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IGREJA LUTERANA

Revista Semestral de Teologia

1
IGREJA LUTERANA

SEMINÁRIO
CONCÓRDIA

Diretor
Leonerio Faller

Professores
Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Leonerio Faller, Gerson
Luis Linden, Leopoldo Heimann, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum,
Vilson Scholz

Professores Eméritos
Donaldo Schüler, Paulo F. Flor,
Norberto Heine

IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de
Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB),
São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial
Paulo P. Weirich (Editor), Gerson L. Linden e Acir Raymann

Assistência Administrativa
Ivete Terezinha Schwantes e Saulo P. Bledoff

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana


e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com


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CORRESPONDÊNCIA
Revista Igreja Luterana
Seminário Concórdia
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93001-970 – São Leopoldo/RS
Telefone: (0xx)51 3037 8000
e-mail: revista@seminarioconcordia.com.br
www.seminarioconcordia.com.br

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SUMÁRIO

RESENHA BIBLIOGRÁFICA 5

Raul Blum

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 7

IGREJA LUTERANA
Volume 73 – Novembro 2014 - Número 2

3
RESENHA

RESENHA BIBLIOGRÁFICA
HERL, Joseph. Worship Wars in Early Lutheranism:
choir, congregation, and three centuries of conflict.
New York: Oxford University Press Inc., 2004.

Joseph Herl propõe-se a tirar alguns mitos que se formaram em torno


do canto nas igrejas luteranas nos três primeiros séculos de sua existência.
Segundo suas pesquisas, “a igreja que canta”, como é alcunhada a igreja
luterana, não cantava tanto assim nos seus primórdios.
É certo que Lutero queria que o povo cantasse. Mas o fato, segundo
Herl, é que era difícil fazer o povo cantar nos primórdios da igreja lutera-
na. Realmente Lutero queria que a liturgia pertencesse à congregação e
que ela a cantasse, mas o fato é que o coro continuou a liderar a liturgia
por todo o século XVI.
Outro mito, que muitos veem de forma distorcida ainda em nossos
dias, é que na Alemanha o povo não cantava nas missas antes da Refor-
ma. O fato é que o povo cantava, sim, antes e após o sermão, e assim
continuou sendo nos tempos da Reforma. Mas também é fato que Lutero
tentou impulsionar o canto congregacional com suas composições e com
o apelo para que poetas e músicos surgissem na igreja e compusessem
hinos. Mas foi um caminho difícil para que o povo realmente cantasse mais
e tomasse conta também do canto da liturgia. Algumas congregações, por
outro lado, passaram a assumir o canto congregacional já no século XVI,
mas a grande maioria deixou a condução da liturgia e do canto em geral
para o coro que era constituído pelos alunos das escolas.
A frequência aos cultos no século XVI pode nos escandalizar. Na primei-
ra hora, o Ofício da Palavra era conduzido pelo coro e poucos o assistiam.
Na segunda hora era o sermão. Era quando a maioria do povo entrava
na igreja. Neste, o povo cantava algo antes e após o sermão, que era em
torno de uma hora. Na terceira hora acontecia a celebração da Santa Ceia.
Mas, após o sermão, participavam da Santa Ceia somente os que haviam
feito sua confissão nas Vésperas do dia anterior e recebido a absolvição.
Por isso, era o momento que grande parte do povo saía da igreja e o canto
e liturgia eram novamente conduzidos pelo coro. Esta era a realidade da
época da Reforma, segundo Herl.
Mas, por que, segundo Herl, até então tínhamos a ideia de que já
Lutero teria revolucionado o canto congregacional com suas missas e
hinos? Herl explica o fato. Eruditos do século XIX tinham um alvo em
mente: reconstituir a antiga liturgia luterana e os hinos antigos no ofício
moderno. Este objetivo tornou-se ainda mais evidente com a publicação

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IGREJA LUTERANA

de Paul Graff Geschichte der Auflösung der alten gottesdienstlichen For-


men in der evangelischen Kirche Deutschlands (1937-1939). Graff, pastor
de Hannover, consultou um grande número de ordens de culto luteranas
com o objetivo de mostrar o declínio da liturgia luterana até o advento do
racionalismo no século XVIII. Herl nos faz ver que a tese de Graff faz sen-
tido se somente forem lidas as prescrições das ordens de culto da época,
mas não se consultar os que os visitadores, documentos locais e outros
documentos dizem também sobre como de fato o culto era conduzido.
Graff considerou que o culto luterano do século XVI era essencialmente
uma atividade congregacional, mas os relatos dos visitadores da época
mostram outra coisa. Esta conclusão de Graff foi assumida pelo influente
escritor da liturgia, o americano Luther Reed, que com seu livro The Lu-
theran Liturgy (1947 e revisado em 1960) espalhou a conclusão de Graff
nos Estados Unidos.
Interessante é verificar que nas igrejas reformadas do século XVI,
que praticamente proibiram o canto a mais vozes e também proibiram
os instrumentos, o canto congregacional fluiu desde o início mais do que
nas igrejas luteranas. Mas, depois, com a chegada do Pietismo, no final
do século XVII, que não dava muita ênfase à arte, o canto congregacional
teve um grande impulso também na igreja luterana. Finalmente, com o
uso cada vez mais frequente do órgão como líder do canto congregacional
e com a popularização de hinários, é que nos séculos XVII e XVIII a igreja
luterana realmente se tornou “a igreja que canta”.
As conclusões de Herl sobre o canto congregacional na igreja luterana
podem nos decepcionar e inverter o que até aqui tínhamos como certo.
Mas, suas conclusões são ponderadas, fundamentadas em relatos dos
visitadores da época e em documentos locais.

Raul Blum
Professor do Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS

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AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO


30 de novembro de 2014

Salmo 80.1-7; Isaías 64.1-9; 1 Coríntios 1.3-9;


Marcos 11.1-10 ou Marcos 13.24-37

CONTEXTO

Paulo iniciou seu trabalho missionário em Corinto no início da década


de 50. Começou seu trabalho com os judeus que ali estavam, mas sofreu
forte oposição de alguns e por isso decidiu anunciar o evangelho aos gen-
tios daquele lugar (At 18.1-6). Paulo permaneceu em Corinto “um ano e
seis meses” (At 18.11).
Depois de algum tempo, os cristãos de Corinto passaram por problemas,
divisões dentro da igreja. Os antigos costumes pagãos ainda influenciavam
a conduta dos coríntios convertidos e isto causava problemas dentro da
igreja. Paulo, então, precisa escrever para corrigir e conscientizar aqueles
cristãos sobre como viver cristãmente. Por isso, nesta carta, Paulo trata
de vários assuntos.
Esta carta de Paulo aos coríntios é muito atual, pois a igreja de hoje
passa por problemas muito semelhantes àqueles, como, por exemplo,
a influência do mundo dentro da igreja e as divisões em torno de lí-
deres. Por isso, Paulo precisa mostrar aos coríntios e a cada um de
nós que o importante é a mensagem, a palavra de Deus sobre Jesus,
o Salvador.

ASPECTOS DO TEXTO

Um primeiro aspecto que chama a atenção nesta perícope é: Por que


somente a partir do versículo 3, por que não os versículos 1 e 2? A divi-
são proposta, 1Co 1.3-9, não se mantém senão por razões homiléticas,
ou seja, arredonda o texto para a pregação. Nos versículos 1 e 2 Paulo
se identifica, mostrando de onde vem sua autoridade apostólica e indica
para quem está escrevendo. Começar a perícope pela saudação no v. 3
facilita o uso do texto para pregação.
O texto desta perícope encontra-se logo no começo da primeira carta
de Paulo ao povo de Corinto. Paulo começa com uma típica saudação e
oração. Isto é comum nas cartas de Paulo. É interessante que Paulo já
faz esta saudação e oração dentro do propósito geral da carta, ou seja,
já remete ao assunto que será tratado, a união e comunhão, santificação
e também de onde vem a graça e os dons, isto é, de Deus.

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IGREJA LUTERANA

Olhando para a perícope escolhida, Paulo faz uma inteligente saudação


(oração): ele logo recorre para a fé dos coríntios e lembra-os que Deus,
em sua graça, os chamou e abençoou ricamente com seus dons. Paulo
apela para o lado cristão, lembrando-os que estão unidos com Cristo Jesus
e, consequentemente, com seus irmãos na fé.

O TEXTO

V. 3: Esta é típica saudação paulina: “Graça a vós outros e paz, da


parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo”. Paulo não usa a sau-
dação comum da época “saúde”, como faziam os romanos, mas ele usa a
saudação para dar testemunho da sua fé.
Graça e paz, isto é, ação e reação. Graça e paz vêm de Deus, mas
podemos entender uma como ação ativa (graça) e a outra como uma con-
sequência (paz). A graça de Deus é para aqueles que não podem ter nada;
esta, então, traz a paz. Isto se torna mais interessante tendo em vista que
os coríntios estavam caminhando para uma certa autossuficiência, ou seja,
estavam deixando de lado a ação de Deus em suas vidas, por isso Paulo
é tão enfático ao afirmar que graça, paz, fé e dons vêm de Deus.

V. 4: O primeiro grande tema é a graça. Nesse versículo, Paulo não


deixa de reconhecer a graça de Deus presente na vida da comunidade de
Corinto, mas formula isso de tal modo que é inseparável da afirmação de
que essa graça é dada em Cristo Jesus: “a propósito da sua graça, que vos
foi dada em Cristo Jesus”. A graça de Deus nunca está separada de Jesus,
afinal, ele é a revelação desta maravilhosa graça. Aqui Paulo já trabalha a
ideia de que tudo vem de Deus. A grande questão desta carta é mostrar
aos coríntios e a todos os cristãos que tudo o que somos e temos vem de
Deus, por isso não há razão para nos gloriarmos.

V. 5: No versículo 5, Paulo mostra no que consiste concretamente essa


graça. Ele reconhece a presença da graça no fato da igreja de Corinto ter
sido, em Cristo, enriquecida em tudo. Essa riqueza manifesta-se em tudo
o que diz respeito à palavra (lógos) e ao conhecimento (gnôsis). Esses
conceitos ainda não têm aqui um conteúdo preciso. Isso ocorrerá apenas
no capítulo 8 e 12 da carta.
É interessante a expressão que Paulo usa: “fostes enriquecidos nele”
ou, na NTLH, “Por estarem unidos com Cristo Jesus, vocês foram enri-
quecidos”. Paulo mais uma vez coloca a ação em Deus; o ser humano é
totalmente passivo, é Deus quem age em Cristo Jesus. Toda riqueza, todo
dom, toda dádiva vem de Deus.

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PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO

Vv. 6,7: Nestes versículos Paulo lembra a fé que os coríntios recebe-


ram. Isto que Paulo faz é interessante, pois em vez de criticar e somente
apontar para aquilo eles estavam fazendo errado, Paulo lembra que eles
têm fé em Jesus e é por causa dessa fé que também não tem faltado
nenhum dom. Mais uma vez Paulo deixa claro: os dons não são por me-
recimento, mas pela fé.
Neste ponto podemos aprender muito com Paulo. Dentro das nossas
congregações, em vez de somente criticarmos uns aos outros, de res-
saltarmos o lado ruim, de apontar para os erros, vamos lembrar uns aos
outros da fé que nos foi dada pelo próprio Deus. Com certeza isso trará
muito mais motivação para o trabalho cristão. Para nós, pastores, vale
a pena lembrar aos congregados que “a mensagem a respeito de Cristo
está tão firme neles, que eles não têm deixado de receber nenhum dom
espiritual”. Assim como fez o apóstolo Paulo, vamos “apelar” para o lado
cristão de cada pessoa.
No final do versículo 7, Paulo ainda lembra a razão de terem recebido
os dons espirituais, “enquanto esperam a vinda do nosso Senhor Jesus
Cristo”. Isto tem um duplo sentido: os dons que recebemos servem para
nos manter firmes na fé até o fim, ou seja, até a volta de Cristo e também
para levarmos outras pessoas a terem esta mesma fé. Não usamos nossos
dons somente para nós mesmos, mas para que os usemos em prol das
outras pessoas, para que sejam salvas.

V. 8: Neste versículo Paulo dá uma linda certeza aos coríntios, que


certamente serviu de muito ânimo: “Cristo vai conservá-los firmes até o
fim”. Mais uma vez, a ação está em Deus: através de Jesus, serão conser-
vados. Isso se aplica a toda cristandade, somos passivos. Isso nos dá a
segurança de saber que não depende de nós, mas Deus está agindo e nos
cuidando. Ele nos conservará firmes na fé até o fim. Este “fim” pode ser
o fim da vida através da morte temporal ou a volta de Cristo. A garantia
é que seremos conservados!
Essa garantia de sermos conservados firmes até o fim tem um ob-
jetivo, isto é, para que no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo sejamos
irrepreensíveis (ARA) ou, não tenhamos culpa de nada (NTLH). Nova-
mente, este “não ter culpa de nada” está sujeito à ação de Deus em
nossas vidas. Por causa de Cristo e do que Ele fez nós somos conside-
rados irrepreensíveis, não somos culpados de nada e por isso podemos
entrar no céu.
O “Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo” se refere ao dia do juízo final. A
NTLH não muda esta expressão, somente explica dizendo “no dia da volta do
nosso Senhor Jesus Cristo”. É muito comum Paulo usar expressões deste tipo
para se referir ao dia do juízo final (1Co 5.5; 2Co 1.14; Fp 1.6; 2Ts 1.10).

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IGREJA LUTERANA

V. 9: Paulo termina a saudação afirmando, “Deus é fiel”. Por essa razão


o ser humano pode confiar em Deus. Algo interessante de notar aqui é
que Deus é fiel não ao ser humano, mas é fiel às suas promessas! É assim
que temos segurança: a fidelidade de Deus é baseada em suas promessas
e não no que nós fazemos.
Paulo ainda deixa claro que Deus nos chamou para que vivêssemos
com Ele em união com Cristo Jesus. É através de Jesus que temos acesso
a Deus. Paulo finaliza esta saudação enfatizando novamente a ação de
Deus, “fostes chamados”, e mostra de forma clara em quem se revela
de forma completa esta sua ação, isto é, em Jesus Cristo, nosso Senhor.

CONCLUSÃO

É evidente que a intenção de Paulo, com essa introdução, é agir de


forma pastoral e tratar dos problemas da igreja em Corinto. Paulo tem
recebido informações acerca da igreja que fundou e as informações são
preocupantes. Ele defende aqui uma justa compreensão do evangelho:
não é por apego à ortodoxia, mas por amor às pessoas e ao evangelho
que pode tornar a vida delas mais plena. Por isso, inicia esta carta mos-
trando a profunda riqueza da graça de Deus na vida da igreja, riqueza esta
que vem exclusivamente de Deus em Cristo. Paulo aponta para a riqueza
espiritual em posse da igreja na esperança de estimulá-la para que, em
humilde consciência da origem da riqueza, a administre bem.
Tendo em vista que este texto é sugerido para o Primeiro Domingo no
Advento, podemos afirmar que a ação de Deus em favor do ser humano
se mostra de forma completa na vinda de Jesus ao mundo, quando então
Deus demonstra que é fiel a suas promessas e resgata o ser humano de sua
miserável situação, dando a cada um de nós graça em abundância e paz.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Deus, em Jesus, age em favor do ser humano, enchendo-o


com seus dons e riquezas, para continuar firme até o fim.
Objetivo: Mostrar a ação de Deus em favor do ser humano. Deixar
claro que o ser humano nada pode fazer, senão colocar-se de forma passiva
diante de Deus. As expressões do texto “que vos foi dada”, “fostes enri-
quecidos”, “vai conservá-los” e “fostes chamados” demonstram claramente
isso. Afirmar aos cristãos que, em Jesus, Deus já agiu em nosso favor e
por isso somos seu povo, assim podemos viver a fé em nossa vida.

Carlos Henrique Weirich


Pelotas/RS
carlos.weirich@yahoo.com.br

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SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO
7 de dezembro de 2014

Salmo 85; Isaías 40.1-11; 2 Pedro 3.8-14; Marcos 1.1-8

CONTEXTO LITÚRGICO

Neste Segundo Domingo de Advento temos a oportunidade de nos


lembrar do Jesus que veio no primeiro Natal, do Jesus que vem até nós
hoje, em palavra e sacramentos, e do Jesus que prometeu que voltaria.
O Salmo 85.13 combina com o texto de Isaías 40 prometendo que sua
primeira vinda seria precedida de um preparo ou de alguém que teria a
função de preparar o caminho para a vinda do Salvador. O personagem do
evangelho é João Batista, mostrando que no tempo certo Deus cumpriu
a promessa de enviar aquele que prepararia o caminho para que o Sal-
vador viesse. O texto da mensagem está mais propriamente relacionado
com a volta de Cristo para o juízo. Quando acontecerá? Será que está
demorando?

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

O capítulo três da segunda carta de Pedro lembra e reforça a promessa


da segunda vinda de Cristo (vv. 1-7), explica a aparente demora (vv. 8-10)
e nos fala a respeito dos seus resultados práticos (vv. 11-14). Talvez seja
uma boa oportunidade para “trocar em miúdos” a volta de Cristo como
um assunto importante de nossa teologia escatológica e refletir sobre os
resultados de crermos desta forma para nossa vida cristã.
O texto dá a entender que a volta de Cristo envolverá grande destrui-
ção, mas não deveríamos entender que estas palavras significam completa
aniquilação. O próprio Jesus, em Mt 19.28, fala em “regeneração” ao
referir-se ao último dia. Pedro relaciona a volta de Cristo à “restauração
de todas as coisas”, profetizada “desde a antiguidade”.
A compreensão de que Pedro estaria descrevendo uma aniquilação
da criação contraria a doutrina da ressurreição, uma vez que o corpo que
temos voltará à terra de onde veio e voltará a ser nosso novamente, então
glorificado, no mundo que virá. A Bíblia afirma a permanência desta terra
quando promete sua posse futura a todos os salvos.
A passagem dos céus refere-se, por isso, à forma, não à substância;
a atual configuração contaminada pelo pecado humano dará lugar à per-
feição original ou a uma forma ainda mais gloriosa.
IGREJA LUTERANA

O termo “elementos” não deve ser entendido no sentido químico, mas


relacionado aos espíritos a quem os pagãos identificavam com determi-
nadas entidades materiais, adorando-as sob tais formas como a terra, a
água, o ar, o fogo e os corpos celestes.

Ideia para ilustração


É possível usar como ilustração introdutória a habitual demora na
entrega das obras da administração pública, apontando para os motivos
que podem levar a esta demora como a incompetência para realizar o
prometido, a corrupção de quem faz questão de tornar a realização da
obra mais difícil do que realmente é, para que seja possível desviar mais
recurso público, a falta de transparência na prestação de contas para a
sociedade, etc. (É importante lembrar-se de tomar cuidado para que a
ilustração não se torne ou aparente ser crítica partidária).

SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Tema: “Cristo voltará para restaurar”


I. Conforme Ele mesmo prometeu.
II. Ele não está demorando para cumprir esta promessa.
III. Precisamos estar preparados.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (DESENVOLVIMENTO)

Na parte I é possível lembrar-se da volta de Cristo como uma promessa


bíblica. Nesta altura, um exercício pode ser feito procurando nos textos
do domingo exemplos de que Deus sempre cumpre suas promessas. Por
exemplo: a promessa feita no Salmo no v. 13 é cumprida no envio de
João Batista. O texto de Isaías promete o fim da escravidão, promete que
o Senhor fará com que a escravidão tenha um fim.
Fazendo esse exercício, é possível concluir que o próprio Deus prometeu
que faria tudo isso e cumpriu cada uma das suas promessas. A partir deste
reconhecimento a respeito do passado, podemos olhar para as promessas
que ainda não foram cumpridas, como a promessa da segunda vinda de
Jesus: o Senhor prometeu voltar e, por isso, cumprirá a sua promessa. A
palavra de Deus continua valendo e nunca perde a validade.
Esta é uma boa oportunidade para refletir a respeito das promessas
de Deus (talvez criando um subcapítulo). É possível apontar para tantas
invenções humanas que são tratadas como se fossem promessas de Deus.
A teologia da prosperidade é cheia de exemplos. Posso citar estas “pro-
messas” e perguntar: “Deus promete realmente isso em sua palavra?”
Em contraste com isso, é preciso lembrar que Pedro inicia o nosso texto

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SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO

apontando para as promessas de Deus e lembrando que o cumprimento


de todas as promessas da Escritura está apenas em Deus e nunca no ser
humano. Nesse sentido o texto é, também, um convite para cada ouvinte:
“Olhe para as promessas de Deus!” Nesta altura é hora de falar a respeito
da volta de Cristo como uma promessa, que trará uma grande mudança
no universo.
Na parte II, podemos lembrar que, apesar da aparência de demora,
Deus não está demorando para cumprir sua promessa. O mundo, no qual
vivemos, além de não se importar, ainda nos questiona: “Onde está o seu
Deus que viria julgar?” “Porque ainda não veio?” Até nós mesmos, muitas
vezes, também nos perguntamos. Porque ainda estamos esperando? Por-
que Deus manda o recado da volta de Jesus com tanta antecedência?
E Deus responde estas perguntas com o nosso texto. O problema não
é incompetência, corrupção e falta de transparência... O plano de Deus
não deu errado. Deus, através de Pedro, nos avisa que nos últimos dias
se levantariam homens que ridicularizariam a ideia da segunda vinda do
Senhor, que sempre foi a esperança do cristão, e a demora foi motivo de
desânimo para alguns.
Esta também é uma boa oportunidade de refletirmos a respeito da
diferença entre a noção de tempo que nós temos, por vivermos submissos
ao chronos, e a perspectiva de Deus, que é o Senhor do tempo e não está
submisso a ele. Pedro cita o Salmo 90 para afirmar que a escala de tempo
de Deus é diferente da nossa e que o relógio dele não é o nosso relógio.
Depois de deixar claro qual não é o motivo da aparente demora de
Deus, Pedro aponta para a paciência, para a vontade e para o desejo de
Deus de salvar a todos como os motivos que o levam a “esperar mais um
pouco”. Da perspectiva bíblica, até a aparente demora de Deus é evange-
lho! A implicação é de que a demora se dá – na visão dos descrentes – por
impotência ou por falta de firmeza na execução do projeto de Deus. Mas
Pedro afirma que por trás da demora de Deus está a sua longanimidade.
Por isto Ele dá tempo para que a igreja trabalhe e para que os cristãos
testemunhem.
Deveríamos ser gratos por esta paciência. Não por causa própria, mas
pela salvação daqueles a quem nós ainda testemunharemos. Ele está
sendo paciente porque não quer que ninguém se perca.
Esta demora tem sua razão de ser no caráter e no propósito de Deus.
Qualquer aparente demora deve-se antes interpretar como oriunda de
compaixão misericordiosa. Sua demora é mais uma oportunidade de sal-
vação, e não sinal de esquecimento ou indiferença.
Na parte III destacamos que o texto nos lembra a necessidade de
estar preparados para a volta de Jesus. É importante lembrar que a palavra
de Deus não aponta para algo no ser humano quando fala a respeito deste

13
IGREJA LUTERANA

preparo. Pelo contrário, ela sempre aponta para a obra de Cristo, que nos
traz paz com Deus, nos declara “sem mácula” e, através da fé em Cristo,
nos considera irrepreensíveis. Por isso, esta preparação não depende do
que nós fazemos, mas depende do que Deus faz em nós, nos levando ao
arrependimento e à fé em Jesus.
Esta perspectiva do fim produz um poderoso efeito na vida e na conduta
do cristão. A fé de quem aguarda a vinda do Senhor não é de ociosa, mas
é ativa, vigilante e confiante. Nossa esperança é que o Espírito Santo use
nosso testemunho, nossa vida, nosso serviço, nossa boca... para trazer
ainda mais pessoas ao arrependimento e à salvação.

Arthur Dille Benevenuti


São Leopoldo/RS
abenevenuti@gmail.com

14
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO
14 de dezembro de 2014

Salmo 126; Isaías 61.1-4, 8-11; 1 Tessalonicenses 5.16-24;


João 1.6-8, 19-28

CONTEXTUALIZAÇÃO

O mundo geme e sofre. Nas ruas, a tristeza, a dor e o sofrimento são


cada vez mais visíveis. O povo, que vive em trevas, reclama, constante-
mente, da sua situação. O choro e o lamento nos fazem companhia dia
a dia. Diante disso, o Advento surge como um período que nos leva de
volta ao início, isto é, para o dia de Natal, que revela o Deus que veio e
habita no meio do Seu povo. O Advento é um período de preparação, ou
seja, período em que reconhecemos a necessidade da intervenção divina
e, assim, esperamos com intensa esperança, o dia glorioso de Natal, que
nos traz paz, vida e salvação através de uma simples criança, envolta
em fraldas e deitada numa manjedoura. Para tanto, a cor litúrgica para o
Advento é violeta se a ênfase for penitência e preparação, ou azul, se a
ênfase for esperança, sendo esta a receber destaque maior.
Nem sempre fica claro o porquê da espera da vinda de Cristo ao mundo.
Por isso, as Sagradas Escrituras nos direcionam para uma compreensão
sobre esse assunto. O salmo é um cântico de romagem que mostra a
imensa alegria do povo ao ter recebido ajuda do SENHOR quando tudo
parecia escuro: “Quando o SENHOR restaurou a sorte de Sião, ficamos
como quem sonha” (v. 1); e, ao mesmo tempo, ora: “Restaura, SENHOR,
a nossa sorte, como as torrentes do Neguebe” (v.4). Da mesma forma, o
profeta Isaías, no Antigo Testamento, fala sobre a ajuda que Deus dará ao
Seu povo, fazendo brotar justiça e louvor perante todas as nações. E, por
fim, João Batista, que batizava com água, endireitando o caminho para
o Senhor, falando da vinda dAquele do qual não era digno de desatar as
correias das sandálias – Jesus Cristo.
No entanto, nós sabemos que Cristo veio, nasceu, viveu e realizou Sua
obra redentora por nós, e que continua vindo, na Palavra e sacramentos.
A oração própria do dia confirma este foco ao dizer: “... pedimos que ou-
ças as nossas orações e ilumines as trevas dos nossos corações pela Tua
graciosa visitação...”. Entretanto, além do Advento nos fazer relembrar e
re-vivenciar o dia de Natal, dia após dia, também nos leva a aguardar a
segunda vinda de Cristo, quando voltará visivelmente para buscar o Seu
povo e levá-lo para os céus.
IGREJA LUTERANA

O aspecto que permeia todas as leituras deste dia, e que se destaca,


é a boa nova aos quebrantados, aos que estão algemados e em luto, aos
que estão angustiados e assolados, o que nos direciona para a epístola
em si.

O TEXTO – 1 TESSALONICENSES 5.16-24

Após ter dito aos tessalonicenses que deviam acatar, com respeito,
os que admoestam e trabalham em nome do Senhor, o apóstolo Paulo
deixa alguns ensinamentos, ou preceitos, para a vida cristã. A situação
do povo tessalônico era delicada. O cenário era de uma igreja com pro-
blemas e em dificuldades, com tensões internas, o que continua hoje nas
comunidades cristãs.
“Regozijai-vos sempre” (v.16). A ênfase de Paulo aqui não está na
alegria em si, mas sim na possibilidade do crente de regozijar-se sempre.
Tendo encontrado Cristo na manjedoura e visto a salvação humana, é
assim que o crente vive agora. A alegria faz parte. Não que agora viverá
sem sofrimentos; estes continuarão. Porém, o cristão se alegra na com-
panhia e auxílio divino que vêm até ele. O relacionamento íntimo que
o crente tem com Cristo capacita-o a lidar com decepções e tristezas,
enfrentando-as. E, ao passo que o cristão tem essa alegria, também pode
transmiti-la e consolar também outras pessoas com o “Emanuel”, que vive
no meio do Seu povo, dos desanimados e dos fracos. Em suma, a alegria
da vida cristã vem da oração respondida (v.17), e é expressada na forma
de gratidão (v.18).
“Orai sem cessar” (v.17). Este é um ensinamento comum nos escri-
tos de Paulo. O apóstolo não estabelece ou sugere dias e horários, mas
apenas diz para que os crentes orem sem cessar, ou seja, o cristão pode
manter, através da oração, uma comunhão íntima com Deus, seja falada
ou silenciosa. De que, nos tormentos, não está só, mas o próprio Deus
enxuga suas lágrimas e faz com que deite em paz e logo pegue no sono,
podendo interceder também ao mesmo tempo pelos outros. Através deste
meio de comunhão com Deus, os tessalônicos, bem como o povo atual,
podem enfrentar melhor as dificuldades que surgem.
“Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo
Jesus para convosco” (v.18). Por causa do Menino-Deus, os desanimados
são consolados, os fracos são amparados e o povo é salvo. Por isso Paulo
diz: “Em tudo dai graças...”. No grego aparece a expressão “evn panti,”,
que significa, literalmente, “em tudo”. Os crentes devem achar razão para
louvar e agradecer a Deus em qualquer situação (nas boas e nas más), a
todo tempo. Nos sofrimentos e nas adversidades, o crente sente alegria
por causa da sua comunhão íntima com Cristo que não pode ser derru-

16
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO

bada ou desfeita. Diante disso, até os sofrimentos passam a ser um bem,


ou seja, o cristão amadurece ao enfrentá-los, visto que precisa sempre
recorrer à manjedoura em Belém.
Assim, o apóstolo conclui seus preceitos sobre a vida cristã dizendo:
“... porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus”. Neste ponto, pode
haver o grave erro do pregador em interpretar que o cumprimento destes
preceitos é o que Deus requer daqueles que vivem em Cristo (obras), como
se fosse algo que precisássemos constantemente alcançar e realizar. O que
Paulo aqui diz é que estes ensinamentos e preceitos são o que Deus pos-
sibilita para o Seu povo através de Cristo (graça), que é a referência.
Este versículo, juntamente com os anteriores, forma um ciclo da vida
cristã, por assim dizer. Desfrutar da comunhão com Cristo através da
oração é algo que nos dá alegria, e assim o crente glorifica a Cristo (ações
de graças). Por sua vez, Lutero escreve: “Há muitas pessoas que, embora
tenham apenas um bocado de pão e um coração que Deus pode encher,
são felizes e mais satisfeitas do que qualquer príncipe ou rei.” (OS 9, 35).
Em suma, Deus pretende que Seu povo seja feliz, porque esta é a Sua
vontade, conforme Pv 9.7-9. Em resposta, o cristão apenas dá graças.
“Não apagueis o Espírito” (v.19). Paulo pede que o fogo do Espírito,
outrora dado aos crentes, não seja extinguido. Também, que os frutos
do Espírito, como amor, mansidão, alegria, continuem sendo exercidos
de uns para com os outros. A nova vida cristã continua sendo explanada
neste capítulo final. Havia dissensões dentro da comunidade tessalônica.
Diante disso, o apóstolo é enfático: “Não apagueis o Espírito”. E esta ênfase
continua ressoando nos dias de hoje.
“Não desprezeis as profecias” (v.20). Após ter dito para que não fos-
se apagado o Espírito, Paulo pede para que não sejam desprezadas as
profecias. Embora possamos achar que o apóstolo pudesse estar falando
aqui de revelações ocultas, ele fala, no entanto, que o profeta “fala aos
homens, edificando, exortando e consolando” (5.12-14). Em outras pa-
lavras, Paulo diz para que sejam acatados e respeitados, com apreço, os
que trabalham e presidem no Senhor.
Entretanto, assim como nos tempos atuais, havia algumas pessoas em
Tessalônica que se diziam profetas, mas que ensinavam doutrinas dife-
rentes. Por isso, Paulo diz: “Julgai todas as coisas, retende o que é bom;
abstende-vos de toda forma do mal” (vv. 21,22). O profeta em nome do
Senhor é aquele que exorta, consola e edifica em Cristo, não aquele que
tão-somente fala em outras línguas sem qualquer capacidade para fazê-
lo. Quanto a isso, o apóstolo João também adverte em sua carta (4.1-3).
Atualmente, são muitas as vozes de profetas que ecoam com força. Pau-
lo, portanto, pede que sejam julgadas todas as coisas e retido o que é
bom, segundo os ensinamentos e doutrinas cristãs já transmitidas para

17
IGREJA LUTERANA

as congregações. Ao passo que também pede para absterem-se de toda


forma de mal. Tanto para abster-se de fazer o que é mau como também
em manter distância de ensinos malignos que são atribuídos como sendo
do Espírito.
Dito isto, Paulo fecha e encerra seus preceitos ao povo tessalônico
orando: “o mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espí-
rito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vida
de nosso Senhor Jesus Cristo” (v.23). Cristo já veio no glorioso Natal e
santificou a todos com a Sua obra na cruz. Isso quebra toda e qualquer
intenção de salvação por obras. Por isso, os cristãos agora vivem uma
nova vida. No entanto, Paulo pode estar pensando também no retorno
de Cristo, ao ponto de dizer que os tessalônicos conservem-se íntegros
e irrepreensíveis, tanto na parte espiritual (em relação a Deus), como
na sua alma (personalidade e emoções) e no corpo (mediante o qual o
homem age e se expressa), em suma: o todo. “Fiel é o que vos chama, o
qual também o fará” (v.24). Deus nos chamou para ser o Seu povo; dEle
é que vem a nossa salvação. Ao nascer, viver e morrer por nós, passa-
mos a ter uma nova vida, onde as dificuldades e dores são enfrentadas e
vencidas. E, assim como Deus nos chamou no estábulo em Belém, e nos
santificou, assim também continuará nos guardando, nos santificando
em tudo, pois é fiel e cumpre as Suas promessas. Portanto, o crente vive
uma nova vida, pois estávamos perdidos, mas fomos achados. Estávamos
mortos, mas revivemos.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Assunto: A nova vida que temos em Deus.


Objetivo: Apontar para a vida do cristão: a comunhão com Deus e
a alegria que faz parte desta vida. E as consequências disto para com o
próximo.
Tema: A nova vida está presente:
Desdobramentos: Na alegria (v.16);
Na comunhão com Deus (v.17);
Nas ações de graças para com Deus e o próximo (v.18).

Charles T. da Rocha
Santa Maria de Jetibá/ES
charles.tailor.da.rocha@hotmail.com

18
QUARTO DOMINGO NO ADVENTO
21 de dezembro de 2014

Lucas 1.26-38

Nota: Contexto e análise do texto: ver Igreja Luterana, vol. 49, nº 2, ano 1990.

INTRODUÇÃO

Um jornalista disse: “Um fato é como um saco - só fica em pé quando


está cheio”. Pode nossa vida do dia a dia, agitada com a preparação do
Natal, ser enchida com extraordinários significados? A experiência de Maria
responde com um forte sim. Ela mostra-nos o que acontece

QUANDO O COMUM TORNA-SE EXTRAORDINÁRIO

I. Quando Deus providencia tudo.


A. Deus providenciou Jesus Cristo no mistério da encarnação
(v. 31).
B. Deus providenciou Jesus Cristo na sua morte e ressurreição
(v. 31; Mt 1.21).
C. Deus providenciou na Escritura Sagrada um registro do seu amor
em Jesus Cristo (2 Pe 1.21). Deus usou o anjo para anunciar a
Boa Notícia, o Evangelho!
A virgem Maria experimentou a total providência de Deus. De uma
humilde Galileia, ela tornou-se o embrião dos sonhos e da esperança de
toda a humanidade: “Foi concebido pelo Espírito Santo”. Maria, também,
ilustra a maravilha de receber um grande privilégio em sua “insignificância,
humildade, pobreza e inferioridade”. (Lutero)

II. Quando Deus capacita-nos a recebermos o que ele provi-


denciou.
A. Somos tentados a perder-nos no comum (v. 34).
1. Muitas vezes queremos transformar as dádivas de Deus em
nossas realizações.
2. Muitas vezes queremos limitar as dádivas de Deus de acordo
com os nossos padrões.

B. O reconhecimento do extraordinário necessita de aceitação (v. 38)


1. Como Maria que creu na missão salvadora de Jesus (v. 37).
2. Essa missão salvadora preencheu e satisfez a sua vida (v. 37).
IGREJA LUTERANA

C. O reconhecimento do extraordinário necessita de uma resposta


(v. 38).

CONCLUSÃO

Deus ainda muda o comum em extraordinário? Simples água, pão e


vinho, palavras num livro (Bíblia), corpo e sangue, isso tudo são coisas
comuns, mas transformadas em extraordinárias por Deus!
As palavras do anjo Gabriel: “Para Deus não haverá impossíveis” ainda
permanecem verdadeiras. Pode Deus preencher a nossa vida do dia a
dia com seu significado extraordinário? Em Jesus Cristo a resposta é SIM:
ontem, hoje e para sempre! Nossa “contribuição” para este milagre? A
alegre resposta da fé, que exclama: “Deixe isso para mim conforme tua
Palavra!”

Osvino Vorpagel
Indaial/SC
ielbindaial@hotmail.com

20
DIA DE NATAL
25 de dezembro de 2014

Hebreus 1. 1-6

CONTEXTO HISTÓRICO

Uma informação histórica importante é encontrada no final da carta,


capítulo 13, versículo 24. O público a quem é escrita a carta estava so-
frendo perseguição por causa de sua fé. Por causa da perseguição, muitos
estavam abandonando o cristianismo e voltando para o judaísmo. Por isso,
a carta dá ênfase à pessoa de Cristo, à relação que há entre a pessoa de
Cristo e os sacrifícios do AT. Estas pessoas são uma segunda geração do
cristianismo e moravam na Itália, conforme o capítulo 13, versículo 24.

ALGUNS DESTAQUES DO TEXTO

V. 1: “Por muitas vezes e de muitas maneiras” Deus tem falado com


os pais. Ao olhar, no AT, a forma como Deus se comunica com seu povo,
pode-se notar que Deus sempre falou por meio de alguém. Por exemplo:
Moisés. No entanto, a maneira de Deus comunicar-se com seu povo mu-
dou. O texto usa o adjetivo pa,lai para mostrar isso. Palai – há muito
tempo.
lalh,saj – ac. fem. pl., part. pres. at. de lalew – tendo falado. Este
verbo no particípio está ligado ao verbo ~ela,lhsen (3ms. aor. ind. at.), no
verso seguinte, indicando que o “tendo falado” aconteceu antes do “falou”.
Ou seja, primeiro Deus falou por meio dos profetas e depois Deus falou
por meio de Cristo. Esta análise é importante porque estes cristãos estão
sofrendo perseguição por parte dos judeus, e por isto o autor deixa bem
claro que naquele tempo – no AT – Deus falou pelos profetas, neste outro
tempo – NT – Deus falou por meio de Cristo.

