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O Capital no Século

21
Thomas Piketty

Resumo

Jandui Tupinambás
Trabalho iniciado em Abril e terminado em outubro de 2016.

i
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

ii
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Dedico o resumo ao nosso amigo de infância Garrolê, uma antítese da meritocracia.

iii
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Considerações
Muitos líderes mundiais – tendo em Lula um de seus expoentes – e diversos
intelectuais colocam a questão da distribuição mundial de renda no centro da
solução da crise que vive toda população mundial atualmente. A concentração
de riquezas no século XXI – que já atingiu níveis semelhantes aos do início do
século XX - com tendência a se concentrar ainda mais, poderá levar a
humanidade a uma crise generalizada a ponto de comprometer todo o avanço
da humanidade nos últimos 300 anos. Piketty sinaliza um caminho e dá sugestões
de como poderíamos redistribuir a renda de forma que o retorno do capital não
ultrapassasse a taxa de crescimento da produção – ponto central da discussão
presente neste trabalho – e assim, mais que estancar a concentração de renda,
voltássemos a redistribui-la sem a necessidade de passarmos por um período de
sofrimentos ou guerras como foi o caso do século passado onde a renda foi
redistribuída de forma mais humanitária.

Para tornar a leitura mais fácil, omiti todas as referências e pesquisas que
corroboram as afirmações de Piketty. As referências podem ser acessadas em
português aqui:

http://delubio.com.br/biblioteca/wp-content/uploads/2015/02/O-Capital-no-
Seculo-XXI-Thomas-Piketty-2.pdf

O resumo foi feito de forma livre, mas sempre tentando ser fiel às ideias de cada
tópico. O livro é dividido em Partes, Capítulos e Sessões. São 208 sessões. Cada
uma ganha seu resumo. Caso o texto que você esteja lendo se encontre neste
formato (itálico, fonte menor), significa que você estará lendo uma opinião minha
ou um cenário criado por mim para esclarecer melhor alguns conceitos
importantes apresentados por Piketty.

iv
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Sumário

Introdução............................................................................................. 1
1 Um Debate Sem Dados? ................................................................ 1
2 Malthus, Young e a Revolução Francesa ........................................ 2
3 Ricardo – Princípio da Escassez ...................................................... 3
4 Karl Marx – Princípio da Acumulação Infinita ................................ 3
5 De Marx para Kuznets ou o Apocalipse dos Contos de Fada ......... 3
6 A Curva de Kuznets: Boas Notícias em Tempos de Guerra Fria ..... 4
7 Colocando a Questão da Distribuição de Volta no Coração da
Análise Econômica ............................................................................ 4
8 As Fontes de Dados Usadas Neste Livro ........................................ 5
9 Os Principais Resultados Deste Estudo .......................................... 6
10 Forças Divergentes e Convergentes ............................................. 6
11 O fator Fundamental da Divergência: r > g .................................. 7
12 Os Limites Históricos e Geográficos Deste Estudo ....................... 7
13 A Estrutura Teórica e Conceitual.................................................. 9
14 Esboço do Livro ............................................................................ 9
Parte 1 - Renda e Capital......................................................................... 13
Capítulo 1 - Renda e Produção............................................................ 14
15 A Divisão Capital-Trabalho no Longo Prazo: Não Tão estável ... 14
16 A Ideia de Renda Nacional ......................................................... 15
17 O Que é Capital? ........................................................................ 16
18 Capital e Riqueza ........................................................................ 16
19 Razão Capital / Renda ................................................................ 17
20 A Primeira Lei Fundamental do Capitalismo: α = r * β............... 17
21 Contas Nacionais: Uma Construção Social em Evolução ........... 18
22 A Distribuição Global da Produção ............................................ 19
23 De Blocos Continentais Para Blocos Regionais .......................... 19

vi
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
24 Desigualdade Global: de 150 a 3.000 Euros por Mês ................ 20
25 A Distribuição Global da Renda é Mais Desigual do Que o PIB
Entre os Países ................................................................................ 20
26 Quais Forças Favorecem a Convergência? ................................. 21
Capítulo 2 – Crescimento: Ilusões e Realidades ................................. 21
27 O Crescimento mundial ao longo dos tempos ........................... 22
28 A Lei do Crescimento Cumulativo .............................................. 22
29 Os Estágios do Crescimento Demográfico ................................. 23
30 Crescimento Demográfico Negativo? ........................................ 24
31 Crescimento como um fator de Equalização ............................. 24
32 Os Estágios do Crescimento Econômico .................................... 25
33 O que Significa um Aumento de 10 vezes no Poder de Compra?
......................................................................................................... 25
34 Crescimento: Uma Diversificação do Estilo de Vida .................. 26
35 O Fim do Crescimento? .............................................................. 27
36 Um Crescimento de 1% Implica em Mudanças Sociais
Importantes..................................................................................... 28
37 A Posteridade do Período Pós-Guerra: Entrelaçando Destinos
Além-Mar ........................................................................................ 28
38 As Duas Curvas de Gauss do Crescimento Global ...................... 29
39 A Questão da Inflação ................................................................ 30
40 A Enorme Estabilidade Monetária dos Séculos XVIII e XIX ........ 30
41 O Significado do Dinheiro na Literatura Clássica ....................... 30
42 A Perda das Relações Monetárias no Século XX ........................ 31
Parte 2 – A Dinâmica da Razão Capital/Renda ....................................... 33
Capítulo 3 – A Metamorfose do Capital .............................................. 34
43 A Natureza da Riqueza: da Literatura para a Realidade ............ 34
44 A Metamorfose do Capital na Grã-Bretanha e França ............... 35
45 A Ascensão e Queda do Capital Estrangeiro .............................. 35

vii
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

46 Renda e Riqueza: Algumas Ordens de Grandeza ....................... 36


47 Riqueza Pública, Riqueza Privada ............................................... 36
48 Riqueza Pública em uma Perspectiva Histórica ......................... 36
49 Grã-Bretanha: Dívida Pública e a Revitalização do Capital Privado
......................................................................................................... 37
50 Quem Lucra com a Dívida Pública? ............................................ 38
51 Os Altos e Baixos da Equivalência de David Ricardo .................. 39
52 França: Um Capitalismo Sem Capitalistas no Período Pós-Guerra
......................................................................................................... 39
Capítulo 4 – Da Velha Europa Para o Novo Mundo ............................ 40
53 Alemanha: O Capitalismo “Reno” e Propriedade Social ............ 40
54 Choques do Capital no Século Vinte .......................................... 41
55 O Capital na América: Mais estável do que na Europa .............. 41
56 O Novo Mundo e o Capital Estrangeiro ..................................... 42
57 Canadá: Propriedade da Coroa por Longo Tempo ..................... 42
58 O Novo e o Velho Mundo: A Importância da Escravidão ........... 43
59 Capital Escravo e Capital Humano ............................................. 43
Capítulo 5 – A História da Relação Capital / Renda ............................ 43
60 A Segunda Lei Fundamental do Capitalismo β = s / g ................ 43
61 Uma Lei de Longo Prazo ............................................................. 44
62 O Capital Está de Volta aos Países Ricos a Partir dos Anos 70 ... 44
63 Além das Bolhas: Baixo Crescimento, Altas Taxas de Poupança 45
64 Os Dois Componentes da Poupança Privada ............................. 45
65 Bens Duráveis e Bens de Consumo ............................................ 46
66 O Capital Expresso em Anos de Rendimento Disponível ........... 46
67 A Questão das Fundações e Outras Organização de Capital ..... 47
68 A Privatização das Riquezas nos Países Ricos ............................ 47
69 A Histórica Recuperação dos Preços dos Ativos ........................ 47

viii
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
70 Capital Nacional e Ativo Líquido Estrangeiro nos Países Ricos .. 47
71 Como Ficará a Razão Capital / Renda no Século XXI? ................ 48
72 O Mistério do Valor da Terra ..................................................... 48
Capítulo 6 – A Divisão Capital-Trabalho no Século XXI ....................... 49
73 Da Razão Capital / Renda Para a Divisão Capital-Trabalho ........ 49
74 Fluxos de Renda: Mais Difícil de Estimar do que o Capital ........ 49
75 A Noção do Retorno Puro do Capital ......................................... 49
76 A Participação do Capital na Renda numa Perspectiva Histórica
......................................................................................................... 50
77 O Retorno do Capital no Início do Século XXI ............................ 50
78 Ativos Reais e Nominais ............................................................. 50
79 O Capital é Usado Para Quê? ..................................................... 51
80 A Noção de Produtividade Marginal do Capital ......................... 52
81 Capital em Excesso Mata o Retorno do Capital ......................... 52
82 Além de Cobb-Douglas: a Questão da Estabilidade da Divisão
Capital-Trabalho .............................................................................. 53
83 Substituição do Capital-Trabalho no Século XXI: Elasticidade
Maior do que 1 ................................................................................ 53
84 Sociedades Agrícolas Tradicionais: Uma Elasticidade Menor que
1....................................................................................................... 54
85 O Capital Humano é Ilusório? .................................................... 54
86 Mudanças de Médio Prazo na Divisão Capital-Trabalho ........... 55
87 De Volta para Marx e a Queda do Lucro .................................... 55
88 Além do Debate “Two Cambridges” .......................................... 56
89 A Volta do Capital a um Regime de Baixo Crescimento ............. 56
90 Os Caprichos da Tecnologia ....................................................... 57
Parte 3 – A Estrutura da Desigualdade ................................................... 58
Capítulo 7 – Desigualdade e Concentração: Considerações
Preliminares ........................................................................................ 58

ix
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

91 A Lição de Vautrin – Personagem de Balzac .............................. 59


92 A Pergunta Chave: Trabalho ou Herança? ................................. 59
93 Desigualdades em Relação ao Capital e Trabalho ..................... 59
94 Capital: Sempre Mais Desigualmente Distribuído do que o
Trabalho .......................................................................................... 59
95 Desigualdades e Concentração: Algumas Ordens de Grandeza 60
96 Classes Baixa, Média e Alta ........................................................ 60
97 Luta de Classes ou Luta do 1%? ................................................. 61
98 Desigualdades Relacionadas ao Trabalho: Desigualdade
Moderada? ...................................................................................... 61
99 Desigualdades Relacionadas ao Capital: Desigualdade Extrema62
100 A Grande Inovação: A Classe Média Patrimonial ..................... 62
101 Desigualdade da Renda total: Dois Mundos ............................ 63
102 O Problema dos Índices Sintéticos ........................................... 63
103 O Véu Casto das Publicações Oficiais ....................................... 64
104 De Volta às “Tabelas Sociais” e à Aritmética Política ............... 64
Capítulo 8 – Dois Mundos ................................................................... 65
105 Um Caso Simples: A Redução da Desigualdade na França no
Século XX ......................................................................................... 65
106 A História da Desigualdade: Uma História Política Caótica ..... 65
107 De Uma “Sociedade de Rentistas” Para Uma “Sociedade de
Gerentes” ........................................................................................ 66
108 O Mundo Diferente dos 10% Mais Ricos.................................. 66
109 Os Limites do Imposto de Renda ............................................. 66
110 O Caos dos Anos de Entre Guerras .......................................... 67
111 O Choque das Temporalidades ................................................ 67
112 O Aumento da Desigualdade na França a Partir de 1980 ........ 68
113 Um Caso Mais Complexo: a Transformação da Desigualdade
nos EUA ........................................................................................... 68

x
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
114 A Explosão da Desigualdade nos EUA após 1980 .................... 70
115 O Aumento da Desigualdade Causou a Crise Financeira? ....... 70
116 A Ascensão dos Super Salários ................................................. 71
117 Coabitação nos 1% Mais Ricos ................................................. 72
Capítulo 9 – Desigualdade na Renda do Trabalho .............................. 73
118 Desigualdade Salarial: Uma Corrida Entre Educação e
Tecnologia? ..................................................................................... 74
119 Os Limites do Modelo Teórico: O Papel das Instituições ......... 75
120 Escalas Salariais e o Salário Mínimo ......................................... 75
121 Como Explicar a Explosão da Desigualdade nos EUA? ............. 76
122 A Ascensão do Supergestor: Um fenômeno Anglo-Saxão ....... 76
123 Europa: Mais Desigual do que o “Novo Mundo” em 1900-1910
......................................................................................................... 78
124 Desigualdades nas Economias Emergentes: Menor do que nos
EUA? ................................................................................................ 78
125 A Ilusão da Produtividade Marginal ......................................... 79
126 A Decolagem dos Supergestores: Uma Força Poderosa de
Divergência...................................................................................... 80
Capítulo 10 – Desigualdade da Propriedade do Capital ..................... 80
127 Riqueza Hiperconcentrada: Europa e América ........................ 80
128 França: Um Observatório da Riqueza Privada ......................... 81
129 As Metamorfoses de Uma Sociedade Patrimonial .................. 81
130 Desigualdade do Capital na Europa da “Belle Époque” ........... 82
131 A Emergência da Classe Média Patrimonial ............................. 83
132 Desigualdade de Riqueza na América ...................................... 84
133 Os Mecanismos da Força Divergente: r Versus g na História .. 85
134 Porque o Retorno do Capital é Maior Que a Taxa de
Crescimento? .................................................................................. 86
135 A Questão da Preferência Temporal ........................................ 88

xi
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

136 Existe Um Equilíbrio de Distribuição? ...................................... 89


137 O Código Civil e a Ilusão da Revolução Francesa ..................... 89
138 Pareto e as Ilusões da Desigualdade Estável ........................... 90
139 Porque a Desigualdade de Riqueza não Retornou aos Níveis do
Passado ........................................................................................... 91
140 Algumas Explicações Parciais: Tempo, Impostos e Crescimento
......................................................................................................... 91
141 Século XXI: Ainda Mais Desigual Que o Século XIX? ................ 92
Capítulo 11 – Mérito e Herança a Longo Prazo .................................. 93
142 A Herança Flui a Longo Prazo ................................................... 93
143 Fluxo Fiscal e Fluxo Econômico ................................................ 94
144 As Três Forças: a Ilusão do Fim da Herança ............................. 94
145 A Mortalidade no Longo Prazo................................................. 95
146 A Riqueza Envelhece Com a População: o Efeito μ X m ........... 96
147 Riqueza dos Mortos e Riqueza dos Vivos ................................. 96
148 Os Cinquentões e os Velhos de Oitenta anos: Idade e Fortuna
na Belle Époque .............................................................................. 97
149 O Rejuvenescimento da Riqueza em Virtude da Guerra ......... 97
150 Como o Fluxo de Herança Irá Evoluir no Século XXI? .............. 98
151 Do Fluxo Anual de Herança Para Estoque de Riqueza Herdada
......................................................................................................... 98
152 De Volta ao Vautrin de Balzac .................................................. 98
153 O Dilema de Rastignac ............................................................. 99
154 A Aritmética Básica dos Rentistas e Gestores ........................ 100
155 A Sociedade Patrimonial Clássica: O Mundo de Balzac e Austen
....................................................................................................... 100
156 Extrema desigualdade da riqueza: Uma Condição da Civilização
Em Uma Sociedade Pobre? ........................................................... 100
157 Extremismo Meritocrático Nas Sociedades de Ricos ............. 101

xii
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
158 A Sociedade dos Pequenos Rentistas .................................... 101
159 O Rentista, Inimigo da Democracia ........................................ 102
160 O Retorno da Riqueza Herdada: Um Fenômeno Europeu ou
Global? .......................................................................................... 103
Capítulo 12 – Desigualdade Global da Riqueza no Século XXI .......... 104
161 A Desigualdade do Retorno do Capital .................................. 105
162 A Evolução do Ranking da Riqueza Global ............................. 105
163 Do Ranking dos Milionários Para os “Relatórios da Riqueza
Global” .......................................................................................... 106
164 – Herdeiros e Empreendedores nos Rankings da Riqueza..... 106
165 – A Hierarquia Moral da Riqueza ........................................... 107
166 – O Retorno do Capital nas Dotações Universitárias ............. 108
167 – Qual é o Efeito da Inflação na Desigualdade do Retorno do
Capital? ......................................................................................... 109
168 O Retorno Sobre os Fundos Soberanos: Capital e Política..... 109
169 Os Fundos Soberanos Dominarão o Mundo? ........................ 110
170 A China Irá Dominar o Mundo?.............................................. 110
171 Divergência Internacional, Divergência Oligárquica .............. 111
172 Os Países Ricos na Verdade São Pobres? ............................... 111
Parte 4 – Regulando o Capital no Século XXI ........................................ 112
Capítulo 13 – Um Estado Social Para o Século XXI ............................ 113
173 A Crise de 2008 e o Retorno do Estado ................................. 113
174 O Crescimento do Estado Social no Século XX ....................... 114
175 Redistribuição Moderna: Uma Lógica de Direitos ................. 114
176 Modernizar o Estado Social e não o Desmantelar ................. 115
177 As Instituições Educativas Possibilitam a Mobilidade Social? 116
178 O Futuro das Aposentadorias: as Contribuições Previdenciárias
em Época de Fraco Crescimento ................................................... 117
179 O Estado Social nos Países Pobres e Emergentes .................. 118

xiii
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 14 – Repensando o Imposto de Renda Progressivo ........... 118


180 A Questão da Tributação Progressiva .................................... 118
181 O Imposto Progressivo no Século XX: Um Efêmero Produto do
Caos ............................................................................................... 119
182 Tributação Progressiva na Terceira República ....................... 120
183 Tributação Confiscatória da Alta Renda: Uma Invenção
Americana ..................................................................................... 120
184 A Explosão dos Salários dos SuperGerentes: O Papel da
Tributação ..................................................................................... 121
185 Repensando a Questão da Taxa Marginal Superior ............... 122
Capítulo 15 – Um Imposto Global Sobre o Capital ........................... 122
186 Um Imposto Global Sobre o Capital: Uma Utopia Útil ........... 122
187 Transparência Democrática e Financeira ............................... 123
188 Uma Solução Simples: Transmissão Automática de Informações
Bancárias ....................................................................................... 123
189 Qual o Propósito de um Imposto Sobre o Capital? ................ 124
190 Um Projeto para Tributação da Riqueza na Europa ............... 125
191 Tributação de Capital Em Uma Perspectiva Histórica ............ 125
192 Formas Alternativas de Regulação: Protecionismo e Controles
de Capital ...................................................................................... 126
193 O Mistério da Regulação do Capital Chinês ........................... 126
194 A Redistribuição das Receitas do Petróleo ............................ 127
195 Redistribuição Pela Imigração ................................................ 127
Capítulo 16 – A Questão do Dívida Pública ....................................... 128
196 Reduzindo a Dívida Pública: Impostos Sobre o Capital, Inflação
e Austeridade ................................................................................ 128
197 A Inflação Redistribui Riquezas? ............................................ 129
198 Qual o Papel dos Bancos Centrais? ........................................ 130

xiv
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
199 A Crise cipriota: Quando a Tributação do Capital se Junta à
Regulação Bancária ....................................................................... 131
200 Euro: Uma Moeda Sem Estado Para o Século XXI? ................ 133
201 A Questão da Unificação da Europa....................................... 133
202 Poder Público e Acumulação de Capital no Século XXI .......... 134
203 Direito e Política ..................................................................... 135
204 Mudança Climática e Capital Público ..................................... 136
205 Transparência Econômica e Controle Democrático do Capital
....................................................................................................... 136
Conclusão .............................................................................................. 138
206 A Contradição Central do Capitalismo: r > g .......................... 139
207 Por Uma Economia Política e Histórica .................................. 140
208 O Interesse dos Mais Pobres .................................................. 140

xv
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Introdução
“As distinções sociais só podem se fundamentar na utilidade comum”

Artigo I, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França 1789

A dinâmica do capitalismo nos levará para o caminho anunciado por Karl


Marx – concentração infinita do capital – ou para o caminho de Simon
Kuznets – a harmonia do mercado? Esta são algumas das perguntas que este
trabalho tentará responder.

Mas um aviso: as respostas aqui presentes são imperfeitas e incompletas. No


entanto, se baseiam em dados históricos e comparativos muito mais
extensos que os dados de qualquer outra pesquisa já realizada e numa
estrutura teórica inovadora que permite compreender melhor as tendências
e os mecanismos em operação.

O crescimento econômico atual e a força do conhecimento tornaram possível


evitar o apocalipse marxista, mas não modificaram as estruturas profundas
do capital e da desigualdade. Quando a taxa de remuneração do capital
ultrapassa a taxa de crescimento da produção e da renda, como ocorreu no
século XIX e parece provável que volte a ocorrer no século XXI, o capitalismo
produz automaticamente desigualdades insustentáveis, arbitrárias, que
ameaçam de maneira radical os valores de meritocracia sobre os quais se
fundam nossas sociedades democráticas.

Existe, contudo, caminhos para reverter a tendência da concentração da


riqueza e assegurar que o interesse geral da população da terra tenha
prioridade sobre os interesses do capital privado sem, todavia, perder o grau
de abertura econômica e repelindo retrocessos protecionistas e
nacionalistas. Muitas proposições serão feitas neste sentido ao longo do livro
que se apoiam em lições tiradas de experiências históricas cuja narrativa
forma a trama principal deste texto.

1 Um Debate Sem Dados?


Durante muitos anos os debates políticos e intelectuais sobre a distribuição
da riqueza se alicerçavam no preconceito, nos interesses de classe e na
pobreza de fatos.

Mesmo sem uma estrutura teórica ou análises estatística, os escritores de


suas épocas conseguiam detalhar a estrutura da riqueza, padrões de vida e
níveis de fortuna dos diferentes grupos sociais revelando a estrutura
profunda da desigualdade da época. Dois exemplos excelentes são Austen e

1
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Honoré de Balzac. Os dois escritores possuíam conhecimento íntimo da


hierarquia da riqueza em suas sociedades – Londres e Paris,
respectivamente. Os romancistas da época da Belle Époque desnudaram os
meandros da desigualdade como nenhuma análise ou estatística seria capaz
de alcançar.

A questão é importante demais para ficar na mão somente de cientistas ou


filósofos. Banqueiro, operário, camponês, cada um tem uma visão distinta
sobre a questão e elabora sua própria concepção do que é justo e do que não
é justo. Logo, sempre haverá uma questão subjetiva sobre o tema e por isso,
ele é tão delicado e sempre levará a conflitos políticos que nenhuma análise
política saberia atenuar. A democracia jamais será suplantada pela república
dos especialistas (ou pelos cabeças de planilha, como diria o economista e
jornalista Luiz Nassif)

Mas, de qualquer forma a questão merece ser estudada de forma sistemática


e metódica. Sem dados e métodos podemos dizer qualquer coisa e o seu
oposto. E tudo será verdade. Ou mentira. Para alguns a desigualdade será
sempre crescente e o mundo sempre injusto. Para outros, a desigualdade
será sempre decrescente e a harmonia se dará de forma natural. Em meio a
este diálogo de surdos, entre conservadores dogmáticos ou marxistas
dogmáticos onde cada lado justifica sua preguiça de buscar dados e métodos
para sustentar suas afirmações, existe um papel a ser urgentemente
desempenhado por outros intelectuais com pesquisas honestas, sistemáticas
e metódicas, mas nunca totalmente científica pois o tema não o é. A pesquisa
metódica pode destruir os debates retóricos, conduzir melhor as políticas
públicas, tornar os debates mais produtivos e racionais.

Ora, não se pode negar que os estudos sobre a desigualdade da riqueza


sempre foram carentes de dados e se fundamentavam em poucos fatos
sólidos, mas, sim, em muitas especulações inspiradas na ideologia. Antes de
mostrar as fontes deste trabalho vamos traçar um panorama histórico das
reflexões sobre esta questão tão bem contada por Austen e Balzac.

2 Malthus, Young e a Revolução Francesa


O crescimento demográfico da França, saltando de 20millhões de habitantes
em 1700 para 30 milhões em 1790 motivaram análises conservadoras
expressas em Malthus e Arthur Young, um agronomista inglês. Dado suas
origens, as análises de ambos, além de carente de dados robustos, eram
preconceituosas em muitos aspectos. Tanto para Malthus quanto para

2
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Arthur Young, dois nobres intelectuais assustados com os rumos da
revolução francesa, achavam que o problema da distribuição da riqueza
eram os pobres e à medida que a população crescia, mais catastrófico seria
o cenário. A solução que eles propunham era afastar os plebeus das decisões
políticas e conter radicalmente a expansão demográfica.

3 Ricardo – Princípio da Escassez


Com o aumento da população, a lei da oferta e procura elevarão o preço das
terras e dos aluguéis das terras. Esta era a base do pensamento de David
Ricardo. Para equilibrar a desigualdade (a riqueza tende a ir para os donos da
terra) ele propôs aumentar o imposto do aluguel das terras. Suas ideias
teriam grande fundamento se a tecnologia e a revolução industrial não
entrassem em cena algumas décadas depois. A terra seria um bem raro e por
isso o nome “princípio da escassez” em que se baseia todo seu trabalho.

4 Karl Marx – Princípio da Acumulação Infinita


Piketty questiona os trabalhos de Marx.

1) Usou pouco os dados disponíveis na época para apoiar seu trabalho


2) O princípio da “acumulação infinita” não faria sentido, segundo
Piketty.

Mas Marx dizia que antes do “infinito” haveria a revolução proletária. Difícil de
saber quem teria razão. O passado como laboratório pouco ajuda nesta questão
devido aos tropeços da humanidade com a primeira e segunda guerras mundiais.

5 De Marx para Kuznets ou o Apocalipse dos Contos de Fada


Passando dos escritores apocalípticos vamos para os escritores que tinham
uma atração pelos contos de fadas. Kuznets é um representante clássico
destes economistas. Segundo a sua teoria, a desigualdade deveria diminuir
automaticamente nos estágios mais avançados do desenvolvimento
capitalista de um país, a despeito das políticas adotadas ou das diferenças
entre países, até que se estabilizasse num nível aceitável. A teoria de Kuznets
foi elaborada após a segunda guerra influenciada pelos anos dourados
chamados de “trinta gloriosos” na França. Da mesma forma seguiu Robert
Solov que em 1956 analisou as condições que levariam uma economia a
alcançar a “trajetória do crescimento equilibrado”. Tais visões eram uma
antítese do que previam as teorias de David Ricardo e Karl Marx. Estas teorias
dos “contos de fada” influenciaram fortemente todas as linhas
conservadoras do século XX pós-guerra e ainda continuam, de certa forma,
influenciando. Apesar de Kuznets ter se precipitado em conclusões muito

3
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

genéricas influenciado pelo ambiente de crescimento da época, ele fez o que


Malthus, Ricardo e Marx não fizeram: se baseou em muitas fontes de dados
confiáveis para fazer suas análises. Kuznets, de certa forma tinha razão:
baseando em dados e estatísticas evidenciou os anos dourados do pós-
guerra apesar do equívoco de afirmar que a curva descendente da
desigualdade na época seria uma prova de que o sistema capitalista
naturalmente levaria a uma sociedade harmoniosa.

6 A Curva de Kuznets: Boas Notícias em Tempos de Guerra Fria


Segundo a teoria de Kuznets, a desigualdade de renda em qualquer lugar
poderia ser descrita como uma curva em forma de sino. Cresce de início, tem
um pico e logo em seguida entra em declínio quando os processos de
industrialização e desenvolvimento começam a fluir. A ideia é simples e
quase ingênua. Kuznets se precipita - apesar de ele próprio chamar a atenção
para que não haja precipitação na interpretação dos dados que ele coletou
durante quase todo o século XX até 1953 – ao concluir que todo capitalismo
no início tende a concentrar renda pois poucos indivíduos estariam
preparados para se beneficiar efetivamente dos ganhos iniciais dos
processos dos novos meios de produção e mais à frente cai a concentração
da riqueza pois muitos passam a ter possibilidade de beneficiar do processo.

A teoria da “curva de Kuznets” foi formulada pelos motivos errados e o


fundamento que a sustenta é frágil. A queda da desigualdade de renda que
se deu entre 1914 e 1945 é, na verdade, consequência das guerras mundiais
e dos violentos choques econômicos e políticos que delas sobrevieram. Tem
muito pouco a ver com os fatores de produção dos setores econômicos
descritos por ele.

7 Colocando a Questão da Distribuição de Volta no Coração da


Análise Econômica
Pensadores como Kuznets no meado do século XX atrasou o debate sobre a
questão da distribuição das riquezas. Só agora estamos nos conscientizando
que o crescimento mundial da economia não é harmônico e sem conflitos. O
capitalismo, por mais que tenha avançado alavancando tecnologias e
conhecimentos, não nos levou a um período de distribuição de riquezas e
igualdades. Pelo contrário. Os economistas do século XIX se encontravam em
um ambiente bem semelhante de desigualdades de riquezas como o que
encontramos agora. A resposta que eles deram para a questão talvez não
tenha sido tão satisfatória, mas, pelo menos, fizeram as perguntas certas.

4
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Hoje, ainda, nem as perguntas certas os economistas não se propuseram a
fazer.

Não há motivo para acreditar que o crescimento tende a se equilibrar


naturalmente. Temos que urgentemente resgatar as questões do século XIX.
Ao longo de várias décadas o tema da distribuição foi negligenciado em
parte, devido às conclusões otimistas de Kuznets e dos novos pensadores
atuais atraídos pelos modelos matemáticos reducionistas conhecidos como
“modelos de agente representativo”. Como a maioria das áreas do
conhecimento – climatologia, medicina, nutrição... – a economia também sofre
viés ideológico ao ser invadida pela plutocracia.

Para trazer a questão de volta é preciso reunir a base de dados histórica mais
completa possível a fim de compreender o passado e refletir sobre as
tendências futuras. Somente assim poderemos ter a esperança de revelar os
mecanismos em operação e proporcionar um maior esclarecimento sobre o
futuro.

Coincidência ou não, quando o mundo se encontrava em níveis tão desiguais


quanto hoje, o homem ao fugir deste indispensável debate, acabou mergulhando
em duas guerras mundiais.

8 As Fontes de Dados Usadas Neste Livro


O livro se baseia na técnica de Kuznets de análise evolutiva e histórica da
renda, riqueza e desigualdade. O autor destaca que os dados eram
detalhados demais para os historiadores e histórico demais para os
economistas. Provavelmente Piketty e sua equipe foram os primeiros a
encarar e estudar com detalhes a evolução da riqueza, renda e desigualdade
desde os princípios da revolução francesa.

A fonte primária do livro é o WTID – World Top Incomes Database – o maior


banco de dados histórico sobre o assunto.

WITD se concentra na renda gerada pelo capital. Diversos esforços para obter
informações históricas sobre a renda vinda do trabalho foram feitos com
incursões a diversos autores.

Piketty destaca a importância de se estudar a relação entre capital/renda e


estimar a renda nacional anual com o total de riqueza de uma nação.
Geralmente esta proporção pode variar entre 3 e 8 vezes (mais ou menos).

O atual estudo leva vantagem sobre todos os anteriores sobre desigualdade


pela amplitude histórica dos dados analisados. Algo inédito nesta área.

5
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

9 Os Principais Resultados Deste Estudo


Quais conclusões que Piketty tira deste seu estudo?

Primeira conclusão: não se pode em hipótese alguma confiar em argumentos


provenientes do determinismo econômico quando o assunto é distribuição
da renda e riqueza. Este assunto sempre foi e será político o que o impede
de ser analisado com os modelos dos plutocráticos e suas planilhas.

Segunda conclusão: toda distribuição de riqueza que ocorreu nos países


desenvolvidos durante o século passado não foi por fenômenos naturais de
mercado ou do capitalismo, mas antes de tudo, de políticas públicas
adotadas devido às grandes guerras e os choques econômicos advindos
delas.

Terceira conclusão: a dinâmica da distribuição da riqueza sempre leva a duas


forças distintas. A primeira de convergência que faz com que a riqueza seja
distribuída e a segunda força que faz com que a riqueza fique cada vez mais
concentrada. E não existe nenhum fator natural para impedir os fatores
divergentes de atuarem. Ou o ser humano se prepara para conter o horror
do ciclo vicioso da concentração de renda ou partimos para cenários cada vez
mais obscuros.

Quarta conclusão: o crescimento do capital humano e o fim da luta de classes


e o início da luta de gerações.

O crescimento do capital humano seria a capacidade do trabalhador de


influenciar mais e mais no meio de produção fazendo com que isto force a
distribuição de riquezas. Não há evidência de que a participação do trabalho
na renda nacional tenha aumentado de modo substancial ao longo dos anos.
Tanto esta hipótese como a ideia do fim da luta de classes são duas grandes
ilusões. O que se pode afirmar é que o capital é quase tão indispensável hoje
quanto foi nos séculos XVIII e XIX e talvez se torne mais indispensável ainda
no futuro.

10 Forças Divergentes e Convergentes


Existem forças de divergência e convergências relacionadas à desigualdade.
À medida que o capitalismo avança, a tecnologia e o conhecimento passam
a ter um papel importante na diminuição das desigualdades. Mas Piketty
afirma que este movimento não é natural. Depende de fatores diversos como
políticas públicas educacionais, cultura, etc. Piketty irá analisar as forças de

6
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
divergência do capital mesmo em sociedades consideradas regulamentadas
e mercadologicamente eficientes.

Duas curvas de desigualdades são apresentadas – são as curvas em U (figuras


1.1 e 1.2). Na primeira, mostra a evolução dos 10% dos salários mais altos
em relação à renda nacional. Nota-se, como já dito, a participação menor dos
“top decile” no período da 2ª. guerra mundial com uma recuperação
impressionante a partir da década de 80. A segunda curva, semelhante à
primeira refere-se à razão entre capital/renda na Alemanha, França e Grã-
Bretanha. Também, nota-se que entre 1940 e 1980, a razão capital/renda foi
menor que nas décadas subsequentes.

Destaca-se que a diferença descomunal entre os salários dos top decile sobre
os trabalhadores americanos é o principal fator de divergência da
desigualdade.

11 O fator Fundamental da Divergência: r > g


r = retorno do capital

g = taxa crescimento do país

Esta relação carregará a lógica de todo o livro. Quanto maior o retorno do


capital em relação à taxa de crescimento maior será a desigualdade.

Se o retorno do capital excede muito a taxa de crescimento então, segue-se


que a riqueza herdada crescerá mais rapidamente que a produção e a renda.

12 Os Limites Históricos e Geográficos Deste Estudo


O livro analisará a distribuição da riqueza desde o século XVII até os dias
atuais. Se concentrará, principalmente por limitações de fontes de dados, aos
países França, Inglaterra e Estados Unidos. Mas também, apresentará dados
importantes da Alemanha, Japão e alguns países emergentes.

A França será o país com análises mais detalhadas por dois motivos:

a) Riqueza de dados históricos graças, principalmente, à revolução


francesa.
b) A população da França mudou muito pouco desde o século XVIII. Na
revolução francesa a população já alcançava 30 milhões de almas.
Nos EUA, durante a independência, a população era ainda de 3
milhões.

