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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

ANNA LIGIA POZZETTI DE ABREU

TERRA, FAMÍLIA E AGRICULTURA: UM ESTUDO SOBRE


A TRANSIÇÃO AO CAPITALISMO NO JAPÃO (XVII-XIX)

Campinas
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

ANNA LIGIA POZZETTI DE ABREU

TERRA, FAMÍLIA E AGRICULTURA: UM ESTUDO SOBRE


A TRANSIÇÃO AO CAPITALISMO NO JAPÃO (XVII-XIX)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Desenvolvimento Econômico, área de concentração História Econômica da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico,
área de concentração História Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNA ANNA LÍGIA POZZETTI DE ABREU E
ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MILENA
FERNANDES DE OLIVEIRA.

Campinas
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

ANNA LIGIA POZZETTI DE ABREU

TERRA, FAMÍLIA E AGRICULTURA: UM ESTUDO SOBRE


A TRANSIÇÃO AO CAPITALISMO NO JAPÃO (XVII-XIX)

DEFENDIDA EM 25/02/2016
COMISSÃO JULGADORA

Campinas
2016
À minha família
AGRADECIMENTOS

À professora e orientadora Milena Fernandes Oliveria, que desde o início me


deixou trilhar pelos caminhos que escolhi, sempre me puxando de volta para a realidade nos
meus inúmeros devaneios sobre o tema. Agradeço pela disponibilidade em me atender sempre
que precisei, lendo e relendo meu trabalho e me ajudando a compreender um pouco mais
sobre a complexidade histórica, econômica e social do Japão.
Aos professores Ligia Maria Osório Silva, Rogério Forastieri, Eduardo Mariutti e
Sedi Hirano, por aceitarem gentilmente os convites para o exame de qualificação e defesa do
mestrado.
Aos funcionários e professores do Instituto de Economia, pelos ensinamentos e
auxílios em todos esses nove anos de UNICAMP. Aos professores de história econômica da
Universidade de Waseda, Kawaguchi Hiroshi e Fujii Nobuyuki e ao professor Oshima Mario
da Universidade da Cidade de Osaka pelas valiosas conversas e indicações de bibliografia.
Aos amigos bibliotecários, por sempre me salvarem e deixarem a biblioteca mais
alegre, mesmo naqueles dias mais difíceis: Alexandra Andrade, Clayton Moreira, Kelly
Duarte e Mirian Clavico. Meu agradecimento especial à Grace Nakata da Biblioteca da
Fundação Japão, pela atenção inestimável, por todas as renovações e pelo apoio na compra de
livros.
Aos amigos e parceiros de aulas e de risadas, Theo Martins Lubliner e Vinícius
Figueiredo que me mostraram que é possível seguir de bem com a vida mesmo nas aulas em
que não entendemos nada. Aos amigos de longa data da Unicamp: Estela Carossini, Franco
Villalta, Gheisa García, Gian Romano, Jéssica Cornachioni Felisberto, Laís Barros Glaser,
Marília Bassetti, Maurício Espósito, Murilo Medeiros, Nicholas Blikstad e Tatiana Ferreira
Henriques. Vocês fizeram toda diferença no dia-a-dia corrido e nos momentos de alegria!
À minha mãe Valderice e ao meu pai Moacir, sou profundamente grata pelo apoio
e afeto, pelas orações nos momentos de desespero e por não terem poupado esforços para me
proporcionar uma educação acadêmica sólida e por terem me incentivado a continuar os
estudos de japonês. Às minhas irmãs Anna Maria e Anna Laura (minha assídua revisora), pela
amizade e companheirismo e por estarem sempre presentes, mesmo estando longe. Ao meu
companheiro Rodrigo, obrigada pela paciência, pelo carinho e também pelo inexplicável e
constante bom-humor.
E, por fim, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), pela bolsa de estudos concedida para a realização do mestrado.
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo estudar um dos elementos da transição para
o capitalismo no Japão: as transformações da estrutura agrária. Para isso foi adotada uma
periodização de longa duração, onde são detalhados o processo de estabelecimento e de
transformação na propriedade da terra e na agricultura entre os séculos XVII e XIX,
abarcando assim, desde o estabelecimento do Shogunato Tokugawa, até a Restauração Meiji.
A transformação da noção da terra como fonte de subsistência para uma que gera lucro e
poder é expressa na desapropriação dos camponeses mais pobres que se acelera a partir da
segunda metade do período analisado. Essas mudanças não seriam realizadas sem distúrbios
agrários e as numerosas revoltas camponesas que marcaram o período expressaram os
descontentamentos dos que foram prejudicados. Mesmo no contexto da modernização da
Restauração Meiji, a reforma agrária não eliminou as relações de produção do período
Tokugawa no campo, reorganizando e fortalecendo as relações entre proprietários e
arrendatários, como elementos constitutivos de seu capitalismo e concentrando as
propriedades nas mãos de uma classe de camponeses enriquecidos e mercadores poderosos.
Além dessa permanência, pretende-se mostrar como ao longo de todo o período fica clara a
presença do Estado, que estabelece uma sociedade rigidamente estratificada aproveitando-se
do sistema familiar conhecido como sistema ie, cujas noções de honra, lealdade e obediência
tornam-se úteis para o controle social e para a organização da produção. Dado o contexto
internacional e a escassez de solo agricultável, o imperialismo também se mostrou como uma
solução à questão da terra.
Palavras-chave: Japão, Período Tokugawa, Era Meiji, Transição ao Capitalismo, Questão
Agrária.
ABSTRACT
The present dissertation aims to study one of the elements of transition to capitalism in
Japan: the transformation of the agrarian structure. To understand this process, it was adopted
a long-term periodization, which details the establishment and transformation in land
ownership and agriculture between the seventeenth and nineteenth centuries, covering since
the establishment of the Tokugawa Shogunate until the Meiji Restoration. The transformation
of the land from an idea of source of survival to one that generates profit and power is
expressed in the expropriation of poorer peasants that accelerates from the second half of the
period. These changes would not be reached without agrarian disturbances and numerous
peasant revolts that expressed the discontent of those who were harmed. Even in the context
of modernization of the Meiji Restoration, the land reform did not eliminate the production
relations of the Tokugawa period in the agriculture, reorganizing and strengthening the
relations between owners and tenants, as an element of their capitalism and concentrating the
properties in the hands of a class of enriched peasants and powerful merchants. Besides this
persistence, it is intended to show how throughout the period, the State presence is clear,
establishing a society rigidly stratified and taking advantage of the familiar system known as
ie system, whose notions of honor, loyalty and obedience become useful for social control and
also for production organization. Given the international context and the scarcity of arable
land, imperialism was also a solution to the land question.
Keywords: Japan, Tokugawa period, the Meiji Era, Transition to Capitalism, Land Question.
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Utilização da terra no Japão..........................................................................................8
Mapa 2: Topografia do Japão......................................................................................................9
Mapa 3: Vulcões no Japão .......................................................................................................10
Mapa 4: Rios do Japão..............................................................................................................11
Mapa 5: Maiores cidades e rotas de transporte no século XVIII..............................................60
Mapa 6: O Império Colonial Japonês (1895-1945)................................................................107
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição das Terras no Japão (1992)...................................................................7
Tabela 2: Principais causas dos protestos camponeses em Shindatsu, de 1700 à 1867.........................79
Tabela 3: Principais tipos de revoltas camponesas no Japão de 1601-1867...........................................82
Tabela 4: Expropriações dos camponeses na província de Okayama.......................................93
Tabela 5: Mulheres na Indústria Têxtil.....................................................................................95
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: O Sistema ie ..............................................................................................................13
Figura 2: Trabalho comunitário na transplantação das mudas de arroz....................................32
Figura 3: Ferramentas agrícolas do período Tokugawa............................................................47
Figura 4: Camponesas debulhando os grãos com a técnica koshi hashi, antes do uso do semba
koki............................................................................................................................................48
Figura 5: Camponeses debulhando trigo com semba-koki.......................................................48
Figura 6: Taxação como porcentagem da renda da terra avaliada e a renda avaliada em koku
(1)..............................................................................................................................................52
Figura 7: Taxação como porcentagem da renda da terra avaliada e a renda avaliada em koku
(2)..............................................................................................................................................53
Sumário
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................1
1. TERRA E AGRICULTURA NO JAPÃO NA PRIMEIRA METADE DO PERÍODO
TOKUGAWA (XVII-XVIII) ..........................................................................................................7
1.1 A geografia..........................................................................................................................7
1.2 O sistema ie ........................................................................................................................ 12
1.2.1 Taiko Kenchi, o sistema Kokudaka e a “caça às espadas” .......................................... 16
1.2.2 A aldeia e a produção do arroz................................................................................... 27
1.3 As revoltas camponesas da primeira metade do Período Tokugawa ............................... 34
2. AS TRANSFORMAÇÕES NA ESTRUTURA AGRÁRIA NA SEGUNDA METADE DO
PERÍODO TOKUGAWA ........................................................................................................... 40
2.1 A geração do excedente: a questão técnica e o sistema tributário.................................... 44
2.2 O desenvolvimento dos mercados ..................................................................................... 56
2.3 Diferenciação social e a nova estrutura de classes no campo ........................................... 70
2.3.1 A aceleração das desapropriações: a formação dos arrendatários ........................... 72
2.3.2 As revoltas camponesas: expressão das transformações ........................................... 76
3. A RESTAURAÇÃO MEIJI E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS TRANSFORMAÇÕES
84
3.1 A Era Meiji e as Transformações no campo ..................................................................... 86
3.2 As revoltas camponesas do final do século XIX............................................................ 100
3.3 A busca de novas terras agrícolas e o imperialismo japonês ........................................ 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 115

INTRODUÇÃO
A partir da Restauração Meiji, ocorrida em 1868, quando uma parte da aristocracia
samurai se levantou contra o governo e realizou a transição para o sistema imperial,
inúmeras reformas no sentido da modernização do país foram estabelecidas a partir de
cima e de forma autoritária. Em algumas décadas o Japão deixaria de ser uma sociedade
agrária, tornando-se uma sociedade industrial e iniciando sua expansão colonial na Ásia.
Dado o contexto internacional de expansão do imperialismo ocidental, a prioridade do
governo imperial foi o de transformar o Japão em um estado forte e rico, capaz de
renegociar a sua posição internacional e competir em pé de igualdade com os avançados
países do Ocidente1. Para isso, era preciso que o país se reorganizasse internamente de
forma a se industrializar e também se lançar na corrida imperialista. Como explica Gabriel
Cohn (1978, p. 286), o desencadear de um processo de industrialização capitalista,
(...) implica num conjunto de exigências econômicas e históricas, internas e
externas à sociedade dada, suficientemente complexo para admitir uma
ampla gama de formas de realizações, e permite advertir, desde logo, que a
industrialização, longe de ser uma fase “natural” do desenvolvimento
histórico de todas as nações, é um processo difícil, que só alcança êxito à
custa de reorganizações de tensões muito intensas no interior de uma
sociedade.
Nesse contexto, o Japão enfrentava diversas dificuldades de um país cujos líderes
tinham o objetivo de iniciar sua industrialização e precisavam reorganizar suas tensões
internas. E dada a escassez de capitais e a perda constante de recursos desde a assinatura
dos “Tratados Infames” pelo Shogun, no contexto da abertura dos portos em 1854, bem
como a consciência de que os empréstimos internacionais elevariam ainda mais a
vulnerabilidade do país, a consolidação os objetivos governamentais teve uma única fonte
inicial de financiamento: a agricultura 2.

1
Como explica Gabriel Cohn (1978, p. 284), “a crise do sistema de base não-industrial oferece o que se poderia
chamar de ‘oportunidade’ histórica para a sua mudança. Para que isso resulte um movimento industrializante
(isto é, capaz de introduzir uma ‘cunha’ suficientemente profunda no sistema para que a expansão industrial
possa ganhar dinâmica própria), é necessária a presença de simultânea de um conjunto de condições históricas”.
2
Entre os fatores históricos essenciais para a criação das condições internas para a industrialização capitalista
estão a existência de um forte excedente, exprimível em termos monetários, relativo ao necessário para a simples
manutenção do sistema; em seguida, uma parcela significativa desse excedente, ao invés de distribuir-se por todo
o conjunto social, deve concentrar-se em poder de um grupo minoritário; depois, esse grupo beneficiado pela
concentração da renda derivada do excedente deve ser suficientemente diferenciado para incorporar elementos
aptos e assumirem novas formas de comportamento econômico em relação àquelas vigentes no sistema original:
a incorporarem e introduzirem inovações na atividade econômica; por último, esses novos agentes econômicos
devem contar com um suprimento de mão de obra e de consumidores para novos produtos (o que já impõe
limites à concentração da renda), assim como matéria-prima disponível (ou transportável) e fontes de energia.

Assim, o Estado Imperial estabeleceu novos parâmetros para o imposto sobre o uso da
terra, modificando a forma como a arrecadação era feita em relação ao Período Tokugawa. No
entanto, a estrutura de propriedade da terra e de organização da produção que foi adotada pelo
governo advém de transformações que já estavam em movimento desde a segunda metade do
século XVIII no Japão, ocorrendo a sua consolidação e legitimação na Era Meiji, de acordo
com os interesses do governo e dos grandes proprietários de terras. Ou seja, dentro dos
marcos de uma modernização conservadora3. Assim, para poder compreender essa transição
do chamado “feudalismo japonês” para o capitalismo, escolheu-se tratar a questão da estrutura
agrária. Julga-se que este elemento da transição, sendo uma ponte entre uma sociedade
eminentemente rural e o capitalismo, apreende as transformações estruturais na propriedade,
bem como das relações sociais, evidenciando os impulsos específicos para o surgimento do
capitalismo e rápida industrialização 4.
Tendo como ponto de partida, o texto da Ellen Wood (1998), chamado “As Origens
Agrárias do Capitalismo”, afirma-se que também para o caso específico do Japão, o
capitalismo tem suas origens no campo e não nas cidades. Segundo a autora, é preciso “não
uma simples extensão ou expansão do escambo e da troca, mas uma transformação completa
nas práticas e relações humanas mais fundamentais, uma ruptura nos antigos padrões de
interação com a natureza na produção das necessidades vitais básicas” (WOOD, 1998, p. 13).
WOOD (1998) complementa que a diferença essencial entre todas as sociedades pré-
capitalistas e capitalista não está relacionado com o fato da produção ser rural ou urbana, mas
sim com a forma como se estabelecem as relações de propriedade entre produtores e
apropriadores. E para isso, compreender como se deu o processo de expropriação do

3
O conceito de modernização aqui utilizado é provenitente de Formação econômica do Brasil (1959) de Celso
Furtado, em que, a modernização, ao invés de se superar os elementos arcaicos presentes na formação social
brasileira, transformava-os em elementos constitutivos do capitalismo nacional, como elementos da acumulação
capitalista. Essa noção advém da interpretação de Weber (1983), em que “a modernização é um processo de
mobilização dos componentes sócio-economicos numa determinada direção, cujo resultado mais imediato pode
ser visto pelo aumento da produtividade do trabalho e a ampliação das redes produtivas” (BRITO, RIBEIRO,
2003).
4
Tomamos aqui o termo industrialização, como um processo. Nas palavras de Gabriel Cohn (1978, p. 283), “é
um conjunto de mudanças, dotada de uma certa continuidade e sentido. Seu sentido é dado pela transformação
global de um sistema econômico-social de base não-industrial (...). É por operar num sistema que a
industrialização implica em um conjunto articulado de mudanças, e é por essa via que ela se distingue da simples
criação de indústrias: pode ocorrer, num momento dado, em uma economia de base não-industrial, um “surto
industrial” sem continuidade, por resumir-se no surgimento de unidades manufatureiras isoladas do contexto
econômico-social global e condendadas (...) a desempenharem um papel marginal, nas franjas do sistema. Já a
instauração de um processo industrializante tem raízes mais profundas, que por vezes nem mesmo se traduzem
imediatamente na criação de indústrias, mas que configuram um movimento que, uma vez iniciado é irreversível.
Desde que articuladas as forças econômicas e sociais conducentes à industrialização, e desencadeado (o próprio
termo é ilustrativo) o processo, a alternativa não é mais a volta ao estado anterior, mas a estagnação. Vale dizer:
a industrialização só se concebe numa situação de crise do sistema que lhe dá origem, e se define como uma
solução possível para essa crise, através da rearticulação do sistema.”

camponês no caso japonês e a estruturação da propriedade moderna é de fundamental


importância para a compreensão da transição ao capitalismo no Japão.
Com esse objetivo, a dissertação foi estruturada a partir de uma periodização adotada por
autores como VLASTOS (1986), FUKUTAKE (1991), BIX (1986), SMITH (1959, 1988) e
TAKAHASHI (1955, 1953, 1976), que indicam dois períodos na Era Tokugawa, que
evidenciam as transformações no campo e, consequentemente na economia e na sociedade.
Seguindo a análise de Dobb (1946), também para o caso japonês, guardadas as suas
especificidades, há transformações estruturais mais lentas e quase imperceptíveis ao longo de
séculos, em que novos mecanismos alteram a estrutura produtiva e social quase estática,
seguido de momentos de transformações mais aceleradas, onde o comércio precipita essas
mudanças. E esses dois períodos serão tratados nos dois primeiros capítulos.
Optou-se por não utilizar o termo feudalismo para o caso japonês. Apesar de se ter uma
periodização similar e com transformações que podem ser comparadas, o termo carrega
aspectos ocidentais que pretendemos eliminar. Para isso, será utilizado o termo “Período
Tokugawa” ou “Regime senhorial e shogunal” para se referir ao intervalo de tempo que
precede a Era Meiji, em que o Estado Imperial, através de um processo político, econômico e
social, conduziu o Japão à modernização do Estado e ao processo de industrialização, sendo
assim, considerado como sendo o ponto de partida da moderna sociedade japonesa.
O primeiro capítulo trata do período das lentas transformações, com a estruturação do
sistema de agrimensura e registro de terras do Kenchi que levou décadas para ser finalizada
em todos os domínios do Shogunato Tokugawa. Estabeleceu-se, através desse sistema, o
pagamento das taxações em arroz pelo uso da terra, com organização social nas aldeias que
garantissem o pagamento coletivo desses impostos. Será adotada a periodização que vai do
final do século XVI à meados do século XVIII, de acordo com a periodização dos autores
listados acima. Durante esse período, definido no texto como a “primeira metade do período
Tokugawa”, tem-se a predominância das pequenas unidades produtivas familiares com forte
noção de cooperação e dependência dentro das aldeias. É neste período também que se
estabelece o sistema ie, a base da sociedade rural japonesa que incutiu noções de respeito
filial, lealdade e obediência dentro da família, com forte apelo moral confuciano de obrigação
e papeis na sociedade. Sendo o ie, a conjunção da família, dos ancestrais e da terra onde os
cultivos eram feitos, a necessidade de uma família se manter como família camponesa e de
continuar cultivando esses campos quase sagrados funcionou como meio do Estado de atar o

camponês à terra, cumprindo o seu papel de produtor rural de forma submissa à ordem
shogunal.
Essa submissão à ordem estabelecida é expressa na forma como a maioria das revoltas
camponesas foram realizadas neste período. Apesar de ter sido período de intensa mobilização
camponesa, muitos autores consideram esse período pacífico, pela forma como os protestos
eram organizados (VLASTOS, 1986; BIX, 1986). As reivindicações eram feitas através de
petições, uma forma de expressão de descontentamento que era legitimada pelo Estado, que
cobravam do Estado uma atitude benevolente em momentos de dificuldade no pagamento dos
tributos em arroz. Reivindicando a noção de papeis, o objetivo dos camponeses era poder
continuar como um camponês honrado, sem perder a sua propriedade por inadimplência,
enquanto era papel do Estado, garantir que isso acontecesse. Enquanto as petições que
reclamavam das elevadas taxações eram proibidas e seus elaboradores severamente punidos, o
Estado agiu de forma a aliviar os impostos em momentos de adversidade climática ou quando
uma aldeia estava visivelmente sofrendo com as pesadas taxações, com provas concretas da
fome e inanição.
O segundo capítulo analisa o período que vai de meados do século XVIII à meados de
XIX, tendo como ponto final a Restauração Meiji. Este período é marcado pelas
transformações mais aceleradas, onde o comércio precipita as transformações que iam
acontecendo no campo, juntamente com a expansão das cidades-castelo, bem como dos
grandes centros urbanos, como Edo, Osaka e Kyoto. Nesta segunda fase, o campo se
reorganiza para conseguir pagar os tributos em arroz e produzir outras culturas ou
manufaturas para colocar à venda nos mercados locais ou para entregar aos grandes
mercadores. Estes últimos também se inserem na estrutura do campo na figura de financiador
de empreendimentos de expansão da produção, bem como de fonte de empréstimo para o
camponês em momentos de dificuldade de pagamento dos impostos. Esta mesma posição é
ocupada pelas famílias tradicionais e mais ricas das aldeias que vão concentrando cada vez
mais terras em um processo de desapropriação do camponês mais pobre que se acelera nesse
período, transformando-o em arrendatário. Uma das características da peculiaridade do caso
japonês está no fato de que as desapropriações não expulsaram o camponês do campo e nem
gerou grandes latifúndios monocultores. Dada a estrutura do ie, a terra, fonte de conexão com
os ancestrais, tinha uma grande representatividade para a família camponesa e, dessa forma,
abandonar a terra seria a prova concreta do fracasso, o que fez com que os camponeses se
mantivessem nos lotes cultivados, agora na condição de arrendatários.

Outro ponto que cabe ser ressaltado nesse capítulo, é que as políticas do próprio governo
Tokugawa contribuiram para a desagregação do seu sistema shogunal. Com a obrigatoriedade
da saída do samurai do campo e a ordem dada aos daimyo de passarem longos períodos em
Edo (sankin kotai), foi necessário o desenvolvimento de uma rede de comunicação, transporte
e comércio para abastecer as cidades-castelo e os grandes centros urbanos que se expandiram
nesse período. Dada essa situação, a classe mercadora que ficava abaixo dos camponeses na
pirâmide social começou a expandir sua riqueza, enquanto a elite política e a classe samurai ia
se endividando e deteriorando as contas públicas. Em um primeiro momento, a conexão dessa
expansão com a produção agrícola do campo é limitada às regiões próximas das cidades, onde
os mercadores autorizados pelo governo faziam o transporte das mercadorias.
No entanto, a partir de meados do século XVIII, tornou-se cada vez mais fácil ao
camponês colocar qualquer excedente no mercado e a expansão da classe mercadora que foi
para o interior auxiliou na produção voltada ao comércio. Apesar desse impulso, o comércio
deve ser entendido não como a causa da expansão da produção de um excedente no campo,
mas como uma força que precipita transformações que já estavam em movimento nesse
período, quais sejam: as melhorias nos métodos e técnicas de cultivo, as atividades paralelas à
agricultura e ao cultivo do arroz e a expansão das desapropriações dos pequenos camponeses
transformados em arrendatários. Acredita-se que a paz estabelecida pelo Shogunato
Tokugawa, bem como a estrutura de pequeníssimas propriedades contribuiu para a expansão
da produção no campo e não o comércio.
A expressão dessas transformações é evidenciada pela mudança nos objetivos e nas
formas das revoltas camponesas. Dada a diferenciação que se expande no campo, com maior
distanciamento entre o pequeno produtor e os camponeses mais ricos e com o novo papel do
mercador que se torna detentor de direitos de uso e posse da terra e importante credor dos
camponeses que não conseguiam pagar todo valor dos impostos e sobreviver. A desintegração
das antigas noções de solidariedade e dependência que existiam na aldeia revolta os pequenos
camponeses que passam a usar a violência contra a camada superior que está no campo. Dada
a impossibilidade do Estado em controlar o processo de desapropriação, as petições enviadas
à este perdia o sentido e o embate direto no campo tomou a forma de destruição de casas e
propriedades em busca de justiça.
Por fim, o terceiro capítulo trata da institucionalização dessas transformações que
ocorreram na estrutura da propriedade da terra pelo Governo Meiji. A relação entre o
proprietário da terra e os arrendatários, despossuídos de terra e de direitos é coroada pelo

governo imperial que se alia ao grande proprietário para garantir o financiamento dos projetos
de modernização. As taxações sobre o campo eram a única fonte segura de financiamento do
Governo e a sua reorganização era urgente. Nos primeiros anos do novo governo foi feita a
Reforma do Imposto Territorial que definiu novos parâmetros de avaliação da terra e do
montante de imposto a ser pago em dinheiro. A terra passa a ser efetivamente uma
propriedade e sua alienação torna-se legalizada. No entanto, nenhuma política de
redistribuição de terras ou de regulação da relação proprietário-arrendatário foi realizada,
mantendo o pequeno camponês em situação de dificuldade, ampliando ainda mais o processo
de desapropriação. Em meio à inúmeras mudanças o ie é mantido pelo Governo, como sendo
a base da sociedade camponesa e também daquela que vai para cidade. Apesar da introdução
das noções individualistas do ocidente no que tange à questão da propriedade, o Estado
utilizou-se das noções familiares baseadas no ie para organizar a educação e o discurso
nacionalista que seria fundamental às empreitadas imperialistas e às diversas guerras em que o
Japão se envolveu.
Também neste período as revoltas camponesas conseguiram expressar as transformações
que a Reforma do Imposto Territorial trouxe para a vida campesina. No entanto, o
autoritarismo do Estado Imperial, e a articulação desse governo com os grandes proprietários
de terras rapidamente desarticulou as forças de questionamento dos levantes, sendo um
período marcado por um número relativamente inferior de revoltas.
Dada essa evolução da estrutura agrária no Japão em direção ao capitalismo,
observou-se que a compreensão das relações de propriedade do período Meiji com as grandes
ondas de desapropriação só poderiam ser feitas dentro de uma noção de longa duração, em
que o que se estabelece no capitalismo teve raízes históricas em um período anterior, onde as
forças de transformação já estavam colocadas em movimento. Para isso, julgou-se necessário
retornar ao período Tokugawa para que ficasse claro como a propriedade da terra foi se
estruturando. Por essa razão estabeleceu-se esse recorte temporal, que abrange 3 séculos de
transformações lentas e aceleradas na direção da constituição do capitalismo japonês ao final
do século XIX.

1. TERRA E AGRICULTURA NO JAPÃO NA PRIMEIRA METADE DO


PERÍODO TOKUGAWA (XVII-XVIII)

1.1 A geografia
O estudo da questão da terra e da agricultura japonesa tem como ponto de partida a
compreensão da sua peculiar geografia, pois norteia a questão da disponibilidade de água e
terras agricultáveis no país. O Japão é formado por uma cadeia de ilhas, com 4 principais e
mais de 6 mil que se espalham entre a Rússia ao norte e Taiwan mais ao sul. Como indicado
na Tabela 1 abaixo, de acordo com a Agência Nacional de Terras do país, 66,7% das terras do
país são florestas e 13.9% são campos destinados à agricultura.
Tabela 1: Distribuição das Terras no Japão (1992)
Tipo de uso da terra Área (1,000km2) Percentagem
Agricultura 52.6 13.9
Florestas 252.1 66.7
Deserto 2.6 0.7
Águas 13.2 3.5
Estradas 11.7 3.1
Residencial 16.5 4.4
Outros 29.1 7.7
Total 377.8 100.0

Fonte: Agência Nacional de Terras do Japão


No mapa 1 abaixo, a região em vermelho é onde há duplo cultivo, com produção
dominante de arroz coexistindo com o cultivo de trigo e cevada, além de outras culturas secas.
Na parte em bege do mapa, observa-se apenas o cultivo de arroz. Já nas pequenas áreas em
amarelo, tem-se o cultivo do trigo, cevada e aveia. A parte em verde, que é basicamente todo
o resto do território, é formada por florestas, as quais dominam o país, como já indicado na
tabela acima.

Mapa 1: Utilização da terra no Japão

Fonte: Map Collection of University of Texas Library Disponivel em


http://www.lib.utexas.edu/maps/japan.html
O mapa 2 abaixo mostra o relevo japonês, destacando as suas áreas agricultáveis em
verde. Como pode-se observar, toda parte central das principais ilhas japonesas é formada por
dobramentos modernos com intensa atividade vulcânica.

Mapa 2: Topografia do Japão

Fonte: Map Collection of University of Texas Library Disponivel em


http://www.lib.utexas.edu/maps/japan.html
O Mapa 3 abaixo deixa clara a imensa quantidade de vulcões que existem no
país. Atualmente, a Agência Meteorológica Japonesa considera que existem 110
vulcões ativos nas ilhas japonesas. E, por ser vulcânico, o país conta com um solo
bastante fértil, mas que é pobre em recursos naturais, minerais e energéticos. Além
disso, a quantidade de terremotos no país é muito grande. A Agência Meteorológica
Japonesa registrou só em Janeiro de 2015, 153 terremotos com mais de 1 grau na
escala Richter.
10

Mapa 3: Vulcões no Japão

Fonte: Japan Meteorological Agency (www.data.jma.go.jp)


Com relação à água, o país possui uma rica bacia hidrográfica, com rios relativamente
curtos que correm das montanhas para os vales e, por isso, redes de canais e controle do uso
da água foram necessários desde tempos remotos no país. Investimentos em projetos de
irrigação e canais que se aceleraram no século XVI e XVII foram de fundamental importância
para o aumento da produtividade do cultivo do arroz no Japão.
11

Mapa 4: Rios do Japão

Fonte: Maps of World (http://www.mapsofworld.com/japan/river-map.html)


A partir dessa breve compreensão da limitada quantidade de terra agricultável no
Japão e da necessidade dos projetos de canalização e irrigação necessários aos cultivos, dada a
característica do solo acidentado, faz-se necessário compreender como essa terra foi
organizada e o contexto no qual essa organização foi estabelecida a partir do século XVII.
Acredita-se que o ponto de partida seja a compreensão do sistema ie que permeia toda
12

sociedade japonesa desde antes do período Tokugawa e cujo conceito continua existindo até
hoje.

