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Volume 395- ANO 104

ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
NACIONAL DE

Mendes Pimentel
Estêvão Pinto

EX-DIRETORES DIRETORES
Pinto Arruda Alvim
Pinto Eduardo Arruda
~UU'FP''"~''U Pinto
José Monteiro de Castro
José de r-uJlH'-'''"'""' Paiva
José Dias
"'u"'"'"' Seabra Fagundes
Silva Pereira
José Moreira

EDITORA
FORENSE
DA OBJETIVA E SUA NA FASE
NEGOCIAL: UM ESTUDO COMPARADO COM A DOUTRINA ,,......,~"'""'·""

KARINA NUNES FRITZ


Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
- PUC/SP (2005). LL.M na Universidade de Erlangen-Nuemberg (Alemanha
- 2006). Doutoranda pela Universidade de Erlangen-Nuemberg (Alemanha).

RESUMO: O novo Código Civil brasileiro consagrou expressamente a cláu-


sula geral da boa-fé objetiva no art. 422. Com isso, colocou profundos desafios
ao aplicador do Direito: não se trata apenas de definir e desenvolver as poten-
cialidades da boa-fé objetiva, mas também de trabalhar os institutos jurídicos
desenvolvidos ao longo do século XX pela doutrina alemã a partir desse princí-
pio fundamental do Direito das Obrigações. Dentre esses institutos destaca-se a
figura da responsabilidade pré-contratual, a qual surge quando, na fase das ne-
gociações preliminares, uma parte viola um dos deveres decorrentes da boa-fé
objetiva, causando dano a outra. Um estudo comparado com a doutrina alemã,
fonte primária do tema, faz-se, com isso, necessário e produtivo para o aprofun-
damento do debate no Brasil. O artigo tem por objetivo expor algumas informa-
ções gerais sobre a boa-fé objetiva e sua incidência na fase pré-contratual.
PALAVRAS-CHAVES: Boa-fé objetiva - Fides bana -Bana fides - Treu
und Glauben- Boa-fé subjetiva- Distinção entre boa-fé subjetiva e objetiva
- Obrigação como processo -Responsabilidade pré-contratual Rompimento
injustificado das negociações- Dever de boa-fé- Dever de proteção- Dever
de informação - Dever de lealdade - Dever de sigilo
ABSTRACT: The new Brazilian Civil Code expressly ratified the general clause
of objective good-faith in article 422. Wíth that, it set deep challenges to lhe Law
enforcement agent: It is not only about defining and developing the potentialities
ofobjective good-faith, but also to work the legal institutions developed throughout
the 20th century by the German doctrine from this fundamental principie of lhe
Law of Obligations. Among these institutions, the pre-contractual responsibility
stands out, which arises when, in the phase ofpreliminary negotiations, a party
via lates one of the duties deriving from objective good-faith, causing damage to
the other. A compared study with the German doctrine, a primary source of the
theme, becomes, therefore, necessary and produc tive for the deepening of the
debate in Brazil. The article aims to expose some general information on the
objective good-faith and its incidence in the pre-contractual phase.
KEY...WORDS: Objective good-faith - Fides bona - Bona :!ides - Treu und
Glauben- Subjective good-faith - Distinction between subjective and objec-
tive good-faith - Obligation as proceeding - Pre-contractual responsibility
- Unjustified breach of negotiations - Good-faith duty - Protection duty -In-
formation duty - Loyalty duty - Secrecy duty
VOL. 395
DOUTRINAS

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Evolução histórica da boa-fé. 3. A boa-


fé objetiva. 4. As funções básicas da boa-fé objetiva. 5. A incidência
contrato. Também essa decorrente da revogação da pro-
da boa-fé objetiva na fase negociai. 6. Deveres decorrentes da boa- nos termos dos arts. 427 e segs. do a ""''1-'~•u.oauun-~.c""" n;no._,,,..,,.,_
fé objetiva na fase negociai. 6.1. Dever de proteção. 6.2. Dever de tratual surgir antes que uma tenha feito a outra proposta ou, em já
informação. 6.3. Dever de lealdade. 6.4. Dever de sigilo. 7. Conclu- tendo havido não se tenha seguido a sua imediata aceitação, formadora do
sões. 8. Referências bibliográficas. consenso, mas se iniciado um processo negocial.2 Os requisitos fundamentais para a
vv'-'-"1'"-'u"''v da pré-contratual objeto de futu-
ro, visando o presente a análise da boa-fé objetiva e dos deveres dela decorrentes, cuja
violação constitui um dos pré-requisitos para a responsabilidade pn~-ooní:ratual
Negada doutrina brasileira mais tradicionaV essa responsabilidade tem
Já há algum após a edição do a doutrina brasileira sido reconhecida pela mais moderna, já tendo inclusive, admitida pela jurispru-
tem se dedic~do ao estudo e à pesquisa da boa-fé objetiva, trabalho intensificado princi- dência, embora o legislador brasileiro não tenha recepcionado expressamente a figura
p~lmente apos a consagr~ção expressa do princípio em diversos artigos do novo Código no novo Código Civil. A responsabilidade pré-contratual foi, contudo, como colocam
C1vll dentre os qums pelo seu caráter de cláusula geral, o art. 422. Com Nelson Jr. e Rosa recepcionada no ordenamento brasileiro através
esse a boa-fé resta definitivamente consagrada no Direito brasilei- do art. 422 do CC/2002. 4 A razão disso é simples: boa-fé objetiva e responsabilidade
ro. Ao introduzir a cláusula da boa-fé no art. o Civil pré-contratual andam de mãos dadas. Existe entre ambas uma relação de fundamen-
de 2002 lançou grandes desafios ao do Direito. agora, não apenas tação: a boa-fé objetiva é o fundamento básico do a jurisprudência alemã, no
defimr o que vem a ser boa-fé objetiva e descobrir e desenvolver suas potencialidades final do século deduziu e construiu a teoria da responsabilidade pré-contratual.
sobretudo no ca~po do Direito das Obrigações, mas, também, trabalhar institutos jurí~ A doutrina alemã é, essencial para a compreensão tanto da boa-fé objetiva,
d1cos que trad1c10nalmente desse como é o caso, por ex\:omplo quanto da responsabilidade pré-contratual.
da figura da responsabilidade pré-contratual, também denominada pré-negociai, a Constata-se, contudo, no meio jurídico brasileiro, a ausência de estudos compa-
surge_ quando, durante as negociações, uma das partes viola os deveres de consideração, rados sobre o tema com base na doutrina alemã, onde ambos os assuntos, apesar de
ou seJa, aqueles decorrentes da boa-fé objetiva, causando dano a outra. séculos de debate, ainda despertam interesse em nível nacional - face sobretudo à
uwvm.uw.u''"' deve-se frisar que responsabilidade
consagração pioneira da figura da pré-contratual, assi~ como de ~u­
e,' na
tros institutos jurídicos derivados diretamente do princípio da boa-fé objetiva, no novo
gênero do qual fazem várias figuras, 1 dentre as a mais conhecida é a res-
ponsabilidade por rompimento injustificado das negociações Código Civil alemão (BGB), reformado em 2002 - e supranacional- face ao intenso
e acalorado debate travado atualmente na comunidade científica européia acerca da
dentemente, de de "'''~-'''"oaunnu'L'" JJ>ré··CCintlcatl se trate,
conveniência, necessidade e oportunidade da elaboração de um Código Civil europeu.
todas têm em comum a ainda na fase negociai, de um dos deveres de consi-
Um estudo comparado com o Direito alemão, fonte primordial do assunto, mostra-
d~~ação. Esse artigo tem como pano de fundo, somente a de responsa-
se, imprescindível e de grande valia para o aprofundamento do debate no BrasiL
bilidade po: rompi~ento injustificado das negociações, a qual caracteriza-se quando
Nesse o presente artigo tem a pretensão apenas de expor algumas noções gerais
a apos permitir que smja na outra a certeza de que o contrato será celebrado
sobre a boa-fé objetiva e sua incidência na fase negociai, fase na surge a respon-
a~andona sem motivo justificável as negociações, causando dano àquela que, em fun~
sabilidade pré-contratual - conhecida, principalmente na Alemanha, pela terminologia
çao da confiança na situação, realizou despesas visando a conclusão do contrato.
latina culpa in contrahendo -tendo como pano de fundo a experiência jurídica alemã. O
A responsabilidade pré-contratual não surge da violação de contrato preliminar,
trabalho inicia-se com um estudo histórico da boa-fé objetiva, revelando sua concepção
consagrado. no art. 462 do CC/2002, como uma semelhança terminológica poderia
segundo o Direito alemão (a qual é aceita pelos ordenamentos jurídicos mais modernos)
~uge_nr, pms o pré-contrato é negócio jurídico, ou seja, vínculo obrigacional, cujo
e suas principais formas de manifestação, ganhando maior destaque sua incidência da
ma~1~pleme~to gera responsabilidade contratual. Bem distinto é o campo da respon-
fase das negociações São ainda analisados os deveres decorrentes da boa-fé
sabilidade pre-contratual: aqui não há vínculo obrigacional entre as partes, as quais
objetiva, denominados na Alemanha de deveres de consideração (Rücksichtspflichten),
encontram-se apenas em conversações visando eventualmente a celebração de futuro
cuja violação constitui um dos pressupostos da responsabilidade pré-contratual.

A dou~na alemã ~dentifica qmtro tipos básicos de responsabilidade pré-contratual, sempre que haja
2 Sobre o tema confira-se Alcides Tomasetti Jr., Execução do contrato preliminar, tese apresentada
vwlaçao da boa-fe objetiva mnda na fase negocia!: a) por celebração de contrato nulo ou anulável·
perante a Faculdade de Direito da USP em 1982, e Darcy Bessone, Do contrato.
b) por danos oriundos da fase negocia!, em tendo havido contrato válido; c) por danos oriundos d~
3 Confira-se J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial, vol. VI, pp. 487-488, e J. M.
f:se negocia!, quando não há celebração do contrato; d) por rompimento injustificado das negocia-
Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, vol. XVI, pp. 56-57. 175 J
çoes. Confira-se Reg1s F1chtner Pereira, A responsabilidade civil pré-contratual, p. 3.
4 Código Civil anotado, p. 339.
VOL. 395 DOUTRINAS

