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br/Revista
Número 1 - Dezembro 2002 R e v i s t a
T e r r a
Redonda
As religiões
são para as
crianças?
E mais:
Um guia para
o cético boêmio
+
De Torquemada a George Bush
Uma brevíssima história das
relações entre Estado e religião
+
Quaoar:
mais um objeto transneptuniano >
Imagem capa: Microsoft Clip Gallery
R e v i s t a
T e r r a
EDITORIAL Redonda
A revista Terra Redonta é uma publicação
periódica da Sociedade da Terra Redonda.
U
m novo ciclo inicia-se na Sociedade da Terra Redonda. Co-
meçamos há poucos anos bem pequenos, mas pioneiros no
Brasil, seguindo os moldes de outras organizações estran- Fundada em 4 de maio de 1999, a Sociedade
geiras. Publicávamos traduções de ensaios de autores célebres, di- da Terra Redonda é uma organização não-
vulgando o ceticismo, a ciência e o livre-pensamento, defendendo o governamental brasileira que possui três objetivos
direito dos ateístas e a separação entre religião e governo. Mas não básicos:
era o ideal. Somos uma organização brasileira, não estrangeira. - Defender os direitos dos Ateístas na sociedade;
- Advogar pela total e completa separação entre
Com a criação da Revista Terra Redonda damos um importante religião e governo;
passo na consolidação de uma cultura racionalista científica nacio- - Divulgar e promover o método científico e o
nal. O principal objetivo deste periódico é incentivar o surgimento pensamento crítico, as realizações e os avanços
de Sagans, Asimovs, Feynmans e Dawkins. Não porque foram da ciência.
cientistas eminentes, mas por terem sido excelentes divulgadores
da ciência, do ceticismo, do ateísmo e do livre-pensamento para as
massas. Precisamos de mais proferidores de conhecimento acessí-
vel, que não limitam as idéias dentro de laboratórios.
Equipe
Presidente
Aqui eles terão sempre um nicho fértil para divulgar suas idéias Leo Vines
e traduzir para o português claro o complicado jargão técnico da Vines@str.com.br
ciência. Isto fica bem claro já nos textos inaugurais da Revista Ter- Editores da Revista Terra Redonda
ra Redonda. Quatro acadêmicos brasileiros, com vários ensaios já Marcelo Kunimoto Roberto Moschen Jr.
publicados na página da Sociedade da Terra Redonda na Internet, Kunimoto@str.com.br Moschen@str.com.br
escreveram textos originais destinados a todos.
Editor de Ceticismo
Francisco Prosdocimi narra uma situação corriqueira, típica en- Daniel Sottomaior
tre pessoas céticas, quando nos deparamos com questionamentos Sottomaior@str.com.br
de outras pessoas. O professor Renato Zamora Flores, com maes-
tria, explica os efeitos nocivos que as religiões têm nas crianças. Editor de Ateísmo
Mozart Hasse
Jorge Ducati, também professor, nos conta sobre o décimo planeta Hasse@str.com.br
do sistema solar, recém-descoberto, e como outros deverão ser en-
contrados num futuro próximo. Por fim José Colucci Jr., brasileiro Editores de Ciência
residente nos EUA, versa um pouco sobre as relações entre governo Sandro Rembold Bruno Rennó
e religião no Brasil e pelo mundo. Rembold@str.com.br Renno@str.com.br
Editor de Português
Antonedson França
Franca@str.com.br
2 Revista Terra Redonda
www.str.com.br/revista STR
SUMÁRIO Revista Terra Redonda
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edição nº 1
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Dezembro de 2002
seções
2 Editorial
2 Equipe
4 Cartas
4 Publique
4 Entrevista
4 Pesquisa
5 Anuncie
18 Compras
19 Membros
19 Apóie
página CETICISMO página ATEÍSMO 28 Links
6 Um guia para o
cético boêmio 12 As religiões são
para as crianças?
STR
por Francisco Prosdocimi por Renato Zamora Flores
NASA elated.com
20 Mais um objeto
transneptuniano
por Jorge Ducati
22 De Torquemada a
George Bush
por José Colucci Jr.
Revista Terra Redonda
3
STR Número 1 - Dez 2002
Cartas
Cartas
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Entrevista
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O HIPNÓLOGO FÁBIO PUENTES RESPONDE COMO AS RELIGIÕES USAM A HIPNOSE
Pesquisa
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V
ez por outra isso acontece comigo, acho que Novamente algo como “todos que conheço mentem
não existem muitos céticos no Brasil. Digo muito” pode proporcionar uma descontração extra no
Brasil porque isso já me aconteceu mais de ambiente. Nesse momento pode-se prever o que vai
uma vez e as ocasiões não ocorreram sem- acontecer. Cada pessoa na discussão irá descrever o
pre na mesma cidade. Normalmente acontece assim: tipo de Deus em que acredita. Pessoal, não pessoal.
saio de casa pra descansar, divertir e tomar uma cerve- Onipotente ou com poderes limitados. Ativo ou apenas
ja e, pode saber, a noite vai acabar em discussões aca- observador. Uma força, uma energia, uma consciência
loradas. Até aí tudo bem, que mal há em discutir? É até coletiva ou outras coisas extravagantes. Não, devo di-
bom, a gente fica conhecendo mais sobre as outras pes- zer, não acredito em nada, nem em qualquer tipo de
soas e pode aprender bastante se a discussão for boa. energia cósmica universal esquisita.
O problema é que, naquelas que eu estou acostumado
a participar, é quase inevitável que eu seja um dos úni- - Ei, pelo menos em espíritos você acredita, não é?
cos, senão o único, representante de uma determinada - Não, não acredito. – É minha resposta mais uma vez.
posição, enquanto todo o resto da mesa toma partido - Pô, nem em vida após a morte?
do outro lado. Esse é um dos problemas de ser cético. - Também não.
