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A história reintroduzida: temporalidade e

ação humana

PEDRO AUGUSTO LOLLI

resumo O objetivo do presente artigo é apre- escolha claramente enviesada, cuja justificativa
sentar três desenvolvimentos da questão sobre a será dada no decorrer do argumento.
relação entre mito e história que adotaram como Por uma questão de conveniência adotare-
horizonte norteador a discussão realizada por Lévi- mos como mote da discussão a distinção entre
Strauss. Para tanto serão utilizados os trabalhos dos sociedades frias e sociedades quentes, primei-
seguintes autores: Manuela Carneiro da Cunha, ramente introduzida a partir de uma entrevista
Marshall Sahlins e Peter Gow. Demonstrando, com concedida por Lévi-Strauss a George Charbon-
isso, como esses desdobramentos contribuíram para nier. O aspecto da distinção que nos interessa
lançar luz a alguns aspectos da teoria deste autor mormente é aquele que gerou uma certa polê-
que foram apenas vislumbrados em seus trabalhos. mica ao caracterizar as sociedades “frias” como
O que salta à vista, e ao mesmo tempo diferencia sem história e as sociedades “quentes” como
esses três autores de Lévi-Strauss, é que o problema com história. Há um determinado lugar-co-
da inserção da temporalidade no pensamento míti- mum, no qual se costuma fazer equivalências
co é encarado a partir das ações das pessoas na vida entre sociedades “primitivas” e sociedades frias,
coletiva. Conferindo aos sujeitos a capacidade de e sociedade “ocidental” e sociedades quentes.
criação ou, se preferirem, a capacidade de invenção Todavia, essa leitura há tempos é combatida
da cultura, cujo processo nunca cessa de acontecer. pelo próprio Lévi-Strauss ao longo de sua obra,
palavras-chave Lévi-Strauss. Mito. História. tal como na entrevista a Didier Eribon (Eribon,
Transformação. Temporalidade. [1988]2005, p. 177), e posteriormente num
artigo de 1998, publicado na revista MANA:

Este artigo trata da relação entre mito e Imputar a mim a mesma concepção errônea im-
história a partir do desenvolvimento dado por plica um equívoco sobre o sentido e o alcance
Lévi-Strauss. Iniciaremos discutindo alguns da distinção que propus fazer entre “sociedades
trabalhos de Lévi-Strauss para, no momento frias” e “sociedades quentes”. Ela não postula,
posterior, seguir em três direções diferentes entre as sociedades, uma diferença de natureza,
através das quais a questão foi desenvolvida não as coloca em categorias separadas, mas se
subsequentemente. Cada direção será traçada refere às atitudes subjetivas que as sociedades
passando pelo trabalho de um determinado adotam diante da história, às maneiras variáveis
autor, sendo eles Manuela Carneiro da Cunha, com que elas a concebem. Algumas acalentam
Marshall Sahlins e Peter Gow. Evidentemente, o sonho de permanecer tais como imaginam ter
não desejamos abarcar todos os trabalhos des- sido criadas na origem dos tempos. É claro que
ses autores, muito menos exaurir a discussão. elas se enganam: essas sociedades não escapam
Assim, a escolha das passagens das obras dos mais da história do que aquelas – como a nossa
autores que serão trazidas à discussão é uma – a quem não repugna se saber históricas, en-