torial romana exigiu a do Direito então vigente às novas exigências econô-


mico-sociais. A criação desses institutos atendeu também a uma exigência interna do
Falar de boa-fé é trabalho árduo e complexo, pois o tema já é, por si só, objeto próprio sistema jurídico romano, de base essencialmente processual, na medida em
de importantes obras, 5 de modo que o objetivo desse estudo é traçar sinteticamente um que este assentava-se não no reconhecimento abstrato de posições jurídicas, mas na
perfil evolutivo da boa-fé, desde suas origens no Direito Romano até sua concepção atribuição concreta de ações, denominadas fórmulas, que possuíam dois fundamen-
pela doutrina atual. Boa-fé é termo dotado de diversos significados, condensados e tos básicos: o Direito Civil (actiones in ius conceptae) e fatos concretos (actiones in
acumulados ao longo da história. A boa-fé lança suas origens no Direito Romano, sen- factum conceptae). Os bonaefidei iudicia eram ações fundadas em fatos e conferiam
do encontrada em vários institutos da época da fundação de Roma, como a clientela, 6 ao juiz o poder de decidir o litígio com base na boa-fé, de acordo com a análise das
no qual assumia a idéia de garantia e promessa. Afides primitiva não tinha, contudo, circunstâncias concretas.
um significado único, expressando a terminologia também conotações religiosas e éti- Afides bona do período clássico do Direito Romano, no qual foram criados os
cas, refletindo então a idéia de dever. 7 Mas, segundo Wieacker, na base dafides houve bona fidei iudicia, revestia, portanto, a natureza de norma jurídica objetiva de com-
sempre a idéia de adstrição de comportamento, inicialmente mágico, depois religioso, portamento honesto e correto, sem que isso, contudo, significasse qualquer remissão a
moral e finalmente jurídico. 8 valores éticos extrajurídicos, compreensão que contraria o espírito pragmático do Di-
Com a expansão territorial romana e as novas exigências decorrentes da inten- reito Romano, averso não somente ao direito consuetudinário, como também a idéias
sificação das atividades comerciais, a fides adquire o sentido de à palavra extrajurídicas. 10 A concepção de fides bona, enquanto norma de comportamento no
dada, especialmente no campo dos contratos internacionais celebrados entre romanos tráfico comercial, altera-se, contudo, substancialmente no decorrer dos anos em fun-
e estrangeiros. Esses contratos - especialmente os ditos consensuais, como compra e ção de sua utilização indiscriminada em distintos fenômenos, processo denominado
venda, locação, sociedade e mandato não se caracterizavam pelo formalismo, carac- de diluição horizontal e vertical do conceito de boa-fé. A primeira ocorre quando a
terística essencial do Direito Romano, mas fundavam-se exclusivamente na.fi.des, aqui expressão qualificativa de um instituto jurídico passa a designar outro instituto di-
já acompanhada do qualificativo bona e portadora do sentido de fidelidade à palavra ferente, enquanto a segunda verifica-se quando essa expressão passa a traduzir um
dada, o que era essencial para garantir seu cumprimento, na medida em que a estes não princípio de Direito.
correspondia uma respectiva ação processual que pudesse garantir-lhes exigibilidade. 9 O fenômeno da diluição horizontal aparece com o desenvolvimento do usuca-
Só posteriormente, com a criação dos bonae fidei iudicia, é que os contratos pião no Direito Romano, quando os jurisprudentes romanos criaram o termo bona
internacionais passaram a ser protegidos juridicamente no Direito Romano. Os bona fides para expressar um dos requisitos para a aquisição da propriedade via usucapião.
fidei iudicia foram institutos criados quando a realidade emergente da expansão terri- A expressão nova ganhou o significado de estado psicológico de ignorância, incidin-
do nos direitos reais e, posteriormente, em diversos ramos do Direito. Surge então a
bonae fidei possessio que, embora termino logicamente semelhante, não se confunde
5 Duas das melhores monografias em língua portuguesa sobre a boa-fé são os trabalhos de Menezes com os bonae fidei iudicia: naquela, a bona fides surge como estado psicológico de
Cordeiro e Juclith Martins-Costa, ambos freqüentemente citados ao longo desse trabalho. Confira- ignorância do possuidor em lesar direito alheio, tendo como campo de aplicação dire-
se também José Carlos Moreira Alves, A boa-fé objetiva no sistema contratual brasileiro, e Rosa ta os direitos reais; nesses, afides bana expressa norma de comportamento honesto e
Nery, Vinculo obrigacional: relação jurídica de razão, tese de livre-docência apresentada perante correto a incidir sobretudo no Direito das Obrigações.
a PUC/SP em 2004, ainda não publicada.
Além dessa alteração horizontal, sofre a figura ainda uma mudança vertical, no
6 O instituto da clientela é um dos mais antigos institutos do Direito Romano, tendo surgido nos pri-
mórdios da fundação de Roma. Sua estnüura baseava-se na desigualdade existente entre patrícios, interior do próprio Direito das Obrigações, mesclando-se e confundindo-se com a eqüi-
clientes e plebe. Pela clientela, o patrício, cidadão romano, recebia em proteção o cliente, que passava dade, princípio de justiça ao qual recorre o juiz para, na solução do caso concreto,
a pertencer a gens daquele, devendo-lhe lealdade e obediência. Ambos possuíam reciprocamente di- flexibilizar a rigidez da norma jurídica. Mesclada à eqüidade, a boa-fé passou a ex-
reitos e deveres. Ajides aqui adquiriu o sentido de promessa de proteção, que vai evoluir e espraiar-se pressar também justiça. Essas difusões vertical e horizontal da boa-fé, processadas no
em vários institutos corno garantia da palavra dada, ou seja, fidelidade à palavra dada, característica
decorrer de séculos, provocaram a diluição de seu conceito, de forma que esta chegou à
que os romanos se vangloriavam de ser detentores. Nesse sentido, Martins-Costa, A boa-fé no direito
privado, pp. 112-113, inclusive notas 73 e 76. compilação de Justiniano, no século VII, expressando não somente situações jurídicas
7 Assim, segundo Menezes Cordeiro, a boa-fé primitiva teria basicamente três significados: jides-sa- diferentes -boa-fé possessória e obrigacional- mas também princípios gerais, como é
cra, documentada na Lei das Xll Tábuas e no culto da deusa Fides; ajides-facto, ligada às idéias de o caso da eqüidade. Por isso, diz Menezes Cordeiro que "na compilação justinianeia, a
garantia, empenhamento, promessa, confiança e associada a institutos, corno a clientela; e ajides-éti- boa fé é um conceito diluído. Um conceito diz-se diluído quando, nos mesmos período
ca, derivada da idéia de garantia e que adquiriu o sentido de dever, ainda que não jurídico. Da boa-fé
no direito civil, pp. 54-56.
176 8 Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 58-59. 177
9 Moreira Alves, A boa-fé objetiva ... , cit., pp. 191-192. 10 Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 97 e 105.
VOL. 395 DOUTRINAS

CH~·uuyuL,~V a idéia de boa-fé como dever de lealdade existente entre os contratantes,


reflexo de iru-'luências a maior da doutrina e lill'lSiJruldencta
da se encontra presa às antigas concenco,es
dada análise, que essa só ser alterada por meio de verdadeira ""'""'~''-'a.v
cia, as influências do Direito ~auvu.".v sistemas mais não se trata apenas do modo de ver um
doutrina cristã: a de ausência de mas também da forma de entender e realizar o direito 15
fé Bem distinta da francesa é a germânica. deve-se ob-
servar que o Direito alemão reserva terminologias diferentes para boa-fé
e guten Glauben é a boa-fé a estado
ignorância, enquanto Treu und Glauben à boa-fé
passou a em relação jurídica, ausên- duta leal e honesta a ser adotada
assim um caráter ético. Na Idade observa-se da cm1cepç~io
incidindo no campo dos direitos reais ou obrigacionais,
era sempre colorida necessária ausência de No âmbito obrigacional, agir
de boa-fé consistia exatamente em fielmente o e
sob pena de incorrer em má-fé, vale dizer, em O aspecto ""'~"'"'"
boa-fé entretanto, em tendo acentuado relevo apenas a
boa-fé como estado de consciência espalhando-se esta concep- que interessa diretamente a esse
ção em diversos institutos jurídicos. de honra
awc ...ucv"

Deve-se observar que a boa-fé chegou às vésperas da primeira grande codifica- fidelidade à
ção - a francesa - totahnente da antiga idéia de lealdade de comporta- coJmp>ondo-se a Treu und Glauben tem-se que Treue Mlc'.llH.<'-'a uuc;u•ua\.110,
mento do primitivo Direito Romano. 13 Ela chegou e mesclada com idéias lealdade e Glauben, crença, no sentido de Juntas regra de com-
outras: estava acentuadamente marcada subjetivismo sob a influência norta1m•~n1:o leal e honesto a ser adotada por todos na vida em sociedade. Nesse senti-
do Direito Canônico e fundida ao conceito de então uma idéia coloca o comentário ao Código Civil intitulado BGB Handkommentar:
de justiça. O Código Civil francês a ro- car·ac1.enza, na relação dos
mana clássica da boa-fé. Consagra a boa-fé em sua idéia nuclear de estado coJnpre(mcle "'vwau""V''• sinceridade e ... v,.hwuc.~
de ignorância, em diversos dispositivos, no campo dos direitos definida se tipo de comportamento da outra
no art. 550 sob a ótica do sujeito: possuidor de boa-fé é que possui como pro- isso, a necessidade de um honesto e leal, com justas vvu"''""'"'l'v''"
prietário, em virtude de título translativo de cujos vícios ignore. 14 A boa- aos interesses legítimos do outro. Essa necessidade ""'111 "',."''"'r1 ~
fé objetiva, por sua vez, encontra-se no art. 1. segundo o as devem da "18

executar as obrigações de boa-fé.


de tal doutrina e jurisprudência francesas não conseguiram
retirar muitas potencialidades da boa-fé, em decorrência sobretudo do
método exegético desenvolvido após a entrada em vigor do Code - caracterizado es- 15 Ob. cit., p. 267.
sencialmente estrita vinculação, formal e do julgador ao texto legal - a Para Martins-Costa, o art. 1.134/3 do Código francês não passa de letra morta. Ob. cit., p. 204.
16 Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 162-166.
ver a boa-fé incidente nas relações obrigacionais ora como mero reforço ao pactuado,
Rosa Nery também afirma ser a Treu und G/auben um instituto tipicamente germânico. Vínculo
ora como proscrição de dolo ou fraude. Apesar em épocas mais recentes, constatar- obrigacional..., cit., p. 246.
se um esforço de da doutlina em superar essa visão limitada da boa-fé "h'~'-"'" 17 Para o autor, a boa-fé objetiva (Treu und Glauben) remonta à bonafides do Direito Romano, usada,
por volta do século III a.C., como fundamento de ações de negócios jurídicos não regulados pela lei,
como compra e venda, locação, sociedade, mandato e outros semelhantes. Schuldrecht I, p. 76.
18 No original: "( ... ) Treue bezeichnet im Verhiiltnis der Beteiligten eine Haltung, die Verliij3lichkeit,
11 Ob. cit., p. 128. Aufrichtigkeit und Rücksichtnahme einschliej3t. Glauben bedeutet das Vertrauen auf eine derartige
12 Moreira Alves, A boa-fé objetiva ... , cit., p. 187. Haltung der anderen Fartei. Die Wortverbindung enthiilt damit das Erfordernis red/ichen und
13 Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 184-187. loyalen Verhaltens unter billiger Rücksichtnahme auf berechtigte Interesse der anderen Seite. Dieses 179/
14 Martins-Costa, ob. cit., p. 205, n. 109. Eifordernis schliej3t den Gedanken des Vertrauensschutzes ein" (BGB Handkommentar, § 242, p. 200).
VOL. 395 DOUTRINAS

