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RECIFE VELHO: HISTÓRIA, MEMÓRIA E LITERATURA ATRAVÉS

DA OBRA DE CARNEIRO VILELLA.

Tereza Cristina Lopes de Albuquerque


Licenciada em Letras/ Bacharel em Crítica Literária – UFPE/ Graduanda em
História – UFRPE.
e-mail: terezaalbuquerque555@msn.com)

RESUMO
Uma das fortunas culturais de um povo é a literatura, que serve a este como fonte
histórica. Estudar história dentro de um viés literário é ante de tudo possibilitar
multiplas interpretações das relações entre obra e sociedade. Para isto este trabalho
propõe analisar a produção mnemônica do escritor pernambucano Carneiro Vilella,
escrita em meados do século XIX, mostraremos a estreita ligação entre história e
literatura, esta não apenas como reflexo da sociedade, mas sim como incorpoadora dela,
através de um processo inventivo, e buscaremos mostrar também como a memória
coletiva subsidia este processo. Analisaremos como história e literatura se articulam na
produção literária deste autor, principalmente em sua obra “A Emparedada da Rua
Nova”, que remonta um episódio de adultério e desonra acorrido no recife oitocentista e
que o escritor resgata através de reminscencias, histórias contadas pelo povo recifenses,
construindo a trama central do livro.
Palavras chave: História e Literatura; Recife oitocentista; Memória