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contrando na idéia que têm da história o motor rivada e social, constitui um mecanismo para
de seu desenvolvimento. Nenhuma sociedade preservar no tempo, ou para alimentar a ilusão
pode, portanto, ser dita absolutamente “fria” ou de fazê-lo, a ordem social como se ela fosse tão
“quente”. São noções teóricas, e as sociedades fixa como a ordem natural: “A série original
concretas deslocam-se no correr do tempo, em está sempre lá, pronta a servir de sistema de re-
um sentido ou em outro, sobre um eixo cujos ferência para interpretar ou retificar as mudan-
pólos nenhuma delas jamais ocupará (Lévi- ças que se produzem na série derivada. Teórica
Strauss, 1998, p. 108). senão praticamente, a história está subordinada
ao sistema” (Lévi-Strauss, [1962]2002, p. 259).
Por conseguinte, não devemos pensar numa Em contrapartida, as sociedades que to-
oposição do tipo sim e não, mas do tipo mí- mam partido da história desfazem a distinção
nimo e máximo, na qual se tem uma variação entre essas duas séries, confundindo-as numa
gradual de um extremo a outro. O que se tem única série. “Ao invés de uma homologia dada
são dois modos extremos que se distinguem de uma vez por todas entre as duas séries, cada
quanto à forma de enfrentar um mesmo pro- uma, finita e descontínua por sua conta, pos-
blema: o conflito entre sincronia e diacronia tula-se uma evolução contínua no interior de
ou, em outras palavras, a passagem do tempo. uma única série que acolhe termos em número
Existem aquelas sociedades que elaboram sis- ilimitado” (Lévi-Strauss, [1962]2002, p. 259).
temas visando anular ao máximo os efeitos da A história, entendida por Lévi-Strauss como
passagem do tempo, ainda que nunca de forma aquela que se “dedica aos reinos, às alianças, às
perfeita, que mostrariam propensão pela sin- guerras, aos tratados” (Eribon, [1988]2005, p.
cronia; e as sociedades “quentes” como aquelas 173), seria a exemplificação desse modo; e, nes-
que adotam a temporalidade e a interiorizam se sentido, também o sacrifício. Desse modo,
como força propulsora da sociedade, que mos- ainda que num contexto outro, esse tipo de his-
trariam propensão pela diacronia. Tais modos tória incorre no mesmo modo que o sacrifício:
coexistem em toda e qualquer sociedade. tenta superar uma descontinuidade original por
Vejamos como Lévi-Strauss elabora esses dois meio de uma forma contínua. Tal aproximação
modos extremos. Isso nos leva ao problema do entre história e sacrifício permite desviarmos
conflito entre sincronia e diacronia. Há socie- de uma leitura que estabelece um corte radical
dades que procuram anular os efeitos históricos. entre pensamento selvagem e pensamento do-
Segundo o autor, as sociedades que adotam esse mesticado. São as linhas de passagem entre um
modo visam preservar os estados considerados pólo e outro que importam, como Lévi-Strauss
originais, não simplesmente negando o devir his- já bem enfatizou ao longo de sua obra.
tórico, mas procurando integrá-lo no sistema às Exposto de forma sucinta os dois modos
custas de “[...] admiti-lo como uma forma sem de enfrentar esse conflito, podemos regressar à
conteúdo: há sempre um antes e um depois, mas questão da temporalidade, que perpassa os dois
sua única significação é a de se refletirem um no modos. Para entendermos um pouco mais em
outro” (Lévi-Strauss, [1962]2002, p. 261). que sentido caminha a discussão lévi-straussia-
O sistema totêmico seria a exemplificação na, vamos nos remeter a uma sessão do Homem
desse modo, pois se coloca contra a história, nu – “O mito único”.
tentando anulá-la, pelo menos do ponto de Diz ele: todas as sequências míticas contêm
vista do intelecto – já que a homologia entre “uma única sequência absolutamente indecidí-
duas séries, uma natural e original, a outra de- vel”. Trata-se de uma oposição, “ou, mais exata-

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mente, do enunciado da oposição como sendo Propomos entender a assimetria primordial


