislativo. É importante
destacar que a fiscalização contábil exercida pelo Congresso com o auxílio da Corte de
Contas é atividade típica do Poder Legislativo, da mesma forma que a função legiferante.
As atribuições o Tribunal de Contas estão no artigo 71 da CRFB, como visto. No
inciso I, está prevista a apreciação das contas do Presidente, mas não está ali o julgamento
de tais contas: quem julga as contas do Presidente não é o Tribunal de Contas, e sim o
próprio Congresso.
No inciso II, porém, está previsto o julgamento de contas das pessoas ali arroladas,
quais sejam, todas as autoridades administrativas, à exceção do Presidente. Estas decisões,
na forma do § 3º deste mesmo artigo, tem eficácia de título executivo, mas o STF entende
que tais decisões devem ser executadas pelo ente público prejudicado pela falta contábil, e
não o próprio Tribunal (sequer indiretamente, pelo MP que atua consigo).

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Aqui se colhe resposta a uma questão importante, e muito ventilada: as decisões do


Tribunal de Contas não são auto-executáveis, demandando que aquele ente interessado na
persecução da falta seja o exequente daquele título.
O Tribunal de Contas não pode sustar contratos administrativos por ato próprio.
Detectada, pelo Tribunal, alguma irregularidade contratual, cabe a este órgão comunicar ao
Congresso desta detecção, para que o próprio Poder Legislativo suste estes contratos, se
bem entender. Além de dar notícia ao Congresso, deve o Tribunal de Contas notificar a
autoridade administrativa responsável pelo contrato para que ela mesma anule o pacto ou o
regularize, determinação esta que é escorreita, não representando imposição coercitiva, mas
mera recomendação – e por isso não há afronta à separação de poderes.
Se o Congresso se queda inerte, nada fazendo quanto ao contrato irregular a si
noticiado, não instando o administrador a sustar, não pode o Tribunal de Contas sustá-lo ele
próprio jamais, tampouco o Congresso pode fazê-lo. Neste caso, cogita-se de uma atuação
do MP, em defesa do interesse público na sustação daquele pacto irregular.
Segundo o STF, na forma do artigo 71, § 1º, da CRFB, não cabe ao TCU sustar
diretamente os contratos administrativos irregulares, e sim comunicar ao Congresso, que
solicitará de imediato ao Executivo que realize as medidas cabíveis.
A composição do TCU é traçada de forma bem literal no artigo 73 da CRFB,
bastando a leitura:

“Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede
no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território
nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
§ 1º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre
brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:
I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;
II - idoneidade moral e reputação ilibada;
III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de
administração pública;
IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional
que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.
§ 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:
I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal,
sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto
ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de
antigüidade e merecimento;
II - dois terços pelo Congresso Nacional.
§ 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias,
prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior
Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas
constantes do art. 40. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e
impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da
judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.”

A simetria se aplica aos TCEs, na forma da súmula 653 do STF:

“Súmula 653, STF: No Tribunal de Contas Estadual, composto por sete


conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo
chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e
outro dentre membros do Ministério Público, e um terceiro a sua livre escolha.”

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

A súmula vinculante 3 determina é relevante ao tema, traçando a seguinte situação:

“Súmula Vinculante 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União


asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar
anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado,
excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria,
reforma e pensão.”

A administração pública conta com cinco anos para rever seus atos, e, quando se
tratar de concessão de aposentadoria, esta revisão pode ser feita, dentro destes cinco anos
desde a concessão, sem observância de contraditório ou ampla defesa. Passados estes cinco
anos, contudo, a administração deverá observar estas garantias, se pretender rever este ato
de concessão inicial.
De acordo com o artigo 54 da Lei 9.784/99, diz o STF, o TCU pode garantir ampla
defesa e contraditório, caso verifique a irregularidade do ato de concessão de benefício após
o prazo de cinco anos de que a administração dispõe.
A LC 105/01 estabelece que o Poder Legislativo pode, por ato próprio, quebrar o
sigilo de dados bancários – o que faz por meio da CPI. Contudo, não pode o Tribunal de
Contas fazê-lo, eis que a mencionada LC não lhe conferiu esta atribuição.
A súmula 347 do STF é também muito relevante:
“Súmula 347: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode
apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.”
Ali se permite o controle preventivo e repressivo de constitucionalidade pelo
Tribunal de Contas. Esta súmula tem sido alvejada por críticas, especialmente de Gilmar
Mendes. Consiste, esta forma preventiva de atuação, na recomendação, pela Corte de
Contas à autoridade em escrutínio, que esta não preste as suas contas com base em
determinada lei, porque o TCU reputa tal lei inconstitucional, e se prestar conforme esta as
contas serão rejeitadas. A forma repressiva de controle, que tem sido mais criticada ainda,
consiste na utilização da inconstitucionalidade de uma lei como fundamento para a rejeição
de determinadas contas, apresentadas com fulcro em tal lei.
A crítica de Gilmar é que, à época da edição da súmula, não havia meios suficientes
de controle concentrado de normas, sequer existindo a Representação de
Inconstitucionalidade em esfera estadual, e sendo restrito o rol de legitimados ativos para o
controle federal – somente o PGR o era. Por isso se justificava esta modalidade de controle
no Tribunal de Contas, mas esta prerrogativa hoje não persistiria, pois o STF deveria
concentrar a análise de normas em abstrato (bem como o Judiciário estadual, nas normas de
sua competência).
Não tendo sido revogada, ainda, esta súmula, aplica-se seu teor, contrariando a
crítica acima exposta.
Quanto ao princípio da simetria, como dito, os Tribunais de Contas Estaduais são
limitados ao espelho do TCU. Não pode haver exasperação de atribuições dadas ao TCU,
sendo estas o limite do TCE. O princípio da simetria deve ser respeitado, em vista do artigo
75 da CRFB:

“Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à


organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do
Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas


respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.”

Em relação ao Tribunal de Contas em âmbito estadual e municipal, não é permitido


que sejam criados novos Tribunais de Contas Municipais. Contudo, é permitida a criação de
Tribunais de Contas Estaduais para cuidar de contas municipais, ou seja, dedicados a
determinado ou determinados municípios – mas é um TCE, e não um TCM.
Uma peculiaridade: a competência para julgar conselheiros das Cortes de Contas é
do STJ, como previsto expressamente no artigo 105, I, “a”, da CRFB:

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes
e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e
do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
(...)”

Os conselheiros dos TCMs que ainda existem, do Rio de Janeiro e São Paulo, serão
julgados no foro que a organização judiciária estadual dispuser, eis que para eles não há
foro constitucionalmente previsto.
A Constituição estadual não pode outorgar à Assembléia Legislativa a competência
para julgar as próprias contas, e as do Executivo e Judiciário.
Por fim, no MS 25.092, o STF decidiu que as contas das empresas públicas e
sociedades de economia mista devem também ser julgadas pela Corte de Contas:

“MS 25092 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 10/11/2005. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Publicação: DJ 17-03-2006.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE
CONTAS. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA: FISCALIZAÇÃO PELO
TRIBUNAL DE CONTAS. ADVOGADO EMPREGADO DA EMPRESA QUE
DEIXA DE APRESENTAR APELAÇÃO EM QUESTÃO RUMOROSA. I. - Ao
Tribunal de Contas da União compete julgar as contas dos administradores e
demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta
e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder
público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (CF, art. 71, II; Lei 8.443, de 1992,
art. 1º, I). II. - As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes
da administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não
obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista. III. - Numa ação
promovida contra a CHESF, o responsável pelo seu acompanhamento em juízo
deixa de apelar. O argumento de que a não-interposição do recurso ocorreu em
virtude de não ter havido adequada comunicação da publicação da sentença
constitui matéria de fato dependente de dilação probatória, o que não é possível no
processo do mandado de segurança, que pressupõe fatos incontroversos. IV. -
Mandado de segurança indeferido.”

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Casos Concretos

Questão 1

Uma das características da autonomia dos Estados é a competência para organizar


os seus órgãos. Pode um estado-membro fixar regras próprias de atuação do Tribunal de
Contas do Estado, diferentes das que estão previstas na Constituição da República?

Resposta à Questão 1

A simetria é obrigatória, não podendo ser trazida nenhuma atribuição a mais no


âmbito estadual, que não esteja prevista no federal, na forma do artigo 75 da CRFB.
Veja:
“ADI 3715 MC / TO - TOCANTINS MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. GILMAR MENDES.
Julgamento: 24/05/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 25-08-
2006
EMENTA:
1. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade.
2. Constituição do Estado do Tocantins. Emenda Constitucional n° 16/2006, que
criou a possibilidade de recurso, dotado de efeito suspensivo, para o Plenário da
Assembléia Legislativa, das decisões tomadas pelo Tribunal de Contas do Estado
com base em sua competência de julgamento de contas (§ 5o do art. 33) e atribuiu
à Assembléia Legislativa a competência para sustar não apenas os contratos, mas
também as licitações e eventuais casos de dispensa e inexigibilidade de licitação
(art. 19, inciso XXVIII, e art. 33, inciso IX e § 1º).

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

3. A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas


constitucionais que conformam o modelo federal de organização do Tribunal de
Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-
membros. Precedentes.
4. No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Contas, o Supremo
Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para
apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe
do Poder Executivo, especificada no art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência
para julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no art.
71, inciso II, CF/88. Precedentes.
5. Na segunda hipótese, o exercício da competência de julgamento pelo Tribunal
de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo.
Precedentes.
6. A Constituição Federal dispõe que apenas no caso de contratos o ato de sustação
será adotado diretamente pelo Congresso Nacional (art. 71, § 1º, CF/88).
7. As circunstâncias específicas do caso, assim como o curto período de vigência
dos dispositivos constitucionais impugnados, justificam a concessão da liminar
com eficácia ex tunc.
8. Medida cautelar deferida, por unanimidade de votos.”

“INFORMATIVO Nº 65.
Conselheiro e Idade
No mesmo julgamento, acolheu-se a argüição de inconstitucionalidade do art. 48, I,
§ 1o da Constituição de RO, com a redação da EC 3/92, que fixou — quanto ao
requisito etário para nomeação de Conselheiro ao Tribunal de Contas do Estado —,
tão-só, a idade mínima de trinta e cinco anos. O Tribunal entendeu que a regra do
art. 73, § 1o , I da CF ( "Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão
nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I - mais de
trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade.") constitui preceito de
observância compulsória pelos Estados à vista do que dispõe o art. 75 da CF ("As
normas estabelecidas nesta Seção aplicam-se, no que couber, à organização,
composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados ..."). ADIn 793-
RO, rel. Min. Carlos Velloso, 03.4.97.”

Questão 2

Explique a natureza jurídica das funções controladoras exercidas pelas Cortes de


Contas esclarecendo se poderá o Poder Judiciário rever suas decisões.

Resposta à Questão 2

As atribuições do Tribunal de Contas são técnicas e políticas. No caso do artigo 71,


I, da CRFB, cabe à Corte de Contas aprovar ou não as contas do Presidente, mas não julgá-
las, tendo em vista que esta atribuição é do Congresso Nacional. Na hipótese do inciso II, o
TCU realiza o próprio julgamento das contas, ainda que a execução de suas decisões
dependa, via de regra, da apuração do ente federativo prejudicado na questão.
Com relação à atuação do Judiciário, na forma do artigo 5º, XXXV, da CRFB, se
houver ilegalidade ou violação da razoabilidade, ou ainda cerceamento de defesa, não há
óbice a que este atue, que não deve, entretanto, se imiscuir no mérito da decisão do TCU.
Veja:

“INFORMATIVO Nº 553

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Tribunal de Contas Estadual - Conselheiro - Crime de Responsabilidade


(Transcrições). ADI 4190 MC/RJ* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO.
EMENTA: CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. A
QUESTÃO DAS INFRAÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS E DOS
CRIMES DE RESPONSABILIDADE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PARA
TIPIFICÁ-LOS E PARA ESTABELECER O RESPECTIVO PROCEDIMENTO
RITUAL (SÚMULA 722/STF). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA.
PRERROGATIVA DE FORO DOS CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE
CONTAS ESTADUAL, PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS E NOS CRIMES DE
RESPONSABILIDADE (CF, ART. 105, I, “a”). EQUIPARAÇÃO
CONSTITUCIONAL DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS À
MAGISTRATURA. GARANTIA DA VITALICIEDADE: IMPOSSIBILIDADE
DE PERDA DO CARGO DE CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS
LOCAL, EXCETO MEDIANTE DECISÃO EMANADA DO PODER
JUDICIÁRIO. A POSIÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE
CONTAS. ÓRGÃOS INVESTIDOS DE AUTONOMIA. INEXISTÊNCIA DE
QUALQUER VÍNCULO DE SUBORDINAÇÃO INSTITUCIONAL AO PODER
LEGISLATIVO. ATRIBUIÇÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS QUE
TRADUZEM DIRETA EMANAÇÃO DA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. PROMULGAÇÃO, PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DA EC Nº 40/2009. ALEGADA
TRANSGRESSÃO, POR ESSA EMENDA CONSTITUCIONAL, AO
ESTATUTO JURÍDICO-INSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS
ESTADUAL E ÀS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS DOS
CONSELHEIROS QUE O INTEGRAM. SUSPENSÃO CAUTELAR DA
EFICÁCIA DA EC Nº 40/2009. DECISÃO DO RELATOR QUE, PROFERIDA
“AD REFERENDUM” DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
TEM PLENA EFICÁCIA E APLICABILIDADE IMEDIATA. LIMINAR
DEFERIDA.”

“Súmula 6, STF: A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, de


aposentadoria, ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não
produz efeitos antes de aprovada por aquele Tribunal, ressalvada a competência
revisora do Judiciário.”

Cabe observar que a Constituição assegura que nem mesmo a lei poderá excluir da
apreciação do poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, princípio que não deixa
margem de dúvida quanto à possibilidade de o Judiciário rever as decisões do Tribunal de
Contas.

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Tema IX

O Poder Executivo. A forma republicana de governo.

Notas de Aula18

1. A forma republicana de governo

Há dois principais modelos de Estado no planeta, a forma federativa e a unitária. Já


quanto aos sistemas de governo, estes se referem à forma pela qual se relacionam o
Executivo e o Legislativo de um Estado, e há dois grandes modelos, o parlamentarismo, o
presidencialismo. Já ao se analisar a forma de governo, se está analisando como se dá a
instituição do poder político, e qual é a verdadeira relação entre governantes e governados.
São duas as mais importantes formas de governo: a monarquia e a república.
A monarquia tem por características principais a instituição do poder por meio da
hereditariedade; a vitaliciedade; e, tradicionalmente, a irresponsabilidade política do
governante, do monarca – o que tem sido bastante temperado nas monarquias
constitucionais hodiernas.
A república, no entanto, é a forma de governo que mais se aproxima do ideal
projetado pela democracia. República não se confunde com democracia: há repúblicas
socialistas e comunistas espalhadas pelo mundo. A relação entre a república, forma de
governo, e a democracia, que é o regime político, não é de sinonímica.