7
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

A dinâmica de distribuição da riqueza se comporta de forma distinta num


país que apenas dobrou sua população para um país em que a população
cresceu 100 vezes! Devido a este vertiginoso crescimento populacional dos
EUA, a distribuição de riqueza era mais justa até os idos de 1970 bem
diferente da França onde a população apenas duplicou em 200 anos. Por isto,
o estudo da França nos trará conclusões mais acertadas sobre o estudo do
comportamento da distribuição da riqueza no mundo atual já que não
existem países com crescimento impressionante como ocorreu com os EUA
– salvo exceções em países da África.

8
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
13 A Estrutura Teórica e Conceitual
Piketty diz que pertence à geração que assistiu à queda do muro de Berlim.
Não se considera um esquerdista que nega o desastre da URSS nem um
capitalista que acha que as leis de mercado tudo resolve.

Quer dar uma modesta contribuição para encontrar a melhor maneira da


sociedade se organizar de forma a minimizar as desigualdades sociais. Faz
uma diferenciação entre a escola econômica americana – onde terminou seu
doutorado aos 25 anos – e a escola francesa. Na França, a escola econômica
não goza do mesmo status que a escola dos EUA. Mas na França, não existe
tentativa arrogante de tentar fazer das ciências econômicas uma verdadeira
ciência. E mais que isto: uma ciência independente das outras como é
comum nas universidades dos EUA.

A escola francesa sabe os limites das ciências econômicas e entende que a


relação com as demais áreas – história, sociologia e política, é fundamental
para a compreensão da questão das riquezas e suas desigualdades.

Ele pede a paciência dos leitores que não têm muita intimidade com
matemática, mas muita preocupação e interesse pela questão da
desigualdade mundial pois irá usar algumas relações matemática não muito
complexas para analisar a história de uma forma diferente.

14 Esboço do Livro
O Livro é dividido em 4 partes.

Parte I
Traz uma visão geral e conceitos de renda e capital

Parte II
Apresenta historicamente a relação entre Capital e renda.

Parte III
Disseca a estrutura da desigualdade principalmente nos EUA e Europa.

Parte IV
Apresenta sugestões para efetiva regulação do Capital no Século XXI

Parte I
Capítulo I

Apresenta os seguintes conceitos:

a) Renda Nacional

9
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

b) Capital
c) Razão Capital / Renda

E fala de forma geral sobre a evolução da distribuição de renda e da


produção.

Capítulo II

Fala de como o crescimento populacional evoluiu juntamente com a


produção industrial desde o início da revolução industrial.

Parte II
Capítulo III

Descreve sobre a metamorfose do capital a partir do século XVIII

Capítulo IV

Mostra casos dos EUA e da Alemanha – evolução da desigualdade, renda e


crescimento

Capítulo V e VI

Estende as análises da desigualdade, renda e crescimento para todo o


planeta.

Parte III
Capítulo VII
Atenta para a estrutura da desigualdade do ponto de vista do trabalho e do
ponto de vista da renda via capital.

Capítulo VIII
Analisa a dinâmica histórica da desigualdade descrita no capítulo anterior
tomando por base França e EUA.

Capítulo IX e X
Estende a análise para todos demais países com dados presentes no banco
de dados WTID.

Capítulo XI
Estuda a influência da riqueza via herança na estrutura da desigualdade.

Capítulo XII
Comenta sobre as perspectivas da distribuição global da riqueza no século
XXI

10
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Parte IV
Capítulo XIII
Oferece caminhos para um “estado social” se enquadrar nas condições
atuais e como este estado seria.

Capítulo XIV
Propõe novas formas de taxação progressiva do capital.

Capítulo XV
Descreve mais detalhadamente como seria uma taxação progressiva do
capital e outras formas de impostos.

Capítulo XVI
Destaca as questões prementes relativa aos débitos públicos atuais.

O estudo do comportamento da renda, capital e trabalho desde a revolução


francesa apenas mostrou que o futuro do capital é totalmente imprevisível.
O estudo do passado ajuda a clarear e entender melhor o presente para que
possamos construir o futuro.

11
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

12
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Parte 1 - Renda e Capital

13
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 1 - Renda e Produção


Acionistas de uma mina na África do Sul manda invadir uma mina. Trinta e
um trabalhadores morrem.

Motivo da greve: aumento salarial.

No coração do conflito capital/trabalho está a questão: qual o percentual da


produção deve ser direcionado ao trabalho e qual percentual para o Capital
e lucro?

A história é repleta de rebeliões causadas pela desigualdade social: o


latifundiário e o lavrador, o dono da terra e o produtor que paga o aluguel,
os donos dos meios de produção e o trabalhador. Durante a revolução
industrial os conflitos aumentaram talvez pela maior riqueza gerada pois a
produção à medida que se tornava mais dinâmica com a participação maior
do capital (máquinas e maior uso de recursos naturais) menos era usufruída
pelos trabalhadores.

Será que esses tipos de conflitos serão suavizados ou serão parte importante
da evolução histórica deste século?

Nas duas primeiras partes deste livro trataremos da desigualdade entre


capital e trabalho e não entraremos na questão das desigualdades no campo
do trabalho (um trabalhador comum e um executivo, por exemplo). Também
é de fundamental importância as diferenças salariais atuais mas deixaremos
isto para mais adiante.

15 A Divisão Capital-Trabalho no Longo Prazo: Não Tão estável


Tinha-se como verdade que a participação do trabalho na renda nacional
sempre girou em torno de 2/3 e a participação do Capital os outros 1/3. Mas,
após a possibilidade de acesso a um rico banco de dados sobre a riqueza
desde o final do século XVIII, viu-se que a coisa não é bem assim.

Esta divisão sofreu mudanças principalmente com a primeira e a segunda


guerra mundiais que acabou fazendo com que o capital tivesse uma menor
participação no crescimento econômico do que o trabalho. Mas, a partir da
década de 80 com Margareth Thatcher e Ronald Reagan, o capital começou
a se recuperar e a desigualdade inicia sua curva ascendente com perspectiva
de chegar em 2020 em situação pior que a “Belle Époque”.

Existe hoje uma ideia espalhada e tida como consenso de que o crescimento
econômico depende quase que exclusivamente do “capital humano”. À

14
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
primeira vista, isto significaria que o trabalho está, então, reivindicando uma
maior participação na produção e riqueza. Mas isto não é bem assim uma vez
que a participação do capital (excluindo o “capital humano”) no século XXI é
muito pouco maior do que a participação do capital no início do século XX.

Mais uma vez é importante destacar que, diferentemente do que se pensa no


mundo econômico, o capital humano não teve um peso considerável no total da
renda uma vez que a participação do capital no início do século XXI é
praticamente igual (um pouco superior) à sua participação no início do século
XIX.

A predominância do capital sobre o trabalho na atualidade nos países ricos se


deve pelo baixo crescimento populacional e de produtividade aliado a políticas
que objetivamente favorecem o capital privado.

As partes I e II irão tratar da divisão capital / trabalho e da razão capital /


renda. Relação esta que será o centro para entender toda a estrutura da
desigualdade social.

16 A Ideia de Renda Nacional


Renda Nacional: é a soma da renda de toda população residente de um país.

Está intimamente relacionado com o conceito de PIB que mede a quantidade


de bens e serviços produzidos em um dado ano no território de um país. A
renda nacional é o PIB subtraindo a depreciação dos ativos que tornam esta
produção possível. O valor desta depreciação é substancial e gira em torno
de 10% do PIB.

A renda Nacional é, portanto, o produto interno bruto líquido somado a


diferença entre a renda que um país ganha vinda do exterior e a renda que o
país transfere para outros países no exterior:

Renda Nacional = PIB – 10%(depreciação) + (Renda entra do exterior – Renda


sai para exterior).

Importante perceber que a diferença do segundo termo desta equação leva


a desigualdades entre as nações que podem causar tensões políticas sérias.
Geralmente, este segundo termo é sempre positivo nos países ricos.

Mas a questão é que a desigualdade de renda interna nos países é bem mais
séria que a desigualdade entre os fluxos de renda líquida entre os países
(apesar de existir também). Mas é lenda dizer que os EUA pertencem aos

15
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

bancos japoneses ou que a França pertence aos fundos de pensão da


Califórnia – são lendas urbanas.

17 O Que é Capital?
Produção e renda = Renda de capital + Renda do trabalho.

Um parêntese. Reflexão sobre o que é o capital:

Numa reflexão preliminar concluiria que capital poderia ser considerado como
sendo trabalho estocado ao longo do tempo e apropriado por quem já possuía o
domínio sobre as pessoas que forneciam sua força de trabalho. E como é
estocado, pode ser transferido e perpetuado via herança, mas sempre manchado
pelo pecado original da usurpação.

Primeiramente, quando Piketty se refere a capital ao longo do livro, ele não


considera (apesar da maioria dos economistas infelizmente considerarem) o
capital humano como componente do próprio capital.

Capital seria então: somatório total de ativos não humanos que podem ser
apropriados e negociado no mercado.

Exemplos: residências, prédios, máquinas, infraestrutura, patentes, etc.).

Porque “capital humano” não pode ser tratado como Capital? Pelo fato de
não poder ser apropriado por alguém – a não ser nos regimes escravocratas
do passado – ou mesmo negociado no mercado (não permanentemente,
pelo menos).

O conceito de capital, portanto, é variável na história da sociedade. Não é


imutável pois reflete o estado de desenvolvimento das relações sociais de
cada época.

18 Capital e Riqueza
Capital representa as riquezas acumuladas por seres humanos ao longo do
tempo. Dependendo do contexto podemos excluir bens naturais do conceito
de capital. A terra, os minerais e outros bens naturais são riquezas que, em
determinado momento podemos considerar parte de um dado capital e em
outros momentos, apenas como riqueza.

Riqueza Nacional = riqueza privada + riqueza pública.

Considerando que riqueza pública é praticamente zero na maioria dos países


– ou mesmo negativa (o débito público geralmente é maior que o crédito),

16
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
conclui-se que a riqueza privada é responsável por quase a totalidade da
riqueza Nacional.

Capital Nacional = Riqueza Nacional = Capital doméstico + Capital exterior


líquido

O capital estrangeiro no total é igual a zero globalmente. Este fator da


fórmula pode ser razoavelmente positivo ou negativo se considerarmos
análises individuais de cada nação.

19 Razão Capital / Renda


Renda: é um fluxo. Corresponde à quantidade de bens produzidos e
distribuídos em um dado período.

Capital: é estoque. Quantidade de riqueza possuída em um dado ponto no


tempo.

A forma mais útil de medir o capital em um país é dividindo o estoque de


riquezas pelo fluxo anual da renda. À esta razão chamaremos de β.

A grandeza β não diz nada quando se fala em desigualdade exatamente pelo


fato de que as riquezas são mal distribuídas nacionalmente. Mas β irá nos
dizer a importância geral do capital para a realidade de um dado país sendo
esta grandeza fundamental para o estudo das desigualdades.

O objetivo principal da parte II do livro é entender porque e como β varia de


país para país e como tem evoluído no tempo.

O capital pode ser, a grosso modo, dividido em duas partes: Capital


doméstico e Capital profissional (empresas particulares e governo).

20 A Primeira Lei Fundamental do Capitalismo: α = r * β


r representa o retorno do capital e α corresponderia a participação do capital
no total da renda nacional.

Um cenário hipotético para exemplificar melhor:

Imaginemos um país-ilha fictício cuja população produz sandálias de fibra de


folhas de palmeiras. Para a fabricação das sandálias são necessários alguns
ativos a saber: cadeira, suporte metálico para trançar as fibras, tela para bater
as folhas, cestos e caixas.

O valor desses ativos equivale a 6 vezes a quantidade de sandálias que a


população consegue produzir no ano. Isto significa que a quantidade de trabalho

17
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

necessária para se produzir estes ativos corresponde à quantidade de trabalho


necessária para se produzir 6 anos de sandálias. Se algum habitante empresta
um cesto estocado que ele possuía para algum grupo de trabalhadores, no final
do ano este capitalista (afinal, podemos chamá-lo assim, pois possui um cesto
estocado fruto de trabalho no passado) continuará de posse do seu cesto –
apesar de emprestado e receberá uma quantidade de sandálias equivalente a 5%
do valor do seu cesto. E qual seria, então a participação de todo o capital na renda
da ilha? Ora, é uma simples expressão tautológica:

α=r*β

α = 5% * 600% = 30%.

Isto é, todo ativo da ilha: cestos, cadeiras, etc, contribuem com 30% para
formação de toda a renda produzida em 1 ano.

Os 30% do exemplo acima coincidem com a média da participação do capital em


países ricos no ano de 2010.

Apesar da fórmula ser tautológica, podemos considerá-la a primeira regra


fundamental do capitalismo por envolver as três grandezas mais importantes
do sistema capitalista a saber:

A razão capital / renda, a participação do capital na produção e a taxa de


retorno do capital.

A fórmula fundamental nos leva à segunda lei fundamental do capitalismo:


quanto maior a taxa de poupança e menor a taxa de retorno, maior será a
razão capital / renda.

Isto fica lógico quando nos lembramos do exemplo das sandálias da ilha. Quanto
mais cadeiras, telas, etc, um morador da ilha conseguir guardar, e quanto menor
for o crescimento do total de produção de sandálias na ilha, maior será o capital
em relação à produção de sandálias.

21 Contas Nacionais: Uma Construção Social em Evolução


Desde meados do século XVII já se nota tentativas tímidas de países europeus
em medir suas riquezas nacionais. A partir do final da segunda guerra
mundial os países passaram a medir anualmente a renda nacional – PIB ou
GDP. Uma das motivações para este esforço e preocupação foram as
consequências devastadoras da depressão de 1931.

Conclui-se que as contas dos estados sofrem evoluções constantes. Os


números nunca foram e nunca serão perfeitos. São sempre estimativas que

18
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
vão melhorando com o tempo, principalmente com o advento da
informática. Os dados que são oferecidos pelos governos sempre
apresentam falhas que devem ser percebidas e complementadas com outras
fontes e análises.

É importante destacar que os indicadores governamentais estão


relacionados com médias e totais absolutos e nunca com índices que medem
desigualdades sociais ou distribuição de renda entre os grupos da sociedade.

22 A Distribuição Global da Produção


No início do século XIX os índices de distribuição da produção já eram bem
conhecidos.

De 1900 a 1980, 70-80% da produção de bens e serviços estavam


concentrados na Europa e América.

A partir de 2010, a participação do PIB dessas duas regiões declinou para


50%. E, em algum ponto deste século, talvez, a participação deva cair para
20-30%.

Observa-se que as curvas do PIB per capita entre as regiões América/Europa


e o resto do mundo estão em caminho de colisão (cacth-up da curva oriental)
e é difícil de se fazer uma previsão de quando elas se colidirão, se é que isto
realmente irá ocorrer no futuro dado as incertezas da economia
principalmente as dificuldades de se analisar a economia da China.

23 De Blocos Continentais Para Blocos Regionais


No tópico anterior fizemos uma divisão continental. Mas, para expressar
melhor a realidade dos desníveis das riquezas e PIB é melhor que separemos
o mundo em regiões e não continentes. Todos os continentes possuem
diferenças internas significantes. Na América são dois mundos distintos. O
Norte representado por Canadá e EUA e um mundo pobre representado
pelos demais que estão abaixo dos EUA até o Chile. O Norte com uma renda
per capita de 40.000 Euros e o Sul com uma renda de 10.000 euros bem
semelhante à média mundial.

Em 2012 a renda per capita mundial girava em torno de 760 euros / mês o
que nos dá 9.120 euros / ano.

A própria Europa mostra suas desigualdades. Os países do oeste europeu,


entre eles Espanha, França, Itália, Alemanha e Inglaterra, possuem renda per
capita de 31.000 Euros e 410 milhões de habitantes. Os restantes do Leste

19
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

(não considerando Rússia e Ucrânia) somam 130 milhões de habitantes com


uma renda per capita de 16.000 Euros.

África é a região mais pobre do mundo com uma renda per capta de apenas
2.000 Euros. Na Ásia, apesar do Japão sustentar uma renda per capita
semelhante à dos países ricos, pouco influencia no geral da Ásia pois sua
população é pequena em relação ao total da Ásia.

24 Desigualdade Global: de 150 a 3.000 Euros por Mês


A renda per capita varia de 150 a 3.000 euros por mês ao redor do mundo. A
renda média mundial está entre 600-800 euros por mês – coincidindo com a
renda média per capita chinesa.

Mas todo cuidado é pouco para analisar dados sobre desigualdades. A


dificuldade de obtenção de dados confiáveis sobre desigualdades internas
em cada país é sempre maior do que da obtenção de dados entre países.

Para se fazer análises de desigualdades entre países Piketty usa o indicador


“poder de compra por paridade”. Indicador administrado pela instituição ICP
– International Comparison Program que compara o poder de compra entre
moedas. Tal indicador é mais constante e confiável do que o fator universal
de conversão das moedas dado a dependência deste último indicador às
políticas econômicas de cada país.

Apesar de garantir um indicador mais estável, o ICP afirma, mesmo assim,


que existe um grau de incerteza sobre o índice “poder de compra por
paridade” de até 10%.

25 A Distribuição Global da Renda é Mais Desigual do Que o PIB


Entre os Países
Isto fica claro quando se percebe que os fluxos de renda entre os países são
discrepantes. Geralmente os países com PIB maior geram renda fora de suas
fronteiras. Parte do PIB dos países mais pobres são direcionados para os
países mais ricos.

De qualquer forma, a diferença desses fluxos de riquezas entre países


impacta pouco. EUA e Grã-Bretanha o impacto é de 1 a 2%. No Japão e
Alemanha varia de 2 a 3%.

O continente que mais sofre com este desequilíbrio é a África onde o total
produzido (PIB – 10% de depreciação) é 5% maior do que a renda do
continente.

20
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Antes da primeira guerra mundial, a situação era pior: os grandes da Europa
detinham de 1 terço a 1 quarto da produção da África e Ásia e três quartos
de todo capital industrial.

26 Quais Forças Favorecem a Convergência?


Convergência: ricos se tornando menos ricos e pobres se tornando menos
pobres.

Existe a teoria que diz que o investimento de países ricos nos territórios dos
países pobres, apesar do lucro ser enviado de volta, pode diminuir o gap das
desigualdades pois afinal, o capital investido melhora a produtividade dos
países que recebem o investimento.

No entanto, esta teoria tem dois grandes problemas.

Primeiro:

A convergência de produção per capita (crescimento do PIB nos países


pobres graças ao investimento feito pelos países ricos) não significa
convergência de renda per capita. Comparemos a taxa de retorno do capital
que os países pobres devem pagar aos países ricos com a taxa de crescimento
do PIB dos países ricos e pobres.

Segundo:

A ascensão dos países asiáticos nos últimos 20 anos não se deveu aos
investimentos dos países ricos e sim, aos investimentos feitos por eles
próprios tanto em capital físico quanto em capital humano. Da mesma forma,
países pobres dominados pelos ricos, tanto na época da colonização quanto
os países da África hoje, não tiveram e não têm atualmente perspectiva de
convergências.

Resumindo, o que contribui para a convergência é a difusão do


conhecimento suportado por governos legítimos e eficientes.

Capítulo 2 – Crescimento: Ilusões e Realidades


O ponto central desta sessão é a tendência de baixo crescimento do PIB de
todos os países do mundo e a perspectiva seria do crescimento continuar em
baixos níveis durante todo o século XXI.

Importante destacar que crescimento do PIB envolve dois componentes:

21
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

a) Crescimento populacional
b) Crescimento puramente econômico

Somente o último componente envolve elevação no nível do padrão de vida


da população. Os debates públicos muitas vezes desconsideram o primeiro
componente pois assumem que o crescimento populacional não mais existe
o que é uma falsidade, pelo contrário. Mundialmente, a população mundial
cresce em torno de 1% enquanto o crescimento mundial do PIB está em 3%
ou um pouco superior a isto. Logo, o crescimento per capita estaria um pouco
acima de 2%.

27 O Crescimento mundial ao longo dos tempos


Antes de analisar as tendências de crescimento atuais, vamos nos debruçar
no crescimento da produção mundial a partir da revolução industrial.

Observa-se que o mundo antes da revolução industrial praticamente não


crescia se considerarmos que o aumento da população crescia a taxas iguais
ao aumento da produção. A partir da revolução industrial inicia-se um
crescimento tímido de 0.1%. É importante destacar que, diferente do que os
debates costumam propagar em que afirmam que 1% de crescimento seria
desprezível, na verdade, ao longo de grandes períodos no tempo, 1% é na
verdade um crescimento considerável.

28 A Lei do Crescimento Cumulativo


O crescimento populacional mundial cresceu numa média anual de 0.8% ao
ano entre 1700 e 2012. Isto, portanto, dá um crescimento vertiginoso em 3
séculos de 10 vezes. De 600 milhões de habitantes em 1700 pulou para 7
bilhões em 2012. Neste ritmo, em 2300 teremos uma população girando em
torno de 70 bilhões.

22
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Portanto, é importante destacar que crescimento de produção ou de
população de 1% é algo imperceptível em 1 ano, mas é o suficiente para
mudar completamente a estrutura e o perfil de uma nação ou sociedade se
este crescimento de 1% for constante durante 30 anos, por exemplo.

Da mesma forma podemos dizer do retorno do capital. 1% ou o mais comum,


5% ao ano pode não parecer um retorno significativo, mas ao longo de um
período de 20 ou 30 anos significa um aumento assustador no capital do
investidor.

A tese centra do livro é precisamente que o aparentemente gap entre o


retorno do capital e a taxa de crescimento pode a longo prazo desestabilizar
e causar efeitos devastadores na estrutura e dinâmica da desigualdade
social.

Os valores acumulados do retorno do capital não deveriam ser usados para


acumular mais capital e sim, serem usados para aumentar a produção mundial
de forma que a taxa de crescimento não fique abaixo do retorno do capital. Isto
deveria ser uma regra humanitária patrocinada e difundida mundialmente pela
ONU.

29 Os Estágios do Crescimento Demográfico


As taxas de crescimento populacional do planeta a partir do ano 0 até 1700
eram bem tímidas comparadas com as taxas após a revolução industrial.
Estima-se que a população mundial cresceu 25% entre os anos 0 e 1000 e
50% entre os anos 1000 e 1500. De 1500 a 1700 o crescimento foi de 50%
novamente. A partir de 1700 tivemos uma taxa de crescimento de 0.4% ao
ano no século 18 e 0.6% no século 19. A Europa experimentou seu maior
crescimento populacional no período de 1820 a 1913 que girou em torno de
0,8% ao ano. De 1913 a 2012 a taxa caiu pela metade chegando a 0.4%

Previsões da ONU indicam crescimento mundial de 0.4% de 2012 a 2030


caindo para 0.1% de 2030 a 2070. Lembrando que a América tem taxa
prevista de 0% de crescimento, Ásia e Europa com índices provavelmente
negativos de 0.2% e 0.1% respectivamente. A taxa geral de 0.1% de
crescimento deve-se a previsão populacional da África com taxa anual de 1%.

Evidente que são apenas previsões imprecisas pois elas dependem da taxa
de fertilidade, expectativa de vida e evolução das políticas socioeconômicas.

23
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

30 Crescimento Demográfico Negativo?


A tendência de reversão do crescimento populacional é bem clara quando se
compara a Europa Ocidental com a América do Norte. Em 1780 a Europa
Ocidental já ultrapassava 100 milhões de habitantes enquanto a América do
Norte tinha quase 3 milhões. Em 2010 Europa Ocidental chegou a 410
milhões e a América já alcançou 350 milhões. A ONU prevê a América com
uma população ultrapassando a Europa Ocidental já em 2050.

A explicação para esta reversão não é simples. Por que a taxa de fertilidade
da Europa é menor? As políticas de proteção social não podem ser a
explicação uma vez que, por lá na América, elas praticamente não existem.

Talvez a explicação seja uma mistura de história e cultura. Talvez resta ainda
na mente dos americanos a imagem da terra prometida onde eles ainda
vislumbram um futuro sempre melhor para seus filhos. De qualquer forma,
mesmo na América do Norte, a taxa de crescimento demográfico também
está caindo. Muitos fenômenos podem ocorrer num futuro próximo como o
aumento de imigração entre os dois continentes, a taxa de fertilidade
aumentar na Europa ou mesmo a expectativa de vida na América não evoluir
na mesma proporção que na Europa. Portanto, estas previsões da ONU são
somente previsões.

Outro país que reverteu a taxa de crescimento populacional foi a China que
a partir de 1970 com a política de filho único conseguiu estabilizar sua taxa
de fertilidade. A previsão da ONU é de que a Índia a ultrapasse já no ano de
2020.

Assim, mesmo com as previsões de reversão de crescimento populacional,


não é exagero os números da ONU, pelo contrário. Mesmo com possíveis
pequenas variações, a tendência de o mundo chegar a uma população de 70
bilhões em 2300 se a taxa de crescimento continuasse em 0.8% ao ano, não
é uma previsão plausível. A ONU considera que a média de crescimento de
2012 até 2300 não ultrapasse 0.1% ou 0.2% ao ano. Isto nos daria uma
população variando entre 9 a 13 bilhões de habitantes.

31 Crescimento como um fator de Equalização


Prever taxas de crescimento demográfico não é a tarefa central do livro, mas
é um fator importante para avaliar a distribuição de riquezas.

Uma taxa de crescimento alta tende a diminuir as desigualdades uma vez que
diminui o peso da herança sobre o total das riquezas e capital acumulado.

24
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Da mesma forma, se a taxa de crescimento populacional é negativa ou
mesmo se a taxa de crescimento econômico também for negativa, a
influência do capital é maior. Neste cenário, caímos no problema já
destacado mais no início onde a taxa de retorno do capital se torna maior
que a taxa de crescimento econômico contribuindo para aumento das
desigualdades.

O crescimento populacional também pode contribuir para uma maior


mobilidade social resultando em diminuição das desigualdades uma vez que
a transferência de pai para filho das funções exige a inclusão de novos
agentes estranhos à família.

32 Os Estágios do Crescimento Econômico


A média do crescimento econômico entre 1700 e 2012 foi igual à média do
crescimento populacional: 0.8%. Em três séculos, a produção mundial
cresceu 10 vezes. A renda per capita em 1700 girava em torno de 70 euros e
em 2012, 760 euros.

Grande parte do crescimento econômico deve-se ao século XX onde a média


foi de 1.6% por ano com o século XIX ficando com 0.9% e o século XVIII com
apenas 0.1%.

Medir crescimento per capita é uma tarefa bem mais complexa do que medir
crescimento populacional. O poder de compra passa a ser um indicador
relativo dependente dos costumes e cultura da época. A cesta básica do
século XVIII por exemplo não pode ser comparada com a cesta básica atual
que engloba serviços nem existentes à época e diversos outros produtos
manufaturados que não eram essenciais ou nem mesmo existiam.

Piketty neste tópico apenas chama a atenção para se ter cuidado ao tentar
comparar poder de compra de antigamente com o poder de compra das
sociedades atuais.

Se a população cresceu com taxas iguais ao crescimento da produção nos 3


últimos séculos, significa que o homem não conseguiu aumentar sua
produtividade neste período. Mas, importante dizer que nos dois primeiros
séculos houve um retrocesso na produtividade e o século XX, graças, talvez às
novas tecnologias, conseguiu reverter e recuperar este atraso.

33 O que Significa um Aumento de 10 vezes no Poder de Compra?


1. Produtos industriais manufaturados – setor secundário
2. Produtos agrícolas – setor primário

25
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

3. Serviços – setor terciário

Os preços do primeiro grupo caíram bem acima da média devido aos avanços
acentuados da tecnologia na área trazendo mais produtividade ao setor.
O segundo grupo – agrícola – caiu no mesmo nível da média geral dos preços.
Apenas no grupo de serviços podemos detectar baixa produtividade em
relação aos tempos mais remotos ou mesmo taxa de crescimento de
produtividade próxima de zero.
As mudanças de hábitos de consumo a partir da revolução industrial foram
tão grandes que tentar medir e comparar o poder de compra entre gerações
desde os meados do século XIX são tentativas fúteis e reducionistas.
De qualquer maneira, os avanços tecnológicos possibilitaram à boa parte da
população mundial acesso a mais alimentos, serviços e produtos industriais
diversos.

34 Crescimento: Uma Diversificação do Estilo de Vida


Em relação ao custo de vida relacionado com serviços, o livro lança mão de
um exemplo interessante: o valor de 1 hora de trabalho de um típico
trabalhador atual consegue comprar a mesma quantidade de cortes de
cabelo que 1 hora de trabalho de um típico trabalhador de 100 anos atrás. O
poder de compra desse tipo de serviço permaneceu inalterado.
De qualquer forma, a classificação do mercado de trabalho em primário,
secundário e terciário fazia mais sentido no meio do século passado quando
a divisão entre os três setores era similar (32%, 33% e 35% - primário,
secundário e terciário respectivamente na França). Hoje, a divisão na França
é a seguinte:
3% primário, 21% secundário e 76% terciário.
Portanto, é imprescindível para não comprometer análises, subdividir o setor
de serviços em subsetores:

 Saúde e Educação – 20% ou mais


 Hotéis, cafés, restaurantes, bares, Cultura e Lazer – 20%
 Consultoria, projetos, TI, Financeiras, Bancos e Transportes – 20%
 Órgãos públicos - 10%
No caso de serviços relacionados com saúde e educação, parte são custeados
via impostos e de livre utilização variando de país para país. Nos EUA e Japão,
por exemplo, o custo com educação e saúde é bem menos subsidiado pelo

26
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
estado em relação aos países europeus, por exemplo. Estas variações
dificultam ainda mais quando se tenta fazer comparações entre padrão de
vida entre os países.

O livro chama a atenção para o fato de que não existe uma concordância com
relação em sumarizar os serviços públicos de saúde e educação no cômpito
geral do PIB. Na visão de Piketty é claro que este valor deve ser somado. Caso
não fosse, se um país opte em diminuir seus serviços de saúde e educação
privatizando parte desses setores (o Brasil corre este risco com o programa
“Ponte para o Futuro” do governo Michel Temer), ele automaticamente estaria
aumentando artificialmente o PIB do país.
Sem sombras de dúvidas, o crescimento econômico entre 1700 e 2012 trouxe
um grande avanço no padrão de vida das pessoas na ordem de 10 vezes – de
76 euros por mês para 760 euros/mês. Se considerarmos somente os países
ricos, este salto foi mais que 20 vezes.

35 O Fim do Crescimento?
Será que o espetacular aumento da renda per capita entre 1700 e 2012 enfim
chegou ao fim neste século XXI? Será que estamos vivenciando o início de
períodos de crescimento zero por problemas tecnológicos ou ecológicos ou
por ambos os motivos?

Antes de continuar, é muito importante destacar que nunca existiu na


história da humanidade crescimento acima de 1.5% por períodos longos. Os
analistas que reivindicam que crescimento abaixo de 3% não seria um
crescimento que mereça destaque, estão enganados e esqueceram de
estudar a história econômica mundial.

Com estas considerações, o que poderemos dizer das futuras taxas de


crescimento? De acordo com alguns economistas como Robert Gordon, a
tendência das taxas de crescimento não devem ultrapassar 0.5% até 2100.
Suas análises se baseiam nas ondas de inovações que ocorreram durante a
história da humanidade a partir da revolução industrial. A máquina a vapor e
a introdução da eletricidade nos meios de produção trouxeram uma ruptura
revolucionário na sociedade impactando enormemente a produtividade. Já
as novas ondas de avanços e inovações tecnológicas – como a introdução da
informática – não tiveram o mesmo potencial de ruptura não trazendo tantas
melhorias na produtividade.

Prever taxas de crescimento é tão difícil quanto prever taxa de crescimento


populacional. O que será tentado neste trabalho é desenhar alguns cenários

27
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

relacionados com a dinâmica da distribuição de riquezas. Para tanto, não


iremos considerar previsões otimistas de crescimento de renda nem nos
basear nas previsões de Robert Gordon (0.5% até 2100). Mas para termos
um cenário palpável consideraremos uma taxa de crescimento do PIB na
ordem de 1.2% até 2100. E mesmo assim, para isto se concretizar, teremos
que ter avanços tecnológicos que permitam que fontes de energias
alternativas já estejam preparadas para substituição da energia convencional
dos hidrocarbonetos. E este, é apenas um cenário dentre vários possíveis.

Há controvérsias em relação aos hidrocarbonetos. Além da teoria ser fraca de


que sejam uma ameaça ao meio ambiente, não se sabe exatamente qual seria o
estoque de petróleo ainda não descoberto.

36 Um Crescimento de 1% Implica em Mudanças Sociais


Importantes
É sempre bom destacar que prever taxas de crescimentos a longo prazo não
é mais importante do que perceber que 1% de crescimento per capita anual
é, na verdade, um crescimento extremamente rápido, mais rápido do que
muitos economistas e debatedores espalhados pelo mundo imaginam.

Piketty descreve as mudanças profundas nos países como EUA, Japão e


Europa nos últimos 30 anos onde o crescimento médio foi de 1 a 1.5% ao
ano.

Uma sociedade com crescimento de 0.1 a 0.2% ao ano se reproduz e se


repete sem modificações significativas em suas estruturas socioeconômicas.
Já sociedades com crescimento a longo prazo de 1 a 1.5% sofrem profundas
e constantes alterações.

Mas estas alterações não dizem respeito a uma melhor distribuição das
riquezas. Pelo contrário caso não sejam criadas instituições e políticas para
conter a concentração. As forças invisíveis do mercado ou mesmo as novas
tecnologias não irão de forma alguma fazer este papel distributivo.

37 A Posteridade do Período Pós-Guerra: Entrelaçando Destinos


Além-Mar
Os EUA sentiram menos os impactos da primeira e segunda guerras
mundiais. Diferente da Europa, principalmente a Europa Ocidental que
experimentou os “30 Gloriosos – Trente Glourieses” – período de 1940 a
1970 onde viveram com um crescimento per capita de 4%. No caso dos EUA
o crescimento até 1950 foi constante e um pouco acima do crescimento

28
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
europeu e no intervalo dos Trente Glourieses, o crescimento não foi tão
espetacular quanto o crescimento da Europa. Após estes anos dourados,
tanto Europa quanto EUA experimentaram uma curva descendente no
crescimento onde Europa partiu de 4% chegando a 1.5% em 2012 e EUA de
2.5% para um pouco menos que 1.5%.

O crescimento percebido na Europa Ocidental seria ainda mais acentuado se


retirássemos os dados de crescimento da Inglaterra que se comportou de
forma mais semelhante aos EUA do que a própria Europa.

Importante dizer que os 30 gloriosos foram marcados por uma presença


forte do estado sobre a economia dos países europeus. Muitos analistas
consideram que o inicio do liberalismo nos anos 80 foi o causador do fim
destes anos gloriosos.

Os países de língua inglesa (EUA e Inglaterra), no período de 1950 e 1980


viram seus rivais – Alemanha, França, Japão e até Itália (Piketty não cita URSS,
mas creio que também pode entrar na lista) experimentaram crescimento
maiores que os deles. Ao invés de perceberem que o crescimento a menor
poderia ter sido pelo motivo da pouca interferência do estado na economia,
a reação foi inversa. Margareth Thatcher e Ronald Reagan radicalizaram e
promoveram ainda mais o liberalismo na economia. Até hoje, muitos ainda
acham que esta atitude teria sido a correta uma vez que hoje as taxas de
crescimento de todos estes países se igualaram.