o primeiro de todos os dados” (Lévi-Strauss, apontada por Lévi-Strauss como sendo gerada
[1971]1997, p. 539, tradução minha). Essa in- pelo pensamento, uma “maquinaria conceitu-
decibilidade revela a existência do mundo sob a al”, e seu confronto com a passagem do tem-
forma de uma assimetria primordial: “Inerente po. Desse modo, é este confronto que impede
ao real, esta disparidade põe em movimento a es- o pensamento de encontrar um sentido último
peculação mítica, mas isso porque ela condicio- para o mundo, obrigando-o a continuar inces-
na, aquém mesmo do pensamento, a existência santemente o seu trabalho. E se isso se encontra
de todo o objeto do pensamento” (Lévi-Strauss, desde a “gênese do pensamento”, não há enten-
[1971]1997, p. 539, tradução minha). dimento do mundo que não esteja sujeito a esse
Nesse sentido, as oposições funcionam movimento.
como um aparelho previamente montado pelo Tendo em mente a argumentação acima,
entendimento que é acionado por circunstân- pretendemos avançar discutindo outros autores
cias externas; em outras palavras, uma “maqui- que também enfrentaram a questão da tempo-
naria conceitual” que está preparada, quando ralidade nos mitos. Pois se, como finalizamos, o
acionada, para extrair incansavelmente senti- pensamento em geral está obrigado a continu-
do do mundo. Desse modo, diz Lévi-Strauss, ar o seu trabalho de atribuir sentido ao mundo
“a gênese do mito se confunde com a gênese em razão de sua existência ocorrer no tempo,
do pensamento” (Lévi-Strauss, [1971]1997, então esse trabalho exige uma contínua trans-
p. 539, tradução minha). A “gênese do pen- formação do pensamento, que se encontra em
samento” é identificada não simplesmente à permanente atualização através das conflitantes
capacidade para estabelecer oposição, mas à ações dos diversos sujeitos que compõem de-
existência de uma “maquinaria” (de certa ma- terminado ambiente. O que Lévi-Strauss, de
neira incrustada na mente em um sentido fi- certa maneira, aborda em seu artigo “Como
siológico) para “extrair sentido do mundo” morrem os mitos” (Lévi-Strauss, [1973]1993)
quando confrontada pelas constantes assime- ao analisar as transformações míticas que visam
trias geradas pela experiência. Mas, é isso que à reutilização do mito “para fins de legitimação
o mito ensina, esse esforço está sendo limitado, histórica”. Anunciando, assim, uma perspectiva
porque o sentido nunca se completa: há, no fi- de transformação do mito em história a partir
nal de toda sequência mítica, de todo esforço de seus atores e da entrada em cena do poder.
repetido para atenuar uma oposição integran- Os autores que discutiremos, inspirados
do por passos sucessivos seus opostos (cf. o pa- no próprio Lévi-Strauss, procuraram entender
pel do “operador-espécie”), uma contradição como essas transformações se dão através das
irredutível. O mito é indecidível, ou, dizendo ações desses sujeitos. Talvez Carneiro da Cunha
de outra maneira, o entendimento é limitado. tenha sido uma das primeiras a ter desenvolvi-
À primeira vista isso pode parecer não estar do uma análise da relação entre mito e história
relacionado com nossa discussão, mas se pensar- que vai nesse sentido. Em um artigo escrito
mos na história como temporalidade, algumas originalmente em 1973, no qual discute o mo-
conexões tornam-se possíveis. Algo que se revela vimento messiânico canela de 1963, a autora
mais evidentemente numa passagem da já citada parte de um evento histórico, cujos episódios
entrevista a Didier Eribon: “O acontecimento, são conhecidos através de registros realizados
em sua contingência, aparece-me como um dado na época dos acontecimentos, e relaciona-os
irredutível” (Eribon, [1988]2005, p. 178-179). com um conjunto de mitos.

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Meu intuito é mostrar que enquanto esse culto humanas possuem em relação não só aos rumos
é a contrapartida da estrutura social canela, o de suas vidas, mas também do corpus mítico.
desenrolar das ações, tal como entendido pelos
atores, refere-se dialeticamente a um mito, o da O pensamento mítico pode, portanto, realizar
origem do homem branco, mito que é literal- um jogo no sentido próprio, ou seja, um con-
mente reencenado para a sua humilhação final junto de regras acionadas pelo evento, e é por
(Carneiro da Cunha, 1987, p. 14). aí que a história se reintroduz nesse pensamento
intemporal (Carneiro da Cunha, 1987, p. 48).
Embora não tenhamos intenção de recons-
tituir passo a passo o caminho percorrido pela O objetivo principal da autora em sua aná-
autora, é necessário marcarmos alguns desses lise é compreender como a história se introduz
passos. A partir de uma sequência de episó- no mito (estrutura) através do agenciamento
dios relacionados ao movimento messiânico, a dos sujeitos, que se dá na ação ritual, cujas con-
autora contrapõe um conjunto de mitos, de- sequência sequências são tanto uma transfor-
monstrando como o desenrolar das ações dos mação da vida das pessoas envolvidas no evento
sujeitos diante desse evento histórico se dá de histórico quanto uma transformação dos mitos.
forma simétrica aos episódios míticos. Em ou- Outro autor que dirigiu sua atenção em di-
tras palavras, como no decorrer dos aconteci- versos trabalhos para essa direção foi Sahlins.
mentos do movimento messiânico a profetisa Em razão do volume desse trabalho, sentimos
vai construindo uma nova versão do mito, a necessidade de nos determos com mais vagar
cujas transformações são analisadas pela autora no pensamento desse autor. Em seu livro Cul-
como simetrias e inversões de um conjunto de tura e razão prática já podemos encontrar in-
mitos, bem ao método estruturalista. dícios desse caminho que culminaria com um
livro escrito anos mais tarde, Ilhas de história,
Se a estruturação do domínio mítico é um fato, mas que se estende ao longo de toda obra.
e já vimos que o movimento messiânico é uma No primeiro livro o tema da relação entre
versão do mito de Aukê em “chave” de mulher- mito e história aparece de forma secundária
Estrela, [...] segue-se que as relações de equiva- através da discussão da relação entre sistemas
lência entre objetos (mas não os próprios objetos) de significação (cultura) e as práticas sociais.
devem encontrar invariantes no movimento mes- De fato, nesse livro, o autor endereça uma
siânico. Dito de outro modo, se dois objetos são poderosa crítica a um utilitarismo que toma
equivalentes no mito Aukê, seus transformados como marca distintiva da cultura a sua capa-
(no movimento messiânico) devem continuar a cidade de se adaptar às pressões materiais, de
sê-lo (Carneiro da Cunha, 1987, p. 29). oferecer uma resposta direta a essas pressões,
para defender uma posição na qual o caráter
A transformação de uma versão mítica é distintivo da cultura é interpor um esquema
analisada não somente em sua relação com ou- significativo entre as ações dos sujeitos e as
tras versões míticas, que pertencem ao mesmo pressões materiais. Esse é o argumento, em
grupo de transformação, mas também em re- linhas gerais, que perpassa todo o livro. Veja-
lação às ações dos sujeitos que compartilham mos como a discussão da história e do mito se
desse corpus mítico e agem ritualisticamente introduz aqui, para em seguida observarmos
num determinado evento. A autora visa com- como essa questão torna-se central em seu li-
preender a função transformadora que as ações vro Ilhas de história.

