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O GORGULHO

PERSONAGENS

Fédromo, um jovem

G o r g u lh o , parasito de Fédromo

P a lin u r o ,1 escravo de Fédromo

Um cozinheiro, escravo de Fédromo

P la n é s ia ,2 moça de Epidauro

T era p o n tíg o n o ,3 militar de Epidauro, irmão de Plané


sia

Lico ,4 um banqueiro

C a pad ó cio , mercador de escravas

U ma v e lh a , porteira de Capadócio

O CORIFEU

A ação passa-se em Epidauro

1) Palinuro: “que faz voltar a prosperidade”.


2) Planésia: “que se perde” ou ”que vai errante”.
3) Terapontígono: “filho de servo” (?).
4) Lico: “lobo”.
ATO I

PALINURO, FÉDROMO (com um archote na mão); sé­


quito de escravos levando um jarro cheio de vinho,
uma taça, etc.

Onde é que vais tu a esta hora da noite com


P a lin u r o :
esse vestuário e todo esse luxo?

F édrom o: Aonde o mandam Vênus e Cupido, aonde o


amor me leva. Tanto faz que seja meia-noite como o
entardecer; quando chega o dia marcado para o en­
contro com o inimigo, tem de se ir mesmo, quer se
queira quer não.

P a lin u r o : Mas realmente, realmente...

F édrom o: Realmente o que é é que tu me aborreces.

Mas não se trata de nenhuma guerra, não se


P a lin u r o :
trata de nenhum feito honroso. Ires assim servindo
de escravo a ti próprio, levando tu próprio a luz.

F édrom o: Então eu não hei de levar o que é obra das


abelhas, o que veio de tão doce origem, àquela que é
para mim tão doce como o mel?

P a lin u r o : Mas vamos lá ver para aonde é que tu vais.

F édrom o: Se tu mo perguntares digo-te e ficas a saber.

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P a l in u r o : Então se eu perguntar o que é que tu res­
pondes?

F édrom o : Este é o templo de Esculápio .1

P a l in u r o : Já o sei há mais de um ano.

F édro m o(mostrando a casa de Capadócio): Vês esta


porta ao lado? Tão bem fechada? Salve, ó porta fe-
chadíssima, como vais de saúde?

(voltando-se também para a porta e arre­


P a lin u r o
medando Fédromo): Não tiveste ontem febre? Nem
anteontem? Jantaste bem?

F édrom o: Estás a fazer troça de mim?

P alinu r o : Mas, ó
meu louco, tu não estás a perguntar
se a porta vai bem de saúde?

F édrom o: Por Hércules! É a porta mais bela e mais


calada que eu tenho visto. Nunca pronuncia uma pa­
lavra. Quando se abre, é em silêncio e fica em silên­
cio quando ela de noite vai às escondidas ter comigo.

Mas, ó Fedro, por que é que tu vais fazer


P al in u r o :
uma coisa, ou pelo menos pensas fazer, que não é
digna nem de ti nem de tua família? Não irás tu ar­
mar ciladas a uma menina séria ou que, pelo menos,
o deveria ser?

F édrom o: Mas a ninguém. Oxalá Júpiter nunca o


permita.

o que eu quero. Mas o que tu deves é ter


P a l in u r o : É
os teus amores de maneira que se alguém o souber

1) E scu lápio: deus da medicina.

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não te venhas a sentir envergonhado. Trata sempre
de o não fazer sem testemunhas. Tudo o que amares,
ama diante de testemunhas.

F édrom o: Que significam essas palavras?

P a l in u r o : Que deves avançar cautelosamente.

F éd ro m o : Mas quem mora aqui é um mercador de es­


cravas.

Ninguém proíbe nem impede que, se tiveres


P a l in u r o :
dinheiro, compres o que está claramente à venda.
Ninguém impede a pessoa alguma que vá por um
caminho público; o que se não quer é que se entre
em propriedade cercada. O que tens de evitar é mu­
lheres casadas, viúvas, donzelas, menores e moços li­
vres; fora disso podes amar o que quiseres.

F édrom o: Pois esta é a casa do mercador.

P a l in u r o : Maldita seja ela.

F édrom o: Por quê?

P a l in u r o : Porque serve para uma terrível escravatura.

F éd ro m o (irônico): Fala, anda.

P a l in u r o : Com todo o gosto.

F édrom o: Não te calarás?

P a l in u r o : Mas ainda há bocado me mandavas falar!

F édrom o: Mas agora não quero. Como estava a dizer,


ele tem uma escravazinha...

P a l in u r o : Esse mercador que aqui mora?

251
F édrom o: Exatamente.

P al in u r o : Então, já não me engano.

F édrom o:Estás-me a aborrecer. Ele quer fazer da


moça prostituta; a moça morre por mim. Mas eu não
quero amores a meias.

P al in u r o : Como é isso?

F é d r o m o : É que eu tam bém gosto dela; e do mesmo


modo.

P a l in u r o : Todo amor clandestino é mau. Só vem a dar


prejuízo.

F édrom o: Por Hércules! É realmente o que dizes.

P alin u r o : E tu, já a dom aste?

F édrom o: Respeito-a tanto como se ela fosse minha


irmã; o que tem havido de mais audaz têm sido uns
beijos.

Lembra-te sempre de que a chama vem logo


P a lin u r o :
atrás do fumo. O fumo não pode queimar nada, mas
a chama pode. Quem deseja comer o miolo da noz
tem de lhe quebrar a casca. Quem se quer deitar tem
de começar pelos beijos.

F édrom o:Mas ela é uma menina séria, e não se deita


com homens.

Estou pronto a acreditar quando houver um


P al in u r o :
mercador de escravas com vergonha.

F édrom o: Mas que é que tu pensas!? Sempre que tem


ocasião de me vir ver às escondidas, dá-me um beijo

252
e foge. E isto faz ela porque o mercador está doente e
dorme no templo de Esculápio .2 O que ele me tortu­
ra!

P a linuro : Então que há?

F édrom o:Umas vezes pede-me por ela trinta minas,


outras vezes um talento. Não posso conseguir dele
um preço justo e razoável.

P a linuro : Masnão é certo exigir dum mercador coisas


que ele não tem.

F éd r o m o :
Mandei agora a Cária um parasito meu a
pedir dinheiro emprestado a um amigo; se não mo
traz nem sei para onde me hei de voltar.

P a linuro : Se for para saudar os deuses é para a direi­


ta.

F éd r o m o :
Este altar que vês diante da porta é consa­
grado a Vênus. Pois já prometi trazer a Vênus um
almoço.

P alinu r o : E vais-te pôr a almoçar diante de Vênus?

F éd r o m o : Eu, tu e os outros todos (mostrando os es­


cravos).

P alinu r o : Então tu queres que Vênus vomite?

F édrom o (ao escravo que leva o vinho): Escravo, dá-


me cá o jarro do vinho.

P alinuro : Que vais fazer?

2) no templo de Esculápio. Era comum os doentes dei­


tarem-se no templo de Esculápio para que o próprio deus
viesse curá-los.

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F édrom o: Já vais saber. Costuma dormir aqui uma ve­
lha que serve de guarda e de porteira. Pois o nome
dessa velha é Muito-o-Bebe e Puro-o-Bebe.

P a linu r o :
Parece que estás a descrever uma garrafa
de vinho de Quios .3

F édrom o :Para que havemos de estar com mais pala­


vras? A velha gosta imenso de vinho e mal eu der­
ramo algum diante da porta, sabe pelo cheiro que
sou eu e abre imediatamente.

P a l in u r o : E então este pote é para ela?

F é d r o m o : A não ser que tu não dês licença.

P alinu r o :E não dou mesmo, por Hércules. Maldito


seja quem o leva. Um vinho que eu julgava que era
para nós.

F édrom o: Por que é que não te calas? Se sobrar algum


sempre será bastante.

Mas isto é um rio como não vai nenhum


P a l in u r o :
para o mar!

F édrom o: Vem cá, Palinuro. Vem comigo à porta.


Obedece-me.

P a l in u r o : Cá estou.

(espargindo vinho sobre o umbral): Vamos,


F éd ro m o
porta querida, toca a beber, toca a virar e a fazer-me
a vontade.

3) O vinho desta ilha grega era considerado como um dos


melhores da Antiguidade.
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P alinuro (à porta, arremedando Fédromo): Queres
azeitonas? ou um guisado? ou alcaparras?

F é drom o (continuando a oferenda): Acorda a tua


guarda, que ela venha a mim.

P alinuro (a Fédromo): Estás a derramar vinho? Que


agitação é essa?

F édrom o: Deixa lá. Não vês como já se abre esta que


ridíssima porta? E como o gonzo não faz barulho?
Oh que bom!

P a l in u r o : Por que é que não lhe dás beijos?