No mesmo sentido manifesta-se o mais famoso comentário o Münchener mo entre


Kommentar: "a 'Treue' a posição do credor e sua alemão
lidade para com o dever de prestação, ou seja, contratual no sentido original a apesar de seu reconhecimento comercial.
e também honestidade e sinceridade (' honesty', na definição do Uniform Commercial O silêncio acerca da boa-fé no Código Comercial não
Code), com o que se quer expressar ao mesmo tempo uma determinação do conteúdo paz de seu desenvolvimento no seio desses acabando por
da relação obrigacional no sentido de um justo equilíbrio de interesses. A 'Glauben' Iormente no Direito Privado. De do OAG Luuec.:1c
dirige-se à existência de uma relação de confiança e exorta à consideração de uma o Tribunal Comercial
confiança digna de proteção (... ). O sentido da expressão Treu und Glauben indica, de o prosseguiu na utilização da seguindo a linha traçada ou-
um lado, para a direção da proteção da confiança, de outro lado, para a direção de uma tras Cortes. o ROHG foi integrado ao RG2 1 em 1879, competente para litígios
'justa' consideração aos interesses, dignos de proteção, do outro participante, ainda civis e comerciais, a boa-fé objetiva incorporou-se definitivamente à ordem privada,
quando uma regulamentação legal específica não tenha em conta, ou não suficiente- tendo como reflexo sua consagração em diversos parágrafos do BGB, dentre os quais
mente, essa dignidade de proteção; então, devem ser trazidos para consideração os cri- o famoso § 242. 22 Observa Menezes Cordeiro que apesar da influência incontestável
térios intrínsecos dos mandamentos sociais que se encontram fora ou acima do Direito, da doutrina silente quanto às potencialidades da boa-fé objetiva, a impor-
assim como os princípios éticos, os quais não estão positivados no Direito, ou apenas tante prática da jurisprudência comercial pesou significativamente sobre os juristas
esporadicamente, mas que se encontram na base da ordem jurídica como um todo." 19 quando da elaboração do BGB. Além disso, influenciou ainda a idéia da !H\.Ci:1U<~..,""i:1\..IIO
A concepção da boa-fé como regra de conduta surgiu não de elaborações doutri- de previsão casuística de situações o que acabou refletindo na adoção de um
nárias, mas da prática comercial alemã de épocas medievais. Essa prática comercial, sistema de aberto para o BGB- caracterizado recurso simultâneo às técnicas
pacificamente aceita no meio social, foi gradativamente reconhecida e assimilada pe- do casuísmo, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados- capaz de respon-
los tribunais comerciais surgidos na Alemanha com o desenvolvimento do liberalis- der a problemas impensáveis na da codificação, os quais não ser dedu-
mo. Em decorrência da ausência de um estado centralizado - a Alemanha encontrava- zidos do sistema e que foram posteriormente solucionados principalmente através da
se à época fracionada em diversas unidades políticas independentes - esses tribunais aplicação do princípio da boa-fé objetiva. 23
comerciais decidiam não de acordo com uma fonte legislativa homogênea, mas fun- A boa-fé objetiva, na linha de seu desenvolvimento posterior pela doutrina e
dados sobremaneira no Direito Romano (Corpus Iuris Civilis), no Direito comum, nos jurisprudência alemãs, surge principalmente em três linhas de aplicação: como norma
usos e costumes de cada localidade e na boa-fé. de conduta incidente no tráfico jurídico, impondo direitos e deveres às partes em con-
Em 1815 surgiu o primeiro tribunal superior comercial- OA G Lübeck- dotado como princípio interpretativo e integrativo dos negócios jurídicos; e como limite
de jurisdição sobre as cidades de Lübeck, Hamburg, Bremen e Frankfurt. O OAG ao exercício dos direitos, sendo a primeira de suas feições a que mais diretamente se
Lübeck tratou da boa-fé de forma tópica, desenvolvendo tanto a versão subjetiva, reflete na responsabilidade pré-contratual.
como a objetiva, esta exprimindo três conotações básicas: modo de exercício de po-
sições jurídicas, fórmula de interpretação objetiva dos contratos e fonte de deveres
adicionais aos contratualmente previstos. Deve-se ressaltar que as decisões dos tri-
bunais comerciais sobre a boa-fé objetiva não se embasavam na doutrina pandectista
dominante à época, com a qual divergiram durante muito tempo. Um reflexo do abis- Da análise histórica acima operada acerca da boa-fé, evidencia-se que as
duas mais importantes codificações ocidentais - francesa e alemã têm concepções
bem distintas sobre a boa-fé objetiva, o que contribui para provocar a enorme confu-
19 No original: "Die 'Treu 'spricht in erster Linie das Stehen des Schuldners zu seiner und das Einstehen für
são conceitual com a qual se depara o estudioso do Direito atualmente. Boa-fé objeti-
seine Leistungspjlicht aus, also Vertragstreue im ursprünglichen Sinn, auch Ehrenhaftigkeit oder
Ehrlichkeit ('honesty' in der Definition des amerikanischen Uniform Commercial Code), womit
va, para a doutrina francesa, significa reforço ao pactuado no contrato, enquanto para
gleichzeitig eine Inhaltsbestimmung des Schuldverhiiltnisses iS eines gerechten Interessenausgleichs a doutrina alemã traduz um dever de se conduzir com lealdade, retidão e consideração
gemeint ist. Der 'Glaube' spricht das Bestehen eines Vertrauensverhiiltnisses an und fordert zur
Berücksichtigung schutzwürdigen Vertrauens auf ( . .) Weisen mithin Treu und Glauben dem
Wortsinn nach einerseits in die Richtung des Vertrauensschutzes, andererseits in die Richtung einer 20 Abreviatura de Oberappellationsgericht, ou seja, Tribunal Superior de Apelação da Cidade de Lübeck.
'billigen 'Rücksichtnahme aufdie schutzwürdigen lnteressen anderer Beteiligter auch dort, wo deren 21 Abreviatura de Reichsgericht, Tribunal do Império.
Schutzwürdigkeit eine spezielle gesetzliche Regelung nicht bzw. nicht hinreichend Rechnung tragt, 22 "Der Schuldner ist verpjlichtet, die Leistung so zu bewirken, wie Treu und Glauben mil Rücksicht auf
so sind die inhaltlichen Maj3stiibe aus auj3er- bzw. überrechtlichen sozialen Geboten und ethischen di e Verkehrssitte es eifordern". Tradução livre: "O devedor é obrigado a realizar a prestação como o
180 Prinzipien zu beziehen, die im Recht nicht oder nur sporadisch positiviert sind, aber der gesamten exige a boa-fé objetiva, com consideração aos usos e costumes do tráfico." 181
Rechtsordnung zugrunde liegen" (l'v1ünchener Kommentar, § 242, p. 118). 23 Ob. cit., p. 331. No mesmo sentido Franz Wieacker, História do direito privado moderno, p. 608.
1
VOL. 395 DOUTRINAS
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mas estende-se como


>sM>V><JHCUü, TirllnC'ini

logo a a VVIC>V,~IJ--·UV onde haja uma de pnuHJLJ.W.<m.av


atualmente admitida melhor doutrina é a decorrente do Direito alemão. Para o autor, o da boa-fé decorre diretamente do 1-'"I"'V""u"'·uv
Na a boa-fé fundamento básico do Código Civil alemão e que traduz a consideração do homem
fim em si mesmo, idéia raízes encontram-se na cristã e na fi-
do Direito Privado euro- "~lJ""""'u'-'"" a de Emmanuel da qual decorre a necessidade elementar
embora uma norma semelhante ao § 242 do tanto no art. 1o da Lei Fundamental
- sendo o suíço, nesse
da União

reconheceu em diversas decisões


é fundamental da ordem jurídica comum eu-
de modo que cada vez mais os ordenamentos nacionais o iJHHv.q..wu, a decisão de se,

da
upavLHH.HHH-L)v desenvolvida Direito alemão. 24 dos direitos
do conceito de boa-fé deve ser novamente enfocada para evitar Essa liberdade e cmnp1en1enctacla da
confusões: boa-fé subjetiva e são fenômenos distintos. A é a deno- na medida em que a liberdade do in-
minada boa-fé psicológica e significa estado de crença de estar agindo conforme o Di- "~u'"''''""L"'-'""' mas apenas dentro da comunidade so-
a segunda, dita boa-fé é norma de conduta a ser adotada na vida jurídica, cabe ao ordenamento prever à liberdade individual
como coloca claramente Rosa Nery: ocupa de a boa-fé na
o princípio da boa-fé duas distintas análises, porque duas são as imanentes ao uso dessa liberdade. que autonomia e liberdade
vertentes culturais da formação dessa idéia para a atualidade. Uma originária da tra- bem como a liberdade de exercício de encontram-se submetidas
dição do Direito Canônico (bana fides; em alemão, gutten Glauben); outra oriunda
do Direito germânico (Treu und Glauben- lealdade e fé [confiança]). A primeira é do autor:
denominada de boa-fé subjetiva e a segunda de boa-fé objetiva. A primeira representa a ordem por prever
uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento dividuais ditadas para uma vida comum ordenada. Essas são imanentes
individual da parte de obrar em conformidade com o Direito. Já a boa-fé objetiva se ao exercício ético e da liberdade também para a autonomia
apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo e para a liberdade no exercício de cunhados éti-
social o de que cada pessoa ajuste a conduta a co, encontram-se evidentemente uuu""""''""
esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal "25 Q BGB f'OtltPni·nl

Boa-fé objetiva significa, um comportamento reto, honesto e leal para


com os outros, é regra de conduta26 ou "regra de reta conduta do homem de bem". 27
É o "dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados,
de lisura, honestidade". 28 Constitui, "atitude de lealdade, de fidelida-
de, de cuidado que se costuma observar e que é legitimamente esperada nas relações mais para o centro o mandamento da boa-fé
entre homens honrados". 29 Na síntese perfeita de Larenz, boa-fé objetiva nada mais eX]Jressâlo da solidária e, com
significa que o imprescindível mandamento da honestidade, o qual, juntamente com a
proteção da confiança, forma a base do tráfico jurídico, razão pela qual sua aplicação