Para o poeta português Fernando Pessoa „Ler é sonhar pelas mãos de outrem‟,
isto porque a linguagem poética remete o leitor ao mundo dos possíveis. Através de uma
linguagem elaborada e poética o escritor consegue conferir ao texto uma alta carga
semântica, que causa no leitor perplexidade e conseqüentemente uma inquietação,
fazendo com que ele também comungue do mundo literário do escritor, o ilusionista das
palavras. O escritor pode buscar através de uma linguagem poética revelar uma
memória quer seja individual quer seja coletiva, instigando no leitor a imagem de um
mundo novo, a cada relato uma nova imagem, resumido numa policromia dos sentidos,
instigando a imaginação. Daí, então, refletir: o que é a produção literária senão um ato
de trabalho, reconstrução do objeto, uma invenção. É preciso que se entenda aqui a
acepção da palavra invenção dentro de uma perspectiva mais abrangente “enfatizando a
dimenção genética das práticas humanas, independentemente o que considerem ser as
ações determinantes ou fundantes da realidade ou de suas representações” (MUNIZ,
2007, p.19).
O discurso literário é incorporador de valores sociais e de cultura, por isso, tendo
como fonte a produção dos romances realistas, principalmente “ A emparedada da Rua
Nova” do escritor Caneiro Vilela, buscaremos realizar uma abordagem histórica de
caráter interdisciplinar que contempla, sobretudo, aspectos literários, sociais e culturais
do povo recifense em meados do século XIX(1864 -1890). Buscando fazer uma analise
das relações entre obra e sociedade e o que ideologicamente é subjacente a elas, tendo
consciência da imanência estética do texto literário, conservando e se valendo da
integridade específica desta construção da natureza do texto como incorporador da
realidade social e cultural de um dado momento (CANDIDO, 1976). Escrita em
folhetins, com narrativa simples, A Emparedada da Rua Nova, através do resgate da
memória social do povo pernambucano, revela pontos importantes do cotidiano da
sociedade recifense da segunda metade do século XIX, como o espaço urbano, as festas,
os tipos humanos marginalizados e, sobretudo, o papel da mulher na sociedade. A
história relatada pelo narador, que faz questão de afirmar diversas vezes que ela é
verídica, conferindo ao texto um caráter de narrativa mnemônica, faz o autor se valer da
narrativa como elemento essencial para um discurso histórico. Já que a linguagem,
sobretudo a literária, é um meio pelo qual a cultura e a história subsiste.
O processo inventivo da obra inaugura um novo espaço, pois, por mais parcial
que o objeto procure ser e por mais simples que seja esta imagem transmitida pelo
escritor, ela causa no leitor uma grande repercussão psíquica e perplexidade, pois
desperta nele imagens adormecidas, conferindo ao leitor, a cada imaginação,
consciência de que esta nunca será uma imagem esgotada (BACHELARD, 2005).
Lembrar não é reviver o que passou e sim reconstruir, repensar, transpassando as
barreiras do tempo e do espaço, unindo duas pontas do mesmo fio, o presente e o
passado. Tudo isto como forma de preservação da memória. O passado não somente
evoca simplismente a imagem representada, é antes também o contrário, pela imagem
pode-se evocar o passado. Através do trabalho artístico literário, lembrar é também
trabalhar, formando e consolidando um fazer histórico. Este sobrevive como discurso
através da memória de um povo e seu trabalho, nesta perspectiva Alfredo Bosi (1987, p.
53) lembra que:
A memória é o centro vivo da tradição, é o pressuposto de cultura no sentido
de trabalho produzido, acumulado e refeito através da história. Para Platão a
memória é ativa. Aprender é lembrar, lembrar é aprender.
O livro possui como tema central o adultério e a desonra. Leandro, o nosso Don
Juan recifense, possui um polígono amoroso com três personagens femininas
intrigantes: Celeste, Clotilde e Josefina. Mulheres emancipadoras para a época. O ponto
mais alto do texto reside na resistência de Clotilde frente às ameaças de seu pai, Jaime
Favais, abastado comerciante. A violêcia ao extremo representa na obra uma forma de
denúncia do autor frente ao problema social da mulher. Observe que o narrador não
centra a sua atenção nos fatos em si, mas nas reflexões e conseqüências que eles
provocam. Não se trata somente de uma história sobre adultério e desonra, mas sobre as
condições culturais e pessoais formadoras dos que efetuaram ou foram envolvidas pelo
ato.
Em Recife a escola literária do Realismo também se fez sentir. Carneiro Vilela é
considerado o nosso maior escritor Realista, embora pouco difundido no meio
acadêmico literário pernambucano. Cumpre a ele o papel de retratar a nossa realidade,
as relações sociais por ele são vistas de forma ampla. No texto, o imaginário é povoado
por um Recife de uma burguesia incipiente, autoridades públicas corruptas, em especial
a polícia, e espaços consagrados ao povo e a burgusia aristocrata. A mudança de uma
sociedade predominante agrária para uma sociedade mais urbana também se faz
presente na literatura do Recife em meados do século XIX. Observe que essa
desagregação se faz sentir mais forte com o espaço alcançado pelo público em
detrimento ao decadentismo do patriarcalismo rural, conforme ressalta o sociólogo
Gilberto Freyre (1981) no livro Sobrados e Mocambos. É no século oitocentista que
ocorrem importantes fatos da vida pública no Brasil, abertura dos portos, vinda da
família Real, Lei Eusébio de Queirós, Áurea, Guerra do Paraguai, maior urbanização,
fundação do Partido Republicano, surto de industrialização, com Irineu Evangelista.
Essa literatura incorporadora de valores sociais, através de uma narrativa
mnemônica, vai encontrar na criação literária de Carneiro Vilela espaços multiplos. Ele,
„homem do seu tempo‟, soube retratar a cidade do Recife. Por isso a temática da
memória social se justifica. Daí a linguagem ser vista dentro de uma concepção
interacionista, ou seja, deve-se analisar o enunciado inserido num contexto de
enunciação, esta concepção leva em consideração a situação social dos interlocutores,
os universos axiológicos desses, elementos espaço-temporais que engendram o ato
comunicativo (BAKHTIN, 1997).