É claro que o assunto de que estou falando é reli-
gião, mas pode acrescentar também misticismo e para- Nesse momento já liguei meu botão de “não acredi-
normalidade. Em uma mesa de bar, depois de algumas to” e setei-o no grau máximo. É nessa hora que começa
cervejas, o cético é o inimigo ideal de qualquer pessoa, a enxurrada. As pessoas sempre querem achar alguma
ainda mais se considerarmos que poucos sabem o que é coisa em que você acredite: anjos, demônios, telecine-
um cético. Logo vem a primeira pergunta, sempre ela: se, bruxas, fantasmas, astrologia, influências lunares,
Thomas Green Morton, alienígenas, homeopatia, Uri
- Ei, quer dizer que você não acredita em Deus? Geller, radiestesia, papai-noel e coisas do gênero. De-
- Não, não acredito. pois de desacreditar todas essas coisas, é a vez de co-
meçarem a questionar até mesmo coisas idiotas, como
Você pode até emendar um “ele mente muito”, pra uma pedra ou um copo de cerveja:
quebrar o clima, pode ser interessante no início da
discussão. Logo em seguida vêm aquelas perguntas - Não venha me dizer agora que você acredita nessa
inevitáveis quando se fala de Deus: cerveja?
- Em que tipo de Deus, então, você acredita? Essa é a pior hora, quando começam a debochar. Já
- Não acredito em deus, de nenhum tipo. tentei várias opções quando chega esse momento. A
primeira opção é apelar, xingar todo mundo e ir embo-
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Revista Terra Redonda
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Ceticismo
mentos. Nada nos impede de criar outras imersos. Ah, é claro, é importante
Pois bem, digamos que você, lei- hipóteses. A hipótese H2 poderia que tais objetos caibam dentro do
tor, seja a última pessoa do bar. É, se referir ao fato do mundo ter sido recipiente, como parece óbvio para
essa que ficou por último escutando criado por vários deuses e a hipótese a metodologia do trabalho.
o que o cético tem a dizer. Eu sou o H3 poderia fazer alusão ao fato de O critério da reprodutibilidade,
cético, muito prazer. Saiba que já o que o mundo tivesse sido criado por principalmente quando realizado
considero um cético em potencial, uma alface rosa e falante. Qualquer por equipes diferentes em laborató-
só por já ter chegado até aqui. Vou hipótese é válida nesse momento. O rios diferentes ao redor do mundo, é
até pedir mais uma cerveja para po- próximo passo é que será o decisivo: importante para o método científico
der explicar-lhe porque sou cético. o teste das hipóteses. e reforça a credibilidade de determi-
Desce uma skol bem gelada! Neste passo deve-se criar expe- nada descoberta. Citando um exem-
É, meu amigo, penso que sou rimentos para testar cada uma das plo recente, quando o primeiro ma-
cético devido a alguns poucos mo- hipóteses propostas. Através dos mífero, a ovelha Dolly, foi clonado
tivos: primeiro porque conheço e resultados dos experimentos pode- em laboratório, toda a comunidade
entendo o método científico, segun- remos descobrir quais das hipóteses científica ficou estarrecida com
do devido ao fato de que consigo e são falsas ou qual delas é a mais os resultados desse experimento
acho interessante aplicar o métido plausível dentre aquelas que foram e criou-se um clima de ceticismo
científico a todas as questões que propostas. Esta será considerada entre os cientistas. Um ceticismo
me são apresentadas e, por último, como “verdade” até que surja algu- saudável, considerando o pequeno
porque gosto de questionar as coisas ma outra que se encaixe melhor aos número de animais clonados e a
e não aceito como verdade tudo o resultados de nossos experimentos novidade da técnica. Tal ceticismo,
que me é dito. Agora é a vez de ten- ou até que surja algum fato novo. relacionado à possibilidade de clo-
tar fazê-lo entender cada um desses No caso da origem do universo, nagem de mamíferos, logo foi dis-
motivos, começando com o método não há como testar as hipóteses. solvido, principalmente quando ou-
científico. Não existe um experimento possível tros laboratórios ao redor do mundo
O método científico é simples- que possamos fazer para nos dizer obtiveram sucesso ao clonar outros
mente um conjunto de passos que qual das duas hipóteses é a correta. animais, principalmente em estado
é necessário ser seguido para que Entretanto tudo seria mais fácil se embrionário. Quanto à clonagem
consideremos uma determinada nossa observação fosse relativa, de indivíduos adultos, parece que o
afirmação como verdadeira ou falsa. por exemplo, à quantidade de água experimento ainda não foi repetido
Muito já se estudou sobre o método que transbordaria de uma banheira um número adequando de vezes e
científico e vou tentar mostrar aqui cheia onde um determinado corpo ainda há um certo grau de ceticismo
seus pontos básicos, mas é preciso fosse inserido. O que poderia acon- na comunidade.
dizer que o método consiste sim- tecer se colocássemos um objeto Entretanto, voltando ao nosso
plesmente em uma forma lógica de qualquer em tal banheira repleta de exemplo, não há como experimentar
se testar hipóteses formuladas para água? Poderíamos propor, digamos, com a idade do universo. As hipóte-
explicar determinado evento. A toda duas hipóteses sobre a quantidade ses H0 e H1 chegam a ser quase ab-
hora aplicamos o método científico de água transbordada: a primeira surdamente improváveis, mas é pre-
sem nos darmos conta disso. afirma que o volume de água trans- ciso definir qual é a mais improvável
Normalmente, a primeira etapa bordado seria idêntico ao volume do das duas. Parece bastante difícil de
do método científico é observação objeto imerso e segunda proporia aceitar o fato do universo ter surgi-
de algum fenômeno natural, como que a massa de água transbordada do do nada. Esse fato parece bastan-
a própria existência do universo. seria idêntica à massa do objeto. Se te improvável. Entretanto parece ser
Após termos definido um deter- fizéssemos, então, o experimento igualmente improvável que um ser
minado fenômeno que queiramos em uma banheira e imergíssemos altamente inteligente, poderoso e sá-
avaliar, devem ser criadas uma ou nela corpos de diferentes volumes e bio tenha criado o universo. Afinal,
mais hipóteses que tentem explicar massas, poderíamos, como fez Ar- de onde teria surgido tal entidade? E
porquê acontece determinado even- quimedes, gritar “Eureka!” e dizer como poderia ter surgido, do nada,
to escolhido. No caso da existência que descobrimos o resultado. um ser tão complexo assim? Fica
do universo poderíamos criar, por Outras pessoas que realizassem difícil escolher qual das hipóteses é
exemplo, duas hipóteses para expli- o mesmo experimento em diversas a mais provável.
