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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas

Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis

Entre artistas e críticos – reflexões sobre a história e o conceito da arte


moderna

Ana Maria Tavares Cavalcanti – EBA/UFRJ

Através da análise de pinturas de tendências muito diversas, produzidas no final do


século 19, a autora discute a origem do conceito de arte moderna. O papel dos críticos
e do público dos Salões é ressaltado como fundamental na construção teórica
modernista.
Arte moderna – teoria modernista – século 19 – crítica de arte

The analysis of very different paintings produced at the end of the 19th century leads
the author through the discussion about the origin of the concept of modern art. The
role of critics and the public present in the Salons is emphasized as essential for the
creation of the theory of modernism.

Modern art – Modernist theory - 19th century – art criticism

Paris, meados do século 19 – é nesse contexto que os historiadores costumam


situar a origem da arte moderna. De fato, uma verdadeira batalha artística teve
início na França nesse período, e de lá alcançou todo o mundo ocidental.
Alguns acontecimentos dessa “guerra” são sempre lembrados:
• 1855 – o júri da Exposição Universal recusa algumas das mais
importantes obras de Gustave Courbet. O pintor decide não participar
da mostra oficial e abre uma exposição paralela em local que
denominou de Pavilhão do Realismo.
• 1863 - artistas cujas obras foram recusadas no Salão decidem expô-
las num inédito Salão dos recusados. Édouard Manet participa com
O Almoço na Relva.
• 1865 - a Olímpia de Manet, exposta no Salão desse ano, causa
escândalo. A tela é ridicularizada em caricaturas publicadas nos
jornais.
• 1874 – Os artistas que ficariam conhecidos como “impressionistas”
organizam uma exposição de suas obras. O público ri diante das
telas.
Acompanhando os fatos e comentando as obras, os críticos ganham cada vez
mais importância. Os que se escandalizam com as novas pinturas escrevem
artigos difamatórios na imprensa. Os que apóiam os inovadores respondem
ofensivamente aos primeiros. Os próprios artistas começam a escrever e
debatem suas idéias sobre a arte.

Mas qual o significado de toda essa movimentação em torno da arte? A que


nos referimos quando falamos de arte moderna? Para responder à última
questão, comecemos pela comparação de dois quadros. Postos lado a lado,

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Brennus e sua parte no saque de Paul Joseph Jamin (Figura 1) e Manao


Tupapau de Gauguin (Figura 2), reforçam, por oposição, seus atributos.

Paul Jamin (1853-1903) conta uma história em tom impostado, estereotipa as


personagens e sugere um cenário de fantasias eróticas. Sua pintura poderia
ser descrita da seguinte forma: o bravo chefe gaulês Brennus, após submeter o
exército romano, adentra uma residência com a lança em riste para desfrutar
as delícias que o aguardam sob a forma de belas jovens nuas. Duas romanas
têm as mãos amarradas, outra chora, a quarta dirige súplicas a Netuno, e a
quinta mulher, desamparada, está jogada ao chão em meio a tesouros
esparramados. Vemos a seus pés as cabeças de dois degolados. A luz,
entrando pela porta aberta, recorta a silhueta de Brennus que sorri satisfeito.
Ao fundo, um templo clássico situa a cena em Roma. O interior da casa,
parcamente iluminado, apresenta detalhes decorativos da época: pinturas nas
paredes e mosaicos no piso.

Paul Jamin dá a seu público exatamente o que esse deseja - os lugares-


comuns do imaginário sobre um bárbaro guerreiro gaulês de porte garboso e
sobre belas mulheres frágeis, com seus corpos perfeitos em poses langorosas.
Além disso, assim como os personagens, também a fatura e a composição do
quadro são convencionais.

Passemos à tela de Paul Gauguin (1843-1903). A cena aí apresentada (Figura


2) situa-se no Taiti, onde o pintor vivera nos últimos dois anos, antes de voltar a
Paris em 1893, quando expôs o quadro na galeria Durand-Ruel. Gauguin
pintou a figura de uma nativa nua, deitada de bruços sobre o leito. Seu corpo
moreno se destaca em contraste com os lençóis claros, sob os quais vemos a
barra de um pareô estampado com flores. Há ainda, ao fundo, a representação
de um tronco esculpido no estilo tradicional da Polinésia. É possível
simplesmente admirar a harmonia das cores, o ritmo das pinceladas e
contentar-se com uma análise formal da pintura de Gauguin. Mas há algo
nessa imagem que não se revela inteiramente, um mistério que nos atrai. A
mulher nos observa com o canto dos olhos. Suas mãos estão espalmadas
sobre o travesseiro, como se a qualquer momento ela pudesse saltar da cama
e fugir. No canto esquerdo, por detrás da cama, uma sinistra estátua a vigia.
Várias figuras incompletas parecem surgir na parede do fundo - flores, cabeças

