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MANA 15(1): 279-300, 2009

ENTREVISTA

Um realismo minimalista

João de Pina Cabral

Já há alguns anos, João de Pina Cabral diversos continentes, mas também da ativa
mantém uma relação estreita com a participação na institucionalização da
antropologia brasileira. Visita regularmente disciplina. Pina Cabral é um dos fundadores
o país, participa de seminários, oferece dos departamentos de antropologia do
cursos e cultiva uma intensa troca ISCTE e da Universidade de Coimbra, da
intelectual com os colegas. Recentemente, Associação Portuguesa de Antropologia e
abriu uma frente de pesquisa etnográfica da Associação Europeia de Antropologia
no sul da Bahia, voltando sua reflexão para (EASA), das quais foi também presidente.
o Brasil. Sua rara trajetória antropológica Atualmente, é pesquisador-sênior do
passa pela Europa, África, Ásia e, agora, Instituto de Ciências Sociais de Lisboa.
América Latina, atravessando temáticas de Tendo como fio condutor elementos
pesquisa igualmente diversas: a vida dos de sua trajetória pessoal, Pina Cabral
camponeses portugueses, a dinâmica das oferece nesta conversa com Carlos
identidades em Macau e em Moçambique, Fausto e Federico Neiburg, ocorrida no
os afetos, os nomes e as concepções da Rio de Janeiro em 25 de junho de 2007,
pessoa no Brasil. Soma-se a isto uma arguta um panorama agudo sobre os debates
reflexão sobre o presente e o futuro da contemporâneos da antropologia,
antropologia, resultado não apenas da manifestando a visão de um antropólogo
experiência de ensino e pesquisa em singularmente cosmopolita.
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FN: Sua trajetória é bastante particular. CF: Você vinha, então, de Moçambique?
Você nasceu em Portugal, formou-se en- Eu fui para Moçambique com 13 anos –
tre Moçambique e África do Sul, depois nós pertencemos a uma antiga família
em Oxford. Fez pesquisas em Portugal, protestante do norte de Portugal. O meu
Macau e no Brasil. Conte-nos um pouco pai foi nomeado bispo anglicano de
essa história e como a antropologia entrou Moçambique (Bispo dos Libombos, é o
em sua vida. título). Foi o último bispo missionário
anglicano. Aliás, ele foi escolhido já em
Quando cheguei à antropologia eu estava função da mudança que estava a ocorrer
numa situação de marginalidade entre dentro do anglicanismo na África do Sul,
dois tempos: o tempo do colonialismo e personificada por figuras como o bispo
da missionação e o tempo do socialismo e Tutu, que ainda hoje é amigo do meu pai.
da independência. Encontrei-me em Mo- Mas essa história é mais antiga, ela passa
çambique, como filho de um missionário, pelo bispo Zulu e pelo Arcebispo Selby-
a observar a guerra pela independência Taylor, que foram os que prepararam a
e, em Joanesburgo, durante os anos de mudança no anglicanismo sul-africano,
levantamento popular contra o apartheid. que depois teria um papel tão importante
Estava a ocorrer uma mudança no mundo no fim do apartheid. A presença do meu
à minha volta, uma mudança política, mas pai em Moçambique, portanto, liga-se à
sobretudo uma mudança de paradigmas. tentativa de “localizar” o anglicanismo.
A minha chegada à antropologia pren- Eles escolheram-no porque supuseram
de-se a isto tudo: o problema inicial que, como português, poderia comuni-
foi o da cristianização da África, que car-se melhor com a administração co-
se revelava aos meus olhos de adoles- lonial e facilitar o processo de transição
cente como profundamente dilemática. para um bispo africano – como de fato
Quando cheguei a Joanesburgo, des- ocorreu.
cobri a antropologia largamente por
acaso. Mas os meus professores tinham CF: E por que foi de Moçambique para a
percursos muito parecidos com o meu. África do Sul?
O Hammond-Tooke, meu primeiro orien-
tador, era filho de um ilustre missionário- A tradição familiar era estudar direito,
etnógrafo. Estávamos a assistir a uma pro- mas eu recusei-me a fazer isso. Fui para
funda crise ideológica no pós-Maio 1968. a África do Sul porque tinha vagamente
A antropologia também estava em revolu- a ideia de que queria estudar “a mente
ção interna com a chegada do estrutura- humana”... achava que queria ser psi-
lismo e do marxismo estrutural. cólogo! Depois descobri a antropologia
e nunca mais olhei para trás! Cheguei
CF: Em que universidade de Joanesburgo à África do Sul em 1972 e fiquei lá até
você estudou? 1977, mas na verdade a África do Sul foi
sempre um local de passagem para mim.
Witwatersrand, que era a maior univer- Na época, Joanesburgo ainda tinha um
sidade de língua inglesa no país. Ali, o ótimo departamento de antropologia. Só
polo teórico dominante na antropologia que, depois, confrontado com a indepen-
era um estruturalismo marxista ligado dência de Moçambique, o meu projeto
ao movimento revolucionário interno à de ser um antropólogo africanista – era
própria África do Sul. para isto que eu estava a preparar-me –
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capotou. Em 1977 percebi que não tinha tornei amigo, mas só muitos anos depois.
condições para ficar na África Austral, Afinal, foi essa experiência que me fez
porque não tinha visto de residência na decidir a não ir fazer antropologia na
África do Sul e, em Moçambique, como França. Porque apesar de eu ser, ainda
filho de um missionário, não havia lu- hoje, um fã do Lévi-Strauss, a verdade é
gar para mim. Em boa verdade, em 77 que senti que na França, àquela altura,
começávamos já a ver que o projeto de não havia um projeto antropológico
independência de Moçambique talvez consistente. Ora, na época, eu estava
não fosse o que tínhamos sonhado. En- muito influenciado pela leitura da obra
tão, tive de refazer o meu projeto de vida etnográfica do Maurice Bloch.
e voltar à Europa.
FN: Você já o conhecia pessoalmente?
CF: Portugal não era um pouco estranho
para você? Você desde os 13 anos estava Não, de maneira nenhuma. Mas fui para
na África Austral... a Inglaterra porque queria estudar com
ele na London School of Economics. Só
Claro, Portugal era estranho para mim, que ele estava de sabático nos Estados
embora eu tivesse sido criado como Unidos nesse ano. Quando soube fiquei
português. De fato, as nossas referên- muito triste. Estava no Porto. Então,
cias literárias eram portuguesas, mas telefonei para Londres, para a UCL
sobretudo francófonas. Quando cheguei [University College of London], para ver
à África do Sul eu lia francês fluentemen- se havia alguém que me sugerisse o que
te (na altura estava a devorar o Proust fazer. Alguém respondeu ao telefone e
com enorme entusiasmo), mas não lia disse-me com muita segurança que fosse
inglês. Tive que aprender inglês na Uni- para Oxford, onde havia um senhor que
versidade. Essa marca de certa cultura iria me orientar muito bem, o John Cam-
“continental”, como dizem os ingleses, pbell. Quem fez a indicação, descobri
sempre foi uma coisa forte em mim. mais tarde, foi o Michael Gilsenan, que
Cheguei mesmo a pensar em ir estudar era o responsável pelos graduate studies
na França, mas por fim escolhi a Ingla- na UCL nesse ano.
terra. Passei o inverno de 1974 para 1975
em Paris. Assisti mesmo ao seminário do FN: Mas por que razão ele mandou você
Lévi-Strauss sobre a identidade. Foi sem estudar com John Campbell? Você já
planejamento. Queria saber quem era o tinha algum projeto? Você queria estu-
Lévi-Strauss; fui ao Collège de France; dar Portugal? Por isso foi encaixado na
vi uns painéis impressos indicando um Antropologia Mediterrânea?
seminário: “Prof. Claude Lévi-Strauss –
Séminaire sur l’identité”. Decidi ir. Lem- Isso mesmo. Eu já tinha feito a minha
bro-me que entrei, sentei-me, e só no fim tese de B.A. Honours (uma espécie de
do seminário percebi que o senhor ao mestrado na África do Sul) sobre um
meu lado era o Maurice Godelier. Quase conto popular português.1 Era uma lei-
perdi a respiração – os professores mais tura profundamente influenciada pelo
jovens em Joanesburgo achavam que ele Pierre Maranda. Fazia, portanto, algum
era o suprassumo. Estavam lá também a sentido estudar com um especialista
Françoise Zonabend, a Martine Segalen sobre sociedades rurais europeias, já
e outras pessoas das quais depois me que era o terreno que eu iria abordar.
282 entrevista