car tal acontecimento: a hipótese H0 outras partes do planeta chegariam, Entretanto o método científico já
e a hipótese H1. também, às mesmas conclusões, traz acoplado um sistema utilizado
concordando com nossa descoberta. para resolver exatamente problemas
Hipótese H0: o universo criou-se O resultado deveria ser idêntico, como esse. Vejamos um outro exem-
sozinho a partir do nada. mesmo se os outros cientistas uti- plo. Digamos que saibamos que um
Hipótese H1: o universo foi criado lizassem um tanque, um copo de determinado indivíduo tenha saído
por um ser perfeito. Onipotente, cerveja, um balde ou qualquer reci- de um ponto A (representado pelo
onipresente e altamente complexo piente ao invés de um banheira. O meu copo de cerveja) e esteja, em
- Deus. mesmo vale para os objetos a serem um determinado momento, em um
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Revista Terra Redonda
Número 1 - Dez 2002 9
Ceticismo
um ser altamente complexo teria versa começou a ficar mais séria, que são cientistas por profissão e
surgido do nada (ou teria sempre que boa parte das pessoas foi embo- os que são cientistas por filosofia
existido). Até aí pode-se discutir ra do bar ou se entreteve em outros de vida. A diferença entre eles é,
qual das duas hipóteses seja a mais assuntos. Entretanto, se alguém con- simplesmente, a porta do laborató-
simples de ter acontecido e, nesse seguiu acompanhá-lo até aqui, isso rio. Imagina-se que ambos sejam
ponto, acredito que não se possa pode significar que seu ouvinte está completamente rigorosos em seus
descartar, ainda, a hipótese H1. A bastante interessado no assunto (ou trabalhos científicos, o que os torna
ciência aceita, nos dias de hoje, a que é educado o suficiente para não indistinguíveis no meio científico.
hipótese H0, simplesmente pelo fato ir embora enquanto você desenvolve Não é possível identificá-los em
de que a hipótese H1 necessita de uma cadeia de raciocínios). No pri- congressos e reuniões profissionais.
mais um passo, ela necessita de um meiro caso ficará fácil terminar suas Entretanto aqui, na mesa do bar, é
“e”. O fato de Deus ter sido criado explicações sobre os outros pontos fácil identificá-los.
do nada explica o surgimento do que determinam a filosofia de vida Os cientistas por profissão são
próprio Deus e não o surgimento do cética. No segundo caso agradeça aqueles que utilizam o método
universo. Nossa hipótese H1 neces- a pessoa pela atenção e despeça-se científico somente quando estão
sita de que Deus tenha sido criado dela. Acredite que você já realizou em seus laboratórios. Muitos deles
do nada “e” tenha, posteriormente, um bom serviço e que isso poderá saem de seu ambiente de trabalho
criado o universo. Essa última hipó- fazer com que ela pense um pouco e vão praticar seções de cromote-
tese apresenta dois passos, enquanto melhor em hipóteses, experimentos rapia, levam seus filhos e parentes
a primeira hipótese apresenta ape- e em como se constrói um conhe- a médicos homeopatas e dão florais
nas um, o que a faz ser descartada cimento fidedigno. É claro que isso de Bach para seus animais de es-
timação. Podem ainda freqüentar
centros espíritas, igrejas das mais
“se algum dia houver evidências consistentes da diversas ordens ou realizar consul-
tas periódicas a videntes e astrólo-
existência de alguns desses seres, é evidente que gos. Apesar disso, dentro de seus
laboratórios não há reza brava que
os céticos acreditarão em sua existência resolva algum problema. Na meto-
dologia de seus artigos nunca estão
os rituais ou preces realizadas para
quando utilizamos a navalha de pode não acontecer e seu ouvinte que seus experimentos funcionas-
Occam. Além disso, novas teorias pode simplesmente esquecer tudo sem e, profissionalmente falando,
em física, relacionadas à mecânica ao sair do bar, mas é melhor não são céticos. Entretanto não querem,
quântica, já podem propor, de forma considerar essa hipótese. não gostam ou não se importam em
ainda bastante especulativa, como o Espero, prezado leitor, que você utilizar o método científico fora de
universo poderia ter sido gerado seja um daqueles que se enquadram seu ambiente de trabalho e podem
a partir de um nada. Mas, mesmo no primeiro caso e, portanto, vou muito bem acreditar em coisas um
sem considerar essas novas teorias, continuar. Mas antes é preciso pe- tanto inusitadas.
podemos dizer que Deus não existe dirmos outra cerveja. A segunda classe, os cientistas
na ciência. por filosofia de vida, acreditam que
Com relação a outras entidades - Desce mais uma, garçom! o método científico pode e deve ser
como espíritos, alienígenas, anjos, utilizado para resolver qualquer tipo
demônios e coisas do gênero, não Bem, até agora estive falando de problema, dúvida ou questiona-
existe evidência empírica. Ninguém que um dos principais alicerces mento. Mesmo do lado de fora do
nunca pôde provar a existência de do pensamento cético é o método laboratório. E, é importante notar,
algum deles. E, a menos que seja- científico. Se um indivíduo conhece os cientistas por filosofia de vida
mos loucos o suficiente para acredi- e entende bem esse método já se podem não ser cientistas por profis-
tar que existe uma conspiração entre enquadra na posição de, digamos, são. A maioria deles não é, a bem
os governos e determinadas pessoas um pré-cético. Dessa forma pode- da verdade. Conheço alguns que
para esconder a existência de tais mos concluir que todos os cientistas são advogados, médicos, dentistas,
seres, não há porque acreditar que do mundo sejam pré-céticos, afinal administradores, engenheiros, pu-
existam. Entretanto, se algum dia acreditamos que todos eles conhe- blicitários e até mesmo psicólogos.
houver evidências consistentes da çam o método científico, que é a Esses são os indivíduos que buscam
existência de alguns desses seres, é base de seu próprio trabalho. Mas sempre conclusões mais sólidas e
evidente que os céticos acreditarão por que os cientistas seriam apenas confiáveis para as questões que os
em sua existência. É um absurdo pré-céticos e não céticos por com- afligem, dentro ou fora do ambiente
acreditar na existência de qualquer pleto? de trabalho. É verdade, nessa bus-
ser com o qual ninguém tenha con- Nesse ponto é que acredito ca incansável pela verdade mais
seguido provar já ter tido contato. que podemos dividir os cientistas adequada em todos os casos, tais
Foi nesse ponto, em que a con- em duas classes distintas: aqueles pessoas podem se tornar bastante
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Revista Terra Redonda
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Ateísmo
As religiões são
para as crianças?