18
Aula ministrada pela professora Flávia Bahia Martins, em 19/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

A república é marcada pelas eleições periódicas. Não se confunda com eleições


diretas, porque a periodicidade não diz respeito à forma de eleição. Pode haver eleições
periódicas diretas ou indiretas, sem qualquer óbice conceitual ao conceito de república.
Esta periodicidade, os mandatos temporários, é uma nota fundamental da forma de
governo republicana, portanto. A oxigenação do poder político é essencial à forma
republicana de governo, e isto se dá pela limitação dos mandatos e das reeleições.
Ao contrário da monarquia clássica, absolutista, na república há plena
responsabilidade política do governante perante seu povo – o governante pode até mesmo
sofrer impeachment.
O Brasil foi monarquista, até 15 de novembro de 1889. Até 1930, vigeu a
“República Velha”, e dali até meados de 1945 tomou campo a “República Nova”, com
notas ditatoriais. De 1946 até o golpe de 1964, o Brasil se redemocratizou, e a república
teve seu assento bem estabelecido. Com o golpe, nova ditadura, esta militar, se instalou no
país, trazendo real retrocesso ao Estado, especialmente nas questões dos direitos sociais – e
a república acompanhou este autoritarismo.
De 1985 em diante, porém, o modelo de república atualmente adotado veio se
especializando, se aprimorando, agregando valores constitucionais de alto relevo. Há, de
fato, uma nova república, baseada em direitos fundamentais, bastante sólida, erigida em
valores tremendamente positivos.
Esta configuração se reflete bem no enorme apreço pelos direitos políticos que hoje
vige. Enquanto na primeira república brasileira menos de dez por cento da população tinha
direitos políticos reconhecidos, hoje a maioria de cidadãos é imensurável.
Passando a uma análise textual da república na CRFB, vê-se logo no primeiro artigo
o peso de sua relevância:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Este dispositivo supra é um princípio e um preceito fundamental. Na ADPF 33, ao


ser cogitado do conceito do que seja preceito fundamental, mencionou expressamente o
princípio republicano, inserto neste dispositivo.
O artigo 34, VII, “a”, da CRFB, elenca a forma republicana de governo como um
princípio constitucional sensível:

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Há duas explicações doutrinárias para este termo, “princípios sensíveis”: a primeira


diz que se refere à fácil percepção de tais princípios, ou seja, são sensorialmente
perceptíveis, de tão flagrantes; e a segunda é que são princípios que, de tão importantes, são
pontos de sensibilidade constitucional, delicados.
De uma ou de outra forma, estar neste rol significa que qualquer atentado contra a
república enseja a intervenção federal, uma ADI interventiva. Não por acaso, o princípio
republicano é de repetição obrigatória nas Constituições estaduais.
A república é cláusula pétrea implícita, não podendo ser prejudicada por emenda
constitucional. Manoel Gonçalves Ferreirta Filho defende que, por não ser criado óbice
expresso à alteração da República, não seria limite material às emendas, mas é orientação
que não prevalece. O STF, na ADI 981, reconheceu que a república é, sim, limite material
às emendas, mesmo que implícito. Veja:

“ADI 981 MC / PR – PARANÁ. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. NÉRI DA SILVEIRA. Julgamento:
17/12/1993. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 05-08-1994.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO N. 1
- RCF, DO CONGRESSO NACIONAL, DE 18.11.1993, QUE DISPÕE SOBRE O
FUNCIONAMENTO DOS TRABALHOS DE REVISÃO CONSTITUCIONAL E
ESTABELECE NORMAS COMPLEMENTARES ESPECIFICAS. AÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PELO GOVERNADOR DO
ESTADO DO PARANA. ALEGAÇÕES DE OFENSA AO PARAGRAFO 4. DO
ART. 60 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EIS QUE O CONGRESSO
NACIONAL, PELO ATO IMPUGNADO, "MANIFESTA O SOLENE DESIGNIO
DE MODIFICAR O TEXTO CONSTITUCIONAL", MEDIANTE "'QUORUM'
DE MERA MAIORIA ABSOLUTA", "EM TURNO ÚNICO" E "VOTAÇÃO
UNICAMERAL". SUSTENTA-SE, NA INICIAL, ALÉM DISSO, QUE A
REVISÃO DO ART. 3. DO ADCT DA CARTA POLITICA DE 1988 NÃO MAIS
TEM CABIMENTO, POR QUE ESTARIA INTIMAMENTE VINCULADA AOS
RESULTADOS DO PLEBISCITO PREVISTO NO ART. 2. DO MESMO
INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL TRANSITORIO. "EMENDA" E
"REVISÃO", NA HISTORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA. EMENDA OU
REVISÃO, COMO PROCESSOS DE MUDANCA NA CONSTITUIÇÃO, SÃO
MANIFESTAÇÕES DO PODER CONSTITUINTE INSTITUIDO E, POR SUA
NATUREZA, LIMITADO. ESTA A "REVISÃO" PREVISTA NO ART. 3. DO
ADCT DE 1988 SUJEITA AOS LIMITES ESTABELECIDOS NO PARAGRAFO
4. E SEUS INCISOS, DO ART. 60, DA CONSTITUIÇÃO. O RESULTADO DO
PLEBISCITO DE 21 DE ABRIL DE 1933 NÃO TORNOU SEM OBJETO A
REVISÃO A QUE SE REFERE O ART. 3. DO ADCT. APÓS 5 DE OUTUBRO
DE 1993, CABIA AO CONGRESSO NACIONAL DELIBERAR NO SENTIDO
DA OPORTUNIDADE OU NECESSIDADE DE PROCEDER A ALUDIDA
REVISÃO CONSTITUCIONAL, A SER FEITA "UMA SÓ VEZ". AS
MUDANCAS NA CONSTITUIÇÃO, DECORRENTES DA "REVISÃO" DO
ART. 3. DO ADCT, ESTAO SUJEITAS AO CONTROLE JUDICIAL, DIANTE
DAS "CLAUSULAS PETREAS" CONSIGNADAS NO ART. 60, PAR. 4. E SEUS
INCISOS, DA LEI MAGNA DE 1988. NÃO SE FAZEM, ASSIM,
CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA
LIMINAR, SUSPENDENDO A EFICACIA DA RESOLUÇÃO N. 01, DE 1993 -
RCF, DO CONGRESSO NACIONAL, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA
AÇÃO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.”

A forma de governo, portanto, pretende indicar as raízes do poder político e a


relação entre governantes e governados. A história republicana do Brasil foi dividida em

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

vários momentos distintos, desde a “república do café com leite”, no início do século XX, à
república ditatorial da década de sessenta. Em 1988, foi inaugurada uma nova república,
com bases democráticas mais sólidas, lastreada pelo sufrágio universal, e pela afirmação
formal dos direitos e garantias fundamentais. De acordo com a CRFB, podemos dizer quer
o princípio republicano é defendido expressa ou implicitamente como princípio
fundamental, preceito fundamental, princípio constitucional sensível, e, segundo José
Afonso da Silva, ainda é uma limitação material implícita ao poder reformador, tendo em
vista que o povo confirmou, no plebiscito de 1993, a opção por esta forma de governo,
petrificando-a.

2. Responsabilidades e imunidades do Presidente da República

Além do princípio republicano, o Brasil adotou também o princípio presidencialista,


bem exposto no artigo 76 da CRFB:

“Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado


pelos Ministros de Estado.”

O Presidente da República é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e de Governo.


Como chefe de Estado, representa o Brasil em relações internacionais, e unifica as relações
internas. Como chefe de Governo, administra as questões internas de gestão estatal.
Cumulando estas funções, com a alta carga de responsabilidade que o cargo impõe,
surge para o Presidente a necessidade de contar com algumas imunidades para desempenho
da função. As imunidades formais estão no artigo 86 da CRFB, e se dividem em imunidade
à prisão e imunidade ao processo:

“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da
Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos
crimes de responsabilidade.
§ 1º - O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo
Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado
Federal.
§ 2º - Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver
concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular
prosseguimento do processo.
§ 3º - Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o
Presidente da República não estará sujeito a prisão.
§ 4º - O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser
responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”

A imunidade prisional, imunidade à prisão cautelar, vem no § 3º do artigo supra:


enquanto não sobrevier sentença condenatória criminal transitada em julgado, não haverá
prisão do Presidente da República.
Há um julgamento expressivo do STF, no qual se abordou a questão das
imunidades, não especificamente do Presidente, mas conceitualmente. É o HC 89.417,
constante do informativo 437 do STF:

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“Operação Dominó: Princípio do Juiz Natural e Imunidade Parlamentar - 1


A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado em favor do Presidente
da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, denunciado, com terceiros, com
base em investigações procedidas na denominada "Operação Dominó", pela
suposta prática, como líder de organização criminosa, dos delitos de formação de
quadrilha, corrupção, exploração de prestígio, concussão, lavagem de dinheiro e
outros. No caso, a prisão cautelar do paciente fora decretada em virtude do estado
de flagrância decorrente do crime de quadrilha. Alegava a impetração: a)
incompetência de Ministra do STJ para determinar a custódia e, em conseqüência,
julgar a ação penal proposta perante aquela Corte e b) nulidade da prisão, por
inobservância da imunidade parlamentar (CF, art. 53, § 3º, c/c o art. 27, § 1º), haja
vista que esta somente permitiria a prisão em flagrante de crime inafiançável, a
qual deve ser comunicada à Assembléia Legislativa do referido Estado-membro,
para que os seus pares possam resolver sobre a medida. Ainda aduzia que, na
espécie, a prisão seria incabível, dada a afiançabilidade do crime de quadrilha. HC
89417/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 22.8.2006. (HC-89417)”

“Operação Dominó: Princípio do Juiz Natural e Imunidade Parlamentar - 2


Com relação à incompetência da autoridade coatora, considerou-se inexistente a
alegada ofensa ao princípio do juiz natural. Asseverou-se que, na hipótese, a
presença de membros do Tribunal de Justiça local e do Tribunal de Contas do
Estado, supostos integrantes da aludida organização criminosa, atrairia a
competência do STJ para processar e julgar o paciente. Assim, tendo em conta a
conexão entre os processos, os demais co-réus deveriam ser julgados perante o
foro da autoridade detentora da prerrogativa de função. Concluiu-se, destarte, que a
decisão impugnada encontrava-se em consonância com as normas constitucionais e
infraconstitucionais (CPP, artigos 77 e 78), bem como com a jurisprudência
prevalente sobre a matéria (Enunciado da Súmula 704 do STF). HC 89417/RO, rel.
Min. Cármen Lúcia, 22.8.2006. (HC-89417)”

“Operação Dominó: Princípio do Juiz Natural e Imunidade Parlamentar - 3


No tocante à imunidade parlamentar, ressaltou-se que o presente caso não
comportaria interpretação literal da regra proibitiva da prisão de parlamentar (CF,
art. 53, §§ 2º e 3º), e sim solução que conduzisse à aplicação efetiva e eficaz de
todo o sistema constitucional. Aduziu-se que a situação descrita nos autos
evidenciaria absoluta anomalia institucional, jurídica e ética, uma vez que
praticamente a totalidade dos membros da Assembléia Legislativa do Estado de
Rondônia estaria indiciada ou denunciada por crimes relacionados à mencionada
organização criminosa, que se ramificaria por vários órgãos estatais. Assim, tendo
em conta essa conjuntura, considerou-se que os pares do paciente não disporiam de
autonomia suficiente para decidir sobre a sua prisão, porquanto ele seria o suposto
chefe dessa organização. Em conseqüência, salientou-se que aplicar o pretendido
dispositivo constitucional, na espécie, conduziria a resultado oposto ao buscado
pelo ordenamento jurídico. Entendeu-se, pois, que à excepcionalidade do quadro
haveria de corresponder a excepcionalidade da forma de interpretar e aplicar os
princípios e regras constitucionais, sob pena de se prestigiar regra de exceção que
culminasse na impunidade dos parlamentares. O Min. Sepúlveda Pertence destacou
em seu voto a incidência do art. 7º da Lei 9.034/95, que veda a concessão de fiança
aos integrantes de crime organizado, o qual compreende o delito de quadrilha.
Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio que deferiam o writ
ao fundamento de ser aplicável a imunidade parlamentar. HC 89417/RO, rel. Min.
Cármen Lúcia, 22.8.2006. (HC-89417)”

Quanto à imunidade processual, esta está no artigo 86, caput, da CRFB, supra. Esta
imunidade significa que o próprio povo deve fazer um juízo de admissibilidade da acusação

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

contra o Presidente, juízo este que é feito pela Câmara dos Deputados, a casa do povo no
Congresso. É preciso a reunião de trezentos e quarenta e dois votos dos deputados para que
o Presidente possa ser processado por crime, e, mesmo que haja esta admissibilidade, o
STF ainda pode não admitir a denúncia, por motivos técnicos. Há, portanto, uma
admissibilidade política na Câmara, que deve ser obrigatoriamente observada pelo Senado,
e há uma admissibilidade jurídica, feita no STF.
A prerrogativa de foro do Presidente se limita aos crimes comuns e de
responsabilidade. Questões trabalhistas, de família, tributárias, etc, nada disso pertine a este
foro ou a esta questão das imunidades.
Na forma do artigo 86, caput, da CRFB, portanto, a Câmara dos Deputados realiza o
juízo de admissibilidade das acusações criminais e políticas contra o Presidente,
considerando-se aprovadas tais acusações quando votadas positivamente por ao menos
dois terços dos votos favoráveis dos deputados. Não há prerrogativa de foro para
julgamento do Presidente para questões que não se refiram a crime comum ou a crime de
responsabilidade.
A denúncia criminal contra o Presidente é apresentada pelo PGR, e, se for queixa, a
própria vítima do crime de ação penal privada. Nos crimes de responsabilidade, porém,
qualquer cidadão (tecnicamente considerado, ou seja, aquele em pleno gozo dos direitos
políticos) é legitimado para tal persecução perante a Câmara, na forma do artigo 14 da Lei
1.079/50:
“Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou
Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos
Deputados.”

O caso Collor é absolutamente emblemático em nosso país. O impeachment deste


ex-Presidente é marco na história da responsabilidade presidencial brasileira. Neste
processo, ocorreu a seguinte dinâmica: houve a admissibilidade da representação por crime
de responsabilidade perante a Câmara, mas antes da deposição do Presidente, este
renunciou, com vistas a manter a sua elegibilidade, direito que seria perdido se cassado
fosse. Como renunciou, pretendeu o acusado, em mandado de segurança, impedir que fosse
concretizado o impeachment, ao argumento de que perdera o objeto, mas o STF entendeu
que não era relevante sua renúncia, ante as consequências do processo – mantendo-o em
curso até o impeachment final.
Por meio do MS 21.689, Collor questionou o julgamento perante o Senado, tendo
em vista o oferecimento de sua renúncia. O STF decidiu que, como a renúncia foi oferecida
após iniciada a sessão de julgamento perante o Senado, e como a perda do cargo não era a
única sanção a que estaria sujeito, com base no artigo 52, parágrafo único, da CRFB, a
renúncia não prejudicou seu julgamento.

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos
com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)
II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do
Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o
Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de
responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente
o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será
proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com
inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das
demais sanções judiciais cabíveis.”

Veja a ementa do mandamus:

“MS 21689 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 16/12/1993. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Publicação: DJ 07-04-1995.
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. "IMPEACHMENT". CONTROLE
JUDICIAL. "IMPEACHMENT" DO PRESIDENTE DA REPUBLICA. PENA DE
INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. C.F., art. 52,
paragrafo único. Lei n. 27, de 07.01.1892; Lei n. 30, de 08.01.1892. Lei n. 1.079,
de 1950. I. - Controle judicial do "impeachment": possibilidade, desde que se
alegue lesão ou ameaça a direito. C.F., art. 5., XXXV. Precedentes do S.T.F.: MS n.
20.941-DF (RTJ 142/88); MS n. 21.564-DF e MS n. 21.623-DF. II. - O
"impeachment", no Brasil, a partir da Constituição de 1891, segundo o modelo
americano, mas com características que o distinguem deste: no Brasil, ao contrario
do que ocorre nos Estados Unidos, lei ordinaria definira os crimes de
responsabilidade, disciplinara a acusação e estabelecera o processo e o julgamento.
III. - Alteração do direito positivo brasileiro: a Lei n. 27, de 1892, art. 3.,
estabelecia: a) o processo de "impeachment" somente poderia ser intentado durante
o periodo presidencial; b) intentado, cessaria quando o Presidente, por qualquer
motivo, deixasse definitivamente o exercício do cargo. A Lei n. 1.079, de 1950,
estabelece, apenas, no seu art. 15, que a denuncia só podera ser recebida enquanto
o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo. IV.
- No sistema do direito anterior a Lei 1.079, de 1950, isto e, no sistema das Leis n.s
27 e 30, de 1892, era possivel a aplicação tão somente da pena de perda do cargo,
podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro
cargo (Constituição Federal de 1891, art. 33, par. 3.; Lei n. 30, de 1892, art. 2.),
emprestanto-se a pena de inabilitação o caráter de pena acessoria (Lei n. 27, de
1892, artigos 23 e 24). No sistema atual, da Lei 1.079, de 1950, não e po ssivel a
aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume
caráter de acessoriedade (C.F., 1934, art. 58, par. 7.; C.F., 1946, art. 62, par. 3. C.F.,
1967, art. 44, parag. único; EC n. 1/69, art. 42, parag.inico; C.F., 1988, art. 52,
parag. único. Lei n. 1.079, de 1950, artigos 2., 31, 33 e 34). V. - A existência, no
"impeachment" brasileiro, segundo a Constituição e o direito comum (C.F., 1988,
art. 52, parag. único; Lei n. 1.079, de 1950, artigos 2., 33 e 34), de duas penas: a)
perda do cargo; b) inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.
VI. - A renuncia ao cargo, apresentada na sessão de julgamento, quando ja iniciado
este, não paralisa o processo de "impeachment". VII. - Os princípios
constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa (C.F., art. 37).
VIII. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente aos crimes de
responsabilidade dos Prefeitos Municipais, na forma do Decreto-lei 201, de
27.02.1967. Apresentada a denuncia, estando o Prefeito no exercício do cargo,
prosseguira a ação penal, mesmo após o termino do mandato, ou deixando o
Prefeito, por qualquer motivo, o exercício do cargo. IX. - Mandado de segurança
indeferido.”

O § 4º do artigo 86 da CRFB é de exegese intrincada. Diz este dispositivo que


Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por
atos estranhos ao exercício de suas funções. Primeira conclusão que se deve asseverar sobre

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

este teor é que se refere a responsabilidade criminal. Neste sentido, entende-se que o
Presidente não será julgado por crimes comuns que não sejam associados a suas funções
presidenciais. Por estes, associados à função – crimes contra a administração pública, em
regra –, será sim julgado, e o foro é o STF. De acordo com este parágrafo, podemos
concluir que o STF não tem competência para julgar o Presidente por crimes cometidos
antes de sua diplomação, tampouco por crimes não correlatos à função presidencial, ainda
que cometidos durante o mandato. A contrário senso, o STF poderá julgar o Presidente por
crimes contra a administração pública, eis que correlatos à atividade – é a cláusula de
irresponsabilidade relativa do Presidente.

