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Jornada de Espiritualidade

para o Clero de Bonfim – BA – Quaresma de 2017

Introdução

Excia.   Revma,   Revmos.   Padres,   tendo   recebido   o   convite,   que   me   surpreendeu!,


prontamente aceitei como um desafio que é, pregar para o clero. Não que sejamos infiéis a
serem convertidos, mas devido a mesma condição na qual me encontro: sou um de vós.
Nem mais nem menos! Entretanto, é um desafio e, ao mesmo tempo, encarei como uma
oportunidade providencial, pois pregar um retiro exige em primeiro lugar que aquele que
prega, deve ser sempre o primeiro a considerar para si aquilo que dirá aos outros. Tantas
vezes   nós   experimentamos,   na   honestidade   do   ofício   da   pregação   e   do   ministério   da
reconciliação  que antes de ser para os outros, o que dizemos mais diretamente nos afeta; ou
ao menos penso ser assim, pois tantas vezes já fui eu mesmo o alvo, não buscado, mas
atingido por aquelas coisas ditas seja na pregação, seja no confessionário. Não é em vão que
temos por padroeiro aquele que se desgastou no confessionário e na pregação, São João
Maria   Vianney;   também   em   vão   não   é   que   a   Igreja   sempre   nos   insta   a   sermos   bons
pregadores da Palavra e confessores. Como disse antes, temos para isso de ser em primeiro
lugar, nós mesmos, ouvintes atentos e operosos, não menos confessores seja da fé, seja de
nós mesmos, diante de Deus e dos homens.

Estamos no tempo da Quaresma e este deve ser nosso horizonte. Sejam os 40 anos no
deserto do Povo de Israel ou os do Senhor, antes de iniciar sua pregação do Reino de Deus
ao Povo. Seja para entrar na Terra Prometida, seja para a Missão do Senhor, o Pai quis
prepará­los para tanto. Lá tivemos uma frustração, por parte do Povo naquilo que queria
Deus; cá, pelo contrário não só a eficiência, mas a eficácia do projeto divino.

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Pois   bem.   Hoje,   a   Providência   nos   concede   somente   um  dia   para,   deserto   adentro,   nos
preparar para a Páscoa, como também para surtir em nós o que deseja Deus para este tempo
e que, Deo volente et favente, seja também para nossa vida.
Seja o tempo no deserto do Povo e do Senhor, seja nossa vida, todos temos necessidade
destas ocasiões em que podemos nos entregar, livres das ocupações cotidianas, não das
preocupações!,  a  considerar determinados  aspectos   da   nossa  vida   confrontando­a  com  a
vontade do Senhor a nosso respeito e à missão que Ele próprio nos confiou.

Como todos sabem, não faz muito tempo, morreu o sóciologo polonês Zigmund Baumann.
Ele introduziu o conceito de “liquidez” na sua reflexão e o aplicou às relações sociais, ao
amor, ao tempo... Faço menção a ele, pois assemelha­se ao que o Santo Padre tem sempre
dito   sobre   a   dificuldade   em   que   nosso   tempo   e   cultura   tem   de   estabelecer   e   assumir
compromissos definitivos ou duradouros. De tudo, hoje, todos querem somente fazer ‘test
drive’; caso não se agradem, não realize, satisfaça, busca­se outra coisa. Há no nosso tempo,
e   em   muitos,   uma   certa   incapacidade   de   constância,   de   firmeza...   Daí   o   filósofo   dizer
tempos líquidos. Ora, nós vivemos neste tempo, não em outro. Se abre, portanto um desafio
a nós de superar a ilusão de “un bel tempo andato” que não volta mais. K. Marx tinha razão
ao   dizer   no   seu   texto  18   Brumário   de   Napoleão   Bonaparte  que   a   história   se   repete   a
primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Todavia, contra Marx, também não
podemos   nos   lançar   numa   utopia,   no   não   lugar,   irrealizável,   de   um   futuro   dourado   no
aquém, pois o nosso dia a dia nos indica que toda vida feliz não é ausente de desafios e
tristezas; ela pode e deve ser feliz, apesar disso! Donde se infere que a questão de sempre é
nos perguntarmos onde, em quem e quando tal vida feliz pode ser atingida. Não é questão
ociosa que ocupou sempre todas as gerações obtendo respostas diversas. O perigo do nosso
tempo é o esquecimento desta questão fundamental e sua busca, ao mesmo tempo, de sua
resposta. A resposta tácita é aquela que distinguiu Baumann: os homens se entregaram  à
fluidez   do   momento,   não   se   dando   conta   de   que   tal   fluidez   é   sempre   fluidez.   É   uma
tautologia significante. O tempo, por sua natureza se nos escapa. “Tempus fugit”, diz o
adágio e como resposta, o nosso tempo se aferra ao “carpe diem”!

Sobre o tempo, o grande Agostinho já nos ensinou que temos somente o hoje, pois o ontem
já não mais é e o amanhã ainda não se deu. Neste sentido, o hoje é sempre para nós o kairós
para nos situarmos neste mundo enquanto caminhamos para a Pátria Beata. É neste tempo
de fluidez que Deus nos chamou e situou para combatermos pelo Reino. Combate este que
não pode ser entendido como atividade prometeica, mas cristã e, no nosso caso, sacerdotal.
De modo que o combate ao qual somos chamados não se faz com realidades fluidas, mas
com aquelas armas que Deus mesmo nos concede e com as quais ele mesmo combateu.

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Nosso   tempo,   nossa   cultura   ­   tantas   vezes,   nós   mesmos   ­   se   entrega   ao   desvario   da
adaptação à tal fluidez ou moda, como se isso fosse capaz de nos preparar para o combate.

Como nosso Papa é jesuíta, considerando Santo Inácio, seu fundador, podemos ver na sua
trajetória um espelho da nossa época e, ao mesmo tempo, sua estratégia para o bom combate
a ser travado. Como todos sabem, Inácio, ou Iñigo, era militar e bem sabia de estratégias.
Depois de sua decisão em servir a Deus, ele procurou se preparar para individuar a quem
combater e a quem servir neste mundo. Sua época, não era muito diversa da nossa no que
diz respeito às mudanças pelas quais passa. Tomo de empréstimo uma página de um jesuíta,
Malachi Martin, que numa bela sugestão descreve o tempo de Iñigo em comparação com o
nosso:
“Se fosse possível um moderno repórter apresentar um daqueles documentários in loco sobre o
mundo   que   Iñigo   enfrentou   entre   1521   e   1556,   iria   levar   suas   câmeras   de   televisão   e   seus
microfones de rodinhas a qualquer número de centros mundiais e levaria em consideração toda
uma série de revoluções estonteantes. Na Espanha, França, Bélgica, Inglaterra, Alemanha e Itália,
ele iria gravar entrevistas in loco com o Novo Homem de olhos brilhantes, rebelde, onicurioso, de
tendências românticas, da Renascença européia, para o qual todas as questões estavam em aberto.
Em   toda   parte,   o   repórter   iria   registrar   o   senso   empreendedor   que   os   homens   tinham   de
realizações e descobertas totalmente novas que dominavam e, às vezes confundiam a geração à
qual Iñigo pertencia.

“O que está acontecendo?”De uma forma ou outra, esta seria a pergunta que o nosso repórter
faria em cada lugar que fosse. E não é difícil imaginar as respostas que iria receber.

Na Alcalá, na Salamanca e na Barcelona da Espanha de Iñigo, ele não iria ouvir falar sobre
múltiplas sondagens de Vênus, é claro, ou de planos para as operações de mineração na Lua ou
avanços científicos na microbiologia ou na genética. Mas em resposta à sua pergunta “O que é
que   está   acontecendo?”,   iria   descobrir   o   nosso   mesmo   senso   de   descoberta   e   expectativa   de
grandes   mudanças:   “Ora,  você  não  soube?  Descobrimos   um mundo  estranho  além  de  nossos
mares ocidentais! Está cheio de recursos que irão mudar nossas vidas para sempre, e de criaturas
que não sabíamos que existiam. Ora, é a criação da noite para o dia,  de todo um novo império! É
de deixar a gente louca!”

Em Paris, onde Iñigo havia estudado, e nas faculdades teológicas em outras partes da França,
Holanda, Inglaterra e Bélgica, a conversa não seria sobre a Teologia da Libertação, como é nos
nossos dias, ou sobre os direitos das mulheres na Igreja, ou sobre o Povo de Deus como a última
fonte da eterna salvação e a única de confiança. Mas haveria equivalentes religiosos e teológicos
muito próximos: “Ora,  você  não soube? Um  monge alemão, Martinho Lutero,  e o rei Inglês,
Henrique VIII,  desafiaram Roma!  Eles dizem que  querem nos libertar  da superstição papista,
livrar nossas mentes da escravidão a falsas doutrinas fabricadas pela mente alatinada. Dizem que
iremos converter o mundo, agora que soubemos que a Igreja e o papa não tem mandato de Cristo
e nenhuma doutrina a nos ensinar exceto o que está na Bíblia. É de deixar a gente louca!”

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Da mesma forma, na Gênova e na Veneza da época de Iñigo, “O que está acontecendo?” não
provocaria  comentários   sobre  mísseis   soviéticos   instalados  na  Europa  Oriental,   ameaçando  a
destruição nuclear do Ocidente, ou sobre a OTAN como a defesa “do Ocidente” contra o “Leste”.
Mas o temor geopolítico não era tão diferente assim: “Ora! Você não ouviu falar dos turcos?
Todo   o  nosso   mundo   cristão   poderia   ser   extinto   pelo   sultão   otomano   e   seus   turcos   de
Constantinopla que odeia os cristãos. O que está acontecendo é nada menos do que a guerra pela
sobrevivência da cristandade— a vida ou morte do coração cristão. É de deixar a gente louca!”
 
Se o nosso repórter frequentasse, como fizera Iñigo, os salões e as casas dos muito ricos— os
aristocratas, o clero mais graduado e as classes privilegiadas — iríamos ouvir o que Iñigo tinha
ouvido.   Ele   iria   esbarrar   com   toda  a  força   no   individualismo   desenfreado  estimulado,   até   se
tornar uma chama brilhante, pela redescoberta da literatura e da civilização greco­romana. Iria
reconhecer e concordar com a moda renascentista de “humanizar” todas as coisas. E como um
homem do século XX, iria sentir­se perfeitamente à vontade. 

Frases  como “crescimento  criativo  para  a  integração” e  “Cristo,  Revolucionário Combatente


pela Liberdade” não eram ditas naquela época. E não havia discussões sobre os benefícios sociais
do aborto e da eutanásia legalizados.

Mas falava­se muito sobre um Jesus transformado  à la Grecque num belo Apolo ou num sábio
Platão. Sobre Deus, o Pai, sendo chamado de Pai Zeus; e o Céu, de Campos Elíseos; e os anjos e
santos, de ninfas e dríades; e o Inferno, de Hades governado pelo infernal cão de caça Cérbero.

“Ora!”, qualquer pessoa poderia responder à pergunta do repórter, “Você não  soube? A vida
toda é, no final das contas, exatamente o que os gregos antigos diziam que era: uma peça de
acontecimentos   caprichosos   e  fortuitos.   Tudo   se   resume   a   nada   mais   do   que   o   choque   entre
príncipes temporais. Inclusive o papa. É de deixar a gente louca! Finalmente o homem percebeu
que o que interessa é quem sai vencedor no entrechoque dos impérios — os ingleses, os franceses,
os espanhóis, os venezianos, os austríacos, os alemães. E se você  quiser saber o que significa
bondade, significa ser rico. Mal significa ser pobre. A pobreza é a essência do mal.”
 
Depois que o nosso repórter tivesse feito todas as entrevistas, depois que as fitas tivessem sido
montadas e terminado o roteiro, o seu resumo final da busca do homem de conquistar e dominar o
seu cosmo não trataria de coisas como Fundo Monetário Internacional, comunicações globais, os
Jogos   Olímpicos,   o   crescente   consenso   sobre   as   finanças   e   o   comércio   internacionais,   ou   a
exploração econômica do espaço sideral. O que ele iria destilar como as atitudes proeminentes,
porém, soaria aos nossos ouvidos como um acorde familiar e até agradável: “O que este repórter
encontrou foi a verdade ainda  viva que nos foi dada pelo antigo filósofo grego, Pitágoras. O
homem é, afinal, a medida de todas as coisas. Este repórter viu isso na nova teologia. Também vi
isso na tensa situação internacional entre o “Leste” e o “Oeste” — lenta, dolorosamente, cristãos
e turcos estão tentando encontrar uma maneira de cada um viver a sua vida. Acima de tudo,
porém, eu vi isso nas maravilhosas aventuras gêmeas da nova ciência que desabrocha em Paris,
em Cambridge, em Bolonha e em Göttingen; e nas descobertas de novíssimas terras estranhas. O
homem está apenas começando a medir forças com imensos horizontes novos através de viajantes
no Oriente, na África e no Novo Mundo. Até a medir forças com as estrelas no céu através dos

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novos astrônomos. O mundo do homem da Renascença já não tem a Terra como centro. O homem
está finalmente partindo por conta própria para conhecer e dominar o seu cosmo. Todo ele!”

Num sentido muito verdadeiro, quando Iñigo de Loyola começou o minucioso trabalho de formar a
sua Sociedade de Jesus, já fizera aquela mesma pergunta: “O que é que está acontecendo?” Já
tinha visto e ouvido tudo o que o nosso repórter imaginário teria visto e ouvido. Ele compreendia
a fascinação de seus contemporâneos pelas poderosas aventuras, descobertas e novas liberdades;
e os sentimentos muito confusos que acompanhavam tudo aquilo.

O   que   o   interessava,   entretanto,   não   era   uma   simples   descrição   jornalística   de   novos
acontecimentos e de novas reações a eles. Ele não via uma nova teologia de humanismo levando a
uma nova era do homem no horizonte.

Tampouco estava preocupado com a interminável guerra entre o seu mundo cristão e o Império
Turco. Enquanto a maioria das pessoas apenas se preparava para medir forças com o pano de
fundo da novidade, que se ampliava, Iñigo já pensava em termos universalistas e na condição de
todo o cosmo do homem.

Para ele, tudo recuava para o único elemento comum em todo o vasto oceano de mudanças; o
único elemento que, em sua essência, nunca mudava: a guerra cósmica entre Deus e Lúcifer.
Assim como em todas as épocas antes da dele, aquela guerra ainda estava sendo travada em toda
parte e todos os dias.

Ela impregnava todos os acontecimentos, todos os elementos de agitação, de expansão. E dizia
respeito a apenas uma coisa: a salvação eterna de todo ser humano.

Através   da   morte   sacrificial   e   da  ressurreição   de   Cristo,   e   pela  fundação  da   Igreja   Católica
Romana, Deus tornara possível que todo homem e toda mulher fizessem opções piedosas em vida,
e por intermédio dessas opções alcançassem o Céu depois da morte. Naquela guerra cósmica e
constante, Cristo era o líder da campanha de Deus; e o representante pessoal e visível de Cristo
entre os homens era o papa romano. O objetivo de Lúcifer na guerra — o objetivo de Satã como
adversário — era garantir que o maior número possível de seres humanos não atingisse aquele
objetivo eterno do após­vida.

A menos que se admita que essa guerra cósmica era tudo o que realmente tinha importância para
Iñigo, que ela era muito mais importante e verdadeira do que a guerra entre cristãos e turcos, não
se terá como compreender como Iñigo foi bem­sucedido em seu empreedimento. Ele interpretava
não   apenas   a   sua   história   contemporânea   mas   também   o   que   ele   sabia   do   passado   e   o
que planejava para o futuro à luz daquele paradigma. O que realmente estava acontecendo era
aquela guerra, e era ela o que importava de verdade. E foi a sua compreensão daquela guerra que
lhe   deu   a   sua   firme   independência   das   reações   vigentes   e   fragmentárias   de   sua   geração   às
mudanças de fundamental importância sofridas pelo mundo daquela geração. Por sua vez, foi
aquela independência de pensamento que lhe possibilitou criar o modelo inaciano para a sua
Ordem e seus membros individuais. Não que a sua visão da guerra fosse, em si, inovadora. Sua
ideia   de   batalha   entre   Deus   e   Lúcifer   como   a   suprema   realidade   da   vida   humana   era   o

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ensinamento   muito   antigo   e   autenticamente   cristão   segundo   o   qual   cada   ser   humano   é   o
acalentado   objetivo   daqueles   dois   agentes   que   lhe   são   exteriores:   Deus   e   Lúcifer.   Para   a
espiritualidade de Iñigo era fundamental a crença dogmática de que, enquanto vivo neste mundo,
ninguém pode escapar das atenções constantes de Deus e de Lúcifer.

