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Previdência no Brasil

debates, dilemas e escolhas

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Governo Federal
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Ministro – Paulo Bernardo Silva
Secretário-Executivo – João Bernardo de Azevedo Bringel

Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento,


Orçamento e Gestão, o Ipea fornece suporte técnico e
institucional às ações governamentais – possibilitando a
formulação de inúmeras políticas públicas e de programas de
desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade,
pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

Presidente
Luiz Henrique Proença Soares

Diretoria
Alexandre de Ávila Gomide
Anna Maria T. Medeiros Peliano
Cinara Maria Fonseca de Lima
João Alberto De Negri
Marcelo Piancastelli de Siqueira
Paulo Mansur Levy

Chefe de Gabinete
Persio Marco Antonio Davison

Assessor-Chefe de Comunicação
Murilo Lôbo

URL: http://www.ipea.gov.br

Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

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Previdência no Brasil
debates, dilemas e escolhas

Paulo Tafner
Fabio Giambiagi ORGANIZADORES

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© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2007

Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas/Paulo Tafner, Fabio Giambiagi,


organizadores. – Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

458 p.: diagr., gráfs., mapas, tabs.

1. Seguridade Social 2. Reforma Social 3. Sistemas de Previdência Social 4.


Brasil. I. Tafner, Paulo Sérgio Braga II. Giambiagi, Fabio III. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada.

ISBN - 978-85-86170-94-2 CDD 368.4

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira


responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o
ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou o do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde


que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.

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APRESENTAÇÃO

É com grande prazer que o Ipea presenteia o público com o livro Previdência no
Brasil: debates, dilemas e escolhas, uma coletânea de artigos de pesquisadores da
casa e de outras instituições. O livro oferece diversas dimensões da vida econômica
e social que afetam ou são afetadas pelo sistema previdenciário brasileiro. A proposta é,
basicamente, refletir sobre os temas atuais que coabitam com a questão da previdência
social e, a partir daí, propor políticas futuras para mudanças e aprimoramentos.
Ao longo dos últimos anos, em muitos países desenvolvidos, houve necessidade
de reformas dos sistemas previdenciários. O alargamento do papel do Estado no
pós-guerra trouxe, entre tantas ações promovidas pelo welfare state, a expansão
dos benefícios previdenciários. No entanto, o desenho inicial desses sistemas não
mais acompanhou as diversas mudanças ocorridas nas sociedades, implicando seu
colapso com crescentes despesas e, em alguns casos, elevados déficits. Mas isso
não foi privilégio dos países ricos. Mesmo países em desenvolvimento, com popu-
lação jovem, também passaram a apresentar sintomas de estresse fiscal, exigindo
que reformas fossem realizadas.
Entre vários fatores que contribuíram para esse colapso, destacam-se as pro-
fundas mudanças demográficas e no mercado de trabalho, com destaque para a
crescente inserção da força de trabalho feminina, o novo padrão de emprego e,
para economias menos desenvolvidas como a brasileira, o padrão da informalidade.
Essas mudanças foram decisivas para a sustentabilidade dos sistemas previdenciários
e formaram as forças motrizes das reformas. A participação da população idosa no
total da população cresceu ininterruptamente, atingindo patamares próximos de
20%, com evidentes impactos financeiros. Mesmo com prosperidade econômica, as
receitas passaram a não cobrir mais os gastos com benefícios, exigindo parcelas
crescentes dos orçamentos públicos. A política de bem-estar foi colocada em xeque
e ajustes tornaram-se necessários.
A busca por soluções tornou-se premente e novos desenhos institucionais
foram experimentados. Alguns países optaram por ajustes nos parâmetros dos
sistemas, podendo ser mais ou menos severos, enquanto outros elegeram mudanças
estruturais. Há bons argumentos para as duas opções, cabendo a cada país moldar

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seu sistema segundo as vantagens e limitações específicas. Uma coisa, porém, é
certa: qualquer que seja a preferência, é necessário que os sistemas de previdência
busquem seu equilíbrio financeiro e econômico.
A necessidade de reformas passou a existir na agenda político-econômica
dos países e o Brasil não ficou de fora. Muito embora já tenha passado por duas
reformas desde a Constituição de 1988, o sistema brasileiro continua com graves
desequilíbrios financeiros, mesmo tendo ainda parcela reduzida de população idosa.
Essa limitação vem se agravando continuamente e representa, hoje, verdadeiro
sorvedouro de recursos públicos, limitando a capacidade de investimento do Estado
brasileiro e exigindo elevada carga tributária. O crescimento do déficit
previdenciário e seu conseqüente impacto na estrutura econômica e social têm
motivado especialistas a buscarem alternativas de mudanças.
Essa preocupação ultrapassou os limites da academia e dos centros de
pesquisa e hoje já mobiliza as autoridades da área previdenciária. A criação pelo
governo federal do Fórum Nacional da Previdência Social, no âmbito do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), é um exemplo salutar da busca de aprimo-
ramentos de nosso sistema, de modo a torná-lo estruturalmente equilibrado e
sustentável. Mas sabemos também – e esta publicação detalha esse conhecimento
– que sistemas de previdência não têm uma forma final, pois estão sujeitos a
variações demográficas, do mercado de trabalho, do desempenho da economia. O
caminho aqui proposto é indicar, de forma objetiva e clara, ajustes que nos permitam
perenizar o sistema brasileiro de previdência, garantindo as conquistas realizadas,
mas dotando-o de vigor financeiro e atuarial.

Luiz Henrique Proença Soares


Presidente do Ipea

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AGRADECIMENTOS

O livro Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas é uma obra elaborada a


partir da cooperação e dedicação de várias pessoas. Escrito por inúmeras mãos,
cumpre a difícil função de aprofundar e orientar o debate sobre uma questão tão
cara em nossa sociedade atualmente: a previdência social.
Aqui estão presentes contribuições valiosas para uma discussão mais ampla
sobre as mudanças pelas quais passa essa instituição, sem, no entanto, se ater a um
discurso militante. A finalidade deste projeto não é convencer o público de que
aqui se encontram as únicas soluções para o problema. Acreditamos que, além das
visões apresentadas nesta edição, existem outras tão importantes quanto a nossa e
que, uma vez reunidas, serão de grande valor para a nossa sociedade.
Nossa intenção, antes de tudo, é fazer com que as idéias expostas neste trabalho
se tornem instrumentos importantes para um aprofundado debate, e que este
debate, por sua vez, permita a formulação de políticas públicas que visem corrigir
as distorções dessa grave questão social. Confiamos que, finalizada a leitura, con-
quistaremos o leitor, mesmo o mais leigo, para que seja capaz de elaborar por si só
uma reflexão bastante atual sobre o sistema de previdência social.
Comprometidos com essa missão estão os esforços de dedicados técnicos do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), assim como dos pesquisadores
de diversas instituições externas que não hesitaram um só momento em participar
deste laborioso projeto.
Agradecemos aos autores Sérgio Guimarães Ferreira, Ana Amélia Camarano,
Solange Kanso, Milko Matijascic, José Cechin, Andrei Domingues Cechin, José
Márcio Camargo, Maurício Cortez Reis, Marcelo Neri, Mônica Mora, Ricardo
Varsano, Rodrigo Leandro de Moura e Jaime de Jesus Filho.
Agradecemos também a Isabela Estermínio de Melo, que contribuiu para a
elaboração de gráficos e tabelas que constam neste trabalho, e a Felipe Pinheiro e
Marcelo de Sales Pessoa pela participação na preparação inicial dos trabalhos.
Carolina Botelho M. da C. Giglio foi fundamental na fase final do trabalho,
lendo e conferindo inúmeras vezes os originais de modo a facilitar o trabalho da
equipe editorial.

agradecimentos.pmd 7 23/3/2007, 15:51


Somos gratos ainda à equipe do Editorial do Ipea-RJ, composta por Roberto
das Chagas Campos, Camila Guimarães Simas (que também assina a capa), Carlos
Henrique Santos Vianna, Leandro Daniel Ingelmo, Lúcia Duarte Moreira,
Alejandro Sainz de Vicuña, Tamara Sender, Elisabete de Carvalho Soares, Míriam
Nunes da Fonseca, Eliezer Moreira e comandada por Marcos Hecksher, responsá-
vel pelo trabalho de edição, revisão, diagramação e editoração desta obra.
Antonio Semeraro Rito Cardoso e Ângela Moura nos forneceram apoio
operacional e administrativo.
Somos também muito gratos a Maria Tereza de Marsillac Pasinato, Juliana
Leitão e Mello e Marcos Eugênio da Silva, que leram e comentaram alguns dos
capítulos presentes.
Finalmente, nossos sinceros agradecimentos ao presidente do Ipea, Luiz
Henrique Proença Soares, e ao diretor de Estudos Macroeconômicos, Paulo Mansur
Levy, pela preciosa contribuição para que este projeto alcançasse êxito.

Paulo Tafner
Fabio Giambiagi
Organizadores

agradecimentos.pmd 8 23/3/2007, 15:51


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11
Paulo Tafner e Fabio Giambiagi

PARTE 1
O CONTEXTO DO DEBATE SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL
CAPÍTULO 1
SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 29
Paulo Tafner
CAPÍTULO 2
SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO
MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 65
Sergio Guimarães Ferreira
CAPÍTULO 3
DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E
IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 95
Ana Amélia Camarano e Solange Kanso

PARTE 2
DISCUTINDO REGIMES E REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS
CAPÍTULO 4
SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES
INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 141
Sergio Guimarães Ferreira
CAPÍTULO 5
REFORMA DA PREVIDÊNCIA NOS PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 185
Milko Matijascic

PARTE 3
ELEMENTOS QUE JUSTIFICAM A NECESSIDADE DE REFORMA DO SISTEMA
PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL
CAPÍTULO 6
DESEQUILÍBRIOS: CAUSAS E SOLUÇÕES 219
José Cechin e Andrei Domingues Cechin
CAPÍTULO 7
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL:
INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 263
José Márcio Camargo e Maurício Cortez Reis

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PARTE 4
PARÂMETROS PARA REFORMA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL
CAPÍTULO 8
INFORMALIDADE 285
Marcelo Neri
CAPÍTULO 9
FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 321
Ricardo Varsano e Mônica Mora
CAPÍTULO 10
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA
DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO:
UMA ABORDAGEM SEMIPARAMÉTRICA 349
Rodrigo Leandro de Moura, Paulo Tafner e Jaime de Jesus Filho
CAPÍTULO 11
SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA
PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA
SOB MUDANÇAS NAS REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 401
Paulo Tafner
CAPÍTULO 12
ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SISTEMA 441
Paulo Tafner e Fabio Giambiagi

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INTRODUÇÃO

Paulo Tafner*
Fabio Giambiagi**

Em praticamente todos os países, os sistemas previdenciários passaram a sofrer


pressões por reformas a partir das décadas finais do século passado. Essas pressões
refletem as profundas mudanças que ocorreram nas relações econômicas e sociais.
As manifestações visíveis dessas dificuldades estruturais são primariamente ex-
pressas em termos de crescentes déficits dos sistemas previdenciários.
As reformas começaram na década de 1970 nos países desenvolvidos e, na
grande maioria dos casos, o processo de ajustamento se estendeu por todo o período
desde então, chegando até o presente. Na América Latina, o processo de reforma
se concentrou na década de 1990, mas de forma pioneira e inovadora, o Chile, em
1981, fez uma reforma radical de seu sistema previdenciário, transferindo-o ao
setor privado.
Como outros exemplos ilustrativos, podem ser citados: a Bélgica, que em
1972 eliminou a indexação de benefícios e em 1992 promoveu ajustamentos nas
taxas de reposição; a Alemanha, que promoveu uma primeira reforma em 1972,
com subseqüentes modificações nas décadas de 1980 e 1990, entre as quais a
equiparação das idades de aposentadorias de homens e mulheres buscando reduzir o
custo de seu sistema, uma vez que em 1993 este atingiu perigosos 10,3% do
produto;1 a França, que fez uma grande reforma em 1983, já estando em curso
nova rodada de reformas, tendo em vista fatores demográficos e de desempenho
do mercado de trabalho;2 a Itália, que promoveu uma reforma em 1992, visando
adiar a data de aposentadoria dos trabalhadores;3 e o Japão, cuja reforma de 1994
foi motivada fortemente pelo componente demográfico. O caso do Japão é muito

* Coordenador de Estudos de Previdência da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.


** Coordenador do Grupo de Acompanhamento de Conjuntura da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea. Cedido pelo BNDES.
1. Note-se que, no caso da Alemanha, devido ao processo de unificação na década de 1990, ainda está em andamento o ajuste de dois
sistemas diferentes, o que tem levado vários analistas a preverem nova rodada de reformas para breve (BÖRSCH-SUPAN, 1997; FITZENBERGER
et al., 1995).
2. Ver, a respeito, Blanchet e Marioni (1996), Dangerfield (1994) e Marchand e Thélot (1991).
3. Deve-se destacar que a Itália, já em 1990, apresentava grave desequilíbrio demográfico: o número de crianças por mulher era apenas
de 1,3 e a expectativa de vida ao nascer era de 73,6 anos para homens e 80,2 para mulheres. Esses números agravaram-se ainda mais
e eram, em 1995, respectivamente, 1,18, 75,3 e 81,7. Ver, a respeito, Livi Bacci (1995).

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12 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

interessante porque seu sistema de previdência adquiriu o formato vigente (antes


da reforma) em 1961 e sobreviveu sem reformas por mais de 30 anos. Nesse mesmo
período, as pressões demográficas foram devastadoras: a taxa de fertilidade caiu de
2,8 em 1965 para 1,4 em 1996; a taxa de dependência (proporção de habitantes
de 65 anos somada à proporção de habitantes com idade entre 20 e 65 anos)
saltou de 0,10 em 1940 para 0,24 em 1995. O resultado foi que os gastos subiram
de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1961 para 14,1% em 1996.4
Também os casos da Suécia, do Canadá e da Espanha são exemplos do pro-
gressivo processo de reforma de seus sistemas, e em especial a Suécia e a Espanha
são modelos distintivos. A Suécia foi o primeiro país a ter um sistema de cobertura
universal desvinculado da ocupação. Já a partir da segunda década do século pas-
sado dispunha de um sistema universalizado. Passou por progressivas reformas
em 1935, 1946 e 1976. Dada a preocupante dimensão nas contas públicas que a
previdência assumiu, comprometendo 20% do PIB em 1994, nesse mesmo ano o
país empreendeu nova reforma de seu sistema, implementada a partir de 1998,
reduzindo a taxa de reposição, estabelecendo penalidades no caso de aposentadorias
antecipadas para as coortes nascidas a partir de 1938 (ver ARONSSON; WALKER,
1997; WADENSJO, 1996)5 e pondo em prática um sistema “quase capitalizado”
(ver capítulo 4). A Espanha, em 1900, estabelece o seguro social obrigatório para
trabalhadores do setor público e, somente em 1919, cria o sistema de previdência
para trabalhadores com baixa renda. A partir de 1939 o sistema se expande e se
universaliza, mas apenas em 1950 adquire características de universalização, com
os contornos formais que o definiram até as reformas mais recentes. A primeira
delas ocorre em 1963, ajustando limites de contribuição por categoria profissional,
propondo a criação de fundos específicos dos planos de previdência e a eliminação
de limites de renda para participação no sistema. Novas reformas ocorreram em
1977, 1985 e, com o crescimento da participação dos gastos de previdência (11,5%
do PIB em 1994) e em função das transformações demográficas (expectativa de
vida passou de 69,9 em 1960 para 76,9 em 1991), nova reforma foi realizada em
1997.6
Canadá e Reino Unido são sistemas com peculiaridades interessantes. No
Canadá a pressão por reformas iniciou-se apenas nos anos finais do século XX,
pois seus gastos com previdência, que representavam apenas 2,0% de seu produto

4. Ver, a respeito, Yashiro e Oshio (1999), Takayama (1992) e Yashiro (1997).


5. A Suécia, a Itália e a Polônia são casos inovadores pela introdução de um sistema baseado na capitalização nocional. Ver detalhes no
capítulo 4.

6. Para maiores detalhes, ver Barea (1995), Fernández Cordón (1996), Herce et al. (1996) e Piñera e Weisntein (1996).

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INTRODUÇÃO 13

em 1970, saltaram para 5,3% em 1995, com tendência ascendente,7 percentual


reduzido se comparado aos demais países desenvolvidos. O caso do Reino Unido
é distintivo porque o sistema público sempre foi limitado, cabendo aos fundos
privados praticamente metade da cobertura de previdência.
Na América Latina, as reformas começaram na década de 1980 e, desde
então, mais de uma dezena de países passou por reformas de seus sistemas. O
processo foi iniciado com o Chile, em 1981,8 e se concentrou fortemente na década
de 1990: Peru (1993), Colômbia (1994), Argentina (1994), Uruguai (1996), Bolívia
(1997), México (1997), Brasil (1998 e 2003), El Salvador (1998), Nicarágua (2001)
e Costa Rica (2001).
A onda reformista que varreu a América Latina variou em termos de formas
de implementação, desenho do sistema, intensidade, e mesmo sistemas políticos
sob os quais foram feitas as reformas. Teve, entretanto, uma característica em
comum: em maior ou menor grau visou equilibrar sistemas públicos e abrir espaço
para atuação da iniciativa privada (ver capítulo 5). É importante lembrar que isso
é um traço distintivo e pioneiro das reformas na América Latina. Distintivo porque
as reformas foram feitas muito antes de esses países terem completado o que se
convencionou chamar de transição demográfica,9 que, como será visto, constitui-se
em um dos maiores motivadores das reformas implementadas nos países desen-
volvidos; pioneiro porque na América Latina transitou-se de sistemas estatais regidos
pelo princípio de repartição para sistemas privados e compulsórios de poupança
regidos pelo princípio de capitalização.
Por sua disseminação e amplitude, as reformas da América Latina ensejaram
um caloroso debate acerca do papel do Estado enquanto provedor de seguro. O
fato de o Chile ditatorial ser o primeiro país a promover a reforma de seu sistema
em moldes bastante liberais motivou debate igualmente caloroso acerca das con-
dições políticas para implantação de reformas chamadas de estruturais, que redu-
ziram fortemente o papel do Estado e transferiram para o setor privado o papel
proeminente dos sistemas previdenciários.10 Argumentou-se ainda que o processo
de reforma que assolou a América Latina envolvia mecanismos internacionais de

7. Ver, a respeito, Baker e Benjamin (1996) e Burtless e Moffitt (1986).


8. O caso brasileiro apresenta uma história muito interessante de progressiva extensão de benefícios até a universalização definida na
Constituição de 1988. Sobre essas reformas, ver, entre outros, Coelho (2003), Esping-Andersen (2003), Mesa-Lago (1994, 1996, 1997,
2003), Ensignia e Diaz (1997), Holzmann, (1997); Lacey (1996); Madrid (1999); Matijascic (2002); Queisser (1995); Remmer (1998);
Smith, Acuña e Gamarra (1994).

9. Detalhes sobre aspectos demográficos poderão ser vistos no capítulo 3.


10. Há farta literatura sobre isso. Ver, a respeito, entre outros, Brooks (1998), Kay (1999), Mesa-Lago (1999), Muller (2000) e Huber e
Stephens (2000). Orenstein (2000) e Muller (1999) analisam países do Leste Europeu. Discussão detalhada é encontrada no capítulo 5.

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14 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

transmissão de idéias, sobretudo aquelas de cunho neoliberal, amplamente apoiadas


nas instituições multilaterais, ainda que a reforma chilena tenha ocorrido mais de
uma década antes do principal documento proponente de reformas.11
Mas por que os sistemas previdenciários estão em xeque mundo afora? Basi-
camente por três razões: primeiro, porque algumas variáveis que determinam o
equilíbrio dos sistemas estão sofrendo alterações que caminham no sentido de
reduzir o período de contribuição e/ou aumentar o tempo de recebimento de
benefícios. Segundo, porque essas variáveis (ligadas principalmente a mudanças
demográficas e do mercado de trabalho) são, em sua grande maioria, determinadas
fora do sistema de previdência e são, em geral, variáveis de resultado, ou seja,
variáveis sobre as quais pouco se pode fazer diretamente, ainda que isso seja possível
e necessário. Terceiro, porque a estrutura de incentivos dos sistemas previdenciários
age no sentido de reforçar os efeitos desestabilizadores de variáveis externas. Essa
estrutura é regulada por normas legais que, com freqüência, são rígidas (no caso
brasileiro, mas não apenas nele, elas são constitucionais), o que limita, e algumas
vezes praticamente impede, que ajustamentos dos sistemas previdenciários sejam
feitos com a velocidade adequada, com conseqüências negativas sobre sua
sustentabilidade.
O ponto inicial para se compreender a questão das reformas é entender, pelo
menos em linhas gerais, os sistemas de previdência. Se no passado mais remoto do
século XVIII os infortúnios associados ao mundo laboral, como o acidente de
trabalho, a invalidez, a perda de capacidade de trabalho decorrente da velhice e
mesmo a morte prematura do arrimo, eram questões privadas e condenavam a
família à miséria e à degradação, aos poucos formou-se o entendimento de que
essas questões transcendiam a esfera privada. Desse entendimento decorre a idéia
de que os custos do infortúnio e da perda de capacidade laboral poderiam e deveriam
ser mitigados pelo conjunto da sociedade – ou pelo menos pelo conjunto daqueles
que estavam diretamente envolvidos na atividade laboral, ou estivessem mais ex-
postos a riscos. É essa, aliás, a forma como nascem os primeiros sistemas de cober-
tura previdenciária: planos de cobertura de eventos restritos a apenas algumas – e
às vezes apenas uma – categorias profissionais.12

11. Ver, a respeito, Stallings (1994), Lo Vuollo (1996) e World Bank (1994).
12. A idéia de um seguro contra a depreciação permanente do capital humano é anterior ao modelo alemão e remete às sociedades de
assistência mútua organizadas por guildas na própria Alemanha, antes de Bismarck. Também na França napoleônica bancos forneciam
seguro contra invalidez subsidiado pelo Estado. O que distinguia o caso alemão pós-Bismarck de mecanismos de proteção predecessores
era sua natureza compulsória e contributiva, estruturada sob a forma de sistema gerenciado e suportado pelo Estado.

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INTRODUÇÃO 15

Por suas características, a organização desses sistemas foi, desde seu início,
na Alemanha, em 1889, a partir de iniciativa do chanceler Otto von Bismarck,13
fundada sob a forma e a técnica de seguros, baseada em contribuições compulsórias
de trabalhadores (segurados) e de patrões. Os segurados que porventura fossem
atingidos pelos infortúnios do destino ou que perdessem sua capacidade laboral
por velhice (na Alemanha, a partir de 70 anos de idade) passavam a usufruir de
benefícios – normalmente reposição de uma fração de sua renda quando em ativi-
dade – em dinheiro, razão pela qual, nessas situações, passavam a ser chamados de
beneficiários.14
Ao fundar um sistema de seguro social sob controle, gerenciamento e operação
do Estado e estruturado com base em contribuições de trabalhadores e de seus
patrões, o Estado moderno trouxe para si o risco implícito associado a esse sistema.
Entenda-se risco implícito aquele associado ao desequilíbrio entre o montante
esperado de contribuições e o montante esperado de pagamentos (benefícios).
Esses riscos decorrem de alteração das variáveis que em geral não estão sob controle
dos sistemas de previdência e muitas vezes não estão sequer sob controle direto do
Estado. A mais evidente dessas variáveis é a mudança da estrutura demográfica,
mas existem outras, como as condições macroeconômicas e, em especial, aquelas
ligadas ao mercado de trabalho. O primeiro tipo de desequilíbrio – o demográfico –
tem sido, em geral, a mola propulsora das reformas dos países desenvolvidos, mas
não apenas deles.
Outra característica dos modelos de previdência que foram estabelecidos na
maioria dos países ao longo de todo o século XX é que foram estruturados num
sistema de repartição,15 o que implica que ele funciona como mecanismo de trans-
ferência e redistribuição de renda, com inexoráveis conflitos distributivos de duas
naturezas distintas: a) conflitos distributivos intrageracionais, ou seja, que existem
entre indivíduos de uma mesma geração, por exemplo, entre homens e mulheres,
pobres e ricos, entre indivíduos mais e menos escolarizados, entre pessoas saudáveis
e pessoas doentes, pessoas que trabalham e pessoas que não trabalham, pessoas
que poupam e pessoas que não poupam etc.; e b) conflitos distributivos
intergeracionais, aqueles entre jovens e velhos que disputam entre si os recursos e
os custos de transferências. Mais modernamente, aliás, tem sido reconhecido – e

13. Essa é a lógica que regeu a consolidação do seguro social implementada pelo chanceler Bismarck na Alemanha a partir de 1883 e
que deu origem a praticamente todos os planos de previdência do mundo até nossos dias.

14. Sistema alternativo financiado por impostos gerais destinados a garantir renda mínima vitalícia para idosos pobres foi instituído na
Dinamarca (1891), na Nova Zelândia (1898), na Austrália (1908) e na Inglaterra (1908).

15. Ver detalhes no capítulo 2. Em síntese, modelos de repartição envolvem redistribuições entre gerações, em favor das gerações mais
velhas, pela dissociação em termos de valor presente entre financiamento e benefício.

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16 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

corretamente reconhecido – que o conflito intergeracional envolve também indi-


víduos que ainda não nasceram.16
É importante notar que a sociedade, através de mecanismos de escolha pú-
blica, define o grau e a forma da distribuição de recursos quando elege um parti-
cular sistema de previdência. Ocorre que, uma vez tomada a decisão inicial, ela
“vale para sempre” ou, mais precisamente, até que uma “reforma” seja feita. Em
geral, a iniciativa de estabelecimento de sistemas de previdência ocorreu com
envolvimento e deliberação de apenas uma geração, aquela dos que já se aposentaram,
fazendo com que as gerações mais novas arcassem com a maior parcela de custos.
Isso porque a geração mais jovem ou não estava apta a participar politicamente da
decisão ou simplesmente sequer havia nascido.
É certo também que, se alguns efeitos decorrentes dessas escolhas são previsíveis
e, nessa medida, refletem preferências e escolhas deliberadas, outros não o são.
Como afirmam Gillion et al. (2000, p. 13): “Some effects of social security, however,
may be undesired, due either to inherent trade-offs in the design of systems or to
consequences unanticipated when systems were designed”.
Mas há um quase consenso de que o desenho institucional que define os
sistemas de previdência tem peso crucial em seu desempenho. É ele, portanto, que
deve ser reformado e aprimorado através das reformas, até porque as outras variáveis
que o afetam, como a demografia e o crescimento econômico, não são controláveis.
Enquanto as economias se desenvolviam em ritmo forte no pós-guerra e a
população que crescia era jovem e economicamente ativa, os sistemas permitiram
forte transferência líquida de renda para as gerações mais velhas, sem que houvesse
graves desequilíbrios. Essa transferência líquida num ambiente de prolongado
crescimento econômico pôde propiciar alto padrão de vida aos aposentados. Esse
é o caso dos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), dos Estados Unidos e do Canadá, cujos aposentados desfrutam
de elevado nível de bem-estar. A conjugação de sistemas generosos de previdência
com pressão política exercida por grupos sociais organizados, especialmente no
campo trabalhista, fez com que até mesmo trabalhadores com baixa qualificação e
produtividade pudessem auferir benefício previdenciário de elevado valor.17
Mas quando o fator demográfico age no sentido de elevar a participação
relativa dos idosos e a concorrência internacional define um padrão competitivo

16. Ver, por exemplo, Rangel e Zeckhauser (2001), Bohn (2001) e Campbell et al. (2001).
17. Ver, a respeito, Myles (2002).

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INTRODUÇÃO 17

com desemprego estrutural mais elevado, o sistema apresenta dificuldades de fi-


nanciamento e de sustentabilidade, passando a exigir reformas.
O caso brasileiro não foge a esse padrão. Ao longo do século XX expandiu
cobertura e benefícios, fez duas reformas em apenas cinco anos e está na iminência
de uma terceira reforma. O que há de especial em nosso caso é: a) sua dimensão,
seja em termos de número de contribuintes – aproximadamente 32 milhões de
contribuintes para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) –, seja de novos
benefícios concedidos – em 2005, 3.966.724 (ver MPAS, 2006) –, seja ainda em
termos de volume de recursos arrecadados e/ou transferidos – em 2005, R$ 108,2
bilhões de arrecadação líquida (5,58% do PIB) e R$ 146,0 bilhões de benefícios do
RGPS (7,54% do PIB) (ver MPAS, 2006) –, constituindo-se mesmo em um gigan-
tesco e muitas vezes ineficiente programa de redução de pobreza (ver capítulos 10
e 11); b) o sistema de previdência no Brasil tem sido um severo elemento de
restrição fiscal, atingindo déficits da ordem de 5% do PIB, marca que coloca o
país no grupo dos maiores déficits previdenciários do mundo;18 e c) nossa previ-
dência está ligada à área de assistência à saúde, compondo um complexo sistema
de seguridade social com fortes transferências de renda e que envolve a ação de
diversos entes federativos e conta com um intrincado sistema de financiamento19
(sobre esse último aspecto ver o capítulo 9).
Por que, diante dessas particularidades e tendo em vista que duas reformas já
foram feitas – a primeira em 1998, quando se procurou estabelecer regras mais
rígidas para obtenção do benefício previdenciário, atingindo o sistema geral e os
sistemas próprios do funcionalismo público, e a segunda em 2003, quase exclusi-
vamente voltada para o setor público –, o quadro que se apresenta é profunda-
mente desalentador em termos de sustentabilidade, fazendo com que uma terceira
reforma seja necessária? Por que ainda continuamos com enormes desajustes e
desequilíbrios, com intensas transferências de renda entre gerações e entre grupos
sociais?
Porque não reconhecemos as profundas mudanças que ocorreram no mundo
do trabalho, cujas manifestações mais visíveis são o elevado desemprego e a gigantesca
e estrutural informalidade e, por conseqüência, não nos dedicamos a discutir formas
de incorporar efetivamente esse enorme contingente ao mundo da formalidade.

18. A terceira das três particularidades de nosso sistema tem certamente ensejado os mais acalorados debates. Ver, a respeito, entre
outros, Giambiagi et al. (2004), Giambiagi e Além (1997), Cechin (2005), Matijascic (2006), Zylberstajn, Souza e Afonso (2006), Tafner
(2006), Oliveira, Beltrão e Ferreira (1997), Oliveira, Beltrão e David (1999).
19. Ao incorporar elementos típicos de assistência social, a previdência brasileira engessa sua estrutura e limita as possibilidades de
ajustamento como resposta às alterações das variáveis que determinam a sustentabilidade do sistema que, como dito, são determinadas,
em sua grande maioria, fora dele.

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18 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

Porque nos recusamos a aceitar que os ganhos civilizatórios obtidos pela sociedade
brasileira e expressos pela crescente esperança de vida de nosso povo não podem
ser privadamente incorporados pelos mais velhos, com custos exagerados sobre as
gerações mais novas, com evidentes impactos sobre a distribuição etária da pobreza.
Porque nos recusamos a remover privilégios inaceitáveis de certos grupos sociais,
a pretexto de zelar por direitos justificáveis. Porque construímos e preservamos
uma estrutura de incentivos que penaliza o contribuinte da previdência que, afinal,
poupa com esforço ao longo de toda uma vida de trabalho árduo, instável e de
baixa remuneração. Porque, por outro lado e finalmente, teimamos em conceder
benefícios elevados, muitas vezes generosos e freqüentemente sem cobertura de
receitas correspondentes.
O presente trabalho, que compila os esforços analíticos de pesquisadores do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e de outras instituições, analisa
cada uma das principais variáveis determinantes do desempenho do sistema
previdenciário brasileiro, trazendo ao leitor reflexões teóricas sobre a questão, a
análise e o histórico do sistema brasileiro de seguridade e previdência e, também,
informações comparativas da experiência internacional.
Inicialmente é necessário que o leitor tenha em mente que o equilíbrio de
sistemas previdenciários está diretamente associado:
z às condições macroeconômicas, como crescimento do produto e da pro-
dutividade e taxa de juros real de longo prazo;
z às condições e evolução do mercado de trabalho, como o nível e a compo-
sição do emprego;
à dinâmica demográfica, esta em grande medida determinada pelas condições
z
de saneamento, de higiene, de saúde e de hábitos da população; e
z aos critérios de contribuição e de elegibilidade – os denominados parâmetros
técnicos do sistema como alíquotas de contribuição,20 idade de aposentadoria, tempo
de contribuição etc.
Essas variáveis – que são em maior ou em menor grau reguladas e afetadas
por instituições, regras e regulamentos – estão em constante mudança, e em cada
país em estágios diferentes, fazendo com que os efeitos não sejam iguais em todo
lugar. Por isso, produzem efeitos dessemelhantes sobre os respectivos sistemas e
determinam diferentes graus de premência de reformas: em alguns casos há tempo

20. Obviamente, o efeito pode ser inverso ao esperado. Se as alíquotas são muito elevadas, como no caso brasileiro, por exemplo, podem
atuar como incentivo ao desemprego e à informalidade, reduzindo o volume de arrecadação do sistema.

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INTRODUÇÃO 19

para ajustamentos suaves, como é o caso do Brasil, e, em outros, as reformas são


mais urgentes.
No presente trabalho, além dos aspectos estritamente técnicos, cada autor,
sempre que possível, buscou esmiuçar as complexas conexões entre economia e
instituições. A porta de entrada e o enredo é o sistema previdenciário, a trama, as
instituições e seus efeitos sobre o comportamento dos indivíduos, à semelhança
do que já tem sido feito por diversos autores.21 Com o intuito de fazer da leitura
algo não muito maçante, este trabalho está organizado em 12 capítulos, sendo o
último uma proposta de reforma de nosso sistema que os organizadores submetem
ao escrutínio técnico, esperando contribuir para o debate e para o aprimoramento
de nosso sistema previdenciário.
O primeiro capítulo apresenta alguns conceitos fundamentais que envolvem
o debate sobre previdência e seguridade. Também apresenta e analisa modelos
explicativos para a participação do Estado na provisão de serviços de previdência.
Em seguida discute a importância do aparato institucional que regula os sistemas
de seguridade e previdência, aí destacando a fundamental importância que as
regras formais assumiram na conformação dos programas. Com o intuito de deixar
o leitor confortável com o que encontrará nos demais capítulos, são destacados os
principais aspectos relevantes na determinação do desempenho dos sistemas
previdenciários.
O capítulo 2 aprofunda o conteúdo do primeiro capítulo e faz sólido exame
sobre a racionalidade econômica, do ponto de vista normativo e da economia
política, para a existência de sistemas previdenciários, tais como desenhados hoje
nos principais países do mundo. Em seguida discute os custos implícitos na ma-
nutenção desses sistemas, representados principalmente pelas distorções sobre as
decisões de consumo e de poupança e da oferta de trabalho. Como método da
discussão, compara modelos “puros” sob a ótica da maximização do bem-estar da
sociedade. Ao final, aborda a questão do custo de transição. Em conjunto com o
primeiro capítulo, define a abordagem que os editores dão à questão da previdência.
O capítulo 3 faz um estudo detalhado sobre as questões demográficas no
Brasil. Destaca com toda a magnitude o processo de envelhecimento progressivo
da população brasileira. Em síntese, a alta fecundidade do passado aliada à redução
da mortalidade resulta num crescimento elevado desse contingente nos próximos
30 anos, representando um desafio ao financiamento desse processo e impondo a
necessidade de ajustes no sistema previdenciário brasileiro.

21. Ver, por exemplo, o livro de Gruber e Wise (1999) e todos os capítulos de estudos de casos de países.

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20 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

O capítulo 4, com base na discussão teórica realizada nos capítulos iniciais,


avalia as reformas empreendidas nos países desenvolvidos. Casos emblemáticos
como os da Alemanha, da França, do Japão, dos Estados Unidos e dos pioneiros
dos sistemas de contas nocionais (Suécia e Itália) são analisados em profundidade,
destacando-se, em cada caso, particularidades relevantes. A análise do Reino Unido
é aprofundada por ser este um dos poucos países da Europa, entre aqueles com
sistemas de repartição, que não passa por sérios problemas no seu sistema
previdenciário, dadas a suave transição demográfica e a reduzida taxa de reposição
dos benefícios previdenciários em relação ao salário médio.
O capítulo 5 é um contraponto do anterior. Faz uma interessante discussão
das reformas empreendidas pelos países latino-americanos, à luz de reflexões e
resultados de duas décadas de experiência do processo de reformas privatizantes
do continente. Aspectos como a reduzida taxa de adesão ao sistema, assim como
os ligados à estrutura de concorrência e dos custos de administração dos planos
previdenciários, são cuidadosamente analisados e podem oferecer pistas sobre ca-
minhos que o Brasil pode trilhar na busca de aprimoramentos de seu sistema.
No capítulo 6 reconhece-se que a previdência no Brasil vem cumprindo
importante papel de redistribuição de renda, mas se advoga por uma clara separação
entre previdência e assistência. A primeira, contributiva e atuarial, desempenhando
papel marginal em termos distributivos; a segunda, por oposto, devendo assegurar
renda aos necessitados, sem caráter contributivo. Considerada essa separação,
concentra-se de forma clara e objetiva na componente previdenciária e em especial
nos benefícios previdenciários programáveis, dedicando-se à avaliação de algumas
das regras atualmente existentes e suas limitações. Por fim, avaliam-se os efeitos
financeiros sobre o sistema de alguns aprimoramentos das regras que regulam a
elegibilidade de benefícios programados.
O capítulo 7 apresenta interessante discussão sobre o componente assistencial
de nosso sistema de seguridade, conhecido como Lei Orgânica de Assistência
Social (Loas), e seu impacto sobre a informalidade. Busca-se avaliar se após a
aprovação da Loas, implementada em 1993, teria havido aumento da
informalidade, tendo em vista que a lei garante o acesso a aposentadorias sem
exigir contribuição prévia para a previdência social e em valor equivalente ao piso
previdenciário. O estudo é feito estimando, para o grupo potencialmente mais afe-
tado pela legislação, a mudança na probabilidade de contribuir para a previdência
antes e depois da criação da Loas e comparando seus resultados com os de traba-
lhadores menos afetados pela legislação. Os resultados indicam que, com a intro-
dução da Loas, diminuíram as contribuições para a previdência social dos traba-

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INTRODUÇÃO 21

lhadores mais jovens e com pouca escolaridade, evidenciando, mais uma vez, que
as instituições determinam em grande medida a ação dos indivíduos e, no caso
dos sistemas previdenciários, podem ser determinantes de seu desempenho.
O capítulo 8 é voltado aos aspectos ligados ao mercado de trabalho, e em
linha com o capítulo anterior seu desempenho recente é analisado, com ênfase na
informalidade e nos impactos que instituições do mercado de trabalho podem
exercer sobre o sistema de previdência. Em complemento, é analisada a crescente
participação feminina na atividade econômica e também avaliado seu impacto
sobre o sistema previdenciário. Em linha com muitos trabalhos, procura mostrar
como instituições afetam o comportamento dos agentes, no caso com evidentes
impactos na previdência brasileira.
O capítulo 9 discute o financiamento da previdência brasileira. Apresenta a
evolução das receitas e despesas e destaca o crescente desajuste entre ambas, o que
vem exigindo aportes crescentes de recursos do Tesouro. Na discussão que faz
sobre as receitas, avalia a adequação das mesmas tendo em vista sua capacidade de
gerar os recursos necessários ao financiamento e seus efeitos econômicos. Ainda
nesse capítulo, traça-se um panorama analítico das principais propostas de mu-
dança no financiamento da previdência já apresentadas, destacando, em cada caso,
suas vantagens e desvantagens.
Os capítulos 10 e 11 tratam de um mesmo tema, com enfoques que se
complementam. O capítulo 10, utilizando modelos semiparamétricos, estima as
funções de densidades contrafactuais de diversos atributos e corrobora a tese de
que a previdência, de fato, reduz a pobreza no Brasil, ainda que esse efeito não seja
homogêneo por gênero, nem por idade. Esse resultado, se de um lado deixa claro
que a previdência atua no sentido de redução da pobreza, de outro levanta sérias
questões sobre o uso desse instrumento, dada sua reduzida potência.
O capítulo 11 faz uma ampla comparação das regras de concessão do bene-
fício de pensão por morte e mostra que nosso sistema é especialmente generoso.
De fato, comparado a duas dezenas de países de diversos continentes com variados
graus de desenvolvimento, constata-se que o Brasil é o que possui condições de
acesso menos restritivas ao benefício de pensão por morte: não exige idade mínima
de acesso do cônjuge, não tem carência contributiva, permite o acúmulo de bene-
fícios e renda de trabalho, não exige período mínimo de coabitação, nem casa-
mento. Concede 100% do valor segurado (aposentadoria ou renda do trabalho) e
não prevê extinção do benefício, exceto com a morte da(o) viúva(o). Para cada
país analisado, simula-se a aplicação de suas regras para a realidade brasileira. Os
resultados são inequívocos: para todos os casos, haveria redução do volume de

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22 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

gastos com esses benefícios. O capítulo conclui revelando que, se a economia de


recursos fosse utilizada em um programa focalizado que transferisse recursos para
os segmentos mais pobres do país, haveria expressiva redução da pobreza, sobretudo
entre os grupos etários mais jovens, o que revela um traço perverso de nosso sistema
previdenciário: concentra recursos entre os mais velhos, retirando da infância e da
juventude, que são os segmentos mais pobres do país.
O capítulo final consolida os principais aspectos apresentados e discutidos
no livro e apresenta para a discussão pública um conjunto sistematizado de pro-
postas de aprimoramentos de nosso sistema previdenciário, visando solucionar ou
pelo menos amenizar de forma mais perene os problemas apontados nos capítulos
precedentes. Ao reconhecer que nossos problemas são graves, mas que temos tempo
para ajustes, a proposta apresentada contempla três princípios fundamentais:
a) estabelece gradualismo de implementação, fator importante para evitar soluções
de continuidade e injustas penalizações; b) define uma carência de quatro anos
para entrada em vigor das primeiras mudanças dos parâmetros técnicos, o que
evita uma indesejável corrida rumo à aposentadoria; e c) preserva direitos adquiridos.
Ao trazermos a público esse esforço de diversos pesquisadores do Ipea e de
outras instituições de pesquisa, esperamos contribuir para que o processo de apri-
moramento de nosso sistema seja feito levando-se em consideração os mais dife-
rentes e múltiplos aspectos associados a ele. Cabe lembrar que, em consonância
com a discussão deste trabalho, estamos vivenciando o desenvolvimento do Fórum
Nacional da Previdência Social. Esse fórum, criado no âmbito do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, visa reformular e estabelecer
saídas para o futuro da previdência social no Brasil, priorizando alguns objetivos,
tais como sustentabilidade e equilíbrio do sistema. O momento é propício para a
reflexão sobre o tema e cabe a nós aproveitar a ocasião para trazer ao debate público
soluções que possam ser compartilhadas por toda a sociedade.

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PARTE 1

O CONTEXTO DO DEBATE SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL

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CAPÍTULO 1

SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS*

Paulo Tafner**

1 INTRODUÇÃO
Na primeira seção do presente capítulo, faremos uma breve discussão da impor-
tância do aparato institucional que regula os sistemas de seguridade e previdência,
dando ênfase ao papel fundamental que as regras formais assumiram na confor-
mação dos programas de previdência. Destacamos que essas regras legalmente
constituídas, aqui tratadas como o aparato institucional, acabam por definir e
moldar o comportamento dos indivíduos na busca por maximização de renda.
Na segunda seção, apresentaremos de maneira ligeiramente mais formal os
conceitos fundamentais de seguridade social, em especial aqueles ligados à previ-
dência. Nesse tópico vamos destacar o papel de cada um dos elementos que compõem
a previdência social no Brasil e sua relação com o que será visto nos demais capítulos
do presente estudo.
A terceira seção apresentará de forma resumida as razões para a intervenção
do Estado na questão de seguridade e, mais especificamente, na previdência. Pro-
curamos destacar dois aspectos que julgamos relevantes: a) apesar de, em vários
países, o sistema de previdência ter nascido sob o comando do Estado e ter se
tornado a forma dominante durante o século XX – ainda que desde a década de
1990 essa tendência tenha se revertido –, essa não é a única forma teoricamente
possível, ainda que empiricamente seja predominante; e b) argumentos teóricos
para o papel proeminente do Estado em questões de previdência não são consensuais,
nem tampouco é trivial deduzir essa proeminência empiricamente observada.

* Agradeço a Marcos Eugênio da Silva, José Cláudio Ferreira da Silva, Carolina Botelho e Márcia Marques Carvalho pelos comentários e
sugestões. Quaisquer erros e omissões neste trabalho são de minha inteira responsabilidade.

** Coordenador de Estudos de Previdência da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.

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30 PAULO TAFNER

Na quarta e última seção do capítulo apresentaremos de forma bastante


simplificada um modelo explicativo-causal para previdência social no Brasil, mos-
trando claramente que a previdência é um sistema que influencia e é fortemente
influenciado por outros sistemas que lhe são independentes. Nosso objetivo, além
do caráter didático, é preparar o leitor para os capítulos seguintes, em que esses
sistemas serão discutidos e analisados, procurando identificar e, sempre que pos-
sível, quantificar os impactos que causam no sistema previdenciário.

2 COMO OS INCENTIVOS DOS INSTITUTOS LEGAIS AFETAM O SISTEMA


É importante deixar claro desde já que no Brasil, do ponto de vista legal, os princípios
da seguridade social não são imediatamente aplicáveis ou, melhor dizendo, não são
capazes de produzir efeitos imediatos. Para que seus princípios e objetivos ganhem
funcionalidade, é necessário que o legislador crie institutos legais que implementem
as ações de seguridade social. Mas muito freqüentemente, não basta apenas a ação
do legislador. Em muitos casos, é necessário também que regras operacionais sejam
implementadas pelo Executivo de modo a tornar efetivos certos direitos, definindo
a forma, o prazo, os requisitos e os formulários de acesso aos benefícios.1
Isso significa que é um grande arcabouço que confere forma e dá substância
e conteúdo aos princípios de seguridade; é ele que define os procedimentos, os
prazos e, em última instância, que determina a inclusão de indivíduos ao sistema,
seja sob a forma de contribuinte, de beneficiário ou de ambas.
Tal como procuramos enfatizar na introdução deste livro, não apenas no
Brasil, mas em praticamente todos os países, mesmo naqueles de tradição de direito
anglo-saxão,2 a seguridade social é regida por regras formais e legislações específicas.
É natural, portanto, que os arranjos institucionais que definem os sistemas de
seguridade de cada sociedade afetem mais ou menos intensamente o desempenho
desses sistemas. Isso não significa que o desempenho dos sistemas seja determinado
exclusivamente pela variável institucional, ainda que por vezes possa ser o fator
discriminante. Significa que esse componente, ao definir um conjunto básico de
regras de inserção no sistema e de acesso a benefícios, determina a forma como os
agentes agirão com o intuito de maximizar o benefício que venham a auferir, e
poderá ser fator relevante no desempenho do sistema previdenciário.

1. De forma bastante resumida e à semelhança do estabelecido para o Código Tributário Nacional (CTN), podemos dizer que o sistema
de seguridade é regulado primeiramente, por ordem de importância, pela Constituição Federal, pelas Emendas Constitucionais (EC) que
alteraram a Constituição, por Leis Complementares, Ordinárias e Delegadas e, em segundo lugar, por Atos Normativos, Portarias e
Decisões Administrativas.

2. Certamente uma tradição mais permeável a manifestações não formais do direito e na qual usos e costumes definem um ramo
legítimo do direito.

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 31

No caso específico dos sistemas de previdência, a experiência internacional


parece corroborar a tese de que são os aparatos institucionais que definem as es-
truturas de incentivos e moldam o comportamento dos indivíduos.3 Ao fazerem
isso, afetam de forma decisiva não apenas o sistema previdenciário, como também
o comportamento dos indivíduos no mercado de trabalho.
Na análise que fazem dos sistemas previdenciários dos países da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – Organisation for
Economic Co-operation and Development (OECD) – , Gruber e Wise (1999, p. 8)
advertem que “the provisions of social security plans can create large retirement incen-
tives”. Isso, além de severas mudanças demográficas, estaria por trás das crises finan-
ceiras dos sistemas de seguridades em praticamente todos os países desenvolvidos.
Na Alemanha, por exemplo, antes da legislação mais flexível implementada
em 1972, a idade de aposentadoria era de 65 anos. No entanto, após a mudança
legal daquele ano, que permitiu a aposentadoria antecipada (60 anos, se mulher, e
63, se homem) – e em muitos casos sem redução do valor do benefício –, o que se
observou foi um aumento líquido da taxa de aposentadoria e uma redução na
idade média de obtenção do benefício, como mostra o gráfico 1. Como afirmam
Gruber e Wise (1999, p. 10): “In fact, there was a dramatic response to this increase
in retirement incentives. Over the next few years, the means retirement age (…) was
reduced by 5,5 years” (os autores referem-se, obviamente, ao período 1973-1981).
Também a França fornece um belo exemplo de como os incentivos definidos em
instrumentos legais que regulam a previdência afetam e moldam o comportamento

GRÁFICO 1
Estados Unidos: porcentagem de ocorrência de aposentadoria entre empregados,
segundo idades – 1960 e 1980
20,0
18,3
18,0 16,8
16,0
13,2
14,0
12,0
9,6
10,0
8,1
8,0
5,7 5,9 4,9 6,2
6,0 4,6 3,4 4,7
3,6 2,8 3,3 3,0
4,0
1,1 1,2 1,6 1,7 1,3 2,5 2,1 1,2 2,5 2,6 2,8 2,2 2,7
2,0 0,8
0,1 0,1
0,0
55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70
Idade
Fonte: Burtless e Moffitt (1984). 1960 1980

3. Ver a respeito, entre outros, Gruber e Wise (1999), Gillion et al. (2000), Feldstein (1974), OECD (2000), Mesa (2005) e World Bank
(1994; 1995; 2001).

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32 PAULO TAFNER

dos indivíduos, trazendo com isso conseqüências indesejáveis aos sistemas


previdenciários. Assim como na Alemanha, até 1972 a idade legal para a aposen-
tadoria era 65 anos. No início dos anos 1970, foram feitas modificações nos critérios
de concessão de aposentadoria, incentivando a saída precoce do mercado de tra-
balho (ver BÖRSCH-SUPAN et al., 2004).4 Até o início daquela mesma década, a
idade modal de aposentadoria era 65 anos, mas em meados da década de 1980
ocorria com menos cinco anos, ou seja, aos 60 anos. O efeito da mudança legal
não foi observado apenas na idade modal, mas também nas idades média e mediana
de obtenção de aposentadoria, tendo esta última apresentado redução de 3,1 anos.
Os exemplos poderiam se suceder, mantendo sempre a mesma e fundamental
característica: os institutos legais que regulam sistemas de previdência definem o
conjunto de incentivos e, ao fazerem isso, determinam o comportamento dos
agentes que, por sua vez, e de forma agregada, determinam em grande medida o
desempenho dos sistemas previdenciários.
De forma mais ou menos homogênea, foi essa a trajetória dos países da
OCDE e também da maioria dos países desenvolvidos. Os Estados Unidos, por
exemplo, que até 1960 tinham idade mínima de aposentadoria fixada em 65 anos,
flexibilizaram a legislação, permitindo a aposentadoria antecipada para indivíduos
do sexo masculino com idade de 62 anos. A inovação já havia sido adotada em
1956 para as mulheres. O resultado pode ser assim resumido: “The effect of the
introduction of early retirement on labor force departure rates is striking. Starting
in 1970, and visible most clearly in 1980, there was a dramatic increase in the
departure rate at age sixty-two and a corresponding decrease at age sixty-five”
(GRUBER; WISE, p. 18).
O caso dos Estados Unidos constitui um ponto fora da curva. Dois efeitos
conjugaram-se positivamente de modo a permitir que a falência de seu sistema
previdenciário fosse postergada, dando tempo para ajustamentos mais diluídos
no tempo. Em realidade, os fantásticos crescimentos econômicos experimentados
na década de 1970 e também posteriormente, na década de 1990, permitiram
financiar o sistema previdenciário através da absorção no mercado de trabalho das
coortes nascidas nas décadas de 1960 e 1970 – uma geração numerosa –, com
nível salarial elevado. Isso significa que não apenas a base física de arrecadação – a
força de trabalho empregada – mas também a base monetária – o rendimento
médio real dos trabalhadores empregados – cresceu a taxas expressivas durante

4. Efeito semelhante pode ser encontrado para o Canadá (GRUBER; HANRATTY, 1995). Ver também o caso da Bélgica em Pestieau e Stijns
(1999).

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 33

praticamente três décadas, permitindo flexibilidade temporal para os ajustes


necessários.5
Mas as legislações de 1956 e 1961 deixaram marcas, como pode ser observado
no gráfico 1. A incidência relativa de ocorrência de aposentadoria entre trabalha-
dores em 1980 é sistematicamente superior à de 1960 até a idade de 63 anos,
indicando que os trabalhadores, tendo a possibilidade legal, anteciparam a saída
do mercado de trabalho.
Esses três casos não são experiências isoladas. Em detalhado estudo comparativo
de seus países-membros, a OECD (2000, p. 112) destacou a seguinte conclusão:

(...) Men have been spending far less of their lives in employment. Men used to work for most of their
life; if existing trends continue, men will soon be spending substantially more of their lives in activities
other than work–specially in growing periods of retirement. Men are retiring earlier and living longer
once retired. Women are also retiring earlier and living longer once retired.

Ao flexibilizarem regras para a aposentadoria antecipada, os governos abriram


uma brecha em termos fiscais – em alguns casos com severos déficits fiscais –,
que redundou na necessidade de reforma dos sistemas ao longo das décadas de
1980 e 1990. Se, de um lado, as condições de sobrevida da população representam
um ganho para a sociedade em termos de qualidade de vida – pois refletem as
melhorias nas condições de saneamento, habitação, transporte, atendimento à
saúde etc. –, de outro, a flexibilização das regras de aposentadoria fez com que
uma população que vivesse mais passasse a se aposentar mais cedo, permanecendo,
por conseguinte, na inatividade remunerada por mais tempo.
Os dados de mais de uma dezena de países apresentados na tabela 1 mostram
com toda clareza que a expectativa de vida aumentou em todos eles e o tempo de
permanência no trabalho diminuiu. Em média, em apenas 40 anos a expectativa
média de vida condicionada à idade elevou-se quatro anos, indicando um aumento
de um ano por década. Deve-se destacar que essa expectativa de vida é a estatística
relevante para efeitos de sustentabilidade de sistemas previdenciários e não a ex-
pectativa de vida ao nascer, já que esta é fortemente influenciada pela mortalidade
infantil.
A redução do tempo de permanência na atividade poderia decorrer da maior
permanência dos jovens na escola. Isso, no entanto, é amplamente compensado
pelo aumento da expectativa de vida. O que se verifica, em realidade, são os efeitos

5. Diversos ajustes do sistema norte-americano foram implementados de maneira diluída no tempo. Isso facilita o processo legislativo de
aprovação de reformas.

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34 PAULO TAFNER

TABELA 1
Diversos países da OCDE: expectativa de vida aos 65 anos e número de anos em atividade
econômica – população do sexo masculino – 1960 a 2010

População masculina

Expectativa de vida aos 65 anos Número de anos em atividade econômica

1960 1970 1980 1990 1997 1970 1980 1990 2000 2010

Canadá 13,8 14,1 14,8 15,4 16,0 44,0 42,8 40,4 38,5 37,6

Finlândia 11,6 11,7 12,1 13,8 15,0 47,2 40,1 38,6 34,2 34,2

Alemanha 12,0 11,9 13,1 14,6 15,1 48,2 40,7 38,1 36,1 35,9

Itália 12,8 13,1 14,2 15,1 15,4 39,8 38,8 37,2 33,6 32,8

Japão 12,1 12,5 14,7 16,2 17,1 49,9 47,6 47,2 46,8 46,7

Holanda 13,6 13,7 14,3 14,6 14,9 42,6 38,4 38,1 39,9 42,1

Suécia 13,9 14,1 14,1 15,3 16,3 47,2 44,2 44,1 37,6 37,4

Reino Unido 11,9 12,1 13,1 14,2 14,8 41,9 41,0 40,7 39,1 38,7

Estados Unidos 12,6 12,8 14,5 15,2 16,2 44,3 42,2 42,0 41,6 41,1
Fonte: OECD (2000).

dos incentivos à aposentadoria antecipada. A população reagiu de forma racional ao


abrandamento das condições de aposentadoria, antecipando sua saída do mercado
de trabalho.6 O efeito dessa ação individual, que se tornou fenômeno generalizado
na sociedade, implicou sérios desajustes financeiros dos sistemas de previdência,
obrigando-os a implementarem reformas.7
Esse processo de redução do período passado em atividade econômica é ge-
neralizado e também ocorreu no caso brasileiro, como será visto. Também entre
nós, como procuraremos demonstrar, foi conseqüência dos incentivos estabelecidos
na legislação que regula nossa seguridade social.

3 ALGUNS CONCEITOS QUE ENVOLVEM A SEGURIDADE SOCIAL


O Brasil tem um amplo e complexo sistema de seguridade social. Utilizamos o
termo sistema porque se trata de um conjunto de ações integradas que compõem
uma rede de proteção social. Os componentes da seguridade são a assistência

6. Os dados apresentados no gráfico 1 corroboram o argumento aqui apresentado.


7. Uma boa proxy do impacto negativo sobre os sistemas de previdência e a conseqüente necessidade de ajustamento é o número de
países que reformaram seus sistemas adotando normas mais restritivas para obtenção de aposentadoria: foram 19 países da OCDE (além
dos Estados Unidos), tais como Austrália, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Hungria, Itália, Japão, México, Espanha e Inglaterra,
entre outros.

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 35

social8 – um conjunto de programas e ações voltados para a proteção da família,


da maternidade, da infância, da adolescência e da velhice, que, além disso, visa
garantir um patamar mínimo de renda a todos os cidadãos necessitados, indepen-
dentemente de contribuição à seguridade social –, a saúde – compreendendo todas
as ações curativas e preventivas de saúde, aí incluídas a vigilância sanitária e
epidemiológica e a saúde do trabalhador9 – e o seguro social ou, como é mais
conhecido, a previdência social, “organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial”.10
Para o financiamento desse leque de ações do Estado,11 estabeleceu o artigo
195 que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contri-
buições sociais: a) dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o
faturamento e o lucro; b) dos trabalhadores; e c) sobre a receita de concursos e
prognósticos. Para tanto, foram criadas contribuições sociais, cujas receitas estão
vinculadas ao financiamento da seguridade social.12 Para o subsistema previdenciário
foram criadas contribuições específicas, incidentes diretamente sobre a remuneração
ou a renda dos trabalhadores e sobre a folha de pagamentos, neste caso incidente
sobre o empregador (ver quadro no anexo).13
8. A assistência social está definida na Seção IV, do Capítulo II (Da Seguridade Social), do Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição
Federal de 1988, nos artigos 203 e 20. Nesses artigos estão definidos os objetivos e o público beneficiário da assistência social, e também
imposição de que esta será financiada com recursos do orçamento da seguridade social, “além de outras fontes” (não especificadas).
9. A saúde está definida na Seção II, do Capítulo II, Título VIII, artigos 196 a 200. Nesses artigos estão definidos os princípios norteadores
da provisão da saúde, com envolvimento de todos os entes federativos, as formas de financiamento e o estabelecimento de um sistema
único de controle, de normatização e de provisão de serviços de saúde.
10. Redação da Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 201, caput com redação dada pela EC 20, de 15/12/1998. A
previdência social é tratada na Seção III, do Capítulo II, Título VIII, nos artigos 201 e 202.

11. Embora tenha ampliado o contingente de beneficiários, o conceito de seguridade tal como definido na Constituição de 1988 apenas
abrigou atividades que já eram atendidas pela previdência social na estrutura anterior. Outras atividades que poderiam ser consideradas
relevantes, como educação, habitação e saneamento, foram excluídas dessa definição e receberam outro tratamento, inclusive quanto a
seu custeio.

12. As contribuições sociais que financiam a seguridade são:


a) Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), 80% vinculada à seguridade;
b) PIS/Pasep, 60% de seu recurso é destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
c) Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), 42,1% para a saúde, 21% para a previdência e 21,1% para o Fundo
de Combate à Pobreza;

d) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), 80% para a seguridade social.
Em todos esses casos, os percentuais indicados referem-se aos valores devidos após aplicação da Desvinculação de Receitas da União
(DRU). Ver quadro anexo ao final do capítulo.

13. Mas também incluídas entre as contribuições para a seguridade encontram-se as contribuições previdenciárias dos servidores públicos e
dos trabalhadores inscritos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Nesse caso, os recursos são 100% destinados ao financiamento
de aposentadorias e pensões de, respectivamente, servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.

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36 PAULO TAFNER

Duas características muito relevantes destacam-se desse sistema de financia-


mento: a) em primeiro lugar, o fato de que, ao se estruturar o financiamento da
seguridade via contribuições específicas, criou-se em realidade um sistema tributário
paralelo com tributos de fácil cobrança, porém distorcivos e cumulativos,14 pena-
lizando produtos com cadeias produtivas mais longas – normalmente aqueles com
maior valor agregado; e b) ao se vincular parcela da arrecadação a uma particular
destinação, reduziu-se a flexibilidade alocativa – com evidentes efeitos deletérios
sobre a capacidade do Estado em gerir prioridades – e, o mais grave, cristalizou-se
e perpetuou-se uma particular preferência alocativa temporal e politicamente de-
finida, com conseqüências sobre a soberania da representação política de novas
preferências sociais.
Outro aspecto igualmente relevante é que, ao definir o sistema de seguridade
social, a Constituição de 1988 tratou de ampliar o rol de direitos a todos os cidadãos,
mesmo nas ações em que ela mesma admitia a existência de sistema contributivo,
como é o caso da previdência social. Nesse aspecto, como mencionado em Rezende
e Tafner (2005, p. 265-266),

(...) o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), até então restrito aos trabalhadores urbanos, foi
estendido para todos os trabalhadores formais, sendo estabelecido o salário mínimo como piso para
todos os benefícios de duração continuada. Para os indivíduos com mais de 65 anos, foi mantida a
antiga renda vitalícia a todos os que possam comprovar contribuições temporárias para a Previdência.
Aos trabalhadores rurais informais foi garantido um regime especial de previdência, elevando-se de
meio para um salário mínimo o piso para as aposentadorias e pensões; além disso, houve uma recom-
posição no valor dos benefícios, para corrigir as distorções anteriores (...).

Feita a separação das ações da seguridade social em seus três componentes,


podemos nos debruçar sobre o terceiro deles: a previdência social.

3.1 Previdência social


Apesar de o princípio contributivo da previdência social ser consagrado na Cons-
tituição de 1988, tal como reproduzido anteriormente, alguns analistas vêem a
previdência como um programa social destinado a garantir a todos os inativos um
benefício mínimo de forma não relacionada à contribuição. Nessa modalidade, a
previdência poderia ser entendida como um programa de renda mínima universal
e sem correspondência contributiva. Essa idéia é algumas vezes complementada
pelo entendimento de que a previdência é um sistema assistencial e redistributivo,
em que as contribuições devem ser pagas conforme disponibilidade de cada indi-
víduo; e os benefícios, recebidos conforme a necessidade.
14. A esse respeito ver, entre outros, Rezende e Tafner (2005, cap. 7), Oliveira (2003), Rezende (2003) e Varsano et al. (1998).

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 37

Dois dos argumentos mais utilizados para a defesa da previdência como


uma “renda mínima”, ou como um programa sem correspondência contributiva,
são seu caráter de redução da pobreza e da desigualdade social, tanto no âmbito
individual quanto no âmbito familiar, e seu caráter de garantia e defesa de renda
contra a informalidade e a “precarização” das relações de trabalho presentes e
crescentes em nossa economia. Ambos os argumentos são verdadeiros, mas apenas
parcialmente.15
Parece consenso entre os analistas que de fato a previdência social – aí incluído
equivocadamente seu componente assistencial, como será visto adiante – atua
fortemente na redução da pobreza individual e familiar e também da desigualdade.16
A redução da pobreza não deve, entretanto, nos conduzir a um raciocínio equivo-
cado: o fato de o sistema previdenciário reduzir a pobreza não implica que seja
politicamente justo o uso desse instrumento para essa finalidade, e que, além disso,
usado para combater a pobreza, o faça de forma eficiente e atue sobre os mais pobres.
Quanto ao primeiro ponto, parece bastante evidente que o legislador consti-
tuinte reservou a previdência como um componente de seguro social, com claros
vínculos contributivos. Reza o caput do artigo 201 que “os planos de previdência
social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei (...)” (grifo nosso). Tratar,
portanto, a previdência como programa de distribuição de renda, ou de renda
mínima, merece cuidado e suscita dúvidas quanto à vontade do legislador consti-
tuinte. Isso é tão mais evidente quando se constata que o próprio legislador definiu
no âmbito da seguridade social o componente de assistência, este sim, com caráter
claramente distributivo.
Quanto ao segundo, basta indicar que, se houver dois indivíduos pobres,
sendo um mais pobre do que o outro, se a política pública dedicar recurso ao
menos pobre – portanto em situação melhor –, certamente diminuirá a pobreza,
mas não atingirá o mais pobre deles e, conseqüentemente, não atingirá sua potência
máxima. Por isso, reduzir a pobreza não significa necessariamente atender aos
mais pobres, mas apenas aos pobres. Voltaremos a esse ponto mais adiante.

15. Ver, entre outros, Delgado e Cardoso Jr. (2000), Delgado (2005) e Lavinas (2006). Uma terceira vertente procura associar a redução
de desigualdade com ganhos de crescimento econômico. Silva e Pires (2006, p. 19) afirmam: “Em que medida essa expansão (dos
gastos) é maléfica ao crescimento econômico? Imaginamos que a resposta a essa pergunta não é tão simples como propalado entre
esses especialistas, porém alguns insights podem ser obtidos. Por exemplo: existem evidências empíricas que relacionam menor desigual-
dade de renda a maior taxa de crescimento econômico”. Obviamente que também, nesse caso, a pergunta é: existe alguma ferramenta
que permita o mesmo ganho em termos de distribuição de renda a um custo menor? E a resposta é sim, existe. Ver, por exemplo, o
capítulo 11 deste livro.
16. Ver, entre outros, Delgado e Cardoso Jr. (2000), Delgado (2005), Barros e Carvalho (2005), Barros, Henriques e Mendonça (2000),
Matijascic (2006) e o capítulo 10 do presente livro.

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38 PAULO TAFNER

Radicalizando-se o argumento de que a previdência deva ser utilizada como


elemento redutor da pobreza e da desigualdade sem guardar relação contributiva,
seria possível idealizar um programa de transferência de renda focalizado nos mais
pobres. Para efeitos de comparação, o exercício é feito mantendo-se constante o
montante de recursos transferidos pela previdência.
Como se pode observar no gráfico 2, caso o programa fosse mais focalizado
nos segmentos mais desprovidos de renda, o impacto sobre a pobreza (e sua redução)
seria muito mais intenso do que é. Isso implica que, entendida a previdência
como um programa puro de renda mínima ou de transferência de renda, e man-
tido o volume de gasto constante, ela está muito aquém do que poderia e deveria
ser, caso fosse, de fato, um programa de transferência de renda. Mas, se assim
fosse, é possível também que uma parcela da arrecadação se perdesse, pois muitos
dos que contribuem deixariam de fazê-lo, já que seu benefício futuro não teria
mais qualquer relação com a contribuição ao longo de sua vida laboral.
Um segundo aspecto diz respeito à capacidade da previdência de reduzir de
forma mais ou menos homogênea a pobreza familiar. Um argumento muito utili-
zado é que o idoso, ao receber uma renda do sistema previdenciário, a compartilha
com seu núcleo familiar. Isso implica que a incidência de pobreza seria invariante
com a idade. E, mais especificamente entre crianças e jovens, tal incidência não
poderia ser superior à da pobreza entre idosos.17
De 16 países analisados (ver gráfico 3), em apenas um há índices semelhantes
de pobreza entre crianças e jovens (indivíduos com menos de 18 anos) e entre

GRÁFICO 2
Pobreza familiar antes e depois do pagamento de aposentadorias e pensões
e simulação da focalização entre os mais pobres
(Em %)
60
50,4 50,1
50
42,9 42,1 41,4 43,0 42,7 43,5 43,6
41,0 41,1 41,5
40 35,8 33,0
34,1 32,7 32,6 32,0 33,0 32,5 32,5 31,7
30 25,0 24,4 23,9 22,4 22,7 21,8 21,1 19,7
20

10

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003

Fonte: IBGE/Pnad apud


apud Paiva e Ansiliero (2005).
Atualizado e elaborado pelo autor. Antes Depois Focalizado

17. A menos que se formule uma hipótese muito especial de que os idosos do sistema previdenciário brasileiro são idosos que não
procriaram.

Cap01.pmd 38 23/3/2007, 15:39


SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 39

GRÁFICO 3
Taxa de incidência de pobreza, segundo grupos etários de diversos países da OCDE
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
)

4)

7)

5)
3)

5)

5)

4)

5)

4)

4)

3)

4)

5)
94

94

95
99

99

99
99

99

99

99

99

99

99

99

99

99
19

19

19
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Su
Áu

Ca

em

Hu

No
Au

na

Fin

ino
Al
Di

Re
Fonte: OECD (2000). Elaborado pelo autor. Menos de 18 anos 65 anos e +

idosos (pessoas com 65 anos e mais). Em apenas quatro deles (25% da amostra) a
incidência de pobreza entre crianças e jovens é maior do que entre idosos: Canadá,
Hungria, Itália e Reino Unido. Nesse grupo, aliás, com exceção do Reino Unido,
os países passaram por reformas visando reduzir o déficit preocupante de seus
sistemas de previdência. Os demais 11 países apresentam taxas de pobreza entre
idosos que são pelo menos o dobro das encontradas entre crianças e jovens.
O Brasil assemelha-se ao último grupo, porém de forma mais acentuada.
Como pode ser visto no gráfico 4, a incidência de pobreza entre crianças e jovens
(até 18 anos) é mais de três vezes maior do que a entre idosos (pessoas com 65
anos e mais). Isso implica que o compartilhamento de renda entre gerações está
muito aquém daquele imaginado pelos defensores dessa idéia. Em realidade, mais
parece haver uma competição entre gerações pelos recursos disponíveis do que
solidariedade entre elas.
GRÁFICO 4
Brasil: incidência de pobreza por idade – 2004
0,70

0,60

0,50

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
e+
2

12

22

32

42

52

62

72
4

14

24

34

44

54

64

74
8

18

28

38

48

58

68

78
6

16

26

36

46

56

66

76
0

10

20

30

40

50

60

70

80

Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Elaborado pelo autor.

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40 PAULO TAFNER

Como se pode notar, os recursos da previdência não fluem entre as gerações


de modo a equilibrar a pobreza para todas as idades. Ora, se quiséssemos mesmo
que a previdência fosse entendida como um programa distributivo, poderíamos
redesenhá-la de modo a, mantido o volume de recursos, deslocar parte desses
recursos para os mais pobres – os jovens e as crianças – e, com isso, reduzir o grau
de pobreza na sociedade. Barros e Carvalho (2005) mostraram que, caso se decidisse
deslocar para os mais jovens, digamos, 20% da parcela transferida aos idosos, isso
reduziria a pobreza em praticamente 10% – sendo 13 pontos percentuais (p.p.) de
queda somente entre as crianças, com contrapartida de um aumento de apenas 3 p.p.
na pobreza entre idosos. Em termos agregados, essa medida reduziria a pobreza
no Brasil em 3,7 p.p., o que equivale a 60% da queda de pobreza obtida durante
toda a década de 1990.
O argumento de que a previdência, entendida como mecanismo de transfe-
rência de renda, tem falhado no atendimento aos mais pobres é compartilhado
por diversos autores.18 A crítica, nesse caso, é que os programas sociais deveriam se
concentrar no atendimento prioritário dos mais pobres entre os pobres. Mas seria
a previdência o instrumento adequado para isso? Certamente não. Isso porque o
fundamento da previdência no Brasil, assim como em diversos outros países, é a
idéia de um seguro – é verdade que um seguro social, mas, ainda assim, um seguro.
E, como tal, o valor do benefício deve preservar correspondência com a contribuição
e o parâmetro buscado em várias reformas implementadas em anos mais recentes,
como será visto no capítulo 4.
Uma terceira e, segundo nosso entendimento, mais correta forma de abor-
dagem considera a previdência como um seguro social, com a finalidade de repor
a renda – parcial ou total – do indivíduo (ou do grupo familiar) quando diante de
perda de capacidade laboral causada por doença, morte, invalidez, desde que seja
membro participante do programa de previdência. A partir desse conceito de se-
guro, deve existir, em primeiro lugar, uma relação de pertencimento, ou seja, só
estarão protegidos aqueles que estiverem vinculados ao sistema e, em segundo
lugar, uma relação – imperfeita, porém positiva – entre os valores das contribuições
dos indivíduos ao longo de sua vida laboral e os benefícios que eles (ou seus
dependentes) irão receber. Nessa perspectiva, por ser um seguro, o princípio fun-
damental é a reposição dos depósitos realizados, ou de igualdade de valores pre-
sentes entre contribuições e benefícios. Por ser, entretanto, um seguro social, é que
algum grau de redistribuição é inexorável e admissível. Ou, nas palavras de Oliveira
(1992, p.3):

18. Ver, por exemplo, Barros e Carvalho (2005) e Barros, Henriques e Mendonça (2000).

Cap01.pmd 40 23/3/2007, 15:39


SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 41

(...) tecnicamente em um “seguro puro”, o valor presente esperado das contribuições iguala o valor
presente esperado dos benefícios para cada participante. No outro extremo da escala, encontra-se a
assistência social, onde a contribuição e o benefício são absolutamente desvinculados. O que caracte-
riza o Seguro Social é que, não deixando de ser um seguro, não o é de forma estrita ou pura, sendo
admissível algum grau de redistributividade (grifo nosso).

É fundamental deixar claro, no entanto, que o caráter redistributivo implícito


de um seguro social não é determinado pela renda, mas sim pela ocorrência de
sinistro. Ao aderir a um seguro social, cada segurado contribui com parte de sua
renda mensal para diversos tipos de cobertura de eventos. Os mais comuns planos
de seguro social cobrem três principais eventos: a) a perda da capacidade laboral
decorrente da idade; b) o mesmo decorrente de doença ou acidente incapacitante,
conhecido como invalidez; e c) a perda da capacidade laboral decorrente da morte.
Nos dois primeiros casos, o benefício recebido é denominado aposentadoria (por
tempo ou idade, sendo o mais freqüente a aposentadoria por idade, e por invalidez)
e, no último caso, o benefício recebido – por terceiros obrigatoriamente – é deno-
minado pensão.
Nessas condições, somente no primeiro caso – admitida a existência de equi-
líbrio atuarial do plano – não há transferência líquida de recursos.19 Em equilíbrio,
todos os benefícios recebidos equivalem a todos os recursos aportados em temos
de valor presente. Nos demais casos, porém, não é isso o que ocorre.20 Em todas os
demais, os benefícios recebidos excederão os recursos aportados ao plano, havendo
assim uma redistribuição interna de recursos.
Observe-se, no entanto, que essa transferência líquida de recursos não tem
qualquer caráter redistributivo segundo critério de renda, mas apenas segundo
ocorrência de sinistro. Nesse sentido, poder haver, inclusive, transferência dos
mais pobres aos mais ricos. Numa situação hipotética, se o mais bem pago dos
segurados sofrer um acidente que o incapacite para o trabalho, receberá recursos
líquidos de todos os demais – e menos bem remunerados – segurados do plano,
havendo, portanto, “redistribuição negativa”, ou seja, transferência de renda dos
mais pobres para o mais rico.
O princípio de correspondência entre a contribuição e o valor do benefício
significa que em todas as modalidades de sinistro o valor do benefício deverá
guardar relação com o montante de contribuição. Assim, se, por exemplo, dois

19. Mesmo nesse caso, pode haver alguma transferência, caso o beneficiário sobreviva mais do que a média esperada de sobrevida para
a idade em que começou a receber o benefício.

20. A única exceção é o caso extremo em que a invalidez ou a morte ocorra precisamente no último dia de toda uma vida de contribuição
ao plano.

Cap01.pmd 41 23/3/2007, 15:39


42 PAULO TAFNER

segurados contribuem com montantes diferentes durante toda a vida laboral, e


digamos que um deles contribua com valores 20% maiores durante toda a vida,
em condições iguais de obtenção do benefício, deverá obter um benefício 20%
maior do que o outro. Apesar de fácil compreensão e da aparente neutralidade,
esse princípio traz embutido um risco potencial de transferência adversa, razão
pela qual em praticamente todos os países há limites (tetos) de contribuição e, por
conseqüência, de benefícios, como mostra o gráfico 5.
Mas o que significa isso? A forma mais simples de se entender o risco implícito
da ausência de teto – o que não invalida o princípio de correspondência, mas o
limita – é supor-se o caso extremo em que o mais rico dos segurados faz uma única
contribuição ao plano – incidente sobre a maior remuneração da distribuição – e,
em seguida, apresenta um sinistro. O volume de recursos a ser transferido a ele ou
a seus dependentes seria exageradamente elevado, havendo dessa forma uma trans-
ferência líquida indesejável. Este não é, obviamente, o único risco. Mudanças
demográficas, por exemplo, na ausência de tetos, também importariam excessivas
transferências líquidas negativas que poderiam inviabilizar muito rapidamente os
planos de previdência social. As sociedades perceberam esse risco, e todas montaram
sistemas de previdência com tetos limitados, de modo a restringir transferências
negativas e minimizar os riscos implícitos de insolvência.
É digno de nota que, mantidas constantes as demais variáveis de um sistema
de previdência, quanto maior for o teto do sistema, maior será a reposição de
renda dada pelo sistema e, provavelmente, maiores serão as parcelas da população com
reposição integral de sua renda. Uma conseqüência de um teto muito elevado deve
ser uma reduzida participação voluntária em sistemas de previdência complementar

GRÁFICO 5
Teto dos regimes de previdência, expresso em termos de decis de renda: diversos países
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
)

5)

9)

5)

4)

3)

)
94

94

98

95

04
99

99

99

99

00

99

99
19

20
(1

(1

(1

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Ja
Su

em

Ca
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na
ino

Al
do
Di
Re

ta
Es

Fontes: OCDE (2000) e Argentina e Pnad de 2004. Elaborado pelo autor.

Cap01.pmd 42 23/3/2007, 15:39


SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 43

privados e baseados em sistema de capitalização. De fato, o gráfico 6 revela com


toda clareza que, exatamente nos dois países em que os respectivos tetos são os
mais elevados em termos de decis de rendimento, a participação percentual da força
de trabalho em esquemas privados de previdência é mais reduzida.21
Observe-se que o fato de se classificar previdência como seguro social – com
caráter contributivo e alguma dose secundária de redistribuição – ou como pro-
grama de redistribuição de renda não resolve todas as confusões que cercam o
debate sobre o tema. É necessário esclarecer outros pontos básicos ou, melhor
dizendo, estabelecer várias outras definições básicas. Três desses pontos ou definições,
porém, são fundamentais para se entender o debate existente. Tais pontos serão
apresentados a seguir. Os demais são complementares e apenas serão mencio-
nados ao final desta subseção.
O primeiro deles envolve responder à seguinte questão crucial: deve ser a
previdência objeto de ação pública direta? Ação pública formulada na questão é
aqui entendida, obviamente, como atividade de execução ou operação de um sis-
tema de previdência, porque, de pronto, devemos destacar que outras atividades
conexas, como fomento, regulação, credenciamento, controle, fiscalização etc.,
são obviamente de responsabilidade direta do Estado e devem ser por ele executadas. A
mesma pergunta pode ser feita de maneira mais direta: há razões que justifiquem
a ação direta do Estado em sistemas previdenciários ou ele deveria apenas se envolver
na assistência social e em programas diretos de manutenção e redistribuição de renda?

GRÁFICO 6
Participação percentual da força de trabalho em sistemas de previdência com regime
de capitalização: diversos países
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
França Austrália Suécia Holanda Reino Dinamarca Japão Estados Alemanha Canadá Itália Brasil
Unido Unidos

Fonte: World Bank (2001, p. 133).

21. Chamamos a atenção para o fato de que não há correspondência exata de países entre os dois gráficos, pois não conseguimos obter
dados para todos. Do total de 17 países listados no primeiro gráfico, 12 estão presentes no segundo.

Cap01.pmd 43 23/3/2007, 15:39


44 PAULO TAFNER

Oliveira (1992, p.26) indica que

(ao Estado...) no papel de executor das políticas, cabe questionar a sua racionalidade. Em primeiro
lugar, ao participar da execução, o Estado perde, até certo ponto, a condição de árbitro imparcial. À
exceção de alguns serviços de excelência, que podem servir como centros de referência tecnológica e
onde as considerações de custo são, até certo ponto, secundárias, a atuação do Estado como executor
na Seguridade Social pode e deve ser severamente questionada em termos de eficiência econômica.

Em posição antagônica, Esping-Andersen (2003, p. 25) assevera que é “alta-


mente improvável que um regime previdenciário privado venha a ser um sistema
capaz de oferecer segurança efetiva na velhice”. Quando analisa o risco demográfico,
afirma que

(...) em suma, é muito difícil imaginar que diante do envelhecimento demográfico a privatização reduzirá
significativamente a vulnerabilidade do pacote total de aposentadoria, qualquer que seja a constituição
de tal pacote. A privatização somente fará isso se a sociedade estiver disposta a aceitar mais pobreza
na velhice e/ou do bem-estar durante a aposentadoria (p. 22).

Trata-se de uma questão que tem suscitado acalorado debate, pois, como men-
cionado na introdução deste livro, diversos países, sobretudo os latino-americanos,
empreenderam reformas privatizantes de seus sistemas previdenciários durante a
década de 1990.22 Essa é, sem dúvida, uma questão fundamental. Não apenas
porque delimita duas vertentes de estruturação de sistemas de previdência, mas,
sobretudo, porque divide os analistas em grupos antagônicos. Não oferecemos
uma resposta a essa pergunta aqui, mas, dada sua importância, a seção subseqüente
é inteiramente dedicada a ela.
O segundo ponto, que de certa maneira está conectado ao anterior, diz res-
peito à estrutura de custeio do sistema de previdência. Há duas tradicionais opções
de custeio dos regimes de previdência: o regime de capitalização (tratado na litera-
tura internacional como funded), em que as contribuições feitas pelos segurados
são identificadas individualmente e aplicadas em fundos capitalizados ao longo
do tempo, constituindo-se em reservas para o futuro pagamento de benefícios; e o
regime de repartição (tratado na literatura como unfunded ou pay-as-you-go), no
qual os recursos correntes financiam as despesas correntes, de modo que não há
constituição de fundos prévios para a cobertura de benefícios.23 Esse regime de
22. Ver, entre outros, Mesa-Lago (1994; 1998), Muller (2000), Brooks (1998), Huber e Stephens (2000), Lo Vuolo (1996), Orzag e Stiglitz
(2001), Crabbe e Giral (2005), James (2002), Gill, Packard e Yermo (2005) e Queisser (2001).

23. Mais recentemente, Suécia e Itália implementaram uma modalidade que combina sistema de repartição com contas individuais que
são capitalizadas contabilmente através de indexadores de preços, demográficos ou macroeconômicos. São as chamadas notional defined
accounts. Nesses planos, as contribuições – realizadas pelos empregados e empregadores – são acumuladas e capitalizadas contabilmente,
gerando um “fundo” que garante equilíbrio atuarial num regime de repartição para todos os novos ingressantes.

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 45

custeio, apesar de não funcionar lastreado em um fundo previamente constituído,


sempre poderá permitir a constituição de reservas, desde que as contribuições
correntes (receitas do sistema) ultrapassem o volume de benefícios pagos (despesa
do sistema). Em realidade, quase todos os sistemas de repartição prevêem a cons-
tituição de fundos de contingência, que são reservas constituídas com o objetivo
de reduzir a volatilidade do sistema decorrente de oscilações no emprego, na renda
real e em outras variáveis.
Uma forma de entender mais facilmente a distinção entre eles é que enquanto
no primeiro regime cada contribuinte está, em princípio, constituindo ao longo
de sua vida de trabalho um fundo para financiar sua velhice – ou sua incapacidade
para trabalhar e, portanto, conseguir renda –, no segundo, as contribuições feitas
pelos atuais contribuintes financiam aqueles que já estão fora do mercado de traba-
lho. No primeiro regime, apenas nos casos de ocorrência precoce de um sinistro –
uma doença, um acidente etc. – haverá transferência da coletividade que contribui
para ele ou sua família. Note-se que, nessa circunstância, não há transferência de
uma geração para outra, mas apenas entre os que não apresentaram sinistro e os que
apresentaram.
O segundo regime, ao contrário, é freqüentemente tratado como um sistema
de solidariedade entre gerações, já que os atuais trabalhadores financiam os apo-
sentados e pensionistas e esperam – ou melhor dizer, torcem para – que os futuros
trabalhadores estejam dispostos a financiá-los no futuro. Não há, entretanto, ga-
rantia de que isso venha a acontecer.
O fato de o primeiro regime estar majoritariamente associado à operação
privada através dos fundos de pensão, e o segundo, ao Estado como provedor de
planos de previdência, tende a polarizar as discussões entre estatizantes e privatistas.
Mas é importante chamar a atenção para o fato de que não há impossibilidade
teórica de haver sistemas de capitalização operados pelo Estado, nem tampouco
os sistemas de repartição operados pelo setor privado.
O terceiro ponto fundamental, e que freqüentemente vem associado ao anterior,
diz respeito à variável de ajuste que na literatura é relatada como “benefício definido”
ou “contribuição definida”. No primeiro tipo, o benefício é definido e contratado
quando se inicia a adesão ao plano. Esse valor pode ser fixo ou guardar alguma
correspondência com as contribuições realizadas pelo segurado. No segundo, o que é
definido é a contribuição, ficando indefinido o valor que o segurado irá receber.
Aqui, mais uma vez, a ocorrência empírica de maior freqüência de regimes
de capitalização com contribuição definida (entre outros, Chile, Austrália,

Cap01.pmd 45 23/3/2007, 15:39


46 PAULO TAFNER

Cingapura, Malásia, Argentina, México, El Salvador24 e Bolívia) e de regimes de


repartição com benefício definido (Japão, França, Alemanha, Dinamarca, Holanda,
Espanha, Brasil, entre outros) tem provocado debates que por vezes tratam o fe-
nômeno empírico como impossibilidade teórica.25 Observe-se que em conjunto
com o regime do sistema, a modalidade de benefício define um complexo quadro
de distribuição de riscos. No regime de capitalização, os riscos relacionados à
poupança e à aplicação dos recursos estão totalmente associados ao segurado, se o
plano for de contribuição definida ou de benefício definido, neste caso até a data
de aposentadoria, ficando a partir daí com o agente gestor do fundo. No regime
de repartição, por outro lado, os riscos demográficos e de desempenho do mercado
de trabalho, por exemplo, estão associados aos contribuintes (ativos) e em casos
mais graves – quando os recursos captados não são suficientes para arcar com os
benefícios – estarão associados à sociedade.
Subjacente à discussão dos sistemas previdenciários há ainda outro aspecto
que tem suscitado acalorado debate e diversos estudos.26 Sistemas de repartição
seriam mais propensos à redistribuição do que planos em regime de capitalização.
Argumenta-se que essa preferência por planos mais generosos só seria implementada
por conta de uma distribuição desigual de poder na sociedade que favorece os
mais velhos em detrimento dos mais jovens, ainda que, por vezes, isso fosse com-
pensado pelo aumento da poupança em decorrência do efeito herança (ver
BERNHEIM, 1991). Nessa medida, os mais velhos sempre teriam preferência por
planos mais generosos, uma vez que o ônus recairia sobre as gerações mais jovens,
algumas das quais nem sequer nascidas.
De forma simples, pode-se imaginar uma sociedade hipotética com três grupos
de trabalhadores: os jovens, os maduros e os aposentados. Suponha-se que a po-
pulação total não se altere e que a cada período um novo trabalhador jovem in-
gresse no mercado de trabalho e um aposentado morra – cessando o benefício de
aposentadoria. Suponha-se, por fim, que a economia – e os salários – cresça 10%
ao ano (a.a.), que a alíquota de contribuição seja constante (20%) e que o sistema
de previdência seja criado ao término do primeiro ano. A tabela 2 apresenta a
evolução desse sistema, para cinco períodos, indicando para cada grupo de indiví-
duos os benefícios recebidos e as contribuições realizadas.

24. Em El Salvador, foi mantido um pequeno sistema público que permaneceu apenas com alguns trabalhadores, segundo critério de
idade (ver MESA-LAGO; MULLER, 2003).

25. No entanto, Suíça, Canadá e Bélgica, por exemplo, têm sistemas de capitalização com benefício definido, e Suécia e Itália têm
sistemas de repartição com contribuição definida. Os Estados Unidos apresentam um sistema de capitalização nocional – que, sendo de
repartição, simula um sistema de capitalização – com benefício definido.
26. Ver, entre outros, Rangel e Zeckhauser (2001), Meltzer e Richard (1981), Browning (1975), Mulligan e Sala-i-Martin (1999a; 1999b;
2003) e Mulligan, Gil e Sala-i-Martin (2002).

Cap01.pmd 46 23/3/2007, 15:39


SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 47

TABELA 2
Simulação de contribuições e benefícios de um regime de repartição
(Em $)

Ano 1 2 3 4 5

Salário 500 550 605 666 732


Jovem B C D E F
Contribuição 83 91 100 110

Salário 1.000 1.100 1.210 1.331 1.464


Maduro A B C D E
Contribuição 165 182 209 219,6

Aposentado - - A 248 B 272 C 309 D 329

Observe-se que o grupo A não terá contribuído, mas terá recebido uma trans-
ferência líquida de $248; a geração seguinte – grupo B – terá contribuído com
$165 e receberá $272, com uma transferência líquida de $107 das gerações mais
novas. O processo continua com transferências líquidas das gerações mais novas
para as mais velhas.
Como indicado por Browning (1975, p. 375),

(...) the “ideal” system from the viewpoint of any individual is a zero tax rate during his working years
and a very high tax rate after he is retired. More generally, an individual will increasingly favor an
increase in the tax rate as he becomes older since he must then pay higher taxes for a shorter number
of years before receiving the higher transfer that this rate accomplishes.

Assim, sistemas de repartição e democracia seriam uma combinação mais


propícia à expansão de gastos previdenciários.
Mulligan, Gill e Sala-i-Martin (2002), no entanto, usando dados de 90 países,
não encontraram evidências de que regimes democráticos gastam maior parcela do
Produto Interno Bruto (PIB) em seguridade social do que países não-democráticos,
quando controlado pela participação da população idosa no total da população.
No mesmo estudo, indicam também que a relação entre gastos previdenciários e
variáveis demográficas e econômicas é essencialmente a mesma em regimes demo-
cráticos e não-democráticos.
Uma vez apresentados todos os principais conceitos relacionados à questão
de previdência, podemos passar à questão que mais polêmica tem suscitado quando
o tema é previdência social. É o que faremos na seção subseqüente.

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48 PAULO TAFNER

4 O ESTADO É NECESSÁRIO NA PREVIDÊNCIA? FAZENDO O QUÊ?


As funções que um Estado democrático moderno deve desempenhar é objeto de
polêmica. Se, antes da década de 1930, cabia aos governos apenas a prestação de
serviços tais como a defesa do território, a justiça e a segurança, com a grande
depressão econômica da década de 1930, e particularmente a partir do final da
guerra, os governos passaram a intervir mais intensamente na economia, tentando
controlar o crescimento, reduzir o desemprego e, mais recentemente, combater a
inflação. Também passaram a fazer parte da intervenção estatal ações mais diretas
para promover a redução de desigualdades (entre indivíduos, regiões, grupos étnicos
etc.).27 Mas se não há consenso sobre o quão amplo deve ser o leque de atividades
que o Estado tem de desempenhar, há algum entendimento de que pelo menos
quatro funções básicas um Estado democrático moderno tem de exercer: a) ga-
rantir as bases macroeconômicas para a estabilidade e o crescimento econômico;
b) promover e garantir justiça entre os cidadãos; c) criar mecanismos institucionais
para que a alocação de recursos seja eficiente; e d) garantir eqüidade de oportuni-
dades e de acesso a bens meritórios.
As três últimas funções podem ensejar a participação do Estado em ações
ligadas à previdência, ainda que muitas vezes, ao promover um objetivo, ele pro-
duza distorções em outro. Para promover e garantir eqüidade, por exemplo, o
Estado exerce tarefa redistributiva,28 que consiste em transferir àqueles que tenham
insuficiência de renda recursos que extrai da sociedade via tributação. Dependendo
de como é feito o financiamento da transferência, pode-se comprometer a eficiência
econômica. As razões de insuficiência de renda podem ser muitas e de naturezas
diversas. Pode decorrer do desemprego, da baixa produtividade do trabalho, da
perda provisória ou permanente da capacidade de trabalho, ou ainda da pouca – ou,
alternativamente, da muita – idade para o desempenho do trabalho.
Muitos países implementaram programas especialmente voltados para pro-
teger o trabalhador do risco do desemprego e da perda de capacidade de trabalho.
Isso teve início no final do século XIX, estendendo-se por todo o século XX,
sendo mais forte sua presença a partir da segunda metade daquele século. Também
o Brasil criou mecanismos similares, desenhando um seguro coletivo de modo a
ratear riscos.29 Para os casos de perda de capacidade de trabalho por velhice ou

27. Em 1948 é apresentada a Convenção 102 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), definindo seguridade como um amplo
programa de proteção social.

28. Ver, a respeito, Rezende (2001), SPE (2003), Barros, Henriques e Mendonça (2000) e Ferreira e Litchfield (2000), entre outros.
29. A Lei Eloy Chaves foi criada no começo do século XX (1923) e o seguro-desemprego bem mais tarde, através do Decreto-Lei 2.283,
de 27 de fevereiro de 1986.

Cap01.pmd 48 23/3/2007, 15:39


SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 49

doença, e para proteger a infância, os governos definiram programas de transfe-


rência de renda a esses grupos de risco sob a forma de aposentadoria, pensão ou
auxílios aos idosos e à infância. Sistemas de previdência e assistência social se
enquadram nesse tipo de intervenção do Estado e são construções institucionais
modernas para dar conta de problemas de insuficiência de renda.
Mas se hoje podemos reconstituir esse processo com bastante acuidade, ainda
assim temos muito que explicar em termos das razões que justificam a atuação do
Estado nessa área e, mais particularmente, em programas de previdência. De pro-
gramas bastante modestos e de garantia de renda mínima aos desvalidos, velhos e
pobres, que datam da metade do século XIX – como já mencionado na introdução
deste livro – aos amplos programas de proteção social, há uma distância bastante
longa e de explicação não trivial.
Mesmo se considerarmos o modelo alemão implantado por Bismarck em
1883 como ponto de partida – que era um seguro social financiado pelos empregados,
empregadores e Estado (financiamento tripartite), com o objetivo de proteger os
empregados dos riscos previdenciários, e por isso, um sistema estruturado –, a
mudança ocorrida ao longo do século XX foi surpreendente. Nesse período passou
a se impor a idéia de seguridade social (modelo de Beveridge), segundo a qual a
prestação é devida não apenas para quem se inseriu no mercado de trabalho, mas
para todos os que não podem ou não conseguem encontrar meios de sustento
através do trabalho.
Não à toa, as discussões mais modernas sobre o tema recaem sobre o processo
de retirada do Estado como provedor desse amplo desenho de proteção social.
Não apenas devido a seus custos – mas também por eles –, mas por conta dos
impactos negativos sobre mercado de trabalho, decisões de poupança e transfe-
rências não intencionais de renda.
Christiane Kuptsch (2001, p. 5), em sua análise do processo de privatização
da previdência em diversos países, indica que:

Different societies have different ideas about the tasks that the State should be responsible for, and
those ideas can change with time. The fact that a particular task is important for public welfare, in
other words that is a ‘public’ responsibility, does not mean that it has to be carried out or even
regulated by the State. Supplying food and clothing would be an example. On the other hand, a
constitutional State may carry out only public responsibilities; anything else would have to be seen as
interfering with the freedom of the individual.

De pronto, devemos chamar a atenção para o fato de que sejam quais forem
as respostas e explicações que teorias possam dar a essa questão, do ponto de vista

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50 PAULO TAFNER

empírico a participação do Estado nas questões de previdência social é simples-


mente uma verdade inquestionável.
A tabela 3 traz dados de 33 países30 sobre o peso dos sistemas previdenciários
e de bem-estar nas contas públicas – portanto com participação do Estado no
sistema – e no produto desses países. Em todos os continentes, para países com
diferentes graus de desenvolvimento, para ricos e para pobres, para colonizados e
colonizadores, países populosos ou quase inabitados, países continentais ou simples
porções de terra, países com população jovem e aqueles cuja população é mais
madura, a realidade é uma só: o Estado participa dos sistemas de previdência e de
bem-estar, e essa participação é crescente quanto mais rico e mais desenvolvido
for o país.

TABELA 3
Gastos com seguridade social e bem-estar: diversos países – média de 1978-1982

% do PIB % de gasto % do PIB % de gasto


Países Países
governamental governamental

Peru 0,03 0,17 Estados Unidos 7,53 33,96


Filipinas 0,27 2,11 Reino Unido 9,43 25,48
Cingapura 0,29 1,36 Suíça 9,84 48,64

Guatemala 0,41 3,64 Grécia 10,21 28,35


Paquistão 0,48 2,65 Chile 10,39 33,96
Turquia 0,64 2,40 Nova Zelândia 11,40 29,26

Zâmbia 0,78 2,30 Hungria 11,63 21,21


México 1,03 16,01 Uruguai 11,67 48,34
Coréia 1,13 6,46 Itália 12,61 30,11

Venezuela 1,75 6,76 Noruega 12,90 33,89


Costa Rica 1,95 8,86 Dinamarca 16,46 42,29
Colômbia 3,03 20,06 Espanha 16,20 58,81

Egito 4,62 9,68 Áustria 17,50 45,77


Argentina 6,29 32,38 França 17,56 44,12
Austrália 7,00 27,94 Suécia 19,48 47,86

Brasil 7,03 35,25 Holanda 19,95 37,09


Canadá 7,12 33,12 Bélgica 21,71 42,09
Fonte: Extraído de Tabellini (1990).

30. Na tabela original são apresentadas informações de 63 países.

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 51

Como mencionado na seção anterior, há enorme diversidade de arranjos


institucionais, indicando não haver determinismo entre modelos e sistemas. No
entanto, é razoável admitir-se que, em sistemas de capitalização (funded), há pre-
ponderância do setor privado e, nessa medida e como contrapartida, o papel do
governo é majoritariamente regulatório (como é o caso da Austrália, do Chile, do
México, entre outros) e, em alguns casos, também como garantidor de renda
mínima àqueles desprovidos de qualquer rendimento ou estrutura de apoio. Já
em sistemas de repartição (unfunded ou pay-as-you-go), a presença do Estado é
massiva como operador do sistema. Há, no entanto, diversas manifestações
empíricas em que, além de operador, o Estado age como regulador, seja porque
um segundo pilar é privado e complementar (como no Brasil, por exemplo, e em
diversos outros países), seja porque o sistema permite concorrência entre agentes
privados e o próprio Estado (o caso da Argentina se assemelha a essa situação).
Mas o que significa essa diversidade de modos de inserção do Estado nas
questões de previdência? Observe-se que não apenas a forma de inserção do Estado,
mas também a dimensão da questão previdenciária varia enormemente de país
para país, como bem demonstram os dados da tabela 3. Enquanto os gastos com
previdência de países como Peru, Filipinas, Cingapura, Guatemala, Paquistão,
entre outros, ficam bem abaixo de 10% do total de gastos governamentais, em
outros como Argentina, Brasil, Canadá, Suíça, Chile, Uruguai,31 Espanha e Áustria
os gastos ultrapassam os 30% das despesas totais do governo.
Tentar explicar as diversidades de manifestações empíricas sem uma abordagem
teórica pode ser uma tarefa por demais exaustiva e pouco conclusiva. É necessário,
portanto, que tenhamos algum arcabouço teórico que nos oriente. Na literatura
sobre o tema, duas grandes famílias de abordagem oferecem razões da ação do
Estado em assuntos de previdência. O primeiro conjunto busca razões para o
governo intervir nesse “mercado” e, por isso, são conhecidas como teorias
normativas da ação do Estado; o segundo conjunto não se manifesta sobre se o
Estado deve ou não intervir, apenas indica como e por que ele de fato intervém.
Esse segundo conjunto de explicações (denominado versões positivas da presença
do Estado) é, ainda, freqüentemente dividido em dois grupos: um que explica o
envolvimento do Estado como decorrência de preferências de agentes que se ma-
nifestam na esfera política, e outro que busca razões de eficiência (ou ineficiências)
para justificar a presença do Estado.

31. O Uruguai era um caso extremo, e a reforma de seu sistema em 1995 representou a derrota definitiva do lobby “grisalho” que
conseguira impedir mudanças em duas outras tentativas (fracassadas) de mudança do sistema.

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52 PAULO TAFNER

As teorias que explicam por que governos devem intervir partem da hipótese
de que os agentes têm alguma deficiência (de informação, de capacidade de decisão
etc.), cabendo então aos governos intercederem de modo a corrigir essa deficiência.
Em síntese, entendem que os indivíduos quando jovens não têm noção exata da
precariedade da vida e da saúde e não têm capacidade de fazer cálculos
intertemporais porque são míopes com relação ao próprio tempo. Em decorrência
disso, quando jovens não poupam o suficiente para enfrentar o desemprego, a
velhice, a doença e a invalidez. Uma versão mais amena sugere que os indivíduos
simplesmente não têm informações relevantes sobre esse processo ou, se têm, diz
outra vertente, não são capazes de realizar cálculos complexos sobre poupanças de
longo prazo (ver FELDSTEIN, 1974; BARRO, 1974; OLIVEIRA, 1982; 1992).
Oliveira (1992, p. 7-8) assim explica a razão da interferência do Estado de-
terminando a compulsoriedade do sistema:

A decisão de quanto poupar, quando poupar e como investir esta poupança de modo a garantir um
fluxo de rendas suficiente durante o período de inatividade é, certamente, muito complexa. O indivíduo
deveria ter disponível um conjunto de informações extremamente amplo e preciso sobre seus futuros
riscos: períodos, natureza e custos de tratamento de doenças que venham a acometer a si e a seus
dependentes, probabilidades quanto ao desemprego, morte, invalidez, expectativa de vida (do segurado
e de seus dependentes) etc. Do lado do investimento, seriam necessárias informações razoavelmente
precisas quanto ao leque de possibilidades disponíveis, custos de oportunidade etc. Mesmo que, em
uma hipótese absurda, estas informações fossem disponíveis, a análise das mesmas seria tarefa árdua
para uma equipe de atuários e de analistas de investimento, especificamente em um país sujeito a
grandes “turbulências” no campo econômico como o Brasil. Para a população como um todo, a tarefa
seria simplesmente impossível.

Observe-se que o primeiro argumento é razoável e, de fato, pode corresponder


à realidade. As pessoas, sobretudo as mais jovens, teriam forte preferência pelo
consumo, na expectativa de terem tempo no futuro de acumularem o suficiente
para os infortúnios. Uma importante crítica à intervenção direta do Estado em
assuntos da previdência é que a miopia da juventude poderia explicar sua ação no
estabelecimento de um sistema de seguro social com adesão compulsória – e,
como tal, com algum caráter distributivo –, mas não a operação do sistema. Nas
palavras de Oliveira (1992, p. 9): “A compulsoriedade não implica necessaria-
mente administração estatal dos mecanismos de captação, aplicação e transferência
de recursos financeiros, bem como na prestação direta de serviços por agentes
estatais no âmbito da Seguridade Social”.
No caso da presença do Estado em decorrência da carência de informação,
há dois tipos de contestação. O primeiro, de cunho teórico. Decisões complexas

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 53

são tomadas diariamente pelos indivíduos sem que eles tenham completa infor-
mação. Além disso, é sempre possível – a um certo preço e sob certo risco –
delegar certas decisões a agentes especializados. É dessa forma, aliás, que diaria-
mente milhões de poupadores delegam a bancos, corretoras e distribuidoras decisões
sobre a melhor aplicação a fazer. Claro que a poupança previdenciária, por suas
características de longo prazo, envolve riscos adicionais vis-à-vis a aplicação de
poupança de curto prazo. Mas, ainda assim, é bastante razoável supor que, na
ausência de sistemas públicos de previdência, segmentos privados desempe-
nhassem esse papel e poderiam ser fiscalizados e regulados pelo setor público.
Uma segunda abordagem indica que um argumento para justificar a forte
presença do Estado em programas de seguridade e previdência é a necessidade de
redistribuição de recursos na sociedade. Aqui é possível haver dois tipos de
redistribuição: a) de uma geração para outra; e b) dentro da mesma geração, dos
mais ricos para os mais pobres.
Uma terceira linha de explicação recorre à existência de falhas de mercado que
prejudicariam o consumidor, exigindo a presença do Estado. Seriam três principais
falhas de mercado: a) ausência de oportunidades de investimentos relativamente
seguros em termos de retornos reais; b) ausência de mecanismos para cobertura de
riscos associados à duração da vida e do período laboral; e c) ausência de um
mercado estruturado de conversão de pecúlio em renda permanente.
Uma última linha de argumentação dentro dessa família teórica que justifica a
presença do Estado em sistemas de previdência pode ser descrita como “depre-
ciação do capital humano”. As palavras do Dr. William Osler, em sua palestra
de despedida da Universidade Johns Hopkins, em 22 de fevereiro de 1905,
ilustram bem essa idéia:

My (...) fixed idea is the uselessness of men above sixty years of age, and the incalculable benefit it
would be in commercial, political and in professional life if, as a matter of course, men stopped work at
this age (…). That incalculable benefits might follow such a scheme is apparent to any one who, like
myself, is nearing that limit, and who has made a careful study of the calamities which may befall men
during the seventh and eighth decades. Still more when he contemplates the many evils which they
perpetuate unconsciously, and with impunity (OSLER, 1910 apud SALA-I-MARTIN, 1995).

A explicação nesse caso é que os mais velhos teriam uma produtividade menor
do que a média dos trabalhadores, fazendo com que a produtividade geral da
economia fosse menor com eles trabalhando do que se a força de trabalho fosse
totalmente composta por segmentos mais jovens (SALA-I-MARTIN, 1995; MULLIGAN,
2000). Esse fato seria agravado, ou seja, a diferença de produtividade seria ainda

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54 PAULO TAFNER

maior, caso as coortes mais jovens fossem mais instruídas do que as mais velhas.32
Então haveria aí uma justificativa para a ação do Estado, no sentido de induzir os
mais velhos a se retirarem do mercado de trabalho, dando-lhes um incentivo
monetário. Caberia ao Estado, portanto, criar sistemas previdenciários garantindo
renda para os mais velhos, a fim de que saíssem logo do mercado de trabalho, com
efeitos positivos sobre a produtividade da economia.
A favor dessa interpretação é o fato de que a realidade empírica parece con-
firmar que os trabalhadores estão permanecendo menos tempo e se retirando cada
vez mais cedo do mercado de trabalho. A literatura internacional tem interpretado
de forma ligeiramente diferente esse evento, atribuindo-o a fatores ligados aos
regulamentos mais benevolentes dos sistemas de previdência, de um lado;33 mas,
de outro, à expansão do valor e da facilidade de acesso aos benefícios ligados ao
desemprego. É a combinação de ambos que estaria determinando essa retirada
antecipada do mercado de trabalho (ver GRUBER; WISE, 2004; LUMSDAINE; MITCHELL,
1999; OECD, 2000).34
Mais uma vez, entretanto, o argumento que justificaria a presença do Estado
– nessa interpretação sua presença visaria corrigir preços relativos, de modo a
induzir a retirada precoce ou antecipada da força de trabalho mais velha – é po-
tente para explicar sua ação regulatória, mas não nos permite concluir que o Estado
deva operar o sistema, ou mesmo realizar pesadas transferências de renda via sistemas
de previdência.
Como se constata de toda essa explanação, várias das versões são capazes de
explicar e justificar a presença do Estado nas questões de previdência, mas nenhuma
delas dá suporte teórico à presença do Estado, em primeiro lugar, na operação dos
sistemas de previdência e, em segundo lugar, na magnitude em que produz pesadas
transferências de renda em segmentos sociais e etários da sociedade. Passemos então
às versões positivas da presença do Estado em sistemas de previdência.

4.1 Democracia e previdência


Na literatura sobre a participação do Estado em sistemas de previdência há inú-
meros trabalhos que associam democracia a regimes de repartição e, a partir daí,

32. Isso, de fato, aconteceu em praticamente todos os países desenvolvidos até os anos 1990. Atualmente o crescimento de escolaridade
média das coortes mais jovens é bem lento (OECD, 2002). No Brasil, isso começou a ocorrer mais tarde, e o processo ainda está em
andamento. Ver, a respeito, Rezende e Tafner (2005, cap. 8).
33. A análise que se faz é que todo o aparato institucional implementado a partir da década de 1950 e que se estendeu até meados da
década de 1970 levou, de fato, à retirada precoce do mercado de trabalho. A questão é que, uma vez explicitados os gigantescos déficits,
os ajustamentos institucionais caminharam em sentido contrário, o que poderia negar a capacidade explicativa dessa versão.
34. Também no Brasil esse processo está em curso, como será visto no capítulo 4.

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 55

conseguem fornecer certo grau de explicação para a forte presença do Estado como
agente de transferências de renda. Essa literatura inicia-se na década de 1960 e se
estende, com críticas e aprimoramentos, até hoje.35
O argumento fundamental é que a luta pela distribuição de recursos na socie-
dade via transferências governamentais se dá através do sistema eleitoral. Seja através
do recurso ao eleitor mediano, seja através da noção de grupos de interesse, essas
teorias admitem implicitamente a hipótese de que a preferência majoritária
estabelecida pelo eleitor transforma-se em política pública.36 A transferência de
recursos pode se dar entre indivíduos de uma mesma geração – nesse caso entre
pobres e ricos, mulheres e homens, brancos e negros, ou qualquer combinação
desses elementos, havendo ainda a possibilidade de transferências negativas, ou
seja, dos mais pobres para os mais ricos – ou entre indivíduos de diferentes gerações,
nesse caso dos mais jovens para os mais velhos ou vice-versa.
Apesar de diversas inovações interpretativas, o fato é que as teorias que esta-
belecem conexões com a política fracassam na tentativa de explicar o surgimento
dos sistemas previdenciários. Apesar disso, uma coisa parece inequívoca: sistemas
de previdência surgem como conseqüência dos processos de proletarização e de
urbanização, quando os trabalhadores e suas famílias passam a ficar mais expostos
a riscos de miserabilidade sem qualquer rede de proteção familiar ou social. Uma
vez criadas essas condições básicas, as teorias baseadas em grupos de interesse,
combinadas com a expansão do sufrágio, parecem ser capazes de explicar a prefe-
rência por sistemas com conteúdo redistributivo, que, para nosso argumento, é
suficiente. De toda forma, não se deve descartar a hipótese não explicitamente
formulada por Esping-Andersen (2003) de que as gerações ou grupos etários que
passaram pela crise de 1929 e pela guerra tinham um argumento moralmente
sólido para pleitearem ampliação dos benefícios previdenciários. Sobretudo porque
os custos dessa ampliação, além de difusos – o que favorece sua aprovação –, são
economicamente não perceptíveis para as gerações mais jovens àquela época, já
que a economia mundial crescia a taxas esplendorosas (média de 5,9% a.a.).37

35. Downs (1960), Aaron (1966), Olson (1965), Browning (1973; 1975), Meltzer e Richard (1981), Tabellini (1990), Sala-i-Martin (1995),
Mulligan e Sala-i-Martin (1999a; 1999b; 2003), Mulligan, Gill e Sala-i-Martin (2002) e Pampel e Williamson (1989).

36. Ver a respeito, entre outros, Kitschelt (1990), Klingemann, Hofferbert e Budge (1994) e Downs (1957).
37. Em um grupo de 11 países, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Bélgica tiveram crescimento médio inferior a 5%. Holanda,
Itália e Japão apresentaram média anual superior a 5%, e Canadá, Espanha, França e Japão apresentaram taxa superior a 6% a.a., sendo
que Espanha e Japão registraram taxas superiores a 8%.

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56 PAULO TAFNER

5 UM MODELO SIMPLES EXPLICATIVO-CAUSAL


Nesta seção apresentamos o modelo explicativo-causal que orientará as análises
apresentadas em diversos capítulos deste livro.
É importante que o leitor tenha clareza de que os sistemas de previdência
podem ser entendidos como um corpo que apresenta vasos comunicantes com
outros corpos. Sendo um corpo, tem propriedades importantes, como, por exemplo,
regras próprias que lhe determinam o comportamento. Mas como se comunica
com outros corpos ou sistemas que lhe são independentes, é também afetado por
eles. Assim, depende não apenas de suas condições próprias, mas também das
condições de outros sistemas relacionados, ou seja, das variáveis que determinam
as condições desses sistemas.
Quando um sistema de previdência apresenta, por exemplo, dificuldades de
sustentabilidade financeira e atuarial, as causas primárias dessas dificuldades podem
tanto estar dentro quanto fora do sistema de previdência. Podem ser, por exemplo,
regras de elegibilidade e de concessão dos benefícios, do valor destes, regras de
contribuição e das alíquotas de contribuição – variáveis que estão dentro do sistema
de previdência. Mas podem também ser o nível de emprego, o grau de formalidade
(ou, inversamente, o grau de informalidade), o salário real médio e a produtividade
– variáveis que são determinadas no mercado de trabalho e dependem, por sua
vez, de condições macroeconômicas e institucionais.
Além dessas variáveis mencionadas, as condições de sistema de previdência
dependem ainda da taxa de juros – pois que determinam a rentabilidade dos
fundos de previdência –, das regras de aplicação dos fundos constituídos (isso é
especialmente relevante para os países com sistemas de capitalização e, no caso
brasileiro, para os fundos) e da dinâmica demográfica. Esta, por sua vez, da dinâmica
de nascimentos e mortes da sociedade, que depende das condições sanitárias, de
higiene e de saúde da população e também de hábitos, costumes e valores da
sociedade, que são mutáveis no tempo.
É bastante evidente que parte expressiva dessas variáveis está mudando de
forma a comprometer o equilíbrio do sistema, embora tais mudanças não sejam
necessariamente ruins. Pelo contrário, em muitos casos são positivas e socialmente
boas e justas. Apenas um exemplo: quando as condições sanitárias e de saúde
melhoram, a população vive mais e melhor. Isso é ótimo do ponto de vista individual
e social, mas uma tragédia para o financiamento da previdência, porque todo esse
“ganho” que decorre de esforço social é apropriado privadamente, na medida em
que as regras atuais dos sistemas de previdência não incorporam essa mudança. O

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 57

ideal seria que parte desse ganho fosse apropriada pela sociedade, o que significaria
aumentar a idade com que os trabalhadores se aposentam.
Um dos pontos centrais da questão, conforme apontaram Gruber e Wise
(2004), são os diversos incentivos (regras institucionais) dados aos agentes, tanto
nas regras gerais dos sistemas de aposentadoria (como idade de aposentadoria,
acumulação de benefícios, valor do benefício etc.), quanto no mercado de trabalho
– seja o custo associado ao fator trabalho, seja o grau de flexibilidade da contratação/
demissão, sejam ainda as regras de acesso e de tempo de duração do seguro-
desemprego, além, obviamente, de seu valor. O diagrama a seguir apresenta de
forma esquemática o modelo explicativo-causal, explicitando as principais inter-
relações do sistema previdenciário com os demais sistemas que determinam o
desempenho do primeiro.
Como se pode observar, o desempenho e o equilíbrio de um sistema de
previdência dependem de fatores que lhe são intrínsecos, tais como a existência ou
não de idade mínima para aposentadoria, o cálculo do valor do benefício (por
exemplo, último salário de contribuição, média de toda a vida laboral ou de um
certo período ou de um subconjunto de maiores contribuições), a taxa de reposição
(porcentagem máxima do valor do benefício vis-à-vis o valor ou salário de contri-
buição), as regras relativas ao benefício de pensão (por exemplo, no Brasil um
beneficiário pode receber integralmente sua aposentadoria e a pensão de seu côn-
juge38), regras sobre a aposentadoria por invalidez.39 Esse conjunto de fatores está

Instituições, normas, regulamentos


que regem a previdência
Desempenho e variáveis macroeconômicas:
demanda de bens, serviços e mão-de-obra

Sistema educacional

Quantidade e qualidade da Desempenho do Desempenho do


oferta de trabalho mercado de trabalho sistema de previdência

Instituições, normas, regulamentos


Padrão demográfico que regem o mercado de trabalho

38. Apenas no setor público, após a reforma de 2003, o valor do benefício de pensão ficou limitado a um percentual inferior a 1,
dependendo de características do pensionista e de sua família. Ver mais a respeito no capítulo 11.

39. Há sólidas evidências de que os benefícios previdenciários por invalidez são particularmente elevados no Brasil. Essa hipertrofia é
especialmente intensa no setor público, como mostraram Tafner, Pessoa e Mendonça (2006).

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expresso no diagrama na “caixa” denominada “instituições, normas e regulamentos
que regem o sistema de previdência”.
Mas é importante que o leitor tenha claro que o desempenho do sistema de
previdência dependerá em grande medida do desempenho de outros sistemas, em
especial do mercado de trabalho – e este, por sua vez, depende enormemente não
apenas das condições macroeconômicas, mas também das instituições que regulam
o mercado de trabalho –, uma vez que este determina, em parte, o nível de emprego,
o nível de remuneração e, juntamente com o aparato institucional e o desem-
penho macroeconômico, determina o grau de informalidade (ver capítulos 7 e 8).
O sistema de previdência dependerá, também, do desempenho macroeconômico,
pois, além de afetar o desempenho do mercado de trabalho, define a taxa de juros
– variável-chave para a sustentabilidade de fundos de capitalização – e, em última
instância, o nível de crescimento da economia.
Por fim, o leitor deve também ficar atento para as grandes mudanças
demográficas. A literatura sobre previdência é farta no sentido de indicar que as
mudanças demográficas ocorridas durante o século XX nos países desenvolvidos,
que ajudaram a constituir poderosos mecanismos de proteção social, são hoje em
dia fatores severamente restritivos à sustentabilidade desses sistemas e estão na raiz
das mudanças implementadas nos sistemas previdenciários desses países a partir
do final do século passado. Como expresso no relatório da OECD (2000, p. 7):

For many decades, demographic and labour force participation trends have provided a favourable
economic environment in OECD countries. (...) If existing patterns continue, the favourable trends
could start to reverse in about 5 to 10 years time. The baby-boom generation will reach retirement age
and the percentage in the labour force could begin to fall. There would be relatively fewer people
producing the goods and services needed to support a population that includes many more retired
people.

Nos capítulos subseqüentes, como indicado na introdução deste livro, serão


apresentadas análises teóricas e empíricas sobre as questões aqui discutidas e
serão trazidos elementos que nos permitam comparar como estamos em relação
aos demais países e, sobretudo, elementos que permitam a reflexão sobre os possíveis
rumos a tomar em nosso sistema previdenciário.

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62 PAULO TAFNER

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SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 63

ANEXO

Financiamento da seguridade social

Fontes de financiamento da seguridade social


Contribuição Base de incidência Alíquota
Contribuições dos empregados Salário bruto até o teto de cerca de 10 7,65% até 3 SCs
salários de contribuição (SCs) 8,65% de 3 SCs a 3 SCs
9% de 3 a 5 SCs
11% de 5 a 10 SCs
Contribuições dos empregadores Folha salarial 20% sobre o total (incluindo autônomos)
1% a 3% para acidentes de trabalho
15% ao contratar autônomo
Contribuições de autônomos (contribuintes Classes de rendimentos até o teto de 10 20% sobre a classe de rendimentos
individuais) SCs subdividida em múltiplos do SC
Contribuições de segurados especiais rurais, Resultado da comercialização da produção 2% com mais 0,1% a título de acidentes de
pesca e mineração (economia familiar) trabalho
Contribuições para o Financiamento da Valor adicionado, faturamento; isenção Valor adicionado de 7,6% ou via lucro
Seguridade Social (Cofins) para instituições financeiras presumido; 3% do faturamento
Contribuição sobre o Lucro Líquido das Lucro líquido das empresas. Lucro 8% para as empresas em geral e 18% para
Empresas (CSLL) presumido 32% (com Imposto de Renda) instituições financeiras
Repasses da União (Tesouro Nacional) Orçamento fiscal, excluindo o que existe Depende das necessidades de
para o Orçamento da Seguridade Social financiamento
(OSS)
Receitas de concursos de prognósticos Receita líquida Deduzidos os valores de prêmios, impostos,
administração e crédito educativo
Contribuição Provisória sobre Transações Movimentações bancárias 0,38% sobre cada transação, exceto entre
Financeiras (CPMF) contas de um mesmo titular
Sistema Integrado de Pagamento de Faturamento de microempresas (a partir de 2% a 2,7% (conforme o faturamento) a
Impostos e Contribuições das 5%) e das empresas de pequeno porte (até título de contribuição de empregadores
Microempresas e Empresas de Pequeno 10%) sobre a folha; 2% a título de Cofins e 1% a
a
Porte (Simples) título de CSLL
Outras receitas Receitas com títulos e valores mobiliários Depende da remuneração de cada título, do
ou imobiliários aluguel ou da venda de imóveis
Fontes: Lei 8.212/1991, atualizada pela EC 20/1998, e Lei 9.876/1999. Extraído de Tafner (2006, p. 482).
a
O Simples substitui a Cofins, a CSLL e as contribuições dos empregadores sobre a folha.

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CAPÍTULO 2

SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO


GRÁTIS”*

Sergio Guimarães Ferreira**

1 INTRODUÇÃO
Muito se tem discutido sobre previdência, e um quase consenso quanto à necessi-
dade de reformas advém desse debate, que se dá tanto na esfera política quanto na
acadêmica. Previdência é um problema em países ricos e em economias em desen-
volvimento. Este capítulo tenta organizar as idéias sobre o muito que já se concluiu
a respeito do assunto na academia, a fim de orientar o debate político no Brasil
sobre as alternativas de reforma.
O texto busca a) discutir a racionalidade econômica, do ponto de vista
normativo e da economia política, para existência de sistemas previdenciários,
conforme desenhados hoje nos principais países; b) analisar os custos implícitos
na manutenção de tais sistemas, representados principalmente pelas distorções
sobre as decisões de consumo/poupança e oferta de trabalho dos indivíduos; c)
ponderar os prós e contras de diferentes modelos “puros”, quando o objetivo é a
maximização do bem-estar da sociedade; e d) abordar a questão do custo de transição
de reformas previdenciárias.
Pretende-se aqui dar um embasamento analítico a ser utilizado no capítulo 4,
que discute a experiência com reformas previdenciárias de um grupo seleto de
países desenvolvidos. Especificamente, será utilizada ao longo deste capítulo a
classificação tradicional da literatura (FELDSTEIN; LIEBMAN, 2002; LINDBECK;
PERSSON, 2003).
Sistemas previdenciários podem ser classificados, primeiro, como de contri-
buição definida (CD) ou de benefício definido (BD). Um sistema de BD é tal que
* Agradeço a Fabio Giambiagi e Paulo Tafner pelos comentários a versões anteriores deste trabalho, que foram muito importantes na
definição da sua forma final. Naturalmente, falhas remanescentes são de minha total responsabilidade.