30 Schuldrecht I, pp. 118-119.


24 Pp. 149-150. 31 Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, pp. 21-29.
25 Ob. cit., pp. 244-245- com grifos no original. 32 No original: "Die Rechtsordnung muB deshalb die filr ein geordnetes Zusammenleben gebotenen
26 Antônio Junqueira de Azevedo, A boa-fé na formação dos contratos, p. 79. Beschrankungen der individuellen Freiheiten vorsehen. Solche Beschrankungen sind dem ethisch
27 Moreira Alves, A boa-fé objetiva ... , cit., p. 192. verantwortungsvollen Freiheitsgebrauch ohnehin immanent ( ... ). Auch für die vom ethischen
182 28 Fernando Noronha, O direito dos contratos e seus princípios fimdamentais, p. 136. Personalismus gepragte Privatautonomíe und Rechtsausübungsfreiheit sind danach Beschrankungen
29 Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do consumidor, p. 181. selbstverstandlich. Der Umfang dieser Schranken hat allerdings im Laufe der Zeit geschwankt Das
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Outro princípio derivado da idéia de personalismo ético é o da proteção da con- os princípios gerais do sistema jurídico (liberdade, justiça e , acrescen-
fiança, o qual as pessoas, para formar suas relações de vida e tando adiante o autor que:
juridicas com responsabilidade, precisam poder confiar no comportamento das outras. como toda cláusula geral, permite atividade criadora do juiz. Esta porém não
A confiança, requisito indispensável a todo relacionamento humano, vem protegida é arbitrária, mas contida nos limites da realidade do contrato, sua tipicidade, estrutura
de diversas formas pelo Direito, dentre as quais via princípio da boa-fé objetiva. Per- e com aplicação dos princípios admitidos pelo sistema não cabe,
cebe-se, então, o importante atribuído à boa-fé objetiva no Direito alemão: ela pois, um arbítrio indefinido ou imoderado na aplicação de critérios éticos ou de razões
forma a base ética sobre a qual ergue-se o Direito Privado e, nesse sentido, completa, sociais, senão proporcionado secundum speciem rationem. Ademais, a exigência de fun-
35
integra e limita a liberdade de exercício de direitos, a autonomia privada e seu princi- damentação garante o controle de decisão pelas partes e pela comunidade juridica."
pal desdobramento, a liberdade contratual. Significa isso dizer que as partes devem, Semelhante é o pensamento de Larenz, para quem, embora todos tenham uma
no exercício de sua autonomia, agir eticamente, considerando os interesses do outro, certa idéia sobre o que corresponde ou não à boa-fé objetiva, ou seja, às idéias de leal-
aspecto essencial da idéia de boa-fé. Daí dizer Larenz que: dade e honestidade, é tarefa do juiz dizer, o que, em uma determinada situação, corres-
"( ... ) o princípio da boa-fé significa, em seu sentido literal, que cada um deve ponde a esse mandamento. A sentença a ser proferida pelo julgador não deve pautar-se
manter lealdade à sua palavra e não frustrar ou abusar da confiança, que forma a base em uma avaliação subjetiva, mas orientar-se pelas exigências gerais de justiça, as quais
indispensável para todos os relacionamentos humanos, (significa) que ele deve proce- concretizam-se nos princípios gerais da ordem juridica, na consciência juridica, nas
6
der como se pode esperar de alguém que pensa honestamente." 33 idéias de lealdade dos povos ou de determinado grupo, bem como na jurisprudência?
A boa-fé objetiva não é, como se costuma dizer, uma fórmula vazia. Seu concei-
to remete a valores éticos, como lealdade, honestidade e consideração pelos interesses
alheios, razão pela qual é também denominada de boa-fé ética, mas isso não implica
indefinição. O que, entretanto, em um determinado caso concreto, corresponde à boa-
fé objetiva, cabe ao julgador dizer, mas sua avaliação deve pautar-se por critérios A doutrina alemã, já há algum tempo, reconhece na boa-fé objetiva três funções
determináveis objetivamente. Ou seja, independentemente de sua opinião pessoal so- básicas: criadora, limitadora e interpretativa-integrativa, das quais a primeira é a que
bre o que vem a ser boa-fé objetiva, deve o julgador basear-se naquilo que doutrina e mais diretamente se relaciona com o tema da responsabilidade pré-contratual, razão
jurisprudência entendem como tal e harmonizar sua decisão de acordo com os prin- pela qual far-se-á apenas uma sintética referência as outras duas, as quais serão ini-
cípios e valores fundamentais do ordenamento jurídico. Por essa razão, diz Martins- cialmente abordadas. Inicialmente, deve-se abrir um parêntese e novamente enfocar
Costa que, na tarefa de verificar se determinado comportamento corresponde ou não que as funções da boa-fé objetiva aqui explanadas são produto do trabalho consciente
aos padrões de honestidade e lealdade exigidos pela boa-fé, deve o juiz averiguar qual e responsável da jurisprudência alemã de interpretação sistemática do§ 242 do BGB.
a concepção de boa-fé vigente na doutrina e jurisprudência, pois, como enfatiza a au- Na realidade, a boa-fé objetiva desempenhou na Alemanha o papel fundamental de
tora, "não se trata de determinar, por óbvio, qual é a sua própria valoração". 34 meio de aperfeiçoamento do Direito (Rechtsfortbildung), na medida em que a juris-
Essa visão é compartilhada também por Rosado de Aguiar Jr., quando afirma prudência desenvolveu, ao longo dos anos, certas potencialidades da boa-fé objetiva
que "a boa-fé é uma cláusula geral cujo conteúdo é estabelecido em concordância com que superavam em muito não só o sentido literal da expressão, como também a inten-
ção inicial do legislador alemão do Código Civil de 1900.
O dispositivo legal que consagra a boa-fé objetiva na lei alemã transformou-se
BGB hatte sich bei Vertragsfreiheit noch mit den Schranken des § 134 (VerstoB gegen gesetzliche em verdadeiro portão de entrada para o aperfeiçoamento jurisprudencial do Direito.
Verbot) und des § 138 (VerstoB gegen di e guten Sitten) beguügt und bei der Rechtsausübungsfreiheit De fato, a jurisprudência alemã fundamentava suas decisões no § 242 sempre que a
nur das Schikaneverbot (§ 226) vorgesehen. Demgegenüber hat die Rechtsprechung in der weiteren solução inicialmente encontrada para o caso, de acordo com as normas vigentes, não
Entwicklung unterstützt vom Sozialstaatsgebot des Art. 28 GG immer mehr das Gebot von Treu tmd se harmonizasse com a essência da boa-fé objetiva. 37 Recorrendo ao§ 242 do BGB a
Glauben aus §§ 157, 162, 242 als Ausdruck solidarischer Rücksichtnahme in den Mittelpunkt gerückt
und damit sozialen Schutzzwecken im BGB Eingang verschafft" (Allgemeiner Teil des bürgerlichen
Rechts., p. 25- com grifos no original).
35 A boa-fé na relação de consumo, pp. 24-25.
36 Schuldrecht I, p. 117.
33 Tradução livre de: "Der Grundsatz von 'Treu und Glauben 'besagt seinem Wortsinn nach, daj3 jeder 37 Münchener Kommentar, pp. 120-121.
in 'Treue 'zu seinem gegebenen Worte stehen und das Vertrauen, das die unerlassliche Grundlage O primeiro e mais significativo exemplo de aplicação corretiva da boa-fé objetiva tem-se quando
a/ler menschlichen Beziehungen bildet, nicht enttauschen oder missbrauchen, daj3 er sich so a jurisprudência, nos idos de 1923, quebrou o princípio vigente no direito alemão do "marco igual
verhalten soll, wie es von einem redlich Denkenden erwartet werden kann" (Schuldrechts I, p. 116). a marco" para ajustar as prestações dos contratos de duração continuada, afetados pela inflação do 185 )
184
34 Ob. cit., p. 331. pós-guerra. Adaptando o contrato e atualizando o valor da prestação, o juiz impediu que inúmeros
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jmisrJru:dência desenvolveu, então, e institutos jurídicos que acabaram por prazos de reside uma essencial entre ambos os
reformar e aperfeiçoar o Direito muitos dos encontram-se consagra- fenômenos. Não a mn prazo certo, sujeita o titular à
dos na versão atual do BGB, como o instituto da da base do negócio jurídico de um direito - inclusive direitos ,_,-,tcoc+<>ti"''º não há - antes
(§ 313), os deveres de consideração surgidos com a relação obrigacional (§ u1o·~"'"""'""' pelo
os quais, quando violados, legitimam indenização por positiva do contrato
(§ 280) e o próprio instituto da (§ 31 Embora V-''·"""'"''"v de considerar inadmissível uma contrá1ia à boa-fé
esse papel da boa-fé objetiva, como meio de aperfeiçoamento do Direito através do uu~;;u•ww operou ainda uma releitura de figuras oriundas do Direito
trabalho jurisprudencial, seja objeto de acesas criticas 38 na Alemanha por envolver Romano, como o venire contrafactum proprium ou de
questões dogmáticas e metodológicas fundamentais - cuja foge ao cujo objetivo éa da confiança no tráfico jurídico, como observa
escopo desse artigo - a é no sentido de que o aperfeiçoamento ''·'-'"'"'"''"w 41 querendo com isso que alguém adote determinado
c"''"-'~'H.U do Direito um método moderno e inevitável de do """'"''""'"'-'"' a confiança na e,
proceda de modo contrário a essa conduta.
ao Outro da boa-fé objetiva diz re~;peito à sua como in-
nhado como limite ao exercício de direitos e ~-'"''"''v~,0 terpretativo-integrativo para o juiz na análise do caso concreto, esta aqui
uma sobretudo na na teoria do abuso do direito - fala-se em manifestar-se não apenas como normaflexibilizadora e integradora das disposições
exercício inadmissível de direitos contratuais, mas p1incipalmente como norma corretiva do contrato, inserindo no ne-
de corlSHllera.çac gócio jurídico direitos e deveres não decorrentes diretamente nem da nem da von-
tade das partes, da aliás, independem totalmente. Essa potencialidade da boa-fé
"-'E,H-'''w'"~v relevante na medida em que segundo precisamente co-
loca a "realizar adequadamente o plano valorativo da lei ou- nos contratos
das partes". Por isso, diz o autor, "deve a relação obrigacional receber especialmente
que ou se aquele conteúdo que conduza ao alcance da intenção do legislador e das p~rtes. A~ui
a de que não mais exercerá esse direito e, frustrando a '-'ViliJl<UJl"" pertencem, acima de tudo, os deveres de proteção e de comportamento, CUJO respeito
42
exerce o Direito. assegura a realização do verdadeiro dever de prestação".
O fato central da
tem, em certa uma ,,.,..,,.,,w'•<in"'
na medida em que ele contribui para que na
40 Rosa Nery, ob. cit., p. 252.
~.oum!.aH\,a de que o direito não será exercido. ele não é elemen- Exemplo de Verwirkung dado por Dieter Medicus é o caso da parte que, diante de uma violação do
de1tenmiJt1arlte, como no fenômeno da ao contrário não há contrato operada pela contraparte, não faz uso, por exemplo, de seu direito de rescisão dentro de
determinado período de tempo, despertando no parceiro a impressão de que não mais exercerá esse
direito e, posteriormente, postula a rescisão do contrato. Ob. cit., p. 1!5.
41 Ob. cit., p. 80.
O autor dá o seguinte exemplo de venire contra fac/um proprium: X, proprietário de imóvel comer-
devedores saldassem suas dívidas pagando o valor nominal fixado no contrato, o qual, corroído pela cial, aluga-o para Y por dois anos. Segundo o contrato de aluguel, este será por mais um ano automa-
inflação, não conferia ao credor a vantagem patrimonial esperada e justa. Era o início da elaboração ticamente prorrogado se, dois meses antes do prazo estipulado, uma das partes não pedir a resilição
da teoria da quebra da base do negócio, cujos casos, de acordo com o direito brasileiro, são solu- por escrito do contrato. Três meses antes do prazo, Y, tendo já encontrado um outro imóvel para
cionados insatisfatoriamente através da teoria da imprevisão, consagrada no art. 478 do CC/2002. alugar, pergunta a X se ele tem intenção de resilir o contrato, o que é desmentido pelo proprietário.
Exemplo citado por Dieter Medicus, Schuldrecht I, p. 77. y deixa, então, de alugar o outro imóvel comercial. O proprietário X, contudo, posteriormente, dentro
do prazo fixado no contrato, exerce o direito de resilição fixado, contrariando seu comportamento
anterior. Embora tenha o proprietário, em tese, o direito de resilir o contrato, esse exercício é consi-
38 Münchener Kommentar, p. 122. derado abusivo e inadmissível pelo direito alemão, em função da proteção da confiança despertada
39 Por exercício inadmissível de direito tem-se assente na doutrina alemã, por exemplo, a impossibili- na contraparte. Ob. cit., p. 1!4.
dade de o credor recusar a prestação incompleta, executada pelo devedor, quando a parte restante for 42 Traducão livre de: "Die Vorschrift sol! den, Wertungsplan'(Wieacker aaO. S. 22) des Gesetzes oder
insignificante e o credor não tiver interesse fundado para opor-se à aceitação da prestação, ou quando - bei Vertrãgen - der Parteien sinngemaj3 verwirklichen. Insbesondere sol! das Schuldverhãltnis
o descumprimento do prazo de cumprimento da prestação, mesmo em contratos com prazo certo, for denjenigen Inhalt bekommen, der die Absicht des Gesetzgebers oder der Parteien zum Erfolg führt.
Hierhin gehõren vor aliem die Schutz - und weiteren Verhaltenspfiichten, deren Emhaltung d1e 187
186 insignificante, situação em que o credor não pode usar o direito de rescindir o contrato. Confira-se
Karl Larenz, Schuldrechts I, p. 122. Erfüllung der eigentlichen Leistungspfiicht sichert ( ... )" (ob. cit., p. 79- com grifos no original).
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Alemmlha, a como afirma


pacnlcalm<~m:e com base em dois comtJo€;m esse fenômeno:
§§ 133, 157 e 242 do BGB. Os dois últimos Daí surge a idéia de
como regra primeira no trabalho de rezando ex]pre:ss<lmeni:e ordenados •vFs'"''uu."u'"
que "os contratos devem ser interpretados conforme o exige a boa-fé para lill1a HH.UUUW~'-', das
consideração aos usos e costumes do tráfico", 43 regra, Essa visão dinâmica do fenômeno
elasticidade a abranger todos os tipos de contratos e não apenas os obrigacionais. 44 veres de conduta incidem não apenas durante o vínculo
Complementando a hennenêutica do negócio jurídico, surge a regra da busca da von- diante de um negócio jurídico, mas ainda nas fases e as
tade das partes, estampada no § 133, o "na interpretação de uma declara- partes encontram-se apenas em uma de contato. A boa-fé to-
ção de vontade é de se a verdadeira vontade e não estar-se preso ao sentido das essas fases, embora com intensidades criando direitos e deveres para as
literal do texto". 45 os quais da vontade dos envolvidos. u " 5 uuuv
Essa regra encontra-se também no Direito brasileiro, tendo adquirido respaldo na Alemanha, os deveres da boa-fé nnlPTliV~
legal no antigo art. 85 do atual art. 12,46 o qual traduz a idéia de que, sobre da fase em que atuem e reside uma
o texto literal do contrato, deve prevalecer a intenção das partes consubstanciada na brasileiro, pois, de acordo com nosso tanto a função como a natureza dos de-
como enfoca Moreira Alves. 47 O que de novo existe no CC/2002 é o art. veres decorrentes da boa-fé variam conforme se
segurido o qual "os negócios jurídicos devem ser conforme a boa-fé gacional ou de relações de contato, nas
e os usos do lugar de sua celebração". A norma- cujo direto é o citado como é o caso da
§ 157 do BGB- não recepciona a boa-fé subjetiva, como intenção das partes no mo- "'fl'"a.'y"v do futuro contrato.
mento da celebração, mas a boa-fé cânone de lealdade, como bem observa Na fase face à presença de os deveres decor-
Lotufo: a boa-fé de que o Código se refere é a denominada boa-fé objetiva, não rentes da boa-fé objetiva incidem ao lado das obrigações resultantes do
prevista no Código de 1916. O presente artigo representa a função interpretativa decorrem do acordado e/ou das ""'nc'""''"'"
da boa-fé, que deverá nortear os destinatários do negócio jurídico, visando conferir o sa o caráter de deveres laterais ou adicionais aos fl".H'-'lfl<ll~,
real significado que as partes lhe atribuíram, procedendo com lisura, ou, na hipótese é contribuir para o da finalidade do contrato, ou que os
de cláusulas ambíguas, conferir preferência ao significado que a boa-fé aponte como interesses de ambos os contratantes satisfeitos. Por isso diz Couto
mais razoável."48 Percebe-se, que os ordenamentos jurídicos alemão e brasi- ullun,lnh., defensores no Brasil da teoria da

leiro possuem semelhantes dispositivos legais relacionados à interpretação do negócio


jurídico e à boa-fé objetiva. que a constitui.
A potencialidade integrativa da boa-fé- a qual tem permitido inserir na relação do vínculo e criar deveres para o
obrigacional deveres não previstos pelas partes, quando da celebração do negócio era apenas considerado titular de direitos" 5 1
jurídico - está diretamente relacionada com sua função de fonte criadora de deveres Os deveres de nesse caso, como bem observa Martins-
de conduta, compreensão resultada da alteração do modo de ver o fenômeno obriga- da DrE~StSIC!Ü).
cional- classicamente concebido como vínculo jurídico de sujeição do credor sobre o
devedor, com os pólos da relação perfeitamente delimitados por direito versus dever
- operada pela jurisprudência alemã logo após a 1a Guerra Mundial. Com o abandono