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de estátuas, o perfil de uma montanha. O desenho do espaldar da cama dilui-


se nas sombras. Um detalhe nos provoca: uma das flores do tecido estampado
tem um rosto que sorri de modo zombeteiro.

Podemos listar algumas diferenças, tanto formais quanto temáticas, entre os


quadros de Paul Jamin e Paul Gauguin. Enquanto o primeiro apresenta várias
figuras em poses teatrais, Gauguin nos mostra apenas uma figura simples e
natural. O tema do quadro de Jamin provém da história dos ancestrais dos
franceses e sua narrativa não tem ambigüidades, enquanto Gauguin apresenta
sua própria vivência de modo enigmático. Quanto às diferenças formais, elas
são evidentes. A pintura de Jamin esconde as marcas das pinceladas,
tendendo à ilusão realista. As pinceladas de Gauguin são visíveis e
expressivas, em nenhum momento nos esquecemos que se trata de uma
pintura. O modelado das figuras é suave na tela de Jamin e há minúcia na
representação de detalhes. Em Gauguin, há simplificação de formas e o
contraste de luz e sombra é acentuado e não naturalista. Sua composição
tende à planaridade, enquanto Jamin explora os efeitos da perspectiva.
Confrontado com essas duas pinturas, um iniciante dirá que a tela de Gauguin
é mais recente que a de Paul Jamin. Ficará surpreso quando souber que Jamin
pintou Brennus após 1892, ano em que Gauguin realizou Manao Tupapau.
Apenas um ano separa os dois trabalhosi.
Convidado a classificá-las, o mesmo estudante associará a obra de Paul Jamin
ao academismo do século 19 e a de Gauguin à arte moderna. De fato, a
comparação dos trabalhos não deixa dúvidas. As maneiras de pintar são tão
diferentes que os artistas não parecem contemporâneos. Vê-se que Gauguin
levou em conta a experiência impressionista, enquanto Jamin passou ao largo
das pinturas de Monet, Renoir, Pissarro, Degas, e mesmo de Manet.
Observando as trajetórias dos dois artistas, notam-se escolhas diversas. Antes
mesmo de tornar-se pintor, Gauguin já se interessava pelos impressionistas
como colecionador. Foi através do impressionismo que alcançou seu estilo
pessoal e sua obra foi classificada, dentro da história da arte, como pós-
impressionistaii. Juntamente com Van Gogh e Cézanne, exerceu grande
influência sobre os jovens das gerações seguintes que criaram o fovismo, o
expressionismo e o cubismo no início do século XX.

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Por seu lado, Paul Jamin parece ignorar a ruptura impressionista e dá


continuidade aos procedimentos pictóricos aprendidos com seus professores
Gustave Boulanger e Jules Lefebvre na Escola de Belas Artes de Paris. Mesmo
tendo alcançado reconhecimento oficial, obtendo diversas medalhas nos
Salões, Jamin não influenciou os jovens artistas inovadores e sua obra ficou
esquecida. Atualmente, Brennus e sua parte no saque integra o acervo do
Musée des Beaux-arts de La Rochelle, na França. O texto do site do próprio
museu ressalta que grande parte de sua coleção é formada por pinturas que se
destacaram nos Salões oficiais franceses e ilustram “o gosto de uma cidade de
província” do século 19, ou seja, são pinturas que respondiam “aos critérios
estéticos do academismo”.iii

A comparação das telas (Figura 1 e Figura 2) e das trajetórias de Jamin e


Gauguin parece confirmar uma visão da história da arte moderna como uma
seqüência lógica de inovações que desvelaram, passo a passo, a “verdadeira
essência” da arte. Nesse processo, a arte teria alcançado, progressivamente,
sua autonomia. Quanto aos temas, os artistas passaram a valorizar a pintura
de paisagens, as naturezas-mortas e as cenas cotidianas, em detrimento da
pintura histórica. Quanto à fatura, o frescor das pinceladas aparentes e a
vivacidade das cores substituíram gradativamente a pintura lisa e o modelado
perfeito. Na linha evolutiva dessa história, os movimentos do realismo, do
naturalismo e do impressionismo são apontados como os embriões de um novo
conceito de arte que, bebendo nas fontes do romantismo, substituiu os severos
padrões do neoclassicismo.