Por antiga que fosse essa crença, entretanto, ela estava sendo tragada numa única geração pelo
novo fascínio que homens e mulheres encontravam no aqui e no agora; numa vida temporal mais
emocionante do que nunca; na pressa de adaptar­se àquela vida e mudar com ela; e acima de
tudo, no novo grito humanístico da Renascença de que “o homem é a medida de todas as coisas”.
 
Para Iñigo, o próprio grito apontava para um deslocamento da campanha corrente da guerra
constante. Aquilo era a mais recente manobra de Lúcifer, a  sua versão moderna de “Não me
submeterei”...”1

Apesar de parecer uma reconstrução um tanto distante de nós, ele acerta nas semelhanças
incríveis   daquele   com   o   nosso   mesmo   tempo   e   em   suas   comparações,   nós   mesmos
poderíamos fazer tantas outras.

O que aqui importa é o pano de fundo o trait d’union que nos liga a esta descrição e o que o
autor chega à conclusão que teria sido a de Iñigo. A guerra constante a que todos nós somos
chamados a travar neste mundo ou, melhor, qual é nosso lugar em tal guerra.

Temos apenas um dia para tais reflexões, entratanto, “Deo favente”, tentaremos percorrer
algumas indicações, a partir da SE que nos ajudarão a nos situar e a considerar tal batalha
cotidiana, pois como nos diz São Paulo:

“Finalmente, irmãos, fortalecei­vos no Senhor, pelo seu soberano poder.  Revesti­vos da
armadura de Deus, para que possais resistir  às ciladas do demônio. Pois não é contra
homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades,
contra   os   príncipes   deste   mundo   tenebroso,   contra   as   forças   espirituais   do   mal
(espalhadas) nos ares. Tomai, por tanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos
dias maus e manter­vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever.

Ficai alertas, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça,
e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz.

Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados
do Maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra
de Deus. Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo
1
Martin, M. The Jesuits, Trad. De Luiz Carlos do Nascimento Silva, Record, 1989.

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Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos.

E orai também por mim, para que me seja dado anunciar corajosamente o mistério do
Evangelho,  do   qual   eu   sou   embaixador,   prisioneiro.   E   que   eu   saiba   apregoá­lo
publicamente, e com desassombro, como é meu dever!2

I Conferência

O combate3

A. As armas

A conclusão da Carta aos Ef 6, 1­24 será nosso fio condutor nesta jornada, pois nos oferece
orientações que são pilares para a nossa vida espiritual.

Preparação: “Quem vai ao mar, aparelha­se em terra”!

Em primeiro lugar, consideremos os apetrechos necessários.

Fortalecei­vos no Senhor e armai­vos! 

“Fortalecei­vos!”:   ordem   dada   a   Josué   quando   teve   que   conquistar   a   Palestina,   como
sucessor de Moisés, que experimenta­se fraco e incapaz. Mas o Senhor lhe diz: “Fortalecei­
vos!”(Js 1, 6).   O que isto significa? Em primeiro lugar, consideremos que o inimigo vai
além das nossas forças. Não são de carne nem de sangue, mas são Principados, Poderes, os
dominadores deste mundo de trevas, os espíritos do mal.

Faz­se necessário, pois, uma proteção, uma armadura! Vamos à descrição: 

1. A faixa (da verdade);
2. A couraça da justiça;
3. As botas (para suportar os caminhos difíceis da propagação do Evangelho);

2
 A versão da SE utilizada é a da Ave Maria.
3
  Por honestidade intelectual, é forçoso deixar claro que texto que segue é uma adaptação, com
acréscimos pessoais, da obra de Carlo Maria Martini, Il Sole Dentro, Le nostre fragilità e La forza
di Dio (Il combattimento spirituale), , Piemme, Milano, 2016, 248 pp.

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4. O escudo da fé;
5. O elmo da salvação;
6. A espada do Espírito.

Trata­se, é claro, de metáforas ao combate espiritual e cada um dos elementos nos ajudam a
refletir. Cada um dos elementos tratam de atitudes na vida espiritual. O texto de Paulo nos
quer preparar para o combate de cada dia. Todo cristão deve estar preparado, mais ainda
nós, sacerdotes. Apesar da dificuldade da luta, o Senhor dispôs do arsenal de que temos
necessidade para a luta. E ai de quem não se prepara!

O texto é endereçado aos Efésios, mas é uma espécie de circular. É endereçado também a
nós! Mas que tipo de gente eram eles?

Éfeso   era   uma   grande   cidade   da   Ásia   Menor,   capital   da   província   romana   da   Ásia
proconsular.   Lugar   do   templo   de   Artemis,   lugar   ainda   no   tempo   de   Paulo   de   muita
superstição e magia. Os convertidos ao cristianismo queimavam seus livros de ocultismo e
necromancia. Entretanto, o povo tinha sede de esclarecer o sentido do divino. Eram abertos
e disponíveis ao transcendente, diferentemente de Atenas, cética, desencantada e que já não
cria mais em quase nada.

Por causa do paganismo renitente, a busca de Deus e do divino era prejudicada e o resultado
a   que   chegaram   era   disforme   e   não   satisfatório.   At   18   nos   dão   notícia   que   souberam
aproveitar bem os ensinamentos de Paulo que lá permaneceu bastante tempo. Depois de
Corinto, foi onde ele deu muita atenção. Os convertidos eram bem dispostos e abertos.
Tiveram também instruções de João. Patmos fica próximo e a tradição dá conta da presença
da Virgem. Lá está a casa de Maria. Em Ef 1, 15 ele afirma ter recebido notícias da sua fé e
da sua atenção para com os santos. Eram desejosos de progredir, mas estavam expostos a
sutis tentações. Por isso, ele reza para que Deus lhes ilumine a mente para compreenderem a
qual   esperança   foram   chamados   e   quais   tesouros   de   glória   lhes   estão   prometidos   em
herança. Sabendo disto, como não combater com coragem?!

B. O dilema da alma e da história

Como disse na introdução, nosso tempo é um tempo de crise e mudança. Nós devemos nos
situar. A vida cristã não é cômoda em nenhum sentido. Somos chamados ao combate.

A SE considera a história sob o signo da Luta. E o Ap a conclui justamente com a descrição
de uma grande batalha. O cap. 12  é o mais impressionante, pois noticia tal luta desde a

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eternidade. A luta dá­se no Céu, mas chega aos homens, à Mulher e à sua descendência (Ap
12, 17). A SE não tem uma visão irênica da  História. Ela apresenta duas alternativas bem
simples, contra a utopia e um refugiar­se num passado ideal, mas inexistente:

­ Ou reconhecer Deus, considerá­Lo acima de tudo e tudo ser ajuizado a partir disto:
criação, História e existência a partir dEle;
­ Ou não reconhecê­Lo.
­ Tertium non datur.

Todos os conflitos humanos e das nações que surgem não são mais do que manifestações
parciais deste grande conflito.

Jesus mesmo nos convida a dar a Deus o que  é de Deus. É isto que confere a altíssima
dignidade do Homem e do mundo na justa medida.

A segunda alternativa  não reconhece Deus e tudo passa a ser considerado prescindindo
dEle. Em seu lugar, qualquer outra coisa! Chesterton, na sua obra Ortodoxia, diz que o
problema do homem que não crê em Deus, não é que deixe de crer; é que ele passa a crer
em qualquer coisa! E, acrescento: até em si mesmo como norma absoluta! Pitágoras, sempre
reaparece! No filme, o Advogado do Diabo, quando este se revela ao seu filho, tem um
diálogo terrível, mas impressionante. O Diabo se diz o verdadeiro humanista, o que ama de
verdade o homem, ao contrário de Deus, pois ele sim, esteve aqui desde o início ao contrário
do outro... O recrudescer do satanismo nos nossos dias tem este  leit motiv. Deus é posto
como o inimigo do homem por causa das suas exigências; é posto com um concorrente da
nossa liberdade.

E é aqui que desde já, somos instados a decidir. As tentações do Senhor no deserto são
paradigmáticas para nós. Neste tempo, deixemo­nos conduzir até ao deserto pelo Espírito
como o Senhor e enfrentemos a luta! Aqui somos instados a decidir: Deus e sua glória
acima de tudo ou aquilo que me satisfaz temporariamente, a glória deste mundo?

Quando   não   se   enfrentam   tais   questões   de   modo   sério,   surgem   as   ambigüidades,   os


cedimentos às tentações grandes e pequenas... Isto na história do mundo, na nossa história
pessoal e vocacional... Deus ou o quê?!

As tentações de Jesus são paradigmáticas. Já disse e repito, pois nós, feitos membros do seu
Corpo, somos integrados nessa luta. Ninguém obtém a dispensa de tal serviço de guerra! Ele
tomou posição!

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Diante de Pilatos, afirma: “Eu vim dar testemunho da verdade” (Jo 8, 37). Toda a sua vida
foi este testemunho. O Mistério Pascal é o cume daquilo que da eternidade tem início, pela
sua   própria   geração   eterna.   Tudo   tendo   recebido   do  Pai,   ao   Pai   tudo  faz   retornar,   com
exceção   da   filiação.   E   o   faz   no   Espírito   de   Amor.   É   a   pericóresis   trinitária   que   pela
Encarnação, de certo modo passa a nos envolver e à toda a História pois tudo submeterá ao
Pai para que seja tudo em todos (cfr. 1 Cor 15, 22 ss.).

Aquilo que se dá na Economia reflete o que se dá na eternidade da Trindade. Toda a vida de
Jesus foi um desgastar­se para dar testemunho da Verdade contra todo fechamento a Deus
Paio que resulta em paralisia para o Homem. O verdadeiro significado da existência humana
à luz da Verdade é um caminhar como em pleno dia, isto é, sob a luz de Deus.

Jesus ao revelar­nos Deus Pai e a nós a nós mesmos, nos quer indicar sempre qual é nosso
lugar nesta luta. Daqui, algumas conseqüências:

a) O combate é inevitável e perigoso. Perigoso, porque imersos em propostas sempre
alternativas à de Deus, corremos o risco de nos enganarmos na escolha. Engano não
sem culpa de nossa parte;
b) É um compromisso total: o testemunho da santidade de Deus, sua grandeza e glória
diante do mundo. Somos chamados a ser cooperadores da verdade, como reza o lema
de Bento XVI.

Importa   por   isso   nos   armarmos,   e   bem!,   pois   a   luta   não   é   para   ‘fracotes’
hipersensibilizados...

C. As nossas fragilidades e a força de Deus

Finalmente,   irmãos,   fortalecei­vos   no  Senhor,   pelo   seu  soberano  poder.  Revesti­vos   da
armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio.

1. A inesperada exortação

Certamente a comunidade, após ouvir a sublimidade da epístola estava maravilhada com o
que havia ouvido. Como Pedro, Tiago e João, diante da Transfiguração. Entretanto, tais
palavras os fazem retornar ao concreto da vida cristã.

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­ Cristo, centro da história e nosso;
­ União com Cristo e conosco na Igreja: unidade, comunhão;
­ A possibilidade de reconduzir tudo a Ele: família, sociedade e a Criação...

Mas como realizar tudo isso???

Finalmente,   irmãos,   fortalecei­vos   no  Senhor,   pelo   seu  soberano  poder.  Revesti­vos   da
armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio.

Nada é fácil, mas Deus nos concede força e armas, que são as mesmas de Cristo.

2. As ciladas do demônio.

O que são?

­ vias transversais
­ caminhos tortuosos
­ embustes
­ coisas duvidosas...

O diabo nunca se mostra como é. Tudo o que oferece é apresentado com aparência de bem.
Ninguém  cometeria pecados se não fosse assim. Já no início, o que oferece a Eva e Adão,
era   o   que   já   possuíam   como   dom;   ele   os   tenta   para   que   o   tenham   como   conquista   já
apresentando Deus como um inimigo, acusando­o do que ele mesmo era. E tudo perdem.

Também nós, cúmplices no pecado de Adão de Eva, o vemos sempre reeditado nas nossas
más escolhas. O demônio se comporta às vezes como um destes aplicativos de trânsito que
não funcionam bem. Sabemos onde queremos chegar, mas ele indica caminhos que podem
nos levar não onde queremos, mas onde não queremos; e sempre com a promessa de que é o
melhor caminho, mais rápido, sem esforço e mais econômico... E dá no que dá...

Em   Ef   4,   14   a   palavra   “ciladas”   ou   insídias,   como   preferem   outras   traduções,   aparece


somente mais esta vez, no contexto de uma exortação para que os cristãos não sejam infantis
e arrastados pra cá e para lá atrás de novidades, modas... Com todo respeito o digo, usando
disto porque junta gente e isso é igual a mais dinheiro.... Sem levar em conta a verdade, mas
ao sucesso e  a glória  deste mundo...  E o que  é mais  deplorável, com a justificativa  de
evangelização... Recordemos aqui, a segunda e a terceira tentação de Jesus e nossa... Seja
Ele nosso juiz!

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Destas ciladas, já citei a do Paraíso; também a que enfrentou o Senhor e há uma terceira que
vale a pena deter­nos que é a que sofreu Pedro.

* O amizade travestida

A palavra  enganadora  sempre  aparece amigavelmente,  nunca  na  sua  crueza e  violência.


Basta   reconsiderar  a  tentação  do Éden.   É sempre  uma   tentação  do querer  bem  e  a   sua
felicidade. Hoje em dia isso surge no refrão constante, na boca de muitos: “O importante é
ser feliz”; “Se isto te faz feliz...”; “Deus quer te ver sorrindo”...

São   todas   expressões   verdadeiras   na   sua   forma,   mas   pecam   no   conteúdo.   Não   mais   se
questiona o que é a felicidade, sorrindo por qual motivo e assim por diante... Quantos de
nós, não nos vemos tantas vezes assim tentados, encontrando justificativas para realidades
disparatadas, mas que sempre nos são apresentadas como um bem???

Contemplemos   a   relação   de   Jesus   com   Pedro.   Este   era   um   homem   de   espírito   pronto;
merecedor da revelação do Pai acerca da identidade de Jesus. Contudo, logo após o anúncio
da Paixão, o que faz? O que diz ao Senhor? “Que isto nunca te aconteça”! E o que responde
Jesus? “Afasta­te de mim, Satanás, pois não pensas as coisas de Deus, mas dos homens!”
(cfr. Mc 8, 33).

Aqui, o perigo é o fechamento às coisas de Deus, à sua Economia e Providência, mesmo que
sob as vestes do bem e da amizade sincera de Pedro.

É também sob este aspecto que Paulo exorta os efésios das sutis armadilhas do demônio. A
força não está em nós, mas só a podemos encontrar no Senhor. A carne é fraca, mesmo
estando pronto o espírito... Isto exige de nós a vigilância em não preferir o mais fácil, o mais
cômodo, o que mais se adéqua ao nosso talante, enfim a pôr o nosso coração em nós e não
verso Deus!

Por isso, importa o que Paulo nos diz: “Finalmente, irmãos, fortalecei­vos no Senhor, pelo
seu soberano poder. Revesti­vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas
do demônio.”

3. Nossas fragilidades e a força de Deus

Se olhamos o Dt, vamos encontrar como que um refrão a pedir a Josué: Fortalece­te no

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Senhor! Assim em Dt 31, 23; Js 1, 6.7.9.18. E isto não sem um motivo prático. Devia fazer
guerra para entrar na terra mas sem meios para tanto. 

Analogamente,   também   nos   assustamos   com  o  mundo  como  está   com   suas   crises,   mas
também   com   a   Igreja   na   sua   relação   com   o   mundo   que,   longe   de   ingenuidade   e   falso
irenismo, sempre a combateu e combaterá. Como realizar a missão que nos confia Deus?
Com os meios que temos? Com o clero que temos? Com o povo que temos? Todos tão
expostos à influências várias que, mesmo que não diretamente, mas de forma travestida,
busca minar a força do Evangelho e a coragem a que nos chama o Senhor?...

“Finalmente, irmãos, fortalecei­vos no Senhor, pelo seu soberano poder.  Revesti­vos da
armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio.”