1.2 O sistema ie
A importância de iniciar o estudo da questão agrária no Japão pela compreensão do
sistema ie está relacionado ao fato de que esse sistema, sendo a base da organização da
sociedade camponesa, perpassa todo o período analisado, adaptando-se às transformações que
foram ocorrendo na economia e na política. E em cada momento o Estado utilizou-se do
mesmo para gerar uma relativa coesão social, aproveitando-se das noções de cooperação,
solidariedade, dependência e obediência que norteiam as suas relações internas, refletindo
essas ideias na relação do camponês com o governo.
Ao final do período Sengoku (1467-1603) e início do período Tokugawa (1603-1867),
os camponeses passaram a adotar nomes de famílias e a definir com mais precisão os seus
lotes de terra e suas casas (SAKATA, 2011). E este processo pode ser considerado como a
origem do sistema ie, pois apesar de ser comumente aceito que o ie, nas aldeias camponesas
do Japão, seja a definição da família, muitos autores defendem que o ie não pode
simplesmente ser entendido como família, incluindo também as propriedades, os ancestrais e
os que ainda estão por vir (BITO,1991; SAKATA, 2011; NAKANE, 1991; SHIMIZU, 1987;
FUKUTAKE, 1982). O ie era a unidade social e econômica que formava a base da estrutura
produtiva japonesa e expressava mais do que simples membros de uma família. Segundo
Fukutake esse ie (1982, p. 28),
É um conceito que transcende a ideia de “família” como um grupo de
indivíduos que atualmente fazem parte dela. O mesmo foi concebido
incluindo a casa e a propriedade, os recursos para manter a ocupação
familiar e os túmulos dos ancestrais, como uma unidade advinda de um
prolongamento de um passado distante para um presente e ocupando uma
certa posição no sistemas de status das aldeias ou das cidades. O ie, nesse
sentido, era muito mais importante do que os indivíduos que eram, em algum
momento, os seus membros vivos, e era visto como natural que as
personalidades individuais dos membros das famílias fossem ignorados ou
sacrificados pelo bem do todo.
A imagem abaixo expressa a constituição de um ie. Como pode ser observado, o ie,
em termos físicos, conta com um lote de terra onde se localiza a casa e os lotes nos quais
estão os arrozais e os cultivos de subsistência, bem como os túmulos de seus ancestrais. Ou
13

seja, mais do que uma família, pode-se considerar o ie como um grupo corporativo com ampla
variedade de funções, desde econômicas e políticas a domésticas e religiosas dos membros
atuais, das quais era necessário fazer parte para ter qualquer tipo de posição ou participação
social dentro da aldeia (SHIMIZU, 1987, p. 85).
Imagem 1: O Sistema ie
Casa, propriedades,
recursos da
ocupação
Ancestrais

Mortos recentemente
---Linha da morte---
Yome Yoshi
(Esposa) Aposentados (Esposo)
Entra → Entra →
Chefe
Filhas Filhos
se Sucessor mais
casam novos
←Saem Filhos ←Saem
---Linha do
nascimento---
Descendentes
Fonte: elaboração própria a partir de Hendry (1987)
Assim, dado que o ie era a base da organização social e produtiva, para que um
membro da aldeia pudesse participar da produção e ter o direito de enterrar seus mortos, era
preciso que ele fizesse parte de um determinado ie (SHIMIZU, 1987).
The village consists of territorial groupings of ie, and people take part in
village politics as representatives of ie. It is impossible even to imagine an
individual who does not belong to an ie because of the extreme difficulties
that such an individual would have in social like. In brief, the social
attributes of an individual are defined by reference to the ie and not vice
versa (SHIMIZU, 1987, p. 86).
14

Em qualquer extrato social o ie constituía a unidade base da sociedade japonesa e


representava “rather than a natural kinship grouping (…), an artificial functional entity that
engaged in a familiar enterprise or was entitled to a familial source of income” (BITO, 1991,
p. 373). Essa noção de estrutura corporativa é reforçada por Nakane (1991, p. 217) que
explica que um ie não era necessariamente constituído apenas por membros com parentesco
direto ao chefe da família. Quando uma família nuclear não tinha filhos para perpetuar o seu
ie, ocorriam adoções, principalmente de um casal, e o mesmo poderia ocorrer caso o chefe da
família acreditasse que o seus filhos não teriam condições de perpetuar o ie e se engajar em
suas atividades de forma adequada 5 . Diante dessa peculiaridade, na visão da autora, “o ie
poderia ser melhor classificado como uma companhia em funcionamento do que como
família” (NAKANE, 1991, p. 217). E essa noção de continuidade é explicada em Hendry
(1987, p. 24),
Normalmente havia uma ocupação associada ao ie e os membros deveriam
realizar as contribuições conforme podiam, compartilhando os benefícios
sem remuneração individual. Era esperado que seus membros que
mantivessem o status do ie dentro da comunidade como um todo e o
indivíduo que ameaçava trazer vergonha para a família poderia ser cortado
como membro. A continuidade da entidade era mais importante do que
qualquer membro individual e os membros individuais deveriam encontrar
sua razão de ser na manutenção e continuidade do ie.
Os membros individuais de uma casa particular, que não precisam necessariamente
morar nela, ocupam o papel dos membros vivos de uma determinada ie. Fazia parte da
obrigação dos membros vivos lembrarem-se dos seus ancestrais a qualquer momento e de
assegurar que a casa continue após a sua morte6 . Ou seja, a ie mais do que uma relação
familiar entre pai, mãe e filhos, representava uma corporação em que a perpetuação do nome
da família era mais importante do que a origem e a individualidade de quem realizaria esta
tarefa.
Mesmo aqueles que não conseguiam constituir o seu próprio ie, dado o limitado
tamanho das famílias nucleares ou limitados recursos, tinham formas de se encaixarem no
5
Segundo Nakane (1991), principalmente em famílias de mercadores, quando o filho não tinha aptidão para
levar a frente os negócios da família, um trabalhador dedicado e que estava há muito tempo com a família
poderia ser escolhido como sucessor.
6
Para Shimizu (1987), o ie tem um significado simbólico na forma de uma entidade transcendental. Cada ie tem
a sua origem e história definida e a sua continuidade é a primeira obrigação de seus membros vivos. Caso todos
os membros morram e uma ie de um parente continuar com os cultos religiosos a esses mortos, a ie continuaria
existindo, mesmo sem ter nenhum membro vivo.
15

sistema familiar como empregados, servos ou até mesmo filhos adotivos de famílias mais
ricas. A estrutura da casa e da família permitiu que o camponês tivesse um apoio maior para
sua sobrevivência dada a possibilidade de contar com os outros membros de sua ie,
fortalecendo os laços cooperativos e garantindo a perpetuação da família. Assim, observa-se
que era preciso de fato fazer parte de um ie para ser possível viver na aldeia e até mesmo
sobreviver no campo.
Esse sistema foi capaz de garantir certa estabilidade à organização social da aldeia e
também ao sistema produtivo, incutindo de dentro da família a noção de papéis e de
responsabilidade filial definida em termos de líderes e seguidores. A começar de dentro da
própria família, as relações eram discriminatórias e estratificadas, com claros níveis de
prioridade na sucessão, além de que essa noção de estrato superior e inferior extrapolava para
a relação entre as ie 7 . Ao longo de todo o período analisado neste trabalho, apesar das
transformações econômicas e sociais, o ie manteve-se inalterado. De fato, notadamente, a
partir da segunda metade do período Tokugawa, as relações entre os ie de diferentes estratos
são alteradas com a mudança das noções de cooperação impulsionada pela penetração mais
significativa do comércio nas aldeias. No entanto, as ideais que norteavam o ie e o seu papel
na sociedade não foi alterado, reforçando a importância desse sistema familiar na
sobrevivência e na organização da produção. Dadas essas características do sistema ie, o
governo Tokugawa conseguiu habilmente utilizar-se desse sistema para garantir a produção e
o pagamento dos impostos, perpetuando os valores de lealdade e obediência que seriam muito
úteis para o controle social. O mesmo seria feito pelo Governo Meiji, que em meio às diversas
mudanças no sentido da modernização, manteve a família como base da sociedade na virada
do século XIX.
O sistema ie, a despeito das modificações econômicas e sociais que ocorrem ao longo
do período Tokugawa, perpetua-se. E, para entender a relação entre as transformações da
estrutura da terra e o sistema ie, existem três elementos que se relacionam e que precisam ser
levados em consideração: o Taiko Kenchi (agrimensura da terra), o sistema Kokudaka (base
do sistema fiscal do Shogunato Tokugawa) e a separação rígida dos estratos sociais (com
destaque para a separação do samurai em relação ao camponês). Estes elementos foram
estabelecidos pelo Estado com o intuito de solucionar os problemas de financiamento, bem

7
Segundo Shimizu (1987), dentro das aldeias existiam 3 níveis de classificação das ie: dominante, médio e
subordinado, com suas específicas noções de prestígio e honra.
16

como de controle político e social8 que se faziam necessários, dado o recente estabelecimento
da paz após décadas de guerras entre domínios. Passemos para a explicação de cada um
desses elementos.

1.2.1 Taiko Kenchi, o sistema Kokudaka e a “caça às espadas”


Durante os séculos XV e XVI, o Japão viveu o período conhecido como Sengoku-
jidai, ou era das guerras, em que levantes sociais (ikki) e guerras entre daimyos por domínios
e hegemonia territorial ocorriam por todo o país 9 . A partir do estabelecimento da paz e
unificação do país por Oda Nobunaga10, a necessidade de se estabelecer um rígido controle
sobre as capacidades produtivas do campo, a base econômica do país, composto por
camponeses armados e por samurais que os controlavam diretamente, tornou-se uma meta de
extrema urgência 11 (WAKITA, 1991; VLASTOS, 1986).
Após a morte de Nobunaga, em 1582, Toyotomi Hideyoshi impôs sua própria
hegemonia sobre o país e estabeleceu a agrimensura da terra e seu cadastramento conhecido
como Taiko Kenchi12. O Kenchi era um procedimento de medição da extensão e da produção
da terra, definindo a sua produtividade (kokudaka) e, consequentemente, a parcela de arroz
que deveria ser paga como imposto pelo uso da terra (TAKAHASHI, 1953, p. 63). A base
para a medição da produtividade era o koku, definido como a
Unidad de medida de capacidad, más o menos equivalente a 180 litros. En
particular, servía para medir el arroz. Por ejemplo, bajo los Tokugawa, la
mensura de la tierra se expresaba em términos de koku por unidad de
superfície cultivada, y todas as consechas de cereales o de otros cultivos eran
reducidas a um equivalente teórico em arroz. El valor señorial de um feudo

8
Uma outra forma de controle político e social que era feito, mas que está relacionado aos estratos mais elevados
da sociedade foi o Sankin Kotai, que era a obrigatoriedade do daimyo de manter sua família na capital Edo e
permanecer por longos períodos nesta cidade. Dessa forma, o governo conseguia controlar as atividades dos
daimyos que moravam em longínquos feudos (VLASTOS, 1986)
9
Para mais detalhes sobre o período Sengoku, ver Hall (1990)
10
Oda Nobunaga fora um guerreiro samurai que iniciou a unificação do Japão no final da Era Sengoku, era
marcada pelas guerras e constantes conflitos militares. Oda Nobunaga iniciou o processo de avaliação da
produtividade da terra na década de 1580, mas seu limitado poder político e econômico fez com que fosse
necessário aceitar algumas formas alternativas de avaliação e cadastramento das terras conhecido como
sashidashi (Wakita, 1991).
11
A agrimensura da terra realizada por Toyotomi Hideyoshi redefiniu a composição da classe camponesa e
estabeleceu o montante de imposto sobre a terra que os cultivadores eram capazes de entregar ao seu senhor.
Motivações políticas da agrimensura da terra e da definição dos responsáveis pelos seus cultivos acompanharam
os aspectos econômicos, dado que assim poderia salvaguardar a autoridade que havia conquistado, bem como
medir com maior precisão o valor dos feudos que estavam sob o seu domínio. Também era preciso um controle
sistemático das capacidades produtivas do país dado os elevados gastos que se tinha na unificação do país,
organização de estradas e infraestrutura, além do poderio militar (FURUSHIMA, 1991, p. 480; OSAMU,1991 p.
102)
12
A agrimensura da terra (Kenchi) foi iniciado por Toyotomi Hideyoshi e completado por Tokugawa Ieyasu.
17

era el total de todas las consechas em las tierras cultivadas de esse feudo,
expresado en la quantidad teórica de arroz. (AKAMATSU, 1977, P. 294).
Através dessa unidade de medida, era possível indicar o tamanho dos domínios
controlados pelo bakufu (governo central) e a área de responsabilidade de cada daimyo, bem
como os seus estipêndios pagos em arroz. Ou seja, era possível definir, por meio do
kokudaka, a posição social e a riqueza dos membros da sociedade (SATO, 1990, p. 39).
Finalizada a agrimensura da terra, fazia-se o registro do camponês responsável pelos
pagamentos do imposto pelo uso da terra. Cabe destacar que não havia uma noção de
propriedade privada da terra pelos camponeses, mas sim de direitos de uso e posse da mesma.
Mostrado em Wakita (1991, p.104), um dos registros remanescentes da aldeia Fukita na
província Settsu mostra como o registro da terra era preenchido. No documento era incluindo
a localização ou o nome do lote, uma avaliação de sua qualidade geral, os fins de seu uso, a
área e a quantidade esperada de rendimento, bem como o nome do camponês responsável pelo
seu cultivo.
Nome do campo/localização: Kaito
Qualidade (Superior, média, pobre): Superior
Uso (arrozal, campos não irrigados, habitação): arrozal
Área: 1 tan (993 m²)
Rendimento: 1 koku e 5 to (aproximadamente 7.5 alqueires)
Registrado para: Yohei (nome do chefe da família)
(WAKITA, 1991, p. 104)
De fato, no momento da realização dos registros, houve uma certa dificuldade em
definir quem realmente detinha o direito de uso e posse da terra e, assim, durante os períodos
de avaliação do solo e cadastramento, os inspetores costumavam dar o direito de posse aos
camponeses que provavam terem pago os impostos nos anos anteriores e aos camponeses que
estavam cultivando determinado lote no momento do cadastramento (WAKITA, 1991, p.
109). Aqueles que possuíam o nome registrado ficavam, então, sujeitos a diversas leis e
regulamentos, como a proibição da alienação permanente da terra, decretada em 1643, ou a
proibição do parcelamento da terra, imposta em 1673. Também havia regulamentações sobre
o que poderia ser produzido nos lotes. Posteriormente, esses decretos acabaram sendo
relaxados e, enquanto o camponês pagasse devidamente seus impostos e não cometesse
nenhum crime, o seu direito de posse estava assegurado, podendo até mesmo comprar e
vender lotes de terra, como será explicado no capítulo 2 (WAKITA, 1991, p. 109).
18

A somatória de toda produtividade de cada lote de terra resultava no kokudaka de uma


aldeia e era a partir desse valor total que o governo central controlava o pagamento dos
impostos, ou seja, a cobrança não era individual sobre cada camponês, mas sobre o somatório
fixo que deveria ser pago por uma aldeia. O rendimento estimado da terra era definido através
de um teste da colheita (tsubo-kari), que levava em consideração se os rendimentos correntes
poderiam ser avaliados como bons ou ruins e se os custos de produção em um determinado
local eram altos ou baixos. Também se levava em consideração a distância do percurso para
transportar o arroz, o número de animais e a extensão das terras comunais, a dificuldade em se
manter os trabalhos de irrigação e se a aldeia tinha fontes de renda diversas da agricultura,
bem como se a aldeia era rica ou pobre (SATO, 1990, p. 42).
Como já explicado, o arroz tornou-se a base de toda riqueza nacional.
The official standard of wealth was rice. The status of daimyo was expressed
in terms of the assessed rice crop in his domain. The samurai class as a
whole received its income, form shogun or daimyo in bales of rice. And rice
at the beginning of the Tokugawa age was the principal means of exchange
(STORRY, 1961, p. 73).
A escolha do arroz como sendo a unidade de medida para a definição do valor dos
impostos está relacionada com a necessidade de Hideyoshi garantir o controle sobre os
recursos e a produção, mantendo o camponês com a obrigação estrita de pagamento dos
impostos pelo uso da terra ao qual seu nome foi registrado. E, além do arroz ser produzido
praticamente em todos os lugares do país, este produto também poderia ser facilmente
estocado e vendido13. Era preciso um padrão universal para definir uma taxa universal do
imposto e avaliando as diferentes capacidades produtivas de acordo com os diferentes tipos de
solo e clima, a cobrança pode ser feita de forma relativamente mais simples (WAKITA, 1991,
p.104-105).
Além do controle do camponês, o recolhimento dos impostos foi uma expressão de
poder político, pois pela capacidade do Estado de organizar a agrimensura, despachando seus
inspetores (bugyo) para medir parcelas de terras longínquas, ou seja, confiando inteiramente
neles era possível demonstrar a sua autoridade conquistada (WAKITA, 1991, p. 103).
Furushima (1991, p. 481) explica que, antes do cadastramento feito por Hideyoshi, a

13
No entanto, cabe destacar que a necessidade de pagamento da taxa de acordo com o Kokudaka influenciou no
desenvolvimento econômico da sociedade levando os camponeses a cultivar o arroz deforma intensiva. Isso
limitava a participação do camponês no mercado, mas não de forma absoluta. Em alguns daimyos havia
incentivo para o cultivo de produtos comercializáveis e, em regiões como Osaka, a concentração do cultivo de
algodão fazia com que primeiro fosse preciso comprar o arroz no mercado para realizar o pagamento dos
impostos (Wakita, 1991, p. 110)
19

propriedade da terra era normalmente verificada por meio de um processo chamado


sashidashi, em que o camponês tinha que realizar a submissão de alguns documentos os quais
deveriam descrever a sua propriedade com evidências que dessem suporte à sua requisição ao
uso e posse da terra. Contudo, com Hideyoshi, esse sistema de verificação feito pelo próprio
camponês, ou seja, de baixo para cima, passou a não ser mais considerado válido. Hideyoshi
detinha um poder militar muito mais significativo do que o de Nobunaga para levar a cabo as
medições de terras, conseguindo se posicionar com legitimidade em termos nacionais,
justificando suas ações tendo como base o recebimento da seguinte injunção do imperador:
“You shall exercise administrative functions over the more than sixty provinces of Japan in
accordance with whats is best for land and people” (WAKITA, 1991, p. 103). Assim, em um
nível acima dos camponeses, tem se a seguinte estrutura:
The early modern form of landed enfeoffment rested on new principles of
land possession as defined by this Taiko cadastral survey. At the highest
level, all proprietary rights became securely lodged in the hands of the
national hegemon. Now all bushi, and even temples and Kyoto-based
aristocrats, could hold territory only as grants-held-in-trust (azukarimono)
confirmed by the vermilion seal of Hideyoshi. Moreover, certain rights and
responsibilities concerning these holdings could be reassigned to lower
elements in the power structure. A clause in the famous “Bateren expulsion
decree” that Hideyoshi issued in 1587 banning Christianity and ordering the
Jesuits to leave Japan within twenty days inadvertently confirmed this
practice by stating: “Fiefs granted to vassals belong ultimately to the state,
that is, to the provinces and districts, and each vassal holds the land in trust
for the present only. Each vassal must obey the laws of the realm
(tenka).This use of the concept of land held in trust for the overlord became
the basis for the new centralization of power. The rights to collect the grain
tax and corvée levies and to exercise judicial judgment (…) were now pulled
together and held by a single authority.
Ou seja, o governo central na figura de Hideyoshi era aquele que detinha os direitos de
propriedade e esse transferia parcelas de terras na forma de domínios para alguns samurais
(daimyo) apenas como concessões, pois a terra era do Estado. Todas as as categorias de
senhores daimyo 14 possuíam ampla autonomia, mas sua soberania era limitada apenas às

14
Após derrotar a coalizão de senhores de guerra rivais na batalha de Sekigahara em 1600, Tokugawa Ieyasu
determinou que mais de um quarto do país fosse definido como terras do Shogunato Tokugawa, terras estas que
incluíam as três maiores cidades do Japão (Edo, Osaka e Kyoto). O resto do país foi dividido em han e atribuídos
para mais de 200 senhores chamados daimyos. Os daimyos eram divididos em dois tipos, os fudai, que eram os
20

terras ao qual havia sido designado, podendo ser substituído por outro daimyo a qualquer
momento, caso isso se fizesse necessário (VLASTOS, 1986, p. 7). Cada daimyo ficava com a
responsabilidade de gerenciar as fontes de rendimentos de cada região a qual era responsável
e o Shogun, ao mesmo tempo em que realizava este controle, agia como se fosse um grande
daimyo, retirando os rendimentos de seus territórios e pagando as despesas do governo central
(Bakufu). Abaixo dos daimyos vinham os camponeses que cultivariam diretamente essa terra.
Assim, através do Kenchi e sua política de identificação de um camponês específico
com seu respectivo lote de terra, o direito de uso e posse de toda terra arável tornara-se um
simples acordo entre os senhores e o camponês, sem uma noção de propriedade privada, nem
pelo lado do daimyo, que poderia ser transferido para outro domínio por ordem do governo
central, e nem pelo lado do camponês, que tinha apenas o seu nome registrado como
responsável pelo cultivo de uma determinada terra devendo pagar os devios impostos em
arroz pelo seu uso (SATO, 1990, p. 38).
A principal taxa que precisava ser paga pelo camponês era a que recaía sobre a terra,
denominada nengu 15 , que baseava-se no kokudaka de cada terra. Essa taxa sobre a terra
constituía a taxa de uso dos arrozais, das terras elevadas e dos lotes residenciais (SATO, 1990,
p. 42). Como já explicado, a taxação era cobrada pelo senhor sobre toda comunidade
campesina de uma determinada aldeia e não especificamente sobre um camponês ou uma
família, sendo que apenas os registrados como responsáveis por um lote é que deveriam pagar
a taxa (SMITH, 1988, p. 52). Ou seja, no caso de um camponês não conseguir atingir o
montante necessário para pagar o seu nengu, a comunidade deveria suprir esse déficit,
gerando uma responsabilidade comunal pelo pagamento dos impostos, característica essa
bastante específica do Japão Tokugawa16 (SATO, 1990, p. 42). Além do nengu pago em cada

“vassalos hereditários” e os tozama, “senhores externos”. O primeiro grupo havia declarado fidelidade ao
Shogun antes da batalha de Sekigahara e aqueles que eram de maior confiança participavam ativamente da
administração diária do Bakufu. Já o segundo grupo era formado pelos guerreiros que haviam declarado a sua
fidelidade ao Shogun após esta batalha e, sendo menos confiáveis (VLASTOS, 1986, p. 6).
15
Além do nengu, existiam outras taxas chamadas komononari que eram requeridas pelo uso de ativos fixos, tais
como barcos, ferramentas e até o uso das terras florestais. Essas taxas não eram uma porcentagem da produção
sendo cobradas apenas quando o uso de algum dos itens acima era feito. Havia também uma espécie de corveia
imposta a cada camponês registrado e que era calculado como uma porcentagem do kokudaka.
16
Essa responsabilidade comunal vinha desde a necessidade do trabalho comunitário para a preparação do solo
para o plantio de arroz, além da construção e manutenção do sistema de irrigação, atividades estas que não
poderiam ser realizadas por apenas uma família. Além do plantio de arroz, também a construção de casas e
infraestrutura eram feitas em comunidade e, mesmo os lotes sendo de responsabilidade de cultivo de uma só
família, o uso de áreas comunais, como as florestas e o sistema de irrigação, envolvia a todos em uma atividade
conjunta (SMITH 1959). Ou seja, se um ie não consegue pagar o seu imposto ou participar dessas atividades
coletivas, o grupo como um todo teria que suprir esse trabalho.
Fukutake (1989) explica que as aldeias camponesas eram normalmente localizadas em regiões isoladas tendo um
caráter de autossuficiência, constituindo microcosmos que circunscreviam a produção e o consumo dos
21

propriedade, o governo central também extraia recursos do comércio internacional 17 , do


gerenciamento das minas e da cunhagem de moeda e, a partir de século XVIII, passou a ser
cobrado também os impostos sobre as atividades comerciais e manufatureiras 18, mas a maior
parte dos recursos eram de fato do nengu, o qual era baseado no kokudaka de cada
propriedade (SMITH, 1959).
E, assim, de acordo com o kokudaka de uma aldeia, o daimyo anunciava todo ano qual
seria a taxação sobre a terra em um documento chamado menjo e, com base nesse documento,
os líderes da aldeia encarregavam cada camponês do montante que deveria pagar de acordo
com a avaliação do solo feita no kenchi. (SMITH, 1959; FURUSHIMA, 1991). A
administração Toyotomi geralmente estabelecia o montante a ser pago como sendo dois terços
dos rendimentos de cada aldeia, deixando os camponeses apenas com um terço de toda a
produção. Segundo Wakita (1991, p. 106), no sistema de pagamento dos impostos do período
anterior à Toyotomi, as taxações tendiam a ser fixas de forma permanente, sendo que o
montante excedente advindo de qualquer aumento da produtividade ficava no próprio campo.
Neste novo sistema era permitido aos senhores daimyo requerer dos camponeses qualquer
excedente na produção.
No entanto, este sistema baseado no kenchi foi aos poucos se tornando bastante
arbitrário com a expansão das terras agricultáveis e a diversificação dos cultivos (como
algodão), que dificultava a incorporação de sua taxação no sistema kokudaka. Em regiões
próximas a grandes centros como Osaka, que diversificaram a produção para atender a cidade
em rápido crescimento a partir de meados do século XVII, os daimyo conseguiam coletar
aproximadamente 30% dos cultivos, enquanto em regiões menos desenvolvidas, as taxações
atingiam marcas de 80% da produção. Outro fator que contribuiu para que as taxações não
fossem reajustadas constantemente foram as inúmeras revoltas camponesas que marcaram o
século XVII e XVIII e que lutavam contra os aumentos dos impostos pagos em arroz, como
será explicado no Capítulo 2 (WAKITA, 1991; VLASTOS, 1986).
A definição do sistema tributário e do regime de direitos de uso e posse da terra foi
estabelecido no final do século XVI por Toyotomi Hideyoshi e finalizado no início do século
XVII por Tokugawa Ieyasu. Através do Kenchi e do sistema Kokudaka tornou-se possível ao

camponeses. Além disso, muitas vezes as aldeias entravam em choque por disputas de água para irrigação, o que
fornecia mais um elemento de pertencimento. Em termos espirituais, a natureza unitária da vila era simbolizada
pelo ujigami, um templo da divindade que protegia cada aldeia e suas respectivas famílias que vinham se
perpetuando por várias gerações.
17
Feito pelo porto de Nagasaki, exclusivamente com a China, Coréia e Holanda.
18
Mas a porcentagem taxada era bem menor como será explicado no capítulo 2.
22

governo central coletar os impostos sobre o uso da terra, mantendo os camponeses,


organizados em pequenos lotes de cultivo, atados à terra e com grandes responsabilidades
comunais para garantir o pagamento dos impostos. Entendido a forma de tributação, cabe
destacar agora como se estruturava a sociedade Tokugawa, com o intuito de explicar quem era
o camponês que financiava todo aparato do governo central e dos daimyo.
Para entender a relação entre o sistema ie e a estrutura agrária, além do cadastramento
Kenchi e o sistema Kokudaka, o terceiro aspecto importante é a separação do camponês e do
samurai que fixou o camponês à terra e retirou o samurai do campo. O cadastramento do
Kenchi, explicado no item anterior, contribuiu para que essa medida do governo fosse
efetivamente cumprida, estabelecendo-se, assim, uma definição clara da divisão social rígida
do país.
Como explica Akamatsu (1977, p. 19), durante o período anterior ao Tokugawa,
marcado pelas guerras, não havia uma clara divisão entre o senhor e o camponês, visto que
um camponês que pudesse se armar, poderia tornar-se um senhor samurai. Além disso, muitos
guerreiros também eram camponeses que cultivavam o solo em tempos de paz e pegavam em
armas na época das guerras (SATO, 1990, p. 38). Essa ambígua definição das classes sociais
teve fim com o que ficou conhecido como “caça às espadas” em um decreto anunciado por
Hideyoshi em 1588, o qual proibia o camponês de possuir espadas e outros itens de guerra. O
edito deixava claro que “os camponeses de várias províncias” estavam “estritamente proibidos
de manter espadas, espadas curtas, lanças, armas de fogo e outros tipos de armas militares.” A
justificativa para tal decreto é que esses itens desnecessários nas mãos dos camponeses
levariam os mesmos a serem tentados a não pagar os impostos ou realizar levantes (chamados
de ikki) (ELISONAS, 1991, p. 264)
Apesar do decreto de Hideyoshi não deixar claro que o objetivo era realizar a estrita
separação de classes, o mesmo teve um grande impacto social na prática ao distinguir aqueles
que poderiam portar armas, ou seja, os samurais, dos que deveriam apenas cultivar a terra, ou
seja, os camponeses 19 . Ao separar o camponês do samurai, foi possível reforçar uma
diferenciação entre aquele que cultiva a terra e o guerreiro, os dois grupos sociais mais
importantes do período no Japão20. Neste mesmo processo, ocorreu também a separação entre
o camponês e o mercador/artesão, sendo que esses, assim como os samurais, foram obrigados

19
No entanto, como explica Elisonas (1991, p. 264), apesar da proibição do porte de armas, os camponeses
poderiam ser chamados para a guerra caso isso fosse necessário. Ou seja, os camponeses não estavam excluídos
por completo das obrigações militares.
20Os samurais que ficaram no campo passaram, então, a ter o seu nome registrado como cultivador de uma determinada propriedade de terra, por meio do kenchi, não tendo
mais o direito de possuírem armas, tornando-se apenas camponeses.
23

a se mudarem para as cidades-castelo ou para regiões portuárias. Recebendo o direito de


monopólio para exercer sua atividade, a qual tinha estrito controle do governo central, e
ficando subordinados à autoridade dos samurais, os mercadores e artesãos perderam a antiga
liberdade que tinham (FURUSHIMA, 1991, p. 483). Ou seja, foi possível ao governo central
criar uma estrutura em que se tinha um controle rígido de todas as camadas sociais e o sistema
de status (mibunsei) tornou-se a principal instituição do shogunato Tokugawa.
Para Bito (1992), esta alteração na estrutura social, definindo uma clara divisão entre
camponês, samurai, comerciante e artesão, ter sido aceita sem grande oposição é algo que
precisa ser entendido, pois, para o autor, esta é uma especificidade importante do sistema
senhorial japonês. Para explicar essa peculiaridade, Bito (1992) defende a tese de que é
preciso considerar a palavra “yaku” (役), que significa papel/função. Para o autor, esta palavra
tem um significado especial no idioma japonês, remetendo ao papel que uma pessoa tem
dentro de uma sociedade, bem como às responsabilidades que esta determinada função
acompanha. De fato, a estratificação social referia-se não só ao pertencimento a um
determinado grupo, baseado em sua ocupação, mas também às obrigações que esta posição
acompanhava21. E o sistema social baseado nos status serviu como estrutura sobre a qual a
ausência de igualdade era reproduzida nas interações sociais diárias.
O Samurai tinha a responsabilidade de preparar um número determinado de pessoas e
uma quantidade determinada de armas, de acordo com a proporção do seu kokudaka,
disponibilizando-os ao seu senhor no momento de guerra. A esta responsabilidade dava-se o
nome de Gun-yaku (軍役), que seria a sua função militar. Os camponeses22, de acordo com a
proporção de kokudaka do seu lote, tinham a obrigação de efetuar o pagamento dos impostos
na forma de arroz (nengu), tendo a sua responsabilidade denominada como Ka-yaku (家役).
Além disso, camponeses de classe mais elevada tinha a responsabilidade de mobilizar
camponeses como força de trabalho para momentos de construção de castelos, infraestruturas,
21
A estratificação social englobava toda população japonesa e até mesmo a ausência de status tornou-se um tipo
de status. Howell (1998) explica o caso dos hinin (“não-humanos”), um dos grupos de pessoas excluído da
sociedade, ao lado dos eta (“impuros”), que eram chamados de Burakunin. Os hinin eram mendigos que muitas
vezes faziam trabalhos sujos para as autoridades locais. Os eta eram considerados impuros por trabalharem com
carne e couro. Estas duas classificações foram abolidas apenas em 1871. Mas cabe destacar que durante o
período Tokugawa, a discriminação (sabetsu) foi o princípio por trás de toda organização social.
22
Em 1649, foi decretada a Proclamação Keian, com 32 artigos que definiam as obrigações do camponês. O
pagamento das devidas taxas era de sua responsabilidade, sendo necessário trabalhar sempre com diligência,
acordando cedo para cortar a grama, cultivar os campos durante o dia e fazer cordas de palha durante a noite. Era
preciso plantar bambu no entorno da casa para que servisse de lenha e para os reparos e manutenções das
ferramentas que deveriam estar prontos para o seu uso na primavera. A construção de banheiros com local para
abastecimento de dejetos humanos era obrigatória para gerar fertilizantes, misturando-se com grama e água.
Como explica o autor, até mesmo a alimentação, as relações sociais e métodos de cuidado dos animais, roupas e
da saúde eram definidos nesta proclamação (SATO, 1990, p. 41).
24

etc. À essa responsabilidade dava-se o nome de Bu-yaku (夫役). Assim, segundo o autor, em
um sentido amplo, a palavra Yaku, significava as obrigações sociais que uma família
camponesa ou samurai deveria observar dentro da sociedade. E por conta dessas obrigações,
mesmo o pequeno camponês fazia parte da comunidade aldeã, compartilhando o pagamento
de impostos e todas as outras responsabilidades que deveriam ser cumpridas dentro da
sociedade.
Dentro dessas obrigações, o kokudaka representava a base econômica necessária ao
samurai para que esse observasse as suas obrigações em termos militares ou políticos,
enquanto para o camponês representava a quantidade de arroz necessária para pagar os
tributos e também cumprir as obrigações como Bu-yaku. No caso do samurai, os seus
estipêndios, que eram pagos pelo shogun ou pelo daimyo, eram em troca da proteção, ou seja,
das funções militares do samurai. Por este sentido e pelo fato dessa relação ser hereditária,
Bito (1992) compara este sistema com o sistema feudal europeu e sua relação de suserania e
vassalagem. No entanto, a especificidade do Japão, segundo o autor, está no fato de que o
kokudaka, que era a base do pagamento dos estipêndios, tinha caráter nacional/público e não
privado, sendo que as obrigações (yaku) por parte dos samurais também não eram um serviço
prestado de forma individual ao seu senhor, mas sim uma obrigação em termos militares e
administrativos de um membro que faz parte da instituição, ou seja, de uma relação
burocrática. O mesmo acontecia para a função ou obrigação (yaku) do camponês. Apesar de
ter a obrigação de fornecer a mão de obra e os produtos cultivados na forma de imposto pelo
uso da terra para o seu senhor, assim como no caso do feudalismo europeu, os camponeses
não pertenciam ao senhor, e as cobranças de impostos sedavam sobre um determinado grupo
(BITO, 1992).
No entanto, mais do que um papel advindo de uma responsabilidade dividida pelas
camadas sociais, é preciso considerar a noção de obediência. Nesta formação de consciência
de papéis dentro de cada classe, a educação 23 teve importante função para moldar a sociedade
e manter o status quo da rígida estratificação social. Nas palavras de Kobayashi (1965, p.
288),