49 Segundo o autor, "a relação obrigacional, equiparada pelo BGB à pretensão do credor (ou a uma
multiplicidade de pretensões) foi reconhecida pela prática e pela teoria como uma relação jurídica
43 "§ 157 Vertriige sind so auszulegen, wie Treu und Glauben mil Rücksicht auf die Verkehrssitte es complexa ('organismo') de contornos vastos e alastrantes, a partir da qual podem ser deduzidos não
erfordern." só múltiplos deveres acessórios e 'deveres de proteção' de caráter geral, tanto do lado de uma das par-
44 Ob. cit., p. 78. tes como do lado da outra, mas também assunções de deveres pré-contratuais (culpa in contrahendo)
45 "§ 133 Bei der Auslegung einer Willenserkliirung ist der wirkliche Wille zu erforschen und nicht an e uma responsabilização contratual do respectivo credor (culpa in exigendo )" (ob. cit., p. 597).
dem buchstiiblichen Sinne des Ausdntcks zu haften." 50 Nesse sentido, Rosado de Aguiar Jr. coloca que "os deveres nascidos da boa-fé são chamados de
46 CC/2002- "Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas secundários, ou anexos, em oposição aos provenientes da vontade contratada, que são os principais".
do que ao sentido literal da linguagem." "A boa-fé ... ", cit., p. 26.
188 47 Aparte geral do projeto de Código Civil brasileiro, p. 103. 51 A obrigação como processo, p. 30. 189
48 Código Civil comentado, vol. 1, pp. 312,315-316. 52 Ob. cit., p. 440.
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ao exato processamento da relação tendo em vista sua finalidade básica Os deveres decorrentes da boa-fé não nesse caso, contra-
de a satisfação dos interesses incidem diretamente na fase contratuaL Por
que esse deveres variam, conforme ensina em função das circunstâncias e a desses deveres gera
do de como ensina o nobre "nas re- como esclarece Martins-Costa:
a maioria dos deveres de não são ex-
pn;ss.amelllte "'UHJ.uuw-<-!.v". mas resultam do sentindo e das circunstâncias do
Como conteúdo desses deveres são por o dever do
<OA'"''""''-'"·v da lidar com
1HJLV1H1<1ya.v e esclarecimento - em suma, deveres

como mandamento à ,~,,,uu~"


a uma pessoa, que encontra-se
um dever de cuidado altruístico para
11",<''-'HJHcu,

Deve-se encontrar o meio


o fundamental resulta ainda da
53
'!",""'v""'- da boa-fé (§
Os deveres da boa-fé objetiva às Como a incidência da boa-fé nniP'C;nT'-'
dade e com aos interesses da coJatran::trtl~. do momento em que a
obrigação, mas também um colaborar para a satisfação de todos os interesses envolvi- como fenômeno estático de
dos. Esses deveres laterais embora autônomos em
possuem natureza jurídica contratual, consistindo sua v "'""A"'
inadimplemento, o que na doutrina alemã constitui violação do contrato. 54
incidentes, nas fases e pós-contratual, quando não existe
obrigação, atuam os deveres de consideração não mais como adicionais, mas como
os únicos deveres a serem envolvidos, cuja função consiste primor-
dialmente em o das aos exigidos boa-fé
Por isso, afirma Fichtner Pereira que "na fase os deveres como ocorre, por no de convivência
decorrentes da incidência do da boa-fé não terão caráter acessório por sua vez, trata diferentemente todas essas situa-
já que esse dever jurídico ainda não existe. Nessa ,u,uu.uv a estas deveres de diversos graus de intensidade.
assum1rao o na regulação do enquan1to para a de vida sociedade há o dever
serão eles que definirão as exigências de conduta de uma esfera do
em relação à outra". 55 neminem laedere - para as onuwvv•~o caracterizadas por contatos mais uu.cuMl.,vauuc,.
como os o ordenamento deveres mais intensos. Entre os
casos extremos de ausência de

53 No original: "Bei vertraglichen Schuldverhdltnissen werden die Rücksichtspfiichten meist nicht


ausdrücklich vereinbart, sonder ergeben sích aus dem Sinn und den Umstiinden des Geschiifts. Ais
Pfiichtinhalte sind z.B. denkbar: di e Pfiicht, den Partner von Gefahren zu wamen, ihn iiber Risiken
anfizukliiren, mil seínen Rechtsgütern bei Einbringung der Leistung sorglich umzugehen (.). Eine
abschliej3enden Katalog dieser Rücksichtspfiichten gibt es nicht, weil ihre Beurteílung situationsgebunden '""""''""''· o que aumenta o
erfolgen muss. Vor Übertreibungen íst zu warnen: Díe Rechtsordnung erlegt einer Person, die mil desse estreito contato, caracterizado por direcionar-se à conclusão do
einer anderen in dem Schuldverhiiltnis verbunden ist, nicht etwa die Pfiicht zur selbstlosen Sorgen
dafür aus, dass dem Partner auf keinen Fall irgendein Nachteil erwachst. Es ist die richtige Mitte
der Jnteressenabwiigung zu finden; di e entscheidenden Gesichtspunlde ergeben sich- auch nach der
Schuldrechtsmodernisierung- aus Treu und Glauben (§ 242)" (Einführung in das Zivilrecht, p. 436). 56 Ob. cit, p. 487.
54 Karl Larenz, Allgemeiner Teil ... , cit, p. 595. 57 Martins-Costa, ob. cit, pp. 400-401.
55 Ob. cit, p. 88. 58 Allgemeiner Teil ... , cit., p. 592.
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contrato, devem as partes portarem-se de boa-fé a fim de reduzir ao máximo os riscos de 63 Diniz64 e Basso 65 Mesmo Noronha, que admite a incidência dos deveres da
lesão aos interesses do outro. Nessa situação os deveres decorrentes da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, fundamenta a responsabilidade nrc>_N"Ur<ln
boa-fé objetiva, cuja violação configurar a responsabilidade pré-contratual. no dever geral de não lesar ninguém. Segundo o autor, "o dever de agir de acordo com
Os deveres de condutas aqui exigidos, em deconência da incidência da boa-fé a boa-fé está presente quer nas negociações que precedem o contrato, quer na conclu-
objetiva como regra de comportamento, adquirem, como já dito, o caráter de deveres são quer ainda na sua interpretação e na sua execução A sua violação na
principais de conduta e não se restringem ao dever gené1ico de não lesar ninguém, mas fase das negociações preliminares, quando as pessoas ainda não estão adstritas a outro
pressupõem antes mna atuação positiva do sujeito no seu exercício, como, por exem- dever que não seja o geral de neminem laedere, origina a responsabilidade pré-contra-
plo, o dever de infonnar o parceiro negociai sobre todas as circunstâncias relevantes tual. Esta surge não apenas com a interrupção injustificada das negociações prelimina-
para a fonnação do juízo de conveniência do contrato. Como diz Fichtner Pereira: res, como também com a violação daqueles deveres de conduta, impostos pela boa-fé,
"( ... ) o dever de não causar injustamente danos a outrem é reconhecido como de infonnação e clareza de linguagem, de sigilo quanto a infonnações prestadas pela
dever jurídico genérico, que alcança todas as pessoas, em todas as situações. Esse contraparte, e até de não-indução, ainda que meramente culposa, ao eno da outra par-
dever jurídico genérico, como visto, tem caráter negativo. Quando duas pessoas sere- te". E conclui, dizendo que, "em suma, a responsabilidade pré-contratual ainda resulta
lacionam com vistas à fonnação de uma relação jurídica contratual, ultrapassam esse de um dever geral de nem inem laedere, da violação do dever de respeitar, como alguns
estágio do relacionamento humano em sociedade, cujo dever jurídico consiste apenas autores apontam, a liberdade negociai de outrem". 66
em não prejudicar injustamente. A circunstância de as estarem negociando com Razão não assiste, entretanto, ao nobre professor, mas a Pontes de Miranda, que
vistas à fonnação do contrato faz com que smjam para elas outros deveres, além do já fundava a responsabilidade in contrahendo no dever de verdade ou de esclareci-
dever genérico de não causar dano injusto a terceiros. Os deveres que surgem com o mento,67 que nada mais é do que o dever de boa-fé, a tenninologia atual. Do
início das negociações contratuais têm feição positiva "59 mesmo modo Couto e Silva, 68 Gomes/ 9 Nelson Nery Jr. e Rosa 70 e Jtmqueira de
Do mesmo modo é o pensar de para quem "o contato negociai direcio- Azevedo, para quem a boa-fé objetiva impõe às partes em negociações a observância
nado para uma possível conclusão do contrato leva as partes a um relacionamento pró- de deveres específicos, os quais são "como que um vínculo jurídico entre duas pessoas
ximo, no qual elas são obrigadas umas as outras à observância, em certa medida, dos e não se assemelha ao dever genérico de não prejudicar a outrem- alterum non laede-
direitos e interesses do parceiro contratual, o que ultrapassa os deveres do contato geral re- do art. 159 do CC". 71 também vê na boa-fé objetiva, enquanto materializa-
(direito delitual)". 60 Distinguindo-se os deveres deconentes da boa-fé objetiva do dever ção do princípio da dignidade da pessoa humana, do art. 1°, da CF/88, no Direito
geral de não lesar ninguém, e, considerando que esses deveres são impostos, tanto na das Obrigações, o fundamento básico da responsabilidade pré-contratual. 72
Alemanha, como no Brasil, por força de lei- precisamente por força, respectivamente, Por fim, Martins-Costa, também adepta dessa tese, esclarece que a razão para
dos § 242 do BGB e art. 422 do CC/2002 - às partes em negociações, tem-se que o a não recondução da responsabilidade pré-contratual à boa-fé objetiva só se
fundamento elementar da responsabilidade pré-contratual repousa na boa-fé objetiva e pelo desconhecimento, dominante até há pouco no meio jurídico brasileiro, do próprio
não no dever geral de não causar dano, como entende parte da doutrina brasileira. conceito de boa-fé objetiva. 73 Sendo, então, a boa-fé objetiva a fonte dos deveres de
De grande da doutrina que admite a existência da responsabilidade consideração a serem observados pelas partes em negociação, tem-se fixado o funda-
pré-contratual vê seu fundamento não no princípio da boa-fé objetiva, mas o princípio
geral do neminem laedere, estampado nos arts. 186, 187 e 927 do CC/2002, sendo
essa a razão pela qual atribuem à responsabilidade pré-contratual natureza
extracontratuaL Essa idéia encontra-se, dentre outros, em Bittar, 61 Cappelari, 62 Silva 63 "Para que ocorra tal responsabilidade, em que se desenha um caso especial de responsabilidade civil,
é que a culpa que se apura é aquiliana e não contratual, porque assenta no princípio geral que impõe
a qualquer pessoa abster-se de prejudicar outrem, e não em infração de alguma cláusula do contrato,
pois que nesta fase, ainda não existe contrato" (Responsabilidade civil, p. 74).
59 Ob. cit., p. 87. 64 Curso de direito civil brasileiro, p. 38.
60 No original: "Schon der auf einen moglichen Vertragschluss ausgerichtete geschaftliche Kontakt 65 Contratos internacionais do comércio, p. 158.
bringt di e Parteien in ein Naheverha/tnis, in dem sie einander zur Achtung auf di e Rechte und 66 Ambas as citações encontram-se na obra citada, p. 150.
Interessen des Verhandlungspartner in einem Mafle verpflichtet sind, das die Pflichten im allgemeinen 67 Tratado de direito privado, p. 321.
Kontakt (Deliktsrecht) überschreitet" (ob. cit., p. 439). 68 Ob. cit., p. 89.
61 Diz o autor:"( ... ) no Código vigente, encontra a responsabilidade pré-contratual fundamento na teo- 69 Contratos, p. 61.
ria do ato ilícito (art. !59), configurando-se, pois, caso de sancionamento dentro da extracontratuali- 70 Ob. cit., p. 339.
dade" (Curso de direito civil, vol. 1, p. 474). 71 Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor, pp. 23-24.
" 192 62 Para o autor,"( ... ) a infração dos deveres alocados na fase pré-contratual qualifica-se como ofensa ao 72 Responsabilidade civil pré-negocia/, p. I 04. 193
princípio geral de não lesar- neminem laedere" (Responsabilidade pré-contratual, p. 56). 73 Ob. cit., p. 507.
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que nasce exatamente em da viola-

entre as e destinam-se a nrnt,,..,,,.


volverá de acordo com os nnri,.,,ao
O fato dos deveres com o contato deve ser desta-
para afastar a idéia de que esses
de

