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O ROBÔ ESPIÃO
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Um robô também comete enganos...
Especialmente quando tem dois cérebros.
***
Gucky não se deu ao trabalho de ouvir diretamente o relato de Atlan. Estava sentado
em seu pequeno camarote e estremeceu quando a tela se apagou e o rosto do arcônida
desapareceu.
Gucky era o único rato-castor existente a bordo da Drusus. Na verdade, era o único
rato-castor da Via Láctea, desde que se deixassem de fora os habitantes do planeta
Vagabundo, que gravitava em torno de um sol vermelho-púrpura, perdido em algum lugar
na amplidão do cosmos.
Tinha cerca de um metro de altura e seu pêlo era marrom. Sua cabeça parecia ser de
um gigantesco rato, e a cauda era achatada como a de um castor. Possuía ao menos três
faculdades extraordinárias. Sabia ler pensamentos, sendo um ótimo telepata. Era capaz de
desmaterializar-se para no mesmo instante reaparecer em outro lugar; em outras palavras:
um exímio teleportador. Por fim, era um telecineta, isto é, sabia mover a matéria
exclusivamente com a força de seu cérebro.
Por isso não era de admirar que Gucky fosse bastante chegado a Rhodan, além de
um dos membros mais proeminentes do exército terrano de mutantes.
Reginald Bell, o representante de Rhodan e seu amigo mais íntimo, entrou no
camarote sem bater. Retirara-se do recinto em que estava sendo realizada a reunião dos
oficiais assim que Atlan terminou seu relato. Dirigiu-se imediatamente para junto do rato-
castor, ao qual estava ligado pelos laços de uma amizade notável. Para qualquer outra
pessoa a camaradagem deveria parecer bastante estranha, pois os dois viviam se
desentendendo.
Gucky já sentira sua aproximação e sacudiu a cabeça.
— Você nunca será um gentleman, Bell — disse num inglês impecável.
Quem não conhecesse o rato-castor, ficaria apalermado ao ouvi-lo falar naquele tom.
Acontece que a inteligência do rato-castor era muito maior que a de um homem normal.
— Já imaginou se eu estivesse mudando de roupa?
Bell não pôde deixar de sorrir. Quando não estava em missão, Gucky andava sem
roupa. Face ao seu pêlo espesso não havia necessidade de um uniforme ou mesmo de
vestes íntimas. Por isso não haveria nada demais se alguém surpreendesse Gucky no
momento em que estivesse mudando de roupa.
— Suas piadas fedem tanto quanto um saco de batatas que ficasse guardado por três
decênios embaixo de uma cama — disse Bell sem a menor comoção.
— Não me fale em batatas! — pediu Gucky, que sentia um apetite tremendo toda
vez que alguém lhe falava em hortaliças frescas. — Se não parar, teleportarei você para
outro lado da nave e o deixarei num lavatório abandonado, onde ninguém o encontrará
tão cedo. Ou então deixo-o num recinto ainda menor.
— Não faça isso, Gucky — disse Bell em tom contemporizador — Quero falar com
você.
— Pois fale! — pediu o rato-castor e afastou-se para o lado, a fim de que Bell
pudesse sentar-se na cama. — Meus ouvidos estão preparados, embora já estejam
doendo. Devo confessar que esse arcônida possui uma elevada dose de fantasia. Bem que
gostaria de ser assim...
Bell arregalou os olhos.
— Não venha me dizer que você acredita que Atlan inventou essa história relativa à
Atlântida! Ora, meu caro, se Rhodan souber disso...
— Não saberá, desde que você cale a boca — disse Gucky, resmungando
ameaçadoramente. — Não se esqueça do lavatório em que poderei deixá-lo.
— De mim ninguém saberá nada — apressou-se Bell em asseverar e acrescentou: —
Acontece que achei a história de Atlan muito interessante e elucidativa.
— Eu também — confessou Gucky e coçou demoradamente as costas.
Bell suspirou e cedeu ao pedido implícito nesse gesto. Aproximou-se do rato-castor
e começou a acariciar seu pêlo. Não havia nada que deixasse o pequenino mais feliz.