2.1. Imunidades dos governadores e prefeitos

A CRFB só traz duas previsões sobre a responsabilidade destas autoridades, e ambas


apenas se referem apenas à competência:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara
Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça; (Renumerado do
inciso VIII, pela Emenda Constitucional nº 1, de 1992)
(...)”

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes
e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e
do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
(...)”

A imunidade formal quanto à prisão, a imunidade processual, e a cláusula de


irresponsabilidade penal relativa seriam estendidas a governadores e prefeitos?
A simetria é princípio utilizado quando se vê uma similitude quase absoluta entre as
situações federal, estadual e municipal. Ocorre que neste caso não há esta similitude: o
presidente é o único cargo em que o ocupante cumula funções de chefe de Estado e de
Governo; os prefeitos e governadores são somente chefes de Governo. Por isso, as
imunidades deste cargo são adstritas a ele. Para além disso, a imunidade é uma exceção,
pois a regra é a responsabilidade, sendo excepcional a irresponsabilidade – e como exceção,
sua interpretação é restritiva.
Como consequência desta interpretação, qualquer atribuição destas imunidades aos
prefeitos ou governadores, em Constituições estaduais ou leis orgânicas municipais, é
inconstitucional, pois afronta o princípio republicano. A única imunidade que o STF
permite ser entregue a estes agentes políticos é a formal processual, pois entende que sendo
meramente procedimental, não tem o condão de afrontar a responsabilidade, regra geral.

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Casos Concretos

Questão 1

O Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República


dirigiu ofício ao Governador do Estado X, para informar a existência de indícios de
possível invasão de Trabalhadores Rurais na Fazenda do Presidente da República.
O Presidente da República decidiu empregar preventivamente as Forças Armadas para
guarnecer o seu imóvel.
O Estado X ajuizou mandado de segurança com pedido de liminar, sustentando que
a atuação das Forças Armadas somente pode ser utilizada "para a garantia da lei e da
ordem, por expressa disposição do legislador complementar, após esgotados os
instrumentos destinados à preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, relacionado no artigo 144 da Constituição Federal. E, não obstante a clareza
do texto constitucional, a autoridade coatora, de forma arbitrária e ilegal, determinou o
emprego das Forças Armadas para a proteção de propriedade particular, sendo viável
apenas a medida judicial - interdito proibitório - como forma de preservação da posse da
referida fazenda".
Nas informações, consta que o emprego preventivo das Forças Armadas foi para
garantir a segurança do Presidente da República, e não do cidadão, já que a suposta
invasão tinha o propósito de pressioná-lo e desmoralizá-lo perante a opinião pública,
visando atingir o Chefe de Governo e Chefe de Estado.
Pergunta-se: Pode o Presidente da República determinar a intervenção das Forças
Armadas perante o fato mencionado acima? Deve ser concedida ou não a segurança?
Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

As forças armadas devem preservar a Presidência da República, comandante


supremo das forças, tal como dispõe o artigo 84, XIII, da CRFB:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e
nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 23, de 02/09/99)
(...)”

Ocorre que a ofensa deve ser à figura do Presidente, e não ao cidadão que ocupa a
presidência, em seus bens privados. In casu, pode-se considerar que há, de fato, um
atentado ao chefe do Executivo, pelo que a medida foi correta. Se se interpretar que a
ofensa nada tem a ver com o cunho político da pessoa, aí então esta intervenção seria
indevida, e a segurança concedida.
No MS 23.766, o STF entendeu que de acordo com o artigo 84, XIII, da CRFB,
supra, combinado com o artigo 142 da CRFB, o Presidente agiu bem ao encaminhar as
forças armadas para a defesa de sua residência, tendo em vista que a ordem pública teria
sido afetada com a ameaça à residência do Presidente, e por isso a segurança deve ser
denegada.

“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
§ 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-
lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas
pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da
reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e,
juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil
permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
III - O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou
função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta,
ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer
nessa situação, ser promovido por antigüidade, contando-se-lhe o tempo de serviço
apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois
anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da
lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 18, de 1998)
V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou


com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em
tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 18, de 1998)
VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade
superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao
julgamento previsto no inciso anterior; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
18, de 1998)
VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII,
XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 18, de 1998)
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a
estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os
direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais
dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas
cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 18, de 1998)”

Veja a decisão do STF:

“MS 23766 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NO


MANDADO DE SEGURANÇA. Relator Min. NELSON JOBIM. Julgamento:
16/09/2000. Publicação: DJ 21-09-00.
(...)
4.4. A questão da propriedade privada.
A Inicial desqualifica a decisão tomada, porque destinada a proteger propriedade
privada. As Informações sustentam: "... a iminente invasão pelo MST não visava a
atingir o cidadão Fernando Henrique Cardoso, mas sim a pessoa do PRESIDENTE
DA REPÚBLICA, com o indisfarçável propósito de pressioná-lo e desmoralizá-lo
perante a opinião pública. Em outras palavras, tinha fim político, visava a atingir o
Chefe de Governo e Chefe de Estado. Afigura-se, portanto, obrigatório o emprego
preventivo do Batalhão da Guarda Presidencial para garantir o Poder Executivo
Constitucional, representado pelo Presidente da República" (Informações, fls. 09).
E, concluem: "... a atuação da União Federal, no caso presente, não deve levar em
consideração a situação do imóvel que se constitui como domicílio eventual do
Presidente da República, para os fins do emprego do Batalhão da Guarda
Presidencial para a proteção da autoridade contra constrangimentos potencialmente
lesivos à ordem pública e institucional" (Informações, fls. 10).
Efetivamente, para os objetivos de segurança e manutenção de autoridade, é
irrelevante aqualificação jurídica dos imóveis utilizados pelo Senhor Presidente da
República. Relevante é a identificação ou o vínculo do imóvel com a figura do
Chefe do Poder Executivo. Trata-se de preservação da autoridade institucional.
4.5. Conclusão.
A teor das correspondências trocadas, a autoridade federal indicou, para o caso, a
"adoção de medidas preventivas". As autoridades estaduais, diante do teor das
informações e solicitações das autoridades federais, afirmaram terem detectado
"apenas a realização de uma reunião" (fls. 17). Pediram indicação das "... fontes
que deram origem às informações ..." (fls. 17) Não explicitaram as providências
que tomariam. A autoridade federal deu interpretação razoável às respostas da
autoridade estadual. A intenção de invasão ilegítima e política pelo MST era
notória. Havia o precedente de julho deste ano.
A conduta da autoridade federal mostrou-se, diante das circunstâncias e para os
efeitos de apreciação liminar, autorizada pela sistema constitucional e legal. A
preservação da lei e da ordem é função das forças federais.
A decisão de seu emprego independe de manifestações das autoridades estaduais.

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EMERJ – CP V Direito Constitucional V

O pedido, para efeitos de liminar, não atende os necessários requisitos.


De resto, a liminar seria satisfativa. Indefiro.
Ouça-se o Senhor Procurador-Geral da República.
Brasília, 16 de setembro de 2.000.
Ministro NELSON JOBIM
Relator”

Questão 2

Determinado estado da Federação, por intermédio de seu poder constituinte


derivado decorrente, repete em sua Carta norma similar à contida nos §§ 3º e 4º, do art.
86 da Constituição Federal, conferindo ao Governador prerrogativa equivalente à
estabelecida para o Presidente da República. Entende o Poder Legislativo estadual que tal
norma, por tratar de relação entre as funções decorrentes do Poder estatal, a qual pugna
pela independência e harmonia entre elas, é de observância obrigatória pelas unidades
federadas. Visa a norma assegurar o pleno exercício do mandato do Governador,
afastando a possibilidade de eventual intervenção indireta por causa diferente da prevista
no art. 34 da CF. Analise a questão da constitucionalidade de tal dispositivo inserto em
Carta estadual, confrontando-a com o Princípio Republicano, o qual postula a
responsabilidade dos governantes, bem como a competência legislativa para dispor sobre
restrição da liberdade dos agentes políticos.

Resposta à Questão 2

Nas ADIS 425, 978 e 1.022, abaixo transcritas, o STF decidiu que como
governadores e prefeitos não exercem as mesmas atividades do Presidente da República,
tendo em vista que são chefes de Governo, mas não são chefes de Estado – função esta
exclusiva do Presidente –, o princípio da simetria não se aplica. Ademais, o princípio
republicano determina a responsabilidade dos governantes, e essas cláusulas de
irresponsabilidade devem ser analisadas de forma restrita.
Com isso, o STF decidiu que o artigo 86, §§ 3º e 4º, da CRFB, são exclusivos do
Presidente. Quanto à imunidade formal processual, nada impede que seja estendida ao
chefe de governo estadual e municipal.

“ADI 425 / TO – TOCANTINS. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA.
Julgamento: 04/09/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 19-12-
2003.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR.
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. PROCESSO LEGISLATIVO. MEDIDA
PROVISÓRIA. COMPETËNCIA DO GOVERNADOR PARA EDITÁ-LA.
AUMENTO DE REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS.
INICIATIVA. DOAÇÃO DE BENS DO ESTADO. MAJORAÇÃO DO
PERCENTUAL DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS NA ARRECADAÇÃO
DO ICMS. EFICÁCIA LEGAL LIMITADA NO TEMPO. PREJUDICIALIDADE.
1. Podem os Estados-membros editar medidas provisórias em face do princípio da
simetria, obedecidas as regras básicas do processo legislativo no âmbito da União
(CF, artigo 62). 2. Constitui forma de restrição não prevista no vigente sistema
constitucional pátrio (CF, § 1º do artigo 25) qualquer limitação imposta às
unidades federadas para a edição de medidas provisórias. Legitimidade e

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

facultatividade de sua adoção pelos Estados-membros, a exemplo da União


Federal. 3. Lei 219/90. Reajuste de remuneração dos cargos de confiança exercidos
por servidores do Estado. Iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.
Legitimidade. Inexistência de afronta ao princípio da moralidade. Pedido
improcedente. 4. Lei 220/90. Autorização legislativa para venda e doação de lotes
situados em área urbana específica. Política habitacional implantada na Capital de
Estado em fase de consolidação. Ausência de violação à Carta Federal.
Improcedência. 5. Lei 215/90. Ofensa ao princípio da separação dos Poderes por
norma que atribui ao Governador autorização para dispor, segundo sua
conveniência, de bens públicos do Estado, sem especificá-los. Instrumento
anômalo de delegação de poderes. Inobservância do processo legislativo
concernente às leis delegadas. Ação, no ponto, julgada procedente. 6. Lei 218/90.
Elevação do percentual da arrecadação do ICMS a ser repassado aos Municípios
por repartição das receitas tributárias, no período compreendido entre os anos de
1990 e 1995. Suspensã o cautelar. Regra cuja eficácia exauriu-se pelo decurso do
tempo de sua vigência. Pedido prejudicado por perda superveniente do objeto.
Ação direta julgada procedente em parte para declarar a inconstitucionalidade da
Lei estadual 215/90.”
“ADI 978 / PB – PARAIBA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
Relator Min. ILMAR GALVÃO. Relator p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO.
Julgamento: 19/10/1995. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 24-11-
1995.
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAIBA - OUTORGA DE
PRERROGATIVAS DE CARÁTER PROCESSUAL PENAL AO
GOVERNADOR DO ESTADO - IMUNIDADE A PRISÃO CAUTELAR E A
QUALQUER PROCESSO PENAL POR DELITOS ESTRANHOS A FUNÇÃO
GOVERNAMENTAL - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO
REPUBLICANO - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA
UNIÃO - PRERROGATIVAS INERENTES AO PRESIDENTE DA REPUBLICA
ENQUANTO CHEFE DE ESTADO (CF/88, ART. 86, PAR. 3. E 4.) - AÇÃO
DIRETA PROCEDENTE. PRINCÍPIO REPUBLICANO E
RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES. - A responsabilidade dos
governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais a configuração
mesma da ideia republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do
Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista basica do regime
democratico, constitui consequencia necessaria da forma republicana de governo
adotada pela Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir da
ideia central que lhe e subjacente, o dogma de que todos os agentes publicos - os
Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente
responsaveis perante a lei. RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR
DO ESTADO. - Os Governadores de Estado - que dispoem de prerrogativa de foro
ratione muneris perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a) - estao
permanentemente sujeitos, uma vez obtida a necessaria licenca da respectiva
Assembléia Legislativa (RE 153.968-BA, Rel. Min. ILMAR GALVAO; RE
159.230-PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), a processo penal
condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas sejam estranhas ao
exercício das funções governamentais. - A imunidade do Chefe de Estado a
persecução penal deriva de cláusula constitucional exorbitante do direito comum e,
por traduzir consequencia derrogatória do postulado republicano, só pode ser
outorgada pela propria Constituição Federal. Precedentes: RTJ 144/136, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE; RTJ 146/467, Rel. Min. CELSO DE MELLO. Analise
do direito comparado e da Carta Politica brasileira de 1937. IMUNIDADE A
PRISÃO CAUTELAR - PRERROGATIVA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA -
IMPOSSIBILIDADE DE SUA EXTENSAO, MEDIANTE NORMA DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, AO GOVERNADOR DO ESTADO. - O Estado-

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

membro, ainda que em norma constante de sua propria Constituição, não dispõe de
competência para outorgar ao Governador a prerrogativa extraordinária da
imunidade a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporaria, pois a
disciplinação dessas modalidades de prisão cautelar submete-se, com
exclusividade, ao poder normativo da União Federal, por efeito de expressa reserva
constitucional de competência definida pela Carta da Republica. - A norma
constante da Constituição estadual - que impede a prisão do Governador de Estado
antes de sua condenação penal definitiva - não se reveste de validade jurídica e,
consequentemente, não pode subsistir em face de sua evidente incompatibilidade
com o texto da Constituição Federal. PRERROGATIVAS INERENTES AO
PRESIDENTE DA REPUBLICA ENQUANTO CHEFE DE ESTADO. - Os
Estados-membros não podem reproduzir em suas proprias Constituições o
conteudo normativo dos preceitos inscritos no art. 86, PAR.3. e 4., da Carta
Federal, pois as prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental -
por serem unicamente compativeis com a condição institucional de Chefe de
Estado - são apenas extensiveis ao Presidente da Republica.”
“ADI 1022 / RJ - RIO DE JANEIRO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. ILMAR GALVÃO. Relator p/
Acórdão: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 19/10/1995. Órgão Julgador:
TRIBUNAL PLENO. Publicação: DJ 17-11-1995.
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - OUTORGA DE
PRERROGATIVAS DE CARÁTER PROCESSUAL PENAL AO
GOVERNADOR DO ESTADO - IMUNIDADE A PRISÃO CAUTELAR E A
QUALQUER PROCESSO PENAL POR DELITOS ESTRANHOS A FUNÇÃO
GOVERNAMENTAL - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO
REPUBLICANO - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA
UNIÃO - PRERROGATIVAS INERENTES AO PRESIDENTE DA REPUBLICA
ENQUANTO CHEFE DE ESTADO (CF/88, ART. 86, par. 3. E 4.) - AÇÃO
DIRETA PROCEDENTE. PRINCÍPIO REPUBLICANO E
RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES. - A responsabilidade dos
governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais a configuração
mesma da ideia republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do
Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista basica do regime
democratico, constitui consequencia necessaria da forma republicana de governo
adotada pela Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir da
ideia central que lhe e subjacente, o dogma de que todos os agentes publicos - os
Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente
responsaveis perante a lei. RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR
DO ESTADO. - Os Governadores de Estado - que dispoem de prerrogativa de foro
ratione muneris perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a) - estao
permanentemente sujeitos, uma vez obtida a necessaria licenca da respectiva
Assembléia Legislativa (RE 153.968-BA, Rel. Min. ILMAR GALVAO; RE
159.230-PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), a processo penal
condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas sejam estranhas ao
exercício das funções governamentais. - A imunidade do Chefe de Estado a
persecução penal deriva de cláusula constitucional exorbitante do direito comum e,
por traduzir consequencia derrogatória do postulado republicano, só pode ser
outorgada pela propria Constituição Federal. Precedentes: RTJ 144/136, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE; RTJ 146/467, Rel. Min. CELSO DE MELLO. Analise
do direito comparado e da Carta Politica brasileira de 1937. IMUNIDADE A
PRISÃO CAUTELAR - PRERROGATIVA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA -
IMPOSSIBILIDADE DE SUA EXTENSAO, MEDIANTE NORMA DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, AO GOVERNADOR DO ESTADO. - O Estado-
membro, ainda que em norma constante de sua propria Constituição, não dispõe de
competência para outorgar ao Governador a prerrogativa extraordinária da

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

imunidade a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporaria, pois a


disciplinação dessas modalidades de prisão cautelar submete-se, com
exclusividade, ao poder normativo da União Federal, por efeito de expressa reserva
constitucional de competência definida pela Carta da Republica. - A norma
constante da Constituição estadual - que impede a prisão do Governador de Estado
antes de sua condenação penal definitiva - não se reveste de validade jurídica e,
consequentemente, não pode subsistir em face de sua evidente incompatibilidade
com o texto da Constituição Federal. PRERROGATIVAS INERENTES AO
PRESIDENTE DA REPUBLICA ENQUANTO CHEFE DE ESTADO. - Os
Estados-membros não podem reproduzir em suas proprias Constituições o
conteudo normativo dos preceitos inscritos no art. 86, par.3. e 4., da Carta Federal,
pois as prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental - por
serem unicamente compativeis com a condição institucional de Chefe de Estado -
são apenas extensiveis ao Presidente da Republica. Precedente: ADIn 978-PB, Rel.
p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO.”