F édrom o: Cala-te! Nem conversas, nem luz.

P a l in u r o : M uito bem.

A VELHA, FÉDROMO, PALINURO

A v e l h a : Chegou-me ao nariz o perfume do vinho ve­


lho. E o desejo de o provar me leva aqui pela escuri­
dão. Onde está ele, onde está ele? Já aqui o sinto
perto de mim... Bravo, tenho-o nas mãos. Salve, mi­
nha alma, salve, delícias de Baco! Como eu gosto da
tua vetusta velhice! O cheiro dos perfumes, compa­
rado contigo, até dá náuseas. Tu és para mim a flor
da mirra, o cinamomo, a rosa, o açafrão, a cássia.
Queria ser enterrada no lugar em que te derrama­
ram. Mas como agora o teu cheiro já agradou am­
plamente ao meu nariz, dá-me à garganta um prazer
igual. Mas não consigo nada... Onde é que tu te es­
condes? O que eu anseio é por tocar-te, por sentir a
garrafa atirar-me para dentro todo o seu líquido.
(Fédromo se afasta para atraí-la.) Parece que foi por
aqui. Vamos por aqui também.

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F é drom o (em voz baixa, a Palinuro): A velha está com
sede.

P a l in u r o : Um pouquinho de sede, não?

F édrom o: Um quase nada. É bem capaz do seu almu


de.

Por Pólux! Pelo que tu dizes nem bastaria


P a l in u r o :
para ela só toda a vindima deste ano... O que era
acertado é que ela tivesse sido cachorro. Tem um
ótimo faro.

A velha : Por favor! Que voz é essa que eu ouço ao lon­


ge?

F édro m o (em voz baixa, a Palinuro): Acho que se


deve chamar a velha. Vou aproximar-me. (Alto, à ve­
lha.) Velha, volta cá e olha para mim.

A velha : Quem é que manda?

F édrom o: É o senhor do vinho, o alegre Baco. Aquele


que traz bebida a quem está cansada, seca e estre
munhada; aquele que te acalma.

A velha : Está muito longe de mim?

F édrom o : Olha para esta luz.

A velh a : Peço que venhas para mim um pouco mais


depressa.

F éd ro m o (aproximando-se): Viva!

A velha : Como é que eu vou estar viva com tanta se­


de?

F édrom o: Vais já beber.

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A velh a: Leva tanto tempo.

F éd ro m o (dando-lhe o cântaro): Aqui tens, querida ve­


lha.

A velha: Obrigada, menina dos meus olhos!

P alin uro (à velha): Vamos, atira já isto para os abis­


mos, lava depressa o esgoto.

F édrom o : Cala-te já. Não lhe digas coisas desagradá­


veis.

P a l in u r o : Realmente prefiro fazê-las.

A velha (voltando-se para o altar de Vênus): Ó Vênus!


Não é de boa vontade que te dou um pouco deste
pouco. (Faz menção de derramar uma libação.) To­
dos os apaixonados te dão vinho de todas as vezes
que fazem brindes ou bebem; mas eu poucas vezes
tenho sorte dessas.

Ora vê! Como essa sem-vergonha mete para


P a l in u r o :
dentro vinho tão bom e às golfadas.

F édrom o: Por Hércules, estou perdido! Não sei que lhe


hei de dizer para começar.

P a l in u r o : Dize-lhe o que me disseste a mim.

F édrom o: Então o que é?

P a l in u r o : Dize-lhe que estás perdido.

F éd r o m o : Que os deuses te confundam!

P a l in u r o : Dize-lhe isso a ela.

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A velha (com um suspiro de contentamento): Ah!

P a linuro : Então que há? É bom?

A velh a : É bom.

P alinuro (à velha): Pois para mim o que era bom era


furar-te com este pau.

F édro m o : Cala-te. Não faças isso.

P a linuro :
Cá estou calado. (Mostrando a velha toda
curvada, deleitando-se a beber.) Mas o arco 4 está a
beber, vai haver chuva hoje, está-me a parecer.

F édro m o : Então digo-lhe mesmo?

P a linuro : Dizes-lhe o quê?


F édro m o : Que estou perdido.

P alinu r o : Vamos, dize.

F édro m o : Olha,
velha, eu quero que saibas uma coisa:
que sou um desgraçado e estou perdido.

A velha : Por Pólux! Eu cá estou salva. Mas então que


é isso? Por que razão é que dizes que estás perdido?

F édro m o : Porque não tenho aquilo de que gosto!

A velha : Vamos, meu Fédromo, por favor, não chores.


Trata de fazer que eu não tenha sede, e eu vou já
buscar-te o que tu amas.

4) o arco: o arco-íris ou arco-da-velha. Os romanos supu­


nham que as águas do mar subiam pelo arco-íris até às nuvens
e daí caíam em chuva sobre a terra.

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F édrom o:Pois eu se tu me fores fiel, hei de levantar-te
uma vinha em vez de estátua de ouro, para que sirva
de monumento à tua garganta. Ó Palinuro, não é
verdade que se ela vier ter comigo não haverá no
mundo ninguém com mais sorte do que eu?

Por Pólux! Quem ama e não tem dinheiro


P a l in u r o :
muito tem que sofrer.

F édrom o: Mas não é esse o meu caso. Espero que hoje


o parasito me traga dinheiro.

P a l in u r o : É realm ente grande audácia esperar tan to o


que nunca virá.

F édrom o: E se eu fosse até à porta cantar um bocado?

Se te apetece, nem proíbo, nem mando. Mas


P a l in u r o :
o que eu vejo, meu amo, é que estás com outros cos­
tumes e outro gênio.

F édrom o: Ó ferrolhos! ferrolhos! com que prazer eu


vos saúdo e vos amo, vos quero, vos suplico e vos
rogo que tenhais benevolência e deis satisfação ao
amor de quem ama! Tornai-vos, por minha causa,
dançarinos bárbaros, pulai, saltai e trazei-ma cá fora,
àquela que bebe o sangue do desgraçado amante.
Mas vê como dormem estes fechos terríveis, como as
minhas amabilidades não conseguem impressioná-
los. O que eu verifico é que em nada vos importais
com a minha satisfação. (A Palinuro.) Mas silêncio,
silêncio!

P a l in u r o : Pronto, calo-me! Mas que há então?

F édrom o: Sinto ruído. Por Pólux! São finalmente os


fechos que me atendem.

259
A VELHA, PLANÉSIA, FÉDROMO, PALINURO

A v e l h a : Sai devagarinho e vê lá se não fazes barulho


com a porta e se não se ouvem os gonzos, para que o
nosso amo não perceba o que fazemos por cá, minha
Planésia. Espera aí. Vou botar um pouco de água.

Vês a velha a tremer e a preparar um remé­


P a l in u r o :
dio? Ela trata-se, bebendo vinho puro e à porta dá a
beber água.

Onde estás tu que me vens convidar em


P l a n é s ia :
nome de Vênus? Onde estás tu que me marcas en­
contros com bilhetes de Vênus? Por mim, aqui estou
eu. Compareço diante de ti e aconselho-te a que fa­
ças o mesmo do teu lado e compareças diante de
mim.

F édrom o: Aqui estou. Se estivesses ausente não pode­


ria negar que me portava mal, meu doce mel.

Ó alma da minha alma! Não é bom ficar


P la n é s ia :
quem ama assim tão longe.

F édrom o: Palinuro! Palinuro!

P a l in u r o : Dize lá que é. Por que é que chamas por


Palinuro?

F é d r o m o : É tão engraçada.

P a l in u r o : Engraçada demais.

F édrom o: Estou feito um deus.

P a l in u r o : Mas como homem vales pouco.

F édrom o: Mas que é que tu viste ou que verás tu mais


comparável aos deuses?

260
(de mau humor): O que me parece é que tu
P alin u r o
estás doente. E isso é que me custa.

F édrom o (irritado): Não me venhas agora com conse­


lhos. Vê lá se te calas.

P alinuro (mudando de tom): Isto é que é torturar-se a


si próprio; ver um homem quem ama, e não o ter
como podia.

F édrom o: A observação dele é justa; na verdade não


há coisa nenhuma que eu mais deseje há muito tem­
po.

P l a n é s ia : Pega em mim, abraça-me.

F édrom o: Eis exatam ente o que me faz viver. O amo


afasta-te de mim; mas eu possuo-te sem o amo saber,

Afasta, mas não pode afastar nem afastará;


P l a n é s ia :
a não ser que a morte venha separar de ti a minha
alma.

P alinuro (aos espectadores): Eu realmente não posso


deixar de censurar o meu dono; é bom amar um
pouco e com juízo, mas sem juízo é o que há de pior,
e o que faz o meu amo é amar sem juízo nenhum.