Dever de
no momento em que estas 'n'"~"I"H'
se iniciam. O dever de ou cuidado (Schutzpfiichten) foi um dos deveres
Larenz enfoca a nscprutaencJa alemã com base no§ 242 do BGB.
RG em 7.12.1911, no
o tribunal concedeu indenização à autora da ação por danos
um menor, a entrada em estabelecimento em decorrência da
rolos de linóleo que, da
nal fixou que, ao entrar a autora no
de natureza semelhante à relação da
restou, no caso, violado.
pela jurisprudência alemã, sendo
decorrentes em outras o momento exato do suJrglm<::n1:o camente reconhecido incidir este a do momento em que se atinge uma proximi-
desses deveres dá-se com o estabelecimento do contato entre as dade negocia!, ou seja, antes das partes iniciarem as u'"'"'v'"'"'"'''""
Relevante em tema de boa-fé JJr<otE:gend.o-:se a pessoa e o patrimônio da contraparte e de
deveres de da boa-fé modo à situação jurídica criada. Essa situação de a re-
cativo observar com Schwab que o § do BGB - que consagra os forma de 2002, reconhecida expressamente § 31 n. 2 e 3, do BGB como
deveres de -não elenca esses deveres. Na nem mesmo o § 242 a a incidência dos deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva.
do 422 do no ordenamento Exemplo dessa negociai tem-se em caso em 26.9.1961
os deveres resultantes da pelo BGH, segundo o qual o cliente entra no estabelecimento, escorrega numa casca
devem ser deduzidos da de banana e se fere gravemente. Nessa o tribunal firmou o entendimen-
puuv1vw da boa-fé Não to de que o dever de proteção, oriundo da boa-fé objetiva, forma-se antes mesmo de
u!JLcdJIL""''"''w., como dizem os um os iniciadas as negociações formais de compra e venda e, tendo restado este, no caso,
devendo ser deduzidos e fixados de acordo com as circunstâncias ~a•,n•,~•<o o estabelecimento comercial por re:sp<m~;ab,lh<da<ie '"'""'- vv•n•
o BGH estende o dever de aos terceiros ,,_,_a"''v'''"'"v",
pré-negociai, o caso de sujeito que, ac•::>mpanh;an-
74 No miginal: "Der Rechtsgrund fiir die besonderen Pflichten bei den vorvertraglichen und geschaftlichen do a mãe a um escorrega numa folha de e fere-se com
Kontakten ist zunachst in einem zwischen den Parteien begründeten Vertrauensverhaltnis gesehen Larenz confirma tal observando que os têm o dever
worden. Rücksichtnahrnepflichten aus vorvertraglichen und geschaftlichen Kontakten konnenjedoch de se de forma a não violar o corpo, a a vida, o e outros
auch ohne ein Konlaetes Vertrauen bestehen ( ... ). Für die Rücksichtnahmepflichten entscheidenc! ist bens jurídicos, que, em virtude das negociações, são colocados na área de domínio do
der engen Kontakt, den man bei der Anbahnung geschaftlicher Kontakte rnit anderen notwendigerweise
eingehen mull ( ... ).Das Rechtsverhaltnis der Vertragsverhandlungen und geschaftlichen Kontakte setzt
outro, 76 uma vez que o contato gerado pelas conversações abre a possibilidade de uma
deshalb kein Vertrauen voraus" (Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, p. 593 - com grifos no
original). 195
75 Dieter Schwab, ob. cit., p. 442. 76 Allgemeiner Teil ... , cit., p. 598.
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atuar na da outra, através da troca de mion!naçõ•es ou da pos- que possuem uma cláusula
sibilidade de influenciar o convencimento do ~n"~Q.;~A acontece no sua e efetividade no Direito e
necessana como fonna de democratizar o relacionamento vull)';.""''vu.aJ
Conexo ao dever de on)te1;ao
dos bens recebidos por ambas as durante as
A incidência do dever de na fase un,-wv""'""~! uma das em função das negociações receber bens ou documentos
cos dotados de cláusula geral de responsabilidade civil, relativa que para análise e verificação, terá o dever de guarda, como se sua e devolução no
essa cláusula seria o tnecanismo a solucionar os casos de danos sofridos menor espaço de tempo possível. destarte, pela excessiva ou
como observa Menezes Cordeiro 77 Também BenattF8 reforça a tese, ob- danificação da coisa, nos tennos da lei", segundo Popp. 83
servando que o dever de por ele denominado de não possui as
características essenciais dos deveres não surge com as negociações 6.2. Dever de
e nem destina-se à do futuro contrato. o autor, o dever de prote-
ção, que reflete o interesse do sujeito em não sofrer não nasce em função das Na seqüência do desenvolvimento da culpa in contrahendo, a jurisprudência ale-
mas existe em todos os momentos da atividade sendo devidamente mã reconheceu que, além dos deveres de proteção, também incidem na fase das nego-
!'v,>U'>->HOU.VHH.<U.'W d<llllllli"I.IICL não razão ciações preliminares deveres de informação (Informationspflichten), 84 os são de
Os outros deveres pré-contratuais de suma importância para a pelfeita fonnação da futura relação contratual. A boa-fé obje-
e ao contrário nascem diretamente com o regra de conduta, às a de um reto e honesto
início das negociações e destinam-se efetivamente a preparar o futuro contrato. nas negociações, o que passa pela comunicação de todas as infonnações relacionadas
No o caput do art. 927 79 do atual contém uma cláusula geral com o contrato, especiahnente aquelas relevantes para a formação do convencimento,
referindo o único à hipótese de 1'"'11'-'u~au.tHcm<-cç; em cada um dos envolvidos, acerca da conveniência e oportunidade do contrato. 85
que já constava em no art. 159 do CC/1916. Ou seja, a ques- A importância da infonnação mede-se por sua influência na fonnação do juízo de
durante as decorrente de conduta conveniência e oportunidade do negócio a ser finnando, de modo que, de posse dessa
no ordenamento resolvida infonnação, ou as partes não chegam à conclusão do contrato ou o fazem sob diversas
de incidência do art. 927 do CC/2002. Pontes de Mi- condições. Benatti coloca que, como o fim essencial de quem negocia é a represen-
vu.ca!!a, defende a existência de um dever de tação acerca do conteúdo do futuro contrato, é dever imposto pela boa-fé o infonnar
nas o outro acerca daquilo que o mesmo precisa para fonnar seu convencimento. Para o
ao constatar que não apenas a autor, existem elementos e circunstâncias que todos conhecem ou podem conhecer
uuuv1v 1~w atual lealdade e uuvlJllayaiJ, com a diligência nonnal, enquanto que relativamente a outros o conhecimento se ob-
tém por meio de infonnações, esclarecimentos e elucidações por parte de terceiro. É
precisamente sobre essa atividade, dirigida a infonnar, que incide o chamado 'dever de
comportar-se segundo a boa fé', previsto no art. 1.337 do CC italiano, que vincula cada
uma das partes a comunicar, confonne à verdade, tudo aquilo que a outra parte precisa
saber para fonnar um quadro exato sobre a matéria, objeto das negociações. 86
como Fichtner Sendo as negociações a fase na qual as partes deliberam sobre a fonnação ou
Pereira81 e das duras críticas que tem sofrido este u1~uuuv. não do contrato, nada mais razoável exigir-se, portanto, que todas as infonnações rela-
cionadas com o eventual negócio sejam devidamente fornecidas, a fim de que as par-

77 Ob. cit., p. 583.


78 Responsabilidade pré-contratual, pp. 96-102. 82 Ob. cit., p. 215.
79 "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 83 Ob. cit., p. 206.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados 84 Assim, o BGH, em 28.2.1968, decidiu que um fiador, por falta de esclarecimentos acerca de sua
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natu- responsabilidade, quando da celebração do contrato de fiança, eximisse-se da efetivação da garantia.
reza, risco para os direitos de outrem." Ver Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 550.
80 Ob. cit., p. 320. 85 Francesco Benatti, ob. cit., p. 51. Também Récio Eduardo Cappelari, ob. cit., p. 122.
81 Ob. cit., p. 96. 86 Ob. cit., p. 50-51.
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tes possam, com base em dados corretos e formar um juízo infmmar-se v ~:o• ue~.wo,
de delimitar a
de conveniência e oportunidade sobre o contrato, daí dizer Menezes Cordeiro que os extensão do dever de ""''m'''"c'~'"'n "'""w-.'""' Larenz aborda a ques-
deveres de informação "adstringem as partes à de todos os esclarecimentos
necessários à conclusão honesta do contrato". 87 O conteúdo desse dever não engloba
apenas um ato de informar, mas envolve também um explicar, corno salienta La-
renz,88 um esclarecer a sobre o contrato e suas o que passa
pelo dever de informar os eventuais óbices materiais ou jurídicos (causas de nulidade barreira entre 0 dever de >ni'Ar~O
e invalidade) à formação do negócio, a fim de evitar a conclusão de contrato nulo ou da
ineficaz, assim como pelo dever de esclarecer detalhadamente o conteúdo contratu-
para que as partes saibam exatamente quais direitos e obrigações estão efetiva-
mente assumindo. Por essa razão, alguns ordenamentos, como o alemão e o italiano,
consideram a celebração de contrato nulo como uma das figuras da responsabilidade maior conhecimento do contrato ou acesso a esse conhecimento
pré-contratual. O dever de informação engloba, ainda, um dever de clareza, o qual, a outra, maior seu dever de essas lutvlluac;•Jc:>
segundo Massimo Bianca, 89 impõe a necessidade de evitar a utilização de linguagem ··-·""'"-" a de uma frente a outra e a
suscetível de não ser compreendida plenamente pela contraparte. condiçcies que deve existir entre os contratantes. Esse é o pensar também
O que não faz parte desse dever são infonnações acerca da esfera íntima e de Garcia Rubio, quando coloca que "o mencionado dever de infor-
vada da pessoa, não em a essas um dever de verdade. de forn1a tenha uma nos1cao
Segundo "ainda que, em princípio, deva-se dar a perguntas respostas corretas, do mesmo modo, também ressalta
isso não vale para perguntas inadmissíveis, especialmente quando essas, sem motivo a pm·arrletl~O do dever de lHlvu.ua,,av
legítimo, invadem a esfera privada e íntima. Isso atinge principalmente perguntas sobre Para o autor, "acima de tudo será necessário ter em conta a
gravidez durante as negociações para a conclusão de um contrato de trabalho. Como a natureza e a importância do contrato, as circunstâncias em que foi a exis-
essa pergunta atinge a esfera íntima e viola a igualdade de tratamento(§ 6lla, alínea 1, tência ou não de relações entre as os vínculos de de amizade etc.
frase 1), é inadmissível. Ela não precisa, por isso, ser veridicamente respondida". 90 Além disto, não se poderá prescindir dos usos, do costume corrente, da Vll~aluL"""c'v
A violação dos deveres de informação pode adquirir uma feição positiva ou económico-social 93