** Pesquisador do Ibmec/RJ e do BNDES.

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66 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

o benefício é uma função do histórico salarial do trabalhador. Num sistema CD,


por sua vez, o benefício é função do valor dos ativos acumulados até o momento de
aposentadoria.
Segundo, o sistema pode ser capitalizado (funded) ou de repartição (unfunded,
também chamado na literatura de pay-as-you-go). Com efeito, em um sistema de
repartição os benefícios dos aposentados são exclusivamente financiados pelas
contribuições dos trabalhadores atuais, ou seja, a geração “jovem” paga contribuições
que custeiam os benefícios da geração “velha”. Em um sistema capitalizado, os
benefícios são financiados pelo retorno de fundo de pensão previamente acumulado.
Terceiro, um sistema pode ser ou não atuarialmente justo. Um sistema justo do
ponto de vista atuarial tem vínculo perfeito entre contribuição e benefício para cada
indivíduo. Ou seja, em valor presente, R$ 1 de contribuição “compra” o direito a
R$ 1 de benefícios, em cada instante de tempo, para cada indivíduo participante.
A comparação entre diferentes sistemas previdenciários está longe de ser trivial, e
todos possuem prós e contras. Maiores repartições de riscos levam geralmente a
maiores distorções no mercado de trabalho e no capital, e potencialmente a possi-
bilidades de desequilíbrios fiscais ou fortes (e indesejáveis) transferências
intergeracionais. Sistemas atuarialmente mais justos transferem o risco do Estado
(e, por conseguinte, da sociedade como um todo) para o aposentado e são menos
redistributivos. Ou seja, o velho dilema entre eficiência e redistribuição (de renda
e de riscos) está mais presente do que nunca quando o assunto é previdência.
Como diz o velho adágio popular americano, “there ain´t no such thing as a free
lunch” (“não existe almoço grátis”).1
Este capítulo se divide em oito seções, incluindo esta introdução. A seção 2
apresenta a evolução histórica dos sistemas previdenciários no mundo. As seções 3
e 4 discutem, respectivamente, as justificativas normativas e positivas para a exis-
tência de previdência. A seção 5 aborda a literatura acadêmica teórica e empírica
acerca dos impactos do sistema caracterizado por benefícios definidos como função
do salário ao longo da vida, financiados em regime de repartição. Particularmente,
destaca as distorções sobre a acumulação de capital e a oferta de trabalho. A seção 6
compara as alternativas de sistemas previdenciários quanto aos tipos de risco a que
cada opção expõe os beneficiários. A seção 7 aborda o tema da reforma previdenciária
quanto aos custos de transição envolvidos. E a seção 8 conclui o capítulo.

1. A origem da expressão remontaria à tradição dos antigos saloons americanos que oferecereciam almoço gratuito aos clientes, desde
que pagassem por pelo menos um drinque. Milton Friedman popularizou-a no meio econômico, relacionando-o com a presença de trade-
offs nas escolhas sociais ou privadas.

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 67

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O primeiro sistema previdenciário foi introduzido na Alemanha em 1889. Embora
a motivação do chanceler Otto von Bismarck fosse conter o ímpeto do incipiente
movimento socialista e solidificar apoio ao regime político junto aos trabalhadores
urbanos, a idéia de um seguro contra a depreciação acelerada e permanente do capital
humano é anterior ao modelo alemão e remete às sociedades de assistência mútua
organizadas por guildas na própria Alemanha, antes de Bismarck; ou bancos que
forneciam seguro contra invalidez subsidiados pelo Estado, na França de Napoleão
III, entre outros exemplos. Assim, o que distinguia o sistema alemão de mecanismos
de proteção predecessores era sua natureza compulsória e contributiva. Benefícios
eram pagos a trabalhadores inválidos, ou que sobreviviam além da idade de 70
anos, e custeados através de contribuições compulsórias de firmas e empregados.
A difusão do modelo alemão, contudo, foi lenta, e até 1910 o único país que
o adotou foi a Áustria e, mesmo assim, incluindo apenas o seguro contra invalidez.
Paralelamente, um sistema alternativo que fornecia renda vitalícia para idosos
cuja renda estivesse abaixo de determinado limiar (means tested), sem base
contributiva e, portanto, financiados por impostos gerais, era adotado na Dinamarca
em 1891, na Nova Zelândia em 1898 e, em 1908, na Austrália e na Inglaterra.
Nos Estados Unidos, durante os anos 1920, estados instituíram pensões
previdenciárias means tested para idosos, cuja difusão se acelerou depois da crise
de 1929. Contudo, nenhum dos 28 estados que tinham sistema previdenciário
em 1934 o fazia na forma bismarckiana, ou seja, não havia fundo de contribuição
compulsória que financiasse os benefícios, nem a elegibilidade era condicionada
ao nível ou ao número de contribuições.
Em 1935, o Social Security Act promulgado pelo presidente Franklin D.
Roosevelt criou diversos programas de assistência que vigoram, com pequenas
alterações, ainda hoje nos Estados Unidos, entre os quais dois programas que
envolviam renda vitalícia: o Old-Age Assistance (OAA), para idosos pobres, sem
base contributiva e de natureza puramente assistencial, e o Old-Age Insurance
(OAI), este sim um sistema contributivo no estilo alemão e que, com reformas em
1939 e 1958, transformou-se em Old-Age Survivors and Disability Insurance
(OASDI), que os americanos chamam de Social Security. O programa cobre não
somente aposentados por idade, mas também adiciona benefícios aos dependentes
do aposentado, paga pensão ao viúvo do casal (no caso de falecimento do titular)
e seguro contra risco de incapacitação física impeditiva de trabalho.
De modo geral, os anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial
foram de grande expansão do sistema previdenciário no mundo, com a introdução

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68 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

de sistemas de base contributiva em quase todos os países e com o aumento do


valor do benefício médio e da fração de trabalhadores contemplados pelos programas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a fração da força de trabalho coberta pelo
sistema subiu de 43%, em 1935, para 96% em 2005.
A evolução do sistema previdenciário em diferentes países seguiu seus específicos
contextos históricos, mas a forma dominante em países desenvolvidos é a que define
um benefício, que guarda alguma relação (simples ou complexa) entre salário ao
longo da vida e renda vitalícia, e é financiado por uma contribuição compulsória
sobre o rendimento do trabalho (na maioria das vezes envolvendo atribuições
legais conjuntas de empregado e empregador e, para o caso de trabalhadores por
conta própria, alíquota dobrada e atribuição legal cabendo ao próprio trabalhador).
Programas previdenciários hoje são responsáveis pela maior parte das trans-
ferências governamentais no mundo, e por parte importante do aumento da carga
tributária nos países desenvolvidos no pós-guerra. Entre 1953 e 1974, gastos totais
do governo aumentaram de uma média de 29% do Produto Interno Bruto (PIB)
para uma média de 43%, nos países da Organização para Cooperação e Desenvol-
vimento Econômico (OCDE), sendo que a parte das despesas classificadas como
transferências aumentou de 12% para 19% (PELTZMAN, 1980), com estabilidade
desde então.
Embora exista enorme heterogeneidade entre os sistemas previdenciários no
mundo, uma lista de características comuns à maior parte deles pode ser construída.
Pesquisando os 116 países que, em 1997, tinham algum sistema de previdência,
podem-se encontrar os seguintes padrões (MULLIGAN; SALA-I-MARTIN, 1999):
a) os programas induzem a saída da força de trabalho, com benefícios sendo uma
função decrescente da renda laboral do idoso. Programas de renda mínima (means-
tested) para idosos são exemplos, ao condicionarem o acesso ao valor total da
renda laboral. Outros exemplos são sistemas de repartição que postergam benefícios
enquanto o indivíduo estiver na força de trabalho (caso dos Estados Unidos para
pessoas entre 62 e 65 anos, Bélgica e Espanha).
b) benefícios não dependiam da renda de capital, em 98% dos países pesquisados,
em 1997. Posteriormente, a introdução de sistemas CD capitalizados em parte da
América Latina e da Ásia pode ter alterado esse resultado.
c) benefícios aumentam em função dos rendimentos de trabalho prévios à apo-
sentadoria. Em alguns países, os benefícios são apenas proporcionais às contribuições.
Em países desenvolvidos, predomina o sistema de dois pilares (por exemplo, Canadá,
Dinamarca, Japão, Nova Zelândia, Noruega e Inglaterra), sendo o primeiro pilar
um benefício mínimo para todos os idosos (incondicional à renda laboral, e, portanto,

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 69

não é means-tested) e o segundo pilar de base contributiva e com benefício sendo


uma função crescente das contribuições, que, por sua vez, estão vinculadas direta-
mente à renda de trabalho. O número de anos de contribuição que é levado em
conta na definição dos benefícios varia, podendo ser os 35 melhores anos, como
nos Estados Unidos, ou somente os últimos anos, como no caso brasileiro (até
antes da reforma de 1998) ou da Turquia; ou não ter um número máximo de anos
(como na Suécia).
d) contribuições (compulsórias) são geralmente financiadas através de alíquota fixa
sobre o salário bruto, em 96% dos países, na maior parte das vezes com co-participação
entre empregado e empregador. Também é comum que haja um orçamento sepa-
rado para despesas previdenciárias. Talvez como efeito dessa despesa carimbada,
análises econométricas mostram que a arrecadação da contribuição está fortemente
relacionada aos benefícios pagos. Contribuições são compulsórias em todos os
casos em que existem sistemas de base contributiva.
e) pagamento de benefícios através de uma anuidade (uma renda vitalícia com
valor nominal fixo ou ligado a algum índice) é bastante comum. Exceções ocorrem
principalmente em países que têm sistemas de contas individuais e que oferecem
alternativa de saque de uma parcela ou da totalidade do saldo na conta no mo-
mento da aposentadoria (por exemplo, Inglaterra e Austrália).
f) programas geralmente definem uma idade mínima de aposentadoria, e essa
idade mínima se reduziu ao longo de quase toda a segunda metade do século XX,
apesar do aumento da expectativa de vida. Por exemplo, na Alemanha inicialmente
a idade mínima de elegibilidade era 70 anos, enquanto atualmente é de 60 anos.
Na Europa, a integração entre programas de seguro-desemprego, seguros contra
invalidez e previdência reduz substancialmente a idade na qual o indivíduo pode
se retirar da força de trabalho (GRUBER; WISE, 1999). Apenas recentemente, alguns
países passaram a aumentar a idade de aposentadoria, em face de grandes riscos de
insolvência.

3 JUSTIFICATIVAS PARA EXISTÊNCIA: TEORIAS NORMATIVAS


Justificativas para a existência de sistemas previdenciários podem ser divididas em três
categorias. Previdência existe ou porque governos são benevolentes e paternalistas;
ou porque governos são benevolentes e buscam corrigir as ineficiências dos mer-
cados; ou, ainda, porque governos não são benevolentes e sim resultado de grupos
de pressão e de coalizões entre eleitores. Os primeiros dois tipos de hipótese levam
às teorias normativas que explicam por que o governo deve intervir. O último tipo
leva às teorias positivas que tentam explicar por que o governo de fato intervém.

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70 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

3.1 Previdência como um bem de mérito


Governos paternalistas gostam de interferir na alocação de recursos das pessoas
para incentivá-las a consumir alguns bens meritórios. Usar cinto de segurança no
automóvel para prevenir acidente, beber somente socialmente, não fumar e não
usar drogas são exemplos de atitudes que governos paternalistas tentam incutir
nos seus cidadãos através de regulação ou subsídio (ou tributação).
Seguindo essa linha de raciocínio, se indivíduos não poupam adequadamente
ao longo da vida, eis aí uma oportunidade para que governos paternalistas os
incentivem a ser mais previdentes.
Quais seriam as possíveis causas da falta de visão dos poupadores? Pessoas
poderiam não dar peso suficiente para o futuro quando tomam decisões ou não
ter informação necessária para julgar suas necessidades futuras ou simplesmente
não saber investir em longo prazo, por desconhecimento das alternativas de inves-
timento. No primeiro caso, poupadores são míopes, e um programa compulsório
de contribuição definida, não necessariamente administrado pelo governo, resol-
veria o problema. No segundo e no terceiro caso, existiria alguma falha de mercado
na produção de informações que impede indivíduos de tomarem otimamente
suas decisões de consumo intertemporal e de alocação de portfólio. De fato, há
evidência preliminar de que indivíduos mais bem informados tomam decisões
mais adequadas de alocação de portfólio (WHITEHOUSE, 2000). Soluções como
regulação de fundos de previdência, contudo, parecem mais simples do que a
instituição de um sistema de repartição clássico.
E em relação à evidência de miopia? A evidência dá suporte à tese de que pessoas
poupam insuficientemente para sua aposentadoria? Trabalho acadêmico recente
mostra que pessoas poupam pouco não por miopia ou racionalidade limitada,
mas porque contam com recursos previdenciários ou programas de renda mínima
quando se aposentam. Quando se leva em conta a riqueza previdenciária, 80%
das famílias norte-americanas têm mais riqueza do que o que seria ótimo, dadas as
probabilidades de morte e preferências por herança estimadas utilizando-se dados de
painel do Health and Retirement Survey. Para aqueles que poupam menos do que
o ideal, o déficit é relativamente pequeno (SCHOLZ; SESHADRI; KHITATRAKUN, 2005).
Essa evidência nos remete à pergunta inicial sobre por que tais programas
existem, por que têm características predominantes de benefício definido e de
repartição e por que são tão grandes. Uma alternativa é que, embora capazes de
poupar eficientemente para aposentadoria, na ausência de previdência mercados
seriam incapazes de prover renda na forma de anuidades a um preço justo, o que
nos leva à questão da seleção adversa nesse mercado.

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 71

3.2 Seleção adversa


A presença de informação assimétrica entre comprador e vendedor de uma anuidade
(tradução de annuity, título que paga um cupom mensal vitalício) dá origem ao
clássico problema de “seleção adversa” no mercado de seguros contra vida longa (por
exemplo, ROTHSCHILD; STIGLITZ, 1976). Indivíduos que optam por comprar tal
perpetuidade só o fazem se tiverem expectativa de sobrevida maior do que a média.
A percepção da auto-seleção de compradores, pelos vendedores dos títulos, faz com
que esses últimos ajustem para cima o preço da perpetuidade (ou o prêmio do seguro),
restringindo adicionalmente o universo de pessoas que teriam expectativa de
sobrevida que as fizesse aceitar tal bônus perpétuo. Em equilíbrio, sucessivas iterações
entre vendedores e compradores levariam à extinção do mercado de anuidades.
Existem indícios de falha no mercado de anuidades. Enquanto o volume de
contribuições para fundos de pensão baseado em benefício definido foi de US$ 117
bilhões em 1998 nos Estados Unidos , contribuições para contas que rendem
perpetuidades somam apenas US$ 2 bilhões (BROWN; MITCHELL; POTERBA, 2000).
A probabilidade de morte entre 65 e 75 anos do grupo que compra tais títulos é
cerca de metade daquela da população como um todo, tanto nos Estados Unidos
quanto na Inglaterra. O prêmio médio do seguro contra longevidade é de 20%
para uma pessoa com probabilidade de morte típica do americano médio, mas de
12% se a tábua de mortalidade utilizada no cálculo atuarial é aquela do grupo que
compra a anuidade. Padrão semelhante é encontrado na Austrália, na Inglaterra e
no Canadá (JAMES; VITTAS, 1999).
Probabilidades mais baixas de morte entre os indivíduos que compram tais
títulos de forma voluntária no mercado privado podem ter outras explicações.
Particularmente, em muitos países com sistema previdenciário público compul-
sório, as pessoas já têm uma fração exagerada de seus ativos na forma anuitizada,
e gostariam (se pudessem) de reduzir tal fração (e não aumentar). Nesses países,
somente indivíduos mais ricos vão querer poupar voluntariamente na forma de
perpetuidades, e, conseqüentemente, o preço da perpetuidade refletirá a menor
probabilidade de morte desse grupo vis-à-vis a média da população. Nesse caso, a
proporção pequena do mercado privado de títulos perpétuos não seria resultado
de uma falha de mercado resultante de informação assimétrica, mas de sistemas
previdenciários excessivamente grandes.

3.3 Moral Hazard


Indivíduos podem agir como “caronas” em programas de renda mínima para idoso
ou, na ausência de tais programas, contar com os valores altruístas da sociedade.

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72 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

Nesse caso, indivíduos se aposentariam mais cedo e poupariam menos, contando com
a ajuda do governo ou de amigos ao fim da vida (LINDBECK; WEIBULL, 1988).
Novamente, formas alternativas de compulsoriedade emergem como solução
para o problema de moral hazard, podendo tanto o governo instituir a contribuição
solidária para todos os indivíduos, ou seja, um sistema de repartição que obrigue
cada um a contribuir para o bem público, ou, ao contrário, para forçar o indivíduo
a prover para si próprio em um sistema de contribuição definida. O argumento de
moral hazard, contudo, não é capaz de convencer-nos em relação à enorme di-
mensão dos programas previdenciários no mundo e ao seu caráter predominante
de benefício definido.

3.4 Externalidades positivas no capital humano


A depreciação do capital humano com a idade faz com que pessoas mais idosas
tenham capital humano mais baixo do que a média, e tal situação é acentuada se
coortes mais jovens têm nível de educação mais alto. A existência de externalidades
positivas no capital humano médio no ambiente de trabalho (LUCAS, 1988) justi-
ficaria a instituição de um subsídio para que indivíduos com capital humano
baixo saiam da força de trabalho (MULLIGAN, 2000).
Argumentos de eficiência parecem ter dado suporte à criação do OAI em
1935, nos Estados Unidos. O argumento implícito na ocasião era o de job sharing
(compartilhamento de empregos), no sentido de que idosos deveriam dar lugar
aos mais jovens na força de trabalho. O mesmo tipo de argumento embasava a
legislação que instituiu uma idade obrigatória de aposentadoria na mesma época.2
Na medida em que a população envelhece, e os benefícios resultantes de job sharing
se reduzem, deveríamos esperar uma redução dos incentivos fiscais à aposentadoria
precoce, e, portanto, uma redução desses programas, o que é coerente com as
discussões de reforma no mundo desenvolvido.
Esse tipo de argumento não deve ser surpreendente para administradores de
fundos de previdência fechados vinculados ao emprego. Fundos de pensão
atuarialmente equilibrados que pagam benefício definido podem ser parte de um
contrato eficiente de trabalho se empresas quiserem formar relação de longo prazo
com o empregado. Nesse caso, o contrato ótimo seria tal que a empresa paga um

2. Barbara Armstrong, professora de direito de Berkeley e membro do Social Security Committee, criado por Roosevelt em 1934 para
elaborar o sistema de previdência, não tinha dúvidas de que o Social Security Act foi concebido com objetivos de aposentar o contingente
de idosos, criando espaço para jovens no mercado de trabalho: “The interest of Mr. Roosevelt was with the younger man (...) That is why
that little ridiculous amount of $ 15 was put in. Let (the elderly) earn some pin money, but it had to be on retirement. And retirement
means that you’ve stopped working for pay” (Barbara Armstrong Memoir, Columbia University, citado em Sala-i-Martin, 1992, p. 6).

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 73

salário abaixo da produtividade quando o indivíduo é jovem, e acima da produti-


vidade quando o indivíduo é velho. O sistema de fundo de pensão, nesse caso, é
desenhado de forma a induzir a aposentadoria em uma idade tal que o valor presente
da produtividade do indivíduo iguala o valor presente do salário pago mais benefícios
esperados. Ou seja, o benefício de aposentadoria é explicitamente desenhado de forma
a induzir a saída do trabalhador no tempo certo (LUMSDAINE; MITCHELL, 1999).
Como veremos adiante, há evidência de que programas de previdência real-
mente incentivam a saída da força de trabalho, embora ainda existam controvérsias
a esse respeito. Contudo, o mero incentivo à aposentadoria precoce que teria jus-
tificado o nascimento de tais programas de previdência baseados em benefício
definido não é suficiente para explicar a magnitude de tais programas.

3.5 Contrato intergeracional


Pais altruístas, que têm o consumo do filho na função utilidade, transferem poder
de compra para seus sucessores através de herança (capital físico) ou em investi-
mento em educação (capital humano). Existe evidência de altruísmo dos pais no
fim da vida (BERNHEIM, 1991).
Mas será que pais são altruístas em relação a investimentos em capital humano
e investem otimamente na educação dos filhos? Na ausência de motivos altruístas,
o investimento em capital humano dos filhos só poderia ser feito mediante um
contrato em que o rendimento de trabalho deles seja repartido com os pais de
alguma forma. Sistemas previdenciários de repartição, em que a contribuição paga
sobre o rendimento corrente do estoque de capital humano (da geração de filhos)
financia os benefícios correntes dos idosos (geração de pais), funcionam como
esse vínculo intergeracional na ausência de altruísmo (BECKER; MURPHY, 1988). O
governo funciona como coordenador, regulador e centralizador desse contrato
intergeracional implícito, de forma a reduzir custos de transação. Soluções ade-
quadas podem ser encontradas tanto através da implementação de um sistema de
contas individuais nocionais (que pague ao velho a rentabilidade de capital humano
do jovem) quanto por um sistema de repartição BD.
De forma similar, um regime de repartição pode ser visto como um contrato
de seguro contra riscos de futuros choques negativos na produtividade do trabalho.
De outra maneira, contribuições previdenciárias são uma forma de a geração de
jovens comprar algum capital físico em um mundo onde capital humano é
indivisível e, portanto, não comercializável. Na ausência de um sistema
previdenciário, jovens têm excesso de capital humano e pouco capital físico
(MERTON, 1983). Nesse sentido, o vínculo entre contribuição e benefícios existente

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74 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

na maior parte dos sistemas é eficiente, pois fornece um hedge contra riscos de
rendimento de capital humano, quando a composição do portfólio não pode ser
alterada – em função de falha de mercado. Nessa linha, faz sentido um programa
previdenciário que dá um retorno implícito elevado para as primeiras contribuições.

4 JUSTIFICATIVAS PARA EXISTÊNCIA: TEORIAS POSITIVAS


Embora eficaz na produção de explicações para a existência de sistemas previdenciários,
as teorias normativas não são capazes de explicar o tamanho desses sistemas nem
a razão pela qual envolvem tanta redistribuição.
Isso aumenta o apelo de justificativas baseadas na nova economia política como
forma de explicar tanto o tamanho quanto o tipo de sistema existente. A base da
existência de sistemas de repartição está na presença de conflito distributivo e no
sistema eleitoral como mecanismo existente de repartição de recursos em sociedades
democráticas. Conflitos distributivos podem ser categorizados em intrageracionais
e intergeracionais. Conflitos intrageracionais existem dentro de uma mesma geração,
entre homens e mulheres, pobres e ricos, pessoas saudáveis e pessoas doentes,
pessoas que trabalham e pessoas que não trabalham, pessoas que poupam e pessoas
que não poupam etc. Conflitos distributivos intergeracionais são entre jovens, velhos
e pessoas ainda não nascidas, que disputam um pool de recursos presentes e futuros.
A sociedade, através de mecanismos de escolha pública, define o grau e a
forma pela qual a redistribuição de recursos ocorre. De modo geral, o volume de
transferências cresceu substancialmente ao longo do século XX, e despesas
previdenciárias são parte essencial dessa história. Alguns autores atribuem o aumento
de transferências para pobres em democracias à expansão do sufrágio, com a in-
corporação de pobres e mulheres à massa de eleitores e, conseqüentemente, ao
deslocamento do eleitor mediano para percentis inferiores da distribuição de renda,
mais distantes da média da distribuição de renda – e, portanto, com forte prefe-
rência por redistribuição (MELTZER; RICHARD, 1981).
Explicações baseadas no teorema do eleitor mediano, contudo, esbarram em
dois problemas. Primeiro, quando tais sistemas foram instituídos e aumentados,
o eleitor mediano não era um idoso aposentado, mas sim um trabalhador. De
acordo com a evidência apresentada por Mulligan e Sala-i-Martin (1999), os países
com maior percentual de população idosa são Itália, Grécia e Suécia, com 78% da
população com menos de 60 anos.
Outra crítica a modelos baseados em eleição majoritária é que, empiricamente,
as características redistributivas de sistemas previdenciários no mundo independem
de o regime de governo ser democrático ou não (MULLIGAN; GIL; SALA-I-MARTIN,

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 75

2002). Um regime autocrático criou o sistema da Alemanha, Lênin criou o


programa russo em 1922, o imperador Ito instituiu o japonês em 1941, e assim
por diante. Em uma amostra de 50 países, um estudo encontrou que, em média,
governos democráticos e não-democráticos gastam a mesma fração do PIB com
benefícios previdenciários, depois de controlado para renda per capita e para a
fração de idosos na população (PAMPEL; WILLIAMSON, 1989).
Teorias que utilizam a eficiência de grupos de interesse (lobbies) tendem a ser
mais bem-sucedidas em explicar a importância dos sistemas previdenciários. Como
o sistema de repartição concentra benefícios em poucos, e distribui os custos por
toda a sociedade (sendo parte dos custos carregada por pessoas ainda não nascidas),
a taxa de retorno da atividade de lobby é bastante elevada, as resistências são pequenas,
e, conseqüentemente, as chances de sucesso da atividade são altas (PARETO, 1927).
Alguns autores mencionam, além disso, vantagens comparativas que os idosos
teriam em atividades de lobby, particularmente disponibilidade de tempo e single-
mindedness, e isso explicaria diversas características dos sistemas previdenciários
(MULLIGAN; SALA-I-MARTIN, 2003). Um survey da revista Fortune, nos Estados
Unidos, apontou a Associação Americana de Pessoas Aposentadas como o mais
poderoso lobby em Washington. O voto do eleitor idoso é considerado muito
mais elástico a benefícios previdenciários do que o voto de qualquer outro grupo
a respeito de qualquer outra variável (MULLIGAN; SALA-I-MARTIN, 1999).
Se a explicação procede, por que idosos começaram a fazer lobby somente na
segunda metade do século XX, e por que a atividade de lobby cresceu no pós-
guerra? Teorias que racionalizam o comportamento de grupos de interesse são
mais bem-sucedidas do que as que utilizam o conceito de eleitor mediano combinado
com conceitos de coalizão, mas, ainda assim, não explicam o surgimento de pro-
gramas previdenciários no século XX nem seu crescimento no pós-guerra.

5 DISTORÇÕES DO SISTEMA DE REPARTIÇÃO E BENEFÍCIO DEFINIDO SOBRE


POUPANÇA E OFERTA DE TRABALHO
Como visto na seção 2, a maior parte dos países tem sistemas de benefício definido
financiados por repartição. Nesta seção, discutem-se as duas principais críticas a
esse tipo de desenho, qual seja, de que reduzem a poupança e induzem a aposen-
tadoria precoce.

5.1 Decisões de poupança


Das classificações apresentadas na seção introdutória, o fato de um sistema ser
capitalizado ou de repartição é que determina se ele distorce as decisões de poupança

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76 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

(LINDBECK; PERSSON, 2003). O impacto teórico de um sistema de repartição na


poupança agregada da economia é ambíguo. Existem basicamente três formas
pelas quais a instituição de previdência por repartição e benefício definido pode
afetar a poupança agregada, em um modelo de geração superposta sem risco.
Imaginem-se um sistema de repartição e um indivíduo que vive dois períodos.
Suponha-se que esse indivíduo só trabalhe no primeiro período. Na hipótese de a
sua taxa de desconto intertemporal ser 0, apenas como simplificação, o indivíduo
vai querer consumir a mesma quantidade em cada período (na hipótese adicional
de a função utilidade ser côncava), se a taxa de juros da economia é 0. A taxa de
poupança, portanto, será de 50% sobre a renda laboral no primeiro período.
Primeiro, se um sistema previdenciário atuarialmente equilibrado é introdu-
zido, com uma alíquota de 10%, esse mesmo indivíduo receberá no segundo
período 10% de sua renda do primeiro período na forma de benefício
previdenciário. A conseqüência é que ele decidirá reduzir sua poupança no pri-
meiro período a apenas 40% de sua renda. Esse efeito é chamado na literatura de
efeito remanejamento ou replacement effect, e claramente leva a uma redução da
poupança individual, em um sistema de repartição atuarialmente equilibrado.3
Por que a redução da poupança individual resultará em queda de poupança
agregada? Se a contribuição de 10% é transferida para a geração vivendo no se-
gundo período, e não existe poupança por motivo de herança, essa fração da renda
será inteiramente consumida pelos “velhos”, e a poupança agregada da economia
cairá. Na linguagem keynesiana, transfere-se renda de uma população com baixa
propensão a consumir para uma população com alta propensão a consumir (onde
a propensão é derivada otimamente a partir de um modelo de ciclo de vida).
Logo, o efeito remanejamento faz com que a instituição de um pay-as-you-go reduza
a acumulação de capital.
Segundo, sistemas previdenciários envolvem redistribuições entre várias ge-
rações, e as primeiras gerações usufruem taxas de retornos excepcionalmente ele-
vadas e – o que é mais importante – mais altas do que a taxa de juros real de longo
prazo da economia. Assim, a redistribuição entre gerações faz com que algumas
coortes tenham ganho de renda permanente (valor presente do fluxo de renda ao
longo da vida) e outras sofram perdas. Nos Estados Unidos, a taxa interna de
retorno das contribuições previdenciárias foi de 36,5% para a geração nascida em
1876, 11,9% para a geração nascida em 1900 e 4,8% para aqueles nascidos em

3. A incorporação de uma taxa de desconto intertemporal e taxas de juros positivas não mudam a natureza da conclusão, mas apenas as
proporções da renda alocadas em consumo no primeiro e no segundo período. A hipótese de que o indivíduo viva mais períodos também
não muda o resultado, assim como a adição de incerteza quanto ao tempo de duração da vida.

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 77

1925. Projeta-se uma taxa monotonicamente decrescente e inferior a 2,0% para as


gerações nascidas após 1950. Utilizando-se uma taxa de desconto de 2% real,
pode-se concluir que a geração nascida em 1900 beneficiou-se de uma transferência
líquida de US$ 112 bilhões (dólar de 1989). Gerações nascidas até 1960 recebem
transferências de gerações nascidas após essa data (LEIMER, 1994).
Os grupos favorecidos na redistribuição (geralmente as primeiras gerações)
aumentam o consumo em todos os períodos do ciclo de vida (na ausência de
altruísmo entre gerações), e, conseqüentemente, a acumulação individual de capital
diminui. Esse efeito é chamado de efeito riqueza (wealth effect) e leva a uma
desacumulação de capital em função desse efeito redistributivo.4
Em terceiro, programas previdenciários tendem a gerar antecipação da saída
da força de trabalho por grupos beneficiários (retirement effect), como será mais
detalhado adiante, e assim leva a uma poupança maior na fase de acumulação
pelos indivíduos, contribuindo para um aumento da acumulação de capital. Assim,
em um modelo em que o indivíduo tem como única preocupação a suavização do
consumo ao longo do ciclo de vida, a instituição de um sistema de repartição não
é necessariamente redutora de poupança.
Ou seja, em um modelo canônico de gerações superpostas, dos três argu-
mentos que vinculam previdência a poupança, dois implicam efeito negativo e
outro leva a efeito positivo.
A introdução de riscos quanto à renda futura no modelo torna a discussão
mais complexa. Na presença de incerteza em relação a choques transitórios de
renda (por exemplo, o indivíduo pode sofrer uma queda da renda laboral tempo-
rária, mas não permanente), o agente econômico determina sua poupança ao longo
da vida, de forma a criar um colchão (buffer stock) suficiente para suavizar as
variações de consumo nos períodos de “vacas magras” (CARROLL, 1997). Na pre-
sença de restrições de liquidez que impeçam o agente de se endividar diante de
choques negativos de renda, é ainda mais forte a motivação para poupança em
tempos de bonança. Redes de seguridade social que permitem a indivíduos de
renda baixa acesso à suplementação de renda (programas means tested de uma
forma geral) teoricamente são redutores de poupança agregada, na medida em
que reduzem a exposição ao risco de desemprego ou, de forma mais geral, ao risco
decorrente da volatilidade no rendimento do capital humano, e assim reduzem a
necessidade de formação de um buffer stock (HUBBARD; SKINNER; ZELDES, 1995).

4. Teoricamente, contudo, a presença de altruísmo intergeracional e de motivo herança faz com que transferências para uma geração em
detrimento de outra sejam inteiramente poupadas pela geração beneficiária, sem efeito sobre o consumo. Esse resultado é chamado de
equivalência ricardiana (BARRO, 1974).

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78 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

Pode-se conjecturar que, ao tornar a renda de aposentadoria menos exposta


a riscos de taxas de juros ou, principalmente, a riscos da rentabilidade do capital
humano (DEATON; GOURINCHAS; PAXSON, 2000), sistemas de benefício definido
também tenderiam a reduzir a necessidade de poupança por motivo de precaução.
Alguns países têm taxas de poupança muito baixas na presença de programas
de renda mínima generosos (como nos casos de Austrália e Alemanha), e outros
têm taxas bastante elevadas na ausência dos mesmos programas (como, por exemplo,
Cingapura). Contudo, ainda não existe evidência mais robusta do efeito de tais
programas sobre a poupança.5
Embora haja ambigüidade quanto aos efeitos de programas previdenciários
do tipo de repartição sobre a poupança agregada, pode-se concluir que a literatura
teórica tem predominantemente encontrado efeitos contracionistas, com grandes
ressalvas quanto à magnitude. Modelos computacionais que incorporam riscos
demográficos e de renda a uma estrutura de gerações superpostas tendem a concluir
que, com parâmetros factíveis para a estrutura de preferências dos consumidores e
para a estrutura da tecnologia, a eliminação do sistema de benefício definido fi-
nanciado por repartição gera um acúmulo de capital e uma melhora na eficiência
econômica (ver, por exemplo, DE NARDI; IMROHOROGLU; SARGENT, 1998).
O que dizer então da literatura empírica? Estudos de impacto de programas
previdenciários de repartição geralmente são de três tipos: comparação entre países
(cross country), séries de tempo em um mesmo país, e análise de corte horizontal
(cross section). A comparação entre países sofre um grave problema do viés de
seleção. Um regime de benefício definido mais benevolente pode ter sido adotado
em determinado país por causa da insuficiente provisão de poupança para apo-
sentadoria (em função de miopia dos residentes naquele país). Por exemplo, em
países onde existe uma cultura de repartição de riscos dentro da família, com
elevada poupança associada a transferências intergeracionais, como é o caso de
Cingapura, haveria menor necessidade de regimes de repartição serem instituídos
com tais fins. Se a instituição desses sistemas é endógena, tende-se a encontrar
uma correlação negativa entre poupança e regimes de repartição, sem que fique
clara a direção da relação causal. Outro problema associado a comparações entre
países é a heterogeneidade da base de dados. Comparações internacionais, com
efeito, não mostram uma relação clara entre o tamanho do sistema previdenciário
e a poupança (CONGRESSIONAL BUDGET OFFICE, 1998).

5. A própria evidência da importância da poupança precaucionária ainda não foi consolidada na literatura econométrica, principalmente
porque padrões de consumo individuais podem ser replicados tanto por modelos sem incerteza mas com restrição de liquidez, quanto por
modelos com incerteza e com formação de buffer stock (GOURINCHAS; PARKER, 2001).

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 79

Os estudos que comparam indivíduos nos Estados Unidos (cross section) in-
dicam que, para cada dólar a mais na forma de riqueza previdenciária (geralmente,
o valor presente dos benefícios de aposentadoria, debitado de contribuições
previdenciárias), a riqueza privada diminui cerca de 25 centavos. De 14 estudos
representativos feitos entre 1979 e 1997, 10 encontraram correlação negativa entre
riqueza privada e riqueza previdenciária, 2 verificaram correlação negativa mas
não rejeitavam a hipótese alternativa de impacto nulo, e 2 encontraram correlação
positiva. Os resultados dependem da base de dados e da metodologia de mensuração
da riqueza previdenciária, mas, de forma geral, apontam para um crowding out
(CONGRESSIONAL BUDGET OFFICE, 1998).
Correlação, contudo, não indica necessariamente causalidade, porque carac-
terísticas não observáveis dos indivíduos (e, portanto, não incluídas na regressão)
podem estar relacionadas tanto à riqueza previdenciária quanto ao estoque de
ativos financeiros.6 Adicionalmente, estoque de ativos privados menores não quer
dizer necessariamente que tais ativos tenham deixado de ser acumulados por causa
de consumo relativamente alto. É possível ainda que doações em vida para os
filhos, ou investimento em capital humano deles, tenham sido feitas para com-
pensar uma transferência maior através do sistema previdenciário, e tais alocações
compensatórias aparecem sob a forma de um estoque menor de ativos privados.
Assim, não é claro se a correlação negativa entre previdência e ativos privados
individuais significa uma correlação positiva entre consumo individual e riqueza
previdenciária. Colocado de outra forma, as regressões cross section nada dizem a
respeito do impacto da previdência sobre o estoque de capital agregado – mesmo
que o problema da causalidade seja efetivamente sanado com bons instrumentos
ou análise longitudinal adequada.
Por último, estudos que utilizam dados agregados de consumo e riqueza
previdenciária ao longo do tempo tentam solucionar o problema da agregação,
mas criam outros tipos de dificuldades. Tais estudos são extremamente sensíveis à
especificação da regressão (particularmente à definição de riqueza previdenciária),
e resultados positivos ou negativos podem ser encontrados dependendo da definição
escolhida.

5.2 Decisões de oferta de trabalho


O debate a respeito do impacto de sistemas previdenciários sobre decisões de
oferta de trabalho chega a conclusões mais definitivas do que aquele que discute o

6. Por exemplo, o total de anos trabalhados ao longo da vida, o estado civil, a expectativa de vida e a renda permanente afetam, ao
mesmo tempo, o estoque de ativos financeiros e a riqueza previdenciária.

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80 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

impacto sobre poupança. Nas últimas três décadas tem ocorrido uma dramática
queda na taxa de participação na força de trabalho de homens entre 60 e 64 anos
de idade. Em uma amostra de dez países industriais (Japão, Suécia, Estados Unidos,
Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Espanha, Holanda, França e Itália), em 1960, a
taxa de participação estava acima de 70% em todos eles, exceto Itália. Em 1995,
apenas o Japão ainda tinha taxas de participação acima de 70% (GRUBER; WISE,
1999). Particularmente, França, Bélgica e Holanda tinham menos de 30% de sua
população entre 60 e 64 anos ainda dentro da força de trabalho.
Duas características dos sistemas previdenciários têm importante efeito sobre
a decisão de participação na força de trabalho. A primeira é a idade na qual os
benefícios são inicialmente disponibilizados, também chamada de idade de apo-
sentadoria parcial (early retirement age, ERA). A segunda característica essencial
que determina a idade em que a pessoa escolhe sair da força de trabalho é a com-
paração entre a adição (ou subtração) que um ano de trabalho traz sobre a riqueza
previdenciária (valor presente de benefícios, líquidos de contribuição previdenciária)
e o salário ganho ao longo daquele ano. O retorno total por um ano a mais de
trabalho é a soma de ambas as parcelas. Se, para uma dada idade, a primeira
parcela é negativa, ou seja, a riqueza previdenciária cai com o adiamento por um
ano da decisão de saída, pode-se calcular a alíquota marginal do imposto sobre o
trabalho devido exclusivamente à regra previdenciária. Caso a primeira parcela
seja positiva, o sistema previdenciário representa um subsídio à oferta de trabalho.
Em que medida a promessa de benefícios previdenciários afeta a decisão de
oferta de trabalho? Primeiro, o adiamento da aposentadoria representa sempre
um ano a menos de benefícios; e, segundo, um ano a mais de contribuições
previdenciárias. Para compensar a redução do número de anos de desfrute, em
alguns países existe um ajuste atuarial feito na forma de maiores benefícios, de
modo que o valor presente dos benefícios não se altere. Quanto maior é o ajuste,
menor será a tributação à oferta de trabalho induzida exclusivamente pelas regras
previdenciárias.
Segundo, geralmente um ano a mais de trabalho leva a um recálculo do
benefício, dado que na maior parte dos países o salário de benefício é uma média
de salários ao longo da vida. Se salários ao fim do ciclo de vida são maiores do que
no início, a fórmula de cálculo do salário de benefício é um incentivo ao adiamento
da saída.
Terceiro, um adiamento no recebimento de benefícios aumenta a probabili-
dade de morte antes que qualquer benefício seja recebido, o que induz também a
saída precoce motivada por regras previdenciárias.

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 81

Quarto, na grande maioria dos países, a riqueza previdenciária futura não


pode ser utilizada como colateral para empréstimos, o que induz pessoas mais
pobres (com maiores possibilidades de terem acesso restrito a crédito) a antecipar
a saída da força de trabalho.
Quinto, em alguns países, o acesso universal ao seguro-saúde público só
ocorre atrelado à idade normal de aposentadoria, o que motiva indivíduos sem
seguro privado (exceto aquele do empregador) a postergarem sua saída do trabalho
até tal idade.
Jonathan Gruber, David Wise e associados aplicam tais conceitos às respec-
tivas regras previdenciárias de dez países da OCDE, de forma a calcular em que
medida a previdência tributa ou subsidia a participação na força de trabalho (por
exemplo, GRUBER; WISE, 2003). A conclusão geral dos trabalhos é de que previ-
dência representa uma substancial tributação à participação na força de trabalho
para idades mais avançadas.
Em muitos países europeus, entre os quais Alemanha e França representam
os casos mais dramáticos, programas públicos de seguro-desemprego e seguro
contra invalidez exercem importância essencial na decisão de saída da força de
trabalho antes da idade oficial de aposentadoria (mesmo antes da ERA). No Reino
Unido, na Holanda e nos Estados Unidos, planos de previdência fechados vinculados
ao empregador também exercem substancial influência na decisão de saída da
força de trabalho.
De forma geral, nos países industrializados existe forte relação entre as pro-
visões do sistema previdenciário e as idades de saída da força de trabalho. Grandes
saídas da força de trabalho estão associadas à primeira idade na qual o indivíduo
tem acesso ao benefício (ERA), e com a idade normal de aposentadoria, quando
os benefícios são integrais (normal retirement age, NRA). Embora a ERA nos paí-
ses industrializados esteja entre 60 e 64 anos, são comuns os casos em que a saída
da força de trabalho se dá mesmo antes, em função da existência de programas de
seguro-desemprego e seguro contra invalidez, ambos com cláusulas menos rígidas
para pessoas com mais de 55 anos, e que servem de ponte para a aposentadoria,
como ocorre na Bélgica, na França, na Holanda e na Alemanha, onde 20% da
população se aposentam antes da ERA. A tabela 1 mostra o padrão de aposenta-
doria em três países com fortes provisões para aposentadoria em determinadas
idades específicas.
Nos Estados Unidos, a ERA se dá aos 62 anos; e a idade normal, aos 65 .
Nota-se o aumento das probabilidades de saída aos 62 entre 1960 e 1970. Na
França e na Alemanha, a saída da força de trabalho acontece muito mais cedo, e isso

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82 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

TABELA 1
a
Saída da força de trabalho, por idade: hazard rate
(Em %)

Ano/Idade 55 60 62 63 65

Estados Unidos

1960 1,2 2,4 2,5 17,5

1970 0,7 2,5 7,5 17,5

1980 2,3 4,9 16,1 17,5

1995 2,3 8,5 24,0 21,0

Alemanha

1995 18,0 35,0 54,0 46,5

França

1995 7,5 60,0 20,0 26,0


Fonte: Gruber e Wise (1999).
a
Probabilidade de sair da força de trabalho no ano t, condicional a ter estado trabalhando no ano anterior.

aparentemente guarda forte relação com as provisões de seguro-desemprego e


invalidez, como ficará claro no capítulo 4. Na França, em particular, a idade
normal de aposentadoria é de 60 anos, e o sistema pune fortemente (através
de elevada tributação implícita) a permanência depois dessa idade. Na Alemanha,
a ERA é de 63 anos, o que explica a concentração de saídas nessa idade.
Para os Estados Unidos, alguns autores encontram evidências de que o pico
na idade de 62 anos ocorre para indivíduos com poucos ativos, mas não para
indivíduos mais ricos. Aparentemente, a existência de falhas no mercado de crédito
e a impossibilidade de indivíduos não aposentados se endividarem utilizando a
renda previdenciária futura como colateral explicariam o pico aos 62 anos para
aqueles que sofrem de restrição de liquidez. O acesso ao seguro-saúde gratuito
público (Medicare) apenas na idade de 65 anos para a grande maioria de trabalha-
dores explica a saída concentrada nessa idade, na medida em que o padrão de
aposentadoria é inteiramente distinto para indivíduos com acesso a seguro-saúde
privado desvinculado do emprego ou acesso ao Medicaid (RUST; PHELAN, 1997).
Embora as regras de acesso ao benefício previdenciário e ao seguro-saúde
expliquem determinados padrões, é importante mencionar que a previdência não
é a única força presente a explicar o movimento em direção à saída precoce da
força de trabalho, principalmente dos homens, ao longo do século XX. O percentual
de homens trabalhando com mais de 65 anos caiu de 65% em 1900 para 18% em

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 83

1990 nos Estados Unidos, de 61% para 8% no Reino Unido, de 54% para 4% na
França, e de 58% para 5% na Alemanha, mas explicações concorrentes ajudam a
elucidar esse padrão, tais como o efeito renda sobre a demanda por lazer (COSTA,
1998). A não exclusividade da previdência como causadora dessa queda é eviden-
ciada com um experimento natural ocorrido nos Estados Unidos. A mudança no
regime de superindexação (ver capítulo 4) dos benefícios em meados da década de
1970 causou uma queda substancial e inesperada nos benefícios de uma geração
específica. Contudo, o padrão de aposentadoria precoce dessa geração não é
marcadamente diferente daquele das gerações vizinhas.
Concluindo, tanto a teoria quanto a evidência empírica indicam forte influência
de sistemas previdenciários nas decisões de oferta de trabalho para pessoas com
mais de 50 anos nos países industrializados. Detalhes das regras de acesso tendem
a importar substancialmente na determinação da idade de aposentadoria. No entanto,
a queda da participação da força de trabalho ao longo do século XX parece resultar
sobretudo do crescimento da renda nos países industrializados. Esquemas de pre-
vidência mais indulgentes são, assim, conseqüência de sociedades mais prósperas,
que escolhem reduzir a oferta de trabalho e serem mais pródigas no pagamento de
benefícios.

6 CONTRIBUIÇÃO DEFINIDA OU BENEFÍCIO DEFINIDO? A REPARTIÇÃO DOS


RISCOS
Na seção anterior, foi mostrado que sistemas de benefício definido financiados
por pay-as-you-go são potencialmente danosos para a eficiência econômica. Sistemas
de benefício definido ou de contribuição definida distribuem riscos de formas
diferentes na presença de incerteza.
Sistemas BD capitalizados protegem o beneficiário na presença de choques
nos preços dos ativos que lastreiam o fundo. Sistemas BD financiados por repar-
tição protegem o beneficiário na presença de choques demográficos ou de produ-
tividade não prolongados. Contudo, sistemas BD estão sujeitos a desequilíbrios
atuariais que forçariam um aumento na contribuição, um corte nos benefícios,
ou, em último caso, levaria à insolvência. Tais desequilíbrios podem surgir por
causa de choques demográficos permanentes (ou suficientemente longos), sobre-
tudo, mas não exclusivamente, quando o sistema BD é financiado por repartição.
Ou podem surgir na presença de perdas de valor do portfólio, no caso de sistemas
BD capitalizados. Ou, adicionalmente, podem surgir em função da concessão de
benefícios sem vínculo atuarial com as contribuições, independentemente da forma
de financiamento de tais benefícios. Neste último caso, sistemas BD estão sujeitos
a riscos políticos na definição dos benefícios. Esse é tanto o caso de sistemas BD

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84 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

nos Estados Unidos (ver capítulo 4) quanto no Brasil, quando superávits


previdenciários acumulados foram aplicados em ativos com baixa taxa interna de
retorno.
Sistemas de contribuição definida, por sua vez, transferem todo o risco para
o cotista individual. Sistemas CD capitalizados transferem o risco de portfólio e de
insolvência para o indivíduo. Alguns países protegem o indivíduo contra riscos
excessivos restringindo fortemente a composição dos portfólios individuais ou, em
casos extremos, obrigando todos os cotistas a alocarem recursos em um mesmo portfólio.
Sistemas CD financiados por pay-as-you-go (os chamados CD nocionais) transferem
parte do risco demográfico para o indivíduo, na medida em que a rentabilidade
anual da conta nocional é função de parâmetros econômicos que visam prever o
crescimento futuro da massa de salários. Contudo, erros de previsão são absorvidos
pelo Estado, e, portanto, tais esquemas estão ainda sujeitos à insolvência.
Nesta seção, algumas considerações são feitas sobre a natureza dos riscos e
sua forma de repartição em cada tipo de esquema previdenciário.

6.1 Risco demográfico


De forma geral, qualquer programa previdenciário envolve riscos, mas a natureza
do risco é bastante dependente do desenho do programa. Em um sistema de re-
partição, mudanças demográficas e variações de longo prazo na taxa de cresci-
mento da produtividade do trabalho podem levar a substanciais aumentos na
alíquota de contribuição, ou cortes nos benefícios. Todos os sistemas de repartição,
sejam eles de benefício definido ou de contribuição definida nocional, estão sujeitos
a tais riscos. É por isso que sistemas de repartição puros não podem conviver com
benefícios predefinidos, a não ser na presença de capitalização parcial que suavize
os choques demográficos.
Na presença de choques demográficos negativos, economias industriais histori-
camente têm escolhido o ajuste de benefícios. São exemplos os ajustes da idade de
aposentadoria, da mudança do regime de indexação da aposentadoria, entre outras
reformas paramétricas em sistemas de repartição de natureza BD que estão sendo
atualmente discutidas em países como Alemanha, França, Japão e Estados Unidos.
Em um sistema de repartição de natureza CD, o ajuste a um choque
demográfico é feito todo por meio do corte de benefícios (no caso de um choque
negativo sobre a taxa de crescimento da massa de salários, por exemplo). Um
corolário disso é que regimes nocionais de contribuição definida retiram o arbítrio
sobre a alocação dos riscos da esfera política e eliminam o papel de grupos de
interesse, na medida em que se estipula uma regra clara de reajuste de benefícios.

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 85

A natureza da repartição de riscos também é conseqüência do desenho BD


ou CD. Choques demográficos em um sistema BD podem ser repartidos dentro
da mesma geração ou entre diferentes gerações, dependendo do poder de barganha
de cada um e do mecanismo político desenhado para arbitrar diferentes poderes
de barganha. Em sistemas CD, por sua vez, um dado evento demográfico (a queda
do crescimento da massa de salário pelos próximos dez anos) terá forte impacto na
geração contemplada com benefícios naquele momento, com pequeno impacto à
medida que a massa de salários volte a crescer a taxas anteriores. Assim, em sistemas
CD de repartição, o choque demográfico é concentrado sobre a geração viva de
aposentados ou de pré-aposentados no momento do choque.
Se a sociedade que desenha tal esquema de repartição CD quiser atenuar o efeito
do choque demográfico sobre a geração viva, contudo, pode, por exemplo, acumular
dívida pública durante um tempo e depois desacumular. A mensagem importante
é que, em sistemas CD, tal repartição intergeracional de riscos ocorre por fora do
sistema previdenciário.
Sistemas capitalizados de benefício definido também podem tornar-se insol-
ventes na presença de choques demográficos, embora a existência de lastro permita
que o ajuste de contribuições ou benefícios possa ser feito suavemente. Sistemas
puros de repartição demandam ajustes rápidos em face de choques demográficos.
Sistemas capitalizados de contribuição definida alocam o risco de sobrevida no
indivíduo, gerando potenciais problemas de seleção adversa, como já discutido.

6.2 Risco de portfólio


Sistemas de repartição (BD ou CD) não estão sujeitos a risco de variação de preços
dos ativos, simplesmente porque não existem ativos acumulados. Um sistema capita-
lizado, por sua vez, ao financiar benefícios com o rendimento dos ativos acumulados
previamente, está sujeito a riscos de portfólio, ou seja, risco de mercado e de crédito
dos ativos que lastreiam o portfólio. De outro modo, sistemas capitalizados estão
sujeitos a riscos de portfólio.
A forma CD ou BD de tal sistema é que define como esse risco de portfólio
será repartido entre os participantes. Um sistema CD capitalizado sem garantia de
governo coloca todo o risco do mercado financeiro sobre o cotista individual até
o momento em que ele compra uma anuidade – quando então o risco é transferido
(mediante um preço muitas vezes elevado) ao fundo de previdência, ou seja, aos
demais participantes.
Na fase de acumulação, portanto, o risco é inteiramente assumido pelo par-
ticipante conforme o valor do seu benefício seja função da taxa de retorno do seu

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86 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

portfólio. Essa característica independe do formato do sistema CD capitalizado. Em


um sistema no qual cada cotista pode ter o seu próprio portfólio, existe um risco
idiossincrático vinculado ao retorno do seu portfólio individual. O importante é que
tal risco específico recai inteiramente sobre o próprio indivíduo. Em sistemas em que
não existe a possibilidade de diferenciação do portfólio, o risco também recai inteira-
mente sobre o cotista individual. A única diferença é quanto ao efeito sobre a desigual-
dade de resultados. Ao uniformizar os portfólios, o resultado do choque no preço dos
ativos será apenas proporcional ao volume de ativos de cada cotista, eliminando
uma substancial fonte de aumento da desigualdade em regimes CD capitalizados.7
Em sistemas BD o risco de mercado é repartido entre os participantes, que
podem, inclusive, ainda não ter nascido. Por exemplo, imagine-se um sistema que
acumulou ativos mediante contribuições maiores do que benefícios ao longo do
tempo e que, ao atingir a maturidade, tem seus benefícios inteiramente custeados
pelos retornos dos ativos acumulados. Suponha-se que um portfólio do fundo
tem uma substancial percentagem investida em ações e que a bolsa de valores sofra
uma queda. Em tais sistemas, as perdas resultantes do evento serão repartidas
entre os participantes, e um mecanismo político definirá a incidência para cada
subpopulação (pobres e ricos, homens e mulheres, trabalhadores e aposentados,
velhos e recém-nascidos etc.).

7 CUSTO DE TRANSIÇÃO
Neste capítulo, comparam-se diferentes regimes previdenciários. A grande maio-
ria dos sistemas previdenciários é caracterizada por BD, financiada por repartição
e com baixo vínculo entre contribuição e benefício. Isso os faz ter elevado poten-
cial redistributivo (não necessariamente com o correto foco). O forte conteúdo
redistributivo, por sua vez, tem efeitos indesejáveis. Primeiro, distorce as decisões
individuais de consumo e lazer e cria perdas de peso morto na economia. Segun-
do, tais sistemas ficam sujeitos a riscos demográficos e políticos que variam de
país para país, conforme a demografia e o desenho das instituições políticas.
Embora a perda de peso morto induzida pelos esquemas BD de repartição
seja pouco visível, os desequilíbrios fiscais decorrentes do impacto de choques
demográficos adversos em países industrializados têm forçado um conjunto destes a
repensarem seus esquemas previdenciários. Em países de renda média, a fragilidade
institucional do sistema democrático levou à concessão de benefícios sem vínculo
atuarial, e à mesma conseqüência perversa sobre as contas públicas.

7. Em regimes CD em esquemas de repartição não existem choques idiossincráticos sobre a taxa de retorno, em função de sua caracte-
rística de repartição.

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 87

A maioria dos sistemas previdenciários ao redor do mundo está desequili-


brada atuarialmente, e a grande questão de economia política é sobre quais gerações
pagarão o custo do ajuste. O custo de transição não é particular a nenhuma forma
específica de reforma previdenciária, mas é conseqüência da necessidade de elimi-
nação do desequilíbrio atuarial.
A migração de um sistema de benefício definido não-capitalizado para um
sistema de benefício definido capitalizado, como parece ser o objetivo das reformas
paramétricas de Alemanha, Japão e França, envolvem custos de transição. Do
mesmo modo, a migração para um sistema de contas individuais nocionais, como
vem sendo tentado por Suécia, Itália e Polônia, entre outros, envolve custos de tran-
sição, caso o sistema de onde se parte não tenha carga tributária suficiente para
financiar os benefícios prometidos. E, da mesma forma, a migração para um sistema
de contas individuais capitalizado também tem custos de transição a serem sanados,
no mesmo valor dos dois primeiros. O custo de transição, desse modo, resulta da
necessidade de se equilibrar algo que está desequilibrado atuarialmente.
No menu de reformas à disposição dos policy makers, sejam elas puramente
paramétricas (mantendo a estrutura BD) ou para contas individuais CD (nocionais
ou capitalizadas), o custo de transição total a ser pago é o mesmo. A literatura tem
enfatizado os custos de transição associados à transformação de sistemas BD para
sistemas CD capitalizados, porque, nesse caso, a forma de financiamento da tran-
sição sai da esfera única da agência de previdência social (INSS e afins) para a
alçada do Tesouro Nacional. Contudo, essa divisão formal, contábil, não tem
qualquer repercussão econômica na hipótese de que mercados sejam racionais.
Essa conclusão somente será falsa se agentes derem mais peso à dívida explícita
do que à dívida implícita quando calcularem o risco de crédito de um agente ou,
alternativamente, quando despesas off balance conhecidas importarem menos do
que despesas registradas no balanço para estimação da probabilidade de default.
Essa é uma hipótese empiricamente testável, embora improvável. Ocorre que o
debate sobre reforma para um sistema capitalizado tem tomado tal hipótese como
verdadeira, sem questioná-la, quando o mais razoável seria supor que os mercados
são racionais ao precificarem o risco de crédito.
O fundamental é que benefícios dos atuais aposentados terão de ser pagos pelos
contribuintes em algum momento do tempo. O tipo de transição, seja de um BD para
um CD, seja de um pay-as-you-go para um capitalizado, não implica alguma trajetória
temporal específica da alíquota de imposto (tax path). Tampouco envolve a questão
sobre que tipo de imposto será escolhido para financiar a transição, nem sobre
que combinação entre corte de despesas e aumento de impostos seria adequada.

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88 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

A transição para um sistema CD, por exemplo, não obriga que o ajuste seja
feito no momento da instituição de contas individuais, podendo ser programado
ao longo do tempo, através de graduais cortes de despesas diretas do governo,
aumentos graduais de impostos sobre a renda do trabalho e do capital, e de impostos
sobre consumo, ou por meio de mudanças na forma de reajuste dos benefícios dos
atuais aposentados, dentre outros diversos mecanismos de financiamento da transição
(FERREIRA, 2004). O quanto cada geração pagará pelo ajuste vai depender do estágio
do ciclo de vida em que se encontra (poupando, trabalhando ou recebendo bene-
fícios), do caminho tributário escolhido e do momento em que a reforma ocorre.
A definição da forma como será financiado o sistema velho remanescente
deve ser feita up front igualmente em uma transição para sistema CD capitalizado,
ou em qualquer reforma puramente paramétrica, ou em uma mudança para um
sistema nocional (ver capítulo 4). Ou seja, em qualquer reforma que envolva ajuste
de sistemas desequilibrados atuarialmente, há um custo que deve ser repartido
entre as diversas gerações envolvidas.
A grande questão que se coloca não é qual o custo de transição associado a
cada tipo de reforma, mas qual o tamanho do desequilíbrio atuarial que deve ser
solucionado, seja qual for a reforma escolhida. Podemos olhar um desequilíbrio
atuarial sob o prisma da distribuição de recursos entre as gerações envolvidas. As
promessas de benefícios feitas pelo sistema previdenciário para as gerações correntes
e futuras superam os custos que o sistema previdenciário lhes impõe. O resultado
é um desequilíbrio atuarial. Se, em um dado momento presente, se estabelece que
todas as promessas serão honradas para aqueles vivos naquele momento, mas que
os nascidos a partir do dia seguinte terão de pagar, através de corte de benefícios
ou de aumento de impostos, qual o tamanho da transferência entre as gerações
vivas e as gerações ainda não nascidas no tempo t?
A magnitude dessa transferência intergeracional pode ser medida, e isso foi
feito por um conjunto de economistas no final da década de 1990 para 22 países
(KOTLIKOFF, 2002). A tabela 2 mostra formas alternativas de política fiscal para se
eliminar o desequilíbrio intergeracional criado pela estrutura de programas públicos.
Esse tipo de abordagem nos permite pensar o problema previdenciário como apenas
um (certamente o mais importante na grande maioria dos países) dos mecanismos
institucionais que transferem recursos de gerações futuras para as gerações presentes.
Tome-se como exemplo o caso brasileiro. Pode-se ver que o ajuste de gastos
públicos diretos (excluindo-se transferências), necessário para eliminar o
desequilíbrio entre gerações correntes e futuras – levando-se em conta a tábua de
mortalidade prospectiva, além da probabilidade de efetivamente ocorrerem os

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 89

TABELA 2
Formas alternativas de se alcançar o equilíbrio entre gerações
(Em %)

País Corte nos gastos do governo Corte nas transferências do governo Aumento em todos os impostos

Argentina 29,1 11,0 8,4

Austrália 10,2 9,1 4,8

Brasil 26,2 17,9 11,7

Finlândia 67,6 21,2 19,4

Alemanha 25,9 14,1 9,5

Irlanda –4,3 –4,4 –2,1

Itália 49,1 13,3 10,5

Japão 29,5 25,3 15,5

Espanha 62,2 17,0 14,5

Suécia 50,5 18,9 15,6

França 22,2 9,8 6,9

Reino Unido 9,7 9,5 2,7

Estados Unidos 21,0 21,9 12,0


Fonte: Kotlikoff (2002).

benefícios dependentes de estados da natureza específicos –, era de 26% dos gastos


em 2001. Se o Brasil optasse por cortar transferências (a maior parte de natureza
previdenciária), deveria fazer em 18% dos níveis vigentes. Por último, se optasse
por um aumento de impostos, deveria elevar a carga tributária em cerca de 12%
da carga vigente em 2001.
A tabela 2 mostra que o esforço fiscal brasileiro não se destaca pela magnitude.
Isso, porém, não indica que o desequilíbrio intergeracional atuarial não seja parti-
cularmente grande, mas que o tamanho do governo em relação ao desequilíbrio é
que já é grande o bastante. Por exemplo, o desequilíbrio da Finlândia não é maior
do que o do Brasil, mas como seu gasto público direto é pequeno, a escolha do
ajuste através das compras governamentais implicaria um corte de mais 2/3 no
valor de seus gastos diretos.
Previdência não é a única fonte de desequilíbrio. Demografia é certamente
um fator fundamental para explicar parte das diferenças entre os países. Países
como o Japão têm sistemas previdenciários nem tão condescendentes quanto o
brasileiro, como veremos, mas estão diante de um tsunami demográfico. Gastos

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90 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

com saúde com pessoas de mais de 63 anos (o programa Medicare) têm importância
significativa na explicação do pesado custo de ajuste nos Estados Unidos.
A forma com que o custo do ajuste é distribuído entre as gerações e dentro
de cada geração é definida por cada sociedade. O mesmo equilíbrio pode ser
alcançado com maiores aumentos em um primeiro momento e com reduções
posteriores. A forma com que o ajuste ocorre diz respeito ao modo como as diversas
gerações resolverão seu conflito distributivo.

8 CONCLUSÃO
Este capítulo fez uma revisão da literatura acadêmica em previdência, e serve como
base analítica para a leitura do capítulo 4, que trata de estudos de casos em
economias industriais. Sistemas previdenciários ao redor do mundo são predominan-
temente financiados por repartição e definem benefícios como função do histórico
salarial ao longo da vida. Discutiram-se aqui as razões de ordem normativa e positiva
para assumirem esse formato. Analisaram-se as distorções causadas por tal formato,
sobre o mercado de trabalho e sobre as decisões de poupança. Compararam-se as
alternativas quanto à exposição a diferentes tipos de risco, assim como quanto à
capacidade de transferir riscos para o beneficiário. Por último, analisou-se a questão
da transição.
Sistemas previdenciários podem ser distinguidos quanto à forma de financia-
mento (capitalização ou pay-as-you-go), que, por sua vez, afeta a poupança agregada
da economia. Mostrou-se que teoricamente existe ambigüidade no impacto do
esquema de financiamento sobre a taxa de poupança da economia, e que estudos
econométricos são inconclusivos a esse respeito. A característica de capitalização
torna a rentabilidade e a solvência sujeitas a riscos de portfólio, ao passo que
esquemas pay-as-you-go estão sujeitos a riscos demográficos.
Sistemas previdenciários também podem ser de benefício definido ou de
contribuição definida, que, por sua vez, afetam a repartição de riscos entre governo
(ou administrador do fundo) e beneficiário individual. Por último, sistemas podem
conter justiça atuarial ou não, o que define a capacidade redistributiva do sistema
e seus efeitos no mercado de trabalho.
A escolha entre as diferentes alternativas de financiamento de benefícios vi-
talícios envolve os trade-offs usuais entre maior capacidade redistributiva e maior
proteção ao risco e maior eficiência. Qualquer opção de reforma terá ganhadores
e perdedores. Em última análise, também não existe almoço grátis quando o as-
sunto é reforma previdenciária.

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SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 91

Para o Brasil, o mais importante é que o financiamento do desequilíbrio


atuarial pelas gerações correntes e futuras não depende do formato da reforma, se
o mercado não faz distinção entre dívidas implícita e explícita. De outro modo, a
distribuição dos custos de transição entre as gerações não será conseqüência da
reforma per se, mas dependerá das mesmas razões de economia positiva que criaram
o sistema de repartição no século XX, e que foram discutidas neste capítulo.
Se o mercado é racional, então percebe a equivalência entre uma dívida ex-
plícita na forma de dívida mobiliária e uma dívida implícita cujo valor é todo o
fluxo de benefícios líquidos de contribuições. Nesse caso, o problema fiscal é
equivalente em cada uma das alternativas de reformas, e devemos então concen-
trar atenção naquilo que realmente interessa, ou seja, identificar a alternativa mais
atraente para cada sociedade. Este capítulo tentou organizar as idéias a respeito.
Viu-se que alguns sistemas protegem mais contra riscos de mercado, mas expõem
o contribuinte beneficiário a riscos demográficos. Alguns sistemas distorcem as
decisões de oferta de trabalho e possivelmente de poupança, mas têm capacidade
de repartir riscos e rendas entre os mutuários.
Portanto, não existe um sistema que seja estritamente preferível. Sociedades
mais avessas ao risco estarão mais propensas a proteger a renda previdenciária
contra choques. Sociedades mais propensas à redistribuição optarão por sistemas
mais redistributivos, mesmo que a custos de eficiência substanciais. Sociedades
que prezam mais a eficiência econômica optarão por aceitar mais riscos em prol
de maior liberdade alocativa, e o resultado levará a uma desigualdade de resultados
maior.

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CAPÍTULO 3

DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES


PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL

Ana Amélia Camarano*


Solange Kanso**

1 INTRODUÇÃO
Considera-se que o alongamento da vida ou das vidas é uma das conquistas sociais
mais importantes do século XX. Na verdade, atingir idades avançadas não é um
fato novo na História. O que existe de novo é o aumento da esperança de vida ao
nascer, o que resulta em que mais pessoas atinjam idades avançadas. Por exemplo,
em 1980, de 100 crianças brasileiras do sexo feminino, 22 completavam 80 anos.
Em 2000, esse número dobrou (CAMARANO, 2004). A grande responsável por isso
foi a queda da mortalidade em todas as idades. É uma conquista que merece ser
comemorada. Mas nem todas as visões sobre esse fenômeno são de comemoração.1
Isso se dá em parte pelo fato de que paralelamente à queda da mortalidade
assiste-se no Brasil, desde o final dos anos 1960, a uma diminuição acentuada nos
níveis de fecundidade. Duas conseqüências desses dois processos já se fazem notar:
uma redução nas taxas de crescimento da população como um todo e mudanças
expressivas na estrutura etária no sentido do envelhecimento. Isso significa uma
alteração na proporção dos diversos grupos etários no total da população. Por
exemplo, em 1940, a população idosa2 representava 4,1% da população total bra-
sileira e passou a representar 8,6% em 2000. Em números absolutos, esse contin-
gente aumentou de 1,7 milhão para 14,5 milhões no mesmo período. Por outro

* Coordenadora de População e Cidadania da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.


** Pesquisadora da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
1. Para uma visão das várias perspectivas sobre a questão do envelhecimento populacional, ver, entre outros, Camarano e Pasinato
(2004) e Llyod Sherlock (2004).

2. Aqui definida como pessoas com 60 anos ou mais, tal como estipulada na Política Nacional do Idoso e no Estatuto do Idoso.

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96 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

lado, diminuiu a proporção da população jovem. Essa tendência acentuar-se-á


nas próximas décadas.
Uma das preocupações apontadas na literatura com relação a esse processo
diz respeito ao crescimento acentuado de um segmento populacional considerado
inativo ou dependente vis-à-vis a um encolhimento do segmento ativo ou produ-
tivo. Preocupação semelhante fez parte da agenda de estudos acadêmicos e
formuladores de políticas décadas atrás, quando o foco era a fecundidade elevada
e a alta proporção de jovens. O resultado foi a difusão de políticas e práticas
antinatalistas em quase todo o mundo. Na verdade, a preocupação de hoje é com
essas crianças e jovens, baby boomers, que estão envelhecendo e se tornando os
elderly boomers, sendo substituídos por coortes menores.
A alta fecundidade do passado, aliada à redução da mortalidade, resulta num
crescimento elevado desse contingente nos próximos 30 anos, ou seja, enquanto
durar a “onda idosa”. Além disso, crescerá mais a população muito idosa, isto é, a
de 80 anos e mais. Isso coloca várias questões na agenda. Neste capítulo, as per-
guntas consideradas são: até quando a população idosa irá crescer a taxas elevadas?
Haverá um limite para a redução da mortalidade nas idades avançadas? Como
esses processos demográficos afetarão a oferta potencial de contribuintes para o
sistema previdenciário e a demanda por benefícios previdenciários e/ou de assis-
tência social por idade avançada e de pensões por morte?
O objetivo deste capítulo é analisar a dinâmica demográfica recente da po-
pulação brasileira e formular um cenário prospectivo a respeito dos componentes
dessa dinâmica. A partir dele, será elaborada uma projeção para a população em
idade ativa, potencial contribuinte de um sistema de seguridade social, e para a
população idosa, potencial beneficiária, desagregada por sexo e grupos qüinqüenais
de idade para o período 2000-2030. As informações utilizadas são provenientes
dos Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000, do Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM/Datasus) do Ministério da Saúde e do Ministério da Previdência
Social (MPAS).
O capítulo está dividido em sete seções, sendo a primeira esta introdução.
Na segunda, apresenta-se uma visão geral das tendências de crescimento da população
brasileira e dos componentes desse crescimento (fecundidade, mortalidade e mi-
grações internacionais). A terceira descreve as características e os movimentos da
população em idade ativa em direção ao mercado de trabalho. A quarta destaca a
dinâmica de crescimento da população idosa. Nesse caso, considerando-se que os
idosos dos próximos 60 anos já nasceram, essa dinâmica vai depender fundamen-
talmente da redução da mortalidade, em especial, nas idades avançadas. Levando-se

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DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 97

isso em conta, a referida seção analisa as perspectivas de continuação da redução


da mortalidade nas idades avançadas, através de uma metodologia de causas de
morte evitáveis. Nupcialidade é uma variável demográfica importante para o deli-
neamento dos beneficiários da seguridade social, no caso, as pensões por morte.
Dado isso, a quinta seção analisa as tendências da nupcialidade da população
brasileira no período 1980-2000, através da sua composição e seus padrões. As
perspectivas de crescimento e a composição por sexo e idade da população em
idade ativa e idosa entre 2000 e 2030 encontram-se na sexta seção. E por fim, são
tecidos alguns comentários tendo-se em vista as perspectivas de uma política de
renda para os novos idosos do futuro.

2 A DINÂMICA DEMOGRÁFICA RECENTE

2.1 O ritmo de crescimento populacional e a estrutura etária


Já foi mostrado em outros trabalhos que a população brasileira atingiu as suas
maiores taxas de crescimento no período 1950-1970, em torno de 3,0% ao ano
(a.a.).3 A partir daí, essas taxas passaram a experimentar um declínio acentuado,
tendo alcançado 1,6% a.a. na década de 1990 (ver tabela 1). Esse declínio foi
resultado da redução acentuada da fecundidade, iniciada na segunda metade dos
anos 1960, conforme se pode ver no gráfico 1. Em 40 anos, a fecundidade das
mulheres brasileiras reduziu-se quase à metade, atingindo o nível de reposição4 no
qüinqüênio 2000-2005. Nessas últimas décadas, a taxa de fecundidade passou de
aproximadamente 6,0 filhos por mulher para 2,1. As perspectivas apontadas pela

TABELA 1
Taxas de crescimento observada e intrínseca da população brasileira
(Em %)

Período Intrínseca total Observada população total Observada população idosa

1970-1980 2,05 2,48 4,30

1980-1990 0,98 1,93 3,66

1990-2000 0,70 1,63 3,44


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
Elaboração: Ipea.

3. Isto é, considerando-se o período em que existem dados, ver, por exemplo, Beltrão, Camarano e Kanso (2004) e Ipea (2006).
4. Uma população atinge o seu nível de reposição quando a fecundidade e a mortalidade alcançam valores que resultarão, no médio
prazo, em uma taxa de crescimento igual a 0. Ou seja, a população simplesmente se repõe. Dadas as taxas de mortalidade vigentes na
população brasileira, estimou-se que esse nível será alcançado quando a taxa de fecundidade total for igual a 2,14. Apesar de a
população ainda estar crescendo, esse ritmo é decrescente. Os reflexos dessas medidas levam o tempo ou a duração de uma geração para
que a população apresente uma taxa de crescimento igual a 0.

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98 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

GRÁFICO 1
Brasil: taxa de fecundidade total da população
7

0
1930-1935 1940-1945 1950-1955 1960-1965 1970-1975 1981-1986 1990-1995 1995-2000 2000-2005

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980,1991 e 2000 e Pnad de 2005.


Elaboração: Ipea.

taxa intrínseca de crescimento,5 na tabela 1, são de que, no médio prazo, a taxa de


crescimento populacional tenderá a valores próximos a 0,5% a.a. Ou seja, a ten-
dência de redução acelerada do crescimento populacional já está embutida na
dinâmica atual da população brasileira.
O resultado final da dinâmica demográfica descrita anteriormente foi um
contingente populacional de 170 milhões de brasileiros detectados pelo Censo
Demográfico de 2000 e o fato de o Brasil ter deixado de ser um país de jovens (ver
gráfico 2). A alta fecundidade observada nos anos de 1950 e 1960, período co-
nhecido como baby boom, e a redução da mortalidade em todas as idades em

GRÁFICO 2
Brasil: distribuição etária e por sexo da população
(Em anos)
80 e +
75-79
70-74
65-69
60-64
55-59
50-54
45-49
40-44
35-39
30-34
25-29
20-24
15-19
10-14
5-9
0-4
0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,0 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1950 e 2000.


Elaboração: Ipea. Homens (1950) Mulheres (1950) Homens (2000) Mulheres (2000)

5. A taxa intrínseca é a taxa de crescimento que será observada caso a taxa de fecundidade total do qüinqüênio 1995-2000 se mantenha
constante por aproximadamente 30 anos. Ela sinaliza a direção das taxas de crescimento.

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DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 99

curso no país desde esse período foram responsáveis pelo ritmo de crescimento
relativamente elevado dessa população vis-à-vis ao dos demais grupos etários. Esses
processos alteraram a composição etária e contribuíram de forma significativa
para o processo de envelhecimento populacional.
Sob o ponto de vista demográfico, o envelhecimento populacional é o resultado
da manutenção, por um período razoavelmente longo, de taxas de crescimento da
população idosa superiores às da população mais jovem. Isto implica uma mu-
dança nos pesos dos diversos grupos etários no total da população. A proporção
da população de 60 anos e mais no total da população brasileira passou de 4,1%
em 1940 para 8,6% em 2000. No entanto, o processo do envelhecimento é muito
mais amplo do que uma modificação de pesos de uma determinada população,
dado que altera a vida dos indivíduos, as estruturas familiares e a demanda por
políticas públicas, e afeta a distribuição de recursos na sociedade. No caso deste
trabalho, a questão colocada é como a dinâmica demográfica recente pode afetar
a oferta de contribuintes e a demanda por benefícios da seguridade social.
O envelhecimento populacional é ocasionado sobretudo pela queda da
fecundidade, que leva a uma redução na proporção da população jovem e a um
conseqüente aumento na proporção da população idosa. Isso resulta num processo
conhecido como envelhecimento pela base. A redução da mortalidade infantil acarreta
um rejuvenescimento da população, dada uma sobrevivência maior das crianças.
Por outro lado, a diminuição da mortalidade nas idades mais avançadas contribui
para que esse segmento populacional, que passou a ser mais representativo no
total da população, sobreviva por períodos mais longos, resultando no envelheci-
mento pelo topo. Este altera a composição etária dentro do próprio grupo, ou seja,
a população idosa também envelheceu (CAMARANO; KANSO; MELLO, 2004a). Em
2000, a proporção da população “mais idosa”, de 80 anos e mais, representava
12,6% do total da população idosa. Observa-se que o envelhecimento pelo topo
foi mais expressivo entre as mulheres, dada a maior mortalidade masculina.
Como já se mencionou, o envelhecimento ocorre porque a população idosa
apresenta taxas de crescimento mais elevadas, se comparada a outros segmentos
populacionais. Registrou a sua maior taxa entre as décadas de 1970 e 1980, em
torno de 4,3% a.a., conforme se pode ver na tabela 1. Nos anos seguintes, o seu
ritmo foi ligeiramente menor, mas expressivamente maior do que o da população
brasileira. A tendência de queda continuou ao longo do período considerado.
As perspectivas que se colocam para o médio prazo são a de continuação do
processo de envelhecimento populacional. Os idosos dos próximos 30 anos já
nasceram – e nasceram num regime de fecundidade elevada – e se beneficiaram,

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100 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

principalmente, da redução da mortalidade infanto-juvenil. As taxas de mortali-


dade da população idosa vão desempenhar um papel importante na dinâmica de
crescimento desse segmento e sobretudo da população “muito idosa”. Essas são
dependentes do avanço da tecnologia médica e do acesso aos serviços de saúde.

2.2 Mortalidade
Uma das maiores conquistas sociais das últimas décadas foi o aumento da espe-
rança de vida às várias idades, como resultado da queda acentuada na mortalidade
observada em todos os grupos etários; desde o período intra-uterino até as idades
mais avançadas. Além da redução nos seus níveis, a mortalidade apresentou mu-
danças em seu padrão de causas, em que as doenças crônico-degenerativas, mais
freqüentes na população idosa, passaram a ter uma importância maior diante das
causas que afetavam a população infantil, tais como as infecto-parasitárias.
Para medir os níveis de mortalidade, costuma-se utilizar a esperança de vida ao
nascer. É um indicador sintético e apresenta o número de anos que se espera que
um recém-nascido viva segundo as condições vigentes de mortalidade. A tabela 2
apresenta os valores da esperança de vida ao nascer, aos 15 e aos 60 anos por sexo
em 1980, 1991, 2000 e 2005. A esperança de vida ao nascer aumentou para
ambos os sexos, em maior intensidade entre as mulheres. Estas apresentavam, em
2005, um valor 6,3 anos mais elevado que o observado para a população masculina.
Os diferenciais entre os sexos cresceram ao longo do período analisado, devido,
principalmente, ao aumento da mortalidade da população adulta jovem masculina
por causas violentas. No período considerado, a esperança de vida ao nascer dos
homens brasileiros passou de 59,2 anos para 68,3, e a das mulheres aumentou de
65,5 para 74,6 anos.
TABELA 2
Esperança de vida ao nascer, aos 15 anos e aos 60 anos por sexo da população brasileira

E0 E15 E60
Ano
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

1980 59,18 65,51 51,27 57,11 15,38 17,80

1991 63,38 71,49 52,59 60,05 16,73 19,81

2000 67,16 74,83 54,48 61,97 17,96 21,32


a
2005 68,33 74,59 55,23 61,27 19,33 22,06
Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 1980, 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.
a
Projeção elaborada em Ipea (2006).

Cap03.pmd 100 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 101

O aumento da esperança de vida ocorreu para todas as idades. Alguns exemplos


podem ser vistos na tabela 2, como a esperança de vida ao nascer, ao início da vida
ativa, aos 16 anos e aos 60 anos. Pode-se observar ganhos em todos esses três
momentos da vida para ambos os sexos, mas que beneficiaram mais as mulheres.
Em 2005, a esperança de vida feminina aos 16 anos foi maior que a masculina em
aproximadamente seis anos; e aos 60 anos, em cerca de três anos.
A tabela 3 apresenta os valores das esperanças de vida ao nascer, aos 15 anos
e aos 60 anos por sexo para o Brasil e para alguns países. Todos os países conside-
rados apresentam esperanças de vida mais altas que o Brasil. Com exceção da
Costa Rica, as mulheres desses países experimentam valores superiores a 80 anos.
Os maiores valores são encontrados no Japão, na Suécia e na Espanha. A diferença
nos valores observados entre o Brasil e o Japão foi de 10,3 anos para os homens e
de 11,0 anos para as mulheres. Mesmo na América Latina, as diferenças entre o
Brasil e os dois países aqui mostrados são expressivas. Por exemplo, a população
masculina da Costa Rica no período 1990-1995 tinha uma esperança de vida 4,6
anos mais elevada que a brasileira. Entre as mulheres, a diferença foi de cerca de
três anos. Os diferenciais decrescem com a idade, mas mantêm a mesma direção.
Pode-se verificar que aos 60 anos os valores da esperança de vida das mulheres
brasileiras e costarriquenhas são muito semelhantes. Por outro lado, é de 5,6 anos
o diferencial nesse indicador entre as mulheres japonesas e as brasileiras.
A queda da mortalidade da população brasileira não se deu de forma homo-
gênea entre os vários grupos etários e veio acompanhada por mudanças no processo

TABELA 3
Esperança de vida ao nascer, aos 15 anos e aos 60 anos por sexo: vários países

E0 E15 E60

Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

Brasil (2005) 68,33 74,59 55,23 61,27 19,33 22,06

Japão (2004) 78,60 85,60 64,00 70,90 22,20 27,70

Espanha (2001-2002) 76,30 83,00 61,80 68,50 20,70 25,20

Suécia (2004) 78,40 82,70 63,70 68,00 21,40 24,80

Chile (2001-2002) 74,40 80,40 60,40 66,30 20,10 23,70

Costa Rica (1990-1995) 72,90 77,60 59,80 64,10 18,80 21,90


Fontes: United Nations (2004), IBGE/Censo Demográfico de 1980, 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.

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102 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

de morbimortalidade. Já foi constatada em outros trabalhos (ver, por exemplo,


BELTRÃO; CAMARANO; KANSO, 2004; IPEA, 2006) uma redução relativa mais expressiva
nas taxas de mortalidade do grupo etário de 1 a 4 anos, seguida da referente à
população menor de 1 ano e do grupo de 5 a 9 anos. Os únicos grupos etários que
não experimentaram queda foram aqueles compreendidos entre 15 e 24 anos para
a população masculina, cujas taxas aumentaram em decorrência do crescimento
da mortalidade por causas externas. Doenças como as infecto-parasitárias deixaram de
ser predominantes entre as causas de mortalidade, e doenças crônico-degenerativas
e violência passaram a ser as principais causas.
Dado o interesse deste trabalho pelos dois grupos populacionais – potenciais
contribuintes e potenciais beneficiários –, a análise das causas de morte contem-
plará os grupos etários de 15 a 59 anos e 60 anos e mais, desagregados por sexo. As
diferenças entre os dois sexos nas taxas de mortalidade são parcialmente explicadas
pelas causas de morte. O maior diferencial está no primeiro desses dois grupos
e se deve às taxas de mortalidade por causas violentas, seguidas pelas doenças
cardiovasculares.
A principal causa de morte da população em idade ativa do sexo masculino
foram as doenças cardiovasculares, seguidas pelas causas externas. As doenças do
aparelho circulatório compreendem as isquêmicas e cerebrovasculares. Causas
externas incluem homicídios, acidentes de trânsito, de trabalho, entre outras. Em
1980, os dois primeiros grupos de causas foram responsáveis por 21,0% e 16,5%,
respectivamente, do total de óbitos desse grupo e, em 2000, cada uma delas por
aproximadamente 19%. Como já se mencionou, o perfil de causas de morte é
bastante afetado pelo perfil etário. As primeiras atingem mais a população em
idades avançadas; e as segundas, o grupo mais jovem. Os gráficos 3 e 4 apresentam
GRÁFICO 3
Distribuição proporcional dos óbitos da população masculina de 16 anos e mais
por determinadas causas
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
e+
22

32

42

52

62

72
24

34

44

54

64

74
18

28

38

48

58

68
16

26

36

46

56

66

76
80 78
20

30

40

50

60

70

Homicídios (1980) Doenças do aparelho circulatório (1980) Causas externas (1980)


Fonte: Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea. Homicídios (2000) Doenças do aparelho circulatório (2000) Causas externas (2000)

Cap03.pmd 102 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 103

GRÁFICO 4
Distribuição proporcional dos óbitos da população feminina de 16 anos e mais por
determinadas causas
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0

e+
74

80 78
22

32

42

52

62

72
24

34

44

54

64
18

28

38

48

58

68
16

26

36

46

56

66

76
20

30

40

50

60

70
Fonte: Ministério da Saúde/SIM. Doenças do aparelho circulatório (1980) Causas externas (1980)
Elaboração: Ipea. Doenças do aparelho circulatório (2000) Causas externas (2000)

a distribuição proporcional dos óbitos por causas externas e doenças do aparelho


circulatório em relação ao total de óbitos por idade individual nos anos de 1980 e
2000 para homens e mulheres, respectivamente. Entre os homens, foram destacadas
as proporções de óbitos por homicídios.
Nos dois anos considerados para os homens, as principais causas de morte
do grupo populacional com idade entre 16 e 47 anos foram as causas externas,
destacando-se os homicídios como a principal desse grupo. A maior proporção de
óbitos por homicídios foi registrada entre as idades de 20 e 22 anos nos dois anos
considerados. Em 1980, estes foram responsáveis por 21,3% dos óbitos desse grupo
de idade, e, em 2000, a referida proporção mais que dobrou – passou para 48,9%.
A proporção de mortes por doenças do aparelho circulatório cresceu com a idade
e passou a ser a mais importante causa de morte a partir dos 35 anos em 1980 e dos
42 em 2000. Enquanto a proporção de óbitos por homicídios aumentou em todas
as idades entre os dois anos considerados, a por doenças cardiovasculares diminuiu.
O padrão de mortalidade feminino é bastante diferente do masculino, con-
forme mostra o gráfico 4. É menos afetado pelas causas externas, muito embora a
proporção de óbitos por essa causa tenha crescido no período, devido ao aumento
da proporção de óbitos por homicídios (IPEA, 2006). Elas figuraram entre as cinco
principais causas desse grupo populacional, mas as primeiras foram as doenças do
aparelho circulatório. Entre estas, sobressaíram as mortes por doenças cerebrovasculares,
diferentemente do verificado para os homens, mas em proporção declinante. A
proporção de mortes por essas causas se reduziu de 23,8% para 20,9% entre 1980
e 2000 (IPEA, 2006). Tanto em 1980 quanto em 2000, as causas externas foram as
mais importantes até os 36 anos, entre as duas consideradas.

Cap03.pmd 103 23/3/2007, 15:41


104 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

2.3 Migrações internacionais


As migrações internacionais desempenharam um papel importante na dinâmica
demográfica brasileira entre 1872 e 1930. A partir daí, os estudos demográficos
passaram a considerar a população brasileira como fechada até os anos 1980. Os
resultados do Censo Demográfico de 1991 sinalizaram para um saldo líquido
migratório negativo ocorrido na década de 1980. Esse movimento perdurou nos
anos 1990.
Foi estimado um saldo líquido negativo de aproximadamente 1,9 milhão de
pessoas para a década de 1980 e de 700 mil para os anos 1990 (ver IPEA, 2006).
Em termos de impacto no crescimento da população brasileira, o efeito provocado
por esse fluxo é muito pequeno: menos de 1% da população em 1990 e menos de
0,5% em 2000. No entanto, as estimativas dizem respeito apenas aos grupos etários
de 15 a 34 anos, pois as referentes às demais idades não foram consideradas esta-
tisticamente significativas. Nos anos 1980, as mais elevadas taxas foram observadas
para o grupo etário de 20 a 24 anos tanto para homens quanto para mulheres. Esse
fluxo foi responsável por 5,0% da população masculina desse grupo de idade e
3,5% do feminino. Na década de 1990, observaram-se um decréscimo nas taxas
de todas as idades e um deslocamento do ponto de máximo para o grupo de 25 a
29 anos. Nos anos 1980, predominaram os homens e, nos 1990, as mulheres. O
aumento da emigração feminina ocorreu, principalmente, nos fluxos dirigidos
para a Europa. Apesar das dificuldades nas informações, Azevedo (2004), apud
Rios-Neto (2005) mostrou que os principais destinos dos emigrantes brasileiros
são Estados Unidos, Paraguai e Japão. Cresceu o fluxo que se dirigia a Portugal,
Espanha e Inglaterra.
Embora o volume de emigrantes brasileiros não seja expressivo quando com-
parado ao total da população brasileira, esse processo, além de ser seletivo quanto
à idade, é também quanto ao nível educacional. Ou seja, pode estar implicando
perdas de contingentes de jovens brasileiros qualificados para países desenvolvidos,
onde a população economicamente ativa (PEA) vem se reduzindo (RIOS-NETO,
2005). Por outro lado, esses migrantes devem aportar uma contribuição expressiva,
inclusive previdenciária, nos países onde estão residindo.
Outra questão a ser considerada diz respeito à geração de renda quando da
perda de capacidade laboral desses emigrantes internacionais. As diferenças entre
os sistemas previdenciários dos vários países impedem um consenso numa política
que garanta proteção social efetiva aos migrantes, independentemente do local de
residência. Além de não carregarem sua história previdenciária, as regras são bas-
tante dinâmicas e divergentes. Segundo Schwarzer e Passos (2004), os problemas

Cap03.pmd 104 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 105

são maiores nas regiões de fronteira, dado que os migrantes encontram-se em


situações diversas de residência, vínculos empregatícios, relações familiares etc.6
Sumarizando, a questão da imigração internacional é bastante complexa e
envolve questões relevantes como sistemas de previdência, direitos humanos,
regulação governamental, família etc.

3 O SEGMENTO POPULACIONAL ATIVO

3.1 A população em idade ativa (PIA)


Em trabalho anterior, definiu-se como PIA a de 16 anos e mais (ver IPEA, 2006).
Numa população fechada, o volume de entradas nessa categoria reflete, principal-
mente, o número de nascimentos ocorridos 16 anos antes, descontada a mortali-
dade nessas idades. Em geral, essa taxa a partir dos cinco anos de idade não é
expressiva. O número de nascimentos, por sua vez, depende das taxas de
fecundidade e do número de mulheres em idade reprodutiva no período corres-
pondente. Isso explica por que as taxas de crescimento desse segmento populacional
ainda são relativamente altas, apesar da tendência de queda nas duas últimas décadas.
Uma variação nessa população no curto prazo é dada pela mortalidade, cujas taxas
são geralmente muito baixas nessas idades, sobretudo entre as mulheres. O gráfico 5
mostra que as taxas de mortalidade da população masculina de 16 a 24 anos
cresceram entre 1980 e 2000, o que se deve à mortalidade por causas externas.
Mostra, também, que a maior redução nas taxas de mortalidade ocorreu entre as
mulheres, principalmente no grupo etário de 25 a 38 anos. No caso da população
masculina, o maior decréscimo foi verificado entre o grupo maior de 40 anos.
Na tabela 4, encontram-se as taxas anuais de crescimento do segmento
populacional em idade ativa desagregada em alguns subgrupos e comparadas às
da população idosa, também considerada ativa.7 Nos três períodos considerados,
foi a população maior de 60 anos que mostrou a mais elevada taxa de crescimento.
A menor de 15 anos apresentou o mais baixo ritmo de crescimento, sendo este,

6. Em relação a essa questão, o MPAS possui acordos internacionais com dez países, a saber: Argentina, Chile, Espanha, Grécia, Itália,
Portugal, Cabo Verde, Luxemburgo, Paraguai e Uruguai. Esse tipo de acordo conserva os direitos dos contribuintes, como se a contribuição
previdenciária fosse feita no país de origem. Os acordos garantem os direitos de seguridade social previstos nas legislações dos diversos
países aos respectivos trabalhadores e seus dependentes legais que estejam residindo ou em trânsito nos países signatários. Os beneficiários
que utilizam os acordos internacionais têm aposentadoria paga pelos dois países, proporcionalmente ao tempo contribuído: um período
pelo país de origem e o outro pelo país em que a pessoa exerceu alguma atividade profissional. Caso o trabalhador se desloque para
outro país a trabalho, por tempo determinado, é concedido o Certificado de Deslocamento Temporário, que permite ao cidadão continuar
contribuindo para a previdência do país de origem (MPAS).

7. Isso se deve ao fato de o levantamento de informações oficiais não considerar um limite etário máximo para a participação nas
atividades econômicas.

Cap03.pmd 105 23/3/2007, 15:41


106 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

GRÁFICO 5
Brasil: taxas específicas de mortalidade da população por sexo
(Escala log)
1,00

0,10

0,01

0,00

0,00

e+
74
22

32

42

52

62

72
24

34

44

54

64
18

28

38

48

58

68

80 78
16

26

36

46

56

66

76
20

30

40

50

60

70
Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 1980 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Homens (1980) Mulheres (1980)
Elaboração: Ipea. Homens (2000) Mulheres (2000)

TABELA 4
Taxas de crescimento anuais da população brasileira segundo grupos etários

1970-1980 1980-1991 1991-2000

< 15 1,50 1,04 –0,16

15-39 3,09 2,20 1,91

40-59 2,84 2,59 3,47

60 e + 4,34 3,66 3,44

Total 2,48 1,93 1,63


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
Elaboração: Ipea.

inclusive, negativo no último período, dada a queda da fecundidade. Esse menor


crescimento já está afetando o crescimento dos vários grupos que compõem a
PIA. Com exceção dos anos 1970, as taxas de crescimento da população de 40 a
59 anos foram mais elevadas que as do grupo de 15 a 39 anos, tendência que
deverá se manter no médio prazo, o que resultará num envelhecimento da popu-
lação em idade ativa;8 e no longo prazo, na sua redução.
Em suma, a questão que se coloca não é a do crescimento a taxas elevadas de
um segmento considerado “dependente”, mas o fato de que este acontece num
contexto de crescimento reduzido da PIA. Do ponto de vista de um sistema de
seguridade social, mais do que a PIA, o que importa é a população que está realmente

8. Além da pirâmide etária, outro indicador que ilustra esse processo é a idade média da PIA, que aumentou em 1,9 ano nos últimos 20
anos. Em 1980 foi de 35,2 anos e passou para 37,1 anos em 2000 (ver IPEA, 2006).

Cap03.pmd 106 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 107

participando do mercado de trabalho e do mercado formal de trabalho. Esta de-


pende da primeira e, também, da dinâmica do mercado de trabalho. Pode-se dizer
que no caso brasileiro, ao contrário dos europeus, a informalização do mercado
de trabalho tem tido um impacto negativo mais expressivo na equação
previdenciária do que a dinâmica demográfica. Além disso, a baixa formalização
certamente comprometerá a possibilidade de aposentadoria para os idosos do fu-
turo, haja vista as duas últimas reformas previdenciárias.
Entre os homens que tinham de 40 a 60 anos em 2005, 85,5% trabalhavam
e 45,5% contribuíam para a seguridade social. As proporções comparáveis para
mulheres foram de 59,1% e 28,5%. Não se sabe por quanto tempo essas pessoas
estão contribuindo, mas é difícil esperar que consigam contribuir por 30 anos (se
mulher) e 35 anos (se homem) para a aposentadoria por tempo de contribuição, ou
15 anos para a aposentadoria por idade, como requer a Emenda Constitucional 20.
As perspectivas quanto à possibilidade de uma aposentadoria para os idosos dos
próximos 20 anos não são promissoras, e são menores ainda para as gerações que
têm hoje de 20 a 40 anos. Em 2005, aproximadamente 10% da população maior
de 65 anos recebiam o Beneficio de Prestação Continuada por Idade Avançada ou
a antiga Renda Mensal Vitalícia.9 Dado que 63,6% da população de 40 a 59 anos
não contribuía para a seguridade social naquele ano, a demanda por esse tipo de
beneficio tende a crescer. Dificilmente a assistência social terá capacidade fiscal
para garantir renda para esse segmento elevado da população, hoje desempregado
e no setor informal, quando perder a sua capacidade laboral.

3.2 A população economicamente ativa e seus movimentos


O total da PEA é função da PIA e das taxas de atividade, ou seja, em quanto e
quando (idade) as pessoas efetivamente participam das atividades econômicas.
Estas variam por sexo e idade. Em outras palavras, são determinadas pelas taxas de
ingresso e de saída do mercado de trabalho. Estas últimas podem ocorrer por
mortes e por outras razões, como, por exemplo, a aposentadoria, e, no caso das
mulheres, o casamento ou a maternidade. Num contexto de baixo crescimento
demográfico, o crescimento da PEA pode ocorrer através do estímulo à entrada
mais cedo e/ou à saída mais tarde. No entanto, a tendência observada em quase
todo o mundo é contrária a essa (ver DURAND, 1975; OECD, 2006). As mudanças
no mundo do trabalho estão requerendo cada vez mais mão-de-obra com escola-
ridade elevada o que explica a entrada mais tarde. Por outro lado, os avanços na
tecnologia médica e o maior acesso aos serviços de saúde estão contribuindo para

9. Esses são benefícios de assistência social. Foram pagos aproximadamente 1,3 milhão (ver MPAS, 2005).

Cap03.pmd 107 23/3/2007, 15:41


108 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

um envelhecimento ativo e mais saudável. Ou seja, é difícil pensar numa anteci-


pação da idade à entrada, mas é factível pensar no adiamento da idade à saída. Isso
significa não apenas alterar a idade mínima à aposentadoria, mas, também, me-
lhorar as perspectivas de inserção profissional dos trabalhadores idosos.
O gráfico 6 apresenta as taxas de entrada e retiro por morte e retiro profissional
da população masculina brasileira entre 1980 e 2000.10 Observa-se uma redução
nas taxas de entrada em todas as idades, com exceção das idades de 17 a 19 anos.
Esse decréscimo se intensificou a partir dos 22 anos. Para 1980, assumiu-se que as
entradas ocorreriam apenas até os 30 anos e, para 2000, até 31 anos. Além disso,
foi visto que a entrada na PEA entre 1980 e 2000 passou a ocorrer mais tarde. A
idade média a esse evento aumentou de 16,0 para 16,6 anos (ver IPEA, 2006). Por
outro lado, as taxas de retiro profissional aumentaram entre 1980 e 2000 nas
idades de 43 a 64 anos, mas não afetaram, de maneira geral, as idades médias à
aposentadoria. Do total de fluxo de aposentados de 1980, aproximadamente 1/3
tinha menos de 60 anos. Em 2000, essa proporção declinou para cerca de 30%,
conforme mostra a tabela 5. Verifica-se entre os homens a maior proporção dos
aposentados “precocemente”, o que pode estar relacionado ao tipo de aposenta-
doria. A tabela 6 mostra que entre as mulheres encontra-se uma proporção mais
elevada de aposentadorias por idade, de valor mais baixo, e entre os homens uma
proporção mais elevada de beneficiários por tempo de contribuição, que são os de
valores mais altos. Ressalta-se que nesse conjunto de benefícios não estão incluídos
as aposentadorias do setor público e os benefícios de prestação continuada por
idade avançada (assistência social).

GRÁFICO 6
Taxas de entrada e saída da população masculina nas atividades econômicas ao longo
do ciclo de vida
(Em %)
30

25

20

15

10

5

e+
22

32

42

52

62

72
24

34

44

54

64

74
18

28

38

48

58

68
16

26

36

46

56

66

76
80 78
20

30

40

50

60

70

Entradas (1980) Mortes (1980) Retiro (1980)


Fonte: Ipea (2006, p. 99). Entradas (2000) Mortes (2000) Retiro (2000)

10. Essas taxas foram obtidas por meio da metodologia de tabelas de vida ativa apresentadas em Ipea (2006).

Cap03.pmd 108 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 109

TABELA 5
Distribuição proporcional da população brasileira aposentada por idade segundo o sexo

1980 2000
Idade
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total

Até 60 35,73 28,64 33,07 30,87 28,25 29,69

60-64 12,47 13,46 12,84 16,91 17,69 17,26

65-69 20,11 18,10 19,36 17,47 17,94 17,68

70-74 15,47 16,61 15,90 15,53 15,34 15,45

75-79 9,98 12,81 11,04 10,10 9,99 10,05

80 e + 6,23 10,38 7,79 9,12 10,78 9,87


Fonte dos dados brutos: IBGE/Censo Demográfico de 1980 e 2000 e Pnads de 1981 e 2001.

TABELA 6
a
Distribuição proporcional dos benefícios e idade média à aposentadoria da população
brasileira por tipo segundo o sexo
1993 2003

Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total

Distribuição proporcional

Tempo de contribuição 44,67 11,48 31,12 45,50 15,03 31,70

Idade 27,88 65,91 43,40 33,76 67,56 49,07

Invalidez 27,46 22,61 25,48 20,74 17,41 19,23

Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Idade média à aposentadoria

Tempo de contribuição 52,74 51,33 52,52 51,40 49,95 51,09

Idade 64,97 61,77 62,99 64,11 60,64 61,95

Invalidez 47,67 48,86 48,10 47,39 49,92 48,43


b
Total 54,79 57,68 55,97 54,86 57,17 55,90
Fonte: MPAS.
a
Foram contabilizados os benefícios mantidos (estoque) na data de seu início (posição em dezembro de 1993 e 2003).
b
Inclui: aposentadoria por tempo de contribuição, por idade e por invalidez.

Na tabela 6, encontram-se as idades médias quando da concessão dos bene-


fícios mantidos em 1993 e 2003. Em geral, nos dois anos considerados, os homens
se aposentavam mais cedo que as mulheres. A diferença foi de 2,9 anos em 1993
e se reduziu para 2,3 em 2003. Isso reflete um efeito composição, pois as mulheres

Cap03.pmd 109 23/3/2007, 15:41


110 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

se aposentavam mais cedo, com exceção da categoria de aposentadoria por invalidez.


Com exceção desse tipo de aposentadoria, a idade média à concessão dos demais
tipos de benefícios se reduziu para ambos os sexos. A redução foi maior na idade
à aposentadoria por tempo de contribuição: em torno de 1,3 ano para ambos os
sexos. Embora essa seja uma tendência verificada em quase todos os países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) –
Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) –, ela ca-
minha em direção contrária ao aumento da esperança de vida às idades avançadas.
Um ponto a ser considerado é que ser aposentado no Brasil não significa, necessa-
riamente, saída do mercado de trabalho. A legislação brasileira permite que o
aposentado retorne a ao mercado sem qualquer restrição.
Até os 48 anos, as saídas da atividade econômica11 se deram principalmente
por morte (gráfico 6). A partir daí, as taxas por outros motivos, tais como aposen-
tadoria, passaram a ser mais elevadas. Em 2000, essa mudança ocorreu aos 45
anos. Isso pode ser explicado pela redução da mortalidade e pela maior cobertura
da seguridade social. A redução das idades médias à aposentadoria por idade e
tempo de contribuição corrobora esse resultado.
É fato reconhecido que o padrão de participação das mulheres na atividade
econômica é bem diferente do dos homens, bem como o de mortalidade. A sua
dinâmica no período também foi diferenciada, como pode ser visto no gráfico 7.
Apesar do nível de participação mais baixo, as taxas femininas de ingresso cresceram
em todas as idades, e o período de ingresso se prolongou até os 34 anos, limite esse
bem mais elevado do que o estimado para 1980: 21 anos. Essas taxas sinalizam
para uma continuação da tendência de crescimento da participação feminina.
Em 1980, desde os 21 anos as saídas por motivos outros que não morte
foram mais freqüentes. Isso ocorreu mais tarde em 2000, a partir dos 38 anos. Em
ambos os anos, aconteceu mais cedo do que para os homens, o que está associado
à menor mortalidade feminina, especialmente no que diz respeito às causas externas
e às saídas precoces do mercado de trabalho pela nupcialidade e/ou fecundidade.
Como foi observado para os homens, as taxas de saída por morte da população
feminina diminuíram no período considerado, e as por retiro profissional aumen-
taram. O aumento das taxas de saída ocorreu a partir dos 45 anos, o que está
associado a uma saída mais tardia, e levou a um aumento do tempo passado pelas
mulheres na atividade econômica. As mulheres que estavam no mercado de trabalho
em 1980 aí passavam aproximadamente 14,5 anos. Em 2000, esse tempo foi de

11. Nesse caso, está se falando de saídas, realmente. Ou seja, sem volta ao mercado de trabalho.

Cap03.pmd 110 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 111

25,3 anos, tempo esse também afetado pelo maior ingresso de mulheres no mer-
cado de trabalho, conforme será visto na tabela 7. Essa maior participação feminina
implica repensar o sistema de pensões por morte, dado que o sistema vigente
assume a mulher como a cuidadora dos membros dependentes da família.

GRÁFICO 7
Taxas de entrada e saída da população feminina nas atividades econômicas
ao longo do ciclo de vida
(Em %)
30

25

20

15

10

5

4 +
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 7 76 780 e
8
Entradas (1980) Mortes (1980) Retiro (1980)
Fonte: Ipea (2006, p.102). Entradas (2000) Mortes (2000) Retiro (2000)

3.3 Aposentadoria por invalidez


Os dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) indicam um crescimento
nas concessões dos benefícios por invalidez (acidentárias e previdenciárias) de
aproximadamente 40% entre 1993 e 2004 para os trabalhadores da iniciativa
privada. Passaram a representar cerca de 20% do total das aposentadorias concedidas
em 2004. Entre os servidores públicos da União, também foi observado um au-
mento expressivo na proporção desse tipo de benefícios no conjunto de benefícios
pagos. Entre 1994 e 2004, essa participação passou de 13,1% para 46,6%, apesar
do declínio no número absoluto de 3,485 milhões para 3,401 milhões (TAFNER;
PESSOA; MENDONÇA, 2006). As mulheres receberam 38% dos benefícios concedidos
para os trabalhadores do setor privado e 45% dos concedidos aos do setor público.
Esses dados sugerem, entre outros fatores, inadequação das condições de trabalho,
bem como envelhecimento funcional precoce, que atinge mais os homens que as
mulheres.
Em 2003, as principais doenças geradoras de concessões de benefícios por
invalidez no setor privado foram as do aparelho circulatório, segundo o MPAS. Estas
foram responsáveis por 34% do total de concessões. A seguir, colocaram-se as doenças
do sistema osteomuscular, cuja proporção foi de 31%, e os transtornos mentais,
que responderam por 15%. O número de benefícios por invalidez concedidos

Cap03.pmd 111 23/3/2007, 15:41


112 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

devido a problemas relacionados ao sistema osteomuscular aumentou 46% entre


2000 e 2003. Passou de 26.514 casos para 38.723.
Uma medida aproximada do impacto que algumas doenças podem exercer
na retirada da força de trabalho foi obtida como uma razão entre o número de
pessoas aposentadas com idade compreendida entre 20 e 60 anos que experimen-
tavam algumas das morbidades levantadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) de 1998 e 2003 e a PEA não-aposentada (ver IPEA, 2006). Essa
medida pode ser considerada uma proxy da probabilidade de que, dado que o
indivíduo contraiu certa doença, ele se retire da força de trabalho, via aposentadoria.
Entre os homens, esse indicador passou de 7,0% para 8,1% entre 1998 e 2003 e,
entre as mulheres, oscilou entre 8,3% e 8,5%. As principais doenças, entre as
pesquisadas, que afetaram tanto homens como mulheres aposentados, foram as
do coração, as renais crônicas e as artrites. Com exceção dos problemas de coluna
e costas e das doenças renais crônicas reportados pelos homens, as demais proba-
bilidades apresentaram redução no período considerado. Isso pode apontar para
uma melhora das condições de saúde da população trabalhadora ou, pelo menos,
para um melhor convívio e adaptação às limitações impostas pelas doenças crônicas.
Outra medida de impacto das aposentadorias precoces na saída da força de
trabalho consiste na proporção de aposentados que não trabalhavam e reportaram
sofrer de alguma das doenças crônicas em relação à PEA por sexo e idade, sendo
apresentada no gráfico 8 (IPEA, 2006). Nos dois anos considerados, como esperado,
a proporção cresceu com a idade. Em 2003, foi 12 vezes maior entre os trabalha-
dores do sexo masculino com mais de 55 anos do que entre os de 40 a 44 anos.
Foi, também, duas vezes maior entre as mulheres do que entre os homens, princi-
palmente a partir dos 45 anos. Entre as mulheres de 45 a 49 anos, a proporção

GRÁFICO 8
Proporção de aposentados de 20 a 60 anos que reportam sofrer de doenças
crônicas em relação à PEA
(Em %)
30

25

20

15

10

0
20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59

Homens (1998) Mulheres (1998)


Fonte: Ipea (2006, p.101). Homens (2003) Mulheres (2003)

Cap03.pmd 112 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 113

mencionada foi de 3,4% e passou para 27,4% entre as de 55 a 59 anos. Essas


proporções decresceram entre 1998 e 2003, sugerindo melhoria nas condições de
saúde.
Sintetizando, embora não se possa identificar uma tendência clara no com-
portamento dos afastamentos precoces da PEA, foram observadas indicações de
algumas modificações no perfil da morbidade ocupacional. Apesar dos avanços
da tecnologia médica e de um maior acesso aos serviços de saúde, transformações
no mercado de trabalho, nos processos produtivos e de prestação de serviços, a
maior precarização das relações de trabalho, a entrada maciça das mulheres nas
atividades econômicas, o envelhecimento populacional e, conseqüentemente, da
PEA, podem resultar no envelhecimento precoce dos trabalhadores na ausência
de avanços na saúde ocupacional que permitam uma melhor adaptação destes às
novas demandas do processo produtivo. Por outro lado, há que se considerar que,
independentemente das condições de trabalho, cada categoria ocupacional expe-
rimenta o seu timing de envelhecimento funcional, o que deve ser levado em
conta quando se classificam as saídas em “precoces” ou não.

3.4 Aposentadoria de “fato” e de “direito” (quem realmente se aposenta


e quem continua no mercado de trabalho?)
Uma das tendências recentes em quase todo o mundo é a participação simultânea
da população em mais de um evento, como, por exemplo, se aposentar e continuar
trabalhando (MARTIN; PEARSON, 2005). Conforme se pode ver pelo gráfico 9, em
1980, a partir dos 53 anos, observou-se que pelo menos 5% dos homens brasileiros
participavam do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, eram aposentados,
simultaneidade esta que cresceu com a idade até os 67 anos. Vinte anos mais

GRÁFICO 9
Brasil: proporção da população que trabalha e é aposentada por sexo e idade
(Em %)
35

30

25

20

15

10


42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 80 e +

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000 PEA e é aposentado – Homens (1980) PEA e é aposentado – Mulheres (1980)
e Pnads de 1981 e 2001. Elaboração: Ipea. PEA e é aposentado – Homens (2000) PEA e é aposentado – Mulheres (2000)

Cap03.pmd 113 23/3/2007, 15:41


114 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

tarde, essa simultaneidade começava aos 49 anos, ou seja, quatro anos mais cedo,
dada a redução da idade de entrada na aposentadoria. Além disso, como já se
mencionou, a legislação brasileira permite que o aposentado retorne ao mercado
de trabalho, a não ser nos casos de aposentadoria por invalidez. O gráfico mostra,
também, que em 1980, não havia mulheres brasileiras que combinavam partici-
pação no mercado de trabalho e aposentadoria. Já em 2000, essa combinação de
participação feminina seguiu o mesmo padrão da masculina de 1980. Iniciou-se
aos 54 anos e se manteve acima de 5% até os 74 anos.12

3.5 Tempo passado na atividade econômica e na aposentadoria


O tempo (duração) que uma dada população passa na atividade econômica e na
situação de beneficiário da seguridade social pode ser medido pela metodologia
de tabela de vida ativa.13 Essa duração é afetada pelas taxas de atividade e de mor-
talidade e pela proporção de aposentados. O efeito da mortalidade sobre esses
tempos pode ser estimado aproximadamente pelo número (bruto ou líquido) de
anos de vida ativa. O número bruto de anos só foi calculado para a participação
no mercado de trabalho. Indica a permanência da população na atividade econômica
na ausência da mortalidade, e o número líquido inclui o efeito dessa variável. A
diferença entre esses dois indicadores permite medir o efeito redutor da mortali-
dade sobre a duração da vida ativa. A tabela 7 mostra esses indicadores.
TABELA 7
Brasil: duração da vida ativa e da aposentadoria segundo o sexo

Duração da vida Aos 16 anos Aos 50 anos


ativa aos 16 anos

Bruto Líquido E16 Bruto- E16-bruto E50 Duração da Proporção da aposen-


líquido aposentadoria tadoria na E50 (%)

1980

Homens 46,68 39,51 49,26 7,17 2,58 22,15 17,41 78,62

Mulheres 14,63 13,78 55,92 0,85 41,28 25,62 6,68 26,07

2000

Homens 44,15 38,43 52,45 5,72 8,30 25,07 19,86 79,19

Mulheres 25,61 24,65 60,54 0,96 34,93 29,42 10,66 36,23


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.

12. Foi considerado um valor mínimo de 5%.


13. Isso foi feito em trabalho anterior. Ver IPEA, 2006.

Cap03.pmd 114 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 115

Em 1980, na ausência da mortalidade, um homem aos 16 anos podia esperar


passar 46,7 anos na atividade econômica; e as mulheres, 14,6. Na prática, essa
duração é menor pelo efeito redutor da mortalidade precoce, que acontece antes
do período estabelecido como o término da atividade econômica, tal como a idade
mínima para a aposentadoria. Essa redução foi bem maior para os homens, 7,1
anos, do que para as mulheres, que foi de 0,8 ano. O fato de se ter estimado em
39,5 anos o número líquido de anos que um homem passa na atividade econômica
sugere baixa cobertura previdenciária e/ou o retorno do aposentado ao mercado
de trabalho, dado que o tempo de trabalho (ou contribuição) exigido para que um
homem se aposentasse pela legislação previdenciária naquele ano era de 35 anos.
A comparação entre a esperança de vida aos 16 anos e o número líquido de anos
de vida ativa (coluna 5) permite inferir o tempo não dedicado à atividade econômica,
motivado pelo retiro profissional ou ingresso tardio. As mulheres apresentaram
um tempo muito maior da sua vida não dedicado à atividade econômica, 41,3
anos. Por outro lado, esse tempo para os homens foi de 2,6 anos.
O que se observou entre 1980 e 2000 foi uma redução do número bruto e
líquido de anos passados na atividade econômica pelos homens brasileiros a des-
peito de um aumento de 3,2 anos na esperança de vida aos 16 anos. A redução na
mortalidade implicou uma diminuição de 1,4 ano no número de anos perdidos
na atividade econômica por morte, mas esse tempo ainda continuava elevado, 5,7
anos (ver tabela 7). Como se verá adiante, a mais alta mortalidade masculina,
especialmente por causas externas, explica parte dessa perda. O inverso ocorreu
com as mulheres. O seu tempo passado no mercado de trabalho aumentou em
10,9 anos, enquanto a esperança de vida aos 16 anos cresceu em 4,6 anos.
Dada a importância da mortalidade por causas externas no tempo passado
pelos homens brasileiros na atividade econômica e o fato de essas causas poderem
ser consideradas evitáveis,14 foram realizadas algumas simulações para mensurar o
impacto da sua redução nos indicadores estimados (ver IPEA, 2006). Consideraram-se
as causas externas no seu conjunto, mas também foram levados em conta os ho-
micídios e os acidentes de transporte, separadamente, pois, entre as causas externas,
essas são as principais. O gráfico 10 apresenta os valores da esperança de vida ao
nascer e aos 16 anos, e o número líquido de anos passados na atividade econômica
observado e simulado para o ano 2000. A eliminação dos óbitos por todas as
causas externas resultaria em uma elevação de 3,2 anos na esperança de vida ao nascer
masculina e de 1,5 ano no tempo passado na atividade econômica. Excluindo-se os

14. Assume-se que estes são óbitos que, sob regras, estímulos, incentivos e punições diferenciadas, poderiam ser evitados se não na sua
totalidade, pelo menos em grande parte.

Cap03.pmd 115 23/3/2007, 15:41


116 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

GRÁFICO 10
Brasil: estimativas da esperança de vida simuladas para homens – 2000
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
Ao nascer Aos 16 anos Ativa aos 16 anos
Observada Eliminando as causas externas

Fonte: Ipea (2006, p. 105). Eliminando os homicídios Eliminando os acidentes de transporte

óbitos por homicídios do total de óbitos, verifica-se que estes contribuíram para
uma perda de 1,4 ano na esperança de vida ao nascer e 0,7 ano no tempo passado
na atividade econômica. Já a exclusão dos óbitos por acidentes de trânsito do total
de óbitos levou a uma redução de 0,4 ano na esperança de vida ao nascer e no
tempo passado na atividade econômica.
Outra medida apresentada na tabela 7 é uma estimativa do tempo que um
trabalhador aos 50 anos pode esperar passar na condição de aposentado. Ela é
comparada à esperança de vida a essa idade. Pode-se observar que nos dois anos
considerados, um homem aos 50 anos esperava passar aproximadamente 80% do
tempo que ainda terá por viver na condição de aposentado. Em termos absolutos,
significou um acréscimo de 2,4 anos entre 1980 e 2000. Isto se deveu à redução
na idade de se aposentar, conforme se viu na tabela 6. Dada a ainda baixa partici-
pação feminina no mercado de trabalho, o tempo despendido pelas mulheres,
tanto absoluto quanto relativo, nessa condição era bem menor que o dos homens,
embora crescente.
Como já se mencionou, o fato de um indivíduo estar aposentado não significa
que ele não esteja trabalhando. Como se viu no gráfico 9, mais de 1/4 dos homens
de 62 a 72 anos trabalhavam e estavam aposentados em 2000. Por outro lado, 1/3
dos homens de 50 a 64 anos e 2/3 das mulheres não trabalhavam nem procuravam
trabalho nesse ano. Sem dúvida, tais valores refletem uma saída precoce do mercado
de trabalho, mas são mais baixos que os observados para os países da OCDE (ver
OECD, 2006). Isto nos leva a perguntar que fatores determinam essa saída precoce,
dado que a esperança de vida nas idades avançadas tem crescido muito e tem sido
acompanhada por melhorias nas condições de saúde.

Cap03.pmd 116 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 117

No caso brasileiro, não se têm dúvidas de que a aposentadoria por tempo de


serviço/contribuição contribui para isso. Por outro lado, há que se considerar,
também, a existência de barreiras e preconceitos em relação ao trabalho do idoso.
Segundo a OCDE, as dificuldades em manter o idoso no mercado de trabalho
advém tanto do lado do empregador quanto do empregado. No primeiro caso,
isso inclui, entre outros fatores, percepções negativas a respeito da capacidade dos
trabalhadores idosos de se adaptarem às mudanças tecnológicas e organizacionais
e os custos crescentes com a idade, independentemente da produtividade. Do
lado dos empregados, estes podem sentir o seu capital humano depreciado, por
não receberem ajuda nem incentivo para treinamentos e atualizações. Wajnman,
Oliveira e Oliveira (2004) verificaram que as maiores taxas de participação são
encontradas entre os idosos de mais baixa escolaridade e os de mais alta.

4 A POPULAÇÃO IDOSA E SEUS MOVIMENTOS

4.1 Dinâmica de crescimento e composição por sexo


Como já se mencionou várias vezes neste livro, a população idosa é a que experi-
menta as mais elevadas taxas de crescimento, o que tem gerado visões otimistas e
pessimistas a respeito das suas implicações econômicas e, em especial, sobre a
previdência social. Isso é verdade quando se compara esse grupo etário aos demais.
Mas quando se observa a sua tendência temporal, verifica-se que essas taxas têm
decrescido, principalmente entre os idosos mais jovens. Ou seja, dentro da popu-
lação idosa, o grupo que mais cresce é o constituído pelas pessoas de 80 anos e
mais, conforme se pode ver na tabela 8. Já foi observado, inclusive, um crescimen-
to no número de centenários. O Censo Demográfico de 2000 encontrou cerca de
24,5 mil pessoas com mais de 100 anos. Isso se deve principalmente à queda da
mortalidade na população idosa.
TABELA 8
Taxas de crescimento da população idosa brasileira
(Em %)

Idade 1970-1980 1980-1991 1991-2000

60-64 3,15 3,66 2,65


65-69 5,24 2,88 2,87
70-74 5,03 3,33 4,22
75-79 7,10 4,05 3,64
80 e + 2,02 6,03 5,52
Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 1970, 1980, 1991 e 2000.
Elaboração: Ipea.

Cap03.pmd 117 23/3/2007, 15:41


118 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

Também já foi comentado que os desafios acarretados pelo envelhecimento


populacional não se devem apenas ao crescimento a taxas elevadas da população
idosa, mas, também, ao menor crescimento da PIA. Isso implica uma redução na
razão entre esses dois grupos populacionais. Por exemplo, em 1980, para cada
idoso, havia 9,2 pessoas com idade compreendida entre 15 e 59 anos. Em 2000,
essa razão decresceu para 7,2. Ressalta-se que, na verdade, essa relação revela apenas
a dinâmica demográfica. Para o caso da previdência social, a relação importante é
entre contribuintes e beneficiários, que reflete a dinâmica demográfica e a do
mercado de trabalho. A sua queda foi relativamente bem maior: passou de 4,8
para 2,8 contribuintes por beneficiário no período.

4.2 Mortalidade por causas evitáveis15


Considerando-se a população idosa como fechada, ou seja, não afetada pelos
movimentos migratórios, a dinâmica de seu crescimento será estabelecida pela
mortalidade. Uma questão bastante atual na literatura diz respeito às perspectivas
da continuação do aumento da esperança de vida. Vários cenários e projeções a
esse respeito já foram desmentidos pela realidade. Encontra-se um consenso sobre
a continuação da queda da mortalidade, mas sem especificações de até quando e
como ela pode cair. Atualmente, valores de esperança de vida acima de 80 anos
são observados no Japão, Austrália, Cingapura, Suíça e Suécia.16 Como já se viu, a
esperança de vida ao nascer da população brasileira atingiu 70,9 anos em 2000,
tendo aumentado oito anos entre 1980 e 2000. Em 2000, uma pessoa que atingiu
os 60 anos poderia ainda esperar viver, em média, 19,7 anos, 1,7 a mais do que em
1980. Objetiva-se nesta subseção avaliar até quanto a mortalidade da população
idosa brasileira poderá cair e qual será o seu impacto sobre a esperança de vida ao
nascer e aos 60 anos e no ritmo de crescimento da população idosa.
Para responder a essa questão, o trabalho buscou identificar as causas de
morte que podem ser evitadas de forma a contribuir para taxas de mortalidade
mais baixas e uma esperança de vida mais elevada. A título de exercício, foram
realizadas algumas simulações tentando medir os ganhos na esperança de vida ao
nascer e aos 60 anos da população brasileira se determinadas causas de morte
fossem evitadas. A determinação das causas que poderiam ser evitadas se baseou
em uma metodologia apresentada num estudo da Escuela Andaluza de Salud Pública
(EASP, s.d.). Com a metodologia mencionada, foi possível calcular o número de
anos perdidos na esperança de vida ao nascer e às várias idades devido a causas

15. Esta subseção está fortemente baseada em Camarano, Kanso e Mello (2004b).
16. Dados retirados do site US Census Bureau (www.census.gov) em 10/01/2007 referentes ao ano de 2006.