Então, em 1977, fui para Oxford para isso tudo neste momento está a colapsar –
fazer trabalho de campo no Alto Minho esta gente anda a levar-se demasiado a
(norte de Portugal). Em Oxford, caí no sério”. Era basicamente isso.
meio desse caldo pós-estruturalista. Lem-
bro-me (esta história tem alguma graça CF: Mas no contexto da África do Sul
porque mostra a atmosfera da época) que dominado pelo marxismo estrutural,
a primeira pessoa que eu quis conhecer Lévi-Strauss não era também uma figura
em Oxford foi o Rodney Needham. Era central na época?
a figura dominante do estruturalismo in-
glês. Era uma pessoa extraordinária, um No departamento havia três correntes.
homem intelectualmente poderosíssimo, Havia a mais radical, marxista, que lia
mas muito desiludido com o mundo e Claude Meillasoux, Pierre Philippe Rey
com a vida. Era um sistêmico que levava e Maurice Godelier e que acabou opon-
todas as suas ideias até as últimas conse- do-se à própria antropologia, num movi-
quências. Nunca se deve fazer isso! No mento antiacademicista de imersão no
momento em que um estruturalista como ativismo político. A figura máxima dessa
ele prova que o conceito de contradição corrente foi o David Webster, cuja brilhan-
não é consistente em termos lógicos,2 te tese sobre parentesco em Moçambique
realmente ocorre uma espécie de curto- estamos agora a publicar postumamente
circuito intelectual. Mas era uma figura no ICS e que foi assassinado pelo regime
com uma enorme profundidade analítica, em 1989.4 Havia uma segunda corrente
um sentido de procura e de honestidade mais literária de estruturalismo lévi-
intelectual extraordinário. straussiano, da qual eu me aproximava
mais. E depois havia uma terceira linha
FN: Quando você chegou a Oxford ligada à Escola de Frankfurt, que lia o
já estava definido que estudaria com primeiro Habermas do Conhecimento
Campbell? e Interesse 5 como quem lê a Bíblia.
O paradigma antropológico clássico tinha
Sim, foi ele quem me aceitou para a colapsado. Estas três correntes teóricas
pós-graduação no Instituto, mas acon- apareciam como tentativas de saída da
tece que ele e Needham eram grandes crise e partiam todas da convicção de que
amigos. Quando visitei este último, ele aquilo que havia sido a grande tradição
perguntou-me o que eu queria fazer, e eu anglófona da antropologia sul-africana
respondi que queria fazer uma análise tinha terminado. O último livro do Ham-
estruturalista da religião em Portugal. mond-Tooke – Imperfect Interpreters 6 – é
Então, ele sugeriu que, antes de tudo o quase comovente nessa medida. É o livro
mais, eu deveria ler um livro chamado de alguém que faz o luto do seu passado
La langue verte et la cuite3 – era essencial intelectual: uma grande escola antro-
que eu lesse este livro. Fui à biblioteca pológica fundada por Radcliffe-Brown
central (a imponente Bodleyan Library), em 1921, com um incrível impacto em
inscrevi-me como leitor e peguei logo o nível global, mas que após 1970 tinha
livro que ele me recomendara. Foi o pri- entrado em colapso terminal. O boicote
meiro livro que li em Oxford – mas, afinal, acadêmico promovido pelo ANC teve o
era uma practical joke, uma elaborada efeito trágico de isolar os acadêmicos an-
piada à custa do Lévi-Strauss e de mim. glófanos anti-segregacionistas, abafando
O Needham estava, assim, a passar-me as vozes de dissensão na África do Sul.
uma mensagem, como que a dizer: “Olha, As figuras que poderiam ter sido os gran-
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des antropólogos sul-africanos dessa ge- responde a uma antropologia sociológica


ração – Adam Kuper e os Comaroff – foram preocupada com a pessoa, os valores,
obrigados a ir embora, desapareceram. as emoções e as interações. O conceito
Esta sensação de vácuo, sem novas saídas de honra e vergonha do Pitt-Rivers e do
à vista, estava muito viva à altura em que Campbell deve ser lido à luz de Simmel,
eu próprio decidi sair da África em 1977, não como uma qualquer noção de cultural
logo após os levantamentos de Soweto. trait – como depois foi interpretado pela
antropologia cultural americana de tradi-
CF: Então quando você sai da África do ção boasiana difusionista.9
Sul, o estruturalismo era, digamos, a van-
guarda de uma tentativa de superação. FN: Vale a pena um parêntese, pois nós
Quando você chega em Oxford, ele já aqui, no Brasil, lemos a antropologia do
estava sendo objeto de crítica... Mediterrâneo há muito tempo nessa cha-
ve simmeliana. É notável que no Brasil
Isso mesmo! Foi uma coisa problemática tenhamos apreciado a forma original, não
para mim. Ainda por cima, nos finais dos segundo o cânone americano. E isto tem a
anos 70, a Antropologia do Mediterrâneo ver com a maneira pela qual se constitui
estava a entrar também num processo de a antropologia no Brasil, apreciando a
requestionamento. primeira tradição sociológica alemã.

FN: Como assim? CF: Aqui não houve o silenciamento.


