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Briga no corredor'
"Olha, cara'; Edu rebateu, "Eu pedi para você organizar aqueles dados,
algo simples, e você pisou na bola. Tinha coisa errada ali. Eu estou
cansado de correr atrás dos seus erros. Será que eu tenho de micro-
gerenciar tudo o que você faz?"
"Microgerenciar a rntrnl?" retrucou Marcos,"Você não consegue nem qe-
renciar a si mesmo, e quando algo dá errado procura um bode expiratório"
"Ora, eu não tenho tempo para isso. Façao seu trabalho direito e tudo
bem'; replicou Edu, virando as costas e saindo da sala.
Seguindo Edu pelo corredor, Marcos continuou: "Esse é o problema.
Você é o líder da equipe, mas não tem tempo para ninguém, só para
você mesmo e danem-se os outros. Você só pensa em si!".
"0 quél?" exclamou Edu, "Isso é mentira! Quem está tentando fazer
tudo o que pode para proteger a reputação desta equipe sou eu,
apesar de tudo. Escute aqui, faça a sua parte ..:'
"Não! Escute vocêl" gritou Marcos, quando novamente apareceu a
recepcionista dizendo, "Desculpe, eu não quero interromper, mas,
aquela ligação ...bem ...desligaram':
"Quem era?" indagou Edu, "Não era do Banco Metropolitano, era 7"
Com o sinal positivo da recepcionista, Edu olhou para Marcos e disse
quase gritando:"É melhor você rezar para que eu não perca essaconta
por sua causa".Virou-se e desceu o corredor. Nesse exato momento,
ele notou que a porta do escritório do chefe estava aberta e viu com
ele outro diretor e um cliente, pelo jeito alguém importante.
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e algum dia pode partir para um ataque talvez não tão racional. Para rninimizar
os potenciais estragos desses momentos vamos tentar entender melhor () que
acontece em nossa mente e nosso corpo quando assim somos estimulados por
algo externo.
O sistema nervoso e o cérebro são extremamente complexos, bem como o
próprio estudo de neurociências. Os conhecimentos nesse campo S;lO enormes e,
ao mesmo tempo, pequenos frente ao que desconhecemos. O que o gesror precisa
saber é que o pensamento e o sentimento são inrer-relacionados e acontecem
simultaneamente. São processados, respectivamente, pelo neocórtex (pensa-
mento) e o sistema límbico (sentimentos) do cérebro. Acontece que, antes que
esses dois elementos entrem em ação, existe uma parte de nosso sistema que é
mais rápido e efetivo, o tronco cerebral. Essa parte é responsável pelo controle
daquelas partes de nosso corpo que não dependem nem do neocórtex nem do
sistema límbico; é a parte que controla a respiração, os batimentos cardíacos
ete., e também as nossas reações automáticas a ameaças. Algumas de nossas
reações mais agressivas e imediatas vêm de lá e não chegam a ser processadas
pela parte pensante de nossa mente. Quando uma reação dessas acontece, se'>
nos resta, depois, avaliar se foi uma atitude adequada ou não, e se não for, pedir
desculpas, ou conviver com as consequências.
Então, somos condenados a sermos vítimas de nossas reações? Claro
que não, e existem táticas e técnicas que podem nos ajudar a gerenciar nossos
comportamentos e de outros. Neste capítulo vamos explorá-los. Existem rarn-
bérn alguns testes on-line, tais como o Thomas Kilmann Instrument (TKI), o
Myers-Briggs Type Indicator (MBTI) e outros que podem ser usados para nos
ajudar a entender melhor nosso próprio estilo em lidar com conflitos.
Como você gerencia suas próprias emoções? Resposta: não gerencia! Ou, ao
menos, não a priori.
ós gerenciamos nosso comportamento e de forma limitada a nossa ex-
pressão, em decorrência dessas emoções. Ao longo do tempo, podemos moldar
as nossas respostas a certas emoções e gerenciar nossas emoções por meio de um
aprendizado mais profundo, no longo prazo. No entanto, a priori, a emoção
vem, de qualquer jeito, e temos então de lidar com o que ela causa.
110 GESTÃO DE CONFLITOS
Então, como evitar erros como esses quando o "circo está pegando fogo"
e você está dentro do "circo"? Sabemos que a maioria das pessoas não pensa
bem quando está reagindo a um estímulo emocional impactante. William Ury
oferece o conselho para esses momentos de "Go to the Balcony ", ou seja, sair de
cena e dar uma olhada por cima, como se estivesse olhando uma peça na qual
você não é um dos atores. Assim é bem mais fácil fazer um diagnóstico do que
está acontecendo. Qual foi o gatilho que deu início às reações? Alguém está mal
informado? Ou, alguém está tentando fabricar um conflito para tirar vantagens?