Essa idéia de uma evolução cujo ápice seria a arte abstrata tornou-se
hegemônica no discurso dos historiadores da arte em meados do século XXiv.
Mas já em 1883, o tema da evolução artística aparece de maneira bastante
dogmática num texto de Jules Laforgue (1860-1887)v. Com idéias muito bem
concatenadas, o crítico enaltece o impressionismo como a mais avançada
tendência artística de seu tempo. Para Laforgue, o impressionismo tem uma
origem fisiológica, pois resulta da evolução do olho humano. “Dotado de uma
sensibilidade de olho fora do comum”, o impressionista teria conseguido
“refazer um olho natural, ver naturalmente e pintar ingenuamente conforme vê”.
De acordo com sua teoria, os novos artistas haviam superado as três ilusões

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da pintura acadêmica, a saber – “o desenho”, “a perspectiva” e “a iluminação


de ateliê”. Ao invés de desenhar o contorno das figuras, obtinham as formas
“unicamente pelas vibrações e contrastes de cor”. Através dessas vibrações e
contrastes, substituíram a “perspectiva teórica” por uma “perspectiva natural”. E
ainda, segundo Laforgue, pintando ao ar livre, passaram a realizar o quadro “no
tempo mais curto possível, devido às rápidas variações de iluminação das
coisas”. Portanto, os impressionistas, ao abandonar o desenho, a perspectiva e
o trabalho no ateliê, “esses três procedimentos de línguas mortas”, substituíram
as fórmulas acadêmicas “pelo único recurso dos jogos da luz, a Vida”vi.

O texto de Laforgue foi publicado em 1903 e suas idéias influenciaram muitos


historiadores da arte, tornando-se fundamentais na teoria sobre o
impressionismo. A partir das décadas de 1970 e 1980 porém, essas idéias
foram alvo de críticas. Evidências mostravam que nem sempre as pinturas
impressionistas obedeciam às regras do “olho natural”, e a teoria, ao invés de
esclarecer, tinha um efeito ofuscante, encobrindo dados que não se
coadunavam com ela.

A série de vistas da fachada oeste da Catedral de Rouen pintadas por Monet


entre 1892 e 1894 é, aparentemente, um exemplo perfeito da pintura
instantânea que capta os efeitos de luz cambiantes, cada tela sendo realizada
“no tempo mais curto possível, devido às rápidas variações de iluminação”.
Contudo, embora Monet tenha começado a pintá-las diante da catedral, só as
finalizou no ateliê em Giverny. Além disso, conforme sublinhou Rosalind
Krauss, estudos sobre Monet mostraram que seu “toque rápido, que agia como
sinal de espontaneidade, tinha que ser preparado por uma elaboração
calculada”vii. Robert Herbert examinou os procedimentos técnicos de Monet e
descreveu detalhadamente, em artigo de 1979, como o pintor preparava o
fundo de suas telas. Herbert identificou a culminância desse sistema de
“construção de uma textura em vários estágios” na série das Catedrais de
Rouen, e observou que “as texturas corrugadas de Monet são uma de suas
mais arbitrárias estratégias, nada ‘espontâneas’ mas parecendo serviii.
Concordando com ele, Rosalind Krauss menciona a “rede de incrustações
brutas e faixas direcionais que significariam a rapidez de execução”ix sobre as
quais Monet aplicava o pigmento diluído, e conclui que a espontaneidade da

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pintura de Monet é ilusória, pois a sensação de um registro instantâneo é


construída minuciosamente no correr de vários diasx.

Mesmo com fatos comprovados como os que Robert Herbert expôs em seu
estudo, a idéia da espontaneidade do impressionismo ainda sobrevive. Como
são sedutoras as teorias bem estruturadas! Para os que acreditaram no dogma
da instantaneidade da pintura impressionista, retomar o trabalho no ateliê seria
um sacrilégio, um retorno a estágio anterior da evolução artística. As palavras
de Jules Laforgue tiveram tanta força que durante muito tempo ignoramos as
evidências do longo e paciente trabalho de Monet, pintor que entrou para a
história da arte como aquele que nunca abandonou as experiências
impressionistas.