A pergunta seria, então, por que na Ingla-
Na verdade, o mediterranismo inglês tem terra se silenciou uma referência teórica
sido muito mal entendido, porque é de importante...
raiz simmeliana. Só que isto não fica claro
na Inglaterra. As primeiras traduções do Aí vocês têm duas questões. No Brasil,
Simmel para o inglês surgem nos anos 50, isto talvez se deva à passagem de Gil-
na altura em que o mediterranismo está berto Velho por Chicago e à sua amizade
também a aparecer em Oxford. Ora, os com Howard S. Becker. Mas, acreditem,
professores aí, Radcliffe-Brown e Evans- lá na Inglaterra, o paradigma clássico
Pritchard, concebiam-se como discípulos durkheimiano continua a constituir a
da Année Sociologique. Pelo contrário, o história oficial do período clássico. Em
responsável por divulgar o Simmel em Oxford, tal era definidor de uma identi-
Oxford foi o Franz Baerman Steiner,7 que dade teórica antropológica. Além disso,
teve um papel importantíssimo como há aí uma ambiguidade fundacional no
orientador do Pitt-Rivers e foi inspirador próprio Evans-Pritchard em relação ao
dos Bohannan, da Mary Douglas e do projeto mediterranista. Evans-Pritchard
Srinivas, mas que morreu muito cedo, em nunca conseguiu deixar de desprezar os
1952. O Evans-Pritchard, na sua política colegas que estudavam o Mediterrâneo.
perversa referente a citações acadêmicas, Este é um fato público. Ele dizia que era
desencorajava as pessoas de citarem tudo uma etnografia fácil. Na verdade, a frase
o que fossem referências teóricas. É o pró- que ele utilizava é que era uma antropo-
prio Pitt-Rivers quem conta isto no segun- logia de senhoras.
do prefácio ao People of the Sierra.8 Eu dou
muita importância a esta questão, porque FN: O que você acha que estava em jogo
creio que o primeiro mediterranismo, em nessa luta por definir o que seria a “ver-
Oxford, tem sido mal entendido. Ele cor- dadeira” antropologia?
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Para mim, esta foi uma questão muito FN: Eu acho que essa crítica ao naciona-
importante pela perplexidade que me lismo inscrito nas agendas de pesquisa se
causou, o que hoje chamo “primitivis- relaciona também com a necessidade, por
mo metodológico”. Quando comecei a parte da antropologia do Mediterrâneo,
intervir no debate, de repente descobri de lidar com as tradições do folclore eu-
que eu era visto como um anthropologist ropeu. Isto, a meu ver, paradoxalmente,
at home. Eu era tido como um nativo é também uma fonte da sofisticação e da
que estava a fazer “autoantropologia”, riqueza da antropologia do Mediterrâneo,
como agora dizem. Ora, para mim, tudo o fato de ter que lidar explicitamente
isso era (e é) completamente aberrante, com essas “antropologias” que são ou
como podem imaginar. Eu, a essa altura, que pretendiam ser também ideologias
vinha da África do Sul e Moçambique e nacionais.
voltava a um Portugal camponês com o
qual, na verdade, a minha identificação É verdade. Num certo sentido, toda a
era meramente histórica. Certo, havia antropologia que é feita sobre a Europa
um cânon literário português que eu assenta sobre o passado da etnologia
dominava desde jovem e que nunca tinha nacional. Eu nunca recusei isto, muito
abandonado, mas isto fazia a minha et- ao contrário. Não só não recusei como
nografia anthropology at home? Filhos de foi um caminho que explicitamente quis
Adão, Filhas de Eva10 é uma monografia trilhar, pois havia uma riqueza no que
europeísta escrita por um africanista – isto permitia de constituição de tem-
era o meu background intelectual à poralidades. Permitia-me compreender
época. Só posteriormente vim a conhe- historicamente muitas das coisas que
cer melhor o mediterranismo, levado eu estava a observar. Vou dar-lhes uma
até pela necessidade de compreender ideia: quando estudava no Minho as
o que se estava a passar à minha volta. relações de gênero e os rituais ligados
Os meus referentes intelectuais eram à domesticidade, recorria a um mode-
africanistas e foi este, acho eu hoje, um lo interpretativo que faltava ao Leite
dos principais interesses do que acabei Vasconcellos nas décadas de 1910 e 20.
por escrever. Isto está na base também da Mas o material que ele nos tinha deixado
minha inconformidade com o nacionalis- sobre os costumes ligados à vida domés-
mo reflexo que está implícito em tantos tica abria-se a reinterpretações baseadas
projetos de investigação antropológica: num novo enquadramento teórico. Isto
se você estuda a Grécia, você é um espe- foi algo que percebi logo, no início desse
cialista sobre a Grécia, mesmo que esteja primeiro projeto sobre um conto popular
a estudar albaneses na fronteira com a português, justamente editado por Leite
Albânia. Isto faz sentido? Se você é um Vasconcellos. O que nós precisávamos
americano que estuda a Espanha, você era de uma releitura socioantropológica,
tem a obrigação de citar tudo o que se moderna, do material da etnologia. Nos
escreveu em inglês sobre a antropologia anos 80, em Portugal, esta era uma das
de Espanha, mas não precisa conhecer o nossas tarefas principais.
que se passa a 5km do outro lado da fron-
teira, em Portugal ou na França. Então, FN: Creio que há aí uma dupla questão:
esse nacionalismo inscrito nas agendas essa produção é uma fonte inestimável
antropológicas foi realmente uma das de riqueza, que possibilita inclusive
minhas principais fontes de perplexidade trabalhos como o seu, mas ela obriga,
comparativa. ao mesmo tempo, a cultivar um espírito
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crítico em relação à antropologia em ge- lógico. Ora, se calhar até por causa da
ral. Penso no seu trabalho e naquele de minha história pessoal, eu sempre vi esta
Michael Herzfeld, por exemplo.11 Parece última com algum carinho. Eu sempre res-
que, nesse plano, os dois se aproximam peitei a scholarship deles, a preocupação
bastante. em produzir conhecimento sistemático,
ao contrário da antropologia colonial,
O Herzfeld também foi aluno de John que tinha um componente ideológico e
Campbell, mas ele é uns anos mais velho político muito vincado. Ambos os proje-
do que eu, pertence à geração anterior. tos eram nacionalistas e ambos tinham
A visão dele é mais marcada pelo cultu- sobrevivido devido à ditadura, mas eram
ralismo americano e, ao mesmo tempo, diferentes.
por um fascínio mais inocente pelo
pós-modernismo. A minha geração é CF: A ditadura em Portugal afetou de
mais sóbria. De fato, fomos uma geração alguma forma a sua formação?
sacrificada. Muitos de nós acabaram por
não conseguir fazer carreira acadêmica Claro que sim! Nós, na África, fazíamos
porque, não se esqueçam, nos anos 80, parte do mundo português. O meu pai
Mrs. Thatcher fez um ataque brutal à dialogava com esta questão diariamente.
antropologia. Durante praticamente Ele fez até um ano de prisão nos anos 40
dez anos não houve novos empregos no por ser protestante. Era um regime muito
ensino ou na investigação na Inglaterra. brutal e opressivo. O colonialismo portu-
Os que sobreviveram foram para fora. guês não era só colonialismo, era também
Eu tive muita sorte, porque as Ciências fascismo, portanto, virava-se também
Sociais em Portugal estavam a ser refun- contra os portugueses. A atmosfera que
dadas. Era o vácuo absoluto, foi preciso nos rodeava de tacanhez intelectual, de
lançar tudo de novo. Realmente, acho que opressão religiosa, de obscurantismo era
tive imensa sorte, porque as universidades muito forte, tanto em Portugal como em
portuguesas estavam a renascer. Moçambique. Talvez em Moçambique
um pouco menos, porque contrariamente
CF: Isso não começa já após o 25 de abril a Angola, Moçambique vivia certo estado
de 1974? de relativa calma, porque estava longe
demais para criar problemas à ditadura
Não é bem pós-25 de abril, não. É após em Portugal. Então, permitiam-se ali
a reconstituição das universidades, no alguns laivos de liberalismo. Eu, por
início dos anos 80. É por essa altura que exemplo, tive um professor de história
a coisa começa a se consolidar, que co- que foi muito importante para mim, e que
meçam a surgir novos departamentos, a tinha sido secretário geral do Partido Co-
carreira acadêmica começa a funcionar munista (Cansado Gonçalves). Só lhe foi
a sério em moldes modernos, as pessoas permitido entrar em Moçambique, mas
começam a fazer doutoramentos outra não em Portugal ou em Angola.
vez. Na antropologia havia duas tradi-
ções que tivemos de defrontar. Por um CF: E quando você volta para Portugal,
lado, a antropologia colonial que tinha com esse espírito intelectual fundacional,
estado fortemente engajada na luta qual era a ideia que vocês traziam do que
contra as guerrilhas africanas e tinha deveria ser a antropologia naquele mo-
concebido o lusotropicalismo dos anos mento? Qual era o lugar da antropologia
60. Por outro lado, o velho projeto etno- naquele contexto?
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O problema com a pergunta é o plural. livro editado pelo Tim Ingold, Key debates
É que nós não éramos um sujeito coletivo. in anthropology, que realmente constituiu
De maneira nenhuma. Cada um vinha o marco teórico de consagração, no qual a
do seu canto. Uns vinham de Genebra, Marilyn é a figura de proa.14
outros vinham de Louvaine, de Paris, da
Inglaterra, dos EUA. Cada um vinha com FN: Como você vê a relação entre a
a sua história diferente para contar e este emergência de Marilyn Strathern como
foi realmente o grande fator de dificulda- uma figura de referência no contexto
de nos anos 80: diferentes perspectivas, das elaborações teóricas e das relações
diferentes visões, diferentes projetos, tensas entre as antropologias britânica e
como conjugar essa diversidade? E ainda americana nesse momento? Trata-se de
tínhamos, é claro, a sobrevivência de uma uma relação ambígua, não é?
intelligentsia ligada ao Antigo Regime
que, na época, tentava se reimpor (e, até A questão é absolutamente esta. A Ma-
certo ponto, com algum sucesso, como se rilyn nunca assumiu uma posição de
pode ver hoje). Os anos 80 em Portugal confronto com a antropologia americana.
foram de grande conflitualidade intelec- Pelo contrário. E quando ela escreve
tual; de dúvida, mas ao mesmo tempo After Nature, em certo sentido até anda
de produtividade. Estávamos a formar para trás.15 After Nature é um livro, como
alunos em novos moldes, a fundar cursos ela diz, cuja paternidade é de David Sch-
novos; refundamos a Associação Portu- neider, e eu creio que esse namoro com o
guesa de Antropologia... havia espaço culturalismo schneideriano, na segunda
para fazer coisas novas. metade dos anos 90, desviou-a do projeto
de repensar uma antropologia social.
CF: Este é o momento também em que
começam a surgir os trabalhos da Marilyn CF: Mas é curioso, porque na verdade
Strathern que, no final dos anos 80, viriam tanto Schneider como Wagner, que vão
a ter um impacto muito grande sobre a ser as grandes influências da Marilyn
antropologia britânica, criando uma nova Strathern, não são os autores triunfan-
espécie de antropologia britânica, não- tes na nova antropologia americana,
americana, apesar de toda a influência que vem muito mais, digamos, dessa
de Roy Wagner e David Schneider. vertente literária a partir do Geertz e dos
seus críticos.
Eu, pessoalmente, senti logo o impacto
dessas mudanças no princípio dos anos Schneider é colega de Geertz e co-dis-
80. Aqueles primeiros textos que a Marilyn cípulo de Parsons. Os dois vieram de
escreveu sobre a pessoa em Mount Hagen Harvard. Isto é muito importante para
foram até mais influentes para mim do compreender, por exemplo, até o que
que os textos posteriores.12 Foi o impacto a Sherry Ortner está a escrever hoje.
da antropologia feminista que obrigou a Essa marca do parsonianismo está lá.
um repensar do conceito de pessoa. Para Apresenta-se como uma antropologia
mim isto foi muito marcante no período da cultura e parece assentar sobre uma
em que preparava a tese para publicação teorização do conceito de cultura. Mas
(1982-1986). Mas, de fato, o impacto dos cultura é uma coisa que é tida por gru-
trabalhos de Strathern foi mais sentido no pos, e “grupo” é categoria não teorizada
fim dos anos 80, princípio dos anos 90, com por eles que remete para uma lógica
Gender of the gift13 e, depois, com aquele parsoniana. Esta é a minha leitura e
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ela aplica-se tanto a Schneider como a margem... Era a maneira de realmente


Geertz. Refiro-me a Schneider especial- testar tudo o que naquele momento eram
mente só por causa do impacto que ele hipóteses. Era quase um laboratório de
teve na Marilyn dos anos 90 e que, para questões relativas à etnicidade e isto me
mim, levou a Marilyn por um caminho fascinou muito.
menos interessante que o inicial.
CF: Macau, do ponto de vista da desco-
CF: E é nesse período, início dos anos lonização, tem uma história complexa,
90, que você começa a pesquisa em é como se você tivesse camadas de pro-
Macau? cessos diversos, que você traduziu como
etnicidade. É diferente da colonização
Precisamente. Nessa altura comecei a africana que você conhecia tão bem,
achar que não fazia sentido continuar a inclusive por experiência pessoal. Como
trabalhar com camponeses em Portugal, você compara essas duas experiências,
porque já não havia camponeses. Para africana e macaense?
fazer a coisa honesta, eu teria que refazer
tudo de novo. Teria que fechar portas, De fato, trata-se de processos de descolo-
arquivar o material antigo e voltar ao nização muito diferentes, o que pode ser
princípio: fazer outra vez a etnografia enxergado de forma muito clara através
de umas pessoas que eram agora cons- da questão da etnicidade. Em Macau en-
tituídas por diferenças que já não eram contrei uma constituição étnica totalmen-
as mesmas da geração anterior com a te diferente da africana. Na África, havia
qual eu tinha trabalhado. A entrada na um binarismo hierárquico absoluto: os
sociedade de consumo alterara os parâ- colonizadores – brancos, ricos, modernos
metros da estruturação social e cultural e com conhecimento poderoso (a questão
da sociedade rural portuguesa. Foi tudo do saber/poder é muito importante) – e
muito rápido. É uma revolução social que os colonizados – negros, pobres, tradicio-
ocorre a partir de 69, que tem seu pico em nais, rurais, “ignorantes”. Em Macau e
76-77 e que, em 86, está definitivamente Hong Kong não se passa assim, existe um
terminada. E então, nessa altura, eu fui sistema que cruza etnicidade com classe,
desafiado a ir para Macau. A princípio, de tal maneira que você tem uma classe
disse que não, mas realmente a oferta era alta chinesa de cariz comercial, uma
tão atraente que acabei por ir. classe média administrativa portuguesa
ou mestiça e uma classe baixa chinesa.
CF: Mas qual era a questão que o mo- Então, a dinâmica do estigma étnico (por
tivava? isso o subtítulo do meu primeiro livro é
Dinâmicas da Etnicidade Macaense16)
Eu tinha um problema que me preocu- é dupla, não tem o sentido único que
pava: é que nunca tinha feito etnografia tinha em África. Hoje, a África é muito
num contexto social em que o fator etni- diferente, mas na China sempre houve
cidade fosse importante, e isso para mim uma poderosa elite autóctone e um ima-
era um problema. Eu estava a ver isso a ginário que atribui o poder cultural, a
chegar em Portugal. Via bem que a etnici- sofisticação maior à China; que posiciona
dade seria um grande tema nos anos 90 e os chineses como superiores perante
queria perceber como é que eu abordaria os outros povos. Então, nesse aspecto,
a questão. Macau era o terreno perfeito a minha anterior experiência africana
para analisar o conceito, porque era uma constituiu um contraste em Macau.
288 entrevista