— Mas quanto ao mais — disse Bell, olhando para o teto — isto já começa a ficar
enjoado. Estamos parados no espaço com uma nave-gigante e esperamos. Você poderia
dizer o que estamos esperando?
— Vou perguntar a Rhodan.
— Se acredita que este lhe contará alguma coisa, está muito enganado, baixinho.
— Não seja tão arrogante, gorducho — disse Gucky, adotando o mesmo tom de voz,
pois seus freqüentes contatos com Bell lhe haviam proporcionado um vocabulário bem
interessante. — Aliás, eu estou me dando muito bem com esta boa vida. Mas uma pessoa
que nunca faz nada não precisa descansar.
Bell parou de acariciar o pêlo do rato-castor e empertigou-se.
— Será que você quer dizer que eu...
— Não se esqueça do lavatório! — advertiu Gucky em tom suave.
Bell suspirou e resmungou:
— Não sei por que vim para cá. Em vez de descansar, tenho de ouvir ameaças.
Quem mantém contato com seres semi-inteligentes só colhe aborrecimentos.
Apressou-se em voltar a acariciar o pêlo de Gucky, pois enquanto fazia isso sentia
uma relativa segurança.
— Espero que você saiba levar a brincadeira na esportiva, pequenino.
— É claro que sei, gorducho — asseverou Gucky em tom leal e exibiu o dente
roedor.
Este lhe servia para mastigar o alimento — hortaliças frescas, de preferência
cenouras — e ainda para exibir seus sorrisos. E quando Gucky sorria, via de regra não
havia nada a recear. Bell suspirou aliviado.
Por alguns segundos um silêncio reconfortador espalhou-se pelo camarote. Esse
silêncio só foi interrompido, de vez em quando, por um grunhido de satisfação de Gucky,
que soube aproveitar até o fim a disposição de acariciá-lo que seu amigo vinha
manifestando.
Mas subitamente o encanto foi interrompido.
Ouviu-se um zumbido, e uma voz muito conhecida disse:
— Alô, Gucky. Por acaso Bell está aí?
— É Rhodan! — disse Bell, levantando-se sobressaltado para mover uma chave.
Depois respondeu para dentro do microfone do sistema de intercomunicação de
bordo:
— Sim, estou no camarote de Gucky. O que houve, Perry?
— Logo mais direi. Venha à sala de comando! Mas não demore; apresse-se.
O rosto de Bell parecia ser uma única interrogação.
— Será que você poderia fazer o favor de dar uma definição mais precisa da
diferença sutil que deve existir entre os conceitos de andar e de apressar-se?
— Olá! — disse Gucky, que continuava na cama que durante o dia lhe servia de
sofá. — Que linguagem rebuscada o gorducho está usando hoje!
Ao que parecia, Rhodan não estava de bom humor.
— Não podemos perder tempo, Bell. Espero-o exatamente dentro de dois minutos
na sala de comando. Gucky conseguirá chegar mais depressa, se não tiver de trazer você!
Bell colocou a mão na chave, como se quisesse desligar, mas antes disso formulou a
pergunta:
— Quer dizer que...
— Isso mesmo — disse Rhodan, respondendo à pergunta que não chegara a ser
completada. — Isto quer dizer que a espera chegou ao fim.
Um ligeiro estalido mostrou que a comunicação chegara ao fim.
Gucky escorregou do sofá e colocou-se ao lado de Bell, segurando-lhe a mão.
— Vamos embora, gorducho — chilreou em tom alegre.
Dali a alguns segundos o ar começou a tremeluzir, e Gucky e Bell desapareceram.
No mesmo instante os dois materializaram-se na sala de comando da Drusus.
***
Rhodan aguardou até que se fizesse silêncio. Alguns dos oficiais que meia hora
antes haviam ouvido o relato de Atlan também se encontravam presentes. Um deles era
Baldur Sikermann, Primeiro-Tenente e imediato da Drusus; seu substituto, o Major Teldje
van Aaafen e o Capitão Hubert Gorlat, oficial de segurança da nave.
A tripulação era composta de duas mil pessoas, inclusive os oficiais. O número não
era de admirar, já que se tratava de uma nave de um quilômetro e meio de diâmetro.