F édrom o: Que os reis tenham seus reinos para si. E


guardem os ricos suas riquezas, outros as honras, o
valor, combates e batalhas; podem ter o que quise­
rem, contanto que me não invejem.

Então que é isso? Fizeste a promessa de vi­


P a l in u r o :
gílias a Vênus, Fédromo? Por Pólux! Olha que daqui
a pouco rompe o dia.

F édrom o: Cala-te.

261
Para que me hei de calar? Por que é que
P al in u r o :
não vais dormir?

F édrom o: Estou a dormir, não grites.

P a l in u r o : Mas estás desperto!

F édrom o: Estou a dormir à minha maneira; o meu


sono é assim.

P alinuro (a Planésia): E tu, menina, olha que não é


bonito fazer mal a quem não o merece.

Mas zangas-te se ele te manda embora da


P l a n é s ia :
mesa quando estás a comer.

Está claro. O que eu vejo é que os dois mor­


P a l in u r o :
rem de amor; estão ambos loucos. Olha como eles se
acariciam. E não acabam de se abraçar. — Se
paramo-nos ou não?

Para os homens não há bem que sempre du­


P l a n é s ia :
re. Até o aborrecimento intervém nestes prazeres.
(Mostra Palinuro.)

O que é que tu dizes, minha sem-vergonha?


P a l in u r o :
Vens tratar-me de aborrecido com esses teus olhi
nhos de coruja?! Ora a toleirona! Olha a criançola!

F édrom o: Tu estás a insultar a minha Vênus? Então


um escravo cheio de nódoas negras vai pôr-se a falar
assim? Por Hércules! Vais ver o que custam essas pa­
lavras! Ai de ti, se te pões com essas grosserias! Aqui
tens: (bate-lhe) é para aprenderes a moderar-te na
linguagem.

P a l in u r o : Sê minha testemunha, Vênus noturna.

(continuando a bater-lhe): Ainda prossegues,


F é drom o
miserável?

262
P la n é sia :
Não batas nessa pedra, querido; olha que
magoas a mão.

P a linu r o :
Ah, Fédromo, estás cometendo um crime
horrível! Batendo assim em quem te está mostrando
o bom caminho! O teu amor por esta mulher não
vale nada. E é por isso que tu te vais pôr com estes
costumes?

Pago-te bem se me encontrares um amante


F édrom o:
moderado. Pega lá dinheiro.

P a l in u r o : E u nem me im porto de receber ouro falso,


con tan to que m eu am o ganhe juízo.

P lanésia (a Fédromo): Adeus, adeus, menina dos


meus olhos. Estou a ouvir o ruído, o estalido de por­
tas. É o guarda a abrir o templo. Até quando iremos
nós ter uns amores assim escondidos?

F édrom o:Vais ver. Há três dias que mandei a Cária


um parasito para arranjar dinheiro; deve chegar hoje.

P l a n é s ia : Levas sempre tanto tempo.

F édrom o: Assim Vênus me proteja como é certo que


eu não deixarei que passem estes três dias sem te
tirar dessa casa e te dar a liberdade.

P l a n é s ia : Vê lá, não te esqueças de mim; e agora, an­


tes de m e ir embora, tom a lá um beijo.

F édrom o:Por Hércules! Se agora me dessem um reino


abandonava-o por isto. Quando tornarei a ver-te?

P la n ésia : Lembra-tebem do que disseste. Se me que­


res compra-me. Não regateies. O teu preço tem de
vencer o dos outros. Adeus.

263
me vais deixar? Ai Palinuro, agora é que
F é d r o m o : Já
eu estou perdido.

P a l in u r o : E u é que estou perdido com a pan cad a e


com o sono.

F édrom o: Vem comigo. (Entram em casa de Fédromo.)

264
ATO II

CAPADÓCIO, PALINURO

(saindo do templo de Esculápio; tem


C a p a d ó c io
enorme barriga): O que eu tenho a fazer é sair já do
templo, porque não há dúvida alguma de que Es­
culápio não quer ouvir as minhas preces nem
curar-me. Diminui a saúde e aumenta o sofrimento.
Quando ando parece que levo à volta do corpo um
cinto feito do baço. Dá-me até a impressão de que
vou ter gêmeos. Estou mesmo com medo de me que­
brar ao meio. Pobre de mim!

P alinuro (saindo da casa de Fédromo, que não se


mostra): Ouve, Fédromo, devias seguir o meu conse­
lho e deixar-te dessas angústias. Estás com um medo
danado, lá porque não voltou de Cária o parasito.
Pois o que eu acho é que ele vai trazer o dinheiro. Se
não trouxesse não haveria cordas capazes de o reter:
não deixava de vir à busca de comida no estábulo
habitual.

C a p a d ó c io : Mas quem é que está a falar?

P a l in u r o : De quem será esta voz que eu estou a ou­


vir?

C a p a d ó c io : Será o Palinuro de Fédromo?

265
Quem será este homem de barriga tão
P a l in u r o :
grande e de olhos cor de erva? Pelo vulto conheço-o,
mas pela cor não há maneira... Ah, já sei de quem se
trata: é Capadócio, o mercador. Vou ter com ele.
C a p a d ó c io : Viva, Palinuro!
Olá, grandíssimo patife, como vai isso? Que
P al in u r o :
fazes por aqui?

C a p a d ó c io : V ou vegetando...

P a l in u r o : É o que mereces. Mas que tens tu?

C a p a d ó c io : É o baço que dá cabo de mim, e os rins


que me doem, e os pulm ões que se desfazem, o fígado
que é um a tortura, o coração que se va i todo em bora
e as tripas todas que me doem.

P alinuro (com ar risivelmente enfático): Então o que


tu tens é qualquer coisa no fígado.

C a p a d ó c io : É bem fácil fazer troça de quem sofre.

questão é agüentar mais uns dias, até se


P a l in u r o : A
te estragarem os intestinos; agora é que é o bom
tempo de salga. Podes chegar quase ao preço da tri­
pa.

C a p a d ó c io : Tenho o baço inchado.

P a l in u r o : Então é andar, que é ótimo para o baço.

Por favor, deixa-te disso e responde ao que


C a p a d ó c io :
te quero perguntar. Não poderias tu, se eu to contas­
se, explicar-me um sonho que tive esta noite?

Ora! Eu sou o único homem que sabe de


P al in u r o :
adivinhações. Até os adivinhos vêm pedir as minhas
luzes. E o que eu lhes respondo é para eles como se
fosse um oráculo.

266
O COZINHEIRO, PALINURO, CAPADÓCIO,
FÉDROMO

O c o z in h e ir o : Olá, Palinuro, que estás tu a fazer aí?


Por que é que não me vais preparar tudo aquilo de
que preciso para que esteja pronta a comida quando
chegar o parasito?

Espera um bocadinho enquanto explico


P a l in u r o :
aqui um sonho.

O co zin h e ir o : Mas se tu, quando sonhas, vens ter co­


migo!

P a l in u r o : Lá isso é verdade.

O co zin h e ir o : Vamos, trabalha.

P alin u ro (a Capadócio): Bem, o que tu deves é ir con­


tando o sonho a este homem; entrego-te a quem é
melhor do que eu. Tudo o que eu sei foi ele que me
ensinou.

C a p a d ó c io : Então que me ouça.

P a l in u r o : Claro que ouve. (Sai.)

C apa d ó c io (mostrando Palinuro): Sempre tem um mé­


rito, o de obedecer a quem o manda. (Ao cozinheiro.)
Então escuta-me lá.

O cozinheiro : Não te conheço, mas sempre te vou ou­


vindo.

Pois esta noite sonhei que via Esculápio


C a p a d ó c io :
mas que estava muito longe de mim e que não se
aproximava nem fazia caso nenhum.

267
O c o zinh eiro : E é o que os outros deuses vão fazer.
Entendem-se todos às mil maravilhas. Também não
é de admirar que não estejam mais bem dispostos
contigo. O que tu devias era deitar-te no templo de
Júpiter, que sempre te ajudou, mesmo apesar dos ju ­
ramentos falsos.
C a pa d ó c io : Se
quisessem lá deitar-se todos os que têm
jurado falso, não havia mais lugar no Capitólio .5
O cozinh eiro : O que tens a fazer é o seguinte. Faze as
pazes com Esculápio para que não te suceda nenhum
grande mal conforme ao que visse de noite.
C a pa d ó c io : É um bom conselho. Vou lá rogar-lho.
O cozinh eiro : Em má hora o faças! (Capadócio torna
a entrar no templo; o cozinheiro sai.)
P alinuro (saindo da casa): Pelos deuses imortais! Que
é que eu vejo! Quem é que está ali! Não é o parasito
que se mandou a Cária?! (Gritando.) Olá, Fédromo!
Vem cá fora, vem depressa! Olha que sou eu que te
digo que venhas depressa.
F édro m o (saindo): Para que é esse barulho todo?