Cap03.pmd 118 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 119

consideradas evitáveis bem como as correspondentes taxas de mortalidade e o


volume populacional que poderia sobreviver às idades avançadas.
Pode-se observar no gráfico 11 que a proporção de óbitos brasileiros por
causas consideradas evitáveis era bastante elevada. Em 2000, aí se encontravam
aproximadamente 75% dos óbitos brasileiros. Era mais elevada entre a população
não-idosa do que entre a idosa e mais alta entre os homens do que entre as mulheres
devido ao impacto das mortes por causas externas. Quando apenas as mulheres
são consideradas, verifica-se entre as idosas uma proporção mais elevada de mortes
evitáveis. A elevada proporção de óbitos evitáveis significa a existência de um
espaço considerável para a continuação da redução da mortalidade, para o aumento
da esperança de vida e para o crescimento da população idosa.
Utilizou-se a definição de causas evitáveis desenvolvida por Charlton.17 Foram
identificadas as causas de morte que são influenciadas pela qualidade no atendi-
mento dos serviços de saúde e recursos utilizados. Tais causas foram dispostas nos
seguintes grupos:
Grupo I: Causas evitáveis por meio da prevenção primária. Incluem as pato-
logias que podem ser diagnosticadas primariamente, permitindo uma intervenção
na prevenção, reduzindo a incidência da doença.
Grupo II: Causas evitáveis por meio de diagnóstico “precoce” e tratamento
oportuno. São causas que requerem prevenção secundária.
Grupo III: Causas evitáveis por meio de melhorias nos tratamentos e cuidados
médicos. Consideram as doenças suscetíveis de tratamentos e avanços na medicina.

GRÁFICO 11
Brasil: proporção de óbitos considerados evitáveis por sexo – 2000
(Em %)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
População idosa População não-idosa

Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Elaboração: Ipea. Homens Mulheres

17. Para mais detalhes, ver Camarano, Kanso e Mello (2004b).

Cap03.pmd 119 23/3/2007, 15:41


120 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

A tabela 9 apresenta as taxas de mortalidade da população idosa brasileira


geral e as decorrentes de causas consideradas evitáveis em 2000. Apresenta, também,
os valores da esperança de vida ao nascer e aos 60 anos simulados, ou seja, os que
poderiam ser obtidos, caso a mortalidade pelas causas consideradas fosse eliminada.
Entre essas causas, as maiores taxas de mortalidade para ambos os sexos foram
encontradas no grupo III. Aí se encontram as causas que podem ser evitadas por
melhorias nos tratamentos e cuidados médicos.18 A importância desse grupo de
causa de morte é crescente no tempo e atinge mais as mulheres (ver CAMARANO;
KANSO; MELLO, 2004b). Em 2000, foi responsável por 42% dos óbitos masculinos
do contingente de idosos e 46% dos femininos. Conseqüentemente, a sua elimi-
nação é a que provocaria o maior impacto na redução da mortalidade entre as
causas consideradas. Significaria um aumento de 7,2 anos na esperança de vida ao
nascer da população masculina e 8,4 da feminina e de 8,3 e 8,6 anos, respectiva-
mente, na da população maior de 60 anos.
O segundo grupo de causas de morte em importância (grupo I) abrange as
doenças de prevenção primária, que poderiam ser evitadas por meio de um acom-
panhamento que pudesse resultar em um diagnóstico precoce. Caso fossem essas
as causas eliminadas, os homens alcançariam uma esperança de vida de 73,0 anos
e as mulheres de 78,3 (ver tabela 9). O impacto da redução dessas taxas seria bem
maior na população masculina, que apresentaria ganhos de 5,8 anos, comparados
aos 3,5 anos esperados para as mulheres. O menor impacto na esperança de vida

TABELA 9
Brasil: taxas de mortalidade da população idosa e esperança de vida ao nascer
observadas e simuladas segundo causas evitáveis – 2000
(Por mil idosos)

Taxas Esperança de vida ao nascer Esperança de vida aos 60 anos


Grupos de causas (por mil) (anos) (anos)
de morte
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

Eliminando grupo I 9,96 6,06 72,97 78,34 22,31 24,67

Eliminando grupo II 0,10 0,97 67,28 75,89 19,36 22,72

Eliminando grupo III 17,60 14,32 74,40 83,26 26,22 29,89

Eliminando total evitável 27,67 21,35 80,16 86,89 29,23 32,48

Total 41,10 31,47 67,16 74,83 17,96 21,32


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.

18. Nesse grupo de causas de morte encontram-se: tuberculose, enfermidades hipertensivas, cardiopatias e diabetes mellitus.

Cap03.pmd 120 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 121

ao nascer seria observado caso se eliminassem as mortes do grupo II, as redutíveis


por meio de diagnóstico “precoce” e tratamento oportuno. Estas são causas de
morte que afetam mais a população feminina. A sua esperança de vida poderia
aumentar em 1,1 ano no caso da sua eliminação.
Se fossem eliminadas todas as causas evitáveis, o ganho na esperança de vida
ao nascer e aos 60 anos seria elevado para ambos os sexos. A esperança de vida
masculina passaria de 67,2 anos para 80,2 anos, e a feminina, de 74,8 para 86,9
anos de vida, ou seja, um ganho de aproximadamente 13,0 anos para homens e de
12,1 para as mulheres. Já os ganhos na esperança aos 60 anos seriam de aproxima-
damente 11 anos para ambos os sexos (ver tabela 9).19 Além de uma esperança de
vida mais elevada, pode-se esperar, também, uma redução de 0,9 ano nos diferenciais
por sexo, o que repercutirá na composição por sexo da população brasileira, em
particular, a idosa. Deve-se reconhecer que os altos valores obtidos na simulação
podem ser, em parte, resultados da interdependência entre as várias causas de morte.
O impacto que essa redução da mortalidade pode exercer no crescimento da
população idosa pode ser visualizado no gráfico 12 e na tabela 1 do apêndice.
Assumiu-se que a redução da mortalidade obtida pela eliminação das causas evitáveis
poderia ser alcançada em 30 anos. Se isso se verificar, a população idosa poderá
triplicar nesse período. Poderá passar dos 14,5 milhões observados em 2000 para
45,9 em 2030, como resultado, também, da alta fecundidade no passado.

GRÁFICO 12
Brasil: população idosa projetada, eliminando as causas de morte consideradas
evitáveis por sexo
(Em milhões)
30

25

20

15

10

0
2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM.


Elaboração: Ipea. Homens Mulheres

19. Projeções recentes para os países da OCDE apontam para 2050 valores de esperança de vida de 83,3 anos para homens e 89,1 para
mulheres. Ver Bongaarts (2006).

Cap03.pmd 121 23/3/2007, 15:41


122 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

5 NUPCIALIDADE
A nupcialidade não é considerada uma variável estritamente demográfica, mas exerce
um papel importante na dinâmica demográfica, pois afeta e é afetada pela reprodução
populacional (fecundidade), além de exercer influência na formação e na dissolução
dos arranjos familiares. Por outro lado, igualmente importante é o seu impacto no
delineamento dos potenciais beneficiários da seguridade social; no caso, as pensões
por morte. Essa é a razão da inclusão da referida variável neste capítulo.
As mudanças sociais, econômicas e culturais afetam sobremaneira a nupcialidade.
Cita-se, entre muitas, a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho,
bem como o envelhecimento populacional. No caso brasileiro, pode-se dizer que essas
mudanças se iniciaram nos anos 1970, e seus impactos na formação das uniões
conjugais já se fazem sentir. Estar separado, divorciado ou em união consensual ou
ainda recasar-se civilmente, o que antes era permitido apenas em caso de viuvez, são
sinais de mudanças nos comportamentos preestabelecidos da sociedade tradicional.
De que maneira essas mudanças podem afetar a demanda por benefícios previdenciários
é uma das perguntas desta seção, que analisa o padrão da nupcialidade da população
brasileira e o seu calendário (idade à entrada nos eventos e duração).

5.1 Padrão da nupcialidade


A tabela 10 apresenta a distribuição da população brasileira de 15 anos e mais por
estado conjugal e sexo. O estado conjugal predominante da população brasileira é
o de casado. Nessa condição, se encontravam em 2000 57% da população brasi-
leira, proporção esta que apresentou ligeira redução nos 20 anos analisados, devido,
principalmente, à diminuição da proporção de mulheres casadas. Enquanto 58,3%
TABELA 10
Distribuição proporcional da população brasileira de 15 anos e mais por estado conjugal
segundo o sexo

1980 1991 2000

Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total


a
Casado 58,83 56,90 57,85 59,94 57,09 58,48 58,28 54,96 56,57

Solteiro 37,89 31,54 34,67 35,77 28,71 32,16 33,71 26,13 29,81

Sep./desq./div. 1,50 3,47 2,50 2,68 6,04 4,40 6,03 10,65 8,41

Viúvo 1,78 8,09 4,98 1,62 8,16 4,97 1,98 8,26 5,21

Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 1980, 1991 e 2000.
a
Inclui união consensual.

Cap03.pmd 122 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 123

dos homens brasileiros eram casados, a proporção comparável para as mulheres


foi de 55,0%. O segundo estado conjugal mais importante foi o de solteiro, neste
caso mais expressivo entre os homens. Aí se encontravam, em 2000, 33,7% dos
homens brasileiros e 26,1% das mulheres. Essa proporção também decresceu no
período considerado e de forma mais expressiva entre as mulheres.
A redução nas proporções mencionadas foi compensada por um aumento
na proporção da população que se declarou separada, desquitada ou divorciada.
Embora baixa, ela passou de 2,5% para 8,4%, ou seja, cresceu em mais de três
vezes no período. O crescimento foi maior entre as mulheres. Enquanto em 1980
3,5% das mulheres estavam nessa condição, em 2000, encontravam-se aproxima-
damente 11%. A variação comparável para os homens foi de 1,5% para 6,0%.
Essa menor proporção comparada à das mulheres pode ser explicada por uma
dificuldade maior experimentada pelas mulheres para o recasamento. A proporção
da população brasileira que se declarou viúva não se alterou no período e foi a
mais baixa entre os quatros estados conjugais considerados. Foi bem mais alta
entre as mulheres comparativamente aos homens: 8,3% e 2,0% (ver tabela 10). A
maior mortalidade masculina, conjuntamente com normas e valores culturais que
levam ao casamento de homens com mulheres mais novas, dificulta o recasamento
das mulheres e explica essas diferenças nas proporções.
Um indicador comumente usado para medir a intensidade da nupcialidade
é a proporção de pessoas que chegam aos 50 anos sem nunca terem se casado.20
Essa medida não se alterou no período analisado e foi mais alta entre as mulheres.
Entre os homens, foi de 6%; e entre as mulheres, de 9% (ver gráficos 13 e 15). Isso

GRÁFICO 13
Brasil: proporção de homens por estado conjugal e idade individual
(Em %)
90

60

30

0 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 e +
80
Casado/unido (1980) Solteiro (1980) Separado (1980) Viúvo (1980)
Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000.
Elaboração: Ipea. Casado/unido (2000) Solteiro (2000) Separado (2000) Viúvo (2000)

20. Chamada de índice de celibato. Assume-se que as pessoas que chegaram a essa idade sem se casar não se casarão mais.

Cap03.pmd 123 23/3/2007, 15:41


124 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

GRÁFICO 14
Brasil: distribuição proporcional da população por estado conjugal segundo
sexo e idade
(Em %)
90

60

30

0
20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
Mulheres casadas Mulheres solteiras Mulheres separadas Mulheres viúvas
Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 2000.
Elaboração: Ipea. Homens casados Homens solteiros Homens separados Homens viúvos

GRÁFICO 15
Brasil: proporção de mulheres por estado conjugal e idade individual
(Em %)
90

60

30

0
e+
22

32

42

52

62

72
24

34

44

54

64

74
28

38

48

58

68

80 78
26

36

46

56

66

76
20

30

40

50

60

70

Casada/unida (1980) Solteira (1980) Separada (1980) Viúva (1980)


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000.
Elaboração: Ipea. Casada/unida (2000) Solteira (2000) Separada (2000) Viúva (2000)

indica que não houve alterações no quantum da nupcialidade. Ou seja, a população


continuou se casando na mesma intensidade, mas os casamentos duraram menos.
Como a tabela 10 apresenta informações para a população de 15 anos e mais
e o estado conjugal é fortemente afetado pela idade, muitas das transformações na
nupcialidade brasileira não ficam aparentes. Dado isso, o gráfico 13 mostra a
distribuição proporcional da população masculina por estado conjugal e idade
individual em 1980 e 2000. Nos dois anos considerados, até os 25 anos ser solteiro
era o estado conjugal predominante dos homens. A partir dessa idade, o casamento
foi o status principal. Essa proporção cresceu até os 46 anos e ficou aproximada-
mente constante até os 61 anos, atingindo valores em torno de 85% em 2000.
Apesar de decrescente com a idade, aos 80 anos aproximadamente 80% dos homens
estavam casados. Em relação a 1980, observou-se um decréscimo nos percentuais
mencionados até os 72 anos, o que deve ser resultado do aumento do número de

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DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 125

separações. Já a partir dos 72 anos, esse percentual aumentou concomitante à


redução na proporção de viúvos. Ou seja, sugere que as separações são um fenô-
meno recente e que ainda não atingiu a população muito idosa.
A proporção de viúvos aumentou com a idade, como esperado, e decresceu
ligeiramente no período. Em 2000, em torno de 30% dos homens de 80 anos e
mais eram viúvos, proporção essa que fora de 35% em 1980. A redução da mor-
talidade nas idades adultas e avançadas deve ter contribuído para isso e resultou
em um aumento na proporção de casados. Por outro lado, o aumento da proporção
de homens separados também leva a uma queda na proporção de viúvos. De que
maneira isso impacta a demanda por pensões por morte é algo que depende dos
arranjos que foram feitos quando do processo de separação civil (desquite e/ou
divórcio) e do fato de a mulher ter trabalhado/contribuído ou não para a seguridade
social. Dado que está se falando de homens mais velhos, é possível que a maior
parte de suas esposas não tenha trabalhado na vida adulta, o que não deve ter
gerado o benefício de pensão por morte para esses homens quando da viuvez.
Também, no caso das separações, esses não devem ter sido contemplados com
pensões alimentícias.
Segundo dados do MPAS, tanto em 2004 quanto em 2005, aproximadamente
12% das pensões por morte foram pagas a homens. Por outro lado, entre os viúvos
na população brasileira em 2000, 18,5% eram homens. O baixo número de homens
recebendo pensões por morte não deve, portanto, ser resultado apenas do baixo
número de viúvos, mas, também, da sua inelegibilidade.
De maneira geral, o padrão de nupcialidade por idade das mulheres é seme-
lhante ao dos homens, como se observa no gráfico 14. A variação está no timing
dos eventos, como será visto na subseção seguinte. As mulheres se casam mais
cedo, mas descasam mais cedo, seja pelas separações, seja pela viuvez. Entre os
homens desde os 25 anos, predominavam os casados. Estar casada foi o status
predominante das mulheres entre 23 e 70 anos. A partir dessa idade, predominaram
as viúvas. O status de separada ou de viúva é uma característica mais acentuada
entre as mulheres e crescente com a idade. Em 2000, a proporção de mulheres
com mais de 60 anos nessa condição era aproximadamente quatro vezes maior
que a de homens.
A variação observada nos 20 anos considerados foi uma redução na proporção
de mulheres casadas entre 20 e 60 anos e um aumento a partir daí (ver gráfico 15).
O aumento das separações, observado em todas as idades, explica o decréscimo, e
a redução na mortalidade masculina explica o acréscimo. Esses dois fatores também
levaram a uma diminuição na proporção de viúvas. Em 2000, a proporção de

Cap03.pmd 125 23/3/2007, 15:41


126 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

mulheres separadas cresceu com a idade até os 42 anos e ficou constante até os 53
anos, em torno de 15%. Isso significa aproximadamente 22% das mulheres casadas
e aponta para uma continuação da queda na proporção de viúvas no futuro próximo.
Em que medida isso resultará numa diminuição na demanda por pensões por
morte, como já se mencionou, vai depender do acordo feito no momento da
separação judicial. Como se observa no gráfico 16, é crescente a proporção de
mulheres separadas na faixa etária de 40 a 59 anos que recebiam alguma renda do
trabalho. Entre as mulheres de 40 a 49 anos, essa proporção ultrapassou os 60%.
Pode-se, portanto, esperar que uma parcela expressiva dessas mulheres receba pensão
alimentícia apenas para os filhos, o que implicará uma redução da pressão por
benefícios por viuvez se elas ou os seus ex-cônjuges não se recasarem.

GRÁFICO 16
Brasil: proporção de mulheres separadas com algum rendimento do trabalho
80

70

60

50
40
30
20

10
0
30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60 e +

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000.


Elaboração: Ipea. 1980 2000

5.2 Mudanças no calendário dos eventos


As mudanças no calendário dos eventos que marcam o processo de nupcialidade
foram mais intensas que no seu quantum. Aqui são consideradas as idades à entrada
na primeira união e na viuvez, bem como a duração desses eventos, e estão apre-
sentadas na tabela 11. Normas e valores culturais fazem com que as mulheres se
casem mais cedo que os homens porque se casam com homens mais velhos. Em
1980, as mulheres se casavam em média aos 22,3 anos e os homens aos 25,1 anos.
Essa idade aumentou em 0,6 ano para os homens e 0,3 para as mulheres. Como
resultado, a diferença entre os sexos na idade média ao casar aumentou de 2,7 para
3,1 anos. Por outro lado, as pessoas passaram a experimentar o evento da viuvez
muito mais tarde. Entre os homens, a idade a esse evento passou de 71,2 anos em
1980 para 72,8 em 2000. Entre as mulheres, a variação foi de 63,6 para 64,9 anos.
Como resultado disso e também do aumento das separações, diminuiu ligeiramente
o tempo que as mulheres passavam na condição de viúvas, o que, certamente,

Cap03.pmd 126 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 127

TABELA 11
Idade à entrada e duração no casamento e na viuvez da população brasileira

1980 1991 2000

Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

Entrada

Casamento 25,07 22,31 25,53 22,50 25,70 22,64

Viuvez 71,16 63,58 71,41 64,25 72,78 64,92

Duração (anos)

Casamento 34,98 32,48 35,37 32,95 34,97 32,44

Viuvez 1,56 8,43 1,41 8,32 1,71 8,05

Vida 59,27 65,62 63,51 71,53 67,05 74,71


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.

provocará uma redução do tempo durante o qual essas mulheres receberão o be-
nefício. Como esperado, as mulheres ficam viúvas bem mais cedo que os homens
e passam muito mais tempo nessa condição e, portanto, recebendo o beneficio.

6 PERSPECTIVAS DE CRESCIMENTO E COMPOSIÇÃO POR SEXO E IDADE


DA POPULAÇÃO EM IDADE ATIVA E POPULAÇÃO IDOSA NO PERÍODO
2000- 2030

6.1 Os resultados para a população total


Apresentam-se a seguir os resultados de uma projeção populacional realizada para
os qüinqüênios compreendidos entre 2000 e 2030, desagregados por sexo e grupos
qüinqüenais de idade. A projeção foi preparada para um trabalho anterior21 e
utilizou-se o método dos componentes, que considera, separadamente, o com-
portamento de cada uma das três variáveis demográficas: fecundidade, mortalidade
e movimentos migratórios. Assumiu-se que a taxa de fecundidade total manteria a
sua tendência de queda, devendo atingir valores próximos a 1,5 no período 2025-
2030. Quanto à mortalidade, a hipótese adotada pressupõe uma continuação da
sua queda, inclusive da mortalidade adulta jovem.22 Espera-se que em 2030 a
população masculina alcance uma esperança de vida de 76,5 anos, e a feminina,

21. Os resultados dessa projeção diferem ligeiramente dos apontados pela projeção do Ipea, pela incorporação dos resultados da Pnad
de 2004 (ver IPEA, 2006).

22. Para mais detalhes sobre a metodologia, ver Beltrão, Camarano e Kanso (2004).

Cap03.pmd 127 23/3/2007, 15:41


128 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

de 85,3, valores estes semelhantes aos observados no Japão em 2000 e, também,


semelhantes aos obtidos se as causas de morte evitáveis forem eliminadas.
Se as hipóteses traçadas se verificarem, a população brasileira se aproximará
de 225,3 milhões de pessoas em 2030 (ver gráfico 17). As hipóteses formuladas
apontam para uma continuação da redução em curso na taxa de crescimento da
população total, que poderá atingir valores próximos a 0,5% a.a. no final do
período da projeção, como implícito na taxa intrínseca de crescimento. As trans-
formações demográficas em curso e as projetadas, além de afetarem o ritmo de
crescimento populacional, afetarão também, significativamente, a distribuição
etária. Tal efeito se dá de forma defasada, atingindo primeiro os grupos etários mais
jovens da população e se estendendo aos demais. O resultado final pode ser visto no
gráfico 18, que compara as pirâmides etárias de 2000 e 2030. O envelhecimento

GRÁFICO 17
Brasil: população total e taxa de crescimento observada e projetada
(População total, em milhões) (Taxa de crescimento, em %)
250 1,6
1,4
200
1,2

150 1,0
0,8
100 0,6
0,4
50
0,2
0 0,0
2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000


e Ministério da Saúde/SIM. Elaboração: Ipea. População total Taxa de crescimento

GRÁFICO 18
Brasil: distribuição proporcional da população por idade e sexo
80 e +
75-79
70-74
65-69
60-64
55-59
50-54
45-49
40-44
35-39
30-34
25-29
20-24
15-19
10-14
5-9
0-4
6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0
Homens (2000) Mulheres (2000)
Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000
e Ministério da Saúde/SIM. Elaboração: Ipea. Homens (2030) Mulheres (2030)

Cap03.pmd 128 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 129

populacional já evidenciado no Brasil desde os anos 1980 deve-se acelerar, e deter-


minados grupos etários poderão experimentar taxas negativas de crescimento.

6.2 Os resultados para a população em idade ativa e para a população


idosa
No caso da PIA, aqui considerada como a de 16 anos e mais, o volume de entradas
nessa categoria reflete principalmente o número de nascimentos ocorridos 16 anos
antes, descontado o efeito da mortalidade. Estes, por sua vez, relacionam-se com
as taxas de fecundidade e com o número de mulheres em idade reprodutiva no
período correspondente. Isso explica por que as taxas de crescimento ainda são
relativamente altas para esse segmento populacional, em torno de 2,0% a.a. entre
2000 e 2005, apesar de essas taxas apresentarem um comportamento decrescente.
Para o qüinqüênio 2025-2030, projeta-se uma taxa de 0,9% a.a.
Além disso, a participação da PIA no total da população brasileira deverá crescer,
podendo passar de 70% para 81%, e manterá o seu processo de envelhecimento.
A participação do grupo jovem da PIA (15-29 anos) declinará substancialmente,
sendo que, pelas hipóteses elaboradas, isso ocorrerá de forma mais acentuada a partir
de 2010. No final do período da projeção, ela apresentará valores absolutos próximos
aos observados em 2000; ou seja, crescerá e decrescerá. Espera-se que a participação
da PIA adulta (30-44 anos) se mantenha aproximadamente estável, com algumas
oscilações ao longo do período considerado, e a PIA madura e a idosa deverão
experimentar um aumento mais expressivo na sua participação. Isso colocará pressões
diferenciadas no mercado de trabalho. Os empregos a serem gerados deverão se
concentrar na população maior de 45 anos. Espera-se que essa população absorva
aproximadamente 47% da futura PIA (ver gráfico 19).

GRÁFICO 19
Brasil: distribuição percentual da população em idade ativa, segundo
grupos etários selecionados
45

30

15


2000 2010 2020 2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e


Ministério da Saúde/SIM. Elaboração: Ipea. 15-29 30-44 45-59 60 e +

Cap03.pmd 129 23/3/2007, 15:41


130 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

Como esperado, as maiores taxas de crescimento populacional deverão ser


experimentadas pela população idosa. Nesse subgrupo, as mulheres deverão apre-
sentar taxas de crescimento mais elevadas e, também, a população muito idosa,
maior de 80 anos (ver tabela 12).23 Isso alterará a distribuição etária nesse segmento,
TABELA 12
Taxa de crescimento da população idosa brasileira por idade e sexo
2000-2005 2005-2010 2010-2015 2015-2020 2020-2025 2025-2030
Homens
55-59 4,42 3,41 3,44 2,78 1,14 1,22
60-64 1,88 4,46 3,53 3,54 2,86 1,23
65-69 2,91 1,97 4,63 3,68 3,66 2,98
70-74 2,05 3,12 2,18 4,83 3,85 3,82
75-79 3,69 2,39 3,36 2,41 5,05 4,04
80 e + 7,06 6,16 4,59 4,23 3,64 4,36
60 e + 3,01 3,61 3,70 3,77 3,59 2,96
65 e + 3,55 3,22 3,79 3,88 3,93 3,70
Mulheres
55-59 4,26 3,89 3,57 2,93 1,17 1,19
60-64 2,08 4,34 3,96 3,64 3,00 1,23
65-69 3,10 2,20 4,46 4,06 3,69 3,08
70-74 2,65 3,30 2,36 4,62 4,06 3,83
75-79 5,02 3,21 3,49 2,53 4,58 4,24
80 e + 6,15 5,99 4,90 4,46 3,84 4,29
60 e + 3,40 3,77 3,90 3,91 3,69 3,09
65 e + 3,96 3,54 3,88 4,03 3,97 3,79
Total
55-59 4,34 3,66 3,51 2,86 1,16 1,21
60-64 1,98 4,40 3,76 3,59 2,94 1,23
65-69 3,01 2,09 4,54 3,89 3,68 3,04
70-74 2,38 3,22 2,28 4,72 3,97 3,82
75-79 4,45 2,86 3,44 2,48 4,78 4,16
80 e + 6,52 6,06 4,77 4,37 3,76 4,32
60 e + 3,23 3,70 3,81 3,85 3,65 3,04
65 e + 3,78 3,40 3,84 3,97 3,95 3,75
Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.

23. A tabela A.2 do apêndice apresenta a projeção dessa população em valores absolutos.

Cap03.pmd 130 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 131

levando, também, ao seu envelhecimento (ver gráfico 20). No entanto, no seu


conjunto, a tendência é de declínio das taxas de crescimento. Isso se deve, por um
lado, ao fato de se considerar uma base populacional maior e, por outro, à entrada
nesse grupo de coortes menores, nascidas num regime de fecundidade mais baixa.
Pode-se esperar, para o período 2025-2030, uma taxa de crescimento de 1,2% a.a.
para a população de 60 a 64 anos e de 4,3% para a de 80 anos e mais. Ou seja, a
“onda idosa” mostra sinais de que estaria passando.
A questão que se coloca diz respeito à ainda mais baixa taxa de crescimento da
população de 15 a 59 anos, de 0,3% a.a. nesse mesmo qüinqüênio. Isso significa
uma aceleração na redução já em curso da relação entre a população de 15 a 59
anos e a de 60 anos e mais. Dos 7,2 observados em 2000, pode-se esperar que ela
se reduza para valores próximos a 3,5. Em que medida o crescimento desse grupo
populacional e o decréscimo dessa relação afetarão a demanda por benefícios
previdenciários é algo que dependerá, também, da formalização da população ativa.
Um exercício bastante simples e simplista, que é o de assumir a proporção de
trabalhadores do sexo masculino de 45 a 59 anos em 2005 que contribuíam para
a seguridade social em 2025, como uma projeção da demanda por beneficio
previdenciário, resulta numa demanda de 4,1 milhões de pessoas.24 Isso significa
um acréscimo de 600 mil em relação ao total de pessoas nessa faixa etária que
recebiam o benefício em 2005. O grande ponto que se quer levantar é que um
montante aproximadamente igual a esse será constituído por pessoas que não
estavam contribuindo em 2005. Pergunta-se: quais são as perspectivas de renda
para esses indivíduos? Isso exige que se olhe para outros ângulos da questão do

GRÁFICO 20
Brasil: distribuição proporcional da população idosa por idade
35

30

25

20

15

10

-
2000 2010 2020 2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000


e Ministério da Saúde/SIM. Elaboração: Ipea. 60-64 65-69 70-74 75-79 80 e +

24. Excluídos os trabalhadores rurais e as pessoas que recebiam aposentadorias rurais.

Cap03.pmd 131 23/3/2007, 15:41


132 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

envelhecimento populacional e da sua relação com a demanda por benefícios da


previdência social.

7 COMENTÁRIOS FINAIS: E O FUTURO?


Não há dúvidas de que uma das maiores conquistas sociais da segunda metade do
século XX em quase todo o mundo em desenvolvimento foi a redução da morta-
lidade em todas as idades. Isso resultou no aumento da esperança de vida em todas
as faixas etárias ou, mais precisamente, no fato de mais e mais pessoas atingirem as
idades avançadas. Essa tendência acontece em paralelo à entrada no grupo etário
que se convencionou chamar de idoso de coortes populacionais nascidas num
regime de fecundidade elevada e de redução da mortalidade. Ou seja, são os baby
boomers que se beneficiaram da redução das taxas de mortalidade por doenças
infecto-contagiosas na primeira infância, da mortalidade materna, da mortalidade
na meia-idade e nas idades adultas e avançadas, e estão se tornando os elderly
boomers. Uma das possibilidades tidas como certas que se podem vislumbrar para
o futuro próximo é o crescimento, a taxas elevadas, do contingente de idosos
vivendo mais tempo.
O que se procurou chamar a atenção, neste capítulo, não foi apenas para o
crescimento acentuado de um segmento populacional considerado inativo ou
dependente, mas para o fato de isso ocorrer simultaneamente a um encolhimento
do segmento em idade ativa ou produtiva. Assim, refletir nas perspectivas de renda
para os idosos do futuro é pensar, entre outras coisas, no financiamento da previ-
dência social. Trata-se de uma questão não equacionada. Do ponto de vista do
financiamento, mais do que a PIA, o que na realidade importa é a população que
está realmente participando do mercado formal de trabalho. Esta depende da
primeira e, também, da dinâmica do mercado de trabalho. Ao contrário dos países
desenvolvidos, a baixa taxa de formalização parece ter um impacto maior na equação
fiscal da previdência social, do lado das receitas, do que a dinâmica demográfica.
Além das mudanças demográficas, outras mudanças sociais e culturais estão
em curso, que afetam principalmente as mulheres. Estas vivenciaram os grandes
ganhos na escolaridade e entraram maciçamente no mercado de trabalho. Fizeram
a revolução na família, casaram-se, descasaram-se, recasaram ou não e casaram
novamente, tendo menos filhos. O não casar e o não ter filhos também passaram
a ser opções. O sistema de previdência vigente ainda se baseia no modelo de família,
em que o homem é o provedor e a mulher a cuidadora. Essa estrutura tem levado
a que 12% das mulheres de 60 anos e mais recebessem em 2005 tanto o benefício
da aposentadoria, pelo seu trabalho, quanto a pensão por morte. Isso também

Cap03.pmd 132 23/3/2007, 15:41


DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 133

pode acontecer para os homens, mas, dada a baixa proporção de viúvos, a referida
proporção não atingiu 2%.
As perspectivas que se colocam para o médio prazo são de uma certeza da
continuação nos ganhos em anos vividos e no crescimento da população idosa,
demandante de benefícios previdenciários. Por outro lado, predomina uma incer-
teza quanto à possibilidade de renda para os idosos do futuro. É difícil acreditar
que as tradicionais maneiras de financiar a seguridade social serão suficientes para
lidar efetivamente com a população idosa do futuro num contexto de crescente
informalização da economia. Não parece que as reformas recentes serão capazes
de resolver o problema de financiamento do sistema e garantir a proteção social
para eles. Parte expressiva da geração dos idosos do futuro já vivencia os efeitos da
flexibilização do mercado de trabalho e do “engessamento” da previdência social,
o que comprometerá a sua aposentadoria mais adiante. De um exercício simples
feito neste trabalho, pode-se deduzir que dificilmente a assistência social poderá
gerar renda para esse segmento elevado da população, hoje desempregado e/ou no
setor informal, quando perder a sua capacidade laboral. Não há dúvidas de que
um dos pontos centrais de uma política de previdência social continua sendo o de
estimular o aumento da cobertura da atual força de trabalho, mas levando-se em
conta a situação de retração do emprego e de informalização generalizada.
Embora o crescimento econômico seja uma condição necessária para a in-
serção da PIA no sistema previdenciário, não parece ser suficiente. Mesmo que a
economia passe a experimentar taxas de crescimento significativas e sustentadas e
possa absorver contingentes populacionais relativamente maiores, pode-se esperar
que ainda haverá uma proporção expressiva de trabalhadores com inserção precária
no mercado de trabalho (trabalhadores sazonais, autônomos, domésticos sem carteira
assinada etc.). Portanto, uma das alternativas sugeridas é uma forma de contribuição
sazonal (única ao longo do ano), que seja compatível com o trabalho sazonal, por
exemplo. Outra é a redução do percentual da contribuição do trabalho autônomo.25
Além disso, não se pode deixar de pensar na ampliação da rede de cobertura de
benefícios não contributivos, financiados com impostos gerais, para aqueles que
de maneira alguma conseguiram ou conseguirão um histórico de contribuições.
Do lado das despesas, outras estratégias podem ser pensadas. Considerando-se
o aumento da esperança de vida nas idades avançadas, as melhorias nas condições
de saúde da população idosa e a recente preocupação com o “envelhecimento

25. Assume-se que 20% sobre 1 salário mínimo (SM) é um valor muito alto para os trabalhadores de baixa renda, o que funciona como
um desincentivo à contribuição. A Lei Complementar 123, sancionada em 12/02/2007, criou um regime especial de contribuição
previdenciária com renda de até 1 SM, definindo alíquota de contribuição de 11%.

Cap03.pmd 133 23/3/2007, 15:41


134 ANA AMÉLIA CAMARANO – SOLANGE KANSO

saudável”, a manutenção do trabalho por um número maior de anos na ativa é


uma alternativa a ser pensada. Isso pode ser atingido com o adiamento da idade
mínima à aposentadoria. Nos países da OCDE, cujas populações são mais
envelhecidas, foram empreendidas várias políticas voltadas para a redução dos
desincentivos para o trabalho e para o aumento da flexibilidade na decisão trabalho-
aposentadoria. Acesso a trabalho em tempo parcial e desenvolvimento de arranjos
de trabalho mais flexíveis são algumas das possibilidades já em prática (OECD,
2006), o que de alguma forma foi contemplado nas duas últimas reformas, e com
uma política de saúde ocupacional para reduzir as aposentadorias por invalidez.
A inserção crescente das mulheres nas atividades econômicas fará com que,
num futuro próximo, mais mulheres passem a receber o benefício devido ao seu
trabalho/contribuição. Isso pode resultar, de um lado, no crescimento da proporção
de mulheres recebendo duplo benefício. Por outro, as mudanças nos arranjos fa-
miliares, especialmente na nupcialidade (separações), e essa maior inserção no
mercado de trabalho podem resultar numa redução da demanda por pensões por
morte. Isso tudo aliado à queda da fecundidade, ou melhor, da maternidade, im-
plica repensar a estruturação dos sistemas de previdência social. É algo que requer
uma reflexão sobre as formas (tempo, alíquota) de contribuição, os tradicionais
benefícios (duplo ou não), o valor das pensões por morte (igual ao benefício do
cônjuge ou não) e sua readaptação à nova realidade das famílias com mais de um
provedor, das mulheres que, mesmo casadas, não têm filhos etc. Não se pode
deixar de considerar que o novo papel da mulher implica a redução da sua dispo-
nibilidade para o cuidado dos membros vulneráveis e dependentes das famílias
(crianças, idosos e portadores de deficiências), o que gerará demandas por novas
políticas públicas.
Em síntese, não se pode ignorar que a demanda por benefícios da seguridade
social, sejam contributivos ou não, tende a crescer no médio prazo e, na ausência
de mudanças, acentuará o desequilíbrio financeiro da previdência social,
inviabilizando o seu atendimento. Por outro lado, não parece existir uma solução
simples, fácil e sem custos para essa questão. Tal solução deverá ser uma decisão
política que leve em conta as prioridades da sociedade, bem como os resultados
não esperados da ampliação da cobertura da seguridade social pela Constituição
de 1988 na redução da pobreza dos idosos e de suas famílias.26 O que se espera é
que a prioridade seja dada ao bem-estar da população como um todo. E que a
grande conquista social, que é o envelhecimento populacional, não traga embutida
a sua falência.
26. Para o assunto, ver Delgado e Cardoso (1999; 2004), Barros, Mendonça e Santos (1999), Beltrão, Camarano e Mello (2005) e
Camarano (2004).

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DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 135

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muito além dos 60? Rio de Janeiro: Ipea, p. 453-480, 2004.

APÊNDICE

TABELA A.1
Taxas de crescimento da população idosa brasileira projetada eliminando as causas de
morte consideradas evitáveis por sexo

Período Homens Mulheres Total

2000-2005 3,06 3,35 3,22

2005-2010 3,75 3,79 3,78

2010-2015 4,03 4,08 4,06

2015-2020 4,24 4,22 4,23

2020-2025 4,25 4,20 4,22

2025-2030 3,95 3,92 3,93


Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.

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DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 137

TABELA A.2
População brasileira por idade e sexo

2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030

Homens

55-59 2.585.244 3.210.020 3.796.789 4.495.411 5.155.044 5.456.540 5.797.951

60-64 2.153.209 2.363.061 2.939.174 1.242.381 4.158.749 4.789.462 5.090.228

65-69 1.639.325 1.891.844 2.085.621 2.614.881 3.132.045 3.749.488 4.342.273

70-74 1.229.329 1.360.309 1.585.929 1.766.547 2.236.904 2.701.986 3.258.978

75-79 780.571 935.783 1.052.965 1.242.381 1.399.730 1.791.120 2.183.668

80 e + 731.350 1.028.619 1.387.199 1.736.383 2.136.062 2.554.375 3.161.694

60 e + 6.533.784 7.579.616 9.050.888 10.855.647 13.063.489 15.586.430 18.036.842

65 e + 4.380.575 5.216.556 6.111.714 7.360.192 8.904.740 10.796.968 12.946.614

Mulheres

55-59 2.859.471 3.522.825 4.262.460 5.080.141 5.868.987 6.220.008 6.599.509

60-64 2.447.720 2.712.788 3.355.528 4.074.228 4.871.753 5.646.903 6.001.700

65-69 1.941.781 2.262.101 2.521.555 3.136.544 3.827.909 4.588.131 5.340.229

70-74 1.512.973 1.724.442 2.028.868 2.280.150 2.858.250 3.487.988 4.208.212

75-79 999.016 1.276.306 1.494.603 1.774.236 2.009.934 2.514.870 3.094.462

80 e + 1.100.755 1.483.689 1.984.125 2.520.124 3.135.227 3.784.723 4.669.658

60 e + 8.002.245 9.459.326 11.384.679 13.785.282 16.703.073 20.022.615 23.314.260

65 e + 5.554.525 6.746.538 8.029.151 9.711.054 11.831.320 14.375.712 17.312.560

Total

55-59 5.444.715 6.732.844 8.059.249 9.575.552 11.024.030 11.676.549 12.397.459

60-64 4.600.929 5.075.849 6.294.702 7.569.682 9.030.502 10.436.365 11.091.929

65-69 3.581.106 4.153.944 4.607.176 5.751.425 6.959.954 8.337.618 9.682.502

70-74 2.742.302 3.084.751 3.614.797 4.046.698 5.095.154 6.189.974 7.467.190

75-79 1.779.587 2.212.090 2.547.568 3.016.617 3.409.663 4.305.990 5.278.130

80 e + 1.832.105 2.512.309 3.371.324 4.256.507 5.271.289 6.339.098 7.831.351

60 e + 14.536.029 17.038.943 20.435.566 24.640.929 29.766.562 35.609.045 41.351.102

65 e + 9.935.100 11.963.094 14.140.864 17.071.246 20.736.060 25.172,680 30.259.173


Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM.
Elaboração: Ipea.

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PARTE 2

DISCUTINDO REGIMES E REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS

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CAPÍTULO 4

SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS:


A CRISE E SUAS SOLUÇÕES*

Sergio Guimarães Ferreira**

1 INTRODUÇÃO
Apesar de já ter quase 50 anos a enorme literatura que aborda os efeitos de dife-
rentes regimes previdenciários sobre o bem-estar, discussões a respeito de reformas
profundas têm sido motivadas menos por fatores normativos, e mais pelo insus-
tentável peso de mudanças demográficas em países industrializados.
Pelas razões discutidas no capítulo 2, a prosperidade do pós-guerra veio
acompanhada de substancial aumento do Estado do Bem-Estar, que se manifesta
particularmente com um aumento dos benefícios previdenciários e regras mais
benevolentes de idade de elegibilidade. A prosperidade econômica, contudo,
também levou à queda da natalidade e ao aumento da expectativa de sobrevida,
no primeiro caso reduzindo a base de financiamento dos sistemas previdenciários
de repartição (também chamados pay-as-you-go) e, no segundo, expandindo as
despesas em sistemas baseados em benefício definido. Como a grande maioria dos
países industrializados combinava as duas características, ao longo dos últimos 20
anos países desenvolvidos têm feito esforços para que o sistema previdenciário
caiba dentro das projeções demográficas, com a combinação de corte de despesas,
principalmente, e algum aumento das contribuições.
A resenha que se segue mostra a experiência recente de um conjunto repre-
sentativo de países industrializados. No primeiro bloco, apresento os casos de
países que têm optado por não fazer reformas estruturais, elegendo ajustes
paramétricos na fórmula de cálculo e nos critérios de elegibilidade aos benefícios.
Esses são os casos de Alemanha, França, Japão e Estados Unidos.
* Agradeço a Paulo Tafner e Fabio Giambiagi por comentários às versões anteriores deste trabalho. Eventuais falhas ou omissões
remanescentes são de minha inteira responsabilidade.

** Pesquisador do Ibmec/RJ e do BNDES.

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142 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

No segundo bloco, apresento os casos de países que optaram por reformas


estruturais em face das distorções do sistema clássico. Suécia, Itália e Polônia,
entre outros, têm transitado para um regime de contas individuais nocionais, em
que os benefícios permanecem financiados por um pay-as-you-go. Essa combinação
de atributos ainda deixa o sistema fortemente exposto aos riscos demográficos e
de performance econômica, mas transfere tais riscos para o indivíduo através da
extinção dos benefícios definidos. Para economias pouco dinâmicas, que apresentam
baixas taxas de crescimento de longo prazo, as contas nocionais levam a uma
rentabilidade baixa do “ativo” previdenciário resultante das contribuições. Assim,
a manutenção de alíquotas de contribuição altas é ineficiente do ponto de vista
social. A combinação com contribuições para contas individuais capitalizadas,
como fez a Polônia, permite um aumento da rentabilidade dos ativos
previdenciários.
Alguns países simplesmente optaram por um pilar básico abrangente, e pela
complementação com um sistema de contribuição definida capitalizado, privado.
Variantes desse modelo podem não ter o pilar básico financiado por contribuição,
mas sim por impostos gerais, com ausência de foco no idoso (mas sim, nos pobres).
Alternativamente, o pilar de contribuição definida pode ser de gestão privada
(Austrália) ou pública (Cingapura). Aproveita-se o caso australiano para ilustrar
questões de regulação de sistemas privados. Discutem-se questões como o trade-
off existente entre liberdade na definição do portfólio e taxas de retorno, e qual o
nível desejável de portabilidade de fundos para estimular a competição. O aspecto
que mais chama a atenção no caso australiano é como a interação entre um pilar
means tested e o pilar capitalizado deve ser desenhada de forma a se evitar a
canibalização do primeiro pelo segundo. A eficiência do sistema privado australiano
é comprometida pela presença de um programa de renda mínima excessivamente
abrangente, e por falhas no desenho regulatório da indústria de fundos.
O caso do Reino Unido é o mais interessante, por reunir aspectos de reforma
paramétrica de seu sistema de repartição inicialmente desequilibrado, ao mesmo
tempo em que combina elementos importantes de privatização. Para reduzir as
resistências políticas dos grupos mais afetados, os reformadores diluíram ao longo
do tempo o custo de transição para um sistema equilibrado. O planejamento das
etapas foi essencial no modelo inglês. O anúncio de mudanças futuras, feito com
suficiente antecedência (cerca de dez anos), foi um elemento-chave para a redução
de oposição às mudanças. Chamam a atenção no caso inglês a continuidade e a
consistência da segunda geração de reformas, em relação às reformas previdenciárias
de primeira geração, apesar de realizadas por partidos diferentes. Após duas gestões
dos Tories, os quais desenharam a reforma em meados da década de 1980, boa

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 143

parte da execução foi feita pelos trabalhistas. Estes, por sua vez, implementaram as
reformas que melhoraram o foco do sistema estatal de pensões previdenciárias, e
encaram o desafio atual de tornar o sistema de contribuição definida (CD) capita-
lizado mais eficiente.
Este capítulo se divide em sete seções, incluindo esta introdução. Nas seções 2
e 3, o problema previdenciário é contextualizado. A seção 2 dá um panorama
geral da variedade institucional existente. A seção 3 apresenta estimativas do im-
pacto fiscal do aumento da taxa de dependência em diversos países. A seção 4
analisa o sistema de repartição com benefício definido (BD) e os casos emblemáticos
de Alemanha, França, Japão e Estados Unidos. Os dois primeiros países se carac-
terizam pela abrangência da previdência, pelo desequilíbrio atuarial e, conseqüen-
temente, por elevadas distorções no mercado de trabalho e de capitais. O Japão é
um caso interessante por estar já sofrendo conseqüências do envelhecimento da
população, e vem realizando profundas mudanças paramétricas em seu sistema de
repartição. Os Estados Unidos, por sua vez, têm algumas características atraentes
em seu sistema de BD, como o acúmulo de trust fund, que permite amortecer
choques demográficos, e a forma como complementa o sistema estatal com algum
grau de privatização.
A seção 5 apresenta o sistema de contas nocionais, uma tentativa ainda re-
cente de manter o sistema de repartição através do estabelecimento de CD. A seção
6 apresenta o caso da Austrália como exemplo de sistema de CD, capitalizado e
privado. A seção 7 discute como lidar com as restrições políticas às reformas, e
como transitar de um sistema desequilibrado e desfocado de repartição, para um
sistema estatal com melhor foco em um sistema privado complementar, eficiente.
As reformas realizadas na Inglaterra nos últimos 30 anos fazem daquele país um
exemplo importante a ser observado em vários aspectos e, por isso, o Reino Unido
é utilizado como benchmark nessa seção. A seção 8, por sua vez, conclui o texto
com uma análise das lições a serem extraídas especificamente para o Brasil.

2 ESTRUTURA E ESCOPO DA PREVIDÊNCIA EM PAÍSES DESENVOLVIDOS


Sistemas previdenciários em países desenvolvidos são caracterizados predominan-
temente pela presença de dois pilares, o primeiro de caráter redistributivo, e um
segundo pilar caracterizado por BD, ou seja, por uma regra determinística que
associa o benefício previdenciário ao histórico salarial, ao número de contribuições
e à idade em que a aposentadoria foi solicitada.
A tabela 1 mostra uma classificação dos sistemas de uma amostra de países
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Todos

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144 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

TABELA 1
Estrutura do sistema previdenciário em países da OCDE

Primeiro pilar Segundo pilar (mandatório)


Países
Público Privado

Alemanha AS BD (Pontos)

Austrália F CD

Bélgica F/M BD

Canadá F/B BD

Dinamarca F/B BD/CD CD

Espanha M BD (Pontos)

Estados Unidos F BD

França F/M BD (Pontos) BD

Holanda AS/B BD

Hungria M BD CD

Irlanda F/B

Itália AS CD (Nocional)

Japão B BD

Noruega F/B BD (Pontos)

Polônia M CD (Nocional) CD

Reino Unido F/B/M BD BD

Suécia F CD (Nocional) BD/CD

Suíça F/M BD CD
Fonte: OCDE (2005).
Notas: No Reino Unido, o sistema BD privado foi excluído pela OCDE por não ser mandatório para aqueles que contribuem para o sistema
público, mas incluído pelo autor porque a contribuição é compulsória para quem opta por ficar fora do sistema público.
Diferentemente da OCDE, o sistema de pontos foi classificado como BD.
Primeiro pilar: cobertura universal, redistributivo. Assistência social (AS) refere-se a programas gerais de renda mínima que também, mas não
exclusivamente, atendem ao idoso; Programas focados (F) referem-se àqueles voltados ao idoso, mas que têm testes de rendimento (means
tested); Esquemas básicos (B) têm um benefício nominal fixo e/ou são universais, ou exigem um número mínimo de contribuições; Previdência
mínima (M) corresponde à parte redistributiva de esquemas BD.
Segundo pilar: compulsório, com caráter de seguro. Inclui esquemas quase mandatórios com cobertura ampla.

os países da OCDE têm algum tipo de programa redistributivo na base. O idoso


pobre pode ter acesso a uma renda mensal vitalícia porque se encaixa no grupo-
alvo de programas de assistência social mais amplos, como na Alemanha; ou porque
se encaixa como idoso em um programa focado (como nos Estados Unidos); ou

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 145

como parte de um segmento redistributivo de um programa BD, recebendo um bene-


fício (básico ou mínimo) fracamente correlacionado com o número de contribuições.
Os únicos países da OCDE que não têm um programa de contribuições
compulsórias para um segundo pilar são a Nova Zelândia e a Irlanda. Os programas
variam pela natureza de BD ou CD e pela característica de repartição ou de capi-
talização. Também o sistema pode ser administrado de forma centralizada pelo
governo, ou reservar a este um papel regulador e fiscalizador. Na grande maioria
dos países, o governo centraliza parte substancial das contribuições para o segundo
pilar.
Na amostra anterior, o sistema dominante é o BD administrado diretamente
pelo governo. O segundo sistema mais comum é o CD, pelo qual cada trabalhador
tem uma conta individual na qual contribuições são compulsoriamente depositadas
e investidas em ativos. A poupança acumulada é usualmente (mas não exclusiva-
mente) convertida em uma perpetuidade (annuity) por um preço atuarialmente
justo. Tal perpetuidade pode acoplar ou não características como provisão para
viúvo e indexação dos benefícios.
Existem diferentes esquemas nos quais as contas CD capitalizadas são orga-
nizadas. Na Austrália (ver caso), empregadores têm de cobrir seus empregados
escolhendo um fundo de pensão. Na Hungria e na Polônia, esses planos CDs são
individuais, ou seja, sem envolvimento do empregador. A Suécia possui um ter-
ceiro pilar compulsório, que consiste em contribuições para contas individuais,
com baixa alíquota de contribuição, mas com ampla liberdade para escolha de
fundos, em que o governo age como intermediário entre indivíduo e fundo de
pensão. Na Dinamarca, o investimento na conta individual é centralmente gerido,
tendo sido instituído com alguma liberdade para o indivíduo, a partir de 2005. A
Suíça tem um sistema capitalizado de contribuição definida, no qual o governo
estabelece a taxa de retorno mínima do esquema e a taxa de conversão do saldo em
perpetuidade, o que é semelhante ao ocorrido em países como Malásia e Cingapura
(chamados de Provident Funds). A diferença destes últimos para o esquema suíço
é que na Suíça os planos são ocupacionais, enquanto em Cingapura são geridos
pelo Estado.
Por último, existem os esquemas CDs nocionais, como na Itália, na Polônia
e na Suécia, que computam os benefícios previdenciários aplicando às contribuições
ao longo da vida uma taxa de juros nocional flutuante que varia conforme
parâmetros demográficos e econômicos do país. Essas contas não são lastreadas
por ativos, e toda contribuição na prática é dirigida para o pagamento dos aposen-
tados correntes, sendo portanto um pay-as-you-go. Contudo, no momento em

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146 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

que aposentadoria for pleiteada, o benefício é calculado como se houvesse contri-


buição de fato, e o Estado se compromete a pagá-lo na forma de uma perpetuida-
de, cujo fluxo é função da expectativa de sobrevida no momento da requisição do
benefício.
A tabela 2 mostra características gerais do primeiro e do segundo pilar em
países selecionados. O primeiro pilar cobre aproximadamente 29% do salário
médio da economia nos países da OCDE (dados de 2002, regras de 2005), sendo
a Bélgica o país da amostra que paga o maior benefício relativo de renda mínima.
A terceira coluna da tabela 2 indica a generosidade do segundo pilar. A taxa
interna de retorno (accrual rate) indica o percentual de aumento médio do bene-
fício, para cada ano de contribuição. A Espanha paga 3% do benefício máximo
para cada ano de contribuição. A quarta coluna revela a importância do segundo
pilar baseado em CD. O sistema australiano tem a maior alíquota de contribuição,
e por isso apresentaremos o caso da Austrália como emblemático em relação ao
experimento de CD capitalizado.
A quinta coluna apresenta as idades de elegibilidade para aposentadoria.
Apenas dois países na amostra possuem diferenciação entre homens e mulheres: a
Polônia e a Suíça. Muitos países eliminaram tais diferenças ao longo da década de
1990, como a Alemanha. A maior parte dos países possui uma idade precoce, pela
qual os benefícios podem pela primeira vez ser solicitados (com uma taxa de repo-
sição sobre o salário de contribuição), e uma idade normal (na qual os benefícios
são plenos). A idade precoce mais comum é 60 anos, enquanto a idade normal
mais utilizada é a de 65. A França é o país com menor idade normal de aposenta-
doria, embora no sistema francês o valor do benefício seja função dos anos de
contribuição.
A sexta coluna sumariza a abrangência do sistema previdenciário em termos
de fração do salário representada pela riqueza previdenciária. Com base em esti-
mativas de mortalidade, evolução salarial ao longo da vida e reajustes de benefícios
pelo índice de preços, pode-se calcular o valor presente dos benefícios por contri-
buinte, em relação ao salário médio de cada país da OCDE. Se alguém quiser
antecipar seus benefícios (descontando o fluxo a 2% real, ao ano), receberia 13
vezes o salário médio da economia na Alemanha, na Itália e na Espanha, e no
outro extremo, apenas 7 vezes na Inglaterra (não inclui o sistema BD ocupacional)
e nos Estados Unidos.
A sétima coluna mostra a taxa de reposição (replacement rate), ou seja, a
relação entre benefício e salário antes da aposentadoria, correspondente a um

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TABELA 2
Características de abrangência dos sistemas previdenciários
Primeiro Pilar Segundo Pilar (BD) Segundo Pilar (CD) Idade de elegibilidade Riqueza previdenciária líquida Taxa de reposição líquida
a
Países (% salário médio) taxa interna de retorno alíquota contribuição (precoce-normal) (valor presente dos benefícios) (% salário individual)
(% salário) (% salário) (% salário médio)
Alemanha 24 1 63-65 13 71,8
Austrália 23 9 55-65 8,8 52,4
Bélgica 38 1,5 60-65 11,3 63,1

147
Canadá 30 0,63 60-65 8,7 57,1
Dinamarca 34 1 65 7,8 54,1
e
Espanha 33 3 60-65 13,2 88,3
Estados Unidos 20 0,91 62-65 7,3 51,0
b
França 31 1,75 60 11,7 68,8
c
Holanda 34 1,75 60-65 12,7 84,1
Hungria 22 1,22 8 62 14,6 90,5
Irlanda 31 65-66 6,5 36,6
Itália 22 60-65 12,8 88,8
Japão 19 0,71 60-65 9,8 59,1
d
Noruega 33 1,05 67 10,1 65,1
Polônia 24 0,67 7,3 H:65; M: 60 9,7 69,7
Reino Unido 33 0,89 65 7,1 47,6
b
Suécia 34 1,21 4,5 61-65 10,9 68,2
Suíça 26 H: 63-65;M:62-64 11,7 67,3
Fonte: OCDE (2005).
a
Referente a um ano de contribuição.

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b
Cresce com o salário.
c
Varia com o esquema ocupacional.
d
SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES

Cai com o salário.


e
Varia com o tempo de serviço; no caso do Reino Unido, os cálculos excluem os benefícios ocupacionais.
147
148 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

indivíduo que começa a trabalhar com 20 anos e solicita os benefícios na idade


normal de aposentadoria. A menor taxa de reposição entre os países da OCDE é
a irlandesa, porque na Irlanda existe somente o benefício universal básico, com
fins redistributivos. Dos países estudados neste capítulo, Alemanha, França e Suécia
têm taxas de reposição extremamente altas (em torno de 70%), enquanto o Reino
Unido e os Estados Unidos estão na outra ponta, com benefícios que cobrem
cerca de 50% do salário médio do indivíduo.

3 O PROBLEMA DEMOGRÁFICO E SEUS IMPACTOS FISCAIS


A tabela 3 mostra a evolução demográfica de países da OCDE em confronto com
a do Brasil. Nesta seção, analisaremos o desenho dos sistemas previdenciários des-
ses países, exceto o do Brasil. O baby boom no período que se seguiu à Segunda
Guerra Mundial, a subseqüente queda da fertilidade, iniciada em fins da década
de 1960, e o aumento da expectativa de vida são as grandes forças motrizes por
trás da tendência observada na tabela 3.
O envelhecimento da população tem substancial efeito sobre as despesas
previdenciárias, à medida que a geração de baby boomers comece a se aposentar.
Os impactos fiscais futuros dependem naturalmente de hipóteses adotadas quanto à
evolução das principais variáveis demográficas, assim como da taxa de participação
na força de trabalho para pessoas com mais de 55 anos, da evolução da taxa de
desemprego na população de potenciais contribuintes e do crescimento da produ-
tividade do trabalho.
TABELA 3
Histórico e projeção populacional – fração da população com 65 anos ou mais

1960 1990 2005 2010 2020 2030 2050

Brasil 3,3 4,4 6,1 6,8 9,1 12,5 19,2

Alemanha 11,5 15,0 18,8 20,4 22,1 26,6 28,4

Austrália 8,5 11,2 12,7 13,7 17,2 20,6 23,8

Estados Unidos 9,2 12,2 12,3 12,8 15,8 19,2 20,6

França 11,6 14,0 16,6 16,9 20,8 24,2 27,1

Itália 9,3 15,3 20,0 21,1 24,5 29,1 35,5

Japão 5,7 12,0 19,7 22,4 28,1 30,1 35,9

Reino Unido 11,7 15,9 16,0 16,5 18,8 21,4 23,2

Suécia 12,0 17,8 17,2 18,6 21,4 23,1 24,7


Fonte: United Nations (2004).

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 149

TABELA 4
Variação nas despesas previdenciárias – países selecionados
(Em % do PIB)

Atual Mudança Decomposição das Mudanças


Países 2000-2050
Dependência Emprego Benefício Elegibilidade
Austrália 3,0 1,6 2,5 –0,1 –0,5 –0,2
França 12,1 3,8 7,6 –0,5 –3,4 0,4
Alemanha 11,8 5,0 6,4 –0,7 –2,7 2,1
Itália 14,2 –0,3 10,1 –3,2 –5,5 –1,5
Japão 7,9 0,6 5,1 –1,2 –3,9 0,9
Polônia 10,8 –2,5 7,3 –1,3 –5,9 –2,1
Espanha 9,4 8,0 8,6 –2,6 0,0 2,0
Suécia 9,2 1,6 3,9 –0,5 –2,1 0,4
Reino Unido 4,3 –0,7 1,7 0,1 –2,5 0,1
Estados Unidos 4,4 1,8 2,4 –0,1 –0,2 –0,3
Fonte: Dang, Antolin e Oxley (2001).
Nota: Baseado em dados e projeções demográficas de 2000. Taxa de dependência: razão entre população com idade maior ou igual a 55 anos
e população entre 20 e 64 anos. Taxa de emprego: fração de pessoas entre 20 e 64 anos que estão trabalhando. Taxa de benefício: razão entre
o benefício previdenciário médio e o PIB per capita. Taxa de elegibilidade: fração de pessoas com idade maior ou igual a 55 anos que estão
recebendo benefícios previdenciários. Números não incluem despesas com programas previdenciários como seguro contra invalidez, seguro-
desemprego para pessoas com mais de 55 anos etc.

A tabela 4 mostra a comparação entre as despesas com benefícios em 2000 e


projeções para 2050, baseadas em hipóteses demográficas e econômicas feitas por
especialistas de cada um dos países listados (DANG; ANTOLIN; OXLEY, 2001). A
média das despesas estritamente previdenciárias alcançava 8,7% do PIB.
A significante variância na amostra selecionada não está relacionada com taxas
de dependência diferentes entre esses países, mas com a generosidade das regras
previdenciárias. Países onde os programas envolvem esquemas de benefícios definidos
dependentes do histórico salarial, e que incluem um componente independente da
contribuição, têm sistemas geralmente mais onerosos, como é o caso da França e da
Alemanha (cujos sistemas consumiam cerca de 12% em pagamentos de benefícios).
Apesar de Suécia, Itália e Polônia terem recentemente feito reformas estruturais em
seus sistemas, em direção à contribuição definida, fizeram-no motivadas exatamente
pelo elevado custo do sistema anterior, de BD. Os Estados Unidos e o Japão são
exceções nesse grupo de países com BD, e o que os diferencia é a alta participação na
força de trabalho em idades mais altas, e uma razão benefício/salário relativamente
baixa. Por sua vez, em países onde predominam os programas de renda mínima para
o idoso (complementados ou não por esquemas privados compulsórios), as despesas
são mais baixas, como é o caso da Austrália e, em certo grau, do Reino Unido.

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150 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

Na hipótese de que as regras previdenciárias vigorando nos países abaixo


permanecessem como em 2000, na média as despesas com benefício subiriam
1,9% do PIB até 2050, mais uma vez com grande variância. Observam-se subs-
tanciais aumentos em Alemanha, França e Espanha, e reduções em Polônia, Itália
e Reino Unido. Não coincidentemente, o primeiro grupo realizou ao longo da
década de 1990 apenas reformas paramétricas em seu sistema de BD, enquanto o
segundo grupo migrou para alguma forma de sistema de CD (no caso da Polônia
e da Itália)1 ou permitiu uma privatização parcial do sistema de BD (como a
Inglaterra).
Pode-se decompor a variação nas despesas previdenciárias em quatro fontes
distintas. Primeiro, as despesas crescem quando a taxa de dependência aumenta.
Como é de se esperar, esse fator sumariza o impacto da demografia sobre as contas
públicas e, assim, é a força que puxa as despesas para cima em todos os países. Na
Itália, na ausência de outras forças agindo em sentido contrário, as despesas cres-
ceriam 10,1% do PIB até 2050. Espanha, França e Alemanha seguem a fila em
dramaticidade das pressões fiscais resultantes da reversão demográfica.
As maiores expansões de gastos devido a aumentos da taxa de dependência
se dão em países cujo sistema de BD é, ou era até recentemente, mais generoso. A
evolução demográfica dos Estados Unidos não difere muito daquela da Itália ou
da França (como pode ser visto na tabela 1). Contudo, nos Estados Unidos, o
aumento da taxa de dependência gera um acréscimo de despesa previdenciária de
apenas 2,4% do PIB, enquanto na França um aumento similar leva a um acréscimo
de despesa de 7,6% do PIB.
A ausência de reformas explica por que alguns países não conseguem evitar
que o aumento da taxa de dependência se transforme em aumento de despesa e
por que outros são mais bem-sucedidos. O impacto das regras previdenciárias é
sumarizado através de dois itens: a taxa de benefício, que é a razão entre o que se
recebe de beneficio previdenciário médio (por beneficiário) e o PIB per capita, e a
taxa de elegibilidade, que é a razão entre o número de pessoas elegíveis para o
benefício e a população com mais de 55 anos.
As projeções apontam para uma queda no benefício médio em relação à
renda per capita em todos os países da amostra, exceto Espanha. Essa queda dos
benefícios indica um endurecimento das regras em todos os países, mesmo aqueles
mais generosos. Podem-se destacar as seguintes mudanças paramétricas em regimes
de benefício definido que levam à queda das despesas com benefícios:

1. No caso italiano, a despesa com benefícios chega a atingir o pico de 15,9% do PIB entre 2000 e 2050, mas depois recua e alcança
13,9% do PIB.

Cap04.pmd 150 23/3/2007, 15:42


SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 151

a) Mudanças na indexação dos benefícios, de salário para preços, fazendo


com que aumentos da produtividade reduzam a relação média entre benefício e
salário, como ocorrido na Itália, na França e no Japão.
b) Mudança da regra de definição do benefício como função do salário bruto
para uma função do salário líquido, como ocorrido na Alemanha.
c) Aumento do período de contribuição necessário para se receber uma pensão
plena, como ocorrido na França.
d) Aumento do número de salários que compõem o cálculo da média que
serve como base para o benefício-padrão, como ocorreu na França.
e) Ajustes de benefícios tornados periódicos (de cinco em cinco anos, no
Japão), de forma a compatibilizá-los com o equilíbrio atuarial do sistema.
O aumento da participação das mulheres na força de trabalho exerce um
papel geralmente negativo sobre a taxa de benefício. À medida que mulheres tra-
balhem mais horas e tenham carreiras mais longas, o benefício médio tende a
aumentar. Esse efeito é mais forte onde benefícios têm vínculo mais estreito com
anos de contribuição. Nesse sentido, o endurecimento de regras de pensão para
viúva, com critérios rígidos de elegibilidade, como fez a Inglaterra, reduz o impacto
da entrada de mulheres na força de trabalho.
Países que migraram para sistema de CD, como Itália, Suécia e Polônia,
tendem a ter maiores cortes de benefícios, na medida em que uma regra formal
vincula os benefícios com a performance demográfica.
O segundo item que depende fortemente de regras previdenciárias é o número
de pessoas com mais de 55 anos que são elegíveis aos benefícios. O aumento da
idade de elegibilidade em alguns países tende a reduzir o número de elegíveis ao
benefício entre a população com mais de 55 anos. Contudo, a ampliação da par-
ticipação das mulheres no mercado de trabalho contribui para o acréscimo das
despesas futuras. Assim, o critério de elegibilidade tenderá a aumentar a despesa
previdenciária na Alemanha e reduzir na Itália, colaborando para pressionar as
despesas na maioria dos países.
Por último, o aumento da taxa de emprego (fração de pessoas entre 20 e 64
anos que estão trabalhando) contribui para a redução do custo de financiamento
do sistema. Na tabela 2, esse impacto se dá através do aumento do PIB e, conse-
qüentemente, da queda dos benefícios em relação ao PIB. O aumento da partici-
pação de mulheres e idosos na força de trabalho (o que em parte resulta de regras
mais rígidas de previdência e em parte da melhoria das condições de saúde) con-
tribui para melhorar as perspectivas do sistema de BD.

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152 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

4 O SISTEMA DE REPARTIÇÃO COM BENEFÍCIO DEFINIDO: OS EXEMPLOS


EMBLEMÁTICOS
Nesta seção, apresentamos casos de sistemas de repartição típicos, ou seja, em sua
forma de BD. Os casos apresentados aqui são os de Alemanha, França, Japão e
Estados Unidos. Entre os quatro países estudados nesta seção, o tamanho do sis-
tema previdenciário varia substancialmente. Alemanha e França têm sistemas ex-
tremamente abrangentes, enquanto os Estados Unidos têm sistema menor, mas
nem por isso pouco importante. Duas medidas, a taxa de reposição do salário
pelo benefício e a relação entre a riqueza previdenciária líquida e o salário mensal,
são usualmente utilizadas para indicar a importância dos benefícios previdenciários
na composição da renda permanente de um indivíduo representativo. A taxa de
reposição na Alemanha, por exemplo, é de 72% de seus rendimentos prévios à
aposentadoria, enquanto a riqueza previdenciária líquida representa 13 vezes o
salário anual médio nesse país. Nos Estados Unidos, o benefício substitui 51% do
salário médio do indivíduo ao longo da vida, e a riqueza previdenciária líquida
representa 7,3 vezes o salário anual.
Como mencionado na seção anterior, em face de profundos desequilíbrios
atuariais e da resistência política contra a extinção dos sistemas de BD financiados
por repartição, diversos governos têm optado por cortar benefícios e aumentar a
alíquota de contribuição. O Japão, por exemplo, promoveu reformas em 1994,
2000 e 2004. A Alemanha as promoveu em 1992 e 2001. A França mudou seu
régime général em 1993, mas alterações ainda mais profundas serão exigidas para
equilibrar seu sistema, com ou sem as barricadas armadas pelos alunos da Sorbonne
no Quartier Latin. E os Estados Unidos programaram em 1983 mudanças cujo
impacto postergou o fim de seu trust fund por 20 anos, mas que são insuficientes
para equilibrá-lo.
Conforme visto anteriormente, as regras previdenciárias influenciam o pa-
drão de saída da força de trabalho. A saída precoce da força de trabalho tem
importantes impactos fiscais, evidenciado na tabela 4 pela importância da taxa de
emprego para a evolução futura das despesas previdenciárias. Quão indutores de
aposentadoria precoce são os sistemas previdenciários nos países industrializados?
O gráfico 1 mostra a tributação implícita ao sistema de benefícios e contri-
buições previdenciárias nesse grupo de países, calculada pela variação na riqueza
previdenciária induzida pela permanência de um ano a mais na força de trabalho.
A riqueza previdenciária líquida é definida como o valor presente de todo o fluxo
de benefícios futuros (utilizando-se a tábua demográfica de cada país), descontado
pelo fluxo de contribuições previdenciárias. A partir do perfil de salários ao longo

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 153

GRÁFICO 1
Imposto (+) ou subsídio (–) implícito nas regras previdenciárias, por idade para homens
(Em %)
70
60
50
40
30
20
10
0
–10
–20
–30
55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69

Fontes: Alemanha: Börsch-Supan e Schnabel (1999) – não considera reforma de 2001; Japão: Yashiro e Oshio (1999) – não considera França Alemanha
reforma de 2001; Estados Unidos: Diamond e Gruber (1999); e França: Walraet e Mahieu (2004) – considera somente o setor privado. Japão Estados Unidos

da vida de um indivíduo representativo, é possível simular a evolução de sua ri-


queza previdenciária.
Suponha-se que indivíduos decidam continuar ou parar de trabalhar a cada
período. O efeito do adiamento pode ser decomposto em duas parcelas. Primeiro,
o adiamento de benefícios implica um ano a menos de fluxo (caso o indivíduo
seja elegível para aposentadoria) e um ano a mais de contribuição (em qualquer
caso), o que levaria à queda da riqueza previdenciária (taxa interna de retorno, ou
accrual rate, negativa). Por outro lado, sendo o benefício uma função da média
dos melhores salários ao longo da vida, o adiamento pode aumentar a base salarial
sobre a qual a renda de aposentadoria é calculada. O gráfico 1 mostra a tributação
implícita nos benefícios de assistência social em cada país, por idade.
Todos os sistemas de repartição já citados apresentam elevação da tributação
aos 60 anos, exceto o dos Estados Unidos. Em alguns casos, a aposentadoria não
pode ser pleiteada nessa idade, mas a saída é financiada por critérios frouxos de
concessão de seguro-desemprego. O Japão passa de um subsídio de 20% da renda-
trabalho, aos 59 anos, para um imposto de 10% o que é menor do que os 30%
existentes antes da reforma de 1994. O sistema francês, por causa das regras de
acesso ao seguro-desemprego, já desestimula o trabalho a partir da idade de 55
anos, mas aos 60 anos o adiamento de um ano da decisão de saída da força de
trabalho leva a uma queda da riqueza previdenciária equivalente a 60% do salário
de um indivíduo representativo.
O padrão de saída da força de trabalho tende a responder aos incentivos
implícitos nas provisões do sistema previdenciário, como mostra o gráfico 2. Na
França, o número de homens deixando a força de trabalho na idade de 60 anos

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154 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

GRÁFICO 2
Saída da força de trabalho, como percentual da força de trabalho
com a idade anterior: homens
(Em %)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65

Fontes: Alemanha: Börsch-Supan e Schnabel (1999); Japão: Yashiro e Oshio (1999);


Estados Unidos: Diamond e Gruber (1999); e França: Walraet e Mahieu (2004). França Alemanha Japão Estados Unidos

corresponde a quase 70% dos homens trabalhando aos 59 anos. Tanto na Alemanha
quanto na França, existe uma fração substancial dos homens reduzindo o número
de horas trabalhadas abaixo de 10 horas semanais mesmo antes da idade normal
de aposentadoria, em função das generosas provisões de seguro-desemprego, que
para faixas de idade elevadas não estão freqüentemente sujeitas a contrapartidas.
Exceto no caso dos Estados Unidos, existe um aumento da taxa de saída aos
60 anos, o que replica exatamente a forma do gráfico 1. Nos Estados Unidos, as
alíquotas implícitas no sistema de previdência não são capazes de explicar o pico
na idade de 62 anos, nem mesmo a freqüência de saída aos 65. Como vimos no
capítulo 2, para entender o acentuado pico aos 62, que é a idade de aposentadoria
precoce nos Estados Unidos, é necessário desagregar os dados e observar que indi-
víduos mais pobres – portanto mais propensos a ter acesso restrito a crédito – são
os que se aposentam nessa idade. O pico acentuado aos 65 anos é explicado pelo
acesso ao Medicare, seguro-saúde gratuito e público, só permitido a partir dessa
idade, desde que o indivíduo esteja aposentado – ou seja, esteja recebendo previ-
dência. A seguir, descrevem-se os sistemas de Alemanha, França, Japão e Estados
Unidos em mais detalhes.

4.1 Alemanha: o amplo seguro estatal


O sistema alemão original, criado por Bismarck, tinha características de seguro
mandatório contra longevidade – Gesetzliche Rentenversicherung (GRV) –,
capitalizado e de BD. Com a crise de 29 e a Segunda Guerra Mundial, o patrimônio
do trust fund foi destruído. Posteriormente, a grande explosão do Estado do Bem-
Estar ocorrida no pós-guerra se dá em grande parte através do aumento do escopo
do sistema previdenciário, fenômeno que se repete em quase todos os países

Cap04.pmd 154 23/3/2007, 15:42


SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 155

industrializados mas que na Alemanha é paradigmático. Esse Estado do Bem-


Estar é simbolizado pela reforma previdenciária de 1972, que reduziu a idade de
elegibilidade e permitiu uma multiplicidade de casos especiais em que a aposenta-
doria pode ser pleiteada. Os impactos fiscais foram substanciais. O sistema é defi-
citário e contribuições só são suficientes para financiar 80% dos benefícios. Apesar
de as reformas que se seguiram terem recuperado parte da justiça atuarial, o sistema
alemão é fortemente sujeito a riscos demográficos, o que explica as projeções da
tabela 4, que mostra a Alemanha como país cujas despesas previdenciárias mais
sofrerão os impactos das mudanças demográficas dentre os analisados neste capí-
tulo. A incorporação da Alemanha Oriental exerceu forte impacto nas despesas
previdenciárias, na medida em que seus residentes tiveram seus benefícios equipa-
rados ao dos alemães ocidentais, sem qualquer contrapartida. Na realidade, é esse
desequilíbrio que tem motivado a sucessão de reformas ao longo dos últimos 15 anos.
A aposentadoria é paga a partir da idade de 65 anos (sem distinção entre
homens e mulheres), e a partir de 63 anos com 35 anos de contribuição. Homens
desempregados ou incapacitados na idade de 60 anos e que contribuíram para o
sistema previdenciário por um certo número mínimo de anos são elegíveis para
aposentadoria aos 60 anos. Esse último atributo, instituído em 1972 e nunca
reformado, permite que pessoas peçam seguro-desemprego aos 58 anos, e depois
troquem o benefício pela aposentadoria precoce, aos 60. Existe adicionalmente a
figura da aposentadoria parcial para indivíduos com renda abaixo de um limiar,
instituída em 1992, e que paga benefício pleno para trabalhadores com mais de
60 anos. O efeito sobre a precocidade da saída da força de trabalho é imediato. O
gráfico 2 mostra que 40% dos homens que estavam trabalhando aos 59 anos se
retiram da força de trabalho aos 60, apesar de a idade de aposentadoria precoce ser
63 anos.
A idade de aposentadoria normal da mulher foi aumentada ao longo da
década de 1990 de forma a se igualar à do homem. Contudo, a idade normal de
aposentadoria não guarda relação com a idade em que as pessoas efetivamente
pleiteiam aposentadoria. O sistema é bastante flexível com todas as exceções criadas.
O benefício por viuvez é extremamente benevolente. A esposa (ou esposo) do
segurado que falecer quando recebendo aposentadoria terá direito à pensão sem
qualquer condicionalidade extra. Além disso, caso o segurado morra antes de ser
elegível para o benefício, a esposa (ou esposo) terá direito ao benefício desde que
o falecido tenha contribuído por pelo menos cinco anos.
O benefício é função da contribuição ao longo da vida, permitindo-se algum
grau de redistribuição. Trata-se do produto de quatro termos: a contribuição média

Cap04.pmd 155 23/3/2007, 15:42


156 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

relativa do empregado (comparada à média de contribuições do sistema durante o


período de vida laboral); o número de anos de “vida em serviço”; fatores de ajus-
tamento dependendo do tipo de pensão (se é por idade, por invalidez ou por
viuvez) e, desde 1992, da idade na qual primeiro recebeu o benefício; e do valor
básico de pensão (reajustado de acordo com o crescimento do salário líquido
médio). Ou seja, pela regra, o indivíduo acumula pontos, que são tão maiores
quanto mais alto for o número de contribuições e quanto maior for a contribuição
relativa dele ao longo da vida.
O sistema de pontuação, em tese, serve para estabelecer um vínculo entre
contribuição e benefício, criando um sistema menos redistributivo. De fato, a
tabela 5 mostra a taxa de reposição dos benefícios por faixa de renda, comparados
com outros regimes previdenciários. Nota-se que a Alemanha é o único país da
amostra cuja taxa de reposição não cai com a renda. A ausência de um pilar forte
de assistência social também ajuda a explicar esse padrão.
Uma característica essencial para o equilíbrio atuarial de um sistema previdenciário
de BD e financiado por repartição é a fórmula de reajuste das aposentadorias. Na
Alemanha, os benefícios, uma vez calculados na data da aposentadoria, passam a ser
reajustados pela variação da massa de salários líquidos da contribuição previdenciária.
À medida que o país cresce, os benefícios crescem proporcionalmente, e o aumento
da base tributária, portanto, não reduz o déficit previdenciário. Da mesma forma
que a indexação dos benefícios, a valoração das contribuições no momento do

TABELA 5
Potencial redistributivo do sistema previdenciário

Taxa de reposição líquida, por faixa de renda – rendimentos individuais em múltiplos da média

0,5 0,75 1 1,5 2 2,5

Alemanha 61 67 72 79 67 54

Austrália 77 61 53 43 37 31

Estados Unidos 61 55 51 45 39 36

França 84 71 65 59 55 53

Itália 89 88 89 88 89 89

Japão 80 66 59 52 44 36

Reino Unido 78 58 48 38 30 25

Suécia 90 76 68 70 74 75
Fonte: OECD, 2005.

Cap04.pmd 156 23/3/2007, 15:42


SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 157

cálculo do primeiro benefício é um item fundamental em países com sistema BD.


Mais uma vez, o sistema alemão é benevolente, ajustando contribuições passadas
pelo crescimento do salário médio da economia.
Tanto no que diz respeito à valoração das contribuições quanto à indexação
dos benefícios, a Alemanha é um ponto fora da curva entre os países que adotam
sistemas de BD financiados com repartição. Como mostra a tabela 6, trata-se do
único país a indexar os benefícios com a variação salarial. Quanto à valoração de
cada ano de contribuição, cerca de 50% da amostra o fazem corrigindo as contri-
buições pela variação salarial, como é o caso da Alemanha.
Isso ajuda a explicar, na tabela 4, por que alguns países como França são mais
eficazes na redução do benefício médio em relação ao PIB per capita, comparados à
Alemanha, apesar de a performance reformista de ambos ser comparável. Mudanças
têm sido estudadas no sentido de tornar a valoração das contribuições uma função
da taxa de dependência, ou seja, da razão entre beneficiários e contribuintes.

TABELA 6
Cálculo do benefício definido (segundo pilar compulsório)

Países Base de cálculo média da: Valoração das contribuições Indexação

Alemanha Carreira Integral índice salarial índice salarial (líquido)

Bélgica Carreira Integral índice de preços índice de preços

Canadá Carreira Integral (exclui 15% piores) índice de preços

Espanha Últimos 15 anos índice de preços índice de preços

Estados Unidos Melhores 35 anos índice salarial até 60 anos índice de preços
índice de preços de 62 a 67

França Carreira Integral índice de preços índice de preços

Japão Carreira Integral índice salarial índice de preços

Noruega Melhores 20 anos índice salarial índice de preços

Reino Unido Carreira Integral índice salarial índice de preços

4.2 França: a menor idade de elegibilidade


O sistema francês envolve uma multiplicidade de regimes (tabela 1). A idade normal
de aposentadoria é de 60 anos. Tem características extremamente redistributivas,
com a taxa de reposição caindo para rendas mais altas (tabela 5), mas sendo ainda
bastante elevada, só comparada ao do alemão. A redistribuição do sistema implica
baixo vínculo entre contribuição e benefício, de uma forma geral. Existem incentivos

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158 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

para a saída da força de trabalho aos 60 anos (gráficos 1 e 2). A reversão demográfica
implicará grandes perdas fiscais nos próximos 50 anos, com um aumento da taxa
de dependência levando isoladamente a aumento das despesas de 7,6% do PIB
(tabela 5). Na medida em que os benefícios são reajustados pela taxa de inflação,
e não pelo aumento do salário médio da economia, aumentos de produtividade
levariam à queda das despesas com benefício, como proporção do PIB, não fosse
o problema demográfico. Como os incentivos à aposentadoria precoce são muito
grandes, a situação previdenciária da França é grave.
Antes de 1972, a idade normal de aposentadoria era de 65 anos, e poucas
possibilidades para aposentadoria precoce estavam disponíveis. Em 1972, foi
introduzida uma série de provisões através de programas de garantia mínima de
renda para desempregados com mais de 60 anos. A partir de 1983, a idade normal
de aposentadoria passou para 60 anos, desde que se tenha contribuído um deter-
minado número de anos (como veremos adiante). No início da década de 1990, o
sistema geral passou por uma reforma (Reforma Balladur), com a finalidade de
aumentar sua capitalização. A conseqüência foi um aumento programado do nú-
mero de anos de contribuição, que atingiu principalmente a fórmula de cálculo
do benefício, deixando o critério de elegibilidade intocado.
Outro aspecto característico do sistema é a multiplicidade de regimes, que
combinam pilares públicos assistenciais e contributivos com pilares privados
ocupacionais compulsórios de BD, o que torna a taxa de reposição extremamente
elevada se considerarmos a pensão ocupacional. A multiplicidade de regimes torna
o sistema muito complexo. O típico aposentado francês tem seus benefícios oriundos
da combinação do regime geral básico e de um esquema complementar ligado à
categoria socioprofissional a que pertença – Association de Régimes de Retraite
Complémentaires (ARRCO) e Association Générale des Instituitions de Retraite
des Cadres (AGIRC).2 Tanto o primeiro quanto o segundo pilar são típicos regimes
de BD não capitalizados (ou seja, são pay-as-you-go). Além disso, existe uma apo-
sentadoria mínima (means tested) para pessoas com mais de 65 anos sem renda
suficiente (minimum vieillesse), mas cujos recipientes vêm se reduzindo ao longo
do tempo com o aumento da generosidade do sistema geral.3
O segundo pilar compulsório é predominantemente contributivo. Pensões são
computadas de acordo com um sistema de pontos. Pontos são acumulados durante a

2. Existiam cerca de 180 regimes complementares em 2005. Regimes especiais para trabalhadores agrícolas e por conta própria em geral
estão entre os muitos casos particulares. Outros trabalhadores com regimes especiais incluem trabalhadores de minas, empregados de
ferrovias, empregados de monopólios naturais (public utilities), entre outros. Existiam cerca de 120 primeiros pilares em 2005. Funcionários
públicos não têm regimes especiais, pois a aposentadoria destes não tem base contributiva e é financiada exclusivamente por impostos gerais.

3. Em 1959, o número de elegíveis era de 2,55 milhões, tendo caído em 2005 para 1 milhão.

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 159

carreira do trabalhador de forma proporcional à contribuição. A taxa de contribuição


é fixa e 1 euro de contribuição compra 1/SR pontos, onde SR significa salaire de
référence. O salário de referência varia entre planos, e a pessoa acumula pontos ao
longo da vida à medida que contribui para o sistema. O número de pontos acumu-
lados é multiplicado por um coeficiente (valeur du point), definido anualmente.
O cálculo do benefício no sistema geral resulta do produto de três fatores: o
salário médio durante os melhores N1 anos da vida laboral do indivíduo; o número
de anos trabalhados, N2, até um máximo de 37,5 anos; e uma razão α que repre-
senta uma taxa de reposição sobre o salário prévio à aposentadoria. Em 1993, a
reforma Balladur estabeleceu um cronograma de aumento gradual no número de
contribuições requerido para obtenção do benefício máximo, N2, assim como do
número de anos utilizado no cálculo do salário de benefício, N1, hoje de 40 anos.
A taxa de reposição no sistema francês não é corrigida atuarialmente de forma
a incentivar o adiamento do pleito do benefício. Como resultado, a taxa de parti-
cipação na força de trabalho despenca após 60 anos, como visto nos gráficos 1 e 2.
Tal como o sistema alemão, o sistema francês tem uma elevada taxa de reposição,
contudo, com um perfil bem mais redistributivo, em função da presença de um
pilar básico mais generoso.
O seguro-desemprego na França tradicionalmente tem sido utilizado como
ponte para aposentadoria por idade. Antes da reforma de 1983, era utilizado em
larga escala como forma de aposentadoria precoce entre 60 e 65 anos. Com a
regularização da idade de 60 anos como idade normal de elegibilidade, passou a
ser usado como forma disfarçada de aposentadoria antes dos 60, com a complacência
do governo. O caso mais óbvio ocorre com pessoas que perdem seu emprego após
58 anos de idade, que se tornam elegíveis para o seguro mesmo sem permanecer à
procura de emprego, até que se tornem elegíveis para aposentadoria por idade, aos
60. Ou seja, na prática, essa provisão torna 58 anos a idade efetiva em que uma
pessoa pode se aposentar, desde que comprove ter sido demitida pelo empregador.
Para cobrir todas as elevadas despesas de seguridade social do sistema francês,
as alíquotas são altas e têm estrutura complexa. O financiamento do sistema geral
é feito através de uma contribuição de 6,55% sobre o salário de benefício (ou seja,
com teto). O empregador contribui com 8,2% sobre o salário de benefício, mais
1,6% sobre a folha total.
Em resumo, o sistema francês induz a aposentadoria precoce e está
atuarialmente desequilibrado, e ambas as características resultam da ausência de
vínculo direto entre contribuição e benefício. Reformas paramétricas que busquem
recuperar tais características devem passar por dois aspectos cruciais: aumento da

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160 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

idade de aposentadoria e construção desde já de um trust fund que permita repartir


os custos do ajuste entre as gerações. O sistema francês, contudo, é demasiado
complexo, o que atrapalha inclusive discussões de reformas. Além disso, franceses
prezam seu sistema previdenciário altamente redistributivo e generoso. Uma evi-
dência ilustrativa da resistência às reformas tem sido a recente decisão do governo
francês de subsidiar fortemente o aumento da taxa de fecundidade entre as francesas,
em uma tentativa de incentivar hoje o nascimento do contribuinte de amanhã.

4.3 Japão: importantes lições sobre reformas possíveis sob estresse fiscal
Se as atuais projeções demográficas do Japão forem mantidas, em 2050 a população
do país estará de volta à casa dos 100 milhões (sendo hoje de 127 milhões). Em
nenhum país industrializado a reversão demográfica tem sido tão rápida quanto
lá. A taxa de dependência – relação entre a população com mais de 65 anos e a
população entre 20 e 64 – em 1930 era de 10%, subiu gradualmente até alcançar
24% em 1995, e será de 48% em 2025. Como se não bastasse, o Japão também
teve um problema de baby boom no pós-guerra, quando a taxa de natalidade era
cerca de 40% mais alta do que nos anos que se sucederam.
Com efeito, a despesa com benefícios previdenciários em 1994 já chegava a
17,8% do PIB em 1997, sendo metade disso na forma de despesas com benefícios
e a outra metade na forma de seguro-saúde universal. A renda de benefícios repre-
senta cerca de metade da renda entre as famílias cujo chefe tem mais de 65 anos. O
programa previdenciário japonês consiste de uma pensão vitalícia e um seguro-
saúde, ambos universais, cobrindo inclusive trabalhadores por conta própria e
desempregados. Os benefícios cobrem 60% do salário ao longo da vida.
Embora a previdência sem base contributiva exista desde a década de 1870,
e a aposentadoria com base contributiva desde os anos 1920, até 1973 benefícios
previdenciários eram relativamente baixos. A ampliação do escopo gerou
desequilíbrios que, combinados com a crise dos anos 1990 e com o agravamento
do envelhecimento da população, levaram a reformas de 1994 e de 2000.
Empregados estão sujeitos a dois pilares. No primeiro pilar (Pensão Básica –
Kiso Nenkin), os benefícios são vinculados ao número de contribuições, mas não
ao valor delas, com idade mínima de 65 para acessá-los. O segundo pilar – Kosei
Nenkin Hoken (KNH)4 – vincula mais fortemente contribuição e benefício e consiste
no chamado “Seguro de Pensão do Empregado”. O beneficiário deve ter 60 anos,

4. Na realidade, existem oito esquemas alternativos para o segundo pilar, mas o KNH domina os demais, na medida em que 85% da força
de trabalho estão filiados a esse esquema público. Empregados de governo, professores de escolas particulares e empregados em
agricultura e atividades extrativas são cobertos por programas especiais fornecidos por “associações de ajuda mútua” (Kyosai-Kumiai),
mas que na prática têm esquema muito parecido com o KNH.

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 161

independentemente de sexo, com 25 anos de cobertura. O valor do benefício, nesse


caso, é calculado como uma média do salário mensal (líquido de taxas e contri-
buições previdenciárias), ao longo de toda a carreira, multiplicado por um coefi-
ciente determinado como uma função da idade do segurado e do número de
meses de contribuição. Embora não se exija saída do emprego para receber os
benefícios, indivíduos com menos de 65 anos são submetidos a teste de rendi-
mento, sendo a pensão reduzida quando a renda total excede certos limites. A
proporção com que o benefício é reduzido é uma função crescente da renda total do
indivíduo.
Trabalhadores por conta própria se beneficiam somente do primeiro pilar,
com os mesmos critérios de elegibilidade (65 anos, e 25 anos de contribuição).
Tais benefícios são financiados através de uma contribuição lump sum, ou seja,
independente do salário. Um terço dos benefícios pagos pelo primeiro pilar é
financiado pelo governo através de impostos gerais.
Como na Europa, outros programas de suplementação de renda interagem
com a previdência pública. Até 1998, indivíduos com idade entre 60 e 64 anos
poderiam receber seguro-desemprego juntamente com aposentadoria do segundo
pilar, o que tendia a aumentar os incentivos à saída da força de trabalho. Também
um subsídio de 25% do rendimento laboral na idade de 60 anos é dado para
idosos pobres a partir dessa idade.
Exceto no caso dos trabalhadores por conta própria, benefícios em ambos os
pilares, benefícios por invalidez e por viuvez são financiados mediante uma alíquota
compulsória única de 8,25% sobre o salário bruto, sujeito a um mínimo e um
máximo. Igual alíquota sobre a folha, com os mesmos limites máximo e mínimo,
é paga pelos empregadores, totalizando 16,5% de contribuição.
O sistema japonês não tem as benesses dos sistemas francês e alemão, mas o
grave problema demográfico o tornaria insolvente, caso não contasse com recursos
de impostos gerais. Em 1994, uma reforma aumentou a idade de elegibilidade
para a pensão básica, de 60 para 65 anos, na prática imputando um custo de
requerer o benefício antes dos 65, e alterou a base de cálculo do benefício
previdenciário do pilar básico, passando a considerar o salário liquido dos contri-
buintes correntes. Em 2000, uma nova reforma paramétrica foi implementada,
estabelecendo uma redução de 5% dos benefícios do segundo pilar, além de um
aumento gradual da idade de elegibilidade para os benefícios do segundo pilar de
60 para 65 anos a partir de 2013 até 2025. Adicionalmente, a substituição da
indexação dos benefícios ao salário dos ativos, substituindo pelo índice de inflação,
foi implementada em 2000, assim como a aplicação de testes de rendimento para

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162 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

altos salários de trabalhadores com idade a partir de 65 anos. Foi criado um meca-
nismo pelo qual de cinco em cinco anos o sistema seja revisado, e os valores
paramétricos ajustados a novas condições demográficas.
De uma forma geral, o sistema de repartição japonês tem taxas de reposição
mais baixas do que seus congêneres alemão e francês. Também incentiva menos a
aposentadoria precoce, como mostrado no gráfico 1, e tem sido submetido a re-
formas mais ambiciosas do que os demais. As reformas implementadas sinalizam
para o curso dos acontecimentos futuros em países que tentarem manter o sistema
de repartição combinado com BD. Não há como fugir de pesados custos de ajus-
tamento, e a experiência japonesa nos ensina que tais custos, quando diluídos por
um número maior de gerações, enfrentam menores resistências. Em função de tais
ajustes, a partir de agora o Japão deverá estabilizar o déficit previdenciário no
patamar atual. Nota-se, pela tabela 4, que as despesas com benefícios devem subir
apenas 0,6% do PIB até 2050, apesar do forte impacto demográfico ainda por vir.
Isso ocorrerá principalmente em função dos substanciais cortes de benefícios
previdenciários por beneficiário. Tudo mais constante, a reforma japonesa levaria a
uma futura redução dos benefícios previdenciários em 3,9% do PIB.

4.4 Estados Unidos: um sistema de benefício definido parcialmente


capitalizado
O sistema de repartição dos Estados Unidos é, de certa forma, um clássico pay-as-
you-go, pagando benefícios definidos com função do salário de contribuição e do
número de contribuições, com um pilar redistributivo, sem vínculo com contribuição
(Old Age Assistance), que em média representa apenas 20% do salário médio da
economia, e que é focado no idoso pobre (tabela 1). A riqueza previdenciária é
apenas 7,3 vezes o salário médio da economia, sendo, portanto, uma das menores
da OCDE, e o mesmo pode ser dito da taxa de reposição de apenas 51% do
salário médio (tabela 2). Em função do porte relativamente menor do programa
previdenciário americano, os problemas fiscais resultantes do impacto demográfico
do baby boom são bem menores do que os de Japão, França e Alemanha.
O sistema paga somente 4,4% do PIB de benefícios estritamente
previdenciários (comparado com o dobro no Japão, e o triplo na Alemanha e na
França). O aumento da taxa de dependência só levará a crescimento de 2,4%
nesses benefícios até 2050, o que se compara com figuras quatro vezes maiores na
França, e três vezes maiores na Alemanha (tabela 4). As distorções sobre o mercado
de trabalho são mínimas (em contraposição com as elevadas perdas de peso morto na
França e na Alemanha), principalmente porque a idade de elegibilidade mínima de

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 163

62 anos e esquemas de seguro-desemprego com fortes condicionalidades fazem com


que as pessoas não se aposentem antes disso. Mais do que isso, de todos os sistemas
de BD da OCDE, o americano é o mais próximo da justiça atuarial (gráfico 1).
Algumas características específicas importantes fazem do sistema dos Estados
Unidos um esquema de BD melhor que os dos outros três países analisados até
aqui. Primeiro, o regime é parcialmente capitalizado, tendo sido acumulado um
fundo lastreado por títulos públicos (trust fund) cujo rendimento financia parcial-
mente os benefícios atuais. Segundo, os Estados Unidos adotam testes de rendi-
mento (para a faixa de 62 a 65 anos de idade) no seu segundo pilar, mas sujeitos à
devolução atuarialmente justa quando o indivíduo faz 70 anos. Terceiro, uma
forte rede de incentivos fiscais à poupança previdenciária pode servir de experiência
para países como o Brasil.
Os Estados Unidos também adotam testes de rendimento, ou earnings tests.
Um sistema desses, aplicado no Brasil, seria o equivalente a cortar benefícios de
homens e mulheres que se aposentem precocemente por tempo de serviço, mas
que continuem trabalhando. Nos Estados Unidos, tais cortes são reembolsados –
corrigidos à taxa que garante neutralidade atuarial –, assim que a renda líquida de
benefícios seja reduzida à zona livre de corte. Essa é uma diferença importante em
comparação ao Japão, onde os benefícios não são sujeitos à devolução. Enquanto
o modelo japonês aumenta o foco do segundo pilar no idoso pobre, o americano
reduz a tributação implícita sobre a oferta de trabalho.
Como funciona o trust fund ? Quando a arrecadação com a contribuição
previdenciária é superior às despesas com benefício – o que tem ocorrido desde
que o programa foi concebido –, o excesso é creditado ao fundo. Este é investido
em títulos especiais do Tesouro dos Estados Unidos, e os juros são creditados em
nome do trust fund. Tais superávits (constituídos da diferença entre receitas mais
juros, menos benefícios) são contabilizados como off budget. O déficit on budget
(constituído de despesas com outras transferências, gastos com juros da dívida
mobiliária, e consumo do governo, menos outras receitas) é financiado com emissão
de nova dívida que fica em poder do mercado ou é adquirida pelo trust fund.
Economistas não acreditam em separações contábeis como aquelas tipica-
mente observadas em esquemas de repartição. O que é contabilmente visto como
dois orçamentos independentes é na realidade apenas separação formal, pois o
processo político que decide a alocação dos recursos recebidos na forma de contri-
buição é o mesmo que decide como vai ser gasta a receita com imposto de renda.
Em outras palavras, existe uma enorme tentação dos políticos em verem o superávit
off budget do trust fund como receitas sem destinação específica, motivados por

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164 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

todas as razões de economia política discutidas no capítulo 2. A microrreforma no


sistema em 1983, que cortou benefícios e aumentou a contribuição, serve como
exemplo da conexão entre um e outro orçamento. Motivada por projeções de
eliminação do trust fund, a reforma foi seguida por aumentos substanciais do
gasto do governo, levando a um déficit do orçamento unificado (FELSDTEIN;
LIEBMAN, 2002).
O valor do fundo previdenciário acumulado era de cerca de 13,5% do PIB
em 2005. O superávit primário da previdência era de 0,6% do PIB. As projeções
atuais do Congresso dos Estados Unidos (CBO, 2004) prevêem que os benefícios
superem as receitas com contribuição a partir de 2020. Entre 2021 e 2025 o
fundo previdenciário ainda crescerá porque a receita de juros ainda será maior do
que o déficit primário entre contribuições e benefícios. A partir de 2025, o fundo
começa a cair até sua completa extinção em 2052. Se isso ocorrer, a alíquota de
contribuição terá de ser ajustada em 50% de seu valor atual, ou benefícios terão de
ser cortados em 1/3, ou a separação entre os dois orçamentos será extinta, permitindo
a cobertura do déficit via receitas gerais – situação de França, Japão e Alemanha.
Para lidar com as perspectivas de déficit do sistema, a idade normal de elegibilidade
tem sido ajustada gradualmente para 67 anos, sem contudo interferir na idade
precoce (62 anos).
Por último, vale considerar os incentivos fiscais à poupança previdenciária
nos Estados Unidos, particularmente as Contas Previdenciárias Individuais – In-
dividual Retirement Accounts (IRA).5 As IRAs foram instituídas nos Estados
Unidos em 1974, para aqueles indivíduos que não tinham acesso a nenhum fundo
de pensão fechado. As contribuições para a IRA eram dedutíveis do imposto de
renda (reduziam a renda tributável) na fase de acumulação. Em 1998, foi criada a
Roth IRA, contribuição esta não dedutível, mas que tem saque isento de imposto
de renda, e também mantém a característica da IRA de não pagar imposto de
renda sobre os juros compostos na fase de acumulação. O incentivo ao pilar privado
nos Estados Unidos permite ao sistema estatal de BD manter-se em tamanho menor.
Concluindo, embora o sistema tenha forte justiça atuarial, permite-se algum
nível de redistribuição, com a taxa de reposição sendo de 61% para indivíduos
ganhando metade da média salarial e 35% para aqueles ganhando 2,5 vezes a
média (tabela 5). O acúmulo do fundo previdenciário torna o esquema estatal
próximo de um regime capitalizado de BD, mas substanciais ajustes serão necessários
para que o sistema volte a ser atuarialmente equilibrado. O desafio claro será sobre

5. Nos Estados Unidos, empregados também podem escolher uma conta de previdência em que parte do salário é diretamente deposi-
tada pelo empregador, e usufruir de alíquota de imposto de renda reduzida (são os chamados planos 401k, instituídos em 1978).

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 165

qual geração incidirá o peso do ajuste. Até agora, os diversos conflitos existentes,
entre pobres e ricos, velhos e jovens, têm adiado uma solução definitiva sobre
quem custeará a transição para um sistema equilibrado.

5 SALVANDO O SISTEMA DE REPARTIÇÃO: SISTEMA PÚBLICO DE CONTAS CD


NOCIONAIS
Suécia e Itália têm sistemas previdenciários enormes e graves problemas
demográficos. Em 2000, a Itália era o país com maior proporção de idosos no
mundo, e a Suécia seguia os italianos de perto. Em 2030 a Itália terá 27% de sua
população com mais de 64 anos, e a Suécia, 23%. Ao mesmo tempo, o sistema
previdenciário italiano tem uma taxa de reposição de 88%. Uma reversão
demográfica dessa natureza, acoplada a um programa de BD financiado por re-
partição com tal gigantismo, deveria levar a um impacto fiscal de tal magnitude
que inviabilizaria o Estado italiano. No entanto, a Itália em 2050 estará gastando
com benefícios 0,3% do PIB a menos do que gasta hoje, pelas projeções da OCDE.
A Suécia, por sua vez, estará gastando 1,6% do PIB a mais, o que é muito pouco
comparado com o que França e Alemanha gastarão (ver seção anterior). Qual é o
segredo? Suécia e Itália implementaram reformas que mantêm a característica de
repartição, mas criam vínculos estreitos entre contribuição e benefício.
Na seção anterior vimos os casos de crise no sistema de BD não capitalizado,
especificamente os casos da Alemanha, do Japão, da França e dos Estados Unidos.
Países com um sistema de repartição muito grande e desequilibrado podem optar
por criar um sistema novo, equilibrado atuarialmente, baseado em CD. Sistemas
de CD capitalizados estão muito sujeitos a riscos de mercado. Uma alternativa
para sociedades muito avessas ao risco é a instituição de CD, mas com a manuten-
ção da base de repartição, e, portanto, sujeita ao risco demográfico e de performance
econômica do país. Isso pode ser feito através de contas nocionais previdenciárias,
como feito na Suécia e na Itália, entre outros países. Nesta seção, fazemos uma
análise dessa alternativa à luz da experiência sueca.
O sistema previdenciário sueco que vigorava até o ano 2000 era um típico
sistema de BD financiado com base em repartição. O sistema pagava benefícios
generosos, e sua sustentação dependeria de um ajuste futuro da carga tributária de
18,5% para 30%. Em 2000, a Suécia modificou o sistema, transformando-o em
um sistema de contribuição definida nocional (CDN). Cerca de seis anos depois, o
sistema está sendo adotado por seis países (incluindo Itália e Polônia) e tem sido
objeto de estudo de diversos especialistas no assunto.
O sistema CDN tem a estrutura de um sistema canônico de contas individuais,
no qual a contribuição é depositada em uma “conta”, e rende “juros”. A conta é

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166 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

fictícia, pois o dinheiro é destinado ao pagamento dos atuais benefícios. Ou seja,


não existe um portfólio que lastreie a conta. E, conseqüentemente, o rendimento
é estabelecido pelo governo com base em parâmetros que supostamente visem
equilibrar benefícios e contribuições futuras. A mágica, portanto, consiste em
criar, a partir da mesma base de repartição do sistema anterior, um vínculo forte
entre contribuição e benefício.
A taxa de juros fictícia é calculada com base em parâmetros estruturais da
economia. Em um sistema de repartição, a taxa interna de retorno deve ser equi-
valente à taxa de crescimento da população mais a taxa de crescimento da produ-
tividade do trabalho. O sistema de contas nocionais aplica uma taxa nocional
equivalente à taxa de crescimento do salário médio às contribuições individuais.
Quando o indivíduo chega à idade de elegibilidade (61 anos), seu benefício anual
consiste no valor de suas contribuições acumuladas mais juros nocionais, dividido
pela expectativa de sobrevida aos 61 anos. Se ele decide se aposentar mais tarde,
suas contribuições durante aquele ano são também acumuladas à taxa de juros
nocional, e o resultado final no ano seguinte é dividido pela expectativa de sobrevida
média aos 62 anos, e assim por diante. O valor encontrado é reajustado anual-
mente pela inflação e, no caso da Suécia e da Itália, por uma taxa fixa que dá conta
da taxa de crescimento do PIB no longo prazo (estimada em 1,6% no caso da
Suécia e 1,5% no caso da Itália).
O sistema é genuinamente de repartição. A esperança média de sobrevida
não é baseada em estimativas forward looking, mas nas verdadeiras taxas de morta-
lidade observadas no ano anterior. Para lidar com subestimativas da esperança de
vida e em desvios da taxa de crescimento em relação às previsões, criou-se um trust
fund que funciona como amortecedor.
O regime sueco transfere para fora do sistema o financiamento de pensões
por viuvez ou por invalidez. A incorporação de tais provisões complica demasia-
damente a fórmula de cálculo, fazendo-o menos transparente, além de introduzir
subsídios cruzados no esquema (entre casados e não-casados, trabalhadores em
atividades de risco ou não), o que pode distorcer as decisões.
Diversos motivos justificam o interesse acadêmico pelo sistema de contas
nocionais. Primeiro, através de um artifício contábil, os reajustes de benefícios
foram aparentemente isolados do processo de decisão política. Ao se fazer o acúmulo
de juros sobre as contribuições de acordo com o crescimento do salário real, e ao
se ajustar o benefício de acordo com a expectativa de sobrevida, as mudanças
paramétricas necessárias para o equilíbrio atuarial do sistema são feitas automati-
camente, e independentemente do processo político. Segundo, existe vínculo estreito

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 167

entre contribuição e benefício, reduzindo ao mínimo as distorções nas decisões


individuais de oferta de trabalho vistas nos casos dos sistemas de BD, especialmente
da França e da Alemanha. Terceiro, o sistema não está sujeito aos riscos de mercado
e de crédito presentes nos desenhos baseados em contas individuais do tipo CD
lastreadas por portfólio. Quarto, a taxa de administração das contas nocionais
tende a ser mais baixa do que o padrão nos casos dos regimes de CD baseados em
portfólio, em função da administração consolidada das contas.
Apesar de grandes méritos, o sistema CDN tem alguns problemas. Primeiro,
é um sistema de repartição, apenas com um vínculo direto entre contribuições e
benefícios. Os sistemas francês e alemão também têm, através do mecanismo de
pontuação, algum vínculo entre contribuição e benefício, embora o vínculo das
contas nocionais seja mais estreito, dado que é sumarizado na forma de uma taxa
de juros nocional comum a todos os indivíduos.
Segundo, por ser um sistema de repartição, o modelo apresenta risco sistêmico,
a não ser que a taxa de juros nocional seja alterada na medida em que previsões
demográficas ou de crescimento do PIB não se realizem. Adicionalmente, e esse é
o caso específico da Suécia e da Itália, ao determinar o crescimento do salário, e
não da massa salarial, como base para a acumulação das contas individuais, o
equilíbrio atuarial passa a depender de hipóteses quanto à participação da força de
trabalho e do nível de formalização da mão-de-obra.6 Essa última incerteza, contudo,
não é intrínseca às contas nocionais, podendo ser corrigida se as contas passarem
a ser reajustadas pela taxa de crescimento da massa de salário. Para lidar com esse
problema, o sistema CDN tem de formar um trust fund gerenciado pelo governo.
Entretanto, isso gera os mesmos problemas de risco moral e de economia política
dos sistemas de BD. Ou seja, embora o sistema esteja isolado do risco político na
definição da taxa de acumulação dos saldos, a disponibilidade de grande trust fund
torna o sistema sensível a pressões políticas no uso desses fundos.
Terceiro, a conversão de um sistema BD público para um sistema CD público
foi feita na Suécia através da fixação da taxa de contribuição, mantida em 18,5%.
O sistema não prevê uma redução gradual da contribuição. O ajuste atuarial se dá
através da adaptação dos benefícios à estrutura tributária, perpetuando uma alíquota
elevada. Conseqüentemente, boa parte da renda previdenciária dos suecos e italianos
ficará na forma anuitária. Mais importante, como a taxa de crescimento da massa
salarial será no longo prazo menor do que a taxa de juros de longo prazo risk free, a
manutenção do sistema previdenciário implica uma redução da renda permanente,

6. Este último é um problema mais sensível na Itália, onde o nível de informalidade da força de trabalho pode levar o sistema à
bancarrota por causa da fórmula de reajuste de benefícios.

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168 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

que pode ser substancial. Para evitar que toda a renda previdenciária esteja acoplada
a “ativos” de baixa rentabilidade, o programa sueco institui um sistema de contri-
buição definida investment-based, como um segundo pilar. A taxa de contribuição
compulsória de 18,5% do salário é dividida em 16% para alimentação do sistema
de repartição nocional e 2,5% revertidos para contas individuais geridas pelo setor
privado, com plena liberdade de alocação de portfólio e forte concorrência entre
fundos. A Polônia, em contrapartida, define um primeiro pilar nocional, para o
qual direciona 12,2% do salário bruto, e um segundo pilar CD baseado em
portfólio, para o qual são transferidos compulsoriamente 7,3% do salário bruto.
Contudo, trata-se de uma exceção, já que a maioria dos países que adotaram CDN
não complementou o esquema com um CD baseado em portfólio, conforme
mostra a tabela 7.
Quarto, o sistema nocional é neutro do ponto de vista distributivo. A alteração
dessa propriedade quebraria, contudo, seu principal atrativo, que é o vínculo entre
contribuição e benefício. Assim, um mecanismo dessa natureza tem de ser acom-
panhado de uma rede de assistência social que pode ser tanto parte de um primeiro
pilar que pague benefícios mínimos (como no sistema inglês e australiano), ou
totalmente separado do programa previdenciário (como feito na própria Suécia,
que possui um vasto Estado do Bem-Estar).
Um quinto problema reside na reforma previdenciária em situação de stress
fiscal (VALDÉS-PRIETO, 2000). A Polônia, por exemplo, instituiu regimes nocionais
quando seu sistema previdenciário de BD apresentava déficit corrente. A definição
do sistema CDN garante o equilíbrio para os novos contribuintes, mas não resolve

TABELA 7
Alíquotas em países com contas nocionais
(Em %)

Total Fração para


Países
Nocional CD - portfólio

Itália 32,8 32,8 0,0


Quirguistão 29,0 29,0 0,0
a
Letônia 33,0* 20,0 2,0
Mongólia 19,0 19,0 0,0
Polônia 19,5 12,2 7,3
Suécia 18,5 16,0 2,5
Fonte: Williamson (2004).
a
Na Letônia, 11% são utilizados para financiar o sistema antigo.

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 169

o problema dos benefícios assegurados pelo antigo sistema de BD. Na Polônia,


que reformou seu sistema em 1997, o custo total do sistema antigo chegava a
19,3% do PIB. Para financiar tal sistema, poloneses pagavam cerca de 31% da
massa de salário (alíquota nominal de 45%) na forma de contribuição
previdenciária. A reforma reduziu a alíquota compulsória dirigida ao primeiro
pilar nocional para apenas 12,2%, para novos contribuintes. Indivíduos entre 30
e 50 anos podem permanecer no sistema antigo, contribuindo com alíquotas mais
altas. Contudo, o sistema antigo nesse caso só é viável com aportes do Tesouro e,
no caso da Polônia, com receitas de privatização. A transição para um regime
nocional na Letônia e no Quirguistão exigiu elevação da idade de elegibilidade
por cinco e três anos, respectivamente, e mesmo nesse caso, na Letônia uma alíquota
de 11% foi estipulada para financiar o sistema antigo (o que faz com que a alíquota
total fique em 33%).
Outro modo de colocar o quinto ponto é ressaltando que não se equilibra
um sistema desequilibrado sem cortar benefícios ou aumentar contribuição. Como
o sistema nocional cria um mecanismo que, se bem implementado, leva ao equi-
líbrio no longo prazo, ele restringe a solução de desequilíbrios prévios a ajustes
paramétricos que afetem diretamente as gerações sob o sistema antigo ou, alterna-
tivamente, transfere o peso do ajuste para fora da alçada da agência previdenciária,
via utilização de receitas de impostos gerais ou de privatização.
Um sexto problema é que, embora isolado (de certa forma) do risco político,
o CDN não está isolado do risco demográfico. Uma queda na taxa de natalidade
ou um aumento da longevidade reduz a taxa de retorno nocional, agravando a
redução de poder de compra das gerações afetadas. Sistemas nocionais, portanto,
não eliminam a perda de peso morto associado a uma taxa interna de retorno
baixa, comparada aos dividendos acumulados a partir de uma conta individual
verdadeiramente lastreada por portfólios. O fato de que a produtividade do trabalho e
o crescimento populacional em economias maduras tendem a ser inferiores à taxa
de juros faz com que haja perda de peso morto. Ou seja, o retorno privado dos
depósitos na conta nocional inferior ao custo de oportunidade implica uma tribu-
tação sobre o salário, o que distorce a decisão entre lazer e trabalho ao longo da
vida – e não somente às vésperas da aposentadoria.

6 CAPITALIZANDO O SISTEMA: DILEMAS E DESAFIOS


Sistemas de repartição foram adotados em larga escala no mundo após a Segunda
Guerra Mundial, no bojo da grande expansão das transferências governamentais e
do surgimento do Estado do Bem-Estar. O baixo dinamismo econômico e a elevada

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170 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

carga tributária na maior parte dos países que compraram a valor de face o Estado
provedor geraram a onda revisionista dos anos 1980/1990. Especificamente no
caso do debate sobre sistemas previdenciários, os modelos alternativos pertencem
justamente àqueles países que não adotaram o regime de repartição, ficando apenas
no primeiro pilar redistributivo básico.
Nesta seção, discutem-se os casos da Irlanda e da Austrália, ícones do que há
de mais liberal em matéria de previdência. O que há de comum nesses dois modelos?
A existência de um primeiro pilar redistributivo, e com suficiente amplitude. A
Irlanda tem apenas esse pilar básico, ao passo que a Austrália acrescentou, na
década de 1980, um segundo pilar compulsório de contas individuais capitalizadas,
vinculadas ao empregador. Por esse último aspecto, a Austrália servirá como
benchmark na análise da seção. É necessário, antes de prosseguir, deixar claro que
os países em questão nunca tiveram sistemas de repatição, e, portanto, não houve
custos de transição na sua adoção, como no caso dos países que adotaram CD
(nocional ou capitalizada) a partir de sistemas desequilibrados.
No caso da Irlanda, o primeiro pilar paga um benefício uniforme, que não
depende do salário de contribuição, mas apenas do número de contribuições. O
valor do benefício, que pode ser pleiteado a partir dos 65 anos de idade, era equi-
valente, em termos nominais, a 30% do salário médio da economia em 2005.
Existe também um programa de renda mínima para o idoso com mais de 66 anos,
para indivíduos com insuficiente estoque de ativos. Ambos os benefícios são rea-
justados pelo crescimento do salário médio da economia.
No caso da Austrália, a pensão básica universal é sujeita a testes de rendi-
mento. O valor do benefício é reajustado duas vezes ao ano com base na taxa de
inflação, de forma a manter-se em cerca de 25% do salário médio da população
economicamente ativa (PEA). Suplementação adicional é destinada à compra de
medicamentos, ao pagamento de salário de enfermeiro (day care), ao pagamento
de aluguel de moradia, e ao financiamento da assinatura de telefone, o que acaba
dobrando o benefício de aposentadoria.
A pensão é disponibilizada para homens acima de 65 anos e mulheres acima
de 60 anos,7 podendo ser diferida por no máximo cinco anos. O benefício é reduzido
se o valor dos ativos (excluída a moradia própria) atingir um determinado limiar.
Os benefícios são cortados em 0,3% para cada dólar australiano de ativos exce-
dentes ao valor de teste. Os limites em que o corte de benefícios começa a operar
são altos e existe substancial oportunidade de arbitragem quanto à composição da

7. A elegibilidade das mulheres tem sido aumentada gradualmente para 65 anos até 2014.

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 171

riqueza de forma a tornar-se elegível ao benefício. Por exemplo, australianos têm


considerável parcela de seu portfólio em imóveis, o que resulta, em parte, da exclusão
do investimento imobiliário na definição do acesso ao programa de renda mínima
para o idoso.
O valor do benefício (não o acesso, como no programa de renda mínima
irlandês) também é sujeito a teste de rendimentos (earnings test). Benefícios são
reduzidos em 50 centavos para cada dólar que excede determinado valor relativa-
mente baixo. Na Austrália, diferentemente dos Estados Unidos, a redução do
benefício é permanente, o que, por um lado, gera efeitos fiscais positivos, mas por
outro leva a distorções no mercado de trabalho a partir da idade de aposentadoria.
O teste de rendimentos é a principal causa de redução de benefícios na Austrália,
e confere uma característica fortemente redistributiva ao sistema.
Como visto no capítulo 2, programas que contêm apenas um pilar básico
podem estar sujeitos a falhas no mercado de anuidades (annuities), na medida em
que a adesão voluntária a esquemas de previdência privada revelaria uma expecta-
tiva maior de vida. Na Irlanda, como não existe qualquer compulsoriedade em
relação a um segundo pilar, apenas 50% da força de trabalho contribuem para
algum fundo de pensão ocupacional. Na Austrália, em função de baixas taxas de
poupança da economia e baixas taxas de adesão a esquemas voluntários, iniciou-se
na década de 1990 um sistema de contribuições compulsórias mínimas, feitas
diretamente pelo empregador, em uma conta individual em um fundo privado
(superannuation fund) escolhido pelo empregado. Inicialmente, essa contribuição
foi definida em 5% do salário, e foi aumentando até atingir 9% em 2002. Contri-
buições de trabalhadores por conta própria são voluntárias. Em 1995, o grau de
cobertura do sistema atingia 92% da força de trabalho (97% dos trabalhadores do
setor público e 89% dos trabalhadores do setor privado), e era responsável por
5,6% do custo de contratação incorrido pelo empregador.
A indústria de fundos é segregada da indústria de bancos, sendo sujeita a
relativamente pouca regulação. As únicas restrições existentes quanto ao portfólio
das contas individuais referem-se à proibição relativa ao investimento em securities
emitidas pelo empregador que sustenta o fundo, e em relação a investimento no
setor imobiliário, em ambos os casos com a finalidade de forçar diversificação de
risco. Benefícios não estão disponíveis para o beneficiário até 55 anos de idade.
Existe legislação atual propondo o aumento da idade para 60 anos em 2025. Não
existe qualquer restrição sobre a forma de saque do fundo, e tradicionalmente a
forma mais comum tem sido através de um saque único (lump sum) do que estiver
na conta na idade de aposentadoria. O governo tem tentado encorajar as pessoas

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172 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

a sacar os recursos sob a forma de perpetuidades, através de tratamento tributário


preferencial, mas sem qualquer sucesso.
Alguns aspectos do sistema australiano chamam a atenção e merecem dis-
cussão. O sistema australiano de contas individuais é talvez o menos regulado do
mundo. As contas são geridas por instituições privadas, e o portfólio de cada
conta é de escolha do trabalhador. Não existe qualquer restrição quanto à forma
em que o fundo deve ser sacado, e se através de um lump sum ou através de perpe-
tuidades. Ou seja, não há regulação nem quanto à fase de acumulação nem quanto
à fase de saque do fundo.
Qual a quantidade ótima de regulação de um sistema de contas individuais?
Como tal sistema deve ser combinado com garantias de rentabilidade mínima
dadas pelo Tesouro, sem que tais garantias prejudiquem a funcionalidade do sistema
de contas individuais? O mercado de perpetuidades na Austrália é pequeno, e a
maioria dos aposentados escolhe a opção de saque integral de suas contas. Alguns
autores suspeitam que a baixa adesão à perpetuidade seja função da presença de
um forte primeiro pilar. De fato, em países com programas menos significativos
de renda mínima para idoso, não há tanta diferença nas características observáveis
entre pessoas que compram perpetuidades e pessoas que não compram, como em
Cingapura (DOYLE; MITCHELL; PIGGOTT, 2001). Ou seja, ao combinar um programa
público de renda vitalícia com elevado grau de cobertura, com uma política de
laissez faire quanto às regras de saques nas contas individuais, o regulador australiano
encarece substancialmente os produtos anuitizados e induz os agentes a sacarem
de suas contas individuais na forma de lump sum.
Esse fato tem diversas repercussões. Em termos de impactos sobre o bem-
estar, o sistema não exerce a função de proteger suficientemente contra o risco de
vida longa, colocando sobre o governo a responsabilidade de prover nesses casos –
através do programa, ou seja, um caso clássico de risco moral. Adicionalmente, a
presença de critérios de elegibilidade para o programa de renda mínima que inclua
asset tests aos 65 anos de idade incentiva as pessoas a destruir riqueza na forma de
investimentos financeiros, transformando-os em consumo ou em investimento
imobiliário (em grande parte fora do limite, e com tratamento tributário especial)
assim que tenham acesso a saques. Esse é um outro mecanismo pelo qual o pro-
grama de renda mínima estimula os saques na forma de lump sum, transferindo
para o governo o ônus da provisão em caso de vida longa.
O efeito dos substanciais saques nas contas individuais tem sido que o fluxo
líquido de contribuições não aumentou após a instituição da compulsoriedade,
situando-se em torno de 1,2% do PIB (EDEY; SIMON, 1998). No entanto, o estoque

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 173

de ativos dos fundos tem aumentado principalmente em função da elevada rentabi-


lidade real média dos fundos (cerca de 4% ao ano, em média, desde sua criação).
A indústria de fundos é bastante concentrada e existem limitações à migração
entre fundos, com base no argumento de que isso inflaria custos administrativos.
Variedade de produtos oferecidos, número de contas ativas como percentual do
total de contas e outras fontes de diferenciação tornam, contudo, comparações
internacionais extremamente difíceis (MITCHELL, 1998). Porém, podem ser obser-
vados alguns padrões de comparações internacionais entre sistemas semelhantes.
Primeiro, existe um claro trade-off entre liberdade de escolha de fundos e de
composição do portfólio e custos administrativos. Existe evidência em estudos de
casos de que gastos com propaganda puxam os custos administrativos, quando se
permite “excessiva” mobilidade entre os fundos.
Economias de escala na gestão de fundos de pensão fazem com que sistemas de
previdência mais concentrados tendam a apresentar menores custos administrativos.
Cingapura, por exemplo, tem um sistema de contas individuais administrado
inteiramente por uma agência governamental (Central Provident Fund), responsável
pela administração do programa, incluindo a arrecadação das contribuições, o
pagamento dos benefícios e a custódia dos ativos que lastreiam o fundo. Sistema
semelhante é administrado pelo governo da Malásia. Não coincidentemente o
custo de administração nesses dois países gira em torno de 0,2% dos ativos acumu-
lados (EDWARDS, 1998), comparados a 1,5% na Austrália (CLARE, 2001). Contudo,
diferentemente dos superannuation funds, os ativos dos Provident Fund resumem-se
a títulos públicos, o que gera economias substanciais em taxa de administração
mas não permite um melhor matching entre risco e retorno. Conseqüentemente,
tais fundos oferecem taxas de retorno muito baixas.8
A regulação da forma com que saques das contas individuais serão permitidos
é de crucial importância na proteção contra riscos de longevidade. O sistema
australiano ainda está longe do ideal nesse aspecto, na medida em que permite a
opção de lump sum sem qualquer restrição. Em Cingapura, a única opção existente
é a compra de perpetuidade, seja através de uma companhia de seguro de vida
privado, seja através da própria agência governamental que administra as contas
individuais (SSTW, 2004). No Chile, é obrigatória a compra de uma perpetuidade
até o valor de 120% da renda mensal garantida (renda mínima). Dessa forma,
permite-se ao cotista um ajuste, após a aposentadoria, para a proporção ótima de

8. Naturalmente, fundos centralizados estão sujeitos aos mesmos riscos políticos importantes mencionados no caso de sistemas BD
capitalizados, já que a escolha de ativos pode estar sujeita a outros critérios além da maximização do valor presente dos benefícios.