Nos hangares da gigantesca nave estavam guardados quarenta Girinos, naves de
sessenta metros de diâmetro, que poderiam ser bem tripuladas em caso de necessidade.
Juntamente com a Titan e a General Pounder, que eram do mesmo tipo, a Drusus era a
maior nave do Império Solar. Árcon era o único mundo que poderia dispor de algo igual.
— Acabamos de receber uma mensagem de hiper-rádio vinda da Terra — disse
Rhodan em meio ao silêncio carregado de expectativa. — Não tenho certeza se tem algo
a ver com nossa tarefa propriamente dita, mas mesmo que isso não seja o caso, não
poderemos deixar de atender ao pedido.
Bell, um pouco afastado, perguntou:
— Que pedido é este?
Havia um tom de estranheza em sua voz. E com toda razão.
Um ligeiro sorriso surgiu no rosto de Rhodan.
— Vou ler a mensagem. Já devem saber que o texto chegou aos nossos receptores
em estado condensado e linguagem codificada. Por isso não houve perigo de que alguém
pudesse captá-lo, ou pudesse, com base na mesma, determinar a posição da Terra.
Chamando a nave Drusus! Sinal de emergência
três toques de sino expedido pelo agente Jost
Kulman, que se encontra em Swoofon, sistema de
Swaft. Quer que alguém vá buscá-lo imediatamente.
Não forneceu detalhes.
“A mensagem foi expedida pela central de Terrânia. Na minha opinião devemos
atendê-la, dirigindo-nos a Swoofon. Alguém quer formular uma indagação?”
Foi tudo muito rápido; ninguém tinha uma pergunta preparada. Onde ficava
Swoofon? Quem vivia lá? O que acontecera com Kulman? E quem era ele? Seriam estas
perguntas apropriadas para serem formuladas numa situação como esta, ou será que havia
outras, mais importantes?
Bell manifestou-se. Estava credenciado para isso.
— Será que Kulman não poderia ter dito qual era seu problema?
Rhodan fez um gesto de condescendência.
— É claro que poderia ter dito; acontece que não disse. Mais alguma pergunta?
— Quem ocupará nossa posição quando nos dirigirmos a Swaft? Com nossa saída
haverá uma lacuna no sistema de vigilância, que deve ser mantido intacto.
— Dificilmente — disse Rhodan, sacudindo a cabeça. — O que fizemos foi apenas
reforçar a frente de observações. Se sairmos dela, a mesma voltará ao normal.
— Neste caso não tenho outras perguntas.
Rhodan fez um sinal para Sikermann e olhou em torno.
— Não há mais nada a esclarecer? Bem, era o que eu esperava. Assim que houver o
revezamento das sentinelas, saltaremos em direção a Swaft e daremos uma olhada por
aquelas bandas. É bem possível que depois da mensagem de Kulman alguma coisa tenha
mudado por lá. Não pretendo entrar numa armadilha. Portanto, preparem-se para algumas
horas de serviço bem cansativo. Peço que Reginald Bell e o Capitão Gorlat permaneçam
na sala de comando. Quero tomar todas as precauções. Muito obrigado.
Manteve-se imóvel e esperou até que todos tivessem saído, com exceção de Gorlat e
Bell. Ninguém deu atenção a Gucky, encolhido no sofá. Rhodan pelo menos fez de conta
que não estava vendo o rato-castor.
— Swaft é um sol relativamente desconhecido — principiou. — Dá vida a seu
segundo planeta, denominado Swoofon. Este planeta é habitado por uma raça muito
estranha, conhecida como os swoons. Dizem que são excelentes mecânicos e técnicos.
Ou, para sermos mais exatos, são excelentes micromecânicos. Seus olhos enxergam
melhor que nossos microscópios. Sua especialidade consiste na construção de mini-
máquinas, que um homem normal dificilmente descobre a olho nu. É este o motivo
principal de termos enviado o agente Jost Kulman a Swoofon.
— Se não me engano, Kulman pertence ao Exército de Mutantes — observou
Gorlat, o oficial de segurança.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Kulman é nosso micrótico. Possui a capacidade espantosa de modificar à vontade
a focalização de seu globo ocular, obtendo uma visualização aumentada. Por isso
consegue reconhecer e identificar objetos de dimensões microscópicas,
independentemente de qualquer recurso técnico.