23
A educação era secular por completo. Como explica Kobayashi (1965), em primeiro lugar a educação estava
sob o controle do governo secular ou de indivíduos privados e, mesmo com a participação de alguns monges
budistas na educação dos camponeses, o budismo como religião não tinha nenhuma política educacional
específica. O conteúdo da educação do período Tokugawa também nunca fora religioso, sendo que os livros
eram do Confucionismo ou seculares. Apesar do Confucionismo poder funcionar como religião, em termos
educacionais, tratava-se de instruções seculares na literatura, ética, etc., não havendo conflito entre Estado e
religião.
25

O objetivo da educação era encaixar as pessoas dentro da existente ordem


social e política. O conservadorismo da educação Tokugawa era manifestado
na autoridade inquestionável dos professores sobre os estudantes e no caráter
dogmático das instruções. Como doutrina oficial, o bakufu adotou a escola
Chu Hsi do Confucionismo que prescrevia a inter-relação ordenada dos
cosmos e da sociedade humana. (...) O objetivo da educação era preparar as
pessoas para se comportarem e agirem de acordo com seu status hereditários.
Por isso, era organizado em termos de classe. A principal distinção era entre
a educação do samurai e a educação dos camponeses. A primeira formou a
elite com as qualidades necessárias a um líder; a última objetivava moldar as
massas como seguidores eficientes e obedientes.
Dore (1965, p. 220) relata sobre uma vasta documentação existente na escola de
Okayama, fundada em 1666 para os filhos dos camponeses. Em 1671, foi enviada uma ordem
para o oficial no comando da escola que dava instruções de como proceder nas aulas. Eles
deveriam ter duas horas de instruções novas e três horas de revisão por dia. Isto era para que
eles compreendessem de forma completa que o objetivo do ensino era disciplinar o coração e
melhorar o comportamento e três vezes por mês eles eram chamados para refletirem
conjuntamente sobre sua conduta e encorajar cada um a se esforçar cada vez mais.
Além do ensino doutrinante, é preciso também considerar a estrutura administrativa no
nível da aldeia para se compreender como a subordinação e a obediência do camponês eram
reforçadas de dentro do próprio campo. O chefe da aldeia24 era a figura mais importante tanto
em termos de poder delegado como pelas responsabilidades designadas pelo governo (BEFU,
1968, p. 34). Além de reportar constantemente os dados detalhados sobre a população e
taxação por família, tinha a obrigação de recolher os impostos de uma só vez, manter a
infraestrutura pública funcionando, além de resolver disputas internas, reportar violações e
levantes. Tinha também a importante responsabilidade sobre a conduta dos camponeses,
punindo-os por eventuais crimes cometidos (BEFU, 1968, p. 34-35).
Além do chefe da aldeia outra forma de manter o camponês dentro das normas
estabelecidas pelo governo central era o sistema gonin-gumi, que significa “grupo de cinco
pessoas”. Apesar do nome, na realidade eram grupos de cinco ie, e não de indivíduos, que
constituíam o grupo. Assim, todos os camponeses registrados no kenchi deveriam fazer parte
de um grupo de cinco pessoas, sendo que os camponeses sem terra eram incluídos no grupo
24
O respeito pelos chefes de aldeia vinha tanto do governo como de sua tradição familiar. O governo garantia
aos chefes de aldeia o poder de realizar todos seus deveres, incluindo o de punição de crimes, mas, ao mesmo
tempo, o nome de sua família, por ser antigo e tradicional, tinha o respeito dos aldeãos e, assim, era possível
realizar as suas atividades de forma mais fácil (BEFU, 1968, 35).
26

daquele que tinha o direito de uso da terra que cultivava. Assim, o sistema gonin-gumi criava
uma noção de cooperação e dependencia dentro de um grupo em que cada membro passava a
ser responsável pelas ações dos outros membros (BEFU, 1968, p. 35-36). “Um crime
cometido por um membro era um crime de todos os outros membros e o acobertamento de um
crime cometido pelo membro também era um crime de todos os membros” (BEFU, 1968, p.
36). Assim, toda aldeia tinha um interesse ativo no comportamento de cada ie, espiando e
corrigindo a conduta uns dos outros, resolvendo as disputas na medida do possível por meio
de conciliação (MOORE, 1966). No entanto, segundo o mesmo autor, aquele que denunciasse
um crime cometido pelo membro de seu grupo poderia ter a sua punição abrandada, podendo
até mesmo ser recompensado. Cabe destacar que este sistema não era útil apenas na criação
de responsabilidades conjuntas de observância das leis, mas também tinha a função de mútua
assistência entre as famílias25 (HALL, 1991, p. 172). Mas a difamação, ostracismo e outras
sanções mais graves, tais como a reunião à porta de uma determinada família batendo em
panelas ou mesmo o banimento (fazendo com que o camponês acabasse morrendo de fome
sem auxílio e sem terra para cultivar), ajudavam a criar um conformismo significativo dentro
da aldeia26 (MOORE, 1966, p. 261).
Assim, pode-se observar como o Estado, instituindo a agrimensura da terra, o sistema
de impostos e a separação do samurai em relação ao camponês, pôde se aproveitar do sistema
ie, com todos seus valores e sua hierarquia para moldar uma sociedade que cumpria seu papel
designado e agia com temor e obediência nas atividades diárias. Dada essa estrutura, é preciso
entender como a aldeia e o cultivo de arroz, a base do imposto, foram estabelecidos no
período Tokugawa para que fique mais claro como se davam as relações econômicas e sociais
dentro da aldeia.

25
Moore (1966, p. 260) destaca que além do sistema gonin-gumi, existiam também as proclamações públicas e
avisos afixados nas aldeias que tinham como objetivo estimular os camponeses a terem bom comportamento,
contendo forte tom confucionista de obediência e submissão à moral e ética estabelecida.
26
A partir da segunda metade do período Tokugawa a educação aflorou uma certa consciência de classe entre os
camponeses que mudaram a atitude em relação à camada governante expressas nas diversas revoltas camponesas
que se tornaram cada vez mais violentas. Entretanto, cabe destacar que este antagonismo entre as classes era
minimizado por uma limitada possibilidade de ascensão social. Segundo Kobayashi (1965, p. 294), através da
educação e das habilidades individuais, era possível passar para a classe samurai e assim, jovens ambiciosos da
classe camponesa que poderiam se tornar um elemento de descontentamento na sociedade poderia ser elevado ao
status de samurai ou equivalente, perdendo seu antagonismo de classe. Para o mesmo autor, o moralismo do
Confucionismo também não gerava nenhum espaço para a crítica do sistema de classes e a própria estrutura do
ensino, que era voltada para vocações e prática, não criava um ambiente de discussão para desenvolver mentes
críticas. Assim, era possível se ter um controle relativamente rígido dos camponeses que muitas vezes se
levantaram contra os pesados impostos, mas nunca contra a ordem senhorial estabelecida (VLASTOS, 1986).
27

1.2.2 A aldeia e a produção do arroz


Um dos objetivos de Hideyoshi, com a agrimensura da terra, era estabelecer um
sistema de agricultura baseado em pequenos agricultores independentes. Segundo Furushima
(1991, p. 482-483),
Discretas unidades sociais consistindo em membros de uma família imediata
tornar-se-iam a principal fonte de rendas anuais da terra e o ato de cultivar
era agora considerado o mais importante critério para determinar quem
possuía a terra e quem pagaria a taxa anual27.
No entanto, a análise dos registros do Kenchi revela um padrão significativamente
uniforme da estrutura dos lotes cultivados pelos camponeses, existindo, na realidade, alguns
poucos lotes maiores e um grande número de pequenos lotes28 (SMITH,1959). A extensão da
terra cultivada pelos camponeses que possuíam pequenos lotes variava de 1 a 4 hectares, o
que geralmente correspondia a uma colheita de 10 koku. Além desses lotes de cultivo, os
registros kenchi indicavam que as unidades de produção maiores atingiam até 200 ou 300
koku de arroz (FURUSHIMA, 1991, p. 486).
Essa composição da aldeia, com algumas propriedades maiores e um grande número
de menores, acabou se formando apesar da política de Hideyoshi de incentivo à estruturação
do campo em pequenas unidades produtivas, as quais seriam cultivadas por famílias. Não é
possível afirmar, de fato, que o objetivo de Hideyoshi era formar uma camada camponesa não
diferenciada, pois mantiveram-se na mesma aldeia aqueles que tinham maiores direitos sobre
a terra, enquanto havia camponeses que não receberam nenhum direito para cultivar a terra.

27
Além disso, ficava proibido aos camponeses de estrato superior que empregassem arrendatários para
trabalharem nas suas terras, estipulando que aquele que realmente cultivava a terra tinha que pagar os devidos
impostos diretamente ao proprietário, evitando, assim, que houvesse uma maior exploração do agricultor, bem
como a prevenção do processo de concentração da terra (FURUSHIMA, p. 483)
- Discrete social units consisting of Member of the immediate Family were to become the principal the principal
source of the annual land revenues, and the act of cultivation was now deemed as the most important criterion
for determining who possessed the land and who paid the annual rent.
28
Cabe destacar a especificidade da Região de Kinai, considerada a mais desenvolvida no Japão neste período.
As propriedades em Kinai tendiam a ser substancialmente menores do que em outros lugares. Segundo a análise
de dados feita por Miyagawa,Mitsuri (1953, p. 15-16), nesta região, as propriedades com o tamanho de 3 tan ou
menos representavam entre 70 e 80% das propriedades enquanto em outras localidades, esse tamanho não
representava mais de 50% das propriedades (SMITH, 1953, p. 3-4). Segundo este autor, esta peculiaridade indica
o nível de desenvolvimento econômico e não tem a ver com uma questão geográfica ou climatológica. O padrão
de cultivo e de propriedades que existia de forma ampla no Japão teria prevalecido anteriormente nesta região
enquanto o presente padrão de Kinai estava se tornando mais comum em outras áreas conforme o tempo passava.
Esta região, como explica Smith (1953), era particularmente urbana e com manufaturas, além de ser a região que
abrigava a corte imperial. A vida urbana se desenvolveu primeiro em Kinai. Kyoto, Fushimi, Osaka e Sakai eram
as 4 cidades que já existiam no final de 1590 e totalizavam uma população de aproximadamente 40 mil pessoas.
Em outras partes do país, as regiões que se localizavam próximas de cidades castelo vivenciavam, neste período,
um desenvolvimento econômico mais próximo do que ocorria em Kinai, com agricultura comercial,
propriedades pequenas e de trabalho intensivo, sendo que a produção agrícola era combinada com outras
atividades.
28

Essa diferenciação ocorreu pela permissão de retenção de direitos de posse e de cultivo sobre
terras hereditárias, ou seja, as propriedades maiores pertenciam às famílias tradicionais de
determinada aldeia. Assim, a política de Toyotoni Hideyoshi foi a de respeitar os direitos
sobre a terra enquanto designava direitos mais seguros de uso e posse ao camponês
(WAKITA, 1991, p. 108).
A extensão de terra maior pertencia ao núcleo familiar direto que tinha suas terras
hereditárias registradas no kenchi, constituído pelo casal e os filhos solteiros. Esta família
distinguia-se do restante do grupo não apenas por possuir uma unidade produtiva maior, mas
também por terem posição superior em cerimônias religiosas de invocação de proteção na
aldeia, bem como cargos de oficiais da aldeia por serem de famílias tradicionais. Segundo
Furushima (1991, p. 486), muitos samurais, notadamente na região Kinai, Kanto e Tosan,
puderam permanecer com os direitos de cultivo e posse sobre as terras hereditárias, tornando-
se camponeses29. Dada essa posição superior, as próprias vestimentas, moradias e até mesmo
os templos que estas famílias frequentavam eram diferentes, o que criava uma distinção
dentro da camada camponesa (SMITH, 1959; FURUSHIMA, 1991).
Com a ocasional ajuda dos vizinhos e parentes, os camponeses eram capazes de
trabalhar em uma propriedade média, mesmo nos períodos mais intensos de trabalho. Mas a
dificuldade aumentava, de fato, nas propriedades maiores. Essas, diferentemente das pequenas
unidades que eram cultivadas apenas pelo trabalho familiar30, não podiam ser cultivadas nesse
mesmo sistema, precisando contar com membros que pertenciam à extensão da família. Logo,
chamavam-se parentes que não eram diretamente descendentes da família nuclear, além de
pessoas que eram ligadas ao proprietário, não por sangue ou casamento, mas que foram

29
Mas em aldeias próximas à Kyoto, essas famílias camponesas continuavam sendo consideradas com status
samurai (Furushima, 1991, p. 487).
30
Exceto na região de Kinai, onde havia a mão de obra formada por arrendatários (kosaku).
29

incorporadas à família por laços servis hereditários31 ou apenas para o cultivo da terra32. Este
modo de organização do trabalho era chamado de tezukuri33 (SMITH, 1959).
Esses servos eram originários de famílias que não possuíam uma unidade produtiva
grande o suficiente para sustentar todos os seus membros ou camponeses que não tiveram
seus nomes registrados no kenchi. Mas como a família constituía o único meio de
organização da produção na maior parte do Japão do século XVII, Smith (1959) explica que
neste modelo de organização do trabalho das propriedades maiores, os servos (gennin) eram
de certa forma incorporados à família. Não era possível pensar na lavoura dissociada da
estrutura familiar que contava com a força dos jovens e a sabedoria dos mais velhos. E isso é
de fundamental importância, pois é através deste processo que aqueles que não possuíam o
direito de uso das terras eram incorporados à sociedade camponesa Tokugawa, já que o
mercado e as cidades não haviam se desenvolvido o suficiente para absorvê-los. Além disso,
segundo o mesmo autor, essa possibilidade de envio de membros da família (que eram
vendidos ou dados de presente) para trabalharem nas propriedades maiores eliminando, assim,
algumas bocas para serem sustentadas, fez com que as propriedades camponesas em sua
maioria se mantivessem com escala reduzida ao longo de todo período Tokugawa e tornou-se
uma alternativa ao infanticídio, muito comum neste período (SMITH, 1959, p. 16).
A criança que passava a viver com a família com posse da terra recebia basicamente o
mesmo tratamento de um filho; frequentava as mesmas escolas e recebiam os ensinamentos
da moral e conduta de respeito aos mais velhos. Esta criança, ao se casar, iniciaria um novo
núcleo familiar com o apoio da família que o recebera quando criança (SMITH, 1959, p. 17).
O inchaço que ia ocorrendo na família nuclear era evidente e o número crescente de membros,
tornava a estrutura produtiva ineficiente.
Todavia, a moral familiar e a opinião pública não permitiam que os detentores de
terras maiores simplesmente eliminassem seus servos, como um dia sua família o fez. Dessa

31
Os servos hereditários eram chamados de fudai, moravam com os seus senhores, sendo os senhores os
responsáveis pela alimentação e vestimenta, bem como pela conduta dos seus servos na aldeia (SMITH, 1959).
Segundo o autor, essa categoria de servos representava aproximadamente 10% da população camponesa no
século XVII. Em algumas propriedades maiores, observavam-se entre 5 e 10 servos fudai, havendo registros de
famílias com mais de 20.
32
Os nago tinham diversos níveis de status, mas em sua maioria eram camponeses que ficam responsáveis por
cultivar um pequeno lote de terra do proprietário, prestando serviços, sendo que não moravam na mesma casa
que o dono da terra como os fudai. O nago não tinha a responsabilidade de pagar as taxas da aldeia ou, mesmo
que pagasse em nome do proprietário, não era considerado membro da aldeia em diversos aspectos. Não tinha
direito ao uso das terras comuns e nem direito sobre a água e nem direito a opinar nas discussões da aldeia
(SMITH, 1959).
33
A forma de organização do trabalho e cultivo da terra passaria de tezukuri para kosaku diante da expansão dos
mercados. Segundo Smith (1959), essa transformação inicia-se sob um estímulo do cultivo comercial, que não
pode ser datado como um poderoso movimento em todo o país até o século XVIII.
30

forma, a solução dada era a partição das unidades produtivas aos grupos conjugais que se
formavam nos ciclos externos, ou seja, formavam-se novos ie (SMITH, 1959, p 17). No
entanto, o autor destaca que essa partição da terra representava um lote extremamente
pequeno, de baixa produtividade e/ou com localização não privilegiada e que gerava muito
mais benefício ao grande proprietário, que se livrara da ineficiência com perdas desprezíveis,
do que para o novo ie o qual, por sua vez, mal conseguia se sustentar. De fato, o objetivo não
era deixar a família subsidiária na melhor situação possível mantendo-os presos às obrigações
que essas relações geravam (SMITH, 1959, p. 40).
Apenas liberar essa mão de obra excedente com um pequeno lote de terra não era o
suficiente para garantir a sobrevivência dessa nova família e, assim, como explica Smith
(1959, p. 20), a família nuclear continuava dando suporte com animais, alimentos,
vestimentas, ferramentas e moradia até que fosse possível à nova família se estabelecer de
forma mais firme. Mesmo tendo o seu lote de terra, os servos mantinham-se com forte relação
de dependência em relação à família nuclear, devendo retribuir a ajuda com sua obediência e
fornecimento de mão de obra quando solicitados na lavoura ou em construções e reparos,
dado que a mão de obra insuficiente era o gargalo dos proprietários de terras maiores.
Ocorriam, assim, trocas de capital por trabalho em uma relação de dependência e noção de
obrigação para com a família. Através dessas relações, o grupo como um todo foi capaz de
atingir certa autossuficiência que seria impossível de se atingir sozinho, dado o isolamento
físico e pelo estado rudimentar do mercado no início do século XVII34 (SMITH, 1959, p. 50)
Apesar da partilha da terra, cabe destacar que o direito sobre o uso da água e das terras
comunais 35 eram mantidos sob o poder das famílias nucleares. Além disso, a divisão da terra,
muitas vezes, não era acompanhada de fornecimento de moradia variando também o tamanho
da propriedade de acordo com a proximidade do núcleo familiar, agindo como uma
importante força de manutenção e reforço da hierarquia que existia na sociedade camponesa,
separando os ie de acordo com sua posição dentro da aldeia 36 (SMITH, 1959, p. 42).

34
Smith (1959, p. 52) argumenta que essa noção de solidariedade dentro da comunidade variava de acordo com
o desenvolvimento econômico da região, dado que em algumas áreas mais avançadas, havia uma tendência do
mercado transformar esse padrão, fazendo com que, muitas vezes, as famílias subsidiárias superassem as
famílias nucleares em termos econômicos.
35
As terras comunais eram formadas por florestas de onde os camponeses tiravam a madeira necessária para a
construção de casas, canais de irrigação, lenha, etc., além de alimentos como frutas e cogumelos. Em momentos
de quebra de colheita e fome, brotos, raízes e gramíneas serviam para a alimentação do camponês e, por conta
desse papel importante que as terra comunais tinham, os camponeses tinham grande preocupação pela sua
supervisão e uso. Havia um acordo dentro de cada aldeia pelo seu uso e qualquer infração deste acordo era
rigidamente punida (FURUSHIMA, 1991, p 504).
36
Segundo Smith (1959, p. 42), entre 40 e 80% daqueles que possuíam terras aráveis não possuíam moradia
própria.
31

Essa relação cooperativa e de subordinação dos pequenos agricultores para com a


família nuclear era de fundamental importância para o cultivo do arroz e, mesmo com as
distinções de linhagem e de status dentro da sociedade aldeã, todos trabalhavam juntos, pois,
sozinhos, não seria possível levar a cabo todas as atividades que envolviam o plantio de arroz.
Isso acabou criando um senso de comunidade e de cooperação característico das aldeias
japonesas de cultivo de arroz. E esta estrutura familiar organizada em aldeias com forte senso
comunitário foi a base da organização da produção durante todo o período Tokugawa, mas
com mais intensidade na primeira metade do período. Era uma relação que, apesar de
evidencias a hierarquia e noções de obediência e dependência, gerava vantagens mútuas que
iam desde a preparação do solo para o plantio até a sua colheita e pagamento dos impostos e,
por isso, o cultivo do arroz deve ser analisado com detalhe, como será feito a seguir.
Segundo Smith (1959, p. 50-51), durante o plantio das mudas de arroz na primavera, a
cooperação do grupo mostrava sua importância máxima, mas o trabalho coletivo se iniciava
muito antes, com a construção do sistema de canais de irrigação 37. Além dos esforços de sua
construção, a sua manutenção também era complexa e demandava trabalhos constantes para a
retirada de lama e mudas que se acumulavam das colheitas anteriores (SATO, 1990, p.67).
Furushima (1991, p. 516) também destaca que, além dessa estrutura propriamente do plantio,
era preciso construir um sistema de controle de enchentes para os períodos de chuvas foirtes e
tufão, o que fazia os rios transbordarem e, para isso, era preciso utilizar madeira, pedras, areia
e bambu retirados das áreas comunais com o mútuo consentimento dos que tinham direito de
usá-las. O autor destaca também que aldeias vizinhas que compartilhavam o mesmo sistema
de irrigação também precisavam ter um espírito coletivo, a fim de controlar a abertura e
fechamento dos canais de água de acordo com o momento em que cada aldeia poderia utilizar
a água. Ou seja, o cultivo do arroz e o uso da água envolvia a cooperação até mesmo de
camponeses que viviam em aldeias distintas, pois dessa relação dependia sua sobrevivência.
No que tange ao plantio de arroz, primeiro era preciso preparar o solo. Dada a enorme
quantidade de água que era necessária para deixar o solo em uma consistência pastosa e, dado
que poucos campos poderiam ter a quantidade de água necessária de forma simultânea, era
necessário inundar e plantar campos de forma rotativa, um após o outro (Smith, 1959, p. 51).
E, para que a atividade fosse possível de ser feita de forma mais rápida, mobilizavam-se todos

37
Esses sistemas foram fundamentais para expandir as áreas de cultivo de arroz, sendo fortemente incentivadas
pelo daimyo que via nesses projetos a possibilidade de expandir seus rendimentos em arroz. No início do período
Edo, os daimyo normalmente tomavam a iniciativa no financiamento, bem como no aliciamento de mão de obra,
através de seu poder político (FURUSHIMA, 1991, p. 499)
32

os adultos para a passagem da água de campo a campo, independentemente da sua


propriedade, criando uma sociabilidade nesse exaustivo trabalho (SMITH, 1959).
O plantio de arroz no período Tokugawa era basicamente feito através de mudas que
eram plantadas em camas especiais e depois transplantadas para o campo do arrozal já
preparado para realizar o plantio. No entanto, esse processo era extremamente delicado e
precisava ser feito em um intervalo de tempo muito curto para que as mudas não fossem
danificadas ou tivesse o seu crescimento interrompido durante o manuseio e isso só seria
atingido com o trabalho cooperativo (Smith, 1959, p. 52).

Figura 2: Trabalho comunitário na transplantação das mudas de arroz

Fonte: Nogyozue, 1983, p. 79


A imagem 2 acima evidencia essa noção de trabalho coletivo dentro de uma aldeia.
Como explicado anteriormente, as unidades produtivas eram pequenas e uma família sozinha
conseguiria realizar a transplantação de arroz utilizando apenas a mão de obra familiar, mas
seria impossível para uma família sozinha conseguir encher o seu arrozal, que dependia do
trabalho braçal e da construção e manutenção coletiva dos canais de irrigação. Além disso, a
necessidade de rápida transplantação das mudas fazia com que o trabalho conjunto fosse de
33

grande valia. A imagem acima mostra que, em um lote, há 7 pessoas, o que poderia indicar a
participação de vizinhso ou parentes neste período de intenso trabalho.
A noção de solidariedade incutida no plantio no arroz também existia por conta do
pagamento dos censos senhoriais, como explicado anteriormente, que eram cobrados, de
modo geral, sobre uma aldeia, dado que a divisão do que cada camponês deveria pagar, de
acordo com a produtividade da sua terra, era feita pelos agentes do senhor ou camponeses de
categoria superior. A cooperação também existia em áreas que se engajavam nos cultivos
comerciais, pois era preciso drenar os lotes onde o arroz havia sido plantado para se cultivar
produtos como algodão, tabaco, etc. depois de finalizada a colheita do arroz (FURUSHIMA,
1991, p. 516).
Pode-se notar que não apenas a água que precisava ser usada coletivamente, mas o
próprio plantio de arroz não só criava uma solidariedade e uma vigilância na atitude de cada
um dentro da aldeia e que colaboraram para manter a cooperação nos campos japoneses, mas
também agia como mecanismo de controle dos indivíduos. As famílias com lotes maiores
conseguiam manter um fluxo adequado de mão de obra para os períodos mais críticos,
enquanto conseguia manter seu poder administrativo sustentando suas propriedades sem ter
problemas de eficiência. Por outro lado, os camponeses com minúsculas unidades produtivas,
ao mesmo tempo em que forneciam a mão de obra nos momentos em que o plantio de arroz
nos campos maiores demandava, eram beneficiados pelo uso de ferramentas e animais
isponibilizados pelos camponeses do estrato superior. Essa relação que o plantio de arroz
criou foi de fundamental importância para a manutenção da ordem no campo, até a aceleração
das transformações e a entrada do comércio nas relações pessoais, como será tratado no
capítulo 2.
Assim, através da análise anterior observa-se que a estrutura criada pelo Estado para a
organização da produção em pequenos lotes cultivados por diversos ie e as pesadas taxações
cobradas pelo uso da terra criava diversos níveis de solidariedade e cooperação dentro de uma
aldeia. A dura vigilância e obediência extrita aos papeis definidos, bem como a autoridade do
Estado mantinham os camponeses presos à seus ie, honrando o nome da família pela
observância das leis. No entanto, as dificuldades encontradas pelos camponeses para pagarem
todo o montante dos impostos diante de inúmeras adversidades, fez com que surgisse uma
necessidade de mobilização para lutar contra as pesadas taxações. O próximo item tratará
dessas mobilizações camponesas para que fique claro quais as dificuldades encontradas pelo
camponês e como as relações entre os ie eram estabelecidas no momento das revoltas.
34

1.3 As revoltas camponesas da primeira metade do Período Tokugawa


O movimento dos camponeses, no sentido de resistir à autoridade da classe guerreira
na vida diária do campo, é uma forma eficaz de revelar a estrutura e o caráter da relação de
classe no período analisado. Por meio da análise do conteúdo e da forma do conflito rural,
torna-se possível identificar as transformações que foram ocorrendo nos três períodos
analisados como uma síntese da situação em que o camponês se encontrava em determinado
momento. Durante todo o período analisado, os movimentos camponeses figuram como
aspecto contínuo nas relações sociais do Japão Tokugawa.
No entanto, segundo Vlastos (1986), o motivo de muitos autores considerarem o
período Tokugawa, notadamente a sua primeira metade, como sendo um período pacífico e
sem grandes questionamentos por parte dos camponeses, é pela forma como esses
questionamentos se davam. Este autor explica que, na realidade, o descontentamento do
camponês nesse período específico era expresso de forma não violenta, sem destruição de
casas e visível desordem, o que faz com que seja de fundamental importância entender quais
eram os descontentamentos, ou seja, seus objetivos e também a forma como esses se
manifestavam, sem se ater aos eventos pontuais que foram o estopim dos protestos.
Segundo o Hyakusho ikki no sogo nenpyo de Aoki Koji (1971), ocorreram 3 mil
revoltas contra a autoridade senhorial e outros 3 mil conflitos entre aldeias durante todo
período Tokugawa, sendo que 842 revoltas foram registradas até 1750. Mas cabe destacar
que, neste período analisado, observa-se como caraterística das revoltas, uma ausência de
questionamento da ordem, ou seja, o camponês, querendo se manter nesta condição e não
aspirando uma posição acima, pedia para que as taxações fossem diminuídas ou aliviadas em
períodos de más colheitas. Assim, como explica Vlastos (1986), na primeira metade do
período Tokugawa, o camponês contava com a “benevolência” do senhor em algumas
situações extremas em que as dificuldades de se pagar a taxação gerava uma dificuldade
muito grande em se manter como um camponês que tinha o uso e posse da terra registrados no
Kenchi. E, nestas ocasiões, levantes violentos não se mostraram efetivos, visto que as ações
coletivas na forma de petição e negociações com o daimyo e até mesmo com o governo
central estavam dentro da lei e poderiam ser ouvidas 38.
Em primeiro lugar, é preciso retomar, conforme já explicado ao longo do capítulo,
a capacidade dos camponeses de se organizarem de forma coletiva. Considerando o recorte
38
No entanto, as movimentações coletivas dos camponeses passaram a ser significativamente mais violentas a
partir da segunda metade do período Tokugawa e também nos primeiros anos da Era Meiji.
Mas a forma se altera, porque o conteúdo do descontentamento também se altera, o que exigiu novas formas de
movimentação, mas estas transformações serão tratadas nos capítulos 2 e 3.
35

temporal analisado e que vai até a segunda metade do século XVIII, o campo era estruturado
basicamente em pequenas unidades produtivas familiares em que se tinha o uso e posse da
terra definido pelo registro do nome do camponês no kenchi. Apesar da existência também de
algumas poucas propriedades maiores, havia uma solidariedade dentro da classe camponesa
imposta pela especificidade do cultivo do arroz e das atividades comunais, bem como por uma
similaridade muito grande nos costumes e na organização de cada família (SMITH, 1959;
FURUSHIMA, 1991). Assim, havia uma classe camponesa que se identificava como tal, dada
a divisão social feita pelo Shogunato Tokugawa, que definiu claramente as obrigações e
deveres, bem como o papel de cada classe social (BITO, 1991). Ou seja, apesar de existir essa
diferenciação interna, as famílias das propriedades maiores e menores não tinham grande
diferenciação em termos de papéis econômicos neste primeiro período (VLASTOS, 1986).
Além disso, para Vlastos (1986), a relação que existia entre o senhor e o camponês
também facilitava a formação de uma consciência dos interesses de classe na camada
camponesa. Desde a implantação do sistema de arrecadação dos impostos pelo uso da terra,
que era medido em arroz, o volume da exploração do camponês ficava claro, visto que
sobrava para o camponês, na melhor das hipóteses, apenas aquilo que era necessário para sua
sobrevivência. Nas palavras de Vlastos (1986, p. 12), “the issue of conflict was clear: what the
lord took, the peasant lost”.
Na primeira metade do período Tokugawa, os movimentos camponeses tinham
objetivos específicos que representavam esforços conscientes para melhorar sua situação
(VLASTOS 1986). Os motivos do descontentamento variavam entre as quebras na colheita e
as condições endêmicas, ou seja, a impossibilidade de muitos camponeses produzirem o
montante de arroz necessário para pagar os devidos impostos e sobreviver a cada ano (BIX,
1986; Vlastos, 1986). Tanto no caso de problemas climáticos, quanto no de impossibilidade
constante de pagar os impostos, durante o século XVII, a forma mais comum de manifestar o
descontentamento campesino era por meio de petições ao senhor do domínio, onde era pedida
a sua “benevolência” para que os camponeses em dificuldade pudessem “continuar como
camponeses honrados”39, que era como os camponeses registrados no kenchi (honbyakusho)
se definiam (VLASTOS, 1986).
No entanto, Vlastos (1986) observa essa “benevolência”, que era a palavra utilizada
pelos camponeses em suas petições de forma bastante crítica, argumentando que não se
tratava de uma postura moral baseada no confucionismo, como já tratado anteriormente. Para