Quanto à prerrogativa de foro, o STF entende que incumbe ao Estado membro, por
sua autonomia, decidir qual é o foro competente para julgamento do crime de
responsabilidade daquelas autoridades.
Tema X

O Poder Judiciário I. A estrutura judiciária. A autogestão dos Tribunais. O Supremo Tribunal Federal. O
Superior Tribunal de Justiça. Competências. Recurso Extraordinário. Recurso Especial. Súmula Vinculante.
Repercussão geral.

Notas de Aula19

1. Poder Judiciário

Por conceito, o Judiciário é o conjunto de órgãos do Estado que tem por dedicados a
exercer a função jurisdicional, função que consiste na solução de lides, no caso concreto
(em que pese a teoria revisionista entender que há juridição mesmo sem lide, como na
voluntária).
Lide é a pretensão resistida. A solução coercitiva destes conflitos de interesse
qualificados é monopólio do Estado, que, em regra, presta tal solução por meio do
Judiciário. Há alguns casos que a lei encaminha a solução a outros métodos, os subsitutivos
jurisdicionais, como a arbitragem; ou outros poderes, como quando encaminha ao
Congresso a competência para julgar o Presidente da República.
Interesses indisponíveis só podem ser compostos pelo Judiciário, eis que é este o
maquinário constitucionalmente erigido para tanto.
O Judiciário também desempenha atividades administrativas, não jurisdicionais,
necessárias à sua própria gestão: realiza concursos, organiza seus quadros, realiza
licitações, etc. E tem também função legislativa, quando elabora seus atos normativos, tal
como o regimento interno.
A característica fundamental da função jurisdicional é a sua definitividade: o
Judiciário cria normas concretas e individualizadas para solucionar lides, concretizando
normas que eram genéricas e abstratas. Esta definitividade inexiste na atividade

19
Aula ministrada pelo professor Ricardo Coimbra da Silva Starling Barcellos, em 15/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

administrativa, eis que a preclusão administrativa não consiste em qualidade de coisa


julgada.
Vale mencionar uma curiosidade: o processo que culminou na punição de Jesus
Cristo foi uma modalidade de jurisdição aceitável? A tal processo, a doutrina nomeia de
jurisdição empírica primitiva, sem bases estabelecidas, sem procedimento, julgando a
casuística conforme surge. É claro que, hoje, é inadmissível tal modelo, que é
completamente sem garantias. Vale dizer que, adiante, após a morte de Cristo, adotou-se o
modelo técnico burocrata de jurisdição, um pouco evoluído em relação ao anterior, eis que
a lei era aplicada por juízo pré constituído, mas sem qualquer orientação constitucional –
não existiam leis inválidas. Hoje, vige o modelo democrático contemporâneo, jurisdição na
qual há maior aperfeiçoamento técnico dos juizes, tendo estes um perfil técnico politizado
(não confundir-se com perfil partidarizado ou burocratizado), sendo permanente o controle
da constitucionalidade das leis que compõem o ordenamento. Neste modelo atual, há
também maior independência interna e externa do Judiciário.
Esta ideia de um Judiciário democrático contemporâneo é a que determina a atenção
do juízo à constitucionalidade e razoabilidade de todos os institutos, na dicção do direito. A
CRFB deve ser sempre observada, de forma a de fato ser promovida a vontade do povo.
1.1. Estrutura do Judiciário brasileiro

Os artigos 92 e 93 da CRFB formam a sede primária da organização judiciária


brasileira. A sua leitura é bastante, ante a clareza e literalidade dos dispositivos:

“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:


I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004)
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
§ 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais
Superiores têm sede na Capital Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
§ 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo
o território nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá


sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante
concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados
do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três
anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de
classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e
merecimento, atendidas as seguintes normas:
a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco
alternadas em lista de merecimento;

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva


entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta,
salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;
c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de
produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e
aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais
antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme
procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-
se a indicação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder
além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho
ou decisão; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento,
alternadamente, apurados na última ou única entrância; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de
magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a
participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e
aperfeiçoamento de magistrados; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e
cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal
Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados,
em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura
judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez
por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento
do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em
qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o
disposto no art. 40; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
VII o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por
interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do
respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIIIA a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual
entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a , b , c e e do inciso II;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente
a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no
sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública,
sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser
constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco
membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais
delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XII a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos
juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver
expediente forense normal, juízes em plantão permanente; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva
demanda judicial e à respectiva população; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
XIV os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e
atos de mero expediente sem caráter decisório; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
XV a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

O artigo seguinte trata do quinto constitucional:

“Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais
dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do
Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório
saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade
profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das
respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice,
enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de
seus integrantes para nomeação.”

O artigo 95 da CRFB cria as garantias dos membros do Poder Judiciário:

“Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:


I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de
exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal
a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada
em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93,
VIII;
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, §
4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de
magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos
três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

A vitaliciedade consiste em que o juiz só perderá seu cargo quando sentença


transitada em julgado assim o determinar. Sequer o CNJ pode interferir nesta garantia,
cabendo ao Pleno (ou ao Órgão Especial, se houver) do respectivo tribunal proferir tal

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

sentença. O máximo que o CNJ pode fazer, em punições a juizes, é impor a aposentadoria
compulsória, com proventos proporcionais.
A inamovibilidade determina que o juiz não poderá ser removido senão pelo
interesse público, a fim de que esta mudança de lotação não seja um fator desestabilizante
da função que desempenha.
Irredutibilidade de vencimentos é garantia dedicada a proteger o juiz de pressões
políticas, em prol da independência funcional.
O artigo supra contempla restrições aos juizes, em prol da ética e moralidade, além
de impor a dedicação ao cargo.
A independência administrativa, por seu lado, consiste na capacidade de auto
administração e auto gestão, com a escolha de seus membros de comando sendo feita no
próprio âmbito do Judiciário – com algumas exceções, como os Ministros do STF.
Por fim, vale dizer que o diploma que regulamenta a organização do Judiciário é a
Lei Orgânica da Magistratura Nacional, lei de iniciativa do STF. Hoje, esta norma é a Lei
Complementar 35/79.
Acerca da autonomia administrativa, a questão em voga, hoje, está no limite da
atuação do CNJ: até que ponto pode este órgão interferir na autonomia do Judiciário
Estadual?
O CNJ pretende exatamente esta interferência, traçando metodologia administrativa
linear, uniforme, em todos os órgãos do Judiciário estadual do Brasil. Mas é na definição do
limite desta inserção que tem havido discussões. Bom exemplo foi a limitação de cargos de
juiz auxiliar da presidência a dois, pois em tribunais complexos como o do Rio de Janeiro,
este número é irrazoável, pois ao menos cinco são necessários – pelo que a resolução
impondo dois seria afrontosa à razoabilidade (tendo sido adaptada ao caso concreto,
portanto, reconhecendo o CNJ a necessidade de cinco juizes auxiliares no TJ/RJ).
O que se vê, com isso, é que a autonomia administrativa tem sido realmente
mitigadas pelo CNJ, mas, desde que as medidas sejam razoáveis, esta intervenção do CNJ é
correta e bem vinda.
Os tribunais tem autonomia financeira: realizam proposta de orçamento, que deve
estar adstrita à responsabilidade fiscal. Além da fonte orçamentária, as custas e
emolumentos judiciais pertencem ao Judiciário, destinadas a fundo especial que deve ser
investido na estrutura física e logística do Poder (mas não na remuneração de servidores).

1.2. Supremo Tribunal Federal

O STF foi criado em 1826, mas só ganhou o caráter de corte constitucional na


CRFB de 1988, caráter este que se reforça a cada dia, especialmente por conta das decisões
de Gilmar Mendes.
Ser uma corte constitucional significa que o tribunal é o responsável pelo controle
concentrado e abstrato da constitucionalidade de leis, além do difuso, que incumbe a todo e
qualquer órgão jurisdicional. Mais do que isso, a corte constitucional se presta a tutelar a
vigência da Constituição – é a corte guardiã da constitucionalidade do ordenamento.
As decisões recentes do STF, especialmente do Ministro Gilmar Mendes, tem
reforçado este papel, emprestando fora definitiva à palavra do STF sobre a
constitucionalidade de determinados temas, a esta corte levada. Como exemplo desta força,
as súmulas vinculantes são o maior expoente, mas não só: a repercussão geral é também um

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

sério instrumento de qualificação da competência do STF, reduzindo seu alcance às


matérias realmente constitucionalmente relevantes.
Mas o mais importante movimento, nesta senda da configuração do STF como corte
constitucional, é a mutação do artigo 52, X, da CRFB. Veja:

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


(...)
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional
por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
(...)”

A leitura original deste dispositivo dizia que a decisão de inconstitucionalidade


proferida pelo STF em controle incidental só teria eficácia quando editada a resolução
senatorial neste sentido. Até então, não seria eficaz para todo o ordenamento. Hoje, operou-
se mutação da leitura deste dispositivo, passando-se a entender que a decisão proferida pelo
STF é eficaz erga omnes desde já, sendo a resolução senatorial mero implemento da
publicidade de tal decisão.
A súmula vinculante, pelo ensejo, é instituto versado na Lei 11.417/06, valendo
transcrever o artigo 2º deste diploma:
“Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma prevista nesta Lei.
§ 1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia
de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre
esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança
jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
§ 2º O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado,
manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de
súmula vinculante.
§ 3º A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito
vinculante dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do
Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.
§ 4º No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar
enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará
publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o
enunciado respectivo.”

Assim, a súmula vinculante tem lugar quando houver divergência asseverada nos
tribunais, de forma a gerar multiplicação desnecessária de processos alçando o STF, em
matéria que este já pacificou seu entendimento. Com a súmula, o processo deixa de alçar o
STF, senão em reclamação, quando desobedecido o comando sumulado.
A vinculação aos precedentes tem sido a orientação maior do STF e do STJ. O CNJ,
inclusive, tem resolução indicando que é critério objetivo de merecimento, para promoção,
a observância, pelos juízos inferiores, das súmulas dos tribunais superiores – havendo quem
critique esta posição, por ser violação da independência funcional.
Acerca da repercussão geral, requisito de qualidade da controvérsia que se quer
levar ao STF, é também meio de reduzir o acesso ao STF, reservando a esta Corte apenas o

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

que for relevante em espectro superior aos interesses daqueles envolvidos no processo em
questão. É preciso que a questão extrapole os limites subjetivos daquele processo.

1.3. Superior Tribunal de Justiça

O STJ tem por principal atribuição a uniformização de leis federais, o que promove
por meio do recurso especial – assim como o CNJ uniformiza a administração judiciária.
O recurso especial exige prequestionamento, pois é recurso de fundamentação
vinculada, não sendo possível analisar nenhuma matéria fática de forma inédita. O
cabimento do recurso especial é dedicado ao enfrentamento da matéria de violação a lei
federal, e não da análise e avaliação de provas. Veja a súmula 7 do STJ?
“Súmula 7, STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso
especial.”

Casos Concretos

Questão 1

Em que medida se aplica o princípio da eficiência ao Poder Judiciário, em suas


diversas funções?

Resposta à Questão 1

Este princípio é atinente à administração pública, mas apesar de exercer tipicamente


a atividade jurisdicional, o Poder Judiciário também exerce, de forma atípica, atividades
administrativas, e para estas o princípio tem vigência. Por exemplo, quando realiza um
concurso público, deve atender a este princípio nas etapas do certame.
Uma situação em que a eficiência, ao lado da impessoalidade e da moralidade, foi
norte da interpretação, foi a vedação ao nepotismo, imposta pela Resolução 7 do CNJ. Sem
nomeações espúrias, mas sim baseadas em mérito pessoal, a eficiência certamente é
promovida no Judiciário.
Na atividade judicante, propriamente, aplica-se a eficiência, mas não na forma que
se impõe sobre a administração: há uma especialização deste princípio para o Judiciário,
que consiste na prestação jurisdicional efetiva, princípio insculpido implicitamente no
artigo 5º, XXXV, da CRFB, sede do acesso à justiça, fruto da terceira onda reformista do
processo:

“(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;
(...)”

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 125


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Um Município do interior do Rio de Janeiro recorre de uma decisão do respectivo


Tribunal de Justiça que, dando provimento a um recurso do Ministério Público em autos de
ação civil pública, determinou que o Município oferecesse às crianças de até 5 (cinco)
anos de idade, atendimento em creche e em pré-escola, nos termos do art. 208, IV da
CRFB88. Em suas razões, alega que a decisão descumpriu diversos comandos
constitucionais, sobretudo a separação de poderes e a reserva do possível, já que, neste
caso, o Judiciário está promovendo políticas públicas, atribuição afeta ao Legislativo e ao
Executivo. Responda, fundamentadamente, como deve ser julgado o recurso do município.

Resposta à Questão 2

O Judiciário não deve se imiscuir, como regra geral, nas políticas públicas. Todavia,
há algumas políticas que a CRFB impõe que seja realizadas, e nestes casos a
discricionariedade da administração não contempla, ao administrador, a opção de não
implementar tal política. Para impor esta atuação, o Judiciário poderá, sim, ser acionado, e
é de sua competÊncia zelar pela efetividade constitucional.
Veja o Agravo de Instrumento 677.274, do STF, constante do informativo 520:
“AI 677274 / SP - SÃO PAULO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator Min.
CELSO DE MELLO. Julgamento:18/09/2008. Publicação: 01/10/2008.
EMENTA: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM
CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO
ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208,
IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL
DO DIREITO
CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO
SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF,
ART. 211, § 2º). AGRAVO IMPROVIDO.
- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que,
deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral,
e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e
o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta
significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta,
em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o
efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob
pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar,
injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de
prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.
- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança,
não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente
discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro
pragmatismo governamental.
- Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na
educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato
constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV,
da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação
da discricionariedade político- -administrativa dos entes municipais, cujas
opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não
podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples

Michell Nunes Midlej Maron 126


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole


social.
- Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e
Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se
possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais,
determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais
competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles
incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a
eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura
constitucional. A questão pertinente à “reserva do possível”. Doutrina.”

Questão 3

Trata-se de agravo de instrumento de decisão que inadmitiu Recurso


Extraordinário, em matéria criminal, sob o fundamento de que não foi atendido o "art.543-
A do CPC", eis que o agravante deixou "de dizer qual a relevância da interposição do
recurso extraordinário para a repercussão geral, para ser apreciado pelo Supremo
Tribunal Federal, como preliminar de admissão do recurso". Ressaltou-se, ademais, que "a
suposta contrariedade ao texto constitucional, caso existente, não seria de forma frontal ou
direta, como exige o Supremo Tribunal Federal". Na petição do agravo reiteram-se as
questões suscitadas no recurso extraordinário, acrescentando-se, verbis: "Impõe-se referir,
novamente, que deve ser anulada a r. decisão que negou seguimento ao recurso
extraordinário, visto que não se pode admitir que um julgador de primeiro grau, relator do
acórdão do recurso de apelação, seja competente para fazer o juízo de admissibilidade do
recurso extraordinário interposto contra o v. acórdão que relatara.
Caso Vossas Excelências assim não entendam, impõe-se, com a devida vênia, o
provimento do presente agravo de instrumento, conhecendo-se e provendo-se o recurso
extraordinário, a fim de cassar o v. acórdão recorrido, tendo em vista violação aos
princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal e
da proporcionalidade.
E não há como negar a relevância do recurso extraordinário interposto, visto que
se está tratando da liberdade, garantia fundamental e inafastável, mormente em razão de
cerceamento de defesa e violação ao princípio do contraditório, garantias de extrema e
inegável relevância.
ISSO POSTO, requer seja dado provimento ao recurso, conhecendo-se e provendo-
se o recurso extraordinário, cassando-se o v. acórdão recorrido, que violou os princípios
constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da
proporcionalidade, bem como violou a essência constitucional dos Juizados Especiais
Criminais.”
Indaga-se:
1) Repercussão geral é um conceito jurídico indeterminado? Quais matérias se
enquadram no conceito de repercussão geral?
2) A Lei nº. 11.418/06, que regulamentou o § 3º, artigo 102, da Constituição
Federal, aplica-se ao recurso extraordinário criminal? Justifique.
3) Pode-se afirmar que a repercussão geral é imanente em todo recurso
extraordinário em matéria criminal?