Rhodan olhou para o relógio.
— Preciso fornecer ao setor de navegação os dados relativos a Swaft. O sistema fica
a pouco menos de mil anos-luz de nosso sol. Se ligarmos os compensadores estruturais,
podemos arriscar o percurso num único salto, sem que haja o menor perigo de que
alguém descubra a posição da Terra.
— Ainda bem que temos esses compensadores — disse Gorlat com um sorriso de
satisfação. — Sem eles um salto no espaço nunca poderia ser mantido em segredo. Seria
horrível.
— E, o que é pior: a localização dos planetas iria ser facilitada — observou Bell.
— Para nós isso seria uma verdadeira calamidade — constatou Rhodan. — Afinal, a
melhor arma que possuímos é o segredo da posição galáctica da Terra. Os arcônidas e os
saltadores já andaram fazendo de tudo para descobri-lo. Realmente, o compensador
estrutural representa uma felicidade para nós. Os rastreadores estruturais não servem de
nada para os arcônidas quando não haja o que possa ser rastreado.
Despediu-se com um gesto e retirou-se da sala de comando.
Os outros seguiram seu exemplo, dirigindo-se aos seus postos.
Só Gucky continuou no sofá. Achou que seria conveniente tirar um cochilo.
***
***
***
***
Demorou meia hora até que o arcônida se recuperasse a ponto de conseguir falar.
Não havia a menor dúvida de que recebera o impacto direto de uma arma de choque. A
energia com que seu corpo fora atingido devia ser considerável. Na opinião dos médicos,
Atlan só teria recuperado a consciência dentro de seis ou oito horas, se não fossem os
medicamentos que lhe foram aplicados.
As informações fornecidas por Atlan eram muito escassas. Não vira nada; apenas
ouvira. E os ruídos que conseguira perceber não permitiam a menor conclusão sobre a
identidade do autor do disparo.
Rhodan apurou que naquele momento vários membros da tripulação se encontravam
nas proximidades do centro de computação, mas nenhum deles notara qualquer coisa
suspeita.
Assim, não se poderia extrair qualquer conclusão. O ato poderia ter sido praticado
por um dos elementos que se encontravam ali.
Não havia coisa mais importante a fazer senão seguir as vagas indicações fornecidas
por Atlan. Deviam descobrir o que o desconhecido fora fazer no centro de computação.
Com toda certeza não fora para lá a fim de atingir o arcônida com a arma de choque.
Teria realizado alguma operação com o computador?
Rhodan mandou que o mesmo fosse inspecionado. Queria que os matemáticos
responsáveis pelo setor apurassem se alguém trabalhara no computador fora dos espaços
de tempo que haviam sido concedidos, qual fora o trabalho realizado e quais as
informações que a máquina poderia ter fornecido ao desconhecido.
Enquanto a inspeção estava sendo realizada, Rhodan lembrou-se do plano que
concebera antes do alarma. Kulman deveria ser examinado.
O agente ainda estava dormindo, o que era de admirar. Neste meio tempo houvera
uma transição, e a dor provocada pela mesma desperta qualquer pessoa, por mais
profundamente que ela esteja dormindo.
Rhodan ordenou pessoalmente a Kulman que se submetesse a um exame
psicofísico. Estava interessado em observar a sua reação.
Kulman não parecia espantar-se muito ao ouvir o que queriam dele. Fez um gesto de
indiferença e disse:
— Naturalmente. Já contava com isso. É claro que as primeiras suspeitas têm de
recair sobre mim.
— Sinto-me aliviado em notar que encara a coisa dessa forma — confessou Rhodan.
— Por enquanto ninguém suspeita do senhor. Acontece que não podemos assumir o
menor risco. Na situação em que nos encontramos, a confiança não basta.
Kulman sorriu.
— É claro que não — respondeu.
Dali a pouco Rhodan ficou sabendo o que o espião fora fazer com o computador
positrônico.