texto de Renato Zamora Flores
rzflores@vortex.ufrgs.br
M
uitas escolas, públicas e particulares, in- tresse, diminui o risco de suicídio, melhora a qualidade
cluem aulas de religião em seus currículos. de vida de pacientes terminais, etc. Entretanto, não há
Muitas outras crianças, ainda, freqüentam consenso científico nem sobre isso.
atividades específicas para suas idades, Uma análise bastante completa de pesquisas sobre
nas igrejas da preferência de seus pais. saúde e religião mostrou muitos problemas de meto-
O senso comum é de que o ensino religioso, para dologia: 83%, dos 266 artigos científicos localizados,
crianças, seria útil em diversos aspectos. Um deles eram irrelevantes para as afirmações que faziam, de
seria o de facilitar o aprendizado de comportamentos melhor saúde associada à participação religiosa. Dos
socialmente adequados, como a obediência a Deus e demais, muitos apresentavam falhas metodológicas
aos pais, por extensão. significativas, sobrando poucos que poderiam, verda-
Outro, mais importante, seria o de que indivíduos deiramente, demonstrar os efeitos benéficos da parti-
criados em um ambiente de educação religiosa pode- cipação religiosa. Os autores concluíram que há pouca
riam adquirir padrões éticos e morais mais elevados. base empírica para afirmar que a participação em ativi-
Isso seria obtido pela absorção de uma visão de mundo dades religiosas está associada a benefícios da saúde2.
religiosa, durante o desenvolvimento infantil, na qual O principal erro encontrado nestas pesquisas é o
se aprende que a divindade estabeleceu uma ordenação de pressupor que um possível efeito benéfico é cau-
moral que se tem alguma obrigação de seguir. sado pela religião, sem verificar a possibilidade de
Não foi possível identificar pesquisas cientificamen- que algum outro fenômeno, mais simples, possa ser
te adequadas que confirmem tal efeito. Entretanto, uma a causa, como uma melhor educação ou uma renda
das pesquisas sobre o tema, em indivíduos adultos, maior, entre os indivíduos mais religiosos. Muitas re-
chegou à dura conclusão de que “a igreja é, na melhor ligiões propõem códigos de conduta rígidos, nos quais
das hipóteses, irrelevante e, na pior delas, um centro são proscritos muitos comportamentos de risco, como
de treinamento de hipocrisia, indiferença [social] e fumar, consumir bebidas alcoólicas, etc. O efeito sobre
crueldade”.1 a saúde, então, é conseqüência da conduta e não da re-
O presente artigo tem como objetivo analisar a hi- ligiosidade, por si mesma.
pótese de que o convívio de crianças com qualquer das Além disso, certas formas de religiosidade aumen-
religiões encontradas no Brasil possa não ser benéfico tam o risco de morte de seus crentes, como nas situa-
e, pior, possa produzir efeitos colaterais indesejáveis. ções em que o paciente vivencia a doença como uma
Não restam dúvidas de que a história está repleta de forma de abandono divino3.
indivíduos que forneceram contribuições importantes Existem vários possíveis efeitos negativos do ensino
à humanidade e possuíam sólida formação religiosa. de religião, na literatura científica, que podem trazer
Madre Tereza de Calcutá, Chico Xavier e o Bispo Des- prejuízos ao desenvolvimento do pensamento crítico e
mond Tutu são alguns exemplos. Não há como saber, independente, em crianças, que figuram na Tabela 1.
porém, se foi a religião que tornou esses indivíduos
especiais. A causa de seus poderes de
transformação social poderia estar, por Tabela 1. Inadequações do pensamento religioso no desenvolvimento infantil
exemplo, em uma estrutura de persona- Fenô me no E fe it o
lidade especial.
A pergunta a ser feita, então, é: a Atrasa o desenvolvimento moral e
Teoria do mundo justo
formação religiosa traz algum benefí- diminui a empatia
cio para o desenvolvimento da maioria Favorece a separação social de
dos indivíduos? Separação entre nós e eles
grupos e aumenta a belicosidade
Já se sabe, há muito tempo, que a
vinculação a alguma religião parece Prejudica o raciocínio científico e
fazer bem para a saúde de indivíduos Conflitos de raciocínio
favorece a ambivalência
adultos: aumenta a resistência ao es-
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Revista Terra Redonda
Número 1 - Dez 2002 13
Ateísmo
2. A separação entre nós e eles frente a outras religiões. Os membros de outras crenças
ou são tidos como ignorantes ou são “possuídos” por
Durante a evolução dos hominídeos, a questão de supostos demônios, necessitando de um “descarrego”
identificar quem pertencia ao grupo foi fundamental para sua salvação. Encontramos exemplos dessa ten-
para o desenvolvimento da cooperação e da solida- dência divisionista nos programas televisivos de religi-
riedade. Essa capacidade mental era tão importante ões evangélicas, nos quais se apresentam, com monóto-
que, hoje, podemos identificar, na mente humana, uma na regularidade, indivíduos possuídos pelos demônios
tendência inata a dividir as pessoas entre os que per- que se escondem por trás de outras religiões, como a
tencem ao nosso grupo e os que não pertencem a ele, umbanda e o espiritismo.
aliados versus adversários. Este é um, dentre vários O ensino de um modo de pensar religioso é inerente-
módulos mentais específicos, como são conhecidos, já mente sectário. Não é possível que duas religiões sejam
identificados6. Outros exemplos deles são a capacidade igualmente corretas e inspiradas por um Deus perfeito.
de aprender a falar qualquer língua com a qual a crian- Como justificar as diferenças entre elas? Em um mundo
ça conviva e a capacidade de empatia (colocar-se no que progride para democracia global, essa característi-
lugar do outro e entender suas emoções). ca da religiosidade está, francamente, na contra-mão da
Os módulos, entretanto, não nascem prontos, mas história. Podemos concluir que esse, também, não é um
necessitam de experiências de vida, na infância e na aspecto a ser valorizado na educação infantil.
adolescência, para maturarem, de uma forma maior
ou menor, como aprender a falar português, chinês ou
ambos.