Michell Nunes Midlej Maron 127


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

4) O Tribunal de origem pode negar seguimento ao recurso alegando ausência de


repercussão geral?
5) Quais são os efeitos da decisão que reconhece ou não a repercussão geral?

Resposta à Questão 3

1) Sim: este conceito se preenche na casuística, pela análise de aspectos da relação


que preencham os quesitos da Lei 11.418/06, que acrescentou o artigo 543-A ao
CPC:

“Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá


do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não
oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de
questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a
súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
§ 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4
(quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os
recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão
da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de
terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal.
§ 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será
publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”

Havendo reconhecida repercussão geral, o recurso pode ser admitido.


A repercussão geral é identificada na casuística, e a análise é do STF, que
verificará se está suplantado o mero interesse das partes na causa, ou seja, se é
provável a multiplicidade de processos sobre o tema.
2) Sim: a repercussão geral é um requisito deste RE, aplicadas por analogia as
normas do CPC. Veja o AI 664.567, do STF:

“AI 664567 QO / RS - RIO GRANDE DO SUL. QUESTÃO DE ORDEM NO


AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator Min. MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE.
Julgamento: 18/06/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 06-09-2007
EMENTA: I. Questão de ordem. Recurso extraordinário, em matéria criminal e a
exigência constitucional da repercussão geral. 1. O requisito constitucional da
repercussão geral (CF, art. 102, § 3º, red. EC 45/2004), com a regulamentação da
L. 11.418/06 e as normas regimentais necessárias à sua execução, aplica-se aos
recursos extraordinários em geral, e, em conseqüência, às causas criminais. 2. Os
recursos ordinários criminais de um modo geral, e, em particular o recurso
extraordinário criminal e o agravo de instrumento da decisão que obsta o seu
processamento, possuem um regime jurídico dotado de certas peculiaridades -
referentes a requisitos formais ligados a prazos, formas de intimação e outros -
que, no entanto, não afetam substancialmente a disciplina constitucional reservada
a todos os recursos extraordinários (CF, art. 102, III). 3. A partir da EC 45, de 30 de

Michell Nunes Midlej Maron 128


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

dezembro de 2004 - que incluiu o § 3º no art. 102 da Constituição -, passou a


integrar o núcleo comum da disciplina constitucional do recurso extraordinário a
exigência da repercussão geral da questão constitucional. 4. Não tem maior relevo
a circunstância de a L. 11.418/06, que regulamentou esse dispositivo, ter alterado
apenas texto do Código de Processo Civil, tendo em vista o caráter geral das
normas nele inseridas. 5. Cuida-se de situação substancialmente diversa entre a L.
11.418/06 e a L. 8.950/94 que, quando editada, estava em vigor norma anterior que
cuidava dos recursos extraordinários em geral, qual seja a L. 8.038/90, donde não
haver óbice, na espécie, à aplicação subsidiária ou por analogia do Código de
Processo Civil. 6. Nem há falar em uma imanente repercussão geral de todo
recurso extraordinário em matéria criminal, porque em jogo, de regra, a liberdade
de locomoção: o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da inteligência
da Constituição, o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das
questões constitucionais nele versadas, assim entendidas aquelas que "ultrapassem
os interesses subjetivos da causa" (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 1º, incluído pela L.
11.418/06). 7. Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção - por
remotas que sejam -, há sempre a garantia constitucional do habeas corpus (CF, art.
5º, LXVIII). II. Recurso extraordinário: repercussão geral: juízo de
admissibilidade: competência. 1 . Inclui-se no âmbito do juízo de admissibilidade -
seja na origem, seja no Supremo Tribunal - verificar se o recorrente, em preliminar
do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especificamente voltada
para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral
(C.Pr.Civil, art. 543-A, § 2º; RISTF, art. 327). 2. Cuida-se de requisito formal, ônus
do recorrente, que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva
existência da repercussão geral, esta sim sujeita "à apreciação exclusiva do
Supremo Tribunal Federal" (Art. 543-A, § 2º). III. Recurso extraordinário:
exigência de demonstração, na petição do RE, da repercussão geral da questão
constitucional: termo inicial. 1. A determinação expressa de aplicação da L.
11.418/06 (art. 4º) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência
não significa a sua plena eficácia. Tanto que ficou a cargo do Supremo Tribunal
Federal a tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessárias à
execução da mesma lei (art. 3º). 2. As alterações regimentais, imprescindíveis à
execução da L. 11.418/06, somente entraram em vigor no dia 03.05.07 - data da
publicação da Emenda Regimental nº 21, de 30.04.2007. 3. No artigo 327 do
RISTF foi inserida norma específica t ratando da necessidade da preliminar sobre a
repercussão geral, ficando estabelecida a possibilidade de, no Supremo Tribunal, a
Presidência ou o Relator sorteado negarem seguimento aos recursos que não
apresentem aquela preliminar, que deve ser "formal e fundamentada". 4. Assim
sendo, a exigência da demonstração formal e fundamentada, no recurso
extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só
incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de
maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de
2007.”

3) A repercussão geral não é a relevância intrínseca da matéria para os litigantes,


pois se assim fosse toda matéria teria repercussão geral. Há este quesito quando a
matéria é relevante a uma significativa gama de pessoas, que estão em situação
similar – como o seria a questão da progressão de regime, por exemplo. Assim, nem
toda matéria criminal tem repercussão geral, só o tendo quando, literalmente,
repercutir em muitos casos.
4) Não: a análise da repercussão geral compete exclusivamente ao STF.
5) O artigo 543-B do CPC é relevante, pois ali está a resposta a esta questão:

Michell Nunes Midlej Maron 129


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em


idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste
artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos
da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os
demais até o pronunciamento definitivo da Corte. (Incluído pela Lei nº 11.418, de
2006).
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-
se-ão automaticamente não admitidos. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão
apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que
poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. (Incluído pela Lei nº 11.418, de
2006).
§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal,
nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão
contrário à orientação firmada. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as
atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão
geral. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).”

Tema XI

O Poder Judiciário II. Tribunais dos Estados - justiça itinerante. Justiça Eleitoral. Justiça Militar. Justiça do
Trabalho. EC/45. Conselho da Magistratura.

Notas de Aula20

1. Justiça do Eleitoral

A Justiça Eleitoral não é uma justiça de carreira: ela só funciona em processo


eleitoral, sendo que é o próprio juiz estadual quem desempenha a função eleitoral, no ano
eleitoral.
O TRE do Rio de Janeiro é composto por dois desembargadores estaduais, dois
juizes estaduais, um desembargador federal e dois advogados, estes nomeados pelo
Presidente da República. Em Estados que não sediam Tribunal Regional Federal, a presença
federal é feita por um juiz federal, e não por um desembargador.
O TSE é composto por três ministros do STF, dois do STJ, e dois advogados
também nomeados pelo Presidente da República.
Das questões resolvidas pelo TSE, cabe recurso extraordinário para o STF, quando
houver fundo constitucional.
As discussões judiciais em eleições para prefeitos e vereadores são de competência
do juízo monocrático eleitoral; para Governadores e deputados estaduais, é competente o
TRE; para senadores e deputados federais, também o TRE de origem (pois são também
cargos de eleição estadual). O TSE só é originariamente competente para discussões sobre
eleição de Presidente e Vice-Presidente da República.
20
Aula ministrada pelo professor Ricardo Coimbra da Silva Starling Barcellos, em 15/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 130


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

2. Justiça Militar

A Justiça Militar se divide em Federal e Estadual. A Justiça Militar Federal julga


membros das Forças Armadas, enquanto a Estadual julga apenas Policiais Militares e
Bombeiros Militares. Não cabe recurso da Justiça Militar Estadual para o STM.
A competência da Justiça Militar é para julgar crimes militares próprios, aqueles que
não são crimes no regramento penal comum, e casos de punições disciplinares, sobre as
quais o Judiciário controla apenas ao aspectos de legalidade e constitucionalidade.
Havendo conflito entre competência do Júri e competência militar, prevalece a do
Júri.
O artigo 9º do CPM é relevante:

“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:


I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei
penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição
especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição
na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma
situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à
administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou
civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza
militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar
contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299,
de 8.8.1996)
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da
reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a
administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996)
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra
as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no
inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem
administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade
ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar,
no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância,
observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função
de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e
preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente
requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.
Crimes militares em tempo de guerra
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum. (Parágrafo
incluído pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996).”

3. Justiça Estadual – Conselho da Magistratura – Justiça Itinerante

Michell Nunes Midlej Maron 131


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Antigamente, a função investigativa e sancionatória dos magistrados era marcante


atribuição do Conselho da Magistratura. Hoje, o conselho não mais desempenha esta
função, atuando basicamente em questões extrajudiciais, como em conflitos cartorários,
registrais – o recurso da decisão de primeira instância, nestes casos, é para o Conselho.
O Conselho também tem atuação normativa importante, mas não mais atua como
órgão jurisdicional, muito menos disciplinar.
Há uma regra maior que resolve boa parte dos problemas relacionados à definição
de competência: as normas de organização judiciária não afastam as regras de competência
traçadas pela lei. Por isso, se o CPC determina que a competência para uma lide
envolvendo acidente de trânsito é opcional, pelo autor, em seu domicílio ou o domicílio do
réu, ou o local do fato, não pode o Codjerj impor à Vara da Fazenda Pública esta
competência, se isto subverter a opção dada pelo CPC, quando o acidente envolver o
Estado como réu.
A Justiça Itinerante é literalmente a justiça instalada em um ônibus, que se
encaminha a áreas sem acesso à justiça para prestar jurisdição no que for possível,
sobremaneira em matérias de Juizados Especiais e Questões de Família.

Casos Concretos

Questão 1

É competente a Justiça estadual para conhecer e julgar ação de reparação de


danos com fundamento no art. 7º, XXVIII, da Constituição, ajuizada antes de 31 de
dezembro de 2004?

Resposta à Questão 1

Veja o julgado:

“CC 7204 / MG - MINAS GERAIS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Relator


Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 29/06/2005. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno. Publicação: DJ 09-12-2005.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO
DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO,
PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA
CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA
COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa
primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo
Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e
patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo
empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum
dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a
Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja
porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja

Michell Nunes Midlej Maron 132


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em


boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide
das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política
judiciária -- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda
tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa
--, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da
Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência
da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos
em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de
mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com
sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam at é o
trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda
não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se
encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se
impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a
Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam
exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição
Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia
prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos,
toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex
ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações
jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação
do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de
25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível
com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do
verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos
autos ao Tribunal Superior do Trabalho;”

Questão 2

A Coligação Democrática Ipubiense, no prazo legal, ingressou com uma ação de


impugnação ao pedido de registro da candidatura do pré-candidato a Prefeito do
Município de Ipubi/PE, Sr. Francisco.
A petição inicial sustenta, a inelegibilidade do pré-candidato, porque seria genro
do então Prefeito de Ipubi/PE ( artigo 14,§ 7º e art. 1º,§ 3º da Lei Complementar 64/90).
O respeitável Juízo da 129ª Zona Eleitoral de Ipubi/PE deferiu o registro da candidatura,
desacolhendo a impugnação, por entender que "o lapso temporal para que a sentença que
desconstituiu o casamento, este causador da inelegibilidade reflexa, transite em julgado,
na hipótese do titular com possibilidade de concorrer à reeleição, é o período de seis
meses antes do pleito eleitoral".
A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, em
acórdão assim ementado:
"Eleições municipais. Registro de candidatura. Inelegibilidade. Parentesco.
- Preliminar de 'incidenter tantum', argüição de inconstitucionalidade do artigo 13, §4º da
Resolução nº 21.608/TSE, afastada.
- Não configura inelegibilidade de ex-genro por não ter o ex-sogro se afastado do
primeiro mandato. Únicos concorrentes políticos.
- Separação de fato do genro e da filha do prefeito, comprovadamente ocorrida há
quatro (4) anos, antes do início do mandato do ex-sogro, consagrada a extinção do vínculo
matrimonial no exercício do primeiro mandato.".

Michell Nunes Midlej Maron 133


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Com o provimento do recurso especial pelo Tribunal Superior Eleitoral, interpôs o


candidato recurso extraordinário, o qual não foi admitido na origem. Houve agravo de
instrumento (AI 526942). Foi dado provimento, determinando a subida dos autos para
melhor exame do recurso extraordinário.
Alega, no recurso extraordinário, que "não se enquadra na hipótese de
inelegibilidade prevista no art. 14, §7º, da Constituição Federal a hipótese dos autos, que
se refere a ex-genro do atual prefeito [mandato 2001-2004], que teve divórcio transitado
em julgado no curso do mandato, aliás o primeiro do ex-sogro, que também é candidato a
reeleição" . Argumenta que, com a extinção do vínculo, não há se falar em cônjuge,
apontando, nesse sentido, o Acórdão nº 14.385 do TSE (rel. Min. Eduardo Ribeiro). Tal
entendimento teria sido alterado na Consulta TSE nº 888, rel. Min. Carlos Velloso, para
quem "se em algum momento do mandato existiu a relação de parentesco-a situação do
cônjuge ou de companheiro ou companheira- tem lugar a restrição prevista na regra
constitucional" .
Sustenta que a nova interpretação do art. 14, § 7º da CF, ampliativa, deixa de
considerar os efeitos da extinção da sociedade conjugal, pelo menos até o término do
mandato do titular do cargo do poder executivo, vez que permanecem os efeitos eleitorais
de um vínculo já desfeito.
Aduz contradição na jurisprudência do TSE, a qual não considera a separação de
fato para afastar a inelegibilidade, ao mesmo tempo em que entende ser a regra do art. 14,
§ 7º aplicável aos concubinos e aos que vivem em união estável.
Pergunta-se: Deve-se reconhecer a inelegibilidade reflexa no caso em exame? Qual
é o sentido da proteção constitucional do §7º, art. 14, da Carta Magna?

Resposta à Questão 2

Assim dispõe o artigo 145, § 7º, da CRFB, invocado na questão:

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes
consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da
República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito
ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se
já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
(...)”

A súmula vinculante 18 é relevante:

“Súmula Vinculante 18: A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no


curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do artigo 14 da
Constituição Federal.”

In casu, a separação foi antecedente à eleição, e mais, o candidato passou a


concorrer por outro partido, alheando-se, portanto, do precedente vinculante. A
inelegibilidade inexiste, no caso.
Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 134


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“RE 446999 / PE – PERNAMBUCO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relatora


Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 28/06/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação: DJ 09-09-2005. Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA AO CARGO DE PREFEITO.
ELEIÇÕES DE 2004. ART. 14, §7º DA CF. CANDIDATO SEPARADO DE FATO
DA FILHA DO ENTÃO PREFEITO. SENTENÇA DE DIVÓRCIO PROFERIDA
NO CURSO DO MANDATO DO EX-SOGRO. RECONHECIMENTO
JUDICIAL DA SEPARAÇÃO DE FATO ANTES DO PERÍODO VEDADO.
INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA REGRA DE INELEGIBILIDADE. 1. A
regra estabelecida no art. 14, §7º da CF, iluminada pelos mais basilares princípios
republicanos, visa obstar o monopólio do poder político por grupos hegemônicos
ligados por laços familiares. Precedente. 2. Havendo a sentença reconhecido a
ocorrência da separação de fato em momento anterior ao início do mandato do ex-
sogro do recorrente, não há falar em perenização no poder da mesma família
(Consulta nº 964/DF - Res./TSE nº 21.775, de minha relatoria). 3. Recurso
extraordinário provido para restabelecer o registro de candidatura.”

Questão 3

João foi excluído da Polícia Militar do Rio de Janeiro através de procedimento


administrativo em que não pode exercer o contraditório e a ampla defesa. Sob o
fundamento de tal nulidade, através da Defensoria Pública, ajuizou ação anulatória de
decisão disciplinar junto à Vara de Fazenda Pública. Na contestação, o Estado argüiu
preliminar de incompetência da Vara Fazendária em face do disposto no artigo 125, + 4º.,
da CRFB com a redação dada pela Emenda Constitucional nº. 45 apontando assim a
inexistência de pressuposto processual de constituição do processo, vez que a organização
judiciária local não fala em órgão de justiça militar estadual. Resolva,
fundamentadamente.

Resposta à Questão 3

A competência é da Vara da Fazenda Pública, na forma da súmula 131 do TJ/RJ, e


do julgado abaixo:

Súmula 131, TJ/RJ: Enquanto não editada a legislação infraconstitucional de que


trata o art. 125, par. 4., da Constituição Federal, a competência para julgar as ações
contra atos disciplinares militares continua sendo dos Juizes Fazendários.”