V. 2: Aqui aparece outra característica onde o autor coloca Cristo no


centro. Uma vez que os judeus tinham dificuldades em lidar com a pes-
soa de Cristo, e por isto perseguiam os cristãos, o autor destaca a forma
como Deus fez as coisas por meio de Cristo. Em Jo 1.1ss. está registrada
a criação do mundo por meio do Verbo. Aqui é feita a mesma referência:
“Por quem também fez os séculos”.
E;qhken – 3ms. aor2. ind. at. de ti,qhmi – constituiu, colocou, esco-
lheu. Este verbo mostra que Deus, em sua sabedoria, constituiu e/ou
IGREJA LUTERANA

escolheu Cristo para determinada obra, a saber, criar o mundo, morrer


na cruz, fazer expiação pelos pecados. Sendo que os anjos devem ser
deixados onde Deus os colocou. Há uma separação entre a obra que
Cristo foi enviado para fazer e ao que os anjos foram enviados para
fazer. “Herdeiro de todas as coisas”, possivelmente também dos anjos,
pois estes também são criaturas de Deus, criados por meio do Verbo.
“Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do
que foi feito se fez” (Jo 1.3).

V. 3: “Expressão exata do seu Ser”. Neste tempo Deus se revela em


Cristo. Esta é uma dificuldade que os judeus tinham em relação à pessoa
de Cristo. Em Jo 10.30, Cristo afirma: “Eu e o Pai somos um”. Esta afir-
mação é uma blasfêmia para os líderes religiosos, uma vez que eles não
creram em Cristo, o Filho de Deus. Ao enviar seu Filho, Cristo Jesus, Deus
revela sua vontade para com a humanidade, a saber, salvar e perdoar o
homem pecador por meio da obra de Cristo na cruz.
Kaqapismo.n – ac.ms.sg. de Kaqapismo.j – purificar, limpar, purificação.
É uma purificação religiosa, ligada à purificação com fins de tornar a pes-
soa digna de participar do culto. Por exemplo: a lepra. Visto que a lepra
era considerada uma impureza, a pessoa ficava impedida de participar
do culto, precisava ser purificada. Esta obra de purificação Cristo realizou
em favor do ser humano que está impuro por causa do pecado. Para que
um pecador se apresente diante de Deus, precisa ser purificado, isto é,
precisa ser perdoado por Cristo para então estar em paz com Deus.
Poihsa,menoj – nom. ms. sg., pat. aor. méd. de poie,w – tendo feito.
Este verbo está ligado ao verbo e;kaqisen – aor. ind. at., 3ms. de kaqizw
– sentou-se. A ligação destes dois verbos mostra o seguinte: antes de
Cristo assentar-se à direita do Pai, ele realizou a obra da purificação dos
pecados, isto é, morreu na cruz para perdoar e salvar a humanidade peca-
dora. Antes de Deus, o seu Pai, fazê-lo herdeiro do nome mais excelente,
Cristo realizou obra de purificação dos pecados. Obra esta não coube a
nenhum anjo realizar, mas somente o Cristo, o Filho Unigênito enviado
pelo Pai. Deus enviou Cristo para realizar esta obra e o autor deixa isso
bem claro. De fato, antes de ele ter sentado à direita do Pai, esta obra
foi realizada.

V. 4: Dois verbos importantes ligados à obra de Cristo neste verso são:


geno,menoj – nom. ms. sg., part. pres. pas. de genomai – tendo-se tornado.
Por se encontrar no passivo, o verbo mostra que Cristo sofreu uma ação.
Isto é, por tudo o que ele passou e sofreu, a morte e a ressurreição o
tornaram mais excelente do que os anjos: tornaram-no herdeiro. Foi por
meio de tudo o que passou que se tornou superior aos anjos e herdeiro
sentado à direita de Deus.

22
DIA DE NATAL

Keklhrono,mhken. O tempo deste verbo no perfeito nos mostra o re-


sultado desta obra e/ou o estado que Cristo se encontra sentado à direita
do Pai, isto é, “de herdeiro e superior a todas as coisas”.
Keklhrono,mhken – perf. ind. at., 3ms de klhrono,me,w – tendo herdado.
O resultado que segue pela obra que Cristo realizou é o de ser ele herdeiro
e superior aos anjos. Isto é, no estado em que Cristo se encontra, tendo
realizado a obra para a qual Deus o enviou, é herdeiro e com o nome
superior a todos os anjos, inclusive superior ao diabo. Pois com sua morte
e ressurreição, Cristo tornou-se vitorioso sobre o diabo e o pecado. Os
versos seguintes tratam de aspectos que diferenciam Cristo dos anjos.
Por que este texto está sugerido para o dia de Natal? O fato é que o
texto apresenta Jesus Cristo e, junto, toda a obra que Deus realizou por
meio dele, desde a criação do mundo, seu envio ao mundo, seu sacrifício
na cruz e agora sentado à direita do Pai.
Hoje encontra-se presente em algumas teologias a proposta de um
Jesus Cristo diferente deste que o autor apresenta. Cristo é apresentado
apenas como aquele que cura, que faz prosperar e tantas outras propos-
tas que se ouve. O que também não deixa de ser uma perseguição para
com a igreja cristã.
Também pode-se encontrar pensamentos teológicos que se baseiam e
fundamentam em aspectos do AT, não depositando a fé na obra e sacrifício
de Cristo. Da mesma forma, confrontam com o pensamento cristão, que
baseia sua fé unicamente na obra e pessoa de Cristo.
O grande ensinamento deste texto é que Deus em sua sabedoria es-
colheu um plano para salvar a humanidade. Durante o passar do tempo, a
promessa de Deus foi se aproximando e, com isso, Deus muda a maneira
de se comunicar com seu povo. Primeiro pelos profetas, mais tarde por
meio de Cristo. Assim também a purificação dos pecados. Primeiro pelo
sacrifício oferecido pelo sacerdote, depois, de uma vez por todas, pelo
sacrifício de Cristo.
Cristo, sentado à direita do Pai, se encontra no estado de Salvador.
Aquele para quem o pecador pode erguer seus olhos e nele encontrar o
perdão de seus pecados, vida e salvação. Com o realizar da obra que o
Pai o enviou para fazer, acabada esta obra, Deus o coloca à sua direita
tornando-o maior do que todo o nome e acima de todas as coisas. Portanto,
Cristo está acima dos anjos, do diabo, do pecado e da morte. E, crendo
nele, junto com ele, também nos tornamos vitoriosos sobre o diabo e o
pecado. Esse Cristo, que Deus, o Pai, tornou tão majestoso, nasceu!

Erno Maas
Igrejinha/RS
ernomaas@yahoo.com.br

23
PRIMEIRO DOMINGO APÓS NATAL
28 de dezembro de 2014

Salmo 111; Isaías 61.10-62.3; Gálatas 4.4-7; Lucas 2.22-40

TEXTOS E CONTEXTO

O assunto principal de Paulo na carta aos gálatas é conhecido: “Cristo


nos libertou para que nós sejamos realmente livres. Por isso, continuem
firmes como pessoas livres e não se tornem escravos novamente” (5.1).
A dificuldade encontrada por Paulo com os gálatas é a mesma que hoje se
encontra em várias igrejas, de várias denominações, inclusive na igreja
luterana: a batalha entre a verdadeira religião da fé em Cristo, o Evan-
gelho, e a falsa religião das obras da Lei. Portanto graça x obras. Não é
surpresa que Lutero, tendo vivido e enfrentado esta mesma luta, chamou
essa epístola de sua Catarina, carta com a qual tinha noivado!
Versículos como 3.2,3 (NTLH) mostram que esta é mensagem de Paulo.
Neles, o apóstolo questiona a igreja da Galácia não somente sobre quem
os colocou na fé, mas também quem os mantém: o Espírito de Deus e
não as suas próprias forças, ou seja, entrada e permanência dependem
exclusivamente de Deus: “Como é que vocês podem ter tão pouco juízo?
Vocês começaram a sua vida cristã pelo poder do Espírito de Deus e agora
querem ir até o fim pelas suas próprias forças?” (3.3). O texto em ques-
tão, por sua vez, traz o único meio e aquele pelo qual os gálatas, e toda
a humanidade em todos os tempos, são resgatados da escravidão da lei e
tornados filhos e herdeiros de Deus (4.7). Paulo deixa claro em versículos
anteriores que somente pela fé em Cristo todos são herdeiros daquilo que
Deus prometeu (3.26, 29), pois “as Escrituras afirmam que o mundo inteiro
está dominado pelo pecado, e isso para que as pessoas que creem recebam
o que Deus promete aos que têm fé em Jesus Cristo” (3.22). Aqui cabe
a pergunta: herdeiro do quê? O capítulo três mostra que o ser humano é
tornado filho e herdeiro da salvação que já havia sido prometida a Abraão
e também recebida por ele a partir da fé em Cristo. Versículos como 17 e
18 e novamente o 22 do capítulo 3 mostram que a lei não pode quebrar
a promessa feita por Deus, nem tomar o lugar dela, mas ela tem o papel
de conduzir os pecadores a esta salvação em Cristo.
No tempo litúrgico, a leitura está inserida logo após o nascimento de
Jesus, quando veio a “plenitude do tempo” ou chegou o tempo escolhido
por Deus. Neste primeiro domingo após o Natal já se lê e se ouve por que
Cristo foi enviado. É o que afirma Ana no texto do evangelho quando fala
PRIMEIRO DOMINGO APÓS NATAL

do menino que é a redenção de Jerusalém (Lc 2.38) e a certeza que tem


Simeão de uma morte em paz porque seus olhos viram a salvação (Lc
2.29). O Salmo e o profeta falam e apontam para esta mesma alegria,
quando o Deus Salvador estabeleceu para sempre a sua aliança (Sl 111.9)
de redenção ao enviar o Filho Salvador cobrindo os escravos da lei de
vestes de salvação (Is 61.10) e os tornando herdeiros junto com o Filho
e por causa do Filho, que é a coroa de glória na mão do Senhor (Is 62.3).
Além disso, pode-se estabelecer pontes/contatos interessantes entre os
textos através de palavras-chaves como: herdeiro (Gl 4.7), herança das
nações (Sl 111.6) e todas as nações (Is 61.11 e Lc 2.31).

CONSIDERAÇÕES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM E PONTOS


DE CONTATO

V. 4: “...Deus enviou seu Filho, vindo de mulher, vindo sob a lei...” – Cha-
ma atenção o verbo usado por Paulo. Ele não diz nascido, mas γενόμενον
– tornado. Usa duas vezes: de mulher e sob a lei. Paulo afirma que quando
chegou o tempo escolhido por Deus, o Filho de Deus não começou a existir,
mas se tornou o que antes Ele não era: o Deus homem. Ele não começa a
existir no momento do seu nascimento, mas o Filho de Deus, que sempre
existiu, se torna homem. Sendo o Deus homem, Ele pode realizar o que
ninguém conseguiria fazer: sofrer os castigos da lei, cumpri-la perfeitamen-
te e assim libertar/resgatar a humanidade. É nesse sentido que Paulo usa
pela segunda vez o verbo γενόμενον, o Filho de Deus que não estava sob
a lei, obedecendo ao Pai e por vontade própria se colocou debaixo da lei
igualando-se aos homens e resgatando os que por si mesmos não tinham
nenhuma condição de sair do estado de condenação.

V. 5: “...sob a lei... adoção de filhos...” – Jesus se colocou junto com os


que estavam debaixo da lei. Isso significa que os efeitos da lei que os seres
humanos sentem, foram também sentidos por Jesus. Porém toda a con-
denação e o castigo que a lei traz, ao invés de cumprir-se no ser humano,
foi, efetivamente, cumprida em Jesus. O pastor Paulo F. Flor assinala isso
muito bem em seu livro A epístola aos Gálatas – Um comentário, pág. 139:
“Ele não apenas se tornou homem, sujeito à obediência, mas ele se tornou
maldição em nosso lugar. Ele fez da nossa condenação a dele mesmo. Ele
tomou sobre si não apenas a nossa condição humana, mas também a nossa
responsabilidade como homens pecadores. É nisso que está a sua obra como
nosso Redentor, pois é nesse aspecto que a medida, ou melhor, a imensidade
de seu amor é vista.” Lembrando Isaías: era a iniquidade da humanidade que
Ele estava carregando (Is 53.5). Isso tem um significado fundamental quando
se nota que as culpas, medos, frustações e tormentos que cada ser humano
carrega de forma particular em sua vida foram suportados todos por Jesus

25
IGREJA LUTERANA

que, de uma vez por todas e por todos, se colocou obedientemente sob a
lei e sob a cruz. E isso com um objetivo: a fim de que todos sejam tornados
filhos. Dentro do contexto bíblico, o uso de Paulo desta figura escravo-filho
tem significado importante. Ser adotado como filho era o desejo e sonho de
qualquer escravo. Nesse contexto, Paulo afirma que o ser humano é resga-
tado da escravidão da lei e tornado filho de Deus: sem riscos de castigo e
condenação, mas filho amado de um Pai amoroso.

V. 6: “Espírito do seu Filho que clama: Pai, meu Pai.” – Uma das tarefas
do Espírito Santo é fazer a humanidade orar (Rm 8.26). Orar e clamar são
atitudes que o Espírito Santo faz no homem. É tirar os olhos de si mesmo
e olhar para fora, para aquele que pode resolver o problema que o próprio
ser humano criou e não pode resolver!
Este clamar tem um caráter de certeza do amor de Deus. É o pedido
que brota de um coração que sabe que não é mais escravo e que não
pode mais ser condenado ou acusado pelo diabo, mundo e carne, pois se
encontra junto com Cristo.

V. 7: “...herdeiro através de Deus.” – Novamente não é o ser humano que


merece ou faz para merecer, mas como a palavra diz: o ser humano herda,
ganha, recebe aquilo que não era seu, mas que, em Cristo, agora é.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: De escravos para filhos e herdeiros.


Pergunta: Se pudesse escolher entre ser escravo, filho ou herdeiro,
qual escolheria?
a. Lei: Contrariando a vontade humana, Paulo revela que o homem
é escravo.
- Escravos de quem? Da lei. Mostrar as suas duas funções: 1)
acusar, mostrar o erro, condenar e matar, deixando o ser humano
sem escolhas, e então 2) apontar para Cristo (Gl 3.25).
b. Evangelho: A condenação e o castigo da lei que seriam do ser
humano são colocados e tomados por Jesus que se colocou sob
a lei. Cumprindo-a com perfeição, suportando este sofrimento,
libertou os homens do seu destino.
c. Evangelho: O Espírito do seu Filho faz o ser humano clamar: Pai,
meu Pai! É a certeza do amor e do perdão. Herdeiro da salvação
em Jesus Cristo.

Marcos Daniel Weirich


Serra/ES
mdweirich@gmail.com

26
VÉSPERA DE ANO NOVO
31 de dezembro de 2014

Salmo 90.1-12; Isaías 30. (8-14) 15-17; Romanos 8.31b-39;


Lucas 12.35-40

LEITURAS

Salmo 90.1-12: O Salmo 90 é o primeiro do quarto livro do Saltério.


É um Salmo composto por Moisés. As objeções contra sua autoria são
fracas. Lutero aponta “que é um Salmo didático e nos ensina a respeito
da origem da morte, a saber, que é consequência do pecado que só Deus
conhece completamente”.
O Salmo começa dizendo: “Senhor, tu tens sido o nosso refúgio de
geração em geração”. O Salmo 46 também expressa a mesma ideia: “Deus
é nosso refúgio e fortaleza” (v.1). Uma expressão que aponta para um
Deus presente na vida do ser humano. Neste Deus temos refúgio, consolo
e proteção. Este Deus acolhe em seus braços a todos nós. Além disso, esse
primeiro versículo é uma invocação ao Deus Criador, Onipotente e Redentor
em Cristo. “Geração em geração” nos lembra o cuidado de Deus ao seu
povo no passado. Moisés recorda isso, o Deus fiel que não desamparou
seu povo amado, mas que sempre esteve ao seu lado, desde quando o
criou, inclusive não o deixou desamparado após a queda em pecado.
Podemos ver melhor isso no v. 2, “de eternidade a eternidade tu és
Deus”. A NTLH traduz como “tu és Deus eternamente, no passado, no
presente e no futuro”. E assim, depois de apontar para aquele que é fiel
e justo, Moisés mostra qual é a realidade do ser humano a partir do v.
3: “tu reduzes o homem ao pó”. Somos lembrados de Gênesis 3.19: “no
suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste
formado; porque tu és pó e ao pó tornarás”. Nada mais vemos senão um
ser humano frágil, cuja vida é limitada. Ao contrário disso, vemos um Deus
que é eterno e é Senhor da vida e da morte. O mesmo Deus que criou o
homem é o mesmo que o faz voltar à sua origem – ao pó.
Os vv. 5 e 6 esclarecem melhor ainda esta ideia. A vida humana é
passageira, somos peregrinos nesta terra. O vigor do ser humano perma-
nece por pouco tempo, “murcha e seca” (v. 6). A morte nada mais é do
que a consequência desastrosa do pecado. “Diante de ti puseste nossas
iniquidades e, sob a luz do teu rosto, os nossos pecados ocultos”. O salário
do pecado é a morte, diz Paulo (Rm 6.23). A morte não é coisa natural.
Deus mesmo destrói, na sua ira, o que antes havia criado. Na verdade,
IGREJA LUTERANA

a morte é um juízo de Deus. Assim, a morte é a prova constante da pe-


caminosidade humana. A duração da vida humana já não é o que era no
começo e o ser humano foge dessa realidade.
No calendário litúrgico celebramos a Véspera do Ano Novo. Ainda
lembramos das celebrações do Natal, onde vemos a bondade de Deus
em ter enviado a este mundo frágil e carente, cuja vida é limitada, Seu
Filho amado, Jesus Cristo. Portanto, cabe enfatizar esta misericórdia a
cada dia, a cada culto, lembrando sempre das palavras da temática deste
Salmo: Deus é eterno, o ser humano é frágil e carece da misericórdia do
Deus eterno.

ISAÍAS 30. (8-14) 15-17

O cap. 30 de Isaías está inserido dentro de um contexto onde os filhos


de Judá foram buscar auxílio junto a Faraó, no Egito. A estes o SENHOR
diz: “Ai dos filhos rebeldes” (v.1). Esses “filhos rebeldes” haviam feito
aliança com o Egito e acreditavam estar seguros diante das ameaças da
Assíria, apesar de todas as advertências anteriores feitas por Isaías. En-
tretanto, quando a situação ficasse apertada, o Egito jamais se moveria
“pois quanto ao Egito, vão e fútil é o seu auxílio” (v.7), deixando, assim,
os assírios invadirem Judá (caps. 37-38). Quem o salvaria no final seria
Deus, aquele em quem não queriam confiar (30.9-12).

LUCAS 12.35-40

No texto do evangelho do dia temos duas parábolas. Os vv. 35-38 nos


mostram servos à espera de seu senhor nas festas de casamento, senhor
que pode vir a qualquer momento. Já a segunda parábola é a parábola do
ladrão que invade uma casa de surpresa. Ninguém sabe o dia nem a hora
que ele chega. Se soubesse, esperaria e não deixaria roubar sua casa.
Na verdade, o que ambas querem mostrar é a necessidade da vigilância.
A primeira aponta que senhor das festas de casamento pode vir a qualquer
momento, pode até demorar um pouco, quem sabe ele vem na segunda
ou terceira vigília da noite. Talvez essa demora deixa os servos cansados,
razão pela qual a segunda parábola reforça essa ideia, mostrando que o
senhor da festa pode vir a qualquer momento, assim também como um
ladrão que vem num momento em que ninguém está esperando.
A pergunta é: o que Jesus quer nos ensinar através dessas parábolas?
Na primeira parábola temos uma grande surpresa: os servos estão
aguardando seu senhor, estão esperando por ele, prontos para atendê-
lo e servi-lo quando ele chegar. No entanto, acontece o inverso, aquilo
que não esperávamos. É o senhor das festas que os serve: “Eu afirmo a

28
VÉSPERA DE ANO NOVO

vocês que isto é verdade: o próprio patrão se preparará para servi-los,


mandará que se sentem à mesa e ele mesmo os servirá”. Há uma inversão
de valores aqui. Não somos nós que servimos a Deus. Por nossa própria
vontade estamos afastados do senhor dessa festa de casamento. É Deus
quem nos serve através de Jesus Cristo, o Senhor da festa.
Por nossa própria vontade jamais estaríamos preparados para receber
o senhor dessa festa de casamento. A boa nova do evangelho nos mostra
um ângulo diferente de ver a misericórdia de Deus. É Deus mesmo que
nos prepara a estarmos vigilantes, que é na verdade perdoando nossos
pecados e nos concedendo vida e salvação em Cristo. Ele faz isso porque
Ele é “refúgio de geração em geração”.
Assim, o “Filho do Homem” do qual é para estarmos prontos e vigilantes
é o próprio Salvador Jesus que estamos esperando.
Ao invés de apenas apontar a espera do Filho do Homem que virá das
nuvens em glória e poder, seria oportuno enfatizar que o Filho do Homem já
veio e nos serviu e nos serve diariamente com Sua Palavra e sacramentos,
perdoando nossos pecados e concedendo inúmeras bênçãos a cada dia.
Ele faz isso porque é “refúgio de geração a geração... de eternidade a
eternidade ele é Deus” (Sl 90. 1,2). Desta forma aprendemos a ver a vida
de forma diferente; mesmo sabendo que ela é limitada, vemos um Deus
que é refúgio e misericórdia, vem ao nosso encontro e nos serve com o
melhor banquete: Jesus Cristo.

TEXTO PARA O SERMÃO – ROMANOS 8.31b-39

A temática do capítulo 8 aborda a ação do Espírito Santo. Especial-


mente dá ênfase à obra de Cristo “porque a lei do Espírito da vida, em
Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte”. Lembrando que o
Salmo do Dia remete ao tema da morte, seria oportuno enfatizar que
o “antídoto” para a morte é o próprio Espírito Santo. Este é o papel do
Consolador.
O ser humano geme e grita diante da morte. Entretanto, temos o
Espírito Santo como o primeiro presente que recebemos de Deus. Além
disso, o próprio Jesus intercede por nós (Rm 8.34). Cristo pede em fa-
vor de nós. Somos declarados justos diante de Deus por causa da obra
de Cristo. O cap. 8 de Romanos, quem sabe, seja o auge daquilo que
Paulo vem tratando desde o início da carta. Assim, após fazer toda uma
explanação sobre Adão e Cristo, lei, pecado, morte, ele diz: “nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. Somente assim po-
demos dizer da perícope proposta para o dia: “Se Deus é por nós, quem
será contra nós?” Este é o Deus que está ao nosso lado, nos cuidando e
estendendo seu perdão em Cristo a todos os que estão perdidos e aflitos
em seus muitos pecados.

29
IGREJA LUTERANA

E por que isso? Porque Ele “não poupou o seu próprio Filho, antes,
por todos nós o entregou, porventura, não nos dará com ele todas as
cosias?” (Rm 8.32)
O verbo usado aqui é paradi,dwmi (entregar uma pessoa ao domínio de
alguém outro, envolvendo a entrega de uma pessoa supostamente culpada
para que seja punida pelas autoridades, ou a entrega de um indivíduo
aos inimigos que, supostamente, se aproveitarão da vítima de forma in-
devida – “entregar, trair”). Aponta especialmente a morte de Cristo por
crucificação “o Filho do Homem será entregue (paradi,dwmi) nas mãos dos
homens, e o matarão” (Mc 9.31). Ou seja, ali se deu o maior ato do amor
de Deus em favor da humanidade – seu próprio Filho. Paulo ressalta bem
esse ato de Deus em favor da humanidade.
Num primeiro momento deve ser ressaltado que se Deus não poupou
seu próprio Filho, fica evidente também o quanto é grande a ira de Deus
para com o pecado. Alguém teve de pagar o preço por isso – Jesus – não
foi com ouro ou prata, mas foi com seu santo e precioso sangue.
Conectando os textos do dia para a data proposta, seria oportuno
apontar o Deus presente na vida do ser humano. Podemos fazer isto
mencionando o cuidado divino ao longo da nossa existência, lembrando
ainda do ano que passou. Da mesma forma Deus estenderá seu cuidado
em mais este ano que se inicia. Em Cristo Deus está presente em nossa
vida, concedendo todo o necessário para a nossa existência aqui neste
mundo. E nada pode nos separar deste amor: “Quem nos separará do amor
de Cristo”? (v. 35). Paulo quer deixar bem claro que Deus está presente
na vida dos seus filhos, os quais foram redimidos pelo sangue de Jesus.
E esse cuidado é estendido a todos os povos do mundo inteiro.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Por causa do pecado, todos nós estamos afastados de Deus, o Criador.


Como consequência, a morte passou a existir (só vivemos uns setenta
anos, e os mais fortes chegam aos oitenta) conforme NTLH. Assim, a vida
do ser humano é limitada. Não dura para sempre aqui neste mundo. Mas
lutamos para viver. Entretanto, por nós mesmos, estamos “mortos em
delitos e pecados” (Ef 2.1). Deus, em seu amor eterno, tem compaixão
da fragilidade humana e nos serve com Cristo Jesus. Somente Ele pode
fazer isso porque Ele é “refúgio de geração a geração... de eternidade
a eternidade ele é Deus” (Sl 90. 1,2). Quem nos separará deste amor?
Ninguém! Nada neste mundo pode nos tirar esse amor que está em Jesus
Cristo. Em Cristo somos filhos amados e perdoados por Deus. Assim, somos
também convidados a ser gratos por tudo, por mais um ano que passou,
por nossa própria vida, de nossas famílias, amigos, pelo ano que se inicia,

30
VÉSPERA DE ANO NOVO

pela bondade e misericórdia de Deus que se renova a cada manhã. Somos


convidados a perceber que toda nossa existência está nas mãos de Deus,
inclusive nossa morte. E a morte não é o fim para os que creem, mas é a
porta para a vida verdadeira que está em Cristo Jesus.

Tema: Em Cristo Deus está presente em nossa vida


- Perdoando todos os nossos pecados;
- Concedendo todo o necessário para a nossa existência aqui neste
mundo;
- Apontando a vida verdadeira – Vida Eterna.

Marcos Reinicke
Bela Vista/MS
marcosreinicke@gmail.com

31
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR / DIA
DE ANO NOVO
1º de janeiro de 2015

Salmo 8; Números 6. 22-27; Gálatas 3. 23-29; Lucas 2. 21

ASSUNTO DAS LEITURAS BÍBLICAS

Salmo 8: O nome de Deus nas Escrituras não é apenas um vocábulo


empregado para chamar uma pessoa, mas sim, a própria pessoa, que se
faz presente revelando o seu nome. Por isso, o salmista inicia clamando
ao SENHOR dizendo que “magnífico é o teu nome”, ou seja; o teu Ser, o
próprio Deus “sobre a terra” (v.1). Quem Deus é está revelado na grandeza
da criação e também na boca de seres “frágeis” como as crianças (v.2),
citado por Jesus em Mt 21.16. O salmo termina (v.9) assim como iniciou,
invocando o nome do SENHOR (YHWH), o seu Ser, embora pareça que o
termo “Filho do homem” é apenas um paralelismo com o termo “homem”
e não aquela autodenominação que Jesus preferia, conforme Hebreus 2.
6,7. Os versículos 4 e 5 deste Salmo fazem referência direta a Cristo, o
que levou Lutero a ver este salmo como um salmo messiânico.
Números 6. 22-27: Texto significante por se tratar da bênção divi-
na, conhecida no meio teológico como “bênção araônica”, que o SENHOR
(YHWH) diz a Moisés para passar ao sacerdote Arão e a seus filhos.
Destaca-se novamente o fato desta bênção destacar o nome de Deus
(YHWH). E o texto conclui com o SENHOR dizendo: os sacerdotes da casa
de Arão porão o “meu nome” sobre os filhos de Israel, para que sejam
abençoados.
Gálatas 3. 23-29: A Lei é apresentada como carcereira e aio que tem
por finalidade nos aprisionar. Porém em Cristo chega o tempo da graça,
onde pela fé chegamos à maioridade e não estamos mais subordinados
ao aio da lei, mas sim sob a graça de Cristo Jesus.
Lucas 2. 21: Lucas é o único evangelista que narra este episódio.
Texto breve (mais breve das perícopes), mas de rico conteúdo, onde um
menino de oito dias é circuncidado, submetendo-se à lei, dando início
ao derramamento de sangue em favor do mundo pecador e recebendo o
nome que está acima de todos os nomes: Jesus.

CONTEXTO LITÚRGICO E HISTÓRICO

O dia 1º de janeiro (Ano Novo) é considerado o início do ano civil pela


maioria dos povos.
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR / DIA DE ANO NOVO

Na Alemanha, foi aceito em meados do século XVII, na Inglaterra,


no século XVIII. A Igreja Cristã começou a celebrar o dia 1º de janeiro
como o dia da circuncisão do Senhor por volta do ano 500, oito dias após
o seu nascimento, 25 de dezembro (Lc 2.21). Lutero, no seu sermão do
dia 1º de janeiro de 1531, diz: “Chama-se este dia de Ano Novo segundo
a tradição dos romanos. Nós, cristãos, começamos nosso ano no dia de
Natal, conforme a contagem do ano indica, depois do nascimento de Je-
sus”. Lembramos da circuncisão de Jesus por ser uma marca importante
dentro da antiga aliança (Gn 17. 11) e costumamos atribuir a ela o sig-
nificado do batismo para os crentes da Nova Aliança. Paulo nos fala que
“todos quantos fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes” (Gl
3.27); e “Nele (em Cristo) também fostes circuncidados” (Cl 2.11). Na
circuncisão, Jesus recebe o seu nome, que já tinha sido anunciado pelo
anjo (Mt 1.21,23). Lembremo-nos do nosso batismo, onde recebemos o
nosso nome e somos batizados no nome do SENHOR (Pai, Filho e Espírito
Santo). O culto cristão inicia-se com a invocação do nome (não da pre-
sença) do SENHOR (Salmo 8), e se encerra com a bênção araônica, onde
o SENHOR coloca o seu nome sobre os israelitas (Nm 6.27).

CONTEXTO BÍBLICO

Paulo escreve esta carta em caráter de urgência, pois “judaizantes”


haviam se infiltrado nas igrejas da Galácia pregando outro “evangelho”
além do de Jesus Cristo (1.7). Na verdade, não era “outro evangelho”,
mas sim leis judaicas que exigiam que os gentios convertidos tivessem
sinais peculiares à identidade judaica, como a circuncisão, a observância
do sábado, etc.
Paulo defende o seu apostolado, pois o recebeu mediante revelação
de Cristo (1.12), e foi reconhecido pelos apóstolos em Jerusalém (2.9).
Desenvolve o tema principal da sua carta, a justificação pela fé em Cristo
e não por obras da Lei (2.16). Usa argumentos da própria experiência
dos gálatas (3.2), a experiência de Abraão, que creu em Deus e isso lhe
foi imputado para a justiça (3.6). Lembra que a promessa a Abraão e a
seu descendente, referindo-se a Cristo (3.16), antecede a lei mosaica,
fazendo com que a lei não seja capaz de invalidá-la.
Para Paulo, a Lei se encerra em Cristo, a quem se fez a promessa, o
descendente (3.19). E a promessa é concedida aos que creem em Cristo
(3.22). A Lei de Deus é cumprida em, por e com Cristo: fostes batizados
em Cristo e revestidos de Cristo (v.27), assim como também em Cristo
fomos circuncidados (Cl 2.11). Paulo adverte os gálatas para não voltarem
para a circuncisão, para uma “impossível” salvação por meio de obras,
porque “o justo viverá por fé” (3.11).

33
IGREJA LUTERANA

TEXTO – MEDITAÇÃO PRÁTICA/ PONTOS DE CONTATO

Na carta aos Gálatas destaca-se como tema principal a justificação pela


fé por causa de Cristo, sem méritos humanos no cumprimento da Lei (Gl
2.16; 3.11). No texto da epístola de hoje (Gl 3.23 – 29), Paulo descreve
a Lei de forma negativa, tendo ela um caráter de carcereiro e aio.

V. 23: Neste versículo, Paulo atribui à Lei a função de carcereira quando


emprega dois verbos: : froure,,w: – indicativo passivo – “éramos guarda-
dos” e συγκλείω – particípio passivo – “confinados”, mantidos em prisão.
Por isso, antes que viesse a fé, éramos guardados confinados para a fé
(πίστις) que seria revelada (ἀποκαλύπτω).
Em Cristo temos o tempo da graça inaugurado, mas não podemos
deixar a impressão que antes da vinda de Cristo a Lei que aprisionava
temporariamente e preparatoriamente tinha algum sentido positivo, ou
algum poder de salvação e justificação. Abraão creu em Deus (3.6). Lutero
diz: “É necessário que seja prescrito um fim à Lei, em que deva cessar.
Por isso, o tempo da Lei não dura para sempre, mas tem um fim, que é
Cristo. Mas o tempo da graça é eterno, porque Cristo, tendo morrido de
uma vez para sempre não morre mais, Ele é eterno; logo, o tempo da
graça também é eterno” (LUTERO, OS, vol.10, p. 325). Para ele, o tempo
da Lei e da graça existe no coração humano. Ao olharmos para a Lei, de-
sesperamos como Caim, Saul, Judas. Ao olharmos para a graça, somos
aliviados como o rei Davi e Jó. Sendo assim, “Paulo distingue muito bem
o tempo da lei e da graça. Aprendamos também a distinguir corretamente
o tempo de ambos, não em palavras, mas em nosso sentimento, o que é
mais difícil de tudo. Pois, embora ambos sejam absolutamente distintos,
eles contudo devem estar bem ligados em cada coração. Nada é mais
ligado do que o temor e a confiança, a Lei e o Evangelho, o pecado e a
graça, pois são tão ligados que um é engolido pelo outro” (LUTERO, OS,
vol. 10, pp. 325).

V. 24: Neste versículo, Paulo usa a imagem de um παιδαγωγός, pessoa


no mundo greco-romano que cuidava da educação dos filhos de famílias
nobres, traduzido pela ARA por “aio”. Os meninos geralmente odiavam
seus “paidagogós”, pois estes os surravam com frequência e sua função
terminava quando o menino alcançava os 16 anos de idade. Este termo é
usado somente aqui e em 1 Co 4.15, onde diz que uma criança na infância
poderia ter milhares de παιδαγωγός (preceptores ARA), em Cristo, mas
não muitos πατήρ (pais).
Também não podemos atribuir à lei como paidagogós uma caracte-
rística educativa no sentido positivo, porém, características repressiva e

34
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR / DIA DE ANO NOVO

negativa. A lei de maneira nenhuma exerce função educativa sobre as


pessoas, capacitando-as para o bem, podendo conduzi-las à fé, à sua
justificação em Cristo. NÃO! Pelo contexto, a lei tem características tem-
porais e não propositais. O verbo δικαιόω (fossemos justificados) está no
modo subjuntivo, que no grego dá ideia de futuro, tempo da expectativa;
na voz passiva, a justificação vem de fora, de Cristo. A lei serviu de aio,
não para nos preparar, mas para aprisionar, até a vinda de Cristo, para
sermos justificados pela fé.

V. 25: Tendo vindo à fé, não estamos mais subordinados ao paidagogós


(aio). Paulo retorna à “sola fide”, que nos concede a justiça por causa de
Cristo. Cuidado para não transformar a fé em algo pessoal, emocional e
própria do ser humano: “A fé não justifica como um ato em si mesmo,
mas por causa do objeto (Cristo) que ela abraça. A fé não justifica como
obra, mas como instrumento” (PIEPER, p. 438).

V. 26: Paulo aplica o golpe de misericórdia aos judaizantes ao usar o


pronome Πόντες (todos) em posição enfática, seguida da conjunção γὰρ
(pois), mostrando aos gálatas que eles são filhos de Deus (υἱοὶ θεοῦ) não
subordinados a aio (παιδαγωγός). Os judaizantes estão em nível inferior,
subordinados à lei, enquanto os gálatas alcançaram sua maioridade na
“sola fide”.

V. 27: Todos quantos... pois em Cristo “fostes batizados”: βαπτίζω, na


voz passiva. “De Cristo vos revestistes”, ἐνδύω (revestir), na voz média,
indicando maior envolvimento e forma de benefício ao sujeito. Paulo cita
o batismo em contraposição à circuncisão dos judaizantes.

V. 28: Para falar da unidade, Paulo usa primeiramente uma forma ne-
gativa, onde descreve três situações desiguais: diferenças raciais, “judeu
e grego”, ver o muro de separação entre eles (Ef 2.14). Sociais: “escravo
e liberto”, onde escravo não era considerado ser humano, mas sim, ferra-
menta que respirava (Aristóteles). Sexuais: “homem e mulher”. Judeus,
em sua oração matinal, agradeciam a Deus por não terem nascido mulher,
escravo ou gentio. Paulo diz aqui que essas diferenças não existem quando
o assunto é a justificação pela fé em Cristo Jesus.

V. 29: Uma oração condicional de realidade, iniciada com a conjunção


subordinada εἰ + verbo no indicativo, sendo melhor traduzida por “já
que sois de Cristo, sois da descendência de Abraão e herdeiros segundo
a promessa”. Paulo termina seu argumento deixando-os na condição de
herdeiros, ou seja, um filho que atingiu a maioridade e não precisa de um

35
IGREJA LUTERANA

paidagogós. Sendo de Cristo, batizados em Cristo, sois da descendência de


Abraão e herdeiros segundo a promessa, pois a promessa havia sido feita
“ao descendente” no singular, referindo-se a Cristo. Por isso, pela fé em
Cristo, os gálatas são descendentes de Abraão, herdeiros da promessa.