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174 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

renda anuitizada e, mais importante, evita-se que o cotista dilapide seu próprio
patrimônio a fim de tornar-se elegível para o programa de renda mínima (WALLISER,
2000).
Por último, o funcionamento eficiente do mercado de perpetuidades depen-
derá da disponibilidade de títulos de longo prazo indexados à inflação, nos quais
o saldo das contas individuais no momento da aposentadoria possa ser convertido
com baixo custo de transação. Em países desenvolvidos, a evidência de existência
desse mercado é bastante heterogênea, e depende principalmente de o governo ter
parte da dívida pública indexada à taxa de inflação. No Reino Unido, por exemplo,
tais títulos compõem parte substantiva da dívida do Tesouro, ao passo que nos
Estados Unidos títulos públicos nesse formato são praticamente inexistentes. Isso
faz com que o prêmio do seguro contra inflação cobrado no mercado de perpetui-
dades seja em torno de 15% nos Estados Unidos e 10% no Reino Unido. O custo
de proteção contra a inflação será um fator crítico no desenvolvimento de um
mercado de perpetuidades em qualquer país que queira instituir um sistema de
CD eficiente.

7 COMO COMBINAR EFICIENTEMENTE PILARES PÚBLICOS E PRIVADOS?


O Reino Unido é um dos poucos países da Europa, entre aqueles com sistemas de
repartição, que não passa por sérios problemas no seu sistema previdenciário.
Parte disso se deve a uma transição demográfica mais amena do que em outros
países, e ao fato de que a taxa de reposição dos benefícios previdenciários em
relação ao salário médio é relativamente baixa. A análise das tabelas deste capítulo
mostra que a riqueza previdenciária representa somente 7,1 vezes o salário de
contribuição (o menor da amostra de países da tabela 2), e taxa de reposição
média de 47,6%. Por conseguinte, a razão de benefícios como proporção do PIB
é de apenas 4,3%, sendo o menor da amostra de países da tabela 4 que possuem
sistema BD (a Austrália gasta apenas 3% do PIB, mas não possui sistema BD
público). Apesar da baixa taxa de reposição, o sistema público tem elevada taxa de
reposição para indivíduos na linha da pobreza. Considerando-se conjuntamente
o primeiro pilar redistributivo e o segundo pilar BD, a taxa de reposição é de
78,4% para indivíduos ganhando ½ do salário médio da economia, caindo
monotonicamente, e representando somente 30% do salário pré-aposentadoria
de indivíduos que ganham duas vezes o salário médio da economia.
O sucesso inglês pode ser atribuído às reformas feitas na década de 1980,
assim que os primeiros sinais de fadiga do sistema previdenciário começaram a
aparecer. A resposta inglesa à crise do welfare state chamava-se Margareth Thatcher.

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 175

Contudo, o grande mérito da sociedade inglesa foi eleger governantes que optaram
por manter e, mais importante, aprofundar as reformas iniciadas por Thatcher.
O sistema se baseia em um esquema de dois pilares. O primeiro pilar inglês
resulta da composição da Pensão Básica Estatal – Basic State Pension (BSP) – com
a Renda Mínima Garantida – Minimum Income Guarantee (MIG). O segundo
pilar, contudo, é o que há de mais interessante, podendo ser fornecido de forma
concorrente por governo, empregadores, ou por instituições financeiras. Profundas
reformas foram feitas no sistema estatal, que reduziram sua atratividade para indi-
víduos de renda média e alta, mas mantiveram seu caráter de seguro contra
longevidade para pessoas mais pobres. Tanto o primeiro quanto o segundo pilar
estatal são financiados mediante uma contribuição única, a National Insurance
Contribution (NIC).
O primeiro pilar tem dois componentes, o BSP, que é uma parte lump sum
(com fraca dependência da contribuição), e o MIG, uma parte lump sum sujeita a
testes de rendimento. O BSP consiste em uma renda mensal equivalente a cerca
de 15% do salário médio da força de trabalho em 2003, reajustada pela inflação.
O acesso ao benefício máximo depende de contribuições feitas (ou créditos recebidos)
em 90% da vida laboral, o que implica contribuições feitas durante 44 anos para
homens e 39 anos para mulheres (à medida que mulheres passem a se aposentar
com 65 anos, como veremos adiante, a exigência para as mulheres se igualará aos
homens). Contudo, o sistema concede isenção de anos de contribuição, na forma
de créditos, para desempregados, ou doentes, ou inválidos. Também a não parti-
cipação na força de trabalho causada pela presença de crianças em casa recebe
créditos para a aquisição da pensão básica (Home Responsibility Act, 1978). Tony
Blair introduziu, em 1999, o MIG, uma suplementação adicional para pessoas de
baixa renda, cujo valor é de cerca de 20% do salário médio, reajustados pelo
crescimento da massa salarial. Sendo o BSP reajustado pela inflação, a taxa de
reposição em relação ao salário tem caído ao longo do tempo, devido ao cresci-
mento da produtividade do trabalho (nos anos 1980, correspondia a cerca de
20% do salário médio da força de trabalho), enquanto o MIG acompanha o cres-
cimento da produtividade.
O segundo pilar tem passado por importantes transformações depois de Tony
Blair e, por isso, uma breve resenha histórica permite entender melhor sua com-
posição. Foi criada em 1978 uma pensão estatal com base em repartição e BD,
chamada State Earnings-Related Pension Scheme (SERPS). Esta pagava a um in-
divíduo 25% do salário médio, calculado a partir dos melhores 20 anos da vida
laboral. Rendimentos ao longo da vida eram reajustados pela taxa de crescimento

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176 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

da massa salarial até a idade de aposentadoria (60 anos para mulheres e 65 para
homens), e benefícios eram reajustados pela inflação a partir da aposentadoria. Viú-
vas (ou viúvos) poderiam herdar 100% dos benefícios do esposo (ou esposa).
Indivíduos podiam substituir os benefícios do SERPS (contract out) por esquemas
ocupacionais de pensão, desde que estes garantissem pelo menos o valor dos bene-
fícios do esquema estatal. A exigência implicava a impossibilidade de criação de
pensão ocupacional baseada em CD, mas apenas sistemas de BD. Em troca, a
contribuição previdenciária para o governo seria reduzida (a idéia é que financiasse
somente o pilar básico).
Em face dos problemas fiscais decorrentes da configuração original do SERPS,
o período dos governos conservadores (Margareth Thatcher e John Major) foi
marcado por mudanças fundamentais no sistema, caracterizadas por dois objetivos
básicos: reduzir os custos fiscais do sistema público e tornar mais eficientes os
mecanismos privados substitutos. Embora o primeiro objetivo tenha sido larga-
mente alcançado, o segundo foi objeto de importantes correções adicionais por
Tony Blair, sendo ainda causa de preocupações, como veremos.
Em relação às reformas previdenciárias de natureza fiscal feitas no período
dos governos conservadores, as mais importantes foram a) a instituição de reajuste
pela inflação tanto de benefícios quanto dos salários de contribuição ao longo da
vida (Social Security Act ,1980); b) a instituição de um cronograma de dez anos
de aumento da idade de elegibilidade da mulher de 60 para 65 anos, começando
em 2010 (Pension Act, 1995); c) redução dos benefícios do SERPS de 25% da
média dos melhores 20 anos de salários para 20% da média salarial ao longo de
toda a vida laboral, começando em 1999 e sendo gradualmente implementado
por um período de dez anos (Social Security Act, 1986); e d) redução, a partir de
2001, da pensão por viuvez, de 100% para 50% do benefício original (Social
Security Act, 1986). O efeito estimado do corte de despesas com SERPS uma vez
que todas essas provisões estivessem ativas é de cerca de 2/3 dos gastos no nível
prévio à reforma (BLAKE, 2002).
Como um corte fiscal de tanta intensidade conseguiu reunir apoio político
para ser implementado? Por duas principais razões: primeiro, porque foi progra-
mado com cerca de dez anos de antecedência, e, uma vez iniciada, a transição dura
dez anos. O gradualismo diluiu o efeito entre diversas gerações envolvidas, o que
permitiu reduzir resistências. A antecedência reduziu o valor presente da perda de
renda previdenciária para as gerações de eleitores, transferindo parte do ajuste
para não-eleitores (ou, de outro modo, retirou o peso da reforma sobre grupos de
idosos – com forte poder de lobby – para indivíduos de meia-idade, atenuando a

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 177

resistência a reformas). Segundo, porque, ao programar com tanta antecedência


as mudanças no SERPS, um outro conjunto de políticas foi desenhado, objetivando
aumentar a atratividade de esquemas privados de forma que, no momento em que
as reformas realmente começaram, a atratividade do SERPS já era bastante reduzida
para uma fração substancial da população.
A partir de 1999, já na administração trabalhista, o SERPS começa a perder
sua característica contributiva, sendo substituído pela “segunda pensão estatal” –
State Second Pension Scheme (S2P). Depois do grande ajuste fiscal do período
conservador, as reformas de segunda geração de Blair visavam aumentar o foco da
intervenção pública, reduzindo sua atratividade para indivíduos que potencial-
mente poderiam migrar para o sistema privado. Nesse novo desenho, foi eliminada
a vinculação entre contribuição e benefício, fazendo-o um lump sum, como no
caso da BSP. O S2P foi criado para tornar o sistema público menos atraente para
as classes média e alta, e um seguro efetivo contra choques de renda permanente
ao conceder uma elevada taxa de reposição (maior do que a do SERPS) para
indivíduos mais pobres. A taxa de reposição, que era de 20% no SERPS, passa a
ser função da renda, sendo de 40% para indivíduos com renda anual inferior a
£9500 por ano, entre 40% e 20% para indivíduos com benefícios entre £9500 e
£21600, e de 20% para os demais. A partir de 2007, o benefício nominal seria
desvinculado do salário, embora a contribuição permaneça vinculada a este, o que
tornaria a taxa de reposição menor do que 20% para salários mais altos.
O princípio básico da substituição do SERPS pelo S2P foi permitir que
fornecesse o seguro contra vida longa para os pobres, e deixasse que os menos
pobres escolhessem o seguro privado. Assim como no caso das reformas de primeira
geração, Blair seguiu o exemplo bem-sucedido de Thatcher e conseguiu a aprovação
do parlamento graças ao gradualismo das reformas (com dez anos de phase in).
Como já dito, um elemento fundamental da atratividade das reformas foi o
desenho de opções privadas ao esquema estatal que consistiam em melhor match
para as classes média e alta. Desde 1978, já havia provisão que permitia aos
beneficiários optarem por substituir o SERPS por esquemas de pensão ocupacional.
O governo conservador tomou uma série de medidas para aumentar a atratividade
da troca, permitindo a indivíduos trocarem o SERPS por esquemas baseados em
CD (Social Security Act, 1986), na prática suspendendo exigência, que até então
vigorara, quanto à equivalência com o SERPS. Em troca, o governo colocava
parte da contribuição individual no fundo de pensão escolhido, na forma de de-
volução sobre parte da NIC paga (tax rebate). Dado que o pagamento era generoso,
isso gerou uma enorme acumulação dos fundos privados. O governo forneceu

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178 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

bônus especiais na forma de devolução extra de 2% da NIC entre 1988 e 1993, e


a partir de 1993 forneceu incentivos adicionais de 1% para indivíduos com mais
de 30 anos de idade, para desencorajá-los a recontratar o SERPS. O efeito de
todos esses incentivos foi a implementação extremamente onerosa para os cofres
públicos, em um primeiro momento, do sistema privado. O benefício foi a
popularização de tais esquemas.
O sistema privado, que até 1986 era formado somente por fundos
ocupacionais de BD, passa então a constituir-se também de fundos privados orga-
nizados por instituições financeiras – Personal Private Scheme (PPS) –, na medida
em que o governo passou a permitir a migração do SERPS e das poupanças
ocupacionais para contas individuais privadas, sem vínculo ocupacional. O sistema
é fortemente regulado, tendo o fundo ocupacional de se encaixar em um de quatro
tipos,9 e o fundo gerido por instituição financeira precisa se inserir em três formas
alternativas.10
A introdução do segundo pilar privado sofreu toda sorte de problemas rela-
cionados ao elevado custo de administração, aos problemas de risco moral associados
à compra de anuidade, e exigiu criatividade dos policy makers no desenho de me-
canismos regulatórios que ensejassem eficiência. Na introdução das PPSs, em 1986,
uma provisão forçava a compra de uma anuidade no momento da aposentadoria.
Em 1995, essa provisão foi relaxada, ao permitir-se o adiamento da obrigatoriedade
até os 75 anos. Em relação à regulação quanto à fase de acumulação, a talvez
excessiva desregulamentação inicial em relação ao portfólio dos fundos levou à
falência de um importante fundo de pensão. Como resposta, em 1995, o governo
criou um fundo de compensação operado pelo Bureau de Compensação de Pensões, e
passou a exigir limites mínimos de recursos líquidos pelos fundos.

9. O Contracted-Out Salary-Related Scheme (COSRS) é um BD tradicional que deve garantir um benefício pelo menos tão elevado quanto
o SERPS, sendo um sistema remanescente da reforma de 1978. O Contracted-Out Money-Purchase Scheme (COMPS) é um CD que exige
contribuições individuais pelo menos tão grandes quanto o tax rebate governamental decorrente da substituição do SERPS. O Contracted-
Out Mixed Benefits Scheme (COMBS) é um BD que permite uma combinação entre benefícios mínimos e contribuições mínimas para
poder substituir o SERPS. O Contracted-Out Hybrid Scheme (COHS) fornece pensões usando uma combinação de elementos BD e CD. Em
todos esses esquemas, existe provisão para contribuições voluntárias além da regulamentar até determinados limites. Além disso, podem
existir fundos ocupacionais que se constituam como terceiro pilar, desde que desenhado em duas formas alternativas. O Contracted-In
Salary-Related Scheme (CISRS) é um plano BD que fornece uma pensão associada ao salário, em adição a um segundo pilar estatal. Ou
seja, é um clássico fundo de pensão ocupacional como temos no Brasil. O Contrated-In Money Purchase Scheme (CIMPS) é um plano CD
que suplementa a pensão do SERPS.

10. Esquemas de pensão privada administrada por instituições financeiras podem ser de três tipos: o chamado esquema de pensão
pessoal ou Personal Pension Schemes (PPS); o PPS agrupado – tendo sido estes dois primeiros criados sob a gestão conservadora; e a
recente criação de Tony Blair, o Stakeholder Pension Scheme (SPS). O PPS pode ser de dois tipos, a chamada “Appropriate PPS”, que
constitui um esquema no qual o indivíduo não contribui diretamente para a conta individual, e os aportes se resumem ao tax rebate do
governo e à contribuição patronal. Uma segunda conta, com as mesmas características da primeira, é formada dos aportes individuais até
o limite de isenção de rendimentos pela receita federal. O PPS agrupado se trata de uma PPS para empresas com poucos empregados,
que agrupa todas as contas individuais de forma a reduzir os custos administrativos do sistema.

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 179

Nesse âmbito, cabia às reformas de segunda geração do Governo Blair melhorar


o sistema regulatório das pensões privadas e reduzir os incentivos fiscais concedidos
na fase de implantação. Embora o sistema privado seja hoje bastante atraente para
indivíduos de renda média e alta com vínculo empregatício, trabalhadores por
conta própria permanecem sem boas opções além do mínimo garantido pelo pilar
básico. Cerca de 50% dos trabalhadores por conta própria, ou seja, cerca de 5%
da força de trabalho inglesa permanecem tendo somente o pilar básico como fonte
de renda de aposentadoria (exclusive poupança individual). Uma potencial fonte
de rejeição aos esquemas privados geridos por instituições financeiras (única opção
privada para quem não tem vínculo empregatício) é a elevada taxa de administração.
Em 2001, criaram-se as Stakeholder Pensions (SPS), que são arranjos coletivos
formados por qualquer organização social (sindicatos, associações profissionais,
entre outras), instituição financeira, ou empregador. Devem ser esquemas CD, tal
e qual as PPSs, mas têm a vantagem de precisar obedecer a regras referentes ao
nível e à estrutura das taxas de administração, e quanto à portabilidade plena dos
recursos do beneficiário. Além da criação das SPSs, passou-se a permitir que indi-
víduos sacassem, no momento da aposentadoria, 25% dos recursos em conta na
forma de lump sum.
Concluindo, o sistema inglês combina eficientemente esquemas privados e
públicos, e oferece uma larga escala de opções para um bom matching entre poupador
e esquema de pensão. A existência de um primeiro pilar praticamente universal
concede um seguro básico fundamental para reduzir a exposição ao risco resultante
da escolha pelo poupador de um esquema privado. O fato de haver poucas opções
para aposentadoria precoce, com idade de elegibilidade firme em 65 anos, reduz
substancialmente as distorções no mercado de trabalho resultantes dos esquemas
europeus estatais. A relativa portabilidade entre fundos ocupacionais, e principal-
mente a possibilidade de opção de contas individuais CD, conferem flexibilidade
ao mercado de trabalho, reduzindo o custo de mudança de emprego.
O foco das reformas futuras deve ser na direção da racionalização das regras
do pilar básico, em função de duas pensões concorrentes, e principalmente na
direção de tornar mais eficientes as contas individuais de contribuição definida
geridas pelas instituições financeiras.
Por último, e principalmente, a Inglaterra deve ser seguida como exemplo
quanto à forma com que reformou profundamente e de maneira planejada seu
sistema previdenciário. Em cerca de 30 anos, o segundo pilar inglês passou de um
sistema de repartição desequilibrado e com falta de foco, para um sistema equili-
brado e focado. Ao mesmo tempo, tornou o sistema privado ocupacional com-
pulsório o elemento fundamental de sua estrutura previdenciária.

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180 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

8 CONCLUSÃO
Neste capítulo, foi apresentada a experiência de países industrializados com a pre-
vidência social. Regimes são predominantemente de BD não capitalizados, e a
maior parte dos países tem um primeiro pilar redistributivo. Mudanças
demográficas, como o envelhecimento da população, colocam limites na natureza
de repartição da grande maioria dos países. Além disso, esquemas de BD em con-
junto com programas de seguro-desemprego potencialmente distorcem as decisões
de oferta de trabalho de homens e mulheres. Saída precoce da força de trabalho,
combinada com o aumento da taxa de dependência, levará os sistemas
previdenciários à insolvência caso reformas substanciais não ocorram.
A sobrevivência de sistemas de repartição dependerá de algumas medidas
fundamentais. Sem exceção, todos os países analisados aqui tomaram medidas
nos últimos anos que reduzem o desequilíbrio atuarial da previdência. A opção
predominante é pelo corte do valor presente das despesas previdenciárias através
da combinação de: a) aumento da idade de elegibilidade para aposentadoria (como
em Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha); b) indexação dos benefícios
previdenciários pela inflação, e não pela massa salarial (como feito por França e
Inglaterra); c) eliminação da diferença na idade mínima entre homens e mulheres,
como em todos os países da OCDE, com a exceção de Polônia e Suíça; e d)
utilização da inteira vida útil do trabalhador como base de cálculo do benefício, e
não dos últimos anos da vida laboral, como em quase todos os países da OCDE.
Em vez de perseguir o equilíbrio atuarial do sistema como um todo, uma
alternativa que tem sido adotada por alguns países é o aumento do vínculo entre
contribuição e benefício ao nível individual, ou seja, vinculando cada real de con-
tribuição ao direito a um real de benefício, em valor presente. Alguns países têm
tentado vincular contribuição e benefício, mantendo o sistema de BD. Fazem-no
através de um esquema de pontos, como França e Alemanha, e de certa forma têm
fracassado em evitar déficits atuariais. Por outro lado, sistemas atuarialmente jus-
tos têm sido instituídos por Itália e Suécia, através das contas nocionais. Tal opção
implica o abandono do BD e a adoção de CD, pela qual todo ou parte substancial
do risco demográfico é transferido para o “poupador”. Ou seja, na hipótese de má
performance econômica ou demográfica, o corte de despesas com benefícios é
imediato e independe da escolha dos burocratas, do eleitor mediano, ou dos lobbies
dos diferentes grupos envolvidos. O sistema se equilibra automaticamente sem
interferência do processo político.
A não adoção do sistema de repartição tem sido a escolha de uma minoria de
países, como Irlanda e Austrália, que optaram por um pilar básico de renda mínima

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 181

grande o suficiente para proteger os mais pobres na velhice, deixando aos demais
a opção (no caso da Irlanda) ou a obrigação (no caso da Austrália) de poupar para
aposentadoria em um fundo de CD (predominantemente ocupacional). A regulação
inadequada, contudo, pode levar a uma baixa ou excessiva anuitização dos ativos
previdenciários. Na fase de saque dos fundos, a obrigatoriedade de anuitizar parcela
do saldo é fundamental para eliminar problemas potenciais de seleção adversa e risco
moral, como fizeram Inglaterra e Chile (não coberto neste capítulo). A excessiva
liberalidade da Austrália parece estar gerando os problemas para os quais a literatura
teórica nos alerta (vistos no capítulo 2). No outro extremo, a excessiva anuitização,
como em Cingapura, também gera perdas de eficiência importantes. Na fase de
acumulação, a regulação deve atentar para a manutenção de equilíbrio competitivo
na indústria de fundos. Demasiada liberdade de migração pode levar a despesas
excessivas com propaganda e baixas economias de escala, gerando altas taxas de
administração. Liberdade na alocação de portfólio pode ou não levar a ganhos de
eficiência. Problemas de informação assimétrica entre poupador e gestor do fundo
podem acarretar má gestão de riscos e perdas substanciais. A opção por uma
regulação nos moldes do terceiro pilar de Basiléia II (market discipline) para a
indústria de fundos de pensão é potencialmente mais eficiente do que uma regulação
que introduza restrições alocativas. Isso implicaria exigências de grande transpa-
rência por parte dos fundos de pensão em relação às exposições aos riscos. Grandes
lições podem ser extraídas a partir dos estudos de casos e estudos econométricos
feitos com a indústria bancária (por exemplo, BARTH; CAPRIO; LEVINE, 2006).
A experiência da Austrália, embora atraente, não serve de exemplo para o
Brasil, porque eles não tinham previamente um sistema de repartição desequilibrado
quando adotaram o sistema capitalizado. No caso brasileiro, a transição envolveria
sanar os desequilíbrios atuariais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
como primeira etapa, o que certamente exigirá corte de benefícios nos moldes
adotados por todos os países da OCDE. Aqueles que não fizeram corretamente
esse dever de casa, como a França, correm o risco de encarar corte de benefícios
drásticos pela mera insolvência do sistema, ou ter de aumentar a alíquota de con-
tribuição além de níveis já extremamente elevados (o que certamente levará à
estagnação econômica).
Nesse sentido, a lição para o Brasil é cortar as despesas previdenciárias se-
guindo a check list exposta no segundo parágrafo desta conclusão. Instituir uma
idade mínima e aumentá-la gradualmente. Indexar benefícios à inflação, e não ao
salário mínimo, para permitir que ganhos de produtividade da economia não
gerem mais despesas com benefícios, e sim contribuam para equilibrar o sistema.
Eliminar gradualmente a diferença na idade de elegibilidade entre homens e mulheres.

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182 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

Como fazer sem mobilizar grandes resistências das gerações imediatamente


afetadas pelas reformas? A experiência dos países ricos nos ajuda a concluir que
gradualismo e planejamento são as chaves do sucesso, na medida em que diluem
os custos de ajuste entre diversas gerações. Estados Unidos e principalmente
Inglaterra são exemplos nesse caso. A forma como Thatcher planejou para os 20
anos seguintes ao seu governo o ajuste fiscal previdenciário e a forma como Blair
completou-o (com novos ajustes sendo feitos ao longo de dez anos) foram condi-
ção sine qua non para o sucesso das reformas. O formulador político que ignora as
resistências políticas está fadado a fracassar.
Uma vez feito o ajuste fiscal, equilibrando o sistema de repartição, ou mesmo
ao longo do processo, é fundamental gradualmente transformá-lo em um programa
focado no pobre, através de reformas previdenciárias de segunda geração. A falta
de acesso destes a seguros privados justifica intervenção governamental através de
pilar previdenciário universal e com testes de rendimento suficientemente fortes
para desestimular a adesão de indivíduos com acesso a esquemas privados. A trans-
formação do SERPS pelo S2P na Inglaterra é exatamente parte dessa segunda
geração de reformas previdenciárias. No caso brasileiro, o conjunto de reformas
de segunda geração deve compreender a eliminação, na prática, da aposentadoria
por tempo de serviço através da instituição de testes de rendimento (earnings tests)
que cortem substancialmente os benefícios acima de um determinado limiar de renda
não previdenciária, na linha adotada por Inglaterra, Japão e Austrália, entre outros.
O outro esteio das reformas de segunda geração deve ser o desenho de uma
estrutura regulatória que reforce o pilar privado, e assim conceda um opting out
para aqueles que desejem sair do sistema estatal de BD. A existência de um sistema
privado eficiente, com diversas opções de risco-retorno para o poupador, reduz
também as resistências a alterações paramétricas profundas no sistema BD estatal.
Em função da elevada informalidade no mercado de trabalho brasileiro, pensões
ocupacionais não terão a importância que têm em países como Austrália e Inglaterra.
Nesse caso, a compulsoriedade de poupança previdenciária deve incluir também
fundos de pensão abertos, além dos ocupacionais. Cabe sublinhar que a regulação
nesse caso é o segredo do sucesso. Incentivos fiscais também podem ser importantes
para criar atratividade pela opção privada, e foram muito bem-sucedidos nos países
que fizeram desses incentivos instrumentos de subsídio a uma indústria nascente
(como nos Estados Unidos, no caso dos IRAs e dos 401Ks) e da Inglaterra. No
entanto, tais incentivos devem ser gradualmente abandonados na medida em que
a indústria de fundos se dissemine (com cronograma estabelecido em lei comple-
mentar, no ato da criação deles, para evitar que resistências futuras impeçam o fim
dos incentivos).

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SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 183

Uma vez que práticas prudenciais sejam adotadas pela indústria de fundos
de pensão, plena liberdade alocativa deve ser concedida. Diversidade de opções de
risco e retorno é sempre bem-vinda, desde que poupadores tenham noção clara do
trade-off existente entre o primeiro e o segundo. Tal liberdade deve inclusive permitir
que indivíduos que decidam sair do sistema estatal possam escolher entre sistemas
de CD, de BD ou uma combinação desses dois tipos. A liberdade alocativa da fase
de acumulação de fundos não deve ser inteiramente transportada para a fase de
saques, em que um componente obrigatório mínimo de anuitização deve ser parte
integrante do desenho regulatório, como as experiências chilena e inglesa mostraram.
Países industrializados estão sofrendo agora as conseqüências de substanciais
aumentos na taxa de dependência de seus sistemas de repartição. O Brasil sofreu
choque dessa natureza após a Constituição de 1988, e está por sofrer outro de
magnitude semelhante em função do envelhecimento de sua população. Uma
reforma profunda deverá reduzir as distorções nos mercados de trabalho e de
capitais decorrentes da previdência brasileira. Um futuro sistema deverá ser mais
bem focado e mais eficiente do que o atual, dirigindo recursos públicos para quem
realmente precisa. As reformas serão profundas, e seu impacto redistributivo criará
resistências. O gradualismo e a antecipação serão ferramentas essenciais para
contorná-las, como ensina a experiência inglesa. A coragem para enfrentá-las exigirá
maturidade política dos Poderes Legislativo e Executivo. O bônus virá na forma
de um Estado mais leve e uma economia mais dinâmica.

REFERÊNCIAS
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184 SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

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CAPÍTULO 5

REFORMA DA PREVIDÊNCIA NOS PAÍSES EM


DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO*

Milko Matijascic**

1 INTRODUÇÃO
A organização de sistemas previdenciários nos países em desenvolvimento nunca
atingiu a abrangência em termos de cobertura que foi observada nas sociedades da
Europa ocidental e nórdica. Nesses países a cobertura virtual é de 100% para os
riscos de idade avançada, invalidez, morte prematura e desemprego, enquanto em
países como os da América Latina essa cobertura oscila entre 25% e 65% da
População Economicamente Ativa (PEA), dependendo das condições econômicas
locais e da legislação vigente. Os níveis mais baixos de rendimento, conjugados a
situações de ocupação precárias e relações instáveis de trabalho, sempre represen-
taram um desafio no sentido de promover transferências regulares de recursos
para fins de contribuição (MERRIEN; PARCHE; KERNEN, 2005).
Nesse cenário, a conseqüência inevitável é que as finanças dos sistemas
previdenciários tendem a ser frágeis, ainda que os níveis de cobertura populacional
sejam restritos. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL, 2006), a irregularidade da trajetória profissional, associada às flutuações
econômicas intensas, não conseguiu criar condições de estabilidade. Em geral, a
organização da previdência esteve longe de poder conceder uma reposição de renda
suficiente ao trabalhador num contexto de deficiências estruturais das economias

* O autor gostaria de agradecer a Maurício Coutinho, François Merrien, Lena Lavinas, Fabio Giambiagi e Paulo Tafner pelos amplos e
detalhados debates que envolveram a elaboração do presente texto e os estudos referentes às reformas da previdência no Brasil e na
América Latina. As idéias aqui expostas refletem muito desse amadurecimento intelectual ao longo dos últimos anos. Sem a colaboração
de Stephen Kay e Monica Ospina, o estudo não teria sido viável. Este trabalho utiliza muitos argumentos e indicadores expostos
anteriormente em Matijascic (2002), Matijascic e Kay (2006; 2007) e Matijascic, Ospina e Kay (2007). Este texto é uma versão corrigida
de capítulo de livro sobre reforma da previdência, apresentado ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A presente formula-
ção analítica e de estrutura e argumentação e a forma como os dados foram citados e apresentados são de responsabilidade exclusiva
do autor.

** Professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisol).

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186 MILKO MATIJASCIC

e das sociedades do mundo em desenvolvimento, pouco importando a qualidade


da gestão e da estrutura institucional existente.
Diante das dificuldades, que existiram por toda parte, mas tiveram um caráter
mais pronunciado nos países em desenvolvimento, com especial destaque para a
América Latina, as propostas de reforma passaram a proliferar. Essas propostas
tinham em comum aumentar a parcela gerida pelo mercado junto ao complexo
previdenciário, conter custos e criar mais obstáculos para o acesso aos benefícios,
conforme definiu Pierson (2000).
A metamorfose de sistemas públicos de repartição – baseados na solidariedade
entre gerações – para sistemas operados através do mercado – com múltiplos gestores
e organizados em regimes financeiros de capitalização baseados em contas indi-
viduais –, ainda que cubra somente uma parcela da proteção previdenciária, foi o
foco do debate.1 Essa mudança de abordagem parecia ser inovadora, pois os con-
tribuintes teriam de adotar uma postura mais responsável em relação a seu
futuro, sem recorrer à demagogia que caracterizou a legislação de vários países,
cujas regras estimularam comportamentos oportunistas (free riding). Além disso,
as propostas pareciam superar as dificuldades administrativas que foram repudiadas
pela opinião pública (MADRID, 2003).
Antes de tudo, é preciso destacar que seria impossível apresentar a essência
de todas as reformas nos países em desenvolvimento. Mesmo as abrangentes bases
de dados da Associação Internacional de Seguridade Social (Aiss) não conseguem
apresentar resultados completos, atualizados, uniformes e, sobretudo, comparáveis.
Por outro lado, a própria definição do que é um país em desenvolvimento
costuma ser complexa e estar sujeita a controvérsia em termos conceituais. Mais im-
portante, porém, é que esse grupo de países é muito heterogêneo em termos eco-
nômicos, sociais e culturais, sendo difícil comparar situações que apresentam tantas
disparidades. A título de exemplo, os países da América Latina possuem sistemas
de proteção social abrangentes, que, sob o prisma formal e jurídico, inspiraram-se
nos modelos da Europa ocidental. A diferença se concentra na cobertura e na
população que consegue cumprir as regras previstas. Por outro lado, as sociedades

1. A afirmação trata dos pólos antagônicos, conforme assinalou a Cepal (2006). Essa abordagem se justifica para permitir a análise
teórica e a compreensão dos modelos. Entre os pólos assinalados existem inúmeras alternativas que conjugam essas modalidades em
diferentes pilares. Vale registrar que as reformas paramétricas foram afetadas pelas novas concepções com a criação da capitalização
escritural, ou notional defined accounts (NDC), em que o valor do benefício vai depender do total de contribuições, corrigidas por índices
de preços, renda e/ou salários, acrescidas de um juro atuarial arbitrado por legislação. Mas, conforme apontou Cichon (1999), essa
modalidade é uma forma renovada de regime financeiro de benefícios definidos, pois a regra de fixação do valor das aposentadorias não
dependerá do comportamento da conta individual em relação às oscilações de mercado. Ela dependerá do esforço para contribuir e de
uma taxa de retorno arbitrada por lei, seguindo os preceitos do seguro social clássico.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 187

da África central possuem níveis de rendimento muito reduzidos e sofrem sérias


limitações para oferecer garantias sociais aos seus cidadãos (MERRIEN; PARCHET;
KERNEN, 2005).
Para contornar o problema e apresentar resultados que possam ser analisados e
que sirvam de exemplo para o Brasil, o presente estudo tenderá a se concentrar em
grandes países da América Latina daqui em diante, ou seja, Argentina, México e
Colômbia. O Chile, que não é tão extenso e populoso, foi integrado a esse rol por
ser o pioneiro das reformas, servindo de inspiração para os demais países. O Brasil
também será analisado, com freqüência, na condição de contraponto enquanto
reforma paramétrica em país em desenvolvimento. A presença de países em tran-
sição ou da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
também será considerada ao longo do estudo. Embora parte dessas sociedades
possa não integrar o rol dos países em desenvolvimento, as reformas do tipo
paradigmático também tiveram importante papel e apresentam interesse para fins
analíticos. Assim, o estudo, infelizmente, precisa ser um tanto heterogêneo e não
sistemático quanto às datas de publicação de dados e indicadores e no que diz
respeito ao elenco de países que são abordados a cada momento, considerando a
baixa disponibilidade de informações, sobretudo daquelas que permitem comparar
os dados através do tempo. Essa liberalidade deverá ser compensada por dados
capazes de aprofundar o volume de informações disponíveis para fins de análise.
Para fazer um balanço das reformas, é necessário cumprir algumas etapas:
É preciso entender as reformas paradigmáticas ou estruturais e as do tipo
paramétrico ou não-estrutural.
Compreendendo o panorama geral e os argumentos utilizados, é possível
observar de que modo as reformas se processaram e quais foram os seus principais
resultados em termos de melhoria da gestão, cobertura de contribuintes e
beneficiários, e resultados fiscais.
É preciso, ainda, explorar as relações das reformas com questões econômi-
cas e sociais, como as relativas a poupança, mercados de capitais e panorama da
ocupação dos trabalhadores. Esses elementos foram considerados cruciais nos anos
1980 e 1990 para o sucesso da empreitada e não podem ser omitidos no debate
atual.
Por fim, serão analisadas as discussões mais recentes, as contribuições de
estudiosos acadêmicos e de instituições internacionais e seus possíveis desdobra-
mentos para empreender a transformação das reformas.
Ao final, será apresentada uma síntese conclusiva.

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188 MILKO MATIJASCIC

2 MODELOS DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA


A compreensão das reformas requer que o analista separe a proteção dos riscos de
perda da capacidade de trabalho em pilares – segundo a terminologia disseminada
pelo Banco Mundial (1994) e atualizada por Holzmann e Hinz (2006) – ou ca-
madas, adotadas desde meados da década passada em estudos da Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Os pilares ou camadas se justapõem e fornecem
proteção por faixas de rendimento. Quanto maior for a faixa de rendimento, mais
elevado o pilar ou a camada que atende um determinado indivíduo. Seria possível
destacar os seguintes pilares ou camadas, embora existam muitas variações de
acordo com as diferentes proposições:
0, conferido ao pagamento de benefícios sem contrapartida contributiva,
possuindo um caráter assistencial e focalizado ou universal com valor fixo (flat rate);
1, destinado aos rendimentos de base e incentivando a solidariedade e a
fixação dos valores das aposentadorias segundo regras previsíveis e que não dependam
da dinâmica dos mercados. Essa é a modalidade mais comum de previdência no
cenário mundial;
2, baseado em regimes financeiros de contribuição definida e na sistemá-
tica de contas individuais, a filiação pode ser ou não compulsória, dependendo do
tipo de reforma adotada por cada país; e
3, com regras similares ao pilar 2, mas cuja adesão é voluntária e se destina
basicamente a elevar o valor dos rendimentos quando da passagem para a inatividade.
A composição dos sistemas de aposentadorias não pressupõe a existência
obrigatória dos pilares assinalados e, na verdade, a quase totalidade dos complexos
previdenciários nacionais não dispõe de todas essas modalidades de forma simultânea.
A despeito de algumas qualificações sem relevância analítica, a literatura in-
ternacional classificou as experiências recentes de reforma da previdência em duas
vertentes: as paradigmáticas ou estruturais e as paramétricas ou não-estruturais.
Nas propostas de reformas paradigmáticas, existem:
o pilar 0, em que algumas experiências prevêem a concessão de benefícios
assistenciais para aliviar os efeitos da pobreza na terceira idade, mediante a realização
de testes de meios;
o pilar 1 ou camada que subsidia quem contribuiu e não consegue, respei-
tando as regras vigentes, garantir um piso no valor das aposentadorias;
o pilar 2, que possui múltiplos administradores que concorrem entre si,
segundo as regras de mercado, para atrair segurados, planos de contribuições

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 189

definidas e um regime de capitalização plena e individual. Os benefícios têm valor


correspondente ao total de contribuições efetuadas e à expectativa condicional de
vida no momento da aposentadoria; e
o pilar 3, que opera como o 2, mas as contribuições para essa faixa de
rendimento são voluntárias.
As propostas de reformas paramétricas mantêm a sistemática tradicional,
prevendo a filiação compulsória a um sistema público baseado, em geral, em be-
nefícios definidos e na solidariedade entre gerações, podendo haver adesão volun-
tária à previdência complementar em regime financeiro de capitalização que pode
ou não se basear em contas individuais. No caso da previdência complementar, é
possível, ainda, contar com recursos transferidos pelos empregadores e adotar planos
de benefícios definidos, revelando que existem variadas combinações para organizar
um sistema de previdência. A reforma do tipo paramétrico se limita, portanto, a
modificar as condições de acesso a benefícios, alíquotas de contribuição e outras
medidas similares, não alterando o contexto jurídico-institucional existente na
fase anterior às reformas.
O quadro 1 apresenta algumas das características essenciais de cada tipo de
reforma para facilitar a compreensão do objeto de estudo.
É preciso destacar que, em geral, as reformas paradigmáticas incluem, em
seu processo, uma série de medidas de caráter paramétrico (quadro 2).
Assim, as mudanças do tipo paradigmático exigem a inclusão de reformas
do tipo paramétrico. A gestão via mercado, e que se baseia na constituição de uma
conta individual, não prescinde da mudança de parâmetros, como tempo de con-
tribuição, piso de benefícios ou mesmo prazo de carência, para ser viável. A dife-
rença entre as duas abordagens de reforma reside no fato de as do tipo paramétrico
se limitarem à mudança nas variáveis previstas pela legislação, ao passo que as
reformas paradigmáticas prevêem a ação do mercado na condição de gestor de um
modelo puro de contribuições definidas enquanto regime financeiro. O presente
estudo se concentrará, daqui em diante, nas ações de proteção contra os riscos
envolvidos em relação à idade avançada, mas, é importante destacar, o movimento
de reformas atingiu todos os tipos de benefícios.

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190 MILKO MATIJASCIC

QUADRO 1
Estrutura previdenciária segundo a abordagem de reforma
Características Paradigmáticas Paramétricas
Compulsório para todos os Não introduz. Pode introduzir NDC –
Pilar de capitalização e contas
trabalhadores em similar ao fator previdenciário do
individuais
determinada faixa de renda Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
Estatal (pode não existir) Estatal (se existir). Pode ser separada
Gestão de benefícios assistenciais
Separado da previdência ou conjunta
Fiscaliza e pode gerir fundos Fiscaliza e pode gerir fundos
Papel do Estado após as reformas
Regulamenta Regulamenta
Em separado, pilares 2 e 3
Riscos de invalidez e morte
(seguradoras) Em conjunto em todas as situações
prematura
Em conjunto no pilar 1
Gestão tende a se dar com
Riscos de acidentes de trabalho Em conjunto na maioria das situações
instituições específicas
Impostos, pilar 1 Impostos e contribuições de empregados
Fontes de financiamento Descontos dos rendimentos dos e patrões no pilar 1
segurados nos pilares 2 e 3 Segurados e patrões nos pilares 2 e 3
Repartição, pilar 1, e capitalização Repartição, pilar 1, e repartição ou
Regime financeiro
no 2 e no 3 capitalização nos demais pilares
Benefícios definidos, pilares Benefícios definidos, pilares 0 e 1, e
Planos de benefícios 0 e 1, e contribuições definidas contribuições definidas em 3 (não existe
em 2 e 3 pilar 2)
Estatal, com tendências à criação Estatal, geralmente exercida diretamente
Regulação
de agências específicas pelo Estado ou através de autarquias
Custo de transição Pago pelo Estado Não aplicável
Fonte: Matijascic (2002).

QUADRO 2
Mudanças nos parâmetros de aposentadoria para benefícios por idade em países
a
selecionados

Idade de aposentadoria Alíquotas de contribuição Período mínimo de contribuição


Países
Antes Depois Antes Depois Antes Depois

Argentina 55/60 anos 60/65 anos 27 27 20 anos 30 anos

Chile - 60/65 18,8-20,7 10 - 10 (assalariados)

500 semanas
México 65 65 15,5 16,5-21 25
(aprox. 9,5 anos)

500 semanas Mil semanas


Colômbia 55/60 57/62 8 13,5-14,5
(aprox. 9,5 anos) (aprox. 19 anos)
Fonte: Madrid (2003).
a
Ao apresentar dois resultados separados por “/”, o primeiro se refere às mulheres e o segundo aos homens.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 191

3 DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS REFORMAS PARADIGMÁTICAS


Quando se trata de reforma do tipo paradigmático, é preciso assinalar que nem
todas são uniformes, e as diferenças merecem destaque. Conforme aponta Madrid
(2003), as reformas da América Latina devem considerar as seguintes variáveis:
incentivo ao aumento da poupança e ao aumento da disponibilidade de
recursos para serem utilizados nos mercados de capitais;
influência de instituições multilaterais; e
a solidez do partido que se encontra no governo e a importância política
dos grupos que se opõem às reformas previdenciárias do tipo paradigmático.
Nesse sentido, as reformas podem ser alinhadas como uma trajetória vertical,
partindo daquelas com mais influência do mercado na organização institucional
até aquelas em que essa presença é menor. No entanto, para fins analíticos, os
estudos costumam destacar três grupos definidos (clusters),2 segundo a definição
da Federação Internacional das Administradoras dos Fundos Previdenciários (Fiap)
– Federación Internacional de Administradoras de Fondos de Pensiones – (2007),
ou seja:
Único, em que as reformas criam novos sistemas e encerram as atividades
dos sistemas preexistentes. A manutenção do sistema público atende os antigos
segurados que não aderiram às novas regras;
Misto em concorrência, em que o antigo sistema público é reformado em
termos paramétricos e passa a concorrer com o novo sistema gerido segundo os
princípios das reformas paradigmáticas; e
Misto integrado, em que o antigo sistema representa um pilar ou camada
distinto de outro que adota os princípios das reformas paradigmáticas. Ambos,
porém, operam de forma integrada.
As principais características das reformas paradigmáticas estão no quadro 3.
Partindo do quadro 3, é possível observar que um determinado tipo de re-
forma3 pode ter atingido países com situações econômicas, sociais e culturais muito

2. A maioria dos estudos vem adotando a terminologia proposta por Mesa-Lago (2004), que propõe outra taxonomia para as reformas
paradigmáticas (estruturais, segundo o autor), considerando-as como substitutivas, paralelas ou mistas. Em outras palavras, a reforma
não é considerada em si, mas é defrontada em relação à situação que foi legada pelo antigo sistema, que, em geral, se baseava na
solidariedade entre gerações e na gestão pública. Essa opção de uma classificação por oposição não revela o grau em que o sistema
passou a ser dominado pelas ações via mercado nem, por conseguinte, como um cidadão pode ser protegido sem depender do mercado.
A abordagem de Mesa-Lago vai de encontro às tendências internacionais em termos mais modernos de análise do Estado de Bem-Estar
propostas por Esping-Andersen (1991), em que o papel reservado ao mercado é o foco da classificação.
3. Mas, vale destacar, algumas das reformas criam sistemas baseados em contas individuais para o setor público, e a maioria das reformas
buscou homogeneizar as regras com aquelas destinadas aos demais segmentos da população.

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192 MILKO MATIJASCIC

QUADRO 3
Características essenciais das reformas paradigmáticas e grupos cobertos
Países Ano de vigência Tipo de sistema Benefício assistencial Grupos populacionais focalizados

Chile 1981 Único Focalizado Exclui militares e policiais

Peru 1993 Concorrência Não Exclui militares e policiais

Argentina 1994 Integrado Focalizado Exclui servidores públicos

Colômbia 1994 Concorrência Somente piso Somente iniciativa privada

Uruguai 1995 Integrado Focalizado Somente iniciativa privada

Bolívia 1997 Único Focalizado

México 1997 Único Não Exclui serv. públicos e benefícios de risco

Cazaquistão 1998 Único Universal Somente novos contribuintes

El Salvador 1998 Único Somente piso População até 36 anos

Hungria 1998 Integrado Somente piso Obrigatório até 42 anos de idade

Polônia 1999 Integrado Somente piso Obrigatório até 30 anos. Exclui mais de
50 anos

Costa Rica 2000 Integrado Universal Exclui servidores públicos

Letônia 2001 Integrado Universal Obrigatório até 30 anos

Bulgária 2002 Integrado Universal

Croácia 2002 Integrado Universal Exclui maiores de 50 anos

Estônia 2002 Integrado

Panamá 2002 Integrado Somente servidores públicos

Kosovo 2002 Único Universal

Federação Russa 2003 Integrado Universal

República 2003 Único Universal


Dominicana

Lituânia 2004 Integrado Não

Índia 2004 Único Somente servidores públicos

Eslováquia 2005 Integrado Somente piso Novos segurados

Macedônia 2006 Integrado Somente piso

Nigéria 2005 Único

Nicarágua (2002) Único Somente servidores públicos

Brasil (2003) Integrado Focalizado Somente servidores públicos

Ucrânia (2006) Integrado Somente piso Servidores públicos


Fontes: Fiap (2007) e Aiss (base de dados).

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 193

diferentes entre si e, ao mesmo tempo, que as questões de vizinhança exercem um


efeito difusor que não deve ser menosprezado, conforme foi apontado por Madrid
(2003). Por outro lado, a existência de benefícios assistenciais não é adotada de
maneira uniforme, e a focalização é uma tendência que requer atenção.
De todo modo, conforme apontou o Independent Evaluation Group (IEG)
(2006), do Banco Mundial, essa questão ainda é bastante incipiente em termos de
debate, e isso parece ser especialmente verdadeiro nos países que optaram por
reformas do tipo paradigmático, embora as reformas do tipo paramétrico nem
sempre contenham um pilar 0. Por fim, a exclusão de um determinado contin-
gente de trabalhadores pode até ser justificável por questões de idade e facilidade
gerencial. No entanto, a freqüente exclusão dos servidores públicos e dos policiais
e militares, em particular, deixa entrever que a heterogeneidade da cobertura não
foi superada.

4 BALANÇO DAS REFORMAS: JUÍZOS AUTOCRÍTICOS


As reformas do tipo paradigmático prometiam oferecer custos administrativos
menores, aumentar a base de contribuintes e beneficiários e reduzir os custos
financeiros previstos com aposentadorias e pensões, ao adotar contribuições defi-
nidas e contas individuais. Conforme será verificado a seguir, os resultados não
superaram os problemas tradicionais, no caso das reformas paradigmáticas ou das
reformas paramétricas.
A revisão do posicionamento do Banco Mundial sobre as reformas da previ-
dência e sobre as limitações das propostas centradas em contribuições definidas e
contas individuais é um marco para o debate internacional recente. Gill, Packard
e Yermo (2005), Holzmann e Hinz (2006) e, recentemente, o IEG (2006), com-
posto por técnicos e consultores externos do Banco Mundial, assumiram um
posicionamento mais cauteloso em relação às propostas do banco (1994) que
recomendavam e estimulavam a adoção da abordagem paradigmática (ou
multipilar, segundo sua nomenclatura interna) para a maioria das situações.
Entre as qualificações do IEG (2006, p. 66-67), existem críticas como:
os custos foram muito elevados e a concorrência não operou como o previsto;
as comissões muito elevadas degradaram o valor dos benefícios;
a redução do valor das alíquotas incidentes sobre os salários não resultou
em aumento do contingente de contribuintes ou de beneficiários;
a poupança não aumentou ad hoc e não levou à retomada da atividade
econômica; e

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194 MILKO MATIJASCIC

os mercados de capitais continuaram com baixos níveis de capitalização e


foi mantida a concentração do portfólio em títulos emitidos pelo Estado.
Partindo do IEG (2006), é possível afirmar que existe um juízo crítico sobre
as ações empreendidas pelo Banco Mundial ao efetuar empréstimos destinados à
reforma da previdência (quadro 4). A crítica central conclui que as reformas não
conseguiram romper com os problemas existentes antes da promoção dessas mesmas
reformas, a despeito das promessas feitas quando de sua entrada em vigor, segundo
assinalaram Cepal (2006), Informe del Consejo Asesor Presidencial para la Reforma
del Sistema Provisional (Icap) (2006), Stiglitz e Orszag (1999) e Barr (2001). Não
foi proposto um receituário alternativo, como ocorreu com o Banco Mundial (1994).
As conclusões do IEG (2006)4 apontam as principais recomendações para
que, no futuro, o Banco Mundial possa:
dar maior atenção às reformas paramétricas, elevando a rede de segurança
básica para evitar a pobreza;
criar diretrizes para uma assistência focalizada nas necessidades dos países
que recebem ajuda; e
aumentar a assistência técnica para garantir a qualidade em matéria de
resultados.

QUADRO 4
Banco Mundial: problemas pendentes após conceder apoios à reforma da previdência

Problemas pendentes Países

Baixa cobertura Cazaquistão, Quirguistão, Peru, Argentina (declinando), Rússia (declinando)

Não consegue aliviar a pobreza Bulgária (mulheres), China, México, Rússia, Uruguai

Déficits fiscais persistentes Argentina, Bolívia, Brasil, Coréia (longo prazo), Uruguai

Problemas atuariais Quirguistão, Uruguai, México (necessita de modelo mais consistente)

Setor financeiro reduzido Bulgária, China, Macedônia, Rússia, Uruguai

Comissões muito elevadas Hungria, Peru

Sistemas de previdência adicionais México, Peru

Benefícios de valor elevado Brasil, Peru

Apoio técnico lento e ineficaz Hungria, Lituânia


Fonte: IEG (2006, p. 70).

4. O Chile não foi analisado pelo IEG (2006) por não ter necessitado de empréstimos para promover as reformas.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 195

Outro documento de grande importância foi lançado pelo governo do Chile.


Trata-se do Icap (2006). Vale sublinhar que o Chile foi pioneiro das reformas
paradigmáticas. O Icap (2006, p. 5) colocou em destaque as fragilidades do mo-
delo:

No obstante estas realidades, muchas trabajadoras y trabajadores no ven actualmente en la previsión


social una fuente de seguridad futura. Ya sea por desconocimiento, imprevisión o por la urgencia de
resolver necesidades más inmediatas, muchos trabajadores han ahorrado poco o nada a través del
sistema de pensiones. Otros tienen dudas sobre la magnitud real de los fondos de que podrán disponer
para su jubilación o sobre el apoyo que les podría dar el estado para complementarlos. Para estas
personas, la previsión no está asegurando que al llegar la vejez se podrán mantener los niveles de vida
o evitar la pobreza. En estas circunstancias, algunos piensan que podrían contar con otros recursos
personales, familiares o patrimoniales para enfrentar la vejez, o que aún podrían hacer un buen negocio
que les genere ahorros suficientes, pero muchos optan también por no pensar en el futuro.
Contrariamente de lo que se espera de la previsión, para muchos chilenos ésta no está ayudando a
reducir la inseguridad respecto del futuro.

Em termos mais essenciais, o documento:


Reconhece que a metade dos trabalhadores não terá acesso a aposentadoria
mínima. A comissão recomenda um benefício solidário que atinja ate 60% da PEA.
Prevê medidas para aumentar a concorrência e baixar custos, estimulando,
mais especificamente, a terceirização de funções administrativas e descontos de
cobrança para grupos dos trabalhadores associados.
Diante da profusão de documentos que tratam da temática, seria possível,
inclusive, afirmar que os consensos foram alterados. No entanto, para entender
melhor os problemas, é necessário evocar alguns dos resultados das reformas da
previdência, sejam elas estruturais ou paramétricas, para ter uma medida adequada
do esforço necessário para reconstruir os fundamentos da proteção social aos reais
desafios impostos pelas mudanças em curso no mundo do trabalho.

5 RESULTADOS OPERACIONAIS DAS REFORMAS DA PREVIDÊNCIA


Os resultados das reformas frustraram parte das expectativas dos reformadores
quando o assunto se refere às ações operacionais dos sistemas de previdência. Para
entender melhor a temática, a presente seção analisará os problemas referentes à
gestão de fundos e à cobertura da PEA e da população com 65 anos ou mais, e
abordará, de forma sumária, questões relativas ao financiamento.
A concorrência entre os fundos previdenciários que adotaram a sistemática
de contas individuais não baixou os custos de gestão. Esses custos são muito elevados

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196 MILKO MATIJASCIC

e diminuem a rentabilidade final das contas individuais de cada trabalhador. Prova


disso é que a rentabilidade média dos fundos do Chile entre 1982 e 2003 foi de
11% ao ano (a.a.), mas, deduzidas as comissões e as despesas administrativas, o
valor atingiu a cifra de 5,3% a.a. A tabela 1 apresenta os custos que incidem sobre
o total de contribuições, excluídos os recursos destinados à cobertura de quaisquer
riscos e as taxas de transação para a negociação de ativos dos respectivos fundos.
É preciso mencionar que, segundo Gill, Packard e Yermo (2005), um total
de 25% de cada conta, em média, foi destinado ao pagamento dos diversos custos
de transação ou custódia entre títulos e valores mobiliários, e isso reduz o valor
das aposentadorias.
Um exercício elementar de projeção financeira demonstra que o total de
custos de gestão e transação não pode ultrapassar a barreira de 2%, sob pena de
tornar a sistemática de contas individuais inviável para prover cobertura contra a
perda de capacidade de trabalho. A persistência dessa situação atual requer taxas
de retorno cada vez mais elevadas para os ativos que dão lastro às contas individuais
típicas das reformas paradigmáticas, o que inibe os investimentos produtivos quando
se considera a eficácia marginal do capital nos termos formulados por Keynes na
Teoria Geral.
O resultado concreto desse cenário é que a taxa de reposição, ou seja, o valor
das aposentadorias em relação ao rendimento dos contribuintes, foi estimada em
cerca de 40% para quem participa regularmente do sistema, quando o ideal seria
de 65%, considerando as estimativas da OIT (2002). Pior ainda, entre 40% e
50% da população não receberá aposentadorias, por não poder cumprir as regras
mínimas, e 10% receberão somente o piso fixado pelo governo, segundo o Centro
de Estudios Nacionales de Desarrollo Alternativo (Cenda) (2004), conforme aponta
a tabela 2 para o Chile.
Entretanto, o problema da gestão também afeta de forma dura os países da
América Latina que realizaram reformas do tipo paramétrico. A tabela 3 apresenta

TABELA 1
Custos administrativos sobre recursos destinados às contas individuais
(Em %)

Ano Argentina Colômbia Chile México Polônia

1999 31,6 16,3 17,6 31,0 n.d.

2006 27,9 15,1 9,9 29,2 7,4


Fonte: Fiap.
n.d. = não-disponível.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 197

TABELA 2
Previsão de cobertura percentual prevista para a aposentadoria da PEA do Chile – 2002

Não receberão nada Receberão o piso Receberão mais que o piso

40 a 50 10 40 a 50
Fonte: Cenda (2004).

TABELA 3
a
Custos administrativos sobre recursos destinados aos sistemas previdenciários
(Em %)

Brasil Guatemala Honduras Panamá

1,6 16,4 24,5 4,6


Fonte: Sistemas nacionais apud Mesa-Lago (2004).
a
Os dados referentes ao Brasil não condizem com os apresentados por Matijascic (2002) e pelos Boletins de Políticas Sociais do Ipea. Mas, de
fato, o Brasil apresenta melhores resultados que os demais, com valores que representam cerca de 4%.

dados para alguns países, e os resultados revelam valores elevados em demasia para
um sistema elementar de distribuição de recursos.
Havia a expectativa de que uma redução nas alíquotas incidentes sobre a
folha salarial, associada à concorrência entre administradoras de fundos de pensão,
pudesse elevar o patamar de contribuintes quando comparado à PEA. Isso não
ocorreu, segundo o gráfico 1, baseado em dados do Banco Mundial.5 A apresentação

GRÁFICO 1
Proporção de contribuintes para a previdência sobre a PEA – 1980-1999
(Em %, valores aproximados)
70

60

50

40

30

20

10

0
Argentinaª Brasil Bolívia Chile Colômbia México Venezuela

Fonte: Gill, Packard e Yermo (2005).


ª Para a Argentina,dados de 1987-1999.

5. Os dados aqui apresentados nos gráficos 2 e 3 não foram objeto de análise metodológica por parte de seus autores. Assim, parte
desses dados pode não coincidir com os indicadores correntes de cada país. De qualquer maneira, esses dados apontam para as
tendências ao longo de duas décadas, e a discrepância metodológica porventura existente em relação aos dados de um país, sempre
necessária para compatibilizar diferentes experiências, não inviabiliza a análise, pois permite apontar as tendências. É essa motivação
que tem induzido inúmeros autores, como a Cepal (2006, p. 130), a reproduzir tais resultados para dar suporte à sua análise sobre as
mudanças na América Latina. Vale registrar, por fim, que esses dados não foram contestados até o momento.

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198 MILKO MATIJASCIC

de dados se limita a 1999 porque a maioria dos países não divulga com regularidade
os indicadores referentes à cobertura de seus sistemas previdenciários ou, ainda, adota
indicadores não compatíveis com esse tipo de referencial (benchmark). Nesse caso,
novamente, vale registrar que a evolução aferida em países que promoveram reformas
do tipo paramétrico não apresentou resultados melhores, e as variações parecem
ter sido comparáveis, mantendo os baixos patamares observados historicamente.
Não houve, portanto, mudanças de patamar na proporção de contribuintes, a
despeito do que fora prometido no momento das reformas. É necessário destacar que
o Chile e a Colômbia apresentam patamares ascendentes. No entanto, a Colômbia
partiu de valores baixos e não atingiu marcas expressivas que permitissem afirmar
que a universalização da cobertura é um resultado previsível, conforme ocorre nas
sociedades mais avançadas. Por outro lado, o Chile nos anos 1990 apenas recuperou
os patamares de 1980, conforme assinalou Uthoff (2001), sendo, ainda, inferiores
aos dos anos 1970. Assim, a reforma paradigmática e as reformas paramétricas
falharam em seus propósitos de aumentar a cobertura de contribuintes, a despeito
de suas promessas iniciais, segundo assinalaram IEG (2006) e Icap (2006), para o
caso chileno.
Em relação ao número de beneficiários, houve aumento em alguns países e
queda em outros. Os aumentos se devem ao recente amadurecimento demográfico
e a decisões políticas com vistas a conceder benefícios não contributivos às popu-
lações de países como Brasil e Venezuela (gráfico 2).
A conjunção entre amadurecimento demográfico e reformas paradigmáticas
reduz o número potencial de beneficiários, conforme ocorreu na Argentina e no
Chile, porque as regras de acesso passam a ser restritivas e existe a necessidade de

GRÁFICO 2
Proporção de idosos com 65 anos ou mais que recebem aposentadorias
ou pensões por morte – 1980-1999
(Em %, valores aproximados)
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Argentina Brasil Bolívia Chile Colômbia México Venezuela

Fonte: Gill, Packard e Yermo (2005).

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 199

constituição de fundos suficientes para o sustento na aposentadoria. Já as decisões


de universalização do sistema implicam uma importante elevação da cobertura,
como no Brasil. Mas, excetuados os casos brasileiro e argentino, entre os países
apresentados, a cobertura é acanhada e deixa entrever uma situação de precariedade
entre os idosos.

6 IMPACTOS MACROECONÔMICOS E SOBRE OS MERCADOS


Uma das expectativas centrais em relação às reformas paradigmáticas da previdência
dizia respeito ao fato de constituir fundos que poderiam se transformar em funding
para ativar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o Banco
Mundial (1994), os regimes financeiros de capitalização poderiam ativar os mercados
de capitais e, assim, seria possível elevar a poupança nacional, o que se traduziria
em melhores resultados para a economia. Esse debate e os argumentos esgrimidos
foram detalhados em James (1997) e Beattie e MacGillivray (1997a; 1997b).
Os resultados das reformas da previdência não permitiram sustentar as pre-
visões do Banco Mundial (1994). As experiências de Colômbia, México e Hungria,
conforme apontou o IEG (2006), revelaram – ao comparar anos anteriores e pos-
teriores à entrada em operação do sistema de previdência reformado segundo a
ótica estrutural – que os níveis de poupança não se elevaram. A Colômbia, apesar
de apresentar índices mais elevados, permaneceu em patamares reduzidos, en-
quanto a Hungria se viu diante de uma rota declinante, e o mesmo aconteceu com
o México, onde existe o agravante de os níveis estarem em patamares anteriores
aos da época da reforma. As oscilações verificadas para a maioria dos países não
possuem estreita correlação6 com os mercados de capitais, conforme apontaram
Holzmann e Hinz (2006), e se devem a outros fatores, como reformas institucionais,
fiscais e a disponibilidade de liquidez internacional (tabela 4).
A participação da poupança previdenciária no Chile, de acordo com Uthoff
e Bravo (1999), é negativa segundo as contas nacionais apresentadas na tabela 5,
pois a última linha demonstra que o setor privado sempre arrecadou menos que o
total gasto pelo setor público.
Essa diferença aumentou ao longo dos anos, passando de 2% do PIB entre
1980 e 1989 para 3,7% entre 1990 e 1999. Houve, certamente, uma elevação na
poupança nacional, que passou de 11,1% para 21,8% no mesmo período, mas foram
os resultados obtidos pelo governo que garantiram o crescimento da poupança de

6. Ao analisar os estudos econométricos a fim de correlacionar as reformas paradigmáticas aos aumentos de poupança via disponibilida-
de de recursos para os mercados de capitais, Matijascic (2002) apontou que existiam resultados contraditórios e inconclusivos. As
análises de Holzmann e Hinz (2006) apontam os mesmos problemas.

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200 MILKO MATIJASCIC

TABELA 4
Poupança e reforma da previdência: anos anteriores e posteriores

Países 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Argentina 19,7 16,2 15,2 16,7 16,9 17,5 17,4 17,1 17,4 16,3 15,6 15,5 26,9 25,9 26,3

Brasil 21,4 20,5 21,4 22,3 22,5 20,5 19,0 19,1 18,9 18,6 20,0 20,2 21,8 23,4 25,8

Bulgária 22,0 26,9 14,1 7,7 8,8 14,2 13,5 14,5 17,1 12,1 12,9 13,1 13,2 12,3 13,2

Colômbia 24,2 23,4 18,7 19,0 19,6 19,4 16,5 15,0 13,8 13,4 15,8 13,8 13,9 16,7 18,1

Hungria 28,0 19,5 15,8 11,8 15,7 22,6 26,0 27,6 27,4 26,0 25,8 24,8 22,7 20,1 21,6

Cazaquistão 30,2 11,2 18,7 18,7 15,4 13,1 11,3 20,1 25,6 25,8 27,2 31,1 35,0

México 22,0 20,4 18,3 17,1 17,1 22,6 25,3 25,9 22,2 22,0 21,9 18,6 18,8 18,9 20,0

Polônia 32,8 18,0 16,7 16,5 19,9 20,9 19,4 19,5 20,2 19,3 18,4 17,1 15,2 16,2 18,0

Venezuela 29,5 23,8 21,2 18,5 22,7 23,4 31,7 34,9 28,9 30,3 35,8 30,9 33,5 32,4 37,6
Fonte: Indicadores do Banco Mundial.
Nota: As células destacadas se referem aos anos de reforma para cada país.

TABELA 5
Chile: decomposição da poupança nacional, incluindo o déficit
previdenciário – 1981-1999

Resultados médios dos períodos (% sobre o PIB)


Partes componentes da poupança nacional chilena
1981-1989 1990-1999 1981-1999

Poupança Nacional Bruta (1 + 2) 11,1 21,8 16,7

Pública

Poupança total do governo (1) 8,0 10,4 9,2

Déficit previdenciário total (a) 6,1 5,3 5,7

Superávit corrente 1,1 4,6 2,9

Fundo de estabilização do cobre 0,8 0,6 0,6

Privada

Poupança privada total (2) 3,6 11,3 7,6

Resultado da previdência privada (b) –4,1 –1,6 –3,0

Poupança não-previdenciária 7,4 13,1 11,3

Déficit previdenciário total (a + b) 2,0 3,7 2,7


Fonte: Banco Central do Chile. Apud Uthoff (2001, p. 34).

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 201

início, tendo em vista que a poupança privada somente ultrapassou a pública no


último período, quando o crescimento do PIB já havia sido retomado.
Assim, o reequilíbrio das finanças públicas foi fundamental para a recuperação
da economia chilena e para financiar a transição de um regime de repartição para
outro de capitalização. O papel do sistema previdenciário no Chile foi negativo
em relação à poupança após as reformas de 1981, considerando-se os custos de
transição. Além disso, a poupança previdenciária privada acabou competindo com
outras formas de poupança existentes, não podendo impulsionar o crescimento
do PIB, e esse papel coube ao esforço fiscal do setor público.
Os dados obtidos pelo IEG (2006) apresentam os níveis de capitalização do
mercado após a execução das reformas da previdência. Os níveis se mantiveram
inalterados e em patamares baixos, como mostra a tabela 6.
Na verdade, o problema exposto pelo IEG (2006) é ainda mais grave, pois as
reduzidas dimensões financeiras colocam em risco esses mercados, promovendo
uma inflação de ativos que tem pouca relação com a atividade empresarial. A
oferta de recursos passa a disputar as poucas opções existentes, não gerando a
emissão de novos títulos, e não é convertida em investimentos produtivos.
A maioria das grandes empresas preferiu captar recursos no estrangeiro, com
taxas de juros mais baixas, e outras, de menor porte, que poderiam se interessar pelo
financiamento através das bolsas de valores, não conseguem satisfazer os critérios
TABELA 6
Capitalização das bolsas de valores em percentuais sobre o PIB

Países 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Argentina 2,3 9,8 8,1 18,6 14,3 14,6 16,4 20,2 15,2 29,6 58,4 71,6 101,4 30,0 30,3

Brasil 3,6 10,5 11,6 22,7 34,6 21,0 28,0 31,6 20,4 42,5 37,6 36,6 26,9 46,4 54,7

Bulgária 0,5 0,1 0,0 7,8 5,5 4,9 3,7 4,7 8,8 11,5

Colômbia 3,5 9,8 11,5 16,6 17,1 19,3 17,6 18,3 13,6 13,4 11,4 16,1 11,9 18,0 26,1

Hungria 1,5 1,5 2,1 3,9 5,4 11,7 32,8 29,8 34,0 25,6 19,8 20,0 20,1 28,5

Cazaquistão 6,1 8,3 13,4 7,3 5,4 5,4 7,9 9,1

México 12,4 31,2 38,2 49,9 30,8 31,6 32,0 39,0 21,8 32,0 21,5 20,3 15,9 19,2 25,2

Polônia 0,2 0,3 3,2 3,1 3,3 5,4 7,7 11,9 17,6 18,3 13,7 14,5 17,2 28,2

Venezuela 17,8 21,6 13,0 13,8 7,3 4,9 14,7 17,0 8,3 7,6 6,9 5,1 4,3 4,6 5,6
Fonte: Indicadores do Banco Mundial.
Nota: As células destacadas se referem aos anos de reforma para cada país.

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202 MILKO MATIJASCIC

elementares de governança corporativa, conforme apontaram Matijascic e Kay


(2006). Isso coloca em risco os valores das contas individuais dos trabalhadores
quando for iniciado um processo de venda maciça de ativos para promover o
pagamento de aposentadorias no momento do amadurecimento demográfico.
As limitações dos mercados de capitais dos países em desenvolvimento que
promoveram reformas estruturais não alteraram um fenômeno conhecido do
mundo das finanças na América Latina: a elevada concentração de portfólios em
títulos emitidos pelos governos nacionais. O elevado nível de representatividade
dos títulos da dívida pública é apresentado na tabela 7.
Assim, vale a observação de Lo Vuolo (1997), ao afirmar que as reformas
paradigmáticas converteram direitos de aposentadoria em dívidas públicas. Em
países que promoveram reformas estruturais, os recursos das contribuições deixam
de ser dirigidos ao sistema público de previdência e passam a financiar o custo de
transição devido à troca do regime financeiro de repartição pelo de capitalização
individual. Esse custo é maior na camada destinada à proteção via contas
previdenciárias individuais.
Para agravar o quadro, conforme apontaram Matijascic e Kay (2006), existe
uma situação confusa para os governos, que são os responsáveis, em última ins-
tância, pela regulação e precisam cuidar da saúde das finanças públicas. O caso

TABELA 7
Portfólio dos fundos de pensão: países e anos selecionados – período entre 1996 e 2006
(Em %)

Países Ano Estatal Empresas Financeiro Estrangeiro Outros

1996 55 27 17 0 0
Argentina
2006 56 13 20 10 1

1996 20 11 62 - 8
Colômbia
2006 47 19 19 14 0

1996 42 33 25 1 0
Chile
2006 15 24 30 31 0

1999 95 2 0 - 2
México
2006 74 12 2 8 4

1999 68 27 2 - 3
Polônia
2006 62 32 3 2 2
Fonte: Fiap.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 203

argentino, uma vez mais, ilustra a situação, pois os fundos de pensão foram obri-
gados a se desfazer de parte de seus portfólios e comprar títulos do governo no
auge da crise do início do século, como forma de salvaguardar as contas públicas.
O resultado foi uma redução drástica no valor potencial das prestações dos futuros
aposentados.
Mesmo com o recuo da participação dos títulos da dívida pública nos períodos
mais recentes, o que se observa é o crescimento dos títulos do setor financeiro no
porfólio dos fundos de pensão. Em países em desenvolvimento, o mais provável é
que esses títulos sejam lastreados em títulos da dívida pública. O problema das
possibilidades de aplicação rentável dos recursos é tão grave que os países da América
Latina apresentados no tabela 7 passaram a ter uma parte relevante dos recursos
investidos em aplicações no estrangeiro. Isso eleva o grau de segurança financeira,
mas contribui pouco para o crescimento das economias nacionais.
Assim, o contexto macroeconômico e o referente aos mercados de capitais
revelam a necessidade de adoção de diagnósticos que se adaptem melhor às reali-
dades locais. As reformas adotadas não conseguiram remover os problemas
preexistentes e geraram novos problemas, conforme apontou Barr (2001) ao co-
mentar os riscos envolvidos no regime de capitalização individual.

7 ESTRUTURA DE OCUPAÇÃO E PROTEÇÃO SOCIAL


A arrecadação de contribuições depende da base de incidência do financiamento.
A típica base de incidência da previdência é o salário. A sociedade do tipo salarial,
segundo Castel (1998), pressupõe relações de trabalho estáveis em matéria de
remuneração e duração do contrato de trabalho. Se essa condição não estiver pre-
sente, a resultante é a fragilidade da estrutura institucional e financeira.
Ao contrário do que ocorre em países mais desenvolvidos, a parcela do PIB
destinada ao pagamento de salários em países da América Latina não é dominante
e possui patamares menores que os de sociedades mais desenvolvidas (tabela 8).
Embora a maioria dos países da América Latina não forneça dados comparáveis
aos da OCDE, por agregarem, segundo Matijascic e Kay, o pagamento do salários
aos encargos sociais, as diferenças são ainda mais pronunciadas, o que aumenta a
magnitude do problema existente.
Isso remete a outro problema das reformas da previdência social e das políticas
sociais, em particular em países da América Latina: a falta de um diagnóstico que
identificasse os problemas relativos ao nível de rendimentos e de assalariamento
da população. A reduzida participação dos salários num contexto de renda per

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204 MILKO MATIJASCIC

TABELA 8
Salário em percentuais sobre o PIB: países selecionados

Países 1985 2002 Mudança

Brasil 33,6 26,2 (22,0)

Chile 38,7 42,3 9,3

Colômbia 41,8 36,3 (13,2)

México 30,5 32,6 6,7

Portugal 43,5 49,5 13,9

Espanha 47,2 49,8 5,4

Itália 46,0 41,4 (10,2)

Suécia 56,7 57,4 1,3

Estados Unidos 58,5 57,8 (1,3)


Fontes: Cepal e OCDE (Contas Nacionais).

capita limitado, quando comparada a países desenvolvidos, sempre foi uma reali-
dade em países da América Latina. Porém, o baixo dinamismo da atividade eco-
nômica existente desde o final dos anos 1970 e o lentíssimo crescimento da renda
per capita foram os fatores centrais que impediram o sucesso das reformas nos
últimos 25 anos na América Latina, como é possível observar na tabela 9.
TABELA 9
PIB per capita em US$ de 2000 e Paridade do Poder de Compra (PPC)

Países 1980 2003 Evolução (% a.a.)

Argentina 7.551 7.165 (0,0)

Brasil 3.255 3.510 0,4

Chile 2.494 5.196 3,3

Colômbia 1.616 2.017 1,1

México 5.121 5.792 0,5

Portugal 6.022 10.284 2,3

Espanha 8.646 14.691 2,4

Itália 12.998 19.090 1,8

Suécia 19.064 27.998 1,7

Estados Unidos 22.568 35.566 2,0


Fonte: Indicadores da OIT.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 205

Outro problema na formulação de diagnósticos que ainda é tratado com


pouca atenção nos debates internacionais sobre reformas da proteção social diz
respeito à estrutura de ocupação da PEA. Segundo a OIT (2002), quem possui
um número de trabalhadores não assalariados mais expressivo apresenta dificul-
dades para integrar essa parcela da PEA à condição de contribuinte. Apesar de as
relações via assalariamento serem predominantes nos diversos países, elas não possuem
a mesma dimensão, o que representa mais um elemento de instabilidade para a
América Latina (gráfico 3).
Se a renda individual ou familiar dos trabalhadores não aumentar e passar a
se apropriar de uma parcela maior do PIB, será difícil reverter o quadro de carências
existente nos países da América Latina. Nesse tipo de contexto, nenhuma reforma
conseguirá atingir resultados que permitam universalizar a cobertura de contribuintes
e conceder aposentadorias cujo valor médio ou mediano possa garantir a sobrevi-
vência das famílias em condições dignas. Essa é a condição essencial para dotar
esses países de sistemas de seguridade em que a inserção mais típica seja via seguro
social. Vale lembrar que, conforme apontou Beveridge (1942), somente é possível
dar sustentabilidade financeira à seguridade se a maioria das pessoas puder se
inserir num esquema do tipo seguro social.

GRÁFICO 3
Perfil de ocupação dos trabalhadores para países selecionados – 2002
(Em %)

Suécia
Inglaterra
Alemanha
França
Itália
Portugal
México
Colômbia
Chile
Brasil
Bolívia
Argentina
0 20 40 60 80 100

Fontes: Cepal e Eurostat. Assalariados Empregador-autônomo Emprego doméstico

8 ATIVIDADE ECONÔMICA, OCUPAÇÃO E CONTRIBUIÇÃO


A queda da atividade econômica e a fragilidade no perfil de ocupação sempre
tiveram reflexos negativos no perfil de contribuição para a previdência, em países
da América Latina. O número de contribuintes regulares sempre foi baixo, e a
queda do número de contribuintes sobre a PEA elevou os riscos de obstrução no

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206 MILKO MATIJASCIC

acesso à reposição de renda em situações de doença, invalidez, desemprego, idade


avançada e morte prematura.
Partindo do gráfico 4, é possível observar a queda do número de contribuintes
como proporção de filiados. A deterioração da situação econômica e seus reflexos
sobre a ocupação resultaram numa tendência declinante do número de contribuintes
em todos os países que vêm divulgando o indicador de forma regular e que permitem
a realização de comparações entre países.
No Brasil, esse tipo de dado não é divulgado, embora isso seja plausível. Mas
é possível, através do perfil de concessão de benefícios, observar um movimento
similar, ou seja, o número de aposentadorias por tempo de contribuição, que
pressupõe a cotização regular, vem cedendo rapidamente espaço às demais moda-
lidades, sobretudo para benefícios por idade, que requerem menos da metade do
tempo total, ou as de caráter assistencial. Ou seja, como existe um modelo de proteção
social generoso e concentrado na concessão de benefícios assistenciais e rurais, o
perfil de benefícios para idade avançada é cada vez menos “contributivo” (gráfico 5).
Já os dados chilenos revelam que a conjunção de uma atividade econômica
de bom desempenho, aliada a um perfil ocupacional pouco adequado, não garante
automaticamente o aumento do número de contribuintes quando comparáveis à
PEA em patamares superiores à média histórica. Os dados da tabela 10 revelam
que, entre filiados, um contingente elevado não terá direito a aposentadoria –
pelas regras chilenas, que exigem um mínimo de 240 meses de contribuição. Além
disso, as taxas de reposição, ou seja, o valor das aposentadorias comparadas aos
rendimentos do trabalho, serão reduzidas, atingindo, na melhor das hipóteses,
um total de 46%.

GRÁFICO 4
Contribuintes como proporção dos filiados em países selecionados – 1997 a 2005
(Em %)
70,0

60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

Chile Argentina México Colômbia

Fonte: Fiap.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 207

GRÁFICO 5
Brasil: concessão de benefícios para idosos – 1980-2004
(Em %)

12,0
25,5 24,0 28,0 31,0

49,4
37,0 33,4 24,7
36,8
12,4
13,2 20,8 16,7 15,4
24,2 21,8 21,8 34,9
16,8
1980 a 1984 1985 a 1989 1990 a 1994 1995 a 1999 2000 a 2004

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social (Aeps). Tempo de contribuição Idade urbana Idade rural Assistencial

TABELA 10
Densidade de contribuições da Administradora dos Fundos de Pensão (AFP) no
Chile – 2002

Contribuintes Filiados
Indicadores de densidade de contribuição
Média Mediana Média Mediana

Contribuição média – meses por ano 7,1 7,2 5,0 4,2

Meses de contribuição na idade de se aposentar 313,6 317,8 217,6 184,2

Taxa de reposição sobre renda tributável (%) 46 37 32 20


Fonte: Ministério do Trabalho. Apud Cenda (2004).

As condições referentes ao mercado de trabalho e à situação da ocupação


foram fatores negligenciados pelas reformas paradigmáticas e paramétricas ao longo
dos anos 1990. Nesse período, foi adotada uma defesa intransigente de procedi-
mentos típicos das técnicas de seguro, em que cada um recebe de acordo com o
que contribuiu e com os riscos inerentes ao seu perfil etário e de inserção no
mercado de trabalho. Ao conjugar rendimentos de baixo valor, uma distribuição
de renda concentrada e um perfil de ocupação precário que ainda se deteriorou
com a abertura econômica, o resultado tem sido uma queda na proteção contra os
riscos de perda de capacidade de trabalho. Esse cenário estimulou a revisão de
conceitos por parte das instituições multilaterais e que dá a partida para o debate
sobre a transformação da proteção social.

9 ECONOMIA E DINÂMICA POPULACIONAL DA OCUPAÇÃO


A experiência da América Latina ensina que as condições exógenas em relação à
estrutura institucional da previdência são de suma importância para entender o

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208 MILKO MATIJASCIC

comportamento de variáveis como a cobertura e as finanças. Essas variáveis exógenas


são: demografia, atividade econômica e, sobretudo, a dinâmica do mercado de
trabalho.
A crise econômica dos anos 1990 contribuiu para o agravamento da situação,
tendo em vista o crescimento acelerado do desemprego aberto, conforme apontam
os dados da tabela 11. Essa circunstância, além de diminuir a arrecadação e reduzir
o número de contribuintes, requer políticas compensatórias por parte do Estado.
Mais ainda, os desempregados são trabalhadores que possuem direito a benefícios
sem que estejam obrigados a contribuir de forma regular. A tabela 11 revela que um
problema típico dos países mais desenvolvidos nos anos 1980 passou a integrar o
perfil dos países da América Latina nos anos mais recentes.
Para ressaltar as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento
em matéria de cobertura previdenciária e da dinâmica do mercado de trabalho, é
impossível deixar de ressaltar uma diferença essencial: a informalidade das relações
de trabalho. Nos países desenvolvidos ela tende a ser marginal e quase tende a zero
para fins estatísticos, enquanto nos países em desenvolvimento ela envolve uma
parcela enorme, quando não preponderante, da força de trabalho total medida em
termos de PEA. Em outras palavras, quando se trata de entender as diferenças
entre esses dois grupos de países e formular políticas públicas que garantam a

TABELA 11
Desemprego segundo as metodologias nacionais em países selecionados
(Em % sobre a PEA)

Países 1980 1990 2000 2003 % de mudança

Argentina 2,3 7,3 15,0 15,6 (crise) 85,3

Brasil 4,3 3,7 9,4 9,7 55,7

Chile 10,4 5,7 8,3 7,4 (40,5)

Colômbia 9,1 10,2 20,5 14,2 35,9

México - 2,5 2,2 2,5 -

Portugal 6,7 4,7 3,9 6,4 (4,7)

Espanha 11,1 16,0 13,9 11,3 1,8

Itália 7,6 11,4 10,5 8,7 12,6

Suécia 2,3 1,8 5,8 5,8 60,3

Estados Unidos 7,1 5,6 4,0 6,0 (18,3)


Fonte: Indicadores da OIT.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 209

regularidade da inserção nos circuitos envolvidos com o seguro social, a questão-


chave reside na compreensão dos fenômenos que estimulam a continuidade da
informalidade e como ela pode ser, eventualmente, reduzida ou extirpada dos
países que têm esse tipo de problema (tabela 12).
A situação observada, antes de tudo, não é estática. É comum transitar entre
diferentes formas de ocupação, o que afeta o número de registros de contribuição.
A heterogeneidade não é somente a marca entre diferentes grupos de trabalhadores;
ela atinge o próprio ciclo de trabalho individual. A escassez de estudos sistemáticos
referentes à evolução salarial limita qualquer tipo de argumentação comparativa
que afeta o acesso aos benefícios.
Mas uma questão que não pode ser refutada é que os níveis de informalidade,
além de afetarem a arrecadação da previdência, reduzem a produtividade da eco-
nomia e colocam em xeque a própria competitividade externa. A comparação
entre a produtividade de países mais desenvolvidos e os da América Latina revela
o problema em toda a sua extensão para o período recente (tabela 13).

TABELA 12
Estrutura do emprego não-agrícola

Empreendimentos informais Empreendimentos formais


Países e anos Total Trabalhador Serviço Empresas até Total Setor Empresas privadas com
independente doméstico 5 empregados público mais de 6 empregados

Argentina/1991 52,0 27,5 5,7 18,8 48,0 19,3 28,7

Argentina/2002 44,5 20,6 5,2 18,6 55,5 22,8 32,8

Brasil/1990 40,6 20,3 6,9 13,5 59,4 11,0 48,4

Brasil/2001 46,0 22,3 9,5 14,3 54,0 13,7 40,3

Chile/1990 37,9 20,9 5,4 11,7 62,1 7,0 55,1

Chile/2000 38,0 19,7 5,9 12,5 62,0 10,8 51,2

Colômbia/1990 45,7 24,1 2,0 19,5 54,3 9,6 44,7

Colômbia/2000 55,6 32,2 5,3 18,1 44,4 7,0 37,3

Costa Rica/1990 41,2 18,9 5,8 16,4 58,8 22,0 36,8

Costa Rica/2002 44,8 19,2 5,1 20,5 55,2 15,9 39,3

México/1990 38,4 19,0 4,6 14,8 61,6 19,4 42,3

México/2002 41,0 19,5 4,3 17,3 59,0 14,0 45,0


Fonte: Estimativas da OIT com pesquisas por amostragem domiciliar (série revisada).

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210 MILKO MATIJASCIC

TABELA 13
Evolução percentual da produtividade do trabalho medida pelo PIB por hora trabalhada
em US$ de 1990

Países 1980-1990 1990-2000 2000-2003 1980-2000 1980-2003

Argentina (1,9) 2,6 (4,4) 0,3 (0,3)

Brasil (0,6) 1,1 (0,2) 0,3 0,2

Chile (0,4) 3,7 0,8 1,7 1,5

Colômbia 1,5 0,8 (0,0) 1,1 1,0

México (0,6) 0,2 - (0,2) (0,2)

Portugal 1,9 3,0 0,4 2,5 2,2

Espanha 3,3 1,0 0,1 2,1 1,9

Itália 2,0 1,8 (0,4) 1,9 1,6

Suécia 1,1 2,2 2,2 1,6 1,7

Estados Unidos 1,5 1,6 2,9 1,5 1,7


Fonte: Indicadores da OIT.

Essa situação se deve, em grande medida, ao enorme aumento da PEA, da


População em Idade Ativa (PIA) e da razão entre essas duas variáveis num contexto
de baixa atividade da economia e forte abertura econômica para a concorrência
internacional. A tabela 14 apresenta o cenário recente.
A aproximação do perfil etário da América Latina ao dos países mais desen-
volvidos, apresentado na tabela 14, não se deu de forma concomitante com um
período de elevado crescimento econômico e da produtividade similar ao dos
“trinta gloriosos”. Essa, cabe destacar, é outra diferença fundamental entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento.
A conjunção dos fatores econômicos e de seus reflexos sobre os mercados de
trabalho, associados a uma dinâmica demográfica que poderia representar um
bônus, com a elevação da população trabalhadora, torna-se um ônus, devido ao
aumento do desemprego e da informalidade. Essa conjunção de fatores cria desafios
que precisam ser superados para que seja possível retomar o crescimento em pata-
mares estáveis sem, ao mesmo tempo, deteriorar ainda mais as condições sociais.
Se não for possível, num contexto de diálogo franco e democrático, gerar as con-
dições necessárias para que o econômico e o social estejam em fase, superando a
dualidade implícita ao discurso conservador, existe o sério risco de volta das prá-
ticas clientelistas e patrimonialistas em escalas ascendentes. Esses são os verdadeiros
riscos envolvendo o quadro de eterno retorno que assola as nossas sociedades.

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 211

TABELA 14
Proporção da PEA sobre a PIA em percentuais para países selecionados

Países 1980 1990 2000 2003 1980-2003

Argentina 54,4 61,4 65,4 68,2 20,2

Brasil 63,4 66,8 70,9 71,9 11,8

Chile 53,3 57,4 58,6 58,5 8,8

Colômbia 54,6 66,1 72,4 74,1 26,3

México 57,3 60,1 62,8 62,0 7,6

Portugal 65,4 66,3 67,1 68,3 4,2

Espanha 55,2 56,4 60,5 62,2 11,3

Itália 55,4 56,2 55,1 56,0 1,2

Suécia 75,0 75,3 70,9 70,7 (6,0)

Estados Unidos 68,2 71,5 72,1 70,9 3,7


Fonte: Indicadores da OIT.

10 OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: REFORMAS EM PERSPECTIVA


As reformas efetuadas nos complexos previdenciários de países em desenvolvi-
mento, em geral, e na América Latina, em particular, retraíram os direitos sociais,
assim como ocorreu na maioria dos países de alto desenvolvimento humano per-
tencentes à OCDE. Mas a ação das reformas também foi retificadora no sentido
de que as regras anteriores dificilmente permitiriam que o sistema tivesse viabili-
dade atuarial com a continuidade dos comportamentos oportunistas por parte de
muitos grupos com influência política.
Nesse sentido, as reformas pouparam despesas ao longo de um ciclo de vida
composto por muitas décadas. Nos países em desenvolvimento, muitas vezes, os
benefícios não estão diretamente atrelados à perda da capacidade de trabalho ou à
necessidade de atrelar o esforço contributivo ao valor da aposentadoria. Assim, ao
promover reformas, paradigmáticas ou paramétricas, foi possível desonerar a carga
tributária potencial e reduzir em parte as iniqüidades entre grupos populacionais.
No período recente, a situação dos complexos previdenciários continua
ocupando o centro do debate público, pois os resultados aferidos ainda são
preocupantes em dois sentidos: o fiscal e o social. Os problemas atuais, em grande
medida, decorrem das intensas mudanças observadas nos mercados de trabalho,
cujo cenário apresenta uma taxa de desemprego elevada, alto nível de informalidade

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212 MILKO MATIJASCIC

e não-contribuição à previdência, aumento das ocupações instáveis e redução do


assalariamento baseado em relações de trabalho estáveis e de longa duração.
Sob o prisma fiscal, parte dos problemas decorre da adoção de sistemas baseados
na solidariedade entre gerações de trabalhadores, ou seja, a repartição. Nessa con-
figuração são os trabalhadores em atividade que sustentam os aposentados. Como
os aposentados possuem direitos garantidos por lei e o trabalhador em idade ativa
não possui garantia de emprego, gera-se um quadro de instabilidade fiscal. Mesmo
os países que adotaram reformas paradigmáticas têm de lidar com o problema,
porque muitos aposentados do sistema pré-reformas continuam vivos e as contri-
buições dos trabalhadores em atividade não são destinadas ao financiamento dessas
despesas. Por outro lado, muitos países garantem um piso de benefícios ou subsidiam
as aposentadorias e as contas individuais para garantir o pagamento desse piso.
Por fim, sob o prisma social, o número de trabalhadores que conseguem cumprir
as regras arbitradas e ter acesso a aposentadorias tende a se reduzir, colocando em
xeque a expectativa de qualidade de vida. Isso acaba por forçar o aumento da ação
da assistência social, o que, além de tornar mais precárias as condições de vida, eleva
a necessidade de arrecadação de impostos para dar garantias de renda.
Outros problemas assinalados, como questões relativas a custos gerenciais,
cobertura e estrutura de concorrência, também não apresentaram, conforme apon-
taram IEG (2006) e Holzmann e Hinz (2006), os resultados previstos quando da
formulação das reformas, devido a problemas institucionais de cada país, gestão,
mercado de capitais e regulação. Isso não permitiu atingir os resultados esperados
e, quando a situação se conjugou às dificuldades dos mercados de trabalho, levou
a um quadro que está exigindo a transformação do processo de reformas. Essa
transformação se faz necessária para corrigir rumos equivocados que decorreram
de uma formulação que não estava adaptada às realidades locais. Para o Banco
Mundial, será preciso aceitar essa realidade e reorientar a ação institucional no
sentido de reforçar os aspectos paramétricos das reformas e elevar a preocupação
com o pilar 1, baseado nas garantias de renda, como forma de elevar a cobertura e
evitar a propagação da pobreza na velhice, um risco sempre iminente.
Partindo da revisão das reformas e das formulações apresentadas até o mo-
mento, a retração dos direitos sociais parece estar cedendo lugar a um processo de
transformação da proteção social. A busca, por parte dos eleitores das nações demo-
cráticas, de renovada justiça social reteve as tentativas radicais de contenção de
custos, ampliação do papel do mercado ou restrição do acesso a benefícios. Mas,
como as condições das economias e sociedades vêm se alterando velozmente e os
mercados de trabalho estão sendo muito afetados por essas mudanças, é preciso
tentar apreender o sentido dos processos de transformações.

Cap05.pmd 212 23/3/2007, 15:43


REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 213

Antes de tudo, esse novo sentido pode não ter sido revelado em sua íntegra.
Mas os desdobramentos observados até o momento revelaram que existem traba-
lhadores que conseguem contribuir regularmente, podendo ser atendidos por es-
truturas típicas do seguro social, outros trabalhadores conseguem ter relações de
trabalho que permitem apenas uma contribuição periódica e irregular para o sistema
e, por fim, existe uma parcela importante que apenas contribui ocasionalmente
ou nada contribui. Diante da necessidade de dar garantia de benefício para idosos
ou para os que precisaram ser afastados temporária ou definitivamente do mercado
de trabalho, a alternativa parece ser a consolidação de um sistema com várias
camadas, em que:
à primeira cabe fornecer garantias de rendimento mínimo com base nas
premissas da cidadania;
esses valores devem ser complementados por uma segunda camada via
preceitos do seguro social e da filiação compulsória; e, finalmente,
é preciso consolidar uma terceira camada de adesão voluntária com a adoção
de mecanismos similares à previdência complementar atual e com tratamento
tributário diferenciado, que permita ao trabalhador contribuir com mais recursos
para poder auferir uma renda maior.
Esse tipo de proposição parece estar se tornando hegemônico entre estudiosos
e analistas e entre técnicos das instituições financeiras internacionais ou multilaterais.
As qualidades desse tipo de arranjo residem no fato de que elas podem funcionar
em ambientes muito diferentes como em economias afluentes ou em desenvolvi-
mento e permitem que se apresentem regras estáveis e de longo prazo. A questão
da pobreza está contemplada na medida em que existe garantia de renda em caso
de perda da capacidade de trabalho. O crescimento do bem-estar financeiro dos
trabalhadores também está contemplado com os incentivos e mesmo com a obri-
gação para contribuir acima dos níveis de piso, devendo ser conjugado com uma
política mais benevolente em relação ao crédito. Tal postura seria coerente, pois,
se alguém possui mais garantias de renda, é natural que o risco envolvido na
concessão de crédito seja menor. Esse tipo de associação entre o econômico e o
social é que pode garantir a simbiose necessária para a sustentação do crescimento
das atividades com a estabilidade social adequada ao ambiente institucional.
O processo de transformação que pode estar se consolidando também bene-
ficia as iniciativas que busquem ampliar o escopo e as modalidades de parceria
entre Estado, mercado e sociedade de um modo geral. Assim, ganham sentido
iniciativas que permitam a combinação da ação de toda essa gama de serviços

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214 MILKO MATIJASCIC

no âmbito da proteção social. As formas predominantes do passado, que foram,


num momento, concentradas na ação do Estado e, num segundo momento, em
mecanismos de mercado, apresentaram conquistas, mas revelaram limites diante
das estruturas sociais mais perenes de cada sociedade e que influenciam as reali-
dades de cada país.7
É chegado o momento, enfim, em que a compreensão acerca da necessidade
de tomada de consciência sobre a simbiose entre as ações econômicas e sociais
precisa presidir os debates e se apoderar das mentalidades. Não haverá país capaz
de garantir uma presença de destaque num contexto internacional que não saiba
fazer do social um eixo de estímulo à produtividade, garantindo, ao mesmo tempo,
que o social tenha por meta obter resultados econômicos comprometidos com a
competitividade. A harmonia, a estabilidade e o progresso de longa duração, con-
forme vem mostrando a História, dependem dessa transformação.

REFERÊNCIAS
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CENDA. Chile: bases para una reforma del sistema de pensiones. Santiago, 2004, Mimeo (Relatório de
pesquisa).

7. Dixon e Hyde (2001) apresentaram as possibilidades de integração do mercado com a seguridade social para a oferta de serviços. Os
autores propõem as seguintes modalidades:

Mandatory private provision – quando o cidadão deve buscar certos serviços públicos ofertados por instituições via mercado.
Joint public-private provision – quando um determinado serviço é ofertado de forma conjunta por instituições públicas e de mercado.
Incentive driven public provision – quando instituições mercantis são incentivadas a fornecer um determinado serviço público para
os cidadãos.

Contracting-out of public services – quando é possível buscar junto ao mercado um serviço público (terceirização dos serviços).
Encouraged voluntary provision – quando existem estímulos à contratação voluntária de serviços públicos junto ao mercado.

Cap05.pmd 214 23/3/2007, 15:43


REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 215

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Cap05.pmd 216 23/3/2007, 15:43


PARTE 3

ELEMENTOS QUE JUSTIFICAM A NECESSIDADE DE REFORMA


DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL

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CAPÍTULO 6

DESEQUILÍBRIOS: CAUSAS E SOLUÇÕES*

José Cechin**
Andrei Domingues Cechin***

De como a El-Rei sómente pertence aposentar alguem, por ter idade de setenta annos.
Ordenação do Reino de Portugal, publicada em 1603.1

1 INTRODUÇÃO
A previdência social é um complexo sistema formado pelo Regime Geral de Previ-
dência Social (RGPS) para os trabalhadores do setor privado, organizado nacio-
nalmente e administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e os
Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos estatutários
e militares, organizados pelos entes da Federação. Nesses regimes existem regras
específicas que concedem vantagens para determinadas categorias. O presente tra-
balho trata dessas regras específicas. Trata também da persistente tendência ao
desequilíbrio e das suas causas essenciais, e simula os efeitos financeiros da aplicação
universal da fórmula do fator previdenciário como uma das opções para equacionar
essa tendência ao desequilíbrio.
Conquanto a previdência no Brasil, assim como em muitos países, venha
cumprindo um importante papel de redistribuição de renda, admite-se neste tra-
balho uma clara separação entre previdência e assistência. A primeira deve ser

* Os autores agradecem a Julio Domingues Cechin pela valiosa colaboração de pesquisa e tabulações e a Heraldo Oliveira e Dânae Dal
Bianco pelas críticas e sugestões.

** Consultor em previdência, membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência e do Instituto Fernand Braudel de Economia
Mundial e ex-ministro da Previdência e Assistência Social.

*** Economista da FEA/USP e mestrando no Procam/USP.


1. Reino de Portugal, 1786. Exemplar encontrado na Biblioteca da Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais, indicado por José
Bonifácio Borges de Andrada, a quem os autores são gratos.

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220 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

contributiva e atuarial, não desempenhando relevante papel redistributivo; a se-


gunda, em contrapartida, deve assegurar renda aos necessitados, independente-
mente de contribuições. As duas são complementares, assegurando, conjuntamente,
um padrão de renda mínima aos indivíduos. O presente trabalho trata de previ-
dência, sem componente redistributiva.
Previdência existe para prover renda, ao trabalhador e à sua família, nas ocasiões
em que faltarem forças de trabalho, de forma permanente ou transitória, o que
ocorre na doença, na morte antes da aposentadoria, na maternidade, na invalidez,
na idade avançada, na morte depois da aposentadoria.
As situações que requerem provisão de renda previdenciária podem ser agru-
padas em dois conjuntos: um primeiro, reunindo os eventos de risco, como a
doença, a invalidez, a morte antes da aposentadoria; e um segundo, reunindo um
evento programável, que é o alcance de uma idade avançada, convencionada como
idade de aposentadoria ou, no caso brasileiro, do tempo de contribuição (embora
tempo de contribuição não seja condição que caracterize perda de capacidade de
trabalho). As outras situações cobertas pela previdência, como a maternidade, a
reclusão, o salário-família e similares, estão incluídas no primeiro grupo.
A distinção é importante, pois permite que se adotem lógicas de financia-
mento específicas para cada situação. Por risco se entende a probabilidade de um
evento, como ficar doente, inválido, morrer em idade ativa, ter filhos, ficar recluso.
Em oposição, designa-se evento programável o alcance de uma determinada idade
ou tempo de contribuição, pois, embora não sejam eventos certos, o tempo neces-
sário para o seu alcance é bem conhecido e esperado. Por isso, pode-se pensar em
financiamento especializado por categoria de eventos. Para os de risco, o financia-
mento seguiria um regime de mutualismo, segundo o qual todos contribuiriam
para um fundo comum do qual se retirariam os recursos para prover renda aos
submetidos aos eventos citados. Isso funcionaria como no seguro de automóveis.
Para os programáveis, pode-se adotar um financiamento tal que cada indivíduo,
em média, custeie sua própria aposentadoria.
Este texto trata somente da parte da previdência relativa aos benefícios
programáveis, isto é, a todas as aposentadorias exceto as por invalidez.
Conceitua-se previdência contributiva e atuarial como aquela que retribui
ao segurado durante os anos esperados de fruição da aposentadoria o valor contri-
buído e remunerado durante os anos de trabalho. As contribuições, recolhidas
por trabalhadores e seus empregadores, são prêmios requeridos para alcançar o
direito previdenciário assegurado na legislação.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 221

A equivalência entre contribuições e benefícios envolve a incerteza quanto


ao tempo de fruição. Na data da aposentadoria, conhece-se a soma das contribuições
vertidas e remuneradas durante os anos de trabalho, denominada “capital escritural
acumulado”, mas não se conhece o período de fruição. Por isso, calcula-se o valor
mensal da aposentadoria de forma tal a exaurir o “capital” durante o período
médio esperado de sobrevida. Dessa forma iguala-se o valor presente esperado do
fluxo de fruição do benefício ao valor presente das contribuições. Em outras palavras,
entre duas pessoas de mesma idade, recebe uma aposentadoria de valor mensal
maior aquela que tiver contribuído mais; e entre duas pessoas com o mesmo “ca-
pital” acumulado, recebe um valor mensal mais alto aquela que for mais idosa. O
critério é justo, pois reconhece e premia o esforço contributivo quer daqueles que
começam a contribuir quando ainda jovens quer daqueles que contribuem até
idades mais avançadas.
O período médio esperado de sobrevida, também denominado tempo de
fruição, é a esperança de sobrevida para a idade na data da aposentadoria. A adoção
da esperança de sobrevida para calcular o valor da aposentadoria assegura a equi-
valência ex ante entre os valores presentes das contribuições e benefícios. A posteriori,
sempre haverá diferenças: aqueles que tiverem vivido mais do que a esperança de
sobrevida do momento da concessão terão, ao final, recebido mais do que contri-
buíram, e o contrário também pode ocorrer. A regra pode ser aceita por todos,
como uma regra de decisão por trás de um véu de ignorância, como caracterizou
John Rawls, em seu clássico A Theory of Justice. A beleza do critério está na solida-
riedade que se expressa nesse aspecto: os que falecerem antes estarão subsidiando
os mais longevos. Assegurar individualmente renda para toda a vida de aposentado
requereria que se espalhasse o “capital” pelo número máximo de anos que o ser
humano vive, enquanto assegurar-se coletivamente exige muito menos. Esse é,
aliás, o princípio básico de operação do seguro.
O que se espera de um regime previdenciário é que todos os segurados tenham
deveres e direitos similares. O sistema previdenciário brasileiro admite, por lei,
diferenciações: por gênero (homem e mulher); por posição na ocupação (empre-
gado por CLT ou autônomo); por ocupação (professor e não-professor); por regime
jurídico (celetista ou servidor estatutário ou militar); e entre urbanos e rurais.
As diferenciações estão:
a) nos critérios de elegibilidade aos benefícios – menores idades e tempos de
contribuição para mulheres, professores e rurais;
b) na exigência de idade mínima – aplicável aos servidores estatutários, mas
não aos celetistas;

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222 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

c) na forma de determinação de seus valores mensais – por média com fator


para celetistas que se aposentam por tempo de contribuição e sem fator para os
outros benefícios, e integral ou por média sem fator no serviço público;
d) nas contribuições – sobre remunerações com teto no setor privado e sem
teto no setor público; sobre valor das vendas de produtos primários, para segurados
especiais; alíquota total de 20% para autônomos e domésticos e de 31% para
empregados registrados; e
e) na existência de critérios especiais para militares.
Este trabalho trata dessas situações específicas, sob o ponto de vista do seu
equilíbrio atuarial e das implicações fiscais dessas diferenciações. Entende-se que
os benefícios definidos pela legislação têm custos que precisam ser financiados e
que o financiamento deve ser feito diretamente pelos segurados e seus empregadores.
A próxima seção traça um rápido quadro dos desequilíbrios dos regimes de
previdência, e a seguinte expõe o que se entende ser a razão essencial desses
desequilíbrios. Na quarta seção, examina-se a questão da vinculação do piso dos
benefícios ao salário mínimo, concluindo-se que a desvinculação pode não ser
eficaz para conter o crescimento das despesas da previdência. As seções seguintes
tratam dos regimes especiais: a quinta, da aposentadoria rural em menores idades;
a sexta, da ausência de idades mínimas no RGPS; a sétima, da baixa carência para
a aposentadoria por idade. A oitava seção trata dos regimes dos servidores
estatutários e dos militares.

2 DESEQUILÍBRIO DOS REGIMES


O gasto com previdência de todos os regimes e esferas de governo em 2005 alcançou
R$ 235 bilhões, equivalentes a 12% do Produto Interno Bruto (PIB), percentual
esse desproporcionalmente alto frente à baixa idade média da população.2 O gasto
elevado afeta a competitividade internacional do Brasil, porque o seu financia-
mento exige uma carga contributiva sobre a folha entre as mais altas do mundo
(gráfico 1).
Não obstante a elevada carga, a arrecadação não cobre as despesas. No INSS,
a despesa como proporção do PIB passou de 2,6% em 1988 para 7,5% em 2005,
enquanto a arrecadação manteve-se relativamente estável, um pouco acima de 5% do
PIB (5,6% em 2005). Em conseqüência, a diferença entre a arrecadação própria e

2. Gastam percentual do PIB similar ao Brasil países como Espanha, Hungria, Holanda, Reino Unido, Noruega e Finlândia. Na França e na
Alemanha, que têm mais de 23% de idosos (60 ou mais anos de idade), comparados com os 8,9% no Brasil, esse percentual alcança
cerca de 14% do PIB.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 223

GRÁFICO 1
Carga contributiva sobre folha de salários
50

40

30

20

10

0
Din. Bra. Bél. Ale. Fin. Pol. Sué. Tur. Nor. Hol. Áus. Uru. Itá. Fra. Can. Arg. EUA Tch. Suí. Esp. Pan. Por. Irl. Jap. Méx. Cor.

Fonte: Amaral e Olenke (2003).

as despesas com benefícios previdenciários passou, no período, de superavitária


em 1,66% do PIB para deficitária em 1,94% do PIB, como mostra o gráfico 2.
Nos RPPSs, observaram-se um considerável crescimento das despesas entre
1988 e 1995, um crescimento mais lento até 2001 e um leve declínio a partir de
então (gráfico 3). As contribuições dos servidores financiavam apenas uma pequena
fração das despesas. Em 2004, as despesas com aposentadorias e pensões de servi-
dores federais e estaduais somaram R$ 75,7 bilhões, frente a contribuições de
apenas R$ 9,6 bilhões. O desequilíbrio é grande mesmo imputando-se uma cota
patronal na proporção de dois para um. Em 2005, essas despesas somaram R$ 80,7
bilhões, e as contribuições devem ter tido um leve crescimento em razão das reformas
do atual governo.3
GRÁFICO 2
INSS: receitas, despesas e déficit
(Em % do PIB)
8

–2
1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

Fonte: Ministério da Previdência Social (MPAS). Receitas Despesas Déficit

3. A Emenda 41 passou a exigir de todos os servidores contribuições à alíquota mínima de 11%, incidente inclusive sobre as parcelas das
aposentadorias e pensões em excesso ao teto do Regime Geral. As medidas, adotadas em 2004, tiveram efeito completo em 2005.

Cap06.pmd 223 23/3/2007, 15:44


224 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

GRÁFICO 3
Despesas dos regimes próprios de previdência
(Em % do PIB)
2,7

2,2

1,7

1,2

0,7
1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

Fonte: MPAS. União Estados e municípios

No setor público, as despesas com benefícios previdenciários respondem


por elevada parcela do gasto com a folha de pessoal. Na União, por exemplo, esse
gasto respondeu por 45,9% da folha no período 1995-2005; nas Forças Armadas,
tal proporção alcançou a média anual de 59,2% da folha dos militares (gráfico 4).
Apesar disso, notam-se a relativa estabilidade das despesas como proporção do
PIB e um pequeno aumento relativo das despesas com aposentadorias e pensões
militares.
Chegou-se a essa situação em razão das regras de formação do direito que
permitiam aposentadorias em idades baixas e declinantes, como vinha acontecendo
até as reformas de 1998 e 2003. A precocidade das aposentadorias, seu valor igual
à última remuneração e a dificuldade de reposição do quadro de pessoal, em parte
devido ao estrangulamento financeiro do Tesouro Nacional, levaram a uma redução

GRÁFICO 4
Despesas com o pessoal da União – 1995-2005
(Em R$ bilhões correntes) (Em % do PIB)
100 6

80 5

4
60
3
40
2
20
1

0 0
1995 1997 1999 2001 2003 2005 1995 1997 1999 2001 2003 2005

Fonte: Boletim
Boletim Estatístico
Estatístico de
de Pessoal
Pessoal, MPOG, n° 116. Dados de 2005 se referem ao período
dezembro de 2004 a novembro de 2005. A: Ativos; I: Inativos; IP: Instituidores de Pensão. Civis A Civis I+IP Militares I+IP Militares A

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 225

do número de servidores ativos, enquanto crescia o de aposentados e pensionistas.


Desde 1998, o número de ativos ficou menor do que o de aposentados e
instituidores de pensão.

3 O QUE EXPLICA ESSAS TENDÊNCIAS?


A tendência ao desequilíbrio crescente nos regimes de previdência se deve à atuação
prolongada de um sistema que continha, e ainda contém, desequilíbrios atuariais
em sua arquitetura.4 Por causa desses desequilíbrios embutidos, os indivíduos ter-
minam por retirar da previdência, durante os anos de fruição da aposentadoria,
mais do que contribuíram durante os anos de trabalho.
No início de um sistema de previdência em regime de repartição, há muitos
contribuintes e poucos aposentados; sobra arrecadação e há superávit de caixa; os
benefícios tendem a ser generosos e as alíquotas de contribuição modestas, em
desrespeito ao requerido cálculo atuarial.
Mas o superávit de caixa não é sinal de que tudo vai bem. Mesmo assumindo-se
que o saldo positivo seja aplicado em um fundo capitalizado, ainda assim, um dia
faltarão recursos para honrar os compromissos se cada aposentado retirar desse
fundo mais do que o volume aportado somado ao retorno financeiro das aplicações.
Isso não aconteceria tão cedo somente se houvesse crescimento contínuo do nú-
mero de contribuintes, sem alterações na estrutura demográfica ou nos tempos de
vida. Mas isso é sonhar com a corrente da felicidade. Um dia necessariamente
termina.
Há óbvias dificuldades no entendimento de questões atuariais. Um sistema
pode estar em desequilíbrio atuarial e apresentar superávit de caixa corrente. O
desequilíbrio atuarial, contrariamente ao financeiro, não é diretamente observável.
Seu entendimento requer conceitos probabilísticos (esperança de vida ou proba-
bilidade de morte em cada idade). Por isso, o cálculo atuarial foi negligenciado
nos desenhos políticos dos sistemas previdenciários das últimas décadas. Enquanto
a população crescia freneticamente e a industrialização absorvia grandes contin-
gentes de novos empregados com aumento da taxa de participação no mercado, as
contas correntes do INSS eram superavitárias e a arrecadação era suficiente para
custear todos os benefícios, inclusive o seu próprio custeio administrativo e quadro
de pessoal e ainda financiar a saúde. Mas, com o amadurecimento do sistema e

4. Esses desequilíbrios continuarão presentes, mesmo que se resolvam todas as questões popularmente apontadas como causas do
déficit financeiro: má gestão, fraudes, sonegação, cobrança morosa dos vultosos créditos previdenciários, informalidade, benefícios de
caráter assistencial (como as aposentadorias rurais), renúncias de contribuições previdenciárias (como as das entidades filantrópicas e
das empresas do Simples).

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226 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

com as mudanças demográficas em curso (queda da fecundidade e aumento da


longevidade), os erros atuariais em sua arquitetura foram se convertendo em déficits
financeiros com crescimento explosivo.
O sistema montado na fusão dos Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPS) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, e
universalizado com a Constituição de 1988, prometeu benefícios que custam mais
do que a soma das contribuições capitalizadas. Um sistema desses termina por
converter seu superávit de caixa inicial em déficit, à medida que seus contribuintes
adquirem e exercem o direito à aposentadoria. No passado, conforme surgia, o
déficit financeiro era equacionado com aumento das alíquotas e redução no valor
dos benefícios por efeito da inflação. Esses dois mecanismos atingiram todos os
seus limites: nem se deseja a volta da inflação para produzir ajustes arbitrários,
nem a sociedade aceita aumentos nas contribuições.
Os erros de arquitetura estão nas regras de elegibilidade aos benefícios e de
formação de seu valor. A Aposentadoria por Tempo de Contribuição (ATC), in-
dependente de idade, provocou um número crescente de aposentadorias em idades
declinantes, tanto no setor privado quanto no serviço público, o que resultou em
uma proporção de benefícios, em 2005, de 13% da população, enquanto a pro-
porção dos maiores de 60 anos era de apenas 9,8%. A regra de formação do valor,
baseada na média simples dos últimos 36 salários mensais de contribuição, repassa
aos beneficiários um valor presente muito superior à soma das suas contribuições,
já que os trabalhadores têm progressão salarial durante suas vidas de trabalho.
Ilustra-se com três exemplos.
Primeiro, a aposentadoria por idade (AI), adquirida aos 60/65 anos (mulheres/
homens) com apenas 15 anos de carência.5 A regra de elegibilidade segue padrões
internacionais, mas o valor não é o justificado pelo histórico de contribuições. A
mulher de 60 anos espera viver mais 22 anos; e o homem de 65, mais 16 (Tábua
de Vida IBGE-2004). Ou seja, o tempo de fruição é maior do que o tempo de
contribuição em ambos os casos.
O segundo exemplo é a aposentadoria rural, de valor igual ao salário mínimo,
admitida com cinco anos a menos na idade, aos 55/60 anos, sendo que os segurados
rurais contribuem muito pouco para a previdência. A idade de elegibilidade está
aquém da idade adotada internacionalmente, e as contribuições são muito pequenas.

5. Carência é o tempo mínimo de contribuição para a elegibilidade à AI. Essa carência era de 5 anos até 1991, época em que foi fixada
em 15 anos para novos segurados e aumentada em 6 meses por ano para os que já eram segurados do INSS nessa data. Em 2006, a AI
dos já filiados ao INSS em 1991 requer 12,5 anos de contribuições.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 227

O balanço, em 2005, foi um déficit de R$ 24,5 bilhões, com despesas de R$ 27,9


bilhões e arrecadação de apenas R$ 3,4 bilhões.
O terceiro exemplo é a ATC. Essa aposentadoria é adquirida com 30/35
anos de contribuição, independente de idade. A idade média de concessão dessa
aposentadoria era, em 1998, de 49 anos, com 32 anos de contribuição. Mas a
pessoa de 49 anos ainda espera viver por mais 29 anos. A um período contributivo
médio de 32 anos correspondia um período esperado de fruição de 29 anos. O
equívoco estava em ambos, na regra de elegibilidade (30/35 anos de contribuição)
e na formação do valor (média dos últimos 36 salários mensais de contribuição).
A mudança na fórmula de cálculo do valor das aposentadorias (pelo fator
previdenciário, explicado mais adiante) estimulou o atraso dessas aposentadorias
e alterou a forma de determinação de seu valor,6 reduzindo o desequilíbrio atuarial
embutido. Mas essa fórmula é obrigatoriamente aplicada às ATCs, que são uma
fração (cerca de 5%) do total de benefícios concedidos anualmente. Ademais, o fator
também tem desequilíbrios atuariais embutidos, como será mostrado mais adiante.
Antes de prosseguir, convém fazer uma rápida digressão sobre o argumento
corrente segundo o qual as contribuições dos empregadores sobre rendimentos
em excesso ao teto do INSS financiariam os desequilíbrios apontados. O argu-
mento tem procedência conceitual, mas é preciso verificar sua relevância empírica.
Para isso, considera-se a distribuição por faixas de rendimento dos indivíduos
ocupados pelas pessoas jurídicas.7 Segundo a Guia do FGTS e Informações à
Previdência Social (GFIP), o número médio de ocupados formais pelas pessoas
jurídicas no primeiro semestre de 2005 era de 25,7 milhões; sua massa remuneratória
total foi de R$ 24,6 bilhões. Desses totais, apenas 1,63 milhão de ocupados (6,4%)
tiveram rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral; a massa
remuneratória (salários, retiradas pró-labore e pagamento a autônomos) média
mensal desse conjunto de ocupados foi de R$ 8,4 bilhões; e a massa em excesso ao
teto, R$ 4,3 bilhões, 17,4% do total (tabela 1).
A contribuição patronal sobre essa massa gera uma arrecadação mensal de
R$ 853 milhões ou anual de R$ 11 bilhões, equivalente a 10% do total do exercício
de 2005. Esse valor é insuficiente para custear os desequilíbrios apontados. So-
mente com o auxílio-doença o INSS gastou R$ 905 milhões em maio de 2005,
cerca de R$ 12 bilhões no ano. Somando-se a aposentadoria por invalidez e os

6. Delgado et al. (2006) mostram que o fator aumentou a idade de aposentadoria e o tempo de contribuição, bem como afetou o valor
das novas concessões, como esperado.

7. A GFIP deve conter a relação completa de todos os indivíduos ocupados pelas pessoas jurídicas, o que inclui os empregados com
carteira assinada, os sócios dirigentes que fazem retiradas pró-labore e autônomos que lhe prestam serviços.

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228 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

TABELA 1
Contribuintes e massa remuneratória por faixas de renda
a
Número de contribuintes % Massa remuneratória (R$ milhões) %

Total 25.650.392 100,0 24.566 100,0

Até teto 24.020.286 93,6 16.128 65,7

Acima do teto 1.630.106 6,4 8.438 34,3

Massa excedente ao teto 4.262 17,4


Fonte: GFIP/MPS.
a
Valores médios do primeiro semestre de 2005 – incluem salários, pró-labore de sócios administradores e pagamentos a autônomos que
prestam serviços a pessoas jurídicas. Teto do RGPS: R$ 2.508,72 entre janeiro e abril e R$ 2.668,15 a partir de maio.

benefícios acidentários, as despesas no mês foram de R$ 2,4 bilhões, ou mais de R$ 30


bilhões no ano (tabela 2).
A tendência ao desequilíbrio crescente deverá prosseguir no tempo, enquanto
as regras de elegibilidade e formação do valor da aposentadoria não respeitarem o
cálculo atuarial. A queda da fecundidade e o aumento da longevidade aumentam
a proporção de idosos na população e, por conseqüência, também a de aposentados,
agravando o desequilíbrio. Atualmente, 9,8% da população têm mais de 60 anos,
proporção que aumentará, segundo o IBGE, para 17% em 2025 e 25% em 2050.
Há, portanto, desequilíbrios embutidos nas regras de elegibilidade e de for-
mação do valor do benefício em praticamente todos os tipos de aposentadoria,
desequilíbrios esses que são potencializados pelas regras específicas adotadas pela
previdência no Brasil. Essas regras específicas e seus efeitos fiscais serão tratados a
seguir. Antes, porém, será examinada a questão do vínculo entre o piso dos bene-
fícios previdenciários e o salário mínimo.

TABELA 2
Despesas com benefícios de risco
(Em R$ milhões)

Espécies Maio 2005 Anualizada

Invalidez 1.103 14.339

Auxílio-doença 905 11.770

Benefícios acidentários 345 4.481

Total 2.353 30.590


Fonte: Beps, maio de 2005.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 229

4 VINCULAÇÃO DO BENEFÍCIO MÍNIMO AO SALÁRIO MÍNIMO


A Constituição Federal de 1988 determina que os benefícios de prestação conti-
nuada, previdenciários ou assistenciais, tenham valor não inferior ao salário mínimo
(SM). Também têm esse mesmo piso o seguro-desemprego e o abono salarial.
Reajustes no valor real do SM têm alto impacto nas despesas públicas, espe-
cialmente no RGPS, por causa do elevado número de benefícios previdenciários
de valor igual ao SM, de 12,4 milhões, aos quais se somam 2,8 milhões de bene-
fícios assistenciais que oneram as contas da seguridade social.
Avalia-se o impacto do reajuste do SM nas contas do RGPS pela diferença
entre, de um lado, o aumento das despesas com benefícios previdenciários e, de
outro, o aumento da arrecadação. Do lado das despesas, cada real de reajuste afeta
as contas do RGPS em R$ 12,4 milhões, computando-se somente os benefícios
de 1 SM (a esse valor dever-se-ia acrescentar o reajuste parcial do grande contin-
gente de benefícios de valor próximo do mínimo). O impacto nas contas públicas
é maior devido ao pagamento de benefícios assistenciais, do seguro-desemprego,
do abono salarial e da folha salarial de prefeituras de regiões mais pobres.
Do outro lado, cada real de aumento eleva a arrecadação em cerca de R$ 1,3
milhão, provindos de 1 milhão de empregados com carteira assinada que recebem
o SM e dos contribuintes individuais que recolhem sobre esse valor (cerca de 5
milhões). Os outros efeitos são de ordem menor e, portanto, são desconsiderados.
O efeito líquido de cada real de aumento é a elevação do déficit da previdência
em mais de R$ 11,1 milhões mensais. Claramente, o impacto nas contas do RGPS
é um forte limitador ao reajuste significativo do SM.
Como o SM tem baixo valor comparado ao de outros países, observa-se uma
forte e irresistível pressão para seu aumento. De um lado, parece haver clara conve-
niência política para reajustes reais; de outro, o elevado impacto fiscal coloca um freio
ao reajuste. Para resolver o dilema e permitir reajustes reais sem afetar as contas
públicas, analistas propõem que se desvincule o piso de benefícios do SM.
Argumenta-se, ademais, que repassar aumentos reais para proventos de aposentadoria
e pensão não se conformaria com práticas previdenciárias observadas no mundo.
As aposentadorias precisam de garantia legal de preservação de seu valor
real, pois, nas idades avançadas, são muito restritas as possibilidades de readaptação
ou de defesa dos rendimentos pessoais. Todavia, não teria sentido conceder-lhes
aumento real.
Ainda que o argumento tenha procedência, é necessário escolher o parâmetro
para medir a preservação do valor real. Preço ao consumidor é um parâmetro.