Mas a idéia da espontaneidade da pintura impressionista não é o único


equívoco da teoria modernista. Uma questão igualmente polêmica aparece no
já citado texto de Jules Laforgue. Trata-se da afirmação de que a conquista de
um “olho natural” impressionista só foi possível graças a um trabalho de
esquecimento dos “quadros acumulados pelos séculos nos museus”xi. Tal
“esquecimento” seria um aspecto essencial da ruptura operada pela arte
moderna.

Uma interpretação de Manao Tupapau (Figura 2), sob essa ótica, exaltaria a
independência de Gauguin em relação à pintura européia que o precedera. De
fato, Gauguin foi buscar no Taiti uma liberdade primitiva, uma criação original.
“Será que conseguirei recuperar algum traço daquele passado, tão remoto e
misterioso, já que o presente nada tem de importante a me dizer?”xii –
perguntava-se, mal chegado a Papeete em junho de 1891. No entanto, embora
afirmasse que nada da Europa lhe interessava, seu trabalho dialoga com a
tradição artística na qual se formara.

Quando Gauguin pintou Manao Tupapau, recorreu a seu “museu imaginário”xiii


que incluía a Olímpia de Édouard Manet (1832-1883), cuja fotografia levara
consigo para o Taitixiv. Alguns meses antes de deixar Paris, Gauguin fizera uma
cópiaxv de Olímpia no museu do Luxemburgo. Tehauranaxvi, a nativa pintada
em Manao Tupapau não é uma cópia de Olímpia, mas podemos perceber uma
série de relações de exata oposição simétrica entre as duas imagens.

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Enquanto Olímpia enfrenta o olhar do espectador e tem o corpo exposto com


tranqüilidade, Tehaurana, de bruços, parece querer escapar de nosso olhar. A
criada negra que traz as flores para Olímpia se transforma, no quadro de
Gauguin, na sinistra imagem à espreita. Enquanto Manet expõe uma realidade
do europeu civilizado, Gauguin vai buscar o mistério ingênuo do selvagem. O
nu pintado em 1892 por Gauguin no Taiti é uma resposta ao nu parisiense de
Manet, realizado três décadas antes, em 1863.

Vejamos ainda outra tela, particularmente significativa para nós. Trata-se de No


Verão (Figura 3), do brasileiro Eliseu Visconti (1866-1944) que foi exposta no
Salon de la Société des Artistes Français, no Palais des Champs-Elysées em
1894.

Comparemos, novamente, os nus de Jamin (Figura 1), Gauguin (Figura 2) e


Manet. Cada uma dessas pinturas expressa uma individualidade própria e são
extremamente diferentes. Qual delas mais se aproxima de No Verão? De
imediato descartamos a tela de Jamin pelo caráter rebuscado e artificial das
poses e referências mitológicas ou históricas. Ficamos com os trabalhos de
Gauguin e Manet que, assim como Visconti, mostram mulheres comuns no
interior de seus quartos. Das duas, Tehaurana de Gauguin é a que tem mais
afinidades com as figuras de Visconti.

No Verão e Manao Tupapau datam do final do século - 1894 e 1892


respectivamente. É mesmo possível que Visconti tenha visto Manao Tupapau
antes de realizar seu quadro, pois estava em Paris há cerca de seis meses
quando Gauguin expôs a tela na Galeria Durand-Ruel, em novembro de 1893.
A comparação entre as duas pinturas nos ajuda a ressaltar suas
características.

A intensidade psicológica é o aspecto que mais as aproxima. Há uma densa


atmosfera de intimidade na cena. À nossa chegada, algo ficou suspenso no ar.
Percebemos um movimento em curso, mas não compreendemos inteiramente
o que vemos. Há sugestão, e não afirmação. Por isso a sensação de um
segredo escondido em Manao Tupapau e No Verão, mistério daquilo que não
se explica.

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E no entanto, Gauguin deixou mais de uma explicação sobre Manao Tupapau,


quadro do qual não gostaria de separar-se, conforme escreveu a Mette, sua
esposa dinamarquesaxvii.