SUGESTÕES HOMILÉTICAS

Tema/Assunto: Jesus nos torna filhos e herdeiros


a. Inaugura o tempo da graça, cumprindo a lei em nosso lugar
(Lc 2.21; Cl 2.11), e nos oferece o evangelho pelo batismo (Gl
3.27).
b. Livra-nos da lei como carcereira e paidagogós (aio) e nos coloca
diante do Pai como filhos de Deus (Gl 3.26).
c. Somos filhos e herdeiros (evangelho) e não mais crianças subor-
dinadas ao aio (lei).
d. Justificados pela fé em e por causa de Cristo, e não pelas obras
da lei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil,


2004.
GINGRICH, F. Wilbur. Léxico do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
1984.
GOERL, Otto A. Púlpito. Est. Homilético: Advento, Natal, Ano Novo. Porto
Alegre: Concórdia.
SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear Grego-Português. São
Paulo: SBB, 2004.
FLOR, Paulo. Epístola aos Gálatas – Um Comentário. Porto Alegre: Editora
Concórdia, 2009.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Vol. 10. Porto Alegre: Editora
Concórdia, 2008.

Maxwell Roberto Thonn


Barreiras/BA
maxwell.r10@hotmail.com

36
EPIFANIA DO SENHOR
4 de janeiro de 2015

Salmo 72.1-11(12-15); Isaías 60.1-6; Efésios 3.1-12;


Mateus 2.1-12

CENÁRIO LITÚRGICO

Este é o dia da Epifania ou Manifestação. Os textos para este período


litúrgico apontam para diferentes manifestações de Deus, mas especifi-
camente para a manifestação da graça de Deus para com todos. O salmo
apresenta um Rei que terá domínio sobre todas as nações, ou seja, um
salmo messiânico. Já Isaías vai mais além, mostrando a manifestação da
luz onde as nações irão ao encontro do Senhor, que se conecta ao texto
de Paulo aos Efésios, sua pregação aos gentios. Mas, por fim, não menos
importante, o evangelho que aponta a manifestação da graça universal:
os primeiros a reconhecerem que chegou o Salvador foram reis magos,
gentios, que saíram a procurar salvação.

CONTEXTO LITERÁRIO

Paulo estava preso (3.1), provavelmente em Roma, entre os anos 60-61


d.C. Possivelmente foi uma carta circular, por falta de uma de saudação
pessoal. A carta tem basicamente duas linhas: a primeira doutrinária (cap.
1-3) e exortações (cap. 4-6).

REFLEXÕES SOBRE O TEXTO

Antes de mergulhar nas palavras de Paulo, deve-se olhar o seu íntimo.


Paulo estava preso por pregar o evangelho, esta é a causa inicial, mas Paulo
desenvolveu em sua vida outros conflitos, dúvidas que precisava dissipar,
aquilo em que colocou tanto o coração: a pregação aos gentios.
Ao colocar-se no lugar de Paulo, pode-se ter uma noção do que sig-
nifica realizar um trabalho, ser preso e ser até condenado à morte, além
de ser criticado por pessoas com a mesma fé – tudo por querer salvar os
gentios. Enquanto isso, os gentios cristãos sofrem preconceito por parte
dos judeus e dos judaizantes, além da sociedade a que antes pertenciam.
Para ambos não era uma vida fácil: o caminho que escolheram era de dor
e sofrimento. E o que Paulo, agora preso, podia fazer por eles, ele que
antes os defendia? Paulo ama, e o amor é o que faz encontrar forças e
dar forças para aquele povo que sofria.
IGREJA LUTERANA

E com este amor vem a revelação do mistério, que nada mais é que,
perante Deus, não há diferença de pessoas. Todas são iguais, todas são
necessitadas e de igual modo recebem o amor de Deus. Tanto judeus
quanto gentios não são merecedores da graça, mas a obra de Jesus salva
ambos. O mundo pode fazer esta distinção, mas perante os olhos de Deus
todos são iguais.
Quantos gentios existem atualmente? Quantas vezes somente aqueles
que estão dentro da igreja são tratados como dignos do amor de Deus!
Somente aqueles que estão domingo após domingo ouvindo as homilias
como povo de Deus! Sim, quantos gentios existem por aí sendo excluídos
do povo de Deus?
Ninguém está excluído da salvação. A graça de Jesus não é seletiva,
todos devem ter a oportunidade de ouvir a mensagem da salvação. Hoje
ainda existem alguns gentios: prostitutas, homossexuais, dependentes
químicos, criminosos, etc. Contudo, as portas do evangelho devem sempre
estar abertas, pois todos são seres humanos que necessitam da salvação
dada por Deus.
De que lugar retirar forças para essa missão? Paulo responde que, pela
esperança, mesmo estando preso, recebendo críticas ao seu trabalho com
os gentios, apesar dessas adversidades encontrava forças na esperança
de saber que a sua obra servia para conduzir os gentios aos braços do
Senhor Jesus.
Por fim, chega ao encontro da epifania o tema deste dia litúrgico: nós
somos apenas meios pelos quais é manifestado o amor de Deus, através
da nossa vocação e dos afazeres do dia a dia. Todos os cristãos são apenas
assim como Paulo, prisioneiros de Cristo por causa do amor.

SUGESTÕES DE USO HOMILÉTICO

Problema: A seletividade da salvação.


Objetivo: Mostrar a salvação universal.
Tema: Somos prisioneiros por causa do amor.
Desenvolvimento:
- A desigualdade afeta a vida das pessoas.
- Em Cristo, Deus vai até quem sofre.
- Cristo tomou para si o sofrimento humano.
- Em Cristo todos somos iguais.
- Neste reino vivemos agora e eternamente com Deus.

Rafael Schultz
São Leopoldo/RS
rafaelschultz205@hotmail.com

38
PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA / O
BATISMO DO SENHOR
11 de janeiro de 2015

Salmo 29; Gênesis 1.1-5; Romanos 6.1-11; Marcos 1.4-11

CENÁRIO LITÚRGICO

Epifania é um período muito especial, pois significa manifestação


de Deus e da obra de Cristo ao mundo. E nesse Primeiro Domingo após
Epifania se destacam as leituras que nos levam diretamente ao poder
de Deus na ação criadora. Poder em meio à criação. A ação de resga-
te da humanidade na redenção em Cristo nos levando diretamente às
águas do batismo. Batismo de Cristo e a manifestação desse batismo
na nossa vida, na nova vida recebida no batismo, onde passamos a ser
dignos de sermos chamados filhos de Deus, com a voz que diz: “Tu és
meu Filho amado”.

CONTEXTO DOS TEXTOS

Salmo 29: Este Salmo nos recorda o grande poder e o amor de Deus
sobre o mundo natural. Embora sua majestade seja maior do que as pa-
lavras possam descrever, o SENHOR conhece, cuida e ama a cada um de
nós. Apesar de sermos impotentes diante dos nossos problemas do dia a
dia, podemos e devemos colocar nossa vida nas mãos dEle, o Todo- Po-
deroso. Ele quer nos ajudar e é o único que pode fazer isso. O SENHOR
dá força ao seu povo, o SENHOR abençoa com paz o seu povo.

Gênesis 1.1-5: A introdução de Gênesis expõe quem é Deus e como


ele se relaciona com o mundo. Dessa forma, fornece uma chave para a
interpretação de Gênesis e, poderíamos dizer, da Bíblia inteira. Mas a
introdução é mais do que uma declaração teológica; é um hino de louvor
ao Criador, por meio de quem e para quem todas as coisas existem.

Marcos 1.4-11: No texto do evangelho temos a ênfase no batismo.


Primeiramente João Batista, que pregava o batismo de arrependimento e
remissão de pecados, aponta para outra forma de batismo, que nos leva
ao relato da criação, que é o batismo em Cristo que inicia em nós uma
nova vida, digna, uma nova criação, através do batismo com o Espírito
Santo. Diríamos que é uma antecipação do envio dos discípulos a todos
IGREJA LUTERANA

os povos, fazendo discípulos batizando em nome do Pai, do Filho e do


Espírito Santo, ou seja, a trindade que estava presente desde a criação.
Manifestação especial do poder e da presença de Deus.

Romanos 6.1-11: Libertos da escravidão do pecado. A insistência de


Paulo em que os cristãos que são justificados infalivelmente serão salvos
da ira de Deus (5.9,10) pelo fato de terem passado, em união com Cristo,
para o reinado da graça e da vida (5.12-21) suscita a questão do pecado
na vida do cristão. Não teria o pecado o poder de interromper esse pro-
cesso, impedindo o cristão justificado de alcançar (receber) a salvação e
a glória final?

O TEXTO

No capítulo 6 de Romanos Paulo trata dessa questão, do pecado em


relação à justificação e receber a salvação final, respondendo-a ao afir-
mar que os cristãos não são somente libertados, em Cristo, da pena do
pecado – isto é, justificados – mas também do poder do pecado – isto é,
santificados.
Sem minimizar a ameaça contínua que o pecado representa para a
vida cristã, Paulo insiste em que os cristãos foram colocados em uma nova
relação com o pecado, uma relação em que o pecado já não tem o poder
de nos “dominar”, de nos fazer cativos conforme os versículos 6,14,18,22.
Ao longo de todo o capítulo 6 (e, como podemos ver no próximo), Pau-
lo retrata a experiência cristã nos termos de uma transferência de um
“regime” ou “reinado” para outro. Tornar-se cristão, como Paulo afirma,
significa ser libertado do regime antigo, dominado por Adão (5.12-21),
pelo pecado (cap. 6), pela lei (cap. 7) e pela morte (cap. 8) e ser intro-
duzido em um novo regime, dominado por Cristo (5.12-21; 7.1-6), pela
justiça (cap. 6), pelo Espírito (7.6,8), pela graça (6.14,15) e pela vida
(5.12-21; 6.4; 8.1-13).

ÊNFASE

“Morte para o pecado” pela união com Cristo. O contexto imediato


para a discussão de Paulo sobre o cristão e o pecado é sua afirmação em
5.20b: “Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça”. O próprio
Paulo faz a pergunta que ele sem dúvida alguma teve de responder muitas
vezes em consequência da sua insistência quanto ao poder da graça de
Deus: permaneceremos [os cristãos] no pecado, para que seja a graça
mais abundante? (1) Paulo rejeita veementemente qualquer inferência
nesse sentido – de modo nenhum! –, explicando, por meio da ideia central

40
PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA / O BATISMO DO SENHOR

do capítulo, por que ele assim procede: como viveremos ainda no pecado,
nós, os que para ele [o pecado] morremos? (2) O que Paulo diz com isso
se torna claro à medida que ele desenvolve o conceito no restante do
capítulo: e não mais sirvamos o pecado como escravos (6,17,18,22); o
pecado já não terá domínio sobre nós.
“Morrer para o pecado” não significa ser insensível à sua tentação,
pois Paulo deixa claro que o pecado continua sendo atraente para os
cristãos e deve ser combatido a cada dia. Antes, significa ser libertado da
tirania absoluta do pecado, do estado em que o pecado exerce domínio
incontestável, do estado em que todos vivíamos antes da conversão. Em
consequência dessa morte para o pecado, não podemos continuar a viver
nele (2b), pois o ato constante de pecar revela a tirania do pecado, uma
tirania da qual o cristão já foi libertado.
Os vv. 3-5 revelam o meio pelo qual “morremos para o pecado”: pela
união com Jesus Cristo em sua morte. O rito de iniciação cristã, o batismo
com água, coloca-nos num relacionamento com Jesus Cristo e de modo
mais específico com a morte de Cristo (3).
Essa “união” com Cristo não é uma fusão mística da nossa própria
pessoa com a de Cristo, mas um relacionamento “jurídico” no qual Deus
nos vê em união com seu Filho e assim aplica a nós os benefícios conquis-
tados por seu Filho. Pode-se dizer, assim, que fomos sepultados com ele
na [sua] morte pelo batismo. O que Paulo diz com isso não é que o nosso
batismo simplesmente simboliza, com a submersão na água, a morte e
o sepultamento de Cristo, pois Paulo deixa claro que fomos sepultados
“com” ele, não “como” ele. Antes, Paulo está dizendo que a nossa fé,
simbolizada pelo batismo, coloca-nos num relacionamento com o próprio
sepultamento de Cristo.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Assunto: Nova vida em Cristo pelo batismo


Objetivo: Levar à reflexão do que realmente significa o batismo, sua
importância e a importância de a cada dia ir às águas do batismo na ab-
solvição dos pecados concedida naquele momento ímpar na nossa vida.
Tema: Sou batizado, e agora?

Rangel Augusto Bredow


Igrejinha/RS
bredow1983@hotmail.com

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SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA
18 de janeiro de 2015

Salmo 139.1-10; 1 Samuel 3.1-10 (11-20); 1 Coríntios 6.12-20;


João 1.43-51

A epifania de Cristo, o Verbo encarnado, a Filipe e Natanael

CONTEXTO LITÚRGICO

A Epifania é, com certeza, segundo a minha perspectiva, um dos perío-


dos mais empolgantes do ano da igreja. No Advento, tem-se a mensagem
de São João Batista, cujo objetivo é preparar o caminho de Cristo. Também
as promessas de envio do Salvador são enfatizadas. No Natal, tem-se o
cumprimento de tais promessas. A Epifania mostra quem “Cristo é”. A
sua divindade é por excelência muito bem retratada neste tempo santo.
Entender quem “Jesus é” consiste num aspecto relevante para entender
o que Ele fez (Quaresma e Páscoa).1
O período de Epifania é emoldurado com a retumbante voz de Deus Pai,
tanto no início, no santo batismo de Jesus, como no final, a transfiguração,
afirmando ser Jesus o Filho de Deus, a Palavra encarnada entre nós.2

ESTUDOS DOS PRÓPRIOS DO DIA

Leituras
Salmo 139.1-10: O Salmo trata da onipresença e onisciência de Deus
em torno do seu povo. Ele pode ser dividido em dois blocos: 1) dos versí-
culos 1-6, trata-se da onisciência de Deus; dos versículos 7-10, trata-se
da onipresença de Deus.
1 Samuel 3.1-10 (11-20): O relato do Antigo Testamento apresenta
o chamado de Samuel, concebido de forma especial. Ana, sua mãe, era
estéril, agora é chamado por Deus. Ele, instruído pelo profeta Eli, responde
ao chamado do Senhor: “Fala, porque o teu servo ouve”.
1 Coríntios 6.12-20: Cristo uniu o cristão a Ele e ao irmão, portanto,
a imoralidade não deve ter lugar entre o povo de Deus, pois o cristão é
templo do Espírito Santo.

1
GIESCHEN, Charles A. Preaching through the seasons of the Church Year. In: Preaching
is Worship - The sermon in context Paul 1. Grime e Dean W. Nadasdy (ed). Saint Louis:
Concordia Publishing House, 2001, p.97.
2
JUST, Arthur A. Heaven on Earth - The Gifts of Christ in the Divine Service. Saint Louis: Concordia
Publishing House, 2001, p.137.
SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA

João 1.43-51: Jesus, ao chamar os seus discípulos, revela-se como o


Messias, verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade, verdadeiro
homem, nascido da virgem Maria.
Introito: O introito para o segundo domingo após a Epifania tem como
base o Salmo 40.1-5 e a respectiva antífona é do Salmo 40.10. A antífona
(v.10) enfatiza a proclamação da palavra de Deus. E o corpo do introito,
40.1-5, fala de alguém que aguardou em Deus e Ele o libertou e colocou
em seus lábios um cântico novo.
Coleta do dia: A coleta do dia declara que Deus governa todas as
coisas, tanto na terra como no céu, e este Deus ouve as orações do santo
povo de Deus.
Gradual: O gradual tem como base o Salmo 117.1-2a; 96.8, onde as
seguintes temáticas são enfatizadas: 1) louvor a Deus; 2) a misericórdia
e a fidelidade; e 3) glória de Deus.
Verso: O verso tem como base Isaías 49.3. O texto trata do servo
sofredor.
Prefácio próprio: Durante o período de pós-Epifania, pode-se usar o
prefácio próprio da Epifania que ressalta a manifestação de Cristo: “em que
tornaste conhecido às nações o que estava escondido desde a fundação
do mundo; manifestaste a plenitude da tua glória naquele que assumiu a
substância de nossa natureza mortal.”3

ESTUDO DO TEXTO: JOÃO 1.43-51

No livro Treasury of Daily Prayer, lê-se: “No Natal, Deus revelou-se


como homem; na Epifania, este homem revela-se ao mundo como Deus4. A
pergunta relevante é como este texto revela Jesus. Responder tal questão
é manter-se dentro do espírito da Epifania.
O contexto da perícope está dentro do famoso capítulo que trata
da encarnação de nosso Senhor Jesus no ventre da bem-aventurada
Virgem Maria: O verbo tornou-se carne e habitou, “tabernaculou”
entre nós. Também o testemunho de São João sobre a presença
tabernaculada de Cristo é enfatizado: “Eu batizo com água; mas, no meio
de vós, está quem vós não conheceis, o qual vem após mim, do qual não
sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias” (João 1.26, 27).
E especialmente temos o maravilhoso testemunho de João Batista,
que afirma: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (João
1.29b). Após este testemunho, Cristo revela-se para alguns discípulos:

3
Comissão de Culto da Igreja Luterana do Brasil. Culto Luterano - Liturgias e orações. Porto
Alegre: Concórdia, 2010, p. 45.
4
KINNAMAN, Scot A. (Ed). Treasury of Daily Prayer. Saint Louis: Concordia Publishing House,
2008. p.1094.

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IGREJA LUTERANA

1) dois discípulos de João Batista, após ouvir o seu testemunho sobre o


Cordeiro de Deus, começam a seguir Jesus; Cristo, em sua graça e mi-
sericórdia, revela-se a eles (“vinde e vede”); 2) Pedro é levado a Cristo
pelo testemunho de seu irmão André e Cristo revela-se a ele. E a leitura
do evangelho do dia enfatiza o chamado de Filipe e Natanael.

Vv. 43,44: “No dia imediato, resolveu Jesus partir para a Galileia e
encontrou a Filipe, a quem disse: Segue-me. Ora, Filipe era de Betsaida,
cidade de André e de Pedro”. O aspecto relevante é que não se vê nenhuma
intenção na direção Filipe/Jesus. Ele não estava procurando por nada. Não
consta, no evangelho, que alguém tenha falado acerca de Jesus para ele.
Cristo o encontrou e se revelou a ele. Segundo comentário, a ordem de
Cristo: “Segue-me” é tão cheia de significado que é só usada pelo Senhor,
e é dirigida a apenas um caso fora do círculo dos apóstolos, o jovem rico
a quem Jesus amava (Mateus 19.21, Marcos 10.21).5
Este “segue-me” tem em si mesmo autoridade para realizar aquilo que
Cristo disse. A voz que disse ao mar: “Acalma-te. Emudece” é a mesma
voz que diz para o oprimido: “Vinde a mim, e eu vos aliviarei”. A mesma
voz disse: “Segue-me”. Tais palavras não foram um convite para o mar,
um convite ao oprimido e a Filipe. É a palavra de Jesus e tal palavra faz
com que as coisas aconteçam conforme o que Ele diz. É uma Palavra que
cria a “vinda” do oprimido, que cria a calmaria ao mar agitado e que faz
de alguém um seguidor de Cristo. Os imperativos de Jesus, ordens, criam
e formam aquilo que Ele ordenou.

Vv. 45,46: “Filipe encontrou a Natanael e disse-lhe: Achamos


aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram
os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José. Perguntou-lhe Na-
tanael: De Nazaré pode sair alguma coisa boa? Respondeu-lhe
Filipe: Vem e vê.” O primeiro ponto a destacar é o testemunho de Natanael
no qual ele vincula as promessas messiânicas do Antigo Testamento e o
total cumprimento destas promessas no Verbo que tabernaculou entre nós,
Jesus Cristo.
Filipe fala de Jesus para Natanael identificando tanto a origem terrena
de Jesus e como sendo Ele o cumprimento das promessas de Deus. Na-
tanael, de forma nada polida e até desdenhosa, fez um questionamento:
“De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” É interessante observar que
Filipe não discute com Natanael; ele simplesmente convida para que ele
venha e converse com Jesus.

5
Informações consultadas no site http://biblehub.colcommentaries/john/l-43.htm, no dia
22/07/2014, às 16h29min.

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SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Vv. 47-49: “Jesus viu Natanael aproximar-se e disse a seu respeito: Eis
um verdadeiro israelita, em quem não há dolo! Perguntou-lhe Natanael:
Donde me conheces? Respondeu-lhe Jesus: Antes de Filipe te chamar,
eu te vi, quando estavas debaixo da figueira. Então, exclamou Natanael:
Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!”
Natanael aceita o convite e vai conferir quem é Jesus. Antes de serem
“oficialmente apresentados”, Jesus revela a sua divindade a Natanael apre-
sentando a ele um conhecimento sobre a sua vida pessoal. Após Cristo
revelar-se para Natanael, a resposta é o reconhecimento de que Jesus é o
Cristo, o Messias enviado da parte de Deus, o sacrossanto Verbo encarnado.
Na história da mulher samaritana, um caso parecido acontece. Ela convida
seus compatriotas para ouvirem Jesus. Ela lhes anuncia aquilo que viven-
ciou com Cristo. No final do relato, temos o testemunho dos que viram e
ouviram o que Jesus tinha a dizer: “Já agora não é pelo que disseste que
nós cremos; mas porque nós mesmos temos ouvido e sabemos que este
é verdadeiramente o Salvador do mundo” (João 4.42).
É interessante refletir qual a diferença entre conhecimento histórico
da vida de Jesus e a fé em Jesus. Em um programa da KFUO, rádio da
LCMS, o pastor as diferencia em duas frases: 1. Conhecimento histórico:
Jesus morreu pelo ser humano; 2. Fé em Jesus: “Jesus morreu pe-
los pecados”.

Vv. 50,51: “Ao que Jesus lhe respondeu: Porque te disse que te vi
debaixo da figueira, crês? Pois maiores coisas do que estas verás. E acres-
centou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os
anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.
A resposta que Jesus concedeu a Natanael é uma promessa que
ele veria e ouviria tantas coisas que causariam grande admiração. O
versículo 51 aparentemente é muito similar ao sonho que Jacó teve,
vendo uma escada com anjos subindo e descendo ao céu. É importante
destacar especialmente o céu aberto para todos aqueles que ouvem
e confiam em Jesus. O secular cântico Te Deum laudamus expressa a
verdade do céu aberto por Cristo nas seguintes palavras: “Tu, quando
tomaste sobre ti livrar o homem, te humilhaste a nascer duma virgem.
Tu, quando venceste o aguilhão da morte, abriste a todos os fiéis o
reino celeste”.

ASPECTOS HOMILÉTICOS

Lei: Nenhum dos discípulos estava procurando o Messias; o “prejul-


gamento” em relação a Nazaré.

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IGREJA LUTERANA

Evangelho: Cristo revela-se a Filipe e Natanael.


Objetivo: Demostrar a epifania da Palavra encarnada a dois discípulos.
Tema: A epifania de Cristo, o Verbo encarnado, a Filipe e Na-
tanael.
Esboço básico:
1. Contexto da perícope: testemunho de João Batista: “Eis o Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo!”
2. Jesus revela-se a Filipe: Filipe não estava procurando por Cristo,
mas Cristo vai em sua direção e o chama para segui-lo.
3. Jesus revela-se a Natanael: sua dúvida em relação à origem, o
convite “vem e vê”, o testemunho de Cristo sobre ele e a sua
confissão.
4. Jesus, o Verbo encarnado, é o cumprimento das promessas que a
lei e os profetas anunciavam. Cristo veio revelar-se como Salvador
aos discípulos e para toda a humanidade.

Elissandro Silva
Ponta Grossa/PR
hans_luther@hotmail.com

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TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
25 de janeiro de 2015

Salmo 62; Jonas 3.1-5,10; 1 Coríntios 7.29-31 (32-35);


Marcos 1.14-20

AS LEITURAS

Salmo 62: Este é um salmo de Davi. É um tributo à confiança em


Deus. O salmista expressa fé e esperança em Deus. Humilde e confiante,
submete sua existência a Deus. Na verdade, ele atribui somente a Deus
sua salvação e esperança! Conforme a Bíblia de Estudo Almeida, o salmo
é uma profissão de confiança em Deus, ainda que em meio aos maiores
perigos e inimigos. A verdadeira paz pode ser encontrada apenas em
Deus. Aparece duas vezes no salmo o ponto central. Nos versículos 1 e
5: “Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa; (porque) dele
vem a minha salvação/esperança” (RA). E nos versículos 2 e 6: “Só ele é
a minha rocha e a minha salvação; e o meu alto refúgio, não serei muito/
jamais abalado” (RA). O salmo termina dizendo que o poder e a graça
(amor) pertencem a Deus, o Senhor.

Jonas 3.1-5,10: Jonas primeiramente não quis anunciar a mensagem


do Senhor em Nínive, pois supunha que os ninivitas iriam se arrepender
e Deus não castigaria a cidade, poupando-a da destruição. Ele quer fugir
de Deus. Logo, pega um navio que o levaria para outra direção. Jonas
foi jogado no mar e Deus ordenou que um peixe o engolisse. Ele, então,
ora ao Senhor de dentro do peixe, agradecendo a Deus por tê-lo salvo do
perigo. Em seguida, Jonas vai a Nínive. Todos os habitantes da cidade se
arrependem e o rei, inclusive, ordenou que todos os moradores e também
os animais jejuassem e vestissem roupa feita de pano de saco a fim de
mostrar o arrependimento. Deus não aniquila a cidade, concedendo a ela
o seu perdão.

1 Coríntios 7.29-31 (32-35): O apóstolo Paulo versa sobre os pro-


blemas que as pessoas solteiras e as viúvas estavam passando, já que este
era um assunto que os coríntios tinham abordado na carta que enviaram a
Paulo anteriormente. Convencido de que o fim do mundo estava se aproxi-
mando, o apóstolo, por exemplo, pensava que era melhor que as pessoas
que não eram casadas permanecessem como estavam. Entretanto, como
ele mesmo conta, esta é a sua opinião e não a do Senhor.
IGREJA LUTERANA

Marcos 1.14-20: Após a prisão de João Batista por Herodes, Jesus


volta para a Galileia e inicia o seu trabalho. Ele, à semelhança da procla-
mação de Jonas, prega o arrependimento (lei e evangelho), “pois o Reino
de Deus está próximo”. Marcos resume a pregação de Jesus: anúncio da
chegada do Reino de Deus, chamado ao arrependimento e a salvação.
Depois, junto ao lago da Galileia, Jesus começa a escolher os seus após-
tolos (enviados) um a um. Conforme a Bíblia de Estudo NTLH, naquela
época, entre os judeus, era comum um discípulo pedir permissão para
seguir um mestre, mas aqui é Jesus quem elege. Aos irmãos pescadores
Simão (Pedro) e André, por exemplo, Jesus afirma que os fará pescadores
de homens. “Pescar pessoas” está relacionado com juízo e punição (Jr
16.16), mas Jesus dá um novo sentido: salvação!

O CONTEXTO

Os cristãos de Corinto haviam mandado ao apóstolo Paulo uma carta.


Pelos assuntos abordados pelo apóstolo, os coríntios provavelmente fizeram
seis perguntas a respeito da vida de solteiros e de casados. Conforme o
Manual Bíblico SBB (2008), as perguntas teriam sido:
O casal pode continuar a ter relações sexuais normais após a conver-
são? Sim (7.1-7).
Os solteiros devem se casar? Sim, para aqueles que não têm o dom
da virgindade (8-9).
O divórcio entre cristãos é permitido? Não (10-11).
E o esposo que não é cristão ou a esposa que não é cristã? O cristão
deve ficar com seu cônjuge pagão, a não ser que este queira a separação
(12-16).
A quinta pergunta (a qual está incluída nesta perícope) não é muito
clara. É possível que seja: “Os que são noivos devem se casar?!” Este
é um assunto pessoal. Contudo, Paulo prevê tempos difíceis. Logo, ele
pensa que seria mais fácil seguir as prioridades cristãs na condição de
solteiro (25-38).
Os viúvos podem casar outra vez? Sim, mas Paulo põe uma condição
(39-40).

O TEXTO NO CONTEXTO

V. 25: Paulo se refere ao seu chamado apostólico ao dizer que o Senhor


foi misericordioso para com ele (também conforme 1Co 1.1 e 2Co 4.1).
“Mandamento do Senhor não tenho”. Paulo dá, então, sua opinião.
V. 29: O apóstolo não está querendo dizer que devem deixar os seus
cônjuges. Na verdade, ele quer enfatizar as responsabilidades dos cris-

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TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

tãos, especialmente por achar que o fim dos tempos já estava chegando
(“tempo abreviado”)!
Vv. 36-38: “A sua filha” (v.36) ou “a sua filha virgem” (v.38); declaração
com duplo sentido: a sua filha ou a sua filha prometida (noiva).
V. 39: (Ver passagem paralela em Rm 7.2-3). “Somente no Senhor”
quer dizer casamento com um cônjuge cristão.
V. 40: Novamente aqui Paulo afirma expressar a sua opinião.

MEDITATIO

O apóstolo Paulo imagina que o mundo logo vai acabar, pensa que
Jesus em breve retornará. É nesse contexto que devemos entender a
perícope.
“O tempo se fez curto” (v.29). “Pois passa a forma deste mundo” (v.31).
É por pensar assim que o apóstolo afirma que casados, os que choram, os
que se alegram, os consumidores, os exploradores deste mundo, sejam
como se não fizessem essas coisas, sejam como se não fossem assim.
Por quê? Porque Jesus está chegando!
Paulo não está pregando desordem. Não está mandando marido de-
samparar sua mulher e esposa abandonar seu esposo. Nem está sendo
insensível com os que lamentam e sofrem seja lá qual for o motivo. Tam-
bém não está proibindo a alegria, o divertir-se sadiamente. Pois a vida
no Reino de Deus consiste em alegria. Inclusive, nós, já podemos estar
contentes e felizes por já termos a salvação em Cristo Jesus e sermos
herdeiros da vida eterna. Tão pouco Paulo está ordenando que os cristãos
parem de comprar, fiquem sem as coisas de que precisam, passem fome
e deixem de se vestir, etc. Não está querendo criar um caos ao comércio
e desemprego por incentivar o não consumo, etc. Do mesmo modo não
está estimulando à ação contra o “enchei a terra e sujeitai-a; dominai...”
(Gn 1.28).
O apóstolo está se referindo a prioridades. Diante do fim do mundo
iminente, ele quer poupar os seus destinatários de preocupações (v.32).
Isso, para que façam o mais nobre e para que possam permanecer junto
ao Senhor sem distração (v. 35).
Lutero diz não rejeitar a virgindade, nem incentivar o seu abandono,
mas também não encorajar o casamento. Pois cada um deve agir como
pode e conforme sente ser a vontade de Deus. Porém, Lutero tem que
falar contra o ensinamento errôneo das pessoas que exaltam a virgindade
muito mais do que o estado matrimonial. Ele vai dizer que ante Deus não
existe estado melhor do que o estado matrimonial. Contudo, na terra,
ser solteiro seria melhor por causar menos preocupações e incômodos e
também por poder se dedicar mais à anunciação do evangelho e à palavra

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IGREJA LUTERANA

de Deus, já que teria mais tempo (grifo meu). É nesse sentido, então, que
ser solteiro acaba sendo melhor do que casado. Mas o ser solteiro, em si
mesmo, é um estado bem inferior (OS 5, 181).
Hoje em dia ainda há os que exaltam o estado de solteiro e virginda-
de (castidade) acima do estado matrimonial. Além disso, existe ainda a
proibição do casamento em certos círculos, “aos religiosos”. Lembramos
aqui a palavra de Paulo a Timóteo, dizendo ser a proibição do matrimônio
doutrina de demônios (1Tm 4.1-3).
Mas a questão que surge é: Em que contexto se situa a epístola em
relação às demais leituras? Bem, o evangelho de Marcos se assemelha
ao livro de Jonas por pregar uma mensagem de arrependimento. Por trás
do texto da epístola está a ideia do fim. Logo, podemos fazer uma ponte
com o evangelho. Pois, na verdade, desde a vinda de Jesus já estamos
nos “últimos dias”. É o tempo da graça, “o dia de ser salvo”. Diante disso,
somente fé, confiança e esperança no Senhor mesmo, como consta no
salmo.
Então, se for da escolha, pode-se fazer um sermão com as leituras
vinculadas.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Objetivo: Levar o ouvinte a observar as “prioridades” cristãs nesses


tempos do fim.
Tema: “O Reino de Deus já chegou e o Reino dos céus se aproxima”.
1ª parte - O tempo se abrevia.
2ª parte - As prioridades cristãs.
3ª parte - Vivendo na perspectiva dos “últimos dias”.

Tiago Braga Schneider


Guaíba/RS
tiagobragatbs@gmail.com

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QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
1º de fevereiro de 2015

Salmo 111; Deuteronômio 18.15-20; 1Coríntios 8.1-13;


Marcos 1.21-28

LEITURAS

Salmo 111: Salmo de louvor a Deus pelas bênçãos realizadas na vida


do povo. Neste salmo o povo louva ao Senhor e reconhece o seu poder e
a sua ação de amor e bondade para com todos. Durante o salmo, fatos
que ocorreram com o povo de Israel são citados, como o v.4, que fala a
respeito das festas em que Israel celebrava as bênçãos de Deus em favor
do povo. O salmo é alfabético, cada uma das vinte e duas frases inicia
com uma letra do alfabeto, começando no primeiro versículo com o álef e
terminando com a letra tau. O salmo encerra com um versículo de sabe-
doria, mostrando que a verdadeira sabedoria vem do Senhor.

Deuteronômio 18.15-20: Este trecho trata de direitos e deveres dos


profetas. Israel é um povo governado por Deus, por isso por diversas vezes
é advertido a respeito da idolatria e de seguir costumes pagãos. Moisés foi
o maior profeta de Israel e tornou-se uma referência e um modelo para
os outros profetas que vieram depois dele. A promessa feita em Dt 18.15
se cumpre, acima de tudo, no NT em Jesus. Este texto fala da sabedoria
de Deus, que fala através dos profetas.

1Coríntios 8.1-13: Paulo, neste texto, fala a respeito de um dos


mais sérios problemas que havia em Corinto, que era o relacionamento
entre pagãos e cristãos. Os cristãos eram poucos em meio a uma socie-
dade pagã, e era necessário que os cristãos estivessem firmes para não
adotarem costumes e ensinamentos pagãos, mas que fossem fiéis aos
ensinamentos de Cristo. Em uma carta escrita a Paulo, os cristãos de
Corinto haviam perguntado se a carne de animais oferecida em sacrifício
a ídolos poderia ou não ser consumida, e Paulo explica que deuses falsos
realmente não existem e por isso não haveria problema em consumir tais
alimentos. Porém o problema gira em torno da fé dos cristãos mais fracos,
que poderiam se escandalizar com tal ato. Por isso Paulo aconselha que,
apesar da liberdade que temos, não precisamos fazer coisas que escan-
dalizem ou possam fazer os nossos irmãos caírem da fé. O cristão que é
mais forte na fé deve ter esta consciência de não fazer alguma coisa que
venha a prejudicar quem é mais fraco na fé.
IGREJA LUTERANA

Marcos 1.21-28: Esta é a primeira vez que Jesus expulsa um espírito


mau, e com esta ação Jesus está derrotando Satanás e acabando com
o seu reino. Estar possuído por espírito mau implica exclusão de cultos
públicos que ocorriam nas sinagogas e no templo. O próprio espírito sabe
quem é Jesus, sabe que Ele é o escolhido e separado por Deus para um
serviço especial.

CONTEXTO

O apóstolo Paulo apresenta, neste capítulo, uma resposta a uma ques-


tão que fora apresentada pelos cristãos de Corinto: é correto um irmão
cristão comer carne de um animal que fora oferecido em sacrifício a um
ídolo? Naquela época, tanto a vida pública como social do povo de Corinto
e das populações de grandes cidades girava em torno de cultos a ídolos.
Muitas festas, tanto públicas como privadas, estavam ligadas ao nome
de algum deus pagão. Dos templos, onde ocorriam os sacrifícios, vinha
uma grande quantidade de carne, que estava à venda nos mercados.
Assim, era encontrada na mesa em geral, sendo difícil evitar o seu uso.
Conseguimos entender a perplexidade dos coríntios, que os levou a fazer
esta pergunta ao apóstolo.
Paulo trata deste assunto falando da importância de não nos funda-
mentarmos somente em uma sabedoria orgulhosa, mas no amor. E que
os cristãos mais fortes na fé podem auxiliar os mais fracos na fé para que
não se escandalizem e nem caiam da fé.

O TEXTO DE 1 CORÍNTIOS 8.1-13

Vv. 1-3: Paulo fala do que tratará neste capítulo, a saber, dos alimentos
oferecidos a ídolos. Muitos dos cristãos de Corinto, assim como muitos
cristãos hoje, tinham a idéia de estarem tão bem baseados em um co-
nhecimento intelectual que se julgavam acima de qualquer dano. Paulo
escreve criticando e alertando estes cristãos, dizendo que esse tipo de
conhecimento enche as pessoas de orgulho, mas o amor edifica. Paulo,
com toda a franqueza, fala que a atitude de uma pessoa, em achar que
tem todo o conhecimento de Deus e de sua essência, e que se considera
acima de qualquer superstição gentia, é pecaminosa.
Quanto mais uma pessoa, movida em toda a humildade e sob a graciosa
condução de Deus, estuda as doutrinas maravilhosas que Deus concedeu
às pessoas em Sua palavra da graça, tanto mais precisa aumentar esta
humildade, e ainda irá dizer: “só em parte o conhecemos, e somente uma
pequena parte disso”.

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QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Conhecer a Deus é saber das nossas limitações e que somos impulsio-


nados pelo seu amor para amarmos o nosso próximo, sem esperar ou exigir
algo em troca, mas por sabermos que fomos amados e por isso podemos
amar. O amor que vem de Deus nos enche de alegria e humildade e não
de orgulho, pois sabemos que nada somos sem Cristo Jesus.