Na verdade, nem a intervenção do estado na economia seria a razão da glória


e nem o liberalismo seria a razão do desastre. Piketty desconfia que talvez,
os países de língua não inglesa ao chegarem no limite da fronteira
tecnológica dos EUA e Inglaterra, igualaram suas taxas de crescimento.

38 As Duas Curvas de Gauss do Crescimento Global


Tanto o crescimento global da população quanto o crescimento per capita da
riqueza nos últimos 3 séculos desenham uma curva em forma de sino (curva
de Gauss).

Mas as duas curvas se distinguem. O crescimento populacional iniciou sua


ascendência antes da curva da riqueza e o mesmo se pode dizer em relação
ao momento em que as duas começaram a sua descendência: o crescimento
populacional desacelerou-se bem primeiro.

O pico do crescimento populacional se deu entre 1950-1970 com


aproximadamente, 2% ao ano. Enquanto o crescimento populacional

29
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

iniciava sua ascendência, o crescimento per capita da renda ficou


adormecido por 100 anos. Iniciou timidamente sua decolagem no século XIX
e só atingiu picos semelhantes e até maiores que 2% somente no século XX.
Os percentuais entre 1950 e 2012 atingiram níveis acima do crescimento
populacional graças à recuperação econômica da Europa e posteriormente
da Ásia principalmente da China que chegou a crescer 9% ao ano – algo nunca
alcançado antes na história da humanidade. Num cenário um pouco mais
otimista que o cenário descrito por Robert Gordon, Piketty prevê
crescimento de até 3.5% até 2030, 3% até 2050 e depois, estabilização em
torno de 1.5% até o final do século XXI. Logicamente que são somente
previsões ligeiramente otimistas, mas factíveis. Previsões mais pessimistas
são, é claro, possíveis.

39 A Questão da Inflação
A análise do crescimento excepcional a partir da revolução industrial ficaria
comprometido se não falássemos sobre a inflação. Todos os indicadores
econômicos usados para análise de renda per capita ou qualquer outra
analise relacionada à renda sofrem influência da inflação. A inflação a cada
época é expurgada dos índices antes de serem apresentados. Entretanto, ela
gera um certo ruído, uma vez que não é tão simples dimensionarmos valores
reais com moedas pois a todo momento os mesmos estão contaminados pela
inflação que nem sempre pode ser detectada com precisão milimétrica.

A inflação também é um fator que influencia na distribuição de riquezas


tanto concentrando quanto fazendo o papel de convergência (ver Sessão 10
– Fatores Divergentes e Convergentes). No caso do pós-guerra, por exemplo,
a inflação foi um fator importantíssimo para diminuir os vultosos débitos das
contas públicas principalmente na Europa.

40 A Enorme Estabilidade Monetária dos Séculos XVIII e XIX


Nesta sessão Piketty descreve sobre as moedas da França, Inglaterra e EUA
desde a revolução Francesa mostrando a incrível estabilidade interna e
também, a estabilidade das paridades entre elas até o alvorecer da primeira
guerra mundial concluindo que o fenômeno da inflação é típico do século XX
e XXI.

41 O Significado do Dinheiro na Literatura Clássica


Piketty usa exemplos de clássicos da Literatura como Jane Austen (1775-
1817) ou Honre de Balzac (1799 – 1850) para mostrar a estabilidade das
moedas. Nesta época os autores usavam a renda dos personagens

30
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
representada em moedas correntes para situá-los socialmente. Observa-se
que os valores são praticamente os mesmos durante todo o século XIX e
início da primeira guerra mundial. Tais exemplos podem também ser
encontrados nos EUA, Itália e em várias outras nacionalidades de autores
além dos autores da Inglaterra e França já citados.

42 A Perda das Relações Monetárias no Século XX


Devido à primeira e segunda guerra mundiais, a estabilidade das moedas de
todos países ocidentais foi destruída. Os romances simplesmente pararam
de tomar como referência os valores monetários dado sua variabilidade com
o advento da inflação. A paridade com o ouro sucumbiu em 1914, voltou em
1920, com a crise de 1930 desapareceu novamente. Viram que tal paridade
trazia maior confiabilidade e retornaram com a paridade em 1946
permanecendo até 1970. Após isto, a ruptura final aconteceu e a paridade
com o ouro desapareceu completamente nascendo a era do dólar. Tal
ruptura não se deu somente no mundo da economia, mas ocorreu também
no mundo cultural, social e na literatura.

31
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

32
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Parte 2 – A Dinâmica da Razão


Capital/Renda

33
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 3 – A Metamorfose do Capital


A parte II do livro tratará do Capital e a razão entre Capital / Renda além das
diferentes formas que o Capital pode se apresentar.

Relembrando minha reflexão sobre o Capital: trabalho estocado ao longo do


tempo em forma de riquezas e apropriado por quem já possuía o domínio sobre
as pessoas que forneciam sua força de trabalho. E, se estocado, pode ser
perpetuado e transferido via herança. O capital, portanto, sempre trará a
mancha do pecado original da usurpação.

Observação: da mesma forma que as relações sociais mudam, que as pessoas


passam a ver a vida de formas diferentes, que os hominídeos um dia se libertaram
dos altos galhos das árvores e buscou o chão ou que a larva se transforma em
uma borboleta, meu conceito sobre o Capital provavelmente também irá evoluir
principalmente após ler o livro presenteado pelo meu irmão: O Capital de Karl
Marx.

O Capital apresentou formas diferentes de se manifestar desde o século


XVIII. Ele pode ser observado de várias formas: terras, máquinas, firmas,
estoque, patentes, pecuária, ouro, recursos naturais, etc.

As análises se concentrarão na Grã-Bretanha e França por possuírem


informações históricas abundantes. Piketty inicialmente usará a literatura
para ilustrar e introduzir a questão da riqueza.

43 A Natureza da Riqueza: da Literatura para a Realidade


O estudo usa os romances do século XIX de Balzac e Jane Austen para mostrar
as formas que o capital tomava antigamente e como o mesmo gerava riqueza
e renda. Com a leitura dos romances da época pode-se perceber que o
capital, apesar de sua estrutura ter mudado, sua função permanece a
mesma: gerador de renda e, por tabela, caso o retorno do rendimento se
encontre acima da taxa de crescimento no período, gerador também, de
desigualdades. E, comparando as formas de desigualdades sociais nos
romances com os dias de hoje, é feito um questionamento: a forma que
tomou o capital atual é mais dinâmico e menos danoso ou menos “avarento”
que o capital de antigamente?

34
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
44 A Metamorfose do Capital na Grã-Bretanha e França
O valor total do capital tanto na França quanto na Inglaterra nos séculos XVIII
e XIX e até o início da primeira guerra mundial era 6 ou 7 vezes maior que o
total da renda anual desses dois países. Com o início da primeira grande
guerra, a depressão de 1930 e ainda, a segunda guerra mundial, esta relação
caiu fazendo o valor total do capital ser no máximo 3 vezes a renda anual.
Após a segunda guerra mundial o capital inicia novamente sua recuperação
chegando em 2010 com vigor semelhante aos séculos XVIII e XIX.

Reflexão: o que significaria capital de uma nação cair de 6 ou 7 vezes a sua renda
anual para somente 3 vezes? Voltemos ao nosso exemplo do país-ilha (Sessão 19
– Razão Capital / Renda). Para que a quantidade de capital da ilha (cadeira,
suporte metálico para trançar as fibras, tela para bater as folhas, cestos e caixas)
caia para 3 vezes o valor da produção de sandálias de 1 ano, significa que em um
dado período, estes ativos foram usados para produção de sandálias e a
quantidade acrescentada de renda, dado a inclusão desses ativos no processo de
produção, não retornou para o capitalista para acumular mais ativos e sim,
usado e sumarizado na própria renda da ilha trazendo, como consequência,
maior distribuição de riquezas diminuindo as desigualdades entre os nativos.

Apesar da relação capital/renda ter voltado aos tempos antigos, não


podemos deixar de destacar que sua estrutura mudou completamente. Se
antes, a terra tinha uma participação majoritária no total do capital, após a
revolução industrial e os avanços tecnológicos, a terra passou a ter uma
participação irrisória chegando a valores incríveis abaixo de 5% do valor total
do capital.

45 A Ascensão e Queda do Capital Estrangeiro


Chama-se de capital estrangeiro a soma de todas as riquezas do país em
domínios estrangeiros subtraído das riquezas de outros países no seu próprio
solo.

A partir de 1800 a Inglaterra aumentou significativamente suas posses com


sua política de colonização. Até o início da primeira guerra a Inglaterra
possuía capital estrangeiro equivalente a 3 vezes sua renda nacional anual.
O mesmo pode ser dito para a França apesar da França possuir na época bem
menos riquezas internacionais que a Inglaterra.

Nesta posição confortável, tanto a Inglaterra quanto a França podiam manter


uma balança comercial negativa. Consumiam mais do que exportavam. Os
demais países do mundo trabalhavam para eles consumirem sem haver
problemas de déficit uma vez que as riquezas internacionais compensavam

35
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

a balança comercial. Com o fim da segunda guerra mundial estas riquezas


originadas do colonialismo praticamente desapareceram. Hoje, podemos
dizer que a riqueza internacional líquida exerce influência quase zero na
estrutura do capital das nações.

46 Renda e Riqueza: Algumas Ordens de Grandeza


Piketty faz comparações da estrutura de riquezas entre os séculos XVIII/XIX
com a atualidade mostrando o deslocamento natural das riquezas que
migraram da terra para outros tipos de capitais (imobiliário, máquinas, etc.).
Piketty mostra que apesar da estrutura do capital ter se transformado
totalmente, a renda nacional se preservou na mesma proporção que o capital
nacional.

47 Riqueza Pública, Riqueza Privada


Antes de analisar as razões do ressurgimento do Capital no século XXI, é
importante distinguir entre Capital Privado e Capital Público. Lembrando que
tanto capital privado ou público é a resultante entre os ativos e passivos de
cada um. Isto é, ao se falar de Capital Público ou Privado, falamos de Capital
Líquido.

Para Capital Público separamos em Capital de ativos e Capital financeiro.


Estima-se que atualmente o capital público de ativos da Inglaterra gira em
torno de 1 ano da renda nacional. Na França seria 1 ano e 6 meses.

Considerando que os dois países possuem débitos na ordem de 1 ano de


renda nacional, Inglaterra possui praticamente zero de Capital Público
líquido e a França em torno de 30% de sua renda nacional.

Estes valores, importante dizer, são estimativas pois avaliar ativos públicos
como rodovias, escolas, hospitais não é algo tão simples e corriqueiro. De
qualquer forma, é claro que o Capital Líquido Público é insignificante se
comparado com o Capital Líquido Privado.

De forma geral temos que hoje no mundo toda a riqueza se encontra no


mundo privado uma vez que as dívidas públicas dos países estão na mesma
ordem de grandeza de seus ativos.

48 Riqueza Pública em uma Perspectiva Histórica


Observando a evolução da riqueza líquida tanto da França quanto da
Inglaterra podemos concluir que a relação entre renda nacional e capital
nacional fica restrito somente ao capital privado uma vez que a riqueza

36
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
líquida pública sempre é irrisória. Os totais de ativos públicos sempre estão
bem próximos dos débitos: um anulando o outro.

Isto mostra como os dois países sempre se basearam na propriedade privada


para dirigir suas economias. Atualmente, não só os dois países, mas todos os
países mais ricos estão em fase de executar grandes dívidas públicas (ver
tabela da sessão anterior). Mas este contexto de dívida pública pode mudar
rapidamente como iremos mostrar mais adiante pois tanto Inglaterra quanto
França oferecem experiências ricas nesta questão.

País Dívida %PIB Reservas em milhões US$


Japão 229 1.026
Itália 133 128
Portugal 129 19
Bélgica 106 22
EUA 104 119
Espanha 99 49
França 96 0,1
Irlanda 96 -
Reino Unido 89 144
Canadá 86 0,9
Alemanha 71 175
Índia 66 361
Brasil 66 362
BRICS
China 43 3.000
Rússia 17 391
Fonte: http://pt.tradingeconomics.com/portugal/indicators - em 2015.
Tabela não presente no livro de Piketty

49 Grã-Bretanha: Dívida Pública e a Revitalização do Capital Privado


Nos séculos XVIII e XIX os governos da França e Inglaterra sempre andaram
endividados. As despesas, principalmente devido às guerras napoleônicas e
a revolução americana, eram grandes.

A forma como as duas nações conviveram e trataram suas dívidas foram


completamente distintas. Enquanto a França, no alvorecer da revolução
francesa usou a moratória e a inflação – a chamada “Banqueroute des deux
tiers” ou Bancarrota dos dois terços para liquidar suas dívidas no início do
século XIX, a Inglaterra usou seu orçamento positivo durante todo o século
XVIII e XIX para financiar o capital privado que emprestava sem limites com

37
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

retorno garantido de 4 a 5%. Com isto, o capital privado na Inglaterra se


tornou mais forte que o capital privado na França.

50 Quem Lucra com a Dívida Pública?


A retrospectiva anterior mostrando como o estado de certa forma transferia
riquezas para o capital privado foi importante para entendermos o porquê
da preocupação dos socialistas com a dívida púbica – a começar por Karl
Marx.

Os rentistas eram pagos generosamente e sem atrasos os seus bônus de


governo. Os personagens dos romances de Balzac e Jane Austen são prova
do “bon vivant” das classes mais abastadas não só na Inglaterra como na
França e outros países da Europa. Na França do século XIX, Bonaparte taxou
os produtores de bebidas para honrar dívidas com rentistas. No final da
guerra com a Prússia, novamente se valeu de taxar a população para pagar a
dívida equivalente a 30% da renda nacional ao país vencedor. Os exemplos,
tanto em registros da história quanto nos romances de Balzac e Jane Austen
são ricos e definitivos: os estados eram usados como ferramenta para
aumentar a riqueza privada.

No século XX um novo ponto de vista sobre a dívida pública surgiu. A dívida


pública passou a ser um instrumento de política de inclusão social e ajuda
aos mais necessitados. Os débitos com os rentistas eram quitados usando-se
a inflação para financiar as políticas públicas. As taxas pagas não eram
corrigidas proporcionalmente com as emissões de moedas. Os rentistas
tinham a garantia do pagamento, mas a diferença entre o montante real a
pagar e montante nominal eram usados pelos governos para implementação
de seus projetos sociais.

Com esta nova forma de tratar a dívida pública, a França saiu de uma dívida
de 80% de sua renda nacional em 1914 para apenas 30% em 1950. Observem
que, além de melhorar a vida das pessoas, o estado também diminuía seus
débitos.

Por outro lado, na Inglaterra a história da dívida pública da Inglaterra seguia


caminhos mais tortuosos. Se em 1815 sua dívida era preocupante, em 1950
era maior ainda: 200% de sua renda nacional. Foi após a guerra que a
Inglaterra usou da mesma artimanha da França e conseguiu amenizar sua
dívida a partir da inflação chegando a 50% do PIB.

38
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
A técnica da inflação para conter a dívida pública não é um mar de rosas. Não
são somente os rentistas milionários que pagam o pato. Longe disto. Muitos
setores sofrem. Com a inflação, setores da sociedade perdem e outros ficam
ricos. Além disto, o processo se torna um ciclo vicioso e depois se torna um
problema difícil de dominar. A inflação juntamente com a recessão –
estagflação – passou a ser um fenômeno comum na década de 70 com
significativos índices de desemprego. Assim, o controle da inflação passou a
ser um consenso entre os economistas já no final da década de 70.

51 Os Altos e Baixos da Equivalência de David Ricardo


A hipótese do Princípio da Equivalência de Ricardo diz: Débito público não
teria nenhum efeito na acumulação do capital nacional.

Ricardo formulou esta hipótese pelo que testemunhou. O débito de 200% do


PIB na época ainda não tinha sido perceptível na poupança do capital privado
e provavelmente por isso, David Ricardo teria “comido mosca”.

John Maynard Keynes reconhece que não existia outra forma na época de
os estados resolverem o problema da dívida a não ser via a técnica da
inflação.

52 França: Um Capitalismo Sem Capitalistas no Período Pós-Guerra


Os ativos da França e Inglaterra nos séculos XVIII e XIX giravam em torno de
50% de suas rendas nacionais. Com a forte expansão da economia no século
XX os ativos mais que dobraram. A França em 2010 contabiliza 150% da renda
nacional em ativos e a Inglaterra chega a 100%.

Estes dados omitem uma realidade: apesar dos ativos estatais crescerem
significativamente, a partir de 1980 seguiu-se uma onda de privatizações nos
setores industriais e de serviços. Este fenômeno pode ser observado não
somente nos países europeus como também em diversos países emergentes.

Antes desta onda de privatização, no intervalo de 1930 a 1980 o descrédito


ao liberalismo foi intenso. A depressão de 1930, a segunda guerra mundial
que exigiu uma atitude mais igualitária de todos setores nacionais, e a
própria postura de certos capitalistas principalmente na França que, durante
a ocupação nazista se beneficiaram financeiramente, a grande reação
econômica da URSS após a revolução de 1917 bem como sua importância
fundamental para derrota da Alemanha, foram fatores importantes que
trouxeram os estados para o centro das questões e soluções sociais.

39
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 4 – Da Velha Europa Para o Novo Mundo


Após analisar as metamorfoses do capital na França e Inglaterra, Piketty irá
estender sua análise para a Alemanha e posteriormente EUA e Canadá. Os
EUA possuem algumas características que os distinguem dos países
europeus:
a) A terra é abundante e barata não impactando no valor total do capital
b) A herança não teve impacto importante na concentração e perpetuação
das riquezas
c) Existência da escravidão
d) Tendência da cultura dos povos colonizadores da América em acumular
menos capital que a Europa

53 Alemanha: O Capitalismo “Reno” e Propriedade Social


Devido às constantes mudanças territoriais da Alemanha não se pode ir
muito além na história para analisar as transformações do capital neste país.

Pode-se notar semelhanças entre Grã-Bretanha tomando por base as


transformações ocorridas e que puderam ser observadas a partir de 1870.

Alemanha não possuía riquezas internacionais como a França e muito menos


ainda como a Inglaterra. Talvez seja esta a principal razão das tensões
militares que causaram a primeira guerra mundial: Alemanha desafia França
em sua supremacia no Marrocos. Imperialismo, o ápice do capitalismo de
Lenin (1916) traz esta tese do imperialismo e os conflitos derivados que
influenciaram o ambiente para a primeira grande guerra.

A história dos ativos internacionais entre Alemanha e as duas antigas


potências coloniais – França e Inglaterra – são inversas. Enquanto a
Alemanha não possuía muitas riquezas internacionais nos séculos XVIII e XIX
e França e Inglaterra acumulavam riquezas extraordinárias graças às suas
colônias, a Alemanha foi acumulando aos poucos seus ativos internacionais
com seus superávits comerciais. Atualmente, os ativos internacionais da
França e Inglaterra estão próximos de zero e a diferença com os ativos da
Alemanha tendem a aumentar mais ainda.

Em relação à dívida pública, Alemanha se comportou de forma semelhante à


França e Inglaterra: usou e abusou da inflação para diminuir suas dívidas no
século XX. Hoje, paradoxalmente, a Alemanha é um dos países que mais
evitam a inflação em sua economia. Talvez, pelo trauma causado na década

40
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
de 20 quando, ao utilizar deste meio para aliviar as dívidas, viu a hiperinflação
sair dos domínios do estado.

Existe, entretanto, diferenças substanciais entre o capital privado da


Alemanha e todos os demais países da Europa. Seu capital privado é bem
inferior que os demais tomando por base o PIB. Mas esta situação pode ser
temporária e mesmo ilusória pois pode ser explicado pelo controle rígido dos
juros, unificação com Alemanha oriental que derrubou os preços dos ativos
e a forma como a Alemanha avalia suas empresas. Na verdade, esta diferença
de capital privado da Alemanha e demais países não é nada mais do que uma
questão política do que uma questão propriamente de métodos de avaliação
de ativos.

A saúde econômica da Alemanha comparada com os demais países nesta


crise pode ser explicada pela forma como suas empresas privadas são
administradas. Os acionistas compartilham o poder com outras partes
interessadas como a sociedade em volta da empresa e os próprios
funcionários que possuem poder de decisão nivelado com o poder de decisão
dos próprios acionistas.

54 Choques do Capital no Século Vinte


Entendendo como se deu o colapso da relação Capital / Renda no século XX
e sua surpreendente recuperação a partir da década de 80.

A queda do capital pode ser explicada somente em partes pela destruição de


ativos causadas pela primeira e segunda guerras mundiais. Com um capital
nacional em média 6 a 7 vezes a renda nacional (Alemanha, França,
Inglaterra, etc.) em 1913 para um capital nacional de 2,5 vezes a renda
nacional. Se as guerras por si justificassem a queda do capital, Inglaterra teria
uma queda do capital em relação à renda bem menor que França e Alemanha
onde as duas guerras foram mais destruidoras. De acordo com dados de
Piketty, a queda do capital em relação aos ativos destruídos na Grã-Bretanha
pelas bombas nazistas foi 40 vezes maior.

Isto prova que o choque político orçamentário causado pelas guerras se


mostraram bem mais destrutivos ao capital do que os combates
propriamente ditos.

55 O Capital na América: Mais estável do que na Europa


Por motivos óbvios, o Capital na América teve um papel menos importante
na economia. A nação estava só começando. Os colonos que saiam da Europa
para o Novo Mundo não levavam ativos, riquezas ou máquinas. As terras

41
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

eram baratas. Assim, a relação capital / renda era bem menor que a relação
na Europa. Como consequência, as riquezas eram distribuídas de forma
menos desigual. O fenômeno de pouco capital acumulado talvez seja a razão
do espírito de liberdade e igualdade que dominou os americanos até o final
do século XIX. Mas no início do século XX o capital já tinha se recuperado e a
fama americana de uma sociedade mais igual e justa foi desaparecendo. De
qualquer forma, a curva em U da queda do capital no século XX nos EUA foi
mais suave que na Europa. Talvez por isso, os americanos sempre olharam o
capitalismo com olhos mais otimistas que a Europa durante o século XX –
pelo menos, até a década de 80.

56 O Novo Mundo e o Capital Estrangeiro


Os EUA não eram uma colônia típica da época onde os impérios a tudo
possuía e toda riqueza era transferia e sugada. De toda riqueza dos EUA, 98%
era de propriedade dos próprios americanos e apenas 2% pertenciam a
estrangeiros.

Esta tradição se manteve. A posição líquida do capital estrangeiro dos EUA


sempre se manteve estável: um pouco negativa e às vezes ligeiramente
positiva. As riquezas presentes no país sempre estiveram nas mãos dos
próprios americanos. Os estrangeiros nunca se apropriaram de mais que 5%
das riquezas em nenhum momento da história econômica dos EUA.

Já o Canadá tem uma história distinta dos EUA. Grande parte de sua riqueza
pertenceu aos estrangeiros, principalmente os Ingleses. Talvez pelo fato da
relação com a Grã-Bretanha ter sido mais subserviente. Apenas nos dias
atuais que a riqueza líquida internacional se estabilizou na mesma ordem de
grandeza dos EUA.

57 Canadá: Propriedade da Coroa por Longo Tempo


Curiosamente, o Canadá sempre foi mais submisso aos colonizadores. O total
das riquezas nacionais pertencentes aos estrangeiros chegou a 25% do total.
Algo inimaginável para os cidadãos estadunidenses dos séculos passados.
Provavelmente isto tem uma explicação política uma vez que a ruptura do
Canadá com a Inglaterra não foi feita de forma traumática como a
independência dos EUA. No entanto, atualmente o percentual de
participação de estrangeiros nas riquezas nacionais do Canadá caíram para
10%. Um patamar mais comparável com os números apresentados pelos
EUA.

42
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
58 O Novo e o Velho Mundo: A Importância da Escravidão
Em 1800 os escravos representavam 20% da população dos EUA – 1 milhão
num total de 5.

No Sul, região de Thomas Jefferson – presidente dos EUA em 1801 – 40% da


população era escrava. O próprio Thomas Jefferson possuía 600 escravos.
Como o sul dos EUA possuía muito mais escravos que o Norte, a desigualdade
econômica e social era bem mais acentuada trazendo reflexos até os dias
atuais.

59 Capital Escravo e Capital Humano


O preço de um escravo nos EUA girava em torno de 12 anos de salários de
um trabalhador rural livre. Piketty, em desacordo com muitos economistas
atuais (principalmente americanos), não considera o trabalho humano como
capital. Assim, ele evita o termo “capital humano”. No caso do trabalho
escravo é diferente pois se trata de se transformar pessoas em mercadorias.
E o capital “escravo” tinha uma particularidade interessante que atraía os
capitalistas: a taxa de retorno r era até 12 vezes maior que a taxa de retorno
do capital convencional.

Capítulo 5 – A História da Relação Capital / Renda


Mesmo com todas as transformações do capital nestes últimos 3 séculos
analisados, observa-se que a relação Capital / Renda não mudou
substancialmente. Após o final da segunda grande guerra o Capital voltou a
se recuperar e alcançar os mesmos patamares do início do século. Resta
saber se esta pressão do Capital sobre a Renda continuará a crescer ou se
estabilizará no decorrer deste século.

Interessante ressaltar que a relação Capital / Renda na Europa, como sempre


foi historicamente, continua maior que nos EUA. Europa: C / R = 6 – EUA: C/R
= 4.

60 A Segunda Lei Fundamental do Capitalismo β = s / g


s = taxa de poupança em relação ao PIB

g= taxa de crescimento do PIB

Esta relação tende a ser verdadeira a longo prazo.

43
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Voltando no nosso exemplo da ilha. Se a ilha poupa 12% de sua produção de


sandálias e 2% delas se transformam em mercadorias e o restante vira capital
(estoque de sandálias), seu capital evidentemente irá aumentar. Em um longo
prazo a relação Capital /renda tenderá a 6. Isto é: o capital teria no futuro um
valor 600% maior que o valor total das sandálias produzidas em 1 ano.

A taxa de crescimento populacional não pode deixar de ser considerada.


Logo, a renda per-capita é fundamental para se analisar esta relação. A
explicação para a relação C/R ser maior na Europa do que nos EUA se deve
exatamente a isto: a taxa de crescimento populacional nos EUA ainda é
ligeiramente positiva o que ocasionou um poder do capital um pouco menor
do que no velho continente.

61 Uma Lei de Longo Prazo


A segunda lei do capitalismo é assintótica. Tende a ser verdadeira somente à
longo prazo. Ela é importante para ajudar a entender o comportamento
desta relação durante todo o século XX, por exemplo. Se considerarmos
períodos curtos dos choques da primeira ou segunda guerra mundiais, esta
equivalência não fará muito sentido.

Exemplificando a lei com três exemplos:

 12% de poupança em um país com capital 6 vezes sua renda anual.


 12% de poupança em um país com capital menos que 6 vezes sua
renda anual.
 12% de poupança em um país com capital maior que 6 vezes sua
renda anual

No primeiro caso o capital crescerá 2% e assim, a taxa de crescimento da


renda será também de 2% (β =s/g 6 =12 / s) fazendo com que a relação β
(C/ R) permaneça estável.

Por outro lado, no segundo caso, uma taxa de poupança de 12% implica num
crescimento do capital maior que 2% - mais rápido que a renda - e assim, β
crescerá até atingir seu equilíbrio.

Já no terceiro caso, o capital crescerá numa taxa menor que 2% e assim, β


não poderá se manter no nível inicial e decrescerá até alcançar um equilíbrio.

62 O Capital Está de Volta aos Países Ricos a Partir dos Anos 70


Piketty destaca que, apesar dos fenômenos de bolhas que ocorreram com
frequência desde a década de 90 até os dias atuais onde os ativos eram

44
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
supervalorizados, a evolução da relação Capital / Renda é real. A partir da
segunda lei fundamenta do capitalismo β = s / g, podemos concluir que
algumas das causas desta evolução foram:

a) Menor crescimento da renda


b) Menor crescimento populacional
c) Altas taxas de poupança

Além destas forças dominantes de longo prazo também não se pode


menosprezar outros fatores como a transferência dos ativos públicos para as
mãos privadas e a recuperação natural dos ativos de todo o mundo após sua
desvalorização no período subsequente a segunda guerra mundial (1945 –
1980).

63 Além das Bolhas: Baixo Crescimento, Altas Taxas de Poupança


O fenômeno da recuperação do capital após a década de 70 pode ser
demonstrada a partir das taxas de crescimento populacionais e da renda
juntamente com o percentual de poupança de cada país. Ver tabela 5.1 a
seguir.

A maior concentração do capital na Europa e Japão do que nos países ricos


periféricos e EUA pode ser explicada devido a um maior crescimento da
renda nestes últimos países. As diferenças não são grandes, mas à longo
praza traz um grande impacto na estrutura da razão Capital / Renda.

64 Os Dois Componentes da Poupança Privada


Poupança advinda do ganhos individuais privados e poupança dos lucros que
são reinvestidos pelas empresas. Este segundo componente geralmente é
usado para manter o capital: compensar sua própria depreciação. Assim,
somente a poupança líquida pode incrementar o capital social.

45
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

65 Bens Duráveis e Bens de Consumo


Estes itens que não são considerados riquezas ou poupanças privadas. A
título de curiosidade os bens duráveis (móveis, automóveis, geladeiras, etc.)
correspondem a 3 anos e meio de rendimento de um indivíduo. Esta
proporção sempre manteve esta ordem de grandeza desde o início do século
XVIII. Por outro lado, os bens de valor – pedras preciosas, joias, ouro, etc –
são contabilizados de acordo com as normas internacionais como riquezas
privadas mas tem um valor montante bem menor que os bens duráveis e seu
valor decresceu consideravelmente comparando com os séculos passados.

66 O Capital Expresso em Anos de Rendimento Disponível


A diferença entre Renda Disponível e Renda Nacional está no somatório de
obrigações (taxas, impostos, etc.) pagas pelo cidadão. Seria a grosso modo a
Renda Nacional líquida. Antigamente quando o estado tinha participação
menor na sociedade, o somatório da Renda Disponível dos indivíduos
correspondia a 90% da renda nacional. Sempre que no livro se faz referência
à renda, considera-se que seria a Renda Nacional. Para comparações com
outras nações, o indicador de Renda Disponível pode desvirtuar as análises
pois um país onde o estado é mais participativo implica em Renda Disponível
menor que em um país com pouca participação do estado. O último, usando-
se estes índices poderia mostrar indicadores de qualidade de vida melhores
que o anterior mesmo sendo um país mais carente.

46
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
67 A Questão das Fundações e Outras Organização de Capital
As fundações perfazem um total de 5 a 10% do total das riquezas privadas
atualmente. A rigor, não poderiam ser tratados como riqueza privada e nem
como riqueza pública. Não é uma nem outra. Piketty escolheu considerar os
valores das fundações como sendo riqueza privada. A decisão, na verdade,
não afeta muito as análises, uma vez que os valores não são tão relevantes
como na época da revolução francesa por exemplo onde os bens da Igreja
tinham um impacto significativo na renda nacional.

68 A Privatização das Riquezas nos Países Ricos


O período de recuperação do capital coincide com a onda de privatizações
entre 1970-2010. Proporcionalmente à renda nacional, Itália e Japão são os
países onde o capital atingiu o maior nível em relação à renda nacional.

Esta onda não se restringiu somente entre os países mais ricos. Todo o
sudeste europeu e a Rússia seguiram este caminho após a derrocada do
comunismo e a queda do muro de Berlin.

69 A Histórica Recuperação dos Preços dos Ativos


Outro fenômeno que contribuiu para a grande recuperação do capital se
refere à valorização dos ativos a partir do fim da segunda guerra mundial. De
1910 a 1950 os ativos, por diversos motivos, ficaram desvalorizados em todo
o mundo. Com o fim da guerra os ativos foram recuperando seu valor real
chegando num provável pico máximo em 2010. As bolhas, de certa forma,
podem ser interpretadas como fenômenos complementares desta reação.

Este fenômeno incentivou o uso do indicador Tobin’s Q (homenagem ao


economista James Tobin). O indicador atribui 1 para uma firma onde o valor
de mercado da empresa corresponde exatamente ao valor real. Áreas de
negócios que sofrem com as bolhas possuem o indicador Tobin’s Q sempre
maior do que 1.

Tobins’s Q = valor mercado / valor contábil

Finalizando, a recuperação dos valores dos ativos no período de 1970 a 2010


foi responsável por 1 quarto a 1 terço no aumento da razão Capital / Renda.

70 Capital Nacional e Ativo Líquido Estrangeiro nos Países Ricos


As riquezas internacionais que as grandes nações ricas possuíam no alvorecer
da primeira grande guerra mundial praticamente desapareceram já no início
da década de 70. Assim, a grande recuperação do capital após a segunda

47
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

grande guerra não contou com estes ativos e sim, com as próprias riquezas
domésticas destas nações.

A questão que fica é: será que alguns países ficarão dominados por outros
financeiramente ou no decorrer deste século os ativos internacionais
tenderão a se equilibrar? Para analisar melhor esta questão temos que
estudar a questão do petróleo e dos países emergentes – China
principalmente. Mas isto será assunto em capítulos posteriores.

A estrutura do capital atual tornou mais complexa a questão dos ativos e


passivos dos países pois as transações financeiras perderam as fronteiras
principalmente na Europa. Esta questão será discutida com mais detalhes na
parte III do livro.

71 Como Ficará a Razão Capital / Renda no Século XXI?


Já sabemos como foi o comportamento do capital durante todo o século
passado. Seguiu uma curva em U nos períodos das grandes guerras se
recuperando a partir de 1970. Este cenário também foi observado no Japão
e toda América Latina.

Numa tentativa de prever como seria esta curva nas próximas décadas
usamos a segunda lei β = s /g considerando as previsões de crescimento
demográfico e crescimento econômico já apresentados no capítulo 2.
Relembrando as previsões: crescimento econômico caindo de 3.5% para
1.5% na segunda metade deste século com a taxa de poupança estabilizando
em 10% a longo prazo. Aplicando estes indicadores à lógica da segunda lei
capitalista poderemos ter um planeta com a cara da Europa do século XVIII
na época da Belle Époque. Apesar de plausível este cenário não passa de uma
possibilidade dentre várias outras, mas do ponto de vista do autor, talvez seja
o cenário mais provável.

72 O Mistério do Valor da Terra


A segunda lei do capitalismo não se aplica à terra que é um capital que não
se pode acumular. Mas, qual seria o valor da terra? Estima-se que o valor não
é significativo em relação ao montante do capital de um país. Portanto, o
valor da terra não é uma variável determinante na fórmula β = s /g.

48
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 6 – A Divisão Capital-Trabalho no Século


XXI
Vimos como a relação capital / renda é dependente da taxa de poupança de
crescimento das nações. E estes índices são totalmente imprevisíveis e
influenciáveis por milhares de variáveis dependentes de fatores culturais,
econômicos, psicológicos, sociais e demográficos. Estes fatos no ajudam a
entender as grandes variações históricas e geográficas desta relação.