FN: Isto coincidiu também com a criação do colonialismo em África, com o termo
da EASA (European Association of Social das guerras civis. As lógicas sociais do
Anthropology). colonialismo português não acabaram
logo com a independência; só acabada a
Coincidiu absolutamente. São processos guerra civil subsequente é que começa a
paralelos. No meu caso pessoal, o desafio ser possível antever novas tramas sociais
foi lançado pelo Adam Kuper. Eu não africanas. Até lá as guerras criaram um
o conhecia pessoalmente, mas ele era hiato que prolongava o período anterior,
então editor da Current Anthropology. não permitindo construir nada de genui-
Quando eu escrevi aquele texto crítico namente novo.
sobre o Mediterrâneo, Adam apoiou-me
contra muitos que teriam preferido evi- FN: Eu creio que nesse percurso se pode
tar o debate, o que nos aproximou.17 Ele identificar também a cultivação de um
contactou-me, o que me agradou muito, tipo de antropologia crítica, consciente
porque eu o respeitava, por causa do da necessidade de criar as condições
meu background africanista e pelo meu institucionais para que ela se desenvolva.
gosto pela história da antropologia. Foi Um pouco como acontece no Brasil. Po-
muito interessante trabalhar com ele na demos dizer isto agora tranquilamente,
fundação da EASA. quando o PPGAS faz 40 anos e a antropo-
logia moderna no Brasil tem já algumas
FN: Qual era a motivação de vocês? gerações. Nesse sentido, a nossa geração
tem uma casa feita, diferente de quando
O contexto dizia respeito ao papel da você chegou a Portugal. Ainda assim,
antropologia num mundo após a Guer- a sensação que temos no Brasil é a de
ra Fria. Porque, com a queda do Muro que há um espaço aberto, um campo de
de Berlim, estavam a acontecer coisas possibilidades muito rico que obriga ao
inesperadas: por um lado, na Euro- mesmo tempo a produzir etnografia, dis-
pa, o Leste juntava-se a nós, como se cutir teoria e trabalhar o tempo todo sobre
cumprisse um destino. Este era o móbil as condições materiais e institucionais de
principal do Adam e do Ernst Gellner. possibilidade disso tudo. Se a gente olha
Mas também tinha havido, dois anos para os Estados Unidos, não se encontra
antes, a negociação sobre Hong Kong e mais esse perfil de pessoas...
Macau e, logo depois, o fim da Guerra
Civil em Moçambique e o princípio do De fato, houve nos Estados Unidos, no
fim da Guerra Civil em Angola. O mundo tempo da Ruth Benedict, no período
estava a reestruturar-se. Nós estávamos pós-Guerra. Mas foi isto de fato que me
a ver estas mudanças a ocorrer vertigi- fascinou enormemente quando descobri
nosamente. Elas tinham implicações na a antropologia brasileira, porque eu
própria maneira de fazer antropologia, descobri a antropologia brasileira muito
porque nós, como antropólogos, faze- tardiamente, só na segunda metade dos
mos parte desses processos, tanto numa anos 90. Mea culpa.
aproximação ao Leste, como na maneira
como nós víamos o nosso próprio objeto CF: Tá perdoado, João.
num contexto pós-colonial: a entrada de
Portugal na União Europeia, o fim do E ao descobri-la fascinou-me, porque en-
último colonialismo português em Ma- contrei aqui ecos de uma forma de fazer
cau e, em certo sentido, o fim definitivo antropologia que retirava a disciplina
um realismo minimalista 289

dessa condição de ciência dos hegemôni- “É do Leste que viemos com Malinowski.
cos sobre o mundo dos outros. Eu sempre As nossas raízes também estão aí. Nós
tive muita dificuldade com essa ideia da não podemos deixá-los sós. Essa gente
antropologia como a Ciência do Outro, tem que se juntar a nós porque são
porque sempre me senti “outro”. Esta nossos”. Essa relação com a Europa do
foi uma questão que me causou sempre Leste, essa necessidade de dizer “vamos
dificuldades e que está na base da minha trazê-los” foi muito importante. A ideia
crítica ao mediterranismo. Quando chego é claramente esta até o Congresso de
ao Brasil e encontro este cruzamento Praga, em 1992. As coisas começaram
entre uma tradição francesa e uma tra- então a mudar, porque perdemos um
dição anglófona, esta constituição de pouco da nossa inocência com toda essa
instituições de pós-graduação sólidas, dinâmica dos Bálcãs. Mas a sensação
uma antropologia que se concebe a si de que a antropologia americana se põe
mesma como autônoma – tudo isto me à nossa frente como um problema só
fascinou muito. Queria poder dizer: eu, surge mais tarde, no fim dos anos 90.
por virtude de ser português, não tenho É aí que começamos a sentir o efeito do
que me vestir de ocidental para fazer an- mecanismo silenciador lançado pelas
tropologia! A herança antropológica é tão novas formulações hegemônicas sobre a
minha como de qualquer inglês, francês história da nossa disciplina – gente como
ou americano, apesar da minha menor Stocking e Clifford, que conta a história
“ocidentalidade”. O meu fascínio com a da antropologia europeia a partir de uma
antropologia brasileira passa por aí. perspectiva americana.

CF: Eu vou fazer o papel de advogado do FN: Bem, mas desde o início tratava-
diabo, porque em nossa conversa apare- se de uma associação de antropologia
ceu uma oposição entre a antropologia social...
americana e as outras antropologias.
Talvez não seja exatamente assim, mas Naquela altura havia sim o projeto de
me parece que um dos projetos da EASA uma antropologia social, mas isto não
era criar um bloco que fizesse, digamos, era necessariamente visto como antia-
frente a certa hegemonia americana. mericano, até porque pessoas como a
Não era isto? Silverman, o Wolf ou o Mintz não se con-
cebiam como antropólogos culturais – os
Eu acho que não era assim. Isto é uma discípulos do Julian Stewart em Nova
coisa mal entendida. Adam Kuper tinha York sempre se chamaram antropólogos
uma relação muito forte com setores im- sociais. Foi preciso tomar uma posição
portantes da antropologia americana e defensiva, mas para quem como eu lá es-
a EASA foi fundada com apoio direto de teve, a questão colocava-se institucional-
Eric Wolf e Sydel Silverman, que partici- mente. A EASA tinha que evitar o beco
param diretamente das discussões desde do europeísmo. Nós não queríamos nos
o início. O grande desafio era captar as tornar um subcapítulo da AAA (American
antropologias que já estavam a dar cartas Anthropological Association), um ramo
a Oeste (Grécia, Espanha e Portugal) e da Society for the Anthropology of Europe.
as novas a Leste – nos antigos espaços Queríamos reivindicar uma antropologia
das ditaduras do pós-Guerra. Era dizer em tempo inteiro, e para isso era necessá-
assim (como disse o Gellner na aula rio certo afastamento da América, porque
inaugural que fez em 1990 em Coimbra): os americanos só estavam interessados
290 entrevista