História, memória e Literatura


Nos últimos anos foram produzidos diversos trabalhos sobre a estreita relação
entre História, literatura e memória coletiva. Isto porque a narrativa literária pode
também subsidiar a análise sobre um fato histórico, Robert Darnton (1986) já ssinalou a
viabilidade deste tipo de análise no seu ensaio O grande massacre de gatos. Seria muita
ingenuidade acreditarmos que o emparedamento realmente ocorreu tal qual foi descrito
pelo autor e se reamente ele ocorreu, não é nestes termos que propomos discutir a
questão, a lembrança de velhas histórias ocorridas nesse Recife Velho é matriz de boa
parte da literatura do escritor. A certeza de que a partir de uma narrativa em prosa o
escritor remeter a uma sensação saudosista, ativando o imaginário do leitor, lançando-o
a um tempo e um espaço anterior, o faz denunciador e caracterizador de um contexto
cultural e histórico. Tudo isto apoiado, principalmente, em reminiscências. Não se deve
esquecer que uma das fortunas culturais de um povo é a literatura, que serve a este
como fonte histórica. Estudar história dentro de um viés literário é antes de tudo
possibilitar multiplas interpretações das relações entre obra e sociedade, e isso se mostra
como a memória coletiva subsidia este processo. O avanço da historiografia nos
demonstra, como apontou Durval Muniz, que
O trabalho do historiador é insuflar nova vida aos relatos que nos dizem o
que era o passado, através do uso da imaginação, da nossa capacidade poética
de retramar o que está tramado, redizer o que está dito, rever o que já foi
visto, para que estes relatos nos sirvam para demarcar a nossa diferença,
sirva-nos para nos tramarmos, dizermos e vermos de uma outra forma
(MUNIZ, 2007, p153).
A narrativa histórica não pode se distanciar do ficcional, pois ela é também uma
narrativa, estabelecendo, portanto, uma relação de proximida com o fazer artístico, no
momento em que levanta uma problemática (MUNIZ, 2007). Daí a impotancia de situar
memória coletiva e narrativa literária em planos que não se sobrepõe e sim se
complementam. É importante salientar que o autor atribui a história narrada às
memórias de uma escrava, que teria trabalhado na residência da família que é objeto da
obra literária. O narrador a todo custo busca através de ecos remanescentes de outrem,
representando a memória coletiva, evocar um tempo perdido, imprimindo nestas
evocações características de um povo, de uma tradição. Para isto o elemento do
imaginário coletivo é dominante. Reforçando a importância da imaginação aliada a uma
memória, mesmo que esta seja evocada apenas a partir de um eco de conjecturas, pois
elas podem suscitar sensações, compartilhadas pelo leitor. Por isso, ante a literatura, o
discurso da verdade histórica absoluta se esmiúça, prevalecendo o da verossimilhança.
É importante lembrar que memória e invenção representam o ato de recriação, a
desmemorialização constitui o contrário. Um povo sem memória fica embrutecido de
consciência, não evolui, mergulha nas águas do Lethe, o rio do esquecimento. O corpo
que se expressa por meio de linguagem, imagina e veicula, metaforicamente, a inscrição
da sua história como sujeito dotado de poder criador. Então, a leitura interage com os
símbolos e cultura dominante de um meio e de uma época, afirmando uma dimensão
simbólica, agindo diretamente no imaginário coletivo, por isso o sentido retirado da
leitura remete o leitor a um mundo dos possíveis, e esta apreensão de sentidos se instala,
em primeiro lugar, dentro do contexto cultural em que cada leitor evolui. Desta forma, a
leitura se afirma como parte interssada de uma cultura, como nos afirma Thérien citado
por Jouve (2002, p.10):
O sentido no contexto de cada leitura é valorizado perante os outros objetos
do mundo com os quais o leitor tem uma relação. O sentido fixa-se no plano
do imagináriode cada um, mas encontra, em virtude do caráter forçosamente
coletivo de sua formação, outros imaginários existentes, aquele que divide
com os outros membros de seu grupo ou de sua sociedade.
A obra literária não é um objeto que exista por si só, imutável no aspecto através
das épocas. Ele é renovado pela leitura, assinalado pelo caráter dialógico desta obra,
confronto do leitor com o texto. Por isso a relação dahistória com a literatura é, antes de
tudo, um processo de recepção e produção estética (JAUSS, 1967). Esse caráter
dialógico do texto se faz presente no nosso objeto. No livro, o narrador busca, através da
linguagem que rememora, inaugurar um novo espaço e um novo tempo, onde a palavra
de ordem é justamente a própria palavra: contar, relatar e , através disto, expor
impressão e sensação vividas neste “Recife Velho”, comum a toda uma comunidade.
Os textos de Vilela aproxima-se de uma concepção interacionista da linguagem.
Por isso a importância de se conceituar aqui à luz do teórico o dialogismo da linguagem
e a polifonia, já que o processo de cultural também se faz presente através dela
(BAKHTIN, 1997). O dialogismo da linguagem representa a interação verbal entre um
enunciador e um enunciatário. Através desta relação lingüística inicia-se a compreensão
do ser, por meio da linguagem, à cultura do outro. Desta forma, a cultura se revela
através da linguagem, isto porque “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A
realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo” (BAKHTIN, 1997,
p.36).
Por isso a fortuna crítica do autor é de suma importãncia, isto porque suas
publicações folhetinescas nos principais jornais de circulação do Estado como América
Ilustrada, o Jornal da Tarde, Diário de Pernambuco, A província, Jornal do Recife , O
Jornal Pequeno, bem como algumas revistas literárias da época, Revista da Academia,
Revista semanal, Recreio popular entre outras, busca resgatar, através do narrador, um
carater mnemônico. Construindo um Recife Velho, ascessível pela construção da
narrativa. A des-construção Vilelliana como ponto de partida para o jogo memorialístico
do autor, principalmente na construção das imagens, resgatando o passado, denuncia
não apenas o sujeito do discurso, mas investigar a utilização da polifonia, confluência
de vozes, que aproximam culturalmente os personagens.
Por isso a escolha da literatura como fonte, a imbricação de memória e literatura
faz, no substrato melhor do texto, surgir a narrativa histórica e suas implicaçãos na
segunda metade do século oitocentista. Carneiro Vilela era um contador de estórias
folhetinescas, formato típico de circulação e exercício da ficção no século XIX. A
literatura se faz importante a partir do momento em que a memória só poderá retornar a
uma unidade passada através da linguagem, esta que veicula metaforicamente a
inscrição histórica do homem como ser cultural.