39
Os que participavam das petições eram apenas os camponeses registrados no kenchi, não incluindo a camada
que não possuía nenhuma terra registrada em seu nome (VLASTOS, 1986).
36

o autor, a relação do pequeno camponês com o senhor era envolta em inúmeras contradições
que, no curto prazo, só poderiam ser resolvidas com “procedimentos administrativos regulares
para prover ajuda emergencial e extração moderada da taxação” (VLASTOS, 1986, p. 16).
Também a justificativa de poderem “continuar como camponeses honrados” não estava
diretamente relacionada à questão de sobrevivência e fome, mas acima de tudo à sua
solvência. Continuar como camponeses tinha um significado social bastante preciso dentro da
estrutura estratificada estabelecida pelo bakufu, pois aqueles que não conseguiam honrar os
seus compromissos no momento do pagamento do nengu perdiam o seu título legal da terra,
sendo obrigados a migrarem ou a se tornarem servos de outra família, o que seria o
equivalente a desonrar o seu ie (VLASTOS, 1986, p. 17).
Além disso, mesmo os camponeses de estratos mais elevados participavam ativamente
das demonstrações de descontentamento, dado que a insolvência de alguns camponeses
impactava diretamente no montante pago de arroz pela aldeia como um todo, isto é, o
montante de arroz que deixava de ser pago deveria ser suprido pelos outros, o que não era
benéfico para a comunidade. Ou seja, não se pode afirmar que não havia uma solidariedade
dos camponeses de estratos mais elevados mas, de fato, havia um interesse dos camponeses
com lotes maiores em manter esses camponeses mais pobres cultivando sua parcela do nengu
pela saúde de suas próprias finanças.
Cabe também destacar que não havia um questionamento da ordem pelos camponeses.
Estes apenas queriam continuar sendo camponeses, requerendo melhorias limitadas em sua
vida, dentro da ordem estabelecida. Essas melhorias limitadas, então, estavam fortemente
relacionadas com as taxações sobre o campo, pois, nos dois motivos ressaltados acima, o que
se pedia era uma redução da taxação, não de forma permanente, mas como forma de
negociação em períodos de dificuldade, confiando na “benevolência” do senhor.
Vlastos (1986, p. 31) detalha o caso de Fukushima, onde inúmeras reavaliações do
solo com aumento das taxações ocorreram ao longo do século XVII e que tinham como
objetivo prevenir que os camponeses acumulassem de forma excessiva. E ao longo deste
período, inúmeras petições foram emitidas ao governo central, detalhando a situação de
dificuldade que os camponeses encontravam, argumentando que, sem uma diminuição da
taxação ou ajuda para a aquisição de sementes, muitos camponeses se tornariam insolventes,
não podendo mais cultivar a terra. Em uma das petições, o pedido é “restore the condition of
landholding peasants that they may continue as farmers” (KICHINOSUKE, 1969, p. 478-
37

479). Ou seja, não se tinha um questionamento da ordem, mas sim um desejo de se manter
como camponês efetivo, ou seja, sem perder sua unidade produtiva.
Em outra petição, em 1712, na aldeia de Nakahata, a reclamação era devida às 4
elevações da taxação que haviam ocorrido nas últimas décadas e que deixaram inúmeros
camponeses mais pobres e com terras menos férteis sem condições de pagarem as taxações.
Segundo esta petição, 30 anos antes dos sucessivos aumentos, a aldeia contava com 900
residentes e, naquele momento, a população havia encolhido para 712 residentes, sendo que
87 eram camponeses sem terra que, em vez de deixar a aldeia, foram forçados a servir
camponeses mais ricos em aldeias vizinhas (VLASTOS, 1986p. 33-34). Apesar da queda na
população, a vila mantinha-se responsável pelo mesmo valor do nengu, o que aumentava a
taxação sobre os camponeses remanescentes, criando um ciclo vicioso. Também nesta
petição, pedia-se “benevolent consideration so that we can continue forever as peasants of the
domain” (KICHINOSUKE, 1969, p. 542).
Assim, os camponeses, apesar de concluirem as petições clamando pela
benevolência do seu senhor e afirmando o desejo de continuar sendo camponeses, todo
argumento ao longo da petição era racional e com apelo econômico. Justificava-se,
habilmente, que o grande abandono de campos de arroz impactaria nas finanças do governo,
que sofreria com a situação de dificuldades no campo (VLASTOS, 1986, p. 35). E, diante de
problemas climáticos fora de controle do camponês, era preciso que a “benevolência” do
senhor funcionasse, pelo bem do camponês e, principalmente, de sua própria finança. Na
verdade, como indicou Vlastos (1986, p. 44), “the constraints on benevolence, therefore, were
institutional and operated regardless of the good intentions and sincerity of the lord of the
domain”. Ou seja, como já destacado, mais do que uma moral advinda do confucionismo, a
benevolência era uma forma de ajustar a extorsão dos camponeses.
O uso das petições era generalizado, pois qualquer tipo de mobilização coletiva com
distribuição de circulares e aglomerações eram estritamente punidas para servir de exemplo
(VLASTOS, 1986, p. 42). Assim, havia um processo definido para demonstrar
descontentamento e que funcionou durante o século XVII ao XVIII. As petições escritas eram
permitidas pelo governo central, pois essas eram um canal efetivo de comunicação com a
aldeia, sendo uma forma de compreender o que estava ocorrendo na aldeia, como problemas
na lavoura ou reclamações de coletores de taxas que alertavam o governo central sobre
problemas de corrupção (VLASTOS, 1986, p. 42).
38

Contudo, nem todas as petições eram aceitas, sendo ilegais as reclamações que
alegavam que as taxações eram abusivas e que requeriam reduções permanentes, podendo
sofrer penalizações duras para servir como exemplo. Para Vlastos (1986), a razão para não se
aceitar este tipo de petição era a impossibilidade de mensurar exatamente a necessidade de
redução. De fato, era muito mais fácil para o governo identificar a necessidade de redução da
taxação com um problema no cultivo devido a alterações climáticas. Fora estes casos,
reduções só seriam autorizadas quando os danos já estivessem sido concretizados, isto é,
quando já estivessem ocorrendo abandonos dos lotes com inúmeros camponeses falidos. E,
assim, não havia de fato uma noção de justiça na qual o camponês esperava receber uma
parcela justa da sua produção. Mas eles demandavam os meios para “continuarem sendo
camponeses” (FUKUYA, p. 66). E, apesar do elevado custo, grande parte dos apelos diretos
ao governo obtiveram sucesso no cancelamento ou reduções das taxações. Enquanto ambos os
lados executavam seus papeis, estas ações coletivas resolveram inúmeros conflitos relativos à
taxação da terra.40 A partir desta análise do uso das petições e não da força no campo, Najita e
Scheiner (1968, p. 56) argumentam que
Peasants believed and acted as if they lived in a world of justice where they
were ensured a hearing of their demands by a lord who owed them his
benevolence because of his commitment to a higher justice (gi) and to the
Shogun; and peasants believed they were owed such a justice.
Ao final do século XVII, as revoltas camponesas, apesar de manterem o mesmo teor
das reivindicações alteraram a forma de ação. Apesar de manterem as limitadas
reivindicações, os atores que tomavam a liderança do processo foram alterados e a
radicalização aumentou, com maior uso da força. A radicalização foi liderada pelos pequenos
camponeses41 que tinham muito pouco a perder, enquanto os chefes das aldeias e as famílias
mais abastadas que assumiam cargos administrativos na aldeia eram severamente punidos
pela participação e a denúncia era bastante recompensada (FUKAYA, 1973, p. 66). As
transformações que ocorrem na forma de executar as demonstrações de insatisfação e protesto
fazem parte de mudanças sociais e econômicas maiores, que levaram a uma diferenciação
mais acentuada dentro da camada camponesa, diante da aceleração da penetração do comércio
nas aldeias autossuficientes. Dado esse novo cenário que surgia, medias extraordinárias com
uso da violência e apelos emocionais foram necessários para angariar apoio daqueles que

40
Nem todos os protestos camponeses foram pacíficos no início do período Tokugawa, mas esses só ocorriam
após o governo não aceitar as petições enviadas.
41
Os pequenos camponeses, tendo menos acesso ao ensino nas escolas, sofriam menos influência da moral
confucionista (VLASTOS, 1986).
39

temiam as represálias do governo. Essas transformações que se aceleram na segunda metade


do período Tokugawa, mas que dão seus sinais iniciais no final do século XVII, serão
detalhadas no capítulo seguinte.
Ou seja, diante das pesadas taxações que vigoraram durante todo o período Tokugawa,
cabe destacar que, na primeira metade do período, o uso de petições funcionou de forma
eficiente para demonstrar descontentamento, dentro dos limites que poderiam ser observados
e mensurados pelo governo. A partir do momento em que era possível comprovar que a
situação era grave, o governo agia realizando os ajustes necessários nos campos, corrigindo as
discrepâncias existentes demonstrando sua “benevolência”, enquanto os camponeses tinham a
visão de que era preciso que o governo cumprisse seu papel para que a estrutura social se
mantivesse perpetuada.
A primeira metade do período Tokugawa é marcada pelo estabelecimento de uma
rígida ordem social, em que os camponeses, se organizando como famílias em pequenas
unidades produtivas, produziam o arroz tanto para alimentação, quanto para o pagamento de
impostos, com trocas internas nas aldeias que tinham caráter autossuficiente. As gravosas
taxações sobre os camponeses que costumavam pegar mais de dois terços de toda produção
campesina colaboraram para a deterioração de uma camada mais pobre, ou seja, da base do
estrato social de dentro da classe.
Entretanto, ao longo desse século e meio foram sendo engendradas forças que
permitiram que uma camada específica se beneficiasse do sistema de impostos, de sua posição
social e das relações entre sua família nuclear e as famílias subsidiárias, bem como das
inovações técnicas que aumentaram a produtividade no campo, que foi deixando um
excedente comercializável nas mãos do camponês. Dadas essas transformações, juntamente
com o desenvolvimento das cidades, possibilitou a dinamização comercial que se acelera na
segunda metade da Era Tokugawa. Essas transformações levariam a uma alteração na
estrutura econômica e social do Shogunato Tokugawa, impactando na base de sua
estruturação política fundada na estrita divisão de classes, com ausência de mobilidade e
rígido controle social. Em meados do século XVIII, essas transformações tornam-se mais
visíveis e sua expressão, nas revoltas camponesas do período, são alteradas tanto nos
objetivos como nas ações que se tornam bem mais violentas, evidenciando as contradições
existentes no sistema shogunal.
40

2. AS TRANSFORMAÇÕES NA ESTRUTURA AGRÁRIA NA SEGUNDA


METADE DO PERÍODO TOKUGAWA
A partir da segunda metade do período Tokugawa, a economia agrária japonesa
começou a passar por algumas transformações mais rápidas que tiveram grande importância
na desarticulação da ordem shogunal. Em um processo longo de mudanças, a organização do
campo, fundamentada pelo sistema de agrimensura e registro de camponeses do Kenchi e pela
rígida estratificação social e cooperação entre os ie, foi sendo derrubada e a terra, apenas
como meio de sobrevivência, começou a dar lugar para uma terra que também era fonte de
lucro e poder. Como explica Smith (1959, p. 157),
Enquanto a terra era pensada primariamente como sendo um meio de
subsistência e não uma fonte de lucro, a ânsia por adquiri-la era
relativamente fraca, ou ao menos não havia um motivo para adquirir mais do
que era necessário para a subsistência, dado que a terra não produzia
excedentes significativos e que qualquer excedente era bastante difícil de ser
vendido. Além disso, sendo a terra trabalhada com a mão de obra familiar,
de uma forma ou de outra, qualquer aumento no tamanho da propriedade
significava um aumento proporcional no tamanho e na complexidade da
família e na sua imediata extensão e a família não poderia se expandir
indefinidamente: então existia também uma ressalva no crescimento da
propriedade individual.
O que precisa ser apreendido inicialmente nesse processo de transformação é que a paz
estabelecida a partir do século XVII e que possibilitou a alocação dos recursos não para a
guerra, mas para a produção agrícola e para as possibilidades de melhoria de vida do ie teve
papel fundamental na dinamização do campo e no longo processo de desagregação da ordem
feudal (SMITH, 1959; MOORE, 1978). Além da paz, o estabelecimento de pequenas
unidades produtivas como a base da estrutura produtiva japonesa fez com que fosse preciso
melhorias nos métodos de cultivo e de expansão de atividades paralelas à agricultura para o
sustento de todo o ie (SMITH, 1959).
A paz e a fixação do camponês à terra, em um contexto de expansão de terras
agricultáveis contou com uma aceleração do desenvolvimento técnico no campo, que
aumentou e diversificou a produção e gerou algumas melhorias na vida dos ie que teve como
expressão o crescimento populacional que marcou o século XVII (MOORE, 1978; SMITH,
1959). Em 1600, a população japonesa era estimada entre 12 milhões e 18 milhões, e no censo
41

de 1720, registrou-se 31 milhões de habitantes (HANLEY; YAMAMURA, 1977). Nas


palavras de Moore (1967, p. 267),
Embora haja provas de um elevado grau de autossuficiência por parte dos
camponeses, que se manteve até durante o período Meiji, é evidente que o
Japão, diferentemente da China, começava já no século XVIII a dar passos
muito grandes, e por si próprios, para se tornar uma nação moderna. E uma
grande parte da diferença pode ser atribuída à Pax Tokugawa que contrastou
com a desordem na China durante a Dinastia Manchu, já em declínio na
época.
Como já enunciado, além dessa expansão da produtividade dos campos de arroz,
durante os períodos fora do cultivo do arroz, desenvolveram-se algumas atividades paralelas
na agricultura e nas manufaturas rurais que encontravam espaço nos mercados locais ou nos
grandes centros urbanos, através da classe mercadora. Em regiões onde o arroz não era
facilmente cultivado, tendo uma baixa produtividade, essas atividades paralelas tinham ainda
mais destaque, pois a aquisição do arroz poderia se dar pelo mercado ou pelas trocas entre
aldeias. Assim, o avanço na produtividade dos campos permitiu que um excedente maior
ficasse nas mãos de uma parcela da classe camponesa que conseguiu expandir os cultivos.
Além dessa difusão das técnicas, outro fator que colaborou para a desagregação do sistema
shogunal fora o próprio sistema de tributação do campo. Como será explicado em maiores
detalhes a seguir, a taxação sobre a terra, mantendo-se constante, permitiu que, aqueles que
conseguissem aumentar a produção não fossem taxados a mais por isso (SMITH, 1955;
FURUSHIMA, 1991).
Diante dessa situação, a terra teve o seu papel transformado de meio de subsistência
para fonte de lucro e aqueles que não conseguiam gerar o suficiente para sobreviver e pagar as
taxações tinham suas terras desapropriadas através de dividas e hipotecas emitidas pelos
camponeses mais ricos e mercadores enriquecidos. Burlando as regulações que proibiam a
venda e partições de terras, uma concentração dos direitos de posse e uso da terra se acelerou
nesse período, desestruturando a antiga ordem estabelecida de pequenos agricultores com
direitos sobre a terra. Na segunda metade do período Tokugawa, cresceu o número de
arrendatários, que era uma classe de camponeses sem direitos sobre a terra, mas que
continuavam cultivando o mesmo lote que fazia parte do seu ie (TAKAHASHI, 1955).
Outro fator fundamental para compreender a crise do shogunato Tokugawa fora a a
política de manutenção dos samurais e da família do Daimyo nas cidades-castelo e em Edo,
que tiveram um significativo papel na dinamização dos mercados, demandando uma nova
42

organização da produção no campo e um novo papel do mercador. Isso aconteceu tanto pela
separação do camponês em relação ao samurai, obrigando-o a morar nas cidades-castelo ou
em Edo e pelo Sankin Kotai, que o Daimyo e sua família eram obrigados a passarem mais da
metade de seu tempo e a gastarem grandes montantes de seus rendimentos em Edo e nas
longas viagens entre seus domínios e a capital. A política do Shogun, que visava
supervisionar de perto as ações dos daimyo, teve o efeito de tornar Edo o centro do consumo
senhorial, acelerando o crescimento da economia monetária e dos mercados nacionais, que
contribuíram para minar a ordem shogunal. De fato, para terem uma vida de luxo na capital,
os senhores daimyo precisavam vender uma grande quantidade de arroz coletados na forma de
impostos para os mercadores de Osaka, que se tornaram os maiores distribuidores de
mercadorias do Japão. Consequentemente, surgiu neste período uma camada de mercadores
enriquecidos, enquanto a população guerreira das cidades se endividava com esses próprios
mercadores, visto que o montante coletado de impostos não era suficiente para o pagamento
de suas despesas (VLASTOS, 1987; SMITH, 1959).
Nesse processo de transoformação do caráter da terra e da produção agrícola, o
comércio e as cidades tiveram um papel importante na dinamização do campo. Sendo o
responsável pela transformação do arroz em mercadoria nos grandes centros e pela
movimentação dos produtos entre o campo e as cidades, o mercador passou a ter papel de
destaque na estrutura social, realizando empréstimos e financiando expansão de terras aráveis
em articulação com os daimyo e grandes proprietários rurais. Enquanto isso, sem conseguir
extrair mais do camponês, a vida luxuosa nas cidades e seus gastos constantes com viagens e
com manutenção de duas casas, uma em Edo e outra no seu domínio deteriorou as finanças
dos daimyo e do samurai (SMITH, 1959, ROZAM,1991).
Ou seja, como pode-se observar, as próprias contradições internas do shogunato
Tokugawa foi desestruturando a ordem feudal, tendo sido as próprias políticas do governo que
dinamizaram o campo, o comércio e as cidades. No entanto, nem esse comércio e nem as
cidades eram ainda expressões do capitalismo, funcionando dentro desse modo de produção
anterior. Ademais, os citadinos não faziam parte de uma classe revolucionária, sendo todos
regulados de perto pelo governo shogunal.
Enquanto as cidades expandiam e, consequentemente, o comércio se dinamizava, no
campo, os camponeses da maior parte do Japão mantiveram-se cultivando seus arrozais e seus
cultivos de inverno, contando com boas colheitas e pagando os impostos pelo uso da terra. No
entanto, essa política de Hideyoshi, estabelecida no início do século XVII, engendrou
43

mudanças lentas e que se aceleraram no século XVIII pela dinamização das cidades e
consequente entrada do mercador no campo. E, mesmo nessas aldeias em que o foco era a
sobrevivência e o pagamento dos impostos, a produção agrícola e o comércio adicionaram
uma nova dimensão à vida no campo (VLASTOS, 1987).
Por meio da difusão das técnicas e das atividades paralelas à agricultura, que são
engendradas pelo caráter da estrutura dos lotes produtivos de pequeníssimos tamanhos, uma
camada camponesa que tinha recursos suficientes para investir no aumento da produtividade
para além do arroz foi capaz de reter um excedente cada vez maior. Esse aumento do poder
dos mercadores e dos ricos camponeses gerou uma maior diferenciação e exacerbação das
tensões sociais dentro da própria aldeia, em uma tendência que pode ser vista em diversos
pontos do país, conforme pode ser comprovado pelos dados de Smith (1988) e ressaltado em
Moore (1978), Takahashi (1959) e Vlastos (1986), entre outros autores 42. De fato, há uma
mudança da mentalidade do camponês que busca novas formas de sobreviver 43 . E esse
distanciamento ainda maior do camponês da base com o camponês rico quebrou a antiga
noção de cooperação e dependência que havia na aldeia. Apesar de não ter ocorrido uma
ruptura do sistema ie, que é reforçado diante da necessidade de perpetuar a família e organizar
a produção, a relação entre os ie é alterada e novas razões para as revoltas camponesas foram
estabelecidas.
Assim, para se compreender essas transformações ocorridas no campo e aceleradas
pela dinamização das cidades e consequentemente do comércio, serão tratados neste capítulo
a formação do excedente e a forma de sua retenção no campo, levando em consideração a
estrutura tributária (MOORE, 1967; SMITH, 1988). Também será destacado como o
camponês se insere na produção de commodities e nas atividades não agrícolas como fonte de
lucro para alguns e alternativa de sobrevivência para outros. Por fim, caberá destacar como a
diferenciação social, dentro das aldeias, foi exacerbada, gerando novas tensões sociais em um
contexto de desarticulação da noção de cooperação, ajuda mútua e obediência que existia
entre os ie maiores e menores. Os novos interesses na aldeia romperam a antiga relação entre
as famílias tradicionais e os pequenos camponeses na permuta entre capital e trabalho,

42
Levando-se em consideração que havia uma diferenciação inicial na camada camponesa estabelecida desde o
início do Kenchi, ou seja, que nem todos os camponeses conseguiam de fato manter um excedente em mãos,
ainda lutando por sua sobrevivência, é preciso ressaltar que essa diferenciação tornou-se ainda maior.
43
De fato, cabe lembrar que as transformações não tiveram a mesma velocidade em todas as partes do país,
havendo regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos que demoraram mais para modificarem a lógica da
produção. No entanto, é preciso destacar que essa tendência foi se espalhando pelo país e que, nas áreas mais
desenvolvidas no entorno de Edo, Osaka e Kyoto, as mudanças rápidas foram visíveis. Por exemplo, já ao final
do século XVI, camponeses de todas as classes cultivavam produtos voltados para o mercado na Região Kinai
(FURUSHIMA, 1991, p. 510).
44

diminuindo a noção de subordinação que a iminência da fome e inanição poderia gerar. Novas
possibilidades se abriam nas aldeias, mas nem todos puderam se beneficiar igualmente dessas
transformações.

2.1 A geração do excedente: a questão técnica e o sistema tributário


Um primeiro aspecto da geração do excedente foram os avanços que ocorreram nas
técnicas agrícolas e que se difundiram ao longo do período Tokugawa. Durante todo o
período, algumas importantes mudanças e avanços ocorreram na agricultura. Além do avanço
nas técnicas de cultivo dos campos irrigados, ocorreu também uma ampla expansão nas terras
aráveis, acompanhadas por melhorias na irrigação. Ocorreram avanços no cultivo, nas
técnicas, no uso de fertilizantes e nas variedades de cultivos, que se expandiram. Também
ocorreu uma significativa expansão da produção voltada para o mercado, o que produziu um
processo de especialização regional de acordo com as condições favoráveis de plantio.
Durante todo o período, as melhorias nas técnicas e de cultivo foram registradas em diversos
manuais 44, que contribuíram para a difusão das melhorias por todo o país (SMITH, 1959,
SATO, 1991).
Antes de entrarmos no detalhamento dessas técnicas, é preciso compreender que um
dos incentivos para tal tendência está relacionado ao já citado tamanho reduzido dos lotes de
terra que demandavam um aumento de produtividade para ser possível realizar o pagamento
dos tributos e garantir a sobrevivência. Além disso, cabe ressaltar que, durante o período
Tokugawa, a população do Japão quase dobrou, passando de uma estimativa de 18 milhões
para 35 milhões de habitantes.
Edo (atual Tokyo), a capital administrativa do Japão era apenas uma vila no
início do século XVII, mas nos séculos XVIII e XIX, esta era provavelmente
a maior cidade do mundo contando com uma população entre 500 mil e 1
milhão de habitantes. A população da área urbana ao redor do centro
comercial de Osaka era próxima dessa dimensão. Essas duas cidades não
constituíam fenômenos isolados; grandes centros administrativos e mercados

44
Neste período, diversos tratados agrícolas foram lançados. Um dos primeiros tratados foi o Nogyo Sensho, de
Miyazaki Antei, completado em 1697, que dedicava um capítulo para cada variedade de grama, vegetais, grãos,
árvores e ervas além de capítulos para o solo, fertilização, irrigação e gestão das áreas florestais. Na introdução
do tratado, o autor explica que passou 40 anos de sua vida cultivando o solo e outros 40 anos ampliando seus
conhecimentos e coletando dados por meio de viagens feitas pelo país, testando as suas experiências e as
experiências de outros. O autor, conforme terminava cada parte do trabalho, ainda enviava o seu livro para
passar por outros especialistas, que fizeram a checagem de seu conteúdo. (Smith, 1959). Além desse trabalho,
que fora o mais significativo do período, outras publicações especializadas foram lançadas e no século XIX,
praticamente todos os cultivos tinham seus respectivos tratados especializados (SMITH, 1959, p. 89-90).
45

cresciam ao redor de cidades castelo em cada domínio japonês (HANLEY,


1968, p. 622).
Para Hanley (1968), apesar da amplamente aceita teoria de que a primeira metade do
período Tokugawa presenciou uma expansão populacional, com relativa estagnação do
segundo período, é preciso observar que, em diversas regiões, a expansão do comércio e dos
cultivos com melhores técnicas esteve intimamente relacionada com o crescimento
populacional em todo o período. Por outro lado, segundo SMITH (1988), inúmeros controles
populacionais foram colocados em prática notadamente na segunda metade do período
Tokugawa, após períodos de fomes intensas. Em muitas aldeias reconheciam que os pais
podiam, em inúmeras circunstâncias, praticar o infanticídio de recém-nascidos. Também
existiam outras formas de controle populacional como os casamentos tardios e abortos. Dessa
forma, pode-se considerar que o crescimento populacional que marcou a primeira metade do
período Tokugawa e que foi observado também no período posterior, em regiões mais ligadas
ao comércio e aos cultivos de commodities, teve impacto importante no aumento da
produtividade do campo com adoção de técnicas mais avançadas de cultivo.
Além da questão que envolve os pequenos lotes de terra e a expansão populacional, é
preciso levar em consideração que as aldeias camponesas das proximidades dos grandes
centros urbanos tiveram importante impulso advindo das cidades para melhorar técnicas e
produzir para o comércio. Dada à necessidade de produtos na Edo, Osaka e Kyoto em
expansão, ocorreu uma prematura tendência de produção para o mercado nessas localidades
(NOBUHIKO, 1991).
Apesar da aceleração da difusão de novas técnicas e de especializações nos cultivos
notadamente a partir da segunda metade do período Tokugawa, a primeira metade da Era
Tokugawa não fora um período de estagnação. Furushima (1991, p. 506) explica que, mesmo
nos “cultivos autossuficientes”, nos quais o camponês mantinha a mentalidade tradicional
arraigada nos costumes da aldeia, realizando os cultivos comerciais e as trocas apenas na
medida do que era necessário para sobreviver e sustentar a vida no campo, o desenvolvimento
técnico contribuiu para que fosse possível sobreviver dentro de pequeníssimos lotes de terra45.
Como ressaltado no capítulo anterior, as aldeias camponesas tinham a possibilidade de
utilizarem a água e as florestas (importante fonte de fertilizantes) de forma comunitária e sob
a regulação dos chefes das aldeias e das famílias mais tradicionais. E desde antes do período

45
A aquisição de sal e de metais para ferramentas e itens cotidianos era basicamente feita pelo mercado,
inicialmente por trocas e posteriormente por meio do dinheiro, notadamente a partir do século XVIII
(FURUSHIMA, 1991, p. 506).
46

Tokugawa, o uso de diversas ferramentas era difundido e amplamente utilizado, sendo


melhorado ao longo do tempo. Contudo, a partir da segunda metade do período Tokugawa, a
agricultura de subsistência deu lugar, em diversas localidades, para formas de cultivo mais
voltadas ao mercado.
No que tange ao desenvolvimento técnico, em primeiro lugar, cabe destacar as
ferramentas utilizadas pelo camponês japonês. Como explica Sato (1990, p. 67), os
instrumentos mais essenciais eram a enxada e a foice, que eram fáceis de serem manuseadas e
facilmente adquiridas por meio do mercado. Segundo o autor, o uso desses instrumentos de
ferro contribuiu amplamente para o aumento da capacidade produtiva do período. Além disso,
o uso de animais 46 era restrito a aproximadamente 10% das famílias camponesas mais
abastadas, sendo o trabalho manual mais importante pelo país.
A figura 3, abaixo, mostra alguns dos instrumentos mais utilizados pelos camponeses
japoneses. O Bitchu hoe (enxada Bitchu) era uma das enxadas especializadas desenvolvidas
para cada tipo de solo. Sato (1990) explica que esta enxada era de fundamental importância
no período inicial do preparo do solo para o plantio do arroz e era utilizado para revolver a
terra de forma mais profunda. A enxada regular era utilizada para solos mais rasos e para a
limpeza do terreno. Para a retirada de ervas daninhas, o instrumento mais utilizado era o
rastelo (earth scratcher) e, no período da colheita, a foice (sickles), sendo ambos modificados
de acordo com o uso. Sato (1990) também indica que havia joeiras (winnow) para deixar os
grãos ao vento e retirar a poeira e o joio, assim como peneiras (sieve) para selecionar o
tamanho dos grãos de arroz. Além disso, utilizavam uma espécie de ventilador, que criava
uma brisa para separação do joio e poeira dos grãos (winnowing fan).

46
O uso de animais pelos camponeses mais pobres poderia ser feito por meio das trocas entre esses capitais e
mão de obra que ocorriam nas aldeias tradicionais japonesas. Para mais detalhes, ver item 1.2.3.
47

Figura 3: Ferramentas agrícolas do período Tokugawa

Fonte: Sato (1990, p. 68)

Inovações também foram feitas para o processo de debulho do arroz e de outros


cereais. Sato (1990) explica que, no início, era utilizado um debulhador no formato de dois
bambus cruzados, chamado koshi hashi (Figura 4), que ia retirando as cascas do arroz. Mas,
diante da dificuldade do seu manuseio, esta ferramenta foi substituída pelo semba koki (Figura
5): uma debulhadora com mil dentes que conseguia trabalhar uma área dez vezes maior do
que a debulhadora koshi hashi. Sua difusão reduziu drasticamente a quantidade de mão de
obra requerida para o processo de debulhagem. Entretanto, apesar do uso difundido da semba
koki (figura 5), Smith (1959, p. 102) indica que essa maior disponibilidade de mão de obra
não liberava os membros da família do trabalho. Na realidade, os momentos de debulhagem
da colheita eram um período em que se demandava muita mão de obra em dias exaustivos de
trabalho e a liberação de mão de obra era essencial.
48

Figura 4: camponesas debulhando os grãos com a técnica koshi hashi, antes do


uso do semba koki.