A máquina havia sido ativada por um desconhecido às 10 horas e 32 minutos, tempo
de bordo, ou seja, cerca de quinze minutos antes que começasse o tempo oficialmente
concedido a Atlan. O chamado comando de prontidão provavelmente perturbara o
desconhecido em seu trabalho e representara um aviso de que era iminente uma visita ao
centro de computação. Esse sinal costumava ser transmitido à máquina dois minutos
antes do tempo concedido a qualquer pessoa e tinha por fim erradicar todas as operações
combinatórias ou de cálculo que eventuais usuários anteriores não tivessem concluído, e
assim permitir o pleno funcionamento do computador.
Naturalmente o desconhecido se escondera e atacara Atlan para concluir
tranqüilamente as operações já iniciadas. Não poderia esperar uma oportunidade mais
favorável. Durante o tempo concedido ao arcônida não seria de esperar outras visitas,
enquanto antes disso poderia ser perturbado a qualquer momento.
Também descobriu de que forma as luzes foram apagadas. O espião fizera
desaparecer, pouco acima do chão, um pedaço do cabo-mestre, provavelmente por meio
de um desintegrador. Nem sequer chegara a ocorrer um curto-circuito.
O ponto mais alarmante foram os dados que procurou extrair do computador. Os
matemáticos deixaram claro que o espião estava interessado em conhecer o código
utilizado nas hipertransmissões da nave.
As mensagens de hipercomunicação costumavam ser codificadas, com raríssimas
exceções. Depois de reduzidas a um código, eram condensadas. Assim, uma mensagem
cuja leitura poderia consumir meia hora seria irradiada numa fração de milésimo de
segundo. O código fora criado por matemáticos terranos, e apresentava diferenças
fundamentais face ao sistema arcônida. Havia uma série de modificações que
dificultavam enormemente, ou talvez tornavam inteiramente impossível, a decodificação
por uma pessoa não credenciada.
Quer dizer que o espião queria descobrir o código terrano de hipercomunicação.
Sem dúvida pretendia transmitir a informação, pelo caminho mais rápido, a seu chefe,
que provavelmente seria um agente-robô estacionado em Árcon. Dessa forma este estaria
em condições de decifrar as mensagens de hipercomunicação da Terra.
Mas, havia uma pergunta para a qual por enquanto não se encontrava a resposta. Por
que o espião não agira de forma mais discreta? Teria de contar com a possibilidade de
que, depois do ataque a Atlan, o centro de computação seria examinado, e o comandante
da nave procuraria descobrir o que ali fora fazer o espião. Se tivesse qualquer
conhecimento, por menor que fosse, sobre o funcionamento de um computador
positrônico, chegaria à conclusão de que os terranos logo teriam conhecimento de seu
interesse pelo código de hipercomunicações. E com isso a informação obtida perderia
todo valor para o espião e para o computador-regente de Árcon, pois era evidente que o
terranos logo substituiriam seu código.
Quais seriam suas verdadeiras intenções?
4
A transição foi realizada conforme se planejara. Cinco minutos depois foi localizado
o sinal goniométrico já conhecido. E o minúsculo transmissor era perfeitamente igual aos
que haviam sido descobertos antes.
Rhodan não se surpreendeu com o fato.
Talvez seria possível surpreender o espião. Ordenou a Sikermann e Bell que
preparassem outra transição na mesma direção, para daqui a duas horas.
Depois levantou-se e saiu, sem dar maiores explicações.
Nos amplos corredores da Drusus reinava o silêncio. Os tripulantes se encontravam
nas posições de combate. Ninguém saía do lugar, a não ser que recebesse ordens
específicas para isso.
O único ruído era o zumbido das fitas rolantes, que deslizavam incessantemente.
Rhodan marcara a nova transição para as 23:30 h. Até lá teria tempo de sobra para
conversar com Gucky sobre o assunto ligado às cenouras.
Preferiu procurá-lo em vez de pedir seu comparecimento à sala de comando.
Precisava de um pouco de exercício. Mas não pôde deixar de confessar que se deixara
seduzir pela esperança pouco realista de, por algum acaso, encontrar o espião pelo
caminho.
Não usou a fita rolante. Caminhando junto à parede, mantinha-se pensativo, com a
cabeça abaixada.