P a linu r o : É oteu parasito que eu vejo vir a correr.


Olha lá está ele no fim da praça. Vamos ver o que ele
faz.
F éd r o m o : Está muito bem.

GORGULHO, FÉDROMO, PALINURO

G o r g ulh o :
Toca a abrir-me caminho, conhecidos e
desconhecidos, para que eu possa cumprir o meu de­
ver. Vamos, afastai-vos todos. Ide embora, tirai-vos

5) Era nesta colina de Roma que ficava o templo de Júpi­


ter.

268
do caminho para que eu não derrube alguém ao cor­
rer, ou com o cotovelo, ou com o peito, ou com o
joelho. O que eu tenho a fazer é uma coisa muito ur­
gente; tem de ser já, tem de ser depressa. Que nin­
guém se julgue bastante poderoso para se me atra­
vessar no caminho; não há general, nem príncipe,
nem inspetor, nem edil, nem pretor, não há ninguém
com tanta glória que eu não faça cair de cabeça no
meio da rua. Até esses gregos de pálio 6 que vão an­
dando de cabeça coberta, que vão cheios de livros e
de embrulhos e que param para discutirem coisas
absurdas e que impedem a circulação, embaraçam o
caminho, depois lá andam de novo com as suas sen­
tenças. Estão sempre a beber nas termas; logo que
apanham alguma coisa cobrem a cabeça e vão beber
no duro. Depois voltam tristes e um tanto bêbados,
Pois, se os encontro, apanha cada um seu pontapé. E
a esses escravos desses bobos que andam jogando
pelas ruas, a toda essa malandragem vou ferrar já no
chão. O melhor que têm a fazer é ficar em casa, para
evitarem uma desgraça.

F édrom o:Realmente se ele pudesse mandar as ordens


seriam excelentes. E a questão é esta: é que, hoje»
não há mais escravos que obedeçam.

G orgulh o : Quem haverá que me possa dizer onde


está Fédromo, o meu gênio tutelar? O assunto é ur­
gente: tenho que encontrar já o homem.

P a lin u r o (a Fédromo): Ele anda à tu a procura.

F édrom o: E se nos aproximássemos? Olá, Gorgulho,


quero falar contigo.

6) Alusão aos filósofos gregos que tinham recentemente


chegado a Roma.

269
F é d r o m o : O raio do homem !
G orgulh o:Quem é que me chama? Quem é que disse
o meu nome?

F édrom o: Uma pessoa que te quer encontrar.

G orgulho: Não é maior o teu desejo de me encontra


res do que o meu de te encontrar a ti.

F édrom o: Ó minha esperança! Salve! Querido Gorgu­


lho!

G orgulho: Salve!

F édrom o:Estou muito contente por te ver chegar de


saúde. Dá cá a tua mão. E essas minhas esperanças?
Por Hércules te peço que me fales.

G o r g ulh o : E
dize lá tu por favor: as minhas onde es­
tão? (Dá mostras de cair de fraqueza.)

F édrom o: Que tens tu?

G orgulho: Vejo tudo escuro à volta. E sinto do-


brarem-se-me os joelhos.

F édrom o: Por Hércules! Acho que deve ser fraqueza!

G orgulh o : Por favor, segurem-me, segurem-me!

F édrom o: Olhem como ele está pálido! Dêem-lhe já


uma cadeira para ele se sentar! Tragam-lhe um copo
de água! Andem depressa!

G orgulh o : Sinto-me mesmo mal!

F édrom o: Queres água?

G orgulho: Por Hércules! Se houvesse por aí uns res­


tos era bem capaz de comer alguma coisinha.

270
F é d r o m o : O raio do homem !

G orgulh o : Por Hércules! Abana-me um pouco para eu


melhorar!

F édrom o: Com todo o gosto. (Fédromo e Palinuro o


abanam.)

G o rgulh o: Mas que é que estais a fazer?

P a l in u r o : Estamos a dar-te ar.

G orgulh o: Ventinho não me serve.

F édrom o: Então que é que tu queres?

G orgulho: Comer bastante para criar vento cá dentro.

F édrom o: Que Júpiter e os deuses te confundam!

G orgulho: Estou perdido! Já pouco vejo! Sinto a boca


amarga, os dentes grossos, tenho a garganta estran­
gulada de fome, e a barriga tão vazia que me derreto
todo.

F é d r o m o : Já vais com er um a coisa qualquer.

G o rgulh o:Por Hércules! Uma coisa qualquer, não:


prefiro uma coisa certa.

F édrom o: Se tu soubesses o que nos resta!

G o rgulh o:O que eu quero é saber onde está! Os meus


dentes estão com enorme necessidade desse encon­
tro.

F édrom o: Temos presunto, barriga, lombo, peito de


porca.

G orgulh o: Tudo isso, então? Mas, se calhar, no açou


gue.
Nada disso. No prato. Preparamos-te tudo,
F édrom o:
quando soubemos que ias chegar.

G orgulh o: Olha lá não me estejas a enganar.

O xalá seja tão certo gostar de mim aquela


F édrom o:
que eu amo como é certo que não estou mentindo.
Mas estou sem saber nada daquilo a que te mandei.

G o rgulh o: Não trouxe nada.

F édrom o: Ai que estou perdido!

G orgulh o: Mas posso encontrar-te, se me ajudares.


Depois de me teres dado ordem de partir, pus-me a
caminho e cheguei a Cária. Estive com o teu amigo e
pedi-lhe o dinheiro. Disse-me que teria muito prazer
em te ser agradável e que teria vontade de não te
desiludir como deve fazer todo o amigo ao seu amigo.
E que desejaria prestar-te auxílio mas que, em pou­
cas palavras e com toda a verdade, me tinha que di­
zer que se encontrava com à mesma falta de dinheiro
em que te encontras agora.

F édrom o: Dás cabo de mim com as tuas palavras.

G orgulh o: Qual! Estou a salvar-te e quero que te sal­


ves. Depois dele me ter respondido isto, fui para a
praça muito triste por ter feito a viagem em vão. Por
acaso encontrei um militar meu conhecido, dirigi-me
a ele e cumprimentei-o. Viva, disse-me ele. E
apertou-me a mão, puxou-me para o lado e pergun­
tou que tinha vindo eu fazer a Cária. Disse-lhe que
tinha ido para me distrair; então o homem
perguntou-me se eu conhecia em Epidauro o ban­
queiro Lico. Disse-lhe que conhecia. “ E a Capadócio,
o mercador de escravas?” Respondi que já tinha ido
à casa dele. “ Que é que tu lhe queres?” — “ Bem, é
que lhe comprei uma moça por trinta minas, e ainda
vestidos e jóias que me ficaram em mais dez.” “ Já

272
deste o dinheiro?” , perguntei eu. “Não, o dinheiro
está com esse banqueiro, com o Lico de que falei. E
dei-lhe ordem de ajudar quem lhe apresentasse uma
carta minha com meu sinete a tirar a mulher ao
mercador, com jóias e vestidos.” Depois desta con­
versa, afastei-me; mas ele tornou-me logo a chamar e
convidou-me para uma ceia; seria um sacrilégio re­
cusar. “E se nós fôssemos para a mesa?” , perguntou
ele. Aprovei o plano. Eu cá nunca demoro o que
como de dia para não prejudicar o que vou comer à
noite. Estava já tudo preparado, e preparado para
nós; depois de comermos e bebermos, mandou bus­
car os dados. Convidou-me para o jogo e eu aceitei e
apostei o manto. Ele apostou o anel e invocou Plané­
sia.

F é d r o m o : A m inha querida?

G orgulh o : Um pouco de silêncio. Ele tirou os quatro.


Eu pego nos dados, invoco a minha ama, que me
criou, e ferro-lhe um golpe de mestre. Passo-lhe uma
taça enorme e o homem bebe, encosta a cabeça e
põe-se a dormir. Eu, então, fui muito sorrateiro e
tirei-lhe o anel; desci devagarinho do canapé para o
militar não dar por nada. Os criados perguntaram-
me aonde é que eu ia e eu respondi que ia ao lugar
onde costuma ir quem se sente pesado. Mal vi a por­
ta, perna para que te quero.

F édrom o: Formidável!

G orgulh o: Vais dizer formidável, mas é quando apa-


nhares o que queres. Vamos lá dentro, vamos todos
escrever uma carta.

F édrom o : Vamos já!

G orgulh o: Primeiro vamos dar cabo dum pouco de


presunto, de lombo e peito de porca; tem que se dar
firmeza à barriga com pão, assado, uma grande taça

273
e uma grande panela; só assim é que saem bons os
conselhos. Tu vais escrever, este aqui vai servir-me e
eu vou comer. E dizer-te o que tens de escrever. Vem
cá dentro comigo.