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Sahlins está preocupado em analisar como os permitiu antever, e que está intimamente relacio-
sistemas significativos transformam e são trans- nado ao pensamento de Marx e de Lévi-Strauss,
formados pelos sujeitos na relação destes com o como Cultura e razão prática já anunciara.
mundo físico. Como acabamos de afirmar, a re- A história aparece como aquilo que é introdu-
lação dos sujeitos com o mundo físico é mediada zido como novidade nos esquemas de significação
por um sistema significativo, ao qual o autor dá convencional através das práticas da vida social:
o nome de cultura. E conforme essa relação se
desenrola no tempo, esses sistemas significativos [...] sabe-se que os homens criativamente re-
acompanham esse desenrolar, pois não existem pensam seus esquemas convencionais. É nesses
fora do sujeito e só podem adquirir existência termos que a cultura é alterada historicamente
à medida que o homem age no mundo. Assim, na ação. Poderíamos até falar de “transformação
os esquemas simbólicos se transformam confor- estrutural”, pois a alteração de alguns sentidos
me a ação do homem, ao mesmo tempo em que muda a relação de posição entre as categorias
o homem age conforme esse mesmo esquema, culturais, havendo assim uma “mudança sistê-
transformando-se a si próprio. Daí não haver mica” (Sahlins, [1985]2003, p. 7).
ação humana fora do simbólico e vice-versa:
Para entendermos em que sentido história e
O conhecimento do mundo é adquirido através novidade se equivalem nessa teoria, precisamos
da ação exercida sobre ele, especialmente atra- introduzir alguns conceitos que acompanham
vés da transformação por ele sofrida, que é im- essa equivalência. Esses conceitos dialogam ex-
pulsionada pela necessidade. [...] Nesse mesmo plicitamente com o referencial conceitual de-
sentido, os mundos humano e natural devem senvolvido por Lévi-Strauss e decorrem de um
mudar na consciência dos homens através de aprofundamento da relação entre a estrutura e o
mudanças sucessivas (e dialéticas) na sua ativi- acontecimento. No intuito de pensar como a es-
dade terrena (Sahlins, [1976]1979, p. 148). trutura se transforma empiricamente no tempo,
Sahlins desenvolve o conceito de evento. Esse não
São essas mudanças que Sahlins tomará deve ser confundido com o acontecimento, como
como históricas, pois não há história que não ad- à primeira vista poderia ocorrer, pois o evento
quira sentido num esquema significativo. Assim, corresponde a um momento do acontecimento
os acontecimentos entre o mundo natural e o no qual este já se encontra em relação com algum
mundo humano só se tornam história à medida esquema cultural particular. O evento é um acon-
que adquirem sentido no interior de tal esque- tecimento provido de significado por um sistema
ma. Desse modo: “A história é sempre estrutu- simbólico previamente estabelecido.
rada pela sociedade; há somente modos mais ou
menos dinâmicos de fazê-lo. E os princípios de A ordem cultural, enquanto um conjunto de
estruturação histórica não diferem tanto em tipo relações significativas entre categorias, é apenas
como em local” (Sahlins, [1976]1979, p. 239). virtual. Existe meramente in potentia. Portanto,
Esta passagem nos permite avançarmos ao o significado de qualquer forma cultural especí-
livro Ilhas de história, no qual a história emerge fica consiste em seus usos particulares na comu-
como o tema central da discussão. Aqui o autor nidade como um todo. Mas este significado é
não tem a pretensão de se aprofundar ainda mais realizado, in presentia, apenas como eventos do
numa crítica direta ao utilitarismo, mas sim num discurso ou da ação. O evento é a forma empí-
desenvolvimento daquilo que aquela crítica lhe rica do sistema (Sahlins, [1985]2003, p. 190).