Fonte: Smith (1959, p. 138)

Figura 5: Camponeses debulhando trigo com semba-koki

Fonte: Smith (1959, p. 101)

Além das ferramentas utilizadas no cultivo de arroz e outros grãos, as culturas


comerciais, bem como a adoção de duplas culturas (tendo o arroz como cultura principal e
outra durante o inverno) intensificaram o uso da terra, demandando cada vez mais melhorias
no uso de fertilizantes. Sato (1990, p. 71) indica que o camponês utilizava diversos tipos de
gramas, ervas e resíduos do cultivo do arroz, além de dejetos humanos para melhorar o solo.
Mas não se limitava apenas aos fertilizantes feitos pelos próprios camponeses. Ao longo do
49

período Tokugawa, desenvolveu-se um mercado de fertilizantes comerciais, com destaque


para o que utilizava sardinhas secas e que melhoraram muito a produtividade da terra
desgastada pelo seu uso intensivo (FURUSHIMA, 1991, p. 512).
Como já ressaltado anteriormente, o arroz envolvia a questão da gestão da água e a
possibilidade de transformar campos secos em arrozal trouxe amplo benefício para a
produtividade. Como explica Smith (1959, p. 95, 97),
A maior parte do trabalho consistia em construir milhares de pequenas rodas,
lagoas, canais e dispositivos para levantar pequenas quantidades de água,
mas em larga escala – com inúmeros canais carregando água por mais de
milhas, drenagem e criação de barragens que tornou arável, pela primeira
vez, o rico solo aluvial pelo curso de grandes rios, etc.
Por fim, cabe destacar os efeitos sociais dessas inovações na aldeia camponesa. Em
primeiro lugar, é preciso relembrar uma especificidade da relação comunal da sociedade
japonesa. Nas palavras de Smith (1959, p. 92),
A fonte dos incentivos [para o uso de técnicas mais avançadas] era o
enriquecimento da família e não o ganho individual – muito menos o bem
estar social ou do Estado. Nenhuma inovação que falhou em atender ao
interesse da família poderia ser aceita e, no longo prazo, aquelas que
agradavam eram aceitas. Não é por acidente, então, que as transformações
tecnológicas desse período tenderam a fortalecer a solidariedade da família
nuclear e seu papel na agricultura.
Ou seja, a adoção de técnicas e inovações no campo, durante o período Tokugawa,
contribuiu para a expansão da produtividade, mas manteve o ie como unidade produtiva,
conservando a sua cooperação e noção de obediência dentro dos pequenos lotes de cultivo.
Dentro da família (e não da aldeia), a inovação tecnológica não teve efeito de desmembrar os
laços cooperativos, não funcionando como uma forma de liberar mão de obra47. “A maioria
das inovações aumentavam não apenas os rendimentos por hectare, mas também os
requerimentos de mão de obra por hectare” (SMITH, 1959, p. 101). Nas palavras de Smith
(1959, p. 105),
Longe de simplificar e tornar mais uniforme as diversas atividades que
confrontavam com a força de trabalho (como o resultado trazido pelas

47
Além desse fator relativo à melhor organização dos cultivos em uma unidade produtiva menor, o crescente
custo da mão de obra também teve influência. Como explica Smith (1959, p. 105), o elevado preço que era
preciso pagar para realizar contratação de membros de fora da família agiu como força contrária à expansão do
tamanho dos cultivos. Essa elevação do preço da mão de obra será explicada mais adiante, qualificando as
transformações nas relações de trabalho que ocorreram juntamente com a expansão da agricultura comercial.
50

inovações mecânicas), as inovações na realidade aumentaram a demanda por


trabalho em cada unidade. Elas demandavam dele [camponês],
conhecimentos e habilidades mais especializados, mais atenção aos detalhes,
o exercício de mais iniciativa e julgamento. A retirada de ervas daninhas, a
seleção de sementes, o plantio em linha, o uso abundante de fertilizantes
caros, o nivelamento dos campos, o uso de água contra a geada – essas e
outras operações dependiam, para sua efetivação, da vigilância, esforço e
habilidades dos trabalhadores individuais. Falando metaforicamente, mais do
que impelir o cultivo para o estágio manufatureiro da produção, essas
operações serviram para fortalecer o seu caráter manual. O aumento da
ênfase no cultivo dentro desse tipo de operação colocou o uso de ampla força
de trabalho em desvantagem ainda maior para competir com as menores.
Uma ampla mão de obra com seus servos hereditários e nago, trabalhadores
temporários e níveis de pertencimento à família formava um grupo social
relativamente heterogêneo e frouxamente organizado. Em contraste, a
pequena força de trabalho, que na maioria dos casos coincidia precisamente
com a família nuclear, era estreita, disciplinada e socialmente homogênea.
Consequentemente, era possível não apenas supervisionar os seus membros
de forma mais efetiva, mas também contar com eles para um esforço
espontâneo em um nível maior, dado que isso dava a eles incentivos mais
fortes e imediatos. Sob essas circunstâncias, as inovações técnicas trouxeram
o oposto das economias de escala que tendemos a associar erradamente com
todos os avanços tecnológicos; ou seja, além de certo tamanho pequeno,
quanto maior a unidade produtiva, mais ineficiente a mesma tendia a ser.
Assim, no Japão, “a tendência para a diminuição das propriedades tornou a
mecanização virtualmente impossível” (SMITH, 1959, p. 107). Era, de fato, mais produtivo
organizar as pequenas unidades de cultivo com laços familiares baseados em cada ie e com
todas as suas responsabilidades familiares arraigadas, do que manter grandes lotes de cultivo
com pouca ligação familiar. O que ocorreu, na realidade, foi um fortalecimento da
importância da família no campo mantendo o nível populacional estável no setor agrário. No
entanto, como será mostrado adiante, apesar do fortalecimento da família, a cooperação da
aldeia tendeu a diminuir nas regiões onde o mercado teve maior penetração (FURUSHIMA,
1991, p. 517). Ou seja, apesar do fortalecimento do ie, a diferenciação dentro da aldeia, pela
transformação do caráter da terra, desintegrou os antigos laços de cooperação e dependência
que se estabeleceu a partir do século XVII. Assim, não seria certo avaliar essa diferença entre
51

o desenvolvimento agrário japonês e os outros modelos ocidentais como sendo regressiva,


pois houve um aumento de produtividade importante que permitiu organização da produção
comercial no período Tokugawa e que financiou grande parte da modernização japonesa no
período Meiji.
Cabe agora compreender como esse excedente gerado permaneceu nas mãos dos
camponeses, dando incentivo para que aqueles que tinham condições pudessem investir em
melhorias técnicas, na diversificação da produção e no financiamento de projetos de expansão
das terras cultiváveis. A resposta, segundo Smith (1988, 1959), Moore (1978) e Sato (1990)
está no peculiar sistema de tributação sobre a terra, que não teve seus valores devidamente
revisados durante décadas.
A não revisão da taxação pelo uso da terra (nengu) foi comprovada por um estudo de
Smith (1988, p. 53-55) que coletou dados de 11 aldeias espalhadas pelo Japão entre 1700 e
185048. Os gráficos abaixo, elaborados a partir desses dados, foram organizados de forma a
mostrar as linhas superiores representando o nível do kokudaka, ou seja, a produtividade
avaliada de forma oficial pelo governo. Já na linha inferior, tem-se a porcentagem do
kokudaka que era cobrado como taxação da terra. Nas palavras do autor,
A primeira característica desses gráficos que chamam nossa atenção é a
surpreendente estabilidade das linhas superiores. Lembre-se que essas linhas
representavam o kokudaka, a avaliação oficial da produtividade em que as
taxações foram baseadas. O leitor confidencialmente espera que essa linha se
movimente para cima, refletindo o aumento de produtividade da terra – ou
ao menos que mostre movimentos frequentes de algum tipo, refletindo as
sucessivas reavaliações da produtividade. Mas de fato, não há nenhum
movimento para longos períodos. Isso evidencia que nessas vilas, a partir de
1700, a terra parou de ser periodicamente avaliada; na metade do século
XIX, portanto, as taxações eram baseadas em avaliações de um século ou de
um século e meio atrás (SMITH, 1988, p. 53).

48
A quantidade de dados disponíveis para esse período é bastante escassa e Smith (1988) destaca que não se
deve generalizar essa tendência para todo o país, mas pelo fato de que as aldeias cujos dados estavam disponíveis
não eram próximas, pode-se pensar que essa tendência existia em outras aldeias também.
52

Figura 6: Taxação como porcentagem da renda da terra avaliada e a renda


avaliada em koku (1).

Fonte: Smith (1959, p.205-206)


53

Figura 7: Taxação como porcentagem da renda da terra avaliada e a renda


avaliada em koku (2).

Fonte: Smith (1959, p 207-208 )


Ou seja, durante todo esse período, apesar do aumento de produtividade e de maior
uso de técnicas agrícolas de melhoria da produção49, não ocorreu uma reavaliação, feita pelo
governo, da produtividade do solo. Isso significa que se manteve uma taxação sobre um lote
de terra que tinha sido registrado no kenchi há um século e meio atrás, com uma determinada
produtividade que não tinha mais relação com a produtividade corrente, que era mais elevada.
E por meio desse distanciamento entre os níveis de produtividade registrados e efetivos, um
excedente maior ficava nas mãos daqueles camponeses que conseguiram aumentar a sua
produtividade na terra (SMITH, 1988).
Smith (1988, P. 5) vê esse processo de forma positiva, dado que, para o autor, as
transformações que ocorreram mais incentivaram do que restringiram as possibilidades de

49
Na opinião de Smith (1988), a não reavaliação da taxação se dava pela dificuldade em mobilizar todos os
recursos necessários para esta tarefa. Além disso, a ideia de simplesmente aumentar o imposto de forma
arbitrária sem se fazer uma reavaliação da produtividade de cada aldeia seria uma fonte de distúrbio para a
ordem estabelecida, podendo causar revoltas camponesas.
54

desenvolvimento econômico e social do campo japonês. O autor não nega que o nengu, que
era pago de acordo com o kokudaka de cada lote de terra registrado no kenchi, era
excessivamente elevado, mas levanta a tese de que a mesma não era tão opressiva como
muitos historiadores defendem e que, em algumas regiões, as taxações sobre o uso da terra se
tornaram até mesmo menores, como mostram os seus dados50 (SMITH, 1988, p. 52). Sato
(1990, p. 43) complementa que na primeira metade do Shogunato Tokugawa, a taxação sobre
o camponês de fato era severa, chegando até a 60% da produção de arroz dificultando, assim,
a sobrevivência no campo. Mas ao final do século XVII, essa taxação caiu para
aproximadamente 33% diante do aumento de produtividade enquanto não se fez a revisão dos
impostos pelo governo central.
No entanto, é preciso lançar um olhar crítico sobre os dados de Smith (1959), tendo-se
a visão de que, mesmo com a possibilidade de uma camada ter conseguido permanecer com o
excedente, o imposto sobre a terra era gravoso e continuava colocando em cheque a
sobrevivência de muitos camponeses.
Average tribute rates declined over the course of the Tokugawa period, but
within fiefs, some villages always had rates higher or lower than the average;
and even when average rates were in decline, they were usually at a level
high enough to cause distress to the poorest in village (BIX, 1986, p. 13).
Além do fato de que os impostos continuavam dificultando a sobrevivência do
camponês que tinha apenas um pequeno lote de terra a ser cultivado, a classe camponesa no
Japão nunca fora uma classe homogênea, dada a existência de terras hereditárias que
permitiram à algumas poucas famílias terem propriedades maiores dentro de uma aldeia, e
isso também influenciou no pagamento do impostos51. Somada a essa diferenciação, neste
novo contexto de desenvolvimento da economia rural, aqueles que conseguiram acumular
mais excedentes preservaram suas propriedades registradas no kenchi, enquanto, no extremo
oposto, surgia uma massa de camponeses pobres, denominados mizunomi (bebedores de água)
que, por conta de dívidas ou em busca de mera sobrevivência, abriam mão de suas terras na
forma de hipotecas não pagas. Este processo será detalhado no item 2.4.1, mas cabe destacar,
neste momento, que não se pode ver os dados como se todos os camponeses tivessem tido a
oportunidade de manter um excedente para si, melhorando os cultivos e vivendo de uma

50
Como explicado anteriormente, haviam outras taxações, mas, de fato, a taxação paga em arroz pelo uso da
terra era a mais significativa de todas (Smith, 1988; Sato, 1991).
51
Na análise de Smith, “O estrato superior dos camponeses era, em vários aspectos, não apenas no padrão de
vida, muito mais próximo da classe média samurai do que da maioria dos camponeses” (SMITH, 1988, p. 70).
Para maiores detalhes sobre os dados utilizados pelo Smith, ver Smith (1988, p. 64-68)
55

forma estável. Pois é exatamente desse processo que vai se criando a classe de camponeses
com inúmeros lotes de terra (jinushi), enquanto se expande uma massa de camponeses
empobrecida que continua cultivando a mesma terra de sua família, agora não mais na
categoria de camponês registrado com direito de uso e posse da terra, mas na categoria de
arrendatário, devendo pagar, além do nengu, uma taxa pelo uso do solo àquele que agora
possuía os papeis de sua antiga unidade produtiva (TAKAHASHI, 1976).
A visão de Furushima (1991, p. 505) contribui paras se ter um olhar mais crítico com
relação a este processo, indicando mais um fator que contribuiu para a consolidação do poder
administrativo e econômico da camada camponesa capaz de reter um maior excedente em
mãos. De fato, o pagamento dos tributos dentro de uma aldeia era feito de forma coletiva,
como explicado anteriormente. Porém, as diferentes camadas de camponeses conseguiram
acumular diferentes excedentes que resultaram em diferentes investimentos em tecnologia
agrícola, não apenas pela não revisão da produtividade da terra. Furushima (1991, p. 497-498)
explica esse processo de forma clara.
O fator chave nesse processo foi que as classes rurais mais elevadas
acumularam grandes excedentes que foram usados para desenvolver e
introduzir novas tecnologias. Esse excedente foi a consequência de certas
características do sistema de coleta de impostos quando este foi
implementado. Durante o levantamento do kenchi, todas as aldeias de uma
região específica foram classificadas em três categorias de acordo com seus
rendimentos totais e todas as terras agrícolas, dentro de uma aldeia, foram
ranqueadas de acordo com as qualidades em superior, média, pobre ou até
“especialmente pobre”. (...) Apesar da multiplicidade da gradação, no
entanto, os registros documentais de regiões específicas revelam que as
gradações na escala da taxação aplicada nas terras de qualidades bastante
diferentes eram na verdade bem pequenas.
O autor continua o seu raciocínio explicando sobre o efeito dessas pequenas diferenças
nas taxações entre terras de qualidades diferentes.
No início do período Tokugawa, as taxações sobre a terra eram tipicamente
avaliadas como uma porcentagem do kokudaka total da aldeia e isso se
traduziu em uma baixa porcentagem da taxa para as terras mais produtivas e
uma taxação relativamente alta nas terras menos produtivas, dado que os
agricultores mais ricos eram os que tinham mais influência na assembleia da
aldeia que definia a divisão da responsabilidade pelas taxas. Assim, o
encargo do pagamento anual das taxas recaiu de forma desigual sobre os
56

pequenos agricultores. Aqueles que não conseguiam pagar suas dívidas eram
forçados a vender parte ou a totalidade de suas terras, tornando-se um servo
contratado. Enquanto os pequenos agricultores lutavam para sobreviver, as
classes superiores de agricultores, pagando uma proporção menor das taxas
sobre suas rendas, acumularam um excedente que proveu os fundos para o
desenvolvimento e introdução de novas tecnologias. (FURUSHIMA, 1991,
p. 498).
Ou seja, desde a primeira metade da Era Tokugawa, uma camada camponesa mais
poderosa conseguiu de fato interferir na taxação sobre a terra reforçando a diferenciação
dentro da própria classe, participando de forma ativa no processo de desapropriação do
camponês mais pobre52. E assim, apesar da política de Hideyoshi de manter as propriedades
pequenas, o período Tokugawa presenciou a queda de um tipo de propriedade de terra e o
surgimento de outro. Como já explicado, no início do período, estabeleceu-se um sistema
pouco monetizado em que alguns camponeses mais poderosos e com território maior
formavam um centro que demandava a mão de obra de membros da família e da comunidade
em tempos de colheita ou para alguma atividade específica que não poderia ser feita apenas
com os membros da família nuclear. Em áreas mais afastadas e/ou montanhosas, essa relação
do início do período Tokugawa se manteve basicamente inalterada até o século XIX. Mas, a
partir da segunda metade do período Tokugawa, o que se observou foi tendência acelerada de
desestruturação das relações de obrigações mútuas para um sistema baseado em contratos de
arrendamento e de contratação de trabalhadores temporários por salários em uma economia
crescentemente comercial (SMITH, 1959, ROZAM, 1988).
Entendida a formação do excedente na economia camponesa, é preciso entender o
desenvolvimento dos mercados e das cidades, bem como a penetração nas aldeias da figura do
mercador, que impulsionou os cultivos voltados para o comércio, reforçando o papel da terra
não só como meio de subsistência, mas também como forma de obtenção de lucro, acelerando
o processo de desapropriação dos pequenos camponeses.

2.2 O desenvolvimento dos mercados


Além dessas diferenciações que ocorreram no campo, distanciando os ricos
camponeses dos pequenos camponeses pobres, a antiga distinção social definida no kenchi
também passou por uma desarticulação no que tange à separação entre o camponês e o
52
Bix (1986, p.15), tratando das revoltas camponesas, também relata que, em momentos de aumento de taxação,
os chefes de aldeia ajustavam as alíquotas de modo que os seus aliados não fossem penalizados com esses
aumentos.
57

mercador, bem como no que tange ao papel do mercador na sua relação com a elite política
samurai. Na rígida estrutura social, o governo Tokugawa “postulou uma economia
fundamentalmente agrária com o mínimo desenvolvimento do comércio – uma sociedade
onde o samurai governa, os camponeses produzem e os mercadores tomam conta da
distribuição” (HALL, 1970, p. 204). Rozman (1989, p. 506) complementa que as três classes
sociais rigidamente definidas no início do período Tokugawa e que dividia os samurais,
camponeses e mercadores separava cada classe por estilo de vida e distinção ocupacional,
congelando o status social e evitando a contaminação das outras classes principalmente pela
atividade comercial.
No entanto, Rozman (1989, p. 507) explica que,
Durante o período Tokugawa, os controles se tornaram menos impessoais e
arbitrários. As rígidas barreiras de classe estabeleciam um limite claro sobre
o que era permitido sem minar as oportunidades para a mobilidade e a
competição sobre regulações relativamente imparciais. Um grande número
de chonin (mercadores) e nomin (camponeses) agarraram oportunidades
dentro da ordem social Tokugawa para avançar em suas posições. No
processo, eles criaram uma força de mudança social que gradualmente
colocou em cheque as premissas em que era baseado o “controle por status”.
Na opinião de Hall (1970, p. 203), “no nível das aldeias, foi a transformação da
propriedade da terra e as atividades comerciais que levaram à desagregação da economia das
aldeias tradicionais e os diversos deslocamentos sociais que geraram problemas para as
autoridades”. Ou seja, dado o desenvolvimento comercial que se expande a partir das maiores
necessidades das cidades por produtos do campo, o aumento da agricultura comercial minou
não apenas os mecanismos de controle do comércio feito pelo Estado, mas também todo o
sistema baseado em uma fixa divisão do trabalho entre os diversos estratos do sistema ie e da
noção de papeis dentro da sociedade.
Novas relações baseadas no mercado passaram a minar o antigo papel das obrigações
e relações familiares dentro das comunidades aldeãs e o sistema baseado em pequenos lotes
cultivados por famílias registradas no kenchi começou a se desintegrar (Rozam, 1988, p, 518).
Cabe destacar, como já fora ressaltado anteriormente, que o sistema ie não é desagregado
pelas transformações econômicas e sociais que ocorreram neste período. No entanto, a relação
entre os ie são alteradas pela mudança nas relações cooperativas que existiam entre os
camponeses com terras maiores e aqueles que possuíam apenas pequenos lotes.
58

Além da desagregação das relações sociais estabelecidas dentro das aldeias, outra
fonte de desestabilização da rígida estratificação social fora o sucesso de inúmeros
mercadores que passaram a burlar os controles do governo. O lugar dos mercadores na
estrutura social Tokugawa era abaixo dos camponeses e acima daqueles considerados como
intocáveis (eta) ou não-humanos (hinin). Ou seja, socialmente falando, os mercadores
estavam em uma posição de pouco respeito dentro da sociedade, dado seu papel de transportar
mercadorias e alimentos dentro do país. No entanto, em algumas ocasiões, os mercadores
tinham sucesso e acabavam acumulando uma grande fortuna, considerada incompatível com
sua posição social (NOBUHIKO, 1991).
Para entendermos como o comércio vai inserindo novas relações sociais e
econômicas, bem como novas mentalidades no campo, parte-se da análise das cidades que
tiveram amplo crescimento notadamente a partir do século XVIII. Cabe destacar que as
cidades sempre existiram no país e que, com o Sankin Kotai, ou seja, a política de
estabelecimento temporário do daimyo em Edo, seu crescimento tornou-se cada vez mais
vigoroso.
Mesmo nos tempos anteriores ao estabelecimento da paz pelo shogunato Tokugawa, o
Japão possuía ilhas espalhadas de agricultura comercial, mas até 1600, os camponeses ainda
produziam basicamente para se alimentarem e para se vestirem, para pagarem taxas em
espécie e para estocar qualquer coisa que sobrasse das colheitas boas para uma necessidade
nas possíveis colheitas ruins. No entanto, a vida rural em tempos de paz e a retirada da classe
samurai, artesã e mercadora do campo para as cidades-castelo alterou gradualmente a lógica
do cultivo de subsistência para um que atendesse ao mercado e às taxações na forma de arroz.
Nem todos conseguiam mais cultivar a terra e garantir sua subsistência e, para atender a esses
centros, as ilhas de agricultura comercial se expandiram e começaram a preencher o entorno
das economias autossuficientes. Assim, para a questão referente às transformações na direção
da comercialização da produção, é preciso compreender as transformações econômicas e
sociais que impulsionaram a dinamização do comércio a partir da Pax Tokugawa e da
separação dos estratos sociais, que dividiu os moradores do campo e os moradores das cidades
(NOBUHIKO, 1991).
Entre 1550 e 1700, o Japão tornou-se uma das sociedades mais urbanizadas do mundo.
Como explica Nobuhiko (1991, p. 519),
No início dessa era, a antiga capital Kyoto era a única cidade com mais de
100 mil residentes, e apenas algumas outras contavam com mais de 10 mil
pessoas. Mas, no ano de 1700, quatro novas comunidades já haviam
59

superado a marca de 100 mil habitantes e aproximadamente 5 a 7% de todos


os japoneses viviam nessas grandes cidades. Isso comparado com a imagem
dos 2% na Europa, onde apenas quatorze cidades tinham atingido o nível de
100 mil, sendo que apenas os Países Baixos e a Inglaterra-Wales poderia
gabar-se de uma concentração urbana maior que do Japão. Edo tornou-se a
maior cidade do mundo ao final do século XVII e a população de Osaka e
Kyoto aproximava-se da de Londres e Paris, as duas maiores cidades do
Ocidente.

Como explicado no início do capítulo, diante da separação da classe guerreira em


relação à classe camponesa por meio da proibição da posse de espadas pelo camponês e da
separação do camponês e do comerciante, pela transferência destes últimos para as cidades
castelo, uma nova ordem social foi estabelecida. Como explica Nobuhiko (1991), uma das
consequências dessas políticas sociais foi a expansão dessas cidades-castelo.
Se a população das cidades castelo rudimentares da Era Sengoku tendiam a
alguns poucos milhares, agora as cidades com treze, quatorze e até cem mil
pessoas se tornou comum. (...) No total, a classe samurai (bushi)
representava aproximadamente 5 à 8 % do total da população do Japão.
Como eles se estabeleceram em áreas nos entornos de aproximadamente 250
cidades-castelos espalhadas pelo interior do Japão, eles se tornaram um
núcleo estável no entorno de onde a população urbana se formou
(NOBUHIKO, 1991, p. 526).
Juntamente com essa ida dos samurais para as cidades-castelo, ocorreu também a
atração de camponeses que aspiravam serem mercadores, artesãos ou trabalhadores,
principalmente na construção das moradias dos samurais e como seus serviçais domésticos.
Proibidos de realizarem qualquer tipo de cultivo ou trabalho braçal, os samurais tinham que
depender de artesãos para a aquisição de espadas e dos camponeses e mercadores para a
aquisição de bens de consumo diários (NOBUHIKO, 1991). Na imagem abaixo, pode-se
observar a grande quantidade de cidades que já existiam no século XVIII.
60

Mapa 5: maiores cidades e rotas de transporte no século XVIII

Fonte: Nobuhiko, 1991, p. 543

Para se entender esse processo de expansão urbana, cabe voltar para a origem das
cidades-castelo (jokamachi) na Era Sengoku, ou seja, na metade do século XVI. Essas
cidades, que eram um aglomerado de pessoas ao redor de castelos espalhados pelo país, não
passavam de alguns milhares de pessoas. Nobuhiko (1991, p. 520) destaca que os samurais
(bushi) moravam nas aldeias agrícolas controlando os seus próprios domínios, mas, aos
poucos, começaram a formar castelos fortificados em posições estratégicas para melhor
proteção, pois o Japão desse período era marcado por diversas guerras. Nessas localidades, os
samurais mantinham artesões para a manufatura de espadas, bem como mercadores para
transportarem produtos e trabalhadores para projetos de construção.
61

Também existiam, nesse período, as cidades que se formavam no entorno de famosos


templos budistas, as quais atraíam fieis de todo o país, mas que foram aniquiladas, em sua
maioria, por representarem áreas com poderes autônomos que ameaãva o poder do Daimyo.
Além disso, existiam entrepostos comerciais em cidades portuárias e algumas no interior que
também possuíam autonomia, mas que, por estarem situadas em pontos estratégicos e
servirem aos interesses dos Daimyos, foram mantidas mesmo no período Tokugawa
(NOBUHIKO, 1991).
O ponto que é preciso deixar claro é que as cidades e o comércio sempre existiram.
Como explica Furushima (1991), a aldeia camponesa durante o período Tokugawa era
organizada em um sistema “autossuficiente”. Mas esse sistema,
(...) não deve ser entendido como se os agricultores individuais ou até
mesmo aldeias inteiras se baseassem completamente em produtos e cultivos
que eles mesmos produziam. Em vez disso, os aldeões que se engajavam
nessa prática autossuficiente tinham uma mentalidade camponesa
tradicional. Ou seja, eles não se dedicavam à agricultura comercial para
acumular riquezas que poderiam ser usadas para criar novos e diferentes
modos de vida. Na realidade, o objetivo deles era mais modesto e estava
ligado aos costumes antigos da aldeia. Assim, eles cultivavam produtos
comerciais e se envolviam no comércio apenas no nível necessário para
adquirir commodities que permitiriam o sustento de sua vida em um nível
tradicional. (...) Tipicamente, o procedimento para tais vendas seriam usados
para comprar produtos que não poderiam ser produzidos em sua propriedade
(FURUSHIMA, 1991, p. 505).
Essas aquisições no mercado envolviam desde sal, metais para fabricação de
ferramentas, itens domésticos, algodão, etc., sendo que algumas transações se davam pela
troca e outras por dinheiro. Mas o uso das áreas de florestas comunais, a fabricação própria de
fertilizantes 53 e a capacidade de mobilização de água suficiente para o cultivo de arroz e
outras culturas mantiveram as aldeias japonesas nessa estrutura autossuficiente por todo
período Edo (FURUSHIMA, 1991).

