Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
A prática do aborto é uma ação recorrente na sociedade. Sua repetição, porém, não a
torna livre de controvérsia, mas lança luz sobre a necessidade de se investigar seus subsídios,
científicos e filosóficos, que, supostamente, justificam tal atitude.
Inicialmente, Geisler (2010, p. 153) explica que há três posições básicas sobre o
aborto. A primeira diz que os nascituros são subumanos, o que possibilita a prática
indiscriminada de aborto. Outros entendem que os nascituros são plenamente humanos e não
aceitam a prática do aborto. Por fim, há os que argumentam que os nascituros são potenciais
humanos, podendo o aborto ser praticado em situações específicas.
No presente texto, contrapor-se-á a primeira posição com a segunda, defendendo-se
essa última, de que o feto é um ser humano que ainda não se desenvolveu de todo, mas que
não pode ser abortado, isto é, sua vida deve ser preservada.
Em geral, os pró-aborto pressupõem que o nascituro não é uma pessoa humana real.
Segundo Geisler (2010, p. 155), argumentam que o bebê não é um ser humano até possuir
autoconsciência; que ele é uma extensão do corpo da mãe, de modo que ela tem o poder de
decidir sobre seu corpo, inclusive sobre a do feto; que as mulheres devem ser protegidas da
precariedade de clínicas abortivas ilegais; que as crianças não planejadas e indesejadas
poderiam ser prevenidas de negligência; que fetos de má formação devem ser evitados para
a preservação da raça humana; que se é impossível saber quando a vida começa; que o
conceito de pessoa é um consenso social, implicando que o indivíduo só se torna pessoa
quando a sociedade o aceita assim. Vejamos.
Da vida fetal
É recorrente o argumento que a ciência prova que o feto não é pessoa. Mas qual a
validade desse argumento? Razzo (2016, p. 75) argumenta que o cientista que observa os
processos biológicos de um feto não pode julgar, em termos científicos, a pessoalidade ou
impessoalidade de um ente, já que esse é um debate filosófico. Ou seja, o feto não pode ser
avaliado, em termos qualitativos, pelos processos biológicos que determinam a dignidade do
homem ou seu valor como pessoa.
O ponto crítico é a tentativa de se usar da biologia para se legitimar um
posicionamento ético-moral. Abortar ou não é uma decisão humana, da bioética (ramo da
ética filosófica), não é uma determinação que possa se sustentar sobre argumentos
científicos.
Com efeito, esse é um debate de valor, como aponta Razzo (2016, p. 77):
A descrição em termos físicos e biológicos pode explicar como o ser humano
funciona em termos físicos e biológicos. Mas não basta para explicar o que o ser humano é.
E pela maneira como experimentamos a nós mesmos, podemos concluir que, no que diz
respeito ao ser, está implícito um valor.
Nesse sentido, os processos biológicos não abrangem a experiência humana subjetiva
(consciência), de modo que reduzir a esfera de debate filosófica à biológica é inadequado.
Julgar, biologicamente, que o embrião não tem consciência, enquanto valor antropológico,
é inferir além do que os processos empíricos analisados podem oferecer. Por isso, “o alguém
(a pessoa humana) nunca será um tema da biologia, mas tão somente da antropologia
filosófica” (RAZZO, 2016, p. 81).
Desse modo, é inválido dizer que o bebê não é, cientificamente, uma pessoa e que tal
conceito é um consenso social.
Da engenharia social
Do direito de escolha
É sabido que o Estado deve intervir em situações de flagrantes ameaças contra a vida
da alguém. Com isso, ninguém pode ter o direito de planejar sobre o modo de por fim a vida
de outrem.
Com a fecundação já existe um organismo vivo que, se for lhe dada a possibilidade
de se desenvolver, tornar-se-á um adulto de sua espécie. Segundo Craig (2010, p. 126), o
embrião humano tem autonomia completa do esperma e do óvulo não fertilizado. A
combinação entre esses formam uma nova célula viva que é um indivíduo singular que nunca
existiu antes e doutro modo jamais existiria.
Conforme Geisler (2010, p. 160), a partir da concepção, o feto passa a ter seu próprio
sexo. Dos quarenta dias da concepção, eles possuem as próprias ondas cerebrais individuais.
Em poucas semanas da concepção, os fetos possuem seu próprio tipo de sangue e impressões
digitais. O bebê em formação é um “totalmente outro” em relação à mãe, ainda que ligado a
ela para sua sobrevivência.
Como o desenvolvimento do feto é contínuo, não há ponto em que se possa alegar
que o mesmo não é humano e pode ser interrompido. Traçar uma linha que defina um feto
já ser humano de um que não é, constitui-se em uma arbitrariedade.
De acordo com Craig (2010, p. 129), “desde o momento de sua concepção e
implantação na parede do útero da mãe, o feto nunca é uma parte do corpo da mãe, mas é
um ser vivo biologicamente distinto e completo”.