negativa, constituindo, assim como a infração de todos os deveres decorrentes da Questão polêmica acerca dos deveres de infommção é a relacionada ao esclare-
boa-fé objetiva, motivo legítimo para o abandono das negociações, na medida em cimento sobre a conveniência do negócio, na medida em que alguns autores sustentam
que há quebra da necessária confiança que deve existir entre os parceiros. Uma vio- tratar-se de verdadeiro dever, paralelo ao dever de informação. Defensor dessa tese no
lação positiva ocorre, por exemplo, face ao fornecimento de indicações incompletas Brasil, Popp sustenta a existência de três deveres distintos, embora interligados: dever
ou inexatas, podendo responder, quem forneceu as informações, por responsabilidade de informação, conselho e recomendação. O primeiro envolve a comunicação de fatos
pré-contratual, caso a contraparte tenha realizado despesas em decorrência das infor- objetivos relacionados ao contrato, como as condições do negócio e do bem, enquanto
mações prestadas. A violação dos deveres de informação adquire conotação negativa os outros dois contêm uma sugestão de comportamento a ser adotada, caracterizando-
quando ocorre, por exemplo, omissão de informações. se, em oposição ao primeiro, por envolver um juízo de valor, sendo a distinção entre
A questão não é, contudo, tão simples de ser resolvida, pois se é certa a neces- ambos apenas de intensidade, na medida em que o conselho contém maior exortação
sidade de troca de informações, também o é o dever de cada um, por sua própria ini- a seu seguimento que a recomendação, abrangendo, inclusive, o juízo de oportunidade
do negócio e impondo à parte o dever de aconselhar, em determinadas circunstâncias,
a não celebração do contrato ou sua realização sob outras condições. 94
87 Ob. cit., p. 583.
88 Allgemeiner Teil ... , cit., p. 599.
89 ll contralto, p. 169.
90 No original: "Auch wenn auf Fragen grundsãtzlich richtige Antworten zu geben sind, so gilt dies 91 Al!gemeiner Teil ... , cit., pp. 599-600.
doch nicht für unzuliissige Fragen, insbesondere wenn diese ohne berechtigten Grund in die Privat 92 No original:"( ... ) e/ tantas veces mencionado deber de información compete, deforma especial, a
- und Intimsphãre eindringen. Dies betrifft vor aliem die Fragen nach der Schwangerschaft bei den la parte que presumiblemente tiene una posición dominante en la relación precontractual ( ... )" (La
Verhandlungen zum AbschluB eines Arbeitsvertrags. Da diese Frage die Intimsphãre betrifft und responsabilidad precontractual en e/ derecho espano/, p. 46).
gegen die Gleichbehandlung verstoBt (§ 611a Abs. 1 Satz 1) ist sie unzulãssig. Sie muB deshalb nicht 93 Ob. cit., pp. 58-59.
wahrheitsgemãB beantwortet werden" (Allgemeiner Teil ... , cit., p. 599- com grifos no original). 94 Ob. cit., p. 199.
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Opiniões contrátias a essa tese não faltam. Para Massimo Bianca, o dever de tular de um bem, assegura vendê-lo a outrem, não lhe infonnando, contudo, sobre a
informação não compreende o juízo de conveniência do negócio, o qual faz do verdadeira titularidade do bem. Situação concreta, semelhante ao exemplo foi
jogo da contratação, cabendo a cada um suportar os riscos de sua própria valoração. apreciada peloTJRS ~o caso do posto de gasolina98 ~que girava em tomo de negocia-
Ou seja, cada um responde pela avaliação da conveniência e oportunidade do negócio, ções entabuladas para a compra e venda de um posto de gasolina, na qual o potencial
assumindo, dessa forma, os riscos de uma avaliação errada, a menos que essa tenha se adquirente, de descobrir que seu parceiro negociai não era o único titular das
formado com base em atos ou informações dolosas da contraparte. 95 Também Benatti quotas sociais da empresa, abandonou as conversações e desistiu de celebrar o contra-
posiciona-se contra a existência de um dever de manifestar-se sobre a conveniência to, embora já tivesse sido fixada como certa, entre ambos, a celebração.
do negócio, observando não fazer parte do conteúdo do dever de informação o avisar O proprietário do posto de gasolina, inconformado, pediu indenização, sob ale-
à contraparte, por exemplo, acerca de breve aumento ou redução do preço do objeto, gação de ruptura injustificada das negociações, pelos gastos despendidos com ad-
pois, com os dados já conhecidos, esta encontra-se em condições de formar seu pró- vogado para elaboração da minuta do contrato. O pedido, contudo, foi negado sob
prio juízo de conveniência. o argumento de que a contraparte, ao não ser informada sobre a real titularidade do
justificando acertadamente sua posição, observa que a autonomia privada bem, teve justo motivo para abandonar as conversações e desistir do negócio, vez que
é campo não apenas de colaboração, exigida pela boa-fé objetiva, mas também de houve quebra da confiança de uma parte na outra, cujo acórdão reza:
competição, necessária à vitalidade da vida econômica: "Responsabilidade pré-contratual. Culpa in contrahendo. Alienação de quotas
"( ... )à exigência de solidariedade, da qual é expressão a obrigação de boa fé, se sociais. É possível o reconhecimento da responsabilidade pré-contratual, fundada na
contrapõe a necessidade de deixar uma certa liberdade de manobra aos interesses em boa-fé, para indenização das despesas feitas na preparação de negócio que não chegou
luta ~ liberdade de procurar e manter posições de vantagem. A autonomia é campo, a se perfectibilizar por desistência de uma das partes. No caso, porém, o desistente
ao mesmo tempo, de colaboração e de competição: a primeira é garantia da ordem, a agiu justificadamente. Cessão da totalidade das ações por quem apenas detinha parte
segunda alimenta o impulso vital do sistema." 96 do capital."
A faceta positiva do dever de lealdade exige, ainda, que os negociantes condu-
6.3. Dever de lealdade zam-se de forma a alcançar a conclusão de contrato válido e eficaz, adquirindo tal
dever, para alguns autores, caráter autônomo, sobretudo face à figura da responsabi-
Decorrente da boa-fé objetiva tem-se ainda o dever de lealdade, cujo entendi- lidade pré-contratual por celebração de contrato nulo ou ineficaz, consagrada expres-
mento passa pela compreensão da própria boa-fé, enquanto norma de conduta leal e samente em certos ordenamentos jurídicos, como o italiano. Nesse sentido, esclarece
honesta a ser adotada por todos no tráfico jurídico. O conteúdo do dever de lealdade Massimo Bianca99 que devem as partes se empenhar nos limites de um apreciável
foi detenninado paulatinamente pela jurisprudência alemã, embora sua distinção do sacrifício para a remoção dos obstáculos, materiais e jurídicos, à celebração do con-
dever de informação nem sempre seja claramente visualizável, como observa Mene- trato. Ou seja, as partes devem se esforçar para remover todos os óbices à celebração
zes Cordeiro, na medida em que, segundo o autor, deslealdade implica sempre em ~finalidade das negociações ~ desde que isso não represente um sacrifício pessoal de
não-informação. 97 Ocorre que a violação do dever de lealdade nem sempre se coloca suas posições, medindo-se essa atividade por um critério de normalidade, vale dizer,
no plano da informação, mas também no do próprio comportamento. Pode-se dizer, de por aquilo que se pode esperar do homem médio, leal e honesto.
modo geral, que o dever de lealdade impõe às partes a adoção de conduta insuscetível O dever de lealdade adquire um aspecto negativo quando traduz-se, por exem-
de fraudar a confiança da contraparte de que seu parceiro conduzir-se-á com lealdade, plo, no dever de não iniciar, ou prosseguir, as negociações sem qualquer intenção
pois é isso o que se pode esperar de quem atua no tráfico jurídico. Esse dever pode ter de concluir o contrato e não abandoná-las injustificadamente. Inicialmente, deve-se
conotações positivas e negativas. ressaltar que o entrar em negociações pressupõe uma disponibilidade das partes em
A feição positiva da lealdade manifesta-se no dever de atuar e cooperar para celebrar o contrato, caso os juízos de conveniência e oportunidade surjam para ambas.
o atingimento da finalidade essencial das tratativas: a conclusão do contrato. Nisso É um ato, ou processo, que requer uma certeza: a de que pode conduzir ao fechamen-
inclui-se a necessidade da parte comunicar claramente as reais possibilidades, mate- to do contrato. A negociação é, portanto, um processo teleológico, dotado de uma
riais e jurídicas, de concluir o negócio, a fim de evitar despertar inutilmente na outra finalidade ~ a eventual conclusão contratual ~ o que requer um comportamento leal e
a confiança legítima na celebração, como ocorre quando alguém, mesmo sem ser ti- honesto em todo o seu desenrolar. Por esta razão, tem-se considerado como contrário

95 Ob. cit., p. 167. 98 TJRS, 5" Câm. Cív.,Ap. Cív. n° 591017058, Rei. Des. Rosado de Aguiar Jr.,julg. em 25.4.1991, v.u.,
200/ 96 Ob. cit., p. 58 com grifos no original. RJTJRGS no 152, p. 605. 201
97 Ob. cit., p. 551. 99 Ob. cit., p. 170. /
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o entrar ou em sem que que, por si mesma, não E


vvuvJ.ub,av,o que a douttina alemã chama de muitos autores, a existência de uma op>ortmndlad.e
ubuu""''""'·H'-'H''- as tratativas. É o que Menezes Cordeiro -que parece lógica de uma negociação paralela- é uma causa justifi-
cadora para a das tratativas e, excluiria a responsabilidade pré-con-
o que parece exigir a lealdade devida no pré-contratual é comunicar
a outra parte de que se realiza negociações com terceiros ou, menos, não ocultar
esse dado". 104 Como coloca Fichtner Pereira, "o simples aviso de que há mais de um
pretendente já é suficiente para o cumprimento do dever de atuar com lealdade que o
princípio da boa-fé impõe aos contraentes". Ressalta, contudo, não ser necessário que
o contraente divulgue quem é o outro interessado na realização do negócio. 105
Não pressupondo a boa-fé a exclusividade das negociações, legítima pode se
configurar a retirada das conversações em função de melhor proposta recebida por ter-
ceiro. A melhor proposta não legitima, contudo, o rompimento das negociações quan-
do existe entre as partes um pacto de exclusividade, pelo lliua delas ou ambas
comprometem-se a não negociar o mesmo objeto com terceiros dentro de um deter-
minado prazo. Nesse caso, em havendo negociações paralelas e a conseqüente ruptura
riamente a é, a seu ver, o autor, "o das travadas com a signatária do surge para esta
inicio das tratativas negociais, salvo quando o vendedor encontra-se sob o status de o direito de ser indenizada despesas efetuadas na preparação do contrato, bem
oferta no dever de exclusividade. isso dizer que, em face da de outra oportunidade de contratação, pois houve, no caso,
uu.uu, 5 vuv .• ~ de obrigação de não fazer, como coloca Garcia Rubio.
106
boa-fé é vedado manter tratativas para a de idêntico negócio com
mais de um candidato. Esta exclusividade é presumida". 102
Mais têm a posição contrária e mais acertada, a não faz 6.4. Dever de
do conteúdo do dever de lealdade a proibição de envolvimento em negociações
dividindo-se as opiniões, contudo, acerca da necessidade de comunicar tal Intimamente relacionado ao dever de lealdade é o dever de sigilo, pelo qual as
fato à contraparte ou não. Almeida Costa posiciona-se, em desneces- partes não podem divulgar informações recebidas durante as negociações, quando
sidade de informar a contraparte sobre eventuais mas admite isso contrarie os interesses do parceiro, o que leva alguns autores a considerá-lo um
exceção se esta puder realizar despesas excepcionais para concluir o contrat0 .Io3 Gra- dos aspectos do dever de lealdade. 107 Larenz, ao tratar do dever de informação, acres-
cia Rubio observa, com razão, que a lealdade devida no pré-contratual parece centa que quem entra em negociações, nas quais são trocadas informações, precisa
exigir que seja dado conhecimento à contraparte sobre as negociações paralelas ou, poder confiar não apenas na certeza e completude dessas informações, mas também
menos, que esse fato não seja ocultado. que o receptor não as divulgue de modo inadmissível. 108
No seu entendimento, "os autores que se têm feito semelhante pergunta respon-
dem, em negativamente por considerar que, na maior parte dos negócios jurí-
dicos patrimoniais de certa importância, as negociações são prática comum
104 Diz a autora: "Los autores que se han hecho una pregunta semejante responden, en general, nega-
tivamente a! considerar que, en la mayor parte de los negociaciones paralelas son práctica común
que, por sí misma, no implica contravención de la buena fe precontractual. Es más, en la conside-
100 Ob. cit., p. 583. ración de muchos autores la existencia de una oportunidad mejor de contratar- que parece con-
101 No original: "Para respetar este deber nadie debe iniciar o mantener negociaciones que no tiene secuencia lógica de una negociación paralela- es una causa justificativa de la ruptura de tratos y,
intención de concluir y, en general, nadie debe interrumpir de modo injustificado o arbitraria una por tanto, excluiria la responsabi!idad precontractual; lo que sí parece exigir la lealtad debida en e!
negociación en curso. La violación de este deber genera uno de los supuestos más característicos período precontractual es dar noticia a la otra parte de que se siguen negociaciones con terceros o,
de responsabilidad precontractual, cual es la ruptura injustificada de los tratos. En el mismo orden al menos, no ocultar ese dato" (ob. cit, p. 55).
de ideas, nadie debe mantener negociaciones en vista a un contrato que sabe que no podrá !legar a I 05 Ob. cit, p. 350.
concluir válidamente (v. Gr., porque conoce la imposibilidad de su objeto o su propia incapacidad 106 Ob. cit., pp. 55-56.
para contratar)" (ob. cit., p. 53). 107 Para Menezes Cordeiro compreendem-se no dever de lealdade os deveres de sigilo, cuidado e de
102 Ob. cit., p. 206. atuação conseqüente (ob. cit., p. 583). 203
103 Ob. cit, p. 63. 108 Allgemeiner Teil..., cit, p. 593.
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a de conhecidas por causa