53
Em áreas próximas às cidades, trocavam-se dejetos humanos por vegetais e arroz, desenvolvendo um ativo
comércio de dejetos humanos em Osaka e Edo, bem como nas proximidades de cidades castelo
(FURUSHIMA, 1991, p. 508). Como explica Sato (1991, p. 74), nas vilas que circundavam as cidades a
produção era voltada em grande parte para os vegetais, que encontravam uma crescente demanda na crescente
população urbana. Barcos transportavam os vegetais através dos rios e voltavam com os lixos e dejetos humanos
para as aldeias para serem usados como fertilizantes. Essa estrutura solucionou o problema dos lixos urbanos e
mantinha a fertilidade do solo no campo.
62

No entanto, de forma generalizada a partir do XVIII, o plantio de subsistência ao lado


do cultivo de arroz foi dando lugar para uma agricultura mais voltada para o comércio, dadas
as especializações regionais e o aumento das cidades. E esse processo ocorreu,
principalmente, por ter se tornado possível aos camponeses reterem um excedente após o
pagamento das taxas, como explicado anteriormente e, em vez de simplesmente produzirem o
suficiente para pagar as taxações e garantirem a sobrevivência da família, uma camada
específica gradualmente passou a produzir produtos para serem vendidos no mercado.
Segundo Furushima (1991, p. 509), “a chave para essa transformação foi a crescente interação
com o mercado”.
Cabe uma ressalva do fato de que essas transformações para uma agricultura mais
comercial não ocorreram de forma simultânea em todas as regiões e nem de forma
homogênea entre as diferentes camadas da classe camponesa 54.
A mudança para a agricultura comercial foi primeiramente vista entre a
classe mais elevada dos agricultores na região de Osaka por volta da metade
do século XVII. Em 1770, produtos comerciais eram cultivados por todas as
classes de camponeses na região de Kinai. Até a metade do século seguinte,
eles eram também amplamente adotados na região de Kanto.
(FURUSHIMA, 1991, p. 510)
Ou seja, esse aumento de produtividade, bem como de introdução de novos cultivos
não se generalizou rapidamente para todas as camadas, mas gerou uma classe capaz de
investir na expansão dos cultivos para o comércio, considerando que esse processo tem como
ponto de início as regiões mais próximas das cidades para onde era possível enviar a produção
excedente.
Pelo lado dos mercadores, a sua importância estava no fato de a economia japonesa
estar baseada no arroz, mas a economia dos soberanos não poderia funcionar por completo a
não ser que os senhores transformassem o arroz, que haviam extraído dos camponeses, em
dinheiro nos mercados centrais para viverem nas cidades. Nesse sentido, de fato, o arroz era o
item mais importante da era Tokugawa, pois além de ser a base da alimentação, seu papel era
fundamentalmente ligado ao sistema de impostos e remuneração dos samurais. Por isso, os
camponeses produziam produtos comerciais, principalmente nos planaltos, onde não havia
taxação das terras e, assim, o cultivo em terra seca se desenvolveu por todo o país de acordo

54
Como destaca Furushima (1991, p. 508), em regiões mais afastadas, o uso de enxada e de foice demorou mais
para se difundir, mas “na maioria das regiões, as mudanças vieram mais rápidas e foi o produto não apenas do
desejo do agricultor de produzir mais, mas também pelo desejo do seu senhor para que fizesse isso”.
63

com o que era mais adequado a cada região, iniciando um processo de especialização regional
(FURUSHIMA, 1991).
Os cultivos especializados eram definidos como 3 árvores e 3 plantas. As três árvores
eram o chá, a amora (produzia papel e também importante na sericultura) e laca (produzia
verniz), enquanto as três plantas eram cânhamo, cártamo e anil. Além disso, nessa agricultura
“autossuficiente”, outro fator importante era a capacidade do agricultor em produzir outros
produtos durante o inverno e de utilizar as técnicas agrícolas difundidas, como explicado
anteriormente (SATO, 1990, p. 73). Nas pequenas propriedades, o arroz tomava conta de todo
o lote durante a primavera e o verão, sobrando apenas uma outra estação para se realizar o
cultivo (FURUSHIMA, 1991). Havia casos em que era possível plantar alguns vegetais e
grãos como soja, tabaco e algodão, mas apenas para consumo da família. Smith (1988, p. 97-
98) retrata o caso do condado Wakae que tinha condições de solo e clima desfavoráveis ao
cultivo do arroz, mas, no início do período Tokugawa, o mesmo era cultivado amplamente
para a alimentação e o pagamento de taxas. No entanto, no início do século XVII, o algodão,
que era propício às condições da região, passou a ser cultivado e facilmente vendido em
Osaka.
Além dessa melhoria na agricultura, Smith (1988) faz também uma pioneira análise de
dados para avaliar o desenvolvimento da indústria rural e atividades paralelas à agricultura
que surgiram neste mesmo período 55 . O desenvolvimento comercial que tomou forma no
período Tokugawa, notadamente pelo já tratado desenvolvimento das técnicas produtivas e
consequente geração do excedente e pela expansão das cidades, teve impacto importante na
produção agrícola, além de forte influência nas atividades não agrícolas que se espalharam
pelo país. De fato, como já destacado anteriormente, não se pode falar de um
desenvolvimento econômico homogêneo dentro do país, mas cabe destacar a tendência que
existia em diversas localidades, sejam elas nas proximidades das cidades centrais do Japão ou
de rotas comerciais, sejam pelos aspectos climáticos que limitavam o cultivo agrícola do
arroz, mas que abriram oportunidades para atividades paralelas à agricultura.
The growth of by-employments and manufacturing in rural japan during the
last century of Tokugawa rule profoundly affected village social structure.
The most remarkable change was the appearance of great numbers of
peasants who owned little or no land and could not subsist by farming alone
(SMITH, 1988, p. 99).
55
Takahashi (1953, P. 81) explica que nem sempre o aparecimento de indústrias rurais ocorreu de forma
espontânea. Muitas vezes, a própria política senhorial incentivava o desenvolvimento de atividades paralelas
para que, assim, pudesse garantir o fornecimento adequado dos censos senhoriais.
64

Assim, em regiões onde o desenvolvimento de atividades paralelas à agricultura


tradicional fora significativo, havia uma grande parcela de camponeses com lotes de terras
que não garantiam a sua sobrevivência, mas que conseguiam manter o status de camponês
graças às atividades paralelas ao cultivo do arroz. A agricultura não era mais a única fonte de
renda e isso alterou a lógica da organização das aldeias e a cooperação que era necessária no
cultivo dos grãos, com destaque para o arroz, base da tributação.
Para tratarmos dessas atividades não agrícolas dentro das aldeias, tomaremos dois
exemplos de duas regiões, Kaminoseki e Shindatsu. De fato, a limitada quantidade de dados
disponíveis deste período restringe a análise a exemplos específicos, mas, sem dúvida, é
possível observar uma tendência ao desenvolvimento destas atividades paralelas na
complementação da renda do camponês. Este ponto é importante para ser ressaltado, pois o
camponês, em um primeiro momento, não substituiu o cultivo do arroz, para se dedicar
exclusivamente às atividades não agrícolas. Os impostos precisavam ser pagos nesta cultura
que, sendo também a base da alimentação, não poderia ser simplesmente abandonada para ser
adquirida exclusivamente no mercado. No entanto, com as transformações mais aceleradas a
partir da segunda metade do século XVIII e início do XIX, a possibilidade de comutação do
pagamento dos impostos e o maior desenvolvimento do comércio dinamizaram cada vez mais
as regiões produtoras de itens não agrícolas que passaram a servir as grandes cidades em
expansão no Japão (SMITH, 1988; ROZAN, 1991).
Como já destacado no item anterior, a dinamização do comércio está intimamente
ligada ao crescimento das cidades, mas também à capacidade do campo de ter um excedente
disponível para ser comercializado. De fato, era preciso um certo nível de especialização e de
aquisição de habilidades específicas para se ter a possibilidade de extrair algum excedente das
atividades comerciais que cada vez mais avançavam para além das trocas dentro da aldeia
(SMITH, 1988). E essas transformações nos tipos de cultivo evidenciam as mudanças no
posicionamento dos camponeses, que vão se articulando com o comércio em busca de
complementar a renda, superando as dificuldades de sobrevivência com as pesadas taxações.
Assim, primeiro será tratado o exemplo da região de Kaminoseki, discutido em Smith (1988),
que utilizou uma vasta documentação para a extração dos dados da produção de sal e algodão.
Posteriormente será tratado o caso de Shindatsu, destacando a sericultura nas aldeias da
região, tratado em Vlastos (1986).
65

Os dados coletados a partir do Bocho Fudo Chushin’na56 (Reportes da alfândega e da


economia das províncias de Suo e Nagato) da regiçao de Kaminoseki mostram que a grande
maioria da população, um total de 82%, era classificada como agricultores e o restante da
população (18%) era classificada em dezenove categorias ocupacionais. No entanto, ao
analisar os detalhes da forma como os rendimentos de uma família eram adquiridos, tem-se
uma realidade bastante diferente.
Income came about equally from farming on the one hand, and industry,
transport, fishing, wage remittances, and central government expenditures.
Nonagricultural pursuits supplied 55 percent of the income of the county,
and the proportion was over 70 percent in four districts. Thus Kaminoseki’s
population was predominantly agricultural but earned rather more than half
its income from nonfarm work.
O que o autor pretende demonstrar através dos dados é que as famílias
camponesas não se dedicavam exclusivamente no cultivo dos campos, sendo que
praticamente todos os membros da família trabalhavam ao mesmo tempo em outras
ocupações. As famílias camponesas tinham como fonte de rendimento uma grande parcela
oriunda de atividades não agrícolas, sendo que há localidades em que os rendimentos não
agrícolas atingem mais de 70% dos rendimentos e, mesmo nas localidades com menor
participação destas receitas não agrícolas, as porcentagens ficam entre 15 e 30%. Smith
(1988) destaca que estas informações são explicadas no próprio relatório que descreve que
praticamente todos os adultos e muitas crianças se dedicavam às atividades não agrícolas
sempre que não houvesse trabalhos relacionados aos cultivos nos campos. Como detalhado no
próprio relatório e citado em Smith (1988, p. 83),
Every able-bodied person works at salt making and other employments
insofar as farming permits. The average amount of arable land per farm
family is only 2.1 tan of paddy and 0.6 tan of upland, and cultivation is
relatively easy since the terrain is level. In time free from farming, men
make rope and rush mats and other articles by hand; and women work in the
salt fields from the third to the eight month and during the rest of the year
devote themselves exclusively to weaving cotton cloth not even taking out

56
Esta pesquisa foi enviada em 1840 para diversas aldeias e consistia em um questionário que tinha o objetivo de
juntar informações para propósitos administrativos. Os dados enviados de Kaminoseki foram os mais detalhados
e datam de 1843. Os dados enviados são referentes à geografia (solo e clima), agricultura (tipo de cultivo,
instalações de irrigação, calendário agrícola, etc.), demografia (população por sexo, número de famílias por
ocupação e status, etc.), rendimentos (em termos agrícolas e industriais) e despesas (taxações, fertilizantes,
matéria prima, reposição de ferramentas e materiais, etc.) (SMITH, 1988, p. 75-76)
66

time to cut firewood and gather grass for compost [traditional female farm
work].57
Cabe destacar que, mesmo nesta estrutura que associava o cultivo agrícola e as
atividades complementares fora da agricultura, a responsabilidade familiar do ie não perdeu
sua força, pois se deu continuidade à organização produtiva em termos familiares, que agiu
como forma de reforçar a cooperação dentro da família nuclear. Muitas vezes, as atividades
não agrícolas eram feitas em locais separados da unidade produtiva familiar 58 , mas os
membros que saíam para realizar estas atividades tinham a consciência de que os rendimentos
pertenciam ao grupo da sua família, e o seu zelo pelo bem estar da mesma era essencial para
manter esse fluxo de mão de obra sem desintegrar a cooperação interna (SMITH, 1988, p. 84-
85).
Em todas as regiões do país, há relatos de chefes de aldeias e de especialistas em
agricultura que reclamavam da escassez de mão de obra para contratar em momentos de
necessidade, diante da existência de atividade paralelas à agricultura que estavam disponíveis
aos pequenos camponeses e aos arrendatários. E os documentos disponíveis para esta
constatação abarcam também leis que surgiram já no século XVII que definiam uma maior
regulação do comércio e das indústrias nas aldeias, assim como de manifestos de mercadores
das cidades-castelo, que pediam proteção contra os pequenos mercadores das aldeias que
cresceram em número neste período 59(SMITH, 1988, p. 92). Ou seja, as atividades paralelas
ao cultivo do arroz e à agricultura de subsistência deram uma alternativa de sobrevivência ao
camponês que, se articulando com os mercadores, tinham a possibilidade de adquirir fundos
que complementavam a sua renda.
Outro exemplo é o que ocorreu na região de Shindatsu, caso que será retomado no
item 2.3.2 sobre as revoltas camponesas 60. A título de esclarecimento, será feita uma breve
discrição da produção do bicho-da-seda nesta região.

57
Tradução de Smith (1988).
58
Por exemplo, em Kaminoseki, as mulheres passavam a temporada da fabricação do sal na região costeira
trabalhando nesta atividade. Há relatos também em Kyushu que afirmava que nos períodos fora da fabricação do
açúcar e da cera, muitos habitantes trabalhavam como diaristas por mais de um mês nas províncias vizinhas. Em
Shinshu e Mikawa, de 10 a 20% da população das aldeias estavam fora da aldeia, trabalhando em atividades
paralelas (SMITH, 1988, p. 93).
59
Nem todas as atividades de indústrias rurais ou comerciais eram limitadas a pequenas unidades produtivas.
Havia, já no século XVIII, mercadores rurais que rivalizavam diretamente com os grandes mercadores de Edo e
Osaka. Além disso, há relatos de atividades como a fabricação de vinho, molho de soja, cerâmicas e ferro que
empregavam mais de setecentos trabalhadores.
60
Ao final do período Tokugawa, foi registrada uma das maiores movimentações campesinas na região, com
dezenas de milhares de participantes e o motivo do levante está intimamente relacionado com o desenvolvimento
da sericultura na região.
67

Para a sericultura, é preciso que seja uma região com grande quantidade de amoreiras
e a região de Shindatsu era geograficamente favorável mais para a sericultura do que para o
cultivo do arroz. Já no início do século XVII, o daimyo incentivava essa indústria com o
intuito de enriquecer os seus domínios. Com a proibição da importação de seda chinesa ao
final do século XVII, a produção nacional cresceu rapidamente e casas comerciais de Kyoto
estabeleceram filiais em Shindatsu para ter contato direto com os mercadores da região
(VLASTOS, 1986, p. 94).
No início do período Tokugawa, a maioria dos produtores de seda eram ricos
camponeses que se dedicavam ao melhoramento das técnicas de cultivo e à qualidade dos
produtos. No entanto, na segunda metade do século XVIII, a descoberta da influência do calor
no desenvolvimento do bicho-da-seda ajudou as pequenas famílias camponesas a integrarem a
sericultura com as atividades tradicionais da agricultura, pois, acelerando esse
desenvolvimento, era possível evitar que os picos de trabalho das duas atividades
coincidissem. Além dessa vantagem, a sericultura era uma atividade intensiva em mão de
obra, pois a produção não poderia ser mecanizada e uma família camponesa poderia ser tão
produtiva quanto um grande sericultor (VLASTOS, 1986, p. 99-100)
Ademais, o trabalho familiar era mais vantajoso por diversas razões. Segundo Vlastos
(1986, p. 100), “the health of silkworms and the quality of the silk ultimately depended on
meticulous execution of a great number of tasks. Carelessness, inattention, or bad judgement
at any point (…) could jeopardize the entire enterprise”. E, por isso, o uso da mão de obra
familiar, de fato, era o mais indicado, pois a correta atenção e dedicação geraria uma
recompensa a todos e tinha-se um incentivo para melhorar constantemente as técnicas e as
habilidades na produção. Inclusive, a mão de obra familiar não era paga e, dado que as
mulheres eram as mais indicadas para o trabalho, não influenciava no trabalho masculino. Por
outro lado, os empreendimentos maiores demandavam a contratação de trabalhadores por
curtos períodos e que precisavam de constante acompanhamento e orientação para executarem
as atividades de forma correta. Recebendo os pagamentos por dia, não se tinha nenhuma
participação nos lucros do empreendimento e, assim, os custos de supervisão dessas
atividades nos produtores maiores impactavam no rendimento dos negócios (VLASTOS,
1986, p. 100). Dadas essas características da produção, Vlastos (1986) conclui que,
Thus, there was little to prevent poor peasants from becoming producers if
they had suficiente Manpower. Even if they borrowed to finance operating
expenses, the entire production process took less than two months, which
allowed a quick return on investment.
68

Outro fator que atraía o pequeno camponês era que a taxação dos campos com
amoreiras era significativamente inferiores aos arrozais e qualquer espaço disponível era
utilizado para esse fim. Dessa forma, a sericultura não competia diretamente com o cultivo
tradicional, contribuindo para a complementação da renda do pequeno camponês, por meio da
venda do bicho-da-seda nas feiras locais ou a mercadores itinerantes. Vlastos (1986) reforça
que a sericultura não era a única fonte de renda complementar, mas dados e textos evidenciam
que a sericultura salvou milhares de camponeses que teriam sido expulsos do campo ou que
teriam se transformado em arrendatários, perdendo assim o status de camponês.
Nakamura (1985, p. 28) ressalta também que, ao final do período Edo,
aproximadamente 20-25% dos agricultores trabalhavam em outras atividades além do cultivo
da terra como artesãos e carpinteiros e as mulheres, na fiação e tecelagem, enquanto outros
fundaram lojas, bares e restaurantes. No inverno, ocorria uma migração do campo para a
cidade e muitos passavam a realizar atividades comerciais. Com a impossibilidade de se viver
apenas da agricultura, a consequente dinamização da economia fez com que a quantidade de
dinheiro em circulação aumentasse e o Shogun chegou até a estimular a economia nacional
com políticas expansionistas de emissão de moeda.
Assim, com esse avanço na urbanização e com a interpenetração do comércio no
campo e do desenvolvimento das indústrias rurais como atividade complementar ao cultivo
agrícola, o sistema tradicional da propriedade tezukuri, onde as famílias se organizavam em
torno das grandes propriedades com as quais estavam de alguma maneira interligada, como
explicado anteriormente, ia se alterando. A tendência que se instaurou foi que,
A família continuou sendo a unidade de cultivo, mas o mercado tendeu a
separar a mão de obra do pertencimento ao grupo e das obrigações sociais; o
trabalho perdeu muito de sua significância e passou a ser tratado como uma
entidade econômica (SMITH, 1959, p. 108).
Conforme já explicado, as duas principais formas de organização da produção no
entorno das grandes propriedades eram os servos hereditários (fudai) e os nago, além das
ajudas dos vizinhos e membros da família subsidiária. Primeiro, no que tange aos servos
hereditários, o seu fornecimento por famílias pobres ainda quando criança apenas poderia ser
mantido caso não houvesse nenhuma outra forma de sobrevivência fora da estrutura agrária da
aldeia. No entanto, à medida que o comércio passou a entrar nas aldeias, novas formas de
trabalho mais livres surgiram nos negócios de transporte, comércio, indústria artesã e até
mesmo na agricultura (SMITH, 1959, p. 109). Por outro lado, a liberação dessa mão de obra
também era vantajosa para os grandes proprietários, que tinham inúmeras responsabilidades
69

para com aqueles inseridos na família, dado que se podia contratar mão de obra apenas
quando necessários sem precisar arcar com essas obrigações quase familiares. A forma
dominante de mão de obra passaria a ser os “hokonin”, que eram contratados para trabalharem
por períodos e salários fixos. Contudo, dentro dessa categoria, existia uma importante
diferenciação que é feita por Smith (1959, p. 109): aqueles que eram atados ao trabalho por
dívida (adiantamento do pagamento), sendo trabalhos de longo período, e aqueles contratados
por períodos curtos e por salário. O autor classifica o primeiro grupo como sendo “hokonin” e
o segundo grupo como “wage labor”.
Essas transformações geraram uma escassez de mão de obra. Como explica Smith
(1959, p. 111),
A oferta de mão de obra estava baixa após 1700, porque o capital no
comércio e na indústria estava crescendo mais rápido do que a população.
Apesar de todas as tentativas artificiais, o trabalho era drenado da agricultura
para setores da economia que estavam se expandindo rapidamente. Este
dreno era parcialmente refletido pelos movimentos da população das aldeias
para as cidades – mas apenas parcialmente, pois o comércio e a indústria não
eram fenômenos exclusivamente urbanos. Mesmo assim, os registros
populacionais indicam a perda de mão de obra das aldeias e o crescimento da
população urbana durante os últimos três quartos do século XVIII, quando a
população do país estava estática como um todo.
Conforme os agricultores se engajavam cada vez mais em atividades paralelas à
agricultura (by-employment), mercadores começaram a se mudar para áreas rurais com o
objetivo de ajudar os agricultores a reunirem matérias-primas e processarem produtos finais e,
então, transportarem os produtos para os mercados de varejo das cidades. Nesse momento, a
porcentagem de agricultores engajados no comércio cresceu e muitas aldeias perderam sua
identidade agrícola. A evolução das aldeias em cidades locais é comumente considerada como
sendo um fenômeno do século XIX, mas o processo começou bem antes (SMITH, 1959).
Ao final do século XVIII, os laços que haviam moldado as classes sociais em uma
estrutura coerente começaram a se desintegrar de forma mais acelerada com o
desenvolvimento comercial. No século XVII, a sociedade era organizada e mantida estável
através das obrigações mútuas e no papel (yaku) que cada uma tinha que desempenhar.
Como explica Nobuhiko (1991, p. 593),
O Daimyo contava com os mercadores e artesãos no fornecimento de
produtos e serviços e os senhores retribuíam fornecendo um ambiente dentro
das cidades-castelo e domínios que respondiam às necessidades e desejos
70

dos mercadores. Os Samurais e os mercadores também eram organicamente


ligados. O Samurai cumpria as responsabilidades militares e tinham o cargo
de tomadas de decisão mais importantes do governo dominial. Os
mercadores forneciam aos samurais as necessidades diárias de bens
comerciais e também faziam parte dos baixos estratos da administração
urbana.
No entanto, durante o final do século XVIII e início do XIX, as pressões do
crescimento comercial e dos problemas associados à urbanização erodiram os antigos laços de
interdependência. Entre comerciantes e samurais, surgiu uma relação conflituosa e os daimyos
não davam mais o antigo voto de confiança aos mercadores, mas os condenavam por não
preservarem seus status, adquirindo roupas e itens de decoração que não condiziam com o seu
status.
O Shogun e os Daimyos mantiveram o discurso de separação de classe, agrarismo e
poder político por status que foi visto cada vez mais como uma forma arrogante de preservar
artificialmente sua posição dominante na política e na sociedade. No contexto da abertura dos
portos, os questionamentos e dúvidas com relação ao Shogunato Tokugawa se exacerbaram
quando a crise política se juntou com os levantes internos durante os anos 1850 e 1860.

2.3 Diferenciação social e a nova estrutura de classes no campo


Entendidas essas transformações que ocorriam na economia aldeã e na sua articulação
com os mercadores e as cidades, é preciso reforçar novamente que os benefícios ficaram
restritos a uma camada específica de camponeses que conseguiram expandir a produção, gerar
um excedente e aumentar os seus domínios, por meio da desapropriação dos camponeses mais
pobres. E é de fundamental importância entender a formação de uma camada abastada,
constituída por camponeses e mercadores ricos, de um lado, enquanto se tem do outro uma
grande maioria de camponeses empobrecidos que mal conseguiam sobreviver e que sempre
buscavam alternativas para seguir com seu lote de terra e se manter na posição de camponês.
E uma forma de analisar esse processo é através da tendência de desapropriação 61 do pequeno
camponês que se acelera a partir da segunda metade do período Tokugawa.
O que ocorre é o seguinte processo: dado o pequeno lote de terra e a incapacidade de
adotar técnicas mais avançadas, em um contexto no qual a subsistência já não poderia ser
garantida, os camponeses passaram a ignorar cada vez mais as leis que regulamentavam a

61
Neste contexto, o uso do termo desapropriação refere-se à perda do direito de uso da terra como camponês
cujo nome está devidamente registrado no kenchi.
71

posse, a alienação e divisão das terras, hipotecando os pequenos lotes com o intuito de
conseguir dinheiro emprestado, sendo que muitas vezes a transferência da terra tornava-se
inevitável diante da impossibilidade de cumprir com o pagamento das dívidas. Esse processo
gerou uma concentração dos direitos de posse da terra, ao mesmo tempo em que criou as
bases da agricultura moderna japonesa com sua relação peculiar entre o proprietário da terra
não agricultor (Jinushi) e o pequeno camponês arrendatário dependente (Kosaku). A
peculiaridade está no fato de que a propriedade se concentrava, enquanto os camponeses que
perdiam suas terras continuavam cultivando esse mesmo lote, agora na categoria de
arrendatário (TAKAHASHI, 1953).
Aqui, cabe destacar que essa noção de arrendatário (tenant) é diferente do arrendatário
inglês, que é impelido pelo mercado e pela pressão dos senhores a aumentar a sua
produtividade e vender sua produção em um mercado com elevada concorrência, tendo o
risco de perderem seus contratos de aluguel, caso não dessem conta de gerar todo montante de
lucro necessário. Assim, os arrendatários ingleses, juntamente com os proprietários, estavam
constantemente preocupados com os improvement, ou seja, os melhoramentos na terra para
irem ao mercado garantir seus lucros (WOOD, 1998, p. 19). Já para o caso japonês, o
arrendatário é formado por meio de dois processos como já mostrado anteriormente. Um deles
é pela perda das terras pela hipoteca. Nesse caso, o camponês não abandona a sua terra, mas
se sujeita a trabalhar sobre pesadas taxações para um novo “proprietário da terra”, pois a sua
terra faz parte do seu ie, como fora explicado no capítulo 1. O pequeno lote de terra que
pertencera a seus ancestrais tinha um valor muito além do econômico e permanecer na aldeia
significava permanecer seus ancestrais também haviam sido enterrados, constituindo mais
uma forma de laço com a terra. Assim, abandonar a terra é uma decisão que envolve
desagregar um ie, e essa decisão não era amplamente adotada pelos camponeses
(FURUSHIMA). Era preferível permanecer na terra e tentar sobreviver, do que abandoná-la e
seguir em busca de oportunidades nas cidades.
Essa relação, que criou o futuro grande proprietário de terras e aliado do governo
Meiji, seria mantida e reforçada pelo imperador, sendo apenas eliminada na reforma agrária
após a Segunda Guerra Mundial62 (Norman, 1910 P. 136; Takahashi, 1953, P. 75-76). Este
processo também ajuda a clarificar como a já heterogênea camada campesina pode ter as
diferenciações ainda mais alargadas e também a esclarecer como o mercador vai entrando na

62
O governo de ocupação norte-americano no Japão, conhecido como SCAP, introduziu uma reforma da
propriedade da terra, beneficiando a grande maioria de arrendatários de terra, com o intuito de reduzir o poder
dos ricos proprietários de terra que deram apoio ao expansionismo japonês nos anos 1930 (NAKAMURA, 1986).
72

lógica shogunal, não apenas como aquele que transporta produtos e transforma arroz e
dinheiro, mas como detentor de direitos de uso da terra, movimentando grandes quantidades
de dinheiro no campo e nas cidades. Enquanto o Daimyo e os samurais encontram
dificuldades para manterem o luxo nas cidades, esta figura com grande poder econômico
começa a desestruturar a base da rígida estrutura social japonesa do período Tokugawa.

2.3.1 A aceleração das desapropriações: a formação dos arrendatários


Neste item, será tratado o processo de desapropriação dos camponeses e a formação
dos arrendatários que se aceleram a partir da segunda metade do período Tokugawa e que foi
coroado pelo governo Meiji ao final do século XIX. Takahashi (1953, P. 74) descreve com
clareza o que ocorre neste período:
Ya a mediados del siglo XVII y debido a la elevada tasa del censo en
espécie, la situación económica de los campesinos se había agravado hasta
tal punto que se vieron obligados a vender sus tierras, hecho corroborado por
las múltiples prohibiciones de venda dictadas a los campesinos por los
grandes señores (daimyo). Para obtener dinero prestado, los campesinos, a
quienes les estaba prohibida la venta, recurrieron a hipotecar su tierra o a la
instituición de renras (Rentenkauf) como durante la Edad Media em Europa
occidental.
Apesar de intimamente relacionada com o desenvolvimento da agricultura comercial,
cabe uma ressalva para o processo de desapropriação, pois a perda de terra por pequenos
camponeses variava em grau, dependendo do tipo da cultura ou da atividade predominante em
determinada região. Segundo Vlastos (1986, p. 109), as áreas especializadas no cultivo de
arroz e algodão foram onde mais se viu o processo de desapropriação campesina.
In the Kinai cotton districts, tenancy reached 70 to 80%, and in rice-
exporting districts, such as the Shonai plain north of Fukushima, a few
landlords owned whole villages. In contrast, silk-producing villages
contained comparatively small numbers of tenant farmers, even though
commercial farming had substantially supplanted subsistence farming.
Há três razões para que as áreas produtoras de algodão e arroz fossem mais propensas
ao processo de desapropriação do camponês do que regiões mais voltadas para atividades
complementares ou comerciais, como era ocaso da Região de Shindatsu com a produção de
seda, como já explicado no item 2.2. Em primeiro lugar, as terras das regiões produtoras de
arroz e algodão tendiam a ser mais produtivas, o que fazia com que a aquisição dos direitos de
73

uso e posse da terra fosse vantajosa para os camponeses e mercadores ricos. Em oposição a
este valor da terra, nas regiões produtoras de seda ou sal, não era preciso ter uma propriedade
maior para se ter a geração de um excedente maior, enquanto os arrozais e campos de algodão
demandavam grandes quantidades de terra para se ter maior produção. Por fim, em locais
concentrados no cultivo de arroz, não havia uma alternativa à sobrevivência senão as
atividades tradicionais e algum cultivo de inverno que poderia complementar a renda e
garantir a subsistência do camponês e sua família. Já em regiões concentradas na sericultura,
por exemplo, esta atividade se tornava uma fonte de sustento e, mesmo com minúsculos lotes
de terra que não garantiam o sustento da família, tinha-se uma renda que passava pelo
mercado, evitando que os camponeses perdessem suas terras, tornando-se arrendatários
(VLASTOS, 1986, p. 109).
Assim, apesar do processo de desapropriação não ter ocorrido em todas as partes do
Japão, acredita-se que seja de fundamental importância ressaltar esse processo, pois esta é
uma forte tendência que foi coroada no contexto da Restauração Meiji, quando a terra passou
a ser efetivamente uma propriedade privada e o governo legitimou a relação entre o novo
proprietário de terra e seus arrendatários, que continuam pagando taxas em espécie em pleno
processo de modernização capitalista japonesa. Além disso, essa tendência que se exacerba a
partir da segunda metade do período Tokugawa e que ganha impulso no século XIX deve ser
entendida como uma das facetas da desarticulação da antiga noção de cooperação que existia
dentro da aldeia camponesa, dadas as possibilidades de acumulação pelo uso extensivo da
terra, concentrada nas mãos de alguns ricos camponeses e mercadores. Essa tendência
também tornaria a ser uma das razões para as inúmeras revoltas camponesas que ocorreram
no período.
Como já destacado, as expropriações dos camponeses mais pobres eram feitas pelos
camponeses ricos, ou seja, famílias tradicionais da aldeia, e pelos mercadores enriquecidos,
mesmo com a proibição de transferência de terra determinada pelo governo central. E a
expropriação e a exploração dos camponeses por essa camada abastada poderia se dar de duas
maneiras. A primeira forma era por dívidas. Dadas as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos
camponeses que não conseguiam sustentar todos os membros de sua família apenas com o seu
pequeno lote de terra, sujeito a todas as vicissitudes climáticas, muitos pediam empréstimo a
essas famílias tradicionais ou aos mercadores, dando como garantia os seus papeis de registro
no kenchi. Em documentos de registro de petições deste período, há relatos, por exemplo, de
aldeias de Tsuyama, que alegavam 5 a 10 mortes por inanição por ano entre os camponeses,
74

enquanto o mesmo número de camponeses falidos tinham seus lotes confiscados diante da
impossibilidade de pagamento de todo montante devido de imposto (BIX, 1986, p. 11).
Assim, na impossibilidade de realizar todos os devidos pagamentos, o camponês se
endividava e hipotecando a terra, acabava muitas vezes perdendo-a. Entretando, em vez de
deixarem a terra, essa mesma família camponesa que perdera a terra continuava cultivando o
mesmo lote que antes havia sido registrado em nome de sua família pelo kenchi, mas agora na
categoria de arrendatário e não mais de honbyakusho. Ou seja, não tinha mais o status de um
legítimo camponês, devendo agora realizar os pagamentos em espécie do montante referente
às taxações sobre o uso da terra e também compartilhar a colheita com aquele que passou a
possuir os papeis de registro da terra (TAKAHASHI, 1953, p. 76-77).
A segunda forma de aquisição de terras era através do processo de expansão dos
terrenos aráveis, incentivados pelos próprios senhores daimyo. Com o intuito de aumentarem
seus rendimentos por meio da expansão dos cultivos, os próprios daimyo buscaram terras não
registradas no kenchi onde seria preparada uma nova infraestrutura de irrigação e a preparação
do solo. No entanto, como era preciso um montante considerável de recursos a serem
investidos para, por exemplo, captar água para os arrozais e arar esses terrenos que eram
menos produtivos, contou-se com o apoio financeiro de mercadores e camponeses ricos, bem
como com uma abundante mão de obra camponesa. No momento em que essas terras se
encontravam prontas para serem cultivadas, os financiadores eram autorizados a ficarem com
todo o lote arado, pois o que importava ao daimyo era o devido pagamento dos impostos.
Assim, era dado o direito de uso e posse ao mercador ou ao camponês que arrendava os lotes
para camponeses pobres, muitos deles que já haviam trabalhado na preparação do solo. Os
arrendatários pagavam, assim, uma taxa pelo uso do solo ao detentor dos direitos de uso e
posse e também pagavam ao daimyo pelo uso do solo. Como essas novas terras preparadas
para o cultivo sofriam uma taxação menor dos censos senhoriais, essa categoria de
proprietário não camponês aumentou no decorrer do período do Shogunato Tokugawa
(TAKAHASHI, 1953, p.78).
E essa especificidade é de extrema importância, pois o próprio mercador entra para a
estrutura de classes do sistema senhorial japonês de forma sui generis, intervindo no campo,
financiando projetos de expansão de terras aráveis e de irrigação em aliança com o daimyo e
os grandes proprietários de terras. O mercado, que na rígida estrutura social estabelecida pelo
shogunato de Toyotomi Hideyoshi estava posicionado abaixo dos camponeses, com mera
função de deslocamento de produtos, passa a ascender economicamente, tendo importante
75

papel no financiamento tanto da produção campesina, como do governo, cada vez mais
endividado e sem recursos para financiar sua pesada estrutura burocrática apenas com os
impostos recolhidos dos camponeses.
Outro ponto que deve ser destacado é que não havia nenhuma regulação, por parte do
governo, da relação entre o arrendatário e aquele que tinha o direito de uso da terra. Dessa
forma, os já gravosos impostos cobrados pelo governo eram acrescidos de uma taxação sobre
a qual o governo não tinha nenhum controle. E isso dificultou ainda mais a vida do pequeno
camponês que não podia contar com a “benevolência” do governo em momentos de
dificuldade e nem com a cooperação do “dono” da terra onde trabalhava, pois perdendo sua
terra e seu título de camponês, manter o seu ie, ou seja, as terras onde seus ancestrais
trabalharam e sua família atual, era a prioridade (VLASTOS, 1986).
No entanto, cabe ressaltar que apesar dessas transformações no campo e do
surgimento do capital mercantil, nesse período não havia uma estrutura de propriedade da
terra de caráter capitalista. Na realidade, esta nova estrutura e o capital mercantil que vai se
desenvolvendo vem apenas reforçar uma “servidão feudal”, não polarizando capital e o
trabalho assalariado, mas criando uma diferenciação dentro da camada camponesa que
contribuiu para atar o camponês desapropriado à terra. Ou seja, não se pode falar em
capitalismo, pois o modo de produção e não as transformações que ocorrem na terra ou nos
produtos agrícolas, nem mesmo um possível “espírito capitalista” que determina uma
produção capitalista. É preciso não apenas a transformação dos produtos agrícolas em
mercadoria, mas também os trabalhadores, que devem ser assalariados livres e não
camponeses presos à terra (TAKAHASHI, 1953, p. 79-80).
No entanto, é possível, seguindo a interpretação de Ellen Wood (1998), identificar
como a origem do capitalismo japonês estava no campo. Apesar da diferença do caráter do
arrendatário inglês e do japonês, existiu no Japão uma camada camponesa que juntamente
com os mercadores, foram capazes de expandir as terras aráveis, elevar a produtividade
agrícola e se engajar em atividades paralelas ao cultivo do arroz e à agricultura de
subsistência, com expansão dos cultivos comerciais e desenvolvimento da indústria
doméstica. Essas diferenciações gerou uma camada que conseguiu investir na produção e
contar com a mão de obra de camponeses empobrecidos que pagavam pelo uso da terra tanto
para o governo, como para o novo “proprietário da terra”. E esse ator econômico deve ser
ressaltado, pois o seu caráter é pouco alterado após a Restauração Meiji, servindo aos
76

interesses do governo imperial, sem abrir mão dos laços feudais estabelecidos entre
proprietário e arrendatário.
Assim, após essa breve análise das transformações no campo, é possível compreender
que havia uma crise estrutural do sistema senhorial e shogunal do Japão. As diferenciações
dentro da aldeia e a ascensão da classe mercadora, poderosa em termos econômicos, se
expressava de um lado pelo enriquecimento de uma camada que acumulava direitos de
propriedade, enquanto o pequeno camponês não tinha condições de sobreviver com o que
sobrava após o pagamento dos impostos. Dada essa situação, o crédito e as hipotecas
passaram a ter importante papel na vida camponesa, que acabava se endividando
excessivamente, sem poder se proteger das condições impostas pelos seus credores e sem
poder contar com a proteção do governo ou dos chefes de aldeia, que também se
beneficiavam da nova situação. Isso gerou uma deterioração na atmosfera social que
acompanhava a sociedade camponesa e suas relações internas, bem como a inicial relação do
camponês com o mercador, que tinha caráter colaborativo e que era importante para a
sobrevivência da família no campo. Conflitos dentro da classe e entre as classes se
exacerbaram neste período, e revoltas camponesas com novas demandas e novas formas
passaram a ocorrer com mais frequência na segunda metade do período Tokugawa.