Este é um segundo exemplo de situação de aprovei- 3. Conflitos de raciocínio
tamento, pelas religiões, de uma predisposição mental
dos primatas. Não faz parte da abrangência deste artigo uma dis-
Faz parte da própria definição de cada religião, um cussão sobre as vantagens do conhecimento científico
contrato firmado com a divindade que afirma que eles, e do desenvolvimento do pensamento científico para
os crentes, são o povo escolhido. Por definição, os crianças e adolescentes em nossa cultura. Como esse é
outros não seriam tão bons assim: ou são pecadores, um dos enfoques principais da educação laica, parte-se
e devem ser castigados, ou são ingênuos, e devem ser do princípio de que sejam importantes para a formação
convertidos ou educados. Entre os católicos, por exem- do cidadão. O exercício da cidadania plena é incompa-
plo, existe uma disciplina, heresiologia, que se dedica a tível com o analfabetismo científico.
estudar os erros das demais religiões. Já o objetivo do ensino religioso é criar uma visão
Um olhar de relance sobre a história das civilizações de mundo, concentrada em um conjunto específico
mostra que, no passado e ainda hoje, as diferenças reli- (conforme a religião) de crenças, dogmas, prescrições
giosas estão vinculadas a muitos conflitos e guerras. As éticas e de práticas centradas na devoção e a serviço de
religiões amplificam a eficiência deste módulo mental uma ou várias divindades.
que é o responsável por um dos principais problemas Por ocorrer cronologicamente antes do ensino do
sociais contemporâneos: a excessiva belicosidade hu- pensamento e do método científico, o ensino da religião
mana, um resquício adaptativo de nossos ancestrais constrói o alicerce da organização mental, sobre o qual
primatas, que pode ter sido útil no Pleistoceno (entre os conhecimentos científicos terão de se assentar de-
1,8 milhão a 11.000 anos atrás), mas que, hoje, é algo pois. Como a fé pressupõe alguns dogmas, e estes são
a ser inibido, do mesmo modo que nossa tendência a incompatíveis com o espírito questionador da ciência,
preferir alimentos gordurosos e salgados. tentar fundir os dois modos de pensar é bastante traba-
Uma análise dos dez mandamentos mostrou que lhoso ou, até, impossível em muitos casos.
o texto original dizia: não matarás, não adulterarás, Um exemplo extremo dos transtornos causados
não furtarás e não dirás falso testemunho contra o teu ao raciocínio lógico por um dogma religioso ajuda a
conterrâneo/compatriota7 e não se referia a qualquer perceber a dimensão do problema. O evolucionista Ri-
pessoa à sua volta, como encontramos nas versões chard Dawkins, criador do conceito de meme, mostrou
atuais do texto. A lei judaica da época não considerava o dano mental causado, quando analisou o ataque reli-
responsável por homicídio quem matasse estrangeiros. gioso ao World Trade Center, alguns dias depois 9:
O alcorão é ainda pior, recomenda não fazer ami-
zade com membros de outras religiões e, até mesmo, Comece a iniciá-los [jovens do sexo masculino]
sugere crucificá-los, cortar suas mãos e matá-los. Os desde cedo. Forneça-lhes uma mitologia completa
que não são muçulmanos, vivendo em terras islâmicas, e coerente para fazer a grande mentira parecer
devem pagar um imposto extra, a jizya, que é vista plausível. Dê-lhes um livro sagrado e faça com
como punição por não aceitar as verdades divinas. Alá que o recitem de memória... Temos em mãos um
recompensará, com farta alimentação e com sexo ir- sistema exatamente assim: um método de controle
restrito, quem matar infiéis em seu nome. Igualmente, mental aperfeiçoado no decorrer dos séculos, e
recomenda que a compaixão é um sentimento para ser transmitido de geração a geração. Milhões de pes-
usado apenas com os crentes.8 soas foram educadas em sua doutrina. Chama-se
No Brasil, os evangélicos são os mais agressivos religião.
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Revista Terra Redonda
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Foto: Microsoft Clip-Gallery
Ateísmo
divíduos que, na carreira de pesquisador, utilizaram-se
de metodologias cientificamente ortodoxas. O primeiro
autor tenta relativizar os critérios de verdade, de modo
“É surpreendente que,
a minimizar os conflitos entre religião e ciência. Se tal com milhares de anos de
proposta fosse aceitável, não seria possível a compa-
ração entre teorias ou entre métodos. Florais de Bach existência, milhares de fiéis de
poderiam ser aceitos como medicamentos com a alega-
ção de que agem em outros domínios, ao contrário da diferentes credos e milhares
farmacologia tradicional.
Já o segundo autor tenta fornecer status científico de páginas escritas sobre
a uma religião com base numa suposta produção cien-
tífica. Onde estão publicados os estudos laboriosos e, o tema, não seja possível
supostamente, corretos, do ponto de vista metodológi-
co? Como se pode demonstrar que a evolução de uma demonstrar, de maneira
entidade espiritual organiza a vida na Terra? Com a
mesma idade da teoria da seleção natural, o espiritismo cientificamente inequívoca,
produziu apenas evidências aceitáveis para aqueles que
professam o credo. que o ensino de religião seja
Bem, se indivíduos intelectualmente competentes
em suas áreas de estudo não conseguem evitar que o benéfico a crianças ou que
raciocínio científico fique prejudicado pela influência
de informações religiosas, como pode uma criança ou traga alguma vantagem ao
adolescente ficar imune a esse efeito confusional?
seu desenvolvimento
4. Conclusões
É surpreendente que, com milhares de anos de exis- teja acima da idade mínima de 18 anos. Essa compla-
tência, milhares de fiéis de diferentes credos e milhares cência não é válida para crianças. A sociedade acredita
de páginas escritas sobre o tema, não seja possível de- que é necessário proteger os indivíduos mais jovens de
monstrar, de maneira cientificamente inequívoca, que situações de risco, até que tenham maturidade cogniti-
o ensino de religião seja benéfico a crianças ou que va para decidir por si mesmos.15
traga alguma vantagem ao seu desenvolvimento. Talvez, o ensino de religiões ou a adesão a um culto
Não se pode negar a importância da religião para um religioso sejam, também, situações de risco. Podem
grande contingente dos seres humanos. Um expressivo induzir a alterações no pensamento que, talvez, sejam
número de pessoas procura, todos os dias, obter algum irreversíveis.
benefício material ou psicológico por meio de compor- O cérebro das crianças, em desenvolvimento, é mais
tamentos religiosos como freqüentar templos ou recitar maleável do que o cérebro adulto. O desenvolvimento é
litanias. Há, sem dúvida, uma crença generalizada de moldado pela experiência e apresenta períodos críticos,
que esses vínculos com a divindade trazem algum tipo após os quais as possibilidades de transformação se
de lucro ao praticante. tornam bem reduzidas. Isso ocorre, por exemplo, com
Isso não significa que seja adequado submeter as o aprendizado da linguagem. Adquirir habilidades em
crianças a ela. O mesmo se pode dizer do sexo. É uma uma segunda língua, na vida adulta, é muito mais cus-
atividade saudável e, igualmente, muito apreciada pela toso do que aprender a falar na infância.