“0022895-72.2008.8.19.0000 (2008.008.00272) - CONFLITO DE


COMPETENCIA - 1ª Ementa. DES. ALEXANDRE H. VARELLA - Julgamento:
20/10/2008 - ORGAO ESPECIAL.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA suscitado pela Auditoria Militar em face da 1ª
Vara da FazendaPública, nos autos da ação cautelar proposta por ex-policiais
militares em face do Estado do Rio de Janeiro visando a anulação de ato
administrativo .A Emenda Constitucional 45/2004 e o art. 97 § 9º da lei 4913/06,
prevêem a competência do Juízo Fazendário em processos que versem sobre atos
disciplinares militares, cuidando-se, ainda, de que questão sumulada por este E.
Tribunal de Justiça através do verbete nº 131, que preleciona: "Enquanto não
editada a legislação infraconstitucional de que trata o art. 125, par. 4., da
Constituição Federal, a competência para julgar as ações contra atos disciplinares

Michell Nunes Midlej Maron 135


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

militares continua sendo dos Juízes Fazendários."Conflito que se acolhe para


declarar a competência da 1ª Vara da Fazenda Pública.”

Tema XII

Funções essenciais à Justiça. O Ministério Público e a Defensoria Pública. Procuradorias. Advocacia.

Notas de Aula21

1. Funções essenciais à justiça

Todos os poderes da República exercem função administrativa. O Executivo,


executa-a de forma típica; os demais, de forma atípica. No Judiciário, o artigo 93, XIV, da
CRFB, passa os atos intraprocessuais que não têm natureza decisória, ou seja, aqueles de
mera administração processual, aos servidores da justiça:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá


sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(...)
XIV os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e
atos de mero expediente sem caráter decisório; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
(...)”

O poder de polícia desempenhado pelo Senado, bem como o exercido pelo juiz em
audiência, são atividades administrativas, atípicas, destes poderes.
As decisões judiciais são, em regra, pautadas na legalidade, em sentido amplo –
legislação positiva e principiológica. Contudo, a lei admite casos em que a legalidade
poderá ser posta de lado em prol da equidade, como fundamento da sentença. Como
exemplo, veja o artigo 1.109 do CPC:
“Art. 1.109. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém,
obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a
solução que reputar mais conveniente ou oportuna.”

21
Aula ministrada pelo professor Nagib Slaibi Filho, em 16/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 136


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Mas veja que a legalidade é ampla quando se segure a norma, qualquer que seja –
legal ou não. A legalidade só é estrita quando a previsão é expressamente consignada em
lei. Veja os artigos 126 e 127 do CPC:

“Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou


obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não
as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”

“Art. 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.”

Repare-se que não só o juiz, o Judiciário, está conformado a esta dinâmica, havendo
imposição da legalidade a todas as entidades que desempenham atividades essenciais à
justiça – MP, Defensorias e advocacia pública em geral – estão atados à legalidade, só que
apenas à ampla: a legalidade estrita não os tolhe os atos.
A denúncia de um promotor de justiça, por exemplo, tem natureza jurídica de ato
administrativo, e nada mais. Assim também o são os atos das demais entidades de acesso à
justiça.
A sentença judicial que extingue o processo sem resolução do mérito, na forma do
bem conhecido artigo 267 do CPC, é um ato meramente administrativo. Não há carga
decisória, e não há coisa julgada material.
A atividade do advogado privado, por óbvio, é igualmente privada. Contudo, é
múnus público, que depende de autorização do Poder Público, e é regida pela OAB.
O maior préstimo das entidades de acesso à justiça – não se está falando das suas
atribuições específica, mas sim de sua finalidade última – é garantir a justeza da prestação
jurisdicional, com a devida imparcialidade judicial.

1.1. Ministério Público

Na França, o MP é parte da magistratura. As carreiras são vertentes de um tronco


comum: há o magistrado-juiz, e há o magistrado-promotor. Na Itália e na Espanha, idem.
O nosso MP é inspirado no sistema francês, mas dele difere neste ponto: não há esta
fonte comum, com mera desinência diversa. Aqui, o MP é absolutamente dissociado do
Judiciário, institucionalmente.
Na nossa CRFB, o artigo 127 sedia a instituição do MP:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional.
§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa,
podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e
extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de
provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei
disporá sobre sua organização e funcionamento. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
§ 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

Michell Nunes Midlej Maron 137


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

§ 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária


dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo
considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores
aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites
estipulados na forma do § 3º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
§ 5º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em
desacordo com os limites estipulados na forma do § 3º, o Poder Executivo
procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta
orçamentária anual. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 6º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização
de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos
na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a
abertura de créditos suplementares ou especiais. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)”

Casos Concretos

Questão 1

Um grupo de compradores de imóveis loteados, face à inadimplência da


Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, CDHU,
em proceder à execução das obras de infra-estrutura e à formalização e regularização dos
loteamentos, dirige-se ao Ministério Público Estadual para que, por meio de ação civil
pública, busque-se a regularização do parcelamento de solo e das edificações do conjunto
habitacional popular denominado Núcleo Residencial.
Tem legitimidade o Ministério Público para a demanda em comento?

Resposta à Questão 1

O MP tem legitimidade extraordinária, e não ordinária – para alguns, é terceira


espécie, legitimidade autônoma – para defender os interesses em questão.
A respeito, veja os julgados abaixo:

“REsp 198223 / MG RECURSO ESPECIAL 1998/0091423-4. Relator(a) Ministro


BARROS MONTEIRO. Relator p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do Julgamento 12/04/2005.
Data da Publicação/Fonte DJ 27/06/2005 p. 393.
Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE
ATIVA. VENDA PARTICULAR DE IMÓVEIS PARA PESSOAS DE BAIXA
RENDA. PRETENSÃO DE SUSTAÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO E
RESCISÃO DE CONTRATOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO.
I. Não configurados, no caso dos autos, os pressupostos legais para a atuação do
Ministério Público como parte legitimada ativamente para promover a ação civil
pública que objetiva promover a suspensão de comercialização e obter a rescisão
de contrato de compra e venda de imóveis em empreendimento habitacional, é de
ser confirmada a extinção do processo já decretada pelo acórdão a quo.
II. Recurso especial não conhecido.”

Michell Nunes Midlej Maron 138


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“Processo REsp 169876 / SP. RECURSO ESPECIAL 1998/0023955-3. Relator


Ministro JOSÉ DELGADO. Órgão Julgador - PRIMEIRA TURMA. Data do
Julgamento 16/06/1998. Data da Publicação/Fonte DJ 21/09/1998 p. 70.
Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
1. O Ministério Público está legitimado para propor ação civil pública para
proteger interesses coletivos.
2. Impossibilidade do juiz substituir a Administração Pública determinando que
obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional. Do mesmo
modo, que desfaça construções já realizadas para atender projetos de proteção ao
parcelamento do solo urbano.
3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos
físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O Judiciário
não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que
tais realizações sejam consumadas.
4. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de
quebrar a harmonia e independência dos Poderes.
5. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a
perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da
legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em
algumas situações, o controle do mérito.
6. As atividades de realização dos fatos concretos pela administração depende de
dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidos pelo
governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve
edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente.
7. Recurso provido.”

Questão 2

Sobre as instituições essenciais à função jurisdicional do Estado, responda aos


seguintes quesitos, com a indicação da jurisprudência predominante sobre o tema:
a) Com referência ao princípio da unidade, é admissível que o órgão de atuação da
Defensoria Pública do Estado, que tenha interposto recurso excepcional, sustente
as razões recursais na sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal ou
Superior Tribunal de Justiça, na forma do art. 554 do Código de Processo Civil?
b) Com relação ao princípio da independência funcional, é admissível que o órgão
de execução do Ministério Público do Estado, que tenha sido indicado pelo
Procurador-Geral de Justiça, deixe de oferecer a denúncia, nos termos do art. 28
do Código de Processo Penal?
c) É admissível o patrocínio de ação civil coletiva, por órgão de atuação da
Defensoria Pública, para a defesa de interesses dos consumidores?
d) É admissível a promoção de ação civil para o ressarcimento de dano resultante
de infração penal, por órgão de execução do Ministério Público, nas hipóteses em
que o titular do direito afirmado em juízo seja hipossuficiente econômico?

Resposta à Questão 2

a) A Defensoria é Estadual ou da União, não existindo defensoria nacional. Daí


surge esta dúvida, quanto às atribuições da DP nas Cortes Superiores, cuja
atribuição natural incumbe à DPU. Porém, é cediço que a DP do Estado pode
atuar nestas searas, em processo de origem de seu Estado.
Veja, a respeito, os julgados abaixo:

Michell Nunes Midlej Maron 139


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

“INFORMATIVO Nº 381
Assistência Judiciária e Intimação Pessoal. HC – 83523.
A Turma iniciou julgamento de questão de ordem em habeas corpus na qual se
discute quem deve ser pessoalmente intimado de julgamento, realizado perante o
STF, de recurso interposto por defensor público estadual: este ou a Defensoria
Pública da União. No caso concreto, não obstante a expedição, pela Secretaria
deste Tribunal, de mandado de intimação dirigido ao Defensor Público Geral da
União, dando-lhe ciência do acórdão que indeferira o writ, a Procuradoria de
Assistência Judiciária do Estado de São Paulo solicitara que a citada intimação
fosse feita à representante daquele órgão em Brasília, com a restituição do prazo
recursal. O Min. Carlos Britto, relator, proferiu voto no sentido de indeferir a
petição da impetrante, no que foi acompanhado pelo Min. Cezar Peluso. Asseverou
estar correto o procedimento realizado pela Secretaria, tendo em conta que
amparado em decisão da Presidência do STF no Processo Administrativo 317.732
(de 12.11.2003) e na petição avulsa no AI 503261/AM (DJU de 27.10.2004).
Ademais, considerou que a atuação da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo,
no exercício da assistência judiciária, só se justificaria na ausência do órgão
constitucional incumbido da defesa dos necessitados, qual seja, aDefensoria
Pública da União (LC 80/94, arts. 22 e 23), que já se encontra organizada e
desempenhando regularmente suas atividades. Assim, faltaria a tal Procuradoria
amparo legal para atuação no STF, em sede recursal. Em divergência, o Min.
Marco Aurélio, salientando a possibilidade de a defensoria estadual impetrar
habeas corpus e fazer sustentação oral nesta Corte, deferiu a petição, por entender
que o procurador do Estado que está atuando no processo deve ser intimado
pessoalmente da decisão. Após, pediu vista dos autos o Min. Sepúlveda Pertence.”

“AI 237400 ED / RS - RIO GRANDE DO SUL EMB. DECL. NO AGRAVO DE


INSTRUMENTO. Relator Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento: 27/06/2000.
Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação DJ 24-11-2000.
EMENTA: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. ATUAÇÃO PERANTE O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE, TENDO
EM VISTA TRATAR-SE, NO CASO, DE PROCESSO ORIUNDO DE
DEFENSORIA ESTADUAL, O QUAL, NA CONFORMIDADE DO ART. 111 DA
LEI COMPLEMENTAR Nº 80/94 CONTINUARAM A CARGO DO REFERIDO
ÓRGÃO. ACÓRDÃO QUE SE TERIA OMITIDO QUANTO A ESSA
CIRCUNSTÂNCIA. Instituição que, a exemplo do Ministério Público, é
considerada una e indivisível, a teor da norma do art. 3º da Lei Complementar nº
80/94, que refere o órgão como unidade, não de chefia, mas da própria função,
constitucionalmente considerada essencial à Justiça. Os arts. 106 e 108 da
mencionada lei atribuem à Defensoria Pública do Estado a defesa dos necessitados
no âmbito judicial da respectiva unidade federada, competindo-lhe, obviamente,
interpor os recursos cabíveis para qualquer Tribunal (art. 129, VII), o que abrange,
por óbvio, os Tribunais Superiores e o próprio Supremo Tribunal Federal, perante o
qual atuará o Defensor Público-Geral, na conformidade do art. 23 do diploma legal
sob enfoque. Assim, encontrando-se já providos os cargos de Defensor Público-
Geral e de Subdefensor Público-Geral, perde toda consistência, no presente caso, a
justificativa de ainda não se acharem preenchidos os cargos do quadro de
Defensores Públicos da União. Considerações em face das quais são rejeitados os
embargos.”

“Informativo nº 0190
Período: 3 a 7 de novembro de 2003. Corte Especial.
QUESTÃO DE ORDEM. DEFENSORIA PÚBLICA. ATOS DECISÓRIOS. STJ.
INTIMAÇÃO.

Michell Nunes Midlej Maron 140


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

A Corte Especial acolheu a questão de ordem suscitada pela Terceira Turma,


entendendo que, nos processos cíveis oriundos dos Estados, a Defensoria Pública
da União há de ser intimada dos atos decorrentes dos julgamentos, decisões e
despachos proferidos no STJ, salvo quando houver disposição em contrário nos
Estados, prevendo que a intimação seja feita diretamente à Defensoria Pública
estadual.Com base nessa decisão, a Terceira Turma, em 6/11/2003, não conheceu
do agravo da Defensoria Pública da União. EDcl na Questão de Ordem no Ag
378.377-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgados em 5/11/2003.”

“Processo QO no Ag 378377 / RJ QUESTÃO DE ORDEM NO AGRAVO DE


INSTRUMENTO. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Órgão Julgador CE
CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 01/07/2002. Data da Publicação/Fonte
DJ 11/11/2002 p. 137.
Ementa: Processual Civil. Questão de Ordem em Agravo de Instrumento. Defensor
Público. Intimação. Atos decisórios do Superior Tribunal de Justiça.
- A Defensoria Pública da União deve acompanhar, perante o Superior Tribunal de
Justiça, o julgamento dos recursos interpostos por Defensores Públicos Estaduais,
bem como deve ser intimada das decisões e acórdãos proferidos.
“Processo EDcl na QO no Ag 378377 / RJ EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA
QUESTÃO DE ORDEM NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relatora Ministra
NANCY ANDRIGHI. Órgão Julgador CE CORTE ESPECIAL. Data do
Julgamento 05/11/2003. Data da Publicação/Fonte DJ 19/12/2003 p. 302.
Ementa: Processual civil. Embargos de declaração em questão de ordem em agravo
de instrumento. Contradição. Omissão. Inexistência. Efeito aclaratório.
- A contradição que enseja embargos declaratórios é aquela existente entre as
proposições contidas no acórdão embargado.
- Inexiste omissão a ser suprida em acórdão que aprecia fundamentadamente a
questão posta a desate.
- Se necessário à compreensão da exata extensão do julgado, devem ser acolhidos
os embargos de declaração, sem efeito modificativo, com o intuito de aclarar a
decisão embargada.
- A Defensoria Pública da União, que atua perante o STJ, deverá ser intimada,
pessoalmente, para acompanhar o processo e julgamento dos recursos interpostos
por Defensores Públicos Estaduais, exclusivamente nos de natureza civil, porque a
Questão de Ordem em julgamento se refere a resolução de litígio oriundo de
contrato de abertura de crédito.
- Exceção à regra só se verificará na hipótese em que a Defensoria Pública
Estadual, mediante lei própria, mantenha representação em Brasília-DF com
estrutura adequada para receber intimações das decisões proferidas pelo STJ.
Embargos de declaração acolhidos, sem efeito modificativo.”

b) A denúncia é obrigatória, quando devida – é a obrigatoriedade da ação penal


pública. Se o promotor não denuncia, o PGJ será alçado pela aplicação do
conhecido artigo 28 do CPP, a fim de que seja promovida a ação. Neste caso,
Conforme entendimento do Professor Guilherme de Souza Nucci, o Procurador-
Geral de Justiça pode denunciar diretamente ou designar outro promotor para
oferecer, em seu nome, a denúncia. Trata-se de uma delegação e, por esse
motivo, o promotor designado não poderá recusar a dar início a ação penal, sob
pena de falta funcional.

c) Hoje, não há dúvida de que sim, na forma do artigo 4º, VII, da LC 80/94:

“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

Michell Nunes Midlej Maron 141


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

(...)
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar
a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos
quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas
hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
(...)”

Veja os seguintes paradigmas:


“Informativo nº 0346
Período: 25 a 29 de fevereiro de 2008. Primeira Turma
LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA.
A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu que a Defensoria Pública tem
legitimidade para ajuizar ação civil coletiva em benefício dos consumidores de
energia elétrica, conforme dispõe o art. 5º, II, da Lei n. 7.347/1985, com redação
dada pela Lei n. 11.448/2007. Precedente citado: REsp 555.111-RJ, DJ 18/12/2006.
REsp 912.849-RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 26/2/2008.”