73 Da Razão Capital / Renda Para a Divisão Capital-Trabalho


Da primeira lei do capitalismo α = r * β podemos deduzir qual é a participação
do capital e do trabalho na renda nacional. Afinal, se temos β e r, obtemos α
que é a participação do capital. Com a participação do capital em mãos, basta
subtrair do total da renda nacional e obtemos a participação do trabalho.
Mas como deduzir r? r = % retorno do capital investido no ano.

Não é uma tarefa trivial. Afinal, o indicador r por si só é uma construção


abstrata. Dependendo da quantidade e do tipo de capital que se está
investindo pode-se ter rendimentos que variam de 8 a 0% ou mesmo a
percentuais negativos no caso de ambientes com inflação. O fator r que
usaremos sempre representará uma média anual.

74 Fluxos de Renda: Mais Difícil de Estimar do que o Capital


Nos séculos passados a renda advinha de forma mista isto é: rendimentos de
pessoas físicas fruto tanto do trabalho quanto do capital tinha um peso bem
maior sobre a renda doméstica nacional. Exemplos destes trabalhadores
“sem salário”: donos de pequenos estabelecimentos como bares, salões ou
profissionais liberais, fazendeiros, etc. Piketty justifica em não detalhar esta
faixa pois na atualidade esta renda representa menos que 2% da renda
doméstica nacional.

Mas, considerando que estes trabalhadores “sem salário” nos séculos


passados geravam renda superior a 30% da renda do país, é importante
analisar de forma crítica os gráficos relativos ao retorno do capital quando
olhamos para o passado.

75 A Noção do Retorno Puro do Capital


Os gráficos da página 202 mostram a evolução histórica do retorno do capital
na França e Inglaterra. Piketty traça curvas paralelas para mostrar o retorno
REAL do capital subtraindo (estimativa) o trabalho gasto pelo capitalista para
fazer com que seu capital tenha o devido retorno. Com isto, as curvas do

49
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

retorno puro, como ele se refere, ficam em torno de 2 pontos percentuais


abaixo da curva nominal (ou oficial) do retorno do capital.

76 A Participação do Capital na Renda numa Perspectiva Histórica


O retorno do capital nos séculos XVIII e XIX giravam em torno de 4 a 5% e no
século XX ficou em torno de 3 a 4%. Estes números seriam relativos ao
retorno líquido (ou retorno puro) do capital. Nos romances de Balzac tem-se
a impressão que o retorno é bem maior, mas analisando mais
detalhadamente percebe-se que existe um grande esforço dos investidores
para se chegar nos percentuais observados entre os personagens. Na
verdade, este esforço deve ser debitado no trabalho para alcançar tal
percentual.

Na atualidade existe uma tendência desses 3 a 4% de retorno atingirem


valores maiores dada às novas habilidades tecnológicas dos capitalistas com
a especulação.

77 O Retorno do Capital no Início do Século XXI


Mostra que o retorno do capital gira em torno de 3-4% lembrando que este
indicador se refere ao retorno líquido ou retorno puro. O motivo deste
indicador ser menor hoje do que nos séculos passados se deve aos impostos
e ao trabalho atual que hoje é bem mais significativo para se obter os
rendimentos (custos gerenciais e custos para se chegar às melhores opções
de investimento).

78 Ativos Reais e Nominais


Ao considerar o indicar de retorno do capital devemos ficar atentos aos
ativos nominais e ativos reais. Afinal, ativos nominais estão sujeitos aos
ataques inflacionários enquanto os ativos reais oscilam seus valores originais
com o mercado. Assim, o retorno do capital relativo ao ativo nominal deve
ser descontado os índices inflacionários no período do rendimento.

Sua conclusão final acerca da inflação e dos ganhos de capitais é que a


inflação tem uma influência maior na redistribuição de riqueza nas diversas
categorias que ela representa do que efeito real sobre a riqueza de forma
geral. Exemplo: a inflação teve papel fundamental para liquidar os débitos
públicos na sequência das duas grandes guerras mundiais. Mas as grandes
fortunas souberam se livrar dos ativos nominais migrando para os ativos
reais quando perceberam que o fenômeno da inflação seria de longa
duração.

50
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Enfim, Piketty quer deixar claro que o papel da inflação na distribuição ou
concentração da riqueza é bem limitado. No geral, ela apenas faz com que o
capital transite de uma representação monetária para uma outra.

79 O Capital é Usado Para Quê?


Quais as forças sociais que determinam o retorno do capital em um dado
período da história? Porque e como estas forças mudam no decorrer do
tempo? Saberemos prever como as taxas de retorno iram evoluir no século
XXI?

O que seria afinal o retorno do capital? De acordo com os conceitos


estabelecidos seria o percentual acrescido na produção de acordo com uma
dada unidade de capital investido. A isto, damos o nome de produtividade
marginal. Mas em um modelo mais complexo e mais exato, a participação do
capital oscila para mais ou para menos em relação à produtividade marginal
de acordo com as várias forças e partes envolvidas no processo. De qualquer
forma, as forças básicas envolvidas para determinação do retorno do capital
se referem à tecnologia e à abundância de capital disponível para
investimento (capital em excesso mata o retorno do capital).

Se o estoque de capital de uma sociedade qualquer não possui participação


alguma nos meios de produção logo, o retorno do capital nesta sociedade
fictícia seria zero. Nesta sociedade hipotética, toda produção e renda são
consequência única e direta do trabalho. Não significa que não exista
motivações ou interesses para que se acumule capital por outros motivos
(estoque para prever tempos difíceis, ostentação, status, etc.).

Historicamente sabemos que esta sociedade hipotética nunca existiu. O


Capital, além de prover moradia – melhor ainda, prover trabalho para que a
moradia possa existir – ele também contribuiu no processo de produção ao
possibilitar o uso de terra, maquinário, infraestrutura, etc.

Observem que no processo de produção existe implicitamente dois tipos de


trabalhos: o trabalho no tempo presente que executa as funções para gerar a
produção e o trabalho armazenado no tempo pretérito que permite que as
funções sejam executadas. Para se fazer as sandálias em nosso exemplo do país-
ilha fictício, não bastava trançar as fibras das folhas de palmeira para se fazer as
sandálias. Era fundamental o suporte metálico para que elas fossem trançadas.
E o suporte metálico não existe sem um trabalho anterior. E no futuro, para se
produzir mais sandálias, trabalhos presentes para fabricação de mais suportes
também são necessários. Por isto, o capital, com exceção dos bens naturais, não
passa de trabalho ocorrido no tempo passado se manifestando no presente caso

51
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

participe da produção ou simplesmente, capital estocado, caso fique à margem


da produção.

80 A Noção de Produtividade Marginal do Capital


A produtividade marginal do capital pode ser definida como sendo o valor
adicional da produção devido ao acréscimo de uma unidade de capital no
processo.

Voltando à ilha. Supondo que a produção de sandálias estava aquém da


capacidade real que os trabalhadores poderiam produzir. Existia a mão de obra,
mas faltava suportes metálicos para todos os trabalhadores. Supondo que um
suporte metálico custasse $SD 120,00 (pode-se ler 120,00 Sanreal = unidade
monetária da ilha) e que foram investidos $SD 1.200,00 de suportes. Com este
adicional de capital, a produção aumentou em 100 sandálias por ano dando um
acréscimo final de $SD60,00 na renda anual da ilha – logo, uma sandália custa
atualmente na ilha $SD 0,60 (há tempos atrás custava exatos $SD 1,00). Assim,
o retorno do capital na ilha equivaleria a 5%.

Este exemplo ilustra o que vem a ser a produtividade marginal do capital.

Mas é importante considerar que no mundo real, nem sempre o retorno real
corresponde à produtividade marginal. Bolhas, especulações, excesso de
capital ou a falta dele podem fazer com que o retorno oscile muita a menor
ou muito a maior. As questões que ficam são muitas: o capitalista merece
receber este adicional mesmo não participando diretamente da produção?
Quais as consequências para a sociedade se os capitalistas recebem bem
mais ou bem menos do que a produtividade marginal? Precisamos refletir
sobre estas questões de difícil respostas.

81 Capital em Excesso Mata o Retorno do Capital


Que o retorno do capital cai com excesso de capital é algo óbvio. A questão
é tentar entender o quão rápido cai o fator r a medida que cresce a
disponibilidade de capital. Dois casos são possíveis:

a) r cai numa velocidade maior que β (β = capital / renda ). Por


exemplo, r pode cair de 5% para 1.5% enquanto β apenas dobra seu
valor. Neste cenário, α = r * β que é a participação do capital na
renda, diminui enquanto β aumenta.
b) r cai numa velocidade menor que β aumenta então a participação
do capital α na renda aumenta enquanto β também aumenta. Neste
caso, a queda de r serve como um amortecedor para moderar o
aumento do capital.

52
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Os dois cenários são possíveis. O cenário b) se encaixa no comportamento do
capital e do retorno do capital desde os tempos da revolução industrial.

Importante destacar que ambos cenários são possíveis. Tudo depende das
tecnologias disponíveis à época e a combinação de tecnologia com trabalho.
Deve-se medir o quanto é fácil de substituir capital por trabalho ou trabalho
por capital para se produzir as demandas da sociedade.

82 Além de Cobb-Douglas: a Questão da Estabilidade da Divisão Capital-


Trabalho
Esta questão nunca foi consenso entre os economistas do século XX. Cobb e
Douglas propuseram em 1928 que a fórmula α = r * β é estável
independentemente se β é 3 ou 6 (Capital 3 ou 6 vezes maior que a renda
nacional anual). Esta estabilidade nos levaria também a uma estabilidade
entre a divisão Capital-Trabalho. Piketty questiona esta linha teórica que
inclusive, foi endossada por Keynes. A Hipótese de Cobb-Douglas pode
parecer verdadeira quando se compara com dados de somente um setor da
economia ou mesmo um período da história. Ela não é satisfatória quando
comparamos períodos maiores, ou mesmo num mesmo período,
comparamos um país com outro, ou quando fazemos uma análise de dados
em períodos de longo prazo.

Os economistas marxistas, por outro lado, tendem a afirmar que a divisão


Capital-Trabalho no sistema capitalista sempre será instável e o capital
tenderá sempre ao crescimento e os salários, no mínimo, ficam estagnados.
Mas as análises a longo prazo dos dados também não validam esta teoria
pois tivemos períodos (pós-guerra) onde os salários aumentaram e o capital
diminuiu.

Muitas pesquisas a partir de 1990 mostram um fluxo de riquezas migrando


do trabalho para o Capital colocando em cheque a lei universal da
estabilidade da divisão Capital-Trabalho.

Até mesmo o FMI reconheceu esta instabilidade sinalizando que a questão


da concentração do capital está sendo levada mais a sério neste século.

83 Substituição do Capital-Trabalho no Século XXI: Elasticidade Maior do que


1
Clareando o termo elasticidade. É um conceito usado pelos economistas que
reflete as possibilidades tecnológicas de uma sociedade. Se a elasticidade =
0 significa que incrementar mais capital ou trabalho humano ao processo de
produção não aumentará a produção.

53
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Por outro lado, se a elasticidade é infinita, sempre que se acrescentar capital


ao processo de produção, haverá incremento na quantidade total produzida.

Os dois extremos não seriam relevantes. Mas os dois intervalos: de 0 a 1 e >1


são distintos e merecem consideração.

Elasticidade de 0 a 1: significa que um aumento de β (capital / renda)


acarreta uma queda em r a tal ponto que nos leva a uma menor participação
do capital. Lembrando que α = r * β.

Elasticidade >1: significa que um aumento de β (capital / renda) acarreta


uma queda em r não o suficiente fazendo a participação do capital aumentar.

Assim, o primeiro intervalo representa uma sociedade de menores


habilidades tecnológicas para trocar trabalho por capital com ganho de
produtividade marginal do que a segunda.

Provavelmente, por um longo período a elasticidade da substituição Capital-


Trabalho ficou acima de 1(um). Isto significa como vimos anteriormente que,
apesar do retorno do capital ter decaído, o aumento de β também fez
aumentar a participação do capital na renda nacional. Provavelmente isto se
deve à capacidade do capital se envolver nos meios de produção via
tecnologia. A tendência para este século seja, talvez, um crescimento sempre
maior de β com redução do retorno do capital e aumento da participação do
capital na renda (α). E é importante destacar que não existe um mecanismo
de autocorreção para prevenir esta forte tendência de aumento de β com
uma também forte tendência de aumento de α.

84 Sociedades Agrícolas Tradicionais: Uma Elasticidade Menor que 1


Nas sociedades agrícolas tradicionais o capital era representado quase que
exclusivamente pela terra. Desta forma, a habilidade de substituição de
trabalho por capital era deficiente. Assim, mesmo com o capital
aumentando, o retorno do capital cai a tal ponto que a participação do capital
na renda final também decresce.

85 O Capital Humano é Ilusório?


Atualmente muitos acreditam que o que caracteriza o processo de
crescimento e desenvolvimento econômico é a crescente importância do
trabalho humano, suas habilidades e conhecimento. Mas Piketty, se
baseando em seus modelos teóricos e dados de longo prazo, considera que

54
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
a tecnologia se baseia principalmente em capital e mais importante do que
isto, na nossa atualidade, o capital assume diversas formas e maneiras de se
inserir nos meios de produção. Segundo ele, dado uma elasticidade > 1, a
participação do capital na renda mundial irá aumentar e sua importância
continuará avançando sobre o trabalho. Muitos da comunidade econômica
consideram que entramos na era do capital humano o qual está fazendo com
que o papel do capital desapareça lentamente. Não é bem assim. Pelo
contrário. A importância do capital está, na verdade aumentando, e esta é a
tendência deste século.

86 Mudanças de Médio Prazo na Divisão Capital-Trabalho


Um dos exemplos claros de que a hipótese de Coob-Douglas que diz que a
divisão Capital-Trabalho seria historicamente estável pode ser retirado da
época da revolução industrial onde a participação do capital pulou de 10%
para 35-40% no final do século XVIII início do século XIX e para 45-50% já nos
meados do século XIX quando Karl Marx escreveu “Manifesto do Partido
Comunista” e começou a trabalhar “O Capital”.

E da mesma forma, a participação do capital decaiu no período subsequente


de 1870-1900 e novamente veio a aumentar entre 1900 e 1910.

De acordo com os dados de Robert Allen, economista que detectou a


estagnação do trabalho, pode-se concluir que esta sobreposição do capital
sobre o trabalho nestes períodos tem causas no êxodo rural com grande
oferta de mão-de-obra nos centros urbanos e avanços tecnológicos que
permitiram ao Capital se moldar e se fundir de forma mais eficiente aos
processos de produção.

87 De Volta para Marx e a Queda do Lucro


Para Karl Marx, o capitalismo cava sua própria cova no princípio da
acumulação infinita. Evidentemente, este princípio leva a uma queda
constante do lucro (o retorno do capital). Marx não utiliza de modelos
matemáticos e seus textos muitas vezes não ajudam a clarear esta questão.
Uma forma consistente para interpretar e entender seu pensamento seria
considerar o crescimento da renda representado em g na dinâmica β = s / g
igual a zero ou perto de zero. Naquela época, crescimento da produção era
consequência direta do incremento do capital industrial. Não se cogitava a
ideia de aumento de produtividade.

55
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Numa realidade como a imaginada por Karl Marx onde a taxa de


produtividade e de crescimento populacional se aproximava de zero, a
acumulação infinita talvez fosse realmente a única conclusão ao alcance.

A maior falha da teoria de Karl Marx foi se basear em dados de apenas alguns
setores da economia Britânica não considerando os indicadores nacionais do
país. Ele usou dados que mostravam o enorme retorno r do capital (próximo
de 10!) a partir de balanços de poucas empresas de tecelagem para embasar
toda sua teoria que levou à conclusão paradoxal da acumulação infinita.

88 Além do Debate “Two Cambridges”


A batalha “Two Cambridges” trata dos debates que ocorreram nos meados
do século XX entre as universidades Cambridge da Inglaterra e Cambridge de
Massachusetts.

Em resumo o debate se deu em torno da afirmação dos economistas Ingleses


onde a fórmula β = s / g trazia termos constantes e eram naturalmente
balanceadas. Já os economistas americanos afirmavam que este
balanceamento não era natural e que sempre levaria a crises importantes e
destacavam que a intervenção na economia a curto prazo – teoria defendida
por Maynard Keynes – era algo que deveria ser considerado para tentar
equilibrar a equação.

O cerne da questão é a distribuição de renda. A linha Cambridge inglesa,


defendendo a estabilidade e natural equilíbrio das forças da relação β = s /
g, afirmava que o capital e o trabalho sempre estariam em perfeito equilíbrio.
Já a linha americana tinha a convicção de que a não intervenção na economia
faria com que as grandezas envolvidas se desequilibrariam levando a um
aumento das desigualdades.

89 A Volta do Capital a um Regime de Baixo Crescimento


Considerando a quantidade de dados que Piketty consegue juntar, ele afirma
que a taxa Capital / renda tenderá a ficar acima de 5 podendo chegar a 7. A
principal razão para isto é o baixo nível de crescimento atual não
ultrapassando 1.5%. Por outro lado, o retorno do Capital não deve decrescer
mais que o aumento da taxa capital/renda uma vez que a elasticidade deve
ficar acima de 1 dado a facilidade atual do capital ser aplicado nos meios de
produção. Com este cenário, as chances da participação do capital na renda
nacional podem chegar a 30-40%, um nível perto dos níveis alcançados nos
séculos XVIII e XIX podendo chegar a níveis ainda mais elevados.

56
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
90 Os Caprichos da Tecnologia
A principal lição que tiramos desta segunda parte do livro: não existe força
natural que reduz a importância e a opressão do capital sobre a renda. Após
a segunda guerra mundial as pessoas pensaram que o capital humano teria
triunfado sobre o próprio capital devido às novas tecnologias acompanhadas
das habilidades humanas para utilizá-las. As evoluções tecnológicas deram
mais poder à força de trabalho vinda do homem, mas, ao mesmo tempo,
aumentou a importância da infraestrutura, das máquinas, prédios,
escritórios e do próprio capital financeiro. O aumento do capital devido às
novas tecnologias foi proporcional ao aumento do valor do trabalho na
renda. Resumindo, o crescimento moderno, o qual é baseado no crescimento
da produtividade juntamente com a tecnologia vez com que se evitasse o
apocalipse previsto por Karl Marx da acumulação infinita e balanceou o
processo de acumulação. Todavia, todo este processo moderno não mudou
a estrutura do capital e sua importância frente ao trabalho. A desigualdade
gerada pela falta de controle do capital sobre o trabalho se mostrou evidente
e será o tema central da próxima parte a seguir.

57
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Parte 3 – A Estrutura da Desigualdade

Capítulo 7 – Desigualdade e Concentração:


Considerações Preliminares
Se na parte anterior discutimos sobre a evolução e a divisão capital/trabalho,
agora iremos tratar das desigualdades entre renda e capital em um nível mais
individual. Descobrimos que a recuperação do capital após a segunda grande
guerra foi, em grande parte, devido a um fenômeno que se repete: o baixo
crescimento econômico semelhante ao do século XIX.

Agora iremos analisar as desigualdades do século XX e mostrar como as


políticas sociais pós-guerra contribuíram para diminuir as desigualdades
sociais na segunda metade do século XX. E este processo, evidentemente,
diferente da teoria de Kuznets, não foi nada natural ou espontâneo (ver
sessão de número 3 sobre a teoria de Kuznets).

Antes de iniciar é bom destacar que a desigualdade pode ser decomposta em


três termos:

1. A desigualdade de renda vinda exclusivamente do próprio trabalho

58
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
2. A desigualdade de renda vinda dos rendimentos daqueles que se
apropriam do capital
3. E a interação entre os dois termos anteriores.

91 A Lição de Vautrin – Personagem de Balzac


Piketty usa os personagens Vautrin e Restignac de Honoré de Balzac para
ilustrar a questão da herança e do trabalho nos meados do século XIX – a
chamada “Belle Époque”.

Vautrin mostra para Restignac que não adiantaria ele estudar direito ou
medicina para tentar chegar ao topo das classes sociais que frequentavam as
noites de Paris. Ele iria se matar de estudar e trabalhar para receber valores
bem aquém dos rentistas da época. Ele, de forma bem nua e crua, mostra o
atalho infalível: casar com filha de um homem rico. Assim, Piketty inicia sua
discussão sobre renda vinda do trabalho e vinda da herança.

92 A Pergunta Chave: Trabalho ou Herança?


Nas últimas décadas do século XX o trabalho se valorizou mais e tentar galgar
as classes sociais mais abastadas via herança passou a ser considerado uma
atitude imoral e com menos chances de sucesso do que tentar pela via dos
estudos e do trabalho. Mas até que ponto se deu esta transformação e o que
exatamente ocorreu e ainda, existe a chance desta maior valorização no
trabalho se inverter novamente?

93 Desigualdades em Relação ao Capital e Trabalho


Para se analisar a desigualdade em uma dada sociedade é preciso distinguir
desigualdade originada do trabalho e a desigualdade originada do capital.
Podemos ter uma sociedade onde a desigualdade presente na renda via
capital é maior que a desigualdade vinda da renda no trabalho e vice-versa.
Muitos economistas esquecem de fazer este tipo de análise que é
fundamental. Até mesmo alguns indicadores como o GINI mistura os dois
conceitos tornando quase impossível distinguir claramente as múltiplas
dimensões das desigualdades em cada país. Nas próximas sessões Piketty
tentará distinguir os dois tipos de desigualdade com mais precisão.

94 Capital: Sempre Mais Desigualmente Distribuído do que o Trabalho


Este fenômeno ocorre em todos os países e em todos os períodos da história
onde temos dados disponíveis. Logo, podemos dizer com certeza que a
desigualdade relativa ao capital e ganhos de renda vindos do capital são bem
maiores que a desigualdade que encontramos nos rendimentos do trabalho
desde o século XVIII.

59
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Em geral, 10% dos cidadãos com os maiores salários recebem de 25 a 30% do


total da renda vinda do trabalho enquanto os top 10% da distribuição da
renda vinda do capital se apropriam de 50% do total (e em algumas
sociedades pode chegar até a 90%). Além disto, os 50% na parte de baixo dos
rendimentos do trabalho recebem no total o equivalente aos 10% do topo.
Já os 50% na parte de baixo do capital recebem geralmente menos de 5% do
montante dos top 10% mais ricos.

Esta característica de concentração maior no âmbito do capital do que no


âmbito do trabalho não se deve à tendência de as pessoas acumularem
capital durante a vida para garantir uma aposentadoria mesmo porque, os
mais velhos em geral são mais ricos que os mais novos. A explicação desta
desigualdade mais acentuada pode ser encontrada na dinâmica das
heranças. Por exemplo, um cidadão que tenha recebido de herança um
apartamento terá mais condições de acumular riquezas do que o cidadão que
tem que pagar aluguel durante toda sua vida.

95 Desigualdades e Concentração: Algumas Ordens de Grandeza


Piketty mostra alguns dados da Europa, Escandinávia e EUA relativos aos top
centiles, deciles e os 50% mais pobres relativos ao total que cada faixa se
apropria dos totais de rendas ou capital. Mostra que os países da
Escandinávia são mais igualitários, mas estão também muito longe do ideal.
Em relação ao capital somente, até a Escandinávia se encontra em posição
de muita desigualdade. Esta sessão serve para o leitor se acostumar com o
conceito de top centile e top decile.

Topo centile: são os 1% mais ricos - Top decile: são os 10% mais ricos

96 Classes Baixa, Média e Alta


Piketty, para tornar suas ideias mais claras define a classe A como sendo o
top decile, a classe B os 40% abaixo dos 10% e a Classe C os 50% restantes
mais pobres. Isto irá facilitar no decorrer do livro.

É muito comum se deparar com conceitos onde quase 99% dos top decile (os
10% mais ricos) são jogados na classe média. Muitas vezes esta manipulação
está relacionada com a tentativa de mostrar que este grupo não é
privilegiado e que a pouca participação nas taxas de impostos se justifica
(Bezerra da Silva: “malandro é malandro mané é mané...”).

Os conceitos de classe alta, média e baixa variam de sociedade para


sociedade e de tempos em tempos. Piketty não entra neste mérito e faz uma

60
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
divisão bem estatística (10%, 40% e 50%) sem desmerecer os conceitos de
níveis de classes em cada cultura.

97 Luta de Classes ou Luta do 1%?


As desigualdades de renda entre as classes sociais são consideráveis e se
aproximam dos índices do final do século XIX. No entanto, percebe-se que a
desigualdade no top da cadeia – os deciles – é ainda maior. As diferenças de
renda entre os centiles (1% mais ricos) em comparação aos demais 9%
trazem números impressionantes.

Piketty quer deixar bem claro sua opção impessoal de dividir a sociedade nos
10%, 40% e 50%. Seria a forma mais imparcial de tratar a desigualdade. Se
não fosse assim, uma divisão quase que matemática, o autor teria que se
subordinar a visões preconceituosas ou culturais de cada país e assim, suas
análises se perderiam. Destaca que dentro dos 10% mais ricos sempre
existiram a classe dominante representada pelos 1% dos 10% mais ricos.
Desde os tempos de 1789 que os top centiles já dominavam a sociedade e
tinham um controle efetivo de todo o destino de um povo.

Não basta apenas fazer a divisão de escala de salários de 1 a 100, por


exemplo. É preciso quantificar o número de pessoas em cada escala salarial.
Só assim poderemos fazer um estudo que demonstre o grau de desigualdade
de uma dada sociedade. Finalmente, é importante destacar que a
distribuição de renda e riquezas nas três classes será feita nesta parte do livro
sem considerar a intervenção dos impostos. Para cada país, podemos ter
uma política de distribuição mais igualitária ou mais concentradora. Por
enquanto nos preocuparemos somente com o estágio antes das ações dos
impostos.

98 Desigualdades Relacionadas ao Trabalho: Desigualdade Moderada?


É certo que a desigualdade vinda do capital é bem maior que a desigualdade
da renda do trabalho. Mas não se pode negligenciar esta questão: além de
ser também acentuada a desigualdade no trabalho, a renda do trabalho
corresponde a mais de dois terços ou três quartos da renda nacional.
Observa-se diferenças de desigualdades de renda no trabalho entre os países
bem mais discrepantes do que a diferença de renda do capital. As políticas
públicas têm uma influência bem maior para mitigar estas desigualdades
quando se trata da renda no trabalho do que da renda do capital.

61
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Os países menos desiguais ainda são os escandinavos seguido dos europeus.


Os EUA é um exemplo de país onde a desigualdade salarial é considerada
uma das mais severas.

Nos 50% com salários mais baixos em todo o mundo, as mulheres têm uma
representação acima do normal. Somente nos países do norte da Europa que
elas conseguem diminuir esta discrepância.

Estas desigualdades sociais trazem a consequência de domínios de uma


classe sobre a outra e sempre são causas de conflitos sociais importantes.
Portanto, é importante entender as forças políticas, econômicas e sociais que
determinam estas diferenças econômicas entre classes em diferentes
sociedades.

99 Desigualdades Relacionadas ao Capital: Desigualdade Extrema


Em relação ao capital, as desigualdades são mais impressionantes. Em quase
todas as sociedades a metade mais pobre praticamente não possui nada.
Invariavelmente os 50% mais pobres possuem menos que 10% de toda a
riqueza em qualquer sociedade. Nos EUA estes números chegam a 2%!

Curioso observar que a desigualdade de capital na Escandinávia é mais


desigual que a desigualdade salarial nos EUA.

Os imóveis correspondem a 50% do total da riqueza do grupo dos 10% mais


ricos. Mas quando subimos na hierarquia, descobrimos que os imóveis
correspondem, no máximo, a 10% de suas riquezas. Os ativos financeiros
para os milionários correspondem praticamente com 90% de suas riquezas.

100 A Grande Inovação: A Classe Média Patrimonial


A grande mudança na estrutura da distribuição da riqueza no século XX entre
os países ricos foi sem sombra de dúvida, o aumento considerável dos bens
patrimoniais da classe média.

É verdade que a desigualdade de 1900-1910 persiste. Da mesma forma que


os 50% mais pobres daquela época possuíam em torno de 5% das riquezas,
hoje nos EUA estes índices são parecidos. Mas se antigamente não existia
uma classe entre os ricos e os pobres, hoje esta camada é significante e
possui cerca de um quarto a um terço de toda riqueza dos países ricos. Esta
é a classe dos 40% ou classe média. Como nada vem do nada, esta riqueza
migrou de parte da classe dos 10% sem tirar nenhum tostão dos 1% mais
ricos, mas sim, dos restantes 9% mais ricos. E a curva para sair dos 9% para

62
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
os 1% é a curva mais acentuada que existe nas curvas das desigualdades. E
um dos objetivos principais deste trabalho é tentar não só entender essas
desigualdades como também tentar entender como elas emergem,
subsistem, desaparecem ou mesmo, reaparecem.

101 Desigualdade da Renda total: Dois Mundos


Renda Total: soma das rendas vinda do trabalho + renda do capital. Como a
renda do trabalho corresponde a 70% da renda total logo, a desigualdade
considerando a renda total tende a ser mais parecida com a desigualdade de
renda do trabalho.

Analisando dados históricos é possível perceber um limiar de desigualdades


em que se consegue um equilíbrio (ou uma pax romana) entre as classes.
Este limiar gira em torno de 50% de posses de riquezas pelos 10% mais ricos.
Acima disto, a sociedade passa a viver riscos iminentes de revoltas e
revoluções. Logicamente que a história não se pode confundir com
matemática. Muitas estratégias podem tornar mais flexíveis este limiar como
o monopólio da informação nas mais dos 10%, por exemplo.

Observa-se que nos EUA, se a curva de desigualdade continuar no ritmo


desde o início deste século, este limite já terá sido ultrapassado em 2030.

A presente desigualdade da renda total atual está sendo justificada com o


argumento da meritocracia: os super-salários sendo justificados pela
competência de alguns e os salários irrisório pela incompetência de outros
por não aproveitar as oportunidades.

Piketty chama a atenção para a possibilidade de se combinar as


desigualdades vindas da renda do trabalho e do capital fazendo com que no
futuro, as desigualdades venham a se tornar ainda mais graves (ver pag. 265
versão em Inglês). A sombra do limiar dos 10% mais ricos com 50% de toda a
riqueza e suas consequências podem ser ameaças reais e assustadoras a
encobrir nosso mundo ainda antes de 2030.

102 O Problema dos Índices Sintéticos


Antes de examinar a estrutura e evolução da desigualdade país por país, é
importante discutir a questão dos índices que medem esta grandeza. O índice
mais comum que tenta medir esta grandeza é o índice de GINI – homenagem
ao estatístico Corrado Gini (1884-1965). Por definição, o índice varia de 0 a
1. Zero significa um país totalmente igual e 1 significa uma sociedade
totalmente desigual. Na prática, este índice varia de 0.2 a 0.4 quando se

63
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

refere ao salário e de 0.6 a 0.9 quando se refere exclusivamente ao capital.


Com relação à renda total a variação de GINI fica em torno de 0.3.a 0.5.

Grandezas sociais entre elas e principalmente as grandezas relacionadas com


a desigualdade não são unidimensionais nem lineares com o índice de GINI.
Este é o principal problema destes índices. Um número isolado,
independentemente de todo trabalho estatístico por trás não consegue
traduzir toda estrutura de desigualdade de uma nação. Além disto, estes
índices confundem desigualdade do trabalho com desigualdade do capital
mesmo sabendo que são dois tipos de desigualdades bem distintas e que
devem ser tratadas separadamente pois a mitigação de cada tipo exigem
políticas sociais também completamente diferentes.

Por estes motivos, Piketty opta em demonstrar as desigualdades


distinguindo os tipos de desigualdades (trabalho, capital e misto) e
estratificando em centiles, deciles, 40% e 50%.

103 O Véu Casto das Publicações Oficiais


A OCDE oferece indicadores que camuflam a verdadeira realidade da
desigualdade das nações. Usam o índice P90/P10 que corresponde ao valor
salarial para se entrar no top 10 centile dividido pelo valor para se entrar nos
90% mais pobres. Estes tipos de índice acabam encobrindo de forma
deliberada como se dá a distribuição de renda dentro dos mais miseráveis e
a impressionante diferença de renda entre os 10% em comparação com os
1% e os 90%. Fazer a divisão usando valores fixos como os dados oficiais de
propósito tem como objetivo camuflar a desigualdade. Por isso, Piketty usa
percentuais sobre a renda total, do trabalho ou do capital para fazer a divisão
dos 10% (1% + 9%), 40% e dos 50%.

104 De Volta às “Tabelas Sociais” e à Aritmética Política


Atualmente as contas nacionais permitem medir a renda nacional e a riqueza
a todo ano. Considerando que se tem também dados de toda a população,
fica fácil um cruzamento e analisá-los usando o método de decile e centile
(1,10%, 40% e 50%) trazendo assim, mais luz para a estrutura da
desigualdade atual.
Com este método não ficamos restritos em saber se uma nação cresceu o PIB
em 1% ou 5%. Temos a chance se saber qual o percentual deste crescimento
foi transferido para uma destas 3 ou 4 faixas estipuladas por Piketty.
Bom destacar que a tabela proposta por Piketty não é original. Este método
era usado ainda no século XVII e XVIII no iluminismo. Eram chamadas de
“Tabelas Sociais” e podem ser encontradas na Enciclopédia no artigo

64
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
“Aritmética Política” de Diderot. Estes tipos de abordagem dissecam a
realidade da desigualdade de uma sociedade. Formas bem menos parciais do
que os índices unidimensionais e secos inspirados em GINI ou Pareto.

Capítulo 8 – Dois Mundos


Este capítulo tratará da evolução e história das desigualdades de renda e
capital desde o início do século XIX. O choque provocado com as grandes
guerras, a compressão da desigualdade nos períodos dourados de 1950-1980
e a concentração de riqueza que veio a seguir. Estes fatores não foram em
hipótese alguma causados por fenômenos naturais. As políticas públicas e
sociais tiveram um papel importante nas mudanças estruturais da
desigualdade.

105 Um Caso Simples: A Redução da Desigualdade na França no


Século XX
Desde os tempos da Belle Époque que a desigualdade na França vem caindo.
No início do século XX, antes da primeira guerra mundial, o top decile (10%
mais ricos) detinham de 45 a 50% de toda riqueza da França caindo para 35
a 40% atualmente. Esta queda da distribuição se deve somente ao capital.
No caso dos salários, apesar de novas habilidades, sociedade do
conhecimento, etc, os números permaneceram praticamente constantes. O
colapso do top centile foi devido à queda de renda vinda dos ganhos
financeiros. Nada a ver com compressão das desigualdades como um
processo natural previsto pela visão otimista de Kuznets.

106 A História da Desigualdade: Uma História Política Caótica


Estudar a história da desigualdade de um país é na verdade uma maneira rica
de estudar toda a sua história. Os movimentos sociais, as guerras civis,
conflitos, etc, são de certa forma reflexos dos caminhos turbulentos das
variações das desigualdades entre as classes socioeconômicas: a luta entre
os deciles, percentiles, 40 e 50% mais pobres determinam a roda da história.