O emparedamento
A Emparedada da Rua Nova, originalmente, o subtítulo de um romance
chamado Tragédias do Recife. Fora publicada no ano de 1984, possui como tema o
adultério e a desonra feminina, de linguagem simples, conduz o leitor a uma trama em
que o desfecho final culmina com o emparedamento, por seu pai, negociante bem
sucedido da cidade, de uma moça de classe abastada do Recife. O livro possui 555
páginas na sua 3ª edição, apresenta um vasto painel da vida social e urbana do Recife,
mostra a transformação de uma cidade de burguesia incipiente, colonial, a metrópole. É
neste cenário que se insere os principais personagens d‟A Emparedada, a criticidade do
autor reside em denunciar uma falsa moralidade que pairava na cidade do recife. Em sua
pena ele não deixa de criticar as importantes instituições da época, como a igreja, com o
seu moralismo conservador, e a polícia, corrupta e ineficiente. Construído por uma
narrativa não linear, por meio de Flashback, o livro começa pelo meio e se apresenta
sob três partes: o cadáver de Suassuna, momento de uma narrativa policial do texto que
aguça a curiosidade do leitor frente a história que irá se desenolar; o segredo de família,
momento em que o narrador expõe as relações familiares dos principais envolvidos na
trama; epílogo, o desfecho do emparedamento.
A base do romance do autor se alicerça numa antiga lenda local que reside na
memória coletiva do povo recifense, a história de que um pai furioso teria emparedado
viva uma filha solteira, que engravidara de um amante. A partir desse mote o autor
desenvolveu um longo folhetim com fortes doses de mistério e investigação policial.
Publicado até 1912, a história da narrativa se passa na segunda metade do século XIX,
situando a tragédia no seio de uma respeitável e próspera família recifense burguesa, os
Favais. Leandro, o nosso Don Juan recifense, teria vivido romances tanto com a esposa
como com a filha do comerciante Jaime Favais, que por isso o mesmo, com uma espécie
de “orgulho ferido de homem”, resolve levar a desforra adiante, assassinando o amante
de sua esposa Josefina e o “deflorador” de sua filha, Clotilde. Não satisfeito de sua
vingança, decide por questões sociais e financeiras cômodas, já que a filha engravidara,
emparedar a sua própria filha, desfecho realizado na Rua Nova.
Para a construção desta narrativa mnemônica o autor possuiu dois pontos de
apoio: o primeiro, o da oralidade; o segundo, a construção dos espaços dentro da
narativa. Observe que o resgate da memória coletiva por parte do autor é legitimado
pela presença mnemônica de uma preta velha, ex-escrava, que, segundo ele, contou-lhe
o fato narrado, fazendo referência direta a um crime ocorrido no engenho dos Suassuna,
em 1864; a presença da narrativa oral sempre foi característica desse escritor, ele
segundo Fátima Maria Lima diz:
Eu era uma criança de meus seis a sete anos, talvez menos, talvez mais, só sei
que à noitinha, quando o luar iluminava o terreiro do sítio do Pranga, em
afogados, onde morava o meu avô com toda a sua família, ou quando,
mesmos as noites eram de escuro e só as estrelas luziam quais milhões e
milhões de pirilampos, eu deitava em uma larga esteira posta à entrada da
varanda ou sacada da entrada da sala de vista, enfrentando o oriente,
colocando a cabeça no colo de minha tia Zeferina, solteira ainda e quase para
mim uma segunda mãe, aí adormecia ouvindo bonitas histórias que tão bem
sabia contar(...) (LIMA, 2005, p.57).
Os acontecimentos não partem do testemunho ocular do autor, mas da voz de
outrem, o que há é apenas um eco de conjecturas, a partir destas ele engendra todo o
proceso narrativo. As representações mnemônicas estão associadas a uma tradição que
marca o modo de dizer do narrador, imprimindo nele marcas culturais visíveis.
Conforme ressalta Bhabha:
O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não