maioria da população. Entretanto, isso não autoriza Não seria improvável que o convívio de crianças
alguém a manter relações sexuais com crianças nem com a religião criasse alterações na estrutura de pen-
mesmo a lhes expor filmes eróticos, pornografia ou samento, de difícil reversão na vida adulta, comprome-
similares. A precocidade sexual não ajuda o desenvol- tendo, definitivamente, a qualidade do raciocínio lógico
vimento saudável da criança. Sexo é bom e adequado e moral. Afinal, o ensino de religião para crianças não
para indivíduos adultos. Poderíamos, assim, propor o costuma valorizar a exploração de idéias novas nem o
mesmo modelo de comportamento à religião. pensamento crítico. Na maioria das instituições, ele
Nossa cultura também convive com comportamen- tende a restringir a variabilidade comportamental e a
tos que podem trazer danos ao indivíduo, mas que são estimular a obediência a regras sem questionamentos.
permitidos por pertencerem à esfera privada. O uso de Os cultos religiosos podem oferecer vários estímulos
álcool ou tabaco é um exemplo. Aceitamos, ainda, que positivos para indivíduos adultos, mas não foram orga-
indivíduos adultos dirijam motocicletas, portem armas nizados em função das necessidades infantis. Alguns
de fogo ou sejam sexualmente promíscuos sem os de- deles são, indiscutivelmente, inadequados para crian-
vidos cuidados com infecções. O estado não interfere ças, como aqueles que envolvem maus-tratos a animais
nesses comportamentos, contanto que o indivíduo es- ou possessões demoníacas. Outros exigem sacrifícios
5. Agradecimentos
O autor agradece à Profa. Patrícia H. Hackmann e à
tradutora/intérprete Jussara Simões, pelas correções do
manuscrito. Agradece, ainda, ao Prof. Alberto Flores,
pela inspiração e pelas idéias criativas sobre o tema.
■
Sobre o autor
Renato Zamora Flores é Professor do Dpto. de Genética da
UFRGS. Em 1997, obteve o título de doutor em ciências no
programa de pós-graduação em genética e biologia molecular
pela mesma universidade. É coordenador de projetos de
extensão que prestam atendimento clínico e psicológico em
escolas e na Febem. Coordena também o ambulatório de
genética do comportamento no departamento de genética
da UFRGS, que atende crianças e adolescentes vítimas de
maus-tratos.
rzflores@vortex.ufrgs.br
Notas
1 Rokeach, M. 1970. Faith, hope and bigotry. Psychology Today 3 (11): 33- 38
2 Sloan, RP & Bagiella, E. 2002. Claims about religious involvement and health outcomes. Ann. Behavioral Medicine, 24(1): 14 - 21
3 Pargament, KI, Koenig, HG Tarakeshwar, N & Hahn, J. 2001.Religious struggle as a predictor of mortality among medically ill elderly patients: a 2-
year longitudinal study. Arch Intern Med: 161(15): 1881-5. Disponível na web em: http://archinte.ama-assn.org/issues/v161n15/rfull/ioi00736.html
4 Sorrentino, RM & Hardy JE. 1974. Religiousness and derogation of an innocent victim. J. Personality 42 (3): 372-382
5 Rubin, Z & Peplau, LA. 1975. Who Believes in a Just World? Journal of Social Issues, 31 (3): 65- 89
6 Bjorklund, DF & Pellegrini, AD. 2002. The origins of human nature - evolutionary developmental psychology. Washington, APA
7 Hartung, J. 1995. Love thy neighbor - the evolution of in-group morality. Skeptic, 3(4): 86-31
8 Institute for the Secularization of Islamic Society. 2001. A call to the Muslims of the world from a group of freethinkers and humanists of Muslim
origins. Disponível na web em: http://www.secularislam.org/articles/call.htm
9 Dwakins, R. 2001. Os mísseis desgovernados da religião. Publicado, originalmente, no jornal norte-americano The Guardian em 15/09/2001. Dis-
ponível na web em: http://www.str.com.br/Atheos/misseis.htm
10 Armstrong, K. 2001. Em nome de Deus - o fundamentalismo no judaísmo, cristianismo e no islamismo. S. Paulo, Cia. das Letras.
11 Ata da assembléia de organização e constituição da SCB. Disponível na Web em: http://www.scb.org.br/PrincReg.htm. O erro de concordância
faz parte do texto original.
12 Rushnell, S.2001. When god winks: how the power of coincidence guides your life. Hillsboro, Beyond Words Pub.
13 Freire-Maia, N. 1997. Verdade e verossimilhança. Jornal Ciência e Fé (Curitiba), 1(3): 6-7.
14 Souza, HL. Darwin e Kardec - um diálogo possível. Campinas, Centro Espírita Allan Kardec, 2002.
15 Art. 81 - É Proibida a venda à criança ou ao adolescente de:
I - armas, munições e explosivos;
II - bebidas alcoólicas;
III - produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida;
IV - fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo seu reduzido potencial sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso
de utilização indevida, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
16 Art. 71 - A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem
sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Lei nº 8.069
STR
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Número 1 - Dez 2002 19
Ciência
Mais um
Objeto Transneptuniano
D
esde tempos imemoriais, e até o século e gerou, do ponto de vista de parte da comunidade
XVIII, os planetas conhecidos eram cinco: científica, e mesmo entre a população informada, uma
Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. grande expectativa por descobertas adicionais, em es-
Junto com a Lua e o Sol, formavam os sete pecial a do “décimo planeta”, expressão de conteúdo
astros que deram nome aos dias da semana, astros do- quase mágico durante várias décadas. A pergunta era:
tados de movimento, mais próximos da Terra do que as até onde irá o Sistema Solar? Como serão os planetas
estrelas, estas situadas na mais longínqua das esferas exteriores? A partir da descoberta de Plutão, já havia
celestes. O quadro tornou-se mais complexo com as a indicação de que Netuno seria a último dos planetas
descobertas dos satélites dos planetas a partir de 1610, gigantes gasosos, e que além, talvez devido à grande
e especialmente com a descoberta de Urano em 1781, distância do Sol, com as resultantes baixíssimas tem-
dos asteróides a partir de 1801 e de Netuno em 1846. peraturas, os planetas seriam corpos gelados e sem
Os fatores determinantes para estas descobertas foram atmosfera, pois até gases como o nitrogênio congela-
o desenvolvimento dos telescópios (para os satélites, riam.