“ADI 558 MC / RJ - RIO DE JANEIRO MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE. Julgamento: 16/08/1991. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 26-03-1993.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: IMPUGNAÇÃO A
VARIOS PRECEITOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, COM PEDIDO DE SUSPENSÃO LIMINAR DOS ARTS. 100 (EM
PARTE), 159 (EM PARTE), 176, "CAPUT" (EM PARTE) E SEU PAR. 2., V, "E"
E "F"; 346 E 352, PARAG. ÚNICO: MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA
PARCIALMENTE, SEM SUSPENSÃO DO TEXTO, QUANTO AO ART. 176,
PAR. 2., V, "E" E "F", E, INTEGRALMENTE, QUANTO AOS ARTG. 346 E 352,
PARAG. ÚNICO.
1. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: IMPUGNAÇÃO AO SEU PODER DE
CONVOCAR PARA ESCLARECIMENTOS OS PROCURADORES-GERAIS
DE JUSTIÇA, DO ESTADO E DA DEFENSORIA PÚBLICA, COMINANDO-SE
A AUSÊNCIA INJUSTIFICADA AS SANÇÕES DO CRIME DE
RESPONSABILIDADE: LIMINAR INDEFERIDA.
2. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS
LOCAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO (ART. 159):
ARGÜIÇÃO DE INVALIDADE, EM FACE DO MODELO FEDERAL DO ART.
103 CF, DA OUTORGA DE LEGITIMAÇÃO ATIVA A DEPUTADOS
ESTADUAIS E COMISSÕES DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, ASSIM
COMO AOS PROCURADORES-GERAIS DO ESTADO E DA DEFENSORIA
PÚBLICA: SUSPENSÃO CAUTELAR INDEFERIDA, A VISTA DO ART. 125,
PAR. 4., DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
3. DEFENSORIA PÚBLICA: ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
DE NORMAS QUE LHE CONFEREM ATRIBUIÇÃO PARA: A) A
ORIENTAÇÃO JURÍDICA, A POSTULAÇÃO E A DEFESA EM JUÍZO DOS
DIREITOS E INTERESSES "COLETIVOS" DOS NECESSITADOS (ART. 176,
"CAPUT"): DENEGAÇÃO DA LIMINAR; B) PATROCINAR (E NÃO,
PROMOVER) AÇÃO CIVIL EM FAVOR DE ASSOCIAÇÕES DESTINADAS A
PROTEÇÃO DE INTERESSES "DIFUSOS" (ART. 176, PAR. 2., V, "E", 1.,
PARTE): SUSPENSÃO CAUTELAR RECUSADA; C) "IDEM", EM FAVOR DE
ASSOCIAÇÕES DE DEFESA DE INTERESSES "COLETIVOS" (ART. 176,
PAR. 2., V, "E", 2., PARTE): SUSPENSÃO LIMINAR DEFERIDA, EM
TERMOS, PARA RESTRINGIR PROVISORIAMENTE A APLICAÇÃO DO
DISPOSITIVO A HIPÓTESE EM QUE SE CUIDE DE ENTIDADE CIVIL

Michell Nunes Midlej Maron 142


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

DESPROVIDA DE MEIOS PARA O CUST EIO DO PROCESSO; D)


PATROCINAR OS DIREITOS E INTERESSES DO CONSUMIDOR LESADO,
NA FORMA DA LEI (ART. 176, PAR. 2., V, "F"): MEDIDA CAUTELAR
DEFERIDA EM TERMOS SIMILARES A DA ALINEA "C" SUPRA.
4. VEREADOR, IMUNIDADES: IMPUGNAÇÃO A NORMA
CONSTITUCIONAL LOCAL QUE LHES ESTENDE IMUNIDADES
PROCESSUAIS E PENAIS ASSEGURADAS AOS MEMBROS DO
CONGRESSO NACIONAL (CF, ART. 53, PARS. 1., 2., 3., 5. E 7.) E AOS
DEPUTADOS ESTADUAIS (CF, ART. 27, PAR. 1.; CONST. EST. RJ, ART. 102,
PARS. 1., 2., 3., 5. E 6.), EM FACE DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA
UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENAL E DIREITO
PROCESSUAL: SUSPENSÃO LIMINAR DEFERIDA.
5. INTERVENÇÃO ESTADUAL NO MUNICÍPIO POR SUSPENSÃO DA
DÍVIDA FUNDADA (CF, ART. 35, I): IMPUGNAÇÃO A NORMA
CONSTITUCIONAL LOCAL, QUE EXCLUI A INTERVENÇÃO, "QUANDO O
INADIMPLEMENTO ESTEJA VINCULADO A GESTAO ANTERIOR" (C. EST.
RJ, ART. 352, PARAG. ÚNICO): SUSPENSÃO LIMINAR CONCEDIDA

d) Trata-se da inconstitucionalidade progressiva do artigo 68 do CPP:


“Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e
2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será
promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.”

Veja a jurisprudência:

“RE 147776 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator Min.


SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 19/05/1998. Órgão Julgador: Primeira
Turma. Publicação DJ 19-06-1998.
EMENTA: Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do
ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação:
C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de
inconstitucionalização das leis. 1. A alternativa radical da jurisdição constitucional
ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade
ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz
abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional
não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização
da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de
eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a
viabilizem. 2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente
dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade de
assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa,
porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada,
de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei
complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado
-, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência
constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é
o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.”

“INFORMATIVO Nº 346.
Lei ainda constitucional - CPP, art. 68 (Transcrições) AI 482332/SP* RELATOR:
MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO
CIVIL "EX DELICTO". LEGITIMIDADE. CÓDIGO DE
PROCESSOPENAL, ART. 68. NORMA AINDA CONSTITUCIONAL.
ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO - DE CARÁTER TRANSITÓRIO - ENTRE A
SITUAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE E O ESTADO DE

Michell Nunes Midlej Maron 143


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

INCONSTITUCIONALIDADE. A QUESTÃO DAS SITUAÇÕES


CONSTITUCIONAIS IMPERFEITAS. SUBSISTÊNCIA DO ART. 68 DO CPP,
ATÉ QUE SEJA INSTITUÍDA E REGULARMENTE ORGANIZADA, PELO
ESTADO DE SÃO PAULO, A DEFENSORIA PÚBLICA LOCAL.
PRECEDENTES. DECISÃO: A controvérsia constitucional objeto do recurso
extraordinário, a que se refere o presente agravo de instrumento, já foi dirimida
pelo Supremo Tribunal Federal, cujo Plenário, ao julgar o RE 135.328/SP, Rel.
Min. MARCO AURÉLIO (RTJ 177/879), fixou entendimento no sentido de que,
enquanto o Estado de São Paulo não instituir e organizar a Defensoria Pública
local, tal como previsto na Constituição da República (art. 134), subsistirá íntegra a
regra inscrita no art. 68 do CPP, na condição de norma ainda constitucional - que
configura um transitório estágio intermediário situado "entre os estados de plena
constitucionalidade ou de absoluta inconstitucionalidade" (GILMAR FERREIRA
MENDES, "Controle de Constitucionalidade", p. 21, 1990, Saraiva) -, mesmo que
tal preceito legal venha a expor-se, em face de modificações supervenientes das
circunstâncias de fato, a um processo de progressiva inconstitucionalização, como
registra, em lúcida abordagem do tema, a lição de ROGÉRIO FELIPETO
("Reparação do Dano Causado por Crime", p. 58, item n. 4.2.1, 2001, Del Rey). É
que a omissão estatal, no adimplemento de imposições ditadas pela Constituição -
à semelhança do que se verifica nas hipóteses em que o legislador comum se
abstém, como no caso, de adotar medidas concretizadoras das normas de
estruturação orgânica previstas no estatuto fundamental - culmina por fazer
instaurar "situações constitucionais imperfeitas" (LENIO LUIZ STRECK,
"Jurisdição Constitucional e Hermenêutica", p. 468-469, item n. 11.4.1.3.2, 2002,
Livraria do Advogado Editora), cuja ocorrência justifica "um tratamento
diferenciado, não necessariamente reconduzível ao regime da nulidade absoluta"
(J. J. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", p. 1.022, item n. 3, 5ª ed.,
1991, Almedina, Coimbra - grifei), em ordem a obstar o imediato reconhecimento
do estado de inconstitucionalidade no qual eventualmente incida o
Poder Público, por efeito de violação negativa do texto da Carta Política (RTJ
162/877, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno). É por essa razão que HUGO
NIGRO MAZZILLI ("A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo", p. 72, item n. 7,
nota de rodapé n. 13, 14ª ed., 2002, Saraiva), ao destacar o caráter residual da
aplicabilidade do art. 68 do CPP - que versa hipótese de legitimação ativa
do Ministério Público, em sede de ação civil "ex delicto" - assinala, em observação
compatível com a natureza ainda constitucional da mencionada regra
processual penal, que "Essa atuação do Ministério Público, hoje, só se admite em
caráter subsidiário, até que se viabilize, em cada Estado, a implementação da
defensoria pública, nos termos do art. 134, parágrafo único, da CR (...)" (grifei).
Daí a exata afirmação feita pelo eminente Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI
("Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional", p. 115/116, item n. 5.5,
2001, RT), cuja lição, a propósito do tema ora em exame, põe em evidência o
relevo que podem assumir, em nosso sistema jurídico, as transformações
supervenientes do estado de fato: "Isso explica, também, uma das técnicas de
controle de legitimidade intimamente relacionada com a cláusula da manutenção
do estado de fato: a da 'lei ainda constitucional'. O Supremo Tribunal Federal a
adotou em vários precedentes (...). Com base nessa orientação e considerando o
contexto social verificado à época do julgamento, o Supremo Tribunal Federal
rejeitou a argüição de inconstitucionalidade da norma em exame, ficando claro,
todavia, que, no futuro, a alteração do status quo poderia ensejar decisão em
sentido oposto." (grifei) Cabe referir, por necessário, que esse entendimento tem
sido observado em sucessivas decisões proferidas por esta Suprema Corte (RTJ
178/423, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RE 196.857-AgR/SP, Rel. Min. ELLEN
GRACIE - RE 208.798/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RE 229.810/SP, Rel.
Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 295.740/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
- RE 341.717/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), como o demonstra o julgamento

Michell Nunes Midlej Maron 144


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

do RE 147.776/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, efetuado pela Colenda


Primeira Turma deste Tribunal (RTJ 175/309-310): "Ministério Público:
legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de
crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda
constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis. 1. A
alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa, entre a
constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por
inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc, faz abstração da
evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um
fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma
da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia
limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a
viabilizem. 2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente
dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade de
assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa,
porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada,
de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei
complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado
- se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência
constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é
o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328." (grifei)
Todas essas considerações, indissociáveis do exame da presente causa, evidenciam
que o acórdão ora recorrido ajusta-se à orientação jurisprudencial que esta
Suprema Corte firmou na matéria em análise. Sendo assim, e tendo em
consideração as razões expostas, nego provimento ao presente agravo de
instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.
Publique-se. Brasília, 30 de abril de 2004. Ministro CELSO DE MELLO Relator *
decisão pendente de publicação.”

“Informativo nº 0193.
Período: 24 a 28 de novembro de 2003. Segunda Turma.
AÇÃO CIVIL EX DELICTO. LEGITIMIDADE. MP.
A jurisprudência já se assentou no sentido de que, apesar de a CF/1988 ter afastado
das atribuições doMinistério Público a defesa dos hipossuficientes, pois a
incumbiu às Defensorias Públicas, há apenas inconstitucionalidade progressiva do
art. 68 do CPP enquanto não criada e organizada a Defensoria no respectivo
Estado. Assim, o MP detém legitimidade para promover, como substituto
processual de necessitados, a ação civil por danos resultantes de crime, isso no
Estado de São Paulo, pois lá ainda não foi implementada a Defensoria Pública.
Precedente citado: EREsp 232.279-SP, DJ 4/8/2003. REsp 475.010-SP, Rel. Min.
Franciulli Netto, julgado em 25/11/2003.”

Michell Nunes Midlej Maron 145


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Tema XIII

Conselho Nacional de Justiça. Controle dos atos. Competência. Regime Jurídico da Magistratura.
Nacionalização da justiça.

Notas de Aula22

1. Conselho Nacional de Justiça

Criado pela EC 45/04, que o inseriu no artigo 92, I-A, da CRFB, o CNJ é órgão
nacional do Judiciário, que substituiu o Conselho Nacional da Magistratura na
regulamentação administrativa do Poder Judiciário. Suas atribuições e competências estão
no artigo 103-B. Veja os dispositivos:

“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:


(...)
I-A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004)
(...)”

“Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com


mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de
dois anos, admitida uma recondução, sendo: (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
I - um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo tribunal;
II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo
tribunal;
IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal
Federal;
V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de
Justiça;
22
Aula ministrada pelo professor Nagib Slaibi Filho, em 16/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 146


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;


VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior
do Trabalho;
IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral
da República;
XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da
República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição
estadual;
XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil;
XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um
pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
§ 1º O Conselho será presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, que
votará em caso de empate, ficando excluído da distribuição de processos naquele
tribunal.
§ 2º Os membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República,
depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
§ 3º Não efetuadas, no prazo legal, as indicações previstas neste artigo, caberá a
escolha ao Supremo Tribunal Federal.
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do
Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe,
além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da
Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência,
ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação,
a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder
Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as
providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder
Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores
de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou
oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais,
podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla
defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração
pública ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e
membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças
prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias,
sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual
deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida
ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.
§ 5º O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-
Corregedor e ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal,
competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da
Magistratura, as seguintes:
I receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos
magistrados e aos serviços judiciários;
II exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;

Michell Nunes Midlej Maron 147


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

III requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar


servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e
Territórios.
§ 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente
do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias de
justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado
contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares,
representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça.”

O CNJ não tem função jurisdicional, mas unicamente administrativa, controlando a


regular atividade da justiça e as prerrogativas da magistratura.

Casos Concretos

Questão 1

A Associação dos Magistrados do Brasil propôs Ação Declaratória de


Constitucionalidade, com pedido de medida cautelar, em prol da Resolução nº. 7/2005, do
Conselho Nacional de Justiça.
Fundamenta seu pedido sustentando que o Conselho Nacional de Justiça tem
competência constitucional para zelar pela observância do artigo 37 da Constituição da
República e apreciar a validade dos atos administrativos praticados pelos órgãos do Poder
Judiciário (inciso II do § 4º, artigo 103-B, da Constituição da República).
Pergunta-se:
1) Qual é o alcance do poder normativo do Conselho Nacional de Justiça?
2) A Resolução em foco tem força de diploma normativo primário? Justifique sua
resposta.

Resposta à Questão 1

1) O CNJ pode atuar na normatização administrativa do Judiciário. O STF, na ADC


12, tratou do tema:

“INFORMATIVO Nº 516
ADC e Vedação ao Nepotismo - 3
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de
constitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil - AMB
para declarar a constitucionalidade da Resolução 7/2005, do Conselho Nacional de
Justiça – CNJ — que veda o exercício de cargos, empregos e funções por parentes,
cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de
direção e assessoramento, no âmbito do Poder Judiciário —, e emprestar
interpretação conforme a Constituição a fim de deduzir a função de chefia do
substantivo “direção”, constante dos incisos II, III, IV e V do art. 2º da aludida
norma — v. Informativo 416. Inicialmente, o Tribunal acolheu questão de ordem
suscitada pelo Min. Marco Aurélio no sentido de fazer constar a rejeição da
preliminar de inadequação da ação declaratória, por ele sustentada, no julgamento

Michell Nunes Midlej Maron 148


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

da cautelar — ao fundamento de que não se trataria de questionamento de um ato


normativo abstrato do CNJ — e em relação à qual restara vencido. No mérito,
entendeu-se que a Resolução 7/2005 está em sintonia com os princípios constantes
do art. 37, em especial os da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da
moralidade, que são dotados de eficácia imediata, não havendo que se falar em
ofensa à liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções
de confiança, visto que as restrições por ela impostas são as mesmas previstas na
CF, as quais, extraídas dos citados princípios, vedam a prática do nepotismo.
Afirmou-se, também, não estar a resolução examinada a violar nem o princípio da
separação dos Poderes, nem o princípio federativo, porquanto o CNJ não usurpou o
campo de atuação do Poder Legislativo, limitando-se a exercer as competências
que lhe foram constitucionalmente reservadas. Vencidos, no ponto relativo à
interpretação conforme, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, reputá-la
desnecessária. ADC 12/DF, rel. Min. Carlos Britto, 20.8.2008. (ADC-12)”

“ADC 12. Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE,


AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18/10/2005, DO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. MEDIDA CAUTELAR.
Patente a legitimidade da Associação dos Magistrados do Brasil - AMB para
propor ação declaratória de constitucionalidade. Primeiro, por se tratar de entidade
de classe de âmbito nacional. Segundo, porque evidenciado o estreito vínculo
objetivo entre as finalidades institucionais da proponente e o conteúdo do ato
normativo por ela defendido (inciso IX do art. 103 da CF, com redação dada pela
EC 45/04).
Ação declaratória que não merece conhecimento quanto ao art. 3º da resolução,
porquanto, em 06/12/05, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº
09/05, alterando substancialmente a de nº 07/2005.
A Resolução nº 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os
dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas
de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou
patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo
normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente
vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de
incidência aos respectivos mandamentos).
A Resolução nº 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que
arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade
debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada
regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da
impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade.
O ato normativo que se faz de objeto desta ação declaratória densifica
apropriadamente os quatro citados princípios do art. 37 da Constituição Federal,
razão por que não há antinomia de conteúdos na comparação dos comandos que se
veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e o infraconstitucional.
Logo, o Conselho Nacional de Justiça fez adequado uso da competência que lhe
conferiu a Carta de Outubro, após a Emenda 45/04.
Noutro giro, os condicionamentos impostos pela Resolução em foco não atentam
contra a liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de
confiança (incisos II e V do art. 37). Isto porque a interpretação dos mencionados
incisos não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo
art. 37. Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são,
no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988,
dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da
igualdade e da moralidade. É dizer: o que já era constitucionalmente proibido
permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado.
Não se trata, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois
Poderes Orgânicos do Estado, sob a equivocada proposição de que o Poder

Michell Nunes Midlej Maron 149


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Executivo e o Poder Legislativo estariam inteiramente libertos de peias jurídicas


para prover seus cargos em comissão e funções de confiança, naquelas situações
em que os respectivos ocupantes não hajam ingressado na atividade estatal por
meio de concurso público.
O modelo normativo em exame não é suscetível de ofender a pureza do princípio
da separação dos Poderes e até mesmo do princípio federativo. Primeiro, pela
consideração de que o CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e
não está a submeter esse
Poder à autoridade de nenhum dos outros dois; segundo, porque ele, Poder
Judiciário, tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente
compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art.
125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria
Justiça, mas não é menos certo que esse
mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por
ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça.
Medida liminar deferida para, com efeito vinculante: a) emprestar interpretação
conforme para incluir o termo “chefia” nos inciso II, III, IV, V do artigo 2° do ato
normativo em foco b) suspender, até o exame de mérito desta ADC, o julgamento
dos processos que tenham por objeto questionar a constitucionalidade da
Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça; c) obstar que juízes e
Tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da
mesma Resolução nº 07/2005, do CNJ e d) suspender, com eficácia ex tunc, os
efeitos daquelas decisões que, já proferidas, determinaram o afastamento da
sobredita aplicação.”

2) Sim, pois rege matérias de forma inédita, em seu espectro de competência


administrativa.

Questão 2

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar,


ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros-AMB em face do inciso VI do art.
154 e do art. 156, ambos da Lei Complementar Estadual nº 59, de 18 de janeiro de 2001,
do Estado do Amanhecer, que contém a organização e a divisão judiciárias do referido
Estado. Os dispositivos legais impugnados têm o seguinte teor:"Art. 154 - A pena de
demissão será aplicada em razão de:(...)VI - procedimento incompatível com a dignidade,
a honra e o decoro de suas funções, por decisão da maioria de votos dos membros da
Corte Superior do Tribunal de Justiça, assegurada ampla defesa'.'Art. 156 - Os
procedimentos para apuração de faltas e aplicação de penalidades, bem como para a
decretação de remoção ou disponibilidade compulsórias, assegurarão o resguardo devido
à independência do magistrado, e serão estabelecidos no Regimento Interno do Tribunal
de Justiça.'Aduz a requerente, em síntese, que o inciso VI do art. 154 e o art. 156 da
referida Lei Complementar estadual afrontam os artigos 95, I, e 93 da Constituição da
República, porquanto dispõem sobre hipótese de demissão de magistrados, além dos casos
previstos na lei complementar federal nº 35/79, e ainda criam nova hipótese, qual seja,
mediante decisão da maioria dos membros do Conselho do Superior Tribunal de Justiça,
tendo sido permitida a regulação por meio de Regimento Interno do Tribunal de Justiça de
matéria constitucionalmente reservada à lei complementar federal. Responda:
1) Há inconstitucionalidade nos artigos 154, inc. VI, e 156 da Lei Complementar
nº. 59/2001? Fundamente sua resposta.

Michell Nunes Midlej Maron 150


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

2) A Lei Complementar federal nº 35/79 foi recepcionada pela C.R.F.B. como


Estatuto da Magistratura?

Resposta à Questão 2

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (Med. Liminar) 3227-5.


Origem: MINAS GERAIS. Entrada no STF: 11/06/2004. Relator: MINISTRO
GILMAR MENDES. Distribuído:11/06/2004.
Dispositivo Legal Questionado: Inciso VI do art. 154 e do art. 156 da Lei
Complementar Estadual nº 059, de 18 de janeiro de 2001, Lei Orgânica da
Magistratura Mineira. Lei Complementar nº 059, de 18 de janeiro de 2001. Contém
a organização e a divisão judiciárias do Estado de Minas Gerais.
Art. 154 - A pena de demissão será aplicada em razão de:
(...)
VI - procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas
funções, por decisão da maioria de votos dos membros da Corte Superior do
Tribunal de Justiça, assegurada ampla defesa.
Art. 156 - Os procediemtnos para apuração de faltas e aplicação de penalidades,
bem como para a decretação de remoção ou disponiblidade compulsórias,
assegurarão o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado
e serão estabelecidos no Regimento Interno do Tribunal de Justiça.
Decisão Final
Julgou-se procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator. Votou o
Presidente, Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, I, do RISTF). Decisão unânime.
Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente) e
Celso de Mello. Falou pela requerente o Dr. Alberto Pavie Ribeiro.
- Plenário, 26.04.2006.
- Acórdão, DJ 01.09.2006.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Artigo 154, VI, da Lei
Complementar nº. 59, de 18 de janeiro de 2001, do Estado de Minas Gerais, que
prevê hipótese de pena de demissão a magistrado em razão de procedimento
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, por decisão da
maioria de votos dos membros da Corte Superior do Tribunal de Justiça, além dos
casos previstos no art. 26 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN; e
artigo 156, da mesma lei complementar estadual, que prevê procedimentos a serem
estabelecidos no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais - RI/TJMG para apuração de faltas e aplicação de penalidades, bem como
para a decretação de remoção ou disponibilidade compulsórias. 3. Vício de
inconstitucionalidade formal, por se tratar de matéria reservada ao Estatuto da
Magistratura, de acordo com o art. 93, caput, da Constituição Federal. Precedentes:
ADI no 2.880-MA, ADI no 3.053-PA, ADI no 3.224-AP. 4. Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente.”

Questão 3

Disserte sobre a competência do Conselho Nacional de Justiça para dispor, em


resolução, sobre os subsídios dos membros da Magistratura.

Resposta à Questão 3

“ADI 3854 MC / DF - DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. CEZAR PELUSO
Julgamento: 28/02/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação 29-06-2007

Michell Nunes Midlej Maron 151


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

EMENTA: MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto remuneratório


constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e
estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção
arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação
conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de
inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, § único, da
Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de
inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar
de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo
Conselho Nacional daMagistratura, estabelecem tetos remuneratórios
diferenciados para os membros damagistratura estadual e os da federal.”

Tema XIV

Organização Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. Organização administrativa. Competência dos Órgãos
Judiciais de 1ª e 2ª instâncias.

Notas de Aula23

1. Organização judiciária do Estado do Rio de Janeiro

A CRFB remete o tratamento do assunto aos Estados, no artigo 125. Assim, a norma
que primeiro preceitua sobre a organização judiciária estadual é a Constituição Estadual.

“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios


estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a
lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de
leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual,
vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
§ 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do T ribunal de Justiça, a Justiça
Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos
Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por
Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a
vinte mil integrantes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados,
nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao
tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da
graduação das praças. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar,
singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais
contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a
presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

23
Aula ministrada pelo professor José Carlos Vasconcellos dos Reis, em 14/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 152


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

§ 6º O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo


Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça
em todas as fases do processo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
§ 7º O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de
audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da
respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

Regulamentando de forma detalhada a organização judiciária, no Rio de Janeiro


editou-se o Codjerj.
Questão recentemente debatida é a da Lei 12.153/09, que impõe a criação, nos
Estados, dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. A posição mais correta é que esta lei
deve sofrer uma interpretação conforme a CRFB, no sentido de que não está impondo a
criação dos juizados, mas sim permitindo esta implantação. Do contrário, seria eivada de
inconstitucionalidade, pois incumbe ao Estado estruturar seu Poder Judiciário.

Michell Nunes Midlej Maron 153


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

Casos Concretos

Questão 1

Por iniciativa do TJRJ, foi editada a Lei nº 2432/95, a qual deu a seguinte redação
aos §§ 1º e 2º do art. 18 do CODJERJ:

"§1º - O Presidente, os três Vice-Presidentes e o Corregedor-Geral da Justiça são


eleitos, em votação secreta, pela maioria dos membros do Tribunal de Justiça, pela
forma prevista no Regimento Interno do Tribunal, para servir pelo prazo de dois
anos a contar do primeiro dia útil após o primeiro período anual das férias
coletivas da segunda instância, permitida a reeleição por um período.
§2º - Concorrerão à eleição para os cargos referidos no parágrafo anterior, os
membros efetivos do Órgão Especial, sendo obrigatória a aceitação do cargo, salvo
recusa manifestada e aceita antes da eleição".

Contra tal norma, o Conselho Federal da OAB propõe ADIn. Entende o Conselho
que tal matéria, por dizer respeito à organização e ao funcionamento do Poder Judiciário,
acha-se sujeita, por efeito da reserva constitucional, ao domínio normativo de Lei
Complementar. Aponta a afronta tanto ao art. 93 da Constituição da República, quanto ao
art. 102 da Lei Complementar 35/79. Não poderia, portanto, o CODJERJ dispor sobre o
franqueamento da eleição, indistintamente, aos membros efetivos do Órgão Especial.
Em sede de informações, a Assembléia Legislativa alega que o art. 93 da Constituição não
exige que a matéria relativa à forma e às condições de provimento dos cargos de direção
dos Tribunais de Justiça dos Estados esteja incluída no chamado "Estatuto da
Magistratura" (como o fazia expressamente a Constituição anterior - verbis: "art. 115, I -
eleger seus Presidentes e demais titulares de sua direção, observando o disposto na Lei
Orgânica da Magistratura Nacional" - com a redação dada pela E.C. 01/69). Se a
Constituição de 1988 não dispôs explicitamente sobre a cláusula limitativa que existia na
Carta de 69, é porque se entendeu ser prerrogativa autônoma dos Tribunais o poder de
eleger os seus órgãos dirigentes.
É razoável a tese da ALERJ? Qual é o entendimento prevalente no STF?

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 154


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

A lei complementar que se exige no artigo 93 da CRFB, o Estatuto da Magistratura,


é uma lei nacional, de observância obrigatória por todo o Poder Judiciário, que é uno,
dividido tão-somente para efetividade da prestação jurisdicional. Veja:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá


sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante
concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados
do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três
anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de
classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e
merecimento, atendidas as seguintes normas:
a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco
alternadas em lista de merecimento;
b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva
entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta,
salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;
c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de
produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e
aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais
antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme
procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-
se a indicação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder
além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho
ou decisão; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento,
alternadamente, apurados na última ou única entrância; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de
magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a
participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e
aperfeiçoamento de magistrados; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e
cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal
Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados,
em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura
judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez
por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento
do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em
qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o
disposto no art. 40; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
VII o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por
interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do
respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Michell Nunes Midlej Maron 155


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

VIIIA a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual


entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a , b , c e e do inciso II;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente
a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no
sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública,
sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser
constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco
membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais
delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por
antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XII a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos
juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver
expediente forense normal, juízes em plantão permanente; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva
demanda judicial e à respectiva população; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
XIV os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e
atos de mero expediente sem caráter decisório; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
XV a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

A observância da lei complementar federal se deve a isto, e não porque haja


prevalência da União sobre os Estados – A Lei Orgânica da Magistratura é lei nacional, e
não federal. Ao Codjerj, cumpre detalhar a estrutura regional, mas não se contrapondo à
Loman.
Veja a posição do STF:

“ADI 1422 / RJ - RIO DE JANEIRO AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento:
09/09/1999. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 12-11-1999.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.432,
DE 06.09.95, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, QUE DEU NOVA
REDAÇÃO AOS §§ 1º E 2º DO ART. 18 DO CÓDIGO DEORGANIZAÇÃO E
DIVISÃO JUDICIÁRIAS DO MESMO ESTADO. Incompatibilidade com a
norma do art. 93 da Constituição Federal, por regular matéria própria do Estatuto
da Magistratura, reservada, no dispositivo constitucional mencionado, à lei
complementar federal. Recepção pela Carta de 1988 da norma do art. 102 da Lei
Complementar nº 35/79 (LOMAN). Precedentes do STF (MS 20.911-PA, Rel.
Min. Octavio Gallotti, e ADI 841-2-RJ, Rel. Ministro Carlos Velloso). Procedência
da ação.”

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 156


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

O Juízo de Direito da Auditoria da Justiça Militar Estadual suscitou conflito


negativo de competência em face do Juízo de Direito da 6ª Vara de Fazenda Pública, em
razão da decisão deste declinando em favor do primeiro, com base no artigo 125, § 4º da
Constituição Federal com a redação determinada pela Emenda Constitucional nº45/2004,
da competência para processar e julgar o Mandado de Segurança impetrado pelo Policial
Militar Armany Arms, visando obstar sua exclusão do serviço ativo em decorrência de
processo administrativo-disciplinar. O suscitante alega que a alteração do artigo 125, §§4º
e 5° da Constituição Federal pela Emenda Constitucional 45/2004, que atribui aos juízes
de direito do juízo militar estadual competência para processar e julgar singularmente as
ações judiciais contra atos disciplinares, não é auto-aplicável, demandando prévia
alteração da Lei Estadual 3293/99, que alterou o artigo 154 do Código de Organização e
Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro, para restringir tal competência ao
processo e julgamento dos policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares
definidos em lei. Aduz que a Auditoria Militar, por ser única, não tem no momento
condições de absorver todos os feitos de natureza cível que versam sobre atos disciplinares
militares. O suscitado pronunciou-se no sentido de que o mencionado dispositivo
constitucional trata de norma processual, de aplicação imediata em todos os processos em
curso. Responda fundamentadamente:
1)Qual é o entendimento predominante no TJRJ acerca da matéria objeto do
presente Conflito de Competência?
2)Como proceder para implantação da modificação da competência da Auditoria
Militar na forma estabelecida na Emenda Constitucional 45/2004?
3)Decida o conflito negativo de competência.

Resposta à Questão 2

1) O TJ/RJ entende que a EC 45/04 não é auto-aplicável, neste caso, sendo


necessária a edição de lei estadual para tanto, não podendo a União impor ao Estado
uma reestruturação de tal magnitude.
2) É necessária a edição de uma lei estadual alterando o Codjerj neste sentido.
3) A competência deve ser deferida à Vara da Fazenda Pública.

“0047011-45.2008.8.19.0000 (2008.008.00407) - CONFLITO DE


COMPETENCIA - 1ª DES. MARIA INES GASPAR - Julgamento: 27/11/2008 -
ORGAO ESPECIAL.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AUDITORIA DE JUSTIÇA MILITAR X
VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL. A competência
para processar e julgar mandado de segurança contra atos disciplinares militares é
das Varas de Fazenda Pública (artigo 97 do CODJERJ), sendo o artigo 125, § 4º da
Lei Maior alterado pela Emenda Constitucional nº 45/04 norma de eficácia
contida. Súmula nº 131 desta E. Corte. Procedência do Conflito.”

“0022895-72.2008.8.19.0000 (2008.008.00272) - CONFLITO DE


COMPETENCIA - 1ª DES. ALEXANDRE H. VARELLA - Julgamento:
20/10/2008 - ORGAO ESPECIAL.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA suscitado pela Auditoria Militar em face da 1ª
Vara da Fazenda Pública, nos autos da ação cautelar proposta por ex-policiais
militares em face do Estado do Rio de Janeiro visando a anulação de ato
administrativo .A Emenda Constitucional 45/2004 e o art. 97 § 9º da lei 4913/06,

Michell Nunes Midlej Maron 157


EMERJ – CP V Direito Constitucional V

prevêem a competência do Juízo Fazendário em processos que versem sobre atos


disciplinares militares, cuidando-se, ainda, de que questão sumulada por este E.
Tribunal de Justiça através do verbete nº 131, que preleciona: "Enquanto não
editada a legislação infraconstitucional de que trata o art. 125, par. 4., da
Constituição Federal, a competência para julgar as ações contra atos disciplinares
militares continua sendo dos Juízes Fazendários."Conflito que se acolhe para
declarar a competência da 1ª Vara da Fazenda Pública.”

“Súmula 131, TJ/RJ: Ações de impugnação a atos disciplinares militares. Art. 125,
par. 4º, da Constituição Federal. Norma constitucional dependente de lei
infraconstitucional para sua regulamentação. Competência das Varas Fazendárias.
‘Enquanto não editada a legislação infraconstitucional de que trata o art. 125, par.
4º, da Constituição Federal, a competência para julgar as ações contra atos
disciplinares militares continua sendo dos Juízes Fazendários’.”

Michell Nunes Midlej Maron 158

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