A história da desigualdade na França é quase um retrato de toda a Europa –


com exceção da Inglaterra cuja realidade é mais semelhante à dos EUA. O
choque que o capital tomou, ou o tombo, teve início com a primeira guerra
mundial, agravou-se com a depressão de 1930 e atingiu seu nadir no final da
segunda guerra mundial. Após isto, o capital não conseguiu mais se recuperar
ao ponto de chegar nos níveis da Belle Époque.

65
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

As duas principais razões da queda do capital no período das guerras:


destruição de ativos e política de taxação do capital.

107 De Uma “Sociedade de Rentistas” Para Uma “Sociedade de Gerentes”


O grupo dos top 10% continuam com características semelhantes desde o
início da primeira guerra. Mas temos uma diferença importante hoje: antes,
a renda do capital somente sobrepõe a renda do trabalho quando entramos
na faixa dos 0.1% mais ricos. Em 1932 esta faixa era 5 vezes maior.

Esta mudança é importante: antes tínhamos os rentistas que viviam no top


1% e tinham suas rendas garantidas somente com rendimento do capital.
Isto é: nem trabalhavam. Hoje, boa parte dos top 1% são compostos de
gestores de empresas onde a origem da renda vem predominantemente do
trabalho. Se o valor pago é proporcional ou não à sua produtividade, é outra
questão.

Mas o que fez com que os rentistas não voltassem com toda força como no
alvorecer da primeira guerra mundial? Os impostos sobre o capital e a
herança com certeza, é uma das razões. Mas não é somente isto. A questão
é mais complexa. Outros fatores que exercera papeis semelhantes aos
impostos devem ser considerados.

108 O Mundo Diferente dos 10% Mais Ricos


A sessão presente apenas reforça a anterior e mostra detalhes da diferença
existente entre os 10% mais ricos. Destaca que na atualidade, para se
alcançar o top 1%, o restante dos 9% precisam lançar mão de rendimentos
fora do trabalho e buscar renda a partir do capital. As mudanças estruturais
básicas nesta faixa comparando com o alvorecer da primeira guerra mundial:

- A faixa de rentistas era 5 vezes maior que hoje

- Os tipos de profissionais da faixa dos 9% mais ricos (que antes eram 5,6%
mais ricos) mudaram significativamente. Hoje as profissões são um pouco
mais diversificadas e mais especializadas que antes para se atingir o top 10%.

Afora as mudanças de perfil das profissões de forma geral, as faixas dos 40 e


50% pouco se alteraram durante 100 anos.

109 Os Limites do Imposto de Renda


A análise das desigualdades baseadas nas declarações de imposto de renda
traz o problema da evasão fiscal que é invisível aos dados da receita. Assim,
sempre que nos debruçamos em dados oficiais de IR temos que levar em

66
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
conta que boa parte da renda vinda do capital não foi declarada. O mesmo
não se pode dizer em relação à renda vinda do trabalho pois esta fonte é
mais difícil de sonegação. Para tornar os indicadores destas fontes mais reais
é necessário acrescentar em torno de 2% a 3% (no caso da França. No Brasil,
acredito que estes percentuais sejam um pouco maiores ) nas rendas de capital
para não camuflarmos a verdadeira estrutura da desigualdade.

Rendimentos, juros e dividendos são tratados de forma bem parecidas nos


países ricos. Mas o ganho de capital é uma exceção. Nos EUA, por exemplo,
a taxação sobre ganho de capital é feita de forma bem mais controlada do
que na França.

Outra limitação de dados de declaração de imposto de renda diz respeito à


origem do capital fruto da renda adquirida. Este capital é fruto de ganho
próprio ou de herança? Esta questão camufla a importância da herança na
estrutura da desigualdade.

Por estes motivos, as fontes de dados vindas da receita federal são analisadas
neste livro, mas sempre acompanhadas de outras fontes para correção e
complementação.

110 O Caos dos Anos de Entre Guerras


A “dança” da participação dos top 10 na renda nacional das grandes nações
mostra quão turbulento foi o período entre guerras. A partir de 1914, tanto
os top decile quanto os top centiles começaram a sentir a queda. Mas no
crash da bolsa de Nova York houve uma inversão das curvas: os top decile se
recuperaram até 1935 enquanto os top centiles sentiram mais ainda a queda.
A explicação pode ser encontrada quando se analisa os dados mais
detalhadamente. O top centile acumulava seus rendimentos em sua maioria
com ações e lucros de empresas as quais, neste período, se encontravam em
situação deplorável. Já os top deciles, em sua maioria, eram os funcionários
do alto escalão que não sentiram tanto a onda de desemprego na época que
atingiu basicamente as faixas abaixo.

111 O Choque das Temporalidades


Piketty sempre prioriza as análises de longo prazo de 40, 50 ou mais anos.
Mas não despreza as mudanças estruturais da variação e distribuição da
renda de médio e curto prazo pois estas pequenas mudanças, às vezes, para
o tempo de vida de um ser humano é quase que toda a sua vida. A história
da desigualdade da França e outros países é repleta desses períodos curtos
que se distinguem das tendências de longo prazo e devem ser analisados com

67
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

cuidado. Um exemplo clássico é o comportamento dos salários nos períodos


de guerra. Geralmente nestes períodos a inflação é alta e os salários mais
baixos são mais protegidos pela inflação do que os salários dos top 10. Além
disto, a falta de mão de obra desqualificada também acaba ajudando a
valorizar os salários dos 40 e 50% mais pobres.

Outro exemplo foi o período curto entre 1945 e 1967. Tempos de


crescimentos vertiginosos dado às perdas da guerra e a necessidade das
nações de se recuperarem. Neste período ninguém deu prioridade à
mitigação das desigualdades mesmo porque, elas tinham se suavizado
durante a guerra. A partir de 1967 até 1983 um período inverso se sucedeu:
os salários deram uma recuperada aumentando a compressão dos salários.
E novamente, a partir da década de 90, o capital e a renda do trabalho dos
top 10 voltam a se recuperar.

Observa-se assim, 3 períodos curtos de 1945 até 2010 de descidas e subidas


da desigualdade. Numa análise de longo prazo – 1945 até 2010 – como um
todo, podemos afirmar que tivemos um período estável. Mas olhando com
uma lupa, percebe-se a turbulência do período.

112 O Aumento da Desigualdade na França a Partir de 1980


O que causou o aumento da desigualdade de renda na França a partir de
1980 foi um fenômeno que já ocorria nos EUA: aumento significativo dos
salários dos trabalhadores da faixa top centile (os 1% mais ricos).

Mas, por ser um processo totalmente novo na França, precisamos de analisar


este fenômeno em uma perspectiva internacional.

113 Um Caso Mais Complexo: a Transformação da Desigualdade nos


EUA
Os EUA se destacam entre todos os países como sendo o primeiro país a criar
a classe dos “supergestores”. As figuras 8.5 e 8.6 mostram a evolução dos
top decile nos EUA (comprimido e estratificado). Mas esta evolução se deu
graças ao incremento dos salários dos 1% mais ricos e não dos 9% restantes
como mostra a figura 8.6.

68
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

A evolução das rendas entre os EUA e a França é bem parecida. Destaca-se,


entretanto, que os EUA na virada do século XX era um país mais igualitário e
hoje as coisas se inverteram: a desigualdade nos EUA é bem maior que em
todos países da Europa ocidental e não só na França.

O que torna o caso dos EUA mais complexo é que diferente da Europa que
apenas recuperou os índices de desigualdade do início do século XX, eles
voltaram com uma desigualdade bem maior que tinham nesta mesma época.

69
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Com os efeitos da guerra, a sociedade dos rentistas na Europa sofreram um


impacto significativo. Já os EUA, por estar longe do palco da guerra, não teve
este impacto distributivo como tiveram os países europeus. Uma das razões
da desigualdade nos EUA ter partido de uma posição inferior no início do
século XX para uma posição de destaque atualmente.

114 A Explosão da Desigualdade nos EUA após 1980


Os tempos dourados dos EUA onde a desigualdade chegou no seu ponto mais
baixo se deu entre 1950 e 1980, pelo menos para os brancos. Paul Krugman
nostalgicamente se refere a este período como “A América que amamos”.
Espantosamente a partir de 1980 a desigualdade explodiu e a curva
ascendente até 2010 continua firme. A continuar no mesmo ritmo, em 2020
os 10% mais ricos (top decile) estará abocanhando 60% de toda renda
nacional da América. E ainda temos que destacar que o gráfico da figura 8.5
se baseia em declarações de impostos de renda. Logo, valores não
declarados e paraísos fiscais, se possível fosse demonstrá-los no gráfico,
teríamos um cenário ainda mais desigual. Logo, a desigualdade que hoje está
em níveis da Belle Époque pode estar a níveis ainda mais assustadores.

As bolhas de 2000-2001 e 2007-2008 não foram suficientes para suavizar a


onda de desigualdades. Mesmo com os ganhos de capitais despencando, à
médio prazo, a desigualdade nos EUA continuou aumentando.

De acordo com a figura 8.6 nota-se que o grosso da desigualdade está


representado no grupo dos 1% mais ricos e não nos demais 9%.

E entre esses 10% dos mais ricos estão boa parte dos economistas que
afirmam que a economia dos Estados Unidos da América vai muito bem,
obrigado. Sem comentários.

115 O Aumento da Desigualdade Causou a Crise Financeira?


As crises de 2001 e 2008 não causaram fortes impactos na estrutura da
desigualdade nos EUA. Mas, e o contrário: será que o acentuado aumento
das desigualdades pode ter causado ou ajudado a explodir a crise de 2008,
por exemplo? Afinal, os picos de desigualdades dos EUA ocorreram
exatamente nos anos de suas piores crises: crash de 1929 e a crise de 2008.
Portanto, este questionamento não pode ser evitado. Do ponto de vista de
Piketty isto é bem claro. O aumento da desigualdade traz diminuição do
poder de compra. Com a diminuição do poder de compra dos 40 e dos 50%
mais pobres, a dívida bancária aumenta e a inadimplência força a crise
financeira

70
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Nota-se ainda que a transferência de renda dos 90% mais pobres para os 10%
mais ricos no período de 1980 até 2010 foi de aproximadamente 15% - 4
vezes maior que o próprio déficit comercial dos EUA. Isto significa que o
desequilíbrio entre EUA e os países com superávit comercial é bem menos
significativo do que o desequilíbrio que a própria economia americana gerou
internamente.

Os economistas que moram nos 10% tentam encontrar culpados fora usando o
desequilíbrio das balanças comerciais enquanto o problema está bem mais perto
deles. Está entre os seus salários e os salários dos porteiros de seus prédios ou do
salário do garçom que os servem diariamente ou do salário de sua própria
secretária que agenda suas palestras sobre crise econômica.

116 A Ascensão dos Super Salários


Durante a segunda guerra mundial os salários se comprimiram fazendo com
que a média salarial se aproximasse mais dos 10% mais rico. Este cenário
permaneceu inalterado até o final da década de 50. Foi nos meados da
década de 70 que os salários dos 10% mais ricos começaram a ter uma
participação bem maior no total da renda nacional vinda do trabalho.

Alguns alegam que a questão da desigualdade salarial não é tão relevante,


pois durante a carreira de um trabalhador a recuperação seria natural
bastando se valer da regra da meritocracia. Esta é uma falácia que ainda é
usada por muitos economistas e conservadores a qual não se sustenta com
os dados vindos das declarações de impostos.

A figura 8.7 a seguir ilustra as fases de compressão e descompressão salarial


nos EUA desde 1910 usando a participação salarial dos 10% mais ricos sobre
a renda.

71
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

117 Coabitação nos 1% Mais Ricos


Apesar da evolução extraordinária dos salários dos “supergestores”, o ganho
de renda vindo do capital continua a prevalecer entre os 1% mais ricos. Em
resumo, a população de indivíduos desta faixa em que o rendimento via
trabalho prevalece aumentou na faixa de baixo crescendo até o patamar de
0.1%. Mas mesmo assim, os poucos que restaram nos 0.1% detêm 70% de
toda renda desta faixa.

Os dois quadros abaixo mostram uma evolução deste comportamento em


dois pontos de alta concentração de renda: no alvorecer do crash da bolsa
de Nova York e no alvorecer da crise de 2008.

72
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 9 – Desigualdade na Renda do Trabalho


Neste capítulo será estudado a dinâmica da desigualdade do trabalho em
outros países desenvolvidos além dos EUA e França. O que causou a explosão
dos supergestores? Por que da diversidade da evolução histórica da estrutura
da desigualdade entre os países desenvolvidos?

73
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

118 Desigualdade Salarial: Uma Corrida Entre Educação e


Tecnologia?
A teoria mais aceita para explicar o porquê de as desigualdades salariais
serem tão díspares entre os países é a corrida entre a educação e a
tecnologia. Mas ela não explica tudo. Muito menos, o nascimento dos
supergestores ou a explosão das desigualdades salariais nos EUA a partir da
década de 80. De qualquer forma, deixa uma pista para entendermos a
evolução histórica da questão.

A teoria se baseia em duas hipóteses:

a) O salário do trabalhador está baseado na sua produtividade


marginal, isto é, o quanto sua força de trabalho contribui para a
produção final da organização na qual ele trabalha.
b) A produtividade marginal do trabalhador está diretamente
relacionada com suas habilidades e com a capacidade da sociedade
em suprir e demandar estas habilidades.

Por exemplo, se em uma sociedade temos poucos tradutores (fornecimento


é baixo) mas temos muitos livros para traduzir, o mais provável é que a
combinação de baixo fornecimento e alta demanda resultará um salário alto
para os poucos tradutores.

A produtividade marginal é uma hipótese um pouco fraca. A força social e


organizacional de um grupo é mais determinante na sua valorização social do
que sua produtividade marginal mesmo porque, esta última grandeza além
de ser difícil de ser determinada é muitas vezes subjetiva. Já a segunda
hipótese destaca duas grandezas econômicas e sociais de papel fundamental
na questão da desigualdade salarial: a oferta e demanda das habilidades dos
trabalhadores. No mínimo, estas duas últimas grandezas têm uma influência
crucial nos diferentes grupos sociais. Se a sociedade oferece muita tecnologia
no mercado, mas não consegue treinar no mesmo ritmo seus cidadãos para
utilizar estas tecnologias, esses trabalhadores permanecerão em estágios
menos especializados e a desigualdade salarial tende a aumentar. O
contrário já traria uma maior compressão salarial.

Piketty cita dois estudos, um feito na França ou nos EUA que comprova a
segunda hipótese e conclui: para diminuir as diferenças salariais, o estado
precisa de investir de forma eficaz na educação.

74
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
119 Os Limites do Modelo Teórico: O Papel das Instituições
O modelo teórico referido é o modelo da produtividade marginal que por sua
vez leva a especialização do trabalhador que levará à questão da tecnologia
e educação. Piketty mostra com exemplos de capítulos anteriores que a
compressão e expansão salarial frequentes ocorridas nos EUA e França não
têm relação com a produtividade marginal e mostra como a evolução do
salário mínimo tanto na Europa quanto nos EUA têm uma influência muito
maior no poder de compra dos salários e na estrutura da desigualdade
salarial do que a teoria da produtividade marginal. O gráfico a seguir mostra
a evolução do salário mínimo na Europa e EUA.

120 Escalas Salariais e o Salário Mínimo


Piketty faz uma análise sobre o salário mínimo e sua capacidade de diminuir
as diferenças salariais. EUA e França foram um dos primeiros países a
implantar a política de salário mínimo. A Inglaterra implantou somente em
1999 e a Alemanha usa os acordos bilaterais para cada ramo industrial – o
salário mínimo parece que foi implantado entre 2013 e 2014. Apesar do
salário mínimo ser um fator para evitar muitas desigualdades salariais, a
melhor maneira para que o trabalhador melhore o poder de compra do seu
trabalho ainda é o investimento público em educação de forma que o
conhecimento não fique aquém do desenvolvimento tecnológico
disponibilizado no mercado.

75
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

121 Como Explicar a Explosão da Desigualdade nos EUA?


O modelo teórico da produtividade marginal não explicaria o fenômeno dos
altos salários nos EUA a partir de 1980. Muitos economistas se curvam à esta
teoria da especialização e avanços tecnológicos que teria criado uma minoria
de gênios gestores que justificariam seus altos salários a partir da
produtividade marginal que estas habilidades teoricamente ofereceriam às
empresas. Mas estes argumentos são fracos e não convencem.

A variação dos salários na faixa dos 1% e até dos 0.1% dos mais ricos mostra
uma curva bem mais acentuada do que os salários dos demais 9% mais ricos.
Ao mesmo tempo ao se construir um perfil de habilidades desses dois grupos,
percebe-se que eles são, senão idênticos, muitos semelhantes. Logo, apesar
das habilidades serem iguais e, portanto, a produtividade marginal
semelhante, os salários das duas faixas tiveram variações bem diferentes
com o grupo dos 1% mais ricos se tornando ainda mais ricos e distantes dos
9% - o que dirá dos 40 e 50% mais pobres.

Logo, a teoria da produtividade marginal a qual está diretamente relacionada


com a meritocracia não explica esta explosão dos super salários. Este
fenômeno será melhor discutido a seguir.

122 A Ascensão do Supergestor: Um fenômeno Anglo-Saxão


A explosão de altos salários ter ocorrido em alguns países e não ter ocorrido
em outros é também um forte indicador de que a teoria da produtividade
marginal não explica o fenômeno do supergestor. Coincidência ou não, este
fenômeno ocorreu nos países de língua inglesa: EUA, Inglaterra, Austrália e
Canadá. A curva de participação na renda dos 10% mais ricos desses países
são bem semelhantes como mostra a figura 9.2 a seguir.

A explicação para a curva se tornar ascendente a partir de 1980 é clara:


ascensão meteórica dos salários dos supergestores.

Por outro lado, as curvas da Alemanha, Japão, Suécia e França não mostram
esta ascensão dos salários dos 10% mais ricos. A figura 9.3 sugere, pelo
contrário, uma estabilização desde a década de 50 com uma ligeira queda e
recuperação a partir dos anos 80.

76
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Os demais países da Europa possuem curvas semelhantes às curvas dos


países não saxões. Mas não podemos nos deixar enganar: apesar da curva
dos demais países não mostrar uma ascensão tão incrível como a dos países
de língua inglesa, percebemos que a participação dos 0.1% dos mais ricos
avançou de forma extraordinária em todos os países ricos praticamente
dobrando em todos eles de 1980 a 2010. Exceção para os EUA em que a
participação aumentou de 5 a 7 vezes.

Por tudo isto dito, temos que a evolução da desigualdade salarial mostrou
ser distinta em diferentes partes do mundo mostrando que a teoria da
produtividade marginal e a evolução tecnológica juntamente com a
educação que acompanha esta teoria por ser homogênea em todos os países
analisados, não são suficientes para explicar estas desigualdades.

77
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

123 Europa: Mais Desigual do que o “Novo Mundo” em 1900-1910


Diferente do que muitos pensam, a desigualdade na Europa no início do
século passado era bem mais acentuada do que nos EUA. A característica
americana como o país das oportunidades, prosperidade e igualdade se
esvaía, mas ainda se refletia no alvorecer da primeira guerra mundial.

Para explicar a concentração excessiva de renda na Europa, incluindo os


países escandinavos e o Japão, temos que analisar a questão da
concentração do capital nestes países na época. Porque o capital era tão
concentrado na Europa e Japão?

A resposta para esta questão está relacionada diretamente com a baixa taxa
de crescimento populacional destas regiões o que resulta automaticamente
em uma maior concentração de riquezas refletindo diretamente na
desigualdade salarial.

124 Desigualdades nas Economias Emergentes: Menor do que nos


EUA?
Piketty conseguiu analisar dados de alguns países pobres ou emergentes:
África do Sul, Índia, China, Argentina, Colômbia e Indonésia. Observou que as
desigualdades salariais são semelhantes aos países desenvolvidos com dois
pontos fora da curva: China como o país menos desigual e Colômbia como o
mais desigual trazendo indicadores piores que dos EUA. A figura 9.9 a seguir
mostra a famosa curva em U demonstrando a ascensão, queda e nova
ascensão dos 10% mais ricos (semelhante à recuperação do capital).

78
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Curiosidade: conseguir recuperar dados tanto em países emergentes quanto
em países ricos não é tarefa fácil. Com o advento da informática na década
de 90 paradoxalmente, a tarefa se tornou ainda mais difícil pois a busca de
dados em sistema legados na maioria dos casos é praticamente impossível.
Esta é uma das razões dos gaps de dados que aparecem na figura 9.9.

125 A Ilusão da Produtividade Marginal


Comparar os níveis de desigualdades salariais entre EUA e os países de
economia emergente coloca a teoria da produtividade marginal em cheque.
Afinal, se a teoria explica a diferença quase sobrenatural dos salários dos top
1%, poderíamos afirmar que a educação nos EUA é mais precária do que a
educação na Índia ou África do Sul pois por lá, as desigualdades salariais são
menores. Lembrando que a consequência de falta de oferta de educação de
qualidade é exatamente aumento da desigualdade salarial entre os menos
especializados e os mais abastados de conhecimento.

Para Piketty, a explicação para a desigualdade salarial dos EUA ser tão maior
do que nos demais países é a que segue. Determinar uma produtividade
marginal para trabalhadores de linha de produção ou de um garçom, por
exemplo, não é tarefa difícil. Mas tentar medir a produtividade marginal de
um gestor sênior de uma grande empresa é uma tarefa impossível. Esta
determinação acaba se confundindo com uma construção ideológica para
justificar o status do gestor que oprime o trabalhador comum. A
determinação de salários dos altos executivos é responsabilidade de quem?
Ora, dos próprios executivos. Quando acusamos que os políticos determinam

79
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

seus próprios salários, esquecemos estes pequenos detalhes. Apesar da tal


da governança corporativa que possui regras distintas de país para país e
muitas vezes suas regras são dúbias e até falhas – principalmente quando se
refere à interesses dos espécimes que habitam o topo da cadeia usurpadora.

126 A Decolagem dos Supergestores: Uma Força Poderosa de


Divergência
Forças divergentes: ver sessões 5 e 6.

A abordagem relativa aos salários astronômicos dos supergestores


considerando normas sociais internas das grandes empresas parece
plausível, mas apenas desloca a compreensão do fenômeno para um outro
nível. Nos movemos de um contexto econômico para uma problemática
multidisciplinar envolvendo questões sociológica, política, psicológica,
histórica e social.

Independente da multidisciplinariedade da questão, a bondade do sistema


com os salários dos gestores das grandes empresas é um fator poderoso de
força divergente mesmo porque, esses gestores têm poder suficiente para
fazer pressão política para que a tabela de imposto de renda continue sendo
sempre boazinha para eles.

Capítulo 10 – Desigualdade da Propriedade do


Capital
O capítulo tratará da desigualdade das riquezas em geral. A questão é mais
importante do que a desigualdade da renda do trabalho pois o fenômeno é
mais concentrador e mais global. A desigualdade do trabalho é um fenômeno
com limitações geográficas. Já a acumulação do capital no início deste século
se mostra mais firme e geral.

127 Riqueza Hiperconcentrada: Europa e América


A riqueza, isto é, a renda advinda somente do capital sempre foi mais
concentrada do que a riqueza da labuta. Em qualquer sociedade que
conhecemos os 50% mais pobres não possuem mais que 5% de toda riqueza
enquanto os 10% mais ricos possuem de 60% a 90% dela. Estes números
podem ser bem detalhados para os países que conservaram seus dados
históricos: EUA, Inglaterra, França e Suécia.

80
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
128 França: Um Observatório da Riqueza Privada
França é o país com o maior registro confiável relacionado com a distribuição
de riqueza em todo o mundo desde o final do século XVIII até os dias de hoje.

A revolução francesa impôs em 1791 impostos sobre propriedades e doações


de herança para qualquer tipo de riqueza – imóveis, estoque, propriedade
urbana, fazendas, bônus e qualquer outra forma financeira de capital
independentemente se os proprietários eram cidadãos comuns ou nobres.
Controle das riquezas neste nível da França só começou a ocorrer 100 anos
depois na Grã-Bretanha e logo após em outros países como os EUA que
implementou controles a partir de 1916.

Curiosamente, as taxas de impostos na França impostas pela revolução eram


agradáveis para os mais ricos pois eram taxas irrisórias de 1% a 2%. Se
tornaram progressivas somente a partir de 1901 após batalhas longas no
parlamento.

129 As Metamorfoses de Uma Sociedade Patrimonial


A estrutura do capital foi totalmente transformada entre os séculos 18 e o
início do século 20 (capital de terra substituído por capital financeiro,
industrial e imobiliário). Contudo, o total de riqueza medido em anos de
renda nacional permaneceu relativamente estável.

Em relação à distribuição de renda houve uma melhora causada pelos


períodos das duas grandes guerras mundiais. No entanto, a partir da década
de 70 observa-se uma recuperação clara do capital até os dias de hoje como
mostra a figura 10.1 a seguir.

81
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

130 Desigualdade do Capital na Europa da “Belle Époque”


Vimos que o nível de desigualdade na Europa no período da Belle Époque
(1871 – 1914) foi um dos mais terríveis da história. A revolução francesa nos
deu uma certa ilusão de que a iniquidade na Inglaterra seria bem maior que
na França. Mas os dados mostram que a concentração de renda na França
neste período era praticamente igual à da Inglaterra. Talvez, um pouco pior.
A figura 10.3 mostra a evolução da riqueza dos 10% mais ricos da França.
Observem como a desigualdade percorria uma curva ascendente mesmo
após ter ultrapassado 60% em 1890 até se deparar com a primeira guerra
mundial.

Mais impressionante são os dados históricos da Suécia onde se descobre que


a desigualdade do capital não era tão diferente da França ou Inglaterra.
Atualmente é um pouco menor que na França: os 10% mais ricos hoje na
Suécia possuem 60% de toda riqueza do país enquanto na França os mesmos
10% possuem 70%. Em ambos os casos, a inclinação das curvas mostra forças
divergentes atuando.

82
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

131 A Emergência da Classe Média Patrimonial


Antes de terminarmos este capítulo teremos que responder três questões
fundamentais:

1. Por que a desigualdade era tão extrema e ainda seguia em ascensão


até a primeira guerra mundial?
2. Por que, apesar da recuperação do capital no início do século XXI, a
desigualdade ficou bem abaixo do recorde histórico?
3. Finalmente, esta situação seria irreversível?

83
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Uma das chaves para entender estas questões é a presença de uma nova
classe detentora de até um terço de toda a riqueza nacional: a classe média
(os 40% da hierarquia da riqueza).

Apenas lembrando a hierarquia traçada por Piketty para analisar a


distribuição de riquezas:

Classe A: 1% dos mais ricos (elite)


Classe B: 9% dos mais ricos (classe alta)
Classe C: 40% abaixo (classe média)
Classe D: 50% restantes (ralé)

Lembrando que os 50% mais pobres continuaram com o mesmo perfil em


toda a Europa: possuem de 5% a, no máximo, 10% da riqueza nacional.

Esta foi a grande mudança estrutural que pode ser observada em toda a
Europa: o nascimento de uma classe que passou a ser proprietária de um
quarto a um terço das riquezas.

132 Desigualdade de Riqueza na América


Muitas diferenças entre Europa e EUA de destacam no período analisado
desde 1800. No início deste período, por exemplo, o nível de desigualdades
nos EUA era semelhante ao nível de desigualdade da Suécia no período de
1970-1980. Isto não seria surpresa pois o país ainda era de imigrantes que
chegaram sem nenhuma riqueza e pouco tempo ainda tinha se passado para
que as riquezas pudessem ser acumuladas. Se considerássemos somente os
estados do norte dos EUA, o nível de desigualdade seria ainda menor do que
os níveis da Suécia. Por outro lado, o sul dos EUA mostrou desigualdade pior
que os níveis da Europa da Belle Époque. Ainda no início do século XX os EUA
ainda se mostravam um país mais igual do que a Europa, mas já se observava
uma curva ascendente da desigualdade desde então que iria ultrapassar a
curva da Europa no final da década de 50. Percebia-se desde o final do século
XIX que os americanos aos poucos iam perdendo seu pioneiro espírito
igualitário apesar das taxas progressivas de impostos que impuseram ainda
em 1916.

As diferenças entre EUA e Europa são interessantes. A Europa no período de


1950 a 1970 experimentou uma queda acentuada na desigualdade. O
espírito capitalista sumiu dando lugar a uma atmosfera mais socialista com
uma maior presença do estado fazendo o papel de proteção social. Mas, a
partir de 1980 houve uma inversão. E até hoje, os europeus se perguntam

84
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
porque a época dourada de 1950-70 se esvaiu e quando chegará o dia que o
gênio do capitalismo voltará para sua garrafa.

Já nos EUA, foi o contrário. A partir de 1950 as desigualdades se acentuaram


ultrapassando a Europa e ao invés de quererem que o gênio do capitalismo
voltasse para a garrafa, a cada aumento da desigualdade, mais eles se
apegavam às crenças do livre mercado na ilusão de que o capitalismo fosse
a solução para a nação americana. O fenômeno Bernie Sanders – eleições
presidenciais 2016 - talvez seja um sinal de que a descrença ao capitalismo tenha
iniciado seu processo por lá.

133 Os Mecanismos da Força Divergente: r Versus g na História


Vamos tentar explicar agora o fenômeno da hiperconcentração de renda na
Europa no século XIX até o início da primeira guerra seguido de uma
suavizada no período entre guerras até início da década de 70 e novamente
uma retomada das desigualdades sem, contudo, alcançar os níveis mais
alarmantes do início do século passado.

Para relembrar as grandezas r, s e g vá às sessões 6, 15 e 55.

A principal razão para a hiperconcentração da riqueza antes da primeira


guerra mundial seria a baixa taxa de crescimento das nações associado à alta
taxa de retorno do capital em comparação com o crescimento. Como já foi
dito brevemente em sessões anteriores r > g é um fator que se destaca como
força divergente. Funciona como se segue. Um mundo onde o crescimento
econômico girava em torno de 0.5% a 1% e ao mesmo tempo r (retorno do
capital) girava em torno de 4% a 5% significa que temos um retorno relativo
muito grande em relação ao crescimento econômico.

Imagine nossa Ilha onde a produção de sandálias praticamente não cresce no ano
e, ao mesmo tempo, o capitalista que emprestou alguns cestos para a produção
das sandálias obtém todo ano algumas sandálias como pagamento.

Isto significa que a acumulação da riqueza ocorrerá de forma bem mais


rápida do que o aumento da produção. Este cenário é um cenário de uma
sociedade de heranças que nos leva a um ambiente severamente desigual
onde as fortunas tendem sempre a aumentar enquanto a riqueza para quem
não possui capital para usufruir do seu retorno fica estagnada ou decresce.

A figura 10.7 mostra como o fator r era superior à taxa de crescimento g:


idêntico ao cenário descrito acima. A renda vinda do capital chegava a 40%
da renda nacional e isto era o suficiente para gerar uma poupança de 10%

85
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

que era o suficiente para garantir um crescimento da riqueza bem maior do


que a renda nacional e assim, fazia a concentração de riqueza aumentar (ver
figura 10.8).

134 Porque o Retorno do Capital é Maior Que a Taxa de


Crescimento?
Muitos economistas acham estranho r > g em um período tão longo da
história. Como seria isto possível? A história e os dados coletados mostram
que foi assim.

Desde a antiguidade até o final do século XVII, o crescimento líquido


(considerando a taxa de crescimento populacional) nunca excedeu 0.1% a
0.2% por muito tempo. Enquanto isto, a taxa de retorno do capital girava
sempre em torno de 4-5%. Muitos dados mostram que este intervalo é
coerente. Mas, mesmo supondo que o retorno girasse em torno de 2-3%
ainda assim, temos um valor r 10 a 20 vezes maior que g. A figura 10.9 mostra
a evolução dos dois indicadores numa escala de longuíssimo prazo.

A taxa de crescimento no século XX, por outro lado, se mostrou bem maior
que a média de 0.1-0.2% girando em torno de 3.5-4% ao ano. Isto explica
porque, apesar da recuperação do capital no século XX, hoje os índices de
desigualdade aumentaram, mas não chegaram nos patamares da Belle
Époque europeia.

A perspectiva para o século XXI como já mostrado é de índices tímidos de


crescimento de, no máximo 1.5% ao ano. Isto nos leva obrigatoriamente a
pensar em conter o capital através de taxas progressivas de impostos e
outras ações contundentes. Caso contrário, a grande diferença de r e g pode
fazer com que os níveis de desigualdade que vigoravam no alvorecer da
primeira guerra mundial voltem mais fortes ainda.

86
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

E nunca é demais lembrar que a sociedade nunca reage de forma pacífica


quando as desigualdades atingem valores que precederam a grandes guerras
mundiais.

87
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

135 A Questão da Preferência Temporal


r > g é uma realidade e evidência histórica mas não significa que uma
sociedade possa conviver com o inverso mesmo sem a intervenção do
estado. Tudo depende de como o capital é empregado – tecnologia – e por
outro lado, as atitudes dos cidadãos relativos a poupança e propriedade. O
capitalista pode, simplesmente, estocar seu capital sem aplicá-lo nos meios
de produção. Neste caso teríamos r = 0. Mas na prática, isto é raro na história.
A média histórica do retorno do capital r gira sempre em torno de 4-5% e no
pior caso, 3-4%. O fenômeno econômico que explica esta constante de r se
chama “preferência temporal” e é representada pela letra grega θ. Funciona
assim: se o indivíduo está disposto a economizar 105 no futuro para gastar
100 a mais no presente, então θ é igual a 5%. Assumindo uma taxa de
crescimento de 0% não fica difícil deduzir que o retorno do capital r tem que
ser igual à preferência temporal θ.

Logo, de acordo com esta teoria, a explicação para que r fique sempre em
torno de 4-5% é psicológica uma vez que r refletirá sempre uma média da
impaciência do indivíduo perante o futuro.

O problema desta teoria é seu simplismo. Tentar encapsular todo


comportamento humano de poupança e sua postura diante o futuro em um
simples parâmetro psicológico é um tanto quanto ingênuo.

88
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Resumindo, podemos dizer que a taxa de crescimento g tende a ser
estruturalmente baixa (geralmente, no máximo 1% ao ano no caso de
transições demográficas já completas e o país atingindo a fronteira
tecnológica onde o ritmo da inovação é mais lento). Por outro lado, a taxa de
retorno do capital r depende de vários fatores tecnológicos, culturais, sociais
e psicológicos que juntos, resultam mais ou menos nos 4-5%.