em nós como antropólogos da Europa e existem antigas e fortíssimas tradições


não na nossa antropologia em geral – que intelectuais autóctones nesses países,
achavam que era uma coisa do passado. pessoas que são filhos de filhos de filhos
Ora, nós queríamos poder fazer antropo- de acadêmicos. Essa sensação de uma es-
logia de qualquer parte do mundo, não pécie de sedimentação do conhecimento
estávamos interessados em reconstruir desde o berço é muito marcada nesses
o projeto etnológico nacionalista para a países. Ora, essa tradição prende-se ao
nova Europa. Dizíamos: “Não, nós não papel que as intelligentsias tinham no
vamos nos tornar numa associação de Império Austro-Húngaro. Era com essa
antropólogos sobre a Europa; queremos tradição que pessoas como o Gellner
ser antropólogos tão universalistas como sentiam que tínhamos que reatar.
quaisquer outros”. Foi uma guerra que
fizemos nos anos 90 integrando figuras CF: Quais as implicações teóricas disto?
muito importantes da antropologia da
época, como John Davis, Ulf Hannerz Creio que ainda é cedo para dizer, mas
ou Marilyn Strathern. A última coisa parece-me que essa reestruturação vai
que se pode dizer destes aí é que são alterar a relevância do eixo anglo-francês.
antiamericanos. Não são, ou pelo menos Haverá um reenquadramento das forças
não eram nos anos 90. Eu creio que o teóricas. Por outro lado, é interessante ve-
que estava em causa era a manipulação rificar que sobretudo as antropologias in-
do nosso passado disciplinar que estava glesa e francesa deixaram marcas por toda
a se realizar nos Estados Unidos. Havia a Europa pós-soviética e pós-fascista –
mesmo quem tivesse querido importar em Portugal, Espanha, Grécia, Itália,
o modelo dos 4-fields, sem pensar como assim como nos países do bloco sovié-
este modelo só faz sentido na América do tico e na Escandinávia. Muitos dos que
Norte e que, à luz da história acadêmica hoje lideram os novos departamentos da
europeia, se trata de um absurdo tentar Europa continental tiveram uma relação
exportá-lo para a Europa. constituinte com o eixo anglo-francês.
Há certo consenso pela Europa a fora em
CF: Se o projeto da EASA foi o de incor- torno da tradição da antropologia social.
porar a Europa Oriental, o que foi feito Ao mesmo tempo, o impacto da teoria
desde então? O que é hoje a antropologia sociológica alemã da Belle Époque não se
no Leste? Existe uma antropologia da esgotou. Observam-se laivos de um cultu-
Europa Oriental? ralismo de raiz alemã e nacionalista que
encontra ecos no culturalismo americano
Existe e está francamente a dar provas da contemporâneo. A etnologia europeia
sua vivacidade. Existem alguns departa- (folklore, volkskunde), contrariamente ao
mentos bem interessantes. A Polônia e a que a minha geração chegou a pensar, não
Eslovênia estão a dar cartas, mas existem desapareceu e está a reemergir associada
departamentos de antropologia bons na às modas da museologia, patrimônio e
República Checa, na Hungria, na Estô- cultura material.
nia, na Eslováquia. É um bocado difícil
prever qual será o resultado teórico de FN: Alguns desses argumentos foram es-
tudo isso, porque, por um lado, a Europa boçados no seu artigo de 2005, publicado
Oriental ainda vive muito o sonho ameri- na revista da EASA, Social Anthropology,
cano e o brain drain americano funciona como parte do dossiê sobre o futuro da
muito ativamente; por outro lado, porque antropologia.
um realismo minimalista 291

Naquela época eu era presidente da ventivas, transculturais. Vejo, por exem-


EASA e encontrei fundos para fazer no plo, a relevância atual dos debates numa
meu instituto uma reunião à qual cha- revista como a Antropology Today. Existe
mei European Anthropological Summit. aí uma juventude a produzir antropolo-
A ideia era repensar a EASA 15 anos gia muitíssimo interessante do ponto de
após a sua fundação. Reunimos 50 vista temático, e muitíssimo relevante do
antropólogos para debaterem as várias ponto de vista intelectual. Mas vejo, ao
questões que se levantavam em torno mesmo tempo, a categoria “antropologia”
do papel de uma antropologia europeia, a ruir – o que me deixa perplexo. Vejo
e convidamos três pessoas para apresen- que, nas livrarias inglesas, já não há uma
tarem papers estruturantes: Adam Kuper, seção “Antropologia”; vejo que os antro-
Marilyn Strathern e Philippe Descola. pólogos (por exemplo, os franceses) têm
Aliás, o resultado foi bem engraçado: vergonha de dizer que são antropólogos
Descola apresentou um ensaio sobre e inventam outras categorias discipli-
natureza/cultura; Kuper sobre quando a nares espúrias e passageiras; vejo que,
sociologia descobriu que não era antro- na América, o grande público continua
pologia nos anos 60, e Marilyn Strathern a achar que antropologia é uma coisa
veio nos falar sobre um parque virtual sobre “ossos” (como na série televisiva
de ciência em Cambridge... Quer dizer, tão famosa); vejo os sociólogos teóricos a
não podia haver papers mais diferentes! atacar a antropologia de frente – figuras
Mas eu penso que até nessa polarização como o Giddens, o Latour ou o Boaven-
eles são interessantes, porque mostram tura de Sousa Santos, que se dedicam a
esse polimorfismo da antropologia profetizar sobre a categoria disciplinar
contemporânea, essa capacidade que a “antropologia,” tentando redefini-la às
antropologia tem de abarcar as temáticas suas luzes, como se o trabalho que os
mais diversas, encontrando a relevância antropólogos fizeram nos últimos dois
mútua entre temas na aparência total- séculos não tivesse qualquer relevância
mente distintos. Porque esta é a questão atual; vejo uma enorme incapacidade de
relevante – a abertura universalista da gerir o problema pós-colonial em África
nossa disciplina continua a existir, apesar – os nossos colegas africanos hesitam em
de não termos atualmente linguagem chamar-se antropólogos, porque identifi-
para falar dela. O meu paper chamou-se cam a antropologia com o colonialismo,
“The future of social anthropology”.18 coisa que é um absurdo histórico. Aliás,
os antropólogos foram os principais res-
CF: Título modesto... Qual era o seu ponsáveis por desconstruir os pressupos-
ponto? tos colonialistas e racistas inscritos nas
práticas científicas modernas. Em suma,
A certa altura, decidi atacar frontalmente observo uma erosão da categoria “antro-
a questão de se havia condições para a pologia,” ao mesmo tempo em que obser-
reprodução de uma identidade discipli- vo que aquilo que os antropólogos fazem
nar antropológica enquanto tal. É que é coisa boa e fascinante. Este, então, é
continuo profundamente convencido de o meu problema: a antropologia é coisa
que aquilo que os antropólogos estão boa, aquilo que fazemos é útil e valioso;
a fazer hoje é bom, útil e interessante. temos, portanto, que olhar de novo para
Vou aos congressos da EASA, da ASA a nossa autoimagem e revalorizá-la em
ou da ABA e vejo milhares de temáticas novos moldes. Se eu chamei de “The fu-
inovadoras, interessantes, críticas, inter- ture of social anthropology” o meu paper,
292 entrevista

é porque o Giddens tem aquele famoso Eu vejo na Europa a constituição de


texto homônimo, no qual afirma que é comunidades antropológicas jovens –
preciso acabar com a nossa disciplina tal em Portugal, na Espanha, na Áustria, na
como ela existe e reinventá-la segundo o Alemanha, na Eslovênia, na Escandiná-
que ele pessoalmente acha que deveria via; vejo enormes possibilidades, mas
ser.19 E eu estou a dizer: “olha só, se esse vejo ao mesmo tempo essa hesitação de
problema existe, então uma de duas: que falei. Ora, essa erosão da categoria
ou eu estou a ver mal, e aquilo que os “antropologia” vem de onde? Dos Esta-
nossos alunos fazem é realmente uma dos Unidos, da Inglaterra e da França.
porcaria, ou então, se o que os nossos É aí que vocês vão encontrar um ques-
alunos fazem é bom, há que saber valo- tionamento da própria sustentabilidade
rizar o objeto, temos que reencontrar a disciplinar da antropologia. Há razões
antropologia – não como esses teóricos políticas para isso. O Carlos diz que a
da sociologia a reprofetizam a cada nova antropologia está à esquerda – mas a
volta do moinho teórico, mas como ela esquerda e a direita desnortearam-se.
realmente é, como o resultado comoven- A antropologia não está à esquerda,
te de uma história de pensamento de está do lado da mutualidade humana.
incrível valor humano”. Ora, essa vocação antropológica para a
mutualidade constituiu, durante o longo
CF: E é curioso pensar a identidade dos período do neoliberalismo, um desafio
antropólogos brasileiros em relação aos ideológico, o que contribuiu para o
cientistas políticos ou aos sociólogos. sentimento de dúvida da antropologia
Nós estamos engajados no estudo do sobre si mesma. O problema é político,
concreto, das microssituações, do mun- mas também é teórico.
do real, não com as grandes estruturas,
não com o Estado, mas com aquilo que FN: E como você enfrenta este problema?
vem de baixo, portanto, nós sempre es-
tamos à esquerda dos outros. Esta é uma A minha intervenção foi precisamente
imagem que eu tenho, por exemplo, da no sentido de provocar os antropólogos
antropologia no Brasil (e que eu tenho de das tradições hegemônicas. Foi dizer:
mim mesmo, inclusive). E é curioso que isto prende-se a um grande problema
na Europa ainda seja preciso se libertar na antropologia contemporânea, que é
da ideia da ligação da disciplina com o o “deflacionismo”. Com isso eu quero
colonialismo. mostrar uma posição cética que nega
a existência de verdade. Esta atitude
Este foi um dos fascínios que encontrei cética perante a própria atividade
na antropologia brasileira: a capacidade cognitiva é um mal que ataca a antro-
que ela tem de, por um lado, ser um de- pologia de uma forma especial, porque
safio intelectual e, por outro lado, ser um a transforma numa atividade autocen-
desafio social, de participar interventiva- trada. Considero este um problema
mente na construção da sociedade. Isto muito grave e tenho andado a traba-
tem custos intelectuais muito grandes; lhar contra a coisa – a ver se consigo
custos que vocês, antropólogos brasilei- reconstituir certo realismo moderado
ros, vão pagando às vezes. Mas valeu a que convenha à antropologia, quero
pena; valeu a pena ir à guerra. E a prova dizer, um realismo minimalista que,
de que valeu a pena é que realmente a não deixando de ser realismo, permita
antropologia brasileira está muito viva. o relativismo necessário para o empre-
um realismo minimalista 293