seja parte de um continuum de passado e presente. Ele cria uma idéia do novo
como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o
passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado
refigurando-o como um “entre-lugar” contingente que inova, e interrompe a
atuação do presente. O “passado e o presente” torna-se parte da necessidade,
e não da nostalgia, de viver. (BHABHA, 2003, p. 27)
A presença da narrativa oral subsidia todo o processo da construção da narrativa.
Isto mostra que a história e a literatura também sobrevive a partir da memória do povo.
Um dos recursos utilizados por um povo para ter sempre a deusa Mnemonise próxima
aos indivíduos que constituem uma nação foi o uso do folclore, sobretudo expresso pela
oralidade. Esta prática tradicional entre os povos é um recurso hereditário que irrompe e
se conserva na memória cultural de um país, lendas, estórias, contos, foram e são
reproduzidos, readaptados, ao longo dos anos. Walter Benjamim (1994) já assinala a
importância da reprodução das narrativas, o re-contar assume um topos importante,
estabelecendo através de reminiscência uma cadeia de tradição, que transmite alguns
acontecimentos de geração em geração. Na obra o narrador reconta os fatos antes
narrados, afirmando o caráter mnemônico da obra.
Chegamos à ultima parte deste romance, que aliás é um dos últimos episódios
verdadeiros e misteriosos da história secreta de nossa província, e, para
inteira compreensão do leitor, é indispensável uma ligeira recapitulação, ou
antes, avivar-lhe a memória com relação aos pontos que não foram
explicados ou que lhes pareçam absuro.(VILELA, 205, p. 450)
Então, as representações não se resumem apenas em uma única transmissão de
imagem, mas na possibilidade de variação, é sempre algo inacabado, um constante
devir. Por isso, quando se formula uma imagem qualquer surgida a partir de uma
lembrança, a imagem poética, por exemplo, criativamente, nunca será o substituto do
objeto e sim a representação específica deste. É o que há de mais precioso nele, no
momento exato de sua apreensão. Bachelard (2005, p.2) acerca da imagem poética
argumenta:
A imagem poética não está sujeito a um impulso. Não é o eco de um passado.
É antes o inverso: com a explosão de uma imagem, o passado longínquo
ressoa de ecos e já não vemos em que profundezas esses ecos vão repercutir e
morrer.
O topos faz parte da existência humana, apreendido pelos sentidos e por isso
passível de registro na memória. Para Bachelard a partir das imagens inerentes a uma
topoanálise, estudo sistemático das realizações dos espaços no íntimo dos indivíduos,
pode-se captar os sentidos. O espaço teria como função “suspender o vôo do tempo. Em
seus mil alvéolos, o espaço retém o tempo comprimido” (BACHELARD, 2005, p.25).
N‟A Emparedada da Rua Nova a dispersão temporal se dá pela memória através da
linguagem, sobretudo a oralidade, que conserva o tempo psicológico, mas o espaço
projetado pela memória é captado pelos sentidos, constitui o substrato melhor do relato,
isto porque a sua representação maior é o microcosmo cultural dos personagens. Nesse
topos, memória e imaginação são um todo, laborando mutualmente o espaço.
Guardando nestas preciosidades do passado, a cidade é um dos primeiros núcleos que
traz à tona as lembranças. É lá que o narrador busca trabalhar com objetos que
denunciam uma origem, um estar no mundo. Como é o caso da evocação de parentesco,
a relações culturais, a simbologia de cada canto da cidade do Recife percorrida pelo
narrador. Os valores da época da infância, até então não consciente pelo menino, revela-
se mediante uma consciência crítica e analítica para o homem de hoje.
O cenário escolhido para a tragédia relatada pelo autor é a Rua Nova, esta rua
por si só já traz uma gama de representações históricas, povoa o imaginário da cidade.
Foi lá que ocorreu o assasinato de João Pessoa, atraz da igreja Matriz, como o próprio
narador assinala:

