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resumo abstract
A maior parte da estação chuvosa de During most of the rainy season in 2014,
2014 transcorreu com valores de chuva the Southeast of Brazil – including the
inferiores à média histórica sobre a Cantareira reservoir system – received
porção sudeste do país, incluindo o below-normal rainfall. The main cause
Sistema Cantareira. A causa principal leading to that heavy lack of rain was an
para a grande falta de chuva foi a atuação intense, persistent and anomalous high-
de um intenso, persistente e anômalo pressure system blocking moisture flow
sistema de alta pressão atmosférica que from the Amazon and the development
prejudicou o transporte de umidade and passage of cold front systems and the
da Amazônia, assim como a passagem/ South Atlantic Convergence Zone, which
desenvolvimento dos principais sistemas are responsible for rainfall in this region
causadores de chuva, como a Zona de during summer. This blocking system
Convergência do Atlântico Sul e as lasted for 45 days, which is extremely
frentes frias. Esse sistema, denominado rare. Low rainfall amounts coupled with
de bloqueio atmosférico, teve uma an increased demand for water and an
duração de 45 dias, fato que resulta inefficient water management system led
extremamente raro. A combinação dos to the so-called “water crisis” during 2014,
baixos índices pluviométricos, o grande which extended into 2015.
crescimento da demanda de água e o
ineficiente gerenciamento desse recurso
têm gerado uma “crise hídrica” durante Keywords: drought; water crisis; São
os anos 2014 e 2015. Paulo; Cantareira reservoir system;
rainfall.
5N 5N
EQ EQ
5S 5S
10S 10S
15S 15S
20S 20S
25S 25S
a b
dezembro/2013 janeiro/2014
30S 30S
5N
EQ 250 mm
200
5S 150
100
10S 50
25
15S
-25
-50
20S
-100
-150
25S
c -200
fevereiro/2014
30S -250
Escala de cores à direita. Anomalias dizem respeito à média climatológica de longo termo 1961-90. Os tons de azul indicam ocorrência de chuvas superior
à média climatológica, e os tons avermelhados indicam valores inferiores à média climatológica (escala na parte direita da figura).
Fonte: CPTEC/Inpe, INMET, Cemaden, Sabesp
figura 2
20N 20N
EQ EQ
10S 10S
20S 20S
30S 30S
40S
40S
50S
50S
60S
60S
70S
70S
80S
120W 110W 100W 90W 80W 70W 60W 50W 40W 30W 20W 10W 0 80S
120W 110W 100W 90W 80W 70W 60W 50W 40W 30W 20W 10W 0
20N
c) 1 -15 fevereiro 2014
0
10N
100
EQ 80
10S 60
20S 40
20
30S
-20
40S
-40
50S
-60
60S
-80
70S -100
80S
120W 110W 100W 90W 80W 70W 60W 50W 40W 30W 20W 10W 0
figura 3
Amazônia
Verão normal JBN
EQ
Fluxo do
Oceano Atlântico
ZCAS SE Brasil
Solo úmido 200S
FF
A
400S
600W
Amazônia
Verão de 2014 JBN
EQ
Fluxo do
Oceano Atlântico
SE Brasil
Solo 200S
seco
A
FF
400S
600W B
do anteriormente. Contudo, após um breve período to da umidade no solo. Esse processo foi intensi-
chuvoso nos dias 17-20 de fevereiro, associado à ficado pela presença de outro sistema anômalo de
frente fria que conseguiu deslocar o sistema de alta pressão, que, embora de menor intensidade e
alta pressão, as precipitações continuaram sendo persistência que o anterior, contribuiu fortemente
deficientes até meados do mês de março, quando para a redução das chuvas.
praticamente se encerra a estação chuvosa.