AUTOGESTÃO DE CONFLITOS 111
Quando você nota que algo está gerando, ou pode gerar, uma reação
forte - alguém faz uma acusação ou uma ameaça, tem um comportamento ruim
erc, - a regra é: não reaja! Peça um intervalo, um break, para ganhar tempo para
pensar e para deixar a adrenalina baixar, tempo para amhos os lados diagnos-
ticarem o que está acontecendo. Se as circunstâncias não permitem um break,
outra tática é fazer perguntas abertas ou solicitar explicações sobre <ligo que
leve tempo para ser respondido, e de preferência, que seja um assunto sobre o
qual o outro lado goste de discursar. É um tempo mínimo para reduzir o nível
emocional e se preparar psicologicamente para o retorno ao diálogo.
Nos Capítulos 5 e 6, apresentamos duas competências básicas da gest<1o
de conflitos: diálogo e negociação. Para ambos, a aurogestâo é fundamental.
Isso foi ilustrado no Capítulo 6, quando Bárbara consegue controlar seu ins-
tinto natural de atacar Paulo, escolhe não reagir e usa técnicas da negociação
integrativa para chegar a uma solução boa para todos. Isso é ótimo, mas nem
sempre as coisas acontecem assim.
Figura7.110ciclo ~;I\;IlIIU
reuli.lIÓrio.
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Às vezes, o conflito aparece e, por bons motivos, dos dois lados. Algum
gatilho gera a sensação de ameaça que, por sua vez, gera emoções de raiva cl
ou medo e a reação de atacar ou escapar que, por sua vez, gera ameaças do
outro lado, em um ciclo crescente de retaliações. Dessa situação decorrem mais
acusações, desconfiança e sentimentos negativos, o que gera ainda mais raiva.
"2 GESTÃO DE CONFLITOS
As pessoas acabam dizendo e fazendo coisas que, depois, percebem que não fo-
ram as melhores possíveis. E quando uma dessas pessoas for você? O que fazer?
Pedir desculpas para aquele sujeito arrogante que te insultou, e que, no
final das contas, era quem estava errado? O problema é que, quando perdemos as
esrribeiras, por mais certos que estivéssemos, perdemos a razão. E então? Engolir
o sapo? Deixar para lá? E quanto a ceder? Se você der a mão, da próxima vez ele
vai querer o braço? E se não der para deixar barato? Levar o caso para o chefe?
Talvez, mas pode não ser conveniente mostrar que você não tem capacidade para
resolver os próprios problemas.
A AUTOMEDIAÇÃO DE UM CONFLITO
Depois do almoço, já mais calmo, Edu começou a refletir sobre o que acontecera
pela manhã, na reunião.
"Por que Marcos reagiu daquele Jeito, se, afinal de contas, os dados dele
estavam errados? Tudo bem, ele estava certo ao dizer que o relatório final
AUTOGESTAo DE CONFLITOS 113
Assim, Edu decidiu ir até a sala de Marcos para tentar trazê-Io para um
diálogo produtivo.
"Pense bem, Marcos. Se nós conseguirmos resolver nosso problema, não seria
uma hora e meia bem investida? E, desde já, fica combinado que ninguém
'Tá. Marcos, eu sei, nada está garantido; mas vamos tentar mesmo assim 7"
Mais ou menos convencido, Marcos concordou em tentar. Edu, então, per-
guntou, "Amanhã, às 15h, está bem para você7"
Marcos confirmou que sim e Edu, saindo da sala, virou-se e disse, "Ah, mais
uma coisa: qualquer que seja a decisão, ela tem de ser boa para os dois. Nada
de jogo de poder ou imposições. Não sou seu chefe e vamos deixar os chefes
fora disso. Vamos ver se a gente consegue resolver tudo; certo, Marcos7"
"Está certo, Edu, combinado". Aliviado, Edu voltou para a sua sala.
Os conflitos internos de uma empresa podem ser divididos em três níveis, como
citado no Capítulo 4, na Figura 4.2, cada um com seu jeito de ser tratado:
A. O conflito relevante, complexo e formal, que geralmente é resolvido com a
aplicação de autoridade superior ou a intervenção de um terceiro, ou,
ainda, um processo formal (mediador, comitês, conciliador, juiz etc.).
B. O conflito relevante e informal, que é enfrentado pelos próprios indivíduos
envolvidos no conflito, com ou sem técnica, e frequentemente com prejuízo
para a empresa e os envolvidos.
C. Os conflitos não relevantes, aqueles de menor peso do dia a dia, que tendem
a ser resolvidos naturalmente, sem maiores transtornos. Neste livro, os
chamamos de blips.
exterior, ou ela pode parecer falsa, e será rejeitada. A técnica, primeiro, tem de
fazer sentido para a pessoa que escolhe empregá-Ia. Dessa forma, e com suas
devidas adaptações e personalizações, quem decide usar uma técnica (como a
proposta aqui) pode fazer suas colocações com convicção.
Sempre pergunte a si próprio antes de tentar uma técnica: eu acredito nela?
O que ela tem que eu posso aproveitar? Eu posso adaptá-Ia e me apropriar dela
para que ela mantenha a sua essência e, ao mesmo tempo, tenha a minha cara?
Falar é fácil, fazer é outra coisa. Por que nós reagimos? Quando bate a canela
em alguma coisa no meio da sala, qual é a primeira reação que você tem? Xingar
e perguntar quem foi que deixou aquilo ali. Depois, você se dá conta de que
foi você próprio quem deixou o objeto lá. Chamamos essa reação de atribuição
irracional de culpa. É natural, previsível.