das difusào possa ser danosa a outra como, por a
divulgaçào da difícil situaçào econômica do negociai. Alguns autores, entre- Concluindo, impõem-se a necessidade de sintetizar alguns pontos relacionados
tanto, nào consideram a danosa da como do dever à boa-fé objetiva e sua incidência na fase negocia!:
de sigilo" Assim que, reconhecendo ser sua minoritária na a) boa-fé e boa-fé subjetiva sào fenômenos distintos: a primeira é o
sustenta o dever de sigilo mesmo a divulgação da nào mandamento da lealdade, uma regra de conduta ética a ser observada por
atinja os interesses com quem se travou negociações" Para o autor, "este dever todos no tráfico jurídico, enquanto que a segunda é o estado psicológico de crença do
persiste mesmo que sua nào atinja a reputaçào ou o bom nome da outra sujeito de agir confonne o Direito" A boa-fé objetiva tem raízes najides bana, enquan-
parte, pois deve-se considerá-lo objetivamente" Nào importam os motivos pelos quais to a boa-fé subjetiva decorre da bonafides do Direito Romano;
o sigilo foi quebrado, se para prejudicar a outra parte ou por benefício próprio" Estes b) o conceito ou idéia essencial da boa-fé objetiva, atualmente aceito pela me-
poderào influir no valor da indenizaçào, mas nào serào pressupostos para a lhor doutrina, é fornecido pelo Direito alemào, que tem desenvolvido esse princípio
responsabilidade" a ocorrência dos seguintes requisitos: a) recebimento desde o século XIII até agora" A idéia de lealdade, honestidade para com o outro, re-
de informações ou conhecimento de fatos da outra parte, ou de pessoa física ou jurí-
tidào de comportamento e consideraçào pelos interesses do parceiro estào enraizadas
dica a ela ligada; b) tal conhecimento foi motivado pela existência de tratativas entre
na noçào de Treu und Glauben, princípio fundamental do Direito alemào, consagrado
as partes c) transferência destas informações a terceiros ou sua utilizaçào em
no famoso § 242 do BGB;
benefício próprio"" 109
c) a boa-fé objetiva tem origem na teoria kantiana sobre o personalismo ético,
do dever de sigilo sào adquiridas em funçào das negocia-
que prega a consideraçào do homem enquanto fim em si mesmo, ou seja, o respeito à
ções e pode estender-se ainda ao motivo do fracasso das negociações, se essa divul-
pessoa e sua dignidade" Tem-se, então, na dignidade da pessoa humana, consagrada
gaçào puder causar danos ao como observa amparado em Ana Prata:
no art" 1°, da CF/88 e no art" 1° da Lei Fundamental alemã, a fonte constitucional
na esfera jurídica deste dever lateral está a impossibilidade de divulgaçào dos
motivos pelos quais as negociações goraram, salvo para a outra parte de maneira a da boa-fé objetiva;
d) o novo Código Civil consagrou expressamente a boa-fé objetiva no art" 422 e,
legitimar a ruptura", no o que se justifica na medida em que, muitas vezes, como pre-
cisamente pondera Benatti, nào se mostra oportuno divulgar as razões que conduzem com isso, recepcionou indiretamente a figura da responsabilidade pré-contratual, que
ao abandono das negociações" 1n surge quando os deveres de consideraçào, decorrentes da boa-fé objetiva, são violados
Para evitar eventuais discussões futuras sobre o dever de sigilo, chama atençào por uma das partes durante a fase negociaL A figura mais conhecida da responsabilida-
Basso que as partes em negociaçào podem firmar, através de cartas de intençào, acor- de pré-contratual é a responsabilidade por rompimento injustificado das negociações, a
dos de sigilo ou segredo por meio dos quais comprometem-se a nào divulgar e nem qual surge quando uma das partes permite que surja na outra a certeza de que o contrato
utilizar as informações recebidas na fase negociai, por um determinado período ou será celebrado e, posteriormente, sem motivo justificado, abandona as negociações;
sem prazo pré-estabelecido" Quando o acordo de segredo é estabelecido sem prazo e) a boa-fé objetiva tem três funções básicas: funçào criadora de deveres de
determinado e as negociações sào abandonadas, continua este a produzir efeitos até conduta, funçào limitadora do exercício de direitos e posições jurídicas e função inter-
que as informações confidenciais sejam publicamente divulgadas ou percam sua po- pretativo-integrativa das disposições contratuais, sendo a primeira a mais importante
tencialidade lesiva à contraparte" 112 Esse instrumento caracteriza-se, contudo, como para entender a incidência da boa-fé objetiva na fase negociai, na medida em que esta
verdadeiro contrato com obrigações definidas e sua violação gera, conseqüentemen- impõe às partes a observância de deveres de conduta já nessa fase, na qual tradicio-
te, responsabilidade contratual, bem diferente da responsabilidade pré-contratual, ora nalmente só existia o dever geral de nào causar dano a outrem (neminem laedere),
analisada" consagrado nos arts" 186, 187 e 927 do CC/2002;
f) com o novo Código Civil, todas as funções da boa-fé objetiva foram recep-
cionadas no Direito brasileiro: as funções de fonte criadora de deveres e de limite ao
109 Ob" cit, p" 207"
exercício de direitos e posições jurídicas têm amparo legal direto no art" 422, enquan-
110 Ob" cit, p" 208" to a de parâmetro interpretativo-integrativo encontra, adicionalmente, fundamento no
111 Para o autor, contudo, muitas vezes, não é conveniente comunicar nem à contraparte os motivos da art" 113 do novo diploma legal;
ruptura, quando, por exemplo, o outro recebe más informações sobre a contraparte (ob" cit, p" 68)" g) a doutrina mais moderna superou a concepçào romana de obrigaçào, como
Esse entendimento não deve, contudo, prosperar tendo em vista que nas situações aptas a gerar res-
vínculo de sujeiçào do devedor ao credor, através do qual, via de regra, apenas o
ponsabilidade pré-contratual deve a parte, para abandonar sem penalidades as negociações, justificar
204 seu comportamento, por imposição do dever de lealdade, como adiante será demonstrado" devedor possuía deveres e obrigações, e atingiu a concepçào da obrigaçào como pro- 205
112 Cartas de intenção ou contratos de negociação, p" 35" cesso teleológico de direitos e deveres, necessariamente imputados a ambas as partes"
VOL. 395 DOUTRINAS

Dentre esses deveres encontram-se os deveres de consideração, os quais devem ser não a de uu.v••u••vv·vD, conhecidas em
observados tanto pelo devedor como credor e que incidem m<lej:)eJJtdenü~mente difusão possa se revelar danosa à As infor-
da vontade das partes; ser lesiva ou
h) a boa-fé objetiva atua em todas as fases do fenômeno obrigacional: elabora- da tenha caído no domínio .,u,uw~v.
ção (negociai), execução (contratual) e término (pós-contratual). A forma de acuayC<V Todos os deveres de resultantes da boa-fé encontram, de
distingue-se basicamente em função da existência de vínculo jurídico obrigacional, ou acordo com o novo no art. 422.
seja, conforme se esteja diante de relação obrigacional ou de relações de contato. No
primeiro caso, a boa-fé objetiva impõe deveres, ao lado da prestação, cuja violação
origina responsabilidade contratual, enquanto, no segundo, esses deveres assumem
um papel principal, na medida em que são os únicos deveres a serem observados pelas
partes, cuja violação faz nascer uma responsabilidade de natureza extracontratual; ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de
i) os deveres resultantes da boa-fé objetiva distinguem-se do dever geral de não um contrato. Coimbra: Coimbra, 1984.
causar dano e, tendo em vista que esses deveres incidem já a partir do momento em que BASEDOW, Jürgen und andere. Münchener Kommentar. v. 2. München: Verlag C. H. Beck, 2003.
BASSO, Maristela. Contratos internacionais do comércio. 2" ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
as partes entram em contato para iniciar as negociações, tem-se que o fundamento da
1998.
responsabilidade pré-contratual é precisamente a boa-fé objetiva, pois dela decorrem BENATTI, Francesco. A responsabilidade pré-contratual. Coimbra: Livraria Ahnedina, 1970.
os deveres de conduta que, quando violados, dão ensejo à referida responsabilidade; BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, vol. 1.
j) não existe um catálogo exaustivo dos deveres de consideração, decorrentes da CAPPELARI, Récio Eduardo. Responsabilidade pré-contratual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
boa-fé objetiva, o que equivale a dizer que esses deveres são identificados de acordo 1995.
CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial. 4" ed. Rio de Janeiro, 1947, vol. 6.
com as circunstâncias do caso concreto. A doutrina, contudo, elenca alguns exemplos,
CARVALHO SANTOS, J. M. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Carvino Filho, 1936,
como o dever de lealdade, de informação, de proteção e de sigilo. Esses incidem em
vol. 16.
todas as fases do fenômeno obrigacional, mas, na fase negociai, consistem nos plinci- CHAVES, Antônio. Responsabilidade pré-contratual. Rio de Janeiro: Forense, 1959.
pais deveres a serem observados pelas partes em negociação; COUTO E SILVA, Clóvis V. A obrigação como processo. Tese para concurso da cadeira de Direito Civil da
k) o dever de proteção impõe à parte o dever de não causar dano ao outro. A de- Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul, 1964.
dução desse dever da boa-fé objetiva é, entretanto, controvertida nos sistemas dotados DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1992, vol. 3.
DORNER, Heinrich undAndere. BGB Handkommentar. Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2001.
de cláusula geral de responsabilidade civil. Face ao art. 927 do CC, alguns autores de-
FICHTNER PEREIRA, Régis. A responsabilidade civil pré-contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
fendem a tese da autonomia do dever de proteção em relação à boa-fé objetiva, sendo, GARCIA RUBlO, Maria Paz. La responsabilidad precontractual en e/ derecho espano/. Madrid: Editorial
na realidade, a cláusula geral de responsabilidade civil do referido dispositivo legal a Tecnos, 1991.
fonte primordial do dever de proteção; GOMES, Orlando. Contratos. 22" ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
l) o dever de informação impõe às partes o dever de comunicar, uma a outra, JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio. "A boa-fé na formação dos contratos". In: Revista de Direito do
todas as informações relevantes para a formação do convencimento acerca da con- Consumidor no 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 78-87, 1992.
. "Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo
veniência e oportunidade do futuro contrato. A relevância da informação mede-se ~~-

com a responsabilidade pré-contratual no direito comum".ln: Revista de Direito do Consumidor no 18.


precisamente pela sua influência na decisão, de forma que a parte, de posse dessa São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 23-31, 1996.
informação, ou não celebra o contrato ou o faz sob outras condições; LARENZ, Karl. Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts. Atualizado por Manfred Wolf. München: C. H.
m) o dever de lealdade impõe às partes o dever de atuar com lealdade e cooperar Beck Verlag, 2004 .
para o atingimento da finalidade básica das negociações: a conclusão do contrato. O ~~~-·
. Lehrbuch des Schuldrechts. Band I. München: C. H. Beck'sche Verlagsbuchhandlung, 1982.
LIMA MARQUES, Cláudia. Contratos no código de defesa do consumidor. 4" ed. São Paulo: Revista dos
entrar em negociação não implica no dever de celebrar o contrato, mas o imperativo
Tribunais, 2002.
da lealdade impede que uma parte envolva a outra em negociações inúteis e desne- LOTUFO, Renan. Código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 1.
cessárias, as quais são via de regra dispendiosas. Reflexos desse dever são, por exem- MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
plo, o dever de não iniciar negociações quando não há intenção nenhuma de celebrar MASSIMO BIANCA, C.Il contrato. Milano: Dott. A. Giuffrê Editore, 1998.
o contrato; a necessidade de comunicar claramente ao outro as reais possibilidades, MEDI CUS, Dieter. Schuldrecht I. Allgemeiner Teil. München: Verlag C. H. Beck, 2004.
MENEZES CORDEIRO, Antônio. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Libraria Almedina, 2001.
materiais e jurídicas, de concluir o negócio; o dever de comunicar a existência de
MESSINEO, Francesco. I/ contrato in genere. Milano: Dott. A. Giuffrê Editore, 1973, t. I.
H'-'F',U''-'"~""'1'-"~ 1-'"'"1'-'<a•~ e o de não abandonar as nc.}'!,u''""'"""'J'-" MOREIRA ALVES, José Carlos. "A boa-fé objetiva no sistema contratual brasileiro".ln: Rivista de diritto
206 de permitir que se crie no outro a certeza de que o negócio será celebrado. Esses com- del/'integrazione e unificazione de diritto in Europa e in America Latina n° 7. Roma e America: Mucchi
portamentos são tidos como desleais e infringentes à boa-fé objetiva; Editore, pp. 187-204, 1999.
VOL. 395

____.A parte geral do projeto de código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986.
NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Vínculo obrigacional: relação jurídica de razão (técnica
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WIEACKER, Franz. História do direito privado. 2a ed. A M. Botelho Hespanha (Trad.). Lisboa: Fundação
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