Urano e os asteróides), e da mecânica celeste, base Na verdade, uma visão científica sobre a parte mais
para a predição da existência de Netuno e sua imediata externa do Sistema Solar já havia sido formulada por
detecção. volta de 1950, a partir das conjecturas de Edgeworth e
O século XX iniciou-se com oito planetas conheci- Kuiper, que diziam não haver razões para que a acre-
dos e uma busca intensa por novos planetas. A desco- ção planetária terminasse abruptamente em Netuno
berta de Plutão em 1930 foi intensamente comemorada (Ferraz-Mello 1999) e que um disco de planetésimos
(pequenos planetas) deveria existir mais além. Este
disco foi chamado, posteriormente, de Cinturão de Ed-
geworth-Kuiper (e também, com freqüência, Cinturão
de Kuiper), mas sua existência permaneceu no campo
teórico. Isto foi reforçado pela constatação, pelo astrô-
nomo uruguaio Julio Fernandez, de que os cometas de
curto período têm órbitas de inclinação relativamente
baixa com relação à eclíptica. A eclíptica é o plano de-
finido pela órbita da Terra em torno do Sol, sendo tam-
bém aproximadamente o plano das órbitas dos outros
planetas. Em conseqüência, estes cometas deveriam se
originar de uma zona situada além de Netuno, ocupada
por objetos distribuídos espacialmente em uma região
em forma de disco ou, mais precisamente, de anel, no
plano aproximado da eclíptica.
Nos anos 70, evidências observacionais final-
mente começaram a ocorrer, a par com uma
melhor compreensão da dinâmica do Sistema
Solar exterior, graças ao desenvolvimento de
métodos da Mecânica Celeste. Em 1977,
foi descoberto um objeto “fora do lu-
STR
Revista Terra Redonda
Número 1 - Dez 2002 21
Laicismo
De Torquemada
a George Bush
Uma brevíssima história das relações entre Estado e religião
texto de José Colucci Jr.
Primavera de 1478. O cavaleiro espanhol Brasil, ano de 2002. Talvez um outro país
vai à casa da amante - uma jovem judia convertida qualquer. Talvez 2003. Você, que me lê, pergunta o que
ao cristianismo - para com ela fazer amor. Ruídos um casal de namorados do século quinze tem a ver com
de passos, talvez da família, que julgavam ausente, a inquisição espanhola. E mais, o que têm ambos a ver
surpreendem os amantes. Para evitar o escândalo, com o tema principal deste artigo, que é a separação
a jovem esconde o namorado dentro do armário da entre o Estado e a Igreja.
cozinha.
STR
Revista Terra Redonda
Número 1 - Dez 2002 23
Laicismo
uma família rica do Sul dos EUA. Apesar de ter her- A frase “In God we trust” aparece em todas as no-
dado terras e escravos, Jefferson foi o formulador da tas do dólar. O moto original dos EUA era “E Pluribus
máxima libertária da constituição americana, copiada Unum”, que quer dizer “de muitos, um”. Foi apenas
por muitas outras no mundo todo - “consideramos esta em 1956, durante a vigência do ideário anticomunista
verdades como evidentes de per si, que todos os ho- do Macartismo, que a frase “In God we trust” foi ofi-
mens foram criados iguais, foram dotados pelo criador cialmente adotada. Com ela, o papel moeda americano
de certos direitos inalienáveis, que, entre estes, estão a deixou de promover o ideal de unir numa sociedade
vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Dono de cul- livre e aberta homens de todas as raças, religiões e pro-
tura prodigiosa, Jefferson leu os clássicos latinos e gre- cedências, para anunciar que o destino do país está nas
gos no original. Seus autores favoritos eram Cervantes, mãos de Deus.
Shakespeare, Sidney, Hume, Condorcet, além de Locke Nos EUA é constante a pressão de grupos religiosos
e Montesquieu, pioneiros no conceito de separação sobre o princípio da separação entre Igreja e Estado. Há
entre os poderes. Dos três notáveis da revolução ame- alguns anos a Suprema Corte proibiu a prece nas esco-
ricana talvez o menos conhecido dos brasileiros seja las públicas durante solenidades e jogos. A grita dos re-
Thomas Paine. Não chega a ser motivo de vergonha. ligiosos foi grande, mas sequer comparável à suscitada
Durante mais de cem anos Thomas Paine foi ignorado recentemente pela proibição da “Pledge of Allegiance”
pelos próprios historiadores americanos devido ao ate- (Juramento de Fidelidade) à bandeira americana. Diz
ísmo que lhe atribuíam. Jefferson só não teve a mesma ela: “Eu juro fidelidade à bandeira dos Estados Unidos
sorte por ter sido presidente de 1801 a 1809. da América e à República que ela representa, uma na-
Os pais da Independência Americana eram leitores ção sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para
e admiradores dos iluministas franceses, e se inspira- todos”. Para um dos juizes que opinaram sobre o caso,
ram em suas idéias na formulação da obra prima que o “Deus” com letra maiúscula a que o juramento se re-
é a constituição dos Estados Unidos da América. Na fere é o deus das religiões monoteístas, e sua menção
citação que abre este artigo Thomas Paine parafraseia seria ofensiva a grupos minoritários politeístas. Os jui-
Voltaire: “não concordo com o que diz, mas defenderei zes também notaram que a expressão “uma nação sob
até a morte o seu direito de dizê-lo”. A primeira emenda Deus” foi introduzida em 1954, em plena Guerra Fria,
constitucional, estabelecendo o direito à imprensa e à li- na mesma época em que a menção a Deus foi adotada
berdade de expressão, estabeleceu também a separação nas cédulas do dólar. Era a maneira de diferenciar os
entre a Igreja e o estado. Foi baseada no Estatuto para americanos dos comunistas que, como se sabe, são
a Liberdade Religiosa do Estado de Virgínia, escrita ateus e comem criancinhas.