Ilustrativamente, Platt (2016, p. 87) conta a história de Rachel, descrita por Gregory
Koukl: Rachel nasceu prematura na 24ª semana de gestação da mãe. De tão pequena cabia
na palma da mão de seu pai. Se um médico entrasse no quarto do hospital e tirasse sua vida
na hora da amamentação, configurar-se-ia o homicídio. Entretanto, se a mesma menina
estivesse no útero de sua mãe, a centímetros de distância, ela poderia ser, de acordo com o
pensamento pró-aborto, morta para ser retirada sem que houvesse ilegalidade.
A contradição é que, por vezes, os defensores do aborto não o aceitam se forem
aplicados aos animais, especialmente se estiverem ameaçados de extinção.
O aborto é um assassinato silencioso para muitas pessoas. Segundo Platt (2016, p.
81), além dos fetos impossibilitados de se desenvolverem e nascerem sem nenhuma chance
de defesa, muitas mães carregam feridas profundas e cicatrizes amargas em sua vida.
De fato, o aborto legalizado é promovedor de mortes, de mães e fetos. Na realidade
americana, por exemplo, o doutor Geisler (2010, p. 161) coloca que “o aborto tira a vida de
aproximadamente 1.3 milhões de bebês nos Estados Unidos da América a cada ano desde o
caso de Roe vs. Wade (1973)”.
Agora, por que quem defende o aborto não se coloca no lugar dos fetos que pretende
eliminar? Por que quem defende o aborto esquece que também já foi um feto?
Na verdade, como argumenta Stott (2014, p. 422), “o aborto induzido é o assassinato
de um feto, é a destruição deliberada de uma criança que ainda não nasceu, é um
derramamento de sangue inocente”.
Portanto, é ilegítimo argumentar que o bebê não é um ser humano por não ter
consciência, ou que a mãe pode decidir por abortá-lo, ou que o aborto é um direito pró-
liberdade da mãe. Esses argumentos promovem a morte do feto, e, muitas vezes, a morte
psicológica ou física da mãe.
O feto é plenamente humano, de modo que as tentativas de tirar sua vida são
assassinas e a defesa de tal retirada é uma apologia ao crime.
Os defensores do aborto são pessoas que, obviamente, nasceram e não foram
abortadas. Como fruto da relação entre seres humanos, o feto é da mesma espécie, sendo,
desde logo, humano.
Para Geisler (2010, p. 159), a “autoconsciência não é necessária para caracterizar um
ser humano”. De fato, se o fosse, os que se encontram em estado de coma não seriam
humanos. Para além disso,
Todos esses argumentos a favor do aborto também são aplicados a favor do
infanticídio e da eutanásia. Se crianças nascituras podem ser mortas por causa de
malformação, pobreza ou falta de desejo dos pais, então tanto crianças quanto idosos podem
ser descartados pelas mesmas razões. (GEISLER, 2010, p. 178).
O brilhante escritor inglês G.K. Chesterton (1874-1936) escreveu o poema intitulado
“By the Babe Unborn” (“O não nascido”) em referência a um bebê que não pode nascer. Da
perspectiva do infante, o aborto é de fato uma tragédia. Já na parte final do poema, o bebê
não-nascido, ilustrativamente, declara:
Que venham as tempestades: melhor é viver
em meio a luta e lágrimas
que todas as eras em que tenho
governado os impérios da noite
Penso que, se me deixassem
entrar e ficar no mundo,
eu seria bom durante o dia todo
que passasse nesta terra encantada.
Eles não ouviriam de mim uma só palavra
de egoísmo ou de desdém,
se eu apenas tivesse encontrado a porta,
se eu apenas tivesse nascido.
Referências bibliográficas:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal 2: parte especial: dos crimes
contra a pessoa. – 15 ed. rev., ampl e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015.
CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota.
Organização Felipe Moura Brasil – 5. Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2013.
CRAIG, Wiliam L. Apologética para questões difíceis da vida. São Paulo: Vida Nova, 2010.
GEISLER, Norman L. Ética cristã: opções e questões contemporâneas. 2ª ed. – São Paulo:
Vida Nova, 2010.
PLATT, David. Contracultura: um chamado compassivo para confrontar um mundo de
pobreza, casamento com pessoas do mesmo sexo, racismo, escravidão sexual, imigração,
perseguição, aborto, órfãos e pornografia. - São Paulo: Vida Nova, 2016.
RAZZO, Francisco. A imaginação totalitária: os perigos da política como esperança. 1.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2016.
STOTT, John. Os cristãos e os desafios contemporâneos. Viçosa, MG: Editora Ultimato,
2014.
VENÂNCIO, Norma Braga. A mente de Cristo: conversão e cosmovisão cristã. São Paulo:
Vida Nova, 2012.
***
Sobre o autor: Anderson Barbosa Paz é seminarista do Seminário Teológico Betel Brasileiro.
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Congrega na Igreja
Presbiteriana do Bairro dos Estados em João Pessoa-PB. Atua na área de Apologética Cristã,
debatendo e ensinando.