F édrom o: A í vou. (Entram em casa de Fédromo.)

274
ATO III

L/CO, GORGULHO, CAPADÓCIO

Lico (só): Sinto-me feliz; estive a fazer as contas do di­


nheiro que tenho e de quanto devo. E estou rico se
não pagar a quem devo; se pagar o que devo, então é
mais o que não é meu. Mas, por Hércules, quando
penso bem, acho que não haverá inconveniente em ir
ao pretor se insistirem muito por que eu lá vá. Os
banqueiros têm na maior parte este costume de pe­
direm emprestado uns aos outros e de não pagarem
nunca; se alguém insiste mais, resolve-se a questão a
soco. Quem arranja dinheiro depressa tem também
de o poupar com afinco se não quer morrer de fome.
O que eu queria era comprar um escravo que enten­
desse de usura: tenho de arranjar dinheiro.

(saindo da casa de Fédromo e falando-lhe):


G o r g u lh o
Depois de eu jantar bem é escusado dar-me conse­
lhos: não me esqueço de nada e sei perfeitamente
tudo quanto tenho a fazer. Vou dar-te com toda a fa­
cilidade o que tu queres. (À parte.) Por Pólux, não
posso dizer que me não tenha enchido bem; e, no en­
tanto, acho que ainda ficou por cá um certo espaço
onde caberiam facilmente uns restinhos dos restos.
(Percebendo Lico.) Mas quem será este homem que
saúda Esculápio de cabeça coberta? Olá! É exata­
mente quem eu procurava. (A um escravo que o
acompanha.) Vem cá. Eu vou fingir que não o conhe­
ço. Olá! quero falar-te.

275
Lico: Olá, zarolho.

G o r g ulh o : O que é isso? estás a fazer troça de mim?

Lico: Julguei até que eras da família dos Cocles, por­


que essa gente só tem um olho.

G o r g ulh o :
Isto foi um tiro de catapulta que eu levei
em Sicione.

Lico: E que me importa a mim que tenha sido com


isso ou com o barril de lixo da cozinha?

G org ulho (à parte): Este homem deve ser adivinho


porque diz a verdade. É com essas catapultas que eu
costumo apanhar. (Alto.) Recebi esta ferida quando
era moço e ao serviço da pátria; é uma cicatriz hon­
rosa; mas não me chames para as eleições.

Lico: Chamar-te às eleições, não, mas talvez chamar-te


ao tribunal.
G o r g ulh o :
Ao tribunal também não. A mim não me
agrada nem justiça nem política, mas se puderes
indicar-me a pessoa de quem eu ando à procura, en­
tão é que tu me farás um grande e precioso favor.
Ando à procura do banqueiro Lico.
Lico: Dize lá. Por que é que queres falar com ele? É da
parte de quem?
G o r g ulh o : E u vou
explicar-te. É da parte de Terapon­
tígono Platagidoro, o militar.
Lico: Por Pólux! Bem conheço o nome. De todas as
vezes que o escrevo tenho de gastar quatro tábuas de
cera .7Mas por que é que andas à procura de Lico?

7) Um dos processos de escrita da Antiguidade, sobretudo


para cartas e bilhetes, era o de gravar as letras com um esti­
lete sobre tabuinhas recobertas de cera.

276
G orgulho: Encarregaram-me de lhe levar esta carta.

Lico: Quem és tu?

G o r g u l h o : S ou um liberto seu, e o meu nome é Mão-


baixa.

Lico: Viva, Mão-baixa. Mas por que é que te cha­


mam Mão-baixa, dize lá?

G orgulho: Porque faço mão-baixa nas roupas de todo


o ébrio adormecido; (faz o gesto de roubar) é por isso
que me chamam Mão-baixa.

Lico: Então o melhor é procurar outra casa; porque na


minha não há lugar para nenhum Mão-baixa. Mas
enfim, aquele que tu procuras sou eu mesmo.

G orgulho: Realmente és tu o banqueiro Lico?

Lico: S ou eu mesmo.

G orgulho: Pois Terapontígono mandou-te muitos


cumprimentos e ordenou-me que te entregasse esta
carta.

Lico: A mim?

G orgulho: Exatamente. Olha, vês o sinete? Não o re­


conheces?

Lico: Como não hei de reconhecê-lo! Um guerreiro de


escudo que abate um elefante com a espada.

G orgulho: Pois ele manda-te pedir que faças exata­


mente o que ele te escreve; e que ficará muito agra­
decido.

Lico (fazendo-lhe sinal para que se afaste): Dá cá;


deixa ver o que ele escreveu.

277
G o r g ulh o :
Seja tudo como quiseres; não desejo mais
nada senão o que peço.

Lico (lendo): “ O militar Terapontígono Platagidoro


envia a Lico, seu hospedeiro em Epidauro, as suas
melhores saudações.”

G org ulho à parte): Já o apanhei; já está a morder no


anzol.

Lico (lendo): “ Peço-te e rogo-te que faças dar a quem


te leva esta carta a moça que aí comprei, com jóias e
vestidos, e de cuja compra tu foste o intermediário e
a testemunha; já sabes o que se combinou: dás o di­
nheiro ao mercador e a moça a esse homem.” E ele
onde está? Por que é que não veio?

G o r g ulh o : Vou já
dizer-te. Chegamos da Índia a Cária
há três dias; e ele quer erigir uma estátua toda de
ouro de Filipe ,8 com uma altura de sete pés, para
que seja um monumento de seus feitos.

Lico: Mas por quê?

G org ulho (em tom de valentão): Vou dizer-te. É que


ele submeteu, sozinho, em vinte dias, os Persas, os
Paflagônios, os Sinopeus, os Árabes, os Cários, os
Cretenses, os Sírios, Rodes e Alicia, a Comidíssima e
a Bebidíssima, a Centauromaquia, a Crácia, a Uno
mânia, a Líbia e toda a costa da Vinholândia; enfim,
metade das nações que existem.

Lico: Eh!

G o rg ulh o : Mas por que é que te espantas?

8) Filipe, o rei da Macedônia, mandara fazer moedas de


ouro muito apreciadas pelo seu valor.

278
Lico: É que mesmo que eles estivessem numa gaiola,
bem fechados, como se fossem frangos, ainda assim
havia de levar mais de um ano a dar cabo deles! Por
Hércules! Agora é que eu acredito que tu andas com
ele, porque só dizes baboseiras.

G orgulh o : Se quiseres ainda posso dizer mais.

Lico: Não é preciso. Vem cá. Vou resolver o assunto a


que vieste. Cá está ele. (A Capadócio, que sai do
templo.) Salve, mercador!

C a p a d ó c io : Que os deuses te protejam.

Lico: Sabes o que eu pretendo?

C a p a d ó c io : Podes dizer o que queres.

Lico: Recebe o dinheiro e manda com ele (mostra


Gorgulho) a moça.

C a p a d ó c io : Mas eu já a prometi.

Lico: Que te importa? Não vais receber dinheiro?

C a p a d ó c io : Um bom conselho é um grande auxílio.


Vinde cá.

G orgulho: Vê lá não m e faças esperar.

279
ATO IV

O EMPRESÁRIO DA COMPANHIA

Por Pólux! Fédromo conseguiu um bom embus­


teiro para representar este papel. Eu não sei se se lhe
deve chamar mentiroso ou patife. Não sei se vou tor­
nar a ver os vestuários que aluguei. Também é ver­
dade que o negócio não foi com ele; foi a Fédromo que
eu dei crédito. No entanto vou-me prevenindo. E en­
quanto ele não vem cá para fora vou dizer-vos em que
lugar se podem encontrar facilmente as várias espécies
de homens, para que ninguém tenha muito trabalho
no caso que precise encontrar alguém, vicioso sem ví­
cios, honrado ou desonesto. Quem quiser encontrar um
perjuro vá aos Comícios; quem quiser encontrar um
mentiroso, um fanfarrão, vá ao Templo de Cloacina ;9
os maridos ricos e devassos estão na Bolsa, onde tam­
bém se encontram as prostitutas velhas e os intrigan­
tes. Os gastrônomos na praça do peixe; lá no extremo
da praça passeiam os homens bons e ricos. No meio,
ao lado do Canal, os vaidosos; acima do lago estão os
presunçosos, os faladores, os maldizentes. E todos
aqueles que vão tecendo grandes calúnias sobre um
pretexto mínimo; os que acham que não têm bastante
com as verdades que deles se podem dizer. Ao pé dos

9) Dizia-se que esta deusa fora encontrada num esgoto


(cloaca).

