ato I . O assombroso último capítulo da história da
política contemporânea brasileira.
(Do início era tudo matriarcado e comunismo, democrático, tribal. O mundo muda, muda muito, todo o tempo. Descobrimos estar em uma matéria melecada medicinal, somos a bactéria na sua infecção, de sistemas políticos e de hierarquias, uma biologia militante e conservadora, que avança e retrocede, embriaga-se de sal e açúcar)
CORIFEIA Aqui jaz a democracia. Ágora de tempos mortos e tristes, olhos caóticos semicerrados, cansável penumbra déspota, uma pólis em paz, silêncio e nulidade, o rosto cabisbaixo sem gesto sem expressão, os acentos derrubados por reformas disso que diz-se a evolução, renascença, partido novo, copa do mundo, toda redução de vocabulário e conjugações, jura de fidelidade monogâmica heteronormativa cisgênera, a subtração do corpo e a tensão nas pontas dos dedos, a pagar e apagar. A infância digital, o primeiro beijo a distância, a ansiedade impregnando os úteros com esses pré-adolescentes antipedagógicas que saem correndo sem a menor ideia literária e sem sentido teatral, a gritar.
CORO DE MULHERES Um milênio de torturas escabrosas, máquina de valor e derivados do petróleo. Esta nação nasce de um ato de desonestidade. O agora é a colheita mal dita, colheita mal dita, colheita mal dita, colheita dita, a colheita da ditadura.
DILMA Onipotência popular e fogo, Indumentária inteligente de musgo e sanguessuga, Quantas das minhas lágrimas vaginais, são os soluços do povo.Meu grande amor pátrio, desdobrando em doença, na fila do sistema único de saúde. Não existe medicina cubana, nem curandeira indígena. A noite sem estrelas rabisca meus peitos de calúnias midiáticas. Dos sacrilégios de dignidade humana que descrevo, Meu simples trabalho em erradicar a fome, Não toca, não sacia a burguesia nacional. No palacete modernista simbólico e abstrato, Revolta sobre mim, a vergonha e a injúria, Da família comerciante tradicional e do movimento, Que a corrupção do mundo, os desvios e sangramentos, O assassinato doloso de um rio doce, E a comida roubada das escolas públicas de São Paulo, Não execraram das dívidas injustas para com a democracia, Mas que ágora, acusam minha cabeça de mulher.
CORIFEIA Pense no cenário de guerra caótico genérico, multinacional. As famílias alternativas e os indivíduos protestantes em perigo de extinção, bomba de efeito moral, arte contemporânea censurada pela tendência da moda, bancadas majoritárias evangélico fundamentalistas, frente anti-popular de alienação das naturezas ósseas e seus orifícios, a desumanidade, ciência econômica pura.
UMA PROFESSORA Sustentando meu singelo cartaz na praça dos três poderes.
GÊMEAS SIAMESAS Nós, as filhas indesejadas, prodígio bastarda e pródiga, assim mesmo, usando uniformes de penitenciária privada e de segundo grau, supletiva, sem identidade, os documentos invalidados, os títulos sem reconhecimento, nossos cinquenta e quatro milhões de votos impedidos.
CORO DE MULHERES De todas as infectologias nacionais, este golpe é o mais grave estado de calamidade pública, nocivo e angustiante, de moléstias parasitárias, centenas de homens centenários, deslizando sorrateiro e malicioso, banqueiros e poupanças a fermentar no calor das campanhas eleitoreiras, febre amarela e verde, jardim político protozoário.
(entra na cena uma passeata de pessoas brancas vestindo camisetas da seleção brasileira de futebol, zunindo.)
ato II. Dos parlamentares decorativos de muito mal gosto.
(os personagens deste ato são bonecos talhados em madeira, animadas formas de
estilo do teatro medieval, recitam suas estrofes mentalmente)
TEMER Observo, óbvio que figuro o mais importante personagem desta narrativa histórica com geografia tropical. O meu suor recusa-se a transparecer, líquido prepotente de mim, seca por dentro, do mármore infernal, azeite de mogno, ilustra a nossa cara de pau.
CUNHA O protagonismo de uma tragédia contemporânea brasileira jamais é dado ao nome de um homem como nostro. O traço desta literatura é iconografar as denominadoras do momento e da conjuntura, lideranças extra cotidianas, onda noviça. A potência do trabalho da juventude canalizada em palavras dramáticas, mulheres da literatura.
MORO Eu represento em personagens a causa e consequência do nicho empresarial dos cursinhos pré-vestibular, cáscara, organelas. Uma indústria de autoridade argumentativa acadêmica. Um poder concursado, minhas respostas corretas vão julgar o trâmite duvidoso de um dos mais amados mensaleiros populistas na cena após o próximo ato. Mentira.