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A última frase dessa citação nos permite intro- “Novidade não é simplesmente qualquer notícia
duzir outro conceito fundamental: o de “estrutu- sobre qualquer um. É uma determinação seletiva
ra da conjuntura”. Tal conceito expressa a síntese daquilo que seja significativo de acordo com os
situacional do evento e da estrutura e possibilita cânones da vida cultural” (Sahlins, 1990, p. 76).
analisar como um acontecimento se transforma Desse modo, a história é a história da trans-
em evento no interior de um sistema simbólico. formação estrutural dos sistemas simbólicos no
Tal síntese ocorre num contexto histórico tempo. Como Lévi-Strauss, Sahlins está mais
específico e é o que permite pôr a estrutura preocupado com a história como temporalidade.
num contexto de transformação pragmáti- A aproximação com Lévi-Strauss torna-se
ca, agenciada por sujeitos históricos, que são ainda maior se levarmos em consideração a
aqueles que irão atribuir sentido aos aconte- distinção entre estruturas prescritivas e per-
cimentos. Quando as categorias culturais são formativas realizada por Sahlins. Segundo este
colocadas em prática pelas ações motivadas dos autor, essas estruturas se diferenciam por serem
sujeitos, concomitantemente os seus significa- modos distintos de transformação dos acon-
dos estão sendo colocados em risco, sujeitan- tecimentos em evento. Enquanto as ordens
do-os a adquirirem novos valores funcionais. prescritivas transformam os acontecimentos
Por conseguinte, toda reprodução da cultura procurando assimilá-los, negando o seu caráter
na ação conduz as categorias a assimilarem um contingente, as ordens performativas buscam
novo conteúdo empírico. assimilar-se aos acontecimentos. É evidente
A reprodução da cultura gera invariavelmen- o eco que encontramos com a distinção de
te uma alteração nas relações entre as categorias. Lévi-Strauss entre sociedades “frias” e a favor
O que implica numa transformação da estru- da sincronia e sociedades “quentes” e a favor
tura. Nesse sentido, podemos dizer que todo da diacronia, respectivamente. Assim como a
modo de reprodução da cultura é um modo de distinção deste autor, as estruturas prescritivas
transformação, e com isso afirmar que a estru- e as performativas são tipos ideais que não se
tura da conjuntura, como síntese do evento e da excluem mutuamente, mas podem conviver
estrutura, comporta tanto um passado inesca- numa mesma sociedade.
pável quanto um presente irredutível. Essas noções têm o mérito de pensar em
uma multiplicidade de historicidades, pois
Mas coerência cultural e continuidade cultu- cada ordem cultural estaria aberta à história de
ral não significam que os resultados históricos forma diferente. O que existe são historicida-
sejam prescritos pela cultura. O diálogo entre des diferentes e encontros entre historicidades
coletivo e individual, estrutura e evento, cate- específicas, cujos resultados são transformações
goria e prática indica que a continuidade da de cada ordem cultural envolvida e que somen-
ordem cultural é um estado alterado produzido te podem ser conhecidas etnograficamente.
por contingências da ação humana. O que se Para encerrar nosso diálogo com Sahlins fica-
está afirmando não é que a cultura determina mos com uma última citação:
a história, mas apenas que a organiza (Sahlins,
[2004]2006, p. 19). Mas uma percepção sensorial não é ainda um ju-
ízo empírico, já que esse depende de critérios de
Passado por esses conceitos, é tempo de re- objetividade que não são nunca os únicos possí-
gressar ao ponto em que a história apareceu veis. Não se pode simplesmente pressupor juízos
como equivalente à novidade. Como vimos: de “realidade” de um outro povo a priori, por meio