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230 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

Mas os benefícios também podem ser indexados ao crescimento dos salários ou


das rendas per capita. A indexação a preços busca preservar o poder de compra
absoluto; os outros indexadores buscam transferir ao aposentado os benefícios do
progresso da sociedade. Indexação aos salários preserva o nível de renda relativa-
mente aos que permanecem trabalhando; indexação à renda per capita assegura
paridade com a média nacional.
As razões das reiteradas propostas de desvinculação fundamentam-se na di-
ficuldade de se resistir às pressões políticas para aumentos reais do SM, e nas suas
conseqüências fiscais. A desvinculação, assim se argumenta, permite atender as
aspirações por aumentos significativos sem afetar intoleravelmente as contas fiscais.
O SM deixaria de ser tão baixo, as pressões políticas seriam satisfeitas, e o mundo
giraria feliz.
Será mesmo? Não obstante a aparente lógica do argumento, faltam-lhe elos.
A questão essencial é identificar de onde partem as pressões para o aumento do
SM e que efeito político terá a desvinculação.
Inicialmente, é preciso lembrar que, ao final da década de 1990, foi possibi-
litado o estabelecimento de pisos salariais por estado. A idéia era preservar o SM
como referência para o piso de benefícios previdenciários e assistenciais. Por esse
dispositivo, cada estado pode definir um piso salarial para viger em seu território.
O pleito da desvinculação foi parcialmente atendido do ponto de vista legal. Todavia,
a faculdade foi pouco exercitada. Por quê?
Merece consideração o fato de não haver impedimento a que os empregadores
paguem salários acima do mínimo ou do piso estadual. A fixação legal do mínimo
parte do pressuposto de que empregados teriam menor poder de barganha nas nego-
ciações salariais. O mínimo ou o piso seria uma forma de proteção aos menos capazes.
Conquanto plausível, há limites superiores para a remuneração mínima com-
pulsória, a depender da produtividade do trabalho e dos encargos sobre os salários.
Como mostrado anteriormente, os encargos sobre a folha estão entre os maiores
do mundo e são a causa principal da elevada informalidade observada no mercado
de trabalho. Por essa razão, uma elevação significativa do SM induzirá emprega-
dores a dar baixa do registro em carteira de seus empregados – alguns perderão o
emprego, outros permanecerão empregados como informais recebendo até mais
do que antes, mas sem direitos trabalhistas e previdenciários. Os empregadores,
por sua vez, economizarão no pagamento de encargos. Os prejudicados serão os
próprios trabalhadores.8

8. Ulyssea e Foguel (2006), revendo a literatura empírica, relatam estudos que indicam, ainda que de forma não absolutamente conclusiva,
que o aumento do SM provoca desemprego e mudança de posição na ocupação, de formal para informal.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 231

Para avaliar o suporte político da desvinculação, é necessário quantificar o


número de pessoas afetadas. Em princípio, desconsiderando-se o temor da
informalidade ou da perda do emprego, espera-se que os empregados que ganhem
SM ou pouco acima desse valor sejam favoráveis ao aumento, pois as suas remu-
nerações melhorariam.
Recorre-se mais uma vez às informações da GFIP, mostradas no gráfico 5 e
na tabela 3. No primeiro semestre de 2005, havia 963 mil vínculos com salário
exatamente igual a 1 SM; 1,7 milhão de vínculos, incluindo tempo parcial e ad-
missões e demissões, com salário menor do que o SM; e 2,5 milhões entre 1 e 1,25
SM. Em resumo, cerca de 4 milhões de ocupados formais seriam afetados caso
houvesse um reajuste significativo do SM. Esse número de empregados com carteira
diretamente beneficiados pelo aumento é pequeno, e somente seriam beneficiados
aqueles que permanecessem empregados. Além do mais, eles têm pequeno poder
político. Note-se que o número daqueles que recebem menos do que o SM é o
dobro do número daqueles que recebem exatamente o SM. Por que não se reivindica
que se cumpra o pagamento do SM? Isso em nada afetaria as contas fiscais e não
haveria necessidade de nenhuma mudança legal.
Mais significativo é o número de autônomos e empregados sem carteira9
cujos rendimentos estão próximos do SM. Todavia, eles estão nessa condição por
incapacidade de pagamento por parte de seus empregadores ou para evitar a eleva-
da carga de contribuições incidente sobre a folha formal. Alega-se que suas rendas
acompanham, ainda que com certo atraso, o aumento do SM. Mas o reajuste do

GRÁFICO 5 e TABELA 3
Vínculos e massa salarial por faixas de salário mínimo e teto
(Em %)
30 Em SM Vínculos % Massa %
25 Até 1 SM 1.651 6,4 231 0,9

20 = 1 SM 963 3,8 267 1,1


1 a 1,25 2.512 9,8 789 3,2
15
1,25 a 2 7.564 29,5 3.340 13,6
10
2a5 9.098 35,4 7.432 30,3
5
5 a 1 teto 2.231 8,7 4.068 16,6
0
1 teto e + 1.630 6,4 8.438 34,4
e+
1 o
1
1

a3

a3
a2

a2
1, 25

a5

1, 5

a5
et

,
é

a1
,

at
At

5
a1

2
25

5
3

Total 25.650 100 24.566 100


5
1

Vínculos Massa
Fonte: GFIP/MPS – média do primeiro semestre/2005. SM = salário mínimo; teto do RGPS.

9. Em 2004, segundo a Pnad, havia 20,8 milhões de empregadores e trabalhadores por conta própria e 19,7 milhões de empregados
sem carteira, dos quais 4,8 milhões eram domésticos; domésticos com carteira eram 1,7 milhão.

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232 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

SM significaria, de imediato, um aumento na contribuição previdenciária para a


parcela dos autônomos ou empregados sem carteira que recolhem como contri-
buintes individuais.
Em oposição, o número de beneficiários diretos da previdência e assistência
social com benefícios de SM é muito grande, mais de 15,2 milhões.10 Embora a
desvinculação continuasse a assegurar reajustes periódicos aos benefícios, de modo
a preservar-lhes o poder de compra, a norma produziria nesse contingente de
beneficiários diretos uma sensação de perda de segurança e de empobrecimento
relativo, uma vez que seus benefícios ficariam defasados em relação aos que per-
manecessem no mercado de trabalho. Essa sensação já é histórica, pois os aposentados
costumam medir o valor de sua aposentadoria em número de SMs e reivindicar a
sua correção para manter a mesma relação da época da concessão.
As pressões para o aumento real do SM vêm do conjunto dos beneficiários
da previdência e assistência, mais do que do conjunto dos assalariados que recebem
SM ou uma remuneração próxima desse valor.
Por essa razão, uma vez implantada a desvinculação, cessariam as pressões
para se reajustar o SM, mas aumentariam as pressões para se reajustar o piso ou
mesmo todos os benefícios, como, aliás, já se observa nos pleitos das entidades de
aposentados, capazes de sensibilizar o Congresso Nacional e mesmo o Executivo.11
Conforme se argumentou, as pressões pelo aumento do SM provêm dos
beneficiários da seguridade social e não serão dissolvidas pela desvinculação, apenas
reorientadas para reajustes do piso e dos benefícios da seguridade. Que razões
haveria para se acreditar na capacidade do governo de resistir às pressões para o
aumento real do piso previdenciário, se tiver acatado a desvinculação por incapa-
cidade de resistir às pressões para elevar o SM?
Por isso, a desvinculação poderá criar mais problemas do que é capaz de
resolver. Se, de um lado, permite o aumento do SM sem afetar as contas fiscais, de
outro não evita que as pressões se voltem intensamente para o reajuste dos benefícios.
Além do mais, cria um problema político para mais 15 milhões de beneficiários
da seguridade, que se sentirão desprotegidos e abandonados pela política e pelo
governo.

10. Número de benefícios não equivale a número de beneficiários, pois há indivíduos com múltiplos benefícios, como aposentadoria,
pensão e auxílio-acidente, que são legalmente acumuláveis.

11. A recente decisão do presidente da República de conceder reajuste real aos benefícios, conforme reivindicado por entidades de
classe, poderá ter inaugurado uma nova fase de mais intensas pressões por aumentos reais dos benefícios. E de fato, pouco tempo
depois, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de conversão de medida provisória, reajustando todos os benefícios no mesmo
percentual de reajuste do SM.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 233

Uma solução seria obter aprovação de emenda constitucional que: a) separasse


claramente previdência de assistência social, embora ambas continuassem comple-
mentares; b) adotasse critérios de elegibilidade específicos – para a previdência,
completar período contributivo e, para a assistência, atingir idade avançada (mais alta
do que a requerida pela previdência) ou ser portador de deficiência severa e profunda
que incapacite para o trabalho, podendo adicionalmente ficar condicionada a teste
de renda; c) adotasse critérios de formação de valor também específicos – na previ-
dência, o justificado pela soma das contribuições e pela idade na data do retiro e,
na assistência, pelo critério de renda mínima que possa ser acomodada no orçamento;
e d) determinasse a correção periódica dos valores exclusivamente por índice de
preços, vedado qualquer reajuste real durante um determinado período de tempo.12
Poderá ser difícil aprovar emenda com esse teor. Tampouco é comum en-
contrar nas constituições ao redor do mundo dispositivos que fixem valores ou
índices de reajustes. A solução é esquisita e somente tem sentido diante da incapa-
cidade de se evitar a aprovação de políticas fiscalmente irresponsáveis: frente a essa
incapacidade, optar-se-ia pela renúncia ao direito de decidir. Mesmo esquisita, a
medida parece ter precedentes históricos: Ulisses, em sua Odisséia pelos mares das
sereias, sabedor da virtual impossibilidade de resistir ao seu canto, ordenara aos
marujos para que o amarrassem ao mastro e, em nenhuma hipótese, mesmo diante
de seus apelos desesperados ou ordens ameaçadoras, soltassem-no ao se avistarem
tais criaturas; para não sucumbirem, os marujos deveriam ter seus ouvidos inteira-
mente vedados.

5 BAIXA IDADE DA APOSENTADORIA RURAL


Em 1988, a Constituição ampliou o alcance dos benefícios para os trabalhadores
rurais: a) reduziu em cinco anos as idades de aposentadoria, até então iguais às
urbanas (60/65 anos para mulheres/homens, respectivamente); b) estendeu o di-
reito à aposentadoria à mulher e o direito à pensão ao homem; e c) igualou o piso
dos benefícios rurais ao urbano. Essas medidas, operacionalizadas pelas Leis de
Custeio e Benefícios da Previdência Social de junho de 1991, tornaram imediata-
mente elegíveis à aposentadoria alguns milhões de trabalhadores rurais e elevaram
o benefício de todos de 1/2 SM para 1 SM.
Os impactos dessas medidas nos domicílios rurais já são bem conhecidos
(ver DELGADO; CARDOSO JUNIOR, 1999; 2000; 2003), assim como o desequilíbrio
financeiro desse regime específico. O que se questiona é se há razões essenciais

12. Sugere-se que a vedação de reajustes acima do índice de preços tenha prazo de validade, para permitir, no futuro, se possível e
conveniente, repassar às aposentadorias ou à renda mínima assistencial os benefícios do progresso técnico.

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234 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

para que as idades de aposentadoria rural sejam cinco anos inferiores às urbanas.
Não há indícios de que o trabalho rural seja mais penoso; tampouco a longevidade
no campo é menor do que no meio urbano. Ademais, as contribuições do setor
rural são modestas, financiando cerca de 13% da despesa (tabela 4).
Esse elevado desequilíbrio financeiro espelha um desequilíbrio atuarial em-
butido, que se demonstra assumindo-se o caso extremo de um segurado que comece
a contribuir aos 15 anos de idade, contribua ininterruptamente até a aposentadoria,
aos 55/60 anos de idade, em montante igual a 4,1% do SM,13 com toda a contri-
buição destinada a financiar apenas a aposentadoria (os números a seguir foram
calculados para o valor atual do SM, de R$ 350).
O desequilíbrio atuarial pode ser medido pela comparação dos valores pre-
sentes das contribuições e dos benefícios. Mesmo na hipótese favorável de SM
constante e aposentadoria de 1 SM, o valor presente do seu fluxo de fruição é
várias vezes superior ao das contribuições: 4,24 e 2,74 vezes, para a aposentadoria
aos 55/60 anos de mulheres/homens, respectivamente, como se mostra na primeira
e segunda colunas da tabela 5.
Caso as idades de aposentadoria fossem iguais às urbanas, os homens ainda
assim receberiam em média, como aposentadoria, quase o dobro das contribuições
e as mulheres o triplo; e se fossem igualadas para ambos os sexos em 65 anos,
ainda assim as mulheres financiariam pouco menos da metade de seus benefícios.
A elevação das idades para 60/65 reduziria o desequilíbrio na aposentadoria das
mulheres em 29% e na dos homens em 30%; se a idade das mulheres fosse também
estabelecida em 65 anos, o desequilíbrio seria reduzido à metade.

TABELA 4
Setor rural: receitas, despesas e déficit
(Em R$ bilhões de dezembro de 2005, deflator: INPC)

2002 2003 2004 2005

Despesas com benefícios 22,7 23,5 25,1 27,9

Receitas de arrecadação 3,1 3,3 3,4 3,4

Déficit 19,6 20,2 21,7 24,5

Autofinanciamento (%) 13,5 14,0 13,5 12,2


Fonte: RGPS/MPS, diversos números.

13. Essa alíquota hipotética equivale a 13% (percentual de autofinanciamento) da alíquota integral. Embora fosse desejável que as
contribuições seguissem a regra geral, os trabalhadores rurais não dispõem de renda monetária suficiente para isso.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 235

TABELA 5
Valor presente de contribuições e benefícios de segurados rurais, por sexo e diferentes
idades de aposentadoria
(SM = R$ 350)

M 55 H 60 M 60 H 65 M 65

VPC 17.826 22.705 22.705 28.640 28.640

VPB 75.630 62.150 68.383 55.139 59.904

Razão VPB / VPC 4,24 2,74 3,01 1,93 2,09


M 55: aposentadoria da mulher aos 55 anos de idade; H 60: idem do homem aos 60 anos de idade. Salário Mínimo constante; aposentadoria
de 1 SM mensal. VPC e VPB: Valores Presentes de Contribuições e Benefícios. Contribuições à alíquota de 4,1% do SM, iniciando aos 15 anos e
continuando até a aposentadoria. Tábua de Vida IBGE-2004; taxa de juros de 4% a.a.

Os efeitos financeiros no fluxo de caixa se fariam sentir progressivamente.


Para uma estimativa grosseira desses efeitos, adota-se o critério contrafactual,
assumindo-se que as idades mínimas de 60/65 tivessem sido adotadas para viger a
partir de 2000 e reestimando-se as novas despesas em razão do atraso de todas as
novas aposentadorias por cinco ou dez anos. Os resultados estão na tabela 6: a
primeira linha mostra o número anual de concessões ocorridas entre 2000 e 2005
ou assumidas para os anos seguintes (por hipótese igual à média anual do período
anterior, de 282 mil). A segunda linha mostra qual teria sido a despesa evitada,
caso, a partir de 2000, as idades de aposentadoria tivessem sido fixadas em 60/65
anos. Como se nota, a despesa evitada cresce durante seis anos, atingindo no sexto
ano o expressivo valor de R$ 6,4 bilhões, estabilizando-se em seguida nesse patamar.
Se, adicionalmente, a idade de aposentadoria das mulheres tivesse sido fixada em
65 anos (terceira linha da tabela), a despesa evitada continuaria aumentando até o
décimo ano, quando atingiria o valor anual de R$ 9,6 bilhões, estabilizando-se
em seguida nesse patamar. Essa alteração requer emenda constitucional.

TABELA 6
Aposentadorias rurais por idade e despesa evitada por aumento da idade
(Em R$ milhões de 2006)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2007 2009


a b b
Concessões (mil) 319 249 325 263 271 267 282 282
c
Idade 60/65 725 2.016 3.320 4.657 5.872 6.372 6.310 6.200
c
Idade 65/65 725 2.016 3.320 4.657 5.872 6.734 8.316 9.569
a
Aeps e Beps / MPS. Salário mínimo de R$ 350; metade das aposentadorias do sexo masculino.
b
Estimadas iguais à média do período 2000-2005.
c
Despesa evitada por aumento das idades para 60/65 ou 65/65, mulheres/homens.

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236 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

6 AUSÊNCIA DE IDADE MÍNIMA NO RGPS – REGRAS ESPECÍFICAS

6.1 A experiência internacional


À medida que se avança na idade, perde-se progressivamente capacidade de trabalho.
Foi para repor renda e evitar a pobreza nas idades avançadas que a previdência
surgiu. Por isso, o critério de elegibilidade universalmente aceito é o alcance de
uma idade convencionada como de aposentadoria.
Essa idade tem variado no tempo e entre nações, como revela a tabela 7. A
idade típica entre os países avançados é de 65 anos para ambos os sexos, embora
muitos países admitam idade menor para as mulheres. Vários países decidiram
igualar as idades de ambos em 65 anos. Essa decisão foi adotada em 1995 pelo
Parlamento Britânico, que igualou as idades de aposentadoria para os dois sexos
em 65 anos, a viger em 2020, com período de transição iniciando-se em 2010.

TABELA 7
Idades de aposentadoria em países selecionados

Hoje Futuro Hoje Futuro


Países Países
H M H M data H M H M data

Argentina 65 60 - - Itália 65 60 - -

Bélgica 65 61 - 65 2009 Coréia 60 60 65 65 2033

Áustria 65 60 - 65 2007 Luxemburgo 65 65 - -

Austrália 65 60 - - México 65 65 - -

Chile 65 60 - - Holanda 65 65 - -

Costa Rica 62 60 - - Nova Zelândia 65 65 - -

Colômbia 69 55 - - Noruega 67 67 - -

Dinamarca 67 67 - - Peru 65 65 - -

El Salvador 60 55 - - Polônia 65 60 - -

Finlândia 65 65 - - Portugal 65 65 - -

França 60 60 - - Espanha 65 65 -

Alemanha 65 65 - - Suíça 65 62 - 65 2009

Grécia 65 60 - - Reino Unido 65 60 - 65 2020

Hungria - - 62 62 2009 Estados Unidos 65 65 67 67 2027

Islândia 67 67 - -
Fonte: OECD (2003).

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 237

Recentemente, o governo britânico encaminhou ao Parlamento proposta para


elevar as idades para 66 em 2024, 67 em 2034 e 68 em 2044 (UK DEPARTMENT OF
WORK AND PENSIONS, 2006). Na Islândia, na Noruega e na Dinamarca a idade já é
de 67 anos para ambos os sexos; nos Estados Unidos será de 67 anos a partir de 2027,
ou seja, os nascidos a partir de 1960 somente se aposentarão aos 67 anos de idade.
Não obstante as idades mínimas de aposentadoria, em geral se admite a
aposentadoria antecipada como forma de flexibilizar a rigidez imposta pela idade
mínima e reduzir as idades efetivas de aposentadoria. É o que se observou em
diversos países europeus. Frente às dificuldades de emprego e como conseqüência
da política do wellfare state, homens e mulheres puderam ou foram induzidos a
optar pela aposentadoria antes das idades mínimas. Entre 1960 e 1995, as idades
efetivas de aposentadoria em diversos países caíram cinco anos, enquanto a espe-
rança de vida ao nascer aumentava cerca de seis anos (tabela 8). A flexibilidade
permite adaptação às circunstâncias cambiantes no mercado de trabalho, renovação
mais rápida do emprego e freio ao crescimento do desemprego. Mas também
introduz dificuldades financeiras que precisam ser enfrentadas.
TABELA 8
Esperança de vida e idades efetivas de aposentadoria – países selecionados
Homens Mulheres

Esperança de vida Idade de aposentadoria Esperança de vida Idade de aposentadoria


Países
1960- 1995- 1960 1995 1960- 1995- 1960 1995
1965 2000 1965 2000

Bélgica 67,9 73,8 63,3 57,6 73,9 80,6 60,8 54,1

França 67,6 74,2 64,5 59,2 74,5 82,0 65,8 58,3

Alemanha 67,4 73,9 65,2 60,5 72,9 80,2 62,3 58,4

Irlanda 68,4 73,6 68,1 63,4 72,3 79,2 70,8 60,1

Itália 67,4 75,0 64,5 60,6 72,6 81,2 62,0 57,2

Espanha 67,9 74,5 67,9 61,4 72,7 81,5 68,0 58,9

Suécia 71,6 76,3 66,0 63,3 75,6 80,8 63,4 62,1

Reino Unido 67,9 74,5 66,2 62,7 73,8 79,8 62,7 59,7
Fonte: Pestieau, 2005.

6.2 O fator previdenciário


No Brasil, os regimes de previdência admitem a aposentadoria por idade, aos 60/
65 anos, e a ATC, integral aos 30/35 anos de contribuição, independente de idade,
ou proporcional, aos 25/30 anos de contribuição, neste caso com idades mínimas

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238 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

de 48/53 anos.14 Em todos os casos, o valor da aposentadoria é determinado em


função da média dos 80% maiores salários de contribuição do período contributivo
considerado.15
A ausência de idades mínimas e a ATC fizeram com que a idade de aposen-
tadoria caísse drasticamente. O gráfico 6 mostra a drástica queda da idade média
na data da concessão, no Regime Geral, entre 1992 e 1997, de 53,2 anos para
48,9. Nos anos seguintes, a idade média aumentou para 53,5 anos em razão de: a)
alteração na contagem de tempo para a aposentadoria especial daqueles expostos a
agentes prejudiciais à saúde e à integridade física, implementada em junho de
1998; b) exigência de idades mínimas de 48/53 e “pedágio” para a aquisição do
direito à proporcional; e c) aplicação do fator, a partir de dezembro de 1999, às
aposentadorias por tempo de contribuição, o que tornou desinteressante a opção
pela aposentadoria proporcional por tempo de contribuição. No setor público, a
idade média era ainda menor por causa da contagem em dobro dos tempos das
licenças-prêmio não gozadas.
O estancamento da tendência observada até 1998 foi a razão das reformas,16
sem as quais essa tendência continuaria, porque os mais de 4 milhões de admitidos
GRÁFICO 6
Idade média na data de concessão da ATC
54

52

50

48

46
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: Aeps/MPS.

14. A ATC proporcional, adquirida com 25/30 anos de contribuição, sem requisito de idade, foi extinta pela Emenda 20 para os ingressos
no mercado a partir de sua promulgação. Para os existentes passou-se a exigir idades mínimas de 48/53 anos e tempo adicional de 40%
do tempo que na data ainda faltava para a aquisição do direito, chamado de “pedágio”. A Emenda 41 extinguiu a proporcional para
todos os servidores públicos. A ATC aos 30/35 anos independe de idade no RGPS; no setor público, essa modalidade, pela Emenda 41,
passou a exigir idades mínimas de 55/60. No entanto, preservou-se, para os admitidos até a Emenda 20, a possibilidade da aposentadoria
a partir dos 48/53 anos de idade, com 30/35 de contribuição acrescidos do “pedágio” e no valor determinado pela aplicação, sobre a
média dos salários de contribuição, de redutor de 5 p.p. por ano antecipado em relação às idades mínimas.
15. O período contributivo se inicia com o Plano Real (julho de 1994) ou na data da primeira contribuição, se posterior, e se estende até
a data da aposentadoria.

16. Delgado et al. (2006), em trabalho recente, mensuraram os efeitos do fator nas ATCs. Segundo seu trabalho, a aplicação do fator
resultou em um aumento nas idades de aposentadoria e uma redução do valor médio de concessão, como era esperado.

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 239

no mercado de trabalho entre 1968 e 1972 estavam completando os requisitos


para o direito. Ademais, a modernização do país permitiu que os trabalhadores se
aparelhassem para documentar tempos de serviço. O próprio Ministério da Previ-
dência organizou o Cadastro Nacional de Informações Sociais, contendo os registros
dos vínculos e remunerações, e os validou para efeito do reconhecimento dos
direitos previdenciários.
A mais importante mudança da Emenda Constitucional 20, não bem enten-
dida na época, foi a supressão, na Constituição, da regra que definia o valor da
aposentadoria como a média aritmética simples dos últimos 36 salários mensais
de contribuição, corrigidos pela inflação. Ao deixar de constar da Constituição,
ficou aberta a possibilidade de se adotarem novas formas de determinação do
valor, o que foi feito pela Lei 9.876/99. Essa lei alongou o período-base de cálculo
para uma janela móvel ancorada em julho de 1994 e adotou o fator previdenciário,
aplicável compulsoriamente às ATCs.
De maneira similar, a mais importante medida da Emenda Constitucional
41 foi a extinção da integralidade da aposentadoria para os admitidos a partir de
2004 e a definição do valor dos proventos com base nos salários de contribuição.
Ficou, portanto, aberta a possibilidade de adoção do fator previdenciário no ser-
viço público, mas a Lei 10.887/04, que regulamentou essa emenda, optou pela
média simples do mesmo período de referência utilizado pelo Regime Geral, sem
a aplicação de fator.
Pela Lei 9.876/99, o valor da aposentadoria no Regime Geral resulta da
multiplicação da média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição
do período contributivo por um fator, conforme equação a seguir.

B =Y × f (1)

B = valor da aposentadoria;
Y = média dos 80% maiores salários de contribuição do período que se
inicia em julho de 1994 ou na data da primeira contribuição, se posterior; e
F = fator previdenciário.
O fator obedece à seguinte fórmula:

Tc × α  Id + Tc × α 
f = 1+
Es   (2)
100

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240 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

Tc = tempo de contribuição;
Id = idade na data da aposentadoria;
Es = esperança de sobrevida de ambos os sexos para a idade na aposentadoria; e
α = 0,31 alíquota de contribuição dos segurados e dos empregadores.
O reagrupamento dos termos permite um melhor entendimento da fórmula.

Y ×Tc × α  Id + Tc × α 
B= 1 + 
Es 100

Os termos do primeiro numerador, denominados C = Y x Tc x α, representam


a soma das contribuições vertidas pelos empregados e empregadores durante os Tc
anos de contribuição. A divisão de C pela esperança de sobrevida, Es, resulta no
valor corrente do benefício que iguala a soma das contribuições vertidas com a
soma do fluxo da aposentadoria durante os anos esperados de fruição do benefício,
na ausência de juros e de desconto. O termo entre colchetes atua como uma taxa
de juros implícita a remunerar as contribuições e a descontar o fluxo de fruição
dos benefícios. Seu valor depende do tempo de contribuição e da idade na data da
aposentadoria, variando entre pouco menos de 2% e pouco mais de 5%.
Em outras palavras, pela fórmula do fator, o valor corrente da aposentadoria
é tal que iguala os valores presentes das contribuições e benefícios, para a taxa de
juros definida implicitamente, para aqueles que viverem exatos Es anos. Ou seja, a
previdência devolve, durante os anos esperados de fruição da aposentadoria, o
valor aportado e remunerado durante os anos de contribuição.
O fator faz justiça contributiva, porque reconhece e premia o esforço
contributivo de cada segurado, concedendo um valor corrente maior para aqueles
que, tendo contribuído o mesmo montante, se aposentarem com mais idade, ou,
tendo a mesma idade na data de retiro, tiverem contribuído com um valor total
maior, quer porque começaram mais cedo, quer porque contribuíram sobre salários
maiores.
A fórmula permite reduzir ou eliminar os subsídios cruzados, ex ante, nos
esquemas de aposentadoria.17 Além disso, convém apontar outra característica
importante do fator: a sua flexibilidade. Como a fórmula calcula o valor corrente

17. Caetano (2006), em estudo recente, examina a questão dos subsídios cruzados nos regimes de previdência, adotando como critérios
a comparação de: a) valores presentes de contribuições e benefícios; e b) da taxa de juros que equilibra os valores presentes com uma
taxa de mercado, a da caderneta de poupança de 6% a.a.

Cap06.pmd 240 23/3/2007, 15:44


DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 241

do benefício, de maneira a igualar os valores presentes das contribuições e dos


benefícios, ela permite a aposentadoria sem exigência de tempos mínimos de con-
tribuição, de idades mínimas, de carência ou de qualidade de segurado. A fórmula
pondera automaticamente todos esses importantes aspectos. E mais, reconhece
também o direito daqueles que, tendo contribuído no passado, ficaram, por qual-
quer motivo, sem contribuir nos anos anteriores às idades de aposentadoria, per-
dendo por completo o direito à aposentadoria por idade e, conseqüentemente,
tudo o que contribuíram. Além de injusto para com o contribuinte, isso é enri-
quecimento ilícito do INSS.18
A adoção do fator foi equivocadamente entendida como tendo eliminado os
desequilíbrios atuariais embutidos na arquitetura do RGPS. Embora a fórmula
seja muito superior à que existia antes, ela também está atuarialmente desequili-
brada pelas seguintes razões:
a) deixa os benefícios de risco sem financiamento, pois adota na fórmula do
fator a alíquota de 0,31, o que implica que toda a contribuição (até o teto) é
acumulada e escrituralmente “capitalizada” para formar o valor da aposentadoria;
b) adota alíquota maior do que a média efetiva;
c) acrescenta à contagem de tempo Tc tempos fictícios de cinco anos para
mulheres e professores e de dez anos para professoras;
d) estima a esperança de sobrevida para toda a população brasileira, incluindo
os sem renda, sem médicos e sem medicamentos, os quais, por essa razão, têm
vidas mais curtas do que os segurados do RGPS e os servidores públicos; e
e) aplica-se compulsoriamente só à aposentadoria por tempo de contribuição.

6.3 Benefícios de risco e benefícios programáveis


Conforme foi dito na introdução deste capítulo, sugere-se financiar separada-
mente as duas classes de benefícios: os de risco e os programáveis. O financiamento
dos primeiros seria em regime de repartição simples ou de repartição de capitais de

18. Essas exigências teriam sentido apenas como condição de elegibilidade para o benefício de valor mínimo. Ter qualidade de segurado
é ainda uma exigência corrente do RGPS para a aquisição de direito a qualquer tipo de benefício desse regime; perde a qualidade de
segurado aquele que, tendo contribuído por até 10 anos, fica 12 meses sem contribuir ou, tendo sido segurado por mais de 10 anos, fica
24 meses sem contribuir. Um segurado que tivesse contribuído durante 29 anos e ficado sem contribuir por mais 2 anos, ao chegar aos
65 anos de idade, não poderia mais se aposentar, o que era uma flagrante injustiça. A aplicação do fator dispensaria todas essas
exigências burocráticas e injustas. Para corrigir parcialmente essa injustiça, o governo editou MP em dezembro de 2002, convertida na
Lei 10.666/03, segundo a qual o INSS passou a reconhecer administrativamente o direito à AI para aqueles que tiverem pelo menos 20
anos de contribuição. O justo seria reconhecer o direito à AI a todos os que tiverem qualquer período contributivo em qualquer época. O
valor do benefício seria determinado pela aplicação do fator, podendo resultar pequeno, mas é de direito, deve ser reconhecido, e pode
ser complementado pela assistência social.

Cap06.pmd 241 23/3/2007, 15:44


242 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

cobertura: todos contribuiriam para um fundo comum de onde se retirariam os


recursos para os benefícios correspondentes. As aposentadorias, ao contrário, seri-
am financiadas em um regime de contribuição definida durante o período
contributivo e sua conversão atuarial, na data da aposentadoria, em Renda Men-
sal Vitalícia, portanto, em benefício definido.
Isso pode ser implementado subdividindo a atual alíquota de 31% em duas
parcelas, uma para o risco e outra para a aposentadoria. A alíquota total continuaria
31%, mas os recursos arrecadados teriam destinos diferentes: uma parte seria
destinada a financiar os benefícios de risco em regime de repartição; a outra seria
acumulada em conta escritural para determinar o valor da aposentadoria, no mo-
mento em que o direito fosse exercido. Além de assegurar maior clareza e transpa-
rência nos regimes, abriria a possibilidade de substituir a fonte de financiamento
para os benefícios de risco, da folha para outra fonte adequada, o que contribuiria
para reduzir a alíquota de contribuição e a informalidade no mercado de trabalho.
A mudança exigirá o alongamento do tempo de contribuição para que os
segurados alcancem o mesmo valor corrente para suas aposentadorias. Mas isso é
o que se requer para restabelecer o equilíbrio atuarial para uma população de
segurados cuja longevidade aumenta.
O efeito sobre o valor das aposentadorias é significativo, como pode ser
notado nas tabelas A.1 e A.2 do anexo, que mostram o valor do fator para diferen-
tes combinações de idades de aposentadoria e tempo de contribuição e alíquotas
de 31% e 24%. Com alíquota de 31%, o fator para a atual esperança de sobrevida
fica igual a 1 aos 63 anos de idade e 35 anos de contribuição, ou aos 65 anos de
idade e 32 anos de contribuição. Para a alíquota especializada de 24%, por exem-
plo, o fator é 1 aos 69 de idade e 35 de contribuição, ou aos 65 de idade e 42 de
contribuição. Não parece uma exigência absurda, pois a grande maioria dos segu-
rados é admitida antes dos 25 anos de idade e, portanto, completa mais de 40
anos de contribuição aos 65 de idade. Para os admitidos com 16 anos de idade, o
tempo de contribuição aos 65 seria de 49 anos.
Avalia-se o impacto da medida segundo o método contrafactual: qual teria
sido (ou seria) a diferença das despesas com as concessões ocorridas (ou a ocorrer),
a partir de 2000, se na fórmula do fator a alíquota de 31% tivesse sido substituída
por 24%? Assume-se que 55% das concessões são para homens, aos 57 anos de
idade, valor mensal de R$ 1.050; 45% são para mulheres, aos 52 anos, valor
mensal de R$ 750; o valor médio para ambos os sexos resulta em R$ 915 similar
à média observada em 2005. Os resultados estão na tabela 9: a primeira linha
mostra o número de concessões (em milhares) de ATCs verificado entre 2000 e

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 243

TABELA 9
RGPS: concessões de ATC e efeitos financeiros da especialização da alíquota
(Em R$ milhões de 2005)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2009


a a
Número de concessões (mil) 112 108 155 134 144 150 155 170

Despesa para α = 31% 496 1.471 2.640 3.924 5.156 6.460 7.812 12.135

Despesa para α = 24% 378 1.123 2.015 2.994 3.935 4.930 5.962 9.262

Diferença 117 348 625 929 1.221 1.530 1.850 2.874


Fontes: Aeps e Beps/MPS, números de 2005.
a
Estimadas.

2005 e estimadas para o quadriênio seguintes; a segunda linha apresenta as despesas


anuais acumuladas para o caso de a alíquota na fórmula do fator ser 31%; a terceira
linha, para alíquota de 24%; e a quarta mostra a diferença cumulativa entre as
duas situações anteriores. A diferença acumulada no corrente exercício teria alcançado
R$ 1,9 bilhão; e no décimo ano de aplicação, R$ 2,9 bilhões. Essa diferença con-
tinuaria crescendo, reduzindo o ritmo de expansão das despesas até que todos os
aposentados pelo fator com alíquota de 31% tivessem sido substituídos por apo-
sentadorias com fator calculado com a alíquota especializada de 24%.

6.4 Tempos de contribuição menores para mulheres e professores


As mulheres e os professores podem se aposentar com 30 anos de contribuição, e
as professoras, com 25 anos, independentemente de idade no RGPS e nas idades
mínimas no serviço público. O valor da aposentadoria do RGPS é determinado
pela fórmula do fator acrescentando-se cinco anos na contagem de tempo das
mulheres e dos professores e dez anos na das professoras; no serviço público, o valor
corresponde ao que seria para quem tivesse 35 anos completos de contribuição.
A adição de cinco ou dez anos na contagem de tempo resulta em um valor
do fator 18% ou 43% superior ao valor sem o adicional. Por exemplo, pela regra
atual, o fator para mulher ou professor de 50 anos de idade e 30 anos de contri-
buição (25 se professora) é 0,616; sem o adicional seria 0,523 (0,431 se professora)
(tabela A.1 do anexo). A contagem de tempo fictício produz um valor de aposen-
tadoria 18% (43% se professora) superior ao que seria justificado pelo histórico de
contribuições e pela esperança de sobrevida (os percentuais para as outras idades
são muito próximos desses valores).
Os efeitos financeiros da eliminação do tempo fictício, Tf, na contagem do
tempo das mulheres, segundo o método seguido neste estudo e para o mesmo

Cap06.pmd 243 23/3/2007, 15:44


244 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

TABELA 10
Efeitos combinados da especialização e da não contagem de tempo fictício: mulheres
(Em R$ milhões de 2005)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2009

1 Despesa para α = 31 e Tf = 5 496 1.471 2.640 3.924 5.156 6.460 7.812 12.135

2 Despesa para α = 31 e Tf = 0 471 1.398 2.508 3.728 4.898 6.137 7.422 11.529

3 Diferença (1 – 2) 25 73 142 196 258 323 390 606

4 Despesa para α = 24 e Tf = 5 378 1.123 2.015 2.994 3.935 4.930 5.962 9.262

5 Despesa para α = 24 e Tf = 0 360 1.069 1.918 2.851 3.746 4.693 5.676 8.817

6 Diferença (3 – 5) 18 54 97 143 189 237 286 445

7 Diferença (1 – 5) 136 402 722 1.073 1.410 1.766 2.136 3.318


Tf : Tempo fictício adicionado ao tempo efetivo para determinar o fator. α: valor da alíquota na fórmula do fator. Idades de aposentadoria:
52/57 anos, mulheres/homens.

número de concessões, estão mostrados na tabela 10, terceira linha (fator com
alíquota de 31%) e sexta linha (alíquota de 24%). A despesa evitada teria alcança-
do, no décimo ano, R$ 606 milhões ou R$ 445 milhões, respectivamente. Os
números não parecem expressivos, mas isso se deve à ainda diminuta participação
feminina no mercado de trabalho de três décadas atrás e aos menores salários das
mulheres. Todavia, os efeitos combinados da especialização da alíquota e da su-
pressão da contagem de tempo fictício estão mostrados na linha 7: em seis anos, o
efeito financeiro combinado teria alcançado R$ 1,8 bilhão e no décimo ano, o
expressivo montante de R$ 3,3 bilhões. Nesse caso também, a diferença continuaria
crescendo até que todas as aposentadorias concedidas nas regras atuais tivessem
sido substituídas pelas concedidas nas novas regras.
Raciocínio similar pode ser aplicado ao caso dos professores. Os efeitos sobre
os valores individuais das aposentadorias são, como visto, muito relevantes – a
não-contagem do tempo fictício resultaria em um valor 43% menor para as pro-
fessoras e 18% menor para os professores. Mas o impacto financeiro no Regime
Geral seria pouco expressivo porque o número de aposentadorias mantidas e con-
cedidas é pequeno. Em 2005, aposentaram-se 3.120 professores pelo Regime Geral,
e o número de benefícios emitidos em dezembro desse ano foi de 41.381.19 O valor
médio dos benefícios concedidos era similar ao do total pago, cerca de R$ 900.

19. O número de aposentados e o de novas concessões anuais para professores dos ensinos fundamental e médio do setor privado
(professores do ensino superior não têm mais essa vantagem desde a Emenda 20) são pequenos. Uma das possíveis razões é a exigência
de comprovação de tempo exclusivo de magistério (em sala de aula) para se habilitar à aposentadoria de professor. O número de
professores do setor público (estados e municípios) é consideravelmente maior.

Cap06.pmd 244 23/3/2007, 15:44


DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 245

Nos estados e municípios com Regime Próprio, o impacto é muito mais


expressivo por ser bem maior o número de professores. Nesses casos há exigência
de idades mínimas para a aposentadoria, mas, cabe frisar, as idades mínimas são
muito baixas e como não há a aplicação do fator, o subsídio é maior. De qualquer
maneira, a contagem de tempo fictício para mulheres e professores resulta em um
valor corrente da aposentadoria superior ao justificado atuarialmente. Esses bene-
fícios contêm um subsídio, financiado por outros segurados e por contribuintes
de impostos.
Observe-se que o direito à aposentadoria com menor tempo de contribuição
e menor idade para as mulheres e professores é assegurado na Constituição. No
entanto, o valor das aposentadorias, segundo a mesma Constituição, deveria ser
atuarialmente determinado, isto é, calculado sem a contagem de tempos fictícios.
A sugestão, nesse caso, não é alterar o direito constitucional, mas definir adequa-
damente o valor do benefício para esses menores tempos de contribuição e idade,
o que pode ser feito por legislação ordinária. Aos segurados afetados restaria sempre
a opção de permanecer em atividade até que o fator assumisse um valor conside-
rado satisfatório.

6.5 Alíquotas de contribuição inferiores à adotada no fator


Merece ainda destaque o fato de a alíquota média efetiva de contribuição ser inferior
à de 31% adotada na fórmula do fator. Isso porque os empregados de baixos e
médios salários têm alíquotas de 8% ou 9% e os contribuintes individuais recolhem
20% de suas remunerações até o teto, em vez de 31% (exceto quando prestam
serviços a pessoas jurídicas – nesse caso, a PF contribui com sua cota patronal de
20% sem teto; e o autônomo, com 11%). Na fórmula do fator dever-se-ia adotar
a alíquota média ponderada, cujo valor, deduzido da tabela 11, é cerca de 28%. A
alíquota efetiva é ainda menor devido às situações especiais das entidades filantrópicas,
que não recolhem a cota patronal, ou das empresas do Simples, que contribuem
com um percentual do faturamento, o que resulta em uma redução significativa
de sua carga contributiva.
Essa é mais uma fonte de desequilíbrio atuarial no desenho dos regimes
previdenciários, porque, não obstante as diferenças de contribuição, todos os se-
gurados têm os mesmos direitos, com valores determinados de forma similar. O
Contribuinte Individual (CI), por exemplo, tem o valor da aposentadoria baseado
na alíquota de 31%, resultando em um valor cerca de 60% superior ao justificado
por sua contribuição.

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246 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

TABELA 11
Vínculos, massa salarial e contribuições por faixas de alíquotas
6
(Em R$ 10 )
e
Vínculos Massa Contribuição Acima teto
Faixas (mil) remuneratória c
Segurado Empresad Massa Contribuição

1 Com alíquota 8% 17.393 7.633 611 1.527 - -

2 Com alíquota 9% 4.056 3.964 357 793 - -

3 Com alíquota 11% 2.571 4.530 498 906 - -

4 Até teto (= 1 + 2 + 3) 24.020 16.128 1.466 3.226 - -

5 Acima teto 1.630 8.438 459 1.688 4.266 853

6 Total (= 4 + 5) 25.650 24.566 1.925 4.913 4.266 853


a
7 CI a PF 4.000 2.200 440 0 - -
b
8 CI a PJ 2.500 1.375 151 275 - -

9 CI total (= 7 + 8) 6.500 3.575 591 275 - -

10 Total (= 6 + 9) 32.150 28.141 2.516 5.188 4.266 853


Fonte: GFIP, primeiro semestre de 2005. Desconsiderados a contribuição SAT e os agentes nocivos.
CI: Contribuinte Individual;
a
CI que presta serviços a pessoa física (alíquota 20% com teto);
b
CI que presta serviços a pessoa jurídica (alíquota de 11% do segurado com teto e 20% da empresa sem teto);
c
até teto;
d
20% sem teto;
e
destaque: massa em excesso ao teto e da contribuição da empresa sobre essa massa. SM de R$ 260 e teto de R$ 2.508,72, ente janeiro e
abril e R$ 300 e R$ 2.668,15 a partir de maio.

6.6 Esperança de sobrevida e aplicação universal do fator


A esperança de sobrevida adotada na fórmula do fator é estimada anualmente pelo
IBGE para toda a população brasileira, nela incluídos aqueles que não têm renda
e, portanto, sem acesso aos mínimos da assistência médica. Naturalmente, a mor-
talidade entre essas pessoas é maior do que entre aquelas que dispõem de recursos
para os cuidados médicos preventivos, diagnósticos sofisticados, terapias intensivas
e similares. Por isso, a esperança de sobrevida da fórmula deveria ser a que melhor
descreva as características de sobrevivência do conjunto dos segurados, isto é, dos
contribuintes do Regime Geral e dos RPPSs e os que estão em fruição de benefícios
desses regimes. A estimativa da Tábua de Vida para a população de segurados e
beneficiários pode ser feita a partir das bases de dados existentes, como o Cadastro
Nacional de Informações Sociais, o Cadastro de Óbitos e as folhas de pagamento

Cap06.pmd 246 23/3/2007, 15:44


DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 247

de benefícios de todos os regimes. Os dados existentes permitem uma boa estima-


tiva anual dessa variável. No momento, não há como saber o tamanho da diferença,
razão pela qual não se fazem simulações de seu possível impacto.
A fórmula do fator é aplicada obrigatoriamente apenas às ATCs do Regime
Geral; nenhum outro benefício tem seu valor definido com base nessa fórmula,
exceto as aposentadorias por idade, se o interessado assim o desejar. No serviço
público, como já observado, não há aplicação do fator a nenhum benefício. Em
2005, no Regime Geral foram concedidas 871 mil aposentadorias, das quais 155
mil (17,6%) eram ATCs; além dessas, o Regime Geral concedeu 321 mil pensões,
1,86 milhão de auxílios-doença, 397 mil salários-maternidade, 308 mil auxílios-
acidentários, e 11 mil outros, totalizando 3,637 milhões de concessões. As ATCs
representaram apenas 4,3% desse total.
O número de concessões no serviço público não é facilmente encontrável.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), há cerca de 5
milhões de servidores estatutários e militares no Brasil. O tempo de permanência
no serviço público é menor do que 30 anos, dado que os admitidos normalmente
carregam tempo prévio de contribuição ao Regime Geral. Admitindo-se com 30
anos o tempo de permanência, estima-se que devem ocorrer anualmente cerca de
160 mil aposentadorias no serviço público. A partir da Emenda 41, essas aposen-
tadorias tenderão a ocorrer nas idades mínimas, aos 55/60 anos, mulheres/homens,
respectivamente, com proventos iguais à remuneração do cargo em que se der a
aposentadoria. Pela regra do Regime Geral, essas aposentadorias teriam seus valores
definidos pela média dos salários de contribuição multiplicada pelo fator. A média,
para servidores que dupliquem sua remuneração durante o tempo de serviço pú-
blico, seria 75% da última remuneração. E o fator para a servidora de 55 anos de
idade é 0,737 (com o adicional de cinco anos de tempo fictício) ou 0,626 (sem o
adicional); para o servidor de 60 anos o fator seria 0,894. Para a alíquota especializada
de 24%, esses valores seriam, respectivamente, 0,562, 0,478 e 0,668. Como se
nota, o critério de formação do valor da aposentadoria dos servidores é muito
mais generoso do que para os segurados do Regime Geral.

7 BAIXA CARÊNCIA PARA APOSENTADORIA POR IDADE SEM APLICAÇÃO DO


FATOR
Os segurados que não conseguem comprovar 30/35 anos de contribuição20 podem
se aposentar por idade a partir dos 60/65 anos, com o valor da aposentadoria, B,

20. A partir de 25/30 anos de contribuição, os segurados poderiam optar pela Aposentadoria Proporcional por Tempo de Contribuição,
mas essa opção perdeu atratividade em razão do “pedágio” e do fator, tendo deixado de existir na prática.

Cap06.pmd 247 23/3/2007, 15:44


248 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

proporcional à média dos salários de contribuição do período contributivo, Y, de


acordo com a seguinte fórmula:

B = Y x (0,70 + 0,01 x Tc )

O requisito de tempo de contribuição, Tc, para esse tipo de benefício é de no


mínimo 12,5 anos em 2005, aumentando seis meses por ano até alcançar 15 anos
em 2011. O valor do benefício, para 15 anos de contribuição, é 85% da média
dos salários de contribuição. Como já referido anteriormente, há um óbvio
desequilíbrio atuarial nessa regra específica, que é tanto maior quanto mais curto
for o tempo de contribuição. Exemplificando, a mulher de 60 anos terá contribuído
durante 15 anos com 31% da média salarial, mas fruirá durante 22,2 anos de um
benefício cujo valor é de 85% da média salarial. Histórias similares podem ser
contadas para outras situações.
Para avaliar esse desequilíbrio, calcula-se, para diferentes tempos de contri-
buição e salário inicial de R$ 500 crescendo à taxa de 1% a.a. – o valor absoluto
não é relevante para os propósitos desta avaliação: a) o valor corrente do benefício,
B,21 mostrado na tabela 12; b) o valor presente das contribuições, mostrado nas
linhas VPC da tabela 13; e c) os valores presentes dos fluxos de fruição, para
duração igual à esperança de sobrevida de cada gênero, conforme a Tábua IBGE-
2004, mostrados nas linhas VPB da tabela 13.
Como se nota na tabela 13, o desequilíbrio atuarial é significativo. Em todos
os casos de tempos de contribuição inferiores a 25 anos, o valor presente dos
benefícios supera o das contribuições. Para 25 anos de tempo de contribuição, as
contribuições financiariam adequadamente os benefícios, somente para taxas de
juros elevadas, acima de 5%. Os dados mostram que, para 15 anos de contribuição,
os homens financiam pouco menos de 60% de suas aposentadorias e as mulheres

TABELA 12
Valor da aposentadoria por idade, segundo tempo de contribuição
(Em R$ do primeiro semestre de 2005)
a a
Tempo de contribuição 15 20 25 30 35

B = Y (0,70 + 0,01 Tc ) 463 505 550 597 615


a
Coluna incluída apenas para efeitos de exercício, pois o valor da aposentadoria aos 60/65 anos de idade com 30 de contribuição é igual à
media dos salários de contribuição.

21. O valor da aposentadoria cresce com o tempo de contribuição por dois fatores: crescimento da proporção e crescimento do salário.
Com as hipóteses citadas resulta um valor médio da aposentadoria de R$ 486, similar ao valor médio das concessões de 2005.

Cap06.pmd 248 23/3/2007, 15:44


DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 249

TABELA 13
Aposentadorias por idade: valores presentes de contribuições e benefícios, para tempos
de contribuição e taxas de juros selecionados
(Em R$ de 2005)

Tempo de contribuição 15 20 25 30 35

Taxa de juros: 6%

1 VPC 38.550 61.993 93.894 137.144 195.608

2 VPB H 64.447 70.338 76.541 83.071 85.661

3 VPB M 78.460 85.633 93.184 101.134 104.288

1/2 % 59,8 88,1 122,7 165,1 228,4

1/3 % 49,1 72,4 100,8 135,6 187,6

Taxa de juros: 4,5%

1 VPC 34.512 53.108 76.797 106.859 144.890

2 VPB H 70.627 77.083 83.881 91.037 93.876

3 VPB M 88.946 97.076 105.637 114.649 118.225

1/2 % 48,9 68,9 91,6 117,4 154,3

1/3 % 38,8 54,7 72,7 93,2 122,6

Taxa de juros: 3%

1 VPC 30.966 45.702 63.285 84.194 108.986

2 VPB H 77.837 84.952 92.444 100.330 103.459

3 VPB M 101.895 111.210 121.017 131.341 135.437

1/2 % 39,8 53,8 68,5 83,9 105,3

1/3 % 30,4 41,1 52,3 64,1 80,5


VPC calculado com alíquota de 24%, para salário inicial de R$ 500, crescendo à taxa real de 1% a.a. VPB calculado para esperanças de
sobrevida por gênero da Tábua IBGE-2004: 23/16, mulheres/homens aos 60/65 anos de idade.

pouco menos da metade, no caso de taxa de juros de 6%. Para taxa de juros de
3%, esses percentuais de autofinanciamento seriam de pouco menos de 40% e
pouco mais de 30%. Os valores presentes são muito sensíveis à taxa de juros. Para
taxas de juros inferiores a 4% a.a., o equilíbrio somente seria atingido para períodos
contributivos superiores a 30 anos.
O exercício revela o subsídio implícito nas aposentadorias urbanas por idade,
que é a contrapartida do seu desequilíbrio atuarial. Entre as opções para reduzir o
desequilíbrio estão o alongamento do período contributivo mínimo, a elevação

Cap06.pmd 249 23/3/2007, 15:44


250 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

das idades de aposentadoria e uma combinação de ambas (descarta-se a elevação


das alíquotas por já estarem entre as mais altas do mundo).
Uma alternativa que preserva a liberdade de escolha das pessoas é a aplicação
do fator para determinar o valor do benefício. Justifica-se pelo fato de pertencerem
à categoria dos programáveis e assim se uniformizaria o critério de formação do
valor de todos eles. Aplicado nas mesmas condições das ATCs (isto é, com α = 0,31
na fórmula), os valores resultantes, justificados pelas contribuições, seriam menores
do que sem o fator. A aposentadoria de uma mulher de 60 anos de idade com 15
de contribuição deveria ter o valor igual a 36,9% de seu valor nas regras vigentes.
O fator atingiria valor próximo da unidade para tempos de contribuição acima de
25 anos e idades superiores a 65 anos, ou depois dos 65 anos com mais de 30 anos
de contribuição. Na realidade, dever-se-ia aplicar o fator revisado, com alíquota
especializada e sem contagem de tempo fictício, resultando em valores ainda me-
nores. A tabela 14 traz os valores resultantes em cada caso. Algumas vezes resulta
em um benefício de valor inferior ao SM (média do primeiro semestre de 2004 de
R$ 287,69).
A equivalência de valores presentes para a alíquota especializada de 24%
ocorre com taxas de juros entre 2,1% e 3,5% a.a. (tabela 15).22 Trata-se de taxas
baixas para as condições macroeconômicas atuais, mas comparáveis às de vários
países do mundo e similares à taxa média de crescimento do PIB das últimas
décadas.
O efeito financeiro da aplicação do fator revisado às aposentadorias por idade,
se a regra tivesse vigorado desde 2000, é mostrado na tabela 16. Em 2005, a

TABELA 14
Valor da aposentadoria por idade com fator
(Em R$)

Tempo de contribuição 15 20 25 30 35

Aposentadoria sem fator 463 505 550 597 615

H : B = Y * f com α = 31 248 344 447 558 678

H : B = Y * f com α = 24 191 264 343 427 517

M : B = Y * f com α = 31 201 279 363 453 550

M : B = Y * f com α = 24 155 214 278 347 420


B : valor da aposentadoria; Y : média salarial; f : fator previdenciário, calculado com alíquota 0,31 ou 0,24, sem adicional de tempo; H :
homens; M : mulheres.

22. As taxas que equilibram os valores presentes correspondem às taxas de remuneração das contribuições vertidas e de desconto do
fluxo da aposentadoria.

Cap06.pmd 250 23/3/2007, 15:44


DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 251

TABELA 15
Taxas de juros que igualam os valores presentes

Mulher de 60 anos Homem de 65 anos


Tc
B Juros B Juros

15 155 3,5 191 3,3

20 214 3,2 264 2,8

25 278 2,9 343 2,5

30 347 2,6 427 2,3

35 420 2,4 517 2,1


Nota: Alíquota de contribuição de 24%.

TABELA 16
Efeito financeiro da aplicação do fator revisado nas aposentadorias por idade
(Em R$ milhões)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
b b b b
Concessões (mil) 89 76 104 181 216 163 165 170 175 180
a
Despesa sem fator 46 39 54 94 111 84 85 88 90 93
a
Despesa com fator 23 19 27 46 55 41 42 43 45 46
a
Diferença 23 20 27 47 57 43 43 45 46 47

Acumulada anual 152 433 740 1.225 1.907 2.546 3.104 3.675 4.263 4.868
Fonte: Aeps e Beps/MPS.
a
Valores mensais a preços de 2005. Hipóteses: a) 25% das aposentadorias com 15 anos de contribuição; 40% com 20 anos; 20% com 25
anos; e 15% com 30 anos; b) 55% do sexo masculino; c) salário inicial de R$ 500, crescendo a 1% a.a.; d) desconsiderado o piso de 1 SM;
e) fator calculado com alíquota de 0,24.

despesa com as concessões ocorridas no período 2000-2005 teria sido R$ 2,5 bilhões
menor. A diferença seguiria crescendo até a substituição total das aposentadorias
sem fator.

8 SERVIDORES PÚBLICOS E MILITARES


As regras de aposentadoria dos servidores públicos civis adotadas pela Emenda 41
reduziram o desequilíbrio atuarial embutido no desenho do regime, ao definir
que o benefício será a média dos salários de contribuição do mesmo período uti-
lizado para o INSS. Esse critério é aplicado a todos os novos ingressantes no
serviço público a partir da publicação da emenda e àqueles que optarem pela
aposentadoria antecipada, com redutor de 5% por ano de antecipação, a partir
dos 48/53 anos de idade. A emenda produziu um importante ajuste atuarial nessas

Cap06.pmd 251 23/3/2007, 15:44


252 JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

aposentadorias comparativamente à regra anterior. O mesmo vale para a integral


ainda preservada para os admitidos até a publicação da Emenda 41. A possibilidade
da aposentadoria com um ano a menos na idade mínima para cada ano de contri-
buição adicional aos 30/35 da Emenda 47 reduziu o efeito desse ajuste.
Não obstante esse ajuste, ainda resta um desequilíbrio atuarial nas aposenta-
dorias dos servidores, como se pode notar na tabela 17. Assume-se que os servidores
são admitidos aos 25 anos de idade, que seus salários crescem a 2% a.a., que se
aposentam aos 55/60 anos de idade e que a contribuição total para a aposentadoria
é de 24%. As aposentadorias integrais, isto é, de valor igual ao último salário, têm
seus valores presentes superiores aos das contribuições, exceto para taxas de juros
altas (acima de 4,5% para os homens e acima de 6% para as mulheres). Mesmo no
caso do valor determinado por média salarial, o valor presente da aposentadoria
supera o das contribuições para juros de até pouco mais de 3% no caso dos homens
e bem mais de 4,5% para as mulheres. Note-se que para equilibrar os valores
presentes são necessárias taxas de juros muito elevadas, incompatíveis com as taxas
de crescimento econômico observado nos últimos 25 anos.

TABELA 17
Comparação dos valores presentes para os servidores civis
(Em R$)

Taxas de juros 3% 4,5% 6%

Benefício VPC 253.960 332.899 443.523

a
VPB 376.049 335.432 301.471
1.961
Homem VPB/VPC 1,48 1,01 0,68

b
VPB 313.740 276.798 246.407
1.520
VPB/VPC 1,15 0,78 0,53

VPC 192.161 241.358 306.706

VPB 425.086 365.410 318.202


a
1.776
Mulher VPB/VPC 2,21 1,51 1,04

VPB 341.702 293.732 255.784


b
1.427
VPB/VPC 1,78 1,22 0,83
a
Aposentadoria integral.
b
Aposentadoria por média dos 80% maiores salários de contribuição. VPC e VPB = Valores Presentes das Contribuições e Benefícios;
alíquota de contribuição para a aposentadoria: 24%; idade de entrada no serviço público: 25 anos; aposentadoria aos 55/60 anos,
mulheres/homens, respectivamente; tempo de contribuição no serviço público: 30/35; salário inicial de R$ 1 mil crescendo a 2% a.a.;
esperança de sobrevida do IBGE-2004, por sexo.

Cap06.pmd 252 23/3/2007, 15:44


DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 253

O equilíbrio poderia ter sido atingido se as idades de aposentadoria tivessem


sido fixadas em 65 anos. Haveria, inclusive, margem para a redução das alíquotas.
Alternativamente, o ajuste poderia ser obtido pela aplicação do fator a todas as
aposentadorias dos servidores. Os valores correntes das aposentadorias, para as
mesmas idades e tempos de contribuição, seriam menores do que o valor integral
ou a média. O fator para as mulheres assumiria o valor 0,74 nas condições atuais,
0,66 se não houvesse contagem de tempo fictício, e 0,48 se adicionalmente a
alíquota fosse de 24%; os homens teriam fator de 0,89 nas condições atuais ou
0,68 para alíquota de 24%. Entretanto, convém relembrar que, com a aplicação
do fator, seriam premiados aqueles que tivessem longos períodos de contribuição
ou optassem por estender a jornada no serviço público para além das idades mínimas.
Os militares têm regime diferenciado e específico, em respeito às características
próprias da carreira, como acontece na maior parte dos países. Os militares, diferen-
temente dos servidores civis ou dos trabalhadores do setor privado, têm tempos
máximos de permanência no mesmo posto e idades-limite para cada posto. Uma
vez atingido um limite, o militar é transferido para a reserva remunerada ou refor-
mado ex officio.23 Na reserva, ele permanece de prontidão para eventual convocação.
Parece razoável que o regime de aposentadoria respeite essas limitações próprias
da carreira, de forma que a pessoa não fique sem renda nesses eventos nem sua
família em caso de falecimento. Ocorre que as normas de previdência para os
militares definem regras excessivamente generosas de elegibilidade e formação do
valor dos proventos: a) pensão para cônjuge e filhos ou, na falta desses, para os
familiares dependentes, sendo vitalícia para as filhas solteiras, e valor igual ao da
remuneração ou dos proventos do militar; b) transferência para reserva ou reforma
com proventos integrais do posto imediatamente acima ao ocupado, se o militar
tiver pelo menos 30 anos de serviço; c) proventos de inatividade também integrais
na transferência ex officio, independentemente de tempo de serviço; e d) adição de
tempos fictícios na contagem de tempo para a passagem para a inatividade, como
férias e licenças-prêmio não gozadas, contadas em dobro ou um ano por ano de
serviço prestado por oficiais de Corpo, Quadro ou Serviço de Saúde ou Veteriná-
ria com curso superior.
Os militares não contribuem para suas aposentadorias, apenas para as pensões.
O regime específico ainda segue o secular princípio pro labore facto, usual em todo
o serviço público até a Emenda 20, segundo o qual o direito à aposentadoria
decorre do vínculo com o Estado e não do fato de ter havido contribuições. Portanto,

23. Alguns exemplos de idades-limite: 44 anos para soldado e marinheiro; 48 anos para cabo, taifeiro-de-segunda-classe, capitão-
tenente, capitão, oficiais subalternos; 49 para terceiro-sargento.

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todos os militares ativos, reservistas e reformados contribuem para as pensões de


seus dependentes, mas não para custear suas próprias aposentadorias.
Essas regras foram definidas pela Lei das Pensões Militares (Lei 3.765, de
maio de 1960) e pelo Estatuto dos Militares (Lei 6.880, de dezembro de 1980),
com as alterações subseqüentes, que não afetaram sua essência. As regras vigoraram
até a Medida Provisória (MP) 2.131, de dezembro de 2000.
As principais alterações introduzidas por essa MP foram: a) a supressão da
contagem de tempos fictícios; b) o fim da promoção de um posto por ocasião da
passagem para a inatividade; c) a contribuição de todos os militares das Forças
Armadas (ativos, reservistas e reformados) para as pensões, à alíquota de 7,5%,
incidente sobre as parcelas que compõem os proventos na inatividade; d) a contri-
buição para a assistência médica e social de 3,5% incidente sobre as parcelas que
compõem a pensão ou os proventos na inatividade; e e) a supressão do direito à
pensão vitalícia das filhas solteiras dos novos militares, isto é, para os admitidos
para as Forças Armadas a partir de 2001.
A existência da pensão vitalícia para as filhas solteiras dos militares é bem
conhecida e referida; menos conhecido é o fato de que esse mesmo benefício
existia (e possivelmente ainda exista) entre algumas categorias de servidores civis.
Entre os militares, essa vantagem foi suprimida para as filhas de todos os novos
ingressantes na carreira a partir de 2001, mas foi mantida como opção, mediante
contribuição à alíquota de 1,5%, para as filhas já nascidas ou a nascer de todos os
militares que já estavam na carreira ao final de 2000.
Nada haveria a se questionar se o benefício fosse integralmente custeado pela
categoria e se nenhum risco recaísse sobre o Tesouro. Mas será esse o caso? A
contribuição de 1,5% é suficiente para financiar o benefício? E, afinal, que sentido
tem, nos tempos atuais, de crescente engajamento da mulher no mercado de tra-
balho, um benefício desse tipo? Entre outras conseqüências, esse benefício parece
trazer para as filhas beneficiárias uma grande dificuldade de contrair matrimônio.
A transferência para a reserva ou a reforma pode ocorrer por livre manifestação
de vontade ou ex officio. Os proventos de inatividade são definidos como 1/30 do
soldo por ano de serviço até o limite de 100%. O soldo de referência, a partir da
MP 2.131, é o do último posto ocupado na atividade. Na reserva ou reforma ex
officio os proventos são sempre iguais ao soldo integral. Dado que a conceituação
do direito previdenciário decorre da existência do vínculo com o Estado e não das
contribuições, não é pertinente referir-se a desequilíbrio atuarial. Entretanto, o

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DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES 255

desembolso financeiro para custear os reservistas e os reformados tem alto impacto


nas finanças públicas.24
Não cabe questionar a necessidade ou a conveniência de se respeitarem os
limites de idade ou de permanência no posto – talvez as Forças Armadas não
funcionassem com a eficiência requerida sem esses dispositivos. Mas os reservistas
ou reformados de baixas idades não ficam incapazes para o trabalho, e muitos
efetivamente exercem atividades remuneradas. Conquanto certamente seja conve-
niente e mesmo necessário assegurar renda aos reservistas e reformados, não parece
adequado que essa renda reponha integralmente os vencimentos da atividade,
independentemente de idade ou de tempo de serviço. Respeitadas as especificidades
da carreira, que requerem transferência para a reserva ou reforma em baixas idades
e curtos tempos de serviço, o que precisa ser equacionado melhor é o valor dos
proventos e a instituição de contribuições.
Nesse sentido, não mais caberiam categorias com regimes tão distintos como
entre empregados do setor privado, servidores públicos e militares; nem regimes
sem contribuições ou proventos sem nenhuma consideração ao balanço entre as
contribuições vertidas e o fluxo esperado de fruição dos benefícios. Da mesma
forma, a reforma do Governo Lula instituiu redutor para as pensões dos servidores
civis, mas recuou na proposta de medida similar para as pensões militares. O que
poderia justificar a diferença?

9 CONCLUSÕES
A previdência trabalha com horizontes de tempo de várias décadas. Opera em
bases correntes de repartição simples, arrecadando, durante a vida de trabalho,
contribuições de segurados e respectivos empregadores para pagar benefícios a
quem tem seu direito reconhecido. No longo período entre o início da vida de
trabalho e a data da aposentadoria, os segurados se defrontam com situações de
risco, que requerem cobertura previdenciária. Ninguém sabe a priori quais segu-
rados serão afetados por eventos de risco, mas as estatísticas mostram que o número
deles é grande. No entanto, conhece-se o tempo necessário para alcançar a apo-
sentadoria, por isso foi caracterizado como programável.
As contribuições devem custear tanto os eventos de risco quanto acumular
recursos, ainda que apenas escrituralmente, para financiar os eventos programáveis.
Como a duração da aposentadoria é incerta, a previdência precisa de bases atuariais.

24. No período de 12 meses iniciados em dezembro de 1994, as despesas com militares ativos somaram R$ 8,2 bilhões, os proventos
com reservistas e reformados, R$ 8,0 bilhões, e as pensões, R$ 6,2 bilhões, totalizando 24,3% das despesas com a folha total da União.

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Para os benefícios programáveis, adotou-se o princípio de cada qual financiar a


sua aposentadoria, assegurando-se coletiva e solidariamente apenas a incerteza
quanto à duração da vida. À luz desse princípio, foram analisados os vários tipos
de benefícios e regras especiais admitidos pelo sistema, apontando-se os
desequilíbrios atuariais de cada um deles.
Verificaram-se grandes desequilíbrios nas aposentadorias rurais por aconte-
cerem em baixas idades e a partir de contribuições módicas; nas aposentadorias
urbanas por idade em razão do baixo tempo de contribuição; nas aposentadorias
por tempo de contribuição por “erros de arquitetura” do fator previdenciário,
como acumular toda a contribuição para o cômputo da aposentadoria, deixando
sem financiamento os benefícios de risco, acrescentar tempos fictícios para as
mulheres e professores e adotar esperança de sobrevida da população em vez da
população de segurados.
Foram simulados os efeitos financeiros, em um horizonte de dez anos, de: a) o
aumento das idades de aposentadoria rural para 65 anos; b) a aplicação do fator
revisado para as aposentadorias por tempo de contribuição; e c) a aplicação do
fator revisado às aposentadorias por idade urbanas. A simulação foi feita assumindo
que as mudanças tivessem iniciado sua vigência em 2000. O conjunto de medidas
referido teria reduzido a despesa do corrente exercício em R$ 12,9 bilhões, e al-
cançaria, em 2009, o montante de R$ 17,8 bilhões (tabela resumo). Trata-se de
impacto relevante.

TABELA RESUMO
Despesas evitadas com aumento da idade rural e aplicação universal do fator
(Em R$ de 2005)

Rural + ATC + AI 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Concessões rurais (mil) 318 249 325 263 271 267 282 282 282 282
6
1. Idade de 60/65 (R$ 10 ) 725 2.016 3.320 4.657 5.872 6.372 6.331 6.310 6.255 6.200

2. Idade de 65/65 (R$ 106) 725 2.016 3.320 4.657 5.872 6.734 7.701 8.316 9.290 9.569

Concessões de ATC (mil) 112 108 155 134 144 150 155 160 165 170

3. Fator revisado (R$ 106) 136 402 722 1.073 1.410 1.766 2.136 2.518 2.912 3.318

Concessões AI (mil) 89 76 104 181 216 163 165 170 175 180

4. Fator revisado (R$ 106) 152 433 740 1.225 1.907 2.546 3.104 3.675 4.263 4.868
9
Total 2 + 3 + 4 (R$ 10 ) 1,0 2,9 4,8 7,0 9,2 11,0 12,9 14,5 16,5 17,8
AI: Aposentadorias por idade. Fator revisado: alíquota de 24%, sem contagem de tempo adicional.

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O maior impacto no médio prazo provém da elevação da idade da aposenta-


doria rural para 65 anos, que teria alcançado no décimo ano R$ 9,6 bilhões e
continuaria nesse patamar (ficaria estabilizada em cerca de R$ 6,3 bilhões para
idades de 60/65). A adoção dessa medida requer emenda constitucional.
O segundo impacto mais importante teria provindo da aplicação do fator
previdenciário revisto às aposentadorias por idade. Parte delas teria valor inferior
ao SM e, nesse caso, teria economizado para a previdência e onerado a assistência
(no modelo em que as duas estão separadas e complementares). A despesa evitada
teria alcançado R$ 3,1 bilhões em 2006 e R$ 4,9 bilhões em 2009. A aplicação às
aposentadorias por idade requer lei ordinária apenas, inclusive no serviço público.
Da mesma forma, a revisão do fator pode ser feita por lei ordinária, assim
como sua aplicação no serviço público, para todas as aposentadorias cujo valor é
definido por média, não se aplicando, todavia, às aposentadorias integrais, por
serem constitucionalmente garantidas. A revisão compreenderia a substituição da
alíquota plena de 31% pela especializada de 24% e a eliminação da contagem de
tempos fictícios. O impacto nas despesas do RGPS também teria sido relevante,
de R$ 2,1 bilhões em 2006 e R$ 3,3 bilhões em 2009, e seguiria aumentando até
a completa substituição dos aposentados pelas regras substituídas pelos que viessem
a se aposentar pelas novas regras.
Os pontos levantados não exaurem a matéria nem são o único caminho para
se construir uma previdência justa, equilibrada atuarialmente, robusta e sustentável
no tempo. Propostas baseadas em idade mínima resolvem a questão atuarial tanto
quanto a proposta baseada no fator revisado. A idade mínima assegura efeitos
mais intensos no curto prazo por postergar as aposentadorias até as idades mínimas;
o fator assegura indiferença de valores presentes, isto é, as aposentadorias não têm
de ser postergadas, cabendo ao candidato escolher entre uma aposentadoria de
valor menor porém mais cedo e por mais tempo ou, ao contrário, um valor maior,
mais tarde e de menor duração.
A vantagem da adoção da fórmula do fator é sua flexibilidade, pois permite
que os segurados escolham suas datas de aposentadoria, conforme suas expectativas
de valor e as possibilidades de permanência como contribuintes. A idade mínima
é rígida, não permitindo escolhas por parte dos indivíduos. O fator, por sua vez,
faz justiça contributiva, reconhecendo e premiando aposentadorias em mais altas
idades ou com maiores tempos de contribuição; a idade mínima não distingue
nem premia o esforço contributivo.

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As duas ainda se distinguem por demandarem mudanças legais de ordens


diferentes. A idade mínima requer emenda constitucional; a revisão e a aplicação
universal do fator, somente lei ordinária.
Caminhos há e escolhas também. Difíceis, por certo. Mas adiar ou não exercitar
o poder de escolha não resolve o desafio; pelo contrário, deixa que o desafio se torne
mais grave e sua superação venha a exigir no futuro medidas mais drásticas e frustrar
as expectativas de pessoas de altas idades para as quais não haverá mais tempo de
refazerem suas vidas. O desequilíbrio galopante será estancado em algum momento
– melhor se de forma programada, negociada, acordada e com possibilidade de
controle; senão o será de forma caótica com conseqüências possivelmente perversas.

REFERÊNCIAS
AMARAL, G. L.; OLENKE, J. E. Carga tributária sobre salários no Brasil 2003. Instituto Brasileiro
de Planejamento Tributário, 2003.
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DELGADO, G.; QUERINO, A. C.; RANGEL, L.; STIVALI, M. Avaliação de resultados da lei do
fator previdenciário. Rio de Janeiro: Ipea, fev. 2006 (Texto para discussão, n. 1.161).
DELGADO, G.; CARDOSO JUNIOR, J. C. (Orgs.). O idoso e a previdência rural no Brasil: a
experiência recente da universalização. Ipea, dez. 1999 (Texto para discussão, n. 688).
––––––––. Principais resultados da pesquisa domiciliar sobre a previdência rural na região Sul do Brasil.
Ipea, jun. 2000 (Texto para discussão, n. 734).
––––––––. A universalização de direitos sociais no Brasil: a previdência rural nos anos 90. 2ª ed.
Brasília: Ipea, 2003.
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––––––––. Anuário Estatístico da Previdência Social. 2004.
––––––––. Boletim Estatístico da Previdência Social. Diversos números.
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OECD SECRETARIAT. Comparative tables on private pensions systems. Pensions Policy Institute.
State Pension Models, 2003.
PESTIEAU, P. Comment promouvoir à la fois um départ flexible à la retraite et une prolongation de
la vie professionnelle? Université de Liège. Oct. 2005.
REINO DE PORTUGAL. Collecção da legislação antiga e moderna do Reino de Portugal. Parte II
da legislação moderna, Tomo II, Titulo 54, Livro II. 1786.
UK DEPARTMENT OF WORK AND PENSIONS. Security in retirement: towards a new pension
system. May 2006 (White paper).
ULYSSEA, G; FOGUEL, M. Efeitos do salário mínimo sobre o mercado de trabalho brasileiro. Ipea,
2006 (Texto para discussão, n. 1.168).

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ANEXO
TABELA A.1
Fator previdenciário para alíquota de contribuição de 31%

Alíquota 0,31 Tempo de contribuição

Idade Es Ev 15 20 25 30 31 32 33 34 35 36 38 40 42 45

48 30,0 78,0 0,237 0,319 0,403 0,488 0,505 0,523 0,540 0,558 0,575 0,593 0,628 0,664 0,700 0,754

259
49 29,2 78,2 0,245 0,330 0,417 0,505 0,523 0,541 0,559 0,577 0,595 0,613 0,650 0,687 0,724 0,780

50 28,3 78,3 0,254 0,342 0,431 0,523 0,541 0,560 0,578 0,597 0,616 0,635 0,672 0,711 0,749 0,807

51 27,5 78,5 0,263 0,354 0,447 0,541 0,560 0,580 0,599 0,618 0,638 0,657 0,696 0,736 0,775 0,836

52 26,7 78,7 0,272 0,367 0,463 0,561 0,581 0,601 0,621 0,641 0,661 0,681 0,721 0,762 0,803 0,866

53 26,0 79,0 0,282 0,380 0,480 0,582 0,602 0,623 0,643 0,664 0,685 0,706 0,748 0,790 0,833 0,897

54 25,2 79,2 0,293 0,395 0,498 0,603 0,624 0,646 0,667 0,689 0,710 0,732 0,776 0,820 0,864 0,931

55 24,4 79,4 0,304 0,409 0,517 0,626 0,648 0,670 0,692 0,715 0,737 0,760 0,805 0,850 0,896 0,966

56 23,7 79,7 0,316 0,425 0,537 0,650 0,673 0,696 0,719 0,742 0,765 0,789 0,836 0,883 0,930 1,002

57 22,9 79,9 0,328 0,442 0,557 0,675 0,699 0,723 0,747 0,771 0,795 0,819 0,868 0,917 0,966 1,041

58 22,2 80,2 0,341 0,459 0,579 0,702 0,727 0,751 0,776 0,801 0,826 0,852 0,902 0,953 1,004 1,082

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59 21,4 80,4 0,355 0,478 0,603 0,730 0,756 0,781 0,807 0,833 0,859 0,886 0,938 0,991 1,045 1,125

60 20,7 80,7 0,369 0,497 0,627 0,760 0,786 0,813 0,840 0,867 0,894 0,922 0,976 1,031 1,087 1,171
DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES

61 20,0 81,0 0,385 0,518 0,653 0,791 0,819 0,847 0,875 0,903 0,931 0,960 1,017 1,074 1,132 1,219
259

(continua)
Cap06.pmd
(continuação)
260

Alíquota 0,31 Tempo de contribuição

Idade Es Ev 15 20 25 30 31 32 33 34 35 36 38 40 42 45

62 19,3 81,3 0,401 0,540 0,681 0,824 0,853 0,882 0,912 0,941 0,970 1,000 1,059 1,119 1,179 1,270

63 18,6 81,6 0,418 0,563 0,710 0,860 0,890 0,920 0,951 0,981 1,012 1,043 1,104 1,167 1,229 1,324

260
64 18,0 82,0 0,436 0,587 0,741 0,897 0,928 0,960 0,992 1,024 1,056 1,088 1,152 1,217 1,283 1,381

65 17,3 82,3 0,456 0,613 0,773 0,936 0,969 1,002 1,036 1,069 1,102 1,136 1,203 1,271 1,339 1,442

66 16,7 82,7 0,476 0,641 0,808 0,979 1,013 1,047 1,082 1,117 1,152 1,187 1,257 1,328 1,399 1,507
JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

67 16,0 83,0 0,498 0,670 0,845 1,023 1,059 1,095 1,131 1,168 1,204 1,241 1,314 1,388 1,463 1,575

68 15,4 83,4 0,521 0,701 0,884 1,071 1,108 1,146 1,184 1,222 1,260 1,298 1,375 1,453 1,530 1,648

69 14,8 83,8 0,546 0,734 0,926 1,121 1,160 1,200 1,239 1,279 1,319 1,359 1,440 1,521 1,602 1,725

70 14,2 84,2 0,572 0,769 0,970 1,174 1,215 1,257 1,298 1,340 1,382 1,424 1,508 1,593 1,678 1,807
Es: esperança de sobrevida – anos adicionais de vida, dado que alcançou certa idade. Ev: esperança de vida – anos de vida.

23/3/2007, 15:44
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TABELA A.2
Fator previdenciário para alíquota de contribuição de 24%

Alíquota 0,24 Tempo de contribuição

Idade Es Ev 15 20 25 30 31 32 33 34 35 36 38 40 42 45

48 30,0 78,0 0,182 0,245 0,308 0,373 0,386 0,399 0,412 0,425 0,438 0,452 0,478 0,505 0,532 0,572

49 29,2 78,2 0,188 0,253 0,319 0,386 0,399 0,413 0,426 0,440 0,454 0,467 0,495 0,522 0,550 0,592

261
50 28,3 78,3 0,195 0,262 0,330 0,399 0,413 0,427 0,441 0,455 0,469 0,484 0,512 0,541 0,569 0,613

51 27,5 78,5 0,202 0,272 0,342 0,414 0,428 0,443 0,457 0,472 0,486 0,501 0,530 0,560 0,590 0,635

52 26,7 78,7 0,209 0,281 0,354 0,429 0,444 0,459 0,474 0,489 0,504 0,519 0,549 0,580 0,611 0,657

53 26,0 79,0 0,217 0,292 0,368 0,444 0,460 0,475 0,491 0,507 0,522 0,538 0,570 0,601 0,633 0,682

54 25,2 79,2 0,225 0,303 0,381 0,461 0,477 0,493 0,509 0,526 0,542 0,558 0,591 0,624 0,657 0,707

55 24,4 79,4 0,234 0,314 0,396 0,478 0,495 0,512 0,529 0,545 0,562 0,579 0,613 0,647 0,682 0,734

56 23,7 79,7 0,243 0,326 0,411 0,497 0,514 0,531 0,549 0,566 0,584 0,601 0,637 0,672 0,708 0,762

57 22,9 79,9 0,252 0,339 0,427 0,516 0,534 0,552 0,570 0,588 0,607 0,625 0,661 0,698 0,735 0,791

58 22,2 80,2 0,262 0,352 0,444 0,537 0,555 0,574 0,593 0,612 0,631 0,649 0,688 0,726 0,764 0,822

59 21,4 80,4 0,273 0,367 0,462 0,558 0,577 0,597 0,617 0,636 0,656 0,675 0,715 0,755 0,795 0,855

23/3/2007, 15:44
60 20,7 80,7 0,284 0,382 0,481 0,581 0,601 0,621 0,642 0,662 0,682 0,703 0,744 0,786 0,827 0,890

61 20,0 81,0 0,296 0,397 0,500 0,605 0,626 0,647 0,668 0,689 0,711 0,732 0,775 0,818 0,861 0,927
DESEQUILÍBRIO: CAUSAS E SOLUÇÕES

(continua)
261
Cap06.pmd
(continuação)
262

Alíquota 0,24 Tempo de contribuição

Idade Es Ev 15 20 25 30 31 32 33 34 35 36 38 40 42 45

62 19,3 81,3 0,308 0,414 0,522 0,630 0,652 0,674 0,696 0,718 0,741 0,763 0,807 0,852 0,898 0,966

63 18,6 81,6 0,322 0,432 0,544 0,657 0,680 0,703 0,726 0,749 0,772 0,795 0,842 0,889 0,936 1,007

262
64 18,0 82,0 0,336 0,451 0,568 0,686 0,710 0,734 0,758 0,782 0,806 0,830 0,879 0,927 0,976 1,051

65 17,3 82,3 0,351 0,471 0,593 0,716 0,741 0,766 0,791 0,816 0,841 0,867 0,917 0,968 1,020 1,097

66 16,7 82,7 0,366 0,492 0,619 0,749 0,775 0,801 0,827 0,853 0,879 0,906 0,959 1,012 1,065 1,146
JOSÉ CECHIN – ANDREI DOMINGUES CECHIN

67 16,0 83,0 0,383 0,515 0,648 0,783 0,810 0,837 0,865 0,892 0,919 0,947 1,002 1,058 1,114 1,198

68 15,4 83,4 0,401 0,539 0,678 0,819 0,848 0,876 0,905 0,933 0,962 0,991 1,049 1,107 1,166 1,254

69 14,8 83,8 0,420 0,564 0,710 0,858 0,887 0,917 0,947 0,977 1,007 1,038 1,098 1,159 1,220 1,313

70 14,2 84,2 0,440 0,591 0,744 0,898 0,930 0,961 0,992 1,024 1,055 1,087 1,150 1,214 1,278 1,375
Es: esperança de sobrevida – anos adicionais de vida, dado que alcançou certa idade. Ev: esperança de vida - anos de vida.

23/3/2007, 15:44
CAPÍTULO 7

LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A


INFORMALIDADE*

José Márcio Camargo**


Maurício Cortez Reis***

1 INTRODUÇÃO
Em dezembro de 1993 foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas),
garantindo um salário mínimo (SM) de benefício mensal para pessoas com mais
de 70 anos que comprovassem possuir uma renda familiar per capita inferior a
1/4 do valor do SM. Posteriormente, o limite de idade foi reduzido para 67 anos
e depois para 65 anos.
A concessão desse benefício não exige qualquer contribuição prévia para o
sistema de previdência social.1 A Loas tem por objetivo evitar que trabalhadores
pobres, que não contribuíram para a previdência social durante sua vida ativa –
seja porque, em decorrência de seus baixos salários, têm uma taxa de desconto do
tempo muito elevada privilegiando o consumo presente, seja devido à incapacidade
de obter emprego permanente ao longo de sua vida útil –, não fiquem totalmente
desprotegidos quando perdem a capacidade de trabalho ao atingir a velhice. Caberia
ao Estado prover alguma proteção mínima a esses trabalhadores.
Apesar de seus nobres objetivos, a possibilidade de que um trabalhador, sem
ter realizado qualquer contribuição para a previdência social, venha a ganhar pensão
de 1 SM mensal, correspondente ao piso salarial dos trabalhadores que estão na
vida ativa, pode ter um efeito colateral preocupante para o equilíbrio financeiro

* Agradecemos a Paulo Tafner e Fabio Giambiagi pelos comentários e sugestões. Quaisquer erros e omissões neste trabalho são de nossa
inteira responsabilidade.

** Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.


*** Pesquisador da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
1. Para detalhes sobre a Loas, ver Brasil (2001).

Cap07.pmd 263 23/3/2007, 15:45


264 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

da previdência. Isto porque poderá criar um incentivo para que os trabalhadores


da ativa, cuja remuneração seja próxima do valor do SM, decidam não contribuir
para a previdência social, pois, mesmo que não o façam, terão direito à pensão
concedida pela Loas.
A questão pode ser colocada da seguinte forma: um trabalhador que contribui
com 7,56% do seu salário todo mês por 35 anos tem direito a uma aposentadoria
correspondente ao salário na ativa, desde que esse seja igual ou inferior a 8 SMs.
Com a introdução da Loas o trabalhador que optar por não contribuir durante
toda a vida pode requerer o benefício de 1 SM quando completar 65 anos. Mesmo
para trabalhadores que recebem mais de 1 SM, a segunda alternativa poderá muitas
vezes ser mais interessante, do ponto de vista puramente financeiro, a não ser que
a taxa de juros seja muito baixa (pelo menos para os padrões brasileiros) ou a
expectativa de vida muito alta.
Se a hipótese acima for correta, a Loas afetaria negativamente o equilíbrio
financeiro da previdência e assistência social tanto pelo lado dos gastos quanto da
arrecadação. De um lado, a lei leva a um aumento dos gastos públicos com o
pagamento dos benefícios;2 de outro, os incentivos adversos criados pela Loas
contribuiriam para o aumento do grau de informalidade no mercado de trabalho
brasileiro na medida em que reduziriam os benefícios da formalização sem reduzir
seus custos. O resultado seria uma diminuição da receita governamental não apenas
da previdência social, mas também dos outros impostos sobre a folha de paga-
mento. Esse impacto sobre a contribuição previdenciária deve ser maior no caso
dos trabalhadores por conta própria, que têm mais liberdade para optar pela con-
tribuição, particularmente aqueles com renda mais baixa, para os quais se espera
que os benefícios da Loas sejam mais importantes.
O objetivo deste trabalho é avaliar o efeito da introdução da Loas sobre a
contribuição dos trabalhadores por conta própria para a previdência social. Para
implementar essa análise é utilizada a metodologia de diferenças em diferenças
com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) para períodos
anteriores e posteriores à aprovação da lei. O grupo de tratamento é definido por
indivíduos jovens, com baixa educação e que sejam trabalhadores por conta própria.
Esses indivíduos devem se caracterizar pelo pouco tempo no mercado de trabalho e
perspectivas mais baixas de apresentarem bom desempenho na carreira, o que
significa um perfil pouco inclinado para a relação entre ganho salarial e tempo no
mercado de trabalho.

2. Giambiagi et al. (2004) apresentam evidências desse impacto pelo lado dos gastos.

Cap07.pmd 264 23/3/2007, 15:45


LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 265

Nos grupos de controle são incluídos os trabalhadores por conta própria jovens
e com mais escolaridade, que têm melhores perspectivas de aumento de renda no
mercado de trabalho, e os conta-própria mais velhos. Para esses dois últimos grupos
a introdução da Loas não deve ter alterado muito os incentivos para a contribuição
previdenciária, no primeiro caso porque o diferencial entre o salário recebido
quando da entrada no mercado de trabalho e o recebido ao se aposentar compensaria
a contribuição ao longo da vida ativa e, no segundo, porque ou já não contribuíam
e portanto não seriam afetados, ou, se contribuíam, o investimento já realizado na
aposentadoria compensaria a continuidade da contribuição. Na análise empírica
são encontradas evidências consistentes com o argumento de que a Loas, de fato,
reduziu a probabilidade de contribuição para a previdência dos trabalhadores
potencialmente afetados pela lei.
O trabalho está organizado em cinco seções além desta introdução. A seção 2
descreve a Loas, procurando destacar como ela pode influenciar as decisões dos
trabalhadores quanto a contribuir ou não para a previdência. A seção 3 apresenta
uma descrição do perfil dos contribuintes no Brasil, de acordo com a posição na
ocupação, escolaridade, idade, setor de atividade, gênero e faixa de rendimento do
trabalho. Em seguida, descreve-se a metodologia usada nas estimações. A seção 5
mostra os resultados encontrados e a seção 6 conclui o trabalho, apresentando,
ainda, algumas sugestões de política que poderiam amenizar o efeito descrito no
capítulo.

2 A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL


A Loas regulamenta as questões referentes à assistência social no Brasil. Aprovada
em dezembro de 1993, ela estabelecia o benefício de 1 SM mensal para pessoas
com 70 anos ou mais, que comprovassem possuir um nível de renda familiar
insuficiente para a provisão da própria manutenção. Esse nível de renda foi esta-
belecido como uma renda familiar per capita inferior a 1/4 do valor do SM. Em
1998 o limite de idade para o recebimento da Loas passou para 67 anos, e em
2003 ocorreu nova redução, dessa vez para 65 anos.
Apesar de aprovada em 1993, a Loas passou a vigorar somente em 1996.
Nesse ano, cerca de 42 mil idosos foram beneficiados por recursos da Loas, como
mostra a tabela 1. A partir desse ano, como era de se esperar, o número de pessoas
beneficiadas aumentou de maneira intensa. Em 2005, mais de 1 milhão de idosos
receberam recursos através da Loas. Em relação ao total de beneficiados do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), o número de pessoas que receberam recursos
da Loas passou de 0,25% em 1996 para 4,30% em 2005.

Cap07.pmd 265 23/3/2007, 15:45


266 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

A tabela 1 mostra também que em 1996 foram gastos pouco mais de R$ 8


milhões com o pagamento da Loas a idosos. Em 2005, esses gastos representavam
mais de R$ 300 milhões. Entre 1996 e 2005 os gastos com a Loas para os idosos
passaram de 0,14% do total de gastos do INSS para 2,70%.
A concessão da assistência aos idosos pela Loas não estabelece a necessidade
de contribuição prévia do trabalhador para o sistema de previdência social. Com
isso, cria-se claramente um incentivo para a informalidade. Trabalhadores jovens
e pouco educados, com poucas perspectivas de melhora de rendimento no mercado
de trabalho, podem optar pela não-contribuição para a previdência em razão do
benefício proporcionado pela Loas. Para esses indivíduos, a contribuição com
7,65% do salário mensal durante o período de 35 anos dá direito a uma aposen-
tadoria semelhante ao salário na ativa, se este for menor ou igual a 8 SMs.3 Uma

TABELA 1
Número de beneficiados e valores gastos com a Loas (idosos)

Número de Beneficiados em relação Total de gastos Gastos em relação ao


a
beneficiados ao total do INSS (%) com a Loas total do INSS (%)

1996 41.992 0,25 8.753.491 0,14

1997 88.806 0,51 19.052.322 0,28

1998 207.031 1,14 46.871.249 0,62

1999 312.299 1,66 68.223.070 0,90

2000 403.207 2,06 92.826.884 1,14

2001 469.047 2,34 117.759.180 1,37

2002 584.597 2,77 142.106.997 1,61

2003 664.875 3,04 175.700.193 1,76

2004 933.164 4,03 251.616.508 2,34

2005 1.012.281 4,30 304.769.075 2,70

Taxa de crescimento entre


1996 e 2005 (%) 2.311 3.382
Fonte: Políticas Sociais: acompanhamento e análise, Ipea, n. 11, ago. 2005.
a
Em reais de agosto de 2005.

3. Note-se que, além dos 7,65% pagos pelo trabalhador, o empregador deve contribuir ainda com 20% do valor do salário. Como pelo
menos uma parte dessa contribuição é efetivamente paga pelo trabalhador sob a forma de menores salários reais, a hipótese de 10% é
conservadora para os objetivos deste capítulo. Estudos para o Brasil mostram que a elasticidade encargos trabalhistas-salário real do
trabalhador é 0,46, o que significa que dos 20% pagos pela empresa, 9,2% são pagos pelos trabalhadores através de reduções do
salário real (FERNANDES; MENEZES-FILHO, 2002).

Cap07.pmd 266 23/3/2007, 15:45


LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 267

alternativa para esses indivíduos é contribuir por 15 anos e obter uma aposentadoria
por idade. Como a tabela 2 mostra, exceto para uma expectativa de vida muito
elevada, essas duas últimas alternativas devem ser inferiores à situação em que o traba-
lhador não contribui e passa a receber os recursos da Loas após completar 65 anos.
A tabela 2 apresenta, para diversas taxas de juros, as diferenças entre os valores
futuros da opção de não contribuir e receber os benefícios da Loas em relação às
duas outras alternativas apresentadas anteriormente. Supõe-se, neste exercício, que
a pessoa começa a trabalhar com 20 anos e vive até os 80. Contribuindo para a
previdência com 7,65% do valor do salário mensal, a pessoa se aposenta aos 55,
recebendo o mesmo valor do salário durante a vida produtiva. A aposentadoria
por idade é concedida aos 65 anos àqueles que contribuíram por 15 anos. Caso
prefira não contribuir, o trabalhador poupa 7,65% do seu salário todo mês, du-
rante 35 anos. Após os 65 anos, esse trabalhador passa a receber uma aposentado-
ria de 1 SM através da Loas.
Esse exercício é implementado para taxas de juros mensais de 0,5%, 0,75%,
1%, 1,5% e 2% , e para rendimentos de 1, 2 e 3 SMs. De acordo com a tabela 2,
a opção de não contribuir para a previdência é melhor para todas as taxas de juros
TABELA 2
Valor presente da diferença de renda obtida por não contribuir em relação a contribuir
para a previdência

1 SMs 2 SMs 3 SMs

Aposentadoria por idade

Taxa de juros = 0,5% 5.400 –3.384 –13.179

Taxa de juros = 0,75% 3.606 –636 –3.241

Taxa de juros = 1% 2.710 –39 –576

Taxa de juros = 1,5% 1.814 27 4

Taxa de juros = 2% 1.366 7 8

Aposentadoria por tempo de contribuição

Taxa de juros = 0,5% 853 1.211 –2.450

Taxa de juros = 0,75% 9.060 2.417 3.430

Taxa de juros = 1% 2.270 2.389 3.546

Taxa de juros = 1,5% 1.744 1.403 2.104

Taxa de juros = 2% 1.334 797 1.196

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268 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

consideradas, quando o trabalhador recebe 1 SM. Esse resultado não surpreende,


pois, nesse caso, o trabalhador recebe o mesmo valor após se aposentar, quer tenha
contribuído ou não para financiar a aposentadoria. Entretanto, esse efeito persiste
mesmo quando consideramos os trabalhadores que recebem 2 e 3 SMs e se aposentam
por tempo de contribuição, exceto para uma taxa de juros de 0,5%. Para os resultados
apresentados na tabela 2, a alternativa de contribuir para a previdência é superior no
caso da aposentadoria por idade para rendimentos acima de 2 SMs e se a taxa de
juros real for menor ou igual a 1% ao mês. Como uma parcela significativa dos
trabalhadores brasileiros ganha 3 SMs ou menos, o efeito perverso da Loas sobre as
contribuições para a previdência social pode ser extremamente elevado.

3 ANÁLISE DESCRITIVA
Esta seção apresenta uma descrição, ao longo do tempo, do perfil do trabalhador
que contribui para a previdência social no Brasil. Essa análise é feita usando dados
da Pnad, para os seguintes anos: 1992, 1996, 1999 e 2004. Em cada um desses
anos são apresentadas as proporções de trabalhadores contribuindo para a previ-
dência por nível de escolaridade, grupo etário, posição na ocupação, setor de ati-
vidade e faixa de rendimento do trabalho.
Em 1992, 60% dos trabalhadores empregados contribuíam para a previdên-
cia, como mostra a tabela 3. Essa proporção diminuiu ao longo do tempo, e em
2004, 52% dos trabalhadores contribuíam para a previdência social.
A tabela 3 também mostra que a contribuição para a previdência está fortemente
relacionada com a posição na ocupação. Trabalhadores com carteira necessaria-
mente contribuem.4 Já entre os sem carteira, o nível de contribuição é extrema-
mente baixo em todos os anos. Em 1992, cerca de 73% dos empregadores
contribuíam para a previdência, mas essa proporção diminuiu para 58,5% em
2004. Entre os trabalhadores por conta própria, 27% contribuíam em 1992, e em
2004 o grau de contribuição caiu para apenas 15%.
Há uma relação positiva entre contribuição e nível de escolaridade. Em 1992,
41% dos trabalhadores com menos de quatro anos de estudo contribuíam para a
previdência, enquanto entre os trabalhadores com 11 anos de estudo ou mais essa
proporção era de 80%. A diferença foi ampliada ainda mais ao longo do tempo, já
que o grau de contribuição diminuiu muito mais para os pouco escolarizados.
Nota-se que também existem algumas diferenças por grupo etário. Entre os
trabalhadores mais jovens, o grau de contribuição é baixo, passando a aumentar

4. Valores menores do que 100% para esse grupo na tabela 3 se devem a erros nos dados.

Cap07.pmd 268 23/3/2007, 15:45


LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 269

TABELA 3
Trabalhadores que contribuem para a previdência – 1992-2004
(Em %)

1992 1996 1999 2004


Por posição na ocupação
Com carteira 98,54 96,59 100,00 99,99
Sem carteira 8,42 9,87 9,16 10,16
Empregador 73,28 70,62 64,72 58,44
Conta-própria 26,89 24,86 19,95 14,54
Por escolaridade
De 0 a 3 anos de estudo 40,93 36,94 33,91 26,61
De 4 a 7 56,13 51,02 47,47 40,45
De 8 a 10 66,40 59,90 57,29 51,39
Com 11 anos ou + de estudo 80,46 75,07 75,24 72,65
Por idade
De 18 a 24 anos 52,24 49,39 49,26 45,71
De 25 a 29 62,43 58,04 58,28 55,07
De 30 a 39 64,81 60,41 59,50 55,39
De 40 a 49 64,57 61,52 59,69 54,80
Com 50 anos ou + 55,49 51,34 49,64 44,73
Por setor de atividade
Indústria 80,29 75,88 74,02 68,77
Serviços 58,59 55,93 55,84 54,82
Comércio 56,81 53,78 51,96 50,82
Por gênero
Homens 63,15 58,48 56,51 51,81
Mulheres 56,30 54,49 55,23 51,43
Por faixa de rendimento do trabalho
Até 1 SM 17,47 9,26 6,23 4,31
1 SM 66,76 45,50 49,21 55,65
De 1 até 2 SMs 63,90 47,16 49,24 60,17
2 SMs 77,86 64,93 65,53 72,78
De 2 até 3 SMs 74,89 61,83 62,94 72,88
3 SMs 84,45 69,77 73,51 77,03
Mais de 3 SMs 83,03 72,26 75,37 74,77
Total 60,50 56,88 55,99 51,65
Fonte: Pnad.

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270 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

com a idade. No grupo com 50 anos ou mais, porém, ocorre uma redução na
proporção de contribuintes, que pode ser explicada pelo fato de muitos trabalha-
dores nessa faixa etária já receberem aposentadoria.
A tabela 3 também destaca o fato de que, na indústria, uma fração elevada
dos trabalhadores contribui para a previdência social. Nos serviços e no comércio o
grau de contribuição é bem menor. Ao longo do tempo, porém, a maior redução na
proporção de trabalhadores contribuindo ocorreu exatamente entre os emprega-
dos da indústria.
Em 1992 existiam algumas diferenças na proporção de contribuintes por
gênero, com os homens contribuindo mais do que as mulheres. Essa diferença, no
entanto, parece ter desaparecido ao longo do tempo, como mostra a tabela 3.
Nota-se uma associação positiva entre a proporção de pessoas que contribuem
para a previdência e a faixa de rendimentos do trabalho em termos do SM. Em todos
os grupos de rendimentos a tendência foi de diminuição na proporção de contri-
buintes ao longo do tempo. Essa redução concentrou-se no período 1992-1996, e
foi particularmente mais forte para as pessoas que recebiam salários mais baixos.

4 ANÁLISE EMPÍRICA
A análise do efeito da Loas sobre a contribuição para a previdência é feita utilizan-
do-se o método de diferenças em diferenças (CARD, 1990; ANGRIST; KRUEGER,
1999). De acordo com o argumento proposto neste capítulo, a Loas deve ter
reduzido a propensão a contribuir para a previdência de determinados grupos de
trabalhadores. Esses seriam os mais jovens e menos educados e, portanto, com
poucas perspectivas no mercado de trabalho. Trabalhadores mais velhos, com muitos
anos de contribuição, e trabalhadores com salários mais elevados, por outro lado,
não devem ter sido afetados pela Loas. A análise empírica consiste justamente em
estimar o efeito da mudança na legislação sobre o primeiro grupo, que deve ter
sido influenciado por essa mudança, em comparação com o grupo de tratamento,
que não deve ter sido afetado pela alteração na legislação.
Dois conjuntos de resultados são estimados. Primeiramente, são utilizados
apenas os indivíduos com menos de oito anos de estudo. São classificados no
grupo de controle os trabalhadores com idade entre 21 e 29 anos, e no grupo de
tratamento, aqueles com idade entre 40 e 64 anos. Em seguida, em um segundo
conjunto de resultados, estão somente trabalhadores com idade entre 21 e 29
anos. Nesse caso, o grupo de tratamento é definido por trabalhadores com menos
de oito anos de estudo, que não completaram o ensino médio, enquanto o grupo
de controle é dado por trabalhadores com oito anos de estudo ou mais, que pelo

Cap07.pmd 270 23/3/2007, 15:45


LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 271

menos completaram o ensino médio. Como a Loas foi aprovada em 1993, pas-
sando a vigorar em 1996, são avaliadas as probabilidades de contribuir para a
previdência nos grupos de tratamento e controle entre 1992 e 1996 e entre 1992
e 1997.5
Mais detalhes da estratégia empírica são apresentados a seguir. Para começar,
podemos definir Y0i como a decisão de um trabalhador no grupo i quanto a con-
tribuir ou não para a previdência, sem a existência da Loas. Onde Y0i é igual a 1 se
o trabalhador contribui e igual a 0, caso contrário. Y1i representa a decisão de um
trabalhador no grupo i contribuir após a introdução da Loas. Portanto, a propor-
ção de trabalhadores contribuindo no grupo i, no ano t , é dada por:

E [Y0i / c , t ] sem a Loas e E [Y1i / c , t ] com a Loas (1)

O valor de E[Y1i / c, t] para c = grupo de tratamento e t = 1996 é observado


diretamente, mas não o valor de E [Y0i / c = grupo de tratamento, t = 1996], que é
a proporção de pessoas contribuindo no grupo de tratamento em 1996, caso não
tivesse havido a Loas. Para estimar esse valor contrafactual, são usadas informações
do grupo de controle.
Suponha-se que sem a Loas a proporção de pessoas contribuindo possa ser
representada como a soma de um efeito período (β t), que é comum aos grupos, e
um efeito específico do grupo (β c), que é fixo no tempo:

E [Y0i / c , t ] = βt + γ c (2)

Suponha-se também que o efeito da Loas seja simplesmente adicionar uma


constante (δ) a E [Y0i / c, t]. Com isso, temos:

E [Y1i / c , t ] = E [Y0i / c , t ] + δ (3)

5. No apêndice, são apresentados resultados para outros períodos de comparação.

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272 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

Portanto, a condição de um indivíduo no grupo de controle ou de tratamen-


to em 1992 e 1996 pode ser representada por:

Yi = βt + γ c + δMi + ei (4)

onde:
ei é um termo específico do indivíduo, tal que E [ei / c, t] = 0.
Mi é uma dummy interativa igual ao produto de uma dummy indicando
observações em 1996 com uma dummy indicando que o indivíduo pertence ao
grupo de tratamento.
O estimador de diferenças em diferenças pode ser computado através da
equação (5):

{E [Y / c = grupo de tratamento, t = 1996] −


i

− E [Y / c = grupo de controle, t = 1996]} −


i

− {E [Y / c = grupo de tratamento, t = 1992 ] −


i

− E [Y / c = grupo de controle, t = 1992]} = δ


i
(5)

Uma outra forma de computar o estimador de diferenças em diferenças é


através de uma regressão com dados individuais. Nesse caso, os regressores são
dados por variáveis dummy para o período, o grupo e Mi. Também podem ser
adicionadas informações sobre as características de cada indivíduo. Representando
essas características individuais pelo vetor Xi, o estimador de diferenças em dife-
renças pode ser obtido a partir da seguinte regressão:

Yi = X i′ β0 + βt + γ c + δMi + ei (6)

Como características individuais, são incluídas as seguintes variáveis nas re-


gressões apresentadas na seção seguinte: região de residência, escolaridade, idade,
gênero, setor de atividade e o rendimento no trabalho principal. Como Yi é uma
variável binária, sendo igual a 1 para indivíduos que contribuem e igual a 0 para
aqueles que não contribuem, as regressões são estimadas usando um modelo logit,
embora isso dificulte a interpretação dos efeitos marginais.

Cap07.pmd 272 23/3/2007, 16:07


LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 273

5 EVIDÊNCIAS
A tabela 4 mostra os resultados estimados usando como grupo de tratamento os
jovens com idade ente 21 e 29 anos e como grupo de controle os trabalhadores
adultos com idade entre 40 e 64 anos. Apenas pessoas com menos de oito anos de
escolaridade são incluídas nessas regressões.6 A implementação da Loas não deve
ter alterado de forma significativa os incentivos para contribuir aos trabalhadores
mais escolarizados, que por receberem salários mais elevados devem ser mais pro-
pensos a optar pela aposentadoria convencional e não pela Loas. São excluídos da
amostra os trabalhadores que já recebem aposentadoria, e as regressões são estimadas
pelo método logit.
As probabilidades de contribuição se mostram menores para os jovens em
relação aos indivíduos mais velhos nas equações (1) e (3), mas esse resultado se

TABELA 4
Probabilidade de contribuir para a previdência – logit – trabalhadores com menos de 8
anos de escolaridade

1992-1996 1992-1997

(1) (2) (3) (4)

Constante –0,940 –9,241 –0,940 –9,577


(47,21) (13,64) (47,51) (14,00)

Trabalhadores jovens –1,080 0,397 –1,080 0,453


(22,04) (2,37) (22,18) (2,68)

D1996 –0,159 –0,444


(4,64) (11,30)

Trabalhadores jovens x D1996 –0,174 –0,079


(1,85) (0,78)

D1997 –0,273 –0,304


(7,92) (7,82)

Trabalhadores jovens x D1997 –0,268 –0,189


(2,73) (1,82)

Controles:

Região, gênero, escolaridade, idade, setor e rendimentos Não Sim Não Sim

Observações 26.435 26.433 26.964 26.964


2
Pseudo-R 0,03 0,20 0,03 0,21
Obs.: As estatísticas-t são mostradas entre parênteses.

6. Resultados semelhantes são obtidos usando pessoas com menos de 11 anos de escolaridade.

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274 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

inverte quando são incluídas características individuais nas colunas (2) e (4). Nota-se
ainda que as probabilidades de contribuição são menores em 1996 e 1997 em
comparação com 1992. A interação entre a dummy para os jovens e a dummy de
ano para 1997 é negativa e significativa nas duas especificações. Para 1996, apenas
na coluna (1) a dummy interativa é significativamente negativa.
Na tabela 5, são incluídos nas regressões apenas os trabalhadores com idade
entre 21 e 29 anos. No grupo de tratamento estão os indivíduos com menos de
oito anos de estudo, que devem ser os potencialmente mais afetados pela introdução
da Loas.7 No grupo de controle estão os trabalhadores jovens com oito anos de
estudo ou mais. Os resultados mostram que a probabilidade de contribuir para a
previdência é menor entre os menos escolarizados, mesmo controlando para o
setor de atividade e os rendimentos recebidos no emprego. Comparando 1996 e
1997 com 1992, os resultados indicam que a probabilidade de contribuir para a
previdência é menor nos períodos mais recentes, exceto na equação (4).

TABELA 5
Probabilidade de contribuir para a previdência – logit – trabalhadores com idade entre
21 e 29 anos
1992-1996 1992-1997
(1) (2) (3) (4)
Constante –0,914 –6,976 –0,914 –11,342
(24,43) (2,34) (24,53) (3,79)
Menos de 8 anos de estudo –1,106 –0,674 –1,106 –0,650
(19,16) (10,36) (19,23) (9,93)
D1996 –0,171 –0,426
(2,66) (5,76)
Escolaridade<8 anos x D1996 –0,161 –0,084
(1,50) (0,72)
D1997 –0,147 –0,071
(2,32) (1,00)
Escolaridade<8 anos x D1997 –0,394 –0,385
(3,59) (3,26)
Controles:
Região, gênero, escolaridade, idade, setor e rendimentos Não Sim Não Sim
Observações 12.744 12.744 12.962 12.962
2
Pseudo-R 0,05 0,21 0,06 0,21
Obs.: As estatísticas-t são mostradas entre parênteses.

7. Os resultados não são substancialmente alterados ao se redefinirem os grupos de tratamento e controle usando outros níveis educa-
cionais como 4 e 11 anos de estudo.

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LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 275

As dummies interativas são negativas e significativas nas colunas (3) e (4). De


acordo com as regressões, a introdução da Loas teria levado a uma redução na
probabilidade de contribuição para a previdência dos trabalhadores com pouca
escolaridade, redução significativamente mais intensa do que a observada para os
trabalhadores que possuíam pelo menos o segundo grau completo. Esse resultado
é consistente com a hipótese de que a introdução da Loas reduziu os incentivos
dos trabalhadores com renda mais baixa para contribuir para a previdência.
No apêndice são apresentados resultados usando-se outros períodos de com-
paração. Para comparações entre 1993, quando a Loas já estava inclusive aprovada,
e 1996, 1997 e 1998, não são encontrados efeitos significativos. Já os resultados
para os anos de 1992 e 1998 mostram uma redução na probabilidade de contri-
buição para a previdência após a introdução da Loas para os grupos potencial-
mente afetados pela lei. O apêndice também apresenta resultados com todas as
observações do período 1992-1993, considerado como anterior à introdução da
Loas, embora em 1993 a lei já estivesse aprovada, e com todas as observações para
o período 1996-1998, quando os benefícios já estavam sendo pagos. Nesse caso,
todos os resultados apontam para uma redução na probabilidade de contribuição
com a introdução da Loas.

6 CONCLUSÕES
Este capítulo procura analisar se a introdução da Loas em 1993 criou um incentivo
para que determinados grupos de trabalhadores não contribuíssem para a previ-
dência social e, portanto, para um aumento da informalidade, já que a lei garantia
uma aposentadoria igual a 1 SM a todos os trabalhadores que completassem 70
anos, sem exigir contribuição prévia. Posteriormente, esse limite de idade foi reduzido
ainda mais, até 65 anos. Essa análise é feita estimando-se a mudança na probabi-
lidade de contribuir para a previdência antes e depois da Loas para trabalhadores
potencialmente mais afetados pela lei, comparados com grupos de trabalhadores que
não devem ter sido tão afetados.
As evidências empíricas suportam a suposição de que a Loas levou o grupo
de trabalhadores jovens, com nível educacional baixo, a deixarem de contribuir
para a previdência social, agravando ainda mais a situação das contas do governo.
Giambiagi et al. (2004) mostram que os gastos com previdência e assistência social
têm aumentado rapidamente no Brasil durante os últimos anos. As despesas com
a Loas são apontadas por esses autores como um dos fatores responsáveis por isso.
Os resultados aqui apresentados apontam para um efeito negativo adicional da Loas,
que vem do fato de desincentivar a contribuição e com isso reduzir a arrecadação

Cap07.pmd 275 23/3/2007, 15:45


276 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

do sistema de previdência social e de impostos sobre a folha de pagamentos em


geral, na medida em que aumenta a informalidade no mercado de trabalho.
Na seção 2, mostramos que os gastos com a Loas têm apresentado crescimento
bem mais acentuado que os gastos com aposentadorias, tendo passado de 0,17%
para 2,70% do total dos gastos do INSS entre 1996 e 2005, enquanto o total de
beneficiários passou de 0,25% para 4,30% do total. Sem dúvida, parte desse aumento
se deve exclusivamente à inclusão de beneficiários que não contribuiriam para a
previdência social, independentemente da existência da Loas. Entretanto, os re-
sultados deste capítulo mostram que parte desse contingente é composta de pessoas
que poderiam estar contribuindo, mas não o fazem, por ser financeiramente mais
lucrativo não contribuir.
Uma primeira proposta que poderia diminuir o incentivo à não-contribuição
seria desvincular o valor da pensão estipulada pela Loas do valor do SM. O SM é
o menor salário que um trabalhador formal pode ganhar enquanto está na vida
ativa. Se o valor da pensão é igual ao SM da ativa, trabalhadores que, ao longo de
toda a vida ativa, esperam ganhar salários próximos a este, e que são os menos
qualificados, não têm qualquer incentivo para contribuir para a previdência, pois
poderão obter o benefício gratuitamente.
É importante notar que aumentos do SM real acima dos aumentos do salário
médio e mediano, na medida em que aumentam a concentração de trabalhadores
ganhando salários próximos ao mínimo, como tem acontecido nos últimos dez
anos, tendem a aumentar o efeito apresentado neste capítulo.
Da mesma forma, esse incentivo poderia reduzir-se, caso a idade a partir da
qual o cidadão passa a ter direito à pensão for aumentada (e não diminuída, como
foi feito desde a introdução da legislação). Quanto menor a idade a partir da qual
o cidadão adquire o direito à pensão, maior o incentivo à não-contribuição, pois
maior é a expectativa de sobrevida e, portanto, maior o tempo que o trabalhador
recebe a pensão da Loas. Note-se que, pela mesma razão, a introdução de uma
idade mínima para aposentadoria pelo INSS poderá ter o efeito inverso, ou seja,
aumentar o incentivo à não-contribuição, se essa idade mínima for maior que a
idade média de aposentadoria dos grupos que são afetados pela existência da Loas
(jovens pouco qualificados).
Uma forma alternativa de minorar esse incentivo à não-contribuição é aumentar
os benefícios da formalização para os trabalhadores, sem aumentar os custos que
representam para as empresas ou para o governo ou, alternativamente, reduzindo
os custos da formalização sem reduzir seus benefícios para os trabalhadores.

Cap07.pmd 276 23/3/2007, 15:45


LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 277

Algumas reformas microeconômicas podem gerar esse resultado. Exemplo


claro é a introdução do crédito consignado para trabalhadores com carteira de
trabalho assinada. Como a taxa de juros desse tipo de crédito é significativamente
menor que as taxas de juros de outros tipos de crédito para pessoas físicas, essa
reforma tende a aumentar o ganho da formalização para o trabalhador, sem aumentar
seu custo para o empregador, o que, em alguns casos, poderá compensar o ganho
decorrente da não-contribuição para a previdência.
Da mesma forma, a possibilidade de utilização dos depósitos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia em empréstimos pessoais
no sistema financeiro, seja para aquisição de casa própria, seja para qualquer outra
finalidade, poderia aumentar os benefícios da formalização sem aumentar seus
custos. Entretanto, nesse caso, cria-se um incentivo para que os trabalhadores
fiquem inadimplentes, na medida em que os depósitos do FGTS têm uma taxa de
rendimento menor que os juros dos empréstimos bancários. Para evitar esse in-
centivo, seria necessário que se criasse, no caso de o trabalhador se tornar
inadimplente, uma multa suficiente para compensar o ganho resultante do dife-
rencial de juros.
Reformas na legislação trabalhista podem ter efeito similar. Por exemplo,
uma reforma do FGTS que permita ao trabalhador retirar automaticamente os
8% depositados pelo empregador em sua conta, assim que o montante de recursos
acumulados atingir um determinado valor (seis meses de salário, por exemplo),
teria um efeito similar ao de aumentar os benefícios da formalização para o traba-
lhador (pois a taxa de juros de mercado é bastante superior à remuneração paga
aos depósitos do FGTS) sem aumentar o custo para o empregador. Isto reduziria
o incentivo à informalidade e compensaria em parte o ganho da não-contribuição.
Em resumo, os resultados deste estudo confirmam a hipótese de que reduções
nos benefícios da formalização, sem reduzir seus custos, tendem a aumentar o
grau de informalidade do mercado de trabalho. No caso analisado, ao introduzir
a possibilidade de que os cidadãos tenham acesso à pensão de 1 SM ao atingirem
uma determinada idade, sem terem feito qualquer contribuição à previdência
social, o benefício da aposentadoria, que era restrito aos trabalhadores formais,
reduziu-se, em relação à situação de informalidade. O resultado foi uma diminuição
da probabilidade de contribuição para a previdência por parte dos trabalhadores
afetados. Portanto, se o objetivo é reduzir a informalidade do mercado de
trabalho, o caminho é aumentar os benefícios da formalização sem aumentar seus
custos ou, alternativamente, aumentar os custos da informalidade, sem aumentar
ou diminuir seus benefícios.

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278 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Loas: Lei Orgânica da Assistência Social-
Legislação Suplementar. 2ª ed. 2001
CARD, D. The impact of the Mariel boatlift on the Miami labor market. Industrial and Labor
Relations Review, v. 43, Jan. 1990.
ANGRIST, J.; KRUEGER, A. Empirical strategies in labor economics. In: ASHENFELTER, O.;
CARD, D. (Eds.). Handbook of Labor Economics, v. 3A, 1999.
FERNANDES, R.; MENEZES-FILHO, N. A. Impactos dos encargos trabalhistas sobre o setor
formal da economia In: CHAHAD, J. P. Z.; FERNANDES, R. (Orgs.). O mercado de trabalho no
Brasil: políticas, resultados e desafios. São Paulo: MTE/Fipe/FEA-USP, 2002.
GIAMBIAGI, F.; MENDONÇA, J.; BELTRÃO, K.; ARDEO, V. Diagnóstico da previdência social
no Brasil: o que foi feito e o que falta reformar? Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 34, n. 3, dez.
2004.

APÊNDICE

TABELA A.1
Probabilidade de contribuir para a previdência – logit – trabalhadores com menos de 8
anos de escolaridade
1993-1996 1993-1997
(1) (2) (3) (4)
Constante –1,003 –8,559 –1,003 –9,039
(35,39) (9,91) (35,73) (10,32)
Trabalhadores jovens –1,185 0,134 –1,185 0,203
(15,91) (0,62) (16,07) (0,93)
D1996 –0,096 –0,338
(2,40) (7,48)
Trabalhadores jovens x D1996 –0,068 0,022
(0,62) (0,19)
D1997 –0,210 –0,210
(5,27) (4,66)
Trabalhadores jovens x D1997 –0,163 –0,087
(1,44) (0,72)
Controles:
Região, gênero, escolaridade, idade, setor e rendimentos Não Sim Não Sim
Observações 17.673 17.673 18.202 18.201
2
Pseudo-R 0,0336 0,2022 0,0364 0,2089
Obs.: As estatísticas-t são mostradas entre parênteses.

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LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 279

TABELA A.2
Probabilidade de contribuir para a previdência – logit – trabalhadores com menos de
8 anos de escolaridade
1992-1998 1993-1998
(1) (2) (3) (4)
Constante –0,940 –9,546 –1,003 –8,965
(47,40) (13,83) (35,61) (10,01)
Trabalhadores jovens –1,080 0,484 –1,185 0,256
(22,13) (2,84) (16,01) (1,15)
D1996 –0,455 –0,487
(12,82) (12,26)
Trabalhadores jovens x D1996 –0,210 –0,179
(2,05) (1,65)
D1997 –0,392 –0,389
(9,60) (8,50)
Trabalhadores jovens x D1997 –0,104 –0,080
(0,89) (0,650)
Controles:
Região, gênero, escolaridade, idade, setor e rendimentos. Não Sim Não Sim
Observações 27.033 27.031 18.271 18.271
2
Pseudo-R 0,037 0,206 0,038 0,203
Obs.: As estatísticas-t são mostradas entre parênteses.

TABELA A.3
Probabilidade de contribuir para a previdência – logit – trabalhadores com idade entre
21 e 29 anos
1993-1996 1993-1997
(1) (2) (3) (4)
Constante –0,805 –8,237 –0,805 –15,267
(15,62) (2,24) (15,72) (4,14)
Menos de 8 anos de estudo –1,384 –0,941 –1,384 –0,944
(16,27) (10,19) (16,37) (10,20)
D1996 –0,280 –0,451
(3,81) (5,45)
Escolaridade < 8 anos x D1996 0,116 0,160
(0,93) (1,20)
D1997 –0,256 –0,170
(3,53) (2,14)
Escolaridade < 8 anos x D1997 –0,117 –0,132
(0,92) (0,98)
Controles:
Região, gênero, escolaridade, idade, setor e rendimentos. Não Sim Não Sim
Observações 8.365 8.364 8.583 8.583
2
Pseudo-R 0,066 0,192 0,076 0,193
Obs.: As estatísticas-t são mostradas entre parênteses.