136 Existe Um Equilíbrio de Distribuição?


Vamos retornar à questão central e das mais importantes deste estudo: a
inequação r > g ser persistente a longo prazo é uma força divergente de
desigualdade das mais potentes. Por exemplo, se a taxa de crescimento g =
1% e a taxa de retorno do capital r = 5%. Os indivíduos abastados precisam
investir somente 1/5 do seu capital anual para garantir que seu capital cresça
tão rápido quanto a renda média. Diante de um quadro desse, a única força
que pode impedir uma espiral de desigualdade é a seguinte. Se a fortuna dos
indivíduos ricos cresce mais rapidamente que a média da renda, a razão
capital / renda irá crescer indefinidamente o que, a longo prazo nos conduz
a um decréscimo do fator r de retorno do capital. Este processo pode, no
entanto, levar décadas, especialmente em economias abertas onde
indivíduos ricos podem acumular ativos fora de suas fronteiras. A princípio
este processo chega a um fim, mas isto obviamente, pode levar tempo.

O controle da herança também é uma questão central que pode contribuir


para diminuir as forças divergentes da desigualdade. A herança é o principal
meio de se concentrar riquezas. A forma como era feita antes da revolução
francesa era mais concentradora ainda pois considerava o filho mais velho
como o único herdeiro. Esta prática aos poucos foi sendo abandonada em
todas as nações, mas mesmo assim, a herança ainda é um fator que perpetua
a desigualdade. A forma para amenizar mais ainda é implementar meios
legais de taxá-la.

137 O Código Civil e a Ilusão da Revolução Francesa


Mesmo após a implantação do código civil (1804) e após todas resoluções
socialistas da revolução francesa, a desigualdade no século XIX continuou a
crescer atingindo picos exorbitantes no período da Belle Époque e com
índices parecidos aos da época da aristocracia e monarquia britânica. Qual
seria a razão desta aparente contradição?

O fato concreto é que a revolução francesa não atuou de forma firme para
diminuir a taxa de retorno do capital r em relação à taxa de crescimento g. A
taxação de renda implantada não era progressiva e os percentuais, além de
pífios, eram fixos em 1-2% independentemente da faixa de renda de cada

89
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

indivíduo. Isto conservou o gap r – g alto a longo prazo causando uma maior
desigualdade de renda. O fim da herança baseada somente no filho mais
velho ajudou um pouco, mas foi irrisório levando em consideração que a
diferença r -g se mostrou constante por longos tempos. Por mais incrível que
possa parecer, a desigualdade na França de 1913 era maior que a
desigualdade da Inglaterra da família real e dos aristocratas.

Enfim, a desigualdade na França chegou a 70% de toda riqueza pertencente


aos 10% mais ricos. Fica uma questão: se não tivesse ocorrido choque de
capital no período entre guerras, qual seria o limite máximo que a sociedade
europeia suportaria de desigualdades?

138 Pareto e as Ilusões da Desigualdade Estável


Vilfredo Pareto desenvolveu sua teoria chamada “Lei de Pareto” entre 1890
e 1910 onde afirmava que as desigualdades sociais são fenômenos estáveis
e, portanto, sem necessidade de interferências quaisquer. Tal lei foi abraçada
pelos movimentos fascistas da Itália e Pareto, antes de morrer, saudou
Mussolini no poder.

Fazendo uma análise retrospectiva da lei de Pareto fica fácil de concluir a


superficialidade de sua teoria. Pareto se baseou em alguns dados de, no
máximo, uma década da Prússia, Inglaterra e Suíça. Os dados, inclusive,
mostram uma tendência à desigualdade se acentuando e, claramente,
Pareto se esforça para esconder esta tendência.

A verdade é que a base de dados utilizada por Pareto não o credencia a


afirmar nada sobre qualquer tendência acerca da desigualdade no mundo. O
caso Pareto é interessante pois ilustra o ramo da economia que se apoia
ilusoriamente na matemática para tentar justificar as desigualdades sociais.
Pareto desenvolveu uma família de funções para demostrar a relação entre
o decrescimento de contribuintes à medida que se sobe na hierarquia de
rendimentos. Todas suas funções possuem parâmetros que fazem com que
tal comportamento se adapte a elas não interessando se estamos falando de
desigualdades na Suécia, EUA ou França. Basta ajustar os parâmetros e
temos, então, a curva de Pareto. As questões sociais, políticas e econômicas
são postas de lado e passam a valer somente suas funções e seus parâmetros.
Após ajustar os parâmetros, suas funções irão demonstrar que a
desigualdade representada gráfica e matematicamente, não passam de leis
naturais da sociedade.

90
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Enfim, Pareto é uma farsa que o fascismo de Mussolini deu guarida. Nos faz
lembrar das políticas neoliberais que o Brasil sofre desde Sarney até os dias de
hoje (incluindo em certa medida o governo Lula-Dilma com seus juros
elegantemente mantidos no topo do mundo) onde se tenta justificar com
fórmulas de planilhas eletrônicas as políticas econômicas de inspiração rentista.

139 Porque a Desigualdade de Riqueza não Retornou aos Níveis do


Passado
Voltando à questão essencial: porque os níveis de desigualdade não voltaram
aos níveis da “Belle Époque”? Podemos ter a certeza de que esta situação é
estável e irreversível? A questão é complexa e não temos uma fórmula
matemática para tentar responde-la com precisão.

Sobre o choque ocorrido no período entre guerras onde a desigualdade


decaiu temos uma explicação mais simples e fácil. Os impactos do capital
devido às duas grandes guerras somados às ações políticas da época
provocaram um colapso no capital levando o fator r (Capital / Renda) a níveis
mais suaves que hoje.

O período entre guerras deu a ilusão aos mais ricos de um sistema estável e
balanceado. O que ocorria era uma corrida dos milionários aos capitais
acumulados para manter seu estilo de vida. E assim, o capital foi se
deteriorando impactando nas gerações vindouras. Tanto é que a média de
rendimentos dos 1% mais ricos no período da Belle Époque girava em torno
de 80-100% do salário médio da época enquanto o rendimento dos 1% mais
ricos em 1930 girava em torno de 30-40% do salário médio.

Notem que a pergunta é mesmo complexa pois Piketty ainda não a respondeu.

140 Algumas Explicações Parciais: Tempo, Impostos e Crescimento


Enfim, não é surpresa de forma alguma que a desigualdade diminuiu entre
1914-1950. O mais curioso e de explicações menos triviais diz respeito a não
total recuperação do capital após 1950. É importante destacar que
acumulação de capital não é um processo de curto prazo. O nível alto de
acumulação de riquezas na Belle Époque, por exemplo, foi fruto de
acumulações anteriores, não de décadas, mas de séculos. Portanto, o capital
não se recuperou exatamente no período 2000-2010. Ele vem se
recuperando desde então e continua a se recuperar. É um processo contínuo.
Em outras palavras, uma das razões pela qual o capital não é tão
desigualmente distribuído como no alvorecer da primeira guerra mundial diz
respeito ao tempo. Pouco tempo se passou desde o final da segunda guerra

91
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

para que a concentração ainda não atingisse os níveis horríveis de 1910. O


tempo é, pois, parte da explicação. Mas não o suficiente.

Quando observamos que os 1% mais ricos em 1910 com 60-70% da renda


nacional contra 20-30% atualmente, fica claro que o choque entre guerras
causou uma mudança estrutural de tal forma que até agora tem evitado os
níveis de desigualdade do início do século XX. Uma destas mudanças é a
taxação do capital exercido pelos estados. Antes da primeira guerra o capital
(lucros, dividendos, ações, etc.) não eram taxados e quando eram, as taxas
eram irrisórias e não progressivas.

141 Século XXI: Ainda Mais Desigual Que o Século XIX?


Além dos fatores tempo, impostos e crescimento ainda temos alguns fatores
que exercem influência importante sobre a desigualdade: o decrescimento
do capital sobrea a renda e da taxa de retorno do capita no longo prazo. A
taxa de crescimento da produção no século XXI deve ser tímida não
ultrapassando 1.5% mas mesmo assim será maior do que as taxas históricas
dos séculos anteriores ao século XIX. Assim, os níveis de desigualdades
tendem a não se igualarem aos níveis do final do século XIX mesmo se as
políticas econômicas das nações não taxarem firmemente o capital.

Mas não temos motivo para regozijo. Provavelmente a desigualdade não


atingirá os níveis do passado, mas a probabilidade de continuar a crescer
substancialmente é grande. E, como já dito, a questão não se consegue ser
resumida com fórmulas matemáticas. Existem forças divergentes atuando
que podem levar a uma desigualdade ainda maior que as vividas antes da
primeira guerra. Por exemplo, a taxa de crescimento, apesar da previsão de
crescimento médio de 1.5% pode vir a se tornar negativa fazendo com que a
questão da herança exerça um papel fundamental na concentração de
riquezas. Além disto, o mercado de capital pode se tornar mais e mais
sofisticado de forma a fazer com que o fator r siga em ascendência e sabemos
que este fato é outro fator de força de divergência.

Resumindo, o fato é: o menor nível de desigualdade hoje na Europa em


relação à Belle Époque se deve a questões do acaso como as duas grandes
guerras e as questões pontuais de taxação de capital. Enfim, tudo é incerto.
Podemos caminhar para um século novo mais desigual ou não. Mas uma
coisa podemos afirmar: é uma ilusão pensar que existe algo de natural no
crescimento moderno ou que as leis do mercado de capital irão contribuir
para diminuir as desigualdades e que uma harmoniosa estabilidade se
alcançará.

92
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 11 – Mérito e Herança a Longo Prazo


Para entender melhor a evolução e a acumulação do capital no século XXI
vamos usar o presente capítulo para analisar a evolução a longo prazo das
regras da herança e a poupança na formação do capital. A acumulação do
capital sempre se dá pela herança ou poupança. Um século atrás, a herança
era a principal maneira de se acumular capital. Atualmente os indivíduos
estão poupando mais tornando este comportamento mais significativo no
acúmulo do capital. Uma das razões para esta mudança pode ser explicada
no aumento significativo da expectativa de vida. Não significa que a herança
fica em um segundo plano. Ela também irá exercer papel importante na
acumulação do capital no século atual.

Pode-se concluir, considerando que a diferença r – g ainda é discrepante, que


a herança superará a poupança pois o capital acumulado no passado renderá
mais no presente do que a riqueza guardada no presente através do trabalho.

142 A Herança Flui a Longo Prazo


Uma coisa é certa: existe somente duas maneiras de se acumular capital: via
herança ou via trabalho. A questão central é em que proporção ocorre estes
dois tipos de acumulação do capital nos 10% e nos 1% mais ricos. Para
analisar a sistemática de acumulação de capital vamos acompanhar o fluxo
das riquezas que passam de geração em geração através da herança
tomando a renda nacional como comparativo.

A figura 11.1 a seguir mostra o fluxo da herança no tempo na França desde


1820 até 2010. Nota-se que a herança participava com até 25% da renda
nacional até o início da primeira guerra e continuou caindo e só recuperando
após a segunda guerra mundial. Neste período de alta da herança, quase que
a totalidade do estoque de capital vinha da herança. Vê-se assim, que as
tragédias vividas pelos personagens de Balzac eram histórias reais onde o
protagonista era encorajado a trocar os estudos pelo casamento com
herança garantida para galgar os degraus da nobreza.

93
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

A evolução da curva durante o final do século 19 até 2010 mostra uma


mudança profunda na estrutura da desigualdade na Europa. Existe uma
crença de que não mais vivemos a era da herança onde se podia garantir a
posição social dos ascendentes através da riqueza acumulada e transmitida.
Realmente, hoje a participação da herança é bem menor que no início do
século passado mas vem se recuperando e já é 4 a 5 vezes maior do que era
no final da segunda guerra mundial. Podemos viver novamente os tempos de
Balzac se o crescimento demográfico e econômico se mostrar pífio e o
retorno do capital r continuar acima de 2.5-3%.

143 Fluxo Fiscal e Fluxo Econômico


Piketty, para garantir a confiabilidade dos dados levantados sobre herança
na França, utilizou-se de duas fontes distintas para desenhar o gráfico do
fluxo de herança: o fluxo fiscal e o fluxo econômico. Apesar de ser fontes
totalmente distintas vê-se pelo gráfico que uma valida a outra. A curva do
Fluxo Fiscal fica sempre um pouco abaixo da outra curva provavelmente
devido aos ativos que são sonegados nas declarações de imposto de renda.

144 As Três Forças: a Ilusão do Fim da Herança


A vantagem de se utilizar uma abordagem do fluxo de herança no tempo é
que ela requer uma visão das três forças que a determinam. Para expressar
o fluxo de herança tomando como base a renda nacional usamos a seguinte
expressão:

by = μ × m × β,

94
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
onde by representa o fluxo de herança

μ representa a razão entre a média da riqueza no fim da vida e a renda média


dos indivíduos ao longo da vida.

m é a taxa de mortalidade.

Uma análise resumida das três forças:

β = razão do capital privado e a renda nacional. Note que aqui utiliza-se


somente a renda privada uma vez que a renda pública não pode ser
considerada na herança. Logicamente se, em um dado período uma
sociedade possui um fluxo alto de herança então, a quantidade de capital
que pode ser usada como herança também é grande.

m - taxa de mortalidade também é uma igualdade lógica. Quanto maior a


taxa de mortalidade, maior o fluxo de herança.

μ Vamos supor que a média de riqueza na hora da morte é a mesma média


da riqueza da população como um todo. Assim, μ = 1. Então, by – fluxo da
herança é igual ao produto da taxa de mortalidade e a razão β.

Claramente, μ depende diretamente da quantidade de riqueza guardada no


tempo. Quanto mais a riqueza aumenta com a idade mais alto será μ e assim,
mais alto será o fluxo by.

145 A Mortalidade no Longo Prazo


A segunda força que pode explicar o fim da herança é o aumento na
expectativa de vida que diminui a taxa de mortalidade m. Mas todo cuidado
é pouco antes de se chegar a qualquer conclusão. Esta diminuição no fluxo
de herança pode ser temporária ou não. Imaginemos primeiramente um
cenário onde a taxa de mortalidade está diminuindo e a taxa de natalidade
também diminuindo. Chegará um momento que as pessoas vão ter que
morrer mesmo com a taxa de mortalidade em descenso. Neste momento,
considerando que a população irá diminuir devido à baixa taxa de natalidade,
o fluxo de herança passará a ser mais significativo. Por outro lado, um cenário
onde a taxa de mortalidade também caia, mas a taxa de natalidade
aumentando, a herança não será um fator divergente na desigualdade.

95
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

146 A Riqueza Envelhece Com a População: o Efeito μ X m


Agora vamos imaginar o cenário onde, a longo prazo, as faixas etárias
permanecerão constantes, mas a taxa de mortalidade é baixa. Se os
indivíduos demoram mais a morrer logo, o fluxo de herança diminui, certo?
Na verdade, não é bem assim. Se a expectativa de vida sobe de 60 para 80
anos, a média de idade com que um filho receberá sua herança subirá de 30
para 50 anos. Por outro lado, a própria riqueza em “disputa” também sofrerá
o fenômeno do aumento de expectativa de vida. Isto é: o indivíduo ao
demorar mais anos para morrer irá acumular mais capital. Assim, a
expectativa de vida como coeficiente negativo no fluxo é confrontada com o
aumento do valor da herança fazendo com que a equação do fluxo de
herança permaneça, no mínimo, estável. Matematicamente podemos
representar este raciocínio com a expressão no título: μ X m onde o primeiro
coeficiente é influenciado para cima pelo aumento da riqueza da herança e
o segundo coeficiente influenciado para baixo com a queda da mortalidade.

147 Riqueza dos Mortos e Riqueza dos Vivos


Piketty apresenta dados para desmistificar a afirmação de que a era das
heranças não existe mais. A herança ainda é um fator importante para
conservar o status quo sendo um dos instrumentos mais importantes de
força divergente. Desde 1820, como mostra a figura 11.5 a seguir, a riqueza
dos mortos está sempre acima da média da riqueza dos cidadãos. Exceção
apenas ao período da segunda guerra mundial.

96
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
148 Os Cinquentões e os Velhos de Oitenta anos: Idade e Fortuna na
Belle Époque
Usando dados da França desde 1820, observa-se que a média da riqueza dos
mais velhos chegou a níveis extremos em 1912 quando a média da riqueza
dos indivíduos acima de 80 anos chegou a 253% maior do que a riqueza da
faixa de 50-59 anos. Sabemos que este fenômeno não pode ser explicado
pelo valor do trabalho mesmo porque, com 80 anos o indivíduo não consegue
mais produzir com tanta eficiência quando era mais jovem. Na verdade, é
consequência direta da desigualdade r > g e a lógica acumulativa e
exponencial que esta diferença acarreta. Sabemos que o indivíduo na faixa
dos 1% mais rico, à medida que envelhece vai virando sua fonte de riqueza
do trabalho para o rendimento do seu próprio capital se tornando um
rentista e, se o crescimento da renda nacional é baixo como era na Belle
Époque e a diferença entre r e g acentuada, a desigualdade aumenta
expressivamente e a lógica das heranças garante sua manutenção.

149 O Rejuvenescimento da Riqueza em Virtude da Guerra


Este mecanismo que se auto sustentou por muito tempo foi abaixo com o
choque do capital de 1914-1945. A consequência é um forçado
rejuvenescimento da riqueza que pode ser visto de forma clara na figura 11.5
anterior. Este fenômeno também pode ser visto no fato de que em 1947, por
exemplo, o grupo de indivíduos entre 50-59 anos acumulava mais riqueza
que o grupo dos octogenários. Fato único nos registros da história da riqueza
da França.

O rejuvenescimento da riqueza é de simples explicação: com a destruição de


imobilizados e ativos com a guerra somado às empresas que iam à falência,
levaram os ricos ao abismo. Os mais velhos não tinham a força que os mais
novos tiveram para se recuperar. Por isto esta transferência da riqueza entre
as faixas mais velhas para as faixas mais novas. Este cenário foi propício para
alastrar a ideia de que o capitalismo seria um sistema econômico superado.

Mas este foi um cenário breve. A base da sociedade nada tinha mudado. O
status-quo permanecia inalterado. E assim, a faixa de 50-59 que se tornaram
os mais ricos foi envelhecendo e o fator r > g incumbiu de torná-los os mais
ricos quando chegaram na faixa de 60-69 e assim, chegamos em 2010 com
uma realidade semelhante à de 1912. Portanto, o fluxo de herança volta a
ter um papel preponderante como força de divergência.

97
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

150 Como o Fluxo de Herança Irá Evoluir no Século XXI?


Considerando que questões culturais não irão mudar radicalmente o
comportamento dos indivíduos durante o século XXI em relação à poupança,
os cenários mais prováveis desenhados por Piketty baseados em baixo
crescimento tanto populacional quanto de renda e retorno do capital
insistindo em permanecer entre 2-5% nos leva a concluir que o fluxo de
herança será fator importante de força divergente durante todo o decorrer
deste século. Caso o crescimento do PIB mundial se mostrar baixo – que é o
mais provável – e o retorno do capital se situar em torno de 4-5%, o papel do
fluxo da herança passará a ter o mesmo peso do período da Belle Époque
(1871-1910).

É ilusório imaginar que o aumento da expectativa de vida irá diminuir o papel


de transferência de riquezas. Pelo contrário. Com mais tempo para acumular
riquezas a partir de rendimentos financeiros, a tendência é o fluxo se tornar
mais forte. Afinal, a expectativa de vida pode aumentar, mas todos um dia
irão morrer.

151 Do Fluxo Anual de Herança Para Estoque de Riqueza Herdada


Piketty apenas reforça o importante papel da herança no século XXI
contradizendo boa parte dos economistas que acreditavam que a herança
iria perder a importância como fator de acúmulo da riqueza. De todo
conjunto de dados analisados na França, somente na década de 70 que a
riqueza acumulada durante a vida pelos mais ricos ficou acima da riqueza
herdada. A partir da década de 80, a herança se recupera podendo voltar aos
tempos de 1910 como ele já disse nas sessões anteriores.

Desde 1820 que a herança transferida equivale à riqueza total adquirida


mostrando o baixo crescimento de renda em relação ao retorno do capital.
O título da sessão quer dizer isto: durante todo este período, a riqueza
herdada foi a base da criação de novas riquezas.

152 De Volta ao Vautrin de Balzac


Vautrin, talvez o personagem mais vil de Balzac disse mais ou menos assim
em Pere Goriot:

“Que tipo de vida alguém pode esperar viver ganhando seu próprio dinheiro
comparado com a vida que podemos ter casando com alguém com uma
grande herança? ”

98
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Os romances de Balzac ilustram como a herança era realmente algo
determinante na hierarquia da riqueza na época da Belle Époque. Nesta
sessão Piketty apenas reforça a recuperação da força da herança a partir da
década de 80. O poder da herança apenas sofreu uma queda devido aos
choques no capital graças às duas grandes guerras. Considerando os
prováveis valores dos indicadores g, r e a estabilidade da taxa de crescimento
populacional, Piketty reforça que a importância da herança como força
divergente pode voltar aos níveis do início do século XX.

153 O Dilema de Rastignac


O Dilema de Rastignac: aqueles que de alguma forma conseguem colocar as
mãos em uma boa herança estariam em chances de ter uma vida melhor do
que aqueles que são obrigados a galgar as hierarquias sociais através do seu
próprio trabalho.

Piketty traça um gráfico mostrando o padrão de vida das pessoas mais ricas
nascidas desde 1790 comparando o padrão de vida dos 1% mais ricos por
herança e os 1% mais ricos por rendimento do trabalho. Observa-se que o
padrão de vida do grupo dos 1% mais ricos por herança só ficou abaixo do
padrão dos 1% mais ricos via rendimento do trabalho somente no período de
1900-1950. Este estudo apenas vem comprovar que a herança perdeu força
devido aos choques do entre guerras e que se recuperou a partir da década
de 70 como mostra a figura a seguir.

99
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

154 A Aritmética Básica dos Rentistas e Gestores


Recapitulando: uma sociedade onde a renda vinda de herança se sobrepões
à renda do trabalho no topo da hierarquia social – sociedade bem descrita
por Balzac e Austen – duas condições precisam ser preenchidas:

a) β necessariamente deve ser grande o suficiente - acima de 6. E este


estoque de capital dever ser composto de, no mínimo, 1/4 de
herança.
b) A riqueza via herança deve ser extremamente concentrada.
A herança deve ser responsável por 50-70% de toda a riqueza dos
1% mais ricos. Com esta proporção, os milionários rentistas
alcançam um padrão de vida maior do que os 1% mais ricos que
vivem da renda do trabalho.

Assim, no atual ambiente mundial onde o crescimento é pífio com


estagnação populacional e o retorno do capital é grande em relação ao
crescimento, os 1% mais ricos com capital irão sempre se sobrepor sobre os
1% mais ricos via remuneração do trabalho.

155 A Sociedade Patrimonial Clássica: O Mundo de Balzac e Austen


Piketty apresenta cenas dos romances de Balzac – França, Austen – Inglaterra
e Henry James – EUA para mostrar de forma contundente as desigualdades
extremas da Belle Époque e a força que tinha o capital acumulado sobre as
rendas advindas do trabalho.

156 Extrema desigualdade da riqueza: Uma Condição da Civilização


Em Uma Sociedade Pobre?
O luxo dos 1% mais ricos nos períodos da Belle Époque tão bem descritos por
Balzac e Austen não seriam possíveis se seus rendimentos fossem somente
20-30 vezes o rendimento médio da época. Atualmente, sim, seria possível.
Ocorre que naquela época as coisas eram mais caras. Se vestir, viajar,
frequentar clubes e bares eram atividades que dispendiam muito mais
esforço financeiro do que hoje. Por isso que esses milionários tinham
rendimentos que ultrapassavam 60 vezes a média de rendimento. Por isto,
para se viver naquela extravagância, a extrema desigualdade era necessária.
Naquela época não se precisava usar da falácia da meritocracia como é
comum hoje. Antigamente, para se viver uma vida luxuosa, a competência
profissional ou intelectual não era considerada: bastava ter fortuna herdada.

Bem, pelo menos, à época, praticava-se menos a hipocrisia.

100
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
157 Extremismo Meritocrático Nas Sociedades de Ricos
Bem, talvez não era bem assim. Na época de Napoleão, inclusive com
concordância dele próprio, muitos movimentos políticos eram realizados
para fazer com que os altos funcionários públicos recebessem salários que
garantissem um padrão de vida semelhante aos dos rentistas (herdeiros) na
época. O pior na defesa da tal da meritocracia sem evidência alguma de
produtividade marginal é o teor hipócrita dos argumentos. Nos EUA
atualmente é frequente ouvirmos os argumentos justificando os salários
astronômicos dos supergestores: ora, se eles não recebem esses salários
somente os grandes herdeiros teriam o direito de alcançar uma riqueza
verdadeira e isto seria algo injusto. Enfim, justificam uma prática de
desigualdade no campo do trabalho (salários) mirando-se nas desigualdades
ainda mais extremas no campo do capital. Igualando as duas extremas
desigualdades é a forma deles mostrarem que estão combatendo a
iniquidade.

E o pior de tudo é que esta crença da meritocracia vira ladainha não somente
no topo da hierarquia dos 1% ou 0.1% mais ricos. Se torna um discurso
conservador e hipócrita no âmbito da classe média – os 40% abaixo dos
verdadeiramente ricos. Michèle Lamont desenvolveu uma pesquisa entre
diversos indivíduos na França e EUA confirmando este comportamento da
classe média. Além das qualidades de esforço e competência, os indivíduos
pesquisados ainda argumentavam que recebiam mais que a classe baixa por
possuir também qualidades morais superiores.

Pois é: pelo menos, os herdeiros-rentistas milionários dos personagens de


Austen e Balzac não comparavam seu caráter com o caráter de seus criados.

158 A Sociedade dos Pequenos Rentistas


Piketty reforça a tendência de a herança predominar no decorrer do século
XXI considerando o cenário já descrito de baixo crescimento econômico e
alto retorno do capital. O gráfico 11.11 a seguir baseado neste cenário
mostra que os indivíduos nascendo a partir de 2010 já terão riquezas
herdadas no futuro proporcionalmente maiores do que os indivíduos
nascidos na Belle Époque.

101
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Mas a estrutura da riqueza atual mudou bastante. Se os 1% mais ricos


possuíam 2/3 de toda riqueza, hoje estes mesmos 1% possuem por volta de
20% da riqueza. Nasce no final do século passado e início deste os pequenos
rentistas. Boa parte do patrimônio e capital nas mãos dos 1% mais ricos se
transferiram para as mãos desta nova classe: os 40% ou a chamada classe
média. Este fenômeno acabou causando a onda de meritocracia e a
desigualdade passa a perpetuar nas habilidades adquiridas nas grandes
universidades. Dos romances de Balzac e Austen onde os grandes artistas e
protagonistas pertenciam à classe dos rentistas que não possuíam qualquer
habilidade, para os grandes heróis das séries americanas onde os
protagonistas são muitas vezes indivíduos doutores, inteligentes e com
habilidades específicas. Hoje, o sistema educacional não tem a habilidade de
fazer o papel de distribuir renda a partir da capacitação mais igual. Ela foi
apropriada pela classe dominante garantindo uma estrutura social rígida e
desigual.

159 O Rentista, Inimigo da Democracia


E nada indica que esta tendência ira se reverter. Pelo contrário. O baixo
crescimento da renda nacional de quase todas nações e o alto retorno do
capital mostram que a característica desigual de nossa sociedade do século
XXI deva durar muito ainda. O pior deste cenário é que a sociedade atual se
preocupa em justificar seu perfil desigual usando a crença hipócrita da
meritocracia. Pelo menos, tal crença oferece mais conforto às consciências

102
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
dos mais “competentes” e abastados. E esta crença meritocrática exerce um
papel fundamental: em uma democracia a igualdade de direito tão
orgulhosamente afirmada se contrasta com a bruta desigualdade social e
para superar tal paradoxo, a meritocracia se encaixa como luva pois a
desigualdade não seria uma realidade imposta e sim uma situação
conquistada pelo próprio indivíduo. Caso ele não queira sofrer nas classes
sociais mais baixas, basta estudar e oferecer suas habilidades.

Hoje existe um preconceito com a palavra rentista ou rendimento como se o


retorno do capital acima da taxa de crescimento da renda fosse algo que deva
ser corrigido bastando para isto detectar os setores de mercado onde a
concorrência não está atuando ou não estão atuando de forma livre. A ideia
de que o livre mercado e a soberania do mercado competitivo irão dizimar a
herança e levar a sociedade para o mundo perfeito da meritocracia é uma
ilusão. O advento do sufrágio universal acabou com o domínio formal dos
ricos sobre a política. Mas o mundo está mostrando que isto não foi o
suficiente para abolir as forças econômicas que geram a sociedade dos
rentistas.

160 O Retorno da Riqueza Herdada: Um Fenômeno Europeu ou


Global?
É bom lembrar que todos os gráficos e dados apresentados até aqui sobre
fluxo de heranças são relativos à França. Para Alemanha, Inglaterra, EUA,
infelizmente não temos dados em que podemos confiar para fazer análises
criteriosas como as feitas com o fluxo de herança na França. No entanto, o
que podemos deduzir sobre este assunto para estes países é o seguinte:

Alemanha: a curva em U do fluxo de herança se desloca um pouco para a


direita e não se recuperou de forma tão acentuada como na França ainda.
Isto é: a força da herança se recuperou com um certo atraso. Provavelmente
isto não se deve a problemas de comportamento ou questões culturais.
Provavelmente, a razão disto é que em certa época no século passado após
a segunda guerra mundial, o crescimento demográfico foi maior do que na
França inibindo a força da herança.

Inglaterra: aqui, o cenário é mais interessante. A predominância da herança


é bem mais fraca do que na França e também na Alemanha e não se encontra
indicadores geográficos, econômicos ou políticos que justifique. Talvez, os
britânicos mais velhos sejam mais dados a gastar mais. Sabemos também
que investem mais em fundos de pensão apesar de isto ser apenas parte da
explicação dado o montante destes fundos. EUA: O caso dos EUA é o pior

103
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

entre eles pois é onde temos os dados mais incompletos. Chega a ser tão
incertos que na década de 80 surgiram duas teorias de dois economistas
respeitáveis: Modigliani e Summers.

Modigliani afirmava a partir de dados coletados à época que da riqueza atual


dos EUA somente 20-30% eram de herança. Já Summers dizia que a herança
era responsável por 70 a 80% de toda a riqueza.

Examinando com mais detalhes os dados analisados por eles e com os


disponíveis hoje, os quais eles não tinham, concluiremos que a verdade
estava entre as duas teorias tendendo mais para Summers: provavelmente a
herança é responsável por 50-60% das riquezas dos EUA.

Podemos concluir finalmente que o retorno do fluxo de herança sobre o total


da riqueza dos países voltou a ser bastante determinante principalmente na
França e provavelmente, num futuro próximo, voltará com a mesma força na
Alemanha. Na Inglaterra a recuperação também pode ser esperada, mas em
menor grau um pouco. E ainda, apesar de significativa, um pouco menor nos
EUA.

Capítulo 12 – Desigualdade Global da Riqueza no


Século XXI
A dinâmica da desigualdade das riquezas foi tratada até aqui com uma certa
restrição. Foram analisados dados da França e Inglaterra. Se faz necessário
avançar mais afinal, o fenômeno financeiro global é uma força significativa e
que poderá levar a mudanças ainda mais estruturais na lógica da
desigualdade. Afinal, o que interessa é tentarmos entender a lógica desta
estrutura de forma global: será que as novas habilidades do capital de
interferir na produtividade marginal irão contribuir para uma maior
concentração de renda? Será que este fenômeno já não estaria em pleno
funcionamento?

Para isto, Piketty irá analisar a evolução das riquezas dos milionários durante
o século XXI e analisar em seguida as desigualdades entre as nações. Mas
antes irá analisar a força divergente crucial que exerce papel de suma
importância neste contexto: a desigualdade do retorno do capital.

104
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
161 A Desigualdade do Retorno do Capital
Muitos modelos econômicos consideram que o retorno do capital é igual
independentemente do tamanho deste capital que o capitalista detém.
Vamos combinar. O rio corre para o mar. Quanto maior o cacife do capitalista
mais facilidade ele terá para aumentar o retorno do seu capital contra os
investidores menos abastados. Isto se agrava à medida que o mundo
financeiro se torna cada dia mais complexo e cheio de possibilidades. Assim,
os 1% mais ricos tendem a ficar cada dia mais ricos se distanciando dos 10%
mais ricos agravando ainda mais o problema da desigualdade.

Este fenômeno pode levar a uma diferença cada vez maior de r – g e o único
fenômeno natural que pode suavizar esta força divergente como já vimos no
Capítulo I seria o fator g de crescimento. Da mesma forma que analisamos
individualmente as diferenças de retorno do capital, também temos que
analisar as desigualdades entre as nações. Primeiramente será analisado o
retorno do capital relacionado com dotações universitárias e depois o
retorno de fundos soberanos da China de países exportadores de petróleo.

162 A Evolução do Ranking da Riqueza Global


No geral, os economistas fazem vistas grossas para a relação Forbes de
milionários questionando seus métodos. Mas a pesquisa existe e é global. As
pesquisas e estatísticas governamentais pecam por fazer levantamentos
apenas domésticos em um mundo capitalista que se torna a cada dia mais e
mais global. Estas pesquisas tendem a perder totalmente o valor. Apesar da
revista Forbes não utilizar dos melhores métodos, pelo menos, ela é global e
vale a pena fazer uma análise mais de perto.

Todos os anos, desde 1987, a revista Forbes publica a lista dos bilionários. De
1987 a 1995 a lista foi liderada por um Japonês. De 1996 a 2009 passou a ser
liderada por um Americano e por último, por um mexicano. Eram 140
bilionários em 1987 e hoje temos 1.400 bilionários (2013). Para uma análise
mais racional sem armadilhas da matemática, vamos analisar uma parte fixa
– vinte milionésimos – dos mais ricos: cerca de 150 pessoas de 3 bilhões no
final da década de 80 para 225 pessoas de 4,5bilhões no final de 2010. Assim
temos que a média da riqueza acumulada deste grupo cresceu de 1,5bilhões
em 1987 para quase 15bilhões em 2013.

Resumindo: a riqueza global tem crescido numa média um pouco mais


acelerada do que a renda. No entanto, as grandes fortunas cresceram bem
mais rapidamente do que a média das riquezas.

105
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

163 Do Ranking dos Milionários Para os “Relatórios da Riqueza


Global”
Piketty chama a atenção para a falta de estatísticas governamentais ou de
agências econômicas para coletar dados de forma global relacionados com a
riqueza – principalmente sobre os 0.1%, 1% e 10% mais ricos. Ele é obrigado
a consultar fontes pouco confiáveis como os dados da revista Forbes e
outros. Alguns bancos na Europa já estão fazendo estas coletas e análises e
disponibilizando para a comunidade, mas os dados são recentes e não se tem
como fazer análises a médio e longo prazo.

Observando estas diversas fontes de dados podemos concluir que


globalmente a desigualdade de riquezas em 2010 chega ao nível da
desigualdade no alvorecer do século XX. Piketty coloca os percentuais de
renda por faixa dos top decile, etc mas, como ele mesmo diz, são dados bem
imprecisos e de difícil certificação. No entanto, pode-se afirmar que a
concentração de riqueza no âmbito global é bem maior do que a
concentração observada internamente nos países.