Este deve ser como um refrão nos momentos de desânimo e uma indicação concreta do que
fazer. Mas não se vence um inimigo, nem se sabe que armas usar, se antes o combatente não
treina   duro   para   o   combate.   Se   é   importante   conhecer   o   inimigo;   mais   importante   é
conhecer­se e suas possibilidade na luta.

Fortalecer­se no Senhor! Já é uma primeira indicação: Sem o auxílio divino não podemos!
Não é admissível, pois, nenhuma, sequer mínima, desconfiança, caso contrário, poderemos
iniciar caminhar sobre as águas, mas logo afundaremos... E se ocorre, sempre é o Senhor a
estender­nos a mão, mas não sem nos repreender por causa da pouca fé...

Força no Senhor! Como Paulo o fez? Serve também a nós. Sua história pessoal nos indica:
Nos At 9, 22, diante das perseguições: “se fortalecia sempre mais”... Ou seja, é necessário
não choramingar, mas buscar soluções diante das dificuldades. Há sempre uma saída a um
olhar atento...

Vejam   como   diz   Paulo,   falando   de   Abraão   em   Rm   4,   20­21   diante   da   promessa   da


decendência, mas já velho: “Ante a promessa de Deus, não vacilou, não desconfiou, mas
conservou­se forte na fé e deu glória a Deus. Estava plenamente convencido de que Deus
era poderoso para cumprir o que prometera.”

Mesmo na provação, na aparente derrota, é ali que é possível fortalecer­se no Senhor e não
em nós  mesmos.  Quantos  não  são  os  episódios  em  nossa  vida  em que,  quando víamos
nossas esperanças quase se acabarem, e Deus mesmo agir? Neste tipo de batalha, resistir
humanamente nem sempre nos garante a vitória; às vezes ela se dá no seu contrário, isto é,
em   nos   abandonarmos   à   força   de   Deus   e   deixar   Ele   tudo  a   guiar.   Assim,   sua   força   se

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manifesta.

Em Fl 4, 3 Paulo diz: “Tudo posso naquele que me conforta  (que me dá forças, não um
cafuné!).” Paulo, por isso, podia dizer em 4, 12: “Sei viver na penúria, e sei também viver
na abundância. Estou acostumado a todas as vicissitudes: a ter fartura e a passar fome, a
ter abundância e a padecer necessidade.”

Nada   mais   lhe   importa!   Ele   mesmo   podia   dizer:   “Mas   tudo   isso,   que   para   mim   eram
vantagens,   eu   considerei  perda   por   Cristo.”   Mesmo   nos   momentos   mais   escuros   de
abandono, tristeza, falta de perspectivas, de futuro humano e mundano, é justamente ali que
somos chamados a ser fortes no Senhor! Na 2 Tm 4, 16­17, falando da suas dificuldades:
“Em minha primeira defesa não houve quem me assistisse; todos me desampararam! (Que
isto não seja imputado.) Contudo, o Senhor me assistiu e me deu forças, para que, por meu
intermédio, a boa mensagem fosse plenamente anunciada e chegasse aos ouvidos de todos
os pagãos. E fui salvo das fauces do leão.”

No Senhor! Não em nós se encontra a força. Pela sua Ressurreição, seu Espírito nos foi
comunicado para o combate. Assim, nas nossas fraquezas e solidão, na noite escura que às
vezes enfrentamos, devemos a Ele nos dirigir implorando a sua força para a nossa fraqueza.
Isto mesmo, na confissão sacramental é que se dá. Na nossa humilhação, no nosso render­se
ao seu amor, é Ele quem nos fortalece!

Todavia o faz para o combate. Por isso Paulo nos convida a nos revestirmos da “armadura
de   Deus”.   Sendo   Deus   quem   nos   fortalece,   quando   abandonamos   nossas   fraquezas   que
reputamos tantas vezes como força, isto não dispensa nossa colaboração. Aqui nada há de
quietismo, de jeitinho, de uma ilusão e até blasfêmia em querer colocar Deus ao nosso
serviço enquanto gozamos dos benefícios. Aproveitemos do arsenal e lutemos!

C. As tentações na vida espiritual

É  sobretudo aos  que   se  dispõe  a   uma  disciplina  mais  assídua   na  vida  de   oração  que   o
combate se torna mais pungente. Ouçamos o texto de Pedro que lemos toda terça feira nas
Completas: “Sede sóbrios e vigilantes. O vosso adversário, o diabo, rodeia como um leão a
rugir, procurando a quem devorar. Resisti­lhe, firmes na fé.”

Aqui, deixemo­nos guiar por quem bem experimentou tal combate e aprendeu a discernir
suas possibilidades e perigos. Falo de Santo Inácio, ou Iñigo, nos seus exercícios espirituais.
Ele nos dá algumas indicações preciosas.

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A. Conhecer aquilo que se agita dentro de nós

1. O título: Regras para sentir e conhecer de certo modo os movimentos que se excitam na
nossa alma: os bons para receber­lhes e os maus para rejeitar­lhes (n. 313­327).

Santo Inácio é convicto de que ninguém é impassível aos movimentos da alma. Alma é
princípio de movimento. Todos temos altos e baixos; sentimentos contraditórios, paixões
enfim. Quem diz não tê­los, talvez viva superficialmente, não acostumado a examinar­se
com   a   devida   constância.   Não   podemos   deixar   de   fazer   isso,   para   não   sermos   como
“mulherzinhas” descritas na ópera Rigoletto, por Verdi: “La donna è mobile/ Qual piuma al
vento,/ Muta d'accento/E di pensier.”...

O discernimento, hoje tanto recomendado, é para Iñigo, a capacidade de perceber onde o
Espírito Bom nos move, para alçar as velas e nos deixarmos conduzir; uma capacidade de
reconhecer também o espírito negativo, nefasto, para nos opormos e mudarmos de direção.

2. A mordida do espírito mau

A segunda regra a ser considerada, a 315, nos indica que aos que devem se purificar dos
seus pecados e seguir avante nos serviço de Deus, procedendo do bom ao melhor, o espírito
mau   costuma   morder,   entristecer,   colocar   impedimentos,   tornando   inquieta   a   alma   com
falsas razões para que não siga adiante.

São   tantas   as   desculpas   que   encontramos,   razões   sem   razão,   para   não   fazermos   o   que
devemos fazer com resolução... E diante das conseqüências, o que nos vem?... A tristeza, o
desânimo, o entregar­se, o deixar­se levar achando que não tem mesmo jeito... Ficamos
como que amarrados a estes falsos raciocínios.

O Espírito Bom, pelo contrário dá coragem, força, consolação, lágrimas, arrependimento,
paz... Fortalecei­vos no Senhor! É o Espírito Santo quem nos convence do pecado, não para
humilhar­nos, mas para nos reerguer e fazer seguir adiante.

Devemos, por isso, tomar cuidado seja com o laxismo, seja com os escrúpulos excessivos;
com o entregar­se ao  complexo de Jezabel, mas conscientes de que não somos imaculados.
Outra coisa da qual nos livrar é do espírito de vingança e de querer provar a todo custo de
que temos sempre razão... Isto nos paraliza!

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3. A desolação espiritual

Aqui São João da Cruz, com sua noite escura e sua companheira Santa Teresa d’Ávila nos
são mestres. E todos já passamos ou passaremos por esta experiência. Freqüentá­los, como a
bom amigos, é muito útil para atravessarmos tal estágio. Na verdade não há vida de oração
sincera na qual não se experimenta isso. O que nos ensina Iñigo?

O turbamento da alma são movimentos violentos que não podemos controlar. São atrações
por coisas ínfimas, terrenas... Surgem desejos sensuais que quase nos estrangulam, sem que
possamos   controlar­lhes   a   presença   em   nós;   desejos   repentinos   de   coisas   várias   e   não
adequadas ao nosso estado de vida, mas que parecem ser um consolo, na verdade uma
fuga... Não deve haver espanto diante destas coisas, mas tranqüilidade; um olhar de frente
com calma e tomar prudente distância... Aqui, o cuidado é precioso, para evitar nos ocupar
muito em não fazer nada, por não conseguirmos sossego interior que nos libera para a ação. 

Tal estado pode nos levar a questionar: será isto mesmo o que Deus quer de mim? Era
mesmo tal estado de vida que queria? Por que não consigo me realizar? Tudo parece tão
sem sabor...

Santo Inácio diz que nestes momentos a alma se encontra numa espécie de “preguiça”;
aquela vontade de não ter vontade e de fazer nada... Tantas tentações aqui surgem, inclusive
contra a fé, a moral que, diante do nosso mundo, é tão sem razão... Será que não estamos
mesmos atrasados, presos a uma fase de desenvolvimento da humanidade que já passou, a
fase religiosa? Será que não é mesmo o homem a medida de todas as coisas, com seus
anseios   e   desejos?   Não   será   mesmo   Deus   um   tirano,   se   é   que   existe?   Não   estaremos
enganados?...

Santa Teresinha, nos últimos anos da sua vida passou um longo período sem nada sentir de
Deus e de sua presença; obscuridade total...

Mas todos os que nos dedicamos à vida espiritual estamos sujeitos à tal experiência. Mas é
justamente   aqui   o   campo   do   combate.   Subir   à   montanha   de   Deus   é   encontrar   aridez   e
espinhos... O tempo do enamoramento de Deus e o início da nossa vida vocacional com suas
alegrias,   esperanças     e  vigor...   São uma  preparação para  este  combate,   pois   é  aqui  que
provamos nosso valor. No sacrifício e na dificuldade é que o amor se manifesta na sua
concretude máxima. Mas como fazer?

4. Como se comportar?

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Para sair desta situação de desolação espiritual, Iñigo nos dá alguns conselhos:

a. Regra 5: Não fazer nada!

No   tempo   da   desolação   não   se   deve   fazer   mudança   alguma,   mas   permanecer   firme   e
constante   nos   propósitos   e   determinações   em   que   se   estava   no   dia   anterior   a   esta
desolação, ou nas resoluções tomadas antes, no tempo da consolação. 

Porque,   assim   como   na   consolação   é   o   bom   espírito   que   nos   guia   e   aconselha   mais
eficazmente, assim na desolação nos procura conduzir o mau espírito, sob cuja inspiração
é impossível achar o caminho que nos leve a acertar. 

b. Regra 6: Não fugir!

Uma vez que na desolação não devemos mudar os primeiros propósitos, muito aproveita
reagir intensamente contra a mesma desolação, por exemplo, insistindo mais na oração, na
meditação,   em   examinar­se   muito   e   em   aplicar­se   nalgum   modo   conveniente   de   fazer
penitência.

c. Regra 7: Acolher a desolação como uma graça

O que está em desolação considere como o Senhor, para o provar, o deixou entregue às
suas potências naturais, a fim de resistir aos diversos impulsos e tentações do inimigo. 

Porque pode resistir­lhes com o auxílio divino, que nunca lhe falta, embora não o sinta
distintamente, por lhe ter tirado o Senhor o seu muito fervor, o grande amor e   graça
intensa, restando­lhe contudo a graça suficiente para a salvação eterna.

Apesar da provação da desolação, acolhê­la como graça é imperioso, pois Deus não nos
deixa   sem   a   graça   suficiente   para   resistir   ao   momento,   pois   disso   é   que   se   trata,   um
momento que passa!

d. Regra 8: Seguir adiante com paciência

O que está em desolação esforce­se por se manter na paciência, virtude oposta às aflições
que   lhe   sobrevêm.   E   pense   que   bem   depressa   será   consolado,   empregando   contra   tal
desolação as diligências explicadas na sexta regra. 

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Aceitar a provação como graça e assumi­la já é o início da vitória.

5. As provas da vida

Por que Deus nos concede tais provas? Encontramos na 9a. regra:

a. Para nos mover da preguiça espiritual!

Todos   estamos  sujeitos   à  lei  física  da  gravidade;  também espiritualmente,  por  causa  da
concupiscência, somos sempre atraídos pelo mais fácil, não pelo melhor e mais custoso. E
se Deus nos coloca na prova, isso é um sinal de seu amor por nós, uma vez que não demos
ainda o que podemos oferecer­Lhe.

b. Para avaliar nossa seqüela Christi

Em (Cfr) Mt 8, 19 vemos Pedro dizer ao Senhor: “Te seguirei até a morte, te seguirei aonde
fores” e no entanto... Mas o olhar do Senhor e as lágrimas de Pedro são um incentivo para
nós, não o desespero de Judas Iscariotes...

c. Para nos defender da soberba.

Em terceiro lugar, para nos ensinar e fazer conhecer em verdade, sentindo­o interiormente,
que não depende de nós conseguir ou conservar uma grande devoção, um intenso amor,
lágrimas, nem qualquer outra consolação espiritual, mas que tudo isso é um dom e uma
graça de  Deus  nosso  Senhor.  E  também  para que  não  façamos   ninho em  casa alheia,
permitindo   que   o   nosso   espírito   se   exalte   com   qualquer   movimento   de   orgulho   ou
vanglória,   atribuindo­nos   a   nós   os   sentimentos   da   devoção   ou   os   outros   efeitos   da
consolação espiritual.

Non nobis Domine, non nobis, sed nomen tuum da gloria (Sl 114).

D. Aux armes!

Meditemos agora sobre as armas que Deus nos concede para o combate.
A primeira delas no v. 14: a cintura, cingidos com a verdade. Não nos esqueçamos que
quando Paulo escreve aos efésios, tem como pano de fundo, tantas coisas ditas antes, donde

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segue que o que aqui fala são como síntese de um plano maior.

1. Com os rins cingidos

A expressão nos é familiar e originariamente significava uma medida prática para o trabalho
o suspender a túnica; hoje dizemos: levantar as mangas e trabalhar! Por extensão, passou a
significar prontidão e vigilância. Podemos ver tal atitude na soltura de Pedro pelo Anjo (cfr.
At 12, 8); também o Senhor em Lc 12, 35­37.

É a atitude mesma da Virgem:  Ecce ancilla domini! (Lc 1, 38); é a atitude de Jesus que
entrando no mundo, diz, segundo os Hb 10, 5.7: “Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua
vontade!” É a atitude de Paulo, diante dEle, no caminnho de Damasco: “O que devo fazer?”
(At 22, 10). Também é a mesma dos Apóstolos que chamados, tudo deixam e o seguem
( cfr. por exemplo Lc 5, 28).

E qual o comportamento oposto? O cansaço interior, o deixar­se levar pela má vontade, com
tristeza, resignação...

Tal solicitude nos dá sempre a ocasião de em tudo buscar a vontade de Deus e a sua glória.

2. O cíngulo da verdade.

Prontidão   fundada   na   verdade!   Verdade,   na   SE   tem   múltiplos   significados,   todos


reconduzíveis a Deus, o VERO. Em Is 11, 1­5, encontramos:

“Um  renovo sairá do tronco  de  Jessé,  e um  rebento brotará  de  suas  raízes.  Sobre  ele
repousará   o   Espírito   do   Senhor,   Espírito   de   sabedoria   e   de   entendimento,   Espírito   de
prudência   e   de   coragem,   Espírito   de   ciência   e   de   temor   ao   Senhor.  (Sua   alegria   se
encontrará no temor ao Senhor.) Ele não julgará pelas aparências, e não decidirá pelo que
ouvir dizer; mas julgará os fracos com eqüidade, fará justiça aos pobres da terra, ferirá o
homem impetuoso com uma sentença de sua boca, e com o sopro dos seus lábios fará
morrer o ímpio.  A justiça será como o cinto de seus rins, e a lealdade circundará seus
flancos.”

A palavra lealdade aqui, também é traduzida por fidelidade que, em grego será vertida para
“verdade”.   Em   hebraico   é  emet.   Na   mentalidade   hebraica,   ser   verdadeiro   é   ser   fiel   às
próprias palavras, e assim agir de modo fiel, constante, em suma, verdadeiro e coerente.

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Entre nós o cíngulo é visto na liturgia como uma prontidão e vigilância quanto à castidade.
Aqui é sublinhada a necessidade da fidelidade a Deus com o domínio de si.

Mas o que é a verdade, aqui? A resposta se encontra logo no início 1, 13: “Nele também
vós, depois de terdes ouvido a palavra da verdade, o Evangelho de vossa salvação no qual
tendes crido...” Isto é, o plano de Deus manifestado em Cristo Jesus. Assim, o que Paulo
parece ter em mente é ter bem claro o plano de Deus, sua Oikonomia. 