2.3.2 As revoltas camponesas: expressão das transformações


Como tratado nos itens anteriores, transformações econômicas e sociais ocorreram de
forma mais acelerada a partir da segunda metade do período Tokugawa, ou seja, a partir de
meados do século XVIII. No item 1.3, foi mostrado que as revoltas camponesas do final do
século XVII começaram a sofrer alterações, com mudança nos motivos e nas ações tomadas.
Isso será mais detalhado neste item, para que se possa compreender como as transformações
econômicas tiveram impacto na sociedade, gerando novas demandas por parte dos
camponeses.
Essas transformações econômicas já foram tratadas nos itens 2.1. e 2.2.. Para este capítulo,
é importante ressaltar a penetração do comércio nas aldeias e as transformações nas relações
sociais estabelecidas no início do período Tokugawa. A produção de commodities se iniciou
na última parte do século XVII, na região Kinai que incluía Kyoto e Osaka, em resposta às
demandas de consumo da população urbana em rápido crescimento. Osaka era chamada de
“Armazém do Japão” e os mercadores buscavam matéria prima do interior e despachavam
alimentos e produtos manufaturados em Osaka para Edo. Em uma primeira fase, os
77

camponeses com bom acesso ao mercado de Osaka buscavam aumentar a sua produtividade,
utilizando novas técnicas e novos tipos de fertilizantes, vendendo o montante produzido que
excedia as taxações e sua sobrevivência (VLASTOS, 1986, p. 73-74). A partir dessas novas
possibilidades, um novo processo foi engendrado em algumas regiões que eram mais
propícias ao cultivo de determinados itens comerciais como, algodão, tabaco, açúcar, etc.
Essas novas possibilidades também se abriram pelo lado das pequenas manufaturas rurais,
desenvolvendo a sericultura, a fiação do algodão, a fabricação de ceras e papéis, etc. como já
mostrado no item 2.2.
O desenvolvimento comercial teve dois impactos na vida aldeã. Em primeiro lugar, as
relações de cooperação e também de obediência dentro das aldeias foram rompidas. Por um
lado, os pequenos camponeses tinham a possibilidade de se estabelecerem de forma mais
independente, sem a necessidade de depender da relação de troca entre capital e mão de obra
para sobreviver 63 (VLASTOS, 1986, p. 74-75). Por outro lado, a nova função da terra, não
apenas como meio de sobrevivência, mas também como fonte de lucro e poder, engendrou o
processo de desapropriação dos camponeses, também já tratado anteriormente. Já em regiões
em que a terra tinha um menor peso como fonte de rendimentos, as atividades paralelas
ganharam destaque como meio de sobrevivência para o pequeno camponês e como meio de
acumulação para os ricos camponeses e mercadores. Esses dois movimentos geraram duas
novas razões para a manifestação camponesa: os descontentamentos por conta da
diferenciação dentro da aldeia com maior exploração dos pequenos camponeses e as
tentativas de pagamento dos impostos ao governo não em arroz, mas em dinheiro. Esses dois
grandes motivos expressam como o mercado contribuiu para a desagregação da cooperação
interna e transformação da lógica da produção que passa do autoconsumo para interações
mais profundas com o mercado.
Além dessas insatisfações com relação aos chefes de aldeia, havia também as revoltas
contra as famílias tradicionais (das quais o chefe da aldeia também pertencia) e os novos
mercadores, que emprestavam dinheiro aos camponeses com a terra em garantia, processo
esse já explicado em detalhe, e que muitas vezes abusavam de seu poder para conseguirem
expropriar um camponês. Vlastos (1986, p. 82-86) utiliza uma petição de meados dos anos
1800, na região de Shindatsu, enviada pelo assistente do chefe da aldeia ao governo central, e
que continha o registro do processo de desapropriação de um camponês que pedira dinheiro

63
Mas este movimento ocorreu com velocidades diferentes em cada região do Japão, sendo a região Kinai a
pioneira neste processo de transformação. No entanto, durante a última fase do período Tokugawa esta já era
uma tendência que ficava clara, ou seja, cada vez mais o camponês entrava na dinâmica do mercado.
78

emprestado para um rico comerciante de seda da região. Com a petição, o assistente pedia ao
governo para que intervisse na situação a fim de que se chegasse a um acordo. Esta petição
será relatada de forma resumida a seguir e, apesar de ser bastante descritivo, acredita-se que é
ilustrativo para compreender uma das importantes razões para os camponeses se organizarem
e realizarem grandes revoltas.
Neste caso o camponês Kichiroji fora expropriado por um rico camponês e comerciante de
seda, Yoshino Shutaro, com o apoio do chefe de sua família nuclear, Shozaemon. O incidente
se iniciou em 1863, quando Kichijiro pediu dinheiro emprestado para Shutaro. Kichijiro
deveria pagar todo o valor emprestado com juros, até o final do ano, ou perderia a sua terra
que havia sido dada como garantia. No entanto, antes do prazo final, Shutaro deu os papeis da
dívida de Kichijiro para o chefe da família nuclear, Shozaemon, assumindo que Kichijiro não
daria conta de devolver o dinheiro até o prazo final, dando o direito sobre a terra para
Shozaemon. Superando todas as expectativas, Kichijiro voltou para devolver o dinheiro a
Shutaro antes do prazo e, nesta ocasião, Shutaro explicou a ele que agora era Shozaemon
quem possuía seus papéis. No entanto, ao falar com Shozaemon, este explicou que os papéis,
na realidade, ainda estavam com Shutaro. Voltando a falar com o mesmo, Kichijiro tentou por
várias semanas pagar o dinheiro devido, sem sucesso. Após a virada do ano, ao tentar
novamente devolver o dinheiro, Kichijiro foi informado de que o prazo para o pagamento
havia expirado e que não teria sua terra de volta.
Indo reclamar com o chefe da aldeia, este recomendou a Kichijiro que não levasse o caso
adiante, dado que seria inútil tentar qualquer medida contra pessoas de tanto poder.
Consultando outros oficiais da aldeia, estes recomendaram que ele fizesse um acordo informal
com Shozaemon para que pudesse continuar trabalhando em sua terra como arrendatário. O
chefe de aldeia recomendou que aceitasse essa situação, pois, caso recusasse, não poderia
mais contar com nenhuma ajuda. Sem ter o que fazer, Kichijiro aceitou trabalhar nas terras
que agora pertenciam a Shozaemon, pagando um aluguel anual de sete hyo (sacas) de arroz.
No ano seguinte, mesmo com problemas na colheita, Shozaemon aumentou o pagamento
anual de arroz em mais dois hyo (sacas). Kichijiro tentou negociar, mas Shozaemon o
ameaçou de despejo. Assim, Kichijiro novamente aceitou a situação, devendo pagar o
montante maior de aluguel no ano.
Dada a situação precária em que se encontrava e diante da quebra da colheita, Kichijiro
acabou utilizando toda a sua produção de arroz para alimentar a sua família, não sobrando
nada para pagar Shozaemon. Quando Shozaemon soube do ocorrido, avisou a Kichijiro que
79

iria substituí-lo por outro arrendatário caso não pagasse todo o valor devido. Kichijiro,
pedindo ajuda a vizinhos e parentes, conseguiu o montante de um hyo que não foi aceito por
Shozaemon.
Neste contexto, a carta de petição foi enviada pelo assistente do chefe da aldeia, pedindo
ao governo que desse uma ordem a Shozaemon, para que aceitasse o um hyo de arroz como
uma parcela do pagamento. Não se sabe qual o fim da história, mas, três anos depois, na
grande revolta de Shindatsu, casas de Shozaemon e de seus parentes, bem como sua fábrica de
sakê foram atacadas e destruídas por camponeses locais. Vlastos (1986) especula quantos
camponeses teriam sido vingados por este ato coletivo. Este caso mostra como as
desapropriações poderiam ocorrer de forma arbitrária, mesmo sendo a transferência de
direitos de uso da terra proibida pelo governo. Fica claro, também, como os ricos camponeses
e mercadores, contando com o auxílio dos chefes de aldeia, conseguiam extorquir os
camponeses, de uma forma a não restar alternativa, a não ser se tornarem arrendatários. A
antiga relação de cooperação que existia entre os estratos camponeses deixava de agir como
força de união da heterogênea camada camponesa.
A segunda causa refere-se ao novo caráter da produção camponesa que passava também a
visar o mercado. Vlastos (1986) demonstra que os camponeses de regiões com mais ligação
com os grandes centros ou que eram propícias à produção de produtos voltados ao mercado,
não queriam mais pagar as taxações em arroz pelo uso da terra, solicitando a comutação do
pagamento em dinheiro, pois dada essa produção voltada para o mercado, era difícil até
mesmo produzir o próprio arroz para alimentação (VLASTOS, p. 80). Como mostrado na
Tabela 2 a seguir, na região de Shindatsu 64, grande produtora de seda, as revoltas que tinham
como causa o pagamento das taxas em produto foram predominante a partir de 1800.
Tabela 2: Principais causas dos protestos camponeses em Shindatsu, de 1700 à 1867
Causa 1700-1799 1800-1867
Aumento das taxações e pesquisas cadastrais 5 (28%) -
Pagamento das taxas em produtos 1(6%) 10 (36%)
Ajuda e isenções 7 (38%) 7 (25%)

Malfeitoria do chefe da aldeia 2 (11%) 6 (21%)


Outros 3 (17%) 5 (18%)
Total 18 (100%) 28 (100%)
Fonte: Aoki Koji (1966), p. 38

64
Apenas 30% das terras da região eram próprias para o cultivo do arroz e, muitas vezes, essa produção não era
suficiente nem ao menos para a sobrevivência dos seus membros, devendo ocorrer a compra do produto através
do mercado (VLASTOS, 1986, p. 81)
80

Ou seja, a penetração do mercado nas aldeias, notadamente naquelas com especialização


da produção, fez com que fosse mais vantajoso ao camponês pagar os seus impostos não em
espécie, mas em dinheiro. Na região de Shindatsu, há registros de envio de pedidos ao
governo para autorizarem o pagamento dos impostos em dinheiro, alegando que toda
sobrevivência da aldeia dependia basicamente da venda da seda para outras províncias e que
era assim que pagariam pelos devidos impostos (VLASTOS, 1986). Assim, nessas regiões
onde se tinha uma alternativa de sobrevivência pelas atividades paralelas, as razões de suas
revoltas não estavam ligadas à questão da terra, mas sim às questões relativas ao mercado e as
oportunidades de comercialização de seus produtos.
Cabe destacar, por fim, um exemplo de revolta que evidencia o colapso do sistema de
cooperação que existia entre os ie mais tradicionais e mais pobres, dadas as novas relações
comerciais que penetraram de forma mais significativa na aldeia. Retomemos ao caso de
Shindatsu, tratado no item 2.2. Esta região, com clima e solo adequado para as amoreiras,
tornou-se uma grande produtora de bicho-da-seda. Pelas características da produção do fio,
mesmo os pequenos camponeses puderam complementar a sua renda e muitas vezes garantir a
sobrevivência através dessa atividade econômica. Por conta disso, mesmo os camponeses com
pequeníssimos lotes de terra, que eram claramente insuficientes para sustentar sua família,
conseguiam continuar sendo camponeses. E nesta região ocorreu uma das maiores revoltas
camponesas em 1866. E o motivo dessa revolta fora o aumento das taxações sobre as caixas
de casulos do bicho-da seda.
No entanto, o aumento das taxações fora um plano elaborado pelos ricos camponeses que
eram produtores de bicho-da-seda em larga escala e que se viram ameaçados pela expansão
dos pequenos camponeses organizados em trabalhos familiares, com eficiência tão grande
quanto a das suas grandes instalações. Vlastos (1986, p. 114-118) explica que os ricos
camponeses enviaram um pedido ao governo central para que fosse feita uma inspeção
rigorosa da produção do bicho-da-seda na região de Shindatsu, pois muitos camponeses não
seguiam um aceitável padrão de qualidade, comprometendo a reputação dos produtores locais
e bagunçando o mercado. Abrindo os olhos do governo para um negócio pouco taxado, os
próprios camponeses que enviaram a petição foram nomeados fiscais do governo e passaram a
verificar a produção dos pequenos camponeses, aplicando as taxações mais elevadas de
acordo com as instruções do governo.
E essa taxação mais elevada, colocou os pequenos camponeses em uma situação de
grande dificuldade. Diferentemente dos camponeses ricos, os camponeses mais pobres
81

vendiam sua produção pouco a pouco, nos mercados locais ou para alguns mercadores
itinerantes, não tendo um montante significativo de recursos em mãos ao longo do ano,
utilizando a renda para sobreviver juntamente com a família. Os camponeses ricos, mesmo
tendo que pagar mais impostos, não viam isso como um problema, já que a concorrência
passaria a diminuir conforme os pequenos produtores fossem falindo (VLASTOS, 1986, p.
121).
Pedindo ajuda do chefe da aldeia para levar seu pedido de diminuição das taxas para o
governo, os pequenos camponeses não obtiveram sucesso, dado que o chefe da aldeia também
era um grande produtor de seda. E, não tendo recursos suficientes para levaram as demandas
para o governo central, a solução encontrada fora a revolta. Rapidamente os informativos
sobre o levante circularam entre as aldeias e, apesar de avisos e tentativas de se chegar a um
acordo, as dificuldades climáticas da colheita de arroz na região deixaram os camponeses
famintos e dezenas de milhares de camponeses se mobilizaram por uma semana de junho de
1866, realizando ataques contra as propriedades dos camponeses ricos e chefes de aldeia da
região (VLASTOS, 1986, p. 126). No total foram 184 casas e negócios destruídos em 63
aldeias. E mesmo com fome, Vlastos (1986, p. 137-139), baseando-se nos documentos do
período, afirma que os camponeses destruíram imensas quantidades de comida, roupas, seda e
até mesmo dinheiro.
Esses relatos das áreas mais inseridas na economia comercial, bem como as revoltas
camponesas diante das desapropriações e abuso de poder dos chefes de aldeia, indicam a
repulsa dos pequenos camponeses por aqueles que se tornaram obcecados pelo interesse
individual, deixando de lado as noções de cooperação que outrora existira na aldeia. De fato,
os pequenos camponeses também se engajaram nas trocas comerciais, mas o seu objetivo era
o sustento de sua família e a melhoria na condição de vida que era bastante precária. Como
mostrado no capítulo anterior, as antigas relações de cooperação e dependência foram sendo
desestruturadas ao longo do período, acelerando-se na segunda metade do período Tokugawa.
Esta aceleração pode ser comprovada pela maior quantidade de revoltas que ocorreram na
segunda metade do período. Como evidenciado na Tabela 3 abaixo quase duas mil revoltas
ocorreram durante a segunda metade do período Tokugawa, enquanto, na primeira metade,
aproximadamente oitocentos e cinquenta revoltas foram registradas. E as formas das revoltas,
que são diferentes entre os dois períodos, também ajudam a comprovar essa quebra na relação
estável da aldeia, como será explicado a seguir.
82

Tabela 3: Principais tipos de revoltas camponesas no Japão de 1601-1867


Protestos
com uso
Apelações da força Fuga Destruição
Ano diretas física Petição coletiva de casas Outros Total
1601- 209
1650 33 (4%) 10 (4%) 50 (24%) 50 (24%) 33 (16%) 33(16%) (100%)
1651- 211
1700 75 (36%) 27 (13%) 40 (19%) 35 (17%) 10 (4%) 24 (11%) (100%)
1701- 422
1750 98 (23%) 99 (23%) 61 (15%) 35 (8%) 49 (12%) 80 (19%) (100%)
1751- 670
1800 101 (15%) 184 (27%) 44 (7%) 36 (5%) 153 (23%) 152 (23%) (100%)
1801- 814
1850 117 (15%) 164 (20%) 68 (8%) 42 (5%) 187 (23%) 236 (29%) (100%)
1851- 373
1867 41 (11%) 71 (19%) 42 (11%) 8 (2%) 95 (26%) 116 (31%) (100%)
Fonte: Aoki Koji (1966), p. 36-37
Como mostrado na tabela XXX acima, as apelações diretas, petições e fugas coletivas
tiveram maior peso nas demonstrações de insatisfação dos camponeses na primeira metade do
período Tokugawa. A partir da segunda metade do período, o que se observa é um aumento
dos protestos mais violentos, com uso de força física e destruição de casa.
Esse aumento da violência camponesa deve ser entendido também dentro de um contexto
maior das transformações no campo. Passou-se, neste período de uma luta coletiva da classe
como um todo contra a exploração campesina (em busca de redução da taxação) para a luta da
base do estrato contra o topo da própria camada camponesa e dos ricos mercadores donos de
terras. E para essas demandas, não era possível contar com a “benevolência” dos senhores de
terra, pois o alcance deles dentro de uma economia envolta nas relações comerciais era
menor. Nas palavras de Vlastos (1986, p. 160)
In terms of juridical status, all were peasants; but by the late Tokugawa period,
those at the top of the market economy were deeply involved in trade,
moneylending and renting land – competitive economic relations with other
peasants. On the other hand, those at the bottom engaged in a type of
subsistence to the extent that income from cash crops and by-employments
was used directly towards the purchase of subsistence goods. Unlike
83

subsistence farmers of the early Tokugawa period, however, for their survival
they depended on the exchange value of the commodities they produced rather
than seigneurial benevolence. In fact, there was little that even the most
benevolent daimyo could do to protect them, as he could not regulate the
economic behavior of thousands of individual participants in the market. The
interest rate moneylenders charged, how much rice village merchants sold and
at what prices, and the rents demanded by landlords were beyond the
regulatory powers of the feudal ruling class.
Assim, a entrada das relações comerciais na aldeia e as transformações que esta acarretou
na noção de uso da terra alterou as antigas relações que, de uma certa forma, criavam uma
dependência e uma necessidade de subordinação e obediência dos camponeses com menores
lotes de terra em relação às famílias tradicionais e aos chefes de aldeia. E dada essa nova
situação, não podendo mais contar com a “benevolência” dos daimyo e do governo central, os
camponeses passam a se organizar de forma mais ativa, buscando alternativas para serem
escutados nos momentos de crise.
Na primeira metade do período Tokugawa, quando as relações comerciais ainda não
haviam entrado de forma significativa na economia camponesa, era possível pedir a
intervenção do governo, nos momentos de crise, através do uso das petições. Havia um
interesse comum e uma movimentação coletiva de todos os estratos que lutavam contra os
pesados impostos e a corrupção dos fiscais do governo. Todavia, com o desenvolvimento dos
mercados, a interdependência que existia na aldeia foi abandonada. E, da mesma forma que o
pequeno camponês buscou sobreviver por meio de atividades complementares aos cultivos
tradicionais, o rico camponês e o chefe da aldeia também começaram a utilizar a terra e a sua
posição econômica e social em benefício próprio. A função (yaku) do chefe de aldeia, que era
a de organizá-la e de defender os interesses dos camponeses foi abandonada. E, aos pequenos
camponeses, sobrou a mobilização social e o uso da violência para serem ouvidos de alguma
maneira65.

65
Cabe destacar que havia diferenças regionais no país, sendo que inúmeras aldeias afastadas dos grandes
centros se mantiveram com pouquíssima transformação até a Era Meiji, ou mantendo um ritmo mais lento de
mudanças. Mas o que se objetiva mostrar, como já ressaltado anteriormente, é que havia uma tendência clara de
que “na segunda metade do período Tokugawa, a elevada produtividade, o cultivo comercial, as atividades
paralelas à agricultura e a manufatura aumentaram significativamente a participação do camponês no mercado”
(VLASTOS, 1986, p. 75). E isso, de fato, alterou a forma como o camponês manifestava suas insatisfações.
84

3. A RESTAURAÇÃO MEIJI E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS


TRANSFORMAÇÕES

A Restauração Meiji, que se inicia a partir de 1866, com o taisei no kan (que significa a
transferência do poder estatal shogunal ao imperador), constituiu um processo político,
econômico e social que conduziu à modernização de todo o aparado do Estado e
gradualmente das forças produtivas, dissolvendo o chamado regime feudal japonês 66 .
Considera-se que este é o marco histórico do início da moderna sociedade japonesa. Neste
processo de modernização, o Estado voltou-se mais ativamente para a construção de uma
infraestrutura que preparou as bases para a moderna indústria, comércio e finanças que foram
indispensáveis para o rápido desenvolvimento do país (CRAWCOUR, 1988, p. 385).
Em um contexto de expansão dos conflitos imperialistas na Ásia, o Estado japonês teve
como imediata preocupação a defesa nacional contra o poder estrangeiro e a proteção militar
contra os dissidentes do novo regime (YOSHINO, 1968, p 20; HOBSBAWM, 1977, p. 234).
Sob o lema “enrich the country and strenghthening the armed forces”, a saída para a
superação do seu atraso tecnológico foi a absorção da tecnologia ocidental com rápida
adaptação às realidades japonesa.
Assim, desde o início da Era Meiji, a necessidade de instalação de um parque
industrial que atendesse aos interesses bélicos do país e substituísse a importação de produtos,
que levava deixava a balança comercial deficitária, foi vista como algo intrinsecamente
relacionado com o objetivo de se tornar uma nação dominante. Além disso, diante da sua
condição de país pobre em recursos naturais e do seu território pequeno e relevo bastante
acidentado, o Japão permanecia em posição subserviente em relação às nações ocidentais. Os

66
A crise política da década de 1860 foi o resultado de um processo de desarticulação das forças que
sustentavam o shogunato tanto em termos internos quanto externos. Não é possível afirmar qual força foi maior e
qual foi menos importante, mas é possível enfatizar que dada a crise interna, a pressão internacional que se dá a
partir da abertura dos portos na década de 1950 acelerou o processo de mudança do regime. Como já visto no
capítulo 2, o final do século XVIII e início do XIX já evidenciava alguns elementos da crise do Shogunato
Tokugawa. Notadamente nas décadas de 1830 e 1840, chamado de período Tempo, o Japão foi devastado por
problemas na agricultura e diante dessa crise, o governo não conseguiu mediar de forma eficiente a situação,
abrindo brecha para as diversas revoltas camponesas que abalaram o período. Muitos historiadores consideram
esse período, bem como as reformas que foram realizadas (Reformas Tempo) como sendo a evidenciação da
crise do Shogunato, pois houve uma tomada de consciência por parte do governo de que era preciso tomar
algumas medidas para sustentar a situação. Ou seja, como já mostrado, essa desarticulação do governo
Tokugawa fora um processo longo que se acelerou em meados do século XIX 66 (BEASLEY, 1989). Pelo lado
externo, a tomada de consciência da inferioridade do Japão em relação aos países imperialistas ocidentais
também já havia ocorrido há algumas décadas. A derrota chinesa na Guerra do Ópio (1838-1842) deixou claro
que a supremacia chinesa poderia ser facilmente abalada pelo poderio bélico ocidental. E nesse contexto, cabe
destacar que a preparação da repulsa nacional pelo estrangeiro imperialista já vinha sendo estruturada através do
ensino nacional (kokugaku) (JANSEN, 1989).
85

homens de Estado japoneses tinham consciência de que o Japão, ainda exportando seda e chá,
só poderia sobreviver no mercado mundial dominado pelas potências ocidentais caso se
tornasse um exportador de produtos manufaturados (HOBSBAWM, 1977). E o imperialismo
não tardaria a mostrar-se como fundamental à continuidade da expansão, expressando-se em
um primeiro lugar como busca de terras agricultáveis e posteriormente como fonte de
matérias primas e manufaturados.
Os obstáculos à industrialização eram evidentes, dado que se tratava de um país que
tinha se deparado com o expressivo avanço tecnológico ocidental após anos de isolamento
(HALL, 1970). Além disso, a Revolução Industrial já adentrara em sua segunda etapa,
demandando ainda mais tecnologia e recursos com produções em elevadíssimas escalas. E
nesse contexto específico, a participação do Estado foi decisiva na centralização dos capitais e
para a implantação da infraestrutura moderna foi crucial (ALONSO, 1985: 247-251).
Os gastos do governo advinham da modernização, mas também da manutenção de
uma estrutura senhorial do período Tokugawa, dado o pagamento de pensões aos daimyo e
Samurais que abriram mão de suas terras e seu status social 67. Segundo Vlastos (1989), no
início de 1870, esses estipêndios e as dívidas dos senhores que foram assumidas pelo novo
governo consumia a maior parte dos recursos do governo. Esse acordo entre o novo governo e
a antiga elite foi uma das formas que o governo encontrou para evitar grandes conflitos
armados entre o novo governo e os daimyo e inserir a antiga classe dominante, da qual essa
nova elite política também fazia parte, dentro do sistema burocrático de Meiji, permitindo que
conseguissem se sustentar e viver sem grandes adversidades.
Para sustentar toda essa nova estrutura de governo e seguir com os planos de
modernização, a única forma viável de financiamento fora o reforço das taxações no campo.
Não era considerado uma opção ao governo imperial se endividar com recursos externos, o
que poderia colocar em cheque a sua soberania, aumentando ainda mais a sua vulnerabilidade.
E além do financiamento, o campo também foi responsável pela geração de mão de obra

67
Diferentemente do caso das Revoluções Ocidentais onde os direitos feudais foram abolidos, no Japão o Estado
realizou a compra das “propriedades” (han) dos senhores (daimyo) e criou novas unidades administrativas
denominadas ken, unificando assim, o território nacional sob o comando de um Estado moderno (TAKAHASHI,
1985, p. 92). Ou seja, os daimyo não saíram prejudicados no processo.
Como explica Takahashi (1953, P. 92), em troca das suas propriedades, eram pagas prestações em arroz (karoku).
Além disso, entre 1872 e 1873, o novo governo cancelou o papel moeda irregular que foi colocado em circulação
por estes mesmos daimyo ao final do período Tokugawa e cancelou seus imensos empréstimos. Aos mercadores
usurários foram fornecidos títulos de empréstimos reembolsáveis pelo governo. Em 1875, as prestações que
eram pagas em arroz passaram a serem pagas em dinheiro (kinroku), graças à Reforma do imposto territorial,
sendo que no ano seguinte, foram reconvertidas em rendas pagas pelo Estado e que poderiam ser livremente
negociáveis. Para Takahashi, assim foi o processo de desaparecimento do regime político senhorial existente no
Shogunato Tokugawa.
86

assalariada para o mercado de trabalho, muitas delas com amplo conhecimento técnico por
conta das indústrias rurais que se desenvolveram pelo país no período Tokugawa. Assim,
neste capítulo serão tratadas as transformações no campo que ocorreram a partir da
Restauração, para que a fonte de recursos do governo fosse garantida. No entanto, essas
mudanças aceleradas não seriam sentidas sem distúrbios no campo. E dessa forma, será
tratado também as revoltas camponesas que marcaram o período. O objetivo desse capítulo
não é o detalhamento do processo político que culminou na restauração, dado que há uma
vasta literatura sobre o tema. A proposta é detalhar o que de fato ocorreu no campo para
sustentar os projetos de rápida modernização japonesa.