281
Velhos estão os que emprestam e recebem a juros; é
mesmo por trás do templo de Castor, mas o que se
deve é desconfiar deles. No caminho toscano estão os
homens que a si próprios se vendem. No Velabro os
padeiros, os açougueiros, os arúspices, aqueles que an­
dam dum lado para o outro e os que fazem os outros
andar dum lado para o outro. Há maridos ricos e de­
vassos junto da casa Leucádia Ópia. Mas lá ouvi o ba­
rulho da porta; tenho que travar a língua. (Sai.)

GORGULHO, CAPADÓCIO, LICO, PLANÉSIA

G o rgulh o: Vai à frente, minha menina; não posso vi­


giar quem vai atrás de mim. (A Capadócio.) O que
ele disse é que lhe pertenciam as jóias e todo o ves­
tuário que ela tivesse.

C a p a d ó c io : Mas ninguém o nega.

G orgulho: Todavia sempre é melhor ir dizendo.

Lico (a Capadócio): Lembra-te de que me prometeste


que, se alguém a viesse declarar livre, me restituías
todo o meu dinheiro, as trinta minas.

Bem me lembro. Podes estar sossegado.


C a p a d ó c io :
Torno agora a afirmá-lo.

G o rgulh o: Quero que te lembres de tudo isto.

C a p a d ó c io : Lembro-me perfeitamente, podes ter a cer­


teza.

G orgulho: E será por acaso garantia o que diz o mer­


cador de escravas? Isto é uma gente que não tem
nada de seu senão uma língua pronta a jurar falso
quando se lhes reclama alguma coisa. Dispondes de
quem vos não pertence, libertais a quem vos não

282
pertence, dais ordens a quem vos não pertence. Nin­
guém vos daria garantia nenhuma; não podeis, por­
tanto, dá-la vós a ninguém. Esta raça dos mercado­
res de escravas é, entre os homens, como a das mos­
cas, dos mosquitos, dos piolhos e das pulgas: só
serve para incomodar, para aborrecer, para desespe­
rar; não tem utilidade alguma. Ninguém ousa, se é
honesto, falar convosco na praça pública; e se pára
um momento, logo falam mal dele, o censuram, o
desprezam. Embora não tenha feito nada, dizem logo
que está perdendo a honra e a fortuna.

Lico: Por Pólux! O que me parece é que tu conheces


perfeitamente bem, às mil maravilhas, esses tais
mercadores.

G orgulho: Por Hércules! Considero-vos iguaizinhos a


eles. A mesma coisa. Eles fazem os seus negócios às
escondidas, mas vós, é mesmo na praça. Vós despe
daçais os homens com a vossa usura, eles com os
seus maus conselhos e as suas devassidões. Todas as
leis que faz o povo contra vós, vós as infringis mal
são leis; logo encontrais por onde escapar. Vós tra­
tais as leis como água a ferver: é só deixá-las esfriar.

L ico (à parte): Era bem melhor ter-me calado.

C a p a d ó c io : O quê? T u pensas tan to mal de nós e dizes


tan to mal de nós?

G orgulh o : Omal que se diz de quem o não merece é


na verdade maledicência. Mas o que se diz de quem
de tal é digno, é muito bem dito, segundo minha
opinião. Não quero garantia nenhuma nem de ti,
nem doutro mercador qualquer. Lico, queres mais
alguma coisa?

Lico: Que passes bem.

G orgulho: Adeus.

283
C a p a d ó c io : Olha lá, quero falar contigo.

G orgulh o: Então que é que tu queres?

Quero que trates bem dela, porque eu a


C a p a d ó c io :
eduquei em minha casa com todo o cuidado e toda a
decência.

G orgulh o: Se tens tanta pena dela, por que é que lhe


não fazes algum bem?

C a p a d ó c io : Oxalá...

G o r g u l h o : ...tenhas o que ias desejar.

(a Planésia): O que é que tu estás a chorar,


C a p a d ó c io
minha tola? Não tenhas medo nenhum. Eu vendi-te
bem. Vamos, porta-te bem. Vai com ele direitinha,
minha linda.

Lico: Mão-baixa, queres ainda alguma coisa de mim?

G o rgulh o:Que tenhas saúde e passes bem; foste


muito generoso na tua ajuda e no teu dinheiro.

Lico: Dá muitas lembranças a teu patrão.

G orgulho: Não me esquecerei. (Sai com Planésia.)

Lico (a Capadócio): E agora que é que tu queres, Ca­


padócio?

Essas dez minas que faltam, tu dás-mas


C a p a d ó c io :
depois, quando eu me sentir melhor.

Lico: Quando tu quiseres; até pode ser amanhã. (Sai.)

(só): Foi um ótimo negócio e quero ir fazer


C a p ad ó cio
a minha oração ao templo. Comprei esta menina, pe­
quenina, só por dez minas. E nunca mais tornei a ver

284
aquele que ma vendeu. Acho que deve ter morrido.
Que me importa a mim. Tenho dinheiro! Quem os
deuses assim protegem, encontra ganho em tudo.
Agora vou tratar o que devo aos deuses. E depois
vou cuidar da saúde. (Sai)

TERAPONTÍGONO, LICO

Não, na verdade eu estou agora real­


T e r a p o n t íg o n o :
mente tão furioso como nos dias em que assalto e
destruo as cidades. Se te não dispões a dar-me já as
trinta minas que eu te confiei em depósito, podes
preparar-te para deixar a vida.

Lico: E eu, a vontade que tenho é de te dar uma sova,


mas não uma sova qualquer: uma sova mestra como
as que eu costumo dar. Não te devo nada.

Não te ponhas com insolências co­


T e r a p o n t íg o n o :
migo nem esperes que eu me vá pôr com súplicas.

Lico: Também nunca me obrigarás a entregar o que já


entreguei; não te dou nada.

Quando te confiei este dinheiro pen­


T e r a p o n t íg o n o :
sei logo que não entregavas nada.

Lico: Então por que é que mo vens pedir agora?

T e r a p o n t íg o n o : Quero saber a quem o entregaste.

Foi a um zarolho, teu liberto; disse que se cha­


L ic o :
mava Mão-baixa e entreguei-lho porque me trouxe
uma carta com o teu sinete.

Uma carta minha? Um liberto zaro­


T e r a p o n t íg o n o :
lho? Eu? E isso de Mão-baixa? Que sonhos são es­
ses? Que delírios são esses?

285
Lico: Procedes melhor que a maior parte dos ladrões
que têm libertos e os abandonam.
T e r a p o n t íg o n o : E então que fizeste tu?

Lico: Fiz o que mandaste; fiz-te um favor. Não despre­


zei a mensagem de quem se apresentava com o teu
sinete.
Foi a coisa mais estúpida do mundo
T e r a p o n t íg o n o :
acreditares numa carta dessas.
Lico: Então não devia acreditar no que serve de ga­
rantia aos atos públicos e aos particulares? Olha, eu
vou-me embora. O que te interessava está soluciona­
do. Passa bem, meu valente.

T e r a p o n t íg o n o : Como é que eu hei de passar bem?

Lico: Por mim se te agrada podes estar doente toda a


vida. (Sai.)
(só ): Que hei de agora eu fazer? Que
T e r a p o n tíg o n o
proveito tirei eu de ter dominado reis, se agora vem
troçar de mim um malandro qualquer?

CAPADÓCIO, TERAPONTÍGONO

(sem ver Terapontígono): Eu acho que os


C a p a d ó c io
deuses não se vão zangar com as pessoas às quais
são propicias. Depois de ter feito o sacrifício, veio-me
à idéia que não devia deixar partir o banqueiro sem
lhe pedir a prata. É melhor comê-la eu do que ele.

T e r a p o n t íg o n o : E u tinha-te m andado cumprimentos.

Ó Terapontígono Platagidoro! Viva! Tenho


C a p a d ó c io :
muito gosto em te ver chegar a Epidauro com tão
boa saúde. Mas olha que hoje em minha casa não
provas nem um grão de sal.

286
é que é um bonito convite. Mas
T e r a p o n t íg o n o : I sso
se houver algum meu, há de ser para teu mal. Mas
que faz lá por tua casa a moça que eu comprei?

C a p a d ó c io : E u lá não tenho nada! E não vás já ch a­


mar testem unhas porque eu não te devo coisa algu ­
ma.

T e r a p o n t íg o n o : Mas então que houve?

C a p a d ó c io : Só fiz o que tinha prometido.

entregas ou não entregas a moça


T e r a p o n t íg o n o : T u
antes que te atravesse o corpo com esta espada, meu
patife?

que eu gostava é que tu levasses uma


C a p a d ó c io : O
surra; não julgues que me metes medo. A moça,
levaram-na. E olha que a ti também te põem fora se
começas com grosserias. Eu não te devo nada. A não
ser qualquer coisa que te desagrade.

T e r a p o n t íg o n o : T u vens com ameaças?