Diante de todas as possibilidades que se nos apresentam sobre a história do mundo, ter
presente aquela que o Autor mesmo da História nos dá é uma atitude libertadora dos gurus
de turno ao longo do seu desenrolar. Há aqueles que postulam coisas disparatadas entre si,
outros o seu próprio fim, outros ainda, o seu sentido como não sentido! Ter presente e clara
a do seu Autor nos liberta, nos coloca no seu interior e nos ajuda, no seu grande arco, nos
interrogar sobre a nossa missão nesta quadra da História que não é somente história do
mundo, mas de Salvação. Neste sentido, somos postos sempre em movimento para adiante;
não um movimento cego, mas certeiro, pois dispomos do meios para tanto: “Bendito seja
Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do céu nos abençoou com toda a
bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos
santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos.” (cfr. Ef 1, 3­4). Ora, assim, é possível ter ao
menos uma idéia do inteiro arco, considerando que:

a. somos objetos de uma iniciativa de amor;
b. tal iniciativa transforma o nosso ser;
c. supera nossas resistências;
d. custou caro a Deus;
e. nos envolve totalmente.

* Objetos do amor do Pai: 

Aqui, objeto é entendido, como finalidade última secundária, pois totalmente livre e paterna.
A bênção era a forma como os patriarcas transmitiam tudo aos filhos (Cfr. Gn 27, n 124.27:
Esaú   e   Jacó;   Gn   12   1­3:   a   promessa   a   Abraão).   Mas   no   NT   a   coisa   assume   alturas
impensáveis por nós, pois Deus não quer somente nos dar riquezas neste mundo, mas muito
mais a Si mesmo, pelo Filho, no Espírito. Isto porque não nos abençoa e despede para cá
vivermos   regaladamente;   para   Deus   que   é   Amor,   isto   não   estaria   à   sua   altura.  Amor
diffusivum Sui. Por isso nos abençoa não só nos Céus, mas para o Céu! E isto é de tal monta
que Paulo pode afirmar: .... “com Cristo Deus nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus em

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Cristo Jesus” (cfr. Ef 2, 6).
 
Portanto, desde sempre e para sempre Deus nos quer junto de Si. A Criação é só o primeiro
ato deste grande Drama de Amor que se desenrola na História.

Tudo pode ser avaliado sob esta perspectiva, cada etapa da história do mundo, da Salvação;
nela   nós   podemos   contemplar   também   a   nossa   pessoal   e   avaliar   seu   lugar   e   o   nosso
desempenho para o seu bom sucesso, ou não...

* Transforma nosso ser:

Tem tal eleição eterna uma finalidade: sermos seus filhos adotivos por obra de Jesus Cristo
(cfr. Ef 1, 5). Aqui envolvidos e arrastados no turbilhão da história para cá e lá, somos
chamados a esta plenitude que nos transforma e nos possibilita chamar a Deus de Pai.

* Supera nossas resistências: 

Apesar dos nossos pecados, das nossas resistências internas e externas, dos nossos medos...
De tudo isso somos libertados, pois nos foi concedido “a remissão dos pecados, segundo a
riqueza da sua graça” (cfr. Ef 1, 7). Sua graça! Medida do seu Amor! Aqui somos sujeitos a
esse Amor, não é por nós, por nossas forcas, mas por Ele e pela sua força!

* Custou caro a Deus

Aqui não é necessário muito comentar, antes, deveria sempre isto nos levar a um silêncio
adorante e estupefato, pois a Cruz ignominiosa foi por cada um dos nascidos antes e depois
dEle. Se é acolhida ou não, é um outro assunto... Mas é sempre uma oferta generosa de
Amor.

* Nos envolve totalmente
 
Ef 1, 3­14 nos indica o dom do Espírito como penhor da herança na espera da completa
redenção   dos   conquistados   por   Deus   mesmo.   Somos   santificados   pelos   Sacramentos   da
Igreja,   pelos   mistérios   celebrados,   tomamos   parte   no   evento,   somos   feitos   testemunhas,
temos acesso à verdade de Deus, que sempre é excedente à nossa compreensão, e de nós em
Cristo...

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3. A castidade da alma

Como pode ser a experiência do desígnio de Deus sobre nós uma arma? Já foi acenado
acima, mas aprofundemos um pouco mais.

­ É uma arma contra a nossa mesquinhez e estreiteza de visão. Como Sacerdotes, diante de
tudo o que nos envolve, somos levados a buscar nossa satisfação, nossa realização pessoal,
nossa   felicidade   no   serviço,   reconhecimento   eclesiástico   e   tantas   coisas   mais...   Mas   se
empunhamos tal arma,  tudo isto adquire sua real e  quase nenhuma importância.  Somos
libertados de nós mesmos e içados a um patamar superior de visão, nos interrogando como
Paulo: ‘O que devo fazer’? Ou como Franscisco de Assis: ‘Senhor, que queres que eu faça’?

E como isto é libertador em nosso tempo e nas novas vocações em busca de “felicidade” e
realização pessoal, como se o sacerdócio fosse uma carreira qualquer e, ou trampolim para
outras coisas. Quantos só não aparecem hoje por portar um “Pe.” na frente do nome?  Seja
na política, nos meios de comunicação, no show biz ou mesmo em coisas menos vistosas...
Aqui, a vocação, o sacerdócio não é meio para o combate, mas instrumento de ascensão
social.   E   o   que   é   pior,   quantos   não   são   os   que   nos   primeiros   anos,   não   tendo   suas
expectativas satisfeitas “pulam fora”, dizendo que o sacerdócio não era bem isso que eu
pensava... Comportam­se tantos como crianças mimadas que pensam : “se não é do meu
jeito, não brinco mais”... mas que são estas coisas sob o olhar mais amplo da Economia???

­ É uma arma também contra a desconfiança sobre o que quer Deus de nós, nas vicissitudes
pelas quais passamos. A contemplação da Cruz, como suma do Amor de Deus por nós,
abre­nos a horizontes mais vastos.

­ Nos liberta também da inautenticidade, do medo de ser quem somos e nos ajuda a “largar
mão” do que desejamos sem nos perguntar se é isto mesmo o que Deus quer de nós... Isto
nos ajuda a descobrir ou redescobrir qual o nosso lugar na Igreja e no mundo. A cultura dos
tempos   sempre   procuraram   moldar   o   padre   aos   seus   estreitos   limites.   O   mantra   da
“atualização” não é uma novidade do Vat. II. Se passamos os olhos  à História, sempre
vamos ver Papa, Bispos, Padres e fiéis sujeitos à tentação do ser “atual”, com os olhos
sempre no “aquém”da História. Assim sempre tivemos de tudo: padres guerreiros, padres
revolucionários,   padres   políticos...   hoje   temos   a   leva   dos   ‘shows   men’...   e   dos   que
freqüentam redes sociais, nem sempre com nobres objetivos... Longe de mim, descartar os
novos   meios,   mas   são   meios,   não   podem   nunca   ser   fim   em   si   mesmos!...   Aqui,   o
discernimento de Iñigo é sempre de grande valia e a meditação das tentações do Senhor que

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são, estas sim, uma atualização das do Éden. O Diabo é sempre atual! Muda sempre de
tática, mas não de objetivo. Tudo faz para nos desviar do grande objetivo de Deus ao nos
criar... As novas tentações são sempre velhas... Chesterton na sua Ortodoxia, tem também
uma frase que é quase como um antídoto a isto: “Cada época é salva por um pequeno
punhado de homens que têm a coragem de não serem atuais”.  Basta olharmos São Bento,
São Francisco, Charles de Foucaut, Santa Teresa d’Ávila, São João da Cruz, Madre Teresa e
tantos outros…

Qual o nosso lugar na Igreja e no mundo??? Pergunta que, se feita tendo como horizonte a
Oikonomia   certamente   alcançará   respostas   tremendas   e   desafiadoras...   E   o   centro   será
sempre o Mistério Pascal...

A castidade da alma, já dizia Agostinho é para todos, a do corpo uma vez perdida, jamais
recuperada; a da alma, ao invés, pode sempre mais crescer e isto é armar­se sempre com o
cíngulo da verdade: Deus nos escolheu, nós o escolhemos; Deus Se nos deu, nos damos a
Ele; morreu por nós, por Ele morramos para podermos com Ele viver! Este é o plano de
Deus! Que seja também o nosso ao retribuir­Lhe!

Amém! 

II Conferência

A. A couraça da Justiça

1. A Justiça na SE

Não é fácil estabelecer exatamente o que São Paulo entenda aqui por justiça, pois é um
termo que, dependendo do lugar, adquire nuances diversas. Entretanto, considerando Is 11,
5: “A justiça será como o cinto de seus rins, e a lealdade circundará seus flancos”, e como
é no nosso contexto utilizada e denominada por Paulo  escudo, couraça  e como os LXX
traduzem como “couraça de justiça” se pode afirmar que é daqui que ele tira a inspiração.
Com a faixa da justiça, Is fala do Rei justo que aplica a justiça aos que dela necessitam. Is

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59, 1­20 nomeia a couraça de justiça. É um salmo penitencial que faz referência à situação
na qual se encontra o Povo. O mesmo se pode dizer do Miserere. Depois, Paulo ao falar de
elmo da salvação, parece ter tudo isto em mente.

Isto posto, fica claro que trata­se, fundamentalmente da justiça de Deus; não no sentido de
que o Povo ocupe o lugar de Deus, mas todos são chamados a se fazerem partícipes de tal
justiça. A justiça divina aqui indica o colocar tudo no seu devido lugar.  É o sentido do
convite ao revestimento do homem novo em Ef 4, 24.

Tal modo de todos assim se comportar, poderia ser indicado pela palavra honestidade, o agir
razoavelmente em todos os escaninhos da existência, segundo os diversos estados de vida.
Daqui que evoca o sentido hebraico de ser justo, seja nas relações com Deus, consigo, com
o próximo e com a inteira criação. Assim são nomeados justos Isabel e Zacarias, José... 

A justiça do juiz e do rei, pois, é o estabelecimento da equidade, quando esta é rompida.
Deus mesmo é chamado Justo, na medida em que é Ele que recoloca todas as coisas no seu
devido lugar. Em Rm, Paulo, ao falar da justiça de Deus a afirma como Misericórdia, pois
pelo perdão e a salvação todos tem a possibilidade de se reencontrar com o  seu  lugar na
relação com Deus. Isto, em nenhum momento, é posto como um laisses faire, laisse passer,
isto é, como uma espécie de anistia geral e irrestrita sem nenhuma espécie de metanoia, de
mudança de rumo, um  diverte a malo, et fac bonum  do Sl 33, 15. Insisto aqui: justiça,
misericórdia e verdade são realidades inseparáveis; não pode haver uma sem a outra.

2. A justa relação com Deus

Quando São Paulo convida os efésios a revestirem a couraça da justiça, ele tem em mente
uma   proteção   à   nossa   vulnerabilidade,   provocada   pela   concupiscência,   conseqüência   do
pecado original que, mesmo que não queiramos, permanece. De modo que ela mantém fora
de nós as tentações para que não encontrem em nós cumplicidade.

Isto nos leva a considerar a nossa relação com Deus. Outra não é senão aquela de agraciados
por amor. A humildade que produz nos protege seja da soberba, seja do desencorajamento.
Deus tem misericórdia de nós pecadores. Estar nesta relação de justiça nos põe na justa
medida diante de Deus. Deus é Deus e nós não somos Ele. Isto é uma tautologia significante
e   é   um   cuidado   do   qual   não   podemos   nos   desfazer   nunca.   Tudo   isto   está   intimamente
relacionado com a verdade.

A verdade sobre Deus e sobre nós nos direciona à humildade; esta nos transporta para a

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justa relação também com os outros, pois todos fomos feitos do mesmo barro. Se lermos Ef
2, 1­10 e 4, 25­32, é possível tomar consciência de que tal comportamento é correspondente
a uma boa consciência de si. Saber­se quem é, não leva à soberba, mas à humildade que
produz segurança interior e que ajuda a enxergar as coisas na sua justa medida, sem nos
espantarmos nem nos angustiarmos. Isto é tal que pode mesmo ser chamado de couraça.

* Quem somos? 

Não somos Deus! Deixemos que Paulo, com o seu realismo sobrenatural nos responda: “E
vós   outros   estáveis   mortos   por   vossas   faltas,   pelos   pecados  que   cometestes   outrora
seguindo o modo de viver deste mundo, do príncipe das potestades do ar, do espírito que
agora atua nos rebeldes” (Ef 2, 12). Destes rebeldes, não nos excluamos!

Todos nós batizados, viemos do paganismo que não é somente uma condição cultural e
religiosa, mas pessoal; fomos libertados; a Graça nos alcançou! Ora, isto deveria bastar para
não   nos   considerarmos   em   completa   distância   dos   demais.   Mesmo   que   o   Batismo   seja
discriminatório,   no   sentido   de   que   deixa   claro   quem   já   nasceu   da   água   e   do   Espírito
daqueles que ainda não, fazendo­nos filhos no Filho, isto se dá por graça e não mérito
pessoal. Fomos libertados pela Graça! Foi instrumento de Deus para nós a pregação, a Igreja
e seus Sacramentos, bem como tantas e humildes testemunhas que nos ajudaram: “O que há
de superior em ti? Que é que possuis que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te
glorias, como se o não tivesses recebido?” (1 Cor 4, 7). 

Tal estado de coisas deveria nos levar naturalmente à compaixão para com aqueles que não
conhecem Deus ou não o conhecem suficientemente. “Tudo é graça”, como recita o Cura de
Aldeia de G. Bernanos ao fim da sua vida...

* Quem é Deus?

Ainda São Paulo: “Mas Deus, que é rico em misericórdia, impulsionado pelo grande amor
com que nos amou, quando estávamos mortos em conseqüência de nossos pecados, deu­nos
a vida juntamente com Cristo ­ é por graça que fostes salvos! ­,  juntamente com ele nos
ressuscitou e nos fez assentar nos céus, com Cristo Jesus” (Ef 2, 4­6).

Fomos, pois introduzidos no grande Mistério da Salvação; toda a nossa história está prenhe
de redenção.

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Assim podia rezar São Francisco:  “Senhor, quem sois vós e quem sou eu? Vós o Altíssimo
Senhor do céu e da terra e eu um miserável vermezinho, vosso ínfimo servo”4 E depois se
entregar ao seu Cântico da Criaturas com os seus famosos Laudato sii...

De fato, a ação de graças é o que corresponde ao reconhecimento de quem  é Deus e de
quem somos nós que, no entanto, transformados pela Graça. Reconhecimento de Deus e do
nosso  lugar  na   grande  Oikonomia  tou Theou!  Até  mesmo das  boas  obras  que  fazemos,
devemos dar graças para não cairmos na arrogância: non nobis Domine, non nobis...

3. A justa relação com os outros e com a Igreja.

Gratidão a Deus, gratidão à Igreja, instrumento necessário de Salvação. Daqui que a atitude
correspondente é a da busca da unidade, uma vez que somos um único Corpo: “Exorto­vos,
pois, ­ prisioneiro que sou pela causa do Senhor ­, que leveis uma vida digna da vocação à
qual   fostes   chamados,  com   toda   a   humildade   e   amabilidade,   com   grandeza   de   alma,
suportando­vos   mutuamente   com   caridade.  Sede   solícitos   em   conservar   a   unidade   do
Espírito no vínculo da paz” (Ef 4, 1­3).

Dizer a verdade, ser transparente; dominar os sentimentos negativos para não dar lugar ao
diabo (Ef. 4, 26); trabalhar honestamente; procurar dizer sempre o bem de outrem para não
entristecer o Espírito.

B. O Evangelho da Paz

“Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça,
e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz.”

Como disse acima, não é possível ter boa consciência de si e não preocupar­se com aqueles
que desconhecem o Evangelho. Anunciá­lo é um ato de misericórdia e caridade. Daqui se
pode   compreender   a   insistência   de   Papa   Francisco   sobre   a   Igreja   “em   saída”.   Um
castelhanismo  para   dizer  o  dever   irrenunciável   da   missão,   como  deixou  claro  São  João
Paulo   II   na  Redemptoris   Missio,   que   tem   como   subtítulo   “da   validade   permanente   do
mandato   missionário”.   Tal  encíclica   queria   despertar   o  empenho   na   missão,   pois   tendo
como motivo o multiculturalismo e a inculturação mal entendida, já havia uma que quase
dúvida se Mt 28, 20 fosse ainda para se levar a sério.
 