No final do século 19, todas as tendências artísticas disputavam a atenção do


público, mas nenhuma delas conseguia se impor às outras de maneira
definitivaxviii. Essa diversificação favorecia a discussão nos jornais e os
comentários de especialistas. Para que um artista alcançasse a aceitação
pública, já não bastava a qualidade do próprio trabalho. Fazia-se necessário o
comentário elogioso e a defesa bem articulada. Se havia maior independência
em relação aos ensinamentos dos mestres, se a originalidade era valorizada, a
liberdade era apenas aparente. Uma nova relação de dependência surgia; para
viver de sua arte o artista precisava dos marchands e dos críticos.

Dario Gamboni observou que Gauguin se queixava da dependência dos


artistas em relação aos críticos. Segundo o pintor, essa nova dependência
podia ser ainda maior que a anterior, quando os artistas estavam sujeitos às
instituições oficiaisxix.
O exemplo de Gauguin mostra o quanto essa situação interferia nas escolhas
dos artistas. Quando no final de 1902, o pintor doente quis retornar à França,
seu amigo Daniel de Monfreid (1856-1929) escreveu-lhe desaconselhando o
projeto:
Tenho medo que sua volta atrapalhe um trabalho, uma incubação,
que ocorrem na opinião pública: atualmente, você é esse artista
inaudito, lendário, que do fundo da Oceania, envia suas obras
desconcertantes, inimitáveis; obras definitivas de um grande
homem, por assim dizer, desaparecido do mundo. Seus inimigos
(e você tem um grande número, como todos os que incomodam
os medíocres) não dizem nada, não ousam combatê-lo, nem
pensam nisso: você está tão longe!... (...) Em poucas palavras,
você goza da imunidade dos grandes mortos, você faz parte da
história da arte. E enquanto isso, o público se educa; (...). O
próprio Vollard trabalha nisso pouco a pouco. Ele já fareja talvez
sua celebridade inconteste e universal. Pois bem, deixe esse
trabalho produzir-se inteiramente: ele está apenas no começo.
Um ano, dois anos talvez, ainda serão necessários para que
produza alguns frutos. Espere pacientemente; os outros
trabalham por você!xx
Para que o mito do pintor dos mares do Sul não fosse destruído e a conquista
da opinião pública se completasse, Gauguin foi aconselhado a permanecer na

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Oceania. O pintor tornou-se assim refém de sua imagem. Se retornasse à


Europa, poderia continuar a pintar, mas seus quadros perderiam a aura do
exotismo adquirida no Taiti. O discurso construído pelo próprio artista ajudava a
vender sua pintura e não deveria ser abandonado. Mas Gauguin não pode
esperar um ou dois anos, como aconselhara Monfreid; cinco meses mais tarde,
faleceu em sua casa nas Ilhas Marquesas.

Para concluir, recordo uma frase que escrevi no início desse texto: “Paul Jamin
dá a seu público exatamente o que esse deseja”. Ora, não é evidente que
também Gauguin acabou sendo obrigado a satisfazer as fantasias de seu
público? Acredito que a maior ruptura ocorrida no mundo da arte nesse período
foi, justamente, a nova relação entre os artistas e o grande público. O que
irmanou os artistas das mais variadas tendências foi a indelével consciência da
presença do público que buscava diversão nos salões e exposições.

Resta dizer que não pretendo afirmar que a “arte moderna” teorizada pelos
críticos modernistas, não existiu. As teorias modernistas buscaram elucidar as
mudanças radicais dos processos e concepções da arte. De fato, havia uma
demanda por explicações e as teorias foram necessárias. Hoje, porém, não
podemos aceitar ingenuamente essas idéias, pois sabemos que as teorias são
construções posteriores que não dão conta da atuação dos artistas. Não nos
cabe, contudo, acusá-las de falsidade. Ao abordar aspectos importantes das
obras, os teóricos contribuíram para a formação do conceito de arte moderna.

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Obs: As referências bibliográficas se encontram nas notas.