3.1 A Era Meiji e as Transformações no campo


O campo teve um papel fundamental para o financiamento da modernização japonesa.
E foi através da manutenção de pesadas taxações sobre o camponês, dados os escassos
recursos de capital industrial e da recusa de tomada de empréstimo internacional que o Estado
pode organizar o salto para o capitalismo japonês. Como explica Vlastos (1989, p. 373),
Havia poucas fontes adicionais de receitas que o governo estava disposto ou
que tinha a possibilidade de utilizar. Rejeitaram-se os empréstimos
internacionais por conta dos óbvios perigos à segurança nacional no caso de
uma subsequente inadimplência e foi determinado que as taxações sobre o
comércio e indústria seria mais leve possível para acelerar a formação de
capital. Além disso, os tratados comerciais que foram impostos ao Japão
pelo Ocidente limitavam os recursos advindos do comércio internacional.
E a possibilidade de contar com esses recursos tiveram como base a manutenção e o
reforço da já explicada tendência de concentração da terra via desapropriação dos camponeses
mais pobres e o aumento da diferenciação ente os estratos camponeses que vinha ocorrendo
desde meados do período Tokugawa. Essas transformações foram de fundamental importância
para a extração dos recursos necessários ao financiamento dos avanços econômicos do país
(NORMAN, 1940; TAKAHASHI, 1959).
Assim, o governo restaurado adaptou os tributos que eram recolhidos em espécie pelo
Shogunato Tokugawa transformando-os em dinheiro, através do que foi chamado de chiso-
kaisei (literalmente seria a Reforma do Imposto Territorial, mas significou a Reforma Agrária
da Restauração Meiji) 68. O ponto fundamental dessa reforma era a finalidade de não serem

68
A reforma estava praticamente concluída entre 1876 e 1877, no que se refere às terras para a produção agrícola,
como arrozais e campos de cultivo. Foi feita a distribuição das notas de propriedade, bem como a medição das
87

rebaixados os antigos ingressos de recursos anuais do governo. Ou seja, os impostos cobrados


no campo seriam no mínimo equivalentes ao que era cobrado no período Tokugawa. Assim,
os primeiros passos rumo à estruturação desses novos recolhimentos se deu já no ano em que
foi realizada a Restauração, quando o governo declarou que as terras das aldeias pertenciam
em sua totalidade aos camponeses. Já no ano de 1871, promulgou-se a liberdade de cultivo de
campos e arrozais, eliminando as antigas restrições de uso da terra e em 1872, legalizou-se a
venda das terras que pertenciam aos camponeses, com proibição da expropriação dos
camponeses que já tinham suas terras registradas no Kechi (TAKAHASHI, 1953, P. 89).
Em 1872 foi requerida uma nova pesquisa para a avaliação das terras e novos
certificados foram emitidos. Esses certificados, que eram “notas de terras”, denominadas
chiken possibilitavam a compra e a venda das terras através da fixação do direito de posse e
da determinação de seu preço (TAKAHASHI, 1953). Ou seja, aqueles que possuíam o
documento de comprovação do registro da terra em nome de sua família pode se tornar
proprietário efetivo da terra. É apenas com o estabelecimento do chiken que se tem a
propriedade da terra garantida dentro de uma noção moderna e ocidental. Era preciso, assim,
que cada pedaço de terra estivesse devidamente registrado no nome do seu proprietário para
que fosse possível identificar legalmente o responsável pelo pagamento do devido imposto.
Finalmente, em Julho de 1873 promulgou-se o Chiso Kaisei Jorei (Normativa da Reforma do
Imposto Territorial) que foi a reestruturação do sistema de impostos territorial (NORMAN,
1940, p. 142)
O chiken, ou seja, o certificado de propriedade da terra era muito mais detalhado do
que o registro de direito de uso e posse das terras registradas no Kenchi. Continha o nome e o
endereço do proprietário, a sua localização, a categoria e a área da parcela e também o seu
valor monetário. O documento continha o selo e a assinatura do governador da prefeitura onde
o lote de terra estava localizado e uma cópia do documento permanecia no gabinete da
prefeitura. Assim, com o novo registro, no momento de realizar a venda era preciso não
apenas realizar a transferência dos papéis, mas também fazer as devidas atualizações nos
registros que permaneciam na prefeitura (SATO, 2011, p. 14).
Nesta nova estrutura de registro da terra, é preciso destacar uma das caraterísticas
cruciais do campo Tokugawa que fora alterada. A partir do estabelecimento do chiken, a
aldeia perdera o seu antigo papel de influência no pagamento dos impostos e na noção de
solidariedade e obrigação de pagamento conjunto por aldeia, não tendo também o poder de

terras e suas corretas demarcações sendo que entre 1881 e 1882 completou-se a reforma no que tange a estradas
e bosques. Foi feita também uma diferenciação das terras que era propriedade privada das terras do Estado.
88

interferir nas transações de terras que ocorriam dentro de sua jurisdição. O pagamento dos
impostos era uma responsabilidade individual, devendo o seu proprietário se desfazer da terra
quando não tivesse mais a possibilidade de realizar os devidos pagamentos.
O ponto mais importante da reforma, para os seus formuladores, era garantir uma
receita estável para o governo, ou seja, que esta não flutuasse de acordo com a produção,
como era no período Tokugawa, estruturando um sistema de taxação unificado que fosse de
fácil arrecadação e de difícil evasão. Como já explicado na seção anterior, a taxação no
período Tokugawa era baseada no kokudaka de cada lote que formavam uma aldeia, devendo
ser pago em arroz, de acordo com o nengu definido. Enquanto isso, na Reforma, um
procedimento uniforme de avaliação das taxações baseado nos valores de mercado das terras
foi elaborado, e uma taxa fixa de 3% sobre o valor da terra deveria ser paga em dinheiro,
diretamente ao Estado por cada proprietário de terra, não mais em espécie e nem baseando-se
na produtividade do lote (kokudaka) (VLASTOS, 1989, p. 374). Segundo Takahashi (1953, p.
97), com a cobrança dos 3%, os novos impostos territoriais representavam, economicamente
falando, um equivalente dos antigos censos senhoriais. Ou seja, essa Reforma Agrária apesar
de propor mudanças que reestruturavam de forma fundamental o antigo sistema de
propriedade e de pagamento de impostos, conseguiu habilmente manter os mesmos níveis da
taxação do período Tokugawa.
Determinava-se também que a taxa arrecadada não seria alterada de acordo com o
sucesso ou o insucesso de uma colheita (VLASTOS, 1989, p. 374; NORMAN, 1940 p. 142).
Ou seja, ao mesmo tempo que se tinha a libertação do pequeno proprietários camponês das
amarras do feudalismo, com o novo governo, perdia-se um certo “paternalismo” do senhor
que tinha a preocupação de checar se o camponês tinha o mínimo para sobreviver 69. Além
disso, os camponeses pobres foram prejudicados também por conta da delimitação das terras
que eram propriedade privada e das terras que eram estatais. Muitas áreas comunais, estradas
e bosques que eram utilizados coletivamente pelos camponeses para conseguirem lenha,

69
Nas palavras de Norman (19.., p. 143), “that they neither died or lived.” Mas como destaca o autor, Kanda
Kohei, um dos principais arquitetos da reestruturação da taxação sobre a terra, criticou em 1871 aqueles que se
opunham à liberação da venda e divisão das terras ao argumentarem que isso prejudicaria o pequeno camponês
aumentando ainda mais a distância entre o rico e o pobre. Kohei respondeu a críticas com o argumento de que os
sábios e diligentes se tornam ricos e que os tolos e desocupados empobrecem. Alegava-se que ao proibir a
alienação da terra, tentando-se não criar ampla diferenciação do rico e do pobre, isso prejudicaria os sábios e
diligentes, encorajando os ociosos e ineficazes. Para Kohei, o paternalismo feudal e a noção de responsabilidade
comunal tinha que ser suprimida pelo direito individual da propriedade da terra.
Segundo Vlastos (1989, p. 379), na Era Meiji, reduções nas taxações apenas eram permitidas quando as perdas
na colheita representavam mais de 50% do que havia sido cultivado.
89

fertilizantes, material para construção das casas, etc. foram abolidas e passaram a ser de
propriedade do Estado70 (NORMAN, 1940).
Se produziu durante a Restauração, uma espécie de emancipação do campesinato,
como ocorreram em outras sociedades modernas. Mas essa emancipação camponesa não teve
o mesmo caráter do que ocorreu na Revolução Francesa. Na realidade, o que se observou foi
uma emancipação da classe detentora de terra, com maior benefício para aqueles que
detinham maior número de lotes agricultáveis. A diferenciação dentro do campesinato já
vinha avançando desde a segunda metade do período Tokugawa.
O que ocorreu de fato é que, ao mesmo tempo em que o governo não poderia deixar de
taxar o campo, estabeleceu-se uma aliança entre o governo e os grandes proprietários de terra
que não poderia ser abalada por pesados impostos. Assim, a elaboração da Reforma, envolvia
a necessidade de se manter a taxação sobre a terra sem gerar problemas para o novo governo.
Como explica Vlastos (1989, p. 373),
Apesar dos líderes não verem nenhuma alternativa à manutenção das
elevadas taxas na agricultura, eles não poderiam arcar com a perda da
aliança dos agricultores com o Estado. Havia pouca razão para temer uma
revolução rural. Mas até uma resistência passiva na forma de suspensão das
taxas poderiam restringir o tesouro e pequenos e não violentos protestos
sempre tinham a possibilidade de se intensificar. (...) O dilema enfrentado
pelo governo Meiji era como assegurar a cooperação dos agricultores com o
novo sistema de taxação sem reduzir substancialmente os recursos da
taxação sobre a terra. Parte da solução envolveu a eliminação das restrições
feudais na propriedade da terra e na legalização das relações capitalistas de
produção, mudanças bem recebidas e que beneficiaram particularmente os
grandes proprietários.
Como introduzido anteriormente, os responsáveis pelos pagamentos dos impostos
eram os proprietários que tinham suas terras devidamente registradas como suas pelo novo
levantamento cadastral do governo, nada sendo feito para regular a relação entre o
proprietário de terra e seu arrendatário. E como ressalta Vlastos (1989, p. 375), “os
proprietários eram responsáveis pelo pagamento da taxa anual, sendo que eram livres para
taxar qualquer aluguel (de arrendamento) que o mercado pudesse suportar”. Ou seja, nenhuma
cláusula e nenhuma proteção foi direcionada aos arrendatários, cujo número de já havia se
70
Takahashi (1965, P. 128-129) indica que os confiscos de terras feitos pelo império ocuparam mais da metade
das terras do país. O autor mostra que eu 1881, as terras imperiais e estatais representavam 5.276.702 cho
(1cho=aproximadamente 1ha) enquanto as terras particulares constituíam 11.388.479 cho. Já em 1890, as terras
imperiais e estatais representava, 21.323.261 cho enquanto as terras privadas representavam 12.138.383.
90

expandido significativamente, contribuindo para a manutenção dos interesses dos grandes


proprietários de terra.
Como explicado na seção anterior, a estrutura agrária japonesa sofreu uma alteração
no sentido do avanço na relação proprietário-arrendatário com manutenção da pequenas áreas
de cultivo e técnicas pouco desenvolvidas a partir da segunda metade do Período Tokugawa.
Segundo os dados do governo, entre 1883 e 1890, quase 370 mil camponeses perderam as
suas terras por não pagamento de impostos, representando aproximadamente 11% dos
camponeses (SMITH, 1955, p. 82). No entanto, Smith (1955) explica que esse dado mostra
apenas parcialmente o processo de desapropriação, pois até o limite antes de abrirem mão de
suas terras. Ou seja, o processo de deterioração da condição do camponês era muito mais
severo do que o número indica.
Utilizando ainda os dados do governo japonês, Smith (1955, p. 83-85) afirma que a
proporção de terras aráveis cultivadas por arrendatários aumentou de 34% em 1883 para 39%
em 1887 em 18 prefeituras. E durante o mesmo período, em outras 16 prefeituras, o número
subiu de 39% para 42%. Ademais, o objetivo do autor é provar que essas perdas de
propriedade e aumento de cultivos feitos por arrendatários estava concentrada nas pequenas
propriedades. Para isso, o autor usou dados relativos ao número de pessoas que poderiam
votar ou se candidatar a membro das assembleias de determinada prefeitura. Segundo o autor,
aqueles que poderiam votar precisavam ter uma propriedade avaliada em mais de 200 yen, e
aqueles que poderiam se candidatar às assembleias tinham que contar com uma propriedade
que valesse mais de 400 yen. De 1884 a 1886, o número de pessoas que poderiam votar caiu
14% enquanto o número de pessoas que poderiam se candidatar caiu 7% no mesmo período.
Ou seja, as desapropriações ocorreram mais depressa entre os pequenos camponeses.
Assim, a mesma estrutura de Tokugawa foi mantida. Reforçou-se a concentração da
terra nas mãos de uma nova classe de proprietários (jinushi) que mantinha as mesmas famílias
cultivando as terras de seus antepassados. E com a legalização da alienação da terra, o
processo de concentração que já havia se iniciado de forma ilegal no período Tokugawa foi
acelerado. Como explica Norman (1940, p. 136),
Após a sua emancipação do feudalismo, os camponeses tornaram-se
nominalmente proprietários livres, mas esse processo na verdade abriu
caminho para a desapropriação dos camponeses, dado que a remoção da
proibição das vendas e da divisão das terras legalizou vários mecanismos de
aquisição ilimitada da terra por venda forçada, dívidas, etc. Então, podemos
91

dizer que a Restauração trouxe uma genuína emancipação do camponês


proprietário, mas não necessariamente como cultivador.
Também para Takahashi (1953), a manutenção dessa estrutura de arrendatários após a
Restauração deu continuidade a uma estrutura “feudal” da terra, não se fazendo uma Reforma
Agrária que beneficiasse os camponeses. E para Smith (1955), as taxações sobre a terra no
período Meiji se mostraram mais gravosas do que no período Tokugawa dada a imensa
dificuldade dos camponeses em pagarem os impostos, como mostraram os dados acima e a
necessidade do governo em pegar o máximo que poderia da única fonte viável de
financiamento da modernização. Consagrando a estrutura de propriedade da terra que vinha se
formando desde a segunda metade de Tokugawa,
A diferencia de la revolución burguesa occidental del tipo clásico que
destruyó la estrutura del Estado absoluto y permitió la instauracion de la
sociedade democrática moderna, en el Japón, como consecuencia del
predomínio de la propriedade territorial jinushiniana y de los grandes
capitalistas privilegiados de carácter monopolista y fiscal, la restauración y
la apertura del país bajo la presión de circuntancias externas se vieron
orientadas necessariamente havia la formación de um Estado absoluto y
oligárquico. En resumen, lejos de suprimirlas, la Revolución Meiji introdujo,
consagrando las jurídicamente, las relaciones esenciales de la propriedade
feudal em la nueva sociedade capitalista nipona, convirtiéndose en
elementos constitutivos de lamisma (TAKAHASHI, 1953, p. 86)

Estabeleceu-se a partir da Reforma do Imposto Territorial, um processo contraditório,


em que se tem renda em espécie, como no período Tokugawa e também renda monetária a
uma taxa fixa dentro de um sistema capitalista. Isso significou que a transformação de
produtos agrícolas em mercadoria e em dinheiro era efetuada exclusivamente pelo
proprietário (TAKAHASHI, 1953, P. 105). Assim, para garantir o pagamento em dinheiro dos
impostos após Reforma do Imposto Territorial, os proprietários, foram protegidos, enquanto a
relação entre este proprietário da terra e seus arrendatários foi reafirmada e garantida pelo
governo. Analisemos os impactos na camada camponesa de pequenos proprietários e de
arrendatários.
Os pequenos proprietários camponeses que tentavam permanecer cultivando sua terra
sob o novo modelo de taxação enfrentaram numerosas dificuldades em termos de cultivo e
colheita, bem como da transformação do produto em mercadoria para que fosse possível
pagar ao governo, a taxação anual em dinheiro. Como explica Norman (1940, p. 143), era
92

preciso converter de 25 a 30% da sua produção em dinheiro para poder pagar os 3% do


imposto territorial e também transformar boa parte da sua produção em dinheiro, vendendo
seu arroz no mercado para poder comprar o que era necessário para sobreviver.
A situação era ainda mais agravada, dado que esse camponês não tinha como estocar a
sua colheita, tendo que vender rapidamente o seu cultivo independentemente da flutuação de
preços, principalmente no período em que todos estavam vendendo arroz no verão. Enquanto
os grandes proprietários tinham a capacidade de estocar a colheita e esperar pelo aumento dos
preços, passado o período de maior oferta nacional de arroz. Ou seja, como o agricultor não
recebia um salário, mas sim uma parcela do produto em espécie, mesmo em anos de colheitas
boas, a queda no preço pela elevada oferta não favoreciam os seus rendimentos. A liberdade a
ele dada muitas vezes não garantia a sua sobrevivência como proprietário de um pequeno lote
de terra, sendo necessário contrair dívidas para se sustentar, ou até mesmo vender a sua terra,
tentando a vida como arrendatário ou indo para a cidade (NORMAN, p. 144).
A situação se manteve precária também para o camponês arrendatário. Esse
arrendatário, como mostrado já anteriormente, não é o arrendatário capitalista que vivia do
lucro como no caso britânico 71 e nem um trabalhador assalariado de um proprietário de terra
que assumia os riscos e também os lucros do empreendimento. Este arrendatário japonês era
um camponês que cultiva um pequeno pedaço de terra tendo que pagar ao proprietário um
elevado imposto em espécie. Como explica Norman (1940, p. 156), esse arrendatário assumia
o risco do cultivo sozinho, pois era preciso pagar ao proprietário pelo uso da terra, enquanto o
proprietário ficava com grande parcela do seu cultivo, devendo pagar ao governo em dinheiro
os 3% do valor da terra. Os dados referentes à divisão do produto da terra entre o camponês
que a cultivou (arrendatário) e o proprietário e o Estado deixam essa situação clara. Segundo
Takahashi (1953, P. 102), a partir da Reforma do Imposto Territorial, estabeleceu-se que o
produto do trabalho do camponês arrendatário era dividido em 34% para imposto territorial
em dinheiro e 34% como pagamento anual em espécie. Sobrava assim, 32% para o próprio
camponês. Os gastos necessários à produção consumiam aproximadamente 15% da parcela
destinada ao camponês, sobrando assim apenas 17% para sua subsistência. A partir dos dados
o autor evidencia que o montante correspondente ao camponês produtor diminui
quantitativamente em relação ao período final de Tokugawa, quando aproximadamente 40%
da produção ficava nas mãos dos pequenos camponeses. Na realidade, como indica Takahashi
(1953, P. 105), esta situação afetou não apenas os camponeses arrendatários (kosaku) como

71
Ellen Meiksins WOOD, As origens agrárias do capitalismo. Trad. Lígia Osório Silva. Revista. “Crítica
Marxista”, São Paulo, n. 10, 2000
93

também os pequenos proprietários camponeses (jisaku) que não conseguiam sobreviver


apenas com o cultivo de sua terra, tendo que arrendar mais lotes de terras dos proprietários
(jinushi) para complementarem sua subsistência.
Para entendermos a gravidade da situação do camponês, Norman (p. 194-1946) traz
um conjunto de dados indicando a magnitude da expropriação, como mostra a Tabela 3. Nas
palavras do autor, “de 1883 a 1890, 367.744 produtores agrícolas sofreram vendas forçadas
por conta de dívidas não pagas relativas ao imposto sobre a terra. Desse total 77% falhou em
pagar o imposto sobre a terra por conta da pobreza” (NORMAN, p. 144). Os dados da tabela
abaixo indicam a velocidade da expropriação que ocorria no Japão após a revisão dos
impostos e a força do capital usurário neste período, com crescente venda compulsória e
falências de 1879 à 1883.
Tabela 4: Expropriações dos camponeses na província de Okayama
Dívidas nas casas e terras Vendas compulsórias Falências
Ano Iene Pessoas Iene Pessoas Iene Pessoas
1879 2,881,300 63,577 105 9 5699 52
1880 4,123,940 78,023 259 24 2916 54
1881 5,322,164 86,470 1,798 40 5,132 84
1882 6,097,271 107,574 7,481 106 22,342 199
1883 7,072,120 137,008 21,414 520 58,811 493
Fonte: Norman, 1940, p. 145
Norman (1940, p. 149) faz uma comparação do caso britânico com o caso japonês para
evidenciar a especificidade do processo de desapropriação camponesa no Japão. Para o autor,
no Japão esse processo foi complexo não levando a uma saída em massa de camponeses do
campo em direção às cidades, mantendo-se estável o número de famílias camponesas no
campo. E essa peculiaridade, segundo o autor, não pode ser explicada apenas pelo fato de que
nos primeiros anos da Era Meiji não se tinha um setor industrial desenvolvido o suficiente
para atrair os camponeses para as cidades, pois o autor lembra que mesmo após o arranque a
industrialização na virada do século XIX para o XX, o número de famílias no campo se
alterou muito pouco.
Para Norman, (1940), a resposta para essa diferença do caso japonês era a relação
entre o proprietário de terra e o arrendatário, dentro de uma estrutura de pequenos lotes de
terra de onde se extraíam elevados alugueis. Nas palavras do autor,
A característica da propriedade da terra com elevado aluguel fez com que os
grandes proprietários de terra que não cultivavam a mesma estivessem
interessados apenas em coletar o aluguel, o que o impediu de utilizar seu
94

capital para iniciar um empreendimento agrícola como um capitalista. Na


Inglaterra, o desenvolvimento capitalista na agricultura deixou a terra
concentrada nas mãos de alguns poucos indivíduos que após expulsar o
camponês da terra, através de atos parlamentares dos cercamentos forçados,
expandiram a unidade de cultivo e trabalharam a terra por lucro como um
empreendimento capitalista. No Japão, no entanto, por contada atratividade
dos elevados aluguéis, o proprietário da terra ou usurário não se sentiram
incentivados a retirar os arrendatários ou os camponeses proprietários para
organizarem o empreendimento por eles mesmos; eles preferiram deixar as
famílias camponesas trabalhando em seus pequenos lotes em troca de um
exorbitante aluguel (NORMAN, p. 150-151).
Para este mesmo autor, dada essa estrutura atomizada da terra com elevados alugueis,
não se teve um incentivo ao grande proprietário de assumir os riscos de um empreendimento
capitalista em busca de lucro. A situação de pauperismo do camponês e o aumento
populacional, dada a eliminação do controle de natalidade, fazia com que houvesse uma maior
competição pelo arrendamento das terras, já que apenas um pequeno lote não era suficiente
para a sobrevivência do camponês, aumentando assim, o valor dos alugueis. Até mesmo
pequenos proprietários de terra buscavam arrendar terras para complementar a renda familiar.
Essa situação fez com que a organização agrária se mantivesse de forma inalterada com os
pequenos lotes com arrendatários. O mesmo autor também destaca que o camponês era atado
à terra por conta de a mesma ter forte relação com os seus antepassados, ou seja, com seu ie.
Como explica Norman, (p. 154-155)
Em sua luta para permanecer na terra como proprietário ou parcialmente
proprietário, o camponês vendia alguns pedaços da terra para cobrir as
dívidas relativas aos impostos, para pagar suas dívidas com o usurário da
aldeia ou para se manter em anos ruins por conta de quebras na colheita,
perda de animais ou calamidades naturais. Ele abria mão de cada metro
quadrado de sua terra contra a sua vontade, como uma ação de defesa de um
exército lutando sem esperanças, mas de forma determinada, tendo como
resultado a diminuição ainda maior de sua escala de operação da terra que
possuía.
Assim, ao invés de ocorrer uma revolução no campo com aumento da mecanização em
larga escala e uso de técnicas avançadas, a estrutura manteve-se inalterada e segundo Taira
(1988, p. 608), o número de famílias camponesas manteve-se praticamente constante de 1870
à 1930. Apesar do número de famílias ter se mantido o mesmo, formou-se a partir da
95

população camponesa empobrecida, a massa de mão de obra assalariada que atenderia à


indústria nascente nas cidades. A explicação para essa especificidade japonesa foi a
manutenção da tradição da primogenitura, tendo como prioridade a conservação do filho mais
velho ou de um genro capaz de dar continuidade ao legado dos antepassados, enquanto os
filhos mais novos precisavam buscar outras atividades para ajudar na sobrevivência da família
(NORMAN, 1940; TAIRA, 1988). Formou-se assim uma reserva de mão de obra no campo
que se expandiu diante da abolição do controle de natalidade e a ruína da fabricas rurais
domésticas.
De fato, diante dos pequenos lotes de terra, a sobrevivência não estava garantida.
Como explica Norman (1940), os homens buscavam trabalhos temporários na construção de
estradas, etc., enquanto isso, nas cidades, o desenvolvimento da indústria têxtil passou a
demandar cada vez mais o uso da mão de obra, sendo a mão de obra feminina a mais adotada.
A tabela 4 abaixo indica essa tendência. Os dados são referentes à indústrias com mais de 10
funcionários, excluindo empresas governamentais, mas indica o uso expressivo dessa mão de
obra durante todo o período.
Tabela 5: Mulheres na Indústria Têxtil

Total de Mulheres na
Ano Mulheres
trabalhadores indústria (%)
1882 51,189 35,535 69%
1895-1899* 425,602 252,651 59%
1900-1904 472,955 291,237 62%
1905-1909 637,043 391,003 61%
1910-1914 828,942 592,320 71%
Fonte: Norman, p. 152 (*Média de 5 anos)
Além do envio das filhas para o trabalho nas fábricas, outra peculiaridade no Japão era
o envio temporário dos filhos e filhas mais novos para as cidades. Como explica Norman
(1940), ao buscarem empregos nas cidades e não terem sucesso, esses filhos tinham para onde
voltar, não se tornando mendigos ou fontes de distúrbios nas cidades. Além disso, por conta
de casamento ou para ajudar a família no período da colheita, os filhos buscavam trabalhos
temporários nas cidades, voltando para o campo quando fosse necessário. Para o autor, essa
possibilidade de retorno solucionou o problema do desemprego, dado que o governo e os
industriais não tinham que fazer basicamente nada em relação a esse problema social,
enquanto o grande proprietário tinha a possibilidade de manter um grande número de
camponeses no campo à elevados alugueis.
96

A situação nas cidades também não era favorável ao camponês, dadas as mazelas da
industrialização rápida praticada pelo governo, que demandava uma mão de obra barata e
abundante. Apesar do seu rápido desenvolvimento, como explica Norman (p, 159) não era
possível absorver todos na indústria. Assim, enquanto a situação do arrendatário e do pequeno
camponês deteriorava, com envio de membros da família para as cidades em busca de
complementação da renda, a revisão das taxações sobre a terra beneficiaram os grandes
proprietários. Segundo Vlastos (1989, p. 379), a necessidade de se pagar os impostos em
dinheiro e não mais em espécie possibilitou o contato muito mais amplo do proprietário de
terra com o mercado. Além disso, a taxa constante cobrada pelo governo possibilitou ao
grande proprietário gerar mais rendimentos pelo maior investimento e por mais inovação
tecnológica. Por fim, o autor também destaca que com a propriedade da terra garantida, não
havia mais a necessidade de se manter os arrendatários que perderam suas terras por dívidas,
através dos antigos contratos de arrendamento permanente, como ocorria no período
Tokugawa. Os proprietários podiam agora vender a terra livremente, bem como renegociar a
taxa que deveria ser paga pelos arrendatários, podendo inclusive trocá-los, sem nenhuma
regulação que protegesse os camponeses.
Além disso, como explica Takahashi (1953) e Nakamura (1966), a posição econômica
do grande proprietário de terra foi reafirmada com a redução dos impostos territoriais em
1877 de 3% para 2,5%. Enquanto foi permitido aos proprietários de terra reduzirem o
montante pago ao governo, não houve nenhuma regulação sobre os arrendatários que
continuaram pagando o mesmo montante aos proprietários de terra.
Na opinião de Vlastos (1989, p. 378), a reforma na taxação sobre a terra representou
para o governo um sucesso em termos econômico e político.
Dada a magnitude das mudanças e dos interesses envolvidos, o conflito era
inevitável. Era natural que os proprietários buscassem avaliações menores
[do valor de seus terrenos] embora o governo não pudesse arcar com
substancial redução das receitas. Dado esses fatos, o número de protestos foi
pequeno: noventa e nove incidentes entre 1874 e 1881, dos quais 37 foram
conflitos entre proprietários de terra e arrendatários, não envolvendo
diretamente o Estado. Maioria das disputas relativas às avaliações eram
eventualmente resolvidas através de negociações e compromissos, sem
recorrer à prisões e à força armada.
Crawcour (1989) também conclui que apesar do objetivo da reforma fosse assegurar
esses recursos indispensáveis ao governo japonês, seus efeitos foram muito além disso. Dada
97

a transformação da terra em capital, com a possibilidade de ser legalmente vendido e com


impostos fixos cobrados de acordo com a avaliação da terra e em termos monetários, o
benefício ficou concentrado nas mãos dos proprietários de terras. E apesar do governo
defender a ideia de que a Reforma do Imposto Territorial tinha como meta a “felicidade e
prosperidade ao povo”, como atestava Shigenobu Okuma, Ministro da Fazenda japonês, a
realidade estabelecida foi bastante diferente (TAKAHASHI, 1953, p. 103). Nas palavras de
Crawcour, esses proprietários puderam se beneficiar de
(...) melhorias agrícolas, especialização, queda nos custos de transporte e
aumento dos preços [dos produtos agrícolas] (...) Por conta desses benefícios
terem ido para a mão dos proprietários de terra e não para os arrendatários,
quanto mais terra o proprietário tivesse nessas circunstancias, mais ele se
beneficiaria e o resultado foi uma significativa concentração da propriedade
da terra e aumento da mão de obra arrendatária durante todo o período
(CRAWCOUR, 1989, p. 608).
Assim, pode-se concluir que o Chiso Kaisei acabou com o sistema senhorial e
shogunal que estabeleceu a organização do campo a partir do Taiko Kenchi no início do
século XVII. A propriedade privada da terra e sua livre compra e venda foi garantida pelo
Estado que conseguiu garantir os recursos para o financiamento da modernização. No entanto,
essas reformas mantiveram na sociedade moderna, as relações feudais de produção como
elementos constitutivos do capitalismo. Não se alterou a relação do arrendatário com o
proprietário, que seguiu pagando os impostos em espécie em meio à economia de mercado.
Não foi dado ao pequeno camponês e nem ao arrendatário, nenhuma oportunidade de
adquirir terras. Além disso, a imposição do pagamento dos impostos em dinheiro gerou
inúmeras dificuldades à grande massa de camponeses que não estavam preparados para
colocar a sua produção no mercado. Assim, ao invés da sua emancipação, essa nova estrutura
da propriedade da terra e de pagamentos dos impostos contribuiu amplamente para seu
empobrecimento, comprovado pelas significativas expropriações que ocorreram nesse
período. Além disso, com o avanço da industrialização, nem as atividades das indústrias rurais
poderiam mais garantir a sobrevivência do camponês no campo.
Por fim, cabe destacar mais uma continuidade que teve espaço em meio às inúmeras
transformações no campo a partir da Restauração Meiji: a manutenção do ie no campo e sua
transferência também para as cidades. Como fonte de coesão social e também de legitimação,
o governo Meiji manteve as noções de obediência e submissão familiar dentro da sociedade
moderna (ROZAM, 1989).
98

Um novo sistema de registro de famílias foi introduzido em 1872 e o código civil


japonês, que entrou em vigor em 1898, deu intensa ênfase na autoridade do chefe de família
no cotidiano. Durante o processo de elaboração do código civil numerosas alterações foram
feitas através de anos de discussões 72, mas a família fora preservada por conta de seus valores
(de obediência, submissão e responsabilidade no grupo) úteis ao novo governo. Assim, de
acordo com o código civil de 1898,
Os membros da família ou da casa (ie), estavam sujeitos à autoridade do
chefe. Noras e filhos adotivos entravam no ie e, eventualmente seriam
registrados como tal apenas com o consentimento de seu chefe. O chefe
poderia até mesmo determinar o local de residência de um de seus membros
se essa ação fosse considerada necessária para a família. A supremacia do
chefe da família foi firmemente estabelecida no código civil de 1989,
embora (...), é importante perceber que em áreas fora da lei familiar,
especialmente nas leis relativas à propriedade, muitos dos princípios
individualistas que constavam no esboço foram mantidos (SAITO; SATO,
2011 p. 13).

Ou seja, algumas apropriações do modelo ocidental do Código Civil foram


importantes, como no que se refere à propriedade individual. Foram incorporados os
princípios de igualdade legal entre os sexos, princípio de escolha individual, propriedade
privada, etc. tudo baseado no individualismo. No entanto, parte relacionada às relações sociais
as tradições japonesas foram enfatizadas, tendo pouco espaço para o individualismo ocidental.
Assim, os indivíduos ficavam restritos dentro de um status hierárquico nas relações familiares
e nas palavras de Sukehiko (1989, p. 476), “Uma sociedade moderna é presumidamente feita
de indivíduos, mas os japoneses eram continuamente forçados a se ajustarem a um sistema
inserido no ‘sistema familiar’ em que cada indivíduo tinha suas raízes reforçadas”.
Assim, o governo manteve a base da sociedade organizada em famílias, mantendo as
antigas tradições e valores que nortearam o sistema ie estabelecido no período Tokugawa. No
entanto, há uma alteração importante a partir de Meiji. Como explica Sato e Saito (2011), os
registros de família eram baseados no ie, mas os registros das terras não mais. “A ideia da
propriedade pertencente à uma casa (ie) e o chefe da família como sendo apenas um gesto é
agora obsoleto pelo menos do ponto de vista legal, mas é preciso ressaltar que muitos chefes

72
O esboço de 1890 era baseado no modelo do individualismo francês e foi fortemente criticado por intelectuais
conservadores e pelos próprios políticos (SAITO; SATO, 2011 p. 12-13)
99

de família tradicionais e conscientes ainda seguiam esta ideia” (BEKER, 1921, p. 673). Ou
seja, mesmo com as mudanças em termos legais da noção de propriedade, o sistema ie se
manteve como forma de organização familiar e de propriedade, mas neste último caso, de
maneira informal, perdendo a terra um pouco do seu caráter de parte constituinte do ie. E
tanto em Tokugawa como em Meiji, a percepção e a expectativa das pessoas em relação à
família permaneceu inalterada. Assim, a noção de solidariedade de grupo e