endimento etnográfico, porque sem isso perante nós próprios? Eu acho que o
entramos numa espiral deflacionista – desafio principal se situa aí.
a etnografia colapsa sobre si mesma.
Corremos o risco de confundir a nossa FN: Quais são os caminhos que você
herança de relativismo metodológico (o enxerga para sair desse impasse, dessa
melhor que nós temos) com relativismo contradição entre a produtividade dos
epistemológico (que nos tornaria irrele- antropólogos na compreensão do mun-
vantes). Creio que este problema está no do contemporâneo e a dificuldade de se
fundo da dificuldade que a antropologia teorizar e se definir a disciplina e, espe-
tem experimentado ultimamente de lidar cificamente, o fazer etnográfico?
consigo mesma. Quando figuras como o
presidente da Wenner Green Foundation Isto, na minha opinião, passa por uma
for Anthropological Research vêm dizer crítica ao projeto sociocêntrico da mo-
que a antropologia americana está sem dernidade. Esta crítica foi sendo rea-
rumo, quando vemos o que se está a pas- lizada e, em certo sentido, foi levada
sar, por exemplo, em termos da própria a um ponto radical, sem questionar as
definição do que é um anthropologue próprias condições epistemológicas da
na França,20 temos que compreender crítica e, então, virou-se contra si própria.
que este dilema não é só institucional, Na verdade, o que nós encontramos no
é também teórico. O que está em causa presente momento são versões do para-
é a própria posição da antropologia no doxo com o qual se deparou Rodney Nee-
mundo da ciência e das humanidades. dham nas suas obras finais.21 São versões
A antropologia tem que se reencontrar da situação em que a antropologia leva
enquanto ciência social num mundo te- a sua autocrítica até um ponto em que
órico pós-positivista. Trata-se sobretudo, perde as condições para a explicação
creio eu, de repensar as condições de de si mesma, porque se radicaliza. Eu
possibilidade do gesto etnográfico. Quer creio que, para sair desses paradoxos, é
dizer, o gesto etnográfico não perdeu a preciso um posicionamento tanto teórico
sua produtividade, como muitos chega- quanto político. Na minha opinião, o que
ram a pensar que iria acontecer com o se passou foi que nós, ao naturalizarmos
passar da primitividade. Volto a insistir: o relativismo etnográfico, ao trazermos
quem são as pessoas que estão a escrever o relativismo da metodologia para um
as coisas mais interessantes e criativas questionamento da própria existência
sobre a religião nos nossos dias – não são da possibilidade do contato com a reali-
antropólogos? Sobre meio ambiente e so- dade, viramos a antropologia enquanto
bre economia – não é na antropologia que ciência contra si mesma. Isto tem im-
encontramos algumas das saídas mais plicações epistemológicas destrutivas,
criativas contemporâneas? Em relação mas também tem implicações práticas.
às ciências médicas e à própria prática Significa que, por exemplo, se a ciência
científica, não foi da tradição antropoló- é um projeto ocidental, se a antropologia
gica que saíram as grandes pistas? A an- é parte da ciência, então só os ocidentais
tropologia tem uma agenda muito viva e é que podem fazer antropologia. Isto é
muito contemporânea – por que será que ridículo – os efeitos da velha falácia do
não conseguimos explicar a possibilidade tudo-ou-nada.22 Na minha opinião, esta
teórica do gesto etnográfico? Como é é uma noção politicamente bem proble-
possível termos chegado a um ponto em mática, porque vem criar a possibilidade
que o gesto etnográfico se tornou obscuro de existir um objeto que, para mim, é
294 entrevista

quimérico: “outras antropologias”. Ora, para nós com os mesmos olhos com que
eu não concebo tal possibilidade. Acho nós hoje olhamos para os missionários
que, no momento em que assim pensar- de ontem. Eu conheci missionários que
mos, deixaremos de ser antropólogos e eram gente muito bem intencionada, que
passaremos a ser ideólogos. Não nego estava genuinamente convencida de que
que existam sempre e necessariamente a missionação era a coisa melhor do mun-
relações entre estas duas atividades, do. Por isso, quando vejo pessoas como a
mas isto não significa que sejam uma e Nancy Scheper-Hughes a escrever livros
a mesma atividade. Esta preocupação como Death without Weeping,23 que são
epistêmica prende-se precisamente formas radicais de alterização de uma
à necessidade que sinto de encontrar sociedade, de constituição de guerras
caminhos de saída para a performance ontológicas fundacionais, recuso-me a
deflacionista – que é uma ideational participar, porque acho que essas pessoas
performance na medida em que realiza estão a fazer precisamente a mesma coisa
a transformação de um problema epis- que os missionários estavam a fazer, com
têmico em um gesto ontológico. Quer as mesmas “boas intenções” paternalis-
dizer, através de um truque epistêmico, tas. Temos de encontrar uma forma de
eu transformo a diferença que identifico não depender desse tipo de alterizações
na etnografia numa diferença radical e, radicais e, precisamente, de encontrar
com isso, retiro a própria possibilidade certa atitude de reserva crítica perante
do gesto etnográfico inicial. nós próprios. Assim, por exemplo, quando
figuras como o Max Gluckman são acusa-
FN: Esta posição teórica e política, me pa- das de serem colonialistas, eu fico furioso.
rece, nos permite voltar à sua trajetória. O tipo vivia num mundo colonial, lá isso
sim, sem dúvida. Mas quando pessoas
Sim, claro, é que nunca consegui deixar igualmente envolvidas nas hegemonias
de me sentir “outro” em relação às hege- do seu tempo chamam de colonialistas
monias globais que se vão sucedendo. a antropólogos do passado que estavam
E, ao mesmo tempo, sinto-me muito muito mais profundamente envolvidos na
antropólogo. Vejam, quando vou a Mo- crítica social do seu tempo que os que hoje
çambique colaborar no lançamento de os acusam, como Gluckman, acho isso um
uma antropologia local; quando vou a absurdo e um ato de lesa-antropologia.
Macau dar aulas de antropologia para Da mesma maneira, acho que algumas
futuros juristas; quando venho ao Brasil dessas propostas de alterização radical
dialogar convosco; quando estou em têm raízes ideológicas tão facilmente
Portugal a trabalhar para a criação de determináveis que fico chocado pelo fato
uma escola de antropologia, que sentido de isto não ser mais patente para toda a
faz eu achar que a antropologia é uma gente.24 Como é que nós, que somos mar-
atividade “ocidental”? Como é que posso ginais à ordem global, deixamos que algo
encontrar uma definição de ocidentali- assim passe? É realmente aí que eu creio
dade que nos abranja a nós todos? Isto que, por exemplo, uma antropologia feita
para mim é um absurdo, e envolve uma em português (ou em espanhol, alemão ou
posição ideológica que não me satisfaz. chinês) tem um papel muito importante a
Eu comecei a minha vida intelectual cumprir. Trata-se de espaços de comuni-
nessa charneira entre a atividade missio- cação com alguma autonomia relativa em
nária e a atividade científica e, por isso, face das hegemonias globais, o que pode
tenho muito medo de um futuro que olhe permitir alguma liberdade de negociação
um realismo minimalista 295

hegemônica. Eu não sou contra a existên- de afirmação da China perante o mun-


cia de hegemonias, porque isso seria ser do; o consequente nacionalismo teórico
contrário à existência de sociedade... Mas permanece muito marcado e isto dificulta
sou muito a favor da sua negociação, e isto o desenvolvimento da boa antropologia.
é uma coisa que vocês no Brasil fazem, Creio que é algo que demorará algum
e que nós antropólogos, como um todo, tempo a resolver-se.
devemos saber maximizar como parte da
nossa condição científica global. CF: Você teve contatos com as univer-
sidades chinesas durante sua pesquisa
CF: Nesse panorama geral da antropologia em Macau?
contemporânea que estamos discutindo, e
dado que você fez trabalho de campo na Sim, várias vezes em Cantão mas, em
China, o que você poderia nos dizer sobre 1990, fui recebido no Departamento de
a antropologia feita naquele país? Sociologia da principal universidade de
Pequim, a Beida; o Fei Xiaotong25 não
Ainda não se pode dizer que exista pro- estava presente porque já não recebia
priamente uma antropologia chinesa. acadêmicos comuns como eu. Encon-
Existe a possibilidade de vir a existir trei-me com um grupo de jovens muito
dentro de algum tempo. A violência interessantes, mais ou menos da minha
ideológica do maoísmo foi tão profunda idade, que estavam àquela altura a es-
que não se esgota de um dia para o outro. forçar-se por conhecer um pouco melhor
Mesmo pessoas treinadas no estrangeiro, a antropologia internacional. Estavam
que hoje voltaram à China, vão demorar curiosos de saber o que eu pesquisava
algum tempo para conseguir fazer esse em Macau. Expliquei-lhes o meu proje-
distanciamento em relação ao naciona- to, que era sobre euroasiáticos,26 e eles
lismo chinês. Não é uma coisa que passe pareceram achar muito interessante,
de hoje para amanhã, mas creio que embora a própria noção de “mestiço”
acabará por ocorrer. Há uma preocupa- não fosse uma coisa propriamente
ção por parte dos chineses na criação de confortável para eles. A certa altura,
ciências sociais; como vocês sabem, as comecei a dizer-lhes como gostava da
universidades chinesas explodiram em antropologia que tinha sido feita sobre
quantidade. Há departamentos a serem a China, e que estava a ler avidamente
fundados em Xangai, Pequim, Cantão, pessoas como o Freedman,27 os Potter,28
Kunming; é um mundo em expansão que os Wolf,29 e outros. Eles contestaram:
vai eventualmente dar sinais de si, estou “As coisas escritas por ocidentais sobre a
certo. No presente momento, contudo, a China nós não lemos! Não vale a pena, é
situação é difícil de apreciar, até porque uma perda de tempo. Eles não percebem
os chineses continuam muito ligados a nada. Agora Leach, sim, é um grande an-
um projeto de afirmação nacional e exis- tropólogo”. E passamos o resto da tarde
te um forte controle político da opinião a discutir Leach. Falamos sobretudo dos
pública. A antropologia tal como a pra- textos críticos e metodológicos do Re-
ticamos depende muito da possibilidade thinking Anthropology.30 Foi fascinante.
de livre expressão. Na China, a violência
decorrente do impacto da modernidade FN: Se a visão ocidental sobre a China era
ainda não foi esgotada e o autoritarismo tida com desconfiança, qual era o espaço,
político não foi debelado. Existe ainda então, para um antropólogo chinês fazer
uma contrarreação, que tem o sentido pesquisa de campo na própria China?
296 entrevista