A rua, que antigamente se chamava Nova e que é hoje, graças ao crisma


municipal(...), é uma das principais artérias da cidade, onde se fixou o
comércio(...). Foi, por exemplo, aí no oitão da igreja Matriz, que sentado e
amarrado a uma cadeira como a um triste pelourinho foi sacrílega e
barbaramente exposto, entre douas praças, o cadáver de Souto Maior, que
tentara assassinar o governador Luiz do Rego, a fim de sua identidade ser
reconhecida por quantos passassem. (VILELA, 2005, p. 30)

Observe que o autor tinha a consciência da aurea de mistérios e tragédias que


sempre pairou na Rua, o espaço prenuncia a tragédia. Quando o tempo incita o papel
meramente ilustrativo de um relato, é no espaço que a memória se conserva, pois é nos
espaços que se encontram resquícios do inconsciente. Desta forma, é na cidade em que
o maior número de lembranças é guardada e comungada pelo leitor, ela é, antes de tudo,
o lugar compartilhado. Ela simbolicamente representa o retorno, o pertencentimento, o
lugar da infância. Para cada parte haverá lembranças, pois esta não é somente vista no
todo, mas, fundamentalmente, nas partes: ruas, principalmente a Rua Nova, chafariz,
praças, igrejas, comércio. Ela, como outros elementos, fogo, água, permitem evocar, na
seqüência de nossa obra, luzes fugidias de devaneios que iluminam a síntese do
imemorial com a lembrança.

A fragmentação da narrativa confere ao texto uma dispersão temporal e espacial,


o romance é, antes de tudo, um meio pelo qual o narrador, após um relato de tradição
oral, reconta uma das mais conhecidas tragédias da cidade do Reife. A partir do relato
mnemônico, o autor busca um regresso ao lar e ao mais íntimo de um povo, a sua
construção cultural, unindo indivíduo e sociedade num único laço, o da memória. Neste
relato são reveladas características peculiares do cotidiano de um povo, não se trata
somente de relatos esparsos pelos narradores, mas sim de uma tentativa, através das
lembranças, ao retorno de um mundo mítico, cultural que formam e lapidam, num
processo inacabado, a cultura dos principais personagens.

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