Existem duas forças se debatendo neste cenário: uma divergente forçando


ainda mais a desigualdade nos 0.1% e 1% mais ricos e outra força
convergente relacionada à taxa de crescimento dos países mais pobres
sempre um pouco maior do que dos países ricos. É difícil de afirmar qual força
irá superar a outra ou se as duas irão se compensar ou se elas irão ou não
afetar as classes sociais abaixo dos 1% mais ricos.

A bomba relógio da desigualdade está na diferença de retorno do capital


entre os 1 e 0.1% mais ricos que pode gerar uma espiral de desigualdades
que levará a classe média para níveis de pobreza que podem causar
instabilidades sociais. Como será visto adiante, somente uma taxação
progressiva do capital poderá impedir esta espiral da fome.

164 – Herdeiros e Empreendedores nos Rankings da Riqueza


Piketty descreve as metodologias das revistas Forbes, Magazine e outras.
Mostra que são metodologias incompletas e pouco confiáveis mas têm o
mérito de, pelo menos fazer o levantamento global – o que os governos ou
mesmos institutos econômicos nunca se arriscaram a fazer. De qualquer
maneira, as pesquisas traçam um cenário onde duas forças se debatem: uma
divergente forçando ainda mais a desigualdade nos 0.1% e 1% mais ricos e
outra força convergente relacionada à taxa de crescimento dos países mais
pobres sempre um pouco maior do que dos países ricos. É difícil de afirmar

106
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
qual força irá superar a outra ou se as duas irão se compensar ou se elas irão
ou não afetar as classes sociais abaixo dos 1% mais ricos.

165 – A Hierarquia Moral da Riqueza


É estéril a discussão se as desigualdades são consequências diretas ou não
de empreendedorismo ou por r ser maior que g. Estes dois argumentos não
passam de falácias. A lista dos mais ricos do mundo mostra que não é bem a
mente empreendedora que eleva os indivíduos ao topo e sim, na grande
maioria, sua herança. E a expressão r > g apesar de força divergente não
explica totalmente a desigualdade atual. Mas o fator r do retorno do capital
ser bem maior para os mais ricos do que para os menos ricos é sim
argumento poderoso que, juntando-se ao fato do mundo está iniciando um
período de pouco crescimento, explicaria este triste cenário que se vai
igualando aos tempos de Balzac.
Até mesmo os empreendedores como Bill Gates com o tempo vão se
deslocando de empreendedores para rentistas de forma natural. Bill Gates
viu bem confortavelmente em seu sofá de aposentado sua fortuna crescer
mais rapidamente do que no tempo em que trabalhava 10 horas ou mais por
dia.
Esta é a principal justificativa para se taxar progressivamente as grandes
fortunas. Esta taxação seria a única saída para evitar este processo danoso
exponencial e ao mesmo tempo preservar a dinâmica do
empreendedorismo. Esta ideia será examinada com mais detalhe na parte IV
bem como suas limitações.
A abordagem fiscal elimina elegantemente o blábláblá da justificativa moral
da riqueza envolta no discurso da meritocracia. Se as grandes fortunas não
são totalmente fruto de roubo ou totalmente fruto de méritos, não importa.
A taxação progressiva oferece uma forma democrática de controle – o que já
é um avanço.
Piketty desmonta a lógica de que grandes milionários se tornaram
milionários por mérito próprio citando como exemplo Gates e o Mexicano
Slim. Parece coincidência, mas não é: os admiradores de Gates que acreditam
que o mesmo é um milionário dado a sua capacidade de trabalho e
empreendedorismo são sempre pessoas conservadoras que buscam
justificativas para o nível alarmante das desigualdades da atualidade.
Outra justificativa para a taxação progressiva do capital são a grande
quantidade de bilionários espalhados pelo mundo onde as origens do capital
vêm de roubo como foi o caso do multimilionário Teodorin Obiang que
roubou milhões de hectares do povo de Guiné Bissau se tornando um

107
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

bilionário explorando as florestas daquele país e comprando imóveis,


quadros e carros milionários em Paris.
Enfim, as grandes fortunas podem ter origem do bom empreendimento, da
herança, do roubo e independentemente da sua origem, ela cresce devido
ao desproporcional retorno do capital quando ela chega no topo dos 0.1%
mais ricos. Por isso, a solução para este ciclo não se tornar uma perigosa
espiral da desigualdade seria a taxação progressiva.

166 – O Retorno do Capital nas Dotações Universitárias


Vimos na sessão anterior que o retorno do capital aumenta
proporcionalmente com o tamanho da riqueza de quem está investindo, mas
os dados para se demonstrar este fenômeno não existem no âmbito
governamental e Piketty foi forçado a analisar os dados das revistas Forbes e
outras.
No entanto, Piketty encontra uma fonte rica e confiável que pode mostrar
que este fenômeno é real: os dotamentos universitários dos EUA.
Desde 1979 uma instituição chamada National Association of College and
University Business Officeres publica os montantes investidos pelas dotações
das 850 universidades públicas americanas.

Neste montante de dados bem detalhados, encabeça o ranking de maiores


dotações para investimentos as seguintes universidades:

1 Havard - US$30milhões
2. Yale - US$ 20milhões
3. Princeton - US$ 15milhões
4. Stanford - US$ 15milhões
5. MIT - US$ 7milhões
6. Columbia - US$ 7milhões
7. Chicago - US$ 7milhões
8. Pennsylvania - US$ 7milhões

As pesquisas publicadas anualmente pela instituição responsável mostram


que a taxa de retorno dos investimentos de cada universidade é maior para
aquelas onde se detém maiores montantes de dotações.

A razão é de certa forma de simples explicação: as Universidades com


maiores dotações possuem mais capacidade de contratar melhores gestores
para indicar os melhores setores para investir. Este paralelo feito por Piketty
tem a intenção de mostrar como a taxa r de retorno do capital tende a ser

108
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
extremamente maior que a taxa g de crescimento nacional da renda à
medida que o agente financiador vai acumulando mais e mais capital.

Novamente, Piketty destaca que esta lógica leva a uma espiral de


desigualdade que só poderá ser interrompida e até retraída se houver em
âmbito internacional taxação progressiva do capital.
167 – Qual é o Efeito da Inflação na Desigualdade do Retorno do
Capital?
Existe ainda uma crença na comunidade econômica de que a inflação é um
instrumento de força convergente. Isto é: os rentistas teriam dificuldades de
manter um retorno do capital atraente após descontado a taxa da inflação.
Não é bem assim. Os valores dos ativos e imóveis em uma sociedade com
inflação acima de 4.5% são reajustados e os rendimentos que são gerados a
partir deles também aumentam na mesma proporção.
A inflação, na verdade, irá dificultar os rentistas menos enriquecidos (classe
média) de ter acesso a formas de investimentos mais lucrativos que
compensem a inflação. Estes realmente perdem. Mas os grandes
investidores possuem cacife para pagar agentes que irão buscar opções de
investimento que preservem o retorno do capital descontado a inflação. No
máximo, a inflação irá promover uma pequena distribuição de renda entre
os muito ricos (agentes) e os milionários pois os últimos retiram parte do
rendimento adquirido para pagar os anteriores.
A ilusão de que a inflação seria uma forma de distribuição de renda talvez
esteja relacionada com os métodos do pós-guerra onde os governantes
usaram a inflação para diminuir as dívidas públicas.
Piketty não defende uma sociedade com inflação zero (esta questão será
discutida na parte IV). No entanto, oferecer a inflação como forma de
distribuição de renda é uma falácia perigosa que irá, na verdade, fomentar
ainda mais nossa espiral da desigualdade.
O autor bate novamente na tecla da taxação progressiva do capital como a
única maneira de amenizar as desigualdades.

168 O Retorno Sobre os Fundos Soberanos: Capital e Política


Fundo Soberano: é um instrumento financeiro adotado por alguns países que
utilizam parte de suas reservas internacionais

Piketty analisa os fundos soberanos da Noruega e dos países do Oriente


Média que tiveram um crescimento substancial nos últimos anos. Na
Noruega, o fundo soberano corresponde a 3 vezes as dotações universitárias
americanas. 60% dos rendimentos da indústria do petróleo norueguês é

109
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

direcionado para os Fundos Soberanos e 40% para as despesas


governamentais. O custo para manter o Fundo Soberano da Noruega é de
0.1% do seu ativo – 3 vezes menor que os custos das dotações americanas.
No entanto, o retorno não parece ser alto. O Fundo Soberano de Abu Dhabi
possui um retorno de cerca de 7 a 8%. Já o FS da Arábia Saudita é direcionado
para o Bônus do Tesouro Americano – uma opção conservadora de
investimento que não ultrapassa 3% ao ano. Talvez, esta opção seja o preço
que ela paga para receber proteção política e militar do império. Isto nos
lembra os pagamentos dos pequenos comerciantes ao serviço de segurança
prestado por Al Capone na Grande Chicago nas décadas de 20 e 30.

169 Os Fundos Soberanos Dominarão o Mundo?


A maior parte dos fundos soberanos pertencem aos países produtores de
petróleo. O total destes fundos chegam a U$5.3 trilhões. Lembrando que, de
acordo com a revista Forbes, o montante da riqueza dos grandes bilionários
chega a U$5,4 trilhões. Somando as duas fontes de riqueza temos apenas 3%
do total de riqueza no mundo. Tudo bem. Parece pouco e não precisamos de
nos preocupar com isto.
Mas não é bem assim. Grande parte do capital mundial está em forma não
líquida. O que não ocorre com o capital dos fundos soberanos de petróleo.
Por isso, eles têm um poder bem maior. Além disto, os fundos soberanos
acumulam mais riquezas não só a partir dos próprios rendimentos do retorno
do capital como também do próprio lucro da indústria do petróleo.
A previsão do preço de barril pode chegar a U$200,00 entre 2020 e 2030.
Neste cenário, os países produtores de petróleo podem chegar em 2040 com
20 a 30% de toda riqueza mundial. A reação política e militar dos países ricos
do ocidente pode ser imprevisível. Nada garante que este processo de
deslocamento da riqueza em direção ao oriente médio ocorreria de forma
pacífica.

170 A China Irá Dominar o Mundo?


Considerando a lógica onde r sobrepõe com folga g e que isto continue
através deste século e somado a isto uma baixa taxa de crescimento da
população dos países produtores de petróleo, poderemos ter um futuro
meio sombrio onde os fundos soberanos de petróleo iriam comprar quase
que o mundo inteiro e simplesmente viver dos rendimentos do seu capital.
Diferente da China e Índia. Apesar dos fundos chineses serem consideráveis,
a taxa de poupança não alcançaria índices que permitissem que os fundos
desses dois países dominassem o mundo. Portanto, o temor da China ou
Índia, de certa forma, dominar o mundo neste século, é pouco provável. O

110
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Oriente Médio, portanto, continuará sendo um caldeirão que não tem
perspectiva de esfriar. Pelo contrário.

171 Divergência Internacional, Divergência Oligárquica


De qualquer forma, é bem mais possível que, ao invés de fundos ou países
passarem a dominar o capital mundial, as grandes oligarquias e os
multimilionários o dominem. Assim, não seria a China, mas sim, seus
indivíduos multimilionários, não seria os fundos de pensão do oriente médio,
mas seus indivíduos multimilionários que teriam bem mais chances de
dominar o mundo neste cenário de r > g sem controle público do capital.
Os países ricos são mais ricos do que eles próprios pensam que são. O medo
do crescimento chinês é pura fantasia. O total de ativos dos países europeus
totalizam 70 trilhões de euros. O total dos fundos soberanos somados às
reservas do Banco Central da China somam irrisórios 3 trilhões de euros.
Mesmo assim, existe um sentimento de perda de posses, um medo real do
ocidente de perder o controle do capital para os chineses. De onde vem este
mito? Em parte, o mito vem da invasão de alguns estrangeiros do oriente e
oriente médio no mercado imobiliário da Europa. Apesar de estatisticamente
comprarem pouco, talvez o sentimento ufanista faz com que esta
participação pareça bem maior. Com isto, gera este temor irracional.

172 Os Países Ricos na Verdade São Pobres?


Outro ponto que deve ser destacado se refere aos ativos espalhados pelos
paraísos fiscais ficando difícil de identificar a distribuição geográfica das
riquezas. E isto parece claro quando se compara os ativos líquidos dos países
ricos com o resto do mundo. Eles se tornam negativos. Não significa que os
países ricos são pobres, é claro. Significa sim, que boa parte de suas riquezas
não conseguimos contabilizar pois estão nos paraísos fiscais. Mesmo assim,
Alemanha e Japão estão em posição confortável. Possuem bem mais ativos
fora de seu território do que o restante do mundo. E o mais estranho que
quando analisamos mais detalhadamente os ativos dos países pobres:
também negativos. Caímos no paradoxo do planeta terra todo negativo.
Estaríamos devendo para o planeta Marte? Claro que não. Os paraísos fiscais
é explicação para este absurdo contábil. Os levantamentos sobre as riquezas
nos paraísos fiscais são incertos, mas a estimativa é de que o grosso da
riqueza pertença a indivíduos dos países ricos.

111
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Parte 4 – Regulando o Capital no Século


XXI

112
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Capítulo 13 – Um Estado Social Para o Século XXI


Analisamos a evolução da riqueza desde os tempos da revolução francesa e
toda estrutura da desigualdade no mundo em particular Europa e EUA. Vimos
que a estrutura da riqueza e dos patrimônios sofreram mudanças profundas
com as duas grandes guerras mundiais diminuindo temporariamente as
desigualdades. Vimos também que os índices de desigualdade voltaram a
aumentar com indivíduos possuindo mais riquezas que um país inteiro. Neste
capítulo iremos analisar as possibilidades de implementação de políticas
públicas capazes de reverter este processo de forma que não seja necessário
esperarmos passivamente por uma terceira guerra mundial (esta sim, global)
para retomarmos vergonhosamente o caminho da justiça social.

173 A Crise de 2008 e o Retorno do Estado


Fazendo uma análise dos dados da crise de 1930 e comparando com a crise
de 2007-2008 podemos afirmar que a crise de 30 foi bem mais devastadora.
Enquanto a capacidade produtiva dos países ricos caia 40% e o desemprego
também atingia o mesmo patamar na primeira crise, a atual crise teve queda
de somente 5% da produção nos países mais ricos. Mas isto foi o suficiente
para que fosse considerada a segunda maior crise do capitalismo de todos os
tempos.

A principal razão para que o mundo não sofresse o mesmo colapso de 30 se


deve aos governos e bancos que não deixaram o sistema financeiro explodir
evitando concordatas em série como ocorreu entre 1920-1935. Os bancos
centrais evitaram uma bancarrota, porém, não foram capazes de evitar a
crise e muito menos de impedir o aprofundamento da desigualdade.

1930 teve pelo menos o mérito de trazer o estado para o centro do epicentro
exercendo um papel mais regulador. A taxação das grandes fortunas, por
exemplo, chegou a 80% no início do governo Roosevelt enquanto não passou
de 35% no segundo mandando de Barack Obama.

A participação tímida do governo na atual crise com certeza será o principal


motivo pelos prováveis intervalos que se seguirão de mais crises.

A partir desta última crise, o mundo se dividiu mais ainda entre aqueles que
defendem o fim do estado ou o “estado mínimo” e aqueles que consideram
que o mercado precisa de ser controlado com políticas públicas e maior
participação na economia. De qualquer forma, o mundo precisará dar uma
resposta urgente e desafiadora a um mundo atual bem mais complexo.

113
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Antes de apresentar qualquer possibilidade de saída vamos dar uma olhada


breve na evolução das taxas de impostos e nos gastos públicos desde o final
do século 19.

174 O Crescimento do Estado Social no Século XX


Olhando a figura 13.1 a seguir podemos perceber a evolução do estado e sua
participação no dia-a-dia dos indivíduos.

Os impactos da crise de 2008 terem sido menor que os da crise de 1930


também podem ser associados à alta participação do estado na sociedade
neste século em comparação com as primeiras décadas do século passado
como mostra claramente o gráfico:

Na presente sessão Piketty detalha os percentuais de gastos dos estados


atuais em educação, saúde, seguro desemprego e aposentadoria mostrando
que o total de gastos sociais chegam a 25-35% da renda nacional.

175 Redistribuição Moderna: Uma Lógica de Direitos


Resumindo: a redistribuição moderna não consiste em transferência de
renda do rico para o pobre de forma explícita. O que ocorre atualmente é o
financiamento de serviços públicos que podem ser oferecidos de forma igual
para toda a população e assim, nivelando de certa forma, a qualidade de vida
entre as diferentes camadas sociais. A redistribuição moderna da renda está
fundamentada no princípio dos direitos fundamentais iguais para todos
historicamente reafirmados tanto na revolução francesa quanto na
declaração dos direitos da constituição americana. Ambas afirmaram
igualdade de direitos como princípio absoluto. Mas na prática, o sistema

114
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
político que se desenvolveu à revelia destas revoluções no século 19 se
preocuparam mais em proteger o direito de propriedade.

176 Modernizar o Estado Social e não o Desmantelar


Esta nova forma de redistribuição criada pelos estados europeus no século
passado baseada na educação, saúde e aposentadoria elevando as taxas para
patamares acima de 40% do PIB tem seus problemas, desafios e limitações
mas marcaram um avanço histórico significativo da sociedade e apesar de
todos conflitos partidários e ideológicos que giram em torno desta questão,
este novo paradigma se tornou um consenso. Não existe qualquer
movimento político sério que reivindique a volta de um estado com um
orçamento com menos de 30% da renda nacional.

Considerando que os impostos são arrecadados e gastos com transparência


para o bem de toda a população não existiria lógica em não se concordar em
aumentar os gastos para 2/3 ou ¾ de toda renda nacional de uma nação. Mas
temos pelo menos duas boas razões para afirmar que isto não ocorrerá no
decorrer do século 21.

Primeiramente, durante o século XX, a taxa de crescimento mundial girava


em torno de 5% bem acima das taxas atuais. O mundo se tornava mais rico
enquanto a participação do estado era mínima até o final da segunda guerra
mundial. Este ambiente foi propício para que o estado assumisse um papel
protagonista do bem-estar social saltando dos 20% do PIB em arrecadação
para 40-50% após a segunda guerra. Hoje o cenário é bem diferente uma vez
que nos encontramos numa fase de baixo crescimento do PIB com
perspectiva de longo prazo. Com baixo crescimento fica mais difícil do estado
querer reivindicar ainda mais elevação de impostos. Soma-se isto com as
novas necessidades do mundo consumista. As pessoas necessitam de mais
dinheiro para viajar, comprar novos produtos de tecnologia, adquirir roupas,
etc. A sociedade precisa de escolher as prioridades entre os diferentes tipos
de necessidades.

Além disto, novas formas de organização nem totalmente públicas nem


privadas irão evoluir durante este século de forma a melhorar a gestão
financeira dos recursos sociais antes que 2/3 ou ¾ da renda nacional sejam
direcionadas para o setor.

A questão sobre a eficiência do estado e como as organizações podem evoluir


a longo prazo foge ao escopo deste estudo. Contudo, iremos analisar mais de
perto a questão do acesso igual à educação, principalmente às universidades

115
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

e logo após, analisar os planos públicos de aposentadoria com contribuição


antecipada (pay-as-you-go) em um mundo de baixo crescimento.

177 As Instituições Educativas Possibilitam a Mobilidade Social?


Um dos objetivos dos gastos públicos com educação é promover a
mobilidade social. Mas será que as instituições públicas estão cumprindo
este papel?

As escolas superiores se proliferaram. Os meios de produção passaram a


exigir mais conhecimento específico, mais tecnologia e a educação
respondeu satisfatoriamente. O nível escolar no ambiente de trabalho é mais
sofisticado atualmente. Portanto, de acordo com dados disponíveis isto não
foi suficiente para possibilitar uma maior mobilidade social. Pelo contrário: a
mobilidade é hoje menor do que nos tempos anteriores ao boom
tecnológico. Os países com maior mobilidade social são os nórdicos e o de
menor mobilidade, os EUA – entre os mais ricos do mundo. Entre estes
extremos se encontram Alemanha, França e Inglaterra. Lembrando que este
cenário mostra uma inversão a qual já foi destacada em capítulos anteriores:
na época das colônias, a terra prometida que garantia ascensão social a partir
do trabalho era os EUA e os países Europeus primavam pela máxima do
conservadorismo.

Os números da Universidade de Havard mostram que a meritocracia não é


um critério para admissão de seus alunos. A média salarial dos pais dos
alunos é de U$ 450.000,00 o que corresponde à média salaria dos 2% mais
ricos dos EUA.

Mas o problema da falta de igualdade de oportunidades e igualdade de


acesso às universidades é uma epidemia mundial onde nenhum país
conseguiu dar uma resposta satisfatória. Creio que o governo Lula / Dilma
deram uma resposta satisfatória a este desafio ao implementar projetos
unificados na área; ENEN, Ciências Sem Fronteira, Fies, Lei de Cotas e outros.
Depois apresentaremos estes programas para o nobre economista que cita o
Brasil somente duas vezes em seu livro.

De qualquer forma, a questão é bem complexa: não existe uma fórmula


mágica para se atingir uma igualdade real de oportunidades para se alcançar
o ensino superior.

116
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
178 O Futuro das Aposentadorias: as Contribuições Previdenciárias
em Época de Fraco Crescimento
Geralmente os planos públicos previdenciários são do tipo pay-as-you-go,
isto é: a parte descontada na folha do trabalhador já é direcionada para pagar
os trabalhadores já aposentados. Diferente dos planos de saúde particulares
onde as contas são personalizadas. Por definição, o tipo PAYGO oferece, por
definição, um retorno igual à taxa de crescimento da economia: a
contribuição disponível para pagar a aposentadoria de amanhã aumenta à
medida que a média salarial aumenta. Este sistema é, na verdade, virtuoso e
promove a harmonia entre as gerações pois é interesse de quem está na ativa
que as crianças tenham uma boa educação para obter um bom emprego para
pagar sua aposentadoria e que a taxa de crescimento esteja sempre a
crescer.

Mas o cenário atual é bem diferente do cenário do pós-guerra quando o


plano PAYGO foi implantado. Na época, além da taxa de natalidade ser alta,
a taxa média de crescimento mundial girava em torno de 5%. Ambiente ideal
para um plano onde o valor contribuído vai diretamente para o trabalhador
já aposentado. Hoje, o retorno do capital girando em torno de 5% e a taxa de
crescimento da economia em torno de 1,5% forçarão os planos de
aposentadoria migrar de PAYGO para planos de capitalização individuais. O
grande impasse é passar de um plano para o outro pois muitos trabalhadores
que já contribuíram ficariam prejudicados. Além do mais, os planos de
capitalização ficam na dependência da volatilidade do mercado financeiro.

De qualquer forma, os planos de aposentadorias que foram arquitetados


quando a expectativa de vida girava em torno de 60-70 anos agora encaram
uma realidade bem diferente onde a expectativa de vida sobe para 89-90
anos. Elevar a idade para se aposentar não é uma saída simples nem mesmo
igualitária. Os trabalhadores mais especializados tendem a querer trabalhar
bem além da idade de se aposentar. Os trabalhadores menos especializados
geralmente começam a trabalhar mais cedo e não querem e nem conseguem
estender sua idade de aposentadoria. Os países que estão tentando mudar
esta política sofrem resistências importantes por este motivo. (É o que está
ocorrendo na era Temer aqui no Brasil).

O desafio dos estados é construir um sistema de aposentadoria unificado


com leis claras e iguais para todos os trabalhadores com conta individual de
forma que o trabalhador saiba o quanto ele irá receber quando aposentar.

117
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

179 O Estado Social nos Países Pobres e Emergentes


Os impostos arrecadados pelos países ricos montam valores sempre
próximos de 45-50% ou até mais da renda nacional. Estes montantes, na
verdade, eram até menores e evoluíram no decorrer do século 20. No
entanto, os países emergentes e pobres a situação se inverte: a maioria deles
não arrecadam mais que 15% de sua renda nacional.

Uma análise histórica mostra que os países ricos têm um importante papel
neste cenário triste. A forma como se deram as independências de cada país
onde fronteiras artificiais foram impostas, onde muitos dos ativos dos países
continuaram nas mãos dos países imperialistas além de formas de governos
impostas pela guerra fria contribuíram sobremaneira para a criação de
estados fracos e corruptos. De qualquer maneira, as formas como os estados
sociais dos países pobres e emergentes irão evoluir é uma questão
fundamental para o futuro do planeta.

Capítulo 14 – Repensando o Imposto de Renda


Progressivo
O imposto progressivo e o imposto sobre herança foram as principais
inovações do século XX para diminuir a desigualdade social. No atual século,
estas duas instituições estão ameaçadas. Piketty irá analisar em mais
detalhes estes dois tipos de impostos numa perspectiva progressiva de
cobrança e o papel fundamental desta forma de tributação para se alcançar
uma sociedade mais igual e redistribuída.

180 A Questão da Tributação Progressiva


Tributação não é uma questão técnica. É sim, uma questão política, filosófica
e cultural. Talvez, a questão mais importante de qualquer questão política.
Sem tributação, ações coletivas seriam impossíveis e as sociedades não
conseguiriam visualizar um destino comum.

Em todas revoluções políticas da história encontramos uma revolução fiscal


correspondente. O antigo regime francês foi varrido do mapa após as
assembleias revolucionárias abolirem os privilégios fiscais da aristocracia. A
expressão “No taxation without representation” presente na independência
dos EUA também ilustra esta afirmação.

118
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Distinguimos três tipos de tributação: tributação de renda, de capital e de
consumo. A tributação de consumo é chamada de tributação indireta pois
não incide diretamente na renda ou no capital. Ela é paga indiretamente no
momento da venda/compra de um bem.

Para além destas retóricas de definições, o importante é classificar os


diversos tipos de impostos em progressivo, proporcional ou regressivo. Se
progressivo, quanto mais se ganha ou quanto mais se tem ou quanto mais se
consome, mais impostos se paga. Se progressivo, as taxas são proporcionais
ao ganho e se for regressivo, quanto mais rico menos se paga. Aliás, foi o
famoso “pool tax” onde Margareth Thatcher defendia o imposto regressivo,
que a tirou do cargo de primeira ministra em 1990.

A maioria das tributações governamentais podem ser classificadas como


proporcionais e, politicamente, não é fácil de se implantar sistemas
tributários que fogem à esta regra. Os tributos progressivos foram um dos
principais responsáveis em evitar que o capital chegasse ao patamar da Belle
Époque e, ao mesmo tempo, os tributos progressivos, são os principais
motivos que explicam as grandes fortunas atuais.

A guerra dos tributos entre países na era do capital sem fronteiras está
fazendo com que muitos países passem a isentar o grande capital como uma
forma de fixar o capital no país. Com isto, existe uma tendência forte da
evolução da tributação regressiva tornando a perspectiva futura ainda mais
sombria em relação às desigualdades.

A existência de um estado social ainda significativo e protetor exigirá que as


tributações não evoluem para regressivas e voltem, no mínimo para um
sistema progressivo. Fica ainda mais incerto o futuro do estado social quando
olhamos para o sistema de tributação dos patrimônios. As heranças sofrem
ainda mais com a síndrome da “curva em forma de sino” onde a taxação cai
à medida que os ativos herdados valem mais.

181 O Imposto Progressivo no Século XX: Um Efêmero Produto do


Caos
O imposto progressivo no século XX foi uma realidade devido ao choque das
duas grandes guerras mundiais como mostra a figura 14.1 a seguir. A alíquota
de imposto para os mais ricos na França, por exemplo, era de apenas 2% em
1914. Logo após o fim da primeira guerra a alíquota já chegava aos patamares
modernos de 50% chegando a 72% em 1924. Vinte anos após o final da

119
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

segunda guerra mundial as alíquotas da tributação de grandes fortunas


voltam a se estabilizarem em torno de 40-50%.

182 Tributação Progressiva na Terceira República


Terceira República Francesa: iniciou-se em 1870 durante a guerra Franco-
Prussiana e terminou em 1940 com a invasão da Alemanha.

Durante a terceira república a França, apesar de afirmar os ideais da


revolução, além de retroceder com o sufrágio universal masculino em 1871
relutou em implantar tributação progressiva sobre salários ou capital.
Somente após o final da segunda guerra mundial que as alíquotas reagiram
progressivamente. O mais interessante era perceber que durante a terceira
república, a elite econômica usava o argumento de que a França era um país
igualitário e, portanto, não precisava de política de tributação progressiva.

183 Tributação Confiscatória da Alta Renda: Uma Invenção


Americana
EUA e Inglaterra nos períodos entre guerras lançaram mão de tributações
progressivas mais que os demais países da Europa – principalmente os EUA.
A alta taxação das grandes fortunas não tinha nenhum objetivo de buscar
novas receitas. O objetivo era tentar desmotivar as grandes fortunas para
não criar conflitos sociais e manter tentar manter os princípios do ideal
americano de igualdade.

120
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
Logo após a primeira guerra muitos americanos começaram a se preocupar
com o caminho de extrema desigualdade que os EUA estavam se dirigindo.
Os americanos reagiram à esta escolha pela desigualdade logo após a
primeira guerra. Em 1919 os americanos com alta renda já eram taxados em
70% de tributos federais. E, em 1933, Roosevelt também taxa os imobilizados
acima de 70%.

A onda da super tributação chega na Inglaterra. Em 1942 a alíquota sobre a


renda subiu para 80% e em 1944 alcançava o valor astronômico de 94% se
estabilizando em 90% até o início da década de 60. A média da tributação
das grandes fortunas nos EUA entre 1932-1980 alcançou nada mais nada
menos que 81% da renda.

184 A Explosão dos Salários dos SuperGerentes: O Papel da


Tributação
A partir da década de 70 os EUA e a Grã-Bretanha diminuíram suas alíquotas
de impostos sobre os mais ricos diferentemente da Alemanha e França. Este
comportamento conservador dos dois países está diretamente relacionado
com o sentimento de ameaça devido à reação econômica de outros países.
Esta recuperação econômica do Japão, China e outros países criou um
ambiente propício para a implantação de políticas conservadores e
concentradoras de renda nas gestões de Ronald Reagan e Margareth
Thatcher.

Com a queda das alíquotas sobre os mais ricos, os salários dos grandes
gestores começaram a subir. Até a década de 80 não era de interesse deles
forçar um salário mais alto, pois grande parte iria diretamente para o
governo. Com o leão mais manso sobre os salários astronômicos, estes
gestores conseguiram convencer as partes interessadas das grandes
organizações (conselheiros, acionistas, etc.) de que a produtividade marginal
de seus trabalhos seria diretamente proporcional aos salários reivindicados.
Assim, nascia o fenômeno dos salários astronômicos dos executivos
americanos.

Já foi mostrando em sessões anteriores que este alto salário não é algo
meritocrático. Sabemos que o PIB per capita dos países desenvolvidos não
aumentou em nada com o advento desses super-salários. Piketty, Emmanuel
Saex e Stefanie Stantcheva fizeram pesquisas que foram além de
comparações internacionais para mostrar que a grande ascensão dos salários
dos supergestores é simplesmente uma questão de alíquotas bondosas. A

121
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

única forma de resolver esta questão seria o retorno das alíquotas mais
pesadas como ocorriam antes da década de 80.

185 Repensando a Questão da Taxa Marginal Superior


Tais pesquisas mostraram que uma alíquota nas rendas dos 1% mais ricos
não só é possível como também seria a única saída para conter a ascensão
dos altos salários. De acordo com as estimativas desta pesquisa, 80% seria a
alíquota ótima para resolver de vez esta questão. Na verdade, a receita não
iria melhorar uma vez que os salários desses milionários iriam migrar para
faixas menores. Por isto, faixas menores também deveriam sofrer aumentos
de taxas na ordem de 60% - estamos falando em salários de U$200.000,00
trazendo impactos positivos para as receitas dos estados.

Mas Piketty não é nada otimista em relação à implementação desta visão da


alíquota progressiva. Pelo contrário: aqueles que deveriam mudar as leis que
são representantes legitimados pelo sufrágio universal estão no topo da
cadeia dos rendimentos. Tal ideia foi implantada no século passado graças
aos choques tanto econômicos quanto psicológicos das duas grandes
guerras. A tendência, segundo Piketty, é de um século XXI mais parecido com
a Belle Époque do que com os tempos dourados dos anos 60 onde o capital
deu uma arrefecida mitigando um pouco as desigualdades.

Capítulo 15 – Um Imposto Global Sobre o Capital


Para regular o capitalismo patrimonial no século XXI não bastará rever o
modelo fiscal e social do século XX e adaptá-lo aos dias atuais. Fundamental
que duas ações sejam tomadas: tributação progressiva e volta de um estado
social forte. Mesmo que a democracia se sobreponha ao poder do mercado
financeiro, ela terá que se reinventar. Uma questão central deverá ser
atacada: o controle financeiro internacional com total transparência. Piketty
analisará mais detalhadamente a questão da tributação progressiva e
posteriormente fará algumas reflexões acerca do controle internacional do
capital.

186 Um Imposto Global Sobre o Capital: Uma Utopia Útil


Uma tributação global sobre o capital é uma ideia utópica. A implantação
desta ideia é realmente de difícil execução. Uma forma de torná-la exequível
seria implementar por região começando na Europa, por exemplo. Não
podemos esquecer que a tributação progressiva que ocorreu entre as duas

122
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
grandes guerras também era algo impensável e totalmente utópica no final
do século XIX e início do século XX. A proposta de Piketty é tributar
globalmente o alto capital de forma progressiva e todos os tipos de capital
incluindo os ativos. Para se ter uma estrutura fiscal de tributação mundial
com o mínimo de distorções possíveis será necessário tirar lições dos
diversos tipos de tributação que falharam ou que são casos de sucesso. Os
países de língua inglesa possuem sistemas distintos dos sistemas da França
que por sua vez são diferentes dos interessantes sistemas de tributação da
China, etc.

187 Transparência Democrática e Financeira


A proposta de criar uma tributação global não tem como objetivo aumentar
as receitas do estado nem substituir as demais formas de arrecadação já
existentes. O propósito principal seria a regulamentação do mercado
financeiro. O objetivo primeiro seria interromper o aumento incontido da
desigualdade de riquezas e segundo, impor uma regulação efetiva no sistema
bancário para evitar as crises cíclicas. Para alcançar tais objetivos o sistema
global de tributação precisa promover transparência financeira
democrática.

A transparência é fundamental pois se a tributação é global como saberíamos


que a arrecadação sobre grandes riquezas está gerando os valores corretos
caso os países não ofereçam relatórios e dados confiáveis?

Com a transparência tal tributação forçaria os governos a ajustar os acordos


internacionais relacionados aos compartilhamentos de dados entre bancos.
O princípio é simples: as autoridades de cada país responsáveis em recolher
esses impostos receberiam toda informação necessária para efetuar os
cálculos das bases do imposto de cada cidadão. E considerando que a taxas
seria relativamente pequena (0.1%), os milionários optariam em pagar
evitando problemas fiscais com as autoridades tanto nacionais quanto
internacionais.

188 Uma Solução Simples: Transmissão Automática de Informações


Bancárias
O primeiro passo para se implantar a tributação global será estender a nível
internacional todas as transações bancárias para que cada país tenha o
controle dos ativos dos contribuintes.