1. O cristão e o Evangelho da Paz

4
 Da Biografia de São Francisco, de Tomás de Celano.

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Os textos de Is 52, 7ss. servem de inspiração a Paulo. Aqui “Paz” indica a abundância dos
bens messiânicos depois do exílio na Síria. Também Is 40 com o seu “Consolai, consolai o
meu Povo...”

Mas qual é esta notícia de Paz que Paulo insiste com todos para que seja anunciada?

Ef 2, 13­22 nos responde. É o abatimento do muro de separação. Com a  morte de Cristo, as
colunas do Templo são rasgadas e seus fundamentos tremem. Aquilo que era antes vedado
aos demais e pelos judeus considerado coisa própria, doravante é destinado a todos os povos
e nações. É o recuperar a visão universalística perdida pelos judeus. Neste sentido, se pode
compreender também a purificação do Templo e o que significa.

Jesus,   pela   sua   Cruz   realiza   a   reconciliação   entre   hebreus   e   pagãos,   entre   eles   e   nós
Anunciar, pois o Evangelho da Paz e dar tal notícia e reconduzir todos a olhar não mais para
a serpente de bronze, mas para o próprio Senhor elevado que tudo atrai a Si e realiza a Paz.

2. Ser evangelho de Paz

Não basta porém o anúncio externo, antes, faz­se necessário a adesão interior e total a tal
anúncio. Adesão pessoal e eclesial. Não podemos criar como que uma persona publica e nos
digladiarmos internamente.

* A vida fraterna, pois deve primar pela constante luta pela paz. Assim podemos entender o
adágio latino: “Si vis pacem, para bellum”. Para tanto, não nos esqueçamos nunca como nos
trata Deus e de que como tratamos os demais é como pedimos por Deus ser tratados todos
os dias: “dimmite nobis debita nostra sicut nos dimittimus debitoribus nostris”. 
 
* A alegria fraterna  é uma segunda possibilidade para nos tornarmos este Evangelho da
Paz. Devemos superar Voltaire ao falar a respeito dos monges, cujas palavras poderiam
referir­se ao todo o clero regular e secular:  “É máxima bastante conhecida que os monges
são   criaturas   que   se   unem   sem   conhecer­se,   vivem   sem   estimar­se,   e   morrem   sem   se
lamentarem.”5.   Alegria   fraterna,   não   ser   bobo   alegre.   A   alegria   que   nos   dá   Deus   pela
salvação e Graça e não por se fazer festa. Na verdade, há que se desconfiar de quem quer­se
sempre alegre... Os psicanalistas poderiam dizer algo a respeito... Marketing de felicidade
extrema, geralmente é sintoma de grande angústia...

5
Em sua obra: O homem de quarenta escudos, cap. 8.

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* Jesus em primeiro lugar, pois é Ele o Príncipe da Paz. Esta dá­se, como foi dito, pela
consciência de termos sido salvos pela Graça, imerecidamente. Paz que se abraça à Justiça,
que, por sua vez, está intimamente ligada à verdade das coisas, isto é, Jesus em primeiro
lugar, porque é Ele quem derruba o muro de separação, não acordos humanos prescindindo
Dele mesmo.

3. A Paz como participação à obra de Jesus

Ele é a nossa Paz! Porque a oferta de Si, nos obteve a reconciliação com Deus, conditio sine
qua non de toda humana reconciliação. De modo que somos aqui chamados a nos oferecer
também como sacrifício de suave odor. Quanto isso hoje faz­se necessário à Igreja inteira...
São Francisco buscava viver o Evangelho sine glosa, isto é, aquilo mesmo que o Senhor fez
e anunciou. Por isso a reforma que empreendeu não foi querendo mudar a Igreja e sua
estrutura,   mas   a   reformou   mudando­se;   a   ela   sempre   devotando­se   integramente   na
obediência. Querer tudo mudar, mudando estruturas, sem mudar­se é inútil além de ser coisa
mentirosa. Daqui todos podemos partir com coragem, mesmo que pareça algo de tão pouca
monta... 

C. O escudo da Fé.

“Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados
do Maligno.”

É a parte mais longa, o que já dá a dimensão do que aqui São Paulo tem em mente.

1. Em poder de forças obscuras e malignas

O que são tais dardos? Quem é aqui o inimigo e qual a atitude aqui exigida para apagar tais
dardos?

No Sl 7, 14­15 encontramos: “Contra os ímpios apresentará dardos mortíferos, lançará 
flechas inflamadas. Eis que o mau está em dores de parto, concebe a malícia e dá à luz a 
mentira”. 

 São armas da impiedade. A isto se opõe (cfr. Sl 51, 4­6). Os ataques que recebe aquele que
cultiva a amizade de Deus estão sempre relacionados à mentira e à malícia. Assim no Sl 56,
5­7 (como no Breviário): “Eu me encontro em meio a leões,   que, famintos, devoram os
homens;   –   os   seus   dentes   são   lanças   e   flechas,     suas   línguas,   espadas   cortantes”...   O

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comentário posto a este Sl no breviário, de Santo Agostinho, diz ser um canto à Paixão do
Senhor; mas poderíamos  acrescentar que também o é à nossa cotidiana paixão. Outro Sl, o
90, 4­6, nas Completas de Domingo vem em nosso socorro com uma lufada de esperança:
“Com suas asas haverá de proteger­te,   com seu escudo e suas armas, defender­te. Não
temerás terror algum durante a noite,  nem a flecha disparada em pleno dia; –   nem a peste
que caminha pelo escuro, nem a desgraça que devasta ao meio­dia…”.

Como disse, o render­se a Deus, quando nossas humanas esperanças são vencidas, é um já
encaminhar­se para a vitória em Deus. Não é sem sentido a Igreja nos fazer rezar tal Sl ao
término da nossa jornada dominical. Quem já não se sentiu esgotado, solitário após as lides
apostólicas deste dia, quando todos se vão para as suas famílias e amigos e restamos nós e o
Senhor a nos fazer companhia? Quem já não se sentiu inflamado por dentro se perguntando:
este estado de vida vale mesmo a pena?... Estas são armadilhas corrosivas a minar nossa
adesão  ao Senhor. Mas quem é o inimigo que age assim? Ouçamos de novo Ef 6, 12: “Pois
não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e
potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal
(espalhadas) nos ares”.

Este texto quer indicar algo mais profundo do que o que se sói imaginar: categorias de
pessoas; pessoas concretas; a genérica fraqueza humana... Existem realidades no mundo que
só são explicáveis por algo mais: forças potentes, tenebrosas, malignas.

Potentes,   porque   tem   uma   atividade   constante;   tenebrosas   porque   atuam   obscuramente,
turvando o olhar sobre a realidade e abrindo um “vale tudo” de possibilidades, já que não se
sabe por onde caminhar...

São forças malignas: o prejudicar, pelo prejudicar; a degradação do homem de diversas
formas e o que é trágico, sempre se encontrando justificativas para tanto... não racionais,
mas sob o influxo das paixões!

Quando Paulo afirma que habitam nos ares, quer indicar que são realidades que podem agir
em qualquer um. Só assim podemos compreender a história do mundo e também a de cada
um de nós. Tais forças nos corrompem a humanidade, pois é algo maligno e se transforma
mesmo em um “ambiente” de pensamento ou cultura. Este  é o sentido muitas vezes que
tomou   a   mentalidade   não   secular,   mas   secularista;   não   do   “estado   laico”,   mas   laicista,
irreligioso, constituindo­se ele mesmo num ente que exige uma espécie de adoração, um
arremedo de religião; quase um retorno a religio publica do Império Romano, do império de
Gengis Khan onde valia a religião submetida ao império... É uma mentalidade de “não fé”

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ou de “toda fé” relegada à insignificância na vida pública, mas corrompendo inteiramente a
fé... É o falso irenismo já condenado pela UR, que sob o manto da tolerância religiosa,
impõe um multiculturalismo religioso que aproveita a corrosão da fé para dar margem à
colonização do mais forte nem sempre sem o uso da força...

O   Sl   13,   1­4   reflete   bem   isso:   “Diz   o   insensato   em   seu   coração:   Não   há   Deus.
Corromperam­se os homens, sua conduta é abominável, não há um só que faça o bem. O
Senhor, do alto do céu, observa os filhos dos homens, para ver se, acaso, existe alguém
sensato que busque a Deus. Mas todos eles se extraviaram e se perverteram; não há mais
ninguém que faça o bem, nem um, nem mesmo um só. Não se emendarão esses obreiros do
mal, que devoram meu povo como quem come pão?”

É uma mentalidade redutiva, mesquinha e dissolvente... Tudo aqui conspira contra aquilo
que nos propõe Deus...

2. A fé nos defende das forças obscuras.

Fé que é mais do que uma retenção intelectual dos dogmas, mas muito mais aquele obséquio
também da vontade; princípio de ação, não sentimentalismo; experiência forte de Deus. É
um resistir não só passivamente à mentalidade secularista, mas ativamente! Por isso: 

a. Fé como adesão pessoal a Deus em Cristo

Tanto o Vat I, como o II insistiram nesse aspecto. Fé é adesão e entrega pessoal a Deus; é
nossa correspondência a Ele que se revela. É Fé em uma Pessoa; é um acontecimento, um
encontro pessoal! Aqui o justo relacionamento com Deus, ou se podemos dizer assim,  é
fazer justiça a Deus, que se manifesta com a nossa piedade, insisto!, que não se reduz aos
atos de piedade litúrgicos e não...

b. Fé como proclamação de verdades reveladas.

Em Ef 1, 13, lemos: “Nele também vós, depois de terdes ouvido a palavra da verdade, o
Evangelho de vossa salvação no qual tendes crido”.

Hoje se acentua, talvez desmedidamente, o aspecto pessoal e afetivo da fé, quase a por sob
sombra aquilo que os dois Concílios citados insistiram: a aceitação das verdades reveladas

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por Deus.

c. A fé como um “olhar”...

Daqui que a fé assim compreendida é um escudo contra a mentalidade secularista; uma fé
fundada na Palavra Revelada e Encarnada em Jesus Cristo: 

“Rogo   ao  Deus   de   nosso  Senhor   Jesus   Cristo,   o  Pai  da  glória,   vos   dê   um   espírito  de
sabedoria que vos revele o conhecimento dele; que ilumine os olhos do vosso coração, para
que compreendais a que esperança fostes chamados, quão rica e gloriosa é a herança que
ele   reserva   aos   santos,  e   qual   a   suprema   grandeza   de   seu   poder   para   conosco,   que
abraçamos a fé” (Ef 1, 17­19).

* espírito de sabedoria: é a capacidade de ver como cada coisa é, na sua singularidade, e
como estão ordenadas ao fim salvífico. Tudo! Cada ato do dia... É uma fé em ato.

* espírito de revelação: não a busca de coisas não ditas, mas a capacidade de reconhecer na
realidade da Igreja, da Eucaristia, do Papa, dos Bispos, do clero e dos fiéis o significado, a
realidade,   o   posto   que   cada   um   ocupa   em   vistas   da   salvação...   Isto   nos   livra   dos
reducionismos sociológicos e de falso misticismo...

* espírito de sabedoria: capacidade de reconhecer Deus como é, não como gostaríamos que
fosse. A sensibilidade não é sensualismo, mas o supera, pois aqui “sentir” Deus é percebê­
Lo na sua ação misteriosa na Igreja, no mundo e em nós mesmos. Não é sensualismo, pois
este visa à nossa satisfação imediata; aquele um nos ultrapassar!

* olhos iluminados: é “ver” a realidade salvífica em ato nas nossas vidas; não basta saber,
mas aderir; saber­se instrumento de Deus em benefício de si e dos outros; é  não ser cego
guiando cego... O que implica seja a adesão total, com a correspondência na vida.

* Força de Deus, não nossa! Quando nos rendemos, Deus age! Nossa própria vocação foi
um render­se a Deus; um milagre que nos escapa. Jr 20, 7 bem o expressa: “Seduzistes­me,
Senhor; e eu me deixei seduzir! Dominastes­me e obtivestes o triunfo”. O nela perseverar
também o é. 

Nas confissões várias que atendemos, do que somos testemunhas senão de tantas rendições
do homem e vitória de Deus sobre o pecado; quantos não são os derrotados que lá, já entram
como vitoriosos?...

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Todavia, isto tudo só é possível cum fide sentire. Assim também nosso ministério junto  ao
Altar: como é possível que, apesar de nossos pecados, Deus se coloque em nossas mãos?

Nada, a não ser a fé pode nos sustentar do transe que isto provoca, se estamos presos a
mentalidade secularista. Somente Deus pode nos fazer seguir adiante e a não desmoronar.
Por isso, Jesus diz a Pedro sobre a sua profissão de fé: “nem a carne, nem o sangue”...

Quão frutuoso não será se exercitarmos ao longo dos dias este olhar de fé; encontrando
Deus e com Ele estando nos escaninhos do nosso dia. Santa Teresa d’Ávila dizia às suas
freiras: “. Entendei que até mesmo na cozinha, entre as caçarolas, anda o Senhor”6...

D. A fecundidade da Fé

Da carta aos Hb 11, 6, nós encontramos: “Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois
para se achegar a ele é necessário que se creia primeiro que ele existe e que recompensa os
que o procuram”. 

1. Sem fé não se pode fazer nada.

Nem agradar a Deus nem aos demais. Uma atitude de fé é sempre exigida em qualquer
relacionamento. Na nossa relação com Deus; na nossa vocação; nas relações com o superior,
com os iguais... Somente Deus é fiel a si mesmo e às suas promessas, nós somos chamados
a Ele nos entregar, sabedores que não nos há de faltar.

2. O risco da desconfiança.

Hb chama a atenção para isto e exorta a   nos lançar sem nos preocupar de nós, ou de
qualquer garantia, quando Deus é quem nos fala e nos chama ao seu serviço seja em que
grau for. E todos podemos dizer das vezes em que Deus não só cumpre o que promete, mas
o   faz   excedentemente.   Abraão   é   o   paradigma...   Por   isso,   em   3,   12­13,   lemos:   “Tomai
precaução, meus irmãos, para que ninguém de vós venha a perder interiormente a fé, a
ponto de abandonar o Deus vivo. Antes, animai­vos mutuamente cada dia durante todo o
tempo   compreendido   na   palavra   hoje,   para   não   acontecer   que   alguém   se   torne
empedernido com a sedução do pecado.”

O v. 14 entesta o invitatório que rezamos sempre. “Enquanto se disser: hoje”! Animai­vos!

6
Livro das Fundações capítulo V, 7­8

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Tal ânimo mútuo deve nos levar a agradar a Deus e não repetir na nossa vida o que também
ouvimos dos hebreus no deserto: “este povo não conheceu os meus caminhos, por isso lhes
jurei na minha ira, não entrarão no repouso prometido”...

E   tantas   foram   as   consolações   para   aquele   povo;   tantas   são   as   que   Deus   também   nos
concede! Se nos momentos de escuridão, não somos capazes de reconhecer, acolhamos os
que querem nos animar. Os que estão fora desta ou daquela situação difícil podem ver
melhor   e   abrir   nossos   olhos...   Também   aqui,   a   atitude   de   confiança   a   Deus   pode   ser
suscitada pela confiança posta nos amigos de verdade... Animai­vos! Enquanto se disser
hoje, isto é, enquanto estamos vivos...

As dificuldades, por mais penosas, nos exigem nos lançarmos na empresa querida por Deus.
Não nos esqueçamos de que nossa pequenez, humana miséria, sabe Deus suprir.

3. A fecundidade da fé.

Se Hb nos aponta a desconfiança como exemplo tremendo de esterilidade da fé, mostra
também o oposto: exemplos de fecundidade: Abel, Enoc, Noé, Abraão, Moisés... e tantos
outros...

* a fé nos permite fazer coisas grandes:  “Abel ofereceu um sacrifício melhor que o de
Caim”(cfr. Hb 11, 4). Por quê? Era sinal de devoção! Não considerava do que abria mão,
mas a quem queria agradar.

*   Noé,   pela   construção   da   Arca,   mesmo   não   tendo   provas   do   que   lhe   fora   anunciado,
obedece e condena o mundo por esta fé...

*   Abrão  ao   ser   chamado,   obedeceu   sem   nenhuma   indicação   concreta   para   onde   ia...   É
mesmo este um programa de vida para aquele que crê...
 
* Moisés, de medroso, deixa­se convencer e enfrenta o Faraó; tudo deixara para se pôr ao
lado   dos   seus,   enfrentando   o   que   o   autor   chama   de   uma   antecipação   ao   “opróbrio   de
Cristo”(cfr. Hb 11, 24­26). Ele via como se visse o invisível... 