Vv. 4-6: Paulo fala sobre o assunto proposto para este capítulo, afir-
mando que um ídolo não é nada neste mundo, e que não tem sequer
existência neste mundo. A repulsa que alguns cristãos sentiam vinha
especialmente dos recém-convertidos, que deixaram de realizar estes
sacrifícios, como se saíssem das trevas para a luz. Fica aqui somente
uma verdade: só há um Deus verdadeiro, senhor de céus e terra. Lutero
afirma que se há somente um Deus e os deuses nada são, por que deve-
mos atormentar a nossa mente por causa deles? Não há necessidade de
sair quebrando ou destruindo tais imagens. Devemos, sim, é nos afastar
delas e não depositar nelas a nossa confiança, pois isso seria idolatria.
Observando textos como Deuteronômio 10.17 e o Salmo 136.2, vemos
a inexistência de deuses diante do Deus verdadeiro. A palavra “deuses”
se aplica às divindades gentias e a palavra “senhores” ao seu presumido
domínio. Porém nós cristãos temos somente um único Deus, a saber, o
Pai, do qual existem todas as coisas e nós para Ele, e um Senhor, Jesus
Cristo, por meio de quem todas as coisas existem e nós por meio dEle.
Nota-se aqui a veemência com que é ensinada a doutrina de Deus, de
Sua pessoa e de Sua obra principal por nós. E não resta espaço algum
em todo o universo para outras divindades.

Vv. 7, 8: Os cristãos de Corinto sabiam que havia somente um Deus


verdadeiro, porém por terem crescido junto com a adoração a ídolos, eles
não podiam aceitar que não havia nada nos sacrifícios além de carne e
imaginação dos gentios. Paulo escreve por amor aos fracos, dizendo que
não é o que comemos ou o que deixamos de comer que nos torna mais
ou menos dignos diante de Deus. Isso não faz qualquer diferença diante
do Senhor. As coisas externas não afetam nossa situação com Ele. Se
comermos ou não, isso não nos dará mais graça espiritual, nem diminuirá
as bênçãos de que podemos desfrutar.

Vv. 9-13: Paulo, de maneira mais severa, adverte os cristãos a respeito


da consequência de não se dar ouvido ao que ele está falando, não para
o seu próprio bem, mas para o bem do próximo e para o bem do Reino
de Deus. Paulo fala para que não escandalizemos o cristão que é mais
fraco na fé, e que as nossas ações, mesmo que dentro de nossa liberda-
de, têm as suas consequências. Pois quem tem o conhecimento é visto

53
IGREJA LUTERANA

como autoridade, e se fazemos algo que escandaliza, estamos desviando


o nosso irmão e pecando contra Cristo. Por amor aos irmãos o apóstolo
Paulo está disposto a desistir de mais partes de sua liberdade. Abandona-
rá, até, outros alimentos sobre os quais alguém outro possa ainda estar
em dúvida, e não só o alimento ofertado em sacrifícios. O norteador que
precisa regular o uso de coisas e as nossas ações é o amor.
Paulo, quando discute esta questão sobre o consumo de alimentos
sacrificados a ídolos, mostra que o bem-estar espiritual do irmão mais
fraco precisa ser o motivo que regula o comportamento dos cristãos mais
fortes em coisas indiferentes.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: O nosso Deus é o único Deus verdadeiro: Pai, Filho e Espírito


Santo.
Propõe-se a ênfase na ação de Deus em nossa vida, com o seu amor
e cuidado. Expressão de amor maior em Cristo, sacrifício feito em nosso
favor, por amor e graça. Mostrar como muitas vezes nos desviamos da
palavra de Deus dando mais atenção a costumes do que a própria pala-
vra e vontade de Deus. Mostrar o mundo que se desvia, apegando-se a
coisas que vão contra a vontade de Deus (idolatria). Mas, apesar disso,
Deus nos quer ao seu lado, nos dá o seu Filho e liberdade para viver. Esta
liberdade tem o limite do escândalo, onde posso acabar desviando o meu
irmão que é mais fraco na fé. Muitas vezes, como Paulo nos mostra, pelo
bem do evangelho, do Reino de Deus e do nosso próximo, abrimos mão de
alguns costumes para que o nosso irmão não fique escandalizado. Cristo
é o autor e consumador da fé e nos move a vivermos em amor pelo bem
do nosso próximo.

Abiel Lauri Pinnow


Sapucaia do Sul/RS
pinofzinho@hotmail.com

54
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
8 de fevereiro de 2015

Salmo 147.1-11; Isaías 40.21-31; Marcos 1.29-39;


1 Coríntios 9.16-27

SOBRE O PERÍODO

O período de Epifania faz parte do tempo do Natal: são nove domingos


entre o Natal e a Quaresma. Nesse período, celebra-se a manifestação de
Cristo para todas as nações, também aos gentios (manifestação aos reis
magos do Oriente). Nas leituras propostas para todo o período, o primeiro
e o último domingo realçam o batismo e a transfiguração de Jesus, onde
Cristo é apresentado como o Messias, o enviado de Deus. E isso pela “voz”
do próprio Deus.

ALGUNS DESTAQUES ÀS PERÍCOPES DO DIA

Salmo 147.1-11: O Salmo do dia enfatiza a onipotência divina.


Deus tem poder sobre todas as coisas. Em seu conteúdo, é interessante
observar o contraste que o autor faz entre o poder de Deus sobre coisas
grandiosas (aos olhos humanos) e seu poder também sobre coisas simples.
Conforme o salmista, o Senhor é aquele que edifica Jerusalém e “cura
os corações despedaçados” (BJ – Bíblia de Jerusalém); sabe o número e
o nome de cada estrela e “ampara os humildes” (ARA – Almeida Revista
e Atualizada); cobre o céu com nuvens, prepara a chuva para a terra e
“faz crescer a relva nas colinas” (NVI – Nova Versão Internacional); dá
alimentos a todos os animais e também “aos filhos dos corvos quando
gritam de fome” (NVI).
Os dois últimos versículos parecem sintetizar o enfoque do Salmo.
Deus, o todo-poderoso, não se admira com força – nem do “cavalo”, nem
dos “guerreiros”. Seu olhar está voltado, especialmente, aos fracos, “aos
pequenos”, aos de “coração despedaçados”, para aqueles que “esperam a
sua misericórdia”. Na natureza e no seu dia a dia, o salmista percebe “um”
Deus cujo poder e cuidado se estendem desde as coisas mais grandiosas
do universo até a vida mais simples de suas pequenas criaturas. Ligando
ao período, Deus se manifesta como soberano sobre toda a criação e que
cuida das mais frágeis de suas criaturas.
IGREJA LUTERANA

Isaías 40.21-31: Esta perícope se encontra na segunda seção do


livro de Isaías (40-55). Nesta parte, parece se cumprir o que é dito em Is
39.6-7: o povo de Israel e os seus tesouros foram levados para a Babilônia
como prisioneiros e recompensas de guerra. Quando Isaías escreve essa
passagem (40.21-31), certamente pressupõe (ou vê) destinatários tristes
e aflitos por serem prisioneiros em uma terra totalmente estranha. Para
esse povo, Isaías tem uma bela mensagem de lei e evangelho.
Na primeira parte da perícope (vv.21-26), o profeta traça um contraste
entre a grandeza de Deus e a pequenez dos seres humanos: “O Criador
de todas as coisas é aquele que senta no seu trono no céu; ele está tão
longe da terra que os seres humanos lhe parecem tão pequenos quanto
formigas” (v.22 NTLH – Nova Tradução na Linguagem de Hoje). Menciona
Isaías que é Deus quem rebaixa os poderosos e tira as autoridades do
poder (v.23), ou seja, tudo está em Suas mãos. Se o povo está sofrendo,
esse sofrimento veio de Deus.
Na segunda parte da perícope (vv.27-31) está o grande enfoque do
texto, o doce evangelho para um povo aflito. Se no meio da dificuldade pa-
recia ao povo que Deus não se importava mais com eles, isto é desmentido
pelo profeta. O Deus eterno, que criou o mundo inteiro (v.28), que cuida
das estrelas (v.26), é o Deus que “faz forte ao cansado, e multiplica as
forças dos que não têm nenhum vigor” (v.29 ARA). Deus continua a cuidar
dos seus, especialmente dos aflitos e quebrantados de Israel. A ligação da
perícope com o Salmo do dia ou com o período é bastante clara.

Marcos 1.29-39: A perícope indicada nos conta sobre muitos milagres


que Jesus fez na cidade de Cafarnaum. Curou a sogra de Pedro, curou
enfermos e endemoninhados, também “muitos que sofriam de várias do-
enças” (NVI). Como era normal, os milagres de Jesus chamavam muito
a atenção das pessoas. E, além de admiração e curiosidade, suas curas
também geravam comentários entre o povo. Não demorou muito para
que “todos” da cidade estivessem à procura do Jesus curador/milagreiro
(v.37). A partir dessas considerações, é interessante olhar para o final da
perícope, onde Jesus chama os discípulos para “pregar” em outros lugares
e povoações vizinhas. Jesus conclui: “...foi para isso que eu vim” (v.38
NVI). Aqui Cristo começa a “manifestar” o(s) objetivo(s) do seu ministério.
Não veio apenas fazer milagres, mas, principalmente, pregar a palavra de
Deus e, isso, também em “outras povoações”.
Caso seja esse o texto escolhido para a elaboração da mensagem do
domingo, acredito ser interessante apontar para os movimentos de Jesus
no texto, principalmente quando cura a sogra de Pedro. Jesus vai até a casa
onde estava a mulher e, quando fica sabendo da situação dela, vai até o
quarto, segura em sua mão e a ajuda a levantar-se. É muito interessante

56
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

e impactante mostrar essa aproximação de Jesus, especialmente num


contexto em que enfermos eram considerados pessoas indignas, pessoas
que sofriam por causa de algum pecado cometido no passado. Fazendo
um link do evangelho com os outros textos e com o período, percebe-se:
por um lado, Cristo se manifestando como Todo-poderoso – poder sobre
doença e até demônios – e que faz questão de estar próximo e junto
daqueles que sofrem; por outro, o Messias que se manifesta por meio de
sua mensagem de perdão e salvação.

PERÍCOPE ESTUDADA

1 Coríntios 9.16-27: Antes de falar sobre o texto em si, é inte-


ressante olhar para o que vem antes da perícope. No capítulo 8, Paulo
dá um discurso sobre as coisas sacrificadas a ídolos, onde instrui seus
endereçados de que qualquer ação tomada deve ser regida pelo amor e
sempre visando ao outro, especialmente, aos fracos na fé. No capítulo 9,
o apóstolo começa a falar da liberdade e de seus direitos como apóstolo.
Enfoca, principalmente, a ideia de que poderia usufruir de todos os direi-
tos de apóstolo – direito de comer e beber (v.4), de ter esposa como os
outros apóstolos (v.5), de deixar de trabalhar para se dedicar unicamente
ao apostolado (v.6). No entanto, diz que não se serviu de nenhuma des-
sas coisas. Antes, suportou tudo para “não criar qualquer obstáculo ao
evangelho de Cristo” (v.12). A partir dessa argumentação, Paulo constrói
a perícope proposta como estudo.

V. 16: Neste versículo, chama atenção o fato de Paulo não se gloriar


por proclamar as “boas novas”. Para ele, “pesa essa obrigação”. Outras
traduções trazem que lhe é “imposta a necessidade de pregação”. No
original, o termo correspondente é ἀνάγκη, que significa necessidade,
compulsão, pressão, no caso, para anunciar as boas novas de Cristo. O
Léxico Grego-Português do Novo Testamento (Johannes Louw – Eugene
Nida, SBB) designa o termo como “uma obrigação de caráter imperio-
so – obrigação total, necessária obrigação”. Para o apóstolo, o chamado
de Cristo na estrada para Damasco tornou o anúncio do evangelho uma
imperiosa obrigação de sua parte. Como poderia se gloriar, se faz apenas
aquilo que lhe foi ordenado? (conferir Lc 17.7-10).

V. 17: A tradução ARA deste versículo parece não ser a melhor. Ela pa-
rece dar um sentido figurado na tradução. Na primeira parte do versículo,
Paulo usa o termo “pagamento/salário” (μισθός) por um serviço prestado.
Visto que apóstolo está tratando de seus direitos como apóstolo, que envol-
vem, entre outras coisas, o salário, e que está falando claramente aos seus

57
IGREJA LUTERANA

endereçados, por que também não ser claro na tradução? Interessante a


tradução do versículo na BJ: “Se o fizesse por iniciativa própria, teria direito
a um salário; mas, já que o faço por imposição, desempenho um encargo
que me foi confiado”. Paulo entende que se fosse a partir de sua decisão
pregar o evangelho, ele poderia tranquilamente usufruir de todos os direitos
do apostolado, mas, visto que lhe foi imposta essa tarefa pelo próprio Cristo,
desempenha o cargo sem usufruir de todos os benefícios.
Uma última observação sobre o versículo é sobre o termo οἰκονομία,
que é traduzido pela BJ como “um encargo”, pela AVI como “uma incum-
bência”, ARA “responsabilidade de despenseiro”. Colin Brown, em seu
Dicionário Internacional de Teologia do NT, chama a atenção que, pri-
mariamente, o termo utilizado designava a “gerência de um lar” – tarefa
atribuída a um mordomo –, mas que logo se estendeu à “administração
de estado” e, depois, empregado para “todo tipo de atividade que re-
sulta da detenção de algum cargo” (p.292). Chamam atenção algumas
características do mordomo apontadas pelo mesmo autor a partir de Lc
16.1-26: “(mordomo) ...tinha o direito legal de agir em nome do seu
senhor” (p.292). “[são] ...meramente mordomos dos dons que lhe foram
confiados, e devem prestar contas de sua mordomia” (p.293). E, ainda:
“o emprego da palavra oikonomia se movimenta numa segunda direção,
no sentido de “plano da salvação” da parte de Deus” (p.293). Ou seja,
no NT o despenseiro faz parte do plano da salvação de Deus, que é levar
a palavra de Deus a todas as nações. O Léxico Grego-Português do Novo
Testamento designa o termo como “uma tarefa envolvendo organização
e administração – tarefa, responsabilidade”.

V. 18: Paulo continua a sua argumentação. Qual é, então, o seu salá-


rio? (galardão na ARA e no original o mesmo termo do versículo anterior,
μισθός. É que, evangelizando, o anuncia de graça, sem usar seus direitos
de apóstolo. Paulo entende que seu salário, sua recompensa, é poder fazer
a coisa gratuitamente, sem usufruir de seus direitos.

V. 19: Esse versículo faz a ligação do que Paulo fala antes da perícope
estudada com o restante do texto – o “agir em amor”, ou a tratativa do
pastor em cada contexto sem perder o foco que é o evangelho. Neste ponto
seria interessante a leitura do Artigo X da Fórmula de Concórdia, Declaração
Sólida, no Livro de Concórdia, p.654-660. Também a reflexão sobre o mesmo
artigo em GOERL, Otto A. Cremos, por isso também falamos. p.101-105.

Vv. 20-23: Paulo especifica de que maneira, sendo livre, “fez de si


mesmo um escravo” (δουλόω) para ganhar o maior número possível.
“Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar
alguns” (ARA).

58
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Vv. 24,25: Nesta última parte, Paulo muda o linguajar de seu discurso
– faz uma alusão da vida cristã a uma corrida de competição, um linguajar
bem contextual do povo. Para Paulo, devemos nos apresentar na corrida
de maneira que sempre visemos ao prêmio final, certos de que podemos
alcançá-lo. E, assim como qualquer atleta, exercendo autocontrole em
todas as coisas (v.25). O estudioso Lockwood, em seu comentário de 1
Coríntios (Concordia Publishing House), menciona que tanto em tempos
antigos como também nos modernos, qualquer competidor precisa de
renunciar a alguns hábitos a fim de concentrar-se totalmente na prepa-
ração para a meta, exercer controle sobre si mesmo. Esse autocontrole,
segundo ele, “é um dos frutos do Espírito que devem ser encontrados na
vida de todos os cristãos (Gl 5.23; 2 Pedro 1.6). É uma das qualidades
essenciais em um ministro do evangelho (Tt 1.8)”. (p.318). Paulo, nessa
parte, ainda cita a si mesmo como exemplo. Tem seu objetivo bem claro
à frente e visa à vitória, não só sua, mas também de outros. Afinal, ele é
um despenseiro do evangelho que vai à busca de todos.

V. 26: Paulo continua a enfatizar a ideia de meta e de foco. Com a


mesma objetividade de um corredor e de um lutador, ele corre “não sem
meta”, luta “não como desferindo golpes no ar”. Visa sempre ao prêmio
final, a coroa “imortal/incorruptível/ imperecível” (ἄφθαρτος).

V. 27: Nesse versículo, Paulo conclui essa parte de seu escrito. O ver-
bo ὑπωπιάζω – traduzido pela NVI e ARA por “esmurrar”, pela BJ “tratar
duramente” – dá ideia de manter o próprio corpo sob controle completo,
possivelmente como parte de uma disciplina. O Léxico Grego-Português
do Novo Testamento diz que esse significado foi certamente tirado do
mundo do boxe, que significa “manter sob controle, exercer autocontrole”.
Portanto, Paulo mantém seu corpo sob controle, se esmurra (num sentido
metafórico), a fim de deixar seu corpo preparado para o serviço que ele
presta. Isto para que, “tendo proclamado a mensagem aos outros, venha
eu mesmo a ser reprovado” (BJ). Interessante a tradução do versículo na
NTLH: “Eu trato o meu corpo duramente e o obrigo a ser completamente
controlado para que, depois de ter chamado outros para entrarem na
luta, eu mesmo não venha a ser eliminado dela”. Expressa muito bem o
linguajar de competição que Paulo trabalha nessa seção final da perícope
(vv.24-27).

COMENTÁRIO HOMILÉTICO

Às vezes a epístola fica meio deslocada no domingo, meio que disso-


nante do período e do conjunto de leituras. No entanto, tendo visto as

59
IGREJA LUTERANA

ênfases do período e dos textos anteriores, dá, sim, para fazer conexões
entre as mesmas com a epístola proposta. Vemos, nos outros textos, o
grande enfoque à revelação de Deus na natureza e no meio do povo –
revelação por meio da Palavra. O apóstolo é um instrumento de Deus
para levar esta palavra às mais diferentes das nações. De certa maneira,
como representante de Deus, o apóstolo não deixa de expressar através
de suas ações também evangelho de Cristo. No Salmo, na leitura do AT e
também no evangelho do dia, percebemos um Deus soberano que vai ao
encontro dos fracos e que se faz fraco (Deus na cruz) por cada um destes.
O apóstolo, como representante de Deus, também se fez tudo para com
todos, a fim de ganhar alguns.
Mais conexões poderiam ser feitas, mas o estudo é apenas para le-
var à reflexão, não “resolver todos os problemas”. Neste estudo não se
pretende deixar um tema central para elaboração da mensagem, visto
ser interessante construí-la em cima de todo o texto. Mas, sem dúvida, é
bem interessante destacar a fraqueza ou o Deus que se faz de fraco para
ganhar os fracos.

Raul Saulo Pagung


Tailândia/PA
raulspagung@hotmail.com

60
A TRANSFIGURAÇÃO DE NOSSO SENHOR
15 de fevereiro de 2015

Salmo 50.1-6; 2 Reis 2.1-12 ou Êxodo 34.29-35;


2 Co 3.12-13 (14-18); 4.1-6; Marcos 9.2-9

INTRODUÇÃO

O Último Domingo no tempo de Epifania é o Dia da Transfiguração de Nos-


so Senhor. O Evangelho segundo São Marcos 9. 2-9 narra esse grandioso
episódio que, dentro do calendário litúrgico, divide a Epifania do tempo de
Quaresma. Esse momento fascinante do ministério de Jesus Cristo aqui nesse
mundo nos remete imediatamente às palavras de São João: “E o Verbo se fez
carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória,
glória como do unigênito do Pai” (João 1.14). Este é o precioso tesouro de
que a epístola em estudo trata: a luz da glória de Deus que brilha na face de
Cristo! Por isso, o apóstolo Paulo declara: “Não proclamamos a nós mesmos,
mas a Cristo Jesus, o Senhor!” (2 Coríntios 4.5). Portanto, aquele Homem
que se revela no monte da transfiguração é também verdadeiro Deus, que
é anunciado pelos apóstolos por ser o único caminho que nos reconcilia com
o Pai, o único meio que nos concede a maravilhosa graça de Deus!

IMPLICAÇÕES NO TEMPO LITÚRGICO

Liturgicamente, no tempo de Epifania lembramos a manifestação ou


revelação de Nosso Senhor Jesus Cristo ao mundo. A transfiguração mostra
claramente quem é este Jesus: o Cristo, o próprio Filho de Deus! Ele é a
luz que resplandece em todo o tempo da Quaresma, nos ensinando com
as suas palavras e seus atos que, aquele que irá sofrer, padecer e morrer
não é uma vítima de si mesmo. Ele é o próprio Deus (João 10. 30) que
abdica de usar plenamente sua glória e majestade para ir – por amor do
ser humano – em direção à cruz! O dia da transfiguração de nosso Senhor
é o óculos que nos ajuda a “ler” a Quaresma percebendo que a “luz do
mundo, Jesus Cristo” (Hinário Luterano 64.1) certamente é o “Deus na
cruz” (Hinário Luterano 82.1).

ESTUDO DO TEXTO: 2 CORÍNTIOS 3.12-4.6

Vv. 12,13: Ἔχοντες οὖν τοιαύτην ἐλπίδα πολλῇ παρρησίᾳ χρώμεθα


καὶ οὐ καθάπερ Μωϋσῆς ἐτίθει κάλυμμα ἐπὶ τὸ πρόσωπον αὐτοῦ πρὸς
τὸ μὴ ἀτενίσαι τοὺς υἱοὺς Ἰσραὴλ εἰς τὸ τέλος τοῦ καταργουμένου.
IGREJA LUTERANA

“Olhássemos firmemente” (ἀτενίσαι) = olhar de forma intencional,


fixar os olhos. Carrega o sentido de “observar intencionalmente”, ou seja,
um “olhar com expectativa” (esperança).
O Antigo Testamento sempre aponta para o Novo Testamento, afinal,
toda a Escritura Sagrada tem apenas um foco: Jesus Cristo! Então, ao
lembrar este episódio de Moisés, Paulo busca ensinar que o ser humano
pecador não suporta ver a glória de Deus. No entanto, esta é a “glória de
nossa salvação”. Com Moisés essa imagem ainda era incompleta; mas ela
se torna plena em Cristo, quando se revela e se doa ao mundo. Somente
nele e por ele podemos enxergar a glória de Deus, porque ele é o cami-
nho que nos leva ao próprio Pai! Por isso, Paulo mostra à congregação de
Corinto que ela tem, e até em medida mais plena do que Moisés, a glória
do Senhor estampada em seus corações.

V. 14: ἀλλὰ ἐπωρώθη τὰ νοήματα αὐτῶν. ἄχρι γὰρ τῆς σήμερον


ἡμέρας τὸ αὐτὸ κάλυμμα ἐπὶ τῇ ἀναγνώσει τῆς παλαιᾶς διαθήκης μένει,
μὴ ἀνακαλυπτόμενον ὅτι ἐν Χριστῷ καταργεῖται.
“Foram endurecidos” (ἐπωρώθη) = petrificar, endurecer, tornar insen-
sível. Aqui, no sentido de “a mente sendo endurecida”.
Continuando o discurso, Paulo agora remete essa ideia de “véu” para
apontar a cegueira espiritual daqueles que rejeitam o Cristo! Os judeus,
por exemplo, do tempo do apóstolo, que, mesmo ouvindo semanalmente
o Antigo Testamento, não percebiam Cristo presente em cada um daque-
les versos. Também hoje, quando o ser humano em busca de seus ideais
mistura a Palavra do Senhor com vãs filosofias ou procura crer e ensinar
apenas aquilo que lhe interessa. Essa é uma cegueira que nenhum homem
pode curar, somente o Filho de Deus!

Vv. 15-17: ἀλλ᾽ ἕως σήμερον ἡνίκα ἂν ἀναγινώσκηται Μωϋσῆς,


κάλυμμα ἐπὶ τὴν καρδίαν αὐτῶν κεῖται· ἡνίκα δὲ ἐὰν ἐπιστρέψῃ πρὸς
κύριον, περιαιρεῖται τὸ κάλυμμα. ὁ δὲ κύριος τὸ πνεῦμά ἐστιν· οὗ δὲ
τὸ πνεῦμα κυρίου, ἐλευθερία.
“Se tirará” (περιαιρεῖται) = remover tudo ao redor, revelar. No sentido de
“expiar”. “Sobre um véu, remover”; aqui no texto tem ligação com Êx 34.34.
É importante notarmos que essa “remoção do véu” não acontece por
meio de obra humana. O apóstolo deixa bem claro que é a ação do Espírito
Santo que tira o véu e converte o coração do homem. É o próprio Deus
que nos concede a liberdade e o livre acesso à graça do Senhor!

V. 18: ἡμεῖς δὲ πάντες ἀνακεκαλυμμένῳ προσώπῳ τὴν δόξαν κυρίου


κατοπτριζόμενοι τὴν αὐτὴν εἰκόνα μεταμορφούμεθα ἀπὸ δόξης εἰς
δόξαν καθάπερ ἀπὸ κυρίου πνεύματος.

62
A TRANSFIGURAÇÃO DE NOSSO SENHOR

“Somos transformados” (μεταμορφούμεθα) = transformar, mudar,


transfigurar. Indica uma mudança de local ou condição. No NT somente na
forma passiva: “Ser transformado, tanto na mente como no coração”.
Por causa da obra de Cristo, nós refletimos a glória de Deus aqui nesse
mundo; não produzindo uma luz própria, mas compartilhando a Luz do
Mundo. Vivemos essa Luz, Cristo, nas coisas simples da vida: no convívio
familiar, na amizade e nos relacionamentos, no cuidado da criação e tam-
bém nas vocações que o Senhor nos dá. Tudo isso faz parte da liberdade
que temos através do Espírito. O amor reveste de glória as tarefas mais
humildes e servis.

Vv. 1,2: Διὰ τοῦτο, ἔχοντες τὴν διακονίαν ταύτην καθὼς ἠλεήθημεν,
οὐκ ἐγκακοῦμεν ἀλλὰ ἀπειπάμεθα τὰ κρυπτὰ τῆς αἰσχύνης, μὴ
περιπατοῦντες ἐν πανουργίᾳ μηδὲ δολοῦντες τὸν λόγον τοῦ θεοῦ
ἀλλὰ τῇ φανερώσει τῆς ἀληθείας συνιστάνοντες ἑαυτοὺς πρὸς πᾶσαν
συνείδησιν ἀνθρώπων ἐνώπιον τοῦ θεοῦ.
“Desfalecemos” (ἐγκακοῦμεν) = estar exausto, desmaiar. Normal-
mente no NT com o sentido de “desfalecer, sentir medo”.
A obra do Cristo que se revela no monte da transfiguração é o que
faz com que nós não desfaleçamos; mas, nos guia e guarda em nossa
caminhada nesse mundo, nos levanta em cada tropeço, segura nossa
mão e até mesmo nos carrega em seus braços quando necessário. Além
disso, é a misericórdia de Cristo que nos leva a lutar contra aquilo que é
contrário à Palavra do Senhor!

Vv. 3,4: εἰ δὲ καὶ ἔστιν κεκαλυμμένον τὸ εὐαγγέλιον ἡμῶν, ἐν τοῖς


ἀπολλυμένοις ἐστὶν κεκαλυμμένον, ἐν οἷς ὁ θεὸς τοῦ αἰῶνος τούτου
ἐτύφλωσεν τὰ νοήματα τῶν ἀπίστων εἰς τὸ μὴ αὐγάσαι τὸν φωτισμὸν
τοῦ εὐαγγελίου τῆς δόξης τοῦ Χριστοῦ, ὅς ἐστιν εἰκὼν τοῦ θεοῦ.
“Imagem” (εἰκὼν) = semelhança, representação, imagem. Aqui, no
sentido de “cópia, ser igual”.
O problema não é o evangelho. Como adverte o apóstolo Paulo, o pro-
blema está naqueles que rejeitam a graça de Deus. Esses buscam sempre
encobrir o evangelho que amplamente está sendo proclamado e ensinado.
Os textos de Jo 12.31 e Ef 2.2 deixam claro que o deus deste século é o
próprio Satanás. O evangelho revela a Cristo. Satanás não pode ferir o
evangelho em sua essência ou mesmo roubar sua glória. Tudo o que ele
quer fazer é cegar os homens, de forma que não creiam, impedindo, as-
sim, que o evangelho chegue a seus corações. Assim como os discípulos
viram a Deus no monte, nós vemos a Deus no evangelho. Jesus disse:
“quem me vê a mim, vê o Pai.” (João 14.9). Em Cristo, o Deus invisível
se toma visível.

63
IGREJA LUTERANA

Vv. 5,6: Οὐ γὰρ ἑαυτοὺς κηρύσσομεν ἀλλὰ Ἰησοῦν Χριστὸν κύριον,


ἑαυτοὺς δὲ δούλους ὑμῶν διὰ Ἰησοῦν. ὅτι ὁ θεὸς ὁ εἰπών· ἐκ σκότους
φῶς λάμψει, ὃς ἔλαμψεν ἐν ταῖς καρδίαις ἡμῶν πρὸς φωτισμὸν τῆς
γνώσεως τῆς δόξης τοῦ θεοῦ ἐν προσώπῳ [Ἰησοῦ] Χριστοῦ.
“Iluminação” (φωτισμὸν) = iluminação, luz. No sentido de “esclarecer,
trazer à luz”. No Novo Testamento, “luz moral ou espiritual”.
Conhecendo esse evangelho, Paulo sabe que o pregador jamais deve
pregar a si mesmo, mas o próprio evangelho. E o conteúdo desse evan-
gelho, como vimos, é Jesus, que não é somente um ponto principal do
evangelho, mas o todo. Ele não é somente a doutrina central, mas a soma
de todas as doutrinas! Por fim, Paulo lembra que o Criador da luz física
é o mesmo que cria a luz espiritual. Deus não permitiu que as trevas
dominassem no princípio. Quando o pecado entrou no mundo, Deus não
permitiu que Satanás e suas trevas tivessem domínio sobre os homens.
E, agora, o Filho de Deus se revela como sendo esta luz, a verdadeira luz
que resplandece e ilumina o mundo e nossos corações!

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Cristo é a verdadeira luz!


No monte da transfiguração, Cristo foi revelado em uma glória maravi-
lhosa, primeiramente aos discípulos e depois a nós, por meio do evangelho.
O episódio da transfiguração confirma a verdade bíblica de que Deus só
pode ser achado em Cristo! Cristo é o caminho onde enxergamos a glória
do Pai e pelo qual recebemos a maravilhosa graça de Deus!

Helvécio José Batista Júnior


São Leopoldo/RS
juninhovox91@gmail.com

64
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
18 de fevereiro de 2015

Salmo 51.1-13 (14-19); Joel 2.12-19; 2 Coríntios 5.20b-6.10;


Mateus 6.1-6, 16-21

CONTEXTO LITÚRGICO

Desde o Antigo Testamento as pessoas tinham o costume de colocar


cinzas sobre a cabeça para se mostrarem arrependidas e tristes. Temos
narrativas que falam assim: “vestiam-se com panos de saco e cobriam-se
com cinzas”. E esse tornou-se um costume na igreja antiga, sendo utili-
zado para dar início ao período da Quaresma. Aqui, no Brasil, esse dia é
antecedido pelo carnaval, a festa do adeus à carne. Mas, como em todos
os lugares, na quarta-feira de cinzas passa-se a um período de arrepen-
dimento e tristeza. Uma forma de mostrar essa tristeza é através das
cinzas aplicadas sobre a pessoa. Isso por muito tempo foi feito e ainda é
costume em algumas igrejas, a aplicação de cinzas sobre os que vão à
igreja e desejam receber esse sinal sobre eles. Normalmente o oficiante
faz o sinal da cruz com cinza na testa dos participantes.

TEXTOS

Salmo 51.1-13: Este salmo ajuda na compreensão do significado da


quarta-feira de cinzas quando nos faz pensar sobre a real e complicada
situação de Davi diante de Deus ao escrever este texto. Em nosso dia a
dia presenciamos muitas situações parecidas, em que pessoas sentem-se
culpadas por erros do passado e lhes falta um profeta Natã, alguém que
os veja na real situação em que se encontram e também lhes dê o perdão
que vem de Deus para que, assim como Davi, muitos outros possam,
através da visível alegria da salvação, salvar a muitos.
A leitura do Antigo Testamento, Joel 2.12-19, fala sobre o arrepen-
dimento verdadeiro, no qual o povo é chamado a rasgar o seu coração.
Não há nada mais íntimo que o coração, e é no coração que o ser humano
esconde seus pecados, é dali que procedem os maus pensamentos. Por
isso o pedido de rasgarem o coração, não só se arrependerem com a boca,
mas reconhecer que, se há possibilidade de salvação, ela está fora do cora-
ção, fora do ser humano: está em Deus. E essa salvação é uma realidade
ao de coração rasgado, ou seja, aqueles que sabem de sua dependência
de Deus. E essa realidade se mostra ainda hoje, como aconteceu com o
IGREJA LUTERANA

povo do Antigo Testamento onde, conforme o texto, Deus volta a mandar


para eles todo o necessário para o corpo e para a vida. Esse é o rasgar o
coração, colocar-se diante de Deus em dependência, não meramente com
palavras, mas esperar do Senhor a salvação.
Jesus, no Evangelho de Mateus 6.1-6 e 16-21, chama os que o
estão ouvindo a serem verdadeiros, sinceros, honestos diante de Deus e
modestos diante das pessoas. E tudo isso só é possível através do servir
a Deus, seja com o dinheiro, bens ou com a vida em seus ofícios, não
buscar honra para si mesmo, mas deixar a honra ser de Deus. E assim
pode acontecer que nunca nesta vida venha a usufruir de recompensas ou
agradecimentos por causa disso (Lutero). A honestidade diante de Deus,
quando aplicada ao assunto oração, acontece sempre em meio a aflições,
onde há de fato a necessidade de orar, e nessa honestidade está presente
a confiança de que Deus está ouvindo, e ainda nessa honestidade propos-
ta por Jesus está o saber que através dele, Cristo, nós somos atendidos.
Assim, não há necessidade de longas orações, ao contrário, que se diga
a Deus do que precisamos, tanto aquilo que precisamos receber como
também aquilo pelo qual queremos agradecer.

2 CORÍNTIOS 5.20-6.10

O texto em destaque é 2 Coríntios 5.20-6.10. Esse trecho está in-


serido dentro de um contexto maior. Os capítulos 3 até o 7 parecem ter
um assunto especial, o ministério de Paulo e, mais, o próprio ministério
divino. Mas essa dúvida sobre o pregado acaba atrapalhando a crença no
conteúdo, e isso pode ser visto também no texto.

V. 20: A reconciliação entre Deus e os homens é um presente de


Deus à humanidade. Isso está implícito no verbo “sejam reconciliados”
(καταλλάγητε), imperativo passivo do aoristo segundo, que demonstra
a passividade do ser humano na reconciliação e onde os seres humanos
são reconciliados com o seu Criador.

V. 21: O verbo “conhecer” (γνόντα / γινώσκω), particípio masculino


singular acusativo aoristo ativo – aponta para o fato de que o ser humano
é pecador por natureza, pois isso é o máximo que o ser humano consegue
conhecer sozinho. Assim como precisa ser reconciliado por Deus, também
precisa ser levado ao conhecimento de Deus pelo próprio Cristo. Pois Cristo
não conheceu o pecado em sua carne, por isso tem acesso ao Pai, e através
dele e da justiça dele temos acesso ao Pai. Através de Cristo podemos co-
nhecer um Deus diferente. Um Deus que se reconciliou com o ser humano.
Assim, o mesmo saber carnal, triste, sobre a realidade do ser humano é
contrastado com o saber em Cristo, onde há um Deus que se reconciliou.

66
QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Até aqui, nos versículos 20 e 21, o apóstolo Paulo fala sobre reconci-
liação de Deus para com os homens. Agora ele passa a explicar através de
quem isso acontece. Ou seja, começa falar sobre o caráter do ministério
verdadeiro.
No capítulo 6, v.1, Paulo está explicando por meio de quem se dá essa
reconciliação, e podemos ver isso na palavra traduzida como “cooperado-
res” (Συνεργοῦντες) e, logo em seguida, que exortam (παρακαλοῦμεν).
As duas remetem aos ministros de Deus, àqueles que têm como ofício
levar a mensagem da reconciliação da parte de Deus. E, conforme Paulo,
quando esses são atacados, muitos podem perder sua fé, e é isso que vem
a ser a “graça vã”. Pois junto do ataque aos ministros e até a sua rejeição,
também a palavra pode estar sendo rejeitada, e essa era a preocupação de
Paulo em relação aos coríntios. Que, por causa dele, os coríntios viessem
a perder sua fé em Cristo.1

V. 2: O dia da salvação é hoje! Na verdade, Cristo havia morrido há


algum tempo, mas Paulo afirma ser hoje o dia da salvação. Como se dá
isso? Esse dia está, de fato, no passado, mas se torna contemporâneo
através da pregação da reconciliação. O “agora”, “hoje” traz em si um pre-
sente imediato. Algo até urgente, e que faz pensarmos sobre a urgência
em pregar o evangelho.

V. 3: Dar motivo para escândalo (προσκοπήν). Esta palavra ocorre


somente esta vez no texto grego, e é normalmente traduzida como fazer
alguém errar, levar outro a pecar. Existe aqui uma preocupação de Paulo
referente a seu jeito de ser, tendo em vista que ele não queria fazer al-
guém tropeçar.

Vv. 4-10: Agora Paulo apresenta suas credenciais de ministro de


Deus, e a lista que se inicia neste versículo segue até o décimo versículo,
sendo que “na muita perseverança” é um fruto na vida do apóstolo, dos
ministros e de todo cristão. Devido à perseverança segue-se todo o resto,
seja algo mais geral como aflições, privações, angústias, ou então algo
bem pessoal como sofrimentos na carne, como aconteceu com o próprio
Paulo, os açoites, prisões, tumultos. Ou ainda tudo aquilo a que o cristão
se submete por sua própria vontade, sejam trabalhos, vigílias e jejuns.
Isso tudo transparece nos versículos seguintes, como se fossem as cre-
denciais do apóstolo. Aquilo que o apóstolo passou e que são as marcas
do seu ministério.