Um exercício para você: rapidamente, me dê o nome de alguém com quem
você discutiu algo na última semana. Agora, me diga, sinceramente, em sua
opinião, qual de vocês dois é mais inteligente? Algum desconforto? Isso também
é natural, pois é difícil admitir que os outros, talvez, sejam mais inteligentes do
que nós, ou que, ao menos naquela circunstância, tenham sido mais inteligentes
do que nós. Podemos chamar isso de atribuição irracional de qualidades. São duas
atribuições que o nosso lado racional procura gerenciar, mas que, na hora da
raiva, nem sempre se consegue.
Existe, de fato, uma série de reflexos naturais, conforme listados por Daniel
Dana em seu livro Conflict resolutioní, alguns sendo intencionais e outros não.
Os "não intencionais" são os que aparecem, querendo ou não, e são difíceis de
esconder - as pessoas ficam vermelhas, suam, respiram forte etc. (Tabela 7.1).
Se você for sensível, conseguirá notar esses sinais de estresse, e, provavel-
mente, o outro os notará em você, a não ser que tenha muito autocontrolc e/ou
seja um excelente ator. Dependendo da cultura das partes, as reações são mais
ou menos sutis, mas não deixam de existir. O italiano tem a reputação de ser
nA 'A, Danicl. COlltlict resolution: mediarion rools for evervdav work lifc. cw Yor k: :v1c(;rawHill, 20() I.
AUTOGESTÃO DE CONFLITOS 117
INTENCIONAIS
NÃO INTENCIONAIS
ATACAR FUGIR
DistarKiarnento = "Afastarnento·
Figura 7.21 Descobrindo
(Tdlrldo Fora")
nossos "reflexos naturais".
DA0;A, Daniel. Mmzagíllg uorkplacc conilicts, Prairie Village: MTI l'uhlications, 2006.
118 GESTÃO DE CONFLITOS
Vamos observar que a reunião entre Edu e Marcos teve algumas características
especiais. A primeira é que foi marcada em um lugar adequado, sem celular c
sem interrupções. Nada de almoço ou bar da esquina. Essa é uma reunião de
trabalho para resolver um problema de trabalho, que, aliás, é a segunda carac-
terística. f: necessário que fique claro para os dois que o problema deles csr.i
impactando no trabalho. Portanto, se eles não resolverem, alguém será capaz
de resolver para eles, e de uma forma pior para um ou para ambos.
Para se obter uma chance razoável de sucesso, há alguns pré-requisiros
com os quais as partes precisam estar de acordo antes de começar. Precisam se
comprometer a persistir na reunião por um tempo mínimo necessário - a ex-
periência mostra que 90 minutos, sem interrupções, são suficientes (seria bom
haver café e água na sala).
Esse prazo não foi escolhido aleatoriamente; é o resultado de pesquisas.
Em média, duas pessoas com fortes posições e algum grau de raiva, levarão,
aproximadamente, uma hora na crescente troca de acusações, reivindicações t'
até insultos pouco disfarçados. Essa fase de ciclos retaliarórios não se sustenta
por muito tempo dentro de um embate cara a cara por diversas razões. A pri-
meira, mais simples de se observar, é a fadiga. Nosso corpo sente a fadig,l do
consumo de energia usado na "briga". Depois de algum tempo, o sentimento
de agressão cansa. a briga, também expomos todos os nossos sentimentos
e crenças, em cararse, e o fim da cararse também aquieta os ânimos de forma
AUTOGESTÀO DE CONFLITOS 119
Com essa abertura, Marcos respondeu dizendo, "Bom, francamente Edu, o pro-
blema é a sua atitude. Você é egoísta e não assume a responsabilidade por nada,
quando as coisas dão errado; como no outro dia, na reunião com os gerentes.
Você era o líder da equipe até descobrir que havia erro no relatório; a partir
disso, você queria descarregar tudo em cima de mim para salvar a sua pele".
"O quê?" disse Edu, "Você está insinuando que eu estava usando você para
"Isso mesmo'; rebateu Marcos, "você deu a última lida no relatório. Tinha toda
a chance de ter visto os erros antes. Se havia erros, a culpa era sua."
estou fora:' Mantendo a calma, Edu lembrou Marcos de que eles haviam se
comprometido a tentar resolver o problema em uma hora e meia. Relutante,
Em certo momento, após quase uma hora, Edu disse:"Ora Marcos, você falou
que eu tinha lido o relatório. Bem, eu deveria ter lido, mas não li tudo. Na
"Lamenta 7" diz Marcos, "Pois devia mesmo' Então, se você reconhece o seu
erro, a solução para o nosso problema é simples. Pare de acusar os outros e
tudo vai dar certo"
"Bem, talvez isso seja parte do problema, mas creio que tem mais", disse Edu.
"No caso do relatório, eu vou assumir a responsabilidade pelo produto final,
mas quem será o responsável pelas falhas nos dados?"