A missão não é simples, mas já foram dados os passos iniciais para alcançar
este objetivo. O Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA) dos EUA já

123
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

prevê que todos os bancos mundiais informem as transações e ativos dos


contribuintes americanos. A União Europeia também possui algum tipo de
controle não tão rígido quanto o FATCA, mas já é um início. De qualquer
forma, os controles atuais são insuficientes. Seria necessário implantar
penalidades não só aos bancos como também aos países que se recusarem a
prestar contas.

189 Qual o Propósito de um Imposto Sobre o Capital?


Com a tributação progressiva, o estado se contentaria com 0.1% sobre o
capital ou uma alíquota mais substancial seria necessária? A questão deve,
na verdade, ser colocada de outra forma: qual é, afinal, o objetivo da
tributação progressiva do capital? Primeiramente, é importante destacar que
existem duas justificativas para se aplicar tabela progressiva: contributiva e
incentivada.

A ideia contributiva é simples: a taxação não pode ser feita somente sobre a
renda, mas necessariamente sobre os rendimentos originados desta renda.
Por exemplo, um bilionário que possui 10 bilhões de euros terá um
rendimento de 500 milhões de euros/ano. Tal indivíduo, por mais bom gosto
possa ter, não conseguirá gastar estes 500 milhões de euros. Este retorno do
capital, portanto, precisa ser tributado de forma progressiva. Os sistemas
atuais esquecem este tipo de tributação e assim, ao invés de fazerem o
importante papel de distribuição de renda, os sistemas estão fortalecendo a
lógica da desigualdade.

A outra justificativa para a implementação da tributação progressiva se


baseia na ideia do incentivo. A ideia básica é a seguinte: taxar capital
incentiva buscar o melhor investimento e, portanto, o melhor retorno do
capital para compensar o imposto que será cobrado posteriormente. Por
exemplo, uma alíquota de 1-2% sobre um capital onde o empreendedor
consegue um retorno de 10% é um imposto pouco significativo. Assim, o
capital nas mãos de empreendedores acomodados tende a ser transferido
para empreendedores mais arrojados fazendo com que ele tenha uma
participação mais ativa nos processos de produção.

Por outro lado, sabemos que o retorno do capital é uma grandeza volátil e
que o próprio empreendedor, por mais competente que seja, não tem total
domínio sobre ele. Por isso, a tributação deve ser feita não somente sobre o
capital. São três os pilares na tributação progressiva que se complementam:
tributação sobre herança, capital e renda.

124
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
190 Um Projeto para Tributação da Riqueza na Europa
Qual seria o plano de implantação para um sistema de implantação global e
o que este sistema poderia nos trazer de ganhos? Primeiramente teríamos
que tributar as grandes heranças uma única vez a cada geração. A tributação
das grandes propriedades poderia gerar em torno de 0.5 a 1% de rendimento
tributário considerando que o valor assumido do retorno do capital dessas
propriedades gira em torno de 3 a 5%.

O próximo ponto é importante. O alto nível de riqueza privada que impera


hoje na Europa trará uma receita considerável com a tributação progressiva.
Aplicando a tabela abaixo, por exemplo, teríamos uma receita líquida de 2%
do PIB europeu.

Riqueza em Euros Alíquota Progressiva

Até 1 milhão 0%

Até 5 milhões 1%

Acima de 5 milhões 2%

Tanto a FATCA quanto a União Europeia não têm a intenção de trabalhar com
tributação progressiva. O objetivo deles não vai além de informar às
autoridades sobre os ativos dos contribuintes para diligências internas
relativas à sonegação.

191 Tributação de Capital Em Uma Perspectiva Histórica


Nos tempos da Grécia antiga Aristóteles destacava que juros significava tocos
- criança em grego. Aristóteles afirmava que dinheiro não poderia fazer
nascer mais dinheiro. Isto nos idos anteriores à Idade Média. A partir da
Idade Média e até os dias atuais, obter mais riquezas a partir do capital sem
exercer qualquer esforço nunca foi considerado algo imoral, antiético ou
ilegal. O princípio geral dos juros desde então se tornou inquestionável.

A consequência em se aceitar os juros como algo normal e natural vez com


que o capital se reproduzisse também naturalmente perpetuando as
desigualdades e concentrando cada vez mais a riqueza.

A solução apresentada por Karl Marx para este problema foi colocada em
prática na antiga União Soviética. O Capital foi apropriado pelo estado e o

125
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

retorno privado caiu a 0%. Mas a questão de uma classe burocrática


responsável em administrar todo o capital que um dia estava nas mãos dos
indivíduos trouxe um custo que, no final, todos nós sabemos qual foi o
resultado.

Tributar progressivamente o capital ao invés de torná-lo totalmente


centralizado no estado é uma solução mais inteligente e eficaz. É a única
resposta para a desigualdade r > g.

Piketty faz um resumo dos sistemas de tributações atuais mostrando suas


falhas e a eficácia zero para tentar resolver o problema do acúmulo do
capital.

Por fim, mostra que a tributação global progressiva do capital é uma ideia
nova que precisa ser discutida democraticamente por todos os líderes e
organizações mundiais para a sua implementação.

192 Formas Alternativas de Regulação: Protecionismo e Controles


de Capital
Não temos outra forma de controlar o capital a não ser com tributação
progressiva. Outras formas estão sendo utilizadas, mas sem sucesso. As
formas são o protecionismo e o controle de capital. O protecionismo como
forma de proteger setores de econômicos de um país de problemas de mão
de obra escrava e processos comerciais ilegais de outros países é
perfeitamente justificável e uma ferramenta que deve ser usada. Mas o
procedimento não muda em nada o controle do capital, apenas fortalece
determinados setores sem ocorrer diminuição de desigualdades.

Outro procedimento é o controle do capital. Após a queda do muro de


Berlim, os economistas do capital entraram em êxtase e suas corporações
foram juntas. O FMI e a OCDE mandaram às favas os controles de capitais e
propagaram a ideia de autocontrole da economia. Com isto, o capital nadou
de braçada nos países do terceiro mundo aumentando ainda mais as
desigualdades entre as nações.

193 O Mistério da Regulação do Capital Chinês


Nem todos países caíram no canto da sereia do livre fluxo de capitais. A China
é um bom exemplo. O controle de ações é rígido e o estrangeiro não pode
ter controle majoritário sobre ações. Da mesma forma para a saída de capital
que é totalmente controlada. Além disto, as tributações do capital na China

126
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
são mais progressivas que nos países desenvolvidos e a receita originada são
investidas em educação, saúde e infraestrutura. Sem dúvida, apesar de ser
um sistema pouco, a tributação na China tem mais chances de se tornar um
sistema progressivo como sugerimos do que os sistemas europeus.

194 A Redistribuição das Receitas do Petróleo


A distribuição mundial dos recursos mundiais principalmente o petróleo é
um fator complicador da regulação internacional do capital. Se a terra fosse
uma simples e única comunidade democrática, os recursos poderiam ser
distribuídos de forma mais igual. Como o mundo não é este, a distribuição de
recursos naturais é feita quase sempre na imposição de fronteiras artificiais
e muitas vezes na força explícita da guerra. As regiões com poucos recursos
sofrem com a pobreza e os países no oriente médio que possuem muitos
recursos - quase sempre construídos sob fronteiras impostas pelos impérios
- não utilizam a renda oriunda desses recursos para melhorar a educação,
infraestrutura ou saúde.

Uma nova sistemática do controle de capital deverá encontrar meios de


alcançar uma distribuição mais justa dos rendimentos do petróleo seja
através de obrigações fiscais, impostos ou ajuda internacional com o objetivo
de dar oportunidade aos povos carentes de todos países de usufruir da
riqueza do planeta.

195 Redistribuição Pela Imigração


A imigração é um caso oposto ao problema dos recursos naturais. Mover
capital é bem mais complexo e envolve mais conflitos de interesses do que a
imigração. É bem mais simples permitir deslocamentos de mão de obra de
uma região ou país com salário menor para uma região com salário mais alto.
Aliás, esta foi a grande contribuição dos EUA para a história da distribuição
de renda mundial. No início da colonização o país possuía 3 milhões de
habitantes. Hoje são 300 milhões. A imigração força o capital a não se
acumular tanto e torna suportável o ambiente de desigualdades. Os
imigrantes nos EUA apesar de estarem em posição bem inferior do que a
média da renda nacional, se sentem, de certa forma, confortáveis, pois, nos
seus países de origem estariam ainda piores. Isto suaviza os conflitos de
classe.

É claro que a imigração mitiga um pouco o problema da desigualdade, mas


não resolve a questão. Parte da desigualdade em um país pobre é deslocada
para um país mais rico. No entanto, a tendência de concentração de renda
continuará caso não se contenha o capital a partir de tributação progressiva.

127
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Caso não se tenha estados sociais fortes e globalmente não se construa um


sistema de regulação do capital, a imigração continuará sendo um tema
tratado com ódio e nacionalismo. A África passaria a ter vantagens em
relação à imigração, por exemplo. Com tributações internacionais mais justa
não teríamos o débito atual da África onde os valores que saem do
continente são maiores que os valores de ajuda que entram.

Capítulo 16 – A Questão do Dívida Pública


Existem apenas duas formas de um governo financiar suas despesas: com
impostos ou com débitos. É claro que usando a segunda forma, tem-se a
vantagem de não se ter custo de arrecadação mas chega um momento em
que o compromisso deve ser quitado. Dependendo dos juros praticado, a
segunda forma faz com que as riquezas migrem sempre para o lado daqueles
que possuem o capital para emprestar. Existe situações em que seria
interessante o uso do débito público. Atualmente estamos em um ciclo de
débitos. Todas as grandes nações estão com dívidas equivalentes ao valor de
seu PIB. Por outro lado, os países pobres estão com dívidas públicas que
giram em torno de 30% do PIB. Dívida pública não é indicador de riqueza de
um país como mostra o exemplo acima. Não passa de transferência de
riqueza do setor público para o privado e vice-versa. Europa vive hoje um
paradoxo: continente com maior riqueza privada do planeta e uma extrema
dificuldade em resolver suas dívidas públicas.

196 Reduzindo a Dívida Pública: Impostos Sobre o Capital, Inflação e


Austeridade
O estado pode seguir três caminhos para diminuir sua dívida. A mais
adequada sem dúvida é a tributação progressiva e controle do capital
principalmente na Europa onde quase todo líquido positivo de capital se
encontra no setor privado. Outra solução, como no passado, é fazer uso da
inflação para transferir riquezas do setor privado para o público. A forma
menos aconselhada é a que está sendo feita hoje na Europa: austeridade
prolongada. Considerando que a soma dos ativos dos estados europeus com
os débitos está próxima de zero, como eles conseguiriam zerar seus débitos?
Vendendo seus ativos?

A dívida pública do Brasil já está em 67% do PIB (setembro 2016). E este é o


raciocínio da direita brasileira ou como diria Marx, do lupem burguês: vender ao

128
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
máximo os ativos do estado para liquidar o débito público e levar um por fora, é
claro.

E é evidente que esta não é a solução. Se os ativos são vendidos, toda nação
irá pagar aluguel para usar os ativos que foram vendidos aos compradores
que são, é claro, os 10% dos capitalistas que possuem mais de 60% das
riquezas domésticas dos países. Assim, a dívida pública volta a crescer e a
concentração de renda alcançaria níveis alarmantes que faria inveja aos
indicadores da Belle Époque.

Voltamos à tecla que temos que pressionar incansavelmente: a solução mais


racional e justa é cobrar taxas excepcionais do capital que no caso da maioria
dos países no mundo está sob a tutela do mundo privado.

197 A Inflação Redistribui Riquezas?


Sem dúvida, a melhor forma de diminuir grandes montantes de dívidas
públicas seria a tributação progressiva ao capital. Mas uma outra maneira já
foi utilizada com sucesso principalmente no final da segunda guerra mundial.
Os títulos das dívidas públicas geral são ativos nominais – isto quer dizer que
são valores pré-fixados livres do fator inflacionário. Assim, o governo da
Alemanha, por exemplo, logo após a segunda guerra mundial financiou sua
reconstrução com dinheiro usando a inflação para fazer acontecer um alto
fluxo de capital do setor privado para o público sem aumentar sua dívida pois
os títulos para captar dinheiro no mercado não eram indexados na alta
inflação da época.

Curiosamente temos o Banco Central dos EUA, o Banco Central do Japão e o


Banco Central da Inglaterra tentando aumentar a inflação atualmente para
tentar aliviar os débitos públicos desses países que giram em torno de 229%,
104% e 89% respectivamente – ver tabela de dívida pública mundial na
sessão 47. Caso sejam bem-sucedidos, estes 3 países se recuperarão bem
mais rápido do que os países da zona do Euro.

Dado o estratosférico débito público da maioria dos países desenvolvidos,


além de uma necessária e excepcional taxação do capital, será necessário
usar também a inflação para se livrarem mais rapidamente de suas dívidas.

Um exemplo de que a austeridade não seja o caminho correto para se sair de


crises pode ser visto na história da Inglaterra. Após as guerras napoleônicas
a dívida deste país foi equilibrada com superávits primários de 2-3% do PIB
somente depois de 99 anos – 1814 a 1913! Lembrando que na época a
inflação na Inglaterra era mínima contribuindo para este período eterno de

129
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

acertos fiscais. Não foi à toa que Inglaterra ficou estagnada economicamente
todo este período (ocupando-se somente em enriquecer ainda mais os credores
privados da época).

Usar a técnica da inflação para diminuir dívida pública pode ser uma faca de
dois gumes. Depois que a inflação é instalada ela fica difícil de se controlar.
Na França a inflação chegou a 50% entre 1945 e 1948 e na Alemanha em
1923 os preços das mercadorias chegaram a se multiplicar por 100 milhões!
Além disto, a inflação é um fardo para os pequenos poupadores não
empreendedores pois capital parado é o mais penalizado em épocas de
inflação.

Concluindo, a inflação poderia ser usada para reduzir a dívida pública, mas o
desafio dos governantes seria mantê-la sob controle e, para que os pequenos
investidores não sejam tão penalizados, mantê-la alta por pouco tempo e,
após se resolver a dívida, promover políticas distributivas para compensar
possíveis perdas da população. De qualquer forma, sem a taxação
excepcional do capital, qualquer procedimento apenas jogará lenha na
fogueira dos fatores divergentes de desigualdade.

198 Qual o Papel dos Bancos Centrais?


Para melhor entender o papel da inflação e principalmente dos bancos
centrais na regulação do capital temos que voltar um pouco na história antes
da atual crise para uma análise mais ampla. Antes, quando o ouro era o
padrão de todas as moedas – antes da primeira guerra mundial – os bancos
centrais tinham uma importância bem menor na economia. O poder de criar
dinheiro estava sempre limitado na quantidade de ouro ou prata que se tinha
em estoque. Reside problemas sérios no padrão ouro. O sistema se
desestabiliza quando o PIB mundial aumenta e as descobertas não. Ou
quando se descobre muitas reservas de ouro ou prata enquanto o PIB se
estabiliza causando aumento de preços e ganhos para alguns e muitas perdas
financeiras para outros. Com certeza, o padrão ouro nunca mais volta para
ser a base de controle monetário mundial. Keynes se referia ao ouro como
uma relíquia bárbara.

Se o ouro não é base para geração de moedas, o Banco Central passa a ter
um poder imenso sobre a economia e precisa, portanto, ser regulamentado.
Esta é a questão central da discussão sobre a independência ou não do Banco
Central. Deixá-lo solto e autônomo é transferir poder de instituições

130
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
democráticas eleitas diretamente para grupos tecnocratas que não passaram
no crivo de nenhum escrutínio.

Apesar do debate acirrado, hoje é consenso que o Banco Central tem um


papel de garantir saúde financeira das economias. O papel dele é evitar
bancarrotas e garantir liquidez. Na crise de 1930 quando o Banco Central
ainda digeria o poder que lhe foi dado de geração de moeda, a bancarrota
foi generalizada por falta de liquidez. O Banco Central dado sua imaturidade
– o padrão ouro tinha sido banido há pouco tempo – não cumpriu seu papel
regulador. Esta foi a principal causa da crise de 30 ter sido bem maior que a
crise de 2008.

Para Friedman, a solução para qualquer crise econômica se encontra única e


exclusivamente em controles monetários, isto é, controle de emissão de
moedas. Para Friedman e todos monetaristas que formaram a base do
liberalismo que se alastrou no final da década de 70, o New Deal que tirou os
EUA da crise foi uma farsa custosa e inútil.

Mas sem entrar na discussão de política monetarista liberal X keynesiana,


todos são unânimes: o papel do Banco Central é garantir liquidez e segurança
no mercado impedindo bancarrotas e crises como a de 1930.

Mas hoje afinal, o que os Bancos Centrais fazem? É importante destacar que
eles não produzem riqueza, mas a distribuem. Ao efetuar um empréstimo de
alto valor para uma determinada organização, ocorre uma dança de ativos e
passivos, mas o capital total do país continuará inalterado.

Para resolver pânicos financeiros, crises de guerra ou desastres naturais a


melhor ferramenta é o Banco Central que pode imprimir milhões de cédulas
para um financiamento rápido e resolver a questão pontual. Outras soluções
são morosas e não apropriadas dado a urgência. Criar um novo imposto ad-
hoc, aguardar sua tramitação no congresso, etc não é uma solução
inteligente para momentos de crise.

199 A Crise cipriota: Quando a Tributação do Capital se Junta à


Regulação Bancária
O caso da Grécia é extremo e exemplar. Exige-se da Grécia que ela faça os
mais ricos pagarem mais impostos. Trata-se sem dúvida de uma excelente
ideia. O problema é que, na ausência de uma cooperação internacional
adequada, a Grécia, evidentemente, não tem os meios para arrecadar,
sozinha, um imposto justo e eficaz, pois é muito fácil para os seus cidadãos
mais ricos deslocar seus fundos para outros países, muitos deles europeus.

131
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

As autoridades europeias não tomaram medidas que permitissem uma


implementação de tributação internacional e regulamentação bancária. Em
consequência, na falta de recursos fiscais adequados, tanto a Grécia como os
outros países envolvidos na crise criam receitas por meio da venda dos ativos
públicos que ainda lhes restam, em geral a preços baixos, o que para os
compradores — gregos ou europeus de diversas nacionalidades — sem
dúvida é mais interessante do que pagar impostos.

Outro caso interessante é o Chipre de março de 2013. O Chipre é uma ilha


com um milhão de habitantes que se juntou à União Europeia em 2004,
depois à zona do euro em 2008. Seu setor bancário é hipertrofiado,
aparentemente pelo fato de possuir grandes depósitos estrangeiros,
sobretudo russos, atraídos pelo regime fiscal frouxo. O problema, na
verdade, é que os bancos cipriotas não têm o dinheiro que aparece em seus
balanços. As quantias parecem ter sido alocadas em títulos gregos hoje
desvalorizados e investimentos imobiliários em parte ilusórios.
Naturalmente, as autoridades europeias hesitam em usar o dinheiro do
contribuinte europeu para cobrir os bancos cipriotas sem uma contrapartida,
sobretudo porque se trata, no final das contas, de cobrir os milionários
russos.

Depois de meses de reflexão os responsáveis pela crise europeia tiveram a


triste ideia de aplicar uma tributação progressiva equivocada sobre as contas
nestes bancos. Ocorre que um milionário russo pagava quase que a mesma
taxa de um poupador comum pois as taxas eram muito semelhantes. Além
disto, a base da tributação ficou pouco clara e os milionários eram taxados
somente no ato do depósito. Os valores já em conta, bastava fazer uma
transferência para títulos, ações ou bônus. Esta proposta foi violentamente
rejeitada pela população de Chipre que percebeu que a proposta era, na
verdade, regressiva.

Esse episódio é interessante por ilustrar as limitações dos bancos centrais e


das autoridades financeiras. Sua força é a rapidez de ação; sua fraqueza, a
capacidade limitada de direcionar corretamente as redistribuições que eles
realizam. A conclusão é que o imposto progressivo sobre o capital é não só
útil enquanto imposto permanente como também pode desempenhar um
papel central na forma de arrecadação excepcional (com taxas às vezes bem
mais elevadas) no contexto da regulação de grandes crises bancárias.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
200 Euro: Uma Moeda Sem Estado Para o Século XXI?
A decisão de criar o Euro surgiu no tratado de Maastricht em 1992 e a ideia
implementada em 2002. Naquela época, quando o neoliberalismo se
fantasiava de salvador da economia mundial, o papel dos bancos centrais era
visto apenas como um regulador da inflação sem atuação de controle maior
e com total independência dos governos democráticos. Talvez por isso, que
o Euro tenha surgido. Mas com a crise de 2008 perceberam que os bancos
centrais e, por conseguinte o Banco Central Europeu foram personagens
importantes para evitar uma crise maior e perceberam que o neoliberalismo
não era solução para nenhuma crise.

Ainda hoje, o estatuto do BCE prioriza a inflação baixa sobre o pleno emprego
e o crescimento refletindo ainda a ideologia neoliberal de 2002.

E, ainda mais importante, esses estatutos impedem o BCE de comprar dívidas


públicas recém-emitidas do governo: ele deve antes deixar os bancos
privados emprestarem seu dinheiro aos Estados da zona do euro (às vezes a
uma taxa mais alta do que aquela a que o BCE emprestou aos bancos
privados), depois recomprar os títulos no mercado secundário, o que ele
acabou fazendo para os países do sul da Europa.

Em meio à crise instalada em 2008 na Europa, é quase impossível organizar


um debate democrático tranquilo sobre os esforços necessários e sobre as
reformas indispensáveis do Estado social europeu. Para os países do sul da
Europa, trata-se de uma péssima combinação. Antes da criação do euro,
podia-se reativar a competitividade desvalorizando sua moeda interna e
impulsionando a atividade econômica. Pela lógica, a contrapartida da perda
da soberania monetária deveria ser a garantia da possibilidade de tomar
emprestado, se necessário, a taxas baixas e previsíveis.

201 A Questão da Unificação da Europa


Para resolver estas contradições, a Europa precisa urgente de reinventar seu
parlamento. O parlamento europeu atual possui 27 países e muitos não
estão na zona do euro e não estão interessados em resolver questões de
forma unificada. Um novo parlamento formado somente por países do Euro
com parlamentares eleitos pelos próprios países com legitimação
democrática seria um grande passo. As metas de redenção (níveis de dívida
pública) e orçamentárias poderiam ser programadas de forma consensual e
conjuntas.

133
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Sem uma evolução desta magnitude fica bem difícil imaginar uma saída desta
crise da zona do Euro. As dívidas e déficits devem ser compartilhados.

Uma questão crítica é o imposto sobre os lucros das empresas. Na Irlanda e


em alguns países do leste europeu as taxas são irrisórias. Esta estratégia vai
de encontro com as ideias de unificação. A melhor solução seria haver uma
declaração única de lucros de toda a Europa na zona do Euro e buscar
integrações entre os bancos e estados para impedir que grandes
multinacionais transfiram seus lucros (o caso da Google na Inglaterra é um
exemplo) para países fora da zona do euro com leis que não obriguem a
arrecadação de impostos com altas taxas.

O imposto sobre o capital individual também é um problema para a


unificação europeia. Gerard Depardieu também é um bom exemplo quando ele
usou a Rússia para se livrar das altas tributações da França. O conceito de
residência do detentor do capital deveria ser trocado pelo conceito de
residência do capital. Isto poderia diminuir os fluxos de capitais entre os
países da zona do euro como subterfúgio para sonegação de impostos.

Tudo isto é utópico? Não, se considerarmos que antes da primeira guerra era
utópico taxar grandes fortunas em até 80% ou mais como foi feito durante o
século passado. Se deixássemos de fazer algo por parecer utópico, hoje nem
existiria uma moeda independente de estados como foi idealizado o Euro em
1992. Assim, questões como taxa de juros da dívida pública, imposto
progressivo sobre capitais e tributação dos lucros das multinacionais
deveriam sair da soberania única de uma nação e se tornar uma questão
fiscal unificada.

202 Poder Público e Acumulação de Capital no Século XXI


Numa sociedade ideal qual seria o nível ideal de endividamento público? Ou
melhorando a questão: qual o nível ideal de capital público em relação ao
capital total nacional? Enfim, de acordo com que já foi estudado, qual seria
o melhor valor para β (capital total / renda nacional)? É difícil uma resposta
exata mas podemos fixar uma margem limite dentro de determinadas
hipóteses. Seria razoável que o retorno r do capital – teoricamente dentro
dos parâmetros de sua produtividade marginal – não ultrapasse a taxa de
crescimento do PIB g. No século XIX r girava em torno de 4 a 5% e o
crescimento não passava de 1%. Para diminuir o retorno do capital
precisaríamos de acumular mais e mais capital. Difícil dizer qual a quantidade

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
deveria ser acumulada, mas com certeza, valores bem acima de 5, 6 ou 7
vezes o valor do PIB.

Na verdade, a coisa vista desta forma se torna bem abstrata. A regra de outro
r = g não é algo prático. Difícil qualquer sociedade acumular tanta riqueza
para depois, evitar o acúmulo e concentração de renda. Mas existe uma regra
interessante implícita nesta lógica r = g. Podemos concluir após alguma
reflexão (reflexão presente na sessão original de Piketty) que a regra de outro
se assemelha a uma estratégia de saturação do capital. Acumula-se tanto
capital que a sociedade chegará num ponto onde os rentistas não terão mais
o que consumir pois seria necessário usar todo capital para reinvestir para
que o capital cresça no mesmo ritmo da economia e preservar o mesmo
status social da média da sociedade. Isto, se r = g. Mas com r > g será o
suficiente reinvestir a cada ano uma parte do retorno do capital
correspondente à taxa de crescimento e consumir o resto. A desigualdade r
> g é, portanto, o mundo ideal dos rentistas.

203 Direito e Política


O tratado de Maastricht em 1992 que fundou o euro fixou a dívida pública
em 3% do PIB e que a dívida pública total não poderia ultrapassar 60% do
PIB. Ninguém nunca conseguiu explicar a lógica econômica por trás destes
números dos “cabeças de planilha”. Como fixar dívida de um conjunto de
países se os ativos e capital público de cada país são variáveis indispensáveis
para se determinar a capacidade de endividamento de cada um? Voltamos
no problema de um conselho democrático e unificador para tratar estas
questões. Varais razões nos levam a afirmar que não é nada sensato escrever
em mármore jurídico ou constitucional estes critérios orçamentários. Tal
poder não pode ser deslocado para o judiciário. Em tempos de crises, limites
econômicos ou orçamentários não são os mesmos que em tempos de
bonança. Por isso, as decisões precisam ser políticas e democráticas e não
judiciais como está ocorrendo atualmente.

A história mostra o viés conservador e inflexível do judiciário quando se trata


de questões orçamentárias. Na Europa existe a tendência de se priorizar o
direito absoluto de livre circulação de bens e capitais sobre os direitos dos
Estados de promover o interesse geral – o que inclui o direito de arrecadação
de impostos.

Não podemos esquecer que atualmente a Europa nunca esteve tão rica. O
patrimônio púbico líquido é quase zero em todas as nações do Euro, mas o
capital privado nunca esteve tão elevado. O fato é que os países europeus

135
O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

jamais estiveram tão prósperos. Vergonhosamente, o capital nacional é


extremamente mal repartido: a riqueza privada vive da pobreza pública e,
sobretudo, por consequência, há uma despesa muito maior em juros da
dívida do que o que investimos, por exemplo, no nosso ensino superior. (No
Brasil o contexto é o mesmo só que em um nível ainda mais alarmante – estou
em outubro de 2016). Hoje, a dívida pública está custando muito caro às
finanças púbicas. Esta é a principal razão pela qual é necessário reduzir esta
dívida por meio de tributação progressiva. Mas estas decisões, de qualquer
forma, devem vir de um parlamento soberano e democrático.

204 Mudança Climática e Capital Público


Piketty coloca a questão da degradação do capital natural do ser humano no
decorrer do século XXI e como o poder público iria poupar capital público
para tentar mitigar ou diminuir esta perda. Ele mergulha num tema que ele
pouco conhece do aquecimento global e fala algumas besteiras como a
possibilidade de inibir o uso de hidrocarbonetos.

A verdade é que atualmente a área do meio ambiente está contaminada pela


“bad Science” e com isto, as conclusões e as políticas públicas mundiais sobre a
questão estão totalmente equivocadas. Melhor desconsiderar esta sessão do
livro.

205 Transparência Econômica e Controle Democrático do Capital


O verdadeiro desafio do futuro não seria exatamente a questão do meio
ambiente. O desafio do futuro é, sem sombra de dúvidas, o desenvolvimento
de novas formas de propriedade e de controle democrático do capital. Pode
existir formas híbridas de organizações que não sejam nem totalmente
públicas nem totalmente privadas com controle público e democrático sobre
as decisões. Para isto precisamos de evoluir em relação à transparência fiscal
e econômica. Este é um desafio de governança democrática com participação
popular nas decisões das organizações.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Conclusão

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

Durante todo o livro, foi apresentado todo o conhecimento humano relativo


à distribuição das riquezas desde o século 18 até os dias atuais. Temos daí
algumas lições que podemos tirar.
Os estudos apresentados sobre este tema neste livro foram os mais amplos
e detalhados do que qualquer outro em todos os tempos. Porém, a pesquisa
científica nunca é nem será definitiva. Nada substitui o amplo e aberto
debate democrático.

206 A Contradição Central do Capitalismo: r > g


A conclusão geral deste estudo é que a economia de mercado baseada na
propriedade privada contém forças convergentes baseadas no
conhecimento e em novas habilidades no âmbito do trabalho. No entanto,
as forças divergentes existem e atuam de tal forma que passam a ser uma
ameaça às sociedades democráticas. Quando não se tem sistemas eficientes
e democráticos de controle do capital o fator r tende a perdurar por longo
tempo acima de g (taxa de crescimento da economia) trazendo mais
concentração e maior desigualdade. Isto se torna um ciclo vicioso levando os
empreendedores a abdicar mais e mais de ações diretas nos meios de
produção valorizando a relação capital X produtividade marginal e a se
dedicar ao nada dos rendimentos financeiros graças ao alto índices do
indicador r.

A solução mais clara para esta sinuca de bico é a tributação progressiva sobre
o capital que irá evitar a tenebrosa espiral da desigualdade. A experiência
histórica mostra que as desigualdades de riquezas tão extremas não têm
relação com o espírito empreendedor e nenhuma utilidade para o
crescimento. A desigualdade, enfim, é inimiga da “utilidade comum”;
retornando à expressão que foi utilizada pela declaração de 1789 com a qual
foi aberto este livro.

A dificuldade para encarar tal caminhada de controle do capital é a


necessidade de conquistarmos uma cooperação internacional adequada e
uma integração política regional suficiente. No entanto, somente assim

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

poderemos almejar uma regulação eficaz do capitalismo patrimonial do


século XXI que está somente se iniciando.

207 Por Uma Economia Política e Histórica


Algumas palavras sobre economia e ciências sociais são importantes para
concluirmos. A Economia não pode ser um ramo de estudos independente
da ciências sociais, história, sociologia e antropologia. Ela deve ser colocada
no seu devido lugar: uma subdisciplina destas. Ciências econômicas é um
termo meio arrogante como se a economia tivesse galgado um patamar mais
elevado e deixado as outras ciências sociais para trás. Piketty sugere mudar
o nome de Ciências econômicas para Economia Política. Os economistas
precisam de se engajar nos debates públicos mais do que ficar a desenvolver
fórmulas em planilhas e tentar explicar fenômenos como a fome ou o
desemprego com índices criados em laboratórios.

Os economistas desde tempos antigos gastaram energia demais com


especulações puramente teóricas sem que os fatos políticos ou os problemas
econômicos que propunham resolver fossem devidamente entendidos ou
mesmo definidos com clareza.

Hoje existe uma tendência salutar de alguns economistas em utilizar


experiências para identificar casualidades para embasar teorias. Isto é bom,
mas não podemos nos distanciar do mais importante: a história como o
maior laboratório de economia. As lições que podemos tirar analisando a
história são insubstituíveis. Para tentar ser mais eficazes, os economistas
precisam ser mais pragmáticos e passar a utilizar com mais afinco os dados
históricos disponíveis sobre as sociedades e a economia de cada país e, é
claro, se aproximarem mais das outras disciplinas das ciências sociais para
melhor compreensão do que estão analisando. Por outro lado, os cientistas
das áreas sociais precisam encarar com mais coragem os números quando
eles se apresentam e não lavarem as mãos como se análises de números
fossem de responsabilidade exclusiva de economistas.

208 O Interesse dos Mais Pobres


Furet, um economista francês abre seu livro de 1965 – Movimentação do
lucro na França do século XIX: “Enquanto as rendas das classes da sociedade
contemporânea estiverem fora do alcance da pesquisa científica, será em
vão querer empreender uma história econômica e social válida.”.

O livro de Furet é rigoroso, sem preconceitos e busca antes de tudo reunir


materiais e estabelecer fatos. Ele se tornou célebre por seus trabalhos sobre

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty
a história política e cultural da Revolução Francesa onde é difícil encontrar
algum traço das “rendas das classes da sociedade contemporânea” em que
o grande historiador, preocupado com embate com os marxistas (na época
dogmáticos e dominantes na Sorbonne), parecia mais preocupado em
refutar toda forma de história econômica social. Isto foi uma pena, na
medida em que é possível conciliar as diferentes abordagens.

Os combates bipolares dos anos 1917-1989 estão nitidamente no passado.


Longe de estimular pesquisas sobre capital e as desigualdades, os confrontos
entre capitalismo e comunismo contribuíram mais para empobrecê-los,
tanto entre historiadores e economistas como entre os próprios filósofos. Já
está em tempo de superar confrontos desta natureza.

A abdicação da história como ferramenta fundamental para a análise


econômica se deve muito à dificuldade de obtenção e tratamento de dados.
Assim, a análise dos elos entre as evoluções econômicas e a história política
e social do período estudado é frequentemente mínima tornando as obras
pobres e áridas.

O fim do uso da história pelos cientistas parece também estar ligado ao fato
de que este programa de pesquisa (história serial) ter morrido antes de
alcançar o século XX. Hoje corremos o risco do simplismo onde os esquemas
abstratos sobre a infraestrutura econômica e a superestrutura política
bastam para compreensão do todo. Mas, uma breve olhada nas curvas de
desigualdade da renda e do patrimônio ou a relação capital / renda bastam
para ver que a política está em toda parte e que as evoluções econômicas e
políticas são indissociáveis, devendo ser estudadas lado a lado.

Piketty tem para ele que os pesquisadores em ciências sociais, os jornalistas,


comentaristas, os militantes sindicais e os políticos de todas as tendências e,
principalmente todos os cidadãos deveriam se interessar mais pelo dinheiro,
por sua medida, pelos fatos e pelas evoluções que o rodeiam. Aqueles que
possuem muito nunca se esquecem de defender seus interesses. Recusar-se
a lidar com números raramente trará benefícios aos mais pobres.

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