1
LINDEN, Gerson Luis. Estudo exegético de 2 Coríntios 6.1-10 e aplicação ao ministério da
igreja hoje. Igreja Luterana, n.2, 1997, p.165ss.

67
IGREJA LUTERANA

PONTOS DE CONTATO

A ênfase de vida do apóstolo Paulo está no levar o evangelho. Essa


é a ênfase do ministro de Cristo: levar o evangelho, esse evangelho que
reconcilia com Deus, que faz com que pessoas “abram seu coração” diante
de Deus como pede o profeta Joel. E viva uma vida de “verdadeiro arre-
pendimento”, como disse Jesus no evangelho, onde a cada manhã possa
ter a certeza de que Deus vem e se reconcilia com o ser humano. Esse
evangelho é que Paulo está defendendo, e através desse ministério que
ele, mesmo com sofrimentos, pode dar alegria e também alegrar-se.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Embora o texto fale mais para o ministro, ele traz o conteúdo essencial
da fala do ministro, ou seja, o ministro como reconciliador, aquele que está
em nome de Deus buscando os perdidos. Assim sendo, poderia se ter um
tema voltado à reconciliação, tendo por objetivo destacar a reconcilia-
ção feita por Deus e o ministro como colaborador de Deus nesse sentido.
Pois o assunto ministério é importante aos ouvintes, pois é através do
ministério que são reconciliados.

Jorge Valdir Falk Junior


Laranja da Terra/ES
jorge_falk_jr@hotmail.com

68
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA
22 de fevereiro de 2015

Salmo 25.1-10; Gênesis 22.1-18; Tiago 1.12-18; Marcos 1.9-15

CONTEXTO LITÚRGICO

Tradicionalmente, o tema para o Primeiro Domingo de Quaresma nos


remete ao tema da tentação, particularmente a tentação de Jesus no
deserto, como o evangelho do dia determina. A série Trienal segue aqui
a tradição.

LEITURAS

Salmo 25.1-10: Este salmo de Davi é uma súplica pelo auxílio e


misericórdia de Deus. Ele reconhece que é um ser humano pecador e
que através da oração e pela súplica devemos buscar forças para vencer
as tentações, em Deus (vv.1-3). Pede que Deus não se lembre dos seus
pecados (v.7). E Davi também quer aprender a guardar a aliança e os
testemunhos de Deus (v.10).

Gênesis 22.1-18: A leitura do Antigo Testamento nos relata mais uma


provação à qual Abraão foi submetido. Anteriormente Abraão já havia sido
provado em sua confiança em Deus: sair de sua terra e aguardar a pro-
messa do nascimento de um filho. Também já havia utilizado sua amizade
com Deus para interceder por Sodoma e Gomorra. Poderíamos esperar que
Deus já estivesse satisfeito com as provas de fé e comunhão que Abraão
já demonstrara. Mas eis que surge um fato novo, completamente fora e
acima dos padrões de testes que Deus já fizera com alguém de seu povo.
O pedido de Deus a Abraão para sacrificar seu único filho Isaque dirige
nossa total atenção ao sacrifício do Filho unigênito de Deus na cruz.

Marcos 1.9-15: O relato sobre a tentação de Jesus acontece no início


de seu ministério, pois é bem no começo de seu ministério adulto que o
Filho de Deus luta contra o grande inimigo. Isto não quer dizer que não
tenha havido ataques anteriormente, e sabemos que houve depois (Mt
16.23; Lc 22.28). Mas este ataque foi algo especial. Foi uma tentativa
de derrotar o Messias, bem no princípio de sua atividade pública como o
Salvador do mundo.
IGREJA LUTERANA

O TEXTO DE TIAGO 1.12-18

V. 12: O apóstolo Tiago enfatiza a tentação quando inicia o versículo


com o termo “bem-aventurado”. Bem-aventurado é aquele que suporta a
tentação, aquele que é perseverante, que não cai nela. Conclui também
dizendo que após ser aprovado, receberá a coroa da vida eterna, ou seja,
o assunto tentação deve ser visto com seriedade, principalmente pelos
cristãos. O próprio Jesus nos alerta em sua oração dominical: “E não nos
deixes cair em tentação”.

Vv. 13-15: Geralmente a tendência do ser humano é querer se des-


culpar dos seus erros e pecados diante de outras pessoas, ou até mesmo
culpar o próprio Deus. Mas Deus é santo e perfeito, ou seja, não existe
mal nele e nem há prática do mal em seus atos. Em Deus temos a fonte
de todo o bem. As pessoas geralmente vivem em busca de um ideal e,
por conta disso, cobiçam esse ideal; consequentemente, em busca disso
sacrificam até o próximo.

Vv. 16,17: Como foi dito anteriormente, sendo santo e perfeito, não
existe em Deus mal nenhum, sendo ele a fonte de todo o bem. Neste
trecho o apóstolo confirma isto quando diz: “Toda boa dádiva e todo dom
perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode
existir variação ou sombra de mudança” (17). Deus é imutável. O Deus
que criou o universo, que libertou seu povo da escravidão, continua sendo
o mesmo Deus todo-poderoso que é a fonte de todo bem. Por isso, con-
fiamos que a tentação para o mal jamais vem de Deus.

V. 18: “Pois, segundo seu querer, ele nos gerou pela palavra da
verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas”.
Todos nós nascemos mortos, mas pelo batismo nascemos de novo
como o próprio Jesus relata no Evangelho de João 3.1-16. Como filhos
amados de Deus, agora somos as primícias, ou seja, temos todos os
privilégios para com Deus, somos as principais criaturas e, por conta
disso, ele nos dá a força necessária para vencermos as tentações do
mundo e da nossa carne.

PROPOSTA HOMILÉTICA

I. A tentação para o mal não procede de Deus


- Deus é santo e perfeito
- Em Deus não há sombra de mudança

70
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA

II. De onde procede a tentação?


- De nossa natureza humana
- Do mundo
- Do diabo

III. Como resistir às tentações?


- Oração
- Confiando em Deus

IV. Conclusão
- Somos filhos amados de Deus através do batismo
- Somos a primazia de Deus.

Malco Rafael Grinevold


São Leopoldo/RS
malcorafael@hotmail.com

71
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA
1º de março de 2015

Salmo 22.23-31; Gênesis 17.1-7; Romanos 5.1-11;


Marcos 8.27-38

CONTEXTO HISTÓRICO E LITÚRGICO

Paulo havia terminado seu trabalho no Oriente. Após isso, então,


queria ver Roma novamente. Seu maior desejo para isso era enriquecer e
ser enriquecido pelo convívio com os cristãos de lá, pois ele tinha planos
de fazer uma viagem até a Espanha com o apoio dos cristãos de Roma.
Então Paulo escreve esta carta em preparação a sua visita, pois queria
fazer de Roma sua base missionária no Ocidente. A carta aos Romanos
tem um profundo conteúdo. Paulo a escreveu assim porque deseja que
aquela igreja, como sua futura base, tivesse um conhecimento completo
e aprofundado do evangelho. Também não pode ser negado o fato de a
igreja romana conter elementos judaicos em seu meio. Por isso havia a
necessidade de apresentar o contraste entre a livre graça de Deus e as
exigências da Lei, judaísmos. Ele expõe longamente o tema da salvação
de Deus, apresentada pela pregação do evangelho, primeiro aos judeus,
cujo papel histórico de povo escolhido os credencia a serem os primeiros,
e, em seguida, aos gentios.
O apóstolo Paulo nos fala de fé. Também deixa clara nossa situação
de pecadores. Na carta aos Romanos, o apóstolo fala de certo modo
que todos os seres humanos têm uma igualdade em relação ao peca-
do. Todos pecaram, e por Cristo todos têm a salvação. Por causa de
elementos do judaísmo o apóstolo cita Abraão, pai do povo de Israel,
que foi circuncidado, mas que não foi salvo por causa desta circunci-
são, e sim por causa de sua fé. A perícope de Rm 5.1-11 trata sobre
a justificação, ou seja, ser aceito por Deus por intermédio de Cristo.
Assim como Abraão, nós também somos aceitos por Deus através da
fé em Jesus Cristo.

TEXTO

V. 1: No tempo do Antigo Testamento, para ter paz com Deus era


necessário estar em dia com os conformes da lei. Isso é, observar todos
os ritos e normas que a mesma exigia. Observar dias, luas, jejuns e fazer
todos os sacrifícios de expiação pelos pecados. Em Cristo, que fez a obra
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

vicária, ou seja, padeceu sob a lei, estamos todos justificados, e por meio
da fé, temos paz com Deus.

V. 2: Antes nossas esperanças tinham por base o que cada um precisava


fazer para merecer o perdão. Agora, em Cristo, temos a certeza do perdão
e a esperança não necessita de nossos esforços, e sim, de Deus.

Vv.3,4: Somos justificados dos pecados, eles estão perdoados, não


há qualquer obstrução entre Deus e nós. Por isso também nos gloriamos
em tribulações, e delas fazemos o nosso orgulho. A presença delas e a
sua aflição não nos são uma fonte de lamentação, mas de regozijo, visto
que sabemos que a tribulação é seguida por paciência, e a paciência por
aprovação, e aprovação por esperança. As aflições da vida atual resultam
todas em nosso benefício, pois nestas provações a nossa fé é exercitada
e aprovada.

V. 5: Agora é exposto pelo apóstolo o motivo por que a esperança do


cristão não o envergonha, não se prova uma ilusão: pois o amor de Deus
é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.
O amor de Deus, aquele amor que Ele tem por nós, do qual ele nos deu
uma prova e demonstração definitiva na morte de Seu Filho, Jesus Cristo.
Este amor foi derramado abundantemente, e ainda está sendo derramado
em nossos corações.

V. 6: O amor de Deus é a firmeza da esperança do cristão. Pois Cristo


morreu pelo ímpio, quando ainda éramos fracos, quando nós estávamos
numa condição de incapacidade de praticar qualquer coisa boa. Foi aí en-
tão que Cristo veio e padeceu por todos, foi aí que veio a obra vicária de
Cristo, que culminou em sua morte na cruz, que foi uma morte em nosso
lugar, como nosso substituto.

Vv.7,8: Dificilmente alguém coloca sua mão no fogo por outra pessoa,
quanto mais morrer em lugar dela. Pode ser que por amor a alguém dentro
família isso possa acontecer. É aí que culmina o sacrifício de Cristo, pois
ele veio a padecer quando todos estavam perdidos e cheios de pecados,
pois todos estavam destinados ao inferno. O efeito do sacrifício vicário de
Cristo continua por todos os tempos; hoje ele (efeito) existe para todas as
pessoas, mesmo que estes sejam extremamente indignos e não mereçam
a menor demonstração de amor.

V. 9: Se tamanha graça nos foi manifestada quando ainda estávamos


no pecado, quanto mais agora que estamos justificados. Sendo inimigos,

73
IGREJA LUTERANA

fomos justificados pelo sangue de Cristo; sendo seus participantes e


companheiros na paz, seremos preservados da ira e do castigo do grande
dia final.

Vv. 10,11: Nossa justificação é a garantia de nosso livramento da ira


vindoura. Éramos ímpios, mas agora nos tornamos justos, retos e seguros
contra a condenação. O apóstolo repete esse pensamento para imprimir
sua verdade confortadora aos cristãos. Se, quando éramos inimigos e
objetos do desagrado de Deus, fomos reconciliados com ele e colocados
na posse de sua graça, quanto mais seremos salvos por sua vida, visto
que fomos reconciliados e restaurados à sua graça!

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: Perseverando em Cristo.


Objetivo: Mostrar que tudo vem de Deus. Nada acontece sem ter
a permissão de Deus, pois todos os domínios e potestades estão sob o
controle de nosso Pai celeste.
Assunto: Fortificando em Cristo para salvação e testemunho.
I. Perseguidor do cristão. O inimigo sempre nos ronda com objetivo
de abalar nossa fé, deixando-nos, assim, com medo. E, por fim, fugir,
abandonar a igreja.
II. O medo leva a buscar auxílio em outros lugares. Abandonando
a fé por causa do medo, a tendência é procurar por ajuda fora do meio
cristão. Assim a pessoa tende a se distanciar cada vez mais do Salvador
e esse distanciamento pode causar consequências não só aqui, mas tam-
bém na eternidade.
III. A solução está em Cristo. O mundo sempre vai colocar situações
para nos desviar da fé. O medo faz parte de nossa natureza falha. A notícia
é que temos Cristo ao nosso lado. Ele nos disse que seremos perseguidos
por causa do seu nome. Ele venceu o mundo e nos capacita a vencer
também. Pois em Cristo estamos aprovados por Deus. O medo é só mais
uma barreira posta pelo diabo para nos fazer cair da fé, no entanto, em
Cristo já somos vencedores e aprovados por Deus.
Conclusão: Já estamos aprovados por Deus em Cristo. Todas as dificul-
dades que aparecerem são apenas barreiras nos colocando dificuldades para
viver nossa fé em Cristo. Essas barreiras são ótimas oportunidades para exer-
cermos e fortificarmos nossa fé, e assim perseverarmos em Cristo. Além de
perseverar, damos grandes testemunhos aos que ainda estão fora da fé.

Vans Mar Ladislau do Nascimento


São Leopoldo/RS
wansmar@yahoo.com.br

74
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA
8 de março de 2015

Salmo 19; Êxodo 20.1-17; 1Coríntios 1.18-31;


João 2.13-22 (23-25)

INTRODUÇÃO

Basta um olhar de relance no setor sobre espiritualidade nas prateleiras


das livrarias da cidade e você vai encontrar uma enormidade de livros
que tratam de técnicas que irão solucionar todos os problemas da vida e
conduzi-lo ao sucesso pleno. Princípios de meditação, ioga, pensamento
positivo, religiosidade pop. Há promessas de felicidade e paz que – se
corretamente seguidas, claro – vêm até você. Mas esta ajuda se estende
também no entorno, na recuperação da saúde física, perda de peso e cura
do câncer. E não estou a falar apenas de livrarias da Nova Era; refiro-me
também a livrarias cristãs que estão, infeliz e gradativamente, se abas-
tecendo desse tipo de literatura. Suas prateleiras estão se enchendo de
livros que propõem maneiras de como usar Deus para se adquirir boa
saúde, felicidade e prosperidade. Há livros cristãos de dieta, de técnicas
de gerenciamento exemplificadas em Jesus Cristo e de métodos usados
por Jesus como o maior vencedor.
A tal tipo de espiritualidade, centrada no sucesso e no poder, Lutero
chama de “teologia da glória”. Claro que ela é atraente. Naturalmente
queremos o sucesso, desejamos a vitória, almejamos a felicidade. Mas,
em vez disso, em nosso texto, Deus nos fala da “teologia da cruz”– um
tema mais que oportuno neste Tempo da Quaresma.

TEXTO E CONTEXTO

A teologia da cruz vai no contrafluxo de toda a teologia natural do ser


humano. Este é o argumento do apóstolo Paulo à igreja de Corinto. Por mais
que se ornamente a palavra da cruz, o mundo sempre a achará intragável.
Porque o mundo marcha num ritmo diferente e em outro compasso. O
entusiasmo do mundo segue sempre o caminho que aparenta atração e
sucesso, a saber, a teologia da glória. Entretanto, na contramão da busca
desenfreada pelo glamour, sucesso e imagem, Paulo surpreende com a
“palavra [teologia] da cruz” (1.18-25). Apenas esta sóbria e impactante
palavra proverá os cristãos de Corinto com o fundamento para superar
suas divisões e restaurar sua comunhão em Cristo.
IGREJA LUTERANA

As expressões “teologia da glória” e “teologia da cruz” foram cunhadas


por Lutero no Debate de Heidelberg, em 1518. Na tese 20, por exemplo,
Lutero cita 1Co 1.21,25 e continua: “Não é suficiente e de nada serve
alguém reconhecer Deus na sua glória e majestade a não ser que esse
alguém o reconheça na humildade e vergonha da cruz. Assim Deus destrói
a sabedoria do sábio. [...] Por isso, verdadeira teologia e reconhecimento
de Deus acontecem no Cristo crucificado”.
O ponto focal do texto é a “palavra da cruz” (v.18). Acontece, entre-
tanto, que o modo padrão do ser humano é afastar-se da cruz, um evento
tão repugnante e trágico que seria grotesco e blasfemo lincá-lo com Deus.
Paulo demonstra esse afastamento em duas ênfases. Primeiro, Paulo destaca
o desejo dos judeus por um sinal claro (v.21) que com poderes divinos
identifique e certifique o Messias de Deus. Talvez seja um pedido plausível
visto que sua história estivera repleta de falsos messias. No evangelho
de hoje os judeus pedem “sinal” (shmei/on – Jo 2.18) que justifique o
motivo da varredura dos cambistas no templo. Afinal, qualquer atividade
relacionada ao templo tem a ver com Deus – nesse caso, o próprio Jesus
(cf. Jo 2. 16). Mas o pensamento/figura/imagem de um “Messias crucifi-
cado” (Cristo,j evstaurwme,noj – v. 23) simplesmente parece um absurdo,
uma contradição em termos, a maior pedra de tropeço (ska,ndalon – v.
23) porque crucificação (execução) era “sinal” de culpa e rejeição divina,
ou seja, a ausência – e não presença – de Deus. Era sinal de ira de Deus
e não redenção da Sua parte. A cruz não é o caminho para Deus, mas o
sinal da separação dEle.
A segunda ênfase de Paulo está na sabedoria deste século (v. 20).
Ouve-se, em Paulo, o eco do profeta Isaías. As três primeiras perguntas
são retóricas e ironizam esta sabedoria. No seu contexto original em Isa-
ías, a primeira pergunta – “onde está o sábio?” – zomba dos sábios de
Faraó por não poderem prever os juízos divinos sobre o Egito (Is 19.12).
A segunda pergunta, também do profeta – “onde o escriba?” –, refere-se
ao povo estrangeiro atrevido de fala ininteligível que altera registros para
sobretaxar Israel (Is 33.18). A terceira pergunta – “o inquiridor deste
século?” – é uma livre formulação do apóstolo e seu alvo são os que ar-
gumentam contra o conhecimento de Deus revelado em Jesus Cristo. Os
holofotes das duas primeiras vão para os judeus, especialmente a segunda;
enquanto os da terceira são para os gregos.
Os judeus são existencialistas, pensam no aqui e agora formulando
perguntas preto no branco. Querem apenas uma corroboração, uma certeza
inequívoca da veracidade do Messias. Mas a ironia é que Paulo apresen-
ta um “sinal” – shmei/on – que é um verdadeiro ska,ndalon. Um “Messias
crucificado” é uma contradição, um soco no estômago dos judeus e da
natureza humana, enfim.

76
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

No lado oposto, os gregos eram um povo mais sofisticado com uma


reflexão profunda sobre o significado e o valor da vida. Não buscavam sinais
que corroborassem os messias, mas uma chave que escancarasse os misté-
rios do mundo e da vida. Os gregos eram famosos por sua sabedoria. Mas
a imagem da cruz estava bem distante dela. Gregos e romanos, sedentos
de poder, consideravam a noção de um Messias crucificado simplesmente
ridícula. Já Cícero, estadista romano do primeiro século a.C., expressava
a repugnância dos romanos à cruz. Alertava ele a seus compatriotas: “Fi-
que claro que a palavra cruz esteja distante não apenas dos corpos dos
cidadãos romanos como também do seu pensamento, seus olhos e seus
ouvidos”. Paulo, como cidadão romano, conhecia muito bem essa sabedoria
greco-romana e sua ojeriza à cruz. Ele a experimentara viva vox no seu
debate com os filósofos epicureus e estoicos no areópago de Atenas (At
17.18). Para os gregos, a visão de Deus era tão espiritualizada, etérea e
virtual que a própria ideia de sua encarnação era totalmente improvável
porque imprópria de uma divindade. Logo, para estes, a “palavra da cruz”
era ainda mais ridícula, absurda e louca.
Na contramão da sabedoria e das expectativas humanas de judeus,
gregos/romanos e gentios em geral (1Co 1.23), Paulo apresenta a sabe-
doria que lhe foi revelada: “a palavra da cruz” cujo foco é a mensagem:
“mas [de.] nós pregamos a Cristo crucificado” (v. 23). Este é o paradoxo:
um Messias despojado de sua dignidade real, executado como criminoso,
condenado por Deus e, em suma, “crucificado em fraqueza” (2 Co 13.4).
Mesmo no seu estado ressurreto e glorificado, Cristo ainda vive como o
crucificado; ele ainda carrega as marcas da sua crucificação (Jo 20.24-29).
Cicatrizes não doem, mas são evidência de sua luta e vitória. O triunfante
“Leão da tribo de Judá” (Ap 5.5) é ao mesmo tempo o “Cordeiro que foi
morto” (Ap 5.6; 12; 13.8).
Nessa análise entre judeus e gregos/gentios, Paulo apresenta um
terceiro grupo de pessoas formada a partir desses dois outros grupos.
A este grupo, “os que foram chamados” (1.14), pertencem os coríntios
junto com os demais cristãos (1.2,18) e também o apóstolo (1.1). Para
estes, Cristo não é escândalo nem loucura, mas “poder de Deus e sabe-
doria de Deus” (1.24). O shmei/on é sim o “Messias crucificado”, porque o
interesse de Deus não está em tornar prazerosa a vida das pessoas, mas
em tirá-las da perdição (1.18), perdoando seus pecados e inserindo-as
na comunhão com Deus.
O “Messias crucificado” é a sabedoria (swfi,a) de Deus não porque Ele
revela os mistérios do mundo, mas porque apenas Ele pode reconciliar o
mundo com Deus. Longe de ser insolente para Deus e indigna de Deus, a
crucificação é o lócus onde Deus mais se aproxima da nossa dor, nossas
fragilidades, nossa culpa. O “Messias crucificado” não é outro senão o

77
IGREJA LUTERANA

cumprimento do Messias encarnado. Para isso nasceu, para isso morreu


e ressuscitou. Suas cicatrizes, longe de serem humilhação e vergonha,
são meios (shmei/on) que Ele emprega para nos dar garantia fática de que
é nosso Messias e nosso Redentor, o Cordeiro Vencedor.

Sugestão de tema: “A Palavra da Cruz”.

Acir Raymann
São Leopoldo/RS
acir.raymann@gmail.com

78
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA
15 de março de 2015

Salmo 107.1-9; Números 21.4-9; João 3.14-21; Efésios 2.1-10

LEITURAS DO DOMINGO

As leituras deste domingo dão oportunidade para falar do Deus que


salva o seu povo de todas as suas tribulações e de uma forma absoluta-
mente graciosa. O Salmo 107.1-9 é um convite a louvar o Senhor por
seu amor infalível. De forma particular, nesse salmo, a atenção de Deus
para com aqueles que nas suas angústias pedem socorro a Ele.
A leitura do Antigo Testamento, Números 21.4-9, é uma narrativa que
ilustra bem esse amor infalível de Deus quando seu povo clama por socorro.
Não obstante as pessoas terem tido uma atitude impaciente, Deus ouviu o
“choro” de Moisés e providenciou salvação para todos os que olhavam para
a serpente de bronze. Vale lembrar que aqui tinha a palavra [promessa] de
Deus, depois, mais tarde, essa serpente virou ídolo e ineficaz, em função
de que não estava presente a palavra de Deus (2 Rs 18.4).
A narrativa da serpente de bronze é lembrada por Jesus no seu en-
contro com Nicodemos, João 3.14-21, que provavelmente estava bem
familiarizado com o episódio. Muito familiar também, para muitos, é o texto
de João 3.16, que, visto no todo, levará à verdade de que a salvação vem
unicamente e de graça, através de Jesus Cristo, que foi erguido na cruz
para revelar o infalível amor de Deus pela humanidade.
A epístola, Efésios 2.1-10, apresenta outra passagem “poderosa” e
bastante familiar os nossos ouvidos: Efésios 2.8. Junto com a importância
de ensinar o povo de Deus a esperar no seu amor infalível em todas as
tribulações e pecados, é importante observar que João 3.16 vem junto
com a cruz e Efésios 2.8-9, com a ordenação das boas obras por parte
do próprio Deus.

A CARTA DE EFÉSIOS– ALGUMAS ANOTAÇÕES

A carta de Efésios é, por assim dizer, um dos “textos favoritos” dos


luteranos. Afinal, é nela que a formulação do evangelho “por graça, através
da fé, por causa de Cristo”, recebe contornos fortes e claros. Por isso, não
é à toa que um trecho (Ef 2.8,9) se tornou o “carro chefe” da doutrina da
justificação pela fé.
“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é
dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (ARA, 1993).
IGREJA LUTERANA

“Pois pela graça de Deus vocês são salvos por meio da fé. Isso não
vem de vocês, mas é um presente dado por Deus. A salvação não é o
resultado dos esforços de vocês; portanto, ninguém pode se orgulhar de
tê-la” (NTLH, 2008).
“Com efeito, é pela graça que vós sois salvos por meio da fé; e isso
não depende de vós, é dom de Deus. Isto não vem das obras para que
ninguém se orgulhe” (TEC, 1994).
“Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é o
dom de Deus: não vem das obras, para que ninguém se encha de orgu-
lho” (BJ, 1985).
Esse é o tema principal da carta aos Efésios e por isso é compreensível
que a doutrina da justificação pela fé é que deve ser enfatizada. E, pelo
visto acima, nenhuma das quatro traduções citadas deixa qualquer dúvi-
da sobre essa verdade. Ela é central e não pode deixar de ser pregada e
ensinada nunca, com o risco, caso não se faça, de os cristãos se tornarem
presunçosos ou desesperados.
O apóstolo Paulo deseja que o ensino da graça seja compreendido,
celebrado e vivido em sua plenitude. Desde a eternidade Deus elegeu,
em Jesus Cristo e com a garantia do Espírito, seus filhos à salvação eter-
na, por graça. Esse ensino da eleição divina é um dos mais confortantes
ensinos da Escritura, na medida em que nem mesmo a nossa fé, nem a
salvação dependem da nossa fraca, incapaz e incoerente vontade, mas da
graciosa vontade e do infalível amor de Deus revelado na cruz de Jesus e
apresentado na sua Palavra. Deus é a fonte da nossa salvação e de todas
as outras dádivas possíveis. Dá para entender? Não, apenas crer, pois
Deus é amor (1 Jo 4.8).
Contrastado a esse incondicional amor de Deus está a verdadeira ten-
tação do ser humano: o de se fazer “deus”. Fazer-se deus considerando-se
o centro do universo, seja ele grande ou pequeno. É procurar sua própria
glória, ao invés de receber a verdadeira vida das mãos de Deus. Por isso
não é “chover no molhado” pregar, ensinar e colocar em destaque na li-
turgia, na pregação, no boletim informativo e em todos os meios possíveis
o legítimo evangelho do perdão, da vida e da salvação por graça, sem
mérito algum da parte do indivíduo.
Pregação e ensino sobre a justificação pela fé são um lado fundamental
da moeda, mas não são tudo. Tem o outro lado também. Paulo não diz que
viver como um salvo pela graça é apenas em benefício pessoal. Somos
recriados por Deus em Cristo Jesus “para boas obras, as quais Deus de
antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10).
A existência cristã é para “louvor da glória de Deus” (1.6) e o cum-
primento climático em Cristo (1.10). Depois de orar para que os cristãos
de Éfeso distingam essa verdade (1.15-24), Paulo apresenta o passo a

80
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

passo para que ocorra esse cumprimento pleno. Primeiro, ele reconciliou
consigo mesmo os indivíduos (2.1-10). Segundo, ele reconciliou esses in-
divíduos uns com os outros, pois com sua morte, Cristo derrubou barreiras
de separação existentes (2.11-22). Mas Deus foi mais longe. Ele montou
desses indivíduos um corpo, a igreja. Um mistério, é verdade, mas que foi
revelado a Paulo (3.1-6). Agora é possível dizer com maior clareza o que
Deus tem proposto para a igreja, a saber, que a multiforme sabedoria de
Deus se faça conhecida nos lugares celestiais (3.7-13).
Pela repetição de “reinos celestiais” (1.3,20; 2.6; 3.10), é possível
concluir que a existência cristã não é restrita a uma dimensão terrena,
mas ela recebe sentido e significado dos céus, onde Cristo está exaltado
à direita do Pai (1.20).
Porém, essa existência celestial é vivida aqui na terra, na igreja, na
sociedade, na família e no trabalho. Nessas esferas Deus também opera
através dos seus filhos salvos por graça. Por isso, a justificação pela fé
não é objeto apenas de ensino, mas de vida a ser vivida sob a certeza da
justificação pela fé.
Jesus Cristo concedeu aos membros de sua igreja dádivas para os
tornarem aptos a viverem na promoção da unidade e maturidade da igreja
(4.1-16) e a nova vida em pureza [não puritanismo], na sociedade (4.17-
5.21), família (5.22-6.4), trabalho (6.5-9) e nas lutas espirituais de cada
um (6.10-20), através da assistência divina do Espírito Santo.

REFLEXÃO HOMILÉTICA

Um dos recursos didáticos usados por Martinho Lutero era o de contar


histórias bíblicas, ou eventualmente outras histórias. Com isso, ele tinha
como alvo providenciar instrução, direção e o cultivo da vida cristã em
seus ouvintes. Isso não foi uma invenção dele. Com base nos escritos
de um antigo historiador romano, Marcus Varro, ele diz que “o melhor
jeito para ensinar é adicionar um exemplo ou ilustração, para ajudar o
entendimento e a retenção do que é ensinado” (KOLB, Robert. Stories of
God, 2013, x).
Ensinar a justificação pela fé e a produção de obras dessa fé não é
fácil. Seguindo o princípio citado por Lutero, minha sugestão é recontar
a parábola do Credor Incompassivo, para ilustrar a imensidão do perdão
gratuito que recebemos de Jesus, contrastando com a dificuldade de nosso
perdão aos nossos devedores. É verdade, isso pode soar Lei. Mas não é
esse o objetivo. A ideia é contrastar, mas não com ares de fatalismo, como
se não fosse possível perdoar as ofensas a partir do perdão de Jesus e
viver uma vida piedosa na vocação que Deus nos colocou, possível de ser
vivida através de Jesus.

81
IGREJA LUTERANA

O fato é que tudo começa com o perdão. O perdão gratuito de Jesus. A


falta dele diante de Deus gera condenação e diante das pessoas estresse
e doenças (WESTPHAL, Euler. Brincando no paraíso perdido, 2006, p.152).
Ódio e culpas não confessadas geram todo tipo de infortúnio emocional,
físico e espiritual. Por isso, o ensino e a vivência da justificação pela fé
não são artigo para ser apreendido só intelectualmente, mas ser vivido
horizontalmente na família, na igreja, no trabalho e na sociedade.
Falar em horizontal, outra dica é explorar o conceito das duas justiças
expresso por Lutero no Prefácio do Comentário aos Gálatas. Lá, ele deixa
claro o domínio, a responsabilidade e a ação de Deus e até onde vai a
responsabilidade humana.
Justiça Passiva – Nada a fazer – A justiça que não pode ser
extraviada de jeito nenhum
“Assim como a própria terra não produz a chuva e nem pode adquiri-la
por alguma obra sua, por cultura ou por forças próprias, mas, tão somente,
a recebe por um dom celeste do alto, assim, sem a nossa obra e mérito, a
justiça celeste nos é dada como um dom divino. Pois, tanto quanto a terra
árida é capaz [nada, diga-se de passagem], de efetuar, por si mesma, a
obtenção de uma rica e felicíssima chuva, tanto também nós, homens, por
nossas forças e obras, somos capazes de conseguir aquela justiça divina,
celeste e eterna, que obtemos, apenas, pela imputação gratuita e pelo
indizível dom de Deus” (LUTERO, 2008, p. 31).
Nesse sentido, não há nada, absolutamente nada que se possa fazer
para obter essa justiça [fé, perdão, vida, cuidado e salvação], apenas
saber e crer em Cristo Jesus, Senhor e Salvador.
Justiça Passiva – Tudo a fazer – Justiça a ser aplicada com
moderação e cautela
Quando tenho essa justiça em mim, desço do céu como a chuva que
fecunda a terra, isto é, avanço para dentro de um outro reino e faço boas
obras onde houver oportunidade. Se sou ministro da Palavra, prego,
consolo os fracos, administro os sacramentos. Se sou pai de família, go-
verno o lar, a família e educo os filhos na piedade e na honestidade. Se
sou magistrado, exerço o ofício confiado a mim da parte de Deus. Se sou
servo, cuido fielmente das coisas de meu senhor. Enfim, todo aquele que
sabe, com certeza, que Cristo é sua justiça, não apenas trabalha em sua
vocação corretamente e com alegria, mas, também, se sujeita, por causa
do amor, aos magistrados...porque sabe que é da vontade de Deus e que
lhe agrada tal obediência (LUTERO, 2008, p.35,36).

Anselmo Ernesto Graff


São Leopoldo/RS
agraff@uol.com.br

82
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA
22 de março de 2015

Salmo 119.9-16; Jeremias 31.31-34; Hebreus 5.1-10;


Marcos 10.(32-34) 35-45

DESTAQUES DO TEXTO BÍBLICO – HEBREUS 5.1-10

Algumas observações a respeito da Epístola aos Hebreus:


Apesar de não sabermos o autor (humano) desta epístola, seu conteúdo
fala por si, sendo um vigoroso testemunho a respeito da pessoa e obra
de Cristo, como cumprimento do Antigo Testamento e de suas principais
instituições. O propósito de Hebreus é colocado pelo seu autor como sendo
uma exortação (Hb 13.22). Havia o iminente risco de uma apostasia dos
leitores da epístola (Hb 10.26), de modo que ela procura exortá-los para
que não abandonem a fé em Jesus como revelação definitiva de Deus. O
risco parecia ser um retorno ao judaísmo (daí as numerosas referências
a sacrifícios, templo e sacerdócio veterotestamentários como tendo sido
plenamente cumpridos em Jesus e na sua obra). O autor divinamente
inspirado preocupa-se em que a genuína confissão de fé permaneça (Hb
4.14; 10.23). A Epístola traz como tema central a superioridade de Cristo,
sua primazia que se manifesta em relação à revelação de Deus no Antigo
Testamento, aos anjos e ao próprio culto na antiga aliança (sacerdotes,
sacrifícios, templo). Hebreus tem um lugar especial nos escritos do Novo
Testamento, sendo um importante recurso hermenêutico para um correto
entendimento da lei cerimonial do Antigo Testamento e seu cumprimento
em Jesus.
No trecho indicado para este dia (o Quinto Domingo na Quaresma), o
tema centraliza-se na obra de Cristo vista na perspectiva do sacerdócio
instituído por Deus no Antigo Testamento. O assunto já vem do capítulo
anterior (4.14), onde Jesus é apresentado como o “grande sumo sacerdote”
que nos abre acesso ao céu por meio do perdão dos pecados (cf. 2.17).
O versículo imediatamente anterior ao texto do dia traz a exortação para
que os leitores cheguem com confiança diante do trono de Deus, neste
tempo da graça em que estão vivendo, tempo em que a misericórdia de
Deus está plenamente disponível por causa da obra realizada pelo nosso
sumo sacerdote.
O texto identifica pelo menos três características do sacerdócio araô-
nico, que se cumpriram de maneira completa em Cristo.
Primeiro, o sacerdote vem do meio das pessoas, por isso mesmo ele
pode tratar benignamente os pecadores (vv. 1,2). No caso dos sacerdo-
IGREJA LUTERANA

tes no Antigo Testamento isto era tão verdade que o sacerdote precisava
ofertar sacrifícios pelo pecado não apenas do povo, mas dele próprio (v.
3). Cristo é o Sumo Sacerdote que realmente se compadece dos pecados.
Ele próprio não tem pecado, mas veio para ser o Substituto da humani-
dade no perfeito sacrifício para Deus por causa do pecado de todos (cf.
Hb 2.14-18; 4.18).
Segundo, o ofício do sacerdote lhe é dado por Deus e não conquistado
por sua própria vontade ou esforço (v. 4). O autor aos Hebreus testifica
que Jesus “a si mesmo não se glorificou para se tornar sumo sacerdote”,
mas Deus o glorificou (v. 5) estabelecendo-o como o mediador da aliança.
Com isto não se questiona a verdadeira divindade de Jesus (plenamen-
te estabelecida em Hebreus, por exemplo, no primeiro capítulo), mas
ressalta-se que a obra de Jesus agrada plenamente o Pai, que o enviou e
constituiu perfeito sacerdote e sacrifício pelos pecados.
Terceiro, a finalidade última do sacerdócio é servir como instrumento de
Deus na obra de trazer perdão aos pecadores (v. 1). Dito de outra forma,
o ministério dos sacerdotes constituídos por Deus no Antigo Testamento
estava diretamente vinculado à justificação dos pecadores, oferecida
gratuitamente pelo próprio Deus e assinalada no sacrifício dos animais
(cf. Lv 17.11 – observe a linguagem usada por Deus – “... o sangue. Eu
vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma ...”).
Aqueles sacrifícios, repetidos ano após ano, em última análise tipificavam
o grande sacrifício que seria oferecido uma única vez pelo Sumo Sacerdote
e Filho eterno de Deus (cf. Hb 9.11-14).