Os anticiclones de bloqueio ocorrem normal-
mente nas latitudes médias, particularmente sobre
Tendência histórica da chuva
o Oceano Pacífico (Oliveira, 2011), têm uma dura- no Sistema Cantareira
ção entre 7-8 dias e, em casos muito raros, podem
chegar a até 15 dias (Oliveira et al., 2014). No verão A média histórica (1983-2014) de precipi-
de 2014, o anticiclone esteve presente por 45 dias tação sobre a região do Cantareira durante ja-
sobre a América do Sul subtropical, um fenômeno neiro (segundo a Companhia de Saneamento
sem precedentes desde 1961. Básico do Estado de São Paulo – Sabesp) é de
Essa situação repetiu-se, embora com menor 268 mm, sendo que durante janeiro de 2014
intensidade e duração, no verão de 2015. Esse foi de apenas 87,9 mm (ou perto de 180 mm,
fato, somado ao longo período de estiagem do ou 67% abaixo da média histórica). Segundo
ano anterior, provocou o ressecamento progressi- a Figura 4, a maior parte da estação chuvosa
vo da superfície terrestre, estabelecendo um efeito (entre início de dezembro de 2013 e meados do
de automanutenção da falta de chuva: a escassa mês de março de 2014) transcorreu com valores
umidade do solo prejudicou o fluxo de umidade de chuva muito inferiores à média histórica. As
para a atmosfera, provocando a diminuição das chuvas do verão de 2013-2014 foram as mais
chuvas, o que, por sua vez, não permitiu o aumen- baixas desde 1961 no Cantareira (Figura 4),
figura 4
250
Precipitação mensal (mm)
200
150
100
50
0
out/12
nov/12
dez/12
jan/13
fev/13
mar/13
abr/13
mai/13
jun/13
jul/13
ago/13
set/13
out/13
nov/13
dez/13
jan/14
fev/14
mar/14
abr/14
mai/14
jun/14
jul/14
ago/14
set/14
out/14
nov/14
dez/14
jan/15
fev/15
mar/15
abr/15
mai/15
jun/15
Fonte: Cemaden
figura 5
1.500
1.000
500
0
1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
figura 6
+2,5
100
+1,5
50
0
0
-50
-100
-1,5
-150
Chuva Temperatura máxima -2,5
-200
2000
2004
2006
2008
2002
1964
1984
1966
1968
1990
1994
1996
1980
1986
1988
1998
1962
1982
1992
1972
2010
1978
1970
2014
1976
2012
1974
tabela 1
A climatologia 1961-90 de chuva na estação de DJF é 249 mm, e de temperaturas máximas para a mesma estação é 31,4oC (INMET, CPTEC Inpe)
figura 7
Sistema Cantareira
80
Média 1930-2013
70
Mín. 1930-2013
Vazão afluente mensal (m3/s)
2014
60
2015
1953
50
40
30
20
10
0
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
A linha em preto corresponde às vazões médias mensais para o período 1930-2013. A linha cinza refere-se aos mínimos absolutos da série histórica
mensal no período 1930-2013. As linhas laranja e vermelha referem-se, respectivamente, à vazão média mensal de 1953 e de 2014; a azul, à vazão
média mensal até junho de 2015
funcionamento das instituições básicas, como Acre e em Rondônia no verão de 2014. O gover-
hospitais e escolas. Também o número de in- no do Acre estima em R$ 203 milhões o prejuízo
cêndios florestais em São Paulo tem aumentado causado ao estado pelas cheias que afetam os rios
em 150%, de acordo com o Inpe. amazônicos desde o início de fevereiro. A Federa-
A escassez de água gerou protestos e movi- ção do Comércio do Estado acredita que os efeitos
mentos sociais em algumas partes da cidade de- vão gerar impacto na economia nos próximos três
vido ao “rodízio” (intermitência e alternância no anos. Em março, houve uma queda de 75% no im-
abastecimento entre os diferentes bairros) e ao posto sobre circulação de mercadorias. Além dos
aumento no preço pago pelos consumidores, mes- prejuízos diretos com as enchentes, sobretudo no
mo quando a água não está chegando às torneiras Rio Acre, o estado sofre as consequências da in-
das suas residências. A fauna nos rios também terdição da BR-364, única ligação rodoviária com
foi afetada, e 20 toneladas de peixe morreram o restante do país.
no Rio Piracicaba em fevereiro de 2014. No Rio
de Janeiro, o principal sistema de reservatórios CONCLUSÕES
apresentou os níveis mais baixos da sua história,
aproximadamente 1% (Hanbury, 2014). A crise hídrica iniciada em janeiro de 2014
Um impacto importante da seca no Sudeste do teve sua causa principal determinada pela presen-
Brasil (Figura 3) foi que a umidade que vem da ça de um sistema de alta pressão anomalamente
Amazônia não chegou para essa região, ficando intenso e prolongado localizado sobre o Oceano
concentrada no oeste da Amazônia. O excesso de Atlântico, cuja influência se estendeu sobre a Re-
chuvas observado no oeste da Amazônia (Figura gião Sudeste. Sistemas desse tipo são denominados
3) teve como consequência graves inundações no normalmente como “bloqueios” já que impedem a
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