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Ana Maria Tavares Cavalcanti é professora de História da Arte na Escola de


Belas Artes da UFRJ e doutora em História da Arte pela Université de Paris 1
Panthéon-Sorbonne. Atuando no Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais da EBA / UFRJ, pesquisa a arte no Brasil do século 19 e início do 20.

i - Brennus et sa part de butin integrou a exposição « 1900 : Art at the Crossroads » realizada na Royal
Academy of Arts em Londres, de 16 de janeiro a 3 de abril de 2000, e no Museu Guggenheim em
Nova York, de 18 de maio a 13 de setembro de 2000. Na versão francesa do catálogo (1900: La Belle
Epoque de l’Art. Paris : La Martinière, 2000) a tela é reproduzida à página 91 e é datada de 1893.
ii - O nome “pós-impressionismo” foi utilizado pela primeira vez em 1910, por ocasião da exposição
“Manet e os pós-impressionistas” organizada por Roger Fry em Londres. A esse respeito conferir em

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HARRISON, Charles. “Impressionismo, modernismo e originalidade”. In: Modernidade e modernismo,


a pintura francesa no século XIX. São Paulo: Cosac & Naify, 1998. p.151.
iii - http://perso.wanadoo.fr/musees-la-rochelle/b-arts (24-10-2004). Texto original em francês:
« Constituée en partie par la Société des Amis des Arts de La Rochelle (société créée en 1841 et
fondatrice du musée des Beaux-Arts ) et par un investissement actif de la municipalité la collection du
Musée des Beaux-Arts illustre sans conteste le goût d'une ville de province qui, dès le XIX e siècle,
s'est souciée de l'art et de sa diffusion.
La collection du musée compte un lot important d'oeuvres majeures dont les qualités furent très
souvent reconnus par le jury de célèbres Salons (Paris, Londres), et par nos historiens d'art. Parmi
toutes les oeuvres du XIXe siècle conservées, le musée compte effectivement un nombre assez
conséquent d'oeuvres entrant dans la catégorie de "peintures officielles". Ces peintures, qui répondent
généralement par leur facture et leur composition aux critères esthétiques de l'académisme, ont eu,
pour la plupart, le grand privilège d'être présentées aux Salons, notamment celui du Louvre. »
iv - O texto de Léon Degand “Do figurativismo ao abstracionismo” para o catálogo da exposição de
mesmo nome que inaugurou o Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1949 é um exemplo perfeito
desse discurso.
v - LAFORGUE, Jules. “L’Impressionnisme”. Embora escrito em 1883, o texto só foi publicado vinte
anos depois em Mélanges posthumes. Paris: Mercure de France, 1903. Foi republicado em
L’impressionisme: 1874, une exposition. Paris: Éditions de l’Amateur, 1996. pp.7-15.
vi - LAFORGUE, Jules. “L’Impressionnisme”. In: L’impressionisme: 1874, une exposition. Paris: Éditions
de l’Amateur, 1996. pp.7-8.
No original: « (…) l’impressionniste est un peintre moderniste qui, doué d’une sensibilité d’oeil hors du
commun (...) est parvenu à se refaire un oeil naturel, à voir naturellement et à peindre naïvement
comme il voit (...) en laissant de côté les (...) trois illusions (...) dont les techniques de la peinture ont
toujours vécu : le dessin, la perspective, l’éclairage d’atelier. À ces trois secondes natures par habitude
correspondent les trois évolutions qui consituent la formule impressionniste : les formes obtenues non
par le dessin-contour mais uniquement par les vibrations et les contrastes de la couleur ; la perspective
théorique remplacée par la perspective naturelle des vibrations et des contrastes des couleurs ;
l’éclairage d’atelier (...) remplacé par le plein air, c’est à dire le tableau fait devant son objet (...) et dans
le temps le plus court possible, vu les variations rapides d’éclairage des choses. Nous allons voir ces
trois (...) procédés de langues mortes (...) remplacés par l’unique ressource des jeux de la lumière, la
Vie. »
vii - KRAUSS, Rosalind “The Originality of the Avant-Garde”. In: October, 18, 1981. Republicado em The
Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. The MIT Press, 1986. A edição citada é de
1997, p.167. No original: “the sketchlike mark, which functioned as the sign of spontaneity, had to be
prepared for through the utmost calculation”.
viii - HERBERT, Robert. “Method and meaning in Monet”. In: Art in America, v. 67, n.5, September 1979,
p.100.
No original: “Monet’s corrugated textures are one of the most remarkable of his arbitrary devices, not at
all “spontaneous” but seemingly so.”
ix - KRAUSS, op. cit., p.167. No original: “the mesh of rough encrustation and directional swathes that
would signify speed of execution, (…). On top of this constructed ‘instant’, thin, careful washes of
pigment establish the actual relations of color”.
x - Idem, p.167.
xi - LAFORGUE, Jules. “L’Impressionnisme”. In: L’impressionisme: 1874, une exposition. Paris: Éditions
de l’Amateur, 1996. p.7.
No original: « (...) l’impressionniste est um peintre moderniste qui (...) oubliant les tableaux amassés
par les siècles dans les musées (...) est parvenu à se refaire un oeil naturel (...). »
xii - GAUGUIN, Paul. Noa Noa, viagem ao Taiti. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1977, p.13.
xiii - O conceito de “museu imaginário” foi criado por André Malraux (1901-1976) que o desenvolveu em
Le Musée Imaginaire publicado em 1947.
xiv - Essa fotografia chamou a atenção de uma taitiana que serviu de modelo para o pintor. “É sua
mulher?”, perguntou a Gauguin após elogiar a beleza de Olímpia. Gauguin mentiu: “Sim”. Mim tane de
Olympia”. Conferir em GAUGUIN, Paul. Noa Noa, viagem ao Taiti. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1977,
p.20. Tane – rapaz, homem.
xv - Conferir em PERRY, Gill. “O Primitivismo e o ‘moderno’”. In: Primitivismo, Cubismo. Abstração –
começo do século XX. São Paulo: Cosac & Naify, 1998. pp.26-27.
xvi - Tehaurana, Tehura ou Teha'amana – variações do nome de uma das companheiras de Gauguin no
Taiti. Optamos por “Tehaurana” que encontramos na tradução brasileira de Eduardo F. Alves para Noa
Noa citada acima.
xvii - “Há um deles que espero guardar, ou vender muito bem: Manao pupapao” [sic]. Paul Gauguin, carta de 8 de
dezembro de 1892 (Carta 134). In: MALINGUE, Maurice. Lettres de Gauguin. Paris: Bernard Grasset, 1946.
Apud CHIPP, H.B. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988. p.65, nota n.12 (N. do Ed. bras.).
xviii - A esse respeito, ver o texto de Constance Nauber-Riser que analisou a crítica de arte dos anos
1890 na França, em La Promenade du critique influent, anthologie de la critique d’art em France 1850
– 1900. Paris, Hazan, 1990, (pp. 317 – 324).