REFLEXÃO HOMILÉTICA

O texto da Epístola deste dia nos leva a refletir sobre a superioridade


de Cristo na sua obra sumo sacerdotal. É significativo que instituições
ordenadas pelo próprio Deus na antiga aliança tiveram um tempo deter-
minado de validade. Entram aí os sacrifícios de animais e o sacerdócio
araônico. Seu papel era tipológico – indicavam que o sacrifício maior e o
Sacerdote definitivo estavam por vir. E de fato vieram na mesma pessoa
– Jesus Cristo, sendo ele tanto sacerdote (o que oferece o sacrifício) como
o sacrifício único e suficiente.
Vivemos num tempo em que se “inventam cultos” ou modos de agradar
a Deus, travestidos de uma linguagem piedosa e pseudobíblica. O texto
de hoje nos ajuda a denunciar a impossibilidade de qualquer ato, insti-
tuição ou esforço humanos tomarem o lugar de Cristo, que com sua obra
perfeita e única é o Autor da salvação eterna. Se até mesmo instituições
divinas (que eram temporárias) deixaram de ter valor diante da obra de
Jesus, quanto mais deveria a igreja cristã no século XXI cuidar para que

84
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA

nada tomasse o lugar da obra de Jesus na mente e coração das pessoas


como única garantia de salvação.
O fato de Jesus ser o grande sumo sacerdote é mensagem consola-
dora, pois ele:
1. É nosso Substituto no sacrifício diante do Pai; por isso, sendo “um
de nós”, está bem perto de cada um dos pecadores;
2. Foi colocado pelo próprio Pai na função de mediador – sua obra
foi plenamente aceita em nosso lugar e em nosso favor;
3. Agiu e age pela nossa justificação diante de Deus e para nossa
eterna felicidade.

Gerson L. Linden
São Leopoldo/RS
gerson.linden@gmail.com

85
DOMINGO DE RAMOS / DOMINGO DA
PAIXÃO
29 de março de 2014

Salmo 118.19-29; Zacarias 9.9-12;


Filipenses 2.5-11; João 12.20-43

DESTAQUES DO TEXTO BÍBLICO – FILIPENSES 2.5-11

“Tenham em vocês o mesmo modo de pensar que está em Cristo Jesus”.


ARA traduz por “sentimento”. Aqui não se fala apenas de um sentimento,
mas de um jeito de pensar, de encarar as coisas e, consequentemente,
de agir. E este jeito é o jeito de Jesus, em sua humilhação. Fp 2 tem sido
tratado – com justiça – como um dos mais importantes textos cristológicos
do Novo Testamento, mas é importante notar que trata-se de um texto
que inicia de maneira exortativa. Para os apóstolos, fazer uma “ponte”
entre um tema que hoje se diria “prático” e uma “doutrina” (na ideia de
alguns, algo “teórico”), tal conexão é bastante natural. Afinal, pode haver
algo mais prático para a vida de alguém do que a obra concreta de Jesus,
pela qual se humilhou em favor da salvação do pecador?
Nas palavras do apóstolo, ditas um pouco antes do nosso texto,
humilhar-se significa considerar os outros superiores a nós mesmos (Fp
2.3), o que não é característica natural do ser humano no seu estado
pecaminoso. Mas, no caso de Jesus, a mais profunda humilhação veio a
ser parte fundamental da sua “biografia”, como mostra Paulo.
O texto fala da humilhação de Jesus. É importante lembrar que a hu-
milhação de Cristo não deve ser identificada com sua humanação, ou seja,
o tornar-se humano. Até porque, na sua exaltação, ele não deixou de ser
verdadeiro homem. O texto de Fp 2 ressalta esta distinção, especialmente
no v. 7. Note-se a referência à humilhação de Jesus com o uso do verbo
principal no Aoristo do indicativo (evke,nwsen – esvaziou-se) seguido de
formas verbais no Aoristo do Particípio (labw,n – tendo tomado [a forma
de servo]; geno,menoj – tendo se tornado [em semelhança de homens]),
que expressam uma ação anterior àquela do verbo principal. Ou seja, o
“tomar forma de servo”, isto é, o tornar-se em semelhança de homens – a
humanação – veio antes da humilhação (o “esvaziar-se”).
“Não considerou o ser igual a Deus como algo a ser tomado” (“Não
julgou como usurpação” – ARA) – Jesus, sendo verdadeiro Deus, não fez
disso um espetáculo público para ser mostrado a todo mundo o tempo
inteiro. Em outras palavras, no cumprimento de sua missão, Cristo dei-
DOMINGO DE RAMOS / DOMINGO DA PAIXÃO

xou de usar de maneira plena a Sua glória, majestade e poder divinos,


comunicados à sua natureza humana desde a concepção. Antigamente,
quando um rei chegava a uma cidade que Ele havia conquistado em uma
guerra, este rei fazia questão de ostentar todo o seu poder. Não foi assim
com Jesus. Sendo Deus, Ele era merecedor de toda a glória, quando veio
ao mundo, mas não se ostentou como Deus.
A razão da humilhação de Jesus não foi simplesmente “para dar exem-
plo” de uma atitude que os cristãos também devem ter, de considerar o
outro mais importante do que a si mesmo, ainda que sua atitude seja
exemplar. O propósito da humilhação foi chegar ao serviço mais humilde
e mais necessário para a humanidade, da morte de cruz. Assim se cum-
priu o que o próprio Jesus havia já anunciado, de que ele veio ao mundo,
“não para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate por
muitos” (Mt 20.28).
“Obediente até à morte, e morte de cruz” (v. 8). Jesus se humilhou
no fato de que Ele não usou em todo o tempo e completamente os Seus
direitos divinos. Ele podia exigir de todas as pessoas perfeita obediência,
mas Ele se tornou obediente. Foi obediente ao se colocar diante da Lei
de Deus como um servo, e cumpriu esta Lei de forma perfeita, em pen-
samentos, palavras e atitudes. Mas Sua obediência chegou até a morte.
Especificamente até o tipo de morte que Ele sofreu. A morte de cruz era a
mais deplorável maneira de se desprezar alguém. Para os romanos, este
era o castigo reservado para os piores bandidos ou então para os povos
dominados por eles, a quem eles faziam questão de humilhar. Para os
judeus, pendurar alguém (seja em uma árvore, um poste ou uma cruz)
era sinal de que aquela pessoa estava sob a maldição (= condenação) de
Deus (cf. Dt 21.23).
Chama atenção o contexto desta importante declaração sobre a obra
de Jesus. Antes do texto há uma exortação a que os filipenses (e nós!)
considerem os outros superiores a si mesmos (v. 3) e busquem o que é
bom para os outros (v. 4). Após o texto, Paulo refere-se à salvação (vv.
12,13). Fica evidenciado que a obra de humilhação de Cristo não foi um
fim em si mesmo, mas ele o fez “pelos outros”, para a salvação das pes-
soas. Em seu esvaziamento, humilhação e sofrimento servil, Jesus estava
atuando para benefício dos pecadores.
O texto conclui com a exaltação de Cristo, realizada pelo Pai, que
aceitou o sacrifício do Filho e pela ressurreição demonstrou quem ele de
fato é (cf. Rm 1.34; At 2.36). Ele tendo se tornado servo de todos agora
é Senhor de todos.
Em algumas abordagens teológicas por vezes se associa o título “Sal-
vador” à fé e consolo, mas o título “Senhor” é reservado para uma atitude
de obediência por parte dos cristãos. É errado fazer tal associação, pois

87
IGREJA LUTERANA

o senhorio de Cristo está diretamente ligado à sua obra da redenção da


humanidade (cf. explicação de Lutero ao 2º artigo do Credo: “é meu Se-
nhor, pois me remiu a mim ...”). É verdade – e isto é enfatizado pelo texto
(v. 10) – que haverá o tempo em que todos haverão de reconhecer que o
único Senhor é Jesus. Para alguns, no juízo final, será uma confissão de
derrota e lamento. Mas para os filhos de Deus, reconhecer que Jesus é o
Senhor é algo consolador. Afinal, nosso Senhor não é um tirano, mas é o
nosso amado Salvador.

REFLEXÃO HOMILÉTICA

A exortação dada por Paulo é “tenham em vocês a mesma atitude que


houve em Cristo Jesus”! E isto é desafiador para cada cristão e para a
igreja em todos os tempos. Conta-se que em uma das Cruzadas, na Idade
Média, após a vitória contra os muçulmanos, o rei europeu Godofredo de
Bulhões entrou na cidade de Jerusalém. Seus soldados queriam que ele
ostentasse sua coroa de glória e poder, aquela que ele usava para que
todos soubessem que ele era o rei. Naquela ocasião, o rei teria respondi-
do: “Por que eu iria ostentar uma coroa de ouro na mesma cidade onde o
meu Senhor usou uma coroa de espinhos?!” De fato, sabendo que o nosso
Senhor sofreu humilhação neste mundo, a fim de que nós tivéssemos a
gloriosa comunhão com o Pai, poderíamos nós – que nos chamamos pelo
nome dele – “cristãos” – andar por aí em busca de glória e honras?
No domingo que inicia a semana santa é importante refletir sobre a
humilhação de Jesus, realizada para a nossa salvação. E também é im-
portante lembrar que este mesmo Jesus é o nosso Senhor, porque Ele
nos redimiu, nos comprou com Seu sangue, nos fez membros da Sua
família, a Igreja, pelo batismo. É nosso Senhor porque nos alimenta com
Seu corpo e sangue e Sua santa Palavra. Por isso queremos estar entre
aqueles que dobram seus joelhos diante de Cristo, através de uma vida
de serviço a Ele e ao próximo, em verdadeira humildade. E queremos
participar daquele imenso coral, que confessa aqui no mundo e o fará na
eternidade, proclamando: “Jesus Cristo é o Senhor”.

Gerson L. Linden
São Leopoldo/RS
gerson.linden@gmail.com

88
QUINTA-FEIRA SANTA
2 de abril de 2015

1 Coríntios 10.16,17

A Santa Ceia é uma fonte de bênçãos

I. CONTEXTO

1. A IELB crê, ensina e confessa a doutrina dos sacramentos: o Santo


Batismo e a Santa Ceia. Apenas dois sacramentos e não sete.

2. Embora o Batismo e a Ceia sejam sacramentos e tenham objetivos


comuns e semelhantes, também há uma significativa diferença entre os
dois sacramentos.

3. O Santo Batismo, através da água e da Palavra de Deus, realiza a


regeneração, o renascimento espiritual e a pessoa (criança) passa a ter
fé no Salvador Jesus e se torna membro da grande família de Deus. O dia
do Santo Batismo, pois, é o aniversário cristão do filho de Deus.

4. A Santa Ceia, através do pão e do vinho e da Palavra de Deus, é ofe-


recida ao comungante que já tem fé no Salvador Jesus. A Santa Ceia opera
três grandes bênçãos nos cristãos: o perdão dos pecados; o fortalecimento
da fé no Salvador; o preparo para o encontro pessoal com Cristo.

5. O nosso assunto é a Santa Ceia, conforme a perícope de 1 Co


10.16,17. Alguns dados mais. A IELB não aceita os ensinos da transubstan-
ciação nem do simbolismo ou significação da Santa Ceia. A IELB, baseada
nos textos bíblicos, aceita a presença real de Cristo na Santa Ceia.

6. Quanto à celebração: houve um período em que a IELB dizia que a


Ceia deveria ser celebrada quatro vezes ao ano, conforme ensino de Lutero.
Foi um erro. A afirmação de Lutero é outra. Ele diz: “Quem não procura
nem deseja o sacramento (da Santa Ceia) pelo menos umas quatro vezes
ao ano, deve temer-se que tal despreza o sacramento e que não é cris-
tão” (Prefácio Catecismo Menor – Livro de Concórdia, p. 365). Há alguns
anos foi feita “uma campanha” para que a Ceia fosse celebrada em todos
os cultos semanais. Houve protestos, dizendo que “o culto ficaria muito
longo”. Hoje, graças a Deus, na maioria absoluta das congregações da
IGREJA LUTERANA

IELB a Santa Ceia é celebrada em todos os cultos. Assim a igreja cresce


e é abençoada pelo Senhor da Igreja.

7. A Santa Ceia não é um sacramento criado pela igreja. Mas é uma


instituição do próprio Senhor Jesus Cristo, o Salvador da humanidade e
Senhor da Igreja. Três dos quatro evangelhos relatam a sua instituição:
Mt 20.26-30; Mc 14.22-26 e Lc 22.19-23. A instituição aconteceu, com
a presença de seus doze discípulos, na Quinta-Feira Santa, véspera da
Sexta-Feira Santa, dia da crucificação e morte de nosso Salvador Jesus
Cristo. Importante: a instituição da Santa Ceia (que fala da morte e perdão)
por Cristo aconteceu antes da morte de Cristo no Calvário. João nada diz.
Mas Paulo fala duas vezes na Santa Ceia, em 1 Co 10.16,17 e 11.23-25.
Por sua importância doutrinária, o Novo Testamento repete quatro vezes
o sacramento da Santa Ceia.

II. TEXTO

1. Para compreender e aplicar o “mistério divino da Santa Ceia”,


especialmente o pequeno texto de dois versículos de nossa perícope, é
aconselhável ou até necessário fazer a leitura antes de preparar o sermão
sobre a Santa Ceia:
a. dos textos bíblicos referentes ao sacramento da Santa Ceia: Mt
20.26-30; Mc 14.22-26; Lc 22.19-23; 1 Co 10.16,17 e 1 Co 11.23-
29;
b. dos textos das Confissões Luteranas, contidas no Livro de Con-
córdia (indicação apenas das páginas) p. 32, 67, 188, 333, 365,
378, 486-496, 519-523, 609-633.

2. Paulo aborda duas vezes o sacramento da Santa Ceia. Na mes-


ma epístola, em dois capítulos de 1 Co 10.16,17 e 1 Co 11.23-30. 1 Co
10.16,17 é um resumo muito breve sobre a Santa Ceia. 1 Co 11.23-30 é
o texto maior, profundo e com mais detalhes e aplicações dos três evan-
gelhos. É o texto mais completo e mais belo sobre a Santa Ceia.

3. Um dado muito importante: Paulo não pertencia ao grupo dos 12


discípulos. Os quatro evangelhos foram escritos depois (entre os anos 70
e 90). 1 Co foi escrito antes (ao redor do ano 50). Então Paulo ensinava e
celebrava a Santa Ceia bem antes de conhecer os textos dos evangelhos.
Como Paulo conhecia antes? Ele mesmo responde em 1 Co 11.23: “Porque
EU RECEBI DO SENHOR estes ensinamentos”. Foi uma revelação especial
que Paulo recebeu do Senhor Jesus, que instituiu a Santa Ceia.

90
QUINTA-FEIRA SANTA

4. Agora, apenas algumas breves observações sobre a perícope de 1


Co 10.16,17:
- Cálice da bênção (poteerion): descreve e significa o sangue de
Cristo, a morte do Salvador, o mistério e bênção do perdão e re-
conciliação com Deus (hist.: cálice, com vinho, que um hóspede
de honra levantava e brindava na presença dos convidados). “O
sangue de Cristo nos purifica...”
- Comunhão (koinonia): significa ter algo em comum, em conjunto,
em participação mútua; pão e corpo de Cristo, vinho e sangue de
Cristo são vinculados/ligados e inseparáveis. A comunhão vertical:
paz com Deus; comunhão horizontal: paz com os irmãos na fé.
- Nova aliança: a antiga aliança no AT era repetida com o sacri-
fício dos animais; agora, em Cristo, é o novo, definitivo e eterno
testamento, pacto, acordo, contrato; uma única vez por toda a
humanidade.
- Anunciar: é pregar, proclamar, divulgar, comunicar ao mundo
o que o Salvador fez pelos pecadores e as bênçãos ofertadas na
Santa Ceia.

III. SUGESTÃO DE DISPOSIÇÃO

Introdução
Resumir e destacar verdades do que se encontra em I – Contexto

Tema: A SANTA CEIA É UMA FONTE DE BÊNÇÃOS


I – Porque cria a comunhão com o Salvador Jesus (comunhão ver-
tical)
II – Porque cria a comunhão entre os irmãos na fé (comunhão ho-
rizontal)
III – Porque cria a comunhão das congregações da igreja cristã (“creio
na santa igreja cristã, a comunhão dos santos”).

Conclusão
1. Lembrar palavras de Lutero: em I, ponto 6

2. Nossa congregação celebra a Santa Ceia: vir buscar as bênçãos

3. “Fazei isto até que eu venha”: celebrar sempre.

Leopoldo Heimann
São Leopoldo/RS
pastorleopoldoheimann@yahoo.com.br

91
SEXTA-FEIRA SANTA
3 de abril de 2015

Salmo 22 ou Salmo 31; Isaías 52.13-53.12; Hebreus 4.14-16; 5.7-9;


João 18.1-19.42 ou João 19.17-30

O Salvador perfeito e misericordioso

INTRODUÇÃO

A Sexta-Feira Santa nos coloca ao pé da cruz. Ali está um homem, açoi-


tado, ensanguentado, coroado de espinhos, pregado na cruz. Ao seu lado
estão outros dois condenados. A cruz era reservada para os piores assassinos.
Até aí nenhuma novidade. Milhares já tinham morrido na cruz. E ali estão
centenas de pessoas assistindo à morte e se despedindo dos mortos.
Estar ao pé da cruz, porém, não é um ato fúnebre. A novidade surge
quando percebemos que ali, no centro, pregado, está alguém sem culpa,
sem pecado. Ali está alguém exercendo o papel de substituto, morrendo
de uma vez por todas em favor de alguém outro. Percebemos que, por
detrás desta morte, há vida em oferta.
A Sexta-Feira Santa nos convida a nos aproximarmos mais deste
personagem.

I. SALVADOR PERFEITO, SUMO SACERDOTE, SUBSTITUTO

1) Salvador Perfeito, Sumo Sacerdote


a. O texto bíblico nos informa que este homem é “Jesus, o Filho de
Deus” (4.16). É o prometido encarnado de Gn 3.15.
b. “Grande Sumo Sacerdote” (4.16) nos leva à conclusão de um
Salvador perfeito. Na antiga aliança, o Sumo Sacerdote era o
intermediário entre o ser humano e Deus. Era ele o responsável
por entrar no Santo dos Santos, lugar mais sagrado da presença
de Deus, depois de cumprida uma série de purificações e exi-
gências. Neste Santo dos Santos estavam a arca da aliança e as
tábuas da lei. Junto ao Santo dos Santos havia o Lugar Santo,
onde ficava o altar sobre o qual os sacerdotes ofereciam incenso
todos os dias. O Santo dos Santos era separado do Lugar Santo
por um véu (ou cortina). O sacrifício de derramamento de sangue,
ali efetuado, era constantemente repetido porque não expulsava
o pecado de forma definitiva.
SEXTA-FEIRA SANTA

c. Agora Jesus é o Sumo Sacerdote. Pelo derramamento do próprio


sangue, ele penetrou, de uma vez por todas, no Santo dos Santos,
tornando-se o grande e verdadeiro Sumo Sacerdote. Segundo Mt
27.51, o véu do santuário rasgou-se com a morte de Jesus. Ou
seja, Jesus realizou o sacrifício único e perfeito, oferecendo-se a si
mesmo em sacrifício. Ele fez o sacrifício final e decisivo, sacrifício
com validade eterna.
d. O pecado continua atuando e condenando. A lei não nos deixa
esquecer isto. Continuamos carentes de perdão e vida renovada.
Porém, já não precisamos esperar por um novo Salvador. Ele não
é mais promessa. Já o temos. É o Sumo Sacerdote por excelência.
Seu nome é Jesus. É importante relembrar isto.

2) Substituto
a. O texto de Hebreus deixa transparecer a figura do Substituto. He-
breus 5.7 afirma que o Pai “podia livrar da morte” o seu Filho, mas
não o fez. A Jesus Cristo foi dada a tarefa de tornar-se o “Autor
da salvação eterna” (5.8). Sem pecado, ele morre em nosso lugar.
Foi nosso substituto. É o Cristo por nós.
b. Para ser o “Autor da salvação”, tinha que ser verdadeiro Deus e
verdadeiro Homem. Hebreus é um dos livros que melhor descreve
a humanidade e também ensina que Jesus é divino. “Filho” (4.14
e 5.8) aponta para a natureza divina, de alguém sem pecado,
sem mancha, santo, capaz de carregar os pecados de todos. Por
outro lado, o fato de Hebreus apresentar o título “Jesus” (4.14 e
5.7) sem nenhum cognome sugere a ênfase na humanidade do
Salvador. Jesus ocupa o lugar de quem deveria ser punido. Todos
nós deveríamos estar na cruz pagando por nossos delitos. Por
isso o Salvador tinha que ser verdadeiro Homem para ser nosso
substituto, para sofrer as nossas dores e para que houvesse der-
ramamento de sangue. Ele se esvaziou, tornando-se servo (Fp
2.7).
c. Jesus viveu a alegria, a tristeza, o sofrimento, a tentação, a pro-
vação, a morte, seus medos e vacilações. Passou por sofrimento
e dor. Ofereceu com forte clamor e lágrimas orações e súplicas
a Deus. Aprendeu a obediência no abandono: “Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?”

II. SALVADOR MISERICORDIOSO

1) Compadecer-se
a. O termo grego para “compadecer-se” (4.15) é sumpatheo, que

93
IGREJA LUTERANA

significa “mostrar simpatia por”, “simpatizar com”, dando a ideia


de sentir e compreender nossas fraquezas.
b. Jesus nutriu simpatia e empatia por todos os que o cercavam:
leprosos, cegos, prostitutas, pobres, doentes, viúvas, endemoni-
nhados, cobradores de impostos, pagãos, etc. A caminho da cruz,
teve compaixão das mulheres que choravam por ele. Na cruz,
compadeceu-se dos inimigos e disse: “Pai, perdoa-lhes...” Teve
compaixão para com sua mãe e pediu que João cuidasse dela.
c. “Foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança” (4.15)
lembra que Ele também experimentou sofrimento, abandono,
temor da morte, tentação, tristeza, traição e injustiça. Por isso,
sabendo o que é sofrer, Jesus pode entender quando as pessoas
sofrem, quando têm medo, quando estão angustiadas. As lágri-
mas, a dor e o sofrimento de Jesus se identificam exatamente
com as situações das nossas vidas diariamente. É a expressão
de solidariedade.
d. Compadecer-se das fraquezas: nós sofremos, mas não estamos
sozinhos. Ele sofreu mais do que nós sofremos. Com uma diferen-
ça: Ele não tinha pecado. Por isso Jesus pode ajudar-nos a curar
a maior de nossas fraquezas: o pecado.

2) Trono da graça
a. Trono indica o lugar onde fica quem tem poder. Naquela época,
o povo conhecia o trono do imperador, que matava cristãos, que
impunha tributos e leis rígidas.
b. Há um convite para achegar-nos ao trono da graça (4.16) para
receber misericórdia e socorro. Não é trono de juízo e vingança. O
trono de Deus é da graça (favor imerecido), da misericórdia (liber-
tação do castigo merecido), da vida. Isto distingue o Cristianismo
de todas as demais religiões.
c. Importante ressaltar que toda a vida e obra de Jesus convergem
na abertura do caminho para o trono da graça. Nascimento, vida
e ação de Jesus desde a manjedoura até a cruz, sua morte, res-
surreição e subida aos céus têm a finalidade de nos levar ao trono
da graça. Toda obra de Jesus tem por objetivo a propiciação dos
pecados do povo e levá-lo ao trono da graça.
d. Lutero afirma que não há outro refúgio para o crente senão na
cobertura que Jesus Cristo lhe dá. Jesus é a cobertura, proteção
e socorro contra a condenação.
e. “Socorro em ocasião oportuna” (4.16) é uma expressão indefinida
que pode envolver vários significados, mas que garante que a
pessoa não estará abandonada. Ao nos achegarmos ao trono da

94
SEXTA-FEIRA SANTA

graça, receberemos misericórdia, ou seja, perdão dos pecados,


ajuda em nossas enfermidades e sofrimentos, renovação diária,
coragem e o necessário para a vida.
f. “Acheguemo-nos confiadamente” (4.16) enfatiza que Deus está
perto. Esta expressão lembra a explicação de Lutero no Pai Nosso:
“Deus quer atrair-nos carinhosamente com estas palavras... para
que lhe roguemos sem temor, com toda a confiança...” Podemos
nos achegar ao seu trono, pedir e esperar socorro para o momento
mais sofrido.

3) Exortação
a. “Conservemos firme a nossa confissão” (4.14) lembra a neces-
sidade de definir posições. Uma conduta insossa leva o cristão à
indecisão e acaba no desinteresse. É preciso viver o batismo diário
nesta luta interior entre confissão de fé e fraqueza.
b. A firmeza na confissão dá alegria também no sofrimento; dá orien-
tação nas dúvidas e tentações; transmite segurança em meio à
mistura de ofertas religiosas e filosóficas ao nosso redor.
c. Vale lembrar outras exortações em Hebreus: 2.1 e 3.1
d. “Todos os que lhe obedecem” lembra-nos a necessidade de, mo-
vidos por seu amor, deixarmos Deus ser Deus e nós sermos o seu
povo, os filhos que ele espera que sejamos.

Conclusão
a. A Sexta-Feira Santa não é um ato fúnebre. Ela lança um olhar
sobre a novidade da cruz:
• Lá está o Salvador perfeito, sacrificando-se de uma vez por
todas para nos salvar
• Lá está o Salvador misericordioso, que se compadece de nós
e nos convida a nos achegarmos ao seu trono da graça
b. A Sexta-Feira Santa também lança um olhar para a ressurreição:
• Porque, após ser retirado da cruz, Jesus converte a dor e o
horror da Sexta-Feira Santa na alegria da Páscoa.
• Porque a cruz lembra-nos o quanto fomos e somos amados
e quão importante é, vivendo na esperança da vida eterna,
amarmos a Deus acima de todas as coisas e amarmos o pró-
ximo como a nós mesmos.

Jonas Roberto Flor


Rio de Janeiro/RJ
jonas.flor@hotmail.com

95
SÁBADO DE ALELUIA
4 de abril de 2015

Salmo16; Daniel 6.1-24; 1 Pedro 4.1-8; Mateus 27.57-66

CONTEXTO LITÚRGICO/HISTÓRICO

Os textos propostos para o Sábado de Aleluia nos remetem à realidade


da morte, causada pelo pecado. Cristo, ao experimentar a morte, venceu a
todos os inimigos que podiam escravizar o ser humano: o diabo, o mundo,
o pecado, o inferno. O último inimigo a ser destruído é a própria morte,
que Cristo venceu. Historicamente, o sábado que antecede a Páscoa é
bastante significativo. Na Igreja Antiga, era costume recordar os grandes
acontecimentos da paixão, morte, sepultamento e ressurreição de Cristo
através de um rito chamado de “Tríduo Pascal”. São três momentos distin-
tos, mas na verdade pode ser entendido como um “grande culto” dividido
em três partes. Inicia com o “Lava-pés” na quinta-feira santa (endoenças),
continua com o “Ofício das Trevas” na sexta-feira santa e conclui com a
“Vigília Pascal”, que acontecia na madrugada de sábado para o domingo
da Páscoa. Era o grande momento em que os catecúmenos concluíam seu
processo para ingressar na igreja cristã, faziam a sua profissão de fé e
eram batizados. O batismo tornou-se sinal da passagem da morte para a
vida: morrer para o pecado e viver o amor de Cristo, afogar diariamente
o velho homem e fazer ressurgir o novo homem que vive sob a justiça de
Cristo. O culto do Sábado de Aleluia historicamente nos vincula a todo o
processo do rito batismal.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

V. 1: Os descrentes acharão estranho que os cristãos não estejam


continuando nos mesmos pecados que cometiam no passado e podem até
mesmo falar mal deles por causa de sua mudança de conduta, mas tanto
crentes como descrentes serão julgados pelo Senhor (4.4-5).

V. 6: O evangelho foi pregado para que, em vista deste julgamento, os


homens possam ter vida espiritual. Pedro afirma que o Senhor também
pregou ao povo que vivia no tempo de Noé. Noé foi um pregador da justiça
e, através dele, o Espírito de Cristo pregou àqueles que viveram antes
do dilúvio, mas eram espíritos na prisão quando Pedro escreveu (2 Pedro
1.21; 2.5; 1 Pedro 3.18-20; Lucas 16.19-31). Tendo mencionado Noé,
SÁBADO DE ALELUIA

Pedro observa que Noé e sua família foram salvos por meio da água justo
como as pessoas são hoje salvas por meio do batismo, como “a indagação
de uma boa consciência para com Deus” (3.20-21).

V. 7: “O fim de todas as coisas está próximo!”. Nossos pensamentos


imediatamente se voltam para o retorno de Cristo e o fim do mundo.
Num sentido, a volta de Cristo está sempre próxima porque não sabemos
quando ele voltará. É mais provável, contudo, que Pedro esteja falando
da destruição de Jerusalém e do fim da economia judaica. Jesus tinha
dado sinais pelos quais os cristãos poderiam saber que a destruição de
Jerusalém estava próxima (veja Mateus 24, especialmente o versículo 34).
Pedro escreveu sua primeira epístola não muito antes da guerra romano-
judaica e a maior importância geral dada à perseguição iminente apoia
melhor a ideia de que Pedro tem em mente este acontecimento penoso
do primeiro século.

V. 8: “Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros;


porque o amor cobrirá a multidão de pecados”. Antes de mais nada, é bom
deixar claro que as obras são de extrema importância para o cristão, que
não pode deixar de exercê-las. As obras são importantes por, no mínimo,
duas razões: 1) demonstram para as pessoas como os crentes que imitam
a Cristo procedem; 2) glorificam a Deus: “Assim resplandeça a vossa luz
diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem
a vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16).
É importante notar que as obras, em si mesmas, não são objetos de
preocupação e ênfase soteriológica, até porque há pessoas que perdem
a essência do que é desenvolver, segundo o padrão de Cristo e das Es-
crituras, as boas obras: “E fazem todas as obras a fim de serem vistos
pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das
suas vestes” (Mt 23.5).
Para Deus, somente após a pessoa ingressar em seu reino celestial é
que as obras que pratica passam a ter valor, não antes. Além disso, a Bíblia
fala de obras mortas: “Por isso, deixando os rudimentos da doutrina de
Cristo, prossigamos até a perfeição, não lançando de novo o fundamento
do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus” (Hb 6.1). Em matéria
de fé e salvação, o projeto de Deus antagoniza os ideais humanos que se
baseiam em obras: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto
não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se
glorie” (Ef 2.8,9). Mas, embora não sejamos salvos pelas obras, a bondade
e a benignidade devem ser buscadas pelos salvos: “Porque somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou
para que andássemos nelas” (Ef 2.10), e isso, mais intensamente do que

97
IGREJA LUTERANA

quando não éramos salvos em Cristo, porque noutro tempo éramos gentios
na carne, “mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes perto” (Ef 2.13b).
A expressão que causa dúvidas em 1Pedro 4.8 é a que diz que “o
amor cobrirá a multidão de pecados”. Segundo interpretações indoutas,
se o texto afirma claramente que há pecados que são perdoados com o
envolvimento desse sentimento afetivo, então há algo nas obras que pode
trazer salvação à humanidade à parte de Cristo. Sendo assim, conclui-se
que uma pessoa que dispense amor à outra poderia se salvar. Mas isso
não é bíblico. A salvação está em Cristo: “E em nenhum outro há salvação,
porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os
homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4.11), e em sua obra vicária:
“Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que
fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebes-
tes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um
cordeiro imaculado e incontaminado” (1Pe 1.18,19).
Não vamos amar o próximo por esta causa? De maneira nenhuma! O
instrumento aferidor para saber se alguém é discípulo de Cristo é o amor:
“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns
aos outros” (Jo 13.35).
Jesus amou os pecadores tanto que ele ofereceu a solução para o peca-
do. Ele morreu na cruz e convidou todos a receberem o benefício daquele
sacrifício por meio da fé obediente (Marcos 16.16; cf. Atos 2.38). Nós não
podemos e não precisamos morrer como sacrifícios pelos pecados dos ou-
tros, mas ainda temos um papel na salvação dos pecadores – a pregação
do evangelho que leva à salvação (Romanos 1.15-16; 2 Timóteo 2.2).
Tiago falou de converter o irmão que volta ao pecado. Pedro falou
para Simão que ele precisava se arrepender e rogar ao Senhor, pedindo
perdão (Atos 8.20-23). Paulo disse que devemos corrigir o irmão que
tropeça, agindo com humildade para salvá-lo (Gálatas 6.1). Judas falou
da compaixão que age com urgência, para arrebatar do fogo os contami-
nados (Judas 22,23).

O amor ajuda o pecador a receber o perdão de Deus, e assim


cobre multidão de pecados!
É interessante notar que Pedro não começa recomendando perdão,
mesmo sabendo da importância desta atitude, no processo da vida
cristã. O ensino bíblico nos lembra, em muitos textos, que o perdão é
um atributo que pertence a Deus. Contrariamente aos deuses pagãos,
de ontem e de hoje, o Pai de Jesus Cristo se revela como um Senhor
que restaura e que quer restaurar. Quando denuncia o pecado, isto é,
a atitude que afasta o ser humano do Senhor, o objetivo do Evange-

98
SÁBADO DE ALELUIA

lho é, sempre: Deus lamenta o nosso distanciamento e vem ao nos-


so encontro. Ele vem porque nos ama. E porque nos ama, perdoa.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

O Salmo 16, especialmente o versículo 8, revela que o Senhor está


sempre comigo, com seu amor e poder (lado direito), de tal forma que,
nem mesmo o poder da morte pode me abalar. Estar no Senhor significa
ter a verdadeira felicidade, alegria e segurança.
Em Daniel 6, especialmente nos versículos 21 e 22, vemos como o Anjo
do Senhor fechou a boca dos leões para que estes não ferissem Daniel.
Da mesma forma, Cristo “tapou a boca” do poder da morte e do diabo,
experimentando ele próprio a morte em nosso lugar, mas ressuscitando
ao terceiro dia para nossa justificação e certeza da vida eterna. O texto
de Mateus 27.57-66 apresenta a realidade da morte e permanência de
Cristo na sepultura no dia de sábado. Pilatos ordena, a pedido dos princi-
pais sacerdotes, que guardassem (vigiassem) bem a sepultura, pois Jesus
havia dito que “depois de três dias eu serei ressuscitado”. Era necessário
que tudo acontecesse dessa forma, para se cumprir o que fora dito por
intermédio dos profetas.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

Os destinatários desta epístola não deveriam se surpreender se fossem


perseguidos por causa de Cristo. Em vez disso, deveriam regozijar-se por
serem capazes de participar de algum modo dos sofrimentos de Cristo,
aquele que sofreu por amor à justiça. Destaca-se nesse texto a prontidão
para sofrer, tal como Cristo sofreu em nosso lugar. Não há qualquer re-
ferência a uma teologia da glória, mas uma teologia da cruz. Os cristãos
são instados a viver de acordo com a vontade de Deus, testemunhando o
evangelho para aqueles que se encontram na morte espiritual.

Tema: O amor cobre multidão de pecados

Partes:
1. Viver no amor de Deus nos ajuda a permanecer vigilantes

2. Viver no amor de Deus nos conduz para uma nova vida

3. Viver no amor de Deus nos ajuda a exercitar o perdão.

99
IGREJA LUTERANA

Conclusão: O amor de Deus, que em Cristo nos salvou das trevas para
a sua luz, nos enche com o seu Espírito e nos move a viver o evangelho
em palavras e ações e, especialmente, a perdoar como também fomos
perdoados. Como Deus apaga a multidão dos nossos pecados, por graça
e amor, também somos aparelhados para viver esse perdão em relação
ao próximo.

Paulo Gerhard Pietzsch


São Leopoldo/RS
pgpietzsch@yahoo.com.br

100
RESSURREIÇÃO DO NOSSO SENHOR
5 de abril de 2015

1 Coríntios 15.1-11

“Perder o foco” é expressão usada e conhecida. Transmite a ideia


de desvio da meta ou do objetivo principal para o qual deve caminhar a
atividade ou o esforço de alguém. Pois bem, dentro da igreja há constan-
temente o risco de perder o foco com respeito à importância e razão da
sua presença no mundo. É risco que ronda tanto leigos quanto pastores.
Não é preciso descrever exemplos de situações que revelam onde o risco
se tornou realidade. Mas qual o problema, se é que existe, de tais situa-
ções na igreja? Ora, ele desponta quando voltamos nossa atenção para
as consequências da perda de foco. Elas podem ser de grande monta e,
por isso, não devem ser ignoradas. Exigem ações para a retomada do foco
certo e até então perdido.
A perícope de 1 Co 15.1-11, texto da epístola para a Ressurreição do
Senhor, aponta para o que tinha acontecido na igreja de Corinto. Algo houve
para que aqueles cristãos perdessem o foco referente à razão da presença
da igreja entre eles. Surgiram consequências, sérias consequências, dire-
tamente ligadas à vida daquelas pessoas. Por isso, o apóstolo Paulo entrou
em ação para redirecioná-los ao foco certo. Ciente do perigo a que se ex-
punham aqueles cristãos, o apóstolo agiu com sua autoridade apostólica,
como servo de Jesus Cristo.