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do senso comum ou humanidade comum, sem se Tal discrepância de valores revelou-se ainda
dar o trabalho de fazer uma investigação etnográfi- mais intrigante porque os Piro não ignoravam
ca. Também a antropologia terá que ser empírica. a brutalidade e a violência advindas do conta-
Não há outro modo de descobrir o que os outros to com a expansão colonial. Então por que eles
povos sabem (Sahlins, [1995]2001, p. 179). produziam um discurso positivo em relação ao
presente em contraposição a um negativo sobre
Peter Gow é outro autor, dentre muitos, o passado? Essa é uma das perguntas motrizes do
que recentemente se debruçou sobre a relação trabalho de Gow. Vejamos aonde ela o conduziu.
entre mito e história. Em An Amazonian Myth Um caminho necessário para enfrentar essa
and its History, publicado em 2001, a relação pergunta foi aventurar-se pelas veredas da histó-
entre a história e o mito é o tema central que ria. De antemão ressaltamos que o próprio au-
percorre todo o livro. tor se denomina um historiador amador, cujo
A abordagem proposta por este autor encon- objetivo é colocar o método histórico a serviço
tra como um dos seus principais fundamentos da antropologia, mais precisamente da etnogra-
a obra de Lévi-Strauss. Sendo assim, e seguindo fia. Desse modo, o mais importante não é saber
o espírito deste texto, nosso diálogo com o livro qual a verdadeira história, mas se é possível pen-
de Gow se deterá com maior cuidado em sua sar uma história piro e se sim, como nos indica
relação com a obra de Lévi-Strauss. Sem com o trabalho, como ela é. Não podemos esquecer
isso deixarmos de encontrar vários ecos com os que para chegar a uma história piro é necessário
trabalhos de Carneiro da Cunha e Sahlins. passar por uma história ocidental. O autor faz
O problema de Gow é construído a partir uma discussão crítica em relação a uma deter-
de sua experiência etnográfica, que se deu jun- minada literatura, que tem Jonathan Hill e Eric
to a um povo indígena localizado na América Wolf como avatares, para desconstruir a história
do Sul – os Piro. Quando o autor chegou para que esses autores imputam aos outros.
viver um tempo entre os Piro, o cenário que Segundo Gow, para tentar escapar do dile-
aparentemente predominava era o de uma po- ma estrutural-funcionalista, que preconizava a
pulação cujo modo de viver havia sido destruí- impossibilidade de se pensar uma história in-
do em grande medida pelas forças da expansão dígena, esses autores vão afirmar que sim, esses
colonial. Mas ao contrário do que se poderia povos possuem história e é possível pensá-la.
imaginar, o discurso que prevalecia entre a po- Até aqui Gow concorda com eles, mas não com
pulação piro possuía um caráter positivo em re- o que eles dirão que é história, pois para eles
lação a esse processo colonial. Hoje eles tinham a história indígena começa com a história da
se tornado civilizados, ao passo que no tempo expansão colonial capitalista. O encontro com
de seus ancestrais viviam num estado selvagem. os europeus é tomado como um momento pri-
vilegiado de ruptura. Se levarmos ao extremo
Em vez de recontar as circunstâncias de seu pas- essa posição para o contexto piro, é como se
sado e de seu presente como uma litania de ex- a cultura ou sociedade piro até antes do con-
ploração, brutalidade e injustiça, eles pareciam tato se reproduzisse identicamente e tivesse
falar a respeito dessas circunstâncias como uma começado a se transformar somente após esse
história de progresso contínuo, que partia da de- contato. Isso não significa que Gow negue uma
cadência histórica do mundo de seus ancestrais história comum a europeus e indígenas, e mui-
em direção a um futuro promissor para seus fi- to menos condene o uso da história européia
lhos e netos (Gow, 2001, p. 6, tradução minha). em suas análises.