Houve um colega que me disse: “Olha, com o que se passa cá fora. O problema é
você tem muita sorte. O que eu sei da que a própria categoria antropologia con-
antropologia é aquilo que eu não posso tinua também para eles a transportar as
fazer, porque aqui, na China, nós somos marcas do primitivismo metodológico –
obrigados a estudar minorias étnicas. Eu quando trabalham sobre o Japão, cha-
sou mandado em campanhas organiza- mam-na de outra coisa, tal como na Índia
das para estudar as minorias étnicas, e chamam sociologia àquilo que, fora da
depois os meus relatórios são lidos por Índia, passa por antropologia da socieda-
pessoas do governo, portanto, grande de hindu. No interior da Índia, só usam a
parte daquilo que eu escrevo é tratado expressão antropologia para se referirem
como informações sobre as pessoas que ao estudo das populações não-hindus.
eu estudo. Estou muito limitado no que Nós não devíamos fugir a esse desafio,
posso dizer. A única vez em que eu fiz fingindo que não reparamos nos efeitos
antropologia como você faz foi quando perversos do primitivismo metodológico.
fui ao enterro do meu avô. Meu avô vinha Esta é a minha posição. Nós deveríamos
de uma aldeia da província de Anhui. confrontá-lo diretamente.
Quando ele morreu, o meu pai já falecera
em Pequim, e eu era o descendente prin- CF: Mas o que significa não fugir e
cipal, portanto, a figura que lidera o luto. confrontá-lo? É procurar uma definição
Então, tive que ir lá pela primeira vez na ou deixá-lo suficientemente aberto para
minha vida. Quando acabou o enterro, que possa abrigar todos esses diferentes
eles me deram um gabinete na secretaria modos de fazer antropologia?
da aldeia, e durante três dias as pessoas
da aldeia vieram discutir comigo os pro- Significa uma tentativa de endereçar a
blemas que tinham para eu lhes sugerir questão do primitivismo metodológico
soluções e resolver disputas, porque eu de uma maneira crítica e analítica. Não
era o chefe da linhagem. Durante esses estou a propor autoritarismos, definições
três dias, aprendi tanto quanto vocês definitivas, nada disso, porque isto seria
aprendem quando fazem trabalho de ridículo, mas debater o problema fron-
campo por anos”. Eu achei essa história talmente. Veja, o Brasil tem esse mesmo
trágica e fascinante. Fato é que existe problema de forma muito aguda com a se-
na antropologia chinesa uma enorme paração entre etnologia e antropologia. É
dificuldade de lidar com uma visão do uma postura disciplinar que, depois, terá
outro sobre a China. Isto é muito forte e ecos teóricos em todas as teorizações so-
vai demorar algum tempo a passar. bre etnicidade, raça etc. Nós, na Europa,
tivemos um problema semelhante com a
CF: Você pode comentar sobre a antropo- etnologia (volkskunde) e o folclore. A SIEF
logia em outras partes do mundo, como (Société Internationale d’Ethnologie et de
na Indonésia, ou no sudeste asiático? Folklore)31 continua viva; essa tradição de
continuidade das etnologias de constru-
De fato, a segunda maior comunidade ção nacional ainda está lá. Na França, a
antropológica fora dos EUA não está no categoria etnologia parece mesmo estar
Brasil, mas no Japão. Eles ainda estão em processo de ressemantização. Con-
muito orientados sobre si próprios, mes- tudo, no geral, o processo de integração
mo quando fazem etnografia no estran- desses debates dentro do grande campo
geiro. Por exemplo, sobre África, fazem da antropologia está a avançar a passos
muita pesquisa, mas há pouco diálogo largos. Eu acho que temos que olhar para
um realismo minimalista 297

estas divisões com suspeita e esmiuçar as É por isto que me empenhei em ler Do-
implicações teóricas que elas possam ter. nald Davidson,32 porque ele nos ajuda a
Mais uma vez, não se trata de encontrar responder a algumas destas questões.
resoluções definitivas, porque isso não O modelo que ele constrói para a pos-
existe, mas uma tentativa de endereçar sibilidade do pensamento passa pela
o problema. centralidade da linguagem, mas não se
limita a ela. Permite-nos compreender
CF: Você tem essa visão ampla de uma um bocado melhor como, sendo todos
antropologia feita no mundo. O que você absolutamente diferentes, temos grandes
identificaria como coisas novas sendo áreas de sobreposição e, portanto, pode-
feitas na antropologia? mos construir sobre essas grandes áreas
de sobreposição uma noção de humani-
Teria muita dificuldade em identificar dade. Não existe uma essência comum
uma coisa que fosse mais nova que à humanidade, existem sobreposições
as outras. A minha apreciação é que humanas. Se a antropologia conseguir
estamos a entrar num momento neo- reencontrar um caminho para um com-
clássico, quer dizer, num período de parativismo baseado num realismo mini-
voltar a repensar algumas das questões malista e num estruturalismo mitigado,
que marcaram a antropologia clássica poderemos reatar com as preocupações
e que fomos empurrando para debaixo universalistas do período clássico, agora
do tapete como resultado do processo em moldes menos eurocêntricos. Trata-se
de desconstrução crítica. Por exemplo, de um desafio interessante.
o discurso sobre o parentesco ou sobre
a ecologia estão a reemergir e de formas CF: Talvez pudéssemos concluir a conversa
muitíssimo interessantes; e a reemergir falando um pouco desses debates con-
em ligação direta com alguns dos deba- temporâneos em relação ao que você está
tes que foram abandonados nos anos 70. fazendo nesses últimos anos na Bahia.
Eu creio que há muitas problemáticas do
período clássico que estão a reemergir Além de comer sarapatel... a minha vinda
hoje, à luz precisamente da procura de para o Brasil liga-se diretamente a uma
certo comparativismo antropológico – o triangulação com Moçambique e Macau.
esforço por construir uma antropologia No princípio dos anos 2000, fui professor
mais comparativa e mais universal. Eu convidado na Universidade Eduardo
vejo novas possibilidades num discurso Mondlane, em Maputo, numa altura em
sobre a condição humana que se prenda à que o projeto sobre os macaenses estava a
própria possibilidade de fazer etnografia – acabar e eu andava à procura de um novo
ao gesto etnográfico. Esta é a questão cen- projeto. Pareceu-me que o Brasil, em ter-
tral. Por quê? Porque a antropologia hoje mos temáticos, iria responder a algumas
é uma atividade empreendida por todos das preocupações que tinham emergido
os tipos de atores humanos sobre todos os entre Moçambique e Macau sobre as
tipos de atores humanos. Então, abre-se a problemáticas da etnicidade e da iden-
possibilidade de voltar a uma procura dos tidade pessoal. Eu vim para aqui muito
significados da condição humana, desta preocupado com a questão da identidade
vez teoricamente mais informada. étnica. Cheguei ao Brasil e encontrei, po-
rém, outras questões. A questão da pessoa
FN: O que seria um “discurso teoricamente e sua constituição afetiva tornou-se muito
informado sobre a condição humana”? mais importante para mim.
298 entrevista