por Thomas Jefferson em 1777. Nele, diz Jefferson: São bastante conhecidas as tentativas dos criacio-
“Nossos direitos civis não dependem de nossa religião nistas de introduzir o Livro do Gênesis como teoria
mais do que nossas opiniões em física ou geometria.” científica em oposição a Darwin. A Suprema Corte
Segundo Jefferson, é preciso erguer um muro entre o americana tem sistematicamente rejeitado essas tenta-
Estado e a Igreja para permitir ao indivíduo a liberdade tivas. A última vitória significativa ocorreu em 1987,
de crença. Para Jefferson, seria imoral usar o dinheiro quando a a Corte Suprema invalidou, com base na
de um homem, na forma de impostos, para subsidiar a primeira emenda, a lei de Louisiana que estabelecia o
fé que este não professa. “tratamento balanceado” do criacionismo e evolução
Embora as religiões cristãs nos EUA tenham tentado nas escolas públicas do estado. Após essas derrotas
em um momento ou outro cooptar as biografias de Tho- nos tribunais os criacionistas desistiram de promover
mas Jefferson, Thomas Paine e Benjamin Franklin para abertamente a idéia de que a criação da humanidade
mostrar que o país foi fundado com base na religião, o por um ser divino tem a mesma estatura científica que a
certo é que eles, tanto quanto George Washington, o teoria de evolução. A nova estratégia é promover o cha-
primeiro presidente, nunca foram cristãos. Eram deís- mado “design inteligente” - que evita cuidadosamente
tas, ou seja, rejeitavam qualquer espécie de revelação qualquer menção ao Gênesis. A embalagem é nova mas
ou interferência divina sobre o mundo natural, acei- o produto é antigo - a patacoada bíblico-criacionista
tando porém a existência de um criador destituído de travestida de ciência.
atributos morais e intelectuais. Devemos lembrar que
na época Darwin não havia nascido, e o argumento
teológico de Paley - o do relojoeiro cego - ainda era A liberdade de crença nos Estados
respeitado nos meios intelectuais. comunistas
Após a revolução bolchevique de 1917 a União so-
Igreja e Estado nos EUA viética estabeleceu-se como estado ateu. Para comba-
Ao fim do século vinte, a maioria dos países oci- ter o ópio do povo, igrejas de todas as denominações
dentais já havia adotado a doutrina da separação entre foram fechadas, seus sacerdotes perseguidos e muitos
Estado e religião em suas constituições, por motivações deles assassinados. Apesar de tudo, as pessoas comuns
nem sempre idênticas às de seus criadores. Na prática, continuavam a praticadar a religião secretamente na
porém, as violações ao princípio da separação foram forma de batismos, rituais e funerais, principalmente
muitas. no campo.
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Revista Terra Redonda
Número 1 - Dez 2002 25
Foto: elated.com
Laicismo
invadir o Iraque. O partido de Saddam Hussein - o Ba- rior à das crianças judias. As tendências demográficas
ath - é uma das poucas forças a pregar a secularização mostram, no entanto, que os árabes poderão tornar-se
como meio de modernizar o Islã e criar a união pan- maioria um dia, o que põe os religiosos em polvorosa.
Árabe. A tensão resultante da convivência de Estado de
concepção moderna e a mais antiga das religiões mo-
noteístas faz de Israel um caso interessante para os
Israel observadores das relações entre Igreja e Estado. A as-
Ao contrário do que possa parecer em vista de acon- censão dos conservadores ao poder, com o conseqüente
tecimentos recentes, Israel é um estado laico. Quanto aumento de prestígio do rabinato, pode prenunciar o
tempo permanecerá assim é uma questão que preocupa fim do estado laico no país.
judeus do mundo todo.
A constituição de Israel garante liberdade de religião
e assegura igualdade social e política a seus habitantes
sem discriminação de religião, raça ou sexo. Na prática, Brasil
esse princípio nunca foi aplicado a contento de judeus No Brasil, a constituição de 1824 estabeleceu o
não-ortodoxos e seculares. O muro de separação entre catolicismo como religião oficial, com a igreja subor-
Igreja e Estado em Israel não tem mais do que meio dinada ao Estado. É sintomático que essa tenha sido
palmo de altura. a constituição mais anti-democrática de nossa história.
Como o judaísmo ortodoxo é a única forma de juda- Entre outros arbítrios ela estabelecia o voto descoberto
ísmo reconhecida no país, é natural que inúmeras áreas (não secreto) e censitário (baseado na renda). Quem
da vida cotidiana sejam afetadas por ele. As implica- ganhasse 100 mil réis poderia ser eleitor da paróquia.
ções ficam evidentes se considerarmos que o judaísmo Com 200 mil já se chegava a eleitor da província. Para
é uma religião que prescreve normas detalhadas para ser deputado ou senador, o candidato deveria ganhar,
tudo - de como matar um boi à maneira correta de se respectivamente, 400 e 800 mil réis. Não-católicos não
lavar um defunto. Enquanto os cristãos devem observar podiam votar, independentemente da renda.
dez mandamentos, os judeus devem observar seiscentos A separação entre o Estado e a igreja foi incorpora-
e treze. da à constituição brasileira em 1891, sob inspiração de
A vida em Israel é pautada pela Rui Barbosa, e retirada novamente da constituição em
religião. Em obediência ao sabá, 1934, sob inspiração de Getúlio Vargas. Quase impos-
os transportes públicos param sível não fazer a associação entre a religião de Estado
e lojas e restaurante fecham do e governos ditatoriais. As constituições posteriores a
pôr do Sol da sexta ao de sábado. 1934 não se manifestaram expressamente quanto à reli-
Não há casamento civil. O estado gião oficial, embora garantissem liberdade de culto.
subsidia a educação religiosa. Esses A constituição vigente, de 1988, embora indique na
transtornos são nada se comparados introdução que tenha sido promulgada “sob a proteção
à tortura de prisioneiros palestinos, de Deus”, tem no inciso VIII do artigo 5º uma redação
admitida no passado pela agência primorosa:
de segurança nacional -a Shin Bet
- em “circunstâncias específicas e “ninguém será privado de direitos por motivo de
justificáveis”. crença religiosa ou de convicção filosófica ou políti-
Os 25% de crianças ca, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
árabes em escolas legal a todos imposta e recusar-se a cumprir presta-
israelenses recebem ção alternativa, fixada em lei”
educação infe-
Foto: elated.com
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Revista Terra Redonda
Número 1 - Dez 2002 27
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Francisco Prosdocimi Santos
O Ceticismo e o Conhecimento de Cada Um
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