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Entretanto, o fato de que os seres humanos te- pode ser afetada pelas mudanças no mundo. Po-
nham histórias em comum não pode excluir a rém, só conseguem sustentar essa ilusão ao pre-
possibilidade de que também tenham histórias ço de transformações incessantes: precisamente
distintas. É absurdo afirmar que a história da o que caracteriza sua historicidade como obje-
Amazônia é a história da colonização dos po- to de estudo do ponto de vista do observador
vos indígenas da Amazônia empreendida pela (Gow, 2001, p. 11, tradução minha).
expansão colonial européia (Gow, 2001, p.16,
tradução minha). É a partir daí que o autor irá procurar o sen-
tido da história para os Piro. Assim como nos
Não é nosso intuito adentrarmos no mé- outros autores com os quais dialogamos acima, a
rito da crítica, basta-nos tê-la em mente para história é buscada como a forma pela qual a pas-
compreendermos melhor o que Gow pretende sagem do tempo é tratada pelos sujeitos históri-
como história. Dessa maneira, o objetivo deste cos. Diríamos que no caso dos Piro, procuram
autor é pensar, levando em consideração uma anular a passagem do tempo. Mas: “Se aceitar-
história em comum, qual é a história separada mos que os mitos operam no sentido de oblite-
que os Piro construíram. rar o tempo, poderíamos olhar para os próprios
O fundamento para entender essa história mitos a fim de que nos contem que eventos e
Gow vai buscar em dois autores: Malinowski e processos históricos estariam procurando oblite-
Lévi-Strauss. Se pudéssemos sintetizar ao má- rar” (Gow, 2001, p. 19, tradução minha).
ximo, a maior lição tomada do primeiro para Essa operação de apagamento do tempo
se pensar tal história é que o antropólogo deve exige uma série de transformações a fim de que
partir antes de tudo dos problemas sugeridos pelo as circunstâncias históricas enfrentadas pelos
presente etnográfico: “[...] uma análise antropoló- Piro sejam coerentes com o sistema mítico.
gica que use os métodos históricos deve começar Chegamos, com isso, a uma característica fun-
pela etnografia e pelos problemas que a etnografia damental do sistema mítico: ele é um sistema
apresenta” (Gow, 2001, p. 20, tradução minha). num permanente estado de transformação. Se
Do segundo, a maior lição advém de sua as transformações são operações que não ces-
concepção dos mitos como objetos históricos. sam de ser realizadas, podemos considerar que
Como essas lições contribuíram para que Gow a novidade não para de acontecer dentro do
construísse uma história piro é o que se segue. sistema. Mais precisamente, “[...] a “inovação
Admitir o mito como objeto histórico nos audaciosa” absolutamente não é uma inovação,
remete a nossa discussão sobre a distinção entre pois ela é simplesmente o estado vigente de um
sociedades “quentes” e “frias”, sincronia e dia- sistema transformacional em desenvolvimen-
cronia, estruturas prescritivas e performativas. to, do mesmo modo como o sistema mítico”
Quando Gow analisa o corpus mítico piro, vai (Gow, 2001, p. 287, tradução minha).
encontrar o mesmo modo de operação para en- Todavia, essas transformações de apaga-
frentar o problema da sincronia e da diacronia mento do tempo devem ser tomadas como uma
ou, em outros tempos, da estrutura no tempo. operação executada pelos sujeitos históricos
E esse modo corresponde a uma operação para envolvidos. É nesse ponto que reencontramos
anular a passagem do tempo. a lição de Malinowski, pois o conhecimento
de quais circunstâncias históricas são oblite-
Os mitos engendram uma aparência de estabi- radas pelo mito só pode ser alcançado com a
lidade, uma ilusão de atemporalidade que não etnografia.

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Sendo assim, o antropólogo não pode se consideração o pensamento das pessoas piro,
privar de se basear em duas fontes de informa- ao mesmo tempo que não deixa de passar por
ção: a primeira é o conhecimento advindo da uma história construída através dos registros
experiência etnográfica; a segunda é o conhe- documentais produzidos pelo encontro com as
cimento de alguns aspectos do estado passado forças coloniais capitalistas.
desse sistema, fornecidos pela documentação. Nossos diálogos foram se construindo um a
um com cada autor em separado, mas espera-
É somente através da coordenação destas duas mos que após lê-los da forma como organiza-
espécies de dados que teremos alguma chance mos, a impressão que prevaleça seja a sensação
de tocar no problema-chave: a saber, como uma de encontrar ressonâncias entre eles. Sem dú-
série de eventos e processos históricos foram vi- vida foi a obra de Lévi-Strauss que permitiu
vidos e se tornaram significativos por sucessivas criar as ressonâncias entre os trabalhos de que
gerações do povo piro (Gow, 2001, p. 19, tra- tratamos. Uma das principais lições, levada
dução minha). adiante por Carneiro da Cunha, Sahlins e Gow
em relação à obra de Lévi-Strauss, diz respei-
Em detrimento do conceito de cultura ou to ao conceito de transformação. Ao contrário
sociedade, o autor prefere o de “lived world”, de uma leitura que vê o conceito de estrutura
porque este resgata a posição dos sujeitos como como estático e sem lugar para a transforma-
agentes da construção de sua história, no senti- ção, esses autores entenderam o conceito de
do de que são eles que realizam a transformação transformação como inerente à própria estru-
de um estado a outro do sistema. Por conse- tura (Eribon, [1988]2005, p. 163). Essa ideia
guinte, esse conceito tem a propriedade de fo- de estrutura, desenvolvida por Lévi-Strauss ao
car sobre a concretude daquelas transformações longo de sua obra, conduz inevitavelmente ao
que ocorrem no cotidiano da vida social. problema da historicidade, pois se é inevitável
que a estrutura se transforme, isso ocorre por-
O sentido que as pessoas conferem a suas vidas e que ela se encontra em movimento no tempo.
a seu mundo acontece na natureza específica da A passagem do tempo obriga a estrutura a se
ontogenia humana e como resultado dela. Dessa transformar. Nos trabalhos dos autores aci-
forma, torna-se desnecessário postular os siste- ma, um dos focos de interesse se concentra
mas sociais como entidades vivas e reprodutivas em como a passagem do tempo gera trans-
que diferem da ordem do ser humano orgânico. formações nos sistemas míticos através de um
Sistemas sociais são simplesmente aquilo que os agenciamento humano. Tais autores voltam-
humanos necessariamente constroem à medida se, assim, para as ações humanas como ponto
que vivem. Isto desloca o problema de como os de partida para se pensar a transformação dos
sistemas sociais se reproduzem e se transformam sistemas míticos em questão. Levando adiante
para o problema das condições históricas espe- outra lição de Lévi-Strauss, qual seja: tomar a
cíficas de como uma dada população chega a realidade empírica como a fonte de onde todo
viver as vidas que vive (Gow, 2001, p. 296-297, método deve ser construído.
tradução minha). Imbuídos dessas lições Carneiro da Cunha,
Sahlins e Gow souberam tratar a relação entre
Isso é, em linhas gerais, como o autor apon- mito e história não como uma oposição es-
ta para um caminho metodológico possível tanque, mas como uma relação em que o que
para se pensar uma história piro que leve em importa é a passagem de um ao outro, cujas