FN: Este é o foco de sua pesquisa? panóplia tão vasta de aspectos foi para
mim inesperada. O próprio nome Brasil
Tenho estado a trabalhar sobre pessoa e levanta logo a questão: é que a terra não
nominação no Baixo Sul da Bahia. Traba- deveria chamar-se assim, mas sim Terra
lho com jovens e professores em várias es- de Santa Cruz. Já o grande João Barros (o
colas municipais. A temática central tem cronista e grande engenheiro da primeira
sido a forma como a emoção gera laços colonização) alertava para que não se
sociais que depois definem a pessoa no chamasse a essa nova terra pelo nome do
seu relacionamento com os outros. E isto pau vermelho do “vil lucro” (o pau-brasil),
veio confrontar-me com o debate sobre mas sim pelo nome do madeiro vermelho
indivíduo/pessoa no Brasil, que teve o seu com o sangue de Cristo. Mas perdeu a
momento alto na obra de DaMatta e que aposta! Desde esse momento fundacional
necessita agora ser repensado à luz da até à antropofagia modernista, o tropo
crítica ao sociocentrismo que emergiu nos demoníaco é dominante nos discursos
anos 90. Há hoje condições para repensar identitários brasileiros. Ele é constituído
essa polarização indivíduo/pessoa na sua por esse movimento utópico inicial: a
ligação com a ideologia eurocêntrica da polarização entre o Éden e o Hades.
modernidade e o papel que esta teve na
própria constituição da sociedade bra- CF: O diabo na terra de Santa Cruz...
sileira. A questão levantou-se de forma
inesperada para mim. Quando comecei a Precisamente! Essa polaridade é uma
reunir colegas para discutir nomes de pes- disjunção utópica. Por isso, a figura do
soa em português, sem que o tivéssemos Padre Antônio Vieira é tão estruturante,
previsto, os nossos debates acabaram por não é? É desse utopismo que mais tarde
girar em torno desta questão. Os últimos o projeto modernista se apropria, inver-
textos que tenho estado a escrever são tendo os polos, claro.
precisamente uma tentativa de reler a
tradição brasileira sobre o debate pessoa/ CF: Mas esta é uma tendência, a da
indivíduo que se liga a uma concepção da interpretação dilemática, polarizante,
sociedade brasileira como dilemática.33 dual; a outra é a tendência do hibridismo,
do sincretismo, da mistura. Como é que
CF: O dilema brasileiro, nos termos de essas coisas convivem?
DaMatta.
Esse problema está a montante do Brasil
O dilema brasileiro: uma sociedade divi- e no Brasil se prolonga. Quando o Pierre
dida entre uma ocidentalidade programá- Sanchis fala sobre sincretismo brasileiro,
tica e uma não-ocidentalidade difusa. Por ele diz que há cá dois sincretismos: há o
que ela é difusa? Porque ora é africana, ora sincretismo europeu e o sincretismo afro-
é indígena, ora é portuguesa popular ou brasileiro e que, já lá na Europa, a religio-
japonesa... é polifacetada. O binômio da sidade popular era sincrética porque o pa-
dualidade brasileira é assimétrico. Então, ganismo tinha sobrevivido através dos tem-
essa discussão levou-me a tentar pensar pos. Só que a questão que nós temos que
o significado da alterização do Brasil pe- nos perguntar, honestamente, é quando é
rante si próprio, que se formula através, que acaba o sincretismo? Quando é que
por exemplo, da imagem do demônio. acaba o sincretismo e começa a emergir
A forma como o tropo demoníaco é cons- uma coisa nova? Como é que se pode afir-
tituinte da autoimagem do Brasil numa mar – como a maior parte dos historiadores
um realismo minimalista 299

brasileiros e portugueses afirma – que no Notas


século XV o catolicismo em Portugal estava
ainda ambiguamente instalado? Os portu-
gueses do norte de Portugal são católicos 1
Brancaflor: A structuralist analysis of a Portu-
desde cerca de 550 da Era Cristã. Nessa guese folktale. 1977. Universidade de Witwa-
altura, quando São Martinho de Dume tesrand. Orientador W. D. Hammond-Tooke,
converteu a elite sueva ao catolicismo perto Examinadora Eleanor Preston-Whyte.
de Braga, eles já eram cristãos há cerca de 2
Needham, Rodney. 1987. Counterpoints.
200 anos. Como é que se pode dizer que
Berkeley: University of California Press.
as formas de comportamento religioso
não padronizado de hoje são sincretismo? 3
Asger, Jorn & Arnaud, Noël. 1968. La lan-
Que paganismo é esse que vive assim gue verte et la cuite: étude gastrophonique
imanente durante milênios? Há aqui uma sur la marmythologie musiculinaire. Paris:
espécie de polarização utópica. O objeto – Jean-Jacques Pauvert Éditeur.
as práticas religiosas das pessoas – é ob-
servável e é a cada momento único, não é 4
Webster, David J. 2009. A sociedade chope:
sincrético em si mesmo. Ele é produzido Indivíduo e Aliança no Sul de Moçambique
sincreticamente por quem olha para ele (1969-1976). Lisboa: Imprensa de Ciências
Sociais.
e o interpreta como múltiplo. Da mes-
ma maneira, no Brasil, eu creio que há 5
Habermas, Jürgen. 1971. Knowledge and
diversidades internas muito fortes, mas human interests (Erkenntnis und Interesse).
isto não significa que sejamos cegos às Trans. J. Shapiro. Boston: Beacon Press.
sobreposições que criam um campo que,
não sendo unitário, é integrado. A própria 6
Hammond-Tooke, W. D. 1997. Imperfect in-
imagem do demônio brasileiro é plural: terpreters: South Africa Anthropologists. Johan-
entre um demônio Capeta sertanejo e nesburg: Witwatersrand University Press.
um demônio Exu costeiro existem muitos
demônios. Estes dois demônios são bem
7
Steiner, Franz Baerman. 1999. Selected
writings. J. Adler & R. Fardon (ed.s.). Nova
diferentes na sua constituição, mas eles
York: Berghahn.
existem dentro de um campo de interrela-
cionamento facilmente identificável. Por 8
A primeira edição é de 1954 (Criterion
que é que chamamos isso de sincretismo? Books, Oxford) e foi prefaciada por Evans-
Por que não chamamos o cristianismo de Pritchard; a segunda edição é de 1971
sincretismo? Por que não chamamos o Islã (University of Chicago Press).
de sincretismo? Afinal, a diferença de tem-
po não é assim tão grande, quer dizer, os 9
Cf. Pina Cabral, João de. 1989. “The
portugueses já eram católicos no momento Mediterranean as a category of regional
em que o Profeta escreveu o Alcorão. Estão comparison: a critical approach”, Current
a ver o que eu quero dizer? O sincretismo Anthropology, 30(3):399-406.
brasileiro é produzido pelo dilema brasilei- 10
Pina Cabral, João de. 1986. Sons of Adam,
ro. Ora, isto tem efeitos no ideário político,
Daughters of Eve: the peasant worldview of the
mas também tem efeitos no interior da Alto Minho (NW Portugal). Oxford: Clarendon
própria prática antropológica brasileira, Press (trad. port.: 1989. Lisboa: D. Quixote).
quando aceitamos funcionar com uma
disciplina que presume mundos teóricos 11
Herzfeld, Michael. 1982. Ours once more:
distintos para objetos sociais diversos no folklore, ideology, and the making of modern
interior do Brasil. Greece. Austin: University of Texas Press.
300 entrevista

12
Por exemplo, Strathern. Marilyn. 1984. Brazil. Berkeley: University of California
“Subject or Object? Women and the Circula- Press, 1992.
tion of Valuables in Highlands New Guinea”.
In: Renée Hirschon (ed.). Women and Pro- 24
Ver Cabral, João de Pina. “Terrorismo,
perty – Women as Property. London: Croom suicídio e utopia: um olhar sobre o debate
Helm. pp. 158-175. Ou: 1982. “’Self-interest’ actual”. Etnográfica, 12(2):489-500, 2008.
and the social good: Some Implications of
Hagen Gender Imagery”. In: S. Ortner & H. 25
O famoso aluno de Malinowski, que es-
Whitehead (eds.). Sexual Meanings. Nova creveu uma das mais brilhantes etnografias
York: Cambridge University Press. sobre a China rural: Peasant Life in China.
In: Chinese Village Close-Up. Beijing: New
13
Strathern, Marilyn. 1988. The gender of World Press, 1983 [1936].
the gift: problems with women and problems
with society in Melanesia. Berkeley: Univer- 26
Cabral, João de Pina. Between China and
sity of California Press. Europe: Person, Culture and Emotion in Macao.
LSE Monographs 74. London: Continuum
14
Ingold, Tim. 1996. Key debates in anthro- Books/Berg, 2002.
pology. London: Routledge.
27
P.ex., Freedman, Maurice. Lineage Organi-
15
Strathern, Marilyn. 1992. After nature: zation in Southeastern China. LSE Monogra-
English kinship in the late twentieth century. phs 18. London: Athlone, 1980 [1958].
Cambridge: Cambridge University Press.
28
P. ex., Potter, Sulamith & Potter, Heinz.
16
Em terra de tufões: Dinâmicas da Etni- China’s Peasants: The anthropology of a
cidade Macaense. 1993. Macau: Instituto Revolution. New York: Cambridge Univer-
Cultural de Macau. sity Press, 1990.

17
“The Mediterranean as a category of re- 29
P. ex., Wolf, Arthur & Huang, Chieh-shan.
gional comparison: a critical view”, Current Marriage and Adoption in China 1845-1945.
Anthropology, 30(3):399-406, 1989. Stanford: Stanford University Press, 1980.

18
“The future of social anthropology”. In: So- 30
Leach, Edmund. Rethinking anthropology.
cial Anthropology, 13(2), pp. 119-128, 2005. LSE Monographs 1. London: Athlone, 1961.

19
Giddens, A. 1996, “The future of anthro- 31
http://www.siefhome.org/
pology” In: In Defence of Sociology: Essays,
Interpretations and Rejoinders. Cambridge: 32
P. ex., Davidson, Donald. Problems of Ra-
Polity Press. pp.121-126. tionality. Oxford: Oxford University Press,
2004.
20
Cabral, João de Pina. “Anthropology Chal-
lenged: Notes for a Debate”. Journal of the Royal 33
Ver Cabral, João de Pina. “A pessoa e o
Anthropological Institute, 12(3):663-673, 2006. dilema brasileiro: uma perspectiva anti-
cesurista”. Novos Estudos CEBRAP 78, pp.
21
Por exemplo, Exemplars. Berkeley: Uni- 95-112, 2007; “Sarakatsani reflections on
versity of California Press, 1985. the Brazilian Devil”. In: Mark Mazower
(ed.). Networks of Power in Modern Greece.
22
Ver João de Pina Cabral. “The all-or-nothing London: Hurst & Co., 2008. pp. 233-256;
falacy”. Social Analysis (2009, no prelo). e “O Diabo e o Dilema Brasileiro: uma
perspectiva anti-cesurista, II”. Revista de
23
Scheper-Hughes, Nancy. Death without Antropologia, 2009 (no prelo).
weeping: the violence of everyday life in

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