O FOCO PERDIDO

Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei... assim


o apóstolo Paulo se expressa no versículo 1. Pela continuação do ver-
sículo, tudo leva a crer que os coríntios não haviam renegado o evan-
gelho, pois o apóstolo afirma: no qual ainda perseverais. No entanto, o
que parece que havia entre eles era outra coisa. Não uma negação do
evangelho pura e simplesmente, porém um abandono da atenção devi-
da ao grande motivo pelo qual o evangelho lhes tinha sido anunciado.
Capítulos anteriores ao 15 descrevem transtornos trazidos à unidade
daquela igreja por causa de comportamentos inadequados por parte de
homens e mulheres. Por exemplo, havia confusão decorrente da falta
de clareza quanto ao uso dos dons, dando a entender que alguns se
julgavam mais importantes do que outros por causa de certos dons,
buscando até mesmo certa primazia dentro da igreja. Impulsionados
IGREJA LUTERANA

por tamanha falta de percepção do verdadeiro conteúdo do evangelho,


buscavam satisfazer desejos individuais de autoexaltação ou de auto-
promoção. O resultado de tudo aquilo não poderia ser outro a não ser
a desordem dentro da igreja.
A perda de foco dentro da igreja no que se refere ao conteúdo de sua
pregação e de sua prática é danosa em todos os sentidos. Além de pro-
mover desunião entre seus membros, como havia entre os coríntios, dá
oportunidade até mesmo para o surgimento de inverdades ou heresias, o
que também aconteceu lá, como faremos menção logo a seguir. O texto
dentro do contexto da carta nos permite concluir que, para os coríntios,
era suficiente ver na igreja a oportunidade para satisfazer desejos que
se esgotavam dentro da existência aqui no mundo. O maior conteúdo
do evangelho anunciado pelo apóstolo Paulo parece que fora esquecido
ou sufocado por outras coisas decorrentes da perda de foco. Quando a
satisfação humana é contemplada na busca de coisas apenas do aqui e
agora, facilmente se esquece da maior mensagem que o evangelho traz:
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado
e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras (versículos 3 e 4).
O evangelho brota de Jesus Cristo e sua obra salvadora. É o verdadeiro
evangelho! Exalta a Jesus, não ao ser humano, seja qual for. Porém, exalta
a Jesus não simplesmente por causa daquilo que aconteceu com ele, sua
morte e ressurreição; todavia por tudo que tais fatos representam para
a vida da humanidade. A ressurreição do Senhor tem sentido para nós
quando reconhecemos o resultado dela para nossa existência e para todos
aqueles que já dormem.
Paulo foi alguém que, por bom tempo, viveu com o foco errado na-
quilo que fazia. Chegou até a perseguir a igreja de Deus (v. 9). A graça
de Deus, contudo, o alcançou e o levou a ver não apenas o foco correto,
mas também fez dele um apóstolo, ainda que como um nascido fora de
tempo (v.8). Alcançado por tamanha graça, pôs-se a anunciar o evangelho
que havia levado para os coríntios. Vendo tal evangelho ser ofuscado por
atitudes que punham pessoas a agir e viver com os olhos no foco errado,
o apóstolo não ficou calado e trouxe de volta à memória dos coríntios o
evangelho que salva. E salva por quê? Porque Cristo morreu pelos nossos
pecados, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia. Da sua mensagem
brota toda a vida e ação da igreja. Quando ela passa para segundo plano,
pode surgir dentro da igreja todo o tipo de absurdos, inclusive heresias,
como a que já havia entre os coríntios. Ela não aparece no texto da pe-
rícope, mas é denunciada no versículo logo a seguir (12): alguns, dentre
eles, afirmavam que não há ressurreição dos mortos.

102
RESSURREIÇÃO DO NOSSO SENHOR

O EVANGELHO

O texto traz mensagem de lei quando aponta para o perigo da perda


do foco. Ela nos leva a constante exame da nossa vida como cristãos, da
forma de ver a igreja e também das prioridades colocadas pela própria
igreja no seu trabalho. Diante da ação da lei, somos compelidos ao arre-
pendimento, visto que a presença do pecado em nós é constante ameaça
para nos levar a perder o foco. Todavia a importância da mensagem da
lei não se esgota em si mesma. Pelo contrário, prepara o caminho para
sermos reanimados e consolados pela palavra de evangelho que brota
também da perícope.
O apóstolo Paulo não foi somente um pregador do evangelho. Tornou-
se isso depois de ter sido ressuscitado pelo evangelho de Jesus Cristo.
É evangelho poderoso e maravilhoso. A corrupção humana e todos os
desatinos cometidos por causa dela não são obstáculos para a chegada
do evangelho com seu poder e sua maravilhosa transformação. Por isso,
há esperança para todos nós quando perdemos o foco correto na nossa
maneira de ver a igreja na nossa vida. A graça divina presente no evan-
gelho tem duração que não é limitada pela ação humana. Não somos nós
que determinamos o fim da graça de Deus para com alguém, mesmo que
totalmente mergulhado nas consequências da perda de foco da vontade
divina para sua vida. Por isso não desanimamos de pregar o evangelho,
bem como de buscar seu consolo no nosso viver diário. Para que os co-
ríntios voltassem a se fixar no foco correto, Paulo veio lhes lembrar o
evangelho que tinha anunciado. A mensagem da ressurreição do Senhor
Jesus fundamenta e dá credibilidade ao evangelho no qual cremos e que
anunciamos. Dela brota a vida de verdadeira comunhão com Deus; dela
emana o poder para considerar o próximo como o primeiro destinatário
do nosso amor, impedindo-nos de buscar a autoexaltação, mesmo que
com roupagem “piedosa”. E dela, especialmente, vem a garantia de que
haverá vida também para aqueles que dormem, entre os quais estaremos
um dia, a não ser que o Senhor ressuscitado volte antes.

Paulo Moisés Nerbas


São Leopoldo/RS
pmnerbas@gmail.com

103
SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA
12 de abril 2015

Salmo 148; Atos 4.32-35; 1 João 1.1-2.2; João 20.19-31

SALMO 148

Quando se define os salmos sob o gênero literário de poesia, a tendência


é projetar a definição de poesia da literatura secular. A linguagem poética
não necessariamente reflete a realidade do senso comum. Existe o que se
chama de liberdade poética sob a qual se aceita a linguagem do exagero,
do subjetivismo puro, dos abusos linguísticos e até da fantasia.
Verdade é que, assim como na linguagem das parábolas, dos mi-
lagres e sinais, mesmo em havendo o contato com a realidade e do
senso comum, não obstante eles não são exageros e fantasias ou ma-
nifestações do subjetivismo do autor. Ali Deus revela a sua verdade e a
realidade para a qual ele nos convida e para a qual ele nos transporta.
À primeira vista este Salmo não parece refletir uma realidade percebida
sob o ponto de vista do equilíbrio e do bom senso. Quando muito, esta
poderia ser uma linguagem de exaltação a Deus numa dimensão que
não é a nossa dimensão. O quadro pintado pelo Salmo é um “coro de
aleluias”, como a ARA prefere dizer. É linguagem poética que extrapola
a realidade humana.
O salmista, como toda a Escritura, contempla o Deus da misericórdia
em sua misericórdia. Nenhuma palha se mexe, nenhum fio de cabelo cai
da cabeça sem a expressa e misericordiosa vontade de Deus. A vontade
de Deus é que façamos parte da sua vida, da sua realidade.
Costumamos nos deixar dominar pelo impulso humano de olharmos
para a nossa realidade a partir daquilo que o pecado fez de nós: frágeis e
mortais seres entregues à nossa própria arrogância que vivem somente
de frustrações, perdas e derrotas.
Deixamos de reconhecer e louvar o fato de que não estamos mais sob
o poder do acusador e da morte. Estamos vivos para Deus. Cada suspiro,
cada momento de vida é prova de que a vontade amorosa de Deus de nos
dar vida em Cristo e por causa de Cristo efetivamente é real. Vivemos em
Cristo e por Cristo para Deus. Somos uma nova criação em Cristo. Estamos
sendo guardados e protegidos por Deus para louvor da sua misericórdia
revelada em Cristo.
Isto aconteceu no batismo. Ali fomos ressuscitados para a realidade
nova que é eterna. E Deus, em Cristo, é o Fiador desta realidade.
SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

A linguagem do Salmo 148 parece exagero porque ainda estamos com


o véu sobre os olhos da fé e somente vemos parcialmente a realidade
na qual vivemos em Cristo agora. Por isso mesmo, devemos insistir com
o salmista em repetir suas palavras na convicção de que, por mais exa-
geradas que possam parecer diante do nosso “bom-senso”, ainda estão
longe de poder expressar a realidade que vivemos e que será revelada
finalmente para todos que, pela fé em Cristo, são chamados de “seu povo”
(v.14), o povo de Deus.

ATOS DOS APÓSTOLOS 4.32-35

Se me fosse pedido dar um título a esta cena que Lucas descreve de


como os primeiros cristãos viviam, eu diria: “sem culpa e sem ansiedade”.
É possível viver assim, sem culpa e sem ansiedade?
A criança que espera dos pais sinais de que é realmente amada; o
jovem que tem a vida inteira pela frente e sente que depende dele tirar
da vida o melhor proveito; o adulto, que vê oportunidades passarem à
sua frente e precisa decidir por uma delas; o casal que espera uma filha
ou filho e precisa começar a tomar decisões porque o futuro daquela pes-
soa estará em suas mãos; o profissional de quem se espera rendimento
e resultados pelo seu desempenho na empresa; cada uma destas etapas
e todas as demais que esperam pela pessoa ao longo da vida geram um
lastro de ansiedade que corrói e limita a possibilidade de viver feliz e
despreocupado.
E se a isto agregarmos o outro sentimento que marca inevitavelmente
cada pessoa, o da culpa? Não existe somente a culpa dos erros cometi-
dos; das fraquezas que envergonham; da dignidade ofendida. Existem as
pequenas culpas que a pessoa imagina que ficaram para trás, mas que
insistem em reaparecer e marcar a existência das pessoas. A culpa por
não ter aproveitado melhor as oportunidades de crescer nas habilidades
e conhecimentos; a culpa por ter de admitir incompetência exatamente
naquilo que deveria fazer melhor; a culpa pelos desencontros e infelicidades
diante da família, dos amigos ou colegas... Delas nascem as frustrações
existenciais transformadas em “por quês?” que ficam para sempre sem
resposta. Por que me deixei levar? Por que não fiz o que deveria? Por
que deixei de fazer?
É de imaginar que os discípulos tivessem passado por um profundo
vale de por quês? sem resposta. O impacto da morte e da ressurreição
de Jesus, bem como a sua ascensão, deixaram neles perguntas cujas
respostas ainda não estivessem claras.
Entretanto, dificilmente alguém passa por esta vida sem se fazer a
pergunta: Por quê? Por que eu? Por que justamente agora?

105
IGREJA LUTERANA

Por essa mesma razão é decisivo que olhemos para este quadro que
Deus preparou diante dos nossos olhos. Aquele pequeno grupo de pessoas
tinha o mundo inteiro contra si. Mas ali, naquele momento, intensamente
vivem aquela vida que aprenderam a conhecer junto de Jesus. Eis que
estou convosco todos os dias. Não andeis ansiosos. Invoca-me no
dia da angústia. Eles tinham promessas que Jesus lhes deixara e nas
quais ele pedia que confiassem e esperassem.
Esse Deus que cumpre promessas e está com os seus, mesmo na
morte, este é o Deus que ainda hoje precisamos conhecer. Ele e suas
promessas de que ele tem cuidado dos seus. Assim como ele cumpriu até
agora em nossas vidas, ele continua sendo fiel a si próprio e à palavra que
ele empenhou por nós até na cruz.

JOÃO 20.19-31

Paz seja convosco! É uma promessa. A promessa mais preciosa e a


consequência mais significativa de toda a obra que Deus realizou pela
humanidade por meio do seu Filho Jesus. Entre Deus e os homens não
pairam sombras quaisquer de desentendimentos, de juízo ou castigo. O
castigo final reservado aos que se rebelaram contra Deus, este castigo foi
terminado. No inferno os pecados foram expiados.
Esses discípulos não seriam mais aqueles que foram recebidos na paz
do perdão de Deus, eles agora são os portadores da paz: “Assim como o
Pai me enviou, eu também vos envio”. Não é mais Deus quem anuncia o
perdão, mas cada um que foi agraciado com o perdão é também instru-
mento deste mesmo perdão. O perdão que vocês proferirem sobre alguém,
este perdão é tão válido e certo diante de Deus como se Cristo mesmo,
o próprio, o tenha proferido.
Num mundo em que todos estão sempre prontos a julgar e condenar,
a procurar faltas e defeitos, a menosprezar o próximo na sua fé, neste
mundo vocês, estejam onde estiverem, tenham tranquilidade e confian-
ça em afirmar que o Deus, Criador dos céus e da terra, é o próprio que
através de mim, seu Filho, perdoava.
A obra própria de Deus é a de primeiro perdoar. Perdoar incansavel-
mente (Mt 18.22), perdoar e acolher os fracos (Rm 14) e deixar para
Deus no dia derradeiro revelar aqueles que se recusaram a viver a paz
do perdão (Is 28.21), aqueles que colocaram restrições e condições na
oferta do perdão.
Não duvidem. Ponham aqui a mão no meu lado e os dedos nas feridas.
Sou eu mesmo que assim trouxe perdão e paz a cada pecador. Assim como
eu vos acolhi e perdoei, assim mesmo façam vocês com toda a confiança.
Tenho toda a autoridade nos céus e na terra para declarar e operar paz

106
SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

entre Deus e os homens. Sejam instrumentos dessa paz. Ressuscitem


comigo para uma nova vida, a vida do perdão e do amor que eu revelo a
vocês pela minha ressurreição.

1 JOÃO 1.1-2.2

Luz. Andar na luz e não nas trevas. A presença de Jesus ilumina a


vida, diz o apóstolo. Esta é a alegria completa, perfeita. São palavras de
fé, entusiasmo e alegria. E João está tão empolgado que ele começa por
afirmar: vimos com os nossos próprios olhos, nossas mãos apalparam.
Em função disso, ele implora e pede que os seus leitores não se afastem
da comunhão deles que foram testemunhas de fatos que deixaram claro
para todos que a comunhão com Jesus é também comunhão com Deus.
O apóstolo aqui, na epístola, como também faz no evangelho, aponta
para a realidade suprema. No evangelho ele afirma: “No princípio era o
Verbo... ele estava com Deus”. Este mesmo evangelho termina em duas
cenas significativas: Jesus prepara uma refeição simples para os seus
amigos, aqueles que ele escolhera. E, finalmente, a cena em que Pedro
é recebido de maneira muito acolhedora. O mesmo Pedro que no jardim
do palácio negara conhecê-lo. E aqui na epístola, a mesma linha de pen-
samento: o Verbo que era desde o princípio, o Verbo da Vida, o Verbo
Criador esteve conosco, nós o vimos, nós o apalpamos, era ele mesmo
ressuscitado. Aquele com quem ele está, este tem a Vida.
Não foi muito simples para os discípulos assimilarem o que tinha su-
cedido com eles. O que aquele Rabino de Nazaré tinha a oferecer? Espan-
tosamente, ele ia ao encontro das pessoas que tinham caído da fé e do
convívio com a religião. Enquanto os discípulos esperavam uma doutrina
que os elevasse acima dos pecadores e fizesse deles pessoas superiores e
melhores, nada disto acontecia. No sempre lembrado sermão da montanha
aquele Rabino tinha feito algo espantoso, até escandaloso. Ele provara
por A + B que todas as pessoas, por mais elevadas e puras que fossem
moralmente, todas não passavam de miseráveis pecadoras. Os pecadores
marginalizados e os fariseus, aos olhos deste Rabino, eram igualmente
miseráveis pecadores. O escândalo era exatamente este: Ele, o Rabino,
estava determinado a acolher e perdoar a todos indistintamente, tanto os
fariseus como aquele Nicodemos quanto aos publicanos como Mateus e os
endemoninhados e todos os que a religião até então marginalizava.
Isto é o que o apóstolo João marca com tanta alegria e determinação:
aqueles que não se consideram igualmente pecadores, no mesmo nível
da mulher adúltera, ou do malfeitor na cruz, ou de Pedro, ou de Zaqueu
e tantos outros, quem não quer ser chamado de pecador não faz parte
da comunhão deste Jesus, o Verbo, o Deus verdadeiro e único, que nós

107
IGREJA LUTERANA

vimos exatamente assim: buscando pecadores e estabelecendo comunhão


divina com pecadores.
E não só isto: esta comunhão tem valor eterno. É nesta comunhão que
vivemos e existimos. A vida que temos, temos graças a Jesus que é não
somente o Salvador, mas ainda o Advogado fiel que nos defende de quem
nos acusa de pecados. Confessar pecados diante de Deus, na presença de
Jesus, este é o único fundamento e doutrina que se deve pregar e viver.
João e os discípulos lembram-se dos desafios que Jesus lançava e que
tanto custaram a crer e confiar: meu Pai cuida de cada um. Cada pessoa
vale para Deus mais do que o mundo inteiro. Não estejam ansiosos de
nada. Cada fio de cabelo de vossa cabeça está contado e cuidado pelo
meu Pai. Todos os vossos dias estão na mão de meu Pai. E o suave con-
vite: Não tenham medo. Credes em mim. Creiam também no meu Pai. O
juízo, o castigo que ele deve fazer cair sobre a humanidade, este castigo
eu o suporto até o fim. Vocês estão livres e são, graças ao Pai, filhos de
Deus, povo de Deus.
Isto é que nós vimos, ouvimos e experimentamos na presença de Je-
sus. Nada mais devemos a Deus. Viver diante de Deus é o culto, o único
culto que podemos prestar a Deus para honrar a vida que ele nos deu
pela segunda vez em Cristo.

ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL PARA A PREGAÇÃO


As pessoas se perguntam e se angustiam até na preocupação de bem
servir a Deus. Naturalmente vivem na impressão de que Deus abençoa os
que fazem o bem e pune os que fazem o mal. Os textos deste domingo
trazem a mensagem do próprio Deus de que ele ama a todos “porque
todos pecaram e carecem diante da glória de Deus”. Em Jesus Deus revela
a sua natureza própria, o seu amor pela sua criatura. Amor este que traz
o Filho de Deus para demonstrar como Deus ama e até que ponto Deus
ama pecadores.

Tema: O testemunho de João:


ESTE É O SENHOR DA VIDA QUE ESTEVE CONOSCO
Ele mostrou que sabe e conhece nossas fraquezas e pecados.
Ele nos procurou por causa do pecado e suas consequências terríveis.
Ele nos acolheu e cobriu com a comunhão do Criador.
Ele está conosco sempre em todas as situações.
Ele nos leva seguros como participantes da sua vida eterna.

Paulo P. Weirich
São Leopoldo/RS
weirich.proskep@gmail.com

108
TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA
19 de abril de 2015

Salmo 4; Atos 3.11-21; 1 João 3.1-7; Lucas 24.36-49

LEITURAS

Salmo 4: Texto que, como o Salmo 3, relata a confiança em Deus.


Ambos tratam da confissão de fé de Davi ao fugir e escapar da morte
diante da perseguição de seu filho Absalão (2 Sm 15.13-17.29). Salmo
que reafirma que bênçãos como alegria, paz e sossego somente são pos-
síveis no SENHOR.
Atos 3.11-21: O relato de Lucas é uma aplicação prática daquilo que
Jesus afirma aos discípulos no evangelho do dia. No caso, Pedro lembra
que os discípulos são testemunhas do Cristo e sua obra. E em seu discur-
so, afirma que o cumprimento das Escrituras e a razão da cura do coxo
estão em Jesus.
1 João 3.1-7: Texto que identifica Deus como nosso Pai e dá a certeza
pela obra de Cristo que somos seus filhos. Esse trecho da carta de João
destaca também que somos herdeiros da justiça e santidade no Senhor.
Vivemos no “já e ainda não”, na expectativa do momento em que veremos
a Deus, quando então teremos nossa natureza transformada.

CONTEXTO E CENÁRIO LITÚRGICO

Somos lembrados, neste dia litúrgico, da terceira aparição de Jesus


no domingo da Ressurreição. Segundo o evangelista Lucas, dentro de sua
cronologia, após manifestar-se às mulheres (Lc 24.1-12), Maria Madalena,
Joana, Maria mãe de Tiago e outras mulheres, Jesus caminha e conversa
com dois seguidores, Cleopas e um companheiro em direção a Emaús (Lc
24.13-35). Depois desse evento, na mesma noite, aparece aos demais
discípulos (Lc 24.36-49), e como a Cleopas e o outro companheiro, explica
as Escrituras e confirma que era necessária, “importava se cumprisse”
(v.44), sua morte e ressurreição.
Dentro do calendário litúrgico, importante ressaltar o contraste deste
período com o da Quaresma. Esse, segundo James White,1 é o tempo que,
além de estar centralizado na ressurreição, é época da alegria, da paz que
o Jesus ressurreto garante aos cristãos.

1
WHITE, James. Introdução ao Culto Cristão. Trad. Walter Schlupp. São Leopoldo: Editora
Sinodal / IEPG, 1997, p.44.
IGREJA LUTERANA

TEXTO E DESTAQUES

As ênfases que gostaria de destacar nesse tópico se relacionam com a


surpresa dos discípulos e dúvidas, a relação desse relato com o todo das
Escrituras e a missão de Deus e os discípulos como testemunhas.
Sobre as dúvidas, esse trecho do final do evangelho segundo Lucas,
que trata dos acontecimentos do Domingo da Ressurreição do Senhor,
apresenta algumas direções que diferenciam dos relatos paralelos. A pe-
rícope está associada com Mt 28.16-20; Mc 16.14-18 e Jo.19-23. Mateus
e Marcos apresentam, como em Lucas, dúvidas (apistían em Mc, edístasan
em Mt e dialogismoi em Lc) diante do aparecimento de Jesus aos discí-
pulos que estavam reunidos naquele fim de tarde. Interessante o termo
dialogismós traduzido em ARA e NLLH por dúvidas, na ARC é traduzida
por pensamentos. Esse é o mesmo vocábulo em Lc 2.35, em que ambas
traduções concordam por pensamentos, quando Lucas registra as palavras
de Simeão a Maria e José e da surpresa do casal. Segundo Fritz Rienecker
e Cleon Rogers,2 dialogismós liga-se a uma ideia de ponderação, conside-
ração diante da surpresa, do inusitado, no caso, salvas as proporções, de
Maria e José como dos discípulos diante do Jesus ressurreto. Edístasan
em Mateus (28.17) é um duvidar que precede adoração, semelhante à
dúvida que Pedro teve diante de Jesus, conforme as palavras do próprio
Cristo:“Homem de pequena fé, por que duvidaste?” (Mt 14.31). Importante
ressaltar que Pedro não duvidou da existência, de estar diante de Jesus; ele
tinha fé (ainda que pequena) e pediu socorro não aos seus companheiros
no barco, mas ao Senhor (Mt 14.30). Essa parece ser a dúvida dos discí-
pulos diante do inusitado, da surpresa no final do evangelho de Mateus.
Em Marcos, apístian (incredulidade) é usado na repreensão de Jesus diante
da não crença no relato dos que já tinham estado com o Senhor após a
ressurreição. Apispounton (não crendo ou incrédulos) vai ser usado por
Lucas no v.41, diante da maravilha e alegria, e não por duvidar (ontolo-
gicamente) de estar diante do Cristo. O mesmo termo usado em outro
contexto, oito dias depois, quando Jesus repreende a falta de fé de Tomé
(Jo 20.27), falando-lhe para ser crente (pistós) e não incrédulo (ápistos).
Tomé duvidou do relato de seus companheiros; após a repreensão e ao
ver Jesus, confessa sua fé (Jo 20.28).
Independente dos termos usados, a questão da dúvida é um bom elo
para o que somente o evangelista Lucas relata no contexto do evento
com o todo das Escrituras. Enquanto Marcos, Mateus e João seguem seus
relatos com o envio, Lucas (vv. 44-49) aponta para uma explicação das
Escrituras à luz da história. Há uma ligação entre os dois livros de Lucas

2
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. Trad.
Gordon Chow e Júlio Zabatiero. São Paulo: Vida Nova, 2006, p.107.

110
TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

(Lc e At) na ordem de Jesus para permanecer em Jerusalém. O evento


Ascensão e Jerusalém ligam os escritos, conforme Craig Blomberg,3 no
sentido de que a estrutura de Lucas aponta os eventos da salvação dentro
de um paralelismo inverso. Enquanto a narrativa de Lucas caminha do
contexto romano (Lc 1 e 2) para Jerusalém, Atos parte de Jerusalém para
Roma (todas as nações). A centralidade em Jerusalém remete fortemente
às promessas do AT, confirmando Cristo como centro da história, o cum-
primento do judaísmo (p.197).
Além da ênfase geográfica, esse relato (vv. 44-49) faz com que/explica
que tudo o que ocorrera antes (Moisés, Salmos e Profetas) tem seu sentido
(telos) no evento: Cristo e sua morte e ressurreição. O evangelista narra
que somente após o relembrar dos eventos passados, os discípulos, pela
ação de Deus (diénoiksen) entendem o que estava acontecendo e os es-
critos. Diante dessa centralidade, Oscar Cullmann em Cristo y el Tiempo,4
elabora algumas teses sobre o Cristo na história. Segundo o autor, Cristo
é o centro (Mitte), ele é a história/processo da salvação (heilsgeschichte)
e não mais um acontecimento registrado nas Escrituras. Essa centralidade
ocorre, uma vez que a história/profecia se realiza pela parousia do Cristo,
nos eventos passados e futuros.5 Cristo é o acontecimento que liga toda
história da salvação, segundo análise do autor baseando-se em Gl 4.4-7;
o antes ocorre como uma preparação e o depois como desenvolvimento.6
Mesmo que essa seja uma análise entre tantas, e para não incorrer em
um anacronismo, sabendo que Lucas estava preocupado apenas com sua
investigação/narração (Lc 1.1-4; At 1.1-2), o que não foi pouco, as obser-
vações de Cullmann ajudam na leitura do texto, ainda mais tratando-se
da base da fé cristã que está na morte e ressurreição do Senhor.
Por fim, nessa breve análise da perícope, gostaria de destacar a mis-
são de Deus. O abrir das mentes dos discípulos é uma boa ligação com
a centralidade do evento e com a missão de Deus e o ser testemunha.
Interessante, nesse sentido, observar o uso do verbo dianoígo (abrir,
v.45), quando o evangelista relata que “Então abriu (diénoiksen) a mente
deles para entenderem as Ecrituras”. Dianoígo é bem menos recorrente
no texto do N.T que anoígo (abrir); são 8 contra 77. Lucas usa esse verbo
composto sete vezes (a outra ocorrência é em Mc 7.34). Lucas tende a
usar o verbo sempre que o significado é metafórico (abrir os olhos, abrir
a mente, explicar). A exceção é Lc 2.23 (que poderia ser tirado da lista

3
BLOMBERG, Craig L. Jesus e os Evangelhos. Uma Introdução ao Estudo dos 4 Evangelhos.
Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 188-190.
4
CULLMANN, Oscar. Cristo y el Tiempo. Trad. Dionisio Mínguez. Madrid: Ediciones Cristiandad,
2008. p.106-107.
5
Idem, p.131-132.
6
Idem, p.148.

111
IGREJA LUTERANA

de Lucas por ser uma formulação derivada da Septuaginta). Em At 7.56


parece ser outra exceção, mas aquele abrir dos céus também é um tanto
metafórico (afinal, era algo diferente do que um simples buraco nas nu-
vens). Portanto, parece que Lucas reserva o dianoigo para o uso meta-
fórico. Mas, quando o evangelista uso anoigo (abrir), também o faz com
sentido metafórico como em Lc 3.21 e At 10.11. A questão parece não
ser a diferença dos verbos, confirmando que são sinônimos, mas como
os mesmos são usados no texto bíblico.7
No contexto, dianoígo é usado metaforicamente. Como em Atos 16.14,
em que o coração de Lídia é aberto pelo Senhor, em Lucas 24.45 é a mente.
Mas quem abre – e esse é o ponto – o agente da ação é o Senhor. Diante
de tantas dúvidas, o Senhor se encarrega de saná-las pelo esclarecer, pelo
abrir da mente ou do coração (caso de Lídia). Não é uma ação qualquer;
aponta para uma mudança de atitude após a ressurreição e aparição do
Senhor. Pois é após a explicação e o abrir de mente dos discípulos que
Jesus afirma que eles serão testemunhas (escritos/acontecimentos), e
não por conta deles, ou antes. Não se trata de deduções ou achismos dos
discípulos, mas da ação do Deus que abre mentes e promove o entendi-
mento que faz de alguém testemunha da morte e ressurreição ou, como
Cullmann afirma, da história da salvação. A missão, conforme explica Georg
Vicedom, “é agora a atividade do Senhor exaltado entre sua ascensão e
volta. Assim a Igreja tem somente uma tarefa: dar continuidade à história
salvífica por meio da proclamação do evangelho salvífico já acontecido
e por meio da anunciação de seu reino na congregação da comunidade,
‘até que venha’.”8

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Fazemos parte da história da salvação como testemunhas da


missão de Deus.
Objetivo: Ressaltar a importância de que fazemos parte da missão
de Deus. Que, por obra do Senhor, fazemos parte da história da salvação
como instrumentos, como testemunhas.
Introdução: O que faz de alguém testemunha? Ser testemunha
ocular? Pertencer ao mesmo período histórico/cronológico? Como isso é
possível na missão de Deus?

7
Agradecimento ao professor Dr. Vilson Scholz, pelas observações concedidas, após consulta.
8
VICEDOM, Georg F. A Missão Como Obra de Deus. Introdução à Teologia da Missão. Trad.
Ilson Kayser. São Leopoldo: Editora Sinodal / IEPG, 1996, p.38.

112
TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

Delimitações:
A missão é de Deus. Nesse processo, passamos a fazer parte do Reino
e da história da salvação no batismo.
A incompreensão faz parte da vida dos cristãos. Os discípulos também
tiveram suas dúvidas, ainda assim Cristo não os abandonou. A imperfeição
e as dificuldades em entender o plano de Deus fazem parte da vida dos
cristãos/pecadores.
O ser testemunha ocorre pela ação de Deus que abre mentes. Pelas
Escrituras passamos, ainda que imperfeitamente, a ser testemunhas da
ressurreição.
A certeza da morte e ressurreição de Jesus, o perdão e a salvação são
as diretrizes das testemunhas e não as capacidades humanas.
Conclusão: Ser testemunha, fazer parte da história da salvação na mis-
são de Deus é um privilégio. Mesmo com todas as dificuldades e limitações,
o Senhor conta conosco e nos capacita como fez com os discípulos. Ele não
desiste dos seus e quer que outros venham a fazer parte da sua história.

BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA SAGRADA. Almeida Revista e Atualizada. Barueri: SBB, 1993.


BÍBLIA SAGRADA. Almeida Revista e Corrigida. Barueri: SBB, 1995.
BÍBLIA SAGRADA. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Almeida Revista
e Atualizada. Barueri: SBB, 2000.
BLOMBERG, Craig L. Jesus e os Evangelhos. Uma Introdução ao Estudo dos
4 Evangelhos. Trad. Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009.
CULLMANN, Oscar. Cristo y el Tiempo. Trad. Dionisio Mínguez. Madrid:
Ediciones Cristiandad, 2008.
GINGRICH, F. Wilbur. Léxico do Novo Testamento Grego – Português. Trad.
Júlio Zabatiero. São Paulo: Vida Nova, 2001.
NOVO TESTAMENTO. Interlinear Grego – Português. Barueri: SBB, 2004.
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento
Grego. Trad. Gordon Chow e Júlio Zabatiero. São Paulo: Vida Nova, 2006.
VICEDOM, Georg F. A Missão Como Obra de Deus. Introdução à Teologia
da Missão. Trad. Ilson Kayser. São Leopoldo: Editora Sinodal / IEPG, 1996.
WHITE, James. Introdução ao Culto Cristão. Trad. Walter Schlupp. São
Leopoldo: Editora Sinodal / IEPG, 1997.

Renato Rodrigues Farofa


Uberlândia/MG
renatofarofa@yahoo.com.br

113
QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA
26 de abril de 2015

1 João 3.16-24
CONTEXTO

O assunto principal da primeira epístola de João é o amor. O amor


que Deus demonstrou em Cristo por nós, o amor que nós devemos ter
a ele e o amor que devemos ter entre nós. “Deus é amor, e aquele que
permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele” (4.16). “Nós
amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19). “Ora, temos da parte
dele este mandamento, que aquele que ama a Deus, ame também a seu
irmão” (4.21).
Deus também é luz e nós devemos viver na luz para estarmos unidos
uns com os outros. “Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz,
mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho,
nos purifica de todo pecado” (1.7).
A epístola também é uma advertência à doutrina falsa de que Jesus não
teria se tornado um ser humano, mas que somente teria uma aparência
humana. Quem assim ensina, João denomina de “anticristo”. Quem nega
o Filho não tem o Pai, não tem o Deus verdadeiro (2.22,23). São falsos
profetas (4.1).
João nos incentiva a vivermos uma vida sem pecado: “Filhinhos meus,
estas coisas vos escrevo para que não pequeis” (2.1a.). Mas ele sabe
muito bem o que é o ser humano. É impossível não pecarmos. Por isso,
continua: “Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus
Cristo, o justo” (2.1b).

TEXTO

Cristo é o exemplo de amor. Ele deu sua vida por nós; por isso, nós
devemos dar nossa vida pelos irmãos. Como se comprova nosso amor aos
irmãos? Um exemplo bem simples: uma pessoa está passando por difi-
culdades financeiras e eu posso ajudá-la. Se eu não ajudá-la, como posso
dizer que amo a Deus? Nosso amor não pode ser comprovado por palavras;
ele se comprova por ações. “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não
somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22).
João ainda enfoca a nossa realidade diante de Deus: somos pecadores.
Mas, se somos da verdade, temos tranquilidade em nosso coração, pois
Deus providenciou nossa salvação. Portanto, se nosso coração nos acusar
QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA

de algo que fizemos, Deus é maior do que nosso coração e nos conhece.
Aquilo que dele pedimos, vamos receber, pois guardamos os seus man-
damentos. Parece que depende de nós fazermos a vontade de Deus para
que Deus seja gracioso para conosco. No entanto, João logo acrescenta o
que significa guardar os mandamentos de Deus: “Ora, o seu mandamento
é este, que creiamos em o nome de seu Filho Jesus Cristo e nos amemos
uns aos outros” (v.23). Finalmente João ainda acrescenta que quem guarda
os mandamentos de Deus permanece em Deus. Mas deixa claro que isto
somente é possível por causa do Espírito que nos foi dado.
Deus nos amou e este seu amor nos motiva a amarmos o nosso pró-
ximo. Esta é a mensagem de nosso texto.

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

O alvo a que o texto nos quer conduzir é que mostremos o amor ao


nosso irmão de uma maneira bem concreta: que auxiliemos a quem está
em necessidade.
A moléstia está escancarada nesta perícope: “Ora, aquele que possuir
recursos deste mundo e vir seu irmão padecer necessidade e fechar-lhe
o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (v. 17). Se
eu posso ajudar alguém em necessidade e não o faço, estou negando a
motivação de amor ao próximo que Deus quer me dar.
Os meios para vencer a moléstia também estão escancarados nesta
perícope. “Se o nosso coração nos acusar, certamente Deus é maior do
que o nosso coração e conhece todas as coisas” (v. 20). O perdão de Deus
sempre será maior do que nosso pecado. E a motivação está em Jesus.
Ele nos induz a amarmos o nosso próximo: “Ora, o seu mandamento é
este, que creiamos em o nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos
uns aos outros” (v. 23).

PROPOSTA HOMILÉTICA

DEUS É MAIOR DO QUE O NOSSO CORAÇÃO


1. Pois temos dificuldade em amar e auxiliar o nosso próximo
2. Pois nossa consciência nos acusa de sermos pecadores
3. Pois ele providenciou o Espírito Santo para nos unir a ele.

Raul Blum
São Leopoldo/RS
raulblum@yahoo.com.br

115
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA
3 de maio de 2015

Salmo 150; Atos 8.26-40; 1João 4.1-11 (12-21); João 15.1-8

O Quinto Domingo de Páscoa convida a olhar para trás, para o domingo


inicial deste período (a própria Páscoa da ressurreição), mas também já
nos convida a olhar para frente, para o Pentecostes que se aproxima. O
contexto imediato da leitura da epístola (“o Espírito que ele nos deu”, 1Jo
3.24) parece apontar para frente, para o Pentecostes. Por outro lado, o
texto parece mais adequado para Advento e Natal (“Jesus Cristo vindo em
carne”, v. 2; “Deus enviou o seu único Filho”, vv. 9,10) ou para a Sexta-
Feira Santa (“enviou o seu Filho como propiciação”, v. 10).
Isto não seria, a rigor, um problema, porque a Páscoa não é um
acontecimento isolado, e mesmo neste período da Páscoa é possível, e
necessário, falar sobre a cruz de Cristo. No entanto, a busca por um tema
propriamente pascal se justifica, na medida em que o texto foi escolhido
para este período. E um tema pascal parece aflorar no versículo 7 com a
referência a quem “é nascido de Deus”; afinal, a Páscoa é também nova
vida para nós. O evangelho do dia (Jo 15.1-8) reforça esta conexão:
os ramos da videira, conectados com o Cristo vivo, têm nova vida; são
“nascidos de Deus”.
Esta conexão com o evangelho do dia pode nos abrir um caminho
homilético que, a princípio, não parecia disponível, a saber, uma aborda-
gem da questão das características do ramo conectado com a videira, ou,
se preferir, as marcas que identificam os “amados” (1Jo 4.1,7,11) ou os
“filhinhos” (v.4). Em outras palavras, pode ser um bom dia para se falar
sobre características da igreja que emanam da Páscoa.
Quanto aos contornos do texto, convém notar que o parágrafo não
termina no v. 11 em nossas edições da Bíblia. No entanto, o corte no v.
11 permite uma ênfase especial no “amar uns aos outros”, que passa a
ser o ponto alto da perícope (além de manter a perícope dentro de uma
extensão razoável).
Olhando o contexto mais amplo, é preciso lembrar que a primeira carta
de João tem muito a ver com testes e provas. “Nisto conhecemos” é uma
expressão que se repete várias vezes na carta (1Jo 2.3,5; 3.16,19,24),
inclusive na leitura selecionada para este domingo (1Jo 4.2). A pergunta
que se pode fazer é: como reconhecer os que conhecem Deus (v.8), isto é,
a igreja? A resposta é simples, embora tenha duas partes: pela confissão
de fé correta e pelo amor genuíno. Chama a atenção que a popularidade da
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

mensagem ou seu caráter “escandaloso” não fazem parte desses “critérios


de autenticidade”. A verdade não é necessariamente democrática.
A confissão de fé ganha destaque na primeira parte da perícope (4.1-6);
a vivência do amor é o tema principal do trecho que se inicia no v. 7. A
primeira parte do texto tem um tom mais polêmico, na medida em que
são contrapostos “o espírito da verdade” e “o espírito do erro” (v. 6). A
segunda parte (4.7-11) esquece o mundo exterior e focaliza o amor mútuo
dentro da comunidade.
O caráter polêmico do primeiro parágrafo (4.1-6) se explica a partir
de algo que está implícito no contexto da comunicação, não aparecendo
diretamente no texto. Parece que um grupo se afastou ou foi excluído da
comunidade cristã por defender uma confissão diferente daquela que o
autor da carta descreve como procedente de Deus. Há quem entenda que
esse grupo sectário defendia ideias pré-gnósticas, que levavam a uma
desvalorização ou negação da encarnação de Cristo. Os que defendiam
essa doutrina são apresentados como “espíritos” que não procedem de
Deus. São “falsos profetas” (v.1), gente que tem “o espírito do anticris-
to” (v.3) e o “espírito do erro” (v.6). Estes “saíram para o mundo” (v.1),
são “do mundo” e “falam da parte do mundo” (v.5). Eles não nos ouvem
(v.6). Mas principalmente eles não confessam (v.3) aquele Jesus que é
descrito no versículo 2, a saber, o Jesus vindo em carne. A continuação
do texto, no v.10, traz um elemento adicional que não pode faltar nesse
quadro pintado pelo apóstolo: esse Jesus foi enviado por Deus para ser a
propiciação pelos nossos pecados. Um Jesus espiritualizado sempre parece
mais atraente que o Jesus que se fez gente, morou entre nós e morreu
por nós. Um Jesus espiritualizado, numa espécie de abstração espiritual,
é mais facilmente amoldado a nossos desejos e conceitos. O mesmo vale
para o amor, que é o tema maior do parágrafo seguinte (vv. 7-11).
Não será possível abordar todos os detalhes do texto, mas três temas
podem ser destacados: anticristo, amor e propiciação.
O termo “anticristo” só existe na teologia porque aparece na Primeira
Epístola de João (e também no versículo 7 de 2João). Em toda a Bíblia, o
termo aparece apenas aqui. No entanto, ao contrário do que muitos pen-
sam, o anticristo não é uma figura que ainda vai aparecer no cenário da
história, mas um termo aplicado aos inimigos do evangelho no tempo do
apóstolo. Em 1Jo 2.18 ele chega a falar sobre vários “anticristos”. Embora o
prefixo preposicional anti possa ser interpretado no sentido de “em lugar
de” (o anticristo como alguém que toma o lugar de Cristo), a compreensão
mais adequada parece ser em termos de “contra”, no sentido de alguém
que é contra Cristo. João afirma que temos vencido o anticristo ou, para
ser mais exato, os falsos profetas (v.4). A chave da vitória aparece mais
adiante, em 1Jo 5.1,4.