cadernos de campo, São Paulo, n. 18, p. 181-190, 2009


190 | Pedro Augusto Lolli

transformações se realizam através das ações ch the traditional issue of temporality in mythical
humanas. A etnografia emerge como método thought is dealt with by ethnographically focusing
imprescindível para se seguir tais ações huma- on individual acts in social life. Thus the role of
nas, pois a dinamicidade de tais transformações creating, one might say, inventing the never-ending
se dá imanentemente no cotidiano da vida co- process of culture is ascribed to individual agents.
letiva. É o caso do movimento messiânico, da keywords Lévi-Strauss. Myth. History. Trans-
associação entre capitão Cook e Lono e do dis- formation. Temporality.
curso civilizatório dos Piro. Uma das principais
contribuições dos autores mencionados é que
ao se debruçarem sobre esses eventos puderam Referências bibliográficas
demonstrar não só a inserção da novidade nos
sistemas simbólicos, mas também como esse CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Antropologia do
Brasil: Mito, História, Etnicidade. São Paulo: Editora
processo está intimamente relacionado às ações
Brasiliense, 1987.
humanas, analisando, assim, as transformações CHARBONNIER, Georges. Entretiens avec Lévi-Strauss.
estruturais sob o aspecto da criação coletiva em Paris: Plon-Julliard, 1961.
determinados contextos históricos – aspecto ERIBON, Didier e LÉVI-STRAUSS, Claude. De Perto e
tantas vezes renegado, por leituras superficiais, de Longe. São Paulo: Cosac&Naify, [1988]2005.
à teoria estruturalista desenvolvida na obra de GOW, Peter. An Amazonian Myth and its History. Oxford:
Oxford University Press, 2001.
Lévi-Strauss.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O tempo reencontrado. In:
_________. O Pensamento Selvagem. Campinas: Pa-
pirus, [1962]2002. p.243-271.
History reintroduced: temporality and hu- ______. Como morrem os mitos. In  :___________.
man action Antropologia Estrutural Dois. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, [1973]1993.
______. Mythologiques IV: L’Homme Nu. Paris: Librairie
abstract The purpose of this paper is to dis-
Plon, [1971]1997.
cuss three different approaches to the issue of the
______. Lévi-Strauss nos 90 volta ao passado. Mana, Rio
relationship between myth and history which have de Janeiro, v.2, n.4, p.107-115, 1998.
been developed from Lévi-Strauss’ discussion of SAHLINS, Marshall. Cultura e Razão Prática. Rio de Ja-
the subject. The essay focuses on the works of Ma- neiro: Zahar Editor, [1976]1979.
nuela Carneiro da Cunha, Marshall Sahlins and ______. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, [1985]2003.
Peter Gow and shows how these unfoldings have
______. Como Pensam os Nativos. São Paulo: Editora da
contributed to shed light over some aspects of Lévi-
Universidade de São Paulo, [1995]2001.
Strauss’ theory of which there are only glimpses in ______. História e Cultura: Apologias a Tucídides. Rio de
his work. What is peculiar to these three views in Janeiro: Jorge Zahar Editor, [2004]2006.
reworking their common source is the way in whi-

autor Pedro Augusto Lolli


Doutorando em Ciência Social (Antropologia Social)/USP

Recebido em 30/03/2009
Aceito para publicação em 06/11/2009

cadernos de campo, São Paulo, n. 18, p. 181-190, 2009

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