* A fé nos permite suportar grandes provas, apesar das próprias fraquezas. O enfrentamento
olha por sobre os obstáculos e mira o que se promete. 
 
Mas todos estes não conseguiram o que se prometia a eles em filigrana. Somos nós os

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agraciados. Tudo aquilo eram sombras da realidade futura que vemos cumprida em Cristo
Jesus. E o que devemos nós cumprir, já que temos o autor e o realizador perfeito da fé?

4. A fé como apoio e como iluminação

* É apoio, pois na Palavra  veraz  de  Deus, já  possuímos o que  se  nos  promete.   É o já


realizado de modo misterioso, mas não totalmente manifestado.

* É iluminação: “prova das coisas que não se veem”... a fé nos dá olhos penetrantes não só
para vermos a “realidade real”, não imaginária, mas também para enxergarmos longe, isto é,
captarmos o sentido das coisas segundo Deus em seu projeto salvífico.

Assim o autor nos convida: “Desse modo, cercados como estamos de uma tal nuvem de
testemunhas, desvencilhemo­nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao
combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus”.

Diante, pois, de tudo quanto o autor de Hb quer dizer, temos no início o comentário do
Invitatório e no fim um retorno ao início para que não percamos o ânimo.

Todas as coisas grandes que a fé nos permite fazer, não devem ser vistas como tais pelos
homens e assim consideradas por nós mesmos. Devem ser grandes, mesmo ínfimas, por ser
Deus   quem  as   pede.   A   cruz   do   Senhor,   certamente   não  foi   vista   no   início   como   o   foi
depois...

III
CONFERÊNCIA
A. O elmo da Salvação

“Tomai, enfim, o capacete da salvação”(Ef 6, 17).

O texto é inspirado em Is 59, 17: “Vestiu a justiça como uma couraça, pôs sobre a cabeça o
capacete da salvação, revestiu­se da vingança como de uma cota de armas, e envolveu­se
de zelo como de um manto”.

Ou seja, Deus se põe a julgar e colocar as coisas nos seus devidos lugares. Julgará quem
fez/faz o mal; mostrará a sua glória e, enfim, se manifestará como Salvador.

34
São Paulo ao quase repetir as palavras de Is quer com isto indicar que o cristão deve tomar
parte nesta obra de salvação. O “tomai”do texto de Ef, não é um agir nosso; mas de Deus.
Como nas palavras da consagração “tomai” não significa uma ação nossa, mas dEle de nos
dar, nos competindo receber. Donde no texto mais certo é ler o “tomai” como “recebei”.
Tudo   se   aclara   mais   ainda   quando  consideramos   a  salvação  como  é:  um  dom,   não  um
direito; é graça!

Tomar, pois o elmo da salvação, é se colocar perante o plano de Deus na verdade; o aceitar;
o fazer nosso com a fé e a ele nos abandonar plenamente. É um deixar­nos invadir pela
salvação em Cristo (cfr. Ef 3, 14­19).

Assim nos lançando   no plano salvífico de Deus, não temos como não considerar o íter
mesmo de Cristo que Paulo dá no hino de Fl 2 relacionando­o com Ef 3, 14­18.

* o amor de Cristo que ultrapassa todo conhecimento: deixarmo­nos amar e amar! Bento
XVI na Deus caritas est, isto indica. Quem deixa­se amar, ama o Amado e o Amor, que se
identificam, não tem como não amar, pois pela Graça tornam­se um só no pensar e no agir.

Assim,   quem   ama,   se   sacrifica   como   Cristo;   perdoa   como   Cristo...   Quanto   ao   perdão,
porque se nos parece tão difícil? Amar o pecador e não o pecado! Pensamos tantas vezes ser
difícil não identificar um e outro... C. S. Lewis em Cristianismo puro e simples III, 7, tem
palavras iluminadoras que gostaria de citar: 

“Nos meus momentos de maior lucidez, vejo que não somente não sou lá um grande sujeito
como posso ser uma péssima pessoa. Recuo com horror e repugnância diante de certas coisas
que fiz. Logo, isso parece me dar o direito de me sentir horrorizado e repugnado diante dos atos
de meus inimigos. Aliás, pensando no assunto, lembro que os primeiros mestres cristãos já
diziam que se devem odiar as ações de um homem mau, mas não odiar o próprio homem; ou,
como eles diriam, odiar o pecado, mas não o pecador. Por muito tempo julguei essa distinção
tola e insignificante: como se pode odiar o que um homem faz e não odiá-lo por isso? Somente
anos depois me ocorreu que fora exatamente essa a conduta que eu sempre tivera com uma
pessoa em particular: eu mesmo. Por mais que eu abominasse minha covardia, vaidade ou
cobiça, continuei amando a mim mesmo. Nunca tive a menor dificuldade para isso. Na verdade,
a razão mesma pela qual detestava tais coisas é que amava o homem que as cometia. Por amar a
mim mesmo, sentia um profundo pesar por agir assim. Consequentemente, o cristianismo não
quer ver reduzida a um átomo a aversão que sentimos pela crueldade e pela deslealdade.
Devemos odiá-las. Não devemos desdizer nada do que dissemos a esse respeito. Porém,
devemos odiá-las da mesma forma que odiamos nossos próprios atos: sentindo pena do homem
que as praticou e tendo, na medida do possível, a esperança de que, de alguma forma, em algum
tempo e lugar, ele possa ser curado e se tornar novamente um ser humano.”

Recebendo pois, o elmo da salvação não há como não se deixar invadir por este mesmo

35
Amor e amar...

2. O poder de Cristo

Em Fl, Paulo retrata uma sua experiência semelhante, isto é, o significado do ter recebido tal
elmo. Fl 3, 8­11: o tudo ter deixado por amor de Cristo e tudo ter considerado como palha
(grego:   skubala),   lixo   em   italiano,   e   em   latim:   ut   stercora...   É   a   experiência   de   quem
consegue tudo enxergar em comparação com a riqueza do amor de Deus, manifestado em
Cristo.

3. Vestir o elmo no cotidiano

* A partir da meditação de Fl, participar intimamente à Paixão:  experimentar a força na
fraqueza. Saber que tudo é graça; que estamos sempre sob o olhar amoroso do Pai que nos
protege,   ampara   e   que   sem   Ele   sucumbimos...   O   não   se   deixar   frear   por   não   sermos
reconhecidos como gostaríamos, e tantas outras atitudes paralisantes.. Aqui, o elmo nos
protege de qualquer sentimento de orgulho ou vaidade... Mas o ainda não sermos capazes
disto, ao menos não suficientemente, também faz parte da participação à Paixão; também
isto deve se fazer presente na nossa oração...

* Sentir a força da Ressurreição

Abrir   espaço  ao  Espírito   para   que,   agindo  em  nós,   nos   faça   alegres   naqueles   dons   que
portam ao serviço, à paz interior e que Paulo elenca em Gl 5, 22 e que em I Cor identifica
como a via do ágape.

4. O sentido trinitário da Paixão e da Ressurreição

As relações de oposição na Trindade, pelo Batismo, nos são acessíveis. A nossa participação
ao Mistério pascal nos dão a possibilidade de compreender o “tradidit” que o Pai faz do seu
Filho a nós, na potência do Espírito. Ele se deixa tomar pelo Amor do Pai e nos atrai ao
interior mesmo desse dinamismo. Nos faz participantes da sua intimidade com o Pai e o
Espírito.   Assim,   diante   das   humilhações   pelas   quais   passamos,   nos   nossos   sofrimentos,
nossa incapacidade de aceitar o que nos ocorre de desagradável; se nos unimos a Ele sem
desconfianças nem reticências e tudo experimentarmos em atitude orante, poderemos ao
menos intuir o grande mistério de Amor que O levou a entregar­Se por nós. Dando­Se
totalmente   ao   Pai;   dá­Se   também   a   nós   e   nós,   se   conseguimos   a   Ele   nos   dar,   seremos
capazes de também nos doar sem tantas reticências...

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Deixarmo­nos amar pelo Pai, para amar em Cristo aos demais.

5. Sugestões para a confissão

Por que a experiência do Sacramento é tão pesada para muitos? Talvez porque o acento não
é posto naquilo que nos é oferecido, mas em nós mesmos. Somos reticentes em acolher o
Amor de Deus, pois temos às vezes dificuldades em colher a lição que nos dá Lewis, como
citei acima. Não conseguimos nos distanciar do pecado, pois quase o identificamos conosco.
O pecado é o que não devia estar em nós. Pode estar, mas não identifica ninguém; pelo
contrário, despersonifica como mostra a situação do filho pródigo. Ali, já dito e repetido
tantas vezes, o centro  é a Misericórdia do Pai, não as atitudes dos filhos...  É ela que é
oferecida.

* a confessio laudis em sentido agostiniano: Uma confissão de louvor, não de nós, mas de
Deus   e   de   seus   favores.   Diante   dele,   somos   por   isso   capazes   de   verificar   nossas
inconsistências.

*   confessar   o   afastamento   de   Deus,   pois   todo   pecado   é  aversio   a   Deo,   conversio   ad


creaturam. É um analisar a medida da nossa gratidão e proximidade do seu Amor. Quem
ama, tudo faz para agradar a quem ama; desagradar o amado é o temor do amante. Ora, se a
Deus amamos, o que em nós permitimos se instalar que cria distância entre nós e Ele?

* A experiência da confissão deve ser de um Sacramento de Amor, de reencontro com o
Amado. Afinal, não foi isso que quis sugerir o Senhor com a Parábola do filho pródigo?
Não estava lá o pai, esperando que o filho retornasse? Basta a Deus, um ínfimo movimento
que seja, de retorno para que seja Ele a correr ao nosso encontro com os braços abertos; isto
não   porque   de   nós   tenha   necessidade,   mais   porque   sabe   que   sem   Ele   e   seu   Amor,
sucumbimos, nos perdemos...

B. A espada do Espírito

“Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus.”

Isaías é o profeta mais tido em conta pelos Apóstolos, naquilo que viam apontando para o
Senhor. Assim em Is 49, 2­3 (o segundo canto do Servo de Javé): “Tornou minha boca
semelhante a uma espada afiada, cobriu­me com a sombra de sua mão. Fez de mim uma

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flecha penetrante, guardou­me na sua aljava.  E disse­me: Tu és meu servo, (Israel), em
quem me rejubilarei.”

As expressões “boca como espada”, “palavra eficaz”, palavra “afiada”, indicam o que hoje
diríamos “vai direto ao ponto”, isto é, diz como as coisas são na sua nua e crua realidade,
sem   subterfúgios.   Assim   no   11,   4   lemos   que   o  Servo  possui   o   espírito   do   Senhor,   de
sabedoria e de inteligência. A própria etimologia desta palavra indica o saber ler dentro,
intus + leggere, daí o exercício da sua justiça para com os pobres; a faixa nos rins como
justiça; a fidelidade na cintura e a palavra que destrói o violento...

Deste modo, São Paulo indica uma superação das nossas próprias palavras e raciocínios
sobre   nós   e   sobre   os   outros;   trata­se,   portanto,   da   Palavra   de   Deus   sob   a   qual   somos
julgados, antes de julgarmos os demais.

Neste sentido, Paulo indica a medida não só das nossas ações, mas também dos nossos
juízos. É o sentido do  sine glosa  de São Francisco.   Somos aqui exortados a não darmos
saltos duplos, ou cêntuplos carpados ou realizarmos malabarismos racionais para ajustar a
Palavra de Deus aos nossos desejos, por mais que possam nos parecer razoáveis, mas que
são sempre sabedoria deste mundo destinada a desaparecer. É o pensar como Deus; o falar
não somente a partir de Deus, mas como Deus, isto é, sobre esta ou aquela questão o que diz
Deus   e   não   o   que   queremos   que   Deus   diga...   nos   entregando   gostosamente   à
instrumentalização da Espada do Espírito para travar nossas “guerrinhas” conosco mesmos;
com os outros ou com nossas atividades.

Aqui, cada um deve se colocar defronte ao plano de salvação de Deus como o Servo de
Javé: humilde, todo ouvidos para receber a Palavra como espada a nos penetrar a medula.
Neste combate, de quanta coragem não necessitamos...

1. A Palavra de Deus

Em primeiro lugar, ouçamos Santo Agostinho que afirma que há uma única Palavra em toda
a   Escritura:  «Lembrai­vos   de   que   o   discurso   de   Deus   que   se   desenvolve   em   todas   as
Escrituras é um só e um só é o Verbo que Se faz ouvir na boca de todos os escritores
sagrados, o qual, sendo no princípio Deus junto de Deus, não tem necessidade de sílabas,
pois não está sujeito ao tempo».7 

Também São João da Cruz ­ aqui cito o Catecismo: “N'Ele, o Pai disse tudo. Não haverá
7
En. In PS. 103, 4: PL 37, 1378.

38
outra   palavra   além   dessa.   São   João   da   Cruz,   após   tantos   outros,   exprime­o   de   modo
luminoso, ao comentar  Heb 1, 1­2: «Ao dar­nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua
Palavra – e não tem outra – (Deus) disse­nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta
Palavra única e já nada mais tem para dizer. [...] Porque o que antes disse parcialmente
pelos profetas, revelou­o totalmente, dando­nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem
agora quisesse consultar a Deus ou pedir­Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria
um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar
fora d'Ele outra realidade ou novidade»8.

Tudo, portanto, deriva dEle, como indica São João no prólogo do seu Evangelho. Tudo isto
se torna sílaba na história, para que compreendamos; nós que estamos sujeitos ao tempo. A
Palavra, pois, não é somente um falar de Deus, mas Deus quem fala e, falando, transforma
eficazmente. Ainda Is 55, 10­11:  Tal como a chuva e a neve caem do céu e para lá não
volvem sem ter regado a terra, sem a ter fecundado, e feito germinar as plantas, sem dar o
grão a semear e o pão a comer,  assim acontece à palavra que minha boca profere: não
volta   sem   ter   produzido   seu   efeito,   sem   ter   executado   minha   vontade   e   cumprido   sua
missão.”

Tudo isto, depois é consignado em livro, mas não podemos nos esquecer que o Verbo se fez
carne e habitou entre nós (cfr. Jo 1, 14 ss.). Isto implica que não podemos nos contentar
somente com o escrito, mas antes, buscar através dele Quem nele fala e continua falando
pela Tradição e pelo Magistério autêntico, que é infalível quando reverbera aquilo mesmo
que quer Deus seja definitivo para se crer e viver, por ser manifestação do que está dito e
que ao longo do tempo se vai desvelando para os cristãos.
Vivemos, pois, mesmo que não nos demos conta sob a Palavra de Deus que não ficou mudo,
mas que continua a indicar caminhos sempre novos para realizarmos o objetivo precípuo da
Divina Revelação, que é o conhecimento de Deus mesmo e de seu projeto a nosso respeito.
Isto é realizado em todas as etapas da História salvífica, também hoje. Por isso, podemos
penetrar   a   cada   ano   nas   palavras   do   Senhor   na   sua   tentação:   “não   só   de   pão   vive   o
homem”...

A grande graça para a Igreja de todos os tempos é que esta mesma Palavra ressoa sempre no
seu   interior:   na   Liturgia,   no   Magistério,   nas   tradições   ascéticas,   nas   nossas   atividades
pastorais; tantas vezes quando nos colocamos no confessionário e que, ao invés de sermos
nós a indicarmos a Palavra ao penitente, é ele que se torna para nós, por todas as coisas que
diz, confessando e refletindo sobre seus pecados, “boca de Deus” que nos fala... Quem pode
dizer que no ministério da reconciliação já não se envergonhou, por reconhecer­se mais
8
¶ 65.

39
pecador que o penitente? Quem já não exortou o penitente, sendo aquelas palavras ditas
mais dirigidas  a si que a ele? Quem pode dizer que já não saiu corrigido por Deus no
exercício da exortação?... Ainda mais, na Homilia, quantas vezes não somos nós os alvos
principais, mesmo sem termos a intenção, daquilo que anunciamos?

Tudo isto se dá, se nos colocamos na atitude de escuta obediente da Palavra...

2.  Por que a Palavra é espada do Espírito?

Tem o efeito de uma espada (segundo esta acepção, pois a SE, possui várias). Quando a
escutamos, quando a pregamos... Recordemos o que Jesus diz: “Não julgueis que vim trazer
a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada.”