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280 JOSÉ MÁRCIO CAMARGO – MAURÍCIO CORTEZ REIS

TABELA A.4
Probabilidade de contribuir para a previdência – logit – trabalhadores com idade entre
21 e 29 anos

1992-1998 1993-1998

(1) (2) (3) (4)

Constante –0,914 –8,975 –0,805 –11,805


(24,41) (2,93) (15,60) (3,10)

Menos de 8 anos de estudo –1,106 –0,647 –1,384 –0,943


(19,14) (9,82) (16,25) (10,09)

D1996 –0,387 –0,307


(5,87) (4,18)

Escolaridade < 8 anos x D1996 –0,278 –0,308


(2,41) (2,50)

D1997 –0,496 –0,399


(6,60) (4,87)

Escolaridade < 8 anos x D1997 0,000 –0,048


(0,00) (0,35)

Controles:

Região, gênero, escolaridade, idade, setor e rendimentos Não Sim Não Sim

Observações 12.895 12.895 8.516 8.515


2
Pseudo-R 0,057 0,208 0,074 0,191
Obs.: As estatísticas-t são mostradas entre parênteses.

Cap07.pmd 280 23/3/2007, 15:45


LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 281

TABELA A.5
Probabilidade de contribuir para a previdência – logit

Trabalhadores com menos Trabalhadores com idade


de 8 anos de escolaridade entre 21 e 29 anos

(1) (2) (3) (4)

Constante –0,935 –9,106 –0,877 –9,906


(48,29) (18,25) (25,35) (4,62)

Trabalhadores jovens –1,113 –1,196


(27,27) (25,09)

Menos de 8 anos de estudo 0,358 –0,758


(2,87) (14,37)

Trabalhadores jovens x D1996-1998 –0,183 –0,186


(2,87) (2,56)

Escolaridade < 8 anos x D1996-1998 –0,120 –0,177


(1,76) (2,28)

D1993 –0,079 –0,110 0,000 –0,021


(2,49) (3,13) (0,01) (0,40)

D1996 –0,159 –0,457 –0,171 –0,395


(4,82) (12,12) (2,97) (6,09)

D1997 –0,284 –0,315 –0,220 –0,156


(8,49) (8,48) (3,81) (2,47)

D1998 –0,460 –0,498 –0,425 –0,365


(13,41) (13,10) (7,14) (5,65)

Controles:

Região, gênero, escolaridade, idade, setor e rendimentos. Não Sim Não Sim

Observações 54.118 54.118 25.656 25.656


2
Pseudo-R 0,036 0,203 0,063 0,197
Obs.: As estatísticas-t são mostradas entre parênteses.

Cap07.pmd 281 23/3/2007, 15:45


Cap07.pmd 282 23/3/2007, 15:45
PARTE 4

PARÂMETROS PARA REFORMA DO SISTEMA


PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL

Parte4.pmd 283 23/3/2007, 15:59


Parte4.pmd 284 23/3/2007, 15:59
CAPÍTULO 8

INFORMALIDADE*

Marcelo Neri**

1 INTRODUÇÃO
As causas da informalidade são mais complexas do que as altas e crescentes alíquotas
previdenciárias e encargos trabalhistas, envolvendo uma série de fatores como a
estrutura de incentivos imposta pelas leis e práticas emanadas do Estado e seus
impactos sobre a eficiência econômica, considerações sobre competição predatória
entre os setores formal e informal da economia, além da busca de maior eqüidade
distributiva tanto na taxação como na oferta de serviços públicos e de proteção
social. Visamos à realização de um diagnóstico empírico acerca da informalidade
trabalhista e previdenciária em suas diversas modalidades, explorando a diversidade
de atributos individuais, de localização geográfica e de dinâmica ao longo do
tempo. O objetivo é avaliar a extensão da informalidade, seus determinantes e
algumas de suas conseqüências, de forma a permitir a proposição de um conjunto
integrado de ações que melhorem as relações existentes entre o Estado e o mercado
de trabalho.
A mensuração da chamada economia informal, denominada por alguns eco-
nomia subterrânea, apresenta por definição uma série de dificuldades. Buscamos,
através da colagem de algumas contribuições prévias, a elaboração de um arcabouço
conceitual que permita fazer a ligação entre diagnósticos empíricos e implicações
para políticas públicas. Iniciamos com uma análise conceitual das causas e conse-
qüências da informalidade que fundamenta o levantamento empírico. Cruzamos,
a partir de diferentes bases de dados, uma série de atributos dos indivíduos e dos
estabelecimentos. Três focos de diagnóstico são perseguidos: em primeiro lugar, a
análise da evolução da informalidade previdenciária ao longo do ciclo da vida dos
trabalhadores. O segundo foco decorre da interação entre variáveis de localização

* Gostaria de agradecer a excelente assistência de pesquisa de Luisa Carvalhaes, Samanta Reis e Hugo Simas.
** Chefe do Centro de Políticas Sociais do Ibre/FGV e professor da EPGE/FGV.

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286 MARCELO NERI

geográfica e a evolução temporal da informalidade, de forma a orientar projeções


e a alocação territorial de novos esforços de políticas. O último foco da análise
está em observar e entender os incentivos implícitos existentes nas relações entre
segmentos formais e informais do mercado de trabalho. Em todos os casos, o
objetivo final é a identificação do público potencial e o desenho de ações visando
à incorporação de novos trabalhadores à economia formal.
Em termos empíricos, lançamos mão de aproximações da informalidade tra-
balhista e previdenciária encontradas em pesquisas domiciliares, como a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a amostra do Censo Demográfico e,
em menor medida, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que permite
quantificar a intensidade das contribuições previdenciárias. A estratégia adotada é
a seguinte: em primeiro lugar, usamos as Pnads de diversos anos para captar a
evolução da informalidade previdenciária para diversos subgrupos da população.
Nessa parte traçamos um experimento controlado que permite avaliar a evolução
relativa da informalidade em algumas áreas do país. Já os dados censitários propiciam
enxergar tendências de prazo mais longo da formalidade previdenciária, seja para
a sociedade como um todo, seja para gerações específicas. Acompanhamos, a partir
de uma análise de coorte aplicada aos censos, as trajetórias do ciclo da vida da
contribuição previdenciária e dos seus respectivos determinantes. Em seguida,
mudamos o foco da informalidade previdenciária para a informalidade trabalhista,
a fim de endereçar causas específicas da informalidade em diferentes categorias
profissionais e políticas associadas. A seção final procura abordar numa perspectiva
mais ampla o tema informalidade.

2 VISÃO CONCEITUAL
O objetivo desta breve seção é articular as questões de políticas relacionadas à
informalidade. Não buscamos apresentar um arcabouço completo e conclusivo
sobre a informalidade, mas uma visão geral que permita conectar as evidências
empíricas ao desenho de iniciativas privadas e de ações por parte do Estado.

2.1 Causas
A análise dos determinantes da informalização das relações trabalhistas passa por
uma série de elementos, a começar por altas alíquotas fiscais. O impacto final dos
níveis de alíquotas sobre a arrecadação tributária é captado pela chamada curva de
Laffer. É freqüente os livros-textos de Finanças Públicas apresentarem uma curva
de Laffer em forma de sino. A idéia é que, quanto maior a alíquota, menor a base
de arrecadação de impostos. A informalidade está associada a encargos fiscais cres-
centes pelos vários níveis de governo. Pode-se pleitear a existência de uma relação

Cap08i.pmd 286 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 287

de causalidade entre os dois fatos estilizados apontados, isto é, o aumento de


alíquotas observado leva a uma crescente informalização das relações das empresas
com o Estado que induz novos aumentos das alíquotas, mas não necessariamente
elevações da carga tributária efetiva. Ou seja, pode-se até chegar ao trecho descen-
dente da curva de Laffer, o que levaria a uma situação explosiva. Este seria o caso
extremo, mas de qualquer forma ocorre um círculo vicioso de aumento contínuo
da informalidade provocado por encargos sociais crescentes, em larga medida
dissociados de benefícios individuais a serem auferidos. O resultado tem sido a
redução da arrecadação, o que, por sua vez, leva a novos aumentos de alíquotas e
mais informalidade. O papel central desempenhado pela agenda de reformas fiscal,
previdenciária e trabalhista adotada seria romper esse círculo vicioso. No Brasil as
reformas têm sido historicamente discutidas a partir de uma perspectiva essencial-
mente macroeconômica e mais recentemente microeconômica, mas raramente a
partir de objetivos sociais explícitos. Na verdade, o debate esteve sempre muito
focado nos possíveis impactos sobre as contas públicas, enquanto considerações de
eficiência e de eqüidade ficam fora do centro das preocupações.

2.2 Conseqüências
A análise da informalidade pode ser dividida em conseqüências, diagnóstico de
suas causas e, por último e mais importante, prescrições de políticas. As principais
conseqüências da alta informalidade observada no caso brasileiro são: inconsis-
tências fiscais/ineficiência econômica, transferências arbitrárias de renda e a
desproteção social, conforme ilustra o diagrama 1.
A primeira conseqüência indesejada da informalidade seria a disseminação de
distorções e ineficiências derivadas de comportamentos rent-seeking e a introdução
de incertezas sobre a situação fiscal futura. Esses dois efeitos colaterais adversos da
informalidade nos remetem a características associadas ao processo inflacionário
vivido pelo país até meados dos anos 1990. Uma segunda conseqüência da
informalidade crescente é gerar transferências arbitrárias de renda, sem que sejam
mediadas por decisões conscientes baseadas em juízos do valor por parte da sociedade
ou dos seus representantes. Em particular, num regime previdenciário de repartição
simples, a informalização crescente das relações trabalhistas, acompanhada de en-
velhecimento populacional e de aumento da distribuição de benefícios
previdenciários, como induzido pela Constituição de 1988, tende a produzir efeitos
redistributivos entre gerações (OLIVEIRA, 1994; OLIVEIRA; BELTRÃO; FERREIRA, 1998;
NERI, 1999; CAMARANO, 1999, 2004, 2005).
Por último, a não-contribuição previdenciária acaba por gerar um grupo de
indivíduos desprotegidos de choques como aqueles ligados à saúde e à maternidade

Cap08i.pmd 287 23/03/07, 16:22


288 MARCELO NERI

DIAGRAMA 1
Impactos da informalidade

Informalidade

Ineficiência econômica e Incerteza e Iniqüidade e


inconsistência fiscal desproteção social transferências
arbitrárias de renda

Interações público-
privadas (ex.: políticas,
seguro e poupança)

Choques idiossincráticos
(ex.: saúde e velhice)

bem como da situação esperada para a própria velhice. Nesses casos, os indivíduos
deveriam se proteger por conta própria de tais eventualidades. As modalidades
defensivas alternativas à formalidade seriam a poupança prévia e/ou a contratação
privada de diferentes modalidades de seguro (contra invalidez, contra problemas
de saúde incluindo cláusulas de auxílio pós-parto etc.), o que, em geral, não é o
caso, principalmente para a população mais pobre.

3 INFORMALIDADE PREVIDENCIÁRIA E CICLO DE VIDA


A teoria do ciclo da vida de Franco Modigliani é apresentada como a principal
motivação para demanda de longo prazo de ativos financeiros pelas pessoas físicas.
A previdência social permitiria a suavização do nível de consumo ao longo do
ciclo de vida. A análise da informalidade trabalhista e previdenciária deve manter

Cap08i.pmd 288 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 289

em perspectiva as motivações apresentadas por Modigliani. Senão vejamos: o su-


posto inicial da teoria é que a renda do trabalho cairia nas idades mais avançadas.
O gráfico 1 apresenta a trajetória da renda do trabalho e da ocupação de pessoas
com mesmo sexo, raça e escolaridade ao longo dos diferentes anos de vida ativa.1
O objetivo deste exercício é simular a trajetória temporal da vida trabalhista de
um mesmo indivíduo.
A curva de salários sobe a taxas decrescentes com a idade, apresentando alguma
queda nas fases mais adiantadas do ciclo de vida ativa. O auge da renda é atingido
aos 51 anos, quando a renda controlada é 118,4% superior àquela observada aos
16 anos, e 15% maior que a observada aos 65 anos.2 A taxa de ocupação contro-
lada apresenta um formato de sino, atingindo o pico aos 41 anos de idade, quando
a chance de ocupação é cerca de sete vezes maior que aquelas observadas aos 16 e
aos 66 anos de idade. Em suma, a chance de ocupação sobe muito rápido e cai
muito rápido, respectivamente antes e depois dos 41 anos – que, como vimos,
constitui o pico etário da ocupação. O pico de renda do trabalho de quem está
ocupado acontece aos 51 anos, mas de uma maneira menos pronunciada que o
pico da ocupação. Nesse sentido, a queda de rendimentos nas fases finais do ciclo
da vida reflete mais a redução da taxa de ocupação do que dos salários entre os
ocupados.

GRÁFICO 1
Razão relativa
(Renda do trabalho) (Chance de ocupação)
3 8,00
7,00
2
6,00

2 5,00
4,00
1 3,00
2,00
1
1,00
0 0,00
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66

Fonte: CPS/Ibre/FGV a partir dos microdados do censo.


Nota: 16 anos = 1. Renda do trabalho É ocupado

1. As séries foram construídas a partir de dummies para cada ano de idade de uma equação de salários minceriana e de uma regressão
logística, respectivamente, tomando a idade de 16 anos como referência.

2. Este fenômeno decorre do fato frisado na Teoria de Capital Humano, desenvolvida por Gary Becker, de que os mais jovens tendem a
investir mais em novos conhecimentos pelo horizonte mais longo para recuperar o investimento.

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290 MARCELO NERI

3.1 Previdência
A taxa de contribuição para a previdência social é quase dez vezes maior do que
para fundos de previdência privada: 20,31% e 2,68%, respectivamente. Os picos
etários das duas taxas de contribuição estão situados em fases distintas, conforme
ilustra o gráfico 2.
A contribuição para a previdência pública é mais uniformemente distribuída
nas faixas entre 25 e 50 anos, atingindo o máximo na faixa de 35 a 40 anos
(41,57%). Já o pico da taxa de contribuição para previdência privada está na faixa
de 45 a 49 anos (4,36%). A POF nos permite ir além e conhecer o volume mone-
tário gasto na contribuição para a previdência no caso da população metropolitana
ocupada no setor privado que contribui. Ou seja, é uma medida de intensidade de
contribuição. O gráfico 3 indica a ascensão do valor médio da contribuição até o
grupo de 40 a 45 anos, seguida de queda (NERI; CARVALHAES, 2006).
GRÁFICO 2
Porcentagem dos que contribuem para a previdência
(Social) (Privada)
45,00 5,00
40,00 4,50
35,00 4,00
30,00 3,50
3,00
25,00
2,50
20,00
2,00
15,00 1,50
10,00 1,00
5,00 0,50
0,00 0,00
15-20 20-25 25-30 30-35 35-40 40-45 45-50 50-55 55-60 60 ou +

Fonte: CPS/Ibre/FGV a partir dos microdados da Pnad de 2002. Previdência social Previdência privada

GRÁFICO 3
Contribuição previdenciária média
(Em R$)
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
15-20 20-25 25-30 30-35 35-40 40-45 45-50 50-55 55-60 60-65 65-70 Mais de 70

Fonte: CPS/Ibre/FGV a partir dos microdados da POF de 1996.

Cap08i.pmd 290 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 291

3.2 Análise geracional


A análise temporal de uma dada variável pode ser feita de várias formas. Por exemplo,
a partir de cortes transversais dos dados, comparando-se a trajetória de uma dada
variável ao longo do ciclo da vida entre diferentes anos.
No gráfico 4 comparamos a distribuição etária da taxa de contribuição
previdenciária no Estado do Rio de Janeiro em três pontos no tempo: 1980, 1991
e 2000. Esse tipo de gráfico nos permite distinguir as taxas de contribuição de
diferentes idades em um mesmo ano. Essa taxa, que em 1970 variava entre cerca
de 50% para os grupos mais jovens ou mais velhos e 80% para aqueles na meia-
idade, em 2000 cai e se torna mais homogênea, variando entre 35% e 70% nas
diferentes idades. A taxa de contribuição cai 15 pontos percentuais (p.p.) para os
mais jovens e 10 p.p. entre aqueles na faixa etária intermediária. O gráfico 4 de-
monstra a dominância da distribuição etária da taxa de contribuição observada
em 1980 sobre a de 1991, assim como a desse ano em relação à de 2000.
A taxa média de contribuição previdenciária da sociedade brasileira cai no
período, influenciada não só pelo crescimento da informalidade nos diversos gru-
pos etários supracitados, mas também pelo efeito composição derivado do cresci-
mento da participação dos grupos mais velhos na população. Exploramos no grá-
fico 5 uma visão alternativa sobre os mesmos dados, refazendo a trajetória de uma
mesma geração ao longo dos diferentes anos. Mal comparando, na análise do
perfil etário tiramos retratos de diferentes gerações em anos diferentes; na chama-
da análise de coorte combinamos esses mesmos retratos de forma a traçar o filme
da vida de cada geração.

GRÁFICO 4
Evolução da taxa de contribuição previdenciária entre os ocupados
90

80

70

60

50

40

30
0a9 10 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79

Fonte: CPS/Ibre/FGV a partir dos microdados dos Censos de 1980, 1991 e 2000. 1980 1990 2000

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292 MARCELO NERI

GRÁFICO 5
Taxa de contribuição previdenciária entre os ocupados
90

80

70

60

50

40

30
10 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 ou +

Fonte: CPS/Ibre/FGV a partir dos microdados dos Censos de 1980, 1991 e 2000.

ANÁLISE DE COORTE: METODOLOGIA


Os dados de coorte são substitutos imperfeitos de dados longitudinais, uma vez que
não fornecem informações sobre os mesmos indivíduos ao longo do tempo. Na
verdade, as informações são de diferentes indivíduos com um certo conjunto de
características idênticas, tais como data e local de nascimento, gênero, raça etc.
Esses dados apresentam algumas vantagens sobre os dados de painel. A pri-
meira é que não há problema de atrito na amostra, isto é, em geral se consegue
observar indivíduos de uma mesma coorte em anos distintos, o que é mais simples
do que observar o mesmo indivíduo ao longo do tempo.3 Como a informação de
coorte se refere à média ou a outro momento da distribuição, diminui-se o erro da
medida oriundo das informações de um mesmo indivíduo acompanhado em mo-
mentos distintos.

Os dados de coorte são substitutos de dados longitudinais, que acompanham


os mesmos indivíduos ao longo do tempo. Na verdade, as coortes se referem à
média de um conjunto de indivíduos com conjunto idêntico de características.
Isto é, explicitamos a trajetória da vida de um dado grupo conectando os dados de
um grupo com a mesma década de nascimento, buscando ao longo dos anos a sua
respectiva faixa etária.
No caso de uma pessoa da geração que nasceu nos anos 1940, em 1980 ela
tinha entre 30 e 39 anos de idade, chegando em 2000, portanto, na faixa entre 50

3. O equivalente do problema de atrito amostral no campo das coortes são diferenciais de mortalidade entre as características analisadas, como
homens e mulheres, brancos e negros, pobres e não-pobres. Observamos que as mulheres vivem mais do que os homens, que a proporção
de negros e pardos diminui com o passar da idade e que o nível de pobreza entre os idosos também é menor do que no restante da população.

Cap08i.pmd 292 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 293

e 59 anos de idade. O gráfico 5 apresenta a trajetória das gerações nascidas em


décadas anteriores (representadas nas linhas mais à direita) e posteriores (linhas
mais à esquerda). O gráfico permite a leitura da trajetória do ciclo da vida da
contribuição previdenciária. Da geração que tinha de 30 a 39 anos em 1980, 90%
das pessoas ocupadas contribuíam na ocasião para a previdência. Essa fração cai
para 70% no ano 2000, quando a mesma geração tinha entre 50 e 59 anos. Ou
seja, mesmo antes de chegar na fase de aposentadoria, a contribuição previdenciária
caiu 20 p.p. num intervalo de 20 anos, cerca de 1 p.p. por ano.
Reportamos a seguir os resultados de um modelo logístico sobre o que deter-
mina a contribuição previdenciária, feito a partir dos Censos de 1980, 1991 e
2000 empilhados. Esse modelo estatístico incorpora, além da constante e de variáveis
de controle para sexo, educação, posição no domicílio (por exemplo, chefe, cônjuge
etc.), religião, estado civil, tamanho de cidade e macrorregião, três outras variáveis
ligadas à dimensão temporal: idade, data de nascimento e escolaridade média.4
Essas variáveis representam a decomposição da mudança da cobertura previdenciária
em efeito-geração, efeito-idade e tendência temporal, respectivamente. O exercício
demonstra que a cada geração a taxa de contribuição cai, pois os coeficientes se
tornam mais negativos à medida que nos distanciamos da base (gerações nascidas
antes de 1940). Similarmente, de forma consistente com o modelo de Modigliani,
a taxa previdenciária cai à medida que as pessoas ficam mais velhas.
Alguns resultados desse modelo estatístico estão apresentados de uma ma-
neira simples através da análise do perfil de contribuição previdenciária de um
personagem conhecido de nossa história recente. Homem, que nasceu entre 1941
e 1950, estava na faixa de 30 a 39 anos em 1980. Com cinco anos de estudo,
morava na época no Sudeste e numa área urbana, era chefe de família e casado,
seguia a religião católica e já tinha migrado. Na verdade, reproduzimos como base
o perfil do presidente Luís Inácio Lula da Silva em 1980. Qual seria a probabilidade
de uma pessoa com o perfil sócio-demográfico de Lula em 1980 contribuir para a
previdência social? Seria essa: 83%. Podemos através desse modelo mudar os
parâmetros um a um, mantendo os demais, de forma a isolar o efeito de cada
atributo na decisão de contribuição previdenciária. Por exemplo, se o mesmo agente
estivesse ainda numa área rural do Nordeste e não tivesse migrado, mas mantivesse
as mesmas características iniciais, a taxa cairia de 83% para 18%, só por conta dos
efeitos geográficos. Agora, se o nosso agente representativo tivesse nascido entre

4. Não podemos colocar a variável ano pura, pois ela guarda relação de dependência linear perfeita com as outras duas. Isto é, se
somarmos a idade à data de nascimento, sabemos qual é o ano. Optamos por captar a variável ano pela escolaridade média do Estado
do Rio de Janeiro, que cresce aproximadamente à taxa de um ano por década, sendo facilitada a interpretação dos coeficientes.

Cap08i.pmd 293 23/03/07, 16:22


294 MARCELO NERI

1951 e 1960, e não na década anterior, a taxa de contribuição previdenciária cairia de


83% para 70%, indicando que a cada geração as pessoas estão contribuindo menos
para a previdência, o que implica um grau de desproteção social cada vez maior.

REGRESSÃO LOGÍSTICA
Essa técnica permite estimar as probabilidades de ocorrência de um evento, dado
um conjunto de características observáveis (AGRESTI, 1996). A regressão logística
binomial é utilizada para estudar variáveis dummies, que são aquelas compostas
apenas por duas opções de eventos, como “sim” ou “não”. A transformação logística
pode ser interpretada como sendo o logaritmo da razão de probabilidades, sucesso
versus fracasso. A função de ligação desse modelo linear generalizado é dada pela
seguinte equação:

 p  K
ηi = log  i  = ∑ βk xik
 1 − pi  k =0

onde a probabilidade pi é dada por:

 K 
exp  ∑ βk xik 
pi =  k =0 
 K

1 + exp  ∑ βk xik 
 k =0 

4 PERFIL DA INFORMALIDADE PREVIDENCIÁRIA

4.1 Políticas
Antes de aprofundarmos o diagnóstico quantitativo da evolução e dos determinantes
da informalidade, é interessante explorar um marco conceitual que integre pro-
postas de medidas para melhorar a base de cobertura previdenciária. Esta seção
busca construir uma ligação entre resultados empíricos gerados e medidas de ex-
pansão de cobertura formal.
De maneira geral, existem dois tipos de medidas para redução da informalidade,
a saber: as estruturais e as operacionais. No grupo de medidas estruturais figuram
basicamente mudanças no sistema de incentivos para a contribuição do sistema

Cap08i.pmd 294 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 295

via alterações na legislação. Entre as medidas operacionais, encontramos ações na


área de comunicação (propaganda, envio de postos ambulantes, interação com a
mídia etc.) e políticas de fiscalização. Em ambos os casos, uma análise dos fatores
correlacionados com a não-contribuição fiscal pode ser de extrema valia na escolha
do foco de medidas operacionais e estruturais, conforme ilustrado pelo diagrama 2.

DIAGRAMA 2
Políticas pró-formalização
Tipos de políticas

Comunicação Fiscalização Incentivos


(isto é, propaganda) (isto é, reformas)

Aumento da formalização Contexto institucional

Esferas de políticas

Políticas nacionais Políticas regionais Políticas setoriais

4.1.1 Políticas por atributos individuais


Em termos de políticas estaduais (por exemplo, relativas à comunicação, à fiscali-
zação ou à regulação), a identificação das características das pessoas física e/ou
jurídica informais pode orientar as políticas. Por exemplo, o local onde a atividade é
exercida (no domicílio ou em estabelecimentos fora do domicílio) pode guiar
ações fiscalizatórias.

4.1.2 Políticas setoriais


A análise temporal da taxa de informalidade por posição na ocupação ou setor de
atividade em diferentes níveis de agregação desempenha papel central no direcionamento
de mudanças específicas.

Cap08i.pmd 295 23/03/07, 16:22


296 MARCELO NERI

4.1.3 Políticas regionais


Uma particular atenção deve ser dada à distribuição espacial da contribuição
previdenciária em nível estadual, municipal e abaixo deste, de forma a nortear
políticas de fiscalização do cumprimento da legislação previdenciária.

4.2 Retratos da formalidade previdenciária


Trabalhamos com o conceito de informalidade previdenciária, que permite unificar
o tratamento dado em diferentes bases de dados. De todas as pesquisas represen-
tativas de nível nacional, a Pnad é aquela que permite analisar as mudanças da
informalidade ocorridas no período mais recente (PINHEIRO, 2000; NERI, 2003),
da mesma forma que o censo demográfico permitiu retroceder no tempo o início
das séries analisadas. Em todos os casos utilizamos a taxa de contribuição
previdenciária como centro da análise empírica, pois permite a comparação destas
com outras bases de dados e entre diferentes posições na ocupação.
A tabela 1 detalha a evolução temporal da formalidade previdenciária entre
os ocupados organizados em subgrupos de características individuais entre 1993 e
2004. Nesses 11 anos, a formalidade cresce 4 p.p. Grande parte desse aumento se

TABELA 1
Brasil: taxa de contribuição para previdência – população ocupada – 1993-2004
(Em %)

Ano 1993 1996 1999 2002 2004

Total 41,48 42,28 42,10 44,12 45,36

Sexo

Mulher 38,34 40,81 41,45 44,23 45,06

Homem 43,47 43,19 42,53 44,06 45,58

Posição na família

Chefe 50,75 49,12 47,91 48,69 49,77

Cônjuge 36,81 38,77 39,20 42,88 43,44

Filho 31,29 34,33 35,05 37,64 39,78

Outro parente 38,39 39,35 38,60 39,18 39,46

Agregado 36,31 35,40 36,77 40,76 40,39

Pensionista 67,60 64,41 62,82 56,99 60,39

Doméstico 25,77 31,27 36,84 42,58 41,68


(continua)

Cap08i.pmd 296 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 297

(continuação)

Ano 1993 1996 1999 2002 2004

Raça

Branca 49,97 49,42 50,03 51,44 52,96

Parda ou preta 31,32 33,22 32,51 35,44 37,02

Amarela 56,63 52,71 61,90 58,63 55,32

Indígena 9,29 22,19 20,72 33,06 46,08

Idade

15 a 20 26,72 29,07 28,39 28,46 28,56

20 a 25 46,67 46,22 47,48 49,03 50,50

25 a 30 52,31 49,28 51,15 51,96 53,60

30 a 35 53,39 51,40 51,49 52,91 53,57

35 a 40 52,78 53,16 52,48 53,17 52,76

40 a 45 52,12 53,44 50,74 52,37 52,72

45 a 50 48,33 48,08 47,72 49,41 51,38

50 a 55 41,51 42,08 40,89 43,30 45,45

55 a 60 36,81 34,63 33,79 34,54 36,70

60 a 65 27,11 28,68 24,21 25,98 25,85

65 a 70 14,98 18,04 15,78 14,63 16,69

Mais de 70 9,78 9,99 9,50 8,69 9,01

Imigração

Menos de 4 anos 43,78 43,34 44,78 43,95 47,33

5a9 47,74 49,41 46,01 49,21 49,93

Mais de 10 50,95 50,06 49,13 48,97 49,24

Não imigrou 37,73 39,11 39,45 42,10 43,66

Tempo de emprego

Até 1 ano 33,57 35,47 34,01 35,74 37,85

1a3 43,19 45,02 44,64 48,17 48,75

3a5 45,54 45,22 47,55 48,10 51,03

Acima de 5 43,76 43,76 43,01 45,34 45,72


(continua)

Cap08i.pmd 297 23/03/07, 16:22


298 MARCELO NERI

(continuação)

Ano 1993 1996 1999 2002 2004

Anos de educação

0 ano 14,46 16,28 14,90 17,14 17,55

1a4 22,85 23,33 20,83 22,62 22,62

4a8 39,07 37,73 34,80 33,38 32,76

8 a 12 64,57 60,46 59,97 57,94 57,61

Mais de 12 82,78 78,52 79,22 75,67 77,33

Região

Nordeste 20,92 22,66 22,10 24,89 26,27

Norte 35,48 36,11 36,84 38,63 31,61

Centro 35,86 37,04 39,48 43,58 45,33

Sudeste 55,90 55,13 54,94 55,36 57,60

Sul 43,42 45,02 46,30 47,54 50,79

Densidade demográfica

Rural 12,37 14,64 14,96 14,18 16,04

Urbano 45,48 45,99 46,32 47,54 49,16

Metropolitano 64,19 60,81 60,25 58,28 59,98


Fonte: CPS/FGV, a partir dos microdados da Pnad/IBGE.

deu no período mais recente (2 p.p. entre 1999 e 2002 e 1,2 p.p entre 2002 e 2004),
com pequena queda observada na segunda metade da década de 1990 (–0,2 p.p.
entre 1996 e 1999). A criação e a difusão de modalidades de crédito consignado
para aposentados e empregados formais, ocorridas no Brasil nos últimos anos,
fizeram aumentar as vantagens por formalidade previdenciária e podem ter de-
sempenhado algum papel nesse processo. O aumento na contribuição
previdenciária foi impulsionado pelas áreas não-metropolitanas: a formalidade
cresce 3,6 p.p. tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas, com queda de 4,2 p.p.
nas metropolitanas.
Comparando os diferentes grupos da população, encontramos em 2004 taxas
de contribuição próximas entre homens e mulheres, 45,58% deles contra 45,06%
delas. Em 1993, essa diferença era de 5 p.p. em favor deles. Isso reflete o aumento
da formalidade entre os cônjuges, que no último ano atinge a taxa de 43,44%,

Cap08i.pmd 298 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 299

superior em 6,6 p.p. à apresentada em 1993, em oposição à redução da taxa de


contribuição dos chefes. Observamos maiores aumentos na proporção de contri-
buintes na faixa entre 45 e 65 anos de idade, o que demonstra a ocorrência de um
efeito composição, como veremos mais à frente. Em grupos mais pobres como
pretos e pardos, a formalidade aumenta de forma mais pronunciada (passa de
31,3% para 37%). O mesmo ocorre entre os menos educados, com ganhos em
favor da formalização. Apesar de maior, a taxa de contribuição previdenciária
daqueles com mais de 12 anos de estudo decresce no período analisado. Entretanto,
como houve acréscimo da proporção de grupos mais educados, a mudança de
composição pode ter compensado o efeito sobre a taxa previdenciária agregada.

4.3 Regressões multivariadas


A análise multivariada desempenhará um papel fundamental neste estudo, permi-
tindo isolar as diversas instâncias de atuação das políticas supracitadas. Vejamos
um exemplo aplicado à dimensão espacial: quando controlamos pelos principais
atributos individuais e empresariais (aí incluindo setores de atuação), buscamos
comparar a extensão da informalidade em diferentes áreas geográficas e atributos
geográficos (tamanho de cidade), de indivíduos (escolaridade, idade, sexo, setor
de atividade e status imigratório) e de empresas (setor de atividade, tamanho em
número de funcionários, local de funcionamento, tempo de empresa). Essa análise
tem melhores condições de identificar e guiar focos de ação espaciais do que a
análise não controlada isoladamente. Por exemplo, se compararmos duas regiões
onde todos os atributos das empresas – com exceção da distribuição de escolaridade
do empresário – sejam iguais, inclusive a taxa de contribuição fiscal, o potencial
de implementação de políticas bem-sucedidas na região mais educada é superior
ao da região menos educada. Motivo: a baixa escolaridade inibe o sucesso de
políticas. A decisão mais proveitosa em termos de alocação de esforços de expansão
do sistema é centrar esforços na área mais educada. A análise dos coeficientes das
variáveis dummy espaciais numa regressão multivariada é identificar áreas com
potencial de expansão de cobertura de sistema.
Analisamos um modelo relativo à probabilidade de um indivíduo com as
mesmas características contribuir ou não para a previdência social (NERI, 2003).
A ênfase da análise está na comparação das áreas metropolitanas vis-à-vis universos
de pessoas semelhantes nas áreas urbanas e rurais do país. Isto é, comparamos
habitantes metropolitanos e não-metropolitanos brasileiros com as mesmas carac-
terísticas: sexo, posição na família, idade, escolaridade, raça, status migratório,
tempo de empresa, densidade populacional. Variáveis como setor de atividade e
posição na ocupação serão objetos de modelos particulares, dada sua importância

Cap08i.pmd 299 23/03/07, 16:22


300 MARCELO NERI

para os objetivos deste trabalho. Vamos diretamente analisar as variáveis temporais


(ano) e espaciais (metropolitanas, urbanas e rurais) para, da interação dos dois
grupos de variáveis, podermos isolar a diferença dos movimentos da contribuição
previdenciária por nível de densidade demográfica.

ANÁLISE DE DIFERENÇAS EM DIFERENÇAS


Através de “fotografias” tiradas a partir de pessoas em diferentes anos da Pnad,
podemos captar o impacto diferenciado de políticas, comparando pesquisas reali-
zadas antes e depois. O método estatístico utilizado aqui para fazer essa avaliação é
o de diferenças em diferenças (WOOLDRIDGE, 2003). Matematicamente, podemos
representar o método com a seguinte equação:

( ) (
g 3 = Y2, B − Y2, A − Y1, B − Y1, A )
onde cada Y representa a média da variável estudada para cada ano e grupo, com
o número subscrito representando o período da amostra (1 para antes da mudança
e 2 para depois da mudança) e a letra representando o grupo ao qual o dado pertence
(A para o grupo de controle e B para o grupo de tratamento). Assim, g3 é nossa
estimativa. Obtendo g3, determinamos o impacto do experimento natural sobre a
variável que gostaríamos de explicar.
Representando o método através de uma regressão e criando as variáveis
indicadoras (ou dummies): dB igual a 1 para os indivíduos do grupo de tratamento
e 0 para os indivíduos do grupo de controle; e d2, igual a 1 quando os dados se
referem ao segundo período pós-mudança, e 0 caso os dados se refiram ao período
pré-mudança; temos:

Y = g 0 + g1* d 2 + g 2 * dB + g 3 * d 2 * dB + outros fatores


onde Y representa a variável estudada, g1 o impacto de se estar no segundo período
sobre a variável estudada, g2 o impacto de se estar no grupo de tratamento sobre a
variável estudada, e g3 o impacto pós-evento do grupo de controle sobre a variável
estudada (que é justamente o que se quer descobrir). Assim, g0 capta justamente o
valor esperado da variável estudada quando se analisa o grupo de controle antes da
mudança, o que nos dá, basicamente, o parâmetro de comparação. É preciso ainda
controlar por outros fatores relevantes na regressão, tais como sexo, escolaridade etc.

Cap08i.pmd 300 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 301

Apresentamos a seguir os resultados da regressão logística baseada em Pnads


empilhadas de diversos anos. A ênfase da análise aqui recai sobre as variáveis espaciais
e temporais, mas cabe notar a robustez dos coeficientes estimados para os atributos
controlados num conjunto maior de regressões. As chances controladas de contri-
buição previdenciária são maiores entre os homens, chefes de domicílios, brancos,
com 12 anos ou mais de estudo, e crescem de acordo com a idade até atingir um pico
na faixa de 40 a 45 anos, a partir de quando começam a cair, conforme a regressão
logísitica apresentada no apêndice. Buscamos, nesse exercício de diferenças em dife-
renças, situar a evolução relativa das regiões metropolitanas ao longo do tempo.
TABELA 2
Brasil: regressão logística – população ocupada
Parâmetro Categoria sig Chances de contribuir para a previdência
Metropol Metropol ** 2,26755
Ano 04 ** 0,89763
Ano 02 ** 0,89943
Ano 99 ** 0,90393
Ano 96 ** 0,96647
Metro*ano Metrop 04 ** 0,66341
Metro*ano Metrop 02 ** 0,64915
Metro*ano Metrop 99 ** 0,76010
Metro*ano Metrop 96 ** 0,80146
Fonte: Microdados das Pnads de 1993, 1996, 1999, 2002 e 2004.

RAZÃO DE VANTAGENS
É dada pela seguinte relação:

 p1 
 
 1 − p1 
θ=
 p2 
 
 1 − p2 

onde p1 e p2 são as probabilidades de sucesso dos grupos 1 e 2, respectivamente.


A razão de vantagens, ou razão condicional, é diferente da probabilidade.
Exemplificando: se um cavalo tem 50% de probabilidade de vencer uma corrida, sua
razão condicional é de 1 em relação aos outros cavalos, isto é, sua chance de vencer é de
1para 1. O conceito de razão condicional é de extrema importância para a compreensão
deste trabalho, pois é ele que nos indicará se a variável gerada por diferenças em diferen-
ças aumentou ou diminuiu a chance de sucesso em relação à variável estudada.

Cap08i.pmd 301 23/03/07, 16:22


302 MARCELO NERI

A variável ano demonstra queda da formalização entre 1993 (categoria omi-


tida) em relação a 1996 e 1999, estabilizando-se daí para a frente. Esse resultado
está bastante em desacordo com a análise não-controlada da tabela 1, indicando
que efeitos composição da população desempenham papel central na explicação
da evolução da formalidade. A análise espacial controlada (tabela 2) revela maior
formalidade nas regiões metropolitanas. Isto é, quando comparamos indivíduos
iguais em todas as características, exceto o local de moradia, os que residem nos
centros metropolitanos possuem chances 2,2 vezes maiores de contribuírem para
a previdência. Apesar de maiores, essas chances relativas são reduzidas ao longo do
tempo, como podemos observar interagindo essa variável com a variável ano, com
ganhos relativos de formalidade para as demais regiões. As áreas metropolitanas
acabariam desempenhando um papel de destaque no desenho de políticas
georreferenciadas que visassem reduzir a informalidade.
Finalmente, averiguamos as taxas de contribuição previdenciária entre dife-
rentes posições na ocupação, utilizadas como proxies de informalidade. No grupo
de conta-própria e empregadores, cuja contribuição é voluntária, há quedas de
formalidade de 5 p.p. e 8 p.p. respectivamente (DART; NERI; MENEZES, 2001).
Entre os sem carteira, a contribuição permanece mais ou menos constante ao
longo do tempo, enquanto cresce substancialmente para os empregados domésti-
cos e agrícolas (tabela 3).
Dados de contribuições previdenciárias por faixa de renda, indicam que, no
quintil mais baixo de renda, apenas 4% contribuem para a previdência. Quando
olhamos a cauda superior da distribuição de renda, 71% contribuem, demons-
trando que contribuir para a previdência é um “serviço de luxo”.

TABELA 3
Brasil: contribuição previdenciária por posição na ocupação – 1993-2004
(Em %)

1993 1996 1999 2002 2004

Total 41,48 42,28 42,10 44,12 45,36

Conta-própria 18,23 18,20 15,11 13,13 13,34

Empregador 63,78 64,16 57,96 54,78 55,81

Sem carteira 5,64 6,59 5,51 5,70 5,96

Empregado doméstico 17,53 22,04 26,12 27,28 27,30

Empregado agrícola 22,76 27,90 28,89 28,75 31,54


Fonte: CPS/FGV através do processamento dos microdados da Pnad/IBGE.

Cap08i.pmd 302 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 303

5 INFORMALIDADE EMPREGATÍCIA

5.1 Informalidade trabalhista e renda


O problema do trabalho no Brasil não se restringe ao desemprego ou à quantidade
de trabalho disponível, mas está intimamente ligado à qualidade dos postos de
trabalho. Medida inicial da precariedade, a informalidade é entendida como a
soma dos autônomos, dos empregados sem carteira e dos não-remunerados.
Nenhum segmento contribui mais para a pobreza brasileira do que o setor
informal. Cerca de 57% dos pobres brasileiros estão em famílias chefiadas por
informais. Os chefes desempregados contribuem apenas em 5,4% para a pobreza
brasileira. Quer dizer, o grande depositário de pobres brasileiros não é o desemprego,
mas a informalidade. São pessoas que trabalham, mas não ganham o suficiente
para sustentar suas famílias. Pobre não pode se dar ao luxo de buscar emprego;
pobre cai na informalidade. O gráfico 6 demonstra a relação inversa entre
informalidade trabalhista (eixo x) e renda domiciliar per capita (eixo y) nas 135
mesorregiões brasileiras a partir dos dados da Pnad expressos em logaritmos naturais.
A elasticidade estimada por mínimos quadrados ordinários é –1,27, ou seja, maior
que a unidade em módulo. O mapa 1 a seguir apresenta a distribuição geográfica
da taxa de informalidade trabalhista.
A informalidade é mais freqüente e crônica que o desemprego. Do ponto de
vista individual, o desemprego é, na média, uma crise passageira. O aviso prévio,
o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego ame-
nizam os efeitos de curto prazo da perda de emprego formal. Por outro lado, não
existe “seguro-informalidade” ou algo parecido. Na verdade, a informalidade cons-
titui o principal “colchão” que alivia choques trabalhistas adversos naqueles que

GRÁFICO 6
Renda per capita versus informalidade
(Dados em log)

5,5

4,5

–1,6 –1,5 –1,4 –1,3 –1,2 –1,1 –1 –0,9 –0,8 –0,7 –0,6 –0,5 –0,4 –0,3 –0,2

Coeficiente: –1,276 Estatística-t: –17,42 RR²: –0,6921

Cap08i.pmd 303 23/03/07, 16:22


304 MARCELO NERI

MAPA 1
Taxa de informalidade trabalhista

0,197-0,351
0,351-0,475
0,475-0,621
0,621-0,842
Fonte: Pnads de 1998 e 1999.
Elaboração: CPS/Ibre/FGV. Sem informação

não podem se dar ao luxo de ficar buscando uma ocupação melhor. No longo
prazo, o trabalhador informal é mais descoberto de programas de previdência
social do que o formal. A própria estrutura de custos e benefícios associados à
legislação trabalhista e previdenciária toma a informalidade como modalidade de
evasão fiscal. Essa informalidade voluntária deve ser combatida com a incorporação
de incentivos “corretos” na legislação que incentivem a formalização.
Se quisermos entender minimamente o problema da informalidade, a sua
diversidade tem de ser endereçada. Nesse sentido, a agregação do heterogêneo
grupo de trabalhadores conta-própria, lado a lado com os empregados sem carteira
e os sem pagamento talvez esconda mais do que revele. Os conta-própria são
aqueles que não têm simultaneamente nem patrão nem empregados, conforme a
definição usual dada pelas pesquisas domiciliares do IBGE. De acordo com a
natureza das relações trabalhistas, os conta-própria ou os sem-patrão/sem-empregados
seriam os “primos pobres” dos empregadores, enquanto os empregados sem carteira
e os sem pagamento seriam os “primos pobres” dos empregados com carteira. Ou
seja, a principal relação de parentesco que une os trabalhadores autônomos, os

Cap08i.pmd 304 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 305

empregados sem carteira e os não-remunerados seria a associação com a pobreza.5 A


abordagem da informalidade através da ótica previdenciária, conforme as duas
últimas seções, gera uma unificação mais natural dessas diversas categorias de
posição na ocupação. Trabalhamos com o grupo de empregados formais e informais
em separado das demais posições na ocupação.

5.2 Direitos, encargos e informalidade


Há mais relações entre a CLT e os empregados informais do que supõe o INSS.
Benefícios legais são estendidos aos empregados sem carteira, exatamente como
está no papel. A diferença principal está nas obrigações fiscais devidas ao governo.
Apresentamos, a seguir, um contraste da efetividade de diversos elementos da
legislação trabalhista entre os segmentos formais e informais do mercado de trabalho.
Em particular, quantificamos a dimensão das soluções de canto – ou pontos de
pressão impostos pela legislação (NERI, 2001; AMADEO; GILL; NERI, 2002).
A comparação dos direitos concedidos aos empregados com e sem carteira
revela que o salário mínimo é uma referência mais forte para os ilegais do que para
os legalizados: dados da Pnad mostram que 24% dos empregados sem carteira
percebem exatamente um salário mínimo, contra 12,1% dos que possuem carteira.
Um efeito característico da política de pisos salariais é deslocar a massa da distri-
buição de salários com níveis inferiores aos do mínimo, concentrando-a no valor
exato assumido pelo mínimo. Nesse sentido, a proporção de indivíduos recebendo
exatamente um mínimo constitui uma medida natural da efetividade da lei.
As semelhanças entre os empregados com e sem carteira, já conhecidas no
caso do mínimo, são também observadas na jornada de trabalho. A Constituição
de 1988, ao determinar redução do teto da jornada de trabalho de 48 para 44
horas semanais, representa um experimento privilegiado na avaliação dos impactos
imediatos de mudanças na legislação horária. Ou seja, permite compararmos a
extensão da labuta diária antes da Constituição (a.C.) com aquela observada logo
depois da entrada em vigor da Constituição (d.C.).
A proporção de empregados formais cuja jornada se situava exatamente no
antigo limite legal, cai de 32% a.C. para 15% d.C. Em compensação, a importância
relativa do novo teto horário cresce de 3% para 20%. Finalmente, 25% dos em-
pregados sem carteira tinham jornada de 48 horas semanais a.C., contra 19%

5. Agora, muitas vezes, queremos ter uma visão sintética da situação social-trabalhista. Nesse caso, talvez seja melhor utilizar medidas de
bem-estar social baseadas em renda domiciliar per capita do trabalho, isto é, a soma das rendas do trabalho de todos os membros da
família dividida pelo número de membros. Esse conceito resume uma série de fatores operantes sobre o trabalho de todos os familiares,
como os níveis de ocupação e de rendimento, auferidos de maneira formal ou informal.

Cap08i.pmd 305 23/03/07, 16:22


306 MARCELO NERI

d.C. Em contrapartida, a nova carga horária máxima, que atingia 3% a.C., passa
a 8% d.C.
Embora os empregados sem carteira ganhem menos e trabalhem em excesso
mais freqüentemente que os empregados com carteira, o efeito do salário mínimo
e da jornada máxima de trabalho sobre os empregados informais pode ser reco-
nhecido nos limites da legislação. Mas não é só: 83% dos trabalhadores formais e
79% dos informais recebem salário mensalmente, prazo máximo permitido pela
lei. A legislação determina, ainda, que o pagamento seja feito pelas empresas até o
quinto dia útil do mês seguinte ao trabalhado: 19,71% dos empregados formais e
11,18% dos informais recebem salário exatamente nessa data. Finalmente, a pro-
porção de reajustes nominais de exatos 100% concedidos somente em dezembro,
usada como proxy do pagamento do 13o salário na data-limite, é de 4,4% no caso
dos empregados informais. Tudo isso confirma a influência de práticas de paga-
mento legais sobre os empregados ilegais.
As semelhanças entre segmentos legais e ilegais são justificadas pela possibi-
lidade de ambos os tipos de trabalhadores garantirem seus direitos recorrendo à
Justiça do Trabalho. Nesse sentido, os empregados sem carteira constituem potenciais
empregados com carteira. A ameaça legal força as empresas a garantirem os direitos
trabalhistas individuais por antecipação.
Nessa perspectiva, o grande prejudicado das ligações informais existentes
entre firmas e trabalhadores é o governo, pois os encargos trabalhistas devidos são
ignorados: apenas 7,7% dos empregados informais do país contribuem para o
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entre aqueles com carteira, a contri-
buição atinge a totalidade dos trabalhadores. Em suma, os trabalhadores sem car-
teira assinada diferem dos registrados mais nos encargos sociais e menos nos direitos
trabalhistas. Firmas e trabalhadores estão barateando custos fiscais através da
informalidade. Desde 1989, o número de empregos formais caiu 21,6%, enquanto
as vagas ilegais aumentaram 27,6%. Pelo menos dois tipos de fatores explicam a
ilegalidade crescente das relações trabalhistas: a) o fato de o empregado, com boas
razões, não perceber a ligação entre contribuição presente e benefícios a serem
auferidos no futuro; b) direitos trabalhistas são independentes do caráter legal da
relação de trabalho assumida. O aparato legal, da forma como foi desenhado,
desincentiva a formalização do emprego.
Em contraste com o pensamento convencional, o alcance das leis trabalhistas
parece afetar os resultados do mercado de trabalho até mesmo no setor de emprego
considerado como informal. Seguindo prática comum no Brasil, distinguimos
emprego formal do informal observando se o contrato de trabalho foi aprovado

Cap08i.pmd 306 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 307

pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou não, isto é, separamos os grupos


de trabalhadores com carteira de trabalho assinada daqueles sem carteira.
Examinamos o grau de aderência às leis trabalhistas nos setores formal e
informal, e quantificamos os chamados “pontos de pressão” ou soluções de canto,
impostos por cláusulas da legislação relativas a salário mínimo, jornada-padrão
trabalhada e práticas diversas de pagamento. Os resultados mostram que a
efetividade dessas cláusulas no setor informal do mercado de trabalho brasileiro é
surpreendentemente alta. Dados os tipos de mecanismos embutidos na legislação,
a informalidade no Brasil é, principalmente, um fenômeno fiscal e não ligado à
recusa de honrar direitos trabalhistas legalmente estabelecidos.
A forma como essas leis têm sido cumpridas é também um determinante crítico
da informalidade no Brasil. Se, por um lado, os incentivos para a permanência da
TABELA 4
Pontos de pressão na legislação empregatícia

Empregados por tipo de inserção


Indicador
Formal: com carteira assinada Informal: sem carteira assinada

Encargos sobre a folha de pagamento


(% de trabalhadores cuja empresa...)*

... paga contribuições relativas ao INSS 100 7,7

... paga contribuições relativas ao FGTS 95 5

Direitos (% de trabalhadores com…)**

... período de pagamento = 1 mês 83 79

... nível salarial = 1 salário mínimo 2005 12,1 24

... reajuste salarial = salário mínimo

Março de 1990 a janeiro de 1994 6,9 10,3

Setembro de 1994 a maio de 1995 12,0 21,5

Restrição de horas (% de trabalhadores)**

Jornada igual à jornada-padrão legal

1987(a. C.) 32 25

1990 (d. C.) 20 8


Fonte: Elaboração do autor a partir de * Pnad/IBGE e ** PME/IBGE.

Cap08i.pmd 307 23/03/07, 16:22


308 MARCELO NERI

TABELA 5
Custos trabalhistas salariais e não-salariais
(Mensalmente, com o número normal de horas trabalhadas = 44 horas semanais)

Componente Percentual Total

Salário básico 100,0

13o salário 8,3 108,3

Férias 11,3 119,6

FGTS 8,0 127,6


a
Outros benefícios obrigatórios 10,0 137,6

Ganho total (salário + benefícios obrigatórios) 137,6

Sesi, Senai, Sebrae 3,1 140,7


b
INSS + seguro-acidente + educação + Incra 24,7 165,4
Fontes: Amadeo (1992) e Amadeo, Gill e Neri (2002).
a
Existem benefícios que não podem ser calculados para todos os trabalhadores, uma vez que dependem do sexo, tipo de trabalho realizado,
setor econômico etc. Estes incluem salário-família, licença-maternidade, vale transporte etc.
b
Os trabalhadores contribuem com 8%, 9% ou 10% do salário para a previdência social, dependendo da faixa salarial.

informalidade são pequenos, por outro, os empregados informais têm a prerrogativa


de cobrar a posteriori seus direitos na Justiça do Trabalho. O resultado é que as
firmas honram por antecipação os direitos devidos. O que a informalidade modifica
de maneira mais substancial são as relações financeiras de firmas e de trabalhadores
com o governo, pois a alíquota de contribuição de encargos é alta. A informalidade
no Brasil vai permanecer alta enquanto as leis trabalhistas continuarem ambíguas e
inexistirem programas de seguridade social equilibrados, com relações estreitas
entre a magnitude das contribuições e dos benefícios percebidos.

5.3 Reformas trabalhistas


São enormes os desafios enfrentados pelo Brasil na área da legislação trabalhista.
O conjunto de leis que constituem o código trabalhista tem suas bases nas normas
formuladas na década de 1940, com uma legislação adicional – algumas vezes
ultrapassada ou inconsistente – incluída ao longo dos anos em resposta tanto às
preocupações genuínas do mercado de trabalho quanto aos argumentos políticos
míopes. Hoje, a regulação do mercado de trabalho é desalentadora pelos seguintes
motivos (NERI, 2002):
O excesso de leis tem trazido incertezas sobre que regulações aplicar e sob
z

que circunstâncias, as quais resultam, freqüentemente, em disputas entre empre-


gadores e empregados.

Cap08i.pmd 308 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 309

z Essas disputas são resolvidas pela Justiça do Trabalho, que ganhou ao longo
do tempo a reputação de ter um forte viés pró-trabalho. De acordo com a lei
brasileira, os tribunais de trabalho têm poder para estabelecer políticas. Os tribunais
de trabalho – julgando um caso particular – são autorizados a formular políticas
em áreas onde a lei é ambígua na opinião da corte.
z Nenhum contrato de emprego é estritamente legal a menos que seja apro-
vado pelo MTE, o que leva o governo a ter de legalizar e validar contratos especiais
para condições de trabalho específicas, sem os quais os empregadores estariam
vulneráveis a caros processos. Tais intervenções, apesar de bem-intencionadas,
podem levar a futuras ambigüidades, exacerbando assim o problema da incerteza
sobre os custos trabalhistas totais e impondo aos empregadores um dispendioso
consumo de tempo durante os casos que demoram na corte.
z Barganhas coletivas entre os trabalhadores e os empregadores podem ser
um instrumento para a formulação de contratos mais definitivos, mas as regras de
acordos coletivos no Brasil e as práticas que eles têm gerado ignoram sistematica-
mente as condições específicas de trabalho vigentes.
z As altas taxas de contribuições sobre a folha de pagamento e o desenho dos
programas que eles financiam favorecem a evasão e a informalidade.

5.4 Objetivos do programa de reformas


Com essas preocupações em mente, é preciso preparar um programa de reformas.
Os cinco principais objetivos da agenda de reforma do governo são:
z reduzir as incertezas dos custos trabalhistas para os empregadores;
z criar condições para relacionamentos empregado/empregador mais duráveis,
para que então tanto os empregadores quanto os empregados decidam, voluntaria-
mente, permanecer juntos porque o contrato pode ser mudado sem fricções em
resposta às mudanças das condições do mercado de trabalho;
z criar ambiente para acordos coletivos mais representativos;
z reformar as instituições de implementação para garantir melhores execuções
dos contratos; e
z finalmente e mais importante, reduzir espaços de arbitragem, ou vantagens

indiretas, de se tornar informal.

6 CONCLUSÕES
A informalidade reflete os padrões de relacionamento entre os diversos níveis de
governo e da sociedade. O combate à informalidade decorre de motivações diver-

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310 MARCELO NERI

sas, tais como a consecução de maior eficiência microeconômica, consistência


fiscal e eqüidade distributiva.

6.1 Aspectos micro da informalidade


A informalidade está associada a encargos fiscais crescentes imprimidos pelos vários
níveis de governo, sem que correspondentes benefícios sociais sejam percebidos
individualmente. A informalidade pode ser trabalhista, previdenciária, empresarial,
fundiária, elétrica, matrimonial, entre outras. Centramos a análise aqui nos dois
primeiros tipos de informalidade. O estudo demonstra um aumento grande desses
tipos de informalidade na comparação com as duas últimas décadas, mas uma
redução durante a presente década. Os dados revelam que grupos de menor edu-
cação passaram a contribuir mais à previdência e que, nas áreas metropolitanas, a
informalidade cresceu de maneira diferenciada. O nosso interesse foi mapear quem
paga, quem deixa de pagar impostos ou encargos, as razões e as conseqüências
associadas, de forma a aumentar a probabilidade de ocorrência, a intensidade, a
duração e a sinergia entre os diversos estados de formalidade. Apresentamos alguns
dos conceitos utilizados, que podem ser úteis no desenho de políticas.
Formalidade condicionada – Ao estimarmos modelos dos determinantes da
formalização, a variável regional permite comparar pessoas iguais nos atributos
controlados em lugares diferentes, mapeando o público potencial de diferentes
ações pró-formalidade. Foi possível comparar, por exemplo, duas regiões onde
todos os atributos individuais, com exceção da distribuição de escolaridade, sejam
iguais, inclusive a taxa de contribuição previdenciária. O potencial de
implementação de políticas bem-sucedidas na região mais educada é superior ao
da região menos educada. A baixa escolaridade inibe o sucesso de políticas. A
decisão mais proveitosa em termos de alocação de esforços de expansão do sistema
seria expandir para a área mais educada. O objetivo da análise dos coeficientes das
variáveis dummies espaciais numa regressão multivariada é justamente identificar
áreas com potencial de expansão de cobertura formal. Devotamos parte de nossa
analise empírica a esse tipo de exercício. O objetivo final foi a identificação de
público potencial e do desenho de ações visando à incorporação de novos traba-
lhadores à economia formal. Dois resultados principais podem ser destacados: em
primeiro lugar, a análise da interação entre as variáveis de localização geográfica e
as temporais demonstra que a informalidade previdenciária, embora seja mais
baixa nas áreas metropolitanas, tem crescido relativamente mais nessas áreas. Resul-
tado similar foi encontrado para o Estado do Rio de Janeiro (NERI, 2006). O segundo
resultado deriva da análise da evolução da informalidade previdenciária ao longo do
ciclo da vida, demonstrando forte aumento da informalidade nas gerações mais novas.

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INFORMALIDADE 311

Formalidade potencial dos informais – Identificamos casos em que há acordos


de evasão fiscal entre firmas e empregados sem carteira que, em muitos casos,
honram direitos trabalhistas. Nesse caso, há custos para firmas revertidos aos tra-
balhadores, mas sem pagamento de encargos previdenciários ao Estado, percebidos
como uma cunha fiscal sem contrapartida de benefícios individuais. O corolário
dessa evidência está na alteração de incentivos implícitos na legislação.
Por fim, exploramos três qualificações adicionais sobre informalidade que,
acreditamos, deveriam ser incorporadas ao estudo empírico do fenômeno, a saber:
Informalidade dos formais – Existe informalidade entre os formais, que pode
se dar na contribuição previdenciária ou no nível de impostos que as pessoas
físicas e jurídicas pagam. Por exemplo, a contribuição previdenciária de um em-
pregado com carteira que recebe 10 salários mínimos, mas contribui apenas sobre
o primeiro salário mínimo. Como conseqüência, a divisão entre formais e informais
não é tão nítida, pois existe um contínuo de graus de informalidade entre os dois
grupos. Ou seja, entre a luz e a escuridão, existem vários tons de penumbra. O
gráfico 7 demonstra a heterogeneidade da intensidade da contribuição previdenciária
entre os que contribuem, a partir dos dados da POF 1995-1996 do IBGE.
Transição formal-informal – As freqüentes transições entre diferentes posições
na ocupação indicam a alta dinâmica entre empregos formais e informais. Nessa
visão o trabalhador não é formal (ou informal), mas está formal (ou informal).
Assim, os trabalhadores informais não são um alvo fixo de políticas, pois os fluxos
para dentro e para fora da informalidade são muito intensos, inspirando cuidados no
desenho de políticas. Neri et al. (1997) analisam as transições para fora de diferentes
posições na ocupação, demonstrando que as probabilidades de trabalhadores sem
carteira – conta-própria e não-remunerado – mudarem de ocupação são respecti-

GRÁFICO 7
A informalidade dos formais: contribuição previdenciária/renda do trabalho
0,20
0,18
0,16
0,14
0,12
0,10
0,08
0,06
0,04
0,02
0,00
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100

Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da POF.

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312 MARCELO NERI

vamente 4,2 e 4,7 vezes maiores que a observada entre empregados com carteira.
Complementarmente, esses movimentos para dentro e fora da informalidade geram
evidências úteis na análise dos seus determinantes.
Interações informais – Não se deve olhar os diversos tipos de informalidade
(trabalhista, previdenciária, empresarial, fundiária e mesmo elétrica) de maneira
isolada, mas quantificar complementaridades e substituibilidades entre diferentes
tipos. Por exemplo, se tomarmos as cinco maiores regiões administrativas cariocas,
as grandes favelas cariocas como Complexo do Alemão, Jacarezinho, Rocinha e
Maré, que figuram entre as mais pobres da cidade, não estão entre as cinco mais
informais. Ou seja, as informalidades fundiária e previdenciária não andam de
mãos dadas nesse caso, conforme se poderia esperar.
Em geral, espera-se a ocorrência de sinergia entre diversos tipos de informalidade.
Uma conjectura a ser testada empiricamente é que a criação e a difusão de moda-
lidades de crédito consignado para aposentados e empregados formais ocorridas
no Brasil nos últimos anos não só reduziu a demanda por crédito informal como
aumentaram as vantagens da formalidade previdenciária. Num país com escassez
de crédito como o Brasil, a possibilidade de conseguir empréstimos em condições
mais vantajosas durante a vida ativa ou, prospectivamente, durante a aposentadoria
pode desempenhar incentivo não trivial à formalização das relações trabalhistas.6
Sinergias localizadas, o contexto macroeconômico e a própria tendência
histórica, em função da existência de custos de transição, desempenham papel
relevante na determinação das tendências da informalidade brasileira.

6.2 Aspectos distributivos e macroeconômicos da informalidade


Nos anos 1970, Edmar Bacha criou o neologismo Belíndia se referindo à interna-
cionalmente famosa desigualdade brasileira, com uma pequena e próspera Bélgica
incrustada no meio de uma grande e pobre Índia. Estudos recentes mostram o
papel do Estado brasileiro nesse processo concentrador de renda, seja não ofertando
educação em quantidade e qualidade suficiente, seja nas transferências de renda
diretas através de arrecadação tributária e benefícios sociais. Nos anos 1980, ainda
antes da queda do Muro de Berlim, Mario Henrique Simonsen se referiu ao Brasil
como Banglalbânia, que combinava a pobreza de Bangladesh com o intervencionismo
e a ineficiência estatais da Albânia, o mais fechado dos regimes do bloco soviético.
Era a época dos congelamentos de preços, salários e benefícios previdenciários,

6. Outro candidato natural à explicação do aumento recente da formalidade previdenciária são as pequenas reformas trabalhistas
aplicadas ao fim da última década, instituindo suspensão temporária de contrato trabalhista, condomínio de empregadores rurais,
criação de banco de horas, entre outras.

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INFORMALIDADE 313

dos planos de estabilização com medidas altamente arbitrárias, produzindo sur-


presas e tirando a liberdade do funcionamento da economia.
A Constituição de 1988 gesta um novo tipo de Estado: aquele que tem de
cumprir os preceitos sociais ditados pela nossa Carta Magna com as respectivas
vinculações orçamentárias, sem especificar qualquer mecanismo que garanta os
meios financeiros ou que cobre a eficiência no desempenho dos governantes. O
resultado é um aumento progressivo da carga tributária que avança sem uma cor-
respondente evolução dos indicadores sociais. Segundo Delfim Netto, o Brasil
adquire contornos de Ingana, qual seja, a carga tributária da Inglaterra, mas man-
tendo a qualidade dos gastos sociais de Gana. Agora, acreditamos que exista o
outro lado da moeda: o mesmo Estado que engana ao taxar como país rico e gastar
como país pobre também é enganado pela população através de evasão fiscal.
Estes são os dois lados da moeda: o Estado que engana e é enganado pela popula-
ção. A informalidade perpassa várias esferas das relações econômicas com o Esta-
do, aí incluindo aquelas de natureza trabalhista, consumidora e empresarial.
Existem mais relações entre pessoas físicas e jurídicas do que supõe o Estado
brasileiro. A alta informalidade brasileira significa que o Estado tem o caminho de
taxar mais no futuro relativamente aberto, sem precisar nem criar mais impostos,
mas apertando a máquina de arrecadação tributária. Nesse caso sai o Estado que
engana e entra o Estado que Esgana a sua população. O termo se refere à mistura
de Espanha com Gana. A taxa de crescimento do consumo do governo na Espanha
é a mais alta entre os países desenvolvidos, cerca de três vezes maior que a da
média desses países e 50% maior que a da Inglaterra.
Os macroeconomistas desenharam o conceito de superávit orçamentário de
pleno emprego para avaliar o poder arrecadatório da estrutura tributária em face
das flutuações cíclicas. Seguindo a mesma linha, poderíamos pensar num conceito
de superávit orçamentário de emprego formal pleno. Aí teríamos uma medida comple-
mentar de potencial tributário em face da alta e oscilante informalidade brasileira. A
carga tributária brasileira é hoje 37% do Produto Interno Bruto (PIB), disparada a
maior da América Latina. Segundo estudo do Banco Mundial, 39,2% do nosso PIB
estão na informalidade.
Tomando-se esse dado sobre a extensão da informalidade brasileira a valor de
face, se todos pagassem os impostos que devem ao Estado, a carga tributária hoje
seria de 60,9% do PIB. Estimativas mais conservadoras do IBGE avaliam em
12,75% a participação da economia informal no nosso PIB em 2003, o que dimi-
nuiria o espaço para ganhos de arrecadação tributária em função de maior fiscali-

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314 MARCELO NERI

MAPA 2
Informalidade no mundo

0-16,6
16,6-26,4
26,4-36,9
36,9-49,6

49,6-67,3
Sem informação

zação. De qualquer forma, o esforço em aumentar a eficiência da máquina


arrecadatória do Estado, como o que tem sido observado recentemente, pode
ainda aumentar muito mais o volume de impostos já pago pelos brasileiros.
No binômio informalidade/carga tributária explosiva do Brasil, poucos pagam
muito imposto enquanto muitos pagam pouco ou nenhum imposto. Esse modelo
híbrido gera mais ineficiência que o da alta carga tributária pura dos europeus,
pelas distorções competitivas predatórias entre informais e formais que encerra. A
maneira de lidar com o problema de informalidade é oferecer incentivos corretos
e diminuir as assimetrias de informações da economia subterrânea. Incentivos
corretos ajudam a trazer os dados da economia informal à luz das análises, para
que atividades similares tenham tratamento tributário similar. É preciso recriar os
padrões de relacionamento entre Estado e sociedade. Monitorado e cobrado a
partir de metas sociais, o Estado se comprometeria a não aumentar o volume de
impostos pagos efetivamente além de determinados níveis como, por exemplo, os
níveis atuais. Qualquer redução da evasão fiscal seria pelo menos em parte trans-
formada em menores impostos, ou créditos fiscais, divididos entre aqueles que
pagam impostos. O movimento não deve ser para que novos impostos não sejam
criados, até porque o Brasil tem de reciclar a baixa qualidade do seu sistema tributário

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INFORMALIDADE 315

(impostos indiretos em cascata etc.), mas para que a carga tributária efetivamente
paga não passe de determinado ponto. A idéia é aumentar a motivação e a respon-
sabilidade fiscal das pessoas físicas e jurídicas.

6.3 Informalidade e motivações das reformas


O ataque à informalidade exige a elaboração de uma agenda de reformas. A primeira
linha de argumentação para a realização de reformas é de ordem macroeconômica,
por exemplo, derivada da necessidade de diminuição de déficits nas contas públicas
e/ou de balanço de pagamentos. A rigor, os impactos macroeconômicos das reformas
constituem mais um efeito secundário e imediato das mesmas. Entretanto, as
fragilidades da economia brasileira, aliadas a uma certa miopia dos gestores de
políticas e dos mercados financeiros, induzem a uma certa fixação macroeconômica
do debate travado no Brasil em torno das reformas.
Em segundo lugar, pelo lado microeconômico, temos o ganho de eficiência
obtido pela retirada de obstáculos ao funcionamento dos mercados. A pergunta
básica aqui seria: O que impede a economia de atingir um ótimo de Pareto (uma
situação em que não seja mais possível melhorar a situação de ninguém sem que a
situação de nenhum outro agente seja prejudicada)? O ganho de eficiência obtido
também passa pela correção de falhas de mercado através do desenvolvimento de
instituições. Isto é, nas situações em que o livre funcionamento dos mercados não
leva a resultados desejados em função de problemas informacionais, externalidades,
retornos crescentes etc., podem-se desenhar mecanismos que levem a uma melho-
ra de eficiência da economia ou – de forma até mais relevante no Brasil – que
retirem distorções impostas pelas leis e práticas emanadas do Estado.
Uma última, mas não menos importante, motivação para a adoção de reformas
é de ordem puramente distributiva, como a obtenção de níveis menores de pobreza
e de desigualdade. Os mercados, mesmo em condições ideais de perfeita informação
ou competição perfeita, não levam a uma distribuição equânime de resultados
entre os membros de uma dada sociedade. A mão invisível de Adam Smith pode
levar – em condições ideais – à eficiência, mas não gera como subproduto a eqüidade.
Passando agora à economia política do processo: as reformas prejudicam
grupos de interesses específicos. Esses grupos de interesse são influentes e vocais,
ao passo que os ganhadores das reformas compõem uma massa difusa de consu-
midores. Ou, no caso das reformas de cunho mais social, os ganhadores são a
anônima massa de miseráveis ou remediados. A alta inércia da desigualdade brasilei-
ra reflete justamente essa assimetria de poderes de pressão dentro de nossa socieda-
de. Enquanto a discussão de pobreza ou desigualdade é feita de maneira mais gené-

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316 MARCELO NERI

rica, todos se indignam contra esses males sociais. Mas quando os perdedores das
mudanças são explicitados, pouco é realizado.
Outra causa da dificuldade na implementação de reformas no Brasil é a
ocorrência de um certo preciosismo dos economistas em torno de soluções ótimas
de longo prazo. Isto é, aderimos demasiadamente a uma visão estática fixada no
“primeiro melhor”. Os custos das reformas são, em geral, pagos à vista por um
grupo de atores. Por exemplo, o operário que perdeu seu emprego em função da
abertura econômica. Ao passo que os benefícios são auferidos mais tardia e difusamente.
Mais do que isso, os consumidores se acostumam com os ganhos proporcio-
nados pelas reformas ao longo do tempo. Por exemplo, o avanço no acesso a tele-
fone, fruto da privatização nas telecomunicações, tende a ser esquecido. Numa
situação ideal, uma dada reforma deve ser aplicada quando o valor presente dos
ganhos obtidos pelos vencedores supera o valor presente das perdas sofridas pelos
derrotados. Uma compensação antecipada de parte dessas perdas aumentaria a proba-
bilidade de formação de consensos favoráveis às reformas. Essa visão de negociar
uma solução do tipo “segundo melhor” enfrenta uma certa resistência entre nossos
economistas. O resultado é uma situação em que, na impossibilidade de dar um
grande passo à frente na agenda de reformas, tendemos a dar vários passos para trás.
Em suma, as reformas ajudam a completar mercados apontando os caminhos da
justiça social ou, em outros casos, a corrigir instituições extramercado geradoras de
ineficiências, inconsistências fiscais, incertezas e iniqüidades. No Brasil as reformas
têm sido historicamente discutidas a partir de uma perspectiva macroeconômica, focada
nos possíveis impactos sobre as contas públicas e, mais recentemente, numa ótica
microeconômica, mas raramente a partir dos resultados sociais diretos colhidos.

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Cap08i.pmd 316 23/03/07, 16:22


INFORMALIDADE 317

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América Latina y el Caribe: análisis desde la perspectiva de la iniciativa 20/20. Santiago de Chile:
Editorial Celta, Oct. 1999.
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318 MARCELO NERI

APÊNDICE

TABELA A.1
Brasil: regressão logística – população ocupada que contribui para a previdência

Categoria Estimativa Erro-padrão Qui-quadrado sig Chance para contribuir


Parâmetro
para a previdência

Intercept 1,5493 0,0008 3671327 ** ,

SEXO MULHER –0,1284 0,0004 126255 ** 0,87949

POS FAMILIA 8_CONJUGE –0,4501 0,0005 989113 ** 0,63754

POS FAMILIA 7_FILHO –0,2643 0,0004 358965 ** 0,76773

POS FAMILIA 6_OUTRO_PARENT –0,1645 0,0008 42195,1 ** 0,84834

POS FAMILIA PENSIONISTA 0,1931 0,0035 3026,31 ** 1,21295

POS FAMILIA AGREGADO –0,4263 0,0023 33556,9 ** 0,65293

POS FAMILIA DOMESTICO –0,0814 0,0021 1475,68 ** 0,92182

POS FAMILIA PARENTE_DOME 0,9023 0,0301 896,07 ** 2,46526

COR INDIGENA –0,6059 0,0037 26827,6 ** 0,54556

COR AMARE –0,2916 0,0021 18993,3 ** 0,74710

COR PARDA_PRETA –0,3328 0,0003 1332658 ** 0,71690

IDADE ID15 –2,8415 0,0017 2826849 ** 0,05834

IDADE ID1520 –0,9117 0,0007 1494062 ** 0,40184

IDADE ID2025 –0,2249 0,0007 115943 ** 0,79858

IDADE ID2530 –0,0821 0,0006 16843,7 ** 0,92116

IDADE ID3035 –0,0296 0,0006 2242,33 ** 0,97080

IDADE ID3540 0,0248 0,0006 1552,59 ** 1,02510

IDADE ID4045 0,0427 0,0007 4306,86 ** 1,04361

IDADE ID5055 –0,1278 0,0008 28448,1 ** 0,88001

IDADE ID5560 –0,3466 0,0009 158713 ** 0,70708

IDADE ID6065 –0,7224 0,0011 440313 ** 0,48561

IDADE ID6570 –1,3597 0,0016 720879 ** 0,25674

IDADE ID70 –1,9501 0,0020 933180 ** 0,14226

IMIGRACAO IMIGRA4 0,0183 0,0007 709,27 ** 1,01846

IMIGRACAO IMIGRA59 0,1736 0,0007 65214,8 ** 1,18956


(continua)

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INFORMALIDADE 319

(continuação)

Categoria Estimativa Erro-padrão Qui-quadrado sig Chance para contribuir


Parâmetro
para a previdência

IMIGRACAO ATE_ANO –0,2659 0,0004 437911 ** 0,76652

IMIGRACAO IMIGRA10 0,2371 0,0003 470916 ** 1,26753

TEMPO EMP ATE_1_ANO –0,2659 0,0004 437911 ** 0,76652

TEMPO EMP 1 A_3 ANOS 0,1581 0,0004 174095 ** 1,17129

TEMPO EMP 3 A_5_ANOS 0,1536 0,0005 111349 ** 1,16604

EDUCACAO EDUCA0 –2,5891 0,0007 1,367E7 ** 0,07509

EDUCACAO EDUCA14 –2,1589 0,0006 1,235E7 ** 0,11545

EDUCACAO EDUCA48 –1,5923 0,0005 8976839 ** 0,20345

EDUCACAO EDUCA812 –0,6869 0,0005 1774270 ** 0,50313

METROPOL METROPOL 0,8187 0,0008 1179285 ** 2,26755

ANO 04 –0,1080 0,0005 41533,7 ** 0,89763

ANO 02 –0,1060 0,0005 38249,4 ** 0,89943

ANO 99 –0,1010 0,0006 33465,4 ** 0,90393

ANO 96 –0,0341 0,0006 3684,83 ** 0,96647

METRO*ANO METROP 04 –0,4104 0,0010 177931 ** 0,66341

METRO*ANO METROP 02 –0,4321 0,0010 191376 ** 0,64915

METRO*ANO METROP 99 –0,2743 0,0010 72363,9 ** 0,76010

METRO*ANO METROP 96 –0,2213 0,0010 45452,1 ** 0,80146


Fonte: CPS/FGV através do processamento dos microdados das Pnads de 1993 a 2004.
Nota: Variáveis omitidas em ordem: homem, chefe do domicílio, cor branca, 45 a 50 anos de idade, nativo, mais de 5 anos na empresa, 12
anos ou mais anos de estudo, área não-metropolitana e 1993.

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CAPÍTULO 9

FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA


SOCIAL*

Ricardo Varsano**
Mônica Mora***

1 INTRODUÇÃO
A reforma dos sistemas previdenciários é um item importante da agenda interna-
cional. Constituiu-se a previdência social para cobrir o que a sociedade considera
como riscos sociais básicos decorrentes da perda de capacidade laboral – cuja
definição não é estanque, mas, em geral, abarca aposentadoria, doença e morte
prematura (ver OLIVEIRA, 1997).
O financiamento da previdência se baseia no princípio de capitalização ou
no de repartição. No regime de capitalização, o contribuinte dispõe de uma conta
individual e, com base nela e na expectativa de sobrevida, calcula-se o benefício a
ser recebido, evitando-se que haja transferências inter ou intrageracionais. Pela
sua própria natureza, não há, em princípio, possibilidade de desequilíbrio atuarial
nesse tipo de regime. Há o risco, contudo, de os recursos serem mal aplicados,
resultando em remuneração não condizente com a rentabilidade esperada.
O regime de repartição se baseia em mecanismo no qual a contribuição dos
ativos financia os pagamentos aos inativos. Os regimes de repartição preponderam e
essa opção está associada ao contexto histórico da criação dos sistemas
previdenciários.
As transformações estruturais que ocorrem nas sociedades requerem a revisão
do sistema de previdência organizado sob o princípio de repartição, posto que a

* Os autores agradecem a Fabio Giambiagi e Paulo Tafner pelo apoio e pelos valiosos comentários, isentando-os de eventuais erros
remanescentes. Desnecessário dizer que as opiniões aqui expressas são de única e exclusiva responsabilidade dos autores.

** Economista do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional (FMI).


*** Pesquisadora da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.

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322 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

natureza do sistema, calcada em transferências inter e intrageracionais, demanda um


esforço permanente para evitar o descompasso entre contribuições e benefícios.
Transformações no mercado de trabalho e mudanças na estrutura etária – em
linhas gerais, a queda na taxa de fecundidade, os aumentos da expectativa de vida
ao nascer e, principalmente, da sobrevida para os idosos, e a incapacidade do
mercado de trabalho para absorver parte da população em idade de trabalhar –
levaram à situação em que sistemas previdenciários ao redor do mundo defrontassem
o desafio de encontrar saídas para déficits estruturais e ascendentes. A demanda
crescente por recursos fiscais para financiar a previdência intensifica as transferências
inter e intrageracionais e, muitas vezes, dificulta o equilíbrio fiscal, com implicações
para a coordenação macroeconômica.
Essas metamorfoses exigem que se imprima ao sistema um caráter dinâmico,
a fim de que se realizem os ajustes necessários para resguardar seu equilíbrio atuarial.
Na medida em que ocorram desequilíbrios, pode-se:
z elevar a alíquota de contribuição;
z reduzir o benefício; e
z tornar mais rigoroso o acesso ao benefício.
Adicionalmente, câmbios estruturais na economia, com a intensificação das
relações comerciais entre os países, tiveram início na década de 1980 e se disse-
minaram nos anos 1990. A competitividade das economias nacionais, se já era rele-
vante, alcança posição proeminente na concepção dos sistemas tributários nacionais.
As elevadas contribuições sobre a folha de salários, comumente usadas para financiar
os sistemas, além de afetarem a competitividade, criam uma cunha entre o custo dos
trabalhadores para as empresas e o salário que eles recebem, o que tenderia a estimular
a informalização das relações trabalhistas e a reduzir não só a proteção social como a
própria base das contribuições. Com isso, a agenda de discussões sobre a reforma da
previdência social açambarcou a busca por alternativas à contribuição sobre a folha de
salários como principal mecanismo de financiamento da previdência social.
Em face da insuficiência da arrecadação obtida com as fontes específicas
destinadas à previdência, e das possíveis implicações dos atuais mecanismos de
financiamento para a eficiência econômica e o mercado de trabalho, duas soluções
alternativas têm sido consideradas: limitar a proteção oferecida pelo Estado ao
trabalhador, o que viabilizaria a redução dos tributos incidentes sobre os salários,
ou preservar os benefícios e buscar fontes de financiamento que substituam total
ou parcialmente a base tradicional.

Cap09.pmd 322 23/3/2007, 15:48


FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 323

As reações a propostas desse tipo variam bastante em função das distintas


realidades político-institucionais dos países. Aqueles onde a organização sindical
tem maior solidez – como os da Europa – exibem uma participação de contribuições
previdenciárias na sua estrutura tributária muito maior do que aqueles em que o
poder dos sindicatos é mais reduzido – como os asiáticos. Na América Latina, o Chile
foi o país que empreendeu, ainda nos anos 1980, a mudança mais radical no sistema
previdenciário. Conseqüentemente, o peso das contribuições sobre salários na sua
carga tributária tornou-se um dos mais reduzidos entre os países do continente.
Também no Brasil, a perspectiva de déficit nas contas previdenciárias levou
a um processo de reformulação do sistema, iniciado a partir de 1995, no qual se
reforça a opção pelo modelo de repartição financiado preponderantemente por
contribuições sobre a folha de salário, com o regime de capitalização a ser utilizado
de modo complementar. Com uma já elevada carga tributária incidente sobre a
folha de salários, o desequilíbrio estrutural das contas induziu a discussão sobre as
fontes de financiamento adequadas para a previdência e as implicações econômicas
das diferentes alternativas. A atual estrutura de financiamento da previdência é
alvo de críticas por gerar potencialmente:
z efeitos negativos sobre o mercado de trabalho;
z efeitos perversos sobre a eficiência econômica; e
z insuficiência de financiamento para os benefícios previdenciários.
Por fim, há uma tendência estrutural de elevação das despesas previdenciárias
a um ritmo superior ao observado na receita em decorrência de a estrutura de
benefícios não ser compatível com as contribuições desembolsadas. Esse tópico,
discutido amiúde no capítulo 6, será também mencionado aqui.
O objetivo deste trabalho é discutir as causas do crescente déficit do Regime
Geral da Previdência Social (RGPS) e os seus mecanismos de financiamento. Após
o panorama geral traçado nesta introdução, abordando os problemas e as trans-
formações recentes que afetaram os mecanismos de financiamento da previdência
social no Brasil e em outros países, a segunda seção trata especificamente do orça-
mento da previdência brasileira. Após breve análise da evolução das receitas, despesas
e déficits, e a discussão da natureza da previdência rural, descrevem-se as principais
fontes de financiamento do RGPS e discute-se a adequação dessas fontes, tendo
em vista sua capacidade de gerar os recursos necessários ao financiamento e seus
efeitos econômicos. A seção 3 discute e avalia as principais propostas de mudança
no financiamento da previdência já apresentadas. A seção final resume as conclusões
que emanam da análise.

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324 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

2 FINANCIAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL


A Constituição de 1988 agregou ações voltadas para a previdência e assistência
social, assim como para a saúde, em um orçamento destinado para a seguridade
social e financiado, essencialmente, por contribuições sociais. A crescente demanda
por gastos sociais levou o governo a criar novas contribuições e a aumentar as alíquotas
já existentes.1 Surgiu, assim, um sistema tributário paralelo, constituído, como se dis-
cute adiante, por tributos extremamente distorcidos, mas muito produtivos que, se
por um lado asseguravam financiamento para as ações da seguridade, por outro impe-
diam adequado financiamento das demais ações governamentais, na medida em que a
capacidade contributiva da sociedade era esgotada. Para reduzir essa rigidez na alocação
de recursos orçamentários, criou-se o Fundo Social de Emergência, um artifício de
caráter temporário que desvinculava 20% da receita de impostos e contribuições.2 O
uso desse artifício foi sucessivamente prorrogado, com alteração de seu nome.3 Atual-
mente, a Desvinculação de Receitas da União (DRU) tem vigência prevista até 2007.4
Não obstante a implementação da DRU, o dispêndio na área social prepondera
entre os gastos não-financeiros do governo (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2005), par-
ticularmente os voltados para o Orçamento da Seguridade Social (OSS). Conforme
se observa na tabela 1, cerca de 40% das receitas administradas pela Secretaria da
Receita Federal – sem considerar a arrecadação da contribuição sobre a folha de
TABELA 1
Vinculação de receitas federais administradas
(Em % do PIB)
a
Discriminação 2005 DRU 2005 Após DRU 2005 Finalidade
b
Contribuição sobre movimentação financeira 1,52 0,24 1,28 Diversos*
Contribuição sobre a seguridade social 4,57 0,91 3,65 Seguridade social
Contribuição sobre o PIS-Pasep 1,14 0,23 0,92 Seguridade social
Contribuição sobre o lucro líquido 1,37 0,27 1,10 Seguridade social
c
Outras receitas administradas 9,17 0,04 0,16
Subtotal [A] 17,77 3,55 14,22
a
Sem DRU.
b
Os recursos destinados ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza não integram a DRU.
c
Parte significativa dessas receitas é vinculada a outras rubricas que não a seguridade.

1. Conforme atentado por Dain (1995), contava-se com o apoio do Congresso para tal e, com este artifício, se evitava o uso de recursos
do orçamento fiscal no financiamento da seguridade.

2. Emenda Constitucional (EC) de Revisão 1, de 01/03/1994.


3. Fundo Social de Emergência (EC de Revisão 1, de 01/03/1994); Fundo de Estabilização Fiscal ( EC 10, de 04/03/1996) e Desvinculação
de Recursos da União (EC 27, de 21/03/2000, prorrogado pela EC 42, de 19/12/2003).

4. A prorrogação da DRU, assim como da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos
de Natureza Financeira (CPMF), já estavam em discussão no Congresso no início de 2007.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 325

salários – aproximadamente 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2005 são


vinculados à seguridade social.
Ainda que integrando o OSS, o financiamento da previdência, por sua pró-
pria natureza e pelas regras de concessão de benefícios, requer um tratamento
específico e será objeto de discussão neste capítulo. A estrutura de financiamento
da previdência social está explicitada no quadro 1.

QUADRO 1
Alíquotas e base de incidência de contribuições para a previdência social – 2004
Tipo de contribuinte Alíquota e base de incidência

20% sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas aos


segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços;

20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas aos segurados


contribuintes individuais que lhe prestem serviços;

15% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços,


relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por
intermédio de cooperativas de trabalho;

Empresas em geral, exceto 1%, 2%, ou 3%, conforme o risco da atividade preponderante na empresa,
financeiras sobre o total de remunerações pagas ou creditadas aos segurados
empregados e trabalhadores avulsos, para financiamento da aposentadoria
especial e dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de
incapacidade laboral decorrente dos riscos ambientais do trabalho;

as alíquotas de 1%, 2%, ou 3% são acrescidas de 12%, 9% e 6%, se a


atividade exercida pelo segurado ensejar a concessão de aposentadoria
especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição. Tal acréscimo incide
exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito a condições
a
especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

22,5% sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas aos


Empresas Financeiras seus empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviço. Demais
alíquotas idênticas às das empresas em geral.

5% da receita bruta, decorrente dos espetáculos desportivos de que


participem em todo território nacional em qualquer modalidade desportiva,
inclusive jogos internacionais, e de qualquer forma de patrocínio,
licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e de
transmissão de espetáculos desportivos;
Associação desportiva que mantém
equipe de futebol profissional 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas aos segurados
contribuintes individuais que lhe prestem serviços;

15% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços,


relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por
intermédio de cooperativas de trabalho.
(continua)

Cap09.pmd 325 23/3/2007, 15:48


326 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

(continuação)

Tipo de contribuinte Alíquota e base de incidência

2,5% sobre o total da receita bruta proveniente da comercialização da


produção rural;

Produtor rural pessoa jurídica 0,1% sobre o total da receita bruta proveniente da comercialização da
produção rural, para financiamento dos benefícios concedidos em razão do
grau de incidência de incapacidade laboral decorrente dos riscos ambientais
b
do trabalho.

2,5% sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da


Agroindústria, exceto sociedades produção;
cooperativas e agroindústrias de 0,1% sobre o total da receita bruta proveniente da comercialização da
piscicultura, carcinicultura, produção, para financiamento de benefícios concedidos em razão do grau
suinocultura e avicultura de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais
b
do trabalho.

2% sobre o total da receita bruta proveniente da comercialização da


produção rural;
Produtor rural pessoa física e 0,1% sobre o total da receita bruta proveniente da comercialização da
segurado especial produção rural, para financiamento dos benefícios concedidos em razão do
grau de incidência de incapacidade laboral decorrente dos riscos ambientais
do trabalho.

Empregador doméstico 12% do salário-de-contribuição do empregado doméstico a seu serviço.


c
Segurado empregado, inclusive o 8%, 9% ou 11% sobre o salário-de-contribuição.
doméstico e trabalhador avulso

Contribuinte individual (trabalhador 20% sobre o respectivo salário-de-contribuição, no caso do contribuinte


autônomo que trabalha por conta individual, e 20% sobre o valor declarado, no caso do segurado facultativo.
própria, e facultativo)
d
Contribuinte individual (empresário 11% sobre o respectivo salário-de-contribuição.
e autônomo que presta serviços a
uma ou mais empresas)
Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social – 2004.
a
No caso de cooperativa de trabalho, os percentuais são de 9%, 7% ou 5 %, a cargo da empresa tomadora de serviços.
b
Se houver empregado com atividade sujeita a agentes nocivos, a alíquota de 0,1% é acrescida de 12%, 9% ou 6%.
c
A alíquota incidente sobre salários e remunerações até 3 salários mínimos (SM) é reduzida em função do disposto no inciso II do art. 17 da Lei
9.311, de 1996, que instituiu a CPMF, conforme portarias publicadas anualmente.
d
O contribuinte individual, que presta serviços a uma ou mais empresas, poderá deduzir de sua contribuição mensal 45% da contribuição da
empresa efetivamente recolhida ou declarada, limitado a 9% do seu salário-de-contribuição. A partir de 01/04/2003, a Medida Provisória (MP)
83, de 2002, convertida na Lei 10.666, de 08/05/2003, extinguiu a escala de salários-base, ficando a empresa obrigada a descontar e recolher
11% do valor pago ao contribuinte.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 327

Principal fonte de financiamento da previdência social, a contribuição sobre a


folha de salários responde isoladamente por cerca de 3/4 da arrecadação total. A
despeito das distorções causadas no mercado de trabalho e do potencial estímulo
à informalização das relações trabalhistas em decorrência do elevado ônus incidente
sobre a contratação de pessoal, esse tipo de contribuição é largamente utilizado.
Isso se explica pela elevada estabilidade na capacidade arrecadatória, em decorrência
dos custos de contratação e demissão, e pelo alto potencial de arrecadação associado
a seu caráter compulsório, que a tornam especialmente adequada para o financia-
mento da previdência.
Entretanto, como mostra a tabela 2, a fonte específica de financiamento da
previdência não foi suficiente, tendo o aporte à previdência de recursos genéricos
da seguridade social crescido ao longo do tempo.5
A previdência social defronta-se atualmente com um déficit considerado es-
trutural e absorve recursos crescentes do OSS (aproximadamente 60% em 2005).6

TABELA 2
Fontes de financiamento do INSS: despesas por fonte de recursos – 1994-2004
(Em % do PIB)

Fonte de recursos 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Contribuição sobre a folha
de salários 3,8 3,9 4,2 4,2 4,2 5,0 5,1 5,3 5,3 5,2 5,3
Contribuição social para
financiamento da seguridade
social 0,3 0,3 0,3 0,9 1,2 0,5 0,8 1,1 1,3 1,3 1,9
Recursos do fundo social
de emergência 0,8 1,0 1,2 0,6 0,2 0,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Contribuição social sobre
o lucro das pessoas 0,2 0,1 0,0 0,1 0,5 0,2 0,2 0,0 0,2 0,3 0,1
Contribuição provisória sobre
movimentação financeira 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,4 0,4 0,3 0,2 0,3 0,3
Outras 0,5 0,5 0,3 0,1 0,4 0,4 0,2 0,4 0,4 0,6 0,2
Total 5,6 5,8 6,0 5,9 6,6 6,7 6,7 7,1 7,3 7,7 7,8
Fonte: Ministério da Previdência.
Nota: Inclui Loas.

5. A tabela 2 também considera os recursos destinados ao financiamento da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), mas estes são
pouco relevantes (aproximadamente 0,5% do PIB em 2004).

6. Cabe aqui ressaltar que dadas as especificidades da previdência, o seu financiamento, por definição, deve preservar forte correlação
entre as contribuições específicas à rubrica e o dispêndio com benefícios no regime de repartição. Segundo o capítulo 6 deste livro, o
sistema de previdência social deve resguardar o equilíbrio atuarial, enquanto as despesas financiadas com recursos genéricos deveriam
ser consideradas de assistência social e classificadas como tal. Caminhando nessa direção, o governo federal irá desagregar as contas da
previdência a partir de 2007, separando as que se caracterizam como assistência social.

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328 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

Os benefícios previdenciários relacionados ao RGPS alcançaram, em 2005, 7,6%


do PIB (ou seja, 33,5% da despesa primária do Governo Central),7 enquanto as
receitas responderam somente por 5,6% do PIB, gerando um déficit da ordem de
2% do PIB. Estimativas do Ministério da Previdência indicam que, mantidas as
atuais regras de benefício e estrutura de financiamento, o déficit da previdência
tende a crescer significativamente nos próximos 30 anos, conforme está explicitado
no gráfico 1.8 O desajuste financeiro remonta a meados da década de 1990, mais
especificamente 1996,9 como mostra o gráfico 2. Identifica-se a seguir o que ocorreu,
buscando apontar as especificidades do caso brasileiro.
Ainda que haja tendência global de exacerbação do desequilíbrio atuarial
dos sistemas previdenciários em decorrência de mudanças na composição etária e
de transformações estruturais no mercado de trabalho, o crescimento do déficit
previdenciário no Brasil não se deveu exclusivamente a isso. Em grande medida, o
desajuste nas contas decorreu de fatores estruturais, relacionados às mudanças
propostas pela Constituição de 1988, e de questões conjunturais, associadas ao
crescimento real do SM. Adicionalmente, a partir de 1994, com a estabilização
monetária, o setor público não mais pôde utilizar a postergação de despesas para
adequar o nível de despesas não-indexadas ao das receitas indexadas, prática
largamente utilizada em tempos de alta inflação. Os desequilíbrios intrínsecos ao
setor público foram evidenciados e, entre eles, o desajuste da previdência ocupava

GRÁFICO 1
Evolução das necessidades de financiamento da previdência social – 2006-2025
(Em % do PIB)
2,80
2,70
2,60
2,50
2,40
2,30
2,20
2,10
2,00
1,90
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025

Fonte: Projeto de Lei Orçamentária 2007.


Obs.: As hipóteses adotadas estão no anexo. NFSP/PIB

7. Execução do Tesouro Nacional, dezembro de 2005.


8. As hipóteses consideradas nesta simulação estão explicitadas no anexo.
9. Até então, quando não havia ainda déficit previdenciário, os recursos recolhidos para o financiamento dos benefícios foram utilizados
no financiamento da saúde e da assistência social, que compunham juntamente com a previdência o OSS.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 329

GRÁFICO 2
Evolução do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) – 1995-2004
(Em % do PIB) (Em % do PIB)
8 2,0
7 1,8
1,6
6
1,4
5 1,2
4 1,0
3 0,8
0,6
2
0,4
1 0,2
0 0,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fontes: Giambiagi et al. (2004) e STN. Receita previdenciária Despesa previdenciária Déficit

posição central. O pouco dinamismo da economia no período posterior a 1994


agravou ainda mais a situação.
A Constituição de 1988 buscou universalizar o acesso à seguridade social.
No caso específico da previdência social, reorganizou as diferentes estruturas até
então vigentes em três grandes sistemas previdenciários no âmbito federal e cons-
tituiu um arcabouço extremamente beneficente, contrapondo-se à tendência global
de revisão dos sistemas previdenciários, com a imposição de regras mais estritas,
em busca de maior equilíbrio atuarial intertemporal (ver PINHEIRO, 2004). O RGPS
abrange todos os trabalhadores formais da iniciativa privada, tendo sido efetiva-
mente implementado em 1991, com a promulgação da Lei 8.212/91 e da Lei
8.213/91, que regulamentavam as diretrizes propostas constitucionalmente.10 A
Lei 8.112/91 trata especificamente do Regime Único para os Servidores Públicos,
disciplinando-o.11 Adicionalmente, há o Regime de Previdência dos Militares,
com regras e especificidades próprias.
Em decorrência da nova legislação aprovada a reboque da Constituição de
1988, houve aumento do número de potenciais beneficiários e elevação do piso
dos benefícios, resultado de mudanças na previdência rural, com o aumento do
piso de 1/2 SM para 1 SM, o direito ao benefício ampliado (até então, somente
um dos cônjuges era contemplado com o benefício), além de redução de cinco
anos na idade mínima para pleiteá-lo. A mudança na legislação que beneficia os
trabalhadores rurais repercutiu negativamente sobre o equilíbrio atuarial da previ-
dência no longo prazo.

10. As Leis 8.212/91 e 8.213/91 datam, ambas, de 24 de julho de 1991.


11. Lei 8.112/90, de 11 de dezembro de 1990.

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330 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

O aumento dos benefícios previdenciários rurais não correspondeu a uma


elevação das contribuições suficiente para financiar o incremento dos gastos, re-
forçando a natureza ambígua – previdência ou assistência – desse benefício (tabela 3).
Segundo Delgado e Cardoso (2003), a previdência rural introduz no modelo
previdenciário características que o aproximam de um regime de seguridade social,
distanciando-se do perfil de seguro.12
Não obstante haja desequilíbrio atuarial flagrante na previdência rural, também
há problemas atuariais no cálculo da aposentadoria do empregado urbano. As

TABELA 3
Previdência rural e urbana: necessidade de financiamento – 2000 a 2004
(Em % do PIB)

Discriminação 2000 2001 2002 2003 2004

I. Arrecadação total 4,5 4,7 4,7 4,8 4,9


I.I Arrecadação rural 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1
I.II Arrecadação urbana 4,4 4,6 4,6 4,7 4,8
II. Despesa total com benefícios 6,0 6,4 6,6 7,0 7,2
II.I Despesa com benefícios rurais 1,1 1,2 1,3 1,3 1,3
Benefícios previdenciários 1,1 1,2 1,2 1,3 1,3
Benefícios assistenciais 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0
II.II Despesa com benefícios urbanos 4,9 5,2 5,3 5,6 5,8
Benefícios previdenciários 4,7 4,9 5,0 5,3 5,5
Benefícios assistenciais 0,3 0,3 0,3 0,4 0,4
a
Necessidade de financiamento II – I 1,5 1,7 1,9 2,2 2,3
Necessidade de financiamento rural 1,0 1,1 1,2 1,2 1,2
Necessidade de financiamento urbano 0,5 0,5 0,7 1,0 1,0
b
Necessidade de financiamento II – I 1,2 1,3 1,5 1,8 1,8
Necessidade de financiamento rural 1,0 1,1 1,1 1,2 1,2
Necessidade de financiamento urbano 0,2 0,2 0,3 0,6 0,6
Fonte: Dataprev.
a
Inclui beneficios assistenciais.
b
Não inclui beneficios assistenciais.

12. Em Oliveira et al. (1994), argumenta-se que desse modo o trabalhador rural também pagaria tributos, na medida em que adquire
bens de consumo no mercado. Aliás, esse argumento pode ser estendido para os setores não formalizados, elegíveis somente para
receber os benefícios assistenciais, mas que também estariam contribuindo para o financiamento da previdência.

Cap09.pmd 330 23/3/2007, 15:48


FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 331

contribuições efetuadas pelos trabalhadores não são suficientes para financiar um


seguro pela perda de capacidade laboral (ver GIAMBIAGI; PASTORIZA; ALÉM, 1998).
Adicionalmente, o Simples, solução encontrada para estimular a formalização na
economia, significou a introdução de novos meios de desequilíbrio atuarial.
Outro fator fundamental para a compreensão do crescimento do déficit da
previdência reside na política de concessão de ganhos reais para o SM realizada
após o Plano Real, o que implicou um aumento do SM real de mais de 80%,
conforme se observa no gráfico 3 entre 1994 e 2006. O fato de o piso da previ-
dência estar atrelado ao SM e a existência de grande concentração de benefícios na
faixa de 1 SM (conforme se constata na tabela 4), levam a que esse aumento real
tenha impacto significativo sobre os gastos previdenciários. Adicionalmente, as
faixas de renda mais baixas tendem a convergir para o piso com a perpetuação dessa
política no longo prazo.

GRÁFICO 3
Evolução do salário mínimo real médio anual deflacionado pelo INPC – 1994-2006
(Número índice: maio de 1994 = 100)
190
180
170
160
150
140
130
120
110
100
90
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Fonte: Ipeadata.

TABELA 4
Benefícios emitidos por faixa salarial – 2004
(Em pisos previdenciários)

Faixa de valor Benefícios Distribuição (%)

Abaixo de 1 491.255 2

Igual a 1 14.487.317 63

Acima de 1 até 2 2.931.924 13

Acima de 2 5.236.473 23

Total 23.146.969 100


Fonte: <www.dataprev.gov.br>.

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332 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

Para se ter uma idéia da importância do crescimento real do SM para os


gastos previdenciários, a tabela 5, extraída do Projeto de Lei Orçamentária para
2004, estima o efeito sobre as despesas decorrente do aumento do SM. A elevação
do SM impacta tanto os benefícios quanto as receitas. Logo, o aumento das despesas
é seguido por um incremento das receitas, mas, pela própria lógica de cálculo do
benefício, o ritmo de crescimento da receita é bem menor do que o da despesa,
aumentando o desequilíbrio atuarial e financeiro e as distorções decorrentes da
aposentadoria por tempo de contribuição.13
Outro fator que contribuiu para o desequilíbrio nas contas da previdência
foi o baixo dinamismo da economia brasileira nos últimos dez anos.14 O crescimento
medíocre do PIB reduziu a capacidade de expansão das receitas, pois, conforme
mencionado, uma das principais características da contribuição sobre a folha de
salários (e vantagens vis-à-vis as demais alternativas de financiamento) é a sua
relativa estabilidade em termos de percentual do PIB. Entre 1994 e 2005, o SM,
responsável pelo reajuste da maior parte dos benefícios, cresceu 60%, contra um
incremento real do PIB de 30% (gráficos 3 e 4).
Ainda que a melhoria nos sistemas de combate à fraude e negociação de
dívida tenha levado à maior capacidade de arrecadação, esse incremento não foi
suficiente para fazer face às crescentes despesas com benefícios previdenciários.
Os novos compromissos assumidos em decorrência da regulamentação dos prin-
cípios estabelecidos pela Constituição de 1988 e os aumentos de despesa decor-
rentes dos fatores mencionados levaram à intensificação do desajuste atuarial e,
conseqüentemente, ampliaram as transferências inter e intrageracionais.15
Com a introdução do Plano Real e a queda da taxa de inflação, explicitou-se
o até então latente desequilíbrio atuarial estrutural da previdência. O regime de

13. O Capítulo 6 deste livro desenvolve uma interessante linha de raciocínio, defendendo que a elevação real do SM, de fato, esteve
atrelada, em grande medida, a pressões realizadas pelos afiliados à previdência e que uma eventual desvinculação não reduziria os
pleitos por incrementos reais dos benefícios, aumentando-os inclusive.
14. Conforme já explicitado por Samuelson e reproduzido por Afonso (2003), a lógica da previdência poderia ser sintetizada na fórmula

(1 + r ) = (1 + w ) (1 + n )

onde r seria a taxa de retorno, w a taxa de crescimento salarial (ditado pelo crescimento da economia) e n a taxa de crescimento
populacional. A adaptação para o caso brasileiro se daria com a substituição de (1 + r ) pela taxa de crescimento da receita da contribuição
sobre a folha de salários.
15. Cabe aqui ressaltar que o subsídio para os beneficiários do sistema previdenciário, financiado com recursos genéricos oriundos do
OSS, poderia ser remanejado e utilizado em outras rubricas. Afinal, o RGPS não é universal, ainda que seja responsável por mais de 23
milhões de benefícios. Segundo Pinheiro (2004), em 2001, 40,7 milhões de pessoas não contribuíam para o sistema. Desses, 22 milhões
não o fizeram por não disporem de renda para tanto e os demais são trabalhadores por conta própria (8,2 milhões), assalariados
informais (7,7 milhões) e trabalhadores domésticos (1,8 milhão). Como existem outros mecanismos de proteção social, assegurados pela
Loas, muitos desses cidadãos terão direito a benefícios assistenciais a despeito de não terem efetivamente contribuído para o sistema,
onerando as contas públicas.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 333

TABELA 5
Impacto do reajuste do salário mínimo – Projeto de Lei Orçamentária 2004
Descrição R$ 10 R$ 20 R$ 30 R$ 50 R$ 70 R$ 100
Previdência social – impacto líquido
(B – A) 1.020.353 2.053.467 3.099.307 5.229.242 7.410.717 10.782.159
A. Receitas INSS – fonte 154 87.444 182.725 285.843 515.588 776.679 1.227.092
Contribuição previdenciária seg.
autônomo 4.824 10.080 15.769 28.443 42.847 67.695
Contribuição previdenciária seg.
assalariado 22.201 46.391 72.570 130.899 197.185 311.537
Contribuição previdenciária emp.
seg. assalariado 50.739 106.025 165.858 299.165 450.661 712.009
Prev. R. P. deb. municípios 7.603 15.888 24.854 44.829 67.531 106.694
Contribuição previdenciária segurado
facultativo 548 1.144 1.790 3.228 4.863 7.683
Contribuição previdenciária seg. obr.
e. doméstico 1.530 3.198 5.003 9.023 13.593 21.475
B. Despesas – benefícios
previdenciários e RMV 1.107.797 2.236.193 3.385.150 5.744.829 8.187.396 12.009.251
Pagamento de aposentadorias –
urbana 249.720 504.084 763.083 1.295.004 1.845.609 2.707.135
Pagamento de aposentadorias – rural 418.236 844.250 1.278.026 2.168.896 3.091.060 4.533.959
Pagamento de pensões – urbana 209.733 423.366 640.891 1.087.636 1.550.073 2.273.643
Pagamento de pensões – rural 165.643 334.366 506.164 858.995 1.224.219 1.795.681
Pagamento de auxílios – urbana 3.062 6.181 9.356 15.878 22.629 33.192
Pagamento de auxílios – rural 568 1.146 1.735 2.945 4.197 6.156
Pagamento de salário-maternidade –
urbana 6.164 12.442 18.834 31.963 45.553 66.817
Pagamento de salário-maternidade –
rural 3.800 7.670 11.611 19.705 28.083 41.192
Pagamento de renda mensal vitalícia
por idade 16.633 33.574 50.825 86.253 122.926 180.308
Pagamento de renda mensal vitalícia
por invalidez 34.239 69.114 104.624 177.555 253.047 371.168
II. Benefícios Loas 147.176 294.353 441.529 735.882 1.030.235 1.471.764
Pagamento de benefício de prestação
continuada a pessoa idosa 58.978 117.955 176.933 294.888 412.843 589.776
Pagamento de benefício de prestação
continuada a pessoa portadora de
deficiência 88.199 176.398 264.597 440.994 617.392 881.989
III. Seguro-desemprego e abono
salarial – FAT 252.249 504.498 756.747 1.261.245 1.765.743 2.522.490
Bolsa qualificação 257 514 771 1.284 1.798 2.569
Pagamento do benefício abono
salarial 69.115 138.230 207.345 345.575 483.805 691.151
Pagamento do seguro-desemprego 180.901 361.801 542.702 904.502 1.266.303 1.809.005
Pagamento do seguro-desemprego
ao pescador artesanal 1.697 3.394 5.091 8.486 11.880 16.971
Pagamento do seguro-desemprego
ao trabalhador doméstico 237 474 711 1.185 1.659 2.369
Pagamento do seguro-desemprego
trabalhador resgatado de escravo 43 85 128 213 298 425
Total (I + II + III) 1.419.778 2.852.318 4.297.583 7.226.369 10.206.694 14.776.413
Fonte: Anexo do Projeto de Lei Orçamentária 2004.

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334 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

GRÁFICO 4
Evolução do PIB deflacionado pelo deflator implícito – 1994-2005
(Número índice: 1994 = 100)
135

130

125

120

115

110

105

100
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: Ipeadata.

repartição, vigente no âmbito do RGPS, caracteriza-se pela presença de significativos


superávits de caixa à época de implementação do sistema. O equilíbrio financeiro
entre contribuição e benefício torna-se efetivamente um problema à medida que o
sistema amadurece. No Brasil, assim como na grande maioria dos países, o amadure-
cimento do sistema ocorreu concomitantemente a mudanças na estrutura etária e no
mercado de trabalho que tornaram o ajuste mais doloroso e mais necessário. Ao
desequilíbrio atuarial, somaram-se déficits financeiros. Os sucessivos e crescentes aportes
de recursos comprovaram a insuficiência dos recursos das contribuições para o finan-
ciamento dos benefícios previdenciários. De fato, a questão fundamental não é o
desempenho de caixa, mas sim o equilíbrio atuarial, porém, enquanto o sistema não
se defrontou com déficits de caixa, a discussão sobre o equilíbrio a valor presente
entre volume total de contribuições e de benefícios foi relegada a segundo plano.
Em resposta ao déficit apresentado pelo sistema iniciou-se, no Brasil, um
processo gradual de mudanças paramétricas para adequar os benefícios à capacidade
de financiamento do sistema em decorrência das dificuldades políticas encontradas
para a aprovação de uma abrangente reforma que açambarcasse os três diferentes
regimes e viabilizasse o sistema no longo prazo. Ao invés de uma grande reforma,
optou-se pela segmentação da reforma em minirreformas (ver GIAMBIAGI; CASTRO,
2003; GIAMBIAGI et al., 2004). Assim, as propostas de reforma foram dissociadas
de qualquer viés ideológico, buscaram preservar o equilíbrio fiscal e seguiram
tendência observada na grande maioria dos países.
O processo de reforma da previdência, no Brasil, se inicia efetivamente com
a EC 20, de 15/12/1998, que estabelece o aparato legal necessário para a promul-
gação de leis que permitiram caminhar na direção de uma racionalização maior
do sistema e de eliminar distorções, com a finalidade de:

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 335

z fortalecer o vínculo entre contribuição e benefício (conferindo um maior


equilíbrio atuarial e, conseqüentemente, evitando o uso de recursos genéricos no
financiamento da previdência);
z expandir a cobertura (parte expressiva dos trabalhadores não está coberta); e
z buscar homogeneizar benefícios dos diferentes sistemas.
A reboque da EC 20 foram promulgadas leis16 que tratam do gerenciamento
e do financiamento da previdência, assim como de novos métodos de cálculo para
os benefícios e o incentivo a novos afiliados ao RGPS, inclusive provenientes do
setor público (Lei 9.876/99 e Lei 9.962/00) (ver PINHEIRO, 2004).
Nesta primeira etapa do processo de reforma da previdência, a concepção de
um novo método de cálculo do benefício, com a introdução do fator
previdenciário,17 foi a principal mudança ocorrida. Até então o cálculo era feito
com base na média dos últimos três anos, método substituído por uma fórmula
que considerava 80% das remunerações mais elevadas obtidas desde julho de 1994
até a data da aposentadoria. Adicionalmente, são considerados para a definição do
fator a ser aplicado o tempo de contribuição, a idade e a expectativa de sobrevida.
A introdução do fator previdenciário conseguiu retardar significativamente a
entrada para a inatividade dos contribuintes que solicitavam o benefício previdenciário
com base no tempo de contribuição. Segundo Pinheiro (2004), esta modalidade
responde por cerca de 40% do gasto total e, com a mudança na legislação, postergou
a aposentadoria de 48,9 anos em média em 1998 para 54,1 anos em 2001.
O fator previdenciário, ainda que tenha amenizado os problemas da aposenta-
doria por tempo de contribuição no RGPS, não eliminou os desajustes atuariais (ver
capítulo 6), uma vez que não prevê um financiamento para os benefícios de risco; a

16. Lei 9.703/98, de 17/11/1998; Lei 9.711/98, de 20/11/1998; Lei 9.732/98, de 11/12/1998; Lei 9.796/99, de 05/05/1999; Lei 9.876/
99, de 26/11/1999; Lei 9.962/00, de 22/02/2000; Lei 9.983/00, de 14/07/2000.

17. Promulgado pela Lei 9.876, de 26/11/1999, o fator previdenciário é calculado considerando-se a idade, a expectativa de sobrevida
e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar, segundo a seguinte fórmula:

Tc × a  (Id + Tc × a ) 
f= × 1+
Es  100


onde:
f = fator previdenciário;
Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria;
Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria;
Id = idade no momento da aposentadoria; e
a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31.

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336 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

alíquota utilizada é superior à alíquota efetivamente paga; utilizam-se no cálculo


margens de tempo fictícias para mulheres e professores; e considera-se para a cons-
trução do fator a expectativa de vida para a população como um todo, sem que
ocorra uma diferenciação por grupo.
Não obstante os esforços do governo de reformulação da previdência, o ca-
pítulo 6 deste livro aponta uma série de problemas, além daqueles observados no
fator previdenciário, que não foram sanados pelas medidas adotadas, com impli-
cações para o equilíbrio atuarial do sistema. Algumas das principais distorções
levantadas pelos autores são elencadas a seguir:
a) aposentadoria por idade aos 60-65 anos, com tempo mínimo de contri-
buição de 15 anos, o que é incompatível em termos atuariais com uma expectativa
de recebimento de benefícios por 22 anos para mulheres e 15 anos para os homens;
b) aposentadoria rural, com contribuições inferiores ao benefício e baixa
idade de entrada no sistema;
c) ausência de idade mínima para a entrada no RGPS;
d) aposentadoria por tempo de contribuição, pela possibilidade de obtenção
do benefício previdenciário em idade precoce (o que em parte foi atenuado pela
introdução do fator previdenciário, mas ainda assim se constitui em um problema);
e) tempo de contribuição menor para mulheres e professores; e
f) ausência de recursos específicos para o financiamento de benefícios consi-
derados de risco.
Por fim, em 2003, inicia-se um processo em direção à homogeneização das
regras do RGPS e do Regime dos Servidores Públicos. A EC 41, de 19/12/2003,
eliminou a possibilidade de aposentadoria proporcional para os servidores públicos,
passando a requerer idade mínima (55-60 anos), exceto para os admitidos até a
EC 20 (ainda que impondo uma redução de 5% nas aposentadorias para cada ano
de antecipação). Adicionalmente, suprimiu a integralidade para os admitidos após
2004 e abriu a possibilidade de adoção do fator previdenciário.
A busca por uma adequação maior dos benefícios às contribuições, perse-
guida ao longo do processo de reforma da previdência, não reverteu a tendência
ao crescimento do déficit, subsistindo um grave desequilíbrio atuarial no sistema.
As elevadas alíquotas incidentes sobre a folha de salário (principal mecanismo de
financiamento do RGPS) desabilitam qualquer solução que suponha o seu aumento.
Portanto, a tendência é de revisão dos benefícios, considerados muito pródigos,

Cap09.pmd 336 23/3/2007, 15:48


FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 337

inclusive quando comparados com países desenvolvidos, ou de procura por fontes


alternativas de financiamento.

3 AVALIAÇÃO DAS PRINCIPAIS PROPOSTAS DE REFORMA DO


FINANCIAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
Duas mudanças ocorridas nas décadas finais do século passado, uma no plano
nacional e outra no mundial, promoveram importantes alterações no ambiente
econômico em que operam as empresas brasileiras.
No nível nacional, o Plano Real conseguiu uma redução quase instantânea
da inflação, de índices mensais de dois dígitos para nível anual de um dígito. No
ambiente de inflação alta, a sobrevivência das empresas dependia essencialmente
da administração financeira. Embora o ganho financeiro continue a ser funda-
mental em virtude das taxas de juros altas, é de se esperar que estas caiam em breve
para níveis semelhantes aos observados em outros países em desenvolvimento,
quando então a variável-chave para a sobrevivência das empresas será a
competitividade.
No plano mundial, com a aceleração dos processos de globalização dos
mercados e de formação de blocos econômicos regionais, ganharam importância
preocupações com o impacto da política tributária sobre decisões de produção e
de investimento, agora processadas na escala mundial e não mais nacional. As
políticas tributárias domésticas passaram a ser cada vez mais pautadas por práticas
internacionais, implicando limites estreitos para a soberania fiscal dos países, que
precisam respeitá-los, sob pena de serem alijados do processo.
Em face dessas mudanças, a menos que se criem condições propícias a que o
sistema produtivo brasileiro seja competitivo, o país estará condenado à estagnação.
Nessas circunstâncias, minimizar os efeitos perversos dos tributos sobre a
competitividade é fundamental para a retomada do crescimento econômico de
forma sustentada.
Essa é uma regra que precisa ser respeitada por qualquer proposta de alteração
nas fontes de financiamento do RGPS. É desejável que novas fontes não inibam
exportações, o investimento e a criação de emprego; e que as antigas que o façam
sejam, na medida do possível, substituídas. Importa que as fontes não afetem as
condições de competição no mercado doméstico entre os produtores nacionais e
entre estes e os estrangeiros; nem interfiram na escolha de local e método de pro-
dução, para não induzir decisões que aumentem o custo social do que é produzido.

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338 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

As fontes tradicionais de financiamento da previdência social brasileira, res-


ponsáveis por cerca de 2/3 da receita total do INSS, são as contribuições dos
trabalhadores e dos demais segurados, incidentes sobre os seus salários-de-contri-
buição, e dos empregadores, das empresas e das entidades a elas equiparadas na
forma da lei, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu
serviço.18 As folhas de salários das empresas são adicionalmente oneradas por con-
tribuições sociais arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
em benefício de terceiros – salário-educação, Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), e o chamado Sistema S, composto pelos Serviço Nacio-
nal de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional da Indústria (Sesi), Serviço
Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac) e Serviço Social do Comércio
(Sesc).
Outra parcela da receita provém da arrecadação de contribuição sobre a receita
bruta de produtores rurais e agroindústrias, bem como de pequenos contribuintes,
favorecidos por tributação simplificada e reduzida (Simples). Adicionalmente, desde
o exercício de 1999, e pelo menos até 2007, a previdência conta também com a
parcela da arrecadação da CPMF correspondente a uma alíquota de 0,10%.19
Além de recursos oriundos da arrecadação da CPMF, o INSS recebe do Tesouro
Nacional outros repasses previstos no orçamento anual, sendo a União responsá-
vel pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da seguridade social. A
principal fonte das transferências do Tesouro para a previdência é a Contribuição
para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Todas as fontes de recurso
mencionadas neste parágrafo e no anterior são tributos cumulativos. Tributos inci-
dentes em cascata sobre o faturamento ou a receita ou, ainda, os incidentes sobre
movimentações financeiras reduzem drasticamente a capacidade do produtor do-
méstico de enfrentar com sucesso os desafios da abertura econômica.
Os malefícios da tributação cumulativa podem ser classificados em dois grupos:
prejuízos à alocação de recursos do país e à competitividade dos produtos nacionais,
tanto no mercado externo como no doméstico.20 Os prejuízos se devem ao fato de
que este tipo de tributação altera de forma não-intencional e não controlável os
preços relativos da economia.

18. Constituição Federal do Brasil, art. 195, I e II, com a redação dada pela EC 20, de 15 de dezembro de 1998, e Lei 8.212, de 24 de
julho de 1991.

19. ECs 21, de 18 de março de 1999, 37, de 12 de junho de 2002, e 42, de 19 de dezembro de 2003.
20. Prejuízos à alocação de recursos também afetam a competitividade via redução da produtividade.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 339

Em um ambiente de inflação mensal de dois dígitos, como o do Brasil até


1994, tais diferenças tinham pouca importância. Mas em uma situação de inflação
anual de um dígito, essa variação das cargas é suficientemente importante para
tornar mais lucrativas, na ótica privada, práticas produtivas ineficientes; quer dizer,
o mau tributo induz os agentes econômicos a escolhas que desperdiçam recursos
da nação.
O tributo cumulativo também interfere no crescimento econômico através
de seu efeito sobre as decisões de investimento, já que o bem de capital sofre dupla
tributação, elevando o seu custo vis-à-vis bens de consumo. O efeito é reforçado pelo
fato de que os bens de capital têm usualmente cadeias produtivas relativamente
longas, o que aumenta a carga por eles sofrida. Com a tributação cumulativa, o
investimento tende a se reduzir e, com ele, a taxa de crescimento do país.
Também as contribuições sobre os salários – e, simetricamente, os tributos
que incidem sobre o lucro – afetam a competitividade. Em ambos os casos, as
normas que regem o comércio internacional impedem que as exportações sejam
desoneradas, uma prática que o Brasil já utilizou no imposto de renda e foi obri-
gado a abandonar.
O problema é menos grave do que o referente aos impostos em cascata, uma
vez que, em todo o mundo, o imposto de renda de empresas é largamente utilizado
e contribuições compulsórias sobre os salários formam a principal base de susten-
tação financeira dos sistemas previdenciários. O que importa nesses casos são as
diferenças entre as intensidades dessas tributações no Brasil e nos seus principais
competidores no mercado internacional.
Nesse sentido, as mudanças que vêm ocorrendo no mercado de trabalho são
um fator importante a considerar para a avaliação das tendências de evolução do
financiamento dos sistemas previdenciários. Observa-se o surgimento, nos países
industrializados, de problemas até então típicos de países em desenvolvimento,
como é o caso do desemprego estrutural não mais restrito às atividades agrícolas.
A perspectiva de uma crise de desemprego não-solucionável pelos instrumentos
tradicionais de estímulo à atividade econômica é motivo de grande inquietação.
Parte do receituário conhecido para os problemas do desemprego tem nítidas
implicações tributárias. Recomendam-se mudanças radicais na legislação trabalhista,
no sentido da desregulamentação das relações entre patrão e empregado, de forma
a reduzir os custos da contratação e da dispensa do trabalhador. Isso permitiria
maior flexibilidade no ajuste das empresas à conjuntura de seus respectivos mer-
cados, o que – presumem os proponentes – elevaria o nível de emprego.

Cap09.pmd 339 23/3/2007, 15:48


340 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

Na mesma linha, busca-se a redução das elevadas contribuições sobre a folha


de salários que, como mencionado na introdução, além de afetarem a
competitividade, criam uma grande cunha entre o custo do trabalhador para as
empresas e o salário que eles recebem, estimulando a informalização das relações
trabalhistas. Isso, por sua vez, além de potencialmente contribuir para a “precarização”
do emprego, reduz a própria base desses tributos. Vale dizer, há demandas por
redução dos encargos que oneram o custo do emprego e, portanto, uma tendência
à redução das contribuições incidentes sobre salários.
Uma das soluções possíveis para a questão é limitar a proteção oferecida pelo
Estado ao trabalhador, o que viabilizaria a redução dos tributos que incidem sobre
os salários. A solução alternativa é considerar a folha de salários como base exclusiva
da previdência, buscando bases alternativas que possam complementar o financi-
amento do RGPS.
A definição das fontes de financiamento adequadas à previdência consiste
em um dos maiores desafios dos sistemas previdenciários. Tradicionalmente, a
contribuição sobre a folha de salários respondeu por uma parcela significativa do
financiamento da previdência social.21 Algumas características a tornam especial-
mente adequada para esse fim. Entre as qualidades, destacam-se:
estabilidade ao longo do tempo, sem apresentar flutuações cíclicas sig-
z
nificativas;
z elevada capacidade de arrecadação;
z facilidade de operacionalização; e
z vínculo entre o fato gerador e o benefício previdenciário.
As posições quanto às implicações da contribuição sobre a folha de salários
sobre o mercado de trabalho e sobre o custo Brasil são divergentes e delas derivam
três posições distintas. Uma delas defende a eliminação da contribuição sobre a
folha de salário do empregador. A segunda pleiteia a redução da alíquota de con-
tribuição de 20% para o empregador (considerada elevada quando comparada a
outros países). E, por fim, uma terceira corrente apóia a manutenção da contri-
buição tal como ela é hoje.