O espião começava a enervá-lo, ainda mais que não queria que seus subordinados
percebessem o que ia pela sua mente. A pior coisa que pode existir numa nave em perigo
é um comandante nervoso, rezava um dos princípios ensinados na Academia de Terrânia.
E na opinião de Rhodan, o mestre que o havia formulado era um homem muito
inteligente.
“Está bem”, pensou, “mas o que adianta tudo isso? Quer estivesse nervoso, quer
não estivesse, depois de cada transição o espião transmitiria uma mensagem
goniométrica. Estamos puxando a corda com igual força de ambos os lados e não vamos
para trás nem para frente. Quanto tempo iria demorar isso? Não temos mais tempo a
perder.”
Mergulhado em pensamentos, passou pela escotilha larga dos registros positrônicos.
Quando tinha dado mais alguns passos, acreditou ter ouvido alguma coisa.
Parou e olhou para trás.
Não viu nada.
— Quem pintou o diabo... — murmurou. — Não devia ter pensado nos meus
nervos.
De qualquer maneira, voltou até a escotilha e abriu-a. Entrou e olhou em torno.
Os aparelhos de memorização, dispostos em ferradura, tinham o aspecto de
armários. Havia canais invisíveis que os ligavam ao computador positrônico da nave e, a
qualquer indagação, forneciam as informações de que um astronauta pudesse precisar
para a fixação da rota, para a determinação da posição ou para quaisquer outros fins.
As informações estavam armazenadas nos diversos anexos, em ordem de
importância. Aquelas que estavam ao alcance de todos — e que geralmente eram as que,
em caso de emergência, teriam de ser fornecidas com a maior rapidez — achavam-se
codificadas segundo o sistema transfor. Tratava-se de um sistema mais simples de
codificação. As que eram solicitadas com menor freqüência, ou não poderiam ser
colocadas ao alcance de qualquer um, estavam concebidas em Sira III ou Hangol. Uma
terceira série de informações, as mais confidenciais, estava armazenada no agregado que
se situava no centro da ferradura sob o código complicadíssimo e praticamente
indecifrável de Fermat.
Estas idéias passaram-lhe ligeiras pela cabeça, antes que visse a luz vermelha de
advertência, que se acendera na placa frontal do anexo das informações em Fermat.
Deu alguns passos e leu as letras luminosas: DEFEITO.
O resto foi feito instantaneamente, sem pensar e em gestos automáticos. Bateu com
o punho fechado sobre o botão de alarma embutido na parede junto à escotilha. Respirou
aliviado quando o som agudo das sereias encheu os corredores.
Dali a alguns segundos, a voz exaltada de Bell saiu dos alto-falantes espalhados por
toda parte:
— Alarma no centro de memorização do convés C! Capitão Farrington, verifique o
que está acontecendo.
Rhodan ficou parado junto à escotilha. O uivo das sereias cessou de repente. Dali a
alguns segundos os homens de Farrington, com este na frente, apareceram na curva que o
corredor descrevia na junção entre a primeira e a segunda seção.
Enquanto corria, Farrington fez continência.
— Bloqueie o centro de memorização, capitão! — ordenou Rhodan. — Ninguém
deverá entrar ou sair.
Olhou para o relógio. Eram 22 horas e 35 minutos.
Farrington postou seus homens nos pontos estratégicos. Tinha uma pergunta na
ponta da língua: devia ou não mandar trazer os aspiradores de pó. Mas naquele momento
Rhodan voltou a falar:
— Enviarei alguns matemáticos, que examinarão o conjunto defeituoso. É claro que
estes poderão entrar. Entendido?
Lançou mais um olhar para o relógio. Estava prestes a retirar-se, quando se lembrou
de outra coisa.
— Quanto tempo levou para chegar aqui, Farrington? — perguntou. — Mais
precisamente, quanto tempo se passou entre o momento em que ouviu a ordem de Bell e
o momento de sua chegada?
— No máximo noventa segundos — respondeu Farrington. — O alarma soou às
22:33 h, e quase no mesmo instante ouvimos a ordem de Bell.
Rhodan agradeceu e foi embora.
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