Por Pólux! Se continuas a incomodar-me é


C a p a d ó c io :
com ações que eu vou responder, não é com amea­
ças.

Um mercador de escravas a
T e r a p o n t íg o n o :
ameaçar-me a mim! Será possível que estejam tão
desprezados os meus combates e os meus feitos de
guerra?! Oxalá a minha espada e o meu escudo me
ajudem nas batalhas campais tão bem como é certo
que se me não entregares essa moça eu te faço em
bocadinhos tão pequeninos que até as formigas te
hão de poder levar daqui.

E olha! Eu juro pelas minhas pinças, pelo


C a p a d ó c io :
meu pente, pelo meu espelho, pelo meu ferro de fri­

287
sar, pela minha tesoura e pela minha toalha de mãos
que faço tanto caso dessas tuas fanfarronadas e das
tuas gabarolices, como da criada que me lava a ba­
cia. Eu entreguei-a a quem me deu dinheiro da tua
parte.

T e r a p o n t íg o n o : Mas que homem foi esse?

Um teu liberto que dizia que se chamava


C a p a d ó c io :
Mão-baixa.

Meu? Ai! Ai! Por Hércules! Acho que


T e r a p o n t íg o n o :
foi esse Gorgulho que me enganou! Foi ele que me
tirou o anel!

Tu perdeste o anel? (À parte.) Então estás


C a p a d ó c io :
mesmo na altura de te reformares lá do exército.

T e r a p o n t íg o n o : Onde é que eu encontrarei agora esse


Gorgulho?

Ah isso no trigo encontras logo! Acho até


C a p a d ó c io :
que encontras quinhentos em vez dum. Eu cá vou-me
embora. Adeuzinho e passa bem. (Sai.)

tu passa mal; maldito sejas. Que


T e r a p o n t íg o n o : E
hei de eu fazer agora? Fico ou vou? Levar assim na
cabeça! Daria uma boa recompensa a quem me indi­
casse onde ele está. (Sai.)

288
ATO V

GORGULHO (só)

Ouvi dizer que um poeta de outros tempos tinha


escrito numa tragédia que pior que uma mulher só
duas. E é mesmo assim. Nunca vi mulher pior do que
esta amiga de Fédromo. Nunca vi e nunca ouvi; e, por
Pólux, acho mesmo que é impossível imaginar-se al­
guma que seja pior do que esta. Quando viu que eu
tinha este anel, perguntou-me logo onde o tinha arran­
jado. “ Por que é que tu perguntas isso?” — “E que te
importa a ti?” Neguei-me a dizer-lho; então ela para
mo tirar, agarrou-me na mão e mordeu-ma. Mal me
consegui escapar e fugir. Fora com essa cachorra!

PLANÉSIA, FÉDROMO, GORGULHO,


TERAPONTÍGONO

P l a n é s ia : Corre, Fédromo.

F édrom o: Correr para quê?

Para não deixares escapar o parasito. Olha


P l a n é s ia :
que é importante.

F édrom o: Para mim não. O que eu tinha a fazer já fiz.

P l a n é s ia : Pára aí!

289
F é d r o m o : Mas que é isso?

Pergunta-lhe onde é que ele arranjou esse


P l a n é s ia :
anel. Quem o usava era meu pai.

G orgulho: Não era nada, era minha tia.

Foi para a pagar que eu levantei o


T e r a p o n t íg o n o :
meu dinheiro. Tu e o mercador hão de me pagar qua­
tro vezes mais.

F édrom o: Pois hás de ir parar ao tribunal por andares


a fazer negócio com meninas livres e roubadas.

T e r a p o n t íg o n o : Não vou, não.

F édrom o(a Gorgulho): Posso apresentar-te como tes­


temunha?

T e r a p o n t íg o n o (prevenindo a resposta): Testemunho


nulo.

F édrom o:Que Júpiter te dê má sorte! Oxalá morras


sem herdeiros.

G orgulho (a Fédromo): Pois eu te chamo a testemu­


nhar. Tu o podes.

F éd r o m o (estende o ouvido): Então vem cá.

Ora vejam isto, um escravo apresen­


T e r a p o n t íg o n o :
tar testemunha.

G orgulho (metendo a mão no militar): Ah, sim? En­


tão vais já saber como eu sou livre: anda para o tri­
bunal.

T e r a p o n t íg o n o (dando-lhe um soco): Toma!

G orgulho: Socorro, socorro, cidadãos!

290
T e r a p o n t íg o n o : Que estás tu a gritar?

F é d r o m o : E tu, que tens tu que lhe bater?

T e r a p o n t íg o n o : Bati-lhe porque me apeteceu.

F édrom o (a Gorgulho): Vem cá.

T e r a p o n t íg o n o : Cedo-te com todo o gosto.

F édrom o: Cala-te lá.

G orgulh o: Salva-me, Fédromo.

F édrom o: Defender-te-ei como se se tratasse de mim


próprio e do meu gênio. Ouve lá, meu soldado. Onde
é que tu apanhaste esse anel que o parasito te ga­
nhou no jogo?

(a Terapontígono): Prostrar-me-ei aos teus


P l a n ésia
pés para te suplicar que nos informes de tudo.

Mas que tendes vós com isso? Tam ­


T e r a p o n t íg o n o :
bém me ireis perguntar como é que eu arranjei este
manto e esta espada?

P l a n é s ia : Minha mãe é que lho tinha dado para usar.

G o rg u lh o (com ar de troça): Então o paizinho dá-to


agora.

P l a n é s ia : Não te ponhas com gracinhas.

G orgulh o: Força do hábito. Com as gracinhas é que


eu vou vivendo bem. E depois?

Por favor! vais tu impedir-me de conhecer


P l a n é s ia :
meus pais?

291
(mostrando a pedra preciosa do anel): O
G o r g u lh o
quê? Será possível que teu pai e tua mãe estejam es­
condidos nesta pedra?

P l a n é s ia : E u nasci livre.

G o rgulh o: Aconteceu isso a muitos que são agora es­


cravos.

P l a n é s ia : Olha que eu me zango!

G o rgulh o: Eu já contei como o anel veio parar a mim.


Quantas vezes terei de dizer a mesma coisa?
Ganhei-o a um militar ao jogo.

T e r a p o n t í g o n o (chegando imprevistamente, sem ser

percebido). Estou salvo! Aí está quem eu procurava.


(Alto, a Gorgulho.) Então, que fazes por aqui, meu
querido amigo?

G orgulho: Estou ouvindo... Não queres jogar a tua


clâmide?

T : Oxalá vás parar a uma cruz com esse


e r a p o n t íg o n o
teu jogo e os teus dados! Passa para cá o dinheiro ou
a moça.

G orgulh o: Que dinheiro? Que tretas me vens tu con­


tar? Que moça queres que eu entregue?

T e r a p o n t íg o n o : A que levaste hoje do mercador, meu


grande patife!

G orgulho: Não fui buscar nenhuma...

T e r a p o n t íg o n o : E foi esta mesma que eu estou a ver.

F édrom o: Esta moça é livre.

292
Livre uma escrava minha? Mas eu
T e r a p o n t íg o n o :
nunca a libertei.

F édrom o:Mas quem é que ta deu? Onde é que tu a


compraste? Quero saber tudo isso.

G orgulho (à parte): E o ar de bravata que toma este


fanfarrão!
T e r a p o n t íg o n o (a Fédromo): Manda-o embora; eu vou
dizer-vos tudo.

GORGULHO (a Fédromo): O que ele diz e nada, nada é.

P l a n é s ia : Por favor te peço que me informes!

Eu vou dizer. Levanta-te. Agora pres­


T e r a p o n t íg o n o :
tai bem atenção. Era de Perífanes, meu pai.

P l a n é s ia : Perífanes?!

Antes de morrer, deu-mo ele, como


T e r a p o n t íg o n o :
era justo, visto ser eu seu filho.

P l a n é s ia : Ó Júpiter!

T e r a p o n t íg o n o : E fez-me seu herdeiro!

amor paterno! Sê-me fiel agora porque eu


P l a n é s ia : Ó
sempre me conservei fiel a ti! Salve, meu irmão!

Como é que eu vou acreditar numa


T e r a p o n t íg o n o :
coisa dessas?! Vem cá: se tu estás a dizer a verdade,
então como é que se chamava a tua mãe?

P l a n é s ia : Cleóbula.

T e r a p o n t íg o n o : Quem foi a tua ama?

293
Foi Arquéstrata. Um dia levou-me ao teatro,
P l a n é s ia :
nas festas de Dionísio. Depois de lá ter chegado e de
me ter sentado, levantou-me um vendaval que der­
rubou tudo e me fez tremer de medo. Não sei quem
foi que me apanhou, toda assustada e cheia de pa­
vor, nem viva, nem morta. E nem sei dizer por que
razão pegaram em mim.