Por que a Palavra de Deus tem efeito discriminatório; chama as coisas pelo nome. Divide: o
bem do mal; o positivo do negativo; a luz das trevas. Clareza de distinção. “Ouvistes o que
foi dito, porém eu vos digo”, uma das indicações exegéticas das ipsissima verba Iesu.

Todavia, enquanto estamos na Economia, vivemos entre o trigo e joio, entre peixes bons e
ruins,   mas   também   em   nós   tais   “divisões”   existem:   homem   velho,   homem   novo...   Isto
significa que, se por um lado não devemos querer, a todo custo, distinguir e separar o joio
do trigo, por outro lado, o Senhor chama as coisas pelo nome e este já é o primeiro passo
para empreendermos o discernimento dos espíritos....

Diante   da   Palavra,   nós   não   só   somos   chamados   a   nos   alimentar,   a   gozar,   a   sermos
consolados,   iluminados;   somos   instados   também   a   nos   deixarmos   julgar,   enquadrar,
questionar, a sermos divididos interiormente. É uma αγωνία! “Porque a palavra de Deus é
viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da
alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração”

Deixar­se por isso dividir para discernir. 

Alma ­ psique: lugar dos sentimentos e ressentimentos; pneuma: “lugar” da devoção, onde
se dá o culto reto, a justa dedicação, a deferência e reverência regulada e santa.
Mas estas coisas se dão de tal modo juntas que se torna difícil a distinção. Nos outros,
devemos nos esforçar para não julgar estas coisas; porém, em nós mesmos, somos chamados
a nos deixar cortar profundamente. Distinguir, discernir o que em nós é o que queremos e o
que devemos; o que quer Deus e o que queremos nós. E optar sempre pelo melhor e tentar
realizar em nós aquela sinergia da vontade com o intelecto, ou da vontade de Deus com a

40
nossa; melhor, fazer da Divina Vontade sobre nós e nossas ações, também nossa vontade.
Como   é   tremendo   isto!   Por   isso  é  αγωνία!   É   um   nos   deixarmos   analisar!   Não  por   um
psicanalista, mas por Aquele único que sabe melhor do que nós, quem nós somos. E aqui, de
novo, surge o grande gênio de Santo Agostinho que, nas suas Confissões, soube fazer este
itinerário:  “o Senhor está mais próximo de nós, do que nós de nós mesmos — «interior
intimo meo et superior summo meo”9.

3. Como deixar­se penetrar pela espada da Palavra?

A Carta aos Cl 3, 16 nos traz algumas indicações práticas: “A palavra de Cristo permaneça
entre vós em toda a sua riqueza, de sorte que com toda a sabedoria vos possais instruir e
exortar mutuamente. Sob a inspiração da graça cantai a Deus de todo o coração salmos,
hinos e cânticos espirituais”.

Portanto, a Palavra nos lábios e no coração!

* Nos lábios

Pelos lábios, há que se entender toda a nossa vida presbiteral e cristã: pelos Sl; na escuta da
SE na Liturgia, na pregação, na meditação privada... Frequentar assiduamente a Palavra faz
dela uma realidade conatural ao nosso modo de pensar e dizer as coisas... e realizá­las! Is e
Sl são os mais presentes no NT. Quando Jesus fala, age, reza, Ele o faz assim. De nós padres
seculares é essa nossa espiritualidade! A mesma de Jesus! No vai e vem da nossa vida, se
praticamos   isso,   a   conaturalidade   que   mencionei   se   manifesta   e   trechos   da   SE   vêem   à
mente, inspira­nos e fortalece­nos a enfrentar, mesmo difíceis questões, como disse também,
sem necessidade de “saltos múltiplos carpados” de raciocínios buscando auto­justificação.
Isto, longe de ser fundamentalismo ininteligente é o modo natural mesmo do Senhor, que
deve também ser o nosso. Novamente, reflitamos sobre as tentações do Senhor, que são
sempre as nossas também. Como Ele as vence?... Pela obediência à Palavra da Escritura, no
seu   real   significado,   não   nos   saltos   hermenêuticos   ou   nas   atualizações   do   demônio   a
instrumentalizá­la para conseguir o seu intento, mas que é exatamente o seu contrário, isto é,
da mesma Vontade Divina expressa na Sua Palavra.

Isso   nos   momentos   difíceis,   mas   também   nos   momentos   de   gratidão,   à   semelhança   da
Virgem no Magnificat, utilizando trechos diversos. Se são ipsissima verba, não é o caso de
discutir aqui, o que conta é sua exultação pela Anunciação e sua disposição na obediência à

9
 Confissões, III, 6, 11.

41
palavra do Anjo, que é sempre a de Deus mesmo. É de se notar que neste hino, ela nada
atribui a si, mas a Deus que olhou para a sua pequenez.

* Nos corações

Diante de Deus, não há como esconder­se. Deixar a Palavra nos discernir, não nós a ela, é
nos dispormos diante de Deus com o coração aberto. De nada adianta simular sentimentos
devotos ou piedosos. Deus tudo sabe e tudo vê. 

É um deixar que o Espírito venha em nosso socorro; deixar que Ele reze em nós. Também
aqui experimentamos a αγωνία. É uma verdadeira aventura cheia de surpresas agradáveis e
não. Agradáveis, pois o Espírito tanto nos consola, nos confirma; mas desagradáveis, pois
Ele nos impede de querer dar ordens a Deus, antes, nos assustamos ao perceber que pedimos
a Deus nestes momentos, de verdade e sem fingimento que Ele faça sua vontade em nós,
coisa nem sempre coincidente com a nossa vontade.

Novamente aqui, é o Senhor a nos servir de guia e mestre de oração. Ele passava longos
momentos em oração, como notam os evangelistas. Geralmente nos momentos chaves da
sua Missão. E no Horto, na agonia, contemplamos sua  αγωνία. Que drama se desenvolve
ali? Seu drama entre fazer a sua vontade e, no zênite da Missão, a de Deus. E como ele a
vive? Mesmo sendo isento totalmente de pecado, vê sua humanidade como que a querer se
rebelar. Mas no fim, se rende. Como sempre viveu sua vontade humana em sintonia com a
sua divina, se entrega generosamente: Fiat voluntas tua! Só depois, notam os evangelistas “
os anjos o serviram”  (Mt 4, 11), nas tentações e depois, na agonia: “Apareceu­lhe então um
anjo do céu para confortá­lo” (Lc 22, 43).

Empunhemos, pois, a espada e partamos ao combate!

C. Todas as coisas no Senhor!

Nos   resta   um   texto   a   comentar   que   aplica   à   vida   cotidiana   todas   as   reflexões   sobre   o
desígnio de Deus, sobre o espírito de fé e sobre a armadura espiritual de quem crê e se
consagra a Deus.

“Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no
qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos” (Ef 6, 18)

Textos paralelos: 

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Ef 5, 19­20: “Recitai entre vós salmos, hinos e cânticos espirituais. Cantai e celebrai de
todo o coração os louvores do Senhor. Rendei graças, sem cessar e por todas as coisas, a
Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo!

Cl 3, 17: “Tudo quanto fizerdes, por palavra ou por obra, fazei­o em nome do Senhor Jesus,
dando por ele graças a Deus Pai.”

1 Cor 10, 31: “Portanto, quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo
para a glória de Deus.”
Reflitamos um de cada vez, pois cada um possui nuances diversas.

1. Dai graças a Deus por todas as coisas

São   Paulo   diz   “rendei   graças   sem   cessar”.   Isto   significa   em   todo   tempo,   em   toda
circunstância, na consolação e na desolação. Seja o tempo do relógio, seja aquele que faz
referência a qualquer circunstância: na alegria, na tristeza, saúde ou doença... Estas palavras
nos lembram o consentimento matrimonial. Ora, acima de tudo, o consentimento com tais
palavras quer indicar uma aliança celebrada no amor que se manifesta mais real e concreto
nos tempos difíceis que nos bons. Nossa relação com o Senhor, por isso, é simbolizada e
realizada quando não só os nubentes depois realizam o que prometem, mas por ser a aliança
nupcial Sacramento, deve não só neles ser simbolizada, mas também em nós. Quando se
ama, por tudo se dá graças. É­se sempre agradecido! Não importa a situação.

* Todas as coisas provém de Deus

Sejam os segundos do relógio, sejam as situações pelas quais passamos, tudo nos vem de
Deus; seja pela sua vontade volitiva ou por sua vontade permissiva. Recordemos Jó 2, 10:
“...  Se   recebemos   de   Deus   os   bens, não   deveríamos   receber   também   os   males?”.   Não
compreender isto é a insensatez que imediatamente Jó dirige à sua esposa que lhe insta a
maldizer a Deus e morrer de uma vez, deixando sua integridade. Tal repreensão também
pode ser dirigida a nós quando também não manifestamos a sensatez fiel de Jó, não só sua
paciência: “Falas como uma insensata”!

* Todas as coisas nos podem conduzir a Deus

Essa é uma grande graça que nos concede Deus; basta que lhe aproveitemos para passo após

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passo irmos, como quem ascende degrau por degrau para se chegar ao cume, no caso da
união perfeita com Deus. A leitura de Jó citada há pouco, se encontra no Ofício de Leituras
da VIII semana do Tempo Comum. Tempo da cotidianidade, quase como que um estímulo a
penetrar o interior mesmo da realidade. O Salmo recitado é o 72, sobre o sofrimento do
justo. E a citação evangélica é de Mt 11, 6 que reza: “Feliz aquele que não se escandaliza
de mim”.

São Paulo aos Rm afirma em 8, 28: “Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus”, e,
poderíamos com Agostinho no seu De correptione et gratia, liber unus, 9 acrescentar,
também os nossos pecados! Isto porque Deus mesmo, se amamos a Deus e não o mal, até o
pecado nos faz experimentar a necessidade da humildade. Deste modo, deixamo-nos corrigir
e melhorar pela Graça.

* Todas as coisas nos manifestam Deus

Todas as coisas positivas! As negativas, como o pecado, somente pelo seu contrário e se
dele nos deixamos corrigir. Todavia, podemos percorrer a obra criada, as pessoas ao nosso
redor; as que nos alegram e as que nos santificam, se nos são pesadas e concedidas a nós
como penitência...
Mas também toda a simbologia da Igreja... 

As pessoas simples, os pobres que padecem, mas que sabem rezar profundamente, mesmo
quando   quase   tudo   lhes   falta:   “O   Senhor   é   o   meu   Pastor,   nada   me   faltará”   (Sl   23)...
Recordo­me de um exame de consciência quanto a isso, de um missionário estrangeiro que
voltava de um encontro sobre a pobreza e a necessidade da libertação. Estava na rodoviária,
esperando o horário do ônibus. E, como costuma acontecer, naquele tempo, um engraxate,
menino, se aproximou oferecendo seu serviço. Como o missionário estava lendo o jornal do
dia e as notícias da política, respondeu com certo desdém ao menino que não queria, sem
sequer tirar os olhos do que estava lendo. Ao que o menino, pela rudeza da resposta, lhe
disse: “Ao menos, o senhor poderia me olhar, pra responder, seu moço”...   Foi como um
golpe no seu coração e consciência. Pois gastou dias falando e ouvindo dos pobres e da
pobreza, mas reconheceu­se não capaz de enxergar o menino pobre real; era somente capaz,
até então de reconhecer aqueles dos discursos... Dali, por diante, de verdade, ele disse que
descobriu   Cristo   nos   pobres,   nos   pobres   reais   e   não   mais   naqueles   das   assembléias   de
libertação... 

Aqui, sejamos sinceros, também nós! Quantos discursos sobre a pobreza; dos políticos; dos
engajados eclesiais ou não... Mas, infelizmente, muitos políticos adoram falar da pobreza,
que lhes rende fortunas, mas também não são capazes de enxergar o pobre, porque lhes
manifesta desprezo; quantos os que dizem defender as mulheres, os negros, enfim, todas as

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minorias, desde que estejam de acordo com a sua ideologia, mas são desprezados, ignorados
quando não agredidos? Quantos discursos sobre os jovens em pastorais da juventude que
não   dão  conta   dos   jovens   reais   com  suas   demandas   deste   nosso   tempo   e   não  dos   idos
de 1968?

Tudo isto também nos fala de Deus e Deus, por tudo isso, também nos interpela...

* Todas as coisas são motivo de ação de graças

Se todas as coisas podem nos remeter a Deus, disto deriva que, tudo pode se tornar motivo
de   ação  de   graças.   Tudo!  Até   nossas   quedas   por  indicar  que   a  soberba   não  é  caminho
adequado a nós. Se amamos a Deus, a amarga experiência das nossas traições ao Amor de
Deus, podem nos servir para, reerguendo­nos, deixarmos que Deus, pela Graça nos faça
melhores.

Também é a atitude dos que tem uma atitude contemplativa diante da vida e tudo leva
consigo, na grande ação de graças, como oferta a Deus. Assim, também aqueles momentos
que nos parecem mais para ser lamentados, do que agradecidos.

2. Tudo se cumpra no nome do Senhor

Ef 3, 17 indica a nuance ativa da vida contemplativa, isto é, não só o agradecimento por
tudo, mas também as ações que realizamos ao longo do dia. Da oração às atividades mais
comezinhas. Santa Teresa d’Ávila dizia no seu Livro das Fundações capítulo V, 7­8: 

“…Uma pessoa com quem falei há poucos dias. Havia quinze anos que a obediência a
trazia tão ocupada em ofícios e governos que, em todo este tempo, não se recorda de ter
tido um só dia para si … Bem lhe pagou o Senhor pois, sem saber como, achou­se com
aquela liberdade de espírito tão apreciada e desejada que têm os perfeitos e na qual
acham toda a felicidade que nesta vida se pode desejar. […] E não só esta pessoa, mas
outras ainda conheci a quem aconteceu da mesma sorte. Não as via há bastantes anos; e,
perguntando­lhes eu em que os haviam passado, me diziam que todos em ocupações de
obediência e caridade. Por outro lado, achava­as tão medradas em coisas espirituais que
me espantavam. Eia pois, filhas minhas! Não haja desconsolo quando a obediência vos
trouxer empregadas em coisas exteriores. Entendei que até mesmo na cozinha, entre as
caçarolas, anda o Senhor…”

É claro que devemos transcender o contexto... Retornando ao texto de Ef, Paulo quer indicar
o amor por Jesus, no qual tudo deve ser feito, e sói acontecer que quando se ama, sem se
perceber,  mimetiza­se a quem se ama. Mimetiza­se, não macaqueia­se... Aqui temos  de

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tomar cuidado com o ridículo. Trata­se de uma contemplação ativa, pois. 

3. Tudo se faça para a glória de Deus

1 Cor, 31, no seu contexto original dizia respeito à elevação dos coríntios da vida de antes
da conversão para a autenticidade cristã – a questão era da licitude ou não de se comer a
carne sacrificada aos ídolos, cuja sobra era vendida a preço baixo. Ora, se os ídolos são
nada, qual o problema? O escândalo aos pequenos. Liberdade de espírito e boa consciência
não pode ser utilizada sem nenhuma espécie de critério. Buscar a glória de Deus, indica em
primeiro   lugar,   nos   despirmos   de   nós   mesmos   e   de   nossos   costumes   em   benefício   dos
outros. Isto não se trata da dissimulação de Pedro, o que lhe valeu a correção de Paulo em
Antioquia.

Uma pequena reflexão sobre as redes sociais; sobre os lugares freqüentados; sobre vestes
utilizadas... Cada qual, seguindo o critério paulino, já tem excelentes motivos de exame de
consciência e, se for o caso, de metanóia...

4. A importância da reta intenção 

Basta   que   não   nos   turbemos,   nem   caiamos   em   escrúpulos   desnecessários,   mas   que
compreendamos a velha lição dada aos seminaristas de antigamente: “Deus vê!” Se tudo o
que   fizermos,   o   fizermos   com   tal   consciência   de   vivermos   diante   de   dEle,   estaremos
realizando um primeiro e fundamental sacrifício, seja de nós, seja da santificação das nossas
intenções. Isto tudo nada tem a ver com castração da vontade, ou repressão, como pensam
os   incapazes   de   enxergar   além   do   próprio   umbigo.   Sacrifício   é   tornar   algo   sacro,   é   a
dedicação, a oferta, o abrir mão por amor de Deus; em outras palavras, aquilo mesmo que o
autor de Hb aplica a Cristo: “Eis que venho, Senhor, com prazer faço a vossa vontade” (Hb
10, 5­7). Este é o sacrifício perfeito de Jesus. Seu sacrifício é vicário, mas inclusivo, isto é,
não dispensa o nosso unido ao dEle. 