117
IGREJA LUTERANA

Quanto ao amor, esta seção, especialmente a partir do v. 7, tem uma


contribuição importante para um tema tão fundamental. Aparecem várias
afirmações: O amor procede de Deus. Quem ama é nascido de Deus. Deus
é amor. A manifestação deste amor é o envio do Filho de Deus, para que
vivamos por meio dele. Não fomos nós que amamos Deus, mas ele nos
amou e mandou o seu Filho para ser a propiciação pelos nossos peca-
dos. (Convém notar que nesse uso do verbo “enviar” ou “mandar” – em
grego, apostéllo – fica subentendida a pré-existência de Cristo. Ele não
apenas nasceu ou “surgiu”; ele veio de outro lugar, do céu, mandado por
Deus).
A frase que merece destaque é “Deus é amor”. O sujeito é Deus e
amor é o predicativo. Não é possível inverter a ordem, por mais que al-
guns queiram fazê-lo, e dizer que “o amor é Deus”; isso acabaria dando
status divino ao amor. O amor é algo que caracteriza Deus. Esse amor se
expressa no que Deus fez pela morte sacrificial de seu Filho. Não existe
amor maior do que este (Jo 15.13).
Um terceiro tema que merece destaque é propiciação. O texto diz que
Deus enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. O que
significa isto? O termo “propiciação” (em grego, hilasmós) ocorre apenas
duas vezes em todo o Novo Testamento: 1Jo 2.2 e 1Jo 4.10. Propiciação
é o ato de propiciar ou aplacar a ira. Neste caso, a ira de Deus por causa
dos nossos pecados. Cristo fez isso ao morrer na cruz.
Essa referência à propiciação feita por Jesus aparece num contexto
em que João explica o que é amor. Mas ela se relaciona também com a
primeira parte do texto da epístola para este domingo: a confissão cor-
reta a respeito de Jesus. Quem nega a verdadeira humanidade de Jesus
nega, por extensão, a sua cruz. Se ele não tinha “carne”, não tinha nada
a oferecer (veja nesta conexão o texto de Hb 10.5: “preparaste um corpo
para mim”). Por outro lado, quem nega o caráter sacrificial da morte de
Jesus nega, de certa forma, a sua encarnação, pois anula a sua finalida-
de maior. João, no entanto, não tira essas conclusões; ele apresenta os
temas da encarnação e da propiciação em dois momentos distintos, um
na primeira parte do texto (vv. 1-6), outro na parte final (vv. 7-11). Mas
isto não impede que se faça uma conexão entre ambos.
Trazendo isso para os nossos dias, cabe a seguinte reflexão: Antes de
sairmos com a régua na mão para “provar os espíritos” no meio dos outros,
é preciso começar o exame por casa mesmo. O que nos caracteriza? Somos
guiados pelo Espírito da verdade ou pelo espírito do erro (v.6)? Qual a
nossa confissão a respeito de Cristo? Concordamos com Melanchton que
“conhecer Cristo é conhecer os seus benefícios”? Enfatizamos que ele é o
Deus encarnado que é nosso Salvador? E a nossa vida como igreja reflete
o amor que Deus nos teve em Cristo?

118
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

Todas essas perguntas são lei, porque quem faz perguntas aplica a lei.
O evangelho, por sua vez, nada pergunta, nada exige, nem mesmo uma
reflexão. Anunciar o evangelho neste contexto é reafirmar que Deus nos
amou, com destaque para o “nos”, pois a presença do “nos” transforma
uma notícia ou afirmação teológica em evangelho.

Vilson Scholz
São Leopoldo/RS
vscholz@uol.com.br

119
SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA
10 de maio de 2015

Salmo 98; Atos 10.34-48; 1 João 5.1-8; João 15.9-17

VISÃO PANORÂMICA DAS LEITURAS DO DIA

Salmo 98: Uma das características dos salmos é o convite ao louvor:


“Rendei graças”, “louvai”, “bendizei”, “cantai ao Senhor”. Talvez o diferencial
do Salmo 98, que é muito semelhante ao Salmo 96, esteja nas palavras
“Cantai ao Senhor um cântico novo”.
Os salmos 95 a 100 formam um bloco, cujo tema principal é a alegre
e voluntária adoração a Deus, que se mostra gracioso e presente no meio
do seu povo. Um cântico novo porque, desde o Egito, “Deus fez notória
a sua salvação” (v. 2) e também porque Deus tornou novas as suas
promessas.

Atos 10.34-48: O texto de Atos é um exemplo de como Deus “fez


notória a sua salvação e manifestou a sua justiça perante os olhos das
nações” (Sl 98.2). Ao entrar na casa de Cornélio, um comandante do
exército romano, Pedro também declara que “Deus não faz acepção de
pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o
que é justo, lhe é aceitável” (vv. 34 e 35). Deus é justo com todos ao
castigar o pecado de todos em seu Filho (2 Co 5.14). Do mesmo modo,
também são justos diante de Deus todos os que confiam que “o sangue
de Jesus, seu Filho, purifica de todo o pecado” (1 João 1.7). Assim Jesus
é “o Senhor de todos” (v. 36).

1 João 5.1-8: A fé em Jesus torna novas todas as coisas, inclusive o


louvor e a adoração a Deus, o que caracteriza o “cântico novo” (Sl 98.1).
Esta é a manifestação dos que “nasceram de Deus” (v. 1). Porém, a nova
vida em Cristo também se caracteriza em atitudes de amor ao próximo.
Quem ama a Deus também ama os filhos de Deus (NTLH). E, amar os
irmãos não é só sentimento, mas é, sobretudo, obedecer aos manda-
mentos de Deus. E, segundo as palavras de Jesus, os mandamentos se
resumem em amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como
a nós mesmos (Mt 22.34-40).

João 15.9-17: Em Cristo, Deus instalou um novo relacionamento


com a humanidade. A fé em Jesus nos torna amigos de Deus: “Já não vos
chamo servos, mas tenho-vos chamado amigos” (v. 14). E isso partiu de
SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA

Deus, pois foi ele quem nos escolheu (v. 16) para que também vivamos
uma nova vida. E, mais uma vez, fica claro que a nova vida se mostra
em atitudes novas, amando uns aos outros assim como Cristo nos amou
(v. 13), e guardando os seus mandamentos (vv. 9 e 10), o que também
confere com as palavras de Paulo em Romanos 13.8-10.

AMPLIANDO A COMPREENSÃO SOBRE O TEXTO DO EVANGELHO:


JOÃO 15.9-17

Em sua condição natural, o ser humano pecador tem medo de Deus.


Vive constantemente com medo do castigo divino. Quem não cumpre a
Lei está “debaixo da Lei” (Rm 3.19) e sujeito ao castigo.
Só Deus pode mudar essa situação. E, em Cristo, Deus modificou
esse quadro, apresentando-se como amigo. Aí está a diferença. Aí está o
consolo do Evangelho! E é essa iniciativa graciosa de Deus que inaugura
um novo tempo no relacionamento de Deus com o ser humano. O texto
do evangelho aponta para essa iniciativa de Deus, bem como para os
detalhes desse novo relacionamento.

PROPOSTA HOMILÉTICA

O pregador pode desenvolver a mensagem partindo das questões que


seguem:
1) Jesus é nosso amigo:
a. Porque deu a própria vida em favor dos seus amigos (v. 13).
- Jesus encarnou o amor de Deus, tornou-se verdadeiro homem,
tomou o lugar dos seus amigos no castigo e na morte.
- Ninguém tem maior amor do que este (v. 13).
b. Porque nos tem dado a conhecer tudo o que ouviu de Seu Pai (v. 15)
- As pessoas têm conhecimento natural da Lei de Deus, porém
não têm o conhecimento do amor de Deus.
- Jesus é nosso amigo porque nos revelou o amor, a misericórdia
e o perdão de Deus.

2) Nós somos amigos de Jesus:


a. Porque ele nos amou e nos escolheu (vv. 9 e 16).
- Conferir também Romanos 5.8.

3) Nós mostramos que somos amigos de Jesus:


a. Porque fazemos o que ele nos manda (v. 14).
- Mesmo não tendo condições de cumprir os mandamentos, por
causa do pecado que ainda habita em nós, confiamos em Jesus
que nos justifica diante do Pai.

121
IGREJA LUTERANA

b. Porque amamos uns aos outros (v. 17).

4) Reflexões visando à aplicação:


a. Nossas palavras e atitudes refletem o novo relacionamento com
Deus em Cristo, ou refletem as marcas da nossa velha natureza
pecaminosa?
b. Quais são as velhas atitudes que precisam ser eliminadas através
de arrependimento, e quais as novas atitudes que estão faltando
em nossas vidas e na ação da igreja?
c. Que atitudes discriminatórias (falta de amor e acepção de pesso-
as) no seio da igreja estão impedindo que Jesus seja o Senhor de
todos?
d. Nossa vida e ação como igreja mostram intimidade e compromisso
com o amigo Jesus?

Reinaldo M. Lüdke
Porto Alegre/RS
reinaldo@comcristo.org.br

122
ASCENSÃO DE NOSSO SENHOR
14 de maio de 2015

Efésios 1.15-23

CONTEXTO/PROPÓSITO DA CARTA

Paulo escreve a carta com a intenção de animar os cristãos da igreja


a permanecerem firmes na fé e no serviço. Sendo prisioneiro em Roma e
esperando por uma sentença, Paulo não pode revisitar a igreja de Éfeso,
assim como fez com outras igrejas que ele fundou, durante a sua primeira
e segunda viagens missionárias.
A igreja de Éfeso era relativamente nova; havia sido estabelecida por
Paulo na sua terceira viagem missionária, três a cinco anos antes da sua
prisão. Em carta, ele pede aos cristãos aquilo que ele gostaria de fazer
pessoalmente. Ele escreve para fortalecer e confirmar os cristãos de
Éfeso na graça de Deus e no evangelho de Jesus Cristo, bem como para
encorajá-los ao serviço e à santificação no trabalho do Reino, em resposta
ao grande amor do Pai.

ALGUNS ASPECTOS DIGNOS DE NOTA

O primeiro deles é a maneira como Paulo inicia a oração em 1.15: “por


esta razão ...”. Por qual razão?
A resposta está no começo do capítulo, quando Paulo, a partir de 1.3,
nos fala sobre toda sorte de bênçãos espirituais que Deus tem derramado
sobre a vida dos cristãos de Éfeso. Algumas delas:
Deus ...
V. 4: nos escolheu;
V. 5: nos predestinou, adoção de filhos;
V. 6: graça;
V. 7: redenção e remissão;
V. 13: fomos selados com o Espírito Santo da promessa.
Depois disso, vemos 1.15: “por esta razão”. Por causa de todas essas
maravilhosas coisas que Deus tem feito, em oração, Paulo agradece pelos
cristãos de Éfeso.
V. 15: “Tendo eu ouvido”. Paulo foi uma testemunha ocular de como
os cristãos de Éfeso chegaram à fé; aqui, porém, ele fala do crescimento
da fé deles, provavelmente através de Epafras (Cl 1.7). “...da vossa fé em
Cristo Jesus”: não como mero conhecedor de Cristo, mas como um crente
IGREJA LUTERANA

verdadeiro, aquele que crê em Cristo como Senhor e Salvador (1 Pedro


1.21). Amor aos santos é mencionado como uma evidência do amor dos
efésios a Deus e também a todos os santos.

V. 16: Ou, παu,ομαι, “não cesso de dar graças”. Uma forma popular de
hipérbole. Minha gratidão é tão grande que eu não posso parar de agra-
decer (1 Tessalonicenses 1.2; Lucas 2.37).
“Fazendo menção de vós nas minhas orações” mostra o apóstolo Paulo
em constante oração e constantemente de joelhos diante do trono da gra-
ça, onde ele ora por ele e pelos seus filhos espirituais. A menção de Paulo
em orar pelos efésios não mostra apenas sua grande responsabilidade
e afeição por eles, como também os convida a fazer o mesmo, movidos
pelo seu exemplo.

V. 17: ὁ Θεὸς τοῦ κυρίου ἡμῶν... – “O Deus de Nosso Senhor [Jesus


Cristo]”. Um paralelo está em João 20.17: “Não me detenhas, porque ainda
não subi para meu Pai”. Jesus fala ainda no seu estado de humilhação e
também faz referência à sua ascensão aos céus. Isto se refere à natureza
humana de Cristo. Nessa perspectiva, Deus é inteiramente Seu Deus a
quem nosso Senhor Jesus Cristo foi obediente até à morte.
O que nós podemos aprender sobre a vida cristã, a partir do versículo
17? O que é a vida cristã? São duas perguntas que cabem no sermão e
neste estudo.
A salvação é pessoal (Jo 17.3). Procurar conhecer Deus mais e melhor
é santificação (Fl 3.10). Em seguindo a promessa de Cristo, também o
conheceremos perfeitamente na glória celestial (1 Co 13.9-12).
Paulo está dizendo aos cristãos de Éfeso que ser cristão não é um
evento que acontece e com o tempo desvanece. Pelo contrário, precisa
ser regado como uma planta. O cristão precisa “procurar com zelo os
melhores dons” (1 Co 12.31).

V. 18: Πεϕωτισμένους τοὺς ὀϕθαλμοὺς – “oro para que os olhos


dos vossos corações sejam iluminados” (Concordia Self Study Bible NIV
– Concordia Publishing House).
phós: ϕῶς, luz. Palavra original: ϕῶς, ϕωτος. Definição: luz, fonte
de luz, radiante. Ou phos – luz (os seus resultados, como se manifesta);
no NT, a manifestação da existência do Deus da vida; iluminação divina
que revela e comunica a vida, através de Cristo. (Helps Word Studies,
copyright © 1987, 2011 by Helps Ministries, Inc).
Os olhos do vosso coração não é uma expressão comum, mas ela
nos mostra que há necessidade de ver as coisas claramente, não apenas
intelectualmente, mas com os olhos da fé. A mesma ideia é usada em
Efésios 4.18, mas de maneira oposta.

124
ASCENSÃO DE NOSSO SENHOR

Um dos exemplos mais bonitos está em 1 Coríntios 15.1-19. A fé e a


esperança na vida eterna é que movem e mantêm o cristão. Só podemos
ver e ter esperança na vida eterna e na ressurreição quando o coração
está em Cristo. O conhecimento intelectual não pode e não nos leva à fé
salvadora nem ao testemunho cristão.

Vv. 19,20: Paulo “empilha” termo sobre termo para enfatizar o poder
divino pelo qual Jesus Cristo foi ressuscitado (v.20), que é o mesmo poder
sobrenatural que age no coração dos crentes em Cristo. “Mão direita”: a
figura simbólica de autoridade, honra e poder.

V. 22: “debaixo dos seus pés”. Salmo 8.5,6: ênfase no destino do


homem, assim como Hebreus 2.6-9 nos mostra que o Filho do Homem
é quem por fim governará sobre tudo e sobre todos com a sua destra
poderosa (Hb 10.13).

V. 23: A igreja é o corpo de Cristo. Cristo é a cabeça, seu povo os


membros; Ele é a vide, nós somos os ramos. Ele habita na Igreja, como a
vida habita em um corpo vivo. Ele dá a vida pelas suas ovelhas e continua
realimentando-as com seu corpo e sangue.

Uma ilustração que pode ser usada no sermão


Um amigo recentemente me contou a história de um rinoceronte que
viu em um zoológico. O animal, apesar de estar vivendo num enorme
espaço cercado com muita grama e água, se mantinha caminhando em
espaços curtos. A razão para este comportamento estava no fato de que
esta criatura havia sido resgatada de um circo onde viveu enjaulado toda
a sua vida num espaço bem reduzido. Agora, mesmo com todo o campo
aberto e vivendo em liberdade, parecia que as barras da jaula ainda per-
maneciam diante dele.
Os cristãos de Éfeso são meio parecidos com este rinoceronte. Eles não
tinham nenhum problema em especial a ser corrigido, como em outras
cartas que o apóstolo escreveu (Gálatas e Coríntios), mas os Efésios não
estavam fazendo bom uso da sua liberdade cristã. Pensavam pequeno,
apenas dentro do círculo da congregação. Não estavam demonstrando
por que foram chamados, adotados, redimidos para serem luz do mundo
e sal da terra.
Paulo direciona a carta com esta finalidade. Fazer com que os cristãos
de Éfeso se animem para o testemunho diário e para uma vida compro-
metida com a vida cristã.

125
IGREJA LUTERANA

CONCLUSÃO

Porque Deus nos abençoa continuamente com o perdão dos pecados e fé


em Cristo, temos a certeza de que Ele nos guardará para a vida eterna.
Esta é a esperança para a qual ele nos chamou, a herança que espera
por nós, a eterna glória, onde nós o louvaremos pelos séculos sem fim. Ele
nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz para que nós possamos
ser abençoados com toda sorte de bênçãos espirituais. Deus nos escolheu
em Cristo para adorar e glorificar Seu nome eternamente.
A Ascensão de Cristo é a prova máxima de que o seu reinado começa
agora, através da pregação do evangelho pela sua Igreja nesse mundo e
se perpetua pela vida eterna.

Evandro Kopper
Capelão Ulbra – Campus Carazinho/RS
evandrokopper@hotmail.com

126
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA
17 de maio de 2015

Salmo 1; Atos 1.12-26; 1 João 5.9-15; João 17.11b-19

Este é o domingo após a Ascensão de nosso Senhor Jesus Cristo. Vá-


rios enfoques poderiam ser destacados destes textos. Mas optamos por
enfocar o testemunho que Deus dá em sua Palavra sobre Jesus Cristo e
sobre o ser humano.

Salmo 1: O primeiro salmo é introdutório; é ele que lança o alicerce dos


demais salmos. Seu autor é desconhecido, porém delineia em linguagem
vívida o grande tema do permanente conflito entre o incrédulo e o crente
no Deus verdadeiro, com o fim de ambos. Lei significa toda a revelação de
Deus nas Escrituras em forma de lei (sentido restrito – mandamentos de
Deus) e de evangelho. Os três primeiros versículos descrevem o caminho
do crente, e os três últimos, o caminho do descrente. O crente será sus-
tentado por Deus no meio de um mundo ímpio e no juízo final terá vida
eterna completa, mas os incrédulos terão condenação eterna.

Atos 1.12-26: Para tomar o lugar de Judas Iscariotes, que havia traído
o Mestre, os apóstolos, sob a liderança de Pedro, escolheram Matias (v.26).
Um critério para a escolha do substituto de Judas é que fosse alguém que
havia testemunhado com os demais sobre a ressurreição de Jesus (v.22).
Isto aconteceu antes da vinda do Dia de Pentecostes, quando houve a
descida do Espírito Santo sobre os discípulos (At 2). Apenas aqui em o
Novo Testamento há menção sobre Matias.

1João 5.9-15: O apóstolo João fala a respeito da importância do


testemunho sobre Jesus Cristo, por meio de quem temos a vida eterna
(vv.11-12). Ele veio ao mundo como um ser humano, e as provas disso
são o seu batismo e a sua morte (v.6). O próprio Espírito Santo é teste-
munha de que isto é verdade. O Espírito dá testemunho através daqueles
que afirmam que Jesus veio como um ser humano (4.2-3).

João 17.11b-19: Este texto faz parte da Oração Sacerdotal de Jesus


que está registrada nos vinte e seis versículos de João 17. Jesus ora pelos
seus discípulos, pedindo que o Pai os guarde, que sejam totalmente de-
dicados ao Pai e separados para o ministério da verdade. Afirma também
que, assim como Pai o enviou ao mundo, ele os enviou também (v.18).
IGREJA LUTERANA

ESTUDO DO TEXTO: 1 JOÃO 5.9-15

Os objetivos de João ao escrever a sua primeira carta eram expor a


heresia dos falsos mestres e confirmar a fé dos verdadeiros crentes. O
que está por trás das palavras escritas pelo apóstolo era o ensinamento
errôneo do gnosticismo de que a matéria era essencialmente ruim e o
espírito era essencialmente bom. Sendo a matéria ruim, não seria possível
a encarnação do Cristo nem a sua ressurreição. Diziam que o verdadeiro
Deus nunca poderia habitar um corpo material constituído de corpo e
sangue. A partir destas afirmações, aqueles falsos mestres criam que o
corpo humano “possuído” por Jesus não era real, mas apenas aparente.
João escreveu veementemente contra esses erros.

V. 9: Fala sobre testemunho a respeito de Jesus Cristo. No v. 6, João


fala que há três provas de que Jesus Cristo de fato é o Deus encarnado, ou
seja, o Deus-homem: “a água” = ele foi batizado por João Batista e naquele
momento Deus Pai testemunhou do céu: “Este é o meu Filho amado, em
ti me comprazo” (Jo 1.32-34, Lc 3.22); “o sangue” = refere-se ao sangue
derramado em seu sofrimento e morte, através do qual Jesus completou a
obra da salvação da humanidade (Jo 19.34-35); “o Espírito” Santo, o qual
testemunhou de Jesus Cristo em cada momento de sua vida terrena (Jo 15.26,
16.13-15). De acordo com a lei mosaica, o testemunho harmônico de três
testemunhas era considerado conclusivo (Dt 9.15 e Mt 18.16), verdadeiro,
inquestionável. O testemunho dos três citados no v.6, João entende como
testemunho dado por Deus, o qual deve ser aceito de todo coração pelas
pessoas por ser o testemunho não de pessoas, mas do próprio Deus.

V. 10: A segurança que vem para aqueles que confiam em Jesus tem
origem no Espírito Santo (Rm 8.16). Recusar-se a crer no testemunho que
o próprio Deus tem dado sobre seu Filho, como o Deus-homem, equivale
chamar Deus de mentiroso. Crer não é assunto apenas da cabeça e do
intelecto, mas também apela ao coração. A fé é a confiança do coração, a
fiducia que mantém “nele”, no crente, o testemunho objetivo de Deus e,
portanto, tudo o que o testemunho de Deus contém, como João explica.

V. 11: O testemunho de Deus Pai confirma a validade da obra salvadora


realizada por Jesus Cristo. A expressão “vida eterna” significa Deus se
unir ao ser humano, vida sem fim e também uma qualidade de vida que
acontece somente para aqueles que têm fé em Jesus. Esta vida é posses-
são dada por Deus que começa neste mundo a partir da fé no Filho e se
estende por toda a eternidade. Tudo quanto Deus Pai tem feito em Cristo
e por meio dele é um grande testemunho de suas melhores intenções
para com o ser humano.

128
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA

V. 12: João une tudo: o testemunho de Deus traz o Filho; vida eterna
está no Filho, está nele por nós; a vida eterna nos é dada nele e pelo seu
testemunho; crer é ter o Filho, e tê-lo é ter a vida; não crer é não ter o Filho
e esta vida. Tudo é tão simples e tão claro como estas breves declarações
demonstram (Lenski). Em relação aos hereges, João faz uma declaração
incontestável: “aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida”.

V. 13: O testemunho de João através de sua carta visa dar garantia


da vida eterna àqueles que creem “em o nome do Filho de Deus”. Neste
versículo, João sumariza o conteúdo da epístola.

Vv. 14,15: O crente em Jesus Cristo, que orienta sua vida pela sua
Palavra, vai procurar pedir ao Pai aquilo que estiver de acordo com a
vontade dele expressa na Palavra. Então, estando de acordo com a von-
tade do Pai, ele atenderá. Essa promessa é incentivo para os crentes em
Cristo orarem.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: O testemunho de Deus

Sobre Jesus Cristo


- por meio de Jesus Cristo temos a vida eterna - 1 João 5.11,12.
- provas de que ele é o Deus encarnado: seu batismo, o sangue
derramado e o Espírito Santo – 1 João 5.8.
- Matias e os apóstolos testemunharam sobre sua ressurreição.
- cabe aos seguidores de Jesus Cristo testemunharem a quem pu-
derem – João 17.18.

Sobre o ser humano


- os incrédulos são infelizes porque são “como a palha que o ven-
to dispersa” diante dos problemas e seu fim será a condenação
eterna - Salmo 1.4-6, 1 Jo 5.12.
- os crentes são felizes, pois recebem da “lei do Senhor” forças e
orientação para viverem, no devido tempo dão frutos e o seu fim
será estarem “na congregação dos justos” na eternidade – Salmo
1,2,3 e 5.

Leonerio Faller
São Leopoldo/RS
leoneriofaller@yahoo.com.br

129
DOMINGO DE PENTECOSTES
24 de maio de 2015

Salmo 139.1-12 (13-16); Ezequiel 37.1-14 ou Joel 2.28-32;


Atos 2.1-21; João 15.26-27; 16.4b-15

CONTEXTO LITÚRGICO

A igreja da Quaresma é uma igreja quieta, pensativa e meditativa. Anda


com o Senhor Jesus Cristo com passos firmes rumo ao martírio na cruz,
a cruz que é da Igreja, mas que foi voluntariamente carregada pelo seu
Senhor. É uma igreja que tem preso na garganta o grito de aleluia, que
na Páscoa é cantado a plenos pulmões. A igreja da Páscoa é uma igreja
feliz, radiante, maravilhada, e que compreende as Escrituras Sagradas,
que dizem:“O Filho do Homem terá de sofrer muito. Ele será rejeitado
pelos líderes judeus, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da Lei.
Será morto e, três dias depois, ressuscitará” (Marcos 8.31). Mas esta
igreja espera pela manifestação do Espírito Santo, este é o momento de
a Igreja abrir-se para o mundo e claramente declarar que a salvação só é
realidade em Cristo Jesus, Senhor da Igreja e nosso Senhor também.

Salmo 139.1-16: Davi, inspirado pelo Espírito Santo, canta em


versos o cuidado que Deus tem com seus filhos, mesmo que não sejam
perfeitos. Este cuidado é detalhado por Davi que começa de uma visão
macro do ser humano: “Ó Senhor Deus, tu me examinas e me conheces”
(v.1), detalha este conhecimento, chegando ao mínimo, ao mais íntimo
momento da vida, quando estava “sendo formado na barriga da minha
mãe, crescendo ali em segredo” (v.15b). Deus nos conhece muito bem,
e em todos os detalhes. Por isso, o seu amor não é um discurso vazio,
cheio de palavras, mas o nosso Deus é um Deus de ação.

Ezequiel 37.1-14: O povo de Deus, que está prisioneiro na Babilônia,


está desanimado e sem nenhuma esperança. Até aqui, vimos as mensa-
gens de juízo e destruição, e agora o profeta anuncia algo novo: de um
povo cabisbaixo, sem estima, sem esperança, Deus fará ressurgir um novo
povo, cheio de vida e de uma nova e verdadeira esperança, que não se
baseia no homem, mas está na graça de Deus. O Deus de Abraão, Isaque
e Jacó é o Deus da vida. Considerando que, de um vale de ossos secos,
Ele pode fazer um povo para Ele, o que então Deus poderá fazer pelo seu
povo que está prisioneiro? Muito mais do que eles podem imaginar. Deus
DOMINGO DE PENTECOSTES

não os quer apenas ocupando a terra de Canaã, mas Ele quer que sejam
as testemunhas dos feitos de Deus por eles, extensivo a todos os povos,
para que, ao final, haja apenas um pastor e um só rebanho.

Joel 2.18-32: Na primeira parte deste texto (18 a 27) o profeta Joel
mostra que Deus teve compaixão de seu povo e por causa disto os livrou da
praga de gafanhotos. No texto a seguir, 28 a 32, Deus promete derramar
o seu Espírito sobre todas as pessoas, desde os mais novos até os mais
velhos. Este texto nos remete, num primeiro momento, para o Pentecostes,
como registrado em Atos 2, e em um segundo momento, também para os
acontecimentos finais deste nosso mundo, o Dia do Juízo.

João 15.26,27, 16.4b-15: Neste texto Jesus claramente diz aos seus
discípulos e à Igreja que as perseguições serão diferentes, de lugar para
lugar, de época para época, e inevitáveis. Diante das perseguições, o medo
e a insegurança rondarão os corações e mentes dos crentes, mas a igreja
não está sozinha neste mundo, o seu Senhor sempre estará com ela. Ele
mesmo promete enviar o Espírito Santo, para que a Igreja cumpra seu
chamado de ir e anunciar que todos os inimigos foram derrotados pela
morte e ressurreição de Jesus.

TEXTO DE ATOS 2.1-21

Para compreendermos o que se cumpre aqui, é necessário olhar para


todo o contexto pós-ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo.

V. 1: Pentecostes é uma das três grandes festas judaicas; as outras


duas são a Páscoa e a Festa dos Tabernáculos ou Festa da Colheita. Pen-
tecostes era a festa especialmente preferida pelos judeus da dispersão,
pelo clima ameno, que possibilitava o pernoite ao ar livre.
“Todos os seguidores estavam reunidos no mesmo lugar.” Não
se sabe ao certo quantas pessoas estavam reunidas, mas provavelmente
eram cerca de 120 pessoas, talvez as mesmas que estavam juntas por
ocasião da Ascensão de Jesus. Havia dois locais prováveis para esta reu-
nião: o Cenáculo, palco da última ceia e da instituição da mesma. Outra
possibilidade é uma casa, talvez a de Maria, mãe de Marcos, mas aqui
parece mais plausível que seja a primeira opção.

V. 2: Um som, barulho, zunido ou ruído, um eco – ηχος, como de


um vento, vem de repente, como um raio que cai sem avisar. A fonte é
o próprio Deus, por isso, este acontecimento é um milagre. No entanto,
o ruído não é o Espírito Santo, mas parece que Deus está chamando as

131
IGREJA LUTERANA

pessoas para verem o que acontecerá a seguir. O “barulho” encheu todo


o lugar onde estavam reunidos. O que estavam fazendo os discípulos?
Provavelmente estavam “ouvindo o testemunho de um ou outro no sen-
tido de uma melhor compreensão destes ensinamentos” a respeito da
ressurreição do Salvador, como afirma Johannes Rottmann, em Atos dos
Apóstolos no Contexto do Séc. XX, pág.63.

V. 3: Não são os discípulos que estão no controle da situação, mas


Deus está controlando todas as ações, e as faz acontecer como ele quer.
Não são os discípulos que buscam o Espírito Santo, mas é Deus quem
orquestra tudo e coloca um bonito pano de fundo, ou uma moldura, para
o mais importante que ainda virá. Aqui os discípulos recebem, sobre cada
um, uma “língua de fogo”, um sinal sobrenatural enviado por Deus. Cada
um dos discípulos, individualmente, recebeu uma destas “línguas”, todas
iguais, nenhuma maior ou mais importante que a do outro. O Espírito
que as concedeu é um e o mesmo. Há diversidade de serviço, de dons,
carismas, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos. Este sinal
não se limitou apenas aos 12, mas a todos os que estavam reunidos ali,
ou seja, pelo menos 120 pessoas.

V. 4: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo...” Este é o grande


milagre de Pentecostes, que só atingiu a crentes, nos quais anteriormente
o Espírito Santo já operara a fé. O milagre do Pentecostes foi a intensidade
com que o Espírito Santo se fez sentir. Isto poderá ser visto na maneira
como agiram: antes estavam trancados, com medo, agora eles abrem a
casa, e testemunham as grandezas de Deus a todos os que os querem
ouvir, não importando quem são nem de onde vêm.
“...e começaram a falar em outras línguas, de acordo com o
poder que o Espírito dava a cada pessoa.” Aqui exatamente se faz
muita confusão. As línguas eram estranhas ou não conhecidas e nunca
foram faladas pelos discípulos, mas eram muito bem compreendidas por
aqueles que as precisavam ouvir. É muito bom notarmos que não é o
discípulo que escolhe o que vai dizer, mas é o Espírito Santo quem age,
e por isso era necessário que aquelas pessoas ouvissem as grandezas de
Deus em sua própria língua, e concordamos que é sempre muito melhor e
mais fácil. A igreja é chamada para proclamar de maneira clara e simples
a palavra de Deus.

Vv. 5-8: Aqui começa o relato sobre quem eram as pessoas que es-
tavam em Jerusalém nesta época de Pentecostes: “judeus religiosos”,
“homens piedosos”, pessoas que vieram de todas as partes do mundo
civilizado para adorar em Jerusalém. Havia ali tanto judeus nascidos,

132
DOMINGO DE PENTECOSTES

como prosélitos, judeus “feitos”. Se olharmos em volta, não havia melhor


lugar para Deus chamar todos os povos de volta para si. No passado,
quando aconteceu a confusão das línguas, com a construção da Torre
de Babel, Deus castigou o ser humano por sua arrogância, impenitência
e desobediência. Agora Deus usa seus servos, sua Igreja, resgatada no
sangue do Cordeiro, a Igreja da Nova Aliança, para trazer de volta todas
as pessoas, sem nenhuma distinção. Isto é manifesto na maneira como as
pessoas receberam a Palavra, quando comentaram: “Estas pessoas que
estão falando assim são da Galileia! Como é que cada um de nós
as ouve falar na nossa própria língua? Quando Deus faz, o homem
se espanta, não há palavras para descrever. Aí vemos a piedade destas
pessoas, pois elas não eram apenas passageiros da Igreja Antiga, mas
conheciam a palavra de Deus, faltando-lhes apenas reconhecerem que
o Messias e Jesus são a mesma pessoa. Um detalhe muito importante
e que é preciso ressaltar: o Espírito Santo fez a Igreja falar na língua
que eles entendiam, a língua do país de onde vieram. Aqui a NTLH é
melhor do que ARA, que traduz o texto por língua materna que pode
facilmente ser confundida com a língua falada em Jerusalém, que não é
o caso aqui. O Espírito Santo não complica, ele simplifica, não o obriga
a aprender uma nova língua, mas transmite as verdades de Deus na
língua que falamos.

Vv. 9-11: A seguir são enumeradas as nacionalidades diferentes, pre-


sentes em Jerusalém. São pelo menos 15 línguas e dialetos diferentes.
Para um estudo maior recomendo a leitura do que escreveu Johannes
Rottmann, in: Atos dos Apóstolos no Contexto do Séc. XX, pág.71 a 74.

Vv. 11,12: “E como é que todos estamos ouvindo essa gente falar
em nossa própria língua a respeito das grandes coisas que Deus tem
feito?” Os grandes feitos de Deus compreendem a sua fidelidade à pro-
messa. O Filho prometido, o Emanuel, o esmagador da cabeça da serpente,
o grande libertador é o centro da mensagem da Igreja, pois ele morreu,
mas ressuscitou, e vivo está para todo o sempre. Um destaque especial
deve ser dado a dois fatores: eles ouviram o que os mensageiros do
Pentecostes falaram. Isto precisa ser distinguido de 1 Coríntios 14.

V. 13: Mas nem tudo é fácil e pacífico. Na vida da Igreja o que não
falta são inimigos, e estes aqui foram chamados de bêbados. É claro que
é uma provocação, mas como responder a estes? Com toda a certeza nun-
ca pelo argumento da força, mas pela força da palavra de Deus. Mesmo
desafiados a perderem a “linha”, jamais dar a chance, antes manter-se
firme encaminhando todos para olharem a Palavra e o que ela diz.

133
IGREJA LUTERANA

Vv. 14-21: Pedro chama atenção dos que estão zombando e mostra, na
Palavra, que o fenômeno que acontece ali está profetizado em Joel 2.28-
32 e tem alcance para todas as épocas, até o fim dos tempos. Ao mesmo
tempo que é uma palavra de consolo para a Igreja, é uma chamada de
advertência para todos aqueles que estão sempre adiando o crer. Também
é um alerta para a Igreja de todos os tempos que não pode ficar sempre
na retaguarda, na defesa, mas precisa ir ao ataque, com a espada da
Palavra, mostrando aos ímpios e descrentes que há um só Senhor sobre
vivos e mortos, a saber – Jesus Cristo.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: O Espírito Santo age


1ª Parte: Movendo a Igreja
2ª Parte: Dotando a Igreja de dons
3ª Parte: Mostrando Jesus, a salvação de todos
4ª Parte: Tornando a palavra de Deus relevante.

BIBLIOGRAFIA

ROTTMANN, Johannes H. Atos dos Apóstolos no Contexto do Século XX.


Vol. 1. Porto Alegre: Concórdia Editora, 1979.
Bíblias – versões: NTLH, ARA, D. Martin Luthers -1951
THE GREEK NEW TESTAMENT – Kurt Aland, 1980.

Valdir Klemann
Santa Maria de Belém do Grão Pará
vappja@gmail.com

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