21. Oliveira et al. (1994) sugerem que a principal fonte de financiamento da seguridade social seria a folha de pagamentos, com
tendência à estabilização ou até mesmo ao crescimento de sua participação. De todo modo, verificou-se uma tendência ao crescimento
da participação das fontes de financiamento da previdência em termos de percentual do PIB entre 1960 e 1985 em diferentes países. No
caso brasileiro, entre 1995 e 2004, a arrecadação da contribuição sobre a folha de salários cresceu significativamente em termos de
percentual do PIB, acompanhando o movimento observado na carga tributária.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 341

Críticos da contribuição sobre a folha de salários argumentam que tais con-


tribuições afetam a oferta de postos de trabalho. Assim, a desoneração levaria à
queda do desemprego e ao aumento da eficiência, com um saldo positivo em
termos de crescimento econômico, já que, ao reduzir o preço efetivo da mão-de-
obra, elevaria a competitividade do produto nacional.
Adicionalmente, o elevado ônus tributário incidente sobre a contratação de
trabalhadores formais seria um dos motivos do alto grau de informalismo das
relações trabalhistas. Estes trabalhadores, à margem do sistema, terão direito tão-
somente aos benefícios assistenciais quando se defrontarem com a perda de capa-
cidade laboral. A redução da alíquota estimularia a formalização das relações de
trabalho e, subseqüentemente, um aumento da arrecadação previdenciária.
Assim, de acordo com os críticos, atribuem-se aos elevados custos decorrentes
dos encargos incidentes sobre a folha de salário redução na oferta de emprego e
elevação do grau de informalidade em relação aos que existiriam na ausência de
tais custos.
Contudo, como argumentam Oliveira et al. (1994), dada a opção por uma
determinada tecnologia, a utilização de mão-de-obra não é flexível, em decorrência
de os processos serem caracterizados por proporções fixas de fatores de produção.
Adicionalmente, o gasto com mão-de-obra é cada vez menor nos processos pro-
dutivos. Portanto, “o argumento sobre a base folha sob a ótica da inibição do uso
da mão-de-obra é frágil”.
A inclusão das contribuições previdenciárias no sistema Simples fragiliza
ainda mais o argumento de que a redução da alíquota incentivaria a formalização
das relações de trabalho. A substituição da contribuição previdenciária por uma
contribuição incidente sobre a receita bruta acumulada ao longo do ano-calendário,
facultada às microempresas e às empresas de pequeno porte optantes pelo Simples,
e cujas alíquotas estão dispostas na tabela 6,22 tinha por finalidade reduzir o ônus
tributário decorrente do cumprimento das obrigações junto à previdência.
Não há evidência de que o Simples tenha promovido um aumento significativo
do emprego ou da formalização. Também não há consenso na literatura internacional
quanto à repercussão da queda dos custos trabalhistas em termos de emprego e
desempenho da economia; e um estudo realizado no Brasil sugere que o aumento
dos custos trabalhistas decorrente da implementação da Constituição de 1988
não implicou redução do emprego, ainda que tenha afetado negativamente os
salários.

22. Lei 9.317, de 5 de dezembro de 1996.

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342 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

TABELA 6
Alíquotas de contribuição do simples

Receita bruta % do total % da previdência

Até R$ 60 mil 3,0 1,2

De R$ 60 mil até R$ 90 mil 4,0 1,6

De R$ 90 mil até R$ 120 mil 5,0 2,0

De R$ 120 mil até R$ 240 mil 5,4 2,1

De R$ 240 mil até 360 mil 6,0 2,3

De R$ 360 mil até R$ 480 mil 6,2 2,4

De R$ 480 mil até R$ 600 mil 6,6 2,6

De R$ 600 mil até R$ 720 mil 7,0 2,7

De R$ 720 mil até R$ 840 mil 7,4 3,1

De R$ 840 mil até R$ 960 mil 7,8 3,5

De R$ 960 mil até R$ 1.080 mil 8,2 3,9

De R$ 1.080 mil até R$ 1.200 mil 8,6 4,3


Fonte: Projeto de Lei Orçamentária 2004.

Faz-se uma série de críticas à desoneração ou mesmo à redução das alíquotas


de contribuição dos empregadores. Arbache (2003) argumenta que a redução do
emprego formal decorreu do arrefecimento da economia e de mudanças gerenciais
e tecnológicas nas firmas. A informalidade cresceu paralelamente ao desemprego,
sugerindo que o mercado informal não conseguiu sequer absorver os trabalhadores
em busca de emprego. A informalidade decorreria da necessidade de obter renda
e da incapacidade do mercado formal de absorvê-los, sendo um mecanismo para
evitar a pobreza e a miséria. A precariedade dos empreendimentos informais permite
vaticinar que sua formalização implicaria a supressão de parte significativa deles.
Um dos desafios para o financiamento da previdência seria buscar um meca-
nismo que não onerasse excessivamente os empreendimentos informais, mas
tampouco os deixasse sem contribuir para o financiamento da previdência. Ainda
que Arbache considere que, na maioria dos casos, empreendimentos informais
“não podem ser confundidos com empreendimentos que podem e devem ser tra-
tados como contribuintes potenciais” (2003, p. 104).
Não obstante, persistem o déficit da previdência e a discussão sobre meca-
nismos alternativos de financiamento que possam substituir e/ou complementar

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 343

os recursos obtidos pela contribuição sobre a folha de salários. Na literatura sobre o


tema, usualmente consideram-se contribuições sobre o faturamento, sobre o lucro e
sobre o valor adicionado como potenciais candidatas a desempenhar este papel.
No caso da contribuição sobre o lucro, as alíquotas já são elevadas no Brasil
e iniciativas no sentido de aumentá-las poderiam levar a um incremento da evasão
fiscal. Adicionalmente, a base de incidência relativamente restrita e sua elevada
suscetibilidade às oscilações do ciclo econômico depõem contra a sua adoção no
financiamento da previdência.
A criação de novas contribuições sobre o faturamento ou a majoração das
alíquotas das contribuições já existentes aumentaria o efeito negativo sobre a eficiência
econômica em decorrência do seu caráter cumulativo. Adicionalmente, a
regressividade e a falta de transparência, que caracterizam essa contribuição,
desaconselhariam o seu uso no financiamento da previdência. Infringem-se simul-
taneamente três princípios considerados desejáveis em um sistema tributário, a saber:
eficiência econômica, justiça social e responsabilidade política (ver STIGLITZ, 2000).
Uma das alternativas para substituir a contribuição sobre a folha de salários
seria uma Contribuição sobre o Valor Agregado (CVA). Entretanto, há uma série
de entraves não-desprezíveis, inclusive os de ordem prática.23 A carga tributária
não seria reduzida, mas tão-somente redirecionada. Adicionalmente, há problemas
de conceituação em alguns setores (por exemplo, o financeiro) e pouca
conscientização quanto a quem de fato está pagando. Em termos macroeconômicos,
a adoção da CVA implicaria o deslocamento da carga tributária de alguns setores
para outros e maior sensibilidade às flutuações cíclicas.24
Em todas as bases usualmente mencionadas como alternativas na literatura
sobre o tema, o vínculo entre contribuição e benefício praticamente inexiste. Essa
dissociação induz ao financiamento da previdência com recursos efetivamente
fiscais. Há, desse modo, um esvaziamento da concepção de seguro social para
situações em que haja a perda de capacidade laboral. Arrisca-se a criar um sistema
de natureza assistencialista e não-previdenciário.
Outras bases não encontrariam justificativa lógica para angariar recursos para
o financiamento da previdência, além de não terem a dimensão necessária para
cobrir os custos crescentes e apresentarem uma série de problemas que tendem a
agravar a qualidade da incidência tributária, já reconhecidamente ruim.

23. Motivo pelo qual há um velho ditado entre os especialistas em setor público que, grosso modo, defende que imposto velho é que
seria imposto bom.

24. Marques e Euzéby (2003) e Varsano (2003) discutem a CVA como alternativa para o financiamento da previdência.

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344 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

Adicionalmente, as reações de diferentes segmentos da sociedade sugerem


que já está esgotada a capacidade de majorar as alíquotas incidentes sobre a pro-
dução, em decorrência da elevada carga tributária vigente.25
Conclui-se que há uma enorme dificuldade para se estabelecer bases alternativas
que simultaneamente vinculem contribuição e benefícios, tenham vigor suficiente
para suprir os recursos necessários ao financiamento da previdência, não apresentem
flutuações cíclicas e não acrescentem novas distorções ao sistema (como é o caso
dos tributos cumulativos).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O financiamento da previdência desde a década de 1980 está na agenda de discussões
na grande maioria dos países. Os regimes previdenciários, fundamentados no
princípio de repartição, defrontaram-se com crescentes déficits em decorrência
de mudanças estruturais no mercado de trabalho e na estrutura etária. A intensifica-
ção das transferências intra e intergeracionais implicou a necessidade de aportes
cada vez maiores de recursos fiscais. Adicionalmente, a globalização financeira e
produtiva induziu ao questionamento da contribuição sobre a folha de salários
como principal mecanismo de financiamento da previdência social, uma vez que,
ao impor uma cunha fiscal entre o custo do trabalhador para a empresa e o salário
recebido pelo empregado, afeta negativamente a competitividade.
Quando se analisa o caso brasileiro, conclui-se que efetivamente as transfor-
mações estruturais na economia impactaram a capacidade efetiva de financiamento
do sistema previdenciário. Entretanto, algumas particularidades agravaram pro-
blemas intrínsecos aos tempos atuais.
Inicialmente, destaca-se a contabilização conjunta dos benefícios previdenciários.
O descolamento entre a contribuição e o benefício rurais descaracteriza um sistema de
natureza previdenciária, aproximando-o de um mecanismo de assistência social.
O fato de os benefícios serem excessivamente pródigos não contribui para o
equilíbrio atuarial do sistema. O desenho dos benefícios dissocia a relação entre
contribuição e beneficiário. A concessão de subsídios garante a sustentabilidade do
sistema, mas reforça as transferências inter e intrageracionais inclusive através do aporte
de recursos fiscais. A concepção do sistema brasileiro afasta-se, assim, da percepção
da previdência social como seguro contra risco de perda de capacidade laboral.

25. Ver a MP 232, também chamada de MP do mal, que foi revogada no Congresso em conseqüência da resposta negativa da sociedade
civil a um novo aumento da carga tributária.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 345

Na esfera do financiamento, as dificuldades de substituir, ainda que parcial-


mente, a contribuição da folha de salários como principal mecanismo de fi-
nanciamento da previdência social, residem na escassez de alternativas possíveis.
Adicionalmente, perde-se o nexo entre contribuição e beneficiário – a tônica dos
benefícios previdenciários.
Em suma, a conclusão geral que se tira da análise aqui apresentada é pessi-
mista, em virtude das dificuldades políticas envolvidas. Qualquer reforma que se
faça do financiamento do RGPS, o que já é politicamente difícil, pouco poderá
contribuir para o objetivo de equilibrar atuarialmente a previdência social brasileira.
Progresso significativo nessa direção requererá ação ainda mais polêmica dos agentes
políticos, qual seja, a redução de benefícios.

REFERÊNCIAS
AFONSO, L. E. Um estudo dos aspectos redistributivos da previdência social no Brasil. Dissertação
(Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. Mimeo.
ARBACHE, J. S. Informalidade, encargos trabalhistas e previdência social. In: MPS. Ministério
da Previdência Social (Org.). Base de financiamento da previdência social: alternativas e perspectivas.
Brasília, mar. 2003 (Coleção Previdência Social, v. 19).
DAIN, S. Federalismo e reforma tributária. In: AFFONSO, R. B. A.; SILVA, P. L. B. A federação
em perspectiva: ensaios selecionados. São Paulo: Fundap/Iesp, 1995.
DELGADO, G.; CARDOSO, J. A. Financiamento da previdência rural: situação atual e mudanças.
In: MPS. Ministério da Previdência Social (Org.). Base de financiamento da previdência social:
alternativas e perspectivas. Brasília, mar. 2003 (Coleção Previdência Social, v. 19).
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C.; PASTORIZA, F. A aposentadoria por tempo de serviço: estimativa
do subsídio recebido pelo seus beneficiários. Revista Brasileira de Economia, v. 52, Rio de Janeiro,
FGV, 1998.
GIAMBIAGI, F.; CASTRO, L. B. Previdência social: dilemas e propostas de reforma. Revista do
BNDES, v. 10, n. 19, Rio de Janeiro, BNDES, jun. 2003.
GIAMBIAGI, F.; MENDONÇA, J. L.; BELTRÃO, K. I; ARDEO, W.;. Diagnóstico da previdên-
cia social no Brasil: O que foi feito e o que falta reformar? Pesquisa e Planejamento Econômico, v.
34, n. 3, Rio de Janeiro: Ipea, dez. 2004.
MARQUES, R. M.; EUZÉBY, A. Discutindo alternativas de financiamento para o RGPS. In:
MPS. Ministério da Previdência Social (Org.). Base de financiamento da previdência social: alternativas e
perspectivas. Brasília, mar. 2003 (Coleção Previdência Social, v. 19).
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Orçamento social do governo federal 2001-2004. Brasília: Ministério
da Fazenda, maio 2005. Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2005/
r020505.asp>. Acessado em: 14 mar. 2007.
MPS. Ministério da Previdência Social. Anuário Estatístico da Previdência Social. 2002.
OLIVEIRA, F. E. B.; BELTRÃO, K. I.; LUSTOSA, B. J.; PASINATO, M. T. M. Fontes de finan-
ciamento da seguridade social brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, jul. 1994 (Texto para discussão, n. 342)

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346 RICARDO VARSANO – MÔNICA MORA

OLIVEIRA, F. E. B. Basic issues in reforming social security systems. Rio de Janeiro: Ipea, dez. 1997
(Texto para discussão, n. 535).
PINHEIRO, V. Reforma da previdência: uma perspectiva comparada. In: GIAMBIAGI, F.; URANI,
A.; REIS, J. G. (Orgs.). Reformas no Brasil: balanço e agenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
STIGLITZ, J. Economics of public sector. 3rd ed. Norton, 2000.
VARSANO, R. Financiamento do Regime Geral de Previdência Social no contexto do processo de
reforma tributária em curso. Rio de Janeiro: Ipea, jun. 2003 (Texto para discussão, n. 959).

ANEXO

TABELA A.1
Evolução das principais variáveis para projeção de longo prazo – 2006-2025
(Em %)

Massa Crescimento Taxa de inflação anual Variação Reajuste do Reajuste dos


Exercício
salarial vegetativo (IGP-DI média) real do PIB salário mínimo demais benefícios
2006 9,68 3,95 2,3 4,50 16,7 5,0
2007 9,64 3,95 3,7 4,75 7,9 4,7
2008 9,96 3,95 4,0 5,00 7,7 4,5
2009 9,96 3,96 4,4 5,25 7,7 4,5
2010 7,23 3,98 3,5 3,60 3,5 3,5
2011 7,28 3,98 3,5 3,65 3,5 3,5
2012 7,26 3,98 3,5 3,63 3,5 3,5
2013 7,13 3,98 3,5 3,51 3,5 3,5
2014 7,00 3,96 3,5 3,38 3,5 3,5
2015 6,93 3,95 3,5 3,31 3,5 3,5
2016 6,86 3,93 3,5 3,25 3,5 3,5
2017 6,94 3,89 3,5 3,32 3,5 3,5
2018 6,69 3,85 3,5 3,08 3,5 3,5
2019 6,69 3,80 3,5 3,08 3,5 3,5
2020 6,67 3,75 3,5 3,07 3,5 3,5
2021 6,61 3,69 3,5 3,01 3,5 3,5
2022 6,51 3,61 3,5 2,91 3,5 3,5
2023 6,46 3,53 3,5 2,86 3,5 3,5
2024 6,53 3,45 3,5 2,93 3,5 3,5
2025 6,28 3,36 3,5 2,68 3,5 3,5
Fonte: Projeto de Lei Orçamentária 2007.

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FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 347

TABELA A.2
Evolução da receita, despesa e necessidade de financiamento do RGPS – 2006-2025
(Em R$ milhões e em % do PIB)

Receita Receita/PIB Despesa Despesa/PIB Necessidade de Necessidade de PIB


Exercício
financiamento financiamento/PIB

2006 119,224 5,67 164,438 7,82 45,214 2,15 2.101.930

2007 131,302 5,72 180,753 7,88 49,451 2,15 2.295.050

2008 144,979 5,76 196,494 7,81 51,516 2,05 2.515.232

2009 160,047 5,79 214,894 7,77 54,847 1,98 2.766.023

2010 171,613 5,79 231,26 7,80 59,647 2,01 2.965.926

2011 184,105 5,79 248,89 7,82 64,785 2,04 3.181.818

2012 197,467 5,79 267,854 7,85 70,387 2,06 3.412.745

2013 211,548 5,79 288,256 7,88 76,708 2,10 3.656.105

2014 226,347 5,79 310,173 7,93 83,826 2,14 3.911.864

2015 242,034 5,79 333,712 7,98 91,678 2,19 4.182.979

2016 258,635 5,79 358,953 8,03 100,318 2,24 4.469.883

2017 276,574 5,79 385,969 8,07 109,395 2,29 4.779.919

2018 295,064 5,79 414,847 8,14 119,783 2,35 5.099.474

2019 314,791 5,79 445,684 8,19 130,893 2,41 5.440.405

2020 335,801 5,79 478,575 8,25 142,774 2,46 5.803.527

2021 358,009 5,79 513,603 8,30 155,594 2,51 6.187.328

2022 381,331 5,79 550,788 8,36 169,457 2,57 6.590.401

2023 405,971 5,79 590,214 8,41 184,243 2,63 7.016.237

2024 432,486 5,79 631,922 8,45 199,436 2,67 7.474.485

2025 459,635 5,79 675,987 8,51 216,353 2,72 7.943.688


Fonte: Projeto de Lei Orçamentária 2007.

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CAPÍTULO 10

TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO


SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA
ABORDAGEM SEMIPARAMÉTRICA*

Rodrigo Leandro de Moura**


Paulo Tafner***
Jaime de Jesus Filho****

1 INTRODUÇÃO
Uma das razões para a existência de sistemas públicos de previdência social é a
possibilidade de utilizá-los como política de redistribuição de renda. Em realidade,
muitos dos sistemas de previdência têm esse objetivo implícita ou explicitamente
colocado. No presente capítulo, testa-se essa propriedade para o sistema
previdenciário brasileiro. Utilizando o método de construção de densidades
contrafactuais (DINARDO; FORTIN E LEMIEUX, 1996), estimamos qual seria a distri-
buição de rneda do Brasil em 2003-1996 se a proporção de beneficiários fosse
aquela observada em 1976-1986. Calculamos os índices de Gini e Theil da distri-
buição real e contrafactual e os resultados mostraram que se reduzirmos a proporção
de pessos que recebem algum benefício previdenciário, a distribuição de renda
tende a melhorar para os homens, significando que a previdência é regressiva.
Para as mulheres, não podemos afirmar que o sistema seja progressivo. Esse resul-
tado não é contraditório como o já conhecido efeito de reduçaõ da pobreza de
nosso sistema previdenciário, mas reforça a tese de que o sistema produz e reproduz
a desigualdade social.
A previdência social brasileira tem sido um dos focos das discussões político-
econômicas. É consenso que o problema do crescente déficit previdenciário é um

* Agradecemos os comentários de Carlos Eugênio da Costa e Marcelo Neri, da EPGE/FGV, e de Márcia Marques Carvalho.
** Doutorando de economia da EPGE/FGV.
*** Coordenador de Estudos de Previdência da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
**** Mestre em economia pela EPGE/FGV e doutorando de economia da Universidade de Chicago.

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350 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

dos entraves ao crescimento sustentado do país. Nesse sentido, muito se tem falado
em reforma do sistema, em modificações que podem ir desde a eliminação da
diferença de idade entre homens e mulheres para a concessão do benefício, até
uma mudança total, substituindo-se o sistema de repartição pelo sistema de
capitalização.
A previdência social brasileira, por ser um seguro social, constitui um meca-
nismo de redistribuição de renda. É sob esse aspecto que pretendemos analisá-la
neste capítulo. Segundo Diamond (1977), é preciso compreender as razões que
justificam a existência de sistemas públicos de previdência ao se fazer a análise
desses sistemas. Uma das razões de sua existência seria a possibilidade de execução
de políticas públicas de caráter distributivo. Portanto, a previdência seria um me-
canismo de redistribuição de renda. Se a previdência for um contrato vantajoso
para determinados grupos de pessoas, em particular para os mais pobres, então
temos uma transferência progressiva de renda, caso ocorra o contrário, teremos
uma transferência regressiva. Barros e Carvalho (2005), Giambiagi et al. (2004) e
Tafner (ver capítulo 1 deste livro) têm chamado a atenção para o fato de que a
previdência brasileira enquadra-se no segundo grupo.
Em virtude da mudança da estrutura etária no Brasil, observa-se ao longo
dos anos um significante aumento da proporção de pessoas beneficiadas pela pre-
vidência social. Controlando-se por alguns fatores, se a previdência tem um caráter
redistributivo, no sentido progressivo, era de se esperar que a desigualdade de
renda estivesse diminuindo. Não é o que se observa exatamente no Brasil, onde há
quase duas décadas o índice de Gini, por exemplo, mantém-se próximo de 0,60,
decaindo pouco.1
Para testar a característica distributiva do sistema podemos fazer um simples
exercício contrafactual: o que aconteceria com a distribuição de renda do Brasil
hoje se mantivéssemos a mesma proporção de pessoas beneficiadas pela previdência
de 10 ou 20 anos atrás?
Para responder a essa questão podemos usar duas diferentes abordagens:
a) uma regressão simples, estimando-se uma equação de salários; e
b) estimando-se densidades contrafactuais.
A vantagem do segundo método é que teríamos o efeito sobre toda a distri-
buição de renda e não apenas uma estimativa pontual em relação à média. De

1. Deve-se destacar que apenas em anos mais recentes a desigualdade declinou, porém não como conseqüência da previdência social.
Ver, a respeito, Barros et al. (2007).

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 351

posse da distribuição contrafactual podemos calcular várias métricas de desigualdade


de renda e compará-las com as reais. Se o sistema de previdência social realmente
for distributivo, espera-se uma redução da desigualdade e melhora na distribuição
de renda.
Para testar a propriedade redistributiva do sistema de previdência de repartição,
faremos dois exercícios: primeiramente supomos que as pessoas que recebem algum
benefício da previdência teriam renda zero sem ele, ou seja, eliminamos o benefício e
calculamos o índice de Gini. Uma comparação com o original deve nos dar o
impacto dos benefícios sobre a distribuição de renda. No segundo exercício, mu-
damos a distribuição de beneficiários, controlando por seus atributos individuais
e pelas características geográficas, e estimamos a nova distribuição de renda. No-
vamente, uma comparação entre a destituição de renda real e a contrafactual deve
nos informar o efeito dessa mudança sobre a distribuição de renda.
Verificamos inicialmente que a proporção de beneficiários entre os homens
aumentou mais de 80%: de 10,13%, em 1976, para 18,38% em 2003. E, entre as
mulheres, esse aumento esteve em torno de 60%: de 20,22%, em 1976, para
31,83% em 2003. Calculamos os índices de Gini e Theil da distribuição real e
contrafactual e os resultados mostraram que se reduzirmos a proporção de pessoas
que recebem algum benefício previdenciário a distribuição de renda tende a melhorar
para os homens, significando que a previdência é regressiva. Para as mulheres são
inconclusivos, de modo que não podemos afirmar que o sistema seja progressivo.
O presente capítulo está estruturado em seis seções, incluindo esta introdu-
ção. Na seção 2 realizamos uma revisão da literatura, na seção 3 apresentamos os
dados utilizados e algumas estatísticas descritivas. Na seção 4 discutimos a
metodologia empregada para estimar as densidades contrafactuais. A quinta seção
traz os resultados encontrados e a sexta conclui.

2 REVISÃO DE LITERATURA
Muitos artigos têm discutido o sistema previdenciário brasileiro em relação à sua
solvência. Alguns deles (FERNANDES; NARITA, 2005; FERNANDES; GREMAUD, 2004)
estimaram e obtiveram alíquotas de contribuição elevadas que permitiriam equalizar
o orçamento do sistema previdenciário atual. No entanto, poucos estudos no Brasil2
têm abordado a previdência social como seguro social e segundo a ótica dos seus
aspectos distributivos. A seguir, apresentamos uma revisão seletiva da literatura
internacional e nacional relacionada aos aspectos distributivos da previdência social.

2. Ver, entre outros, Barros e Carvalho (2005) e capítulo 11 deste livro.

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352 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

2.1 Evidência internacional


Feldstein (1976) já considerava o valor dos benefícios da previdência social como
parte da riqueza total das famílias americanas.3 O autor sugere que benefícios da
previdência provêem renda de aposentadoria relativamente grande para famílias
de baixa e de média renda, o que reduz sua necessidade de acumular riqueza
fungível.4 Mostra, para dados de 1962, que a desigualdade deste tipo de riqueza é
maior em relação à riqueza total, o que revela o caráter redistributivo progressivo
do sistema americano.
Mas a evidência é inconclusiva. Estudos recentes de Gokhale e Kotlikoff
(2002a; 2002b) e Gokhale et al. (2001), nos quais calibram um modelo de simu-
lação de herança, mostram que a incorporação da previdência na distribuição de
riqueza piora a desigualdade, aumentando, por exemplo, em 11% (GOKHALE;
KOTLIKOFF, 2002a) ou até 21% (GOKHALE; KOTLIKOFF, 2002b) o coeficiente de
Gini. Um dos motivos, segundo os autores, é que a previdência social transforma
heranças em uma força não-equalizadora, visto que reduz o fluxo intergeracional
de heranças por mais de 50%. Mas a razão principal dessa distorção da previdência
é simplesmente o teto que o sistema americano aplica na coleta dos tributos sobre
as contribuições. Este teto faz a previdência tratar o rico por toda a vida de forma
mais favorecida do que o pobre. Em outro estudo, Liebman (2002) utiliza um
modelo de microssimulação da distribuição das taxas internas de retorno, transfe-
rências líquidas e taxas de contribuição líquidas da vida toda da previdência (con-
siderando somente benefícios e contribuições relacionados à aposentadoria) que
teria sido recebida por agentes de coortes de nascimento entre 1925 e 1929, caso
eles tivessem vivido somente sobre as regras atuais da previdência americana. Na
simulação dessas distribuições contrafactuais, o autor encontra que boa parte da
redistribuição através da previdência não é relacionada à renda. Ou seja, a previ-
dência é pensada como sendo progressiva no sentido de transferir renda dos mais
ricos para os mais pobres; mas a redistribuição também ocorre de agentes com
baixa para os de alta expectativa de vida; de trabalhadores solteiros e casais com
rendimentos significativos recebidos pelo segundo beneficiário na união5 para os
casais em que somente um é beneficiário; de homens para mulheres; e de agentes
que trabalham mais do que 35 anos para aqueles que concentram seus rendimentos
em 35 ou menos anos. Assim, um dos motivos pelos quais a progressividade da

3. O sistema previdenciário norte-americano é também o de repartição (pay-as-you-go).


4. Feldstein (1976) define a riqueza fungível como a riqueza total menos a riqueza proveniente do sistema previdenciário.
5. Nos Estados Unidos a(o) parceira(o) de um(a) trabalhador(a) aposentado(a) recebe um benefício equivalente a 50% do benefício
desse(a) trabalhador(a), enquanto ele(a) está vivo(a) e, depois de falecer, passa a receber o valor integral do benefício ao tempo em que
o(a) trabalhador(a) era vivo(a).

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SEMIPARAMÉTRICA 353

redistribuição da renda pelo sistema previdenciário americano atual é amplamente


modesta reside no fato de que famílias de renda alta tendem a ter expectativas de
vida maiores e recebem benefícios de parceiros maiores. Um dos resultados en-
contrados por Liebman aponta que 19% dos indivíduos no maior quintil de ren-
da do ciclo da vida recebem transferências líquidas que são maiores que as trans-
ferências médias para pessoas no menor quintil.
Coronado, Fullerton e Glass (2000) inicialmente classificam os indivíduos
pela renda anual e obtêm índices de Gini que mostram que o sistema é altamente
progressivo. Depois, gradualmente, os autores controlam para diversos fatores,
recalculando a cada passo o coeficiente de Gini. Reclassificam os indivíduos com
base na renda da vida toda6 potencial;7 levam em conta que salários acima de um
piso máximo são tributados sobre esse piso;8 unem os recursos de cônjuges de
modo tal que cada indivíduo é classificado de acordo com a renda familiar per
capita da vida toda;9 incorporam probabilidades de mortalidade variáveis de acordo
com a renda;10 e, por fim, aumentam a taxa de desconto de 2% para 4%.11 Gradual-
mente, controlando-se para todos esses fatores, a progressividade do sistema
previdenciário americano vai se reduzindo até se tornar regressivo, ajustando-se
para todos os aspectos mencionados.

2.2 Evidência brasileira


Em relação à literatura nacional, um estudo interessante é de Afonso e Fernandes
(2005), os quais realizam uma estimativa dos aspectos distributivos intra e
intergeracionais da previdência brasileira, através do cálculo da taxa interna de
retorno (TIR) obtida através da comparação dos fluxos de contribuições e benefícios
dos agentes ao longo de sua vida. Os autores utilizam a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) para extrair os benefícios pagos pelos agentes e
inferir as contribuições. Esta última foi possível a partir de algumas variáveis da

6. A progressividade da previdência é reduzida, pois a renda mensurada ao longo do ciclo de vida classifica aposentados com renda do
trabalho nula de acordo com seus recursos ao longo da vida. Portanto, agentes que trabalham meio período ou gastam muitos anos do
seu tempo fora da força de trabalho não são classificados mais como de renda baixa.
7. A renda potencial ao longo do ciclo de vida é a projeção de uma taxa salarial para cada pessoa em cada período, multiplicada por uma
dotação total de horas, obtendo-se assim uma medida de bem-estar que inclua lazer e produção doméstica, em vez de apenas oferta de
trabalho do mercado.
8. Esse máximo tributável já foi discutido no parágrafo anterior e reduz a progressividade do sistema.
9. O cônjuge de baixo salário agora não é tão pobre. Isso reduz mais ainda a progressividade do sistema.
10. Como indivíduos de renda mais elevada vivem por mais tempo, obtêm benefícios por mais tempo e, em termos da medida de
rendimento de valor presente, tendem a ter maiores benefícios. Assim, após esses ajustes, o sistema é muito pouco progressivo.

11. Impõe mais peso nos tributos da folha de pagamento regressiva de anos mais antigos e menos peso nos padrões de benefícios
progressivos de anos mais recentes.

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Pnad e das regras de contribuição de grupos ocupacionais distintos. Mas isto foi
possível devido a hipóteses restritivas impostas, principalmente, em relação aos
conta-próprias, autônomos e funcionários públicos. Dadas essas limitações, os
autores mostram que o sistema previdenciário brasileiro é progressivo tanto em
termos intrageracionais (as TIRs mais elevadas são dos grupos com menor nível
educacional e da região Nordeste, que são os de menor nível de renda per capita)
e intergeracionais (as TIRs crescem até o início da década de 1980 e então decaem
levemente até o fim da década e estabilizam-se daí em diante).
No entanto, em outro estudo, Ferreira et al. (2006), através do método de
decomposição do índice de Gini, mostra que os rendimentos das aposentadorias
e pensões aumentam o nível de desigualdade da renda domiciliar per capita no Brasil.
Além disso, o rendimento proveniente da previdência compõe a segunda maior
parcela de contribuição no cálculo do coeficiente de Gini – depois do rendimento
do trabalho principal –, parcela que aumentou de 9,3% em 1981 para 18,8% em
2001, e permanece crescente. Segundo o autor, as causas de ser o sistema
previdenciário brasileiro regressivo estão relacionadas a: aposentadoria mais precoce;
expectativa de vida maior; e maiores salários no fim do ciclo de vida trabalhista (o
que tem sido por muitos anos a base do cálculo dos benefícios) dos beneficiários
com maior nível de renda. Esses fatores concomitantemente tornam a distribuição
de renda pior. Além disso, segundo o autor, as causas do crescente déficit do
sistema brasileiro estão relacionadas a: composição do mercado de trabalho;
flexibilização dos contratos trabalhistas (redução da remuneração através do salário
fixo e aumento através da participação nos lucros – parcela sobre a qual não incidem
as alíquotas de contribuição); estrutura demográfica (ou seja, transição demográfica
com aumento da proporção de idosos beneficiários); legislação – a Constituição
aprovada em 1988 ampliou significativamente os benefícios; e ao aumento da
informalidade12 (que acaba reduzindo a arrecadação).
Assim, a evidência empírica para o Brasil continua inconclusiva. Neste estudo,
lançamos mão de um método alternativo para verificar o caráter redistributivo da
previdência social brasileira.

3 DADOS E ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS


Em toda a nossa análise, utilizamos amostras extraídas das Pnads, tomando a mais
antiga de que dispúnhamos, datada de 1976, e também a de 1986. Para o período

12. O aumento da informalidade, em termos teóricos, se deve aos aumentos das alíquotas previdenciárias. E isso se verifica no Brasil,
onde as regras de contribuição têm elevado o tributo ao longo das décadas. Para maiores detalhes sobre a legislação, ver Afonso e
Fernandes (2005).

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 355

mais recente, tomamos os anos de 1996 e 2003. Logo, comparamos pares de anos
tais como: 1976 com 1996, 1976 com 2003, 1986 com 1996 e 1986 com 2003.
A comparação de vários pares de anos permite uma avaliação mais precisa e robusta
das características distributivas do sistema previdenciário.

3.1 Limitação da base de dados


Existem algumas limitações no estudo devido aos dados disponibilizados pelas
Pnads: a) não é possível diferenciar beneficiários oriundos da previdência rural da
urbana, o que seria importante, pois existem regras de contribuição distintas; b) não
é possível diferenciar se o agente é aposentado como funcionário público ou pri-
vado;13 c) não é possível saber quando o indivíduo se aposentou;14 e d) não é
possível controlar para informalidade, pois não sabemos por quanto tempo o
indivíduo trabalhou sem carteira assinada.
Quanto à amostra obtida, foi dividida em duas: uma para homens e outra
para mulheres, e estimamos contrafactuais para ambas. Um primeiro filtro aplicado
à amostra foi a exclusão de todos abaixo da idade de 18 anos. Essa restrição exclui
uma pequena parte da proporção de beneficiários,15 uma vez que a parcela destes
com idade inferior a 18 anos não ultrapassa 2% em todos os anos analisados.
Outro filtro adicional aplicado foi excluir todos aqueles que declararam renda
nula em todas as fontes – filtro necessário, pois a estimação das densidades será
feita para o logaritmo da renda. Assim, apresentamos abaixo algumas estatísticas
descritivas da amostra para homens e mulheres acima de 18 anos, com renda
positiva.16
Do gráfico a seguir, notamos que a proporção de beneficiários entre os homens
aumentou mais de 80%, ao passar de 10,13% em 1976 para 18,38% em 2003. E
entre as mulheres passou de 20,22% em 1976 para 33,35% em 1996, e decaiu um
pouco em 2003, para 31,83%; ou seja, um aumento de mais de 50%. A tabela I
do apêndice mostra que, em números absolutos, o contingente de beneficiários
cresceu muito, de 2,6 (2,19) milhões em 1976 para 8,66 (12,5) milhões em 2003

13. Basicamente, as regras de contribuição e benefícios dos aposentados do setor público são regidas pelos Regimes Próprios de
Previdência Social (RPPS), enquanto as regras do regime privado são determinadas pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
14. Essas mesmas limitações foram encontradas por Afonso e Fernandes (2005).
15. Consideramos ao longo do artigo como beneficiários da previdência todos aqueles que receberam alguma renda positiva oriunda de
aposentadoria, pensão ou abono de permanência. Isso foi feito, pois, para as Pnads mais antigas, não existe uma pergunta explícita se
o indivíduo é aposentado/pensionista ou recebe abono de permanência. Apenas pergunta-se o que a pessoa fez na semana de referên-
cia. Assim, um aposentado ocupado que tenha respondido que trabalhou pode estar não sendo capturado pelas pesquisas mais antigas,
viesando assim, para baixo, a proporção de beneficiados.
16. Em todas as estimativas utilizamos os pesos amostrais da Pnad.

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GRÁFICO 1
Porcentagem de homens e mulheres com idade igual ou superior a
18 anos que são beneficiários
40
33,35
35
31,83
30
25,45
25
20,22
17,39
20
13,72 18,38
15
10,13
10
5
0
1976 1986 1996 2003

Homens Mulheres

para os homens (mulheres). Note-se que, além das aposentadorias, as pensões


cresceram significativamente, sobretudo para as mulheres, que recebem hoje rela-
tivamente mais pensões, chegando a 51,79%; para os homens essa porcentagem
tem aumentado bastante, mas a grande maioria deles ainda é beneficiária de aposen-
tadorias. Notamos, nas duas últimas linhas da tabela, que, analisadas as faixas etárias
separadamente, os idosos (com mais de 56 anos) constituem uma proporção de
beneficiários muito grande, que tem se elevado ao longo dos anos. Já a proporção de
beneficiários dentro das outras faixas etárias se manteve relativamente estável.
A tabela II do apêndice descreve as características da amostra, dividida por
beneficiários, não-beneficiários e de ambos.17 Notamos que a maioria vive cada
vez mais na área urbana; são de maioria branca, mas esta tem decaído ao longo dos
anos; a maior proporção é daqueles com cinco ou mais anos de estudo, sendo que
essas porcentagens têm se elevado ao longo das décadas, em detrimento daqueles
que têm menor nível educacional (quatro anos ou menos); e a proporção dos
homens casados tem decaído, enquanto a das mulheres tem aumentado. Em relação
à média de horas trabalhadas, observa-se que: a) a média dos beneficiários é bem
menor do que a dos não-beneficiários, como era esperado, visto que, ao obter a
aposentadoria ou alguma pensão; isso gera desincentivo ao trabalho; e b) ao longo
do tempo os (não-)beneficiários estão trabalhando mais (menos). A renda oriunda
do sistema previdenciário tem decaído ao longo das décadas, em termos reais, mas
com um pequeno aumento na última década. O rendimento de todas as fontes

17. Em 1976 apenas uma subamostra da Pnad respondeu à pergunta sobre a cor. Nas estatísticas descritivas que se seguem, sobre cor,
nos referimos apenas a essa amostra. Mas nas outras estatísticas e estimações envolvendo esse ano, consideramos a amostra toda, e
assim não controlamos para a variável raça. Além disso, os rendimentos foram deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor do Rio
de Janeiro (IPC-RJ) a preços de novembro de 2004. Ao alterarmos o tipo de deflator os resultados apresentaram a mesma evidência.

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 357

tem decaído ao longo dos anos, mas nota-se que o rendimento dos beneficiados(as)
tem se tornado maior em relação aos não-beneficiados, devido, entre outros motivos,
aos novos benefícios criados pela Constituição de 1988.
Comparando homens beneficiários com não-beneficiários, notamos que os
primeiros: a) viviam menos na zona rural, até antes de 1996; b) apresentam uma
proporção maior de brancos; c) têm um menor nível educacional e um gap cres-
cente em relação aos não-beneficiários;18 d) tendem a ter mais uniões estáveis; e e)
como era esperado, apresentam uma concentração maior de idosos em seu grupo.
Os resultados para as mulheres são similares, com exceção do fato de as beneficiárias
terem menos uniões estáveis em seu grupo do que as não-beneficiárias.
A fim de averiguar inicialmente os aspectos distributivos do sistema
previdenciário brasileiro, calculamos os índices de desigualdade de Gini e Theil,
para a amostra filtrada. Adicionalmente, calculamos também esses índices atribuindo
zero de renda de benefícios para todos, o que pode ser interpretado como um
contrafactual amostral bruto, sem controlar para diversos fatores. Os resultados
estão na tabela III do apêndice. Notamos que, tanto para homens como para
mulheres, o índice de desigualdade aumenta quando não consideramos a renda de
benefícios como componente da renda de todas as fontes. Medindo a diferença
entre o factual e contrafactual, notamos que o último é maior que o primeiro na
magnitude de 4,38% para o Gini e 7,58% para o Theil em 1976. Essa diferença se
eleva bastante ao longo dos anos, corroborando o caráter fortemente distributivo
do sistema. A mesma análise se aplica às mulheres, sendo bem mais forte para elas,
que têm uma melhora em termos de igualdade de renda maior que a dos homens.
Para os Estados Unidos, evidências similares já tinham sido obtidas por Feldstein
(1976) e por estimativas iniciais de Coronado, Fullerton e Glass (2000) sem ajustar
para diversos fatores. Comparando os indicadores de desigualdade contrafactuais
entre homens e mulheres, notamos que os delas são relativamente maiores sempre.
Isso também mostra um aspecto de redistribuição progressiva intrageracional, visto
que as mulheres tendem a ter menor nível de renda comparativamente aos homens
e que sem a renda de benefícios elas apresentam maior nível de desigualdade.
Mas como mencionado, necessitamos controlar para vários atributos dos
agentes, a fim de isolar o real efeito de melhora do sistema previdenciário. Assim,
lançamos mão agora de uma análise contrafactual mais bem elaborada, através da
estimação de densidades por kernel, cuja metodologia é explanada na próxima seção.

18. Ou seja, a diferença entre a porcentagem dos não-beneficiários e beneficiários, que têm nove ou mais anos de estudo, passou de
6,10 pontos percentuais (p.p.) em 1976 para 19,39 p.p. em 2003. Quando consideramos os que têm cinco ou mais anos de estudo, esse
diferencial aumenta de 10,23 p.p. para 31,27 p.p. Para as mulheres, esse gap é maior ainda, chegando a 37,31 p.p. em 1996, para as que
têm cinco ou mais anos de estudo.

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358 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

4 METODOLOGIA
Apresentamos brevemente a metodologia deste artigo, oriunda de Dinardo, Fortin
e Lemieux (1996), daqui em diante DFL. Para a estimação das densidades factuais
e contrafactuais, utilizamos estimadores de densidade de kernel ponderados. Assim,
seja uma amostra aleatória de salários {Wi }i =1 , da qual se estima a densidade f,
n

cujo estimador é µ f h , ponderada pelos pesos amostrais {θi }i =1 , ∑


n
θi = 1 . Logo: i

µf = θi K  w − Wi 
n

h ∑
i =1 h

 h 

onde, h é a janela e K(.) é a função kernel. Segundo Silverman (1986), existem


poucas diferenças de eficiência (em termos da norma do erro quadrático médio
integrado) entre os diferentes kernels. Assim, utilizamos um kernel gaussiano,
como o utilizado por DFL. Em termos da escolha da janela, começamos com a
“regra prática” de Silverman, como chute inicial, e vimos que ela se apresentou
demasiadamente subsuavizada, com valor abaixo de 0,05 nos anos contemplados.
Assim, a partir desse valor inicial, nós o elevamos até obter 0,1, valor para o qual
se apresentaram estimativas com bom grau de suavização.19

4.1 Estimação das densidades contrafactuais


DFL generalizam o procedimento de decomposição de mudanças em médias de Oaxaca
(1973), que permite a análise de toda a distribuição. Assim, a estimação das nossas
densidades contrafactuais pretende responder a perguntas do tipo: “O que teria
acontecido com a distribuição salarial de 1996 se a proporção de beneficiários da
previdência tivesse permanecido constante ao nível de 1976, caeteris paribus?”.
Seja cada observação um vetor (w, z, t), onde w é a renda de todas fontes
(variável contínua), z são os atributos individuais (dummy para beneficiário da
previdência, dummies para anos de estudo, idade, raça, local de residência e dummies
para estados federativos onde o indivíduo mora) e uma data t, que representa os
anos de 1976, 1986, 1996 e 2003, dos quais extraímos as amostras das Pnads.
Mas o subvetor z é dividido em mais duas partes: z = (b, x), onde b é a dummy para
beneficiários e x são todos os outros fatores. Essa divisão se deve a que o foco do

19. A escolha da janela tem sido amplamente discutida na literatura não-paramétrica, com diversas regras automáticas sendo
implementadas, mas com pouco consenso entre elas (SILVERMAN, 1986). Vale ressaltar que janelas com valores muito baixos dão pouca
informação sobre a densidade estimada, podendo apresentar estimativas espúrias. Janelas com valores muito elevados podem acabar
suavizando excessivamente a densidade, não havendo portanto possibilidade de se distinguirem as informações obtidas por meio delas.
Assim, a escolha da janela é um ponto crucial na estimação das densidades e por isso adotamos um critério subjetivo, através da análise
visual que apresentasse um grau de suavização moderado.

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 359

nosso estudo está na proporção de beneficiários, que tem aumentado ao longo das
últimas décadas. Assim, seja F (w, b, x, t) a distribuição conjunta de salários,
atributos individuais e datas. Essa distribuição de salários e atributos para uma
data fixada seria a distribuição condicional F (w, b, x|t). A densidade de salários de
uma data fixada, ft (w), pode ser escrita como a integral da densidade de salários
condicionada aos atributos individuais e em uma data tw|b, x , f (w|b, x, tw|b, x), sobre
a distribuição de atributos individuais F (z|tz) na data tz:

f t (w ) = ∫
x∈Ω x ∫b∈Ωb
( )
dF w , b, x | tw , b , x = t

=∫ ∫ f ( w | b, x , t = t ) dF (b | x , t
w |b , x b| x )
= t dF ( x | t x = t )
x∈Ω x b∈Ωb

(
= f w ; tw|b , x = t, t = t, t = t )
b| x x

onde Ωx, Ωb são os domínios dos atributos individuais. A notação tw, b, x = t indica
que os valores dos salários, proporção de beneficiários e todos os outros atributos
são referentes ao período t. Assim, f (w|z, tw|b, x = 96, tb|x = 96, tx = 96) representa a
densidade real da renda de 1996. No caso de f (w|z, tw|b, x = 96, tb|x = 76, tx = 96),
representa a densidade contrafactual dos rendimentos pagos de 1996, caso somente a
estrutura previdenciária (variável b) tivesse permanecido igual à de 1976, enquanto
todos os valores de todos os outros atributos fossem do ano de 1996. Sob a hipótese
de que a densidade da renda da data a ser comparada (1996),20 f (w|b, x, tw|b, x = 96)
não dependa da distribuição de benefícios, dF (b|x, tb|x = 76), podemos escrever a
densidade contrafactual f (w|b, x, tw|b, x = 96, tb|x = 76, tx = 96), na qual somente a
proporção de beneficiários se mantém constante ao nível de 1976, mas nenhum
dos outros atributos, como:21

( ) (
f w ; tw|b , x = 96, tb|x = 76, t x = 96 = ∫ ∫ f w | b, x , tw|b , x = 96 )
( )
dF b | x , tb|x = 76 dF ( x | t x = 96 )

(
 f w | b, x , tw|b , x = 96 Ψ b|x (b, x ) 
∫∫ )
= 
 (
b| x x)
dF x / t = 96 dF ( x | t = 96 ) 

20. Utilizamos na explicação da metodologia sempre 1996, com os atributos mantidos ao nível de 1976, por simplicidade. Mas compa-
rações são feitas também na seção de resultados com os anos de 2003 e atributos ao nível de 1986.

21. Omitimos os domínios Ωx e Ωb por simplicidade.

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onde Ψ b|x (b, x ) é uma função reponderação definida como:

( )
Ψb|x (b, x ) ≡ dF b | x , tb|x = 76 / dF b | x , tb|x = 96 ( )
=b
(
Pr b =1| x , tb|x = 76 ) + (1 − b ) Pr (b = 0| x, t b| x = 76 ) (1)
Pr (b =1| x , t b| x = 96 ) Pr (b = 0| x , t b| x = 96 )

onde a última parte da equação (1) é obtida notando-se que b é uma dummy tal
que dF (b|x, tb|x) = bPr (b = 1|x, tb|x) + (1 – b) Pr(b = 0|x, tb|x). Note-se que esta
densidade contrafactual é idêntica à factual (1996) exceto pela função Ψb|x(b, x).
Assim, a estimação do contrafactual se resume simplesmente a estimar essa função
reponderação. Portanto, o estimador por kernel da densidade contrafactual se
resume a:

θi µ  w − Wi 
(
µf w ; t
w|b , x = 96, t b| x = 76, t x = 96 = ∑
i∈S96 h
)
Ψ b| x ( b , x ) K 
 h 
 (2)

A diferença entre a densidade real de 1996 e esta densidade hipotética repre-


senta o efeito das mudanças na distribuição de beneficiários, mantidos os outros
fatores constantes. Uma forma de estimar as funções reponderações da equação (1)
é estimando um modelo probit para cada ano separadamente,22 ou seja, estimar:

( )
Pr b = 1| x , tb|x = t = 1 − Φ ( −α′t G ( x ) )

22. Mais precisamente, estimamos esse modelo probit para as amostras dos anos de 1976 e 1996 separadas. Depois, imputamos a
( )
µ b = 1| x ,t = t , e expandimos para toda a amostra. Logo, quando utilizarmos os dados de 1996 tere-
probabilidade ajustada Pr u |x
(
µ b = 1| x ,t = 96 e Pr
mos Pr 96 b|x ) ( )
µ b = 1| x ,t = 76 , ou seja, a probabilidade de ser beneficiário condicionada nos atributos
96 b|x
de 1996 e benefícios de 1996 e condicionada nos atributos de 1996 e benefícios de 1976.

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 361

onde Φ(.) é a função distribuição normal e G(.) uma função dos outros atributos.
Agora, a distribuição contrafactual caso b e x tivesse permanecido no nível de 1976 é:

( ) (
f w ; tw|b , x = 96, tb|x = 76, t x = 76 = ∫ ∫ f w | b, x , t w|b , x = 96 )
( )
dF b | x , tb|x = 76 dF ( x | t x = 76 ) =

( )
 f w |b, x , tw|b , x = 96 Ψ b|x (b, x ) 
∫∫
= 
(
b| x )
 dF x | t = 96 Ψ ( x ) dF ( x | t = 96 ) 
 x x 

onde Ψb|x(b, x) foi definido em (1) e Ψx(x) = dF (x|tx = 76)/dF (x|tx = 96). Aplicando-
se a regra de Bayes, essa função pode ser escrita como:

Pr ( t x = 76| x ) Pr ( t x = 96 )
Ψx ( x ) = =
Pr ( t x = 96| x ) Pr ( t x = 76 )
Pr ( t x = 76 | x ) Pr ( t x = 96 )
=
(1 − Pr (t x = 76| x ) ) Pr ( t x = 76 )
(3)

Assim, a primeira fração pode ser estimada por um probit, como antes, mas
agora com a dummy da variável dependente sendo para os anos em questão. A
segunda fração pode ser obtida simplesmente pela razão da soma das observações
ponderadas (soma dos pesos) de 1996 dividido pela soma de 1976. Assim, obtemos
o estimador Ψµ x ( x ) e conseqüentemente obtemos a estimativa da densidade por
kernel através de:

θi µ
(
µf w; t
w |b , x = 96, tb| x = 76, t x = 76 = ∑ )
i∈S96 h
Ψ b| z ( b , x )

µ x ( x ) K  w − Wi 
Ψ  
 h 

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362 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

ou seja, basta multiplicar os pesos amostrais e as estimativas das duas funções de


reponderação definidas em (1) e (2) para a obtenção dos novos pesos a serem
incluídos na estimação da densidade contrafactual. A seguir, a seção de resultados.

5 RESULTADOS
Nesta seção apresentamos inicialmente as estimativas das densidades factuais e
contrafactuais de kernel. Depois apresentamos uma gama de medidas de dispersão e
desigualdade entre as diferentes densidades.
Em todas as estimativas não-paramétricas, o suporte das densidades estimadas
é o logaritmo da renda de todas as fontes, o qual definimos para o intervalo [0.01,
14] com passo de 0,01, abrangendo assim toda a massa salarial.
Os painéis I e II do apêndice estão organizados da seguinte forma: primeira-
mente por anos de comparação, como, por exemplo, 1996-1976; depois, cada par
de anos apresenta um grupo (1, 2 e 3) de três gráficos (A, B e C), dos quais, nos
gráficos A são apresentadas as densidades reais para homens de 1976 (fr76h) e
1996 (fr96h), e nos gráficos B e C as densidades contrafactuais, onde as caracte-
rísticas – benefícios apenas nos gráficos B e depois também outros atributos nos
gráficos C – do ano mais recente são mantidas fixas ao nível do ano mais antigo.
Assim, a notação fr96b76h refere-se à densidade de rendimentos de 1996 (fr96)
mantidos fixos os benefícios de 1976 (b76) para homens (h). A notação fr96bx76h
é semelhante à anterior, mas mantendo-se fixos os benefícios e os outros atributos.
O mesmo padrão é adotado para os outros gráficos.
Assim, nota-se pelo painel I que o rendimento real dos homens para o ano
de 1976 é maior do que em 1996. O ponto de concentração no ano de 1996
refere-se ao salário mínimo, que é mais binding do que em 1976. Quando mantemos
a proporção de beneficiários de 1996 ao nível menor de 1976, notamos nos gráficos B
que a distribuição salarial se eleva na cauda inferior e no meio da distribuição e se
reduz na cauda superior. Assim, a priori, em um “teste de olho” a densidade melhorou
em termos de desigualdade. Esse deslocamento, a priori, indica que o sistema
previdenciário apresenta características distributivas, mas regressivas. Quando man-
temos fixos os benefícios e outros atributos, observamos o mesmo comportamento
anterior. Da mesma forma, a comparação dos anos 2003-1976 segue o mesmo
padrão. No entanto, na comparação de 1996 e 2003 com 1986 notamos compor-
tamento diferente quando mantemos fixa apenas a taxa de beneficiários: a distri-
buição salarial se reduz na parte inferior e intermediária e se eleva na parte superior,
principalmente na comparação envolvendo o ano de 2003. Alterando-se também
os outros fatores, segue-se o mesmo padrão da comparação com o ano de 1976.

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 363

No painel II para as mulheres, notamos que as distribuições seguem um


comportamento um pouco diferente, sendo que a manutenção da proporção de
beneficiários ao nível de 1986 reduz os rendimentos de toda a distribuição de
1996 (fr96b76m) e 2003 (fr2003b76m), com exceção dos que recebem em torno
do salário mínimo, e quando se alteram todos os fatores o comportamento é se-
melhante ao observado para os homens, ou seja, elevam-se os rendimentos da
cauda inferior e do meio da distribuição, e reduzem-se os da cauda superior.

5.1 Decomposição das densidades


A fim de analisar as diferenças entre as densidades, efetuamos a seguinte decom-
posição seqüencial:

 (
f 96 ( w ) − f 76 ( w ) =  f 96 ( w ) − f w; tw = 96, tb|x = 76, t x = 96 
 ) (I)

(
 f w; tw = 96, tb|x = 76, t x = 96 −  )
+ 
 (
 f w; tw = 96, t = 76, t x = 96 
b| x  ) (II)

( )
+  f w; tw = 96, tb|x = 76, t x = 96 − f 76 ( w )  (III)
 

O termo (I) refere-se ao efeito dos beneficiários, (II) ao efeito dos outros
atributos e (III) ao efeito de fatores residuais.
Apresentamos a seguir a diferença entre as densidades estimadas a fim de analisar
mais claramente a contribuição de cada fator. Assim, exclui-se o efeito de cada
fator, nos painéis III e IV do apêndice, do seguinte modo: a) são plotadas as
diferenças entre as distribuições reais (denotada pela linha “real”); b) depois são
plotadas as diferenças da decomposição seqüencial, mas removendo-se o efeito dos
benefícios (I), ou seja, os efeitos dos outros atributos (II) mais o residual (III)
(denotada pela linha “benefício”); e por fim c) é plotado somente o efeito residual
(III) removendo-se os dois primeiros efeitos (denotada pela linha “benefícios e
outros fatores”).
Os painéis III para os homens e IV para as mulheres apenas corroboram a
evidência mostrada na seção anterior. Assim, por exemplo, no gráfico III.1A para
os homens, observa-se um ganho de rendimentos do efeito de “benefícios” em
relação à diferença das distribuições reais na parte inferior e mediana da distribuição,

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364 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

e uma perda na parte superior. O que se observa de informação adicional a partir


desses gráficos é que o efeito dos benefícios é relativamente maior, comparativa-
mente aos demais atributos, para boa parte dos casos.
Para obter as densidades do nível da renda realizamos o seguinte procedi-
mento simples: seja a variável nível da renda denotada como v = exp (w), tal que
sua função distribuição seja:

Fv ( v ) = Pr ( v ≤ v ) = Pr ( exp ( w ) ≤ v ) = Pr ( w ≤ ln ( v ) ) = Fw ( ln ( v ) )

Derivando, obtemos a função densidade:

f w ( ln ( v ) ) fw (ϖ)
f v (v ) = =
v exp ( ϖ )

ou seja, basta tomar a densidade já estimada no logaritmo da renda e dividir pelo


exponencial do domínio.
A tabela IV do apêndice apresenta as medidas de diferencial entre os percentis
e os índices de desigualdade para as diversas densidades estimadas. Notamos que
o diferencial entre os percentis é maior para o ano de 1986 para toda a diferença.
Comparando-se, por exemplo, 1996 com o seu contrafactual de benefícios (96b76,
referente à densidade fr96b76h para homens e fr96b76m para mulheres), o dife-
rencial salarial entre todos os percentis se reduziu. O mesmo ocorre quando se
alteram todos os outros atributos (coluna 96bx76 referente à densidade fr96bx76h
e fr96bx76m para homens e mulheres, respectivamente). O mesmo padrão se
observa comparando-se 2003 com o contrafactual 03b76. Comparando-se com o
contrafactual de 1986, o padrão se altera.
Os índices de desigualdade de Gini e Theil corroboram o aspecto redistributivo
do sistema previdenciário brasileiro. Note-se primeiramente que Gini e Theil caem
de 1976 para 1986, aumentam na década seguinte e então apresentam o menor
nível em 2003. Note-se que quando mantemos fixa a proporção de beneficiários
no nível de 1976 (1986), a desigualdade aumenta para as mulheres em todos os
casos. Por exemplo, na comparação entre 1996 e 96b76 para as mulheres, o Gini
aumenta de 0,7567 para 0,7696. Isso indica a característica distributiva do sistema,
ou seja, quando mantemos fixa a proporção de beneficiários a um nível menor, a

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 365

desigualdade aumenta. Assim, para as mulheres, o aumento da proporção de


beneficiários ao longo das décadas chegou a reduzir o Gini em mais de 2% e o Theil
em quase 7% (comparando-se 96b86 com 1996). No entanto, quando comparamos
os homens com as densidades 1996/96b76 e 2003/03b76, notamos que a desi-
gualdade, respectivamente, diminui e se mantém praticamente estável. Em termos
percentuais, o Gini aumenta 1,4% e menos de 0,1%, devido ao aumento propor-
cional dos beneficiários de 1976 para 1996 e 2003, respectivamente. Na compa-
ração com os pares 1996/96b86 e 2003/03b86, a desigualdade aumenta muito
pouco. Em termos percentuais, o Gini chega a reduzir-se em no máximo 0,8%.
Na comparação entre homens e mulheres, que nos fornece alguma informação
sobre a redistribuição intrageracional, notamos que não existe evidência significa-
tiva de que a desigualdade do contrafactual (mantendo-se fixa apenas a por-
centagem de beneficiários) seja maior para as mulheres ou para os homens relati-
vamente. Em alguns casos o Gini é menor para as mulheres e o Theil é maior (por
exemplo, comparando-se 03b76 dos homens com o das mulheres). Assim, para a
amostra toda (18 anos ou mais) existem poucos efeitos redistributivos do sistema
intrageracionalmente.
A seguir, analisamos o quanto cada fator explica a variação total das medidas
estimadas. Seja o diferencial entre os percentis 90 e 10 da densidade 1996 definido
1996
como: D90 −10 , assim como, sejam análogas as definições para as outras diferenças
e densidades. A variação deste diferencial de 1976 para 1996 pode ser decom-
posta como: (D 1996
90 −10 − D90 −10 ) = ( D90 −10 − D90 −10 ) + ( D90 −10 − D90 −10
1976 1996 96 b 76 96b 76 96 b & x 76
)+
+ ( D9096−b10& x 76 − D
1976
90 −10 ) . Logo, a razão do primeiro termo em relação ao total indi-
ca quanto o efeito dos benefícios explica. A razão do segundo termo pelo total é o
quanto explica todos outros fatores em relação ao total, e o último termo refere-se
à mudança residual. Para os índices de Gini e Theil a decomposição é similar.
Além de calcular essas medidas, calculamos também a distância de Kullback-Leibler,
uma métrica utilizada para se medir a diferença entre densidades. Assim, a distân-
cia entre as densidades 1996 e 1976 pode ser definida através dessa métrica como:

∞ f (w )
J 7696 ( w ) = ∫  f 96 ( w ) − f 76 ( w )  ln 96 dw
0 f 76 ( w )

Substituindo o termo [f96(w) – f76(w)] pela decomposição seqüencial (I +II + III),


explicada no início desta subseção, obtemos o efeito de cada fator explicando a
distância total de Kullback.

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366 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

A tabela V do apêndice apresenta essas medidas para homens e mulheres e é


a mais importante, pois resume todas as estimações realizadas. Das medidas de
dispersão dos percentis, notamos que a variação total foi negativa sempre, ou seja,
os rendimentos se tornaram mais próximos para os pontos analisados. O que
notamos é que, em termos reais, os rendimentos decaíram de 1976 (1986) para
1996 (2003) ao longo de toda a distribuição. Além dessa redução, observou-se
maior proximidade entre os diferentes percentis. Em relação ao efeito dos benefícios,
notamos que este contribuiu positivamente na maioria das diferenças, ou seja, o
diferencial de rendimentos entre os quantis reduziu-se ao manter-se fixa a proporção
de beneficiários de 1976. Quando mantemos fixo o nível de 1986, em alguns
casos o efeito é negativo, ou seja, o diferencial se eleva. Assim, o aumento da
proporção desse fator de 1976 para os anos mais recentes ajuda a aumentar o
diferencial de renda entre os quantis analisados.
Em relação à distância de Kullback, notamos para homens e mulheres que a
estrutura previdenciária tende a explicar mais, em termos absolutos, a divergência
entre as densidades de 1976 e 1996-2003 do que todos os outros atributos con-
juntamente, e de forma negativa.
As medidas de maior destaque dessa tabela são o Gini e o Theil. Aqui é
importante dividir a análise para homens e mulheres. Em relação aos homens,
observa-se, na comparação 1996-1976, que o efeito dos benefícios tende a reduzir
o Gini (0,0106) e o Theil (0,0392), ou seja, ao manter-se a estrutura previdenciária
de 1976 na distribuição de rendimentos de 1996, esta tende a melhorar. Esse fato
vai contra uma parte da literatura, segundo a qual a previdência social tende a
reduzir a desigualdade, pois serve como um seguro social. Para os anos 2003-
1976 a contribuição é praticamente nula. No entanto, comparando-se 1996 (2003)
com 1986, observa-se que a proporção de beneficiários do ano-base piora um
pouco a desigualdade, ou seja, a previdência contribui com uma parcela
negligenciável para a melhora da distribuição de renda. No entanto, em termos
absolutos, o fator benefícios chega a explicar para os homens mais de 60%. Os
outros atributos ajudam a explicar uma porcentagem significativa, mas geralmente
de magnitude menor do que o fator benefícios, chegando a mais de 35%; e sempre
no sentido da variação total, ou seja, quando a desigualdade melhora, esses outros
fatores estão contribuindo para sua redução. Mas deve-se ressaltar que boa parte
dessa variação é devida a fatores não explicados (mudança residual) chegando a
mais de 150%.
Para as mulheres o fator benefícios contribui sempre no sentido de melhorar
a distribuição de rendimentos, chegando a explicar mais de 700% em termos

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 367

absolutos nos primeiros pares de anos. Mas, via de regra, se limita ao intervalo
entre 20% e 40%. Os outros atributos seguem o mesmo padrão observado no
caso dos homens, na mesma direção da variação total, na maioria dos casos. Esses
fatores chegam a explicar mais de 70% no primeiro par de anos, mas nos outros
pares não passa de 20%, em termos absolutos. O efeito residual, com exceção de
1996-1976, chega a quase 150%.
Assim, as estimativas das densidades contrafactuais obtidas até aqui corro-
boram a idéia de que o sistema previdenciário brasileiro apresenta um caráter
distributivo da distribuição de renda dos agentes ao longo das últimas décadas,
sendo mais regressivo para os homens e mais progressivo para as mulheres.

5.1.1 Decomposição seqüencial reversa


Até aqui, avaliamos o efeito dos benefícios seguido pelo efeito dos outros atributos.
No entanto, os resultados podem se alterar no caso de realizarmos a ordem reversa
dos efeitos. Para efetuar essa inversão, seguimos o procedimento da seção anterior,
mas em ordem reversa, segundo DFL. Assim:

Pr ( tb = 76 | b ) Pr (tb = 96 )
Ψb (b ) =
Pr ( tb = 96 | b ) Pr ( tb = 76 )

Para calcularmos Ψx|b(b, x), nota-se que, pela regra de Bayes, podemos escrever:

Ψ (b, x ) = Ψb|x (b, x ) Ψ x ( x ) = Ψ x|b (b, x ) Ψb (b, x ) (4)

Então, teremos:

µ
µ b| x ( b , x ) Ψ x ( x )
µ x|b (b, x ) = Ψ
Ψ
µ b ( b, x )
Ψ

Como os produtos em (4) são iguais, as densidades contrafactuais, ao se


manterem a proporção de beneficiários e os outros atributos ao nível do ano-base,
são invariantes à ordem de decomposição e assim o impacto residual também não
se altera.

Cap10.pmd 367 23/3/2007, 16:15


368 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

As tabelas VI e VII do apêndice mostram os resultados da decomposição


reversa. Analisando primeiramente os outros atributos, verificamos que eles atuam
na melhora da distribuição de renda, pois, ao mantermos fixos esses fatores ao nível
do ano-base, a desigualdade aumenta tanto para homens quanto para mulheres. O
Gini chega a reduzir-se em mais de 4% e o Theil em mais de 11% para homens e
mulheres, quando comparamos 03x76 com 2003 e 96x76 com 1996, respectiva-
mente. Quando mantemos fixa também a proporção de beneficiários, o efeito ocor-
re na direção contrária, de redução da desigualdade da densidade contrafactual. O
aparente paradoxo em relação à decomposição anterior, no caso das mulheres, pode
ser facilmente explicado. Ao mantermos primeiramente os outros atributos ao nível
do ano-base, este efeito acaba anulando e até invertendo o impacto potencial da taxa
de beneficiários sobre a melhora da distribuição da renda. No caso dos homens, essa
é uma evidência adicional da regressividade do sistema para este grupo. Dada a
mudança nos outros atributos, o efeito benefícios chega a aumentar o Gini em
torno de 1% (3%) e o Theil em mais de 4% (11%) para os homens (mulheres).
Mas o efeito total, mantendo fixos os outros atributos e benefícios, é de
aumento da desigualdade. Por exemplo, comparando-se a densidade real de 2003
com a contrafactual 03x&b76,23 o Gini (Theil) aumentou de 0,7456 (1,0861)
para 0,7733 (1,1974). Isso implica que o efeito de todas as variáveis conjunta-
mente é de melhora da desigualdade de renda, impactando negativamente a estru-
tura previdenciária. Em termos percentuais, o coeficiente de Gini se reduz em até
3,6% (2,1%) e o Theil em até 9,3% (5,5%) para os homens (mulheres). Portanto,
melhoras e mudanças nos atributos individuais, como educação, situação matri-
monial, idade, raça, horas trabalhadas, e nas variáveis geográficas, como local e
estado de residência ao longo das décadas, impactaram progressivamente a distri-
buição de rendimentos.
Podemos concluir até aqui que os resultados são robustos para os homens no
sentido de a previdência ser regressiva, enquanto para as mulheres não podemos
afirmar que o sistema seja progressivo.
Na análise intrageracional o efeito é ambíguo. Por isso, segue-se uma análise por
faixas etárias que nos fornecerá evidências mais conclusivas por coortes diferentes.

5.1.2 Análise entre coortes (faixas etárias) diferentes


Para analisar o aspecto redistributivo intergeracional (entre gerações distintas),
foram reestimadas as densidades factuais e contrafactuais por faixas etárias. As

23. Note-se que, como o produto cruzado em (4) é igual, a mesma comparação poderia ter sido feita visualizando-se a tabela 4 do
apêndice, que altera primeiro a proporção de beneficiários e depois os outros atributos.

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 369

tabelas VIII e IX do apêndice apresentam esses resultados. Notamos que, entre os


homens, houve uma visível melhora na desigualdade para as coortes extremas, ou
seja, para 18-29 anos e 56 anos ou mais, o Gini reduziu-se, como, por exemplo,
do factual 2003 (0,7528 [18-29] e 0,8063 [56+]) para o contrafactual 2003b76
(0,7863 [18-29] e 0,8844 [56+]), uma redução de 6% e 2,4%, respectivamente.
Para os intermediários houve uma piora ou uma melhora muito pequena. Assim, a
geração de homens mais velhos atual teve uma melhora em termos de desigualdade
em relação à geração de idosos da década de 1970 e 1980. Entre as mulheres,
houve uma melhora em todas as faixas etárias, com exceção da mais jovem de
1976-1986 para 1996. Analisando a redistribuição intrageracional, notamos que,
no caso exclusivo de benefícios, tanto o Gini como o Theil contrafactual são
menores para as mulheres relativamente aos homens. Isso implica que a previdên-
cia tem caráter regressivo para as coortes mais jovens (18-29 anos). O efeito é
ambíguo nas faixas intermediárias. E para as coortes mais velhas, notamos que o
sistema é progressivo, ou seja, o aumento da proporção de beneficiários privilegiou as
mulheres, em termos de realocação de renda.
Para suportar essa evidência, realizamos também a análise para a decomposição
seqüencial reversa por faixas etárias. Os resultados seguem nas tabelas X e XI do
apêndice. No caso dos homens, para todas as coortes, a evidência aponta para
alterações praticamente negligenciáveis do efeito da proporção de beneficiários,
dada a mudança nos outros atributos, com exceção dos mais velhos, em que sua
distribuição contrafactual melhorou para os coeficientes de Gini e de Theil. Para
as mulheres, notamos também que o efeito dos outros atributos tende a anular ou
até reverter o efeito da previdência.
Por fim, na análise intrageracional, a evidência da decomposição reversa é
conclusiva para as coortes extremas. Ou seja, o sistema previdenciário atual tende
a ser regressivo para os mais jovens e progressivo para os mais velhos, e ainda é
ambíguo para os intermediários. Isto se deve, como já mencionado, ao fato de as
mulheres terem, em média, um nível menor de renda de todas as fontes e em todas
as faixas etárias. Esse resultado demonstra a fase de transição demográfica que
vem ocorrendo no sistema de repartição brasileiro, onde os mais jovens recebem
proporcionalmente menos do que os mais velhos.

5.1.3 Resumo das evidências


Para facilitar o entendimento de todos esses resultados, a tabela XII do apêndice
resume as evidências encontradas, baseadas nos índices de Gini e de Theil. Para os
homens, considerando-se toda a amostra, podemos concluir que o sistema é re-
gressivo. Por faixas etárias, o sistema apresenta alguma evidência intergeracional

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370 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

de progressividade para a coorte mais jovem, regressividade para os intermediários e


se mostra inconclusivo para a coorte mais velha. Justamente este último grupo
apresenta a maior proporção de beneficiários. Assim, o sistema tem se apresentado
altamente regressivo para os homens.
Para as mulheres, a evidência é em geral inconclusiva, mas, dada a evidência
da decomposição reversa, o sistema tende a ser também regressivo. Somente para
as mulheres de meia-idade (30-42 anos) existe alguma evidência de progressividade
intergeracional.

5.1.4 Comentários
Os possíveis motivos que tornam a previdência brasileira regressiva já foram apon-
tados por Ferreira et al. (2006) e outros estudos internacionais: aposentadoria
precoce, expectativa de vida maior e maiores salários no fim do ciclo de trabalho
dos beneficiários de maior nível de renda (salários que por muito tempo foram a
base de cálculo de aposentadorias e pensões). Além desses, outro possível motivo,
já apontado por Gokhale e Kotlikoff (2002a; 2002b) e Gokhale et al. (2001) e
indicado também na introdução deste livro é o teto máximo para as contribuições.
Segundo Afonso e Fernandes (2005), esse teto era de 20 vezes o salário mínimo
regional até 1984, e, após a unificação, 20 vezes o salário mínimo federal. A partir
de 1989 o teto reduziu-se para dez vezes o salário mínimo federal. Assim, indivíduos
com maior nível de renda acabam pagando proporcionalmente menos, e depois
de 1989, um conjunto maior de indivíduos de renda mais elevada passou a pagar
menos ainda. Esse aspecto contribui significativamente se não para tornar o sistema
regressivo, ao menos para atenuar consideravelmente sua progressividade. Portanto,
a redistribuição de renda causada pela previdência brasileira não apenas está rela-
cionada à renda, como também ocorre em razão dos fatores mencionados.
Ressaltamos que este capítulo testa e rejeita a hipótese de progressividade
para os homens e não a aceita para as mulheres. Pesquisa futura ainda é necessária
para se verificar quais das causas citadas são predominantes para se explicar a
regressividade (não-progressividade) da previdência para os homens (mulheres).

6 CONCLUSÃO
O presente estudo concluiu que o sistema previdenciário brasileiro atualmente
apresenta uma característica redistributiva no sentido regressivo, de modo tal que
os que contribuem menos tendem a receber proporcionalmente menos benefícios.
Esse aspecto é vislumbrado, principalmente, pelos indicadores de desigualdade
(Gini e Theil): pela variação total desses índices para os homens com mais de 18

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TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 371

anos, a estrutura previdenciária chega a explicar mais de 60% da regressividade do


sistema. Para as mulheres, não podemos afirmar que o sistema seja progressivo.
Assim, apesar de os sistemas de repartição, como o brasileiro, contribuírem
para a redução da pobreza, necessita-se de uma crescente reforma, em parte reali-
zada em 2003, para que se possa equacionar a insolvência a que o sistema está
destinado. Além desse fator, a previdência tende a ser ineficiente, e outra evidência
apontada neste capítulo é que o sistema brasileiro não compensa nem pela geração
de maior eqüidade. Assim, frente a esses fatos, o atual sistema de repartição apre-
senta um custo altíssimo para a economia brasileira.

REFERÊNCIAS
AFONSO, L. E.; FERNANDES, R. Uma estimativa dos aspectos distributivos da previdência
social no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 59, n. 3, p. 295-334, jul./set.
2005.
BARROS, R. P. de.; CARVALHO, M.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. A importância da queda
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Cap10.pmd 371 23/3/2007, 15:49


372 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

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SILVERMAN, B. Density estimation for statistics and data analysis. London: Chapman & Hall,
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APÊNDICE

TABELA I
a
Características dos benefícios da previdência social – 1976 a 2003

Homens Mulheres
Estatísticas
1976 1986 1996 2003 1976 1986 1996 2003

Número de beneficiários (milhões)1

Aposentadoria - 4,60 6,34 8,05 - 2,87 4,77 6,03

Pensão - 0,11 0,41 0,62 - 2,15 4,52 6,47

Total 2,60 4,74 6,75 8,66 2,19 5,03 9,30 12,50

% de cada tipo de benefício2

Aposentadoria - 97,02 93,82 92,85 - 56,96 51,35 48,21

Pensão - 2,22 6,14 7,13 - 42,81 48,63 51,79

% de beneficiários dentro de cada faixa etária

18-29 anos 0,49 0,52 1,16 1,54 1,6 2,2 4,6 6,7

30-42 2,65 2,28 2,15 2,47 8,63 7,87 11,30 10,70

43-55 9,27 13,55 15,19 14,10 25,20 29,73 32,71 26,75

56 e + 47,65 61,84 71,05 72,97 71,01 81,91 89,31 87,00


a
Em 1976, não existia distinção no questionário entre benefícios de aposentadoria e pensão. Além disso, o percentual de abono foi omitido,
não ultrapassando a 0,8% do total. 1 = número de benefíciários; e 2 = porcentagem de cada tipo de benefício em relação ao total.

Cap10.pmd 372 23/3/2007, 16:15


Cap10.pmd
TABELA II
Características dos beneficiários, não-beneficiários e do total – 1976-2003
Homens
Estatísticas Beneficiários Não-beneficiários Total
1976 1986 1996 2003 1976 1986 1996 2003 1976 1986 1996 2003
Porcentagens
1
Local
Rural 23,83 20,05 19,39 16,56 33,81 26,06 19,58 15,58 32,80 25,24 19,54 15,76

373
2
Cor
Branca 64,13 63,79 63,57 59,54 58,29 57,49 56,32 52,61 58,89 58,35 57,58 53,89
3
Educação
< 1 ano 37,18 35,97 32,76 29,16 24,80 18,33 14,35 10,44 26,05 20,75 17,55 13,88
1-4 anos 42,91 40,19 38,75 37,21 45,06 39,31 31,30 24,67 44,84 39,43 32,59 26,97
5-8 13,41 13,70 13,83 15,06 17,54 21,90 27,42 26,95 17,12 20,77 25,06 24,76
9-11 3,51 5,32 7,76 10,78 7,40 12,97 18,14 27,22 7,01 11,92 16,34 24,20
12 e + 2,99 4,82 6,91 7,78 5,20 7,49 8,79 10,72 4,98 7,13 8,46 10,18
4
Casados
Sim 79,60 78,09 78,32 75,19 69,25 66,33 67,03 64,77 70,30 67,95 68,99 66,68
5
Faixas etárias
18-29 1,72 1,31 1,96 2,41 39,53 39,81 35,03 34,59 35,70 34,53 29,28 28,67
30-42 7,59 4,95 3,90 4,04 31,40 33,76 37,42 35,90 28,99 29,80 31,59 30,04
43-55 18,20 18,81 17,88 16,84 20,09 19,09 21,01 23,11 19,90 19,05 20,47 21,96
56 e + 72,50 74,92 76,26 76,72 8,98 7,35 6,54 6,40 15,41 16,62 18,66 19,33
Médias
6

23/3/2007, 15:49
Horas de trabalho 9,67 12,43 15,82 14,30 49,29 48,34 47,32 46,00 45,27 43,42 41,84 40,17
7
Rendimento da previdência 1.087 1.140 726 756 - - - - - - - -
8
Renda das fontes 1.601 1.875 1.197 1.106 1.871 2.155 1.112 861 1.844 2.117 1.127 906
9
SEMIPARAMÉTRICA
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM

N 9.448 9.619 13.783 17.664 83.544 62.613 68.271 83.685 92.992 72.232 82.054 101.349
(continua)
373
Cap10.pmd
(continuação)
374
Mulheres
Estatísticas Beneficiárias Não-beneficiárias Total
1976 1986 1996 2003 1976 1986 1996 2003 1976 1986 1996 2003
Porcentagens
1
Local
Rural 17,58 18,06 17,64 14,71 18,79 13,99 10,82 10,28 18,54 15,03 13,09 11,69
2
Cor

374
Branca 62,27 62,20 61,94 58,99 57,88 59,67 58,78 54,60 58,74 60,31 59,83 56,00
3
Educação
< 1 ano 43,75 44,13 37,08 30,49 21,24 13,78 8,84 7,52 25,79 21,51 18,26 14,83
1-4 anos 34,73 34,53 33,73 32,90 35,83 31,69 24,65 20,63 35,61 32,41 27,68 24,53
5-8 14,10 11,98 13,54 15,02 19,92 21,79 25,52 22,78 18,74 19,29 21,52 20,31
9-11 5,72 6,46 9,40 13,22 14,55 20,75 25,79 31,78 12,77 17,12 20,32 25,87
12 e + 1,70 2,90 6,25 8,38 8,45 11,99 15,20 17,29 7,09 9,68 12,22 14,45
4
Casadas
Sim 15,13 20,38 31,30 31,64 36,61 47,46 52,75 56,45 32,26 40,57 45,60 48,55
5
Faixas etárias
RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

18-29 3,12 2,96 3,66 5,31 49,74 44,11 37,82 34,59 40,31 33,63 26,42 25,27
30-42 10,53 8,68 9,99 9,74 28,25 34,69 39,27 37,98 24,66 28,07 29,50 28,99
43-55 20,14 19,87 18,30 17,79 15,16 16,04 18,84 22,75 16,17 17,01 18,66 21,17
56 e + 66,21 68,49 68,04 67,16 6,85 5,16 4,08 4,69 18,86 21,28 25,41 24,57
Médias
6
Horas de trabalho 5,39 6,15 8,85 8,72 39,40 38,27 38,41 35,29 32,52 30,10 28,55 26,83
7

23/3/2007, 15:49
Rendimento da previdência 649 606 476 530 - - - - - - - -
8
Renda das fontes 855 839 650 675 926 1.177 726 558 912 1.091 701 595
9
N 8.257 10.541 19.654 26.305 33.355 32.211 40.908 58.989 41.612 42.752 60.562 85.294
Nota: 1 = local de residência; 2 = raça; 3 = faixas de anos de estudo; 4 = casadas; 5 = % dos beneficiários por faixa etária; 6 = horas de trabalho em todas as ocupações; 7 = rendimento da previdência; 8 = rendimento de
todas as fontes; e 9 = número de observações.
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 375

TABELA III
Índices de desigualdade factuais e contrafactuais amostrais e diferença contrafactual-
factual

Homens Mulheres

Ano Factual Contrafactual Factual Contrafactual

Gini Theil Gini Theil Gini Theil Gini Theil

1976 0,5937 0,7994 0,6197 0,8600 0,5744 0,7626 0,6436 0,9375

1986 0,5792 0,7117 0,6103 0,7921 0,5723 0,7403 0,6526 0,9608

1996 0,5793 0,6779 0,6211 0,7842 0,5654 0,6603 0,6765 0,9459

2003 0,5535 0,6345 0,6094 0,7708 0,5384 0,5916 0,6632 0,8941

Diferença contrafactual-factual (%)

Homens Mulheres
Ano
Gini Theil Gini Theil

1976 4,38 7,58 12,04 22,95

1986 5,38 11,29 14,02 29,78

1996 7,22 15,68 19,66 43,24

2003 10,11 21,48 23,18 51,13

Cap10.pmd 375 23/3/2007, 15:49


376 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

PAINEL I.1
Densidades factuais e contrafactuais dos homens –1996-1976

A. Densidades reais
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr96h Fr76h

B. Benefícios
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,03 1,03 2,03 3,03 4,03 5,03 6,03 7,03 8,03 9,03 10,03 11,03 12,03 13,03

Fr96b76h Fr96h

C. Benefícios e outros atributos


0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,03 1,03 2,03 3,03 4,03 5,03 6,03 7,03 8,03 9,03 10,03 11,03 12,03 13,03

Fr96b76h Fr96bx76h

Cap10.pmd 376 23/3/2007, 15:49


TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 377

PAINEL I.2
Densidades factuais e contrafactuais dos homens –2003-1976

A. Densidades reais
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003h Fr76h

B. Benefícios
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003b76h Fr2003h

C. Benefícios e outros atributos


0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003bx76h Fr2003b76h

Cap10.pmd 377 23/3/2007, 15:49


378 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

PAINEL I.3
Densidades factuais e contrafactuais dos homens –1996-1986

A. Densidades reais
0,60

0,50

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr96h Fr86h

B. Benefícios
0,60

0,50

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr96b86h Fr96h

C. Benefícios e outros atributos


0,60

0,50

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr96bx86h Fr96bx86h

Cap10.pmd 378 23/3/2007, 15:49


TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 379

PAINEL I.4
Densidades factuais e contrafactuais dos homens –2003-1986

A. Densidades reais
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003h Fr86h

B. Benefícios
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003b86h Fr2003h

C. Benefícios e outros atributos


0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003b86h Fr2003bx86h

Cap10.pmd 379 23/3/2007, 15:49


380 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

PAINEL II.1
Densidades factuais e contrafactuais das mulheres – 1996-1976

A. Densidades reais
1,20

1,00

0,80

0,60

0,40

0,20

0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr76m Fr96m

B. Benefícios

1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
0,03 1,03 2,03 3,03 4,03 5,03 6,03 7,03 8,03 9,03 10,03 11,03 12,03 13,03

Fr96m Fr96b76m

C. Benefícios e outros atributos

1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
0,03 1,03 2,03 3,03 4,03 5,03 6,03 7,03 8,03 9,03 10,03 11,03 12,03 13,03

Fr96b76m Fr96bx76m

Cap10.pmd 380 23/3/2007, 15:49


TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 381

PAINEL II.2
Densidades factuais e contrafactuais das mulheres – 2003-1976

A. Densidades reais
1,20

1,00

0,80

0,60

0,40

0,20

0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr76m Fr2003m

B. Benefícios

1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003b76m Fr2003m

C. Benefícios e outros tributos

1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003b76m Fr2003bx76m

Cap10.pmd 381 23/3/2007, 15:49


382 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

PAINEL II.3
Densidades factuais e contrafactuais das mulheres –1996-1986

A. Densidades reais
1,40
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr86m Fr96m

B. Benefícios
1,40
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr96m Fr96b86m

C. Benefícios e outros tributos


1,40
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr96b86m Fr96bx86m

Cap10.pmd 382 23/3/2007, 15:49


TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 383

PAINEL II.4
Densidades factuais e contrafactuais das mulheres – 2003-1986

A. Densidades reais
1,30
1,10
0,90
0,70
0,50
0,30
0,10
–0,10
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr86m Fr2003m

B. Benefícios
1,30
1,10
0,90
0,70
0,50
0,30
0,10
–0,10 0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003b86m Fr2003m

C. Benefícios e outros tributos


1,30
1,10
0,90
0,70
0,50
0,30
0,10
–0,10
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Fr2003b86m Fr2003bx86m

Cap10.pmd 383 23/3/2007, 15:49


384 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

PAINEL III.1
Diferenças entre densidades dos homens – 1996-1976

A. Real x benefícios
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Real Benefício

B. Benefícios x benefícios e outros atributos


0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Benefício Benefícios e outros atributos

PAINEL III.2
Diferenças entre densidades dos homens – 2003-1976
A. Real x benefícios
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Real Benefício

B. Benefícios x benefícios e outros atributos


0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01

Benefício Benefício e outros atributos

Cap10.pmd 384 23/3/2007, 15:49


TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 385

PAINEL III.3
Diferenças entre densidades dos homens – 1996-1986

A. Real x benefícios
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Real Benefício

B. Benefícios x benefícios e outros atributos


0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Benefício Benefício e outros atributos

PAINEL III.4
Diferenças entre densidades dos homens – 2003-1986
A. Real x benefícios
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Real Benefício

B. Benefícios x benefícios e outros atributos


0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Benefício Benefício e outros atributos

Cap10.pmd 385 23/3/2007, 15:49


386 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

PAINEL IV.1
Diferenças entre densidades das mulheres – 1996-1976

A. Real x benefícios
1,10
1,90
0,70
0,50
0,30
0,10
–0,10
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Real Benefício

B. Benefícios x benefícios e outros atributos


1,10
1,90
0,70
0,50
0,30
0,10
–0,10
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Benefício Benefícios e outros atributos
PAINEL IV.2
Diferenças entre densidades das mulheres – 2003-1976

A. Real x benefícios
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Real Benefício

B.Benefícios x benefícios e outros atributos


0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Benefício Benefícios e outros atributos

Cap10.pmd 386 23/3/2007, 15:49


TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
SEMIPARAMÉTRICA 387

PAINEL IV.3
Diferenças entre densidades das mulheres – 1996-1986

A. Real x benefícios
1,10
1,90
0,70
0,50
0,30
0,10
–0,10
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Real Benefício

B. Benefícios x benefícios e outros atributos


1,10
1,90
0,70
0,50
0,30
0,10
–0,10
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Benefício Benefícios e outros atributos
PAINEL IV.4
Diferenças entre densidades das mulheres – 2003-1986

A. Real x benefícios
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Real Benefício

B.Benefícios x benefícios e outros atributos


0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
–0,10
–0,20
–0,30
0,01 1,01 2,01 3,01 4,01 5,01 6,01 7,01 8,01 9,01 10,01 11,01 12,01 13,01
Benefício Benefícios e outros atributos

Cap10.pmd 387 23/3/2007, 15:49


Cap10.pmd
TABELA IV
a
388
Diferença de percentis e índices de desigualdade para diversas densidades
Medidas 1976 1986 1996 2003 96b76 96b&x76 03b76 03b&x76 96b86 96b&x86 03b86 03b&x86

Homens

90-10 3.400,31 4.126,76 2.274,53 1.681,46 1.463,57 1.142,21 1.095,97 793,98 2.197,88 1.891,03 1.779,00 1.421,36

50-10 548,45 699,16 370,59 273,09 251,68 230,02 219,48 193,88 378,07 329,34 283,50 252,00

388
90-50 2.851,86 3.427,60 1.903,94 1.408,37 1.211,89 912,19 876,49 600,10 1.819,81 1.561,69 1.495,50 1.169,36

75-25 1.261,85 1.577,23 868,61 630,98 605,19 491,41 408,88 316,47 857,01 741,87 685,48 541,98

95-5 6.063,55 7.089,74 3.748,88 2.947,73 2.477,07 1.875,79 1.860,11 1.309,61 3.661,93 3.246,39 3.085,17 2.469,99

Gini 0,8242 0,7650 0,7732 0,7453 0,7626 0,7704 0,7448 0,7733 0,7785 0,7774 0,7515 0,7557

Theil 1,4426 1,1509 1,2010 1,0861 1,1618 1,1884 1,0880 1,1974 1,2242 1,2160 1,1156 1,1265

Mulheres

90-10 1.714,69 2.170,16 1.346,18 1.156,14 1.105,08 846,63 938,77 656,84 1.458,32 1.078,91 1.157,86 864,25
RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

50-10 334,58 340,81 179,76 221,43 135,88 133,20 218,03 200,40 146,08 144,28 204,43 198,03

90-50 1.380,11 1.829,35 1.166,42 934,71 969,20 713,43 720,74 456,44 1.312,24 934,63 953,43 666,22

75-25 629,09 857,11 494,86 357,17 411,65 347,69 290,74 233,14 523,40 395,52 352,47 276,82

95-5 2.817,32 3.510,68 2.317,81 1.956,10 1.873,72 1.455,72 1.572,10 1.071,10 2.536,11 1.862,06 1.992,54 1.483,30

23/3/2007, 15:49
Gini 0,7675 0,6884 0,7567 0,7304 0,7696 0,7726 0,7439 0,7455 0,7728 0,7700 0,7384 0,7451

Theil 1,1703 0,9105 1,1807 1,0530 1,2572 1,2490 1,1004 1,1102 1,2667 1,2408 1,0859 1,1083
a
As medidas 90-10, 50-10, 90-50, 75-25 e 95-5 referem-se à diferença entre percentis. Por exemplo 90-10 é: exp(w90)-exp(w10). Os índices de desigualdade Gini e Theil-T referem-se à distribuição em nível da renda fv.. As
colunas de 1976 até 2003 referem-se às medidas das densidades reais. As outras referem-se às densidades contrafactuais. Por exemplo: 96b76 refere-se à densidade de 1976, mas com a proporção de beneficiários mantida fixa
no nível de 1976. Para 96b&x76 além dos benefícios, os outros atributos são mantidos fixos no nível de 1976. O mesmo padrão se aplica às colunas restantes.
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TABELA V
Mudanças decomposicionais de diversas medidas de dispersão de renda
1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986
Medidas Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Homens

389
90-10 –1.125,78 810,96 321,36 –2.258,10 –1.718,85 585,49 301,99 –2606,33 –1.852,23 76,65 306,85 –2.235,73 –2.445,30 –97,54 357,64 –2.705,40
–26,54% –28,55% 200,58% –34,06% –17,57% 151,63% –4,14% –16,57% 120,70% 3,99% –14,63% 110,64%

50-10 –177,86 118,91 21,66 –318,43 –2.75,36 53,61 25,60 –354,57 –328,57 –7,48 48,73 –369,82 –426,07 –10,41 31,50 –447,16
–66,86% –12,18% 179,03% –19,47% –9,30% 128,77% 2,28% –14,83% 112,55% 2,44% –7,39% 104,95%

90-50 –947,92 692,05 299,70 –1.939,67 –1.443,49 531,88 276,39 –2251,76 –1.523,66 84,13 258,12 –1.865,91 –2019,23 –87,13 326,14 –2.258,24
–73,01% –31,62% 204,62% –36,85% –19,15% 155,99% –5,52% –16,94% 122,46% 4,32% –16,15% 111,84%

75-25 –393,24 263,42 113,78 –770,44 –630,87 222,10 92,41 –945,38 –708,62 11,60 115,14 –835,36 –946,25 –54,50 143,50 –1.035,25
–66,99% –28,93% 195,92% –35,21% –14,65% 149,85% –1,64% –16,25% 117,89% 5,76% –15,17% 109,41%

95-5 –2.314,67 1.271,81 601,28 –4187,76 –3.115,82 1.087,62 550,50 –4753,94 –3.340,86 86,95 415,54 –3.843,35 –4.142,01 –137,44 615,18 –4.619,75
–54,95% –25,98% 180,92% –34,91% –17,67% 152,57% –2,60% –12,44% 115,04% 3,32% –14,85% 111,53%

Kulback- 0,3840 –0,2031 –0,0528 0,6399 0,5340 –0,2140 –0,0645 0,8126 0,4955 0,0172 –0,0724 0,5507 0,7652 0,0616 –0,1173 0,8210
Leibler –52,89% –13,75% 166,63% –40,08% –12,08% 152,16% 3,47% –14,61% 111,15% 8,05% –15,33% 107,28%

Gini –0,0510 0,0106 –0,0079 –0,0538 –0,0789 0,0005 –0,0285 –0,0509 0,0082 –0,0053 0,0011 0,0124 –0,0197 –0,0062 –0,0042 –0,0092
–20,79% 15,40% 105,39% –0,63% 36,14% 64,50% –64,71% 13,10% 151,61% 31,61% 21,41% 46,98%

23/3/2007, 15:49
Theil –0,2417 0,0392 –0,0266 –0,2543 –0,3565 –0,0019 –0,1094 –0,2452 0,0500 –0,0233 0,0083 0,0150 –0,0648 –0,0294 –0,0109 –0,0245
–16,22% 11,00% 105,22% 0,52% 30,69% 68,79% –46,47% 16,55% 29,92% 45,39% 16,82% 37,79%
SEMIPARAMÉTRICA
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM

(continua)
389
Cap10.pmd
(continuação)
390
1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986
Medidas Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Mulheres

90-10 –368,51 241,10 258,45 –868,06 –558,55 217,38 281,92 –1057,85 –823,98 –112,14 379,41 –1091,25 –1014,02 –1,72 293,61 –1305,91

390
–65,43% –70,13% 235,56% –38,92% –50,47% 189,39% 13,61% –46,05% 132,44% 0,17% –28,96% 128,79%

50-10 –154,82 43,88 2,68 –201,38 –113,15 3,41 17,62 –134,18 –161,05 33,68 1,80 –196,53 –119,38 17,00 6,40 –142,78
–28,34% –1,73% 130,07% –3,01% –15,58% 118,58% –20,91% –1,12% 122,03% –14,24% –5,36% 119,60%

90-50 –213,69 197,22 255,77 –666,68 –445,40 213,97 264,30 –923,67 –662,93 –145,82 377,61 –894,72 –894,64 –18,72 287,21 –1163,13
–92,29% –119,69% 311,98% –48,04% –59,34% 207,38% 22,00% –56,96% 134,96% 2,09% –32,10% 130,01%

75-25 –134,23 83,21 63,96 –281,40 –271,92 66,43 57,60 –395,95 –362,25 –28,54 127,88 –461,59 –499,94 4,70 75,65 –580,29
–61,99% –47,65% 209,64% –24,43% –21,18% 145,61% 7,88% –35,30% 127,42% –0,94% –15,13% 116,07%

95-5 –499,51 444,09 418,00 –1361,60 –861,22 384,00 501,00 –1746,22 –1192,87 –218,30 674,05 –1648,62 –1554,58 –36,43 509,24 –2027,38
–88,90% –83,68% 272,58% –44,59% –58,17% 202,76% 18,30% –56,51% 138,21% 2,34% –32,76% 130,41%
RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

Kulback- 0,3070 –0,0727 0,0102 0,3694 0,3412 –0,0976 0,0061 0,4326 0,3202 –0,0439 –0,0144 0,3786 0,4906 –0,0059 –0,0717 0,5682
Leibler –23,67% 3,33% 120,34% –28,60% 1,79% 126,81% –13,71% –4,51% 118,22% –1,21% –14,61% 115,82%

Gini –0,0108 –0,0129 –0,0030 0,0051 –0,0371 –0,0135 –0,0016 –0,0220 0,0683 –0,0161 0,0028 0,0816 0,0420 –0,0079 –0,0067 0,0567
119,53% 27,81% –47,34% 36,37% 4,26% 59,38% –23,59% 4,16% 119,43% –18,88% –16,02% 134,90%

Theil 0,0104 –0,0765 0,0081 0,0788 –0,1173 –0,0474 –0,0098 –0,0601 0,2702 –0,0860 0,0259 0,3303 0,1425 –0,0329 –0,0224 0,1978
–735,19% 78,23% 756,96% 40,44% 8,35% 51,21% –31,83% 9,58% 122,25% –23,11% –15,71% 138,83%

23/3/2007, 15:49
Cap10.pmd
TABELA VI
a
Diferença de percentis e índices de desigualdade para diversas densidades com ordem de decomposição reversa
Medidas 1976 1986 1996 2003 96x76 96x&b76 03x76 03x&b76 96x86 96x&b86 03x86 03x&b86

Homens

90-10 3.400,31 4.126,76 2.274,53 1.681,46 1.463,57 1.142,21 1.095,97 793,98 2.197,88 1.891,03 1.779,00 1.421,36

50-10 548,45 699,16 370,59 273,09 251,68 230,02 219,48 193,88 378,07 329,34 283,50 252,00

391
90-50 2.851,86 3.427,60 1.903,94 1.408,37 1.211,89 912,19 876,49 600,10 1.819,81 1.561,69 1.495,50 1.169,36

75-25 1.261,85 1.577,23 868,61 630,98 605,19 491,41 408,88 316,47 857,01 741,87 685,48 541,98

95-5 6.063,55 7.089,74 3.748,88 2.947,73 2.477,07 1.875,79 1.860,11 1.309,61 3.661,93 3.246,39 3.085,17 2.469,99

Gini 0,8242 0,7650 0,7732 0,7453 0,7795 0,7704 0,7789 0,7733 0,7824 0,7774 0,7608 0,7557

Theil 1,4426 1,1509 1,2010 1,0861 1,2360 1,1884 1,2282 1,1974 1,2428 1,2160 1,1518 1,1265

Mulheres

90-10 1.714,69 2.170,16 1.346,18 1.156,14 838,14 846,63 674,29 656,84 1.056,76 1.078,91 862,47 864,25

50-10 334,58 340,81 179,76 221,43 98,98 133,20 182,97 200,40 119,81 144,28 189,55 198,03

90-50 1.380,11 1.829,35 1.166,42 934,71 739,16 713,43 491,32 456,44 936,95 934,63 672,92 666,22

75-25 629,09 857,11 494,86 357,17 333,45 347,69 235,90 233,14 383,72 395,52 280,10 276,82

95-5 2.817,32 3.510,68 2.317,81 1.956,10 1.423,95 1.455,72 1.104,96 1.071,10 1.835,56 1.862,06 1.493,71 1.483,30

23/3/2007, 15:49
Gini 0,7675 0,6884 0,7567 0,7304 0,7958 0,7726 0,7528 0,7455 0,7843 0,7700 0,7494 0,7451

Theil 1,1703 0,9105 1,1807 1,0530 1,3943 1,2490 1,1459 1,1102 1,3288 1,2408 1,1294 1,1083
a
SEMIPARAMÉTRICA
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM

As medidas 90-10, 50-10, 90-50, 75-25 e 95-5 referem-se à diferença entre percentis. Por exemplo 90-10 é: exp(w90) – exp(w10). Os índices de desigualdade Gini e Theil-T referem-se à distribuição em nível da renda fv . As
colunas de 1976 até 2003 referem-se às medidas das densidades reais. As outras referem-se às densidades contrafactuais. Por exemplo: 96b76 refere-se à densidade de 1976, mas com a proporção de beneficiários mantida fixa
391

no nível de 1976. Para 96b&x76 além dos benefícios, os outros atributos são mantidos fixos no nível de 1976. O mesmo padrão se aplica às colunas restantes.
Cap10.pmd
TABELA VII
392
Revertendo as mudanças decomposicionais de diversas medidas de dispersão de renda
1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986
Medidas Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Homens

392
90-10 –1.125,78 1.099,15 33,17 –2.258,10 –1.718,85 848,36 39,12 –2.606,33 –1.852,23 383,50 0,00 –2.235,73 –2.445,30 249,84 10,26 –2.705,40
–97,63% –2,95% 200,58% –49,36% –2,28% 151,63% –20,70% 0,00% 120,70% –10,22% –0,42% 110,64%

50-10 –177,86 150,86 –10,29 –318,43 –275,36 85,03 –5,82 –354,57 –328,57 46,40 –5,15 –3.69,82 –426,07 27,13 –6,04 –447,16
–84,82% 5,79% 179,03% –30,88% 2,11% 128,77% –14,12% 1,57% 112,55% –6,37% 1,42% 104,95%

90-50 –947,92 948,29 43,46 –1.939,67 –1.443,49 763,33 44,94 –2.251,76 –1.523,66 337,10 5,15 –1.865,91 –2.019,23 222,71 16,30 –2.258,24
–100,04% –4,58% 204,62% –52,88% –3,11% 155,99% –22,12% –0,34% 122,46% –11,03% –0,81% 111,84%

75-25 –393,24 367,96 9,24 –770,44 –630,87 305,64 8,87 –945,38 –708,62 121,38 5,36 –835,36 –946,25 80,84 8,16 –1.035,25
–93,57% –2,35% 195,92% –48,45% –1,41% 149,85% –17,13% –0,76% 117,89% –8,54% –0,86% 109,41%

95-5 –2.314,67 1.838,35 34,74 –4.187,76 –3.115,82 1.556,07 82,05 –4.753,94 –3.340,86 505,49 –3,00 –3.843,35 –4142,01 456,60 21,14 –4619,75
RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

–79,42% –1,50% 180,92% –49,94% –2,63% 152,57% –15,13% 0,09% 115,04% –11,02% –0,51% 111,53%

Kulback- 0,3840 –0,2687 0,0128 0,6399 0,5340 –0,2637 –0,0148 0,8126 0,4955 –0,0616 0,0064 0,5507 0,7652 –0,0533 –0,0024 0,8210
Leibler –69,97% 3,34% 166,63% –49,38% –2,78% 152,16% –12,43% 1,29% 111,15% –6,97% –0,31% 107,28%

Gini –0,0510 –0,0063 0,0091 –0,0538 –0,0789 –0,0336 0,0056 –0,0509 0,0082 –0,0093 0,0050 0,0124 –0,0197 –0,0155 0,0051 –0,0092
12,40% –17,79% 105,39% 42,57% –7,06% 64,50% –113,13% 61,52% 151,61% 78,84% –25,82% 46,98%

23/3/2007, 15:49
Theil –0,2417 –0,0351 0,0477 –0,2543 –0,3565 –0,1420 0,0307 –0,2452 0,0500 –0,0419 0,0269 0,0150 –0,0648 –0,0656 0,0253 –0,0245
14,51% –19,73% 105,22% 39,83% –8,62% 68,79% –83,64% 53,72% 29,92% 101,27% –39,06% 37,79%
(continua)
Cap10.pmd
(continuação)

1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986


Medidas Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Mulheres

90-10 –368,51 508,04 –8,49 –868,06 –558,55 481,86 17,44 –1057,85 –823,98 289,42 –22,15 –1091,25 –1014,02 293,67 –1,78 –1305,91

393
–137,86% 2,30% 235,56% –86,27% –3,12% 189,39% –35,12% 2,69% 132,44% –28,96% 0,18% 128,79%

50-10 –154,82 80,78 –34,22 –201,38 –113,15 38,47 –17,44 –134,18 –161,05 59,95 –24,47 –196,53 –119,38 31,88 –8,48 –142,78
–52,18% 22,10% 130,07% –33,99% 15,41% 118,58% –37,22% 15,19% 122,03% –26,71% 7,10% 119,60%

90-50 –213,69 427,26 25,73 –666,68 –445,40 443,39 34,88 –923,67 –662,93 229,47 2,32 –894,72 –894,64 261,79 6,70 –1163,13
–199,94% –12,04% 311,98% –99,55% –7,83% 207,38% –34,61% –0,35% 134,96% –29,26% –0,75% 130,01%

75-25 –134,23 161,41 –14,24 –281,40 –271,92 121,27 2,76 –395,95 –362,25 111,14 –11,80 –461,59 –499,94 77,07 3,28 –580,29
–120,25% 10,61% 209,64% –44,60% –1,02% 145,61% –30,68% 3,26% 127,42% –15,42% –0,66% 116,07%

95-5 –499,51 893,86 –31,77 –1361,60 –861,22 851,14 33,86 –1746,22 –1192,87 482,25 –26,50 –1648,62 –1554,58 462,40 10,41 –2027,38
–178,95% 6,36% 272,58% –98,83% –3,93% 202,76% –40,43% 2,22% 138,21% –29,74% –0,67% 130,41%

Kulback- 0,3070 –0,1234 0,0609 0,3694 0,3412 –0,0772 –0,0143 0,4326 0,3202 –0,0824 0,0240 0,3786 0,4906 –0,0705 –0,0071 0,5682
Leibler –40,19% 19,85% 120,34% –22,62% –4,19% 126,81% –25,73% 7,51% 118,22% –14,37% –1,46% 115,82%

Gini –0,0108 –0,0391 0,0232 0,0051 –0,0371 –0,0224 0,0073 –0,0220 0,0683 –0,0276 0,0143 0,0816 0,0420 –0,0190 0,0043 0,0567
361,40% –214,06% –47,34% 60,25% –19,63% 59,38% –40,38% 20,95% 119,43% –45,21% 10,32% 134,90%

23/3/2007, 15:49
Theil 0,0104 –0,2137 0,1453 0,0788 –0,1173 –0,0929 0,0357 –0,0601 0,2702 –0,1481 0,0880 0,3303 0,1425 –0,0765 0,0211 0,1978
–2.053,76% 1396,80% 756,96% 79,24% –30,45% 51,21% –54,82% 32,58% 122,25% –53,67% 14,84% 138,83%
SEMIPARAMÉTRICA
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
393
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TABELA VIII
394
Índices de desigualdade para diversas densidades por faixas etárias
Faixas etárias Medidas 1976 1986 1996 2003 96b76 96b&x76 03b76 03b&x76 96b86 96b&x86 03b86 03b&x86

Homens
18-29 Gini 0,8236 0,7695 0,7631 0,7528 0,7863 0,8019 0,8009 0,8376 0,7882 0,7908 0,7707 0,7857

Theil 1,4423 1,1788 1,1470 1,1084 1,2439 1,3181 1,3126 1,5132 1,2522 1,2658 1,1809 1,2468

394
30-42 Gini 0,8249 0,7830 0,7527 0,7355 0,7166 0,7427 0,7271 0,7551 0,7538 0,7615 0,7337 0,7467
Theil 1,4484 1,2319 1,1037 1,0385 0,9844 1,0726 1,0175 1,1178 1,1070 1,1369 1,0328 1,0787

43-55 Gini 0,8204 0,7711 0,7633 0,7283 0,7673 0,7781 0,7314 0,7719 0,7660 0,7719 0,7148 0,7337
Theil 1,4149 1,1800 1,1513 1,0166 1,1814 1,2276 1,0345 1,1874 1,1627 1,1884 0,9710 1,0394
56 e + Gini 0,8613 0,8573 0,8637 0,8063 0,8844 0,8804 0,8257 0,8165 0,8679 0,8649 0,8150 0,8045

Theil 1,6802 1,6538 1,7931 1,4696 2,0106 1,9537 1,6306 1,5653 1,8267 1,7979 1,5183 1,4563
Mulheres
18-29 Gini 0,7611 0,6956 0,7217 0,7117 0,6958 0,7024 0,7555 0,7464 0,7173 0,7251 0,7344 0,7379
RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

Theil 1,1745 0,9170 1,0142 0,9944 0,9367 0,9613 1,1871 1,1269 1,0030 1,0281 1,0854 1,0888
30-42 Gini 0,7455 0,6223 0,7245 0,7363 0,7354 0,7701 0,7757 0,7706 0,7329 0,7406 0,7582 0,7626
Theil 1,1029 0,7253 1,0164 1,0780 1,0917 1,2525 1,2439 1,2128 1,0428 1,0729 1,1601 1,1757
43-55 Gini 0,7703 0,6522 0,7235 0,7342 0,7351 0,7591 0,7385 0,7481 0,7240 0,7335 0,7357 0,7527

23/3/2007, 15:49
Theil 1,1950 0,7962 1,0360 1,0719 1,0841 1,1859 1,0882 1,1264 1,0363 1,0746 1,0779 1,1414
56 e + Gini 0,8334 0,8136 0,8749 0,8200 0,8824 0,8893 0,8275 0,8539 0,8767 0,8817 0,8213 0,8355

Theil 1,5613 1,5236 2,0399 1,6841 2,1054 2,1221 1,7427 1,8645 2,0565 2,0812 1,6937 1,7710
Cap10.pmd
TABELA IX
Mudanças decomposicionais do Gini e Theil por faixas etárias

Medidas 1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986


Faixas
etárias Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios outros Residual Variação Benefícios Outros Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Homens

395
18-29 anos Gini –0,0605 –0,0232 –0,0156 –0,0217 –0,0707 –0,0481 –0,0367 0,0140 –0,0065 –0,0251 –0,0026 0,0212 –0,0167 –0,0179 –0,0150 0,0162
38,30% 25,80% 35,90% 67,99% 51,83% 387,59% 40,19% –327,77% 107,12% 89,74% –96,87%

Theil –0,2953 –0,0969 –0,0742 –0,1241 –0,3338 –0,2042 –0,2006 0,0710 –0,0317 –0,1052 –0,0136 0,1188 –0,0703 –0,0724 –0,0659 0,0680
32,82% 25,14% 42,05% 61,17% 60,09% –21,27% 331,35% 42,95% –374,30% 103,00% 93,75% –96,75%

30-42 anos Gini –0,0722 0,0361 –0,0261 –0,0822 –0,0894 0,0084 –0,0280 –0,0698 –0,0303 –0,0011 –0,0077 –0,0215 –0,0475 0,0018 –0,0130 –0,0363
–50,02% 36,17% 113,86% –9,43% 31,33% 78,10% 3,64% 25,46% 70,90% –3,86% 27,46% 76,40%

Theil –0,3447 0,1193 –0,0882 –0,3758 –0,4099 0,0210 –0,1004 –0,3306 –0,1282 –0,0034 –0,0299 0,0332 –0,1934 0,0057 –0,0459 –0,1532
–34,60% 25,58% 109,02% –5,13% 24,48% 80,64% 2,63% 23,29% –25,92% –2,94% 23,74% 79,20%

43-55 anos Gini –0,0571 –0,0040 –0,0109 –0,0423 –0,0921 –0,0030 –0,0406 –0,0485 –0,0078 –0,0027 –0,0059 0,0008 –0,0427 0,0136 –0,0190 –0,0374
6,92% 19,01% 74,07% 3,28% 44,05% 52,67% 34,93% 75,68% –10,60% –31,78% 44,35% 87,43%

Theil –0,2635 –0,0301 –0,0461 –0,1873 –0,3983 –0,0179 –0,1529 –0,2275 –0,0287 –0,0114 –0,0257 0,0371 –0,1634 0,0455 –0,0683 –0,1407
11,43% 17,51% 71,07% 4,49% 38,40% 57,11% 39,68% 89,71% –129,39% –27,86% 41,80% 86,06%

56+ anos Gini 0,0023 –0,0207 0,0040 0,0191 –0,0551 –0,0194 0,0092 –0,0449 0,0064 –0,0042 0,0029 0,0076 –0,0510 –0,0087 0,0105 –0,0527

23/3/2007, 15:49
–897,41% 171,84% 825,57% 35,28% –16,72% 81,44% –66,22% 46,25% 119,97% 17,14% –20,52% 103,37%

Theil 0,1129 –0,2175 0,0568 0,2736 –0,2106 –0,1611 0,0654 –0,1149 0,1393 –0,0336 0,0288 0,0048 –0,1842 –0,0488 0,0620 –0,1975
–192,64% 50,34% 242,30% 76,48% –31,04% 54,56% –24,11% 20,68% 3,43% 26,47% –33,68% 107,21%
SEMIPARAMÉTRICA
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM

(continua)
395
Cap10.pmd
(continuação)
396

Medidas 1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986


Faixas
etárias Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual Variação Benefícios Outros Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Mulheres

18-29 Gini –0,0394 0,0259 –0,0066 –0,0587 –0,0494 –0,0438 0,0091 –0,0147 0,0261 0,0043 –0,0078 0,0296 0,0161 –0,0227 –0,0035 0,0423

396
–65,63% 16,76% 148,86% 88,71% –18,37% 29,66% 16,60% –29,75% 113,15% –140,72% –21,77% 262,49%

Theil –0,1603 0,0775 –0,0246 –0,2132 –0,1802 –0,1928 0,0602 –0,0476 0,0973 0,0112 –0,0251 0,1111 0,0774 –0,0911 –0,0033 0,1718
–48,36% 15,34% 133,02% 106,98% –33,40% 26,42% 11,52% –25,81% 114,28% –117,70% –4,31% 222,01%

30-42 Gini –0,0209 –0,0109 –0,0347 0,0246 –0,0092 –0,0394 0,0051 0,0251 0,1022 –0,0084 –0,0077 0,1183 0,1140 –0,0218 –0,0045 0,1403
51,85% 165,51% –117,36% 429,90% –55,92% –273,98% –8,19% –7,52% 115,71% –19,15% –3,92% 123,07%

Theil –0,0866 –0,0754 –0,1608 0,1495 –0,0249 –0,1658 0,0311 0,1098 0,2911 –0,0265 –0,0301 0,3476 0,3527 –0,0821 –0,0156 0,4504
87,06% 185,65% –172,71% 665,89% –124,84% –441,05% –9,10% –10,34% 119,44% –23,26% –4,43% 127,70%

43-55 Gini –0,0469 –0,0116 –0,0241 –0,0112 –0,0361 –0,0043 –0,0096 –0,0222 0,0713 –0,0005 –0,0096 0,0813 0,0820 –0,0015 –0,0170 0,1005
RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

24,73% 51,34% 23,92% 11,87% 26,57% 61,56% –0,66% –13,43% 114,09% –1,80% –20,70% 122,49%

Theil –0,1590 –0,0481 –0,1019 –0,0090 –0,1231 –0,0163 –0,0382 –0,0686 0,2398 –0,0003 –0,0383 0,2784 0,2757 –0,0060 –0,0634 0,3451
30,25% 64,06% 5,69% 13,24% 31,01% 55,75% –0,12% –15,99% 116,11% –2,18% –23,00% 125,18%

56 e + Gini 0,0415 –0,0075 –0,0068 0,0559 –0,0134 –0,0075 –0,0264 0,0205 0,0613 –0,0018 –0,0050 0,0682 0,0064 –0,0013 –0,0142 0,0219
–18,17% –16,50% 134,66% 56,13% 197,32% –153,45% –2,96% –8,23% 111,19% –19,87% –220,24% 340,11%

23/3/2007, 15:49
Theil 0,4786 –0,0655 –0,0167 0,5608 0,1228 –0,0586 –0,1218 0,3032 0,5162 –0,0166 –0,0247 0,5576 0,1604 –0,0096 –0,0773 0,2474
–13,69% –3,49% 117,18% –47,74% –99,19% 246,93% –3,22% –4,79% 108,01% –5,99% –48,18% 154,18%
Cap10.pmd
TABELA X
Índices de desigualdade para diversas densidades por faixas etárias com ordem de decomposição reversa
Faixas etárias Medidas 1976 1986 1996 2003 96x76 96x&b76 03x76 03x&b76 96x86 96x&b86 03x86 03x&b86

Homens
18-29 Gini 0,8236 0,7695 0,7631 0,7528 0,8022 0,8019 0,8380 0,8376 0,7914 0,7908 0,7869 0,7857

Theil 1,4423 1,1788 1,1470 1,1084 1,3199 1,3181 1,5157 1,5132 1,2692 1,2658 1,2528 1,2468

397
30-42 Gini 0,8249 0,7830 0,7527 0,7355 0,7416 0,7427 0,7548 0,7551 0,7615 0,7615 0,7468 0,7467
Theil 1,4484 1,2319 1,1037 1,0385 1,0683 1,0726 1,1167 1,1178 1,1368 1,1369 1,0792 1,0787
43-55 Gini 0,8204 0,7711 0,7633 0,7283 0,7875 0,7781 0,7745 0,7719 0,7729 0,7719 0,7336 0,7337
Theil 1,4149 1,1800 1,1513 1,0166 1,2786 1,2276 1,2002 1,1874 1,1933 1,1884 1,0389 1,0394
56 e + Gini 0,8613 0,8573 0,8637 0,8063 0,9057 0,8804 0,8727 0,8165 0,8776 0,8649 0,8299 0,8045
Theil 1,6802 1,6538 1,7931 1,4696 2,1833 1,9537 1,9397 1,5653 1,9048 1,7979 1,6160 1,4563
Mulheres
18-29 Gini 0,7611 0,6956 0,7217 0,7117 0,7130 0,7024 0,7425 0,7464 0,7262 0,7251 0,7364 0,7379
Theil 1,1745 0,9170 1,0142 0,9944 0,9930 0,9613 1,0955 1,1269 1,0325 1,0281 1,0788 1,0888
30-42 Gini 0,7455 0,6223 0,7245 0,7363 0,7689 0,7701 0,7691 0,7706 0,7417 0,7406 0,7612 0,7626
Theil 1,1029 0,7253 1,0164 1,0780 1,2411 1,2525 1,2057 1,2128 1,0777 1,0729 1,1695 1,1757
43-55 Gini 0,7703 0,6522 0,7235 0,7342 0,7721 0,7591 0,7484 0,7481 0,7371 0,7335 0,7529 0,7527

23/3/2007, 15:49
Theil 1,1950 0,7962 1,0360 1,0719 1,2577 1,1859 1,1276 1,1264 1,0918 1,0746 1,1431 1,1414
56 e + Gini 0,8334 0,8136 0,8749 0,8200 0,9174 0,8893 0,8975 0,8539 0,9005 0,8817 0,8548 0,8355
SEMIPARAMÉTRICA
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM

Theil 1,5613 1,5236 2,0399 1,6841 2,4214 2,1221 2,2260 1,8645 2,2650 2,0812 1,9163 1,7710
397
Cap10.pmd
TABELA XI
398
Revertendo as mudanças decomposicionais do Gini e Theil por faixas etárias

Medidas 1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986


Faixas
etárias Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Homens

398
18-29 Gini –0,0605 –0,0391 0,0003 –0,0217 –0,0707 –0,0852 0,0004 0,0140 –0,0065 –0,0284 0,0006 0,0212 –0,0167 –0,0341 0,0012 0,0162
64,63% –0,54% 35,90% 120,39% –0,57% –19,82% 437,74% –9,97% –327,77% 203,99% –7,12% –96,87%

Theil –0,2953 –0,1729 0,0018 –0,1241 –0,3338 –0,4073 0,0024 0,0710 –0,0317 –0,1222 0,0034 0,1188 –0,0703 –0,1443 0,0060 0,0680
58,55% –0,59% 42,05% 121,99% –0,72% –21,27% 385,01% –10,70% –374,30% 205,22% –8,47% –96,75%

30-42 Gini –0,0722 0,0111 –0,0011 –0,0822 –0,0894 –0,0193 –0,0003 –0,0698 –0,0303 –0,0088 0,0000 –0,0215 –0,0475 –0,0113 0,0001 –0,0363
–15,42% 1,56% 113,86% 21,60% 0,30% 78,10% 29,00% 0,11% 70,90% 23,83% –0,24% 76,40%

Theil –0,3447 0,0354 –0,0043 –0,3758 –0,4099 –0,0782 –0,0011 –0,3306 –0,1282 –0,0331 –0,0001 0,0332 –0,1934 –0,0407 0,0005 –0,1532
–10,26% 1,24% 109,02% 19,08% 0,28% 80,64% 25,82% 0,11% –25,92% 21,05% –0,25% 79,20%
RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

43-55 Gini –0,0571 –0,0241 0,0093 –0,0423 –0,0921 –0,0462 0,0026 –0,0485 –0,0078 –0,0096 0,0010 0,0008 –0,0427 –0,0053 –0,0001 –0,0374
42,29% –16,36% 74,07% 50,12% –2,79% 52,67% 123,49% –12,89% –10,60% 12,30% 0,28% 87,43%

Theil –0,2635 –0,1273 0,0511 –0,1873 –0,3983 –0,1836 0,0128 –0,2275 –0,0287 –0,0420 0,0048 0,0371 –0,1634 –0,0223 –0,0005 –0,1407
48,31% –19,38% 71,07% 46,10% –3,21% 57,11% 146,29% –16,90% –129,39% 13,66% 0,28% 86,06%

56 e + Gini 0,0023 –0,0421 0,0253 0,0191 –0,0551 –0,0665 0,0563 –0,0449 0,0064 –0,0140 0,0127 0,0076 –0,0510 –0,0236 0,0253 –0,0527

23/3/2007, 15:49
–1821,15% 1095,58% 825,57% 120,69% –102,13% 81,44% –219,13% 199,16% 119,97% 46,27% –49,64% 103,37%

Theil 0,1129 –0,3903 0,2296 0,2736 –0,2106 –0,4701 0,3744 –0,1149 0,1393 –0,1118 0,1070 0,0048 –0,1842 –0,1465 0,1597 –0,1975
–345,67% 203,36% 242,30% 223,21% –177,77% 54,56% –80,25% 76,83% 3,43% 79,49% –86,70% 107,21%
(continua)
Cap10.pmd
(continuação)

Faixas Medidas 1996-1976 2003-1976 1996-1986 2003-1986


etárias
Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual Variação Outros Benefícios Residual
total fatores total fatores total fatores total fatores

Mulheres

18-29 Gini –0,0394 0,0259 –0,0066 –0,0587 –0,0494 –0,0438 0,0091 –0,0147 0,0261 0,0043 –0,0078 0,0296 0,0161 –0,0227 –0,0035 0,0423

399
–65,63% 16,76% 148,86% 88,71% –18,37% 29,66% 16,60% –29,75% 113,15% –140,72% –21,77% 262,49%

Theil –0,1603 0,0775 –0,0246 –0,2132 –0,1802 –0,1928 0,0602 –0,0476 0,0973 0,0112 –0,0251 0,1111 0,0774 –0,0911 –0,0033 0,1718
–48,36% 15,34% 133,02% 106,98% –33,40% 26,42% 11,52% –25,81% 114,28% –117,70% –4,31% 222,01%

30-42 Gini –0,0209 –0,0443 –0,0012 0,0246 –0,0092 –0,0328 –0,0015 0,0251 0,1022 –0,0172 0,0011 0,1183 0,1140 –0,0249 –0,0014 0,1403
211,63% 5,74% –117,36% 357,86% 16,12% –273,98% –16,80% 1,10% 115,71% –21,81% –1,26% 123,07%

Theil –0,0866 –0,2247 –0,0114 0,1495 –0,0249 –0,1277 –0,0070 0,1098 0,2911 –0,0614 0,0048 0,3476 0,3527 –0,0914 –0,0063 0,4504
259,55% 13,16% –172,71% 512,81% 28,24% –441,05% –21,08% 1,64% 119,44% –25,91% –1,78% 127,70%

43-55 Gini –0,0469 –0,0486 0,0130 –0,0112 –0,0361 –0,0142 0,0003 –0,0222 0,0713 –0,0136 0,0036 0,0813 0,0820 –0,0187 0,0002 0,1005
103,74% –27,66% 23,92% 39,21% –0,77% 61,56% –19,07% 4,99% 114,09% –22,76% 0,27% 122,49%

Theil –0,1590 –0,2217 0,0718 –0,0090 –0,1231 –0,0557 0,0012 –0,0686 0,2398 –0,0558 0,0172 0,2784 0,2757 –0,0712 0,0018 0,3451
139,44% –45,13% 5,69% 45,22% –0,97% 55,75% –23,27% 7,16% 116,11% –25,83% 0,65% 125,18%

56 e + Gini 0,0415 –0,0426 0,0282 0,0559 –0,0134 –0,0775 0,0436 0,0205 0,0613 –0,0257 0,0188 0,0682 0,0064 –0,0348 0,0193 0,0219
–102,54% 67,88% 134,66% 580,01% –326,56% –153,45% –41,87% 30,67% 111,19% –540,07% 299,96% 340,11%

23/3/2007, 15:49
Theil 0,4786 –0,3816 0,2994 0,5608 0,1228 –0,5420 0,3615 0,3032 0,5162 –0,2251 0,1838 0,5576 0,1604 –0,2322 0,1453 0,2474
–79,73% 62,55% 117,18% –441,35% 294,42% 246,93% –43,61% 35,60% 108,01% –144,73% 90,55% 154,18%
SEMIPARAMÉTRICA
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM
399
400 RODRIGO LEANDRO DE MOURA – PAULO TAFNER – JAIME DE JESUS FILHO

TABELA XII
Resumo das evidências sobre a progressividade/regressividade da previdência

Decomposição Evidência
Faixas etárias
Normal Reversa

Homens

18 e + Regressivo (1996/1976)/ Regressivo Regressivo


pouco progressivo (1996/1986 e 2003/1986)

18-29 Progressivo Igual Igual/ progressivo

30-42 Igual/ regressivo Igual Igual/pouco regressivo

43-55 Igual/ pouco regressivo Igual/pouco regressivo Igual/pouco regressivo

56 e + Progressivo Regressivo Inconclusiva

Mulheres

18 e + Progressivo Regressivo Inconclusiva

18-29 Progressivo (1996/1976 e 1996/1986) / Igual/pouco regressivo Igual/regressivo


Regressivo (2003/1976 e 2003/1986)

30-42 Progressivo Igual/pouco progressivo Pouco progressivo

43-55 Progressivo Igual/regressivo Inconclusiva

56 e + Progressivo Regressivo Inconclusiva


Nota: As faixas etárias são da amostra total filtrada (18 ou mais anos) e por faixas etárias. A classificação do sistema pela análise das
decomposições (normal e reversa) é: pouco regressivo, regressivo, igual (efeitos distributivos insignificantes), pouco progressivo e progressivo.
Em alguns casos, onde a decomposição gera resultados ambíguos (Progressivo e Regressivo para a mesma amostra etária, citamos os anos
desses resultados. Por exemplo, o resultado regressivo para a amostra 18 e + dos homens foi obtida na comparação dos anos 1996/1976 e
2003/1976.