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xix - GAMBONI, Dario. Gênese de uma pintura de Paul Gauguin: manifesto e auto-análise de um pintor.
In: CAVALCANTI (Org.). Arte & Ensaios n.15. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais/Escola de Belas Artes, UFRJ, 2007, p.156-165.
xx - Carta de Daniel de Monfreid a Gauguin. Saint-Clément, 11 décembre 1902. Manuscrito. Paris,
Bibliothèque centrale des musées nationaux, cota MS 440. http://www.inha.fr/ (acesso em
28.10.2004).
No original em francês :
« Il est à craindre que votre venue ne vienne déranger un travail, une incubation, qui ont lieu dans
l’opinion publique à votre sujet : vous êtes actuellement cet artiste inouï, légendaire, qui, du fond de
l’Océanie, envoie ses oeuvres déconcertantes, inimitables ; oeuvres définitives d’un grand homme
pour ainsi dire disparu du monde. Vos ennemis (et vous en avez bon nombre, comme tous ceux qui
gênent les médiocres) ne disent rien, n’osent vous combattre, n’y pensent pas : vous êtes si loin !...
(...) Bref vous jouissez de l’immunité des grands morts, vous êtes passé dans l’histoire de l’art. – Et
entre temps, le public s’éduque ;(...). Vollard lui-même travaille à cela peu à peu. Il flaire déjà peut-être
votre célébrité incontestée et universelle. Hé bien, laissez ce travail se produire en entier : il n’en est
qu’à son début. Un an, deux ans peut-être, seront nécessaires encore pour qu’il porte quelques fruits.
Attendez patiemment ; les autres travaillent pour vous ! »

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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis

Figura 1: Paul Joseph Jamin – “Brennus e sua parte no saque” Brennus et sa part de butin -
1893 - o s/t 163 x 118cm - Musée des Beaux Arts – La Rochelle

Figura 2: Paul Gauguin – “Manao Tupapau” – 1892 - o s/t – 73 x 92 cm Albright-Knox Art


Gallery – Buffalo (Nova York)

Figura 3: Eliseu D’Angelo Visconti – “No Verão” – 1894 - o s/t – 58,9 x 80,4 cm - Museu
Nacional de Belas Artes – Rio de Janeiro

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