O “fazei isto em memória de mim” da instituição da Eucaristia, pois, não significa somente o
rito a ser celebrado, mas também o viver o que ele significa. Se o sacrifício de Cristo, o
fazer a vontade do Pai desde a eternidade, coisa que se nos ficou patente pela Encarnação e
que se desenvolveu durante sua vida terrena, culmina com a Paixão, Cruz e Ressurreição,  o
nosso   não   pode   ser   diferente.   Este   é   o   sacrifício   agradável   a   Deus.   Isto   é   de   máxima
importância, para não cairmos no ritualismo vazio que fora tanto criticado pelos profetas,
quanto pelo próprio Cristo. O rito cristão tem de estar informado com a vida, deve ser
expressão da vida vivida em Deus.

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A devoção ao Sagrado Coração, corretamente compreendida, não ficará somente como uma
prática reservada às piedosas senhoras, mas algo que se adéqua a todo fiel cristão, uma vez
que é do coração que nascem as boas, as más intenções e ações.

Através desta prática piedosa e teológica, aprendamos a consagrar também nossa vontade e
intenções para que se tornem realidade e culto agradável ao Pai. Que o fazer a vontade do
Pai, seja nosso alimento também.

D. A oração

“Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no
qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos” (Ef 6, 18).

1. A oração e a súplica

A palavra grega  προσευχή e δεησις, são traduzidas em português com o mesmo significado
de oração. Entretanto não são exatamente sinonímicas. A primeira indica o nosso dirigir­se a
Deus e falar com Ele, como no caso dos Apóstolos com Maria no cenáculo (At 2, 42). São
todas as formas de oração, também as de súplica por algo, ou alguém. Assim em Rm 15, 30­
31 em que Paulo pede pra que lutem por ele nas orações ao dirigirem­se a Deus.

Mas e a outra palavra  δεησις? Traduzível por súplica, aparece no NT sempre associada ao
jejum. Provavelmente indica os momentos em que rezamos com mais intensidade. São as
múltiplas formas de se dirigir a Deus, uma vez que a nossa relação com Ele é tão simples
que   até   mesmo   palavras   são   supérfluas   neste   sentido   Nisto,   tinha   razão  Wittgenstein,
quando diz  “O que não se pode falar, deve­se calar”  10... Claro que aqui ele se refere a
impossibilidade da palavra humana dizer o indizível, mas este mesmo pode ser dito: é o
místico.

A palavra místico provém do adjetivo grego  μυστικός, relacionado com os verbos  muw


(fechar os olhos e a bôca para penetrar num mistério sem divulgá­lo) e muew (iniciar­se nos
mistérios);   e   com   os   substantivos  mustherion  (quase   sempre   plural:  mustheria  =   cultos
mistéricos; em sentido profano: segredo) e musthz (aquêle que é iniciado nos mistérios), daí
significar, mais ou menos “algo concernente aos mistérios”11. 

10
 WITTGENSTEIN, L., Tractatus logico­philosophicus. Trad. José Arthur Giannotti. São Paulo: 
Editora Nacional, 1968, p. 129.
11
  WULF, F. Mística.  In: FRIES, Heinrich.  Dicionário  de Teologia:  conceitos  fundamentais  da

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Indica, portanto, um estar na presença de Deus e nada precisar dizer... Os grandes místicos
relataram suas experiências, basta citar Teresa D’Ávila, São João da Cruz, São Francisco,
sem contudo nada dizer do indizível. O que diziam era mais de si, diante do indizível, não
do  indizível.   Entretanto  diziam.  Isto  tem uma   razão  profunda,   pois  Deus   habita  em  luz
inacessível. Todavia, falou pelos profetas e por fim por seu próprio Filho. Mas o nosso falar
de   Deus,   porque   Deus   disse   a   Si   mesmo   no  Verbo   Encarnado,   não   esgota   a   sua   super
eminência, a excedência de Deus, Uno e Trino. Doutro modo, não mais teríamos Deus, mas
um   produto   de   nossas   mãos,   isto   é,   um   ídolo.   Já   Santo   Agostinho,   no   século   V   havia
compreendido isto quando,  pregando ao seu povo, convidava­os  a quebrar os   ídolos do
coração, isto é, nossas pobres concepções humanas aplicadas a Deus 12   e mais ainda: “Si
comprehendis, non est Deus”13.
 
Tudo, portanto, que lemos dos místicos, do seu e do nosso falar, deve sempre primar pela
humildade, sob risco de idolatria...

2. A oração incessante

O que isto significa? Nosso Senhor já havia indicado a mesma atitude, pela sua própria.
Diante de grandes acontecimentos, durante sua Missão, ele se retirava para a oração ao Pai.
Embora não haja nos Evangelhos uma ordem direta como a exortação de Paulo, sua vida e a
oração que nos legou, dão já a importância do não deixar de rezar.   Além disso, deu tal
ordem pelas parábolas sobre o juiz injusto que atende viúva pela sua insistência e que é
comentado por  Santo Agostinho da seguinte forma:

«Senhor, diante de Vós está todo o meu desejo» (Sl 37,10). […] O teu desejo é a tua oração; se
o teu desejo for contínuo, a tua oração também será contínua. Não foi por acaso que o apóstolo
Paulo disse: «Orai sem cessar» (1Tes 5,17). Di­lo­á porque sem cessar nos ajoelhamos, nos
prostramos ou levantamos as mãos para Deus? Se dissermos que só nestas condições é que
oramos, não creio que o possamos fazer sem cessar.

Mas há uma outra oração, interior, que não cessa: é o desejo. Qualquer que seja a ocupação a
que te entregues, se desejares aquele repouso do sabbath de que falamos, rezarás sem cessar.
Se não quiseres deixar de orar, não deixes de desejar.

O teu desejo é contínuo? Então o teu grito será contínuo. Só te calarás se deixares de amar.

teologia atual. São Paulo: Loyola, 1970. p. 322 – 334.
12
 AGUSTÍN de Hipona, Sobre El Evangelio de San Juan, trad. 19, n. 1, (Obras completas, t. 13, 
1968, p. 431).
13
 Idem, Sermo 52, 16: PL 38, 360.

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Quem são os que se calaram? São aqueles de quem se diz: «E por se multiplicar a iniquidade,
resfriará a caridade da maioria» (Mt 24,12). A caridade que arrefece é o coração que se cala;
a caridade que arde é o coração que grita. Se a caridade subsistir sem cessar, gritarás sem
cessar; se gritares sem cessar, é porque continuas a desejar; se estiveres cheio deste desejo, é
porque pensas no repouso eterno.14
O  Relato do peregrino russo, ilustra a mesma coisa com a  oração de Jesus, repetida sem
parar no ritmo da respiração e do bater do coração, até que sincronizem­se a ponto da oração
tornar­se quase como que ambos: “Senhor Jesus, Filho de Deus, tende piedade de mim”.
Sobretudo entre os orientais. Seria como o velho, e ausente costume em muitos, das nossas
jaculatórias ao longo do dia.

São Paulo, ao insistir nisso, mostra uma necessidade nossa. Orar  é estar na presença de
Deus. Ora, se assim, é, como dizia Agostinho, rezar sempre é um desejar Deus sempre e
tudo fazendo na sua presença, sem muita preocupação pela literalidade...

3. Perseverança na oração

São Paulo continua  dizendo  que  devemos,  por  isso,  vigiar.  Mas  o que  vem  a  ser isso?
Realisticamente significa subtrair um tempo ao sono. Na antiguidade, devido a exiguidade
do tempo em razão dos trabalhos, era uma dedicação da parte da noite à oração. Ainda hoje,
com o advento da eletricidade, nossas noites são mais longas. Neste sentido, já vigiamos,
nem sempre nos dedicando à oração ou à meditação... Mas para além deste sentido literal, o
que aqui é indicado é o seu sentido espiritual, que vem a ser o “estar quieto”. Isto é, numa
atitude meditativa, contemplativa, tendo em primeiro lugar como objeto a Deus, depois nós
e a realidade que nos circunda. E aqui, todas as nossas atividades e inter­relacionamentos. É
um “matutar” tudo na presença de Deus e a partir dEle tudo joeirar, também sobre a mesma
oração.

Esta atitude vigilante nos ajuda na perseverança mesma da nossa vocação. Todo o real deve
aqui encontrar lugar, a começar por aquilo que deve ser a realidade suprema da existência
que é Deus mesmo, Principium sine principium não só da Divindade, mas também de toda a
nossa história. Nos At lemos que eles perseveravam na oração (At 2, 42). E os inícios da
vida da Igreja era tudo, menos uma realidade tranqüila; mas o contrário disso seria ainda
dizer pouco. É quase impossível querer descrever o estado de ânimo dos discípulos, mesmo
tendo com eles a doce e confiante presença da Virgem. Em vários momentos, também nós
experimentamos turbulências na vida e mesmo a certeza do auxílio divino não é capaz de
nos sossegar. Todavia, não nos esqueçamos que a vida cristã é uma constante luta. No Horto

 Idem, Discursos sobre os salmos, Sl 37, 14.
14

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das   Oliveiras,   também   contemplamos   o   Homem­Deus­Homem   padecer   e   agonizar.   A
palavra  αγωνία significa justamente luta ou combate. Donde a oração perseverante deve
ser assim assumida, com ânimo corajoso, constante... A razão disto está também no fato de
que   somente   em  Deus   é  possível   manter   tal  combate   e   fidelidade   ao  que   nos   chama   o
mesmo   Deus.   Na   Hora   da   Agonia,   é   justamente   esta   exortação   que   nos   faz   o   Senhor:
“Vigiai e orai”... e imediatamente depois, dá o motivo “para que não entreis em tentação”...
Quando fala da fraqueza da carne, é a isto que se refere o Senhor (Cfr. Mt 26, 41).

4. A oração no Espírito.

Ef 6, 18: “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo
Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos.

Isto merece uma maior atenção. É a característica da oração cristã. É o que deseja Deus,
como expresso pelo Senhor no encontro com a Samaritana (Jo 4, 23).

É   o   orar   na   verdade,   no   plano   divino   da   salvação,   diante   do   Pai,   por   Jesus   Cristo,   no
Espírito. Não é uma oração que prescinda de tempos e formas, mas um estar “no” Espírito.
Isto é uma experiência, não de algo que se possa descrever ou ser ensinado.

Rm 8, 23­26 pode nos ajudar: “Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que
dores de parto até o presente dia. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do
Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo.
Porque   pela   esperança   é   que   fomos   salvos.   Ora,   ver   o   objeto   da   esperança   já   não   é
esperança; porque o que alguém vê, como é que ainda o espera? Nós que esperamos o que
não vemos, é em paciência que o aguardamos. Outrossim, o Espírito vem em auxílio à
nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o
Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis”.

Estamos numa situação de já salvos, mas ainda esperamos... O Espírito nos faz sentir filhos,
mas ao mesmo tempo nos põe em movimento crescente rumo  à plenitude desta mesma
filiação, pois nos faz também experimentar sua incompletude neste tempo, isto é, ela ainda
não está plenamente realizada. É uma condição plena prometida, mas já iniciada... Todos os
nossos legítimos desejos, outra coisa não é senão a aspiração do Reino de Deus. A oração
para Missa com crianças III, de uma forma singela exprime isto: “Jesus agora vive junto de
vós,  ó Pai,  mas  ao mesmo tempo ele está aqui conosco.  No fim  do mundo ele  voltará
vitorioso: no seu Reino ninguém mais vai sofrer, ninguém mais vai chorar, ninguém mais
vai ficar triste”.

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Mas como rezamos? Em primeiro lugar, os desejos legítimos nem sempre são adequados a
todos   e   da   mesma   maneira.   Nem   isto   sabemos   pedir   direito!   Tantas   vezes   desejamos,
pedimos   o   que   não   nos   convém   ao   nosso   estado   de   vida,   mesmo   sendo   algo   bom   e
legítimo... Aqui deve entrar a consciência da nossa fraqueza e o recurso à ação do Espírito e
da verdade, isto é, nos colocarmos no interior da economia divina; deixarmos que seja o
Espírito Santo a pedir aquilo que nos é útil à consecução da realização da verdade da nossa
existência que só se pode dar no interior do dinamismo desta mesma Divina Economia.
Entregar­se à ação do Espírito, deixar que Ele reze em nós e por nós, tantas vezes é se
surpreender e se assustar ao tomar consciência de que rezamos contra nós mesmos, isto é,
contra nossa humana vontade enfraquecida pelo pecado. Contemplemos uma vez mais o
Senhor no Horto... O que Ele pede? O que quer de Deus por três vezes? Como se rende a
Deus?   Como   Deus   o   responde?...   A   resposta   a   estas   perguntas   podem   nos   indicar   o
significado do “fiat voluntas tua”, tantas vezes recitado, mas nem sempre interiorizado...

O auxílio que nos presta o Espírito é o nos adequar à vontade divina. É nos “tomar pela
mão” e nos fazer trilhar o caminho mesmo do Senhor. Não nos esqueçamos que Jesus era
sempre conduzido pelo Espírito. Do mesmo modo nos quer conduzir o Espírito nos unindo a
Ele e Ele, na Glória continua sua intercessão por nós. O faz com o Espírito adequando o
nosso   querer   e   o   nosso   agir,   tendo   em   vista   a   nossa   plena   realização.   É   uma   oração
purificante e transformante! Nossa oração deve ser sincera diante de Deus, mesmo quando
pedimos   o   que   não   devemos   pedir,   mesmo   quando   desejamos   o   que   não   deveríamos...
Abramo­nos sempre à ação do Espírito e permitamos que Ele venha em nosso socorro...

Conclusão
Oração e santidade

A nossa vida participa na grande luta de Cristo e da Igreja. Diante da peleja nos sentimos
frágeis, por isso devemos nos fortificar e nos armar:

Em   primeiro   lugar   com   a   “clareza”   com   relação   ao   Plano   Divino,   para   o   qual   fomos
chamados   a   combater  desde   a   eternidade,   colaborando  com  a   recapitulação  de   todas   as
coisas em Cristo.

Em segundo lugar, com a humildade, isto é, sabendo­nos agraciados por Deus, usar também

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de misericórdia com os demais.

Terceiro, com a paz do coração; paz entre nós para sermos sinal de reconciliação no mundo.

Quarto, com a adesão de fé, pessoal a Deus, nos mistérios do Credo; com olhar de fé sobre
todas as coisas e pessoas que estão sob o olhar de Deus, entregando­nos à sua ação salvífica,
expostos à espada do Espírito que  é a Palavra de Deus.

Quinto,   com  reta   intenção  consagrando   toda   nossa   ação  em   união  com   o  Sacrifício   de
Cristo.

Sexto, com a incessante oração no Espírito.

Sem  tal  constante  combate,   a  Igreja   não  seria   mais  ela  mesma.   É  tempo de  luta     e  de
revestir­mo­nos da armadura da fé.

Rezar, pois por todos os santos, que não são os do Céu, mas todos os cristãos que combatem
e lutam dispersos pelo mundo.

A nossa oração deve ser apostólica, isto é, deve incluir todos e todas as suas necessidades
inserindo   tudo   no   “coração”   do   Pai,   por   Cristo,   no   Espírito.   Um  bom  exemplo,   vamos
encontrar na justamente denominada “Oração Universal” da Sexta Feira Santa. Ali, de fato,
rezamos por todos, pedindo a Deus que o fruto da Bendita Paixão possa a todos alcançar e
produzir seus frutos.

Rezar em nome de Cristo, isto é, rezar como Ele mesmo rezou e por quem morreu. É fato de
fé que o fez por todos os Homens, os de antes e os de depois dEle. Se lhes chega a salvação
ou não, são daquelas coisas escondidas, que não nos é dado saber... Não sabemos se será
completada nem mesmo em nós!

São Paulo, tinha consciência disso e não dispensava a oração dos demais; chegava mesmo a
pedi­la.  E assim termino, citando­o e recomendando­me também:

“E  orai também por mim, para que me seja dado anunciar corajosamente o mistério do
Evangelho,  do   qual   eu   sou   embaixador,   prisioneiro.   E   que   eu   saiba   apregoá­lo
publicamente, e com desassombro, como é meu dever!” (Ef 6, 19­20).

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