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CAPÍTULO 11

SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO:


SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA*

Paulo Tafner**

1 INTRODUÇÃO
Diversos fatores atuam sobre o sistema de previdência e em conjunto determinam
o seu desempenho. Alguns deles exercem influência indireta, por exemplo, o de-
sempenho do mercado de trabalho, ou as alterações demográficas, estas últimas
sintetizando uma série de componentes: saneamento, saúde pública, grau de
escolarização da população, e até mudanças comportamentais, como o casamento
de indivíduos de diferentes “gerações”.
Ainda nesse grupo de fatores estão incluídas as instituições que agem sobre o
mercado de trabalho1 – determinando maior ou menor grau de desemprego e de
informalidade –, como o salário mínimo (SM) e a carga tributária, e outras ainda,
como as excessivas regulações sobre o capital e a burocracia que inibem a consti-
tuição de empresas e reduzem o potencial de geração de emprego e de contribuintes
para o sistema de previdência.
Há, no entanto, outros fatores intrinsecamente ligados ao sistema de previdência
e que exercem papel fundamental como determinantes de seu desempenho. São eles
as microinstituições que regulam a elegibilidade, a concessão e o valor dos benefícios –
inclusive as regras de preservação do valor real ou de reajustamento – e as formas
e modalidades de contribuição ao sistema de previdência. São leis, regras e regula-
mentos que ganharam forma e operacionalidade a partir da Constituição de 1988.

* O autor agradece a Fabio Giambiagi, Ana Amélia Camarano, Marcos Eugênio da Silva, Márcia Marques de Carvalho, Octávio Amorim
e Wanderley Guilherme dos Santos, por suas críticas e sugestões. Quaisquer erros e omissões neste trabalho são de minha inteira
responsabilidade.
** Coordenador de Estudos de Previdência da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
1. E, através deste, sobre o sistema previdenciário.

Cap11.pmd 401 23/3/2007, 17:08


402 PAULO TAFNER

No primeiro grupo de fatores, alguns, como a carga tributária incidente


sobre trabalho e sobre capital, têm sido objeto de investigação de diversos pesqui-
sadores da área de economia2 – e, nesses casos, também de propostas de reformas
que possam simplificar nosso sistema tributário, visando produzir evidentes efeitos
positivos sobre a alocação de recursos e sobre a geração de empregos.
Mas é sobre o segundo grupo de fatores que repousa o debate em torno das
alterações do sistema de previdência. É para eles que estaremos com nossas atenções
voltadas. Neste artigo dedicamo-nos à análise empírica das regras de acesso ou
elegibilidade e de fixação de valor do benefício, uma vez que elas desempenham
papel crucial na ação dos indivíduos e determinam diretamente, e em grande
medida, a sustentabilidade do plano de previdência. Ademais desse fato, são essas
regras que mais intensamente têm estado expostas ao escrutínio da opinião pública
quando se fala em reforma do sistema previdenciário brasileiro. Mais precisamente,
nosso trabalho se concentra em dois benefícios específicos: aposentadoria e pensão.
Estes são, de longe, os dois principais benefícios de nosso sistema de previdência,
respondendo em conjunto por 93,27% do total de benefícios e por 91,63% do
total pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conforme atestam os
números da tabela 1.
Privilegiamos em nossa análise essas duas modalidades de benefícios pelo
fato de serem tipicamente benefícios previdenciários. Os demais são acidentários
ou de natureza distinta, como o auxílio-reclusão ou o salário-maternidade. Os
dois enfocados nesta análise são também benefícios de longa duração, com evi-
dentes impactos sobre a sustentabilidade de longo prazo do sistema previdenciário.
Nosso objetivo é mostrar que o sistema previdenciário brasileiro é particular-
mente generoso.3 Definir se um sistema é ou não muito generoso depende de se
fixar uma métrica. Assim, se entendermos que aposentadorias e pensões devem
prover seus beneficiários de uma renda superior à dos seus equivalentes que não
são beneficiários, porque no primeiro caso tiveram perda de capacidade laboral e,
no segundo, perda de ente fundamental para a manutenção da família, então
talvez cheguemos à conclusão de que nosso sistema não é generoso. Se, por outro
lado, entendermos que os benefícios não devem, em média, ser superiores ao que
se obtém de renda trabalhando, então talvez achemos que nosso sistema é generoso.
Se, ainda, tomarmos a experiência internacional – muito mais antiga e consolidada

2. Ver, entre outros, Rezende (1996), Varsano et al. (1998), Giambiagi e Além (1999), Siqueira, Nogueira e Souza (1999), Vianna et al.
(2000), Varsano (2003) e Fernandes e Narita (2003).

3. Trabalho semelhante de comparação com outros países das regras de concessão de benefícios foi recentemente realizado por Caetano
(2006).

Cap11.pmd 402 23/3/2007, 17:08


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 403

TABELA 1
Brasil: quantidade, valor e valor médio dos benefícios emitidos – julho de 2006
Quantidade Valor (R$ mil) Valor Médio
Grupos de benefícios
R$ SMs

Total previdenciários 20.530.044 11.122.732 541,78 1,55

Previdência e pensão 19.148.718 10.191.713 532,24 1,52

Aposentadorias 13.289.240 7.471.236 562,20 1,61

Idade 6.811.938 2.554.934 375,07 1,07

Invalidez 2.729.384 1.285.030 470,81 1,35

Tempo de contribuição 3.747.918 3.631.272 968,88 2,77

Pensões por morte 5.859.478 2.720.477 464,29 1,33

Auxílios 1.334.366 914.361 685,24 1,96

Doença 1.304.235 902.280 691,81 1,98

Acidente 13.281 4.079 307,13 0,88

Reclusão 16.850 8.003 474,96 1,36

Salário-maternidade 44.702 15.795 353,34 1,01


a
Outros 2.258 863 382,20 1,09
Fontes: MPAS/Dataprev.
a
Abonos e pecúlio especial de aposentadoria.

do que a nossa – como referência, então certamente chegaremos à conclusão de


que nosso sistema é por demais generoso. De fato, no Brasil, os benefícios
previdenciários provêem renda média familiar e individual superior à da média da
população.4 Mas, neste artigo, nossa opção metodológica é averiguar a fundo a
experiência internacional comparando-a com o nosso sistema.
Isso significa que ao longo deste trabalho privilegiam-se as referências inter-
nacionais. Na seção a seguir faz-se uma apresentação sumária da experiência interna-
cional acerca das condições de acesso aos dois benefícios previdenciários indicados,
abordando-se de início as condições de acesso à pensão por morte. Nossa estratégia
de apresentação é, inicialmente, familiarizar o leitor de forma direta e objetiva
com as regras de acesso aos benefícios, e em seguida simular os efeitos da aplicação
desses critérios em nosso sistema.

4. Uma alternativa seria fazer essa mesma comparação exclusivamente com aqueles trabalhadores protegidos (trabalhadores com cartei-
ra assinada, funcionários públicos civis e militares e empregadores). Essa comparação, no entanto, é fortemente influenciada pelo
comportamento do desempenho do mercado de trabalho e não leva em consideração trabalhadores que estão momentaneamente fora
do mercado formal, mas contribuíram e são beneficiários potenciais.

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404 PAULO TAFNER

A aplicação de cada critério específico pode envolver alterações no quantita-


tivo de beneficiários e no quantitativo de montante de gastos. Significa que podemos
ter graus de liberdade na escolha de uma particular combinação de regras que
maximize algum objetivo que venhamos a escolher. Assim, por exemplo, se qui-
sermos simular impactos sobre pobreza e desigualdade tendo por objetivo
minimizar o dispêndio, podemos selecionar o conjunto de regras que produz esse
efeito, ou seja, que maximiza a redução de gastos. Se, por outro lado, quisermos
simular os mesmos impactos minimizando o número de benefícios concedidos,
podemos fazer isso selecionando o conjunto de regras que produz esse efeito.
Na seção 3 faremos exatamente o primeiro exercício. Definiremos um obje-
tivo de maximização e, a partir dele, comporemos um conjunto de regras existentes
na experiência empírica internacional e simularemos o impacto da adoção dessas
regras em nosso sistema em termos de redução de pobreza e desigualdade.

2 COMPARAÇÕES INTERNACIONAIS DE ACESSO AOS BENEFÍCIOS


Nesta seção faremos uma apresentação sumária das regras de acesso aos dois prin-
cipais benefícios previdenciários – pensão por morte e aposentadoria – de duas
dezenas de países de vários continentes e, em seguida, apresentaremos os resultados
das simulações realizadas, aplicando os critérios específicos de cada país ao caso
brasileiro. Chamamos a atenção do leitor para o fato de que a escolha de países é
sempre arbitrária e controversa. Por isso mesmo procuramos oferecer grande quan-
tidade de países e muita variabilidade entre eles. Da Europa, foram selecionados
dez países; das Américas, seis; e da Ásia, quatro, compondo um conjunto de 20
países, tendo o Brasil como base de comparação e de exercícios de simulação.
Estamos cientes de que é sempre possível argumentar que tal ou qual país
deveria constar da amostra. Mas estamos seguros de que os países aqui listados
fazem parte de qualquer amostra representativa sobre questões previdenciárias,
seja em termos da antiguidade do sistema, de dimensão do sistema ou, ainda, por
sua importância econômica. Feitas essas considerações, passemos ao estudo.

2.1 Pensão por morte: condições internacionais de acesso ao benefício


O Brasil praticamente não impõe nenhuma condição de qualificação para o rece-
bimento do benefício de pensão por morte: não exige idade mínima do cônjuge;
não exige casamento nem dependência econômica; não requer carência contributiva
e ainda permite o acúmulo integral do benefício com aposentadoria e com a renda
do trabalho. Além disso, a pensão é vitalícia.

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SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 405

Essa ausência de condicionalidades chama a atenção pela excessiva proteção


dada à mulher no caso brasileiro – normalmente a beneficiária desse tipo de bene-
fício. Dos 20 países da amostra, oito vinculam o valor do benefício à existência de
crianças e jovens; nove fazem restrições à idade da mulher e 16 fazem restrição
quanto ao valor do benefício. O único, porém, que não conta com nenhuma das
três restrições é o Brasil. Como dito: entre nós, não se limita idade, não há redução
do valor do benefício5 e não se vincula seu valor à existência de prole e, curiosa-
mente, não se impede acúmulo de benefício nem que o pensionista trabalhe.
A idade média de todos os pensionistas no Brasil, em 2005, era 61,8 anos e
a idade mediana era 65,2 anos. Se considerarmos, no entanto, apenas as pensio-
nistas, conjunto que representa mais de 90% do total dos que recebem esses bene-
fícios, tem-se que a idade média era 61,7 anos e a idade mediana era 63 anos.
Como a sobrevida das mulheres nessa faixa etária é de 20 anos – ver Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Tábua de Mortalidade, 2004 – significa
que, em média, uma viúva brasileira de hoje receberá o benefício de pensão pelos
próximos 20 anos.6 Estamos nos referindo a um gasto de R$ 2,784 bilhões mensais –
estimação feita com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
de 2004 –, o que nos leva a uma quantia de R$ 36,20 bilhões anuais – 3,6% do
Produto Interno Bruto (PIB). Trata-se, portanto, de um benefício que, tendo seu
acesso mais restrito, ou seu valor determinado segundo padrões internacionais,
além de mais justo socialmente, pode representar significativa redução de custos
para a sociedade ou, eventualmente, liberar recursos para reduzir a pobreza e a
desigualdade.
A seguir, analisamos as condições para o acesso ao benefício de pensão por
morte em vários países, simulando o que aconteceria se essas condições fossem
aplicadas no Brasil. As simulações são feitas sobre duas variáveis: o quantitativo de
beneficiários e o montante de despesas. No que se refere a esta última, adotamos
duas simulações referentes à redução de valores. No primeiro procedimento apli-
camos livremente as regras de cada país à realidade brasileira; no segundo, mais
condizente com a legislação brasileira e, de certa forma, preservando o princípio
de renda mínima, definimos que o valor do benefício poderia ser reduzido, qualquer
que fosse a condicionalidade, até o limite do SM. Os resultados estão consolidados
ao término da descrição das regras de cada país.

5. A expressão redução do valor do benefício é utilizada porque quando ocorre a morte de um segurado, o valor de referência do
benefício a ser pago aos dependentes é sempre calculado tomando-se por base o valor a que ele teria direito se estivesse vivo e pudesse
usufruir do benefício de aposentadoria.
6. Observe-se que não é possível determinar há quanto tempo essas pensionistas estão recebendo o benefício. Mas se considerarmos a
idade média do grupo composto pelos 50% mais jovens da distribuição, supondo-se que esse grupo é composto predominantemente
por aquelas que recebem o benefício há menos tempo, a média cai para 50,7 anos.

Cap11.pmd 405 23/3/2007, 17:08


406 PAULO TAFNER

As condições para o acesso aos benefícios dos países selecionados foram con-
sultadas da publicação da Social Security Administration (SSA), dos Estados Unidos.

2.1.1 Europa
Dos países europeus, dez foram selecionados. São aqueles cujos sistemas são os
mais longevos, tendo a maioria deles já experimentado processos de reformas e
ajustes. Portugal e Rússia foram incorporados por questões distintas. O primeiro,
pelas profundas e históricas relações com o Brasil e, por isso mesmo, pela herança
aqui deixada em termos de organização social e política, traços culturais e
comportamentais. O segundo porque, sendo o mais importante país do antigo
bloco socialista, enfrenta – tal como os demais países daquele bloco – sérios desafios
de estruturação institucional num sistema de mercado. Para que o leitor tenha
informações preliminares a respeito, a tabela 2 apresenta a população e a esperança
de vida da população de cada um deles, bem como os respectivos produtos per
capita expressos em dólares.

TABELA 2
Europa: população, esperança de vida, por sexo, idade média de aposentadoria e
produtos per capita, para o conjunto de países selecionados

Total da população Expectativa de vida ao nascer (anos) Idade média de PIB per capita
Países (milhões) aposentadoria (US$)
Homens Mulheres

Alemanha 82,6 76,4 82,1 61,6 27.756

Bélgica 10,4 76,5 82,7 58,1 28.335

Espanha 43,0 76,5 83,8 61,4 22.391

Finlândia 5,2 76,0 82,4 60,3 27.619

França 60,4 76,6 83,5 58,7 27.677

Itália 58,0 77,5 83,6 60,4 27.119

Noruega 4,6 77,8 82,5 63,1 37.670

Portugal 10,4 74,6 81,2 64,5 18.126

Rússia 143,0 58,7 71,8 58,3 9.230

Suécia 9,0 78,6 83,0 63,2 26.750

Suíça 7,2 78,2 83,8 64,9 30.552

Reino Unido 59,6 76,7 81,2 63,2 27.147


Fonte: SSA (2006).

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SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 407

A seguir, um resumo das condições de acesso ao benefício de pensão por


morte nesses países:
Alemanha:
Só tem direito à pensão por morte a viúva do segurado que tenha contri-
z
buído por um período mínimo de cinco anos. A pensão é paga por dois anos ao
cônjuge que não se casou novamente e que não tenha outro companheiro. A du-
ração do benefício pode aumentar se a pensionista tiver 45 anos ou mais, se tiver
filho menor de 18 anos ou se não tiver condições de trabalhar.
O valor da pensão é 100% do valor da aposentadoria do falecido (ou da
z
que ele teria direito na data do óbito) durante os três primeiros meses e, a partir de
então, 25% do valor se a pensionista tiver menos de 45 anos e 55% do valor, se a
pensionista tiver 45 anos ou mais. No caso de órfãos, 10% adicionais se órfão de
um dos pais e 20% se órfão de pai e mãe.
Bélgica:
z A pensão por morte é paga para as viúvas de 45 anos ou mais com pelo
menos um ano de casamento com o segurado.7 A condição etária é desconsiderada
caso a viúva seja incapacitada para o trabalho ou tenha crianças sob sua responsa-
bilidade. O mesmo ocorre se a morte do segurado for resultado de um acidente.
A viúva recebe 80% do valor da aposentadoria do segurado e a pensão
z
cessa caso a viúva contraia novo matrimônio. É permitido o acúmulo de pensão
com aposentadoria, porém, nesse caso, o valor da pensão acrescido da aposenta-
doria não pode exceder a 110% do valor da sua própria aposentadoria.8
Espanha:
z Para se ter direito ao benefício de pensão por morte, é necessário que o
segurado falecido tenha morrido de doença ou acidente,9 tenha pelo menos 15
anos de contribuição até o período da morte, ou pelo menos 500 dias de contri-
buição nos últimos 5 anos, ou que seja aposentado. São beneficiários da pensão: a
viúva, os filhos de até 18 anos (ou 22 se desempregados ou empregados com
salário inferior a 75% do SM), filhos de até 24 anos se órfão de mãe e com salário

7. O direito à pensão só é garantido para os cônjuges de casamento formal.


8. No Brasil, 22% das viúvas acumulam o benefício de pensão com o de aposentadoria. Na maioria dos casos (58%), o valor da pensão
é igual ao da aposentadoria, que é igual a 1 SM. Em 22% dos casos o valor da pensão é maior que o da aposentadoria e em 20% o valor
da aposentadoria é maior que o da pensão. Se o critério da Bélgica fosse aplicado no Brasil, essas pensionistas só receberiam 10% do
valor da pensão que recebem hoje.

9. Apesar de não explícito, o suicídio desabilita o dependente a receber o benefício.

Cap11.pmd 407 23/3/2007, 17:08


408 PAULO TAFNER

inferior a 75% do SM,10 filhos não capacitados para o trabalho (sem idade fixada).
Irmãos e irmãs, assim como os pais, também podem ser beneficiários.
O valor da pensão é igual a 52% da base de rendimentos do falecido ou
z
52% do valor da aposentadoria. Se existir criança como dependente, o valor será
de 70% dos rendimentos ou aposentadoria. A pensão cessa com novo matrimônio
da viúva, exceto sob certas circunstâncias de renda, idade ou incapacidade para o
trabalho, nas quais uma pensão parcial continua a ser paga.
França:
z Para a concessão de pensão por morte, é exigida do beneficiário uma idade
mínima de 52 anos de idade e renda inferior a 15 mil euros por ano. O benefício
também é pago para a esposa divorciada que não adquiriu novo matrimônio,
porém, companheiras que não se casaram não terão direito ao benefício. O valor
da pensão é 54% do valor da aposentadoria a que o segurado teria direito.
Finlândia:
z País com PIB per capita semelhante ao da França, só recebem pensão por
morte as viúvas jovens (menos de 65 anos), com filhos de até 18 anos,11 que
tenham se casado com o marido antes dos 65 anos dele e que tenham pelo menos
cinco anos de casamento. É necessário que a viúva tenha nascido no país ou que
tenha vivido na Finlândia por pelo menos cinco anos antes da data do falecimento.
z A pensão é paga somente nos seis meses seguintes ao falecimento do marido
e o valor varia de acordo com o tempo de residência na Finlândia, se o falecido
tiver mais de 65 anos. Se o falecido tiver menos de 65 anos, a pensão é paga
somente caso ele tenha vivido no país em pelo menos 80% do tempo entre o 16º
aniversário e a data de seu óbito.12
Itália:
z Para a concessão do benefício de pensão por morte não é exigida idade
mínima, não é exigido período mínimo de coabitação ou casamento nem renda
mínima. É exigida apenas uma carência de 15 anos de contribuição antes do
falecimento.13 O valor da pensão por morte varia segundo o número de dependentes:

10. Chamo a atenção do leitor para o fato de que apesar de haver o SM legal na Espanha, reconhece-se a existência de relações de
trabalho com remuneração inferior ao mínimo.

11. No Brasil, 53% das pensionistas possuem menos de 65 anos, e destas, apenas 2% possuem crianças e/ou jovens com até 17 anos.
12. A Finlândia é certamente um caso muito particular, tendo em vista que parte de sua população exerce atividades profissionais fora do
país, a ele retornando depois de encerrada a carreira laboral.

13. No caso de o tempo de contribuição ser inferior a 15 anos, havendo o óbito, e desde que haja dependentes menores, o Estado
garante uma renda mínima até a maioridade. Não é, porém, um benefício previdenciário, mas sim assistencial.

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SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 409

60%, se apenas cônjuge; 80%, se cônjuge e um filho; e 100% do valor de referência,


se cônjuge com dois filhos ou mais.14
Noruega:
País que ocupa o primeiro lugar em termos de desenvolvimento humano,
z
medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com longevidade média
de 80 anos, 99% de adultos alfabetizados e renda per capita de US$ 38.454, paga
100% do valor da aposentadoria à viúva, desde que o falecido tenha tido três anos
de cobertura antes da data da morte ou estivesse recebendo aposentadoria. É ne-
cessário o matrimônio formal de pelo menos cinco anos ou pelo menos uma
criança dependente.
z Caso a esposa tenha renda e esta ultrapasse metade do valor do benefício,
ela receberá 40% do valor da pensão. A pensão cessa caso haja novo matrimônio
da viúva.
Portugal:
O valor da pensão por morte é igual a 60% do valor da aposentadoria do
z
falecido. A pensão é limitada a cinco anos, exceto nos casos em que a viúva tenha
mais de 35 anos, seja incapaz para o trabalho ou tenha filhos menores de idade.
No caso dos segurados não-casados, os pais ou avós do segurado têm direito a
30% ou até 80% do valor da aposentadoria do falecido, dependendo do número
de dependentes.
Reino Unido:
z O benefício de pensão por morte é pago às viúvas grávidas ou com filhos.
O montante de 3.448 libras é pago imediatamente à viúva e 145 libras por semana
(valores de abril de 2006) se a viúva tiver 55 anos ou mais e uma porcentagem
desse valor se a viúva tiver entre 45 e 54 anos.
Rússia:
Os irmãos e irmãs do segurado que tenham menos de 18 anos também
z
fazem jus à pensão do falecido irmão, assim como os avós de 61 anos ou mais. As
viúvas de 55 anos ou mais, desempregadas e com filhos de 14 anos ou menos, ou
não aptas ao trabalho, também terão direito ao benefício.
zOvalor do benefício de pensão por morte é calculado a partir das diferen-
tes categorias de viúvas e do número de dependentes. A pensão não cessa com o
novo matrimônio da viúva.

14. No Brasil, do total das pensionistas, 30% não possuíam filhos morando no mesmo domicílio, 40% possuíam um filho, e as 30%
restantes possuíam dois filhos ou mais.

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410 PAULO TAFNER

Suécia:
z Tem direito à pensão por morte a viúva de até 65 anos, que estivesse casada
ou coabitasse com o falecido (sob certas condições). É necessário que o falecido
fosse segurado por pelo menos cinco anos. A pensão cessa com novo matrimônio
da viúva ou com a coabitação – nesse caso, porém, a condição de coabitação só
pode ser verificada mediante fiscalizações; ou quando a viúva atingir a idade de 65
anos.15
Somente se paga pensão por um período de 10 meses. Caso a viúva tenha
z
a custódia de uma criança de 13 até 18 anos, a pensão se estenderá por mais 12
meses. Se a viúva tiver a custódia de crianças menores de 12 anos, a pensão continua
até a mais jovem criança atingir 12 anos. O valor da pensão é igual a 55% do valor
da aposentadoria do falecido; com um órfão menor de 12 anos é 90% e com dois
ou mais nas mesmas condições, atinge 100%.
Suíça:
Para ter acesso ao benefício de pensão por morte, é necessário que o falecido
z
tenha contribuído pelo menos uma vez em cada ano desde os 21 anos. É também
necessário pelo menos um ano de contribuição. Os beneficiários são: a) a viúva
com uma ou mais crianças dependentes; b) a viúva com 45 anos ou mais com pelo
menos cinco anos de matrimônio; c) a mulher divorciada com uma ou mais crianças
dependentes com pelo menos dez anos de casamento; e d) órfãos de até 18 anos
(ou 25 anos se estudante ou estagiário/aprendiz).
z O valor da pensão é igual a 80% do valor da aposentadoria, com a quantia
mínima de US$ 657 e máxima de US$ 1.313. O valor de benefício é reajustado a
cada dois anos, segundo índices de preços.

2.1.2 Américas
Entre os mais de 20 países das Américas com sistema de previdência estruturado,
foram selecionados seis: Estados Unidos, México, Canadá, Argentina, Chile e
Costa Rica. Essa composição foi feita de modo a retratar a diversidade de sistemas
existente no continente. Na América Central, arrolamos a Costa Rica porque é o
país com o sistema previdenciário mais bem estruturado e com disponibilidade
de informações. Na América do Sul, listamos os dois mais importantes países. A
Argentina, por sua economia e população, e o Chile, por ser o país que realizou há
1/4 de século a mais radical reforma de seu sistema previdenciário e serviu de

15. Pode parecer curioso cessar o benefício quando o sobrevivente está se tornando idoso. É que nessa idade o benefício passa a ser de
aposentadoria ou de renda mínima.

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SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 411

modelo para a onda de reformas no continente latino-americano. A tabela 3 apre-


senta os principais indicadores desses países, incluindo população, esperança de
vida e produto per capita, expresso em dólares.
Tal como feito para o conjunto anterior, a seguir um resumo das condições
de acesso ao benefício de pensão por morte nesses países.
Argentina:
Para ter acesso à pensão por morte é exigido um mínimo de 30 contribuições
z
mensais nos últimos três anos e que a viúva ou companheira tenha vivido com o
instituidor por pelo menos cinco anos (dois anos se tiver criança). A viúva ou
companheira sem dependentes receberá 50% do valor de referência do pagamento
ou aposentadoria; a viúva ou companheira com um filho de até 18 anos recebe
70% do valor da aposentadoria, 90% com dois filhos na mesma condição e integral
se três ou mais filhos na mesma condição. O valor mínimo de pensão é de 390
pesos (US$ 135) e o valor máximo é de 3.100 pesos (US$ 1.076).16
Canadá:
z A pensão por morte é paga às viúvas de 60 a 64 anos. Aos 65 anos a pensão
é substituída pela aposentadoria ou benefício de renda mínima. O valor máximo
da pensão é de US$ 747 e a pensionista receberá 37,5% do valor dos rendimentos
do segurado.

TABELA 3
Américas: população, esperança de vida, por sexo, idade média de aposentadoria e
produto per capita, para o conjunto de países selecionados – 2005

Total da população Esperança de vida ao nascer (anos) Idade média de PIB per capita
Países (milhões) aposentadoria (US$)
Homens Mulheres

Argentina 38,7 71,6 79,1 60,1 12.106

Canadá 32,2 78,2 83,1 62,4 30.677

Chile 16,2 75,5 81,5 61,7 10.274

Costa Rica 4,3 76,5 81,2 58,7 9.606

México 100,1 72,4 77,4 69,8 6.290

Estados Unidos 298,2 75,2 80,6 63,9 37.562


Fonte: SSA (2005).

16. No Brasil, o valor máximo em 2004 era de R$ 2.508,72. Em 2005, R$ 2.668,15 e, em 2006, R$ 2.801,56.

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412 PAULO TAFNER

Chile:
z No Chile, o cônjuge sobrevivente sem crianças receberá uma pensão mensal
equivalente a 60% do valor da aposentadoria do instituidor; 80% para cônjuge
com até dois órfãos de 18 anos (24 anos se estudante, e sem limite de idade se
incapaz para o trabalho) e adicional de 15% para cada filho adicional na mesma
condição. Não há limite máximo de valor de pensão.
Costa Rica:
z Na Costa Rica, o valor da pensão varia com a idade da viúva: 50% do valor
se tiver menos de 50 anos; 60% se mais de 50 anos e menos de 60 anos, e 70% se
60 anos ou mais (ou não capaz para o trabalho). Pais, irmãos e irmãs dependentes
do instituidor podem receber 20% do valor da aposentadoria (cada), dependentes
com mais de 55 anos recebem 60% do valor da aposentadoria (cada).
México:
z No México, as viúvas legais ou não-legais estão habilitadas ao benefício de
pensão, sendo que as segundas, recebem somente se comprovado o vínculo e desde
que estejam com união comprovada há pelo menos cinco anos. As viúvas sem
filhos receberão a pensão por seis meses apenas e em montante equivalente a 90%
do benefício do segurado. Se tiver filhos, a mulher receberá 50% do benefício e
adicionais de 20% por filho menor de 16 anos (ou de 25 se estudante) até o limite
de 90%. No caso de contrair novas núpcias, recebe um pagamento único equiva-
lente a três anos de benefício (isso se aplica somente a sua parte).
Estados Unidos:
São beneficiárias de pensão por morte as viúvas (ou divorciadas se o casa-
mento durou pelo menos 10 anos), órfãos com menos de 18 anos ou com idade
entre 18 e 19 anos se estudantes em tempo integral, mãe e pai dependentes do
instituidor com 62 anos ou mais e com pelo menos 50% de dependência. O valor
da pensão é de 75% do valor segurado (que depende de certas circunstâncias,
como idade do instituidor) para as viúvas, as esposas divorciadas com crianças
com menos de 16 anos ou não aptas ao trabalho. A pensão não é paga às viúvas ou
esposas divorciadas com menos de 50 anos. A pensão cessa se a viúva ou esposa
divorciada contrai novo matrimônio antes dos 60 anos.

2.1.3 Ásia
O critério de seleção de países asiáticos é certamente o mais arbitrário, seja porque
há pouca informação sobre seus sistemas de previdência, seja porque há muitos

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SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 413

casos de sistemas incipientes, outros de cobertura local – de certa forma, seme-


lhantes aos primeiros registros de redes de proteção que datam da Idade Média.
Tendo em vista essa limitação, buscamos, entre aqueles que tinham informações
sistematizadas, quatro países: os dois mais populosos e os dois mais ricos (tabela 4).
Listamos a seguir as condições de acesso ao benefício de pensão por morte e
o valor do benefício nesses países.
China:
z São beneficiários da pensão por morte a esposa, as crianças e os pais do
instituidor. O valor da pensão é de 40% do valor do salário do cônjuge para as
viúvas e 30% do valor do salário para os outros dependentes, com um adicional de
10% por cada criança. A pensão máxima é igual ao salário do segurado antes da morte.
Hong Kong:
z O valor da pensão depende dos rendimentos do segurado de 1 mês antes
do falecimento ou da média dos 12 meses antes do falecimento, o que for maior.
O valor da pensão é pago de uma única vez sob a forma de pecúlio. O valor
máximo da pensão depende da idade do falecido segurado: com 56 anos ou mais
o valor é de US$ 97.047 (3,9053 PIB per capita); para os segurados de 40 a 56
anos é de US$ 161.746 (6,5089 PIB per capita) e para os segurados com menos de
40 anos é de US$ 226.444 (9,1124 PIB per capita). O valor da pensão é dividido
entre a viúva e os filhos: se existir somente a viúva e um filho, a viúva receberá
50% e o filho 50% do valor do benefício.
Japão:
z Para ter direito ao benefício de pensão por morte, é necessário contribuir
durante 2/3 do período entre os 20 anos e a data da morte, ou ser aposentado. Os
TABELA 4
Ásia: população, esperança de vida, por sexo, idade média de aposentadoria e produto
per capita, para o conjunto de países selecionados – 2005
Total da população Esperança de vida ao nascer (anos) Idade média de PIB per capita
Países (milhões) aposentadoria (US$)
Homens Mulheres

China 1.275 69,1 73,5 60,0 4.020

Hong Kong 6,8 77,3 82,8 60,8 24.850

Índia 1.008 63,6 64,9 57,7 2.840

Japão 127 77,8 85,0 66,8 25.130


Fonte: SSA (2004).

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414 PAULO TAFNER

beneficiários incluem a viúva que vivia com o segurado/aposentado, com filhos


deste na idade de até 18 anos (20 anos se não capaz para o trabalho).
O valor da pensão é fixado em 794.500 ienes17 por ano (US$ 7.210), com
z
um adicional de 228.600 ienes (US$ 2.075) para famílias com duas crianças e
76.200 ienes (US$ 692) para cada criança. O benefício é pago a cada dois meses.
Índia:
zO valor da pensão por morte é de 60% do valor da aposentadoria do
falecido (o valor médio da aposentadoria é igual a 70% do valor dos rendimentos).
São beneficiários a viúva, os filhos dependentes de até 18 anos, a mãe do falecido
e a filha solteira.

2.1.4 Síntese
Agora que estão listadas as condições de acesso e de cessação do benefício, assim
como seus valores, parece evidente que, dos países analisados, o Brasil é o que
possui condições de acesso menos restritivas ao benefício de pensão por morte:
não possui idade mínima de acesso do cônjuge, não possui carência contributiva,
permite o acúmulo de benefícios com renda de trabalho, não exige período mínimo
de coabitação nem casamento, e oferece 100% do valor segurado (aposentadoria
ou renda do trabalho) e não prevê extinção do benefício, exceto com a morte da
viúva (ou do viúvo). Uma evidência interessante é que, quanto mais rico é o país,
mais restrito é o acesso ao benefício, seja por meio de limite de idade ou por
condição de existência de criança dependente, ainda que isso esteja mudando com
as reformas que estão sendo progressivamente implementadas. No Brasil, 52% da
despesa com pensão por morte se dão com pensionistas que moram com filhos
com mais de 18 anos e 33% com pensionistas que não moram com os filhos
(tabela 5). Logo, 85% do gasto desse benefício são com pensionistas que não
possuem dependentes ou dependentes menores de idade, o que seria uma insensa-
tez se utilizássemos praticamente qualquer critério listado entre os vários existentes
no mundo.

17. US$ 1 corresponde a 110,19 ienes.

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SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 415

TABELA 5
Brasil: quantidade de pensionistas e valor da despesa segundo idade da pensionista e
presença de criança morando no domicílio – 2004

Se mora com Quantidade Valor (R$ mil/mês)


Faixa etária da viúva os filhos
Total % Total % do total

Total Total 4.839.467 100,0 2.503.877 100,0

Sem filhos 1.469.520 30,4 822.733 32,9

Mora com filho menor 796.990 16,5 374.379 15,0

Mora com filho maior 2.572.957 53,2 1.306.765 52,2

Até 50 anos Total 1.034.331 21,4 491.667 19,6

Sem filhos 102.599 2,1 43.700 1,7

Mora com filho menor 769.024 15,9 363.892 14,5

Mora com filho maior 162.708 3,4 84.074 3,4

Mais de 50 Total 3.805.136 78,6 2.096.285 83,7

Sem filhos 1.366.921 28,2 779.033 31,1

Mora com filho menor 27.966 0,6 10.487 0,4

Mora com filho maior 2.410.249 49,8 1.306.765 52,2


Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Tabulação do autor.

2.2 Pensão por morte: simulação


O Brasil tem uma despesa anual de R$ 36,202 bilhões (incluindo o 13º salário,
com valor mensal de R$ 2,784 bilhões, distribuídos entre 5,272 milhões de bene-
fícios mensais) com o benefício de pensão por morte. Nesta subseção vamos mostrar
que seria possível gastar menos se fossem utilizadas outras regras de concessão. A
tabela 6 apresenta as despesas com pensões caso adotássemos os critérios de con-
cessão dos países selecionados.
Se as condições de acesso à pensão por morte da Finlândia fossem utilizadas
no Brasil, apenas 15% dos atuais benefícios seriam mantidos, o que implicaria
que nosso gasto com pensão seria somente 13% do atual gasto mensal, com uma
economia de R$ 2,410 bilhões mensais. Essas condições combinam idade da viúva
(65 anos ou menos) e presença de criança dependente no domicílio.
Ordenado segundo a economia que poderia ser feita, em segundo lugar está
o critério da Suécia, com redução de 44% no número de benefícios, e pelo qual o
Brasil pagaria pensão somente às viúvas de até 65 anos e somente 55% do valor
que o segurado receberia como aposentadoria. Nesse caso, gastaríamos somente

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416 PAULO TAFNER

TABELA 6
Quantidade de benefícios e despesa com o benefício de pensão por morte no Brasil
segundo os critérios de concessão dos países da Europa – 2004

Benefícios Despesas por mês


Países Condição Quantidade % do Valor % do
total (R$ mil) total

Alemanha Viúva < 45 anos, 25% do valor. Viúva 45 anos ou mais,


55% do valor 5.271.838 100 1.910.776 69

Bélgica Viúva 45 anos ou mais, 80% do valor. Viúva com


aposentadoria, 10% do valor 4.558.767 86 1.901.339 68

Espanha Viúva sem limite de idade, 52% do valor. Viúva com


filhos até 18 anos, 70% do valor 5.271.838 100 1.942.621 70

França Viúva de 52 anos ou mais, 54% do valor 3.985.309 76 1.500.483 54

Finlândia Viúva com menos de 65 anos e com filhos de até 18 anos 796.990 15 374.379 13

Itália Viúva sem limite de idade, 60% do valor se cônjuge,


80% se cônjuge com uma criança, 100% se duas
crianças ou mais 5.271.838 100 2.114.074 76

Noruega Viúva sem limite de idade, 100% do valor se não tiver


outra renda ou a renda não ultrapassar 50% do valor
do benefício; 40% caso contrário 5.271.838 100 2.568.297 92

Portugal Viúva sem limite de idade, 60% do valor 5.271.838 100 2.040.949 73

Rússia Viúva de 55 anos ou mais, sem trabalho 2.201.068 42 1.275.682 46

Suécia Viúva de até 65 anos, 55% do valor 2.977.076 56 984.365 35

Suíça Viúva com crianças até 18 anos e viúva com 45 anos


ou mais, 80% do valor 5.109.859 97 2.348.039 84
Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Tabulação do autor.

35% do que gastamos hoje com pensão por morte. A terceira maior economia
seria feita se aplicássemos os critérios utilizados na Rússia, que limitaria o acesso
às pensionistas com 55 anos ou mais de idade, desde que não trabalhem ou não
tenham qualquer outra renda (redução de 58% no número de pensionistas) e
gastaria apenas 46% do valor atualmente gasto.
Para não prolongar mais, passemos aos resultados das simulações na tabela 6,
em que estão os resultados das simulações realizadas.
Se utilizássemos as condições do Canadá (viúvas entre 60 e 64 anos e 37,5%
do valor), gastaríamos somente 7% do que se gasta hoje com a pensão por morte,

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SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 417

apenas R$ 201,683 milhões por mês. Já a simulação com as condições dos Estados
Unidos, que é de viúvas com crianças, teríamos somente 11% da despesa atual
com pensão por morte concentrada em apenas 15% das atuais beneficiárias. Entre
os países selecionados da tabela 7, o terceiro critério seria o do Japão, que concede
pensão por morte a viúvas com crianças e paga 100% do valor. Nesse caso, teríamos
uma despesa de 15% dos débitos atuais.
Comparando a simulação dos países europeus (tabela 6) com as dos outros
países (tabela 7), observa-se que as condições de acesso à pensão por morte dos
países americanos em geral e do Japão produziriam a menor despesa com o benefício
de pensão por morte. Comparado com países europeus, americanos ou asiáticos,
nosso sistema é muito destoante até entre seus vizinhos.

TABELA 7
Quantidade de benefícios e despesa com o benefício de pensão por morte no Brasil
segundo os critérios de concessão dos países de América e Ásia – 2004

Benefícios Despesas por mês


Países Condição Quantidade % do Valor % do
total (mil) total

Argentina Viúva sem dependentes, 70%. Viúva com


dependentes, 100% 5.271.838 100 2.292.104 82

Canadá Viúva de 60-64 anos, 37,5% 654.031 12 201.683 7

Chile Viúva sem crianças, 60%. Viúva com crianças, 80% 5.271.838 100 2.255.735 81

Costa Rica Viúva < 50 anos, 50%. Viúva entre 50 e 60 anos,


60%. Viúva com mais de 60 anos, 70% 5.271.838 100 2.121.493 76

Estados Unidos Viúva com crianças, 75% 796.990 15 315.978 11

China Viúva sem criança, 40%. Adicional de10% por


criança 2.698.881 51 926.417 33

Japão Viúva com criança 796.990 15 374.379 13

Índia Viúva sem critério de idade, 60% do valor 5.271.838 100 2.040.949 73
a
Hong Kong Valor pago de uma única vez segundo idade da
viúva e existência de filhos. 5.271.838 100 2.292.104 82
Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Tabulação do autor.
a
O caso de Hong Kong é único, assim como o pagamento do benefício, que é feito uma única vez. Os cálculos aqui feitos são uma
aproximação, dada a regra que depende da idade no momento da morte. O PIB per capita brasileiro é de aproximadamente US$ 7.200. A uma taxa de
câmbio de R$ 2 por dólar isso equivale a R$ 14.400. Ora, se o pagamento é feito uma única vez com os parâmetros de 3,90 vezes o PIB per capita até 9,11
vezes, isso significa que o benefício seria algo entre R$ 52.236 e R$ 131.218. Supondo-se um benefício pago em 390 prestações (30 anos de benefícios), o
benefício mensal seria algo entre R$ 134 e R$ 336, equivalente a uma renda mínima mensal. Isso seria equivalente a rebaixar todas as pensões com
valores acima de R$ 400 a esse piso.

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418 PAULO TAFNER

2.3 Aposentadoria: condições internacionais de acesso


Na presente subseção faremos exercício semelhante ao realizado com o benefício
de pensão. O número de aposentados pelo Instituto de Previdência ou pelo governo
federal é três vezes maior do que o número de pensionistas. Os gastos com apo-
sentadoria no Brasil em setembro de 2004, segundo a Pnad, são de R$ 9,845
bilhões por mês.
Uma característica da concessão de aposentadoria no Brasil é a possibilidade
de uma pessoa permanecer no mercado de trabalho e receber a aposentadoria. O
acúmulo de aposentadoria e renda do trabalho é permitido nos Estados Unidos,
mas não no Canadá e na Itália. Na França é exigida a saída do emprego no qual se
aposentou, porém, é permitido trabalhar em outro emprego e assim acumular
aposentadoria e renda do trabalho. No Brasil, quase 1/3 dos aposentados trabalham.
Outra característica da concessão de aposentadorias no Brasil é a idade mí-
nima. Somente na Itália e no Brasil é possível se aposentar sem idade mínima.
Entretanto na Itália isso não será mais possível porque já existe uma regra de
transição que eliminará essa brecha. Outra questão ainda relacionada à idade mí-
nima é a diferenciação por sexo. A Alemanha, o Canadá, os Estados Unidos, o
México e a França são países onde a idade mínima para obter aposentadoria não
difere por sexo.
A seguir apresentaremos as condições de qualificação das aposentadorias em
vários países. Selecionamos os países que exigiam condições de qualificação menos
restritivas.

2.3.1 Europa
Bélgica:
z A aposentadoria exige idade mínima de 60 anos com 35 anos de contri-
buição para homens e mulheres. A expectativa de vida é de 76 anos para homens
e 83 anos para as mulheres.
França:
z A aposentadoria só pode ser concedida à idade mínima de 60 anos de
idade, sem diferenciar por sexo, e 37,5 trimestres de contribuição. É exigida a
saída do emprego no qual foi requerida a aposentadoria.
Alemanha:
zJá as condições de elegibilidade às aposentadorias também são relacionadas
à idade mínima de 60 anos. O tempo de contribuição mínimo é que varia de

Cap11.pmd 418 23/3/2007, 17:08


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 419

acordo com o sexo do segurado: para homens são exigidos 15 anos de contribuição
e para as mulheres o tempo de contribuição pode reduzir-se para 10 anos, depen-
dendo das condições.
Itália:
z Possui 20% de sua população com 65 anos ou mais. Possui regras de
transição após a reforma dos anos 1990. A regra de transição não exige idade
mínima, mas na regra permanente é exigida a idade mínima de 57 anos.
Suécia:
z País com 17% da população com 65 anos ou mais de idade, exige como
idade mínima para aposentadoria 61 anos, sem diferenciar por sexo.
Reino Unido:
z Não existe aposentadoria programada. A aposentadoria que existe é do
tipo basic state retirement pension flat-rate e requer contribuições pagas ou creditadas
referentes a 90% dos anos de trabalho (geralmente 44 anos para homens e mulheres).
A idade para acesso a esse benefício é 65 anos para homens e 60 para mulheres,
aumentando gradualmente para 65 anos de 2010 até 2020.

2.3.2 Américas
Estados Unidos:
z País com expectativa de vida de 75 anos para homens e 80 anos para
mulheres, possui idade mínima de 62 anos para concessão de aposentadoria, sem
diferenciação por sexo. São exigidos dez anos de contribuição e é permitido ao
aposentado permanecer no mercado de trabalho.
Canadá:
z Possui idade mínima de 60 anos de idade, sem diferenciar por sexo. Não
exige tempo mínimo de contribuição. É o país da América com maior expectativa
de vida de sua população: 78 anos para homens e 83 para mulheres.
Chile:
z É exigida uma idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulher,
com dez anos de contribuição. É possível reduzir as exigências, dependendo do
montante acumulado. A continuação do aposentado no mercado de trabalho de-
pende de sua ocupação.

Cap11.pmd 419 23/3/2007, 17:08


420 PAULO TAFNER

México:
z Não tem diferenciação por sexo para a idade mínima de se aposentar:
todos se aposentam aos 64 anos. À semelhança dos japoneses, os trabalhadores
postergam a aposentadoria. O tempo de contribuição e serviço exigido é de pelo
menos 30 anos, para homens e mulheres.
Argentina:
z Assim como o Brasil, possui diferenciação por sexo para a idade mínima
de se aposentar: 60 anos para homens e 55 anos para mulheres. Porém, as idades
aumentarão para 65 e 60 nos próximos anos. O tempo de contribuição e serviço
exigido é de pelo menos 30 anos, para homens e mulheres. Já possuía 10,2% de
sua população com 65 anos ou mais (SSA, 2005).

2.3.3 Ásia
Japão:
z A pensão programada é paga entre as idades de 60 e 64 anos. Não há
diferenças de idade mínima entre os sexos. Não é exigido que o aposentado deixe
o emprego. No Japão cerca de 17% da população possui 65 anos ou mais e a
expectativa de vida é de 78 anos para homens e 85 anos para mulheres.
China:
z A idade mínima para aposentadoria programada é de 50 anos para homens
e 45 anos para as mulheres, com 10 anos de cobertura.

2.3.4 Síntese
Dos países analisados, o Brasil é o que possui regras menos restritivas para a con-
cessão de aposentadorias programadas: não existe limite mínimo de idade e são
necessários 35 anos de contribuição para homens e 30 para as mulheres. Nos
países analisados, todos definiram limite mínimo de idade e a maioria não dife-
renciou por sexo.
As mulheres representam 46% dos beneficiários de aposentadorias do Instituto
de Previdência ou do governo federal com uma despesa de 36% desse benefício.
Essa diferença relativa é observada principalmente entre as idades de 50 a 59 anos,
para homens e mulheres (tabela 8).
A seguir, como fizemos no caso anterior, apresentaremos as condições de
acesso às aposentadorias programadas em outros países simulando-as no Brasil,
segundo o critério de idade mínima.

Cap11.pmd 420 23/3/2007, 17:08


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 421

TABELA 8
Brasil: quantidade de benefícios e despesa com o benefício de aposentadoria – 2004
Quantidade Despesa/mês
Sexo e faixa etária
Total % Valor (R$ mil) %
Total 15.327.835 100 9.845.295 100
Masculino 8.231.864 54 6.340.581 64
Feminino 7.095.971 46 3.504.714 36
Homens 8.231.864 100 6.340.581 100
Até 49 anos 611.886 7 419.462 7
50-59 1.577.303 19 1.683.614 27
60-64 1.412.252 17 1.076.288 17
65 ou + 4.629.953 56 3.160.183 50
Sem declaração de idade 470 0 1.034 0
Mulheres 7.095.971 100 3.504.714 100
Até 44 anos 137.536 2 59.330 2
45-49 199.275 3 143.882 4
50-59 1.438.927 20 1.036.037 30
60-64 1.285.546 18 650.099 19
65 ou + 4.033.368 57 1.615.023 46
Sem declaração de idade 1.319 0 343 0
Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Tabulação do autor.

2.4 Simulação das condições internacionais de aposentadoria no Brasil


No caso de regras de acesso ao benefício de aposentadoria, a experiência interna-
cional está caminhando para recuperar o sentido de seguro que motivou a im-
plantação desse instituto, mesmo nos sistemas de repartição em que essa noção é
menos evidente, como procuramos mostrar neste trabalho. Basicamente dois
parâmetros podem ser ajustados, sendo o primeiro deles o mais usual: a idade de
acesso ao benefício e a taxa de reposição. No exercício que fazemos nesta subseção,
utilizaremos apenas a primeira variável, fixando assim a idade mínima de aposen-
tadoria. Utilizando como critério a idade em torno da qual a maioria dos sistemas
está estruturada, 65 anos para homens e 60 para mulheres (como Reino Unido e
Chile) – preservando dessa forma a diferença de tratamento entre sexos atualmente
existente no Brasil –, a despesa com aposentadorias seria 45% menor do que a que
efetivamente se realiza hoje e somente 65% dos benefícios seriam mantidos. Essa
seria a maior redução de custos, como pode ser visto na tabela 9.
Apresentadas essas contas iniciais, na seção 3 faremos algumas simulações
testando as propriedades redistributivas de nosso sistema de previdência. Nosso

Cap11.pmd 421 23/3/2007, 17:08


422 PAULO TAFNER

TABELA 9
Quantidade de benefícios e despesa com o benefício de aposentadoria no Brasil segundo
os critérios de concessão dos outros países – 2004

Benefícios Despesas
Países Idade mínima Quantidade % do Valor % do
total total

Alemanha, Bélgica, França, Canadá, Japão 60 anos 11.361.119 74 6.501.592 66

Itália 57 12.546.108 82 7.492.033 76

Suécia 61 10.832.895 71 6.153.614 63

Estados Unidos 62 10.327.777 67 5.826.756 59

Reino Unido e Chile 65 homens e 60 mulheres 9.948.867 65 5.425.304 55

Argentina 60 homens e 55 mulheres 12.325.980 80 7.102.599 72

China 50 homens e 45 mulheres 14.576.624 95 9.365.126 95


Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Tabulação do autor.

objetivo é verificar quão redistributivo seria nosso sistema, caso fossem adotados
critérios gerais utilizados na grande maioria dos países. É o que será visto a seguir.

3 SIMULAÇÕES DAS PROPRIEDADES REDISTRIBUTIVAS DO SISTEMA


PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO
À semelhança do que fizemos na seção anterior, procederemos agora a algumas
simulações testando as propriedades redistributivas de nosso sistema de previdência.
Passemos então à análise.
Vimos nas duas seções anteriores que é possível gastar menos com os benefícios
de pensão por morte e aposentadorias no Brasil com maior restrição ao acesso a
esses benefícios, como ocorre em vários países.
Nesta seção vamos verificar se é possível, gastando o mesmo montante, me-
lhorar as condições de vida da população como um todo, através de outra regra
distributiva aplicada ao sistema previdenciário. Devemos chamar a atenção para o
fato de que regra distributiva é, em nosso caso, a aplicação de regras institucionais que
regulam as condições de acesso e de fixação do valor dos benefícios. Basicamente
o que faremos é uma análise de custo-efetividade de uma dada ação pública que
consiste em avaliar se um certo nível de bem-estar pode ser obtido com menos
recursos, ou, alternativamente, se com o uso de um dado montante de recursos
pode-se obter maior nível de bem-estar.

Cap11.pmd 422 23/3/2007, 17:08


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 423

Apesar da queda recente da desigualdade de renda, o Brasil ainda apresenta


uma das mais elevadas desigualdades de renda do mundo. Significa, por exemplo,
que a renda apropriada pelo grupo de indivíduos que compõem a parcela do 1%
mais rico da população é da mesma magnitude daquela apropriada pelos 50%
mais pobres. Uma redução na desigualdade pode se dar pela redução da renda
apropriada pelos mais ricos, por maior apropriação de renda pelos mais pobres,
ou por uma combinação de ambos. Antes de fazermos os testes da propriedade
distributiva de alterações legais em nosso sistema previdenciário, vamos analisar a
evolução dos principais indicadores de desigualdade de renda e de pobreza no
Brasil. Ao término, faremos a simulação.

3.1 A evolução da desigualdade e da pobreza no Brasil


O grau de desigualdade de renda no Brasil é um dos mais elevados em todo o
mundo. Os 10% mais ricos da população se apropriam de 45% da renda total,
enquanto os 40% mais pobres se apropriam de apenas 9% da renda. Há diferentes
medidas de desigualdade, sendo a mais comum aquela que parte da renda domi-
ciliar per capita. O grau de desigualdade de renda é medido através do coeficiente
de Gini, que varia de 0 a 1, sendo a unidade equivalente à concentração absoluta
e o valor nulo equivalente à distribuição perfeita da renda. Outro índice muito
utilizado é o índice de Theil, também um indicador consagrado na literatura para
a análise da desigualdade.18
Como podemos observar no gráfico 1, em que estão apresentados os índices
de Gini e de Theil, a partir de 2001 houve uma ligeira redução na desigualdade de
GRÁFICO 1
Brasil: evolução do coeficiente de Gini e do índice de Theil
(Gini) (Theil)
0,70 1,0
0,907 0,885
0,68 0,9
0,867 0,744 0,765
0,66 0,8
0,634 0,7
0,64
0,623 0,675 0,689 0,656 0,6
0,62
0,594 0,596 0,612 0,6 0,5
0,60 0,593
0,589 0,4
0,58 0,3
0,582 0,588 0,587 0,58 0,569
0,56 0,2
0,54 0,1
0,52 0,0
76 977 978 979 981 982 983 984 985 986 987 988 989 990 992 993 995 996 997 998 999 001 002 003 004
19 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2

Fonte: Barros et al . (2000; 2006). Gini Theil

18. Para uma excelente exposição sobre índices de desigualdade, ver Ramos (1990) e Barros e Ramos (1991).

Cap11.pmd 423 23/3/2007, 17:08


424 PAULO TAFNER

renda no Brasil (4% de redução, no Gini). Ao longo do período analisado, há dois


subperíodos com forte queda na desigualdade: o primeiro ocorre entre 1977 e
1979 e reflete a regra de reajustamento salarial da época que dava ganhos aos
salários mais baixos e impunha perdas aos mais elevados. Nesse subperíodo o
coeficiente de Gini foi reduzido em quase 7%. O segundo subperíodo, também
com forte redução, ocorreu entre 1989 e 1992. A redução nesses períodos pode
também ser observada no índice de Theil (gráfico 1).
Apesar da redução ocorrida nesses períodos e da trajetória mais suave de
queda a partir de então, quando comparados com outros países, os dados mostram
que somos um dos países mais desiguais do mundo, e que apenas a África do Sul
e o Malavi têm grau de desigualdade de renda maior que o do Brasil (gráfico 2).

GRÁFICO 2
Grau de desigualdade de renda em vários países: índice de Gini
África do Sul
Malavi
Brasil
Guatemala
Chile
Panamá
Quênia
Venezuela
Colômbia
México
Costa Rica
Hong Kong
Peru
Bolívia
Austrália
Uganda
Nova Zelândia
Marrocos
Costa do Marfim
Estados Unidos
China
Portugal
Japão
Dinamarca
Polônia
Suécia
Itália
Índia
Iugoslávia
Sri Lanka
Holanda
Canadá
Bélgica
Espanha
Ucrânia
Eslováquia
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7

Fonte: Extraído de Barros et al. (2000). Dados do Banco Mundial.

Cap11.pmd 424 23/3/2007, 17:08


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 425

Outra forma de mensurar a desigualdade de renda de um país é através da


razão entre a renda média dos 20% mais ricos e a dos 20% mais pobres, e a mesma
razão para os 10% mais ricos e os 40% mais pobres. Quanto menor for a razão,
menos desigual será a distribuição de renda, com os mais ricos se apropriando de
uma parcela da renda média mais próxima da dos mais pobres. No Brasil, ambas
estão acima de 20 e são superiores às da maioria dos países, como revela o gráfico 3.

GRÁFICO 3
Razão entre a renda dos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres
Brasil
Panamá
Peru
Botsuana
Quênia
Costa do Marfim
México
Colômbia
Nepal
Turquia
Costa Rica
Fiji
Filipinas
Argentina
Portugal
Índia
Austrália
Hong Kong
Nova Zelândia
Itália
França
Canadá
Estados Unidos
Dinamarca
Reino Unido
Espanha
Irlanda
Noruega
Finlândia
Suíça
Alemanha
Japão
Hungria
Bélgica
Holanda
0 5 10 15 20 25 30

Fonte: Barros e Mendonça (2005).

3.2 A pobreza no Brasil


Há diversas maneiras de se definir pobreza, mas é geralmente aceita a idéia de que
ela ocorre quando o indivíduo não consegue manter um padrão mínimo de vida.
Neste trabalho utilizamos a pobreza definida como insuficiência de renda, ou
seja, há pobreza se existem pessoas vivendo com renda familiar per capita inferior

Cap11.pmd 425 23/3/2007, 17:09


426 PAULO TAFNER

ao mínimo necessário para que possam satisfazer as necessidades mais básicas,


como alimentação, vestuário, habitação e transporte. A linha de pobreza equivale
a esse mínimo necessário e é freqüentemente utilizada para quantificar a proporção
de indivíduos e famílias que vivem com renda inferior a esse mínimo. Para esti-
marmos os efeitos distributivos de nossas simulações, utilizaremos a linha de pobreza
regionalizada construída pelo Ipea e apresentada na tabela 10.

TABELA 10
Linhas de pobreza regionais – 2004
Regiões Linhas de pobreza (R$ de 2004)
Norte
Belém– região metropolitana (RM) 157,56
Norte – área urbana 162,92
Norte – área rural 142,55
Nordeste
Fortaleza – RM 140,41
Recife – RM 184,35
Salvador – RM 173,63
Nordeste – área urbana 158,63
Nordeste – área rural 141,48
Sudeste
Rio de Janeiro – RM 176,85
Rio de Janeiro – área urbana 150,05
Rio de Janeiro – área rural 135,05
São Paulo – RM 177,92
São Paulo – área urbana 157,56
São Paulo – área rural 128,62
Belo Horizonte – RM 138,26
Sudeste – área urbana 124,33
Sudeste – área rural 106,11
Sul
Paraná – RM 197,21
Curitiba – RM 162,92
Sul – área urbana 155,41
Sul – área rural 141,48
Centro-Oeste
Distrito Federal –- RM 153,27
Centro-Oeste – área urbana 131,83
Centro-Oeste – área rural 115,76
Fonte: Ipea/Dimac.

Cap11.pmd 426 23/3/2007, 17:09


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 427

São considerados como pobres todos os indivíduos que possuem renda familiar
per capita inferior à linha de pobreza (L). As informações disponíveis na Pnad de 2004
revelam que naquele ano 37% da população brasileira vivia em famílias com renda
inferior à linha de pobreza, totalizando 66 milhões de brasileiros. Apesar de reduções
espasmódicas ao longo do tempo, lamentavelmente a proporção de pobres tem se
mantido constante, oscilando entre 30% e 40%, exceto nos anos de 1986 (Plano
Cruzado) e em 1994 (implementação do Plano Real), como mostra o gráfico 4.
Aspecto especialmente relevante para nosso trabalho é a distribuição de pobreza
entre os grupos etários. Como discutimos ao longo deste trabalho, sistemas de
repartição, como é o caso do sistema brasileiro, transferem renda líquida para os
grupos mais velhos da sociedade, com efeitos negativos sobre a transferência de
renda para os mais jovens. De fato, a incidência de pobreza é muito maior entre os
jovens do que entre adultos, e especialmente entre idosos. Observe-se no gráfico 5
GRÁFICO 4
Brasil: evolução do percentual de pobres
60

50

40

30

20

10

0
82

93
84

96
83

95
85

97
78

89

02
86

87

98

99
77

79

81

88

90

92

01

03

04
19

19
19

19
19

19
19

19
19

19

20
19

19

19

19
19

19

19

19

19

19

20

20

20

Fonte: Barros et al . (2000; 2006).

GRÁFICO 5
Brasil: percentual de pobres por idade – 2004
(Em %)
70,0
0,5727
60,0
0,5335
50,0
0,4177
40,0
0,3282 0,2996
30,0
0,25156 0,2302
20,0
0,1310
10,0

0,0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80
Idade
Fonte: Pnad de 2004. Tabulação do autor.

Cap11.pmd 427 23/3/2007, 17:09


428 PAULO TAFNER

que, em 2004, entre as crianças de até 13 anos, mais de 50% são pobres; entre os 18
e os 40 anos a incidência de pobreza é de 30%, mas, a partir dos 60, é inferior a 20%.
A idéia de um pacto de solidariedade geracional não se sustenta diante desse
quadro, até porque, ao contrário do que se alega com certa freqüência, a renda
recebida pelos idosos não é transferida para os mais jovens, filhos e netos desses idosos.
Se assim o fosse, não haveria essa desproporção de pobreza segundo a idade.
Quando tratamos de pobreza, é inexorável que surja o conceito de hiato
médio de renda.19 Trata-se de uma medida da proporção da renda que precisaria
ser redistribuída entre os pobres para que todos ficassem com a mesma renda,
equivalente à que os tirasse da pobreza. É calculado a partir da seguinte fórmula:

α
1  L − Wi 
P (α) = ∑ 
n Wi <L  L 

onde Wi é a renda da i-ésima pessoa pobre, n é o tamanho da população de uma


região e L é a renda da linha de pobreza.
Como pode ser observado no gráfico 6, o hiato quadrático médio de renda
tem oscilado bastante, com uma suave tendência de queda. Em 2004, o hiato
quadrático médio da renda dos pobres do Brasil era de 15%, o que significa que
os pobres brasileiros necessitavam, em média, de mais 15% da renda familiar que
possuíam para saírem da pobreza.
Como toda média, esconde diferenças importantes e significativas, no nosso
caso, mais uma vez, estamos interessados em saber se o hiato se distribui unifor-
memente segundo os grupos etários. O gráfico 7 apresenta os resultados do hiato

19. A classe de indicadores de intensidade de pobreza é conhecida como indicadores de Foster-Greer-Throbecke. Sua expressão geral é
dada por:

α
1  L − Wi 
P (α) = ∑ 
n W <L L 

i

onde:
L é uma linha de pobreza e n é o tamanho da população de um dado grupo socioeconômico;
Wi é a renda da i-ésima pessoa;
α = 0,1,2 e indica, respectivamente, o tipo de medida de pobreza, P0, P1 ou P2.
P0 é a proporção de pessoas pobres;
P1 é o hiato médio de renda; e
P2 é o hiato quadrático médio de renda, uma medida mais sensível a valores extremos do que o hiato médio de renda.

Cap11.pmd 428 23/3/2007, 17:09


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 429

GRÁFICO 6
Brasil: evolução do hiato quadrático médio de renda dos pobres
(Em %)
25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
77 78 79 81 82 83 84 85 86 87 988 989 990 992 993 995 996 997 998 999 001 002 003 004
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2

Fonte: Barros (2000; 2006).

GRÁFICO 7
Brasil: hiato médio de renda por idade, dentre os pobres – 2004
(Em %)
60
0,4773
50
0,4168
40
0,3657 0,2573
30

20

10

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80
Idade da população
Fonte: Pnad de 2004. Tabulação do autor.

médio P1, por idade. É bastante evidente que o hiato de renda entre crianças e
jovens é quase o dobro do hiato entre idosos. Esse resultado, combinado com as
informações do gráfico 5, indica claramente que a pobreza entre crianças e jovens
não apenas é mais freqüente, como também é mais aguda, mais intensa.

3.3 Simulação do efeito da transferência de renda dos benefícioc sobre a


desigualdade e a pobreza
O rendimento médio domiciliar per capita das pessoas que recebem os benefícios
de aposentadoria e pensão é maior do que aqueles que não recebem os benefícios,
principalmente no último decil de rendimento, ou seja, dentre os 10% mais ricos
da população (tabela 11).
Quanto essas pessoas mais ricas recebem de aposentadoria? E de pensão?
Observe-se que a faixa de rendimento de aposentadoria de 10 SMs ou mais é

Cap11.pmd 429 23/3/2007, 17:09


430 PAULO TAFNER

TABELA 11
Renda média per capita de diversos segmentos segundo decis de renda
(Em R$)

Decis de renda População total com renda Aposentados Pensionistas Não-beneficiários

1º 33,97 48,41 47,54 33,85

2º 74,83 77,04 78,04 74,74

3º 108,38 108,93 108,82 108,35

4º 143,47 141,09 141,35 143,70

5º 186,03 185,13 186,25 186,09

6º 242,07 250,93 249,21 240,18

7º 309,13 308,44 307,96 309,24

8º 421,92 417,22 419,93 422,58

9º 636,78 630,78 618,73 638,10

10º 1.762,31 1.936,31 1.843,15 1.727,19


Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Tabulação do autor.

muito maior no último decil de renda do que nos outros decis: cerca de 15% dos
domicílios mais ricos possuem aposentados com esse valor de benefício conforme
apresentado no gráfico 8.
Também no caso das pensionistas há muita semelhança. No grupo das que
vivem em domicílios nos quais estão os 10% mais ricos, destacam-se as pensões
de mais de 5 até 10 SMs (26%), e as pensões de mais de 10 SMs (gráfico 9). São
cerca de 87 mil viúvas do último decil de rendimento domiciliar per capita e com
benefício de pensão de mais de 10 SMs e, entre elas, 42% vivem em domicílios
sem os filhos, 37% vivem em domicílios com um filho com mais de 18 anos, e
11% vivem com mais de um filho maior de idade no mesmo domicílio. Resumindo:
entre as viúvas do último decil de rendimento com mais de 10 SMs de pensão,
apenas 10% possuem como dependentes filhos com menos de 18 anos. Vimos na
seção anterior deste artigo que a presença de crianças dependentes é uma das
condições de acesso ao benefício de pensão por morte em muitos países.
Vamos verificar se é possível, gastando o mesmo montante de dinheiro,
melhorar as condições de vida da população como um todo, simplesmente através
da implementação de regras previdenciárias que reduzam o caráter concentrador
de nosso sistema. Para tanto, vamos supor que todas as pessoas que recebem apo-
sentadoria continuarão a receber seu benefício, porém, com uma redução do seu

Cap11.pmd 430 23/3/2007, 17:09


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 431

GRÁFICO 8
Rendimento de aposentadoria segundo os decis de rendimento
domiciliar per capita
(Decis)
14 8 9 29 26 15
10º

37 15 14 24 10 1

51 20 11 15 3

63 19 11 7 1

87 8 2 2

83 11 4 2

89 8 2

88 10 2

95 4

97 2 1

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Em % Até 1 SM 1-2 SMs 2-3 SMs


Fonte: Pnad de 2004. 3-5 SMs 5-10 SMs Mais de 10 SMs

valor atual. Trata-se de uma restrição fundamental, pois é o equivalente jurídico a


preservar direitos.
Para as pensões, utilizaremos as regras de acesso da Itália, onde as viúvas
recebem, independentemente da idade, 60% do valor da aposentadoria do falecido
no caso de não ter criança no domicílio, 80% caso haja uma criança, e 100% do
valor no caso de duas ou mais crianças. Se a redução fizer o benefício ficar menor
do que R$ 260 (1 SM de 2004), a viúva receberá 1 SM. Isso significa que a
redução de 40% só será aplicada às pensões acima de R$ 433,33; no caso da
redução de 20%, somente para as pensões acima de R$ 325. O montante que
deixará de ser pago com as pensões é de R$ 680.796 mil/mês, aproximadamente
24% do total de despesas com pensões.

Cap11.pmd 431 23/3/2007, 17:09


432 PAULO TAFNER

GRÁFICO 9
Rendimento de pensão segundo os decis de rendimento domiciliar per capita
(Decis)
19 14 10 26 20 12
10º 8

48 22 13 13 4

58 26 8 8 1
8º 29

64 25 7 4
7º 29

85 11 2 2

77 18 4 1

84 13 2

85 13 1

94 6

94 6

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Em % Até 1 SM 1-2 SMs 2-3 SMs


Fonte: Pnad de 2004. 3-5 SMs 5-10 SMs Mais de 10 SMs

Observe-se que o uso do critério adotado na Itália decorre do princípio de-


finido de não retirar de nenhum indivíduo o benefício já adquirido. Note-se,
ainda, que, complementarmente, a adoção do critério italiano é o que, atendendo
à restrição de não haver redução quantitativa de benefícios, garante o maior volume
de despesas.
No caso das aposentadorias, 3% dos aposentados recebem mais de 10 SMs
de aposentadoria, representando 23% dos gastos com esse benefício. A redução
para efeito da simulação aqui realizada será de 20% do excedente do limite de 10
SMs para aposentadorias entre 10 e 20 SMs e, para as aposentadorias de mais de
20 SMs, cumulativamente, 40% do excedente de 20 SMs, totalizando R$ 668.918
mil de redução. O total de recursos dos benefícios é de R$ 1.349.715 mil/mês e
será distribuído segundo a carência de renda dos pobres.

Cap11.pmd 432 23/3/2007, 17:09


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 433

Apesar de ser um critério ad hoc, partimos do princípio de que não haveria


redução de quantitativo. Logo, mesmo que houvesse alteração de idade, o que
deve ser feito para os futuros aposentados, isso não valeria para os atuais, dada a
restrição imposta. Mas a questão é: o que justificaria reduzir o benefício de alguém
que já o recebe? Em primeiro lugar, pode-se, sem risco de erro, argumentar que
dadas as condições demográficas atuais, todos os que se aposentam antes dos 65
anos irão receber transferências líquidas da sociedade, ou seja, contribuíram com
menos do que irão receber.
Como existe correlação altíssima entre os que se aposentam antes disso, o
tipo de aposentadoria e o valor da aposentadoria, como bem demonstraram
Giambiagi et al. (2004) é razoável admitir que as mais elevadas aposentadorias são
recebidas por trabalhadores mais escolarizados, que se aposentaram por tempo de
contribuição e que, além das elevadas aposentadorias recebidas, se aposentaram
mais cedo do que os que se aposentam por idade.
Como dito, a parcela de recursos obtida com a aplicação dos critérios enun-
ciados será transferida segundo a carência de renda dos mais pobres. Esta – a
carência de renda no Brasil – por sua vez, pode ser medida através da diferença
entre a linha de pobreza e o rendimento mensal per capita do indivíduo. A carência
total de renda é 3,3 superior ao montante que será retirado dos benefícios e
redistribuído entre os mais pobres nesta simulação, o que significa que a potência
da medida é pequena diante do grau de pobreza existente no país. Cerca de 23%
dos pobres possuem carência de renda de mais de R$ 100 até R$ 197,21 (tabela 12).
Aproximadamente 50% dos pobres com carência de mais de R$ 100 é formada
por jovens de até 15 anos (gráfico 10).
Com o repasse, 5.420 mil pessoas deixariam de ser pobres (redução de 3%)
e o percentual de pobres no Brasil passaria de 36% para 33%. A redução na região

TABELA 12
Brasil: carência de renda segundo os valores – 2004

Quantidade Valor (R$ mil)


Carência de renda
Total % Total %

Total 66.124.094 100 4.476.676 100

Até R$ 50 24.918.697 38 639.807 14

Mais de R$ 50 até R$ 100 25.849.168 39 1.925.612 43

Mais de R$ 100 até R$ 200 15.356.229 23 1.911.257 43


Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Tabulação do autor.

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434 PAULO TAFNER

GRÁFICO 10
Brasil: carência de renda segundo a idade – 2004
(Em R$ )
50 10 15 12 8 4 11
Mais de 100 até 200

44 10 15 13 9 5 12

Mais de 50 até 100

35 11 17 14 10 8 2 4
Até 50

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Em % 0-15 16-20 21-30 31-40

Fonte: Pnad de 2004. 41-50 51-60 61-64 65 e +

Nordeste seria muito maior: cairia de 62,7% para 51,7% o número de pobres, e
na região Norte o número também cairia de 51,9% para 45,9%. A redução de
pobreza entre os mais jovens é grande: a pobreza se reduz em 10% para as pessoas
de até seis anos de idade (gráfico 11).
Visto o impacto sobre pobreza, o que dizer quanto à desigualdade de renda?
A razão de renda média entre os 20+ e 20– reduziu de 21,9 para 18,9 e a de 10+/
40– de 19,5 para 17,9. A renda apropriada pelos 20% mais pobres aumentou
15% com a simulação. O grupo formado pelo 4º quintil de renda per capita,
como previsto de acordo com os critérios adotados, foi o que mais perdeu com a
transferência dos benefícios simulada neste trabalho, mas, ainda assim, sua perda
é diminuta ante os ganhos de redução de pobreza e desigualdade: apenas 2% da
renda apropriada.

GRÁFICO 11
Brasil: percentual de pobres por idade antes e após redistribuição
e redução da pobreza – 2004
1,0
0,9
0,8 Redução da pobreza
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0,0
0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30 33 36 39 42 45 48 51 54 57 60 63 66 69 72 75 78
Idade
Fonte: Pnad de 2004. Distribuição original Nova distribuição

Cap11.pmd 434 23/3/2007, 17:09


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 435

O gráfico 12 mostra por quintil de renda o efeito de uma redistribuição no


âmbito do sistema previdenciário brasileiro. É realmente impressionante que, en-
quanto os grupos mais pobres têm ganhos expressivos de renda, os segmentos de
renda mais alta apresentam perdas relativamente insignificantes.
Os resultados aqui encontrados mostram que, utilizando o mesmo volume
de recursos é possível recorrer a mecanismos distributivos mais eficientes com a
finalidade de reduzir a pobreza e a desigualdade. De fato, a idéia abraçada por
alguns analistas de que a previdência deve ser entendida como um programa de
renda mínima universal, com caráter assistencial e redistributivo, sem correspon-
dência contributiva, em que as contribuições devem ser pagas conforme a dispo-
nibilidade de cada indivíduo, e os benefícios recebidos conforme a necessidade
(DELGADO; CARDOSO JR., 2000; DELGADO, 2005; LAVINAS, 2006, entre outros) é
algo que deve ser analisado com mais vagar, à luz dos resultados aqui indicados.
Dois dos argumentos mais freqüentemente utilizados para a defesa da previ-
dência como “renda mínima” ou como um programa sem correspondência
contributiva são o seu caráter de redução da pobreza e da desigualdade social,
tanto no âmbito individual quanto no familiar, e por ser uma garantia e uma
defesa de renda contra a informalidade e a “precarização” das relações de trabalho
presentes e crescentes em nossa economia. Ambos os argumentos são verdadeiros.
Mas apenas parcialmente verdadeiros.20
GRÁFICO 12
Brasil: taxa de crescimento de renda per capita com a simulação
(Em %)
36,1

14,5

0,9 –3,6 –2,2

1º 2º 3º 4º 5º
Quintil de renda domiciliar per capita

Fonte: Pnad de 2004.

20. Uma terceira vertente procura associar a redução de desigualdade decorrente da previdência social com ganhos de crescimento
econômico. Silva e Pires (2006, p. 19) afirmam que: “Em que medida essa expansão (dos gastos) é maléfica ao crescimento econômico?
Imaginamos que a resposta a essa pergunta não é tão simples como propalado entre esses especialistas, porém, alguns insights podem
ser obtidos. Por exemplo: existem evidências empíricas que relacionam menor desigualdade de renda a maior taxa de crescimento
econômico.” Obviamente que também nesse caso a pergunta é: existe alguma ferramenta que permita o mesmo ganho em termos de
distribuição de renda a um custo menor? E a resposta é sim, existe.

Cap11.pmd 435 23/3/2007, 17:09


436 PAULO TAFNER

Parece consenso entre os analistas que de fato a previdência social – aí incluída


sua componente assistencial – atua fortemente na redução da pobreza individual
e familiar e também da desigualdade.21 De fato, após o pagamento de aposentadorias
e pensões para as famílias, a pobreza é reduzida.
A redução da pobreza não deve, entretanto, nos conduzir a um raciocínio
equivocado: o fato de o sistema previdenciário reduzir a pobreza não implica ser
correto utilizar esse instrumento como redutor de pobreza e tampouco implica
que o instrumento seja eficientemente utilizado, isto é, não significa que o instru-
mento seja aquele que produzirá os melhores resultados em termos de redução de
pobreza e de desigualdade.
Quanto ao primeiro ponto, parece bastante evidente que o legislador consti-
tuinte reservou o terceiro componente da seguridade social, a previdência, como
um componente de seguro social, com claros vínculos contributivos. Reza o caput
do artigo 201 da Constituição Federal que “Os planos de previdência social, me-
diante contribuição, atenderão, nos termos da lei a: (...)” (grifo nosso). Tratar, por-
tanto, a previdência como programa de distribuição de renda, ou de renda mínima,
parece-nos subverter a vontade do legislador constituinte. Isso é tão mais evidente,
quando se constata que o próprio legislador definiu, no âmbito da seguridade
social, o componente assistência, este sim, com caráter claramente redistributivo.
Quanto ao segundo ponto, basta indicar que se houver dois indivíduos pobres,
sendo um deles muito mais pobre do que o outro, se a política pública dedicar
recursos ao menos pobre, certamente diminuirá a pobreza, mas não atingirá o mais
pobre deles nem tampouco atingirá sua potência máxima. Por isso mesmo, reduzir a
pobreza não significa necessariamente atender aos mais pobres, mas apenas aos pobres.
Seria possível idealizar um programa de transferência de renda – radicalizado
o argumento de que a previdência deve ser utilizada como instrumento redutor
da pobreza e da desigualdade, sem guardar relação contributiva – focalizado nos
mais pobres. Exatamente isso foi feito no exercício anteriormente apresentado,
mantendo-se constante o montante de recursos transferidos pela previdência. E
como se pode observar, caso o programa fosse focalizado nos segmentos mais
desprovidos de renda, o impacto sobre a pobreza (sua redução) seria muito mais
intenso do que é nosso sistema de previdência. Isso implica que entendida a pre-
vidência como um programa puro de renda mínima ou de transferência de renda,
e mantido o volume de gasto constante, ela está muito aquém do que poderia e
deveria ser, caso fosse, de fato, um programa de transferência de renda.
21. Ver, entre outros, Delgado e Cardoso Jr. (2000), Delgado (2005), Barros e Carvalho (2006), Barros, Henriques e Mendonça (2000) e
o capítulo 10 deste livro.

Cap11.pmd 436 23/3/2007, 17:09


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 437

Um segundo aspecto diz respeito à capacidade da previdência de reduzir a


pobreza familiar. Um argumento muito utilizado por defensores dessa posição é
que a renda recebida pelo idoso do sistema previdenciário é compartilhada com o
seu núcleo familiar. Em sendo verdadeira essa assertiva, implicaria que a incidência
de pobreza seria invariante com a idade e, mais especificamente, a incidência de
pobreza entre crianças e jovens não poderia ser superior à existente entre idosos.
De 16 países analisados, em apenas quatro deles a incidência de pobreza
entre crianças e jovens (indivíduos com menos de 18 anos) é maior do que entre
idosos (pessoas com 65 anos e mais): Canadá, Hungria, Itália e Reino Unido.
Com exceção do Reino Unido, todos os três países passaram por reformas visando
reduzir o déficit preocupante de seus sistemas de previdência. A Alemanha apresenta
índices de pobreza semelhantes nos dois grupos. Os demais 11 países apresentam
taxas de pobrezas entre idosos em magnitude que é pelo menos o dobro das en-
contradas entre crianças e jovens.
No Brasil, como vimos no gráfico 5, a situação se assemelha ao primeiro
grupo. A incidência de pobreza entre crianças e jovens (até 18 anos) é mais de três
vezes maior do que a entre idosos (pessoas com 65 anos e mais). Isso implica que
o compartilhamento de renda entre gerações está muito aquém daquele imaginado
pelos defensores dessa idéia. Em realidade mais parece haver uma competição
entre gerações pelos recursos disponíveis do que solidariedade entre elas.
O fato de a previdência reduzir a pobreza não significa que esse instrumento
esteja atuando sobre os mais pobres. Como acabamos de mostrar, os recursos da
previdência não fluem entre as gerações de modo a equilibrar a pobreza de uma
para a outra. Assim, se quiséssemos mesmo que a previdência fosse entendida
como um programa redistributivo, poderíamos redesenhá-la de modo a, mantido
GRÁFICO 13
Diversos países da OCDE: taxa de incidência de pobreza segundo grupos etários
35,0

30,0

25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
ido
lia
a
dia

ia

ico
a

ia

ca

rca

ia

ia
á


áli

nh

nd

eg
d

r
str

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Itá
lgi

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Un
éx
lân
na

ma

Fra
str

ru
a

Irla
Gr

Su
Áu

Hu
em

M
Ca

No
Fin

ino
Au

na

Al
Di

Re

Fonte: OCDE. Menos 18 anos 65 anos e +

Cap11.pmd 437 23/3/2007, 17:09


438 PAULO TAFNER

o volume de recursos, deslocar parte deles para os mais pobres – os jovens e as


crianças – e, com isso, reduzir o grau de pobreza na sociedade. De fato, como
visto no exercício apresentado, isso reduziria em mais de 10% a pobreza entre
jovens e crianças.22
É correto que o sistema de previdência seja entendido como seguro social,
transferindo recursos a quem contribuiu e na proporção de sua contribuição. Mas
é certo também que, se se deseja que o sistema cumpra papel redistributivo, estamos
longe desse ideal, e ajustes ainda mais sofisticados do que os aqui propostos devem
ser feitos no sistema, no sentido de reduzir a transferência líquida de recursos para
os mais ricos e os mais velhos de nosso sistema de previdência, com evidentes
efeitos positivos em termos de pobreza e desigualdade.

REFERÊNCIAS
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causas imediatas da queda recente da desigualdade de renda brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, 2006
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e pobreza no Brasil. In: HENRIQUES, R. (Org.). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro:
Ipea, 2000.
BARROS, R. P. de; RAMOS, L. R. A. Medidas de desigualdade. Rio de Janeiro: Ipea, 1991 (Rela-
tório Técnico).
CAETANO, M. A. Determinantes da sustentabilidade e do custo previdenciário: aspectos conceituais
e comparações internacionais. Brasília: Ipea, 2006 (Texto para discussão, n. 1.226).
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MÍNIMO E DESENVOLVIMENTO. 2005, Campinas. IE/Unicamp, 28 e 29, abr. 2005.
DELGADO, G.; CARDOSO JR., J. C. Universalização de direitos sociais mínimos no Brasil: o
caso da previdência rural nos anos 90. Previdência, assistência social e combate à pobreza. Brasília:
MPAS, 2000.
FERNANDES, R.; NARITA, R. D. T. Contribuição ao INSS: equilíbrio financeiro e imposto
sobre o trabalho. Esaf, Ministério da Fazenda, 2003 (Texto para discussão, n. 3).
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Campus,
1999.
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Janeiro, v. 34, n. 3, ago. 2004.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Microdados, 2004.

22. Para que o leitor tenha uma idéia da potência dessa média, a redução do grau de pobreza a ela associada é 60% da obtida durante
toda a década de 1990.

Cap11.pmd 438 23/3/2007, 17:09


SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA SOB MUDANÇAS NAS
REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 439

LAVINAS, L. From means-test schemes to basic income in Brazil: exceptionality and paradox.
International Social Security Review, v. 59, n. 3, p. 103-125, July/Sep. 2006.
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL (MPAS)/DATAPREV. Boletim
Estatístico da Previdência Social, diversos volumes.
RAMOS, L. R. A. Interpretando variações nos índices de desigualdade de Theil. Pesquisa e Plane-
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REZENDE, F. Evolução da estrutura tributária: experiências recentes e tendências futuras. Plane-
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SIQUEIRA, R. B.; NOGUEIRA, J. R.; SOUZA, E. S. Imposto sobre consumo no Brasil: a questão
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Asia and the Pacific. Washington: Social Security Administration, 2004.
—————. Social Security Programs Throughout the World: The Americans. Washington: Social
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VARSANO, R. Financiamento do regime geral de previdência social no contexto do processo de reforma
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VARSANO, R.; PESSOA, E. P.; SILVA, N. L. C.; AFONSO, J. R. R.; ARAÚJO, E. M.;
RAIMUNDO, J. C. M. Uma análise da carga tributária do Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 1998
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VIANNA, S. W.; MAGALHÃES, L. C. G.; SILVEIRA, F. G.; TOMICH, F. A. 2000. Carga
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grandes regiões urbanas em 1996. Brasília: Ipea, 2000 (Texto para discussão, n. 757).

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Cap11.pmd 440 23/3/2007, 17:09
CAPÍTULO 12

ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE


NOSSO SISTEMA

Paulo Tafner*
Fabio Giambiagi**

1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos capítulos deste livro, nossa intenção foi apontar uma série de pro-
blemas existentes no sistema de previdência social brasileiro. Assim como outras
importantes instituições sociais, a previdência não deve ser desprezada ou negli-
genciada, se buscamos uma sociedade justa e desenvolvida. Nesse sentido, refletir
sobre questões da previdência não se resume apenas a tentar resolver, através do
debate público, as equações que envolvem receitas e despesas previdenciárias, mas,
principalmente, incluir nesse debate a idéia de que ela é um pilar significativo de
nossa estrutura social, uma vez que mantém uma relação de interdependência
com outras instituições de nossa sociedade.
Procuramos demonstrar diversos fatores que atuam sobre o sistema de previ-
dência e, em conjunto, determinam seu desempenho. Alguns desses fatores, é
preciso lembrar, atuam de forma direta; e outros, de maneira indireta. Entretanto,
podemos afirmar que, assim como a previdência é afetada por tais fatores, ela
também afeta de maneira importante outros setores sociais e, nesse sentido, podemos
sugerir que ela é, de fato, co-autora nos processos de mudança social.
O debate de tais idéias foi a motivação principal para a orientação deste
trabalho e esperamos que esse papel tenha sido cumprido ao longo destas páginas
de forma clara e cuidadosa. Neste capítulo, o objetivo se volta para a discussão e
proposição de idéias acerca das alternativas que poderiam solucionar ou, pelo
menos, amenizar de forma mais perene os problemas apontados.

* Coordenador de Estudos de Previdência da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.


** Coordenador do Grupo de Acompanhamento de Conjuntura da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea. Cedido pelo BNDES.

Cap12.pmd 441 23/3/2007, 15:49


442 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

Paul Krugman, comentando a declaração do então ministro das Finanças do


Japão, Kiichi Miyazawa, de que “as finanças do governo estão em situação catas-
trófica”, em 2001, disse que “em certas posições de governo, os homens públicos
não devem dizer a verdade, ao menos de uma forma muito abrupta”. A sabedoria
convencional recomenda que algo do gênero seja aplicado à temática previdenciária.
Essa postura, porém, tem de começar a mudar: a população precisa conhecer, pela
voz das autoridades, a situação da previdência social, para entender as razões pelas
quais é preciso mudar o sistema. Nos capítulos precedentes, fizemos um diagnós-
tico dessa situação. Vamos agora abordar as medidas que poderiam ser adotadas.

2 AS PROPOSTAS
Embora muitas vezes se fale, em discurso, sobre “reforma da previdência social”,
precisamos saber que há, a rigor, dois conjuntos de medidas que conceitualmente
devem ser distinguidas. A primeira diz respeito às regras de reajuste do piso
previdenciário e a segunda à mudança das regras de acesso a benefícios – e entre
eles, especificamente, a aposentadoria.
Em relação à regra de correção, sugere-se que o governo envie, em 2007,
uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ao Congresso, definindo que
todas as aposentadorias e pensões (sem exceção) serão reajustadas uma vez por ano
em função de um índice de preços a ser definido em lei, que deveria ser o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE).1 A Constituição de 1988 estabeleceu no artigo 201 que “é
assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter perma-
nente, o valor real, conforme critérios definidos em lei”. Na prática, porém, certa
ambigüidade da redação permite aumentos reais, como aconteceu em 2006, quando
os benefícios acima do salário mínimo tiveram aumento real de 2%. Portanto, de
nada serviria a pura e simples desvinculação do salário mínimo em relação ao piso
previdenciário, pois nesse caso a pressão por aumentos se deslocaria do piso para
o conjunto de todas as aposentadorias. Considerando a pressão demográfica ine-
vitável, que per se tenderá a pressionar o montante das despesas previdenciárias, e
a necessidade de impedir que isso eleve ainda mais a relação entre essas despesas e
o Produto Interno Bruto (PIB), a solução estrutural para estancar as pressões
observadas até agora é definir na Constituição a vedação a aumentos reais dos
benefícios, desde que preservado, naturalmente, o seu poder aquisitivo. Este, por-
tanto, não poderia diminuir, mas também não poderia aumentar.

1. Ou algum outro índice similar, de modo a melhor refletir a evolução do custo de vida desse segmento social.

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ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SITEMA 443

Outro aspecto relacionado à regra de correção do valor de benefícios diz


respeito ao benefício assistencial, que é, atualmente, igual ao mínimo que se obtém
através da contribuição continuada. É meritório porque é dirigido àqueles indivíduos
de reduzida renda pessoal e familiar, porém injusto, uma vez que tem igual valor
ao benefício recebido por aquele que, tendo também baixa renda – já que contribuiu
a vida inteira sobre o piso –, fez o esforço contributivo por toda uma vida. Sugere-se,
assim, que a idade de acesso a esse benefício seja elevada para 70 anos e que seu
valor seja fixado em 75% do piso previdenciário.
De maneira bastante objetiva, nossa proposta é que a PEC tenha a seguinte
redação:

PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL


Modifica os Arts. 201 e 203 da Constituição.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do inciso 3º do Art. 60 da
Constituição, promulgam esta emenda ao texto constitucional:
Art. 201...................
.................
§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado
terá valor mensal inferior a um benefício previdenciário básico.2
I - O benefício previdenciário básico ao qual se refere o caput deste parágrafo terá um valor inicial de
R$ 400,00 (quatrocentos reais) em janeiro de 2008, devendo ser corrigido anualmente nos meses de
janeiro de cada ano em função da variação acumulada de um índice de preços, a ser definido nos
termos da lei.
II - O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de previdência social de que trata este
parágrafo é fixado em R$ 3.000,00 (três mil reais) em janeiro de 2008, devendo ser corrigido anual-
mente nos meses de janeiro de cada ano em função da variação acumulada de um índice de preços, a
ser definido nos termos da lei.
III - Todos os benefícios previdenciários serão corrigidos nos meses de janeiro de cada ano para preservar,
em caráter permanente, o seu valor real, em função da variação acumulada em 12 meses de um índice
de preços, a ser definido nos termos da lei, sendo vedada a aplicação de aumentos nominais que excedam
a variação do índice de preços considerado.
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar e tem por objetivos:
...............
V – a garantia igual a 75% de um benefício previdenciário básico mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. A proposta aqui formulada é anterior à criação do Fórum Nacional de Previdência Social. As regras de reajustamento e de fixação do
valor do salário mínimo e do teto da previdência social podem ser utilizadas a qualquer tempo. Por isso, preferimos manter seus valores
originais. A proposta admite que, da mesma forma que o reajuste do salário mínimo foi antecipado de maio para abril em 2006, ele possa
ser novamente antecipado para janeiro em 2008.

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444 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

Parágrafo Único - Nos casos de benefícios já concedidos até a data de promulgação da presente
Emenda, a referida garantia será igual a 100% de um benefício previdenciário básico.
Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação.

Assim, todos os benefícios previdenciários seriam corrigidos em função da


variação do INPC; e a relação entre o teto e o piso do INSS seria congelada em
um coeficiente fixo, permanecendo o teto sempre igual a 7,5 vezes o piso. Os
valores nominais do teto e do piso no primeiro ano de vigência da Emenda Cons-
titucional (EC) estariam explicitados na Constituição – da mesma forma como,
em 2003, a EC 41 estabeleceu o teto inicialmente em R$ 2.400, posteriormente
reajustado em função da inflação. Seria criado o Benefício Previdenciário Básico
(BPB), inicialmente igual a um salário mínimo, mas que, a partir da promulgação
da EC, seria amarrado à evolução do INPC, assim como todos os benefícios.
Finalmente, ficaria estabelecido o princípio de que, nas novas concessões, o benefício
assistencial seria inferior ao BPB e outorgado a uma idade maior, com aumento
da idade de elegibilidade da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), privilegiando
em termos relativos o rendimento daqueles que contribuem para o sistema.
Em relação à mudança de regras da aposentadoria, as propostas completas,
juntamente com o que foi proposto acima, estão sintetizadas no quadro a seguir.
Trata-se de medidas que pertencem à família das denominadas “reformas
paramétricas”. As propostas para os novos entrantes são também expostas no mesmo
quadro. Para os atuais ativos, haveria regras de transição. A reforma consistiria nos
seguintes pontos:
a) adoção de uma idade mínima para as aposentadorias por tempo de contri-
buição, de 60 anos para os homens e 55 para as mulheres a partir de 2010;
b) adoção do tempo de contribuição de 40 anos para todos os novos entrantes;
c) aumento progressivo da idade mínima para aposentadoria por tempo de contri-
buição, até 64 anos para os homens em 2026, na proporção de 1 ano a cada 4 anos,
sendo a regra para as mulheres definida nos termos a serem expostos no próximo item;
d) redução do diferencial existente entre homens e mulheres, através de um
conjunto de dispositivos: i) diminuição da diferença no requisito de idade mínima
dos itens acima, dos 5 anos em 2010, quando a idade mínima das mulheres seria
de 55 anos, para 4 anos em 2015 e 1 ano a menos a cada 5 anos, até restarem 2
anos de diferença em 2025, quando a idade mínima feminina da aposentadoria
por tempo de contribuição seria de 61 anos (contra 63 anos dos homens), aumen-
tando depois para 62 anos junto com a dos homens, que em 2026 seria de 64
anos; ii) analogamente, diminuição da diferença no caso da aposentadoria por

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ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SITEMA 445

idade, dos atuais 5 anos para 4 anos em 2010, quando seria fixada em 61 anos
para as mulheres, com elevação progressiva da idade requerida, para 62 anos em
2015 e 63 anos em 2020 (contra 65 anos dos homens); iii) diminuição da diferença
de tempo de contribuição (de 35 anos para os homens), elevando o feminino dos
atuais 30 anos para 31 em 2010 e aumentando o parâmetro em 1 ano a cada 3
anos, até atingir 35 anos em 2022, quando se igualaria à exigência feita aos ho-
mens; iv) extinção gradual do bônus de 5 anos para efeitos da contagem de tempo
de contribuição na fórmula do fator previdenciário, em 1 ano a cada 3 anos a
partir de 2010 (inclusive) até a diferença com os homens ser “zerada” em 2022;
e) aumento do período contributivo exigido de quem se aposenta por idade,
do nível de 15 anos previsto para 2011, mantendo a regra atual de elevação em 6
meses por ano, até 25 anos em 2031, sendo de 35 anos para os novos entrantes;
f) fim do regime especial dos professores, mediante uma regra de phasing out
que reduza a diferença atual de 5 anos para 4 em 2010, com diminuições posteriores
de 1 ano a cada 3 anos até 2022, valendo a mesma lógica que em (iv) do item (d)
para a redução do bônus na contagem do tempo contributivo na fórmula do fator
previdenciário; e
g) fim do regime especial dos benefícios rurais, com redução da diferença de
idade requerida vis-à-vis os trabalhadores urbanos, dos atuais 5 anos para 4 em
2010, e posterior diminuição em 1 ano a cada 3 anos até 2022.
h) Aplicação dos mesmos limites de idade e demais condições de carência e
do mesmo calendário de implementação dos contribuintes do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS) a todos os servidores públicos ativos e entrantes a partir
da data de entrada em vigor da proposta, de todas as esferas e níveis do governo,
civis e militares.
i) Fixação de pensão para viúvo(a) equivalente a 80% do valor do benefício
integral, vedada a acumulação de benefícios previdenciários. Na ocorrência de
filhos de até 21 anos e até 24 anos se estudante universitário, um adicional de
10% por filho até o limite de 100% do benefício. Essa regra seria aplicada somente
às novas pensões concedidas, preservados os direitos de atuais pensionistas.

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446 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

Proposta de reforma previdenciária


Como é hoje Proposta
Dispositivo
Ativos Novos entrantes (2008)

TC: idade mínima Não há (INSS) 60 H; 55 M (2010)a 67 H; 66 M


b
TC: anos 35 H; 30 M 35 H; 31 M (2010) 40 H e M
c
Idade 65 H; 60 M 65 H; 61 M (2010) 67 H; 66 M
d
Diferença H-M (TC) 5 anos 4 anos (2010) 0 anos

Diferença H-M (idade) 5 anos 4 anos (2010)e 1 ano


d
Diferença professores TC: 5 anos 4 anos (2010) 0 anos
d
Diferença rurais (idade) 5 anos 4 anos (2010) 0 anos

Pensões 100% do benefício 80% a 100% 80% a 100%

Piso previdenciário = SM = BPB = BPB


f
Piso assistencial = SM = 75% BPB = 75% BPB
g
Idade elegibilidade Loas 65 anos 66 anos (2010) 70 anos
a
Aumento até 64 (H) e 62 (M) anos em 2026.
b
Aumento do tempo de contribuição das mulheres em 1 ano a cada 3 anos, até chegar a 35 anos em 2022.
c
Aumento da idade requerida para as mulheres em 1 ano a cada 5 anos, até chegar a 63 anos em 2020.
d
Redução em 1 ano a cada 3 anos até 2022 (inclusive), quando a diferença seria eliminada.
e
Redução em 1 ano a cada 5 anos, até chegar a 2 anos em 2020.
f
Para os benefícios já concedidos, 100% do BPB.
g
Aumento em 1 ano a cada 3 anos, até 70 anos em 2022.
Nota 1: TC = tempo de contribuição; H = homens; M = mulheres; SM = salário mínimo; BPB = benefício previdenciário básico.
Nota 2: Adicionalmente, o tempo de contribuição mínimo para aposentadoria por idade (lei) aumentaria até 2031 para 25 anos no caso dos
ativos e para 35 anos no caso dos novos entrantes.
Nota 3: O bônus de 5 anos de tempo de contribuição para as mulheres (lei) para efeito do cálculo do fator previdenciário diminuiria em 1 ano a
cada 3 anos a partir de 2010 (inclusive) até 2022 (inclusive), quando seria eliminado. Para os professores, valeria o mesmo princípio.

3 OS ARGUMENTOS EM FAVOR DAS PROPOSTAS


Em relação ao primeiro “bloco” de reformas, que trata do fim do aumento real das
aposentadorias básicas indexadas ao salário mínimo, há cinco justificativas fortes
que podem ser mencionadas em favor da medida.
Em primeiro lugar, a proposta de não haver mais aumento real das aposen-
tadorias de agora em diante é algo completamente diferente de impor uma perda
aos aposentados. Em outras palavras, não ganhar não é perder. Na Argentina,
muitos aposentados tinham em 2006 a mesma remuneração nominal de 1991, antes
da convertibilidade implementada pelo então ministro Domingo Cavallo, com a

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ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SITEMA 447

regra de 1 peso = 1 dólar. O próprio Cavallo, no seu retorno ao poder em 2001,


simplesmente cortou 13% do valor nominal das aposentadorias superiores a um certo
valor – posteriormente restabelecidas. Isso sim é uma perda e gera, compreensivel-
mente, uma reação social. O que estamos propondo aqui, contrariamente a esses
casos, não é uma redução e sim a ausência da incorporação de futuros aumentos reais.
Em segundo lugar, tem-se o problema aritmético e demográfico: se o PIB
cresce 4% ao ano (a.a.) e o número de aposentados e pensionistas também,3 qualquer
aumento real dado a 2 de cada 3 benefícios – proporção daqueles que estão hoje
atrelados à evolução do salário mínimo – irá pressionar para cima a relação gasto
do INSS/PIB, que está aumentando sem cessar há praticamente 20 anos. A per-
gunta é: o país está disposto a arcar com novos aumentos da carga tributária para
financiar esse processo?
Em terceiro lugar, a medida permitiria aumentar moderadamente e de forma
contínua, se assim o Congresso decidisse, o valor do salário mínimo dos trabalha-
dores ativos, sem temor de que isso aumentasse o “rombo” da previdência social,
como tem acontecido sistematicamente ao longo dos últimos anos.
Em quarto lugar, a medida aqui proposta não limita a possibilidade de inter-
venções tópicas em segmentos específicos que tenham necessidade de transferência
direta de renda, através de programas como o Bolsa Família. Pelo contrário, pode
conferir mais flexibilidade à alocação de recursos a segmentos específicos da po-
pulação, com maior efetividade na ação e menores custos.
Em quinto lugar, há que se atentar para a realidade do resto do mundo. Em
linhas gerais, na grande maioria dos países, as aposentadorias simplesmente não
têm aumentos reais, no máximo apenas acompanhando a inflação, exatamente
pelo risco que a superposição de aumentos reais da remuneração com a pressão
demográfica pode acarretar na evolução da despesa da seguridade social.
Finalmente, é razoável argumentar que, embora fosse difícil congelar o valor
real das aposentadorias básicas no começo da estabilização, quando elas se encon-
travam em um valor real muito baixo, hoje, após o piso previdenciário em termos
reais ter dobrado nos últimos 12 anos, a proposta deveria ser social e politicamente
mais palatável do que no passado.
A modificação proposta para as regras de concessão de benefícios assistenciais
visa, por um lado, estabelecer o primado de que o benefício previdenciário deve
3. O número de aposentados e pensionistas em termos de gastos previdenciários é, no longo prazo, dado pelo número de idosos da
população – aqui entendido como a população cujo limite de idade é aquele definido para recebimento de aposentadoria regular.
Considerada a população de 60 anos ou mais, a taxa média de crescimento esperada até a implementação dos ajustes aqui propostos
é de 3,8% a.a., caindo a seguir para 2,2% a.a. até 2050.

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448 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

valer mais que o assistencial, para fazer jus ao esforço feito e estabelecer uma
hierarquia de incentivos adequada; e por outro, restabelecer o dispositivo original
da Loas. Por ele, a concessão do benefício assistencial era dada, justamente, aos 70
anos. Esse parâmetro constava no artigo 20 da Loas (Lei 8.742 de 7 de dezembro
de 1993) e foi posteriormente modificado mediante nova redação da lei original,
com diminuição para 67 anos no artigo 38 da Lei 9.720 de 30 de novembro de
1998; e nova redução, agora para 65 anos, mediante o artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003). O que se propõe, portanto, é voltar
aos 70 anos da Lei 8.742/93. Ou seja, o propósito é apenas retornar em 2022 –
quase 30 anos depois – à situação vigente em 1993.
Em relação às demais propostas específicas, a justificativa para cada uma das
medidas é muito clara. A definição de uma idade mínima, bem como o seu aumento
progressivo e a adoção de uma norma rígida de tempo contributivo para os novos
entrantes, relaciona-se com a precocidade das aposentadorias por tempo de con-
tribuição, claramente visível em diversos dados apresentados ao longo do livro.
Da mesma forma, a redução da diferença de requisito de elegibilidade entre
homens e mulheres se insere no mesmo contexto, agravado pela perspectiva de
que o número de mulheres idosas venha a aumentar a taxas superiores às previstas
para os homens.
A extensão do período contributivo para quem se aposenta por idade se
destina a aproximar a legislação brasileira dos parâmetros internacionais, uma vez
que, na maioria dos países, é preciso ter contribuído por 20 ou 30 anos para fazer
jus à aposentadoria.
A eliminação da diferença em favor dos professores, além do fato de não
haver razões para a existência desse favorecimento, busca solucionar um sério
problema presente nas alçadas estadual e municipal. Ele é representado pela
possibilidade de as professoras poderem se aposentar em idades particularmente
precoces, com apenas 25 anos de contribuição, algo que, do ponto de vista atuarial,
é extremamente oneroso para os cofres públicos locais.
A medida proposta em relação aos benefícios rurais, para que a aposentadoria
por idade destes se processe à mesma idade que a das demais pessoas, de 65 anos
para os homens e 60 para as mulheres, é significativa. Cabe lembrar que aproxi-
madamente 35% dos benefícios não-assistenciais do INSS em manutenção são
rurais. Se a regra de benefício for alterada e o ritmo de concessões diminuir pelas
aproximações sucessivas que seriam feitas com as regras de quem vive no meio
urbano, o estoque de aposentados e pensionistas rurais aumentaria a taxas muito

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ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SITEMA 449

menores que nos últimos 10 a 20 anos, facilitando a redução do peso das despesas
do INSS em relação ao PIB. Por outro lado, do ponto de vista conceitual, seria
válido eliminar a diferenciação porque os trabalhadores do meio rural: a) já são
beneficiados pelo fato de as suas contribuições serem feitas em bases muito mais
condescendentes que as dos trabalhadores urbanos; e b) em muitos casos têm
acesso a meios de sobrevivência ligados à sua própria condição de existência em
um meio que lhes permite a produção para autoconsumo.
No que diz respeito às pensões, além de ser o segundo principal benefício
previdenciário em termos de montantes gastos, é de se destacar o fato de que
inexiste no sistema previdenciário brasileiro qualquer condição restritiva de qua-
lificação para o recebimento do benefício de pensão por morte:
a) não se exige idade mínima do cônjuge;
b) não se exige casamento nem dependência econômica;
c) não requer carência contributiva; e ainda
d) permite o acúmulo integral do benefício com aposentadoria e com renda
de trabalho.
e) Além disso, a pensão é vitalícia.
Essa ausência de condicionalidades no caso brasileiro chama atenção pela
excessiva proteção dada à mulher – normalmente a beneficiária desse tipo de renda.
Como visto no capítulo 11, entre 20 países analisados, 8 vinculam o valor do
benefício à existência de crianças e jovens; 9 fazem restrições à idade da mulher e
16 fazem restrição ao valor do benefício. O único que não conta com nenhuma
das três restrições é o Brasil. Em poucas palavras: entre nós, não se limita idade,
não há redução do valor do benefício e não se vincula seu valor à existência de prole
e, curiosamente, não se impede acúmulo de benefício nem que o pensionista trabalhe.
Para que as propostas de reforma sejam válidas, elas devem se pautar por três
princípios:
a) devem ter um prazo de carência, pois a aprovação da mudança deve pre-
ceder em alguns anos a sua implementação efetiva, de modo a dar tempo às pessoas
de se adequarem às novas regras, minimizando as resistências daqueles que estiverem
na iminência de se aposentar de acordo com as regras atuais;
b) devem se pautar pelo gradualismo, porque, em se tratando de questões
que envolvem gerações, é natural que as mudanças sejam lentas, e também para
facilitar as chances de aprovação das medidas, visando a uma transição suave; e

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450 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

c) devem ser mais rígidas para os novos entrantes, uma vez que estes serão
afetados pelas condições vigentes daqui a 30 ou 40 anos – demograficamente
muito diferentes das atuais – e também porque, na realidade, não devem ser um
empecilho, em termos políticos, para a aprovação da reforma.
Resta por último, agora, completar o tratamento destes temas com uma dis-
cussão acerca da viabilidade política das propostas.
É conhecido na literatura que trata de mudanças de status quo que minorias
com preferências fortes podem obstruir maiorias com fraca e dispersa preferência.
Também é reconhecido pela literatura que ajustes institucionais que proponham
imposição de custos específicos e presentes e produzam benefícios difusos e futuros
são na maioria das vezes abandonados, reunindo contra si todos quantos tenham
qualquer mínima perda, sem ganhar apoio de todos quantos sejam seus potenciais
beneficiários. Ademais desse fato, mudanças legais que envolvam trade-offs entre
elementos de gerações diferentes tendem a produzir resultados assimétricos, de
modo a distribuir os custos mais pesadamente sobre as gerações futuras e, simetri-
camente, concentrar benefícios nas gerações atuais.
Mudanças nos regimes de previdência reúnem essas duas “virtudes”. Significa
isso que estamos fadados ao imobilismo e condenados a reformar a previdência apenas
quando houver impossibilidade material de continuar honrando os compromissos
com aposentados e pensionistas? Certamente, não. O próprio Brasil, por mais
paradoxal que possa parecer, tem dado demonstrações do contrário. Em menos de
uma década, fizemos duas reformas previdenciárias,4 além de corrigir inúmeros
outros “problemas”, como, por exemplo, o histórico descontrole de gastos, com a
aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Também à época dizia-se que a chance
de aprovação da legislação era mínima. Era, mas foi aprovada e, com sua aprovação,
o Brasil ganhou mais qualidade de gestão pública e maior governabilidade.
Esse é o caso da reforma da previdência, que novamente volta à pauta de
reformas necessárias.
É importante que fique claro que sistemas como o nosso, estruturado sob
regime de repartição, funcionam como uma poderosa máquina de transferência e
redistribuição de renda. Como não poderia deixar de ser quando o Estado transfere
renda de uns para outros, há a ocorrência de inexoráveis conflitos distributivos.
Esses conflitos têm pelo menos duas naturezas distintas: a) conflitos
distributivos intrageracionais, ou seja, conflitos entre indivíduos de uma mesma
geração como, por exemplo, entre homens e mulheres, pobres e ricos, indivíduos

4. Em realidade, a reforma de 2003 foi complementada em 2005, através da EC 47.

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ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SITEMA 451

mais e menos escolarizados, pessoas saudáveis e pessoas doentes, pessoas que tra-
balham e pessoas que não trabalham, pessoas que poupam e pessoas que não
poupam etc.; e b) conflitos distributivos intergeracionais, aqueles entre jovens e
velhos que disputam entre si os recursos e os custos de transferências. Mais
modernamente, aliás, tem sido corretamente reconhecido que o conflito
intergeracional envolve também indivíduos que ainda não nasceram.
Exatamente porque envolve interesses tão recortados, propostas de reformas
previdenciárias tendem a produzir na sociedade inexoráveis alianças contra mu-
danças, porque cada grupo tende a crer – e sempre haverá algum argumento legítimo
a apresentar – que é o “outro” (grupo ou indivíduo) quem deveria “pagar a conta”.
O resultado é uma imensa maioria contrária à mudança, ainda que cada grupo
isoladamente considere correto que o outro venha a arcar com os custos do ajuste.
A difícil missão do governante é exatamente amalgamar de forma relativa-
mente simples racionalidade e argumentos técnicos de um lado, com paixões,
interesses e sentimentos de outro, de modo a convencer os principais atores sociais
da necessidade de mudanças e de ajustamento do sistema previdenciário.
Já é por demais conhecido o papel central do presidente na agenda política e
de produção legal em países presidencialistas. O Brasil não foge a essa regra. Aliás,
ao contrário. Além de contar com enormes poderes executivos, o presidente dispõe
também de amplo poder legisferante e de determinação da agenda do Congresso
Nacional.
As evidências empíricas mostram que os presidentes brasileiros, indepen-
dentemente de seu viés ideológico e de seu partido de origem, quando conseguem
costruir uma base de apoio parlamentar – o que tem ocorrido em todos os governos
pós-democratização, com a exceção conhecida de Fernando Collor – têm conse-
guido implementar, com restrições óbvias, decorrentes de algum grau de negociação
política, praticamente toda sua agenda de governo, seus projetos e programas
prioritários.
E isso tem sido feito, em geral, com o apoio do Congresso, que tem mostrado
ser um poder bastante permeável quanto às prioridades dos presidentes e sensível às
questões que envolvem estabilidade e que visam melhorar o perfil de distribuição
de ganhos na sociedade.
Há diversos estudos que mostram que a taxa de aprovação das Medidas Pro-
visórias (MPs) é de superlativos 95%;5 mesmo índice alcançado por projetos de

5. Ver, por exemplo, Amorim Neto e Tafner (2002) e Figueiredo e Limongi (1995; 1999; 2000).

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452 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

lei. Algo semelhante se aplica às ECs, ainda que estas envolvam mais tempo, mais
atenção e mais negociação. Nada, porém, que signifique sérios riscos ou compro-
meta a agenda do presidente.
Há outros estudos6 que mostram também que os parlamentares em geral são
obedientes ao voto dos líderes de seus partidos, sobretudo dentro dos principais
partidos do país e nos temas relevantes para o Executivo. PT, PFL e PSDB têm
elevado grau de obediência partidária e, dos grandes, apenas o PMDB, com suas
históricas divisões internas, apresenta resultado menos expressivo. Em média, con-
sideradas todas as votações do Congresso, aproximadamente oito em cada dez
deputados dos principais partidos votam em obediência à liderança. Na média
dos demais partidos, o número é ligeiramente inferior, havendo, no entanto, casos
de disciplina ainda maior.
Mas se é fato que os presidentes têm conseguido implementar suas agendas
e contado com um Congresso não hostil, é igualmente verdade que esse resultado
somente é obtido quando o presidente e a base aliada, estando fortemente con-
vencidos da necessidade e da prioridade da mudança institucional, mobilizam
capital político na disputa do pleito. Presidente não convencido da importância e
da urgência de uma mudança legal é certeza de derrota ou de postergação no
Congresso. Isso é tão mais verdadeiro quanto menos “popular” for o objeto da
mudança proposta. E esse é o caso de reformas previdenciárias, pois afetam direta
e negativamente – no curto prazo – a vida da maioria dos cidadãos aptos a votar.
Alterações legais que reduzam “direitos” são, por definição, evitadas por par-
lamentares sempre desejosos de não perderem votos e apoio para as eleições futuras.
Aliado a esse desconforto, há evidentemente um número não desprezível de parla-
mentares fortemente ligados a grupos sociais que seriam afetados por uma reforma
previdenciária. Em especial, destacam-se os seguintes segmentos sociais:
a) Acima de todos, os próprios aposentados, que seriam contrários a qualquer
limitação de aumento de seus benefícios. Há que se considerar a taxa de desconto
intertemporal desse segmento social. Por definição é extremamente elevada e, por
conseqüência, também seu radicalismo. Assim, suas ações são guiadas por prefe-
rências fortes.
b) Os trabalhadores que seriam distanciados da obtenção do benefício, além
de, obviamente, terem de contribuir mais, o que lhes reduziria o valor presente do
benefício previdenciário. É bem verdade que a oposição à mudança é
exponencialmente decrescente quanto mais jovem é esse trabalhador. E isso se

6. Ver, entre outros, Nicolau (2000); Figueiredo e Limongi (1995); Amorim Neto e Santos (2001).

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ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SITEMA 453

deve a duas principais razões: em primeiro lugar porque, quando jovem, a aposen-
tadoria é algo que está por demais distante e seus planos de vida não levam em
consideração ou levam muito pouco em consideração a aposentadoria; em segundo,
porque, por serem jovens, têm tempo para planos alternativos. Isso tem enorme
valor e determina a forte oposição dos segmentos de trabalhadores mais velhos.
Não à toa, trabalhadores mais velhos têm menos restrição a aumentos de alíquotas
do que a aumentos de tempo de contribuição.
c) Em seguida e com forte lobby no Congresso estão os funcionários públicos
civis e militares. Se isoladamente conseguem produzir enormes dificuldades, em
uma ação coletiva na qual possam ter mais espaço de manobra e menos visibilidade
direta, o estrago, em termos de apoio parlamentar a reformas, pode ser grande.
d) Além disso, é sempre bom lembrar, representantes ligados a grupos “poli-
ticamente sensíveis”, como professores e mulheres, por exemplo, podem também
impor forte custo de negociação em um processo de reforma.
Então como, diante de tantas e tamanhas dificuldades, montar uma estratégia
que permita uma tramitação relativamente rápida e com chance de aprovação?
Em primeiro lugar é necessário que a proposta seja tecnicamente defensável.
Esse é certamente o caso da proposta aqui formulada. Ataca dois pontos fundamen-
tais: a regra de reajustamento dos benefícios e os prazos de carência para obtenção
de aposentadoria. Além disso, é necessário que certos princípios sejam respeitados
na proposta, de modo a impedir que preferências fortes sejam construídas por
muitos grupos. Isso significa, por exemplo, diluir os custos ao longo do tempo e
entre diversos segmentos etários, de modo a que cada um perceba que todos estão
pagando um pedaço da conta, contribuindo com parte do custo.
No tocante ao aspecto técnico, dois princípios adotados na proposta aqui
formulada permitem que os agentes tenham tempo para se ajustarem, possibili-
tando que seus planos de vida não sejam dramaticamente afetados por mudanças
institucionais: a) há claramente definido um período de carência – até 2010 – em
que a maior parte das mudanças propostas não entre em vigor. Isso é fundamental,
pois evita uma indesejável “corrida” de aposentadorias, com evidentes efeitos ne-
gativos; e b) há um princípio de gradualismo, ou seja, as mudanças serão espalhadas
no tempo com incrementos progressivos, de modo a permitir que os indivíduos se
ajustem e possam se programar para a aposentadoria.
Em segundo lugar e absolutamente indispensável é que o presidente, dado
seu papel crucial no alinhamento das preferências parlamentares, esteja convencido
da necessidade e da urgência da medida e se envolva diretamente na conquista da

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454 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI

vitória, mobilizando seu capital político para a mudança. Sem essa condição qualquer
proposta de reforma constitucional é letra morta.
Em terceiro lugar, a estratégia de envolvimento parlamentar deve se dar em
alto nível, de modo a discutir com lideranças partidárias a proposta e oferecendo
a elas os elementos que consubstanciam a relevância do tema e a urgência da
implementação. Para tanto, é necessário que os partidos e principais lideranças
estejam convencidos de que a matéria é, de fato, do interesse do presidente.
Em quarto lugar, é fundamental que haja convencimento na base governa-
mental de que os entraves do sistema previdenciário são um verdadeiro obstáculo
ao crescimento do país, com graves conseqüências para o desempenho futuro da
economia brasileira. Parece não haver dúvidas de que a base governamental estava
convencida de que a EC 41, de 2003, que ajustou os sistemas próprios dos servi-
dores públicos, era fundamental para aliviar a pressão fiscal a que o governo do
presidente Lula estaria submetido se continuasse o padrão de aposentadoria que
vinha ocorrendo no setor público. Por isso mesmo, o governo e a base parlamentar
entraram determinados no embate no Congresso.
É, portanto, imprescindível que o governo e a base de sustentação estejam
certos de que a reforma propiciará alívio sobre as perspectivas de crescimento.
Apesar de aparentemente trivial, essa relação de causalidade não apenas não é clara
como tampouco é majoritária dentro do governo. É preciso, dessa forma, que o
presidente abrace a causa e faça dela uma bandeira para o desenvolvimento. Nessa
medida, o papel de pesquisadores e analistas do tema é fundamental, pois ajudam
a esclarecer essa e outras questões ligadas a reformas previdenciárias.
Um último ponto diz respeito à oportunidade de realização da reforma.
Como conseqüência do fato de que as chances de aprovação são diretamente rela-
cionadas à preferência presidencial, por conta de seu papel absolutamente central
em regimes presidencialistas como o nosso, é imperativo que a proposta seja enviada
ao Congresso no primeiro ano do novo mandato presidencial, já que nesse mo-
mento virá impregnada da vontade majoritária do eleitorado brasileiro, o que
conferirá ao presidente o poder máximo da representação popular, poder que se
reduz naturalmente no exercício cotidiano do mandato presidencial.
Por fim, devemos considerar que, das urnas de 2006, emergiu uma Câmara
com elevada taxa de renovação de deputados federais e nova composição partidária.7
São duas as principais constatações dessa nova Câmara:

7. No momento de revisão editorial, mudanças da composição partidária já tinham ocorrido, sem no entanto afetar a distribuição básica
de poder entre partidos.

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ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SITEMA 455

a) São mais de duas centenas de novos deputados federais, com taxa bruta de
renovação de 47%. Isso significa que praticamente metade da Câmara dos Depu-
tados será composta por estreantes.
b) Se seguir a tradição de nosso presidencialismo de coalizão e conseguir
implementar a coligação partidária envolvendo basicamente os mesmos partidos
que deram sustentação ao primeiro mandato (PT, PP, PTB, PL, PCdoB e amplos
segmentos do PMDB), o presidente contará com maioria sólida, porém não sufi-
ciente para impor, somente com sua força, mudanças constitucionais na Câmara.
O primeiro item mencionado faz com que seja maior a responsabilidade das
lideranças partidárias no Congresso. A essa liderança caberá o relevante papel de
organizar suas bancadas e dela extrair confluências e preferências.
O segundo aspecto implica enorme responsabilidade para as lideranças da
base aliada do governo e especialmente para o líder do governo, além obviamente
da área de articulação política do governo. Será necessário que essas lideranças
estejam atentas, alertas e, sobretudo, dispostas a negociar com segmentos mais
neutros do Congresso.
De toda forma, o aspecto mais importante é que caberá ao presidente e à
base aliada, agora circunstanciados pelo recém-criado Fórum Nacional de Previ-
dência Social, a definição da prioridade no que se refere à questão previdenciária.
Como esta está conectada à agenda do desenvolvimento, podendo liberar recursos
para investimentos públicos, é possível, além de desejável, que a idéia de reforma
da previdência seja abraçada pelo Executivo.
Nesse sentido, o melhor papel de todos os que estudam o tema previdência
é contribuir para o debate e oferecer sugestões e opções factíveis para a correção
das distorções hoje existentes em nosso sistema e que tanto limitam o potencial de
crescimento econômico de nosso país.

REFERÊNCIAS
AMORIM NETO, O.; SANTOS, F. A conexão presidencial: frações pró e antigoverno e discipli-
na partidária no Brasil. Dados, v. 44, n. 2, p. 291-321, 2001.
AMORIM NETO, O.; TAFNER, P. Governos de coalizão e mecanismos de alarme de incêndio
no controle legislativo das medidas provisórias. Dados, v. 45, n. 1, p. 5-38, 2002.
FIGUEIREDO, A. C.; LIMONGI, F. Partidos políticos na câmara dos deputados: 1989-1994.
Dados, v. 38, n. 3, p. 497-524, 1995.
—————. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Fundação
Getulio Vargas, 1999.

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—————. Presidential power, legislative organization and party behavior in Brazil. Comparative
Politics, v. 32, n. 2, p. 151-170, 2000.
NICOLAU, J. Disciplina partidária e base parlamentar na câmara dos deputados no primeiro
governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Dados, v. 43, n. 4, Rio de Janeiro, 2000.

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