Bem me lembro desse vendaval. Mas


T e r a p o n t íg o n o :
dize-me lá. Onde está esse homem que te roubou?

Não sei. (Mostrando um anel no dedo.) Mas


P l a n é s ia :
sempre conservei comigo o anel que tinha nessa al­
tura.

T e r a p o n t íg o n o : Dá cá para eu ver.

G o rgulh o: T u não estás boa da cabeça! Então vai-lhe


confiar o anel?

P l a n é s ia : Deixa estar.

Por Júpiter! É o anel que eu te dei, no


T e r a p o n t íg o n o :
dia em que nasceste. Conheço-o tão bem como a
mim próprio! Salve, minha irmã!

P l a n é s ia : Salve, meu irmão!

F édrom o: Que os deuses sejam propícios a tudo isto!

G orgulh o: E a todos nós. (A Terapontígono.) Tu, para


celebrar a tua chegada, vais oferecer um jantar à tua
irmã. E amanhã este aqui (mostra Fédromo) oferece
um banquete nupcial.

F édrom o: Está prometido.

T e r a p o n t íg o n o (a Gorgulho): Vê lá se te calas.

294
G orgulh o:Como hei de calar-me se tudo está a correr
tão bem? E tu vais dá-la em casamento. Eu trato do
dote.

F é drom o (rindo): Que dote lhe darás?

G o r g u l h o : E u ?... O cuidado de me alim entar en­


quanto viva.

Por Hércules! Terei muito gosto nisso.


T e r a p o n t íg o n o :
E esse mercador que nos deve trinta minas?

F é d r o m o : Então por quê?

Porque me prometeu que, se alguém


T e r a p o n t íg o n o :
a demonstrasse livre, ele me restituiria o dinheiro
sem discutir.

F édrom o : Vamos já ter com o mercador.

T e r a p o n t íg o n o : Formidável!

F édrom o: Mas primeiro quero tratar do que me inte­


ressa.

T e r a p o n t íg o n o : Então, que há?

F édrom o (mostrando Planésia): Quero que a cases


comigo.

G orgulho: Por que é que não lha dás já em casamen­


to?

T e r a p o n t íg o n o : Se ela quer...

P la n é s ia : Quero sim, meu irmão!

T e r a p o n t íg o n o : E stá bem.

G o r g u l h o : Ótimo.

295
Fédrom o: T u dás-ma em casamento?

T e r a p o n t íg o n o : D o u .

G orgulh o : E eu também dou, desde que haja comida.

Muito engraçado! Mas aí vem o mer­


T e r a p o n t íg o n o :
cador, aí vem o meu dinheiro.

CAPADÓCIO, TERAPONTÍGONO, FÉDROMO,


PLANÉSIA

Quem diz que se faz mal em confiar di­


C a p a d ó c io :
nheiro a usurário diz tolice. Eu acho que se não faz
bem nem mal; e foi disso que hoje tive a prova.
Quando se confia alguma coisa a quem nunca a res
titui, não se pode dizer que se confia: realmente o
que se faz é deitar a perder. Quando ele me quis pa­
gar as dez minas, andou passando por todas as me­
sas, e não conseguiu nada; eu então pus-me a gritar e
o homem levou-me ao tribunal; eu fiquei cheio de
medo de que ele se mostrasse insolvente diante do
pretor; mas não; apareceram amigos e mandam-me o
dinheiro a casa. E agora o que eu tenho a fazer é ir
para lá depressa.

T e r a p o n t íg o n o : Olá, mercador! Quero falar contigo.

F édrom o: E eu também.

(fazendo menção de sair): Pois eu não


C a p a d ó c io
quero falar convosco.

T e r a p o n t íg o n o : Pára aí já! E vomita depressinha o


dinheiro todo!

Mas que tenho eu que ver contigo? (A Fé­


C a p a d ó c io :
dromo). Ou contigo?

296
T er a po ntíg o n o : Olha
que eu hoje estou disposto a fa­
zer de ti dardo de catapulta, e a torcer-te a nervo,
exatamente como nas catapultas .10

F é d r o m o : E eu estou com von tad e de te prender aos


pés da cam a com o um cachorro.

C apa d ó c io : Pois
quanto a mim, o que eu estou pronto
é a mandar-vos aos dois para uma boa cadeia.

T erapo ntíg o no
(a um dos seus acompanhantes): Põe-
lhe uma corda ao pescoço e leva-o para a cruz.

F édro m o : Ora, ele vai mesmo por seu pé.

C apa d ó c io :
Pelo amor dos deuses e dos homens!
Levarem-me assim sem me julgarem, e sem testemu­
nhas? Por favor, Planésia! Por favor, Fédromo!
Socorram-me neste aperto!

P la n ésia :
Por favor, meu irmão, não dês cabo desse
desgraçado. Ele tratou-me sempre muito bem e com
decência.

T er a po ntíg o n o : Não
foi por vontade dele, não; é a Es­
culápio que tens que dar graças pela tua inocência.
Se ele tivesse saúde, já teria há muito tempo tratado
de ti.

F édro m o :
Escutai lá: eu acho que é possível arranjar
as coisas. (Ao homem que segura Capadócio) Tu
vais largar esse homem. E tu, mercador, chega-te cá.
Vou pronunciar a minha sentença no caso de vós es
tardes prontos a fazer o que eu mandar.

10) As catapultas eram máquinas de guerra que lançavam


pedras ou dardos e cujas cordas de comando eram feitas de
nervo de boi.

297
Por mim tens toda a licença. Mas, por
C a p a d ó c io :
Hércules, com a condição de ninguém me tirar di­
nheiro nenhum.

T e r a p o n t íg o n o : E o que tu prom eteste?

C a p a d ó c io : Prometi como?

T e r a p o n t íg o n o : Falando.

Pois agora é também falando que nego tu­


C a p a d ó c io :
do. Se a natureza me deu fala foi para minha vanta­
gem não foi para minha perda.

Não há nada a fazer; (a um dos seus)


T e r a p o n t íg o n o :
aperta-lhe o pescoço!

C a p a d ó c io : E u obedeço já ao que tu mandas.

Bem, então, já que estás manso, res­


T e r a p o n t íg o n o :
ponde ao que eu te pergunto.

C a p a d ó c io : Pergunta o que quiseres.

Não é verdade que prometeste que, se


T e r a p o n t íg o n o :
alguém a demonstrasse livre, tu restituirias todo o
dinheiro?

C a p a d ó c io : Não me lembro de ter dito isso.

T e r a p o n t íg o n o : O quê?! Tu negas?!

Realmente, nego. Diante de quem foi isso?


C a p a d ó c io :
Em que lugar?

G orgulho: Estávamos eu e o banqueiro Lico.

C a p a d ó c io : Não te calarás?

G orgulho: Não me calo.

298
C a p a d ó c io : T u ju lga s que te dou a im portância bas­
tante para ter medo de ti?

G orgulho: Foi tudo na minha presença e na de Lico.

F édrom o : Está bom. Eu creio no que tu dizes. E agora,


mercador, vais tu ouvir a minha sentença: esta moça
é livre; este homem é seu irmão e ela irmã dele. A
moça vai casar comigo. E tu vais entregar o dinheiro.
Aqui está o meu julgamento.

T e r a p o n t íg o n o : E tu vais já parar ao tal nervo, se me


não largas o dinheiro.

Por Hércules, Fédromo! Julgaste a questão


C a p a d ó c io :
com muito má fé. Mas vais ver que te prejudicas. E a
ti, meu soldado, que os deuses e as deusas te desgra­
cem! Vem comigo.

T e r a p o n t íg o n o : Mas vou contigo, aonde?

meu banqueiro, ao pretor: Tenho lá


C a p a d ó c io : A o
com que pagar a todos os meus credores.

Pois se me não dás já o dinheiro, não


T e r a p o n t íg o n o :
vais para o pretor, não. Vais para a corda.

Para te falar com franqueza, o que eu mais


C a p a d ó c io :
desejo é que tu morras.

T e r a p o n t íg o n o : Verdade mesmo?

C a p a d ó c io : Por Hércules! Verdade mesmo!

(mostrando os punhos): Pois eu, o


T e r a p o n t íg o n o
que tenho confiança é nos meus punhos.

C a p a d ó c io : E n tão para quê?

299
T Para quê? Queres saber? Olha: se tu
e r a p o n t íg o n o :

me irritares é com eles que te vou pôr mansinho.

C a p a d ó c io : Bom, está bem. Pega já o dinheiro.

T e r a p o n t íg o n o : Ótim o.

F édrom o: E tu vem jantar comigo, Terapontígono. O


casamento é hoje.

T (ao público): Que tudo corra bem para


e r a p o n t íg o n o
mim e para vós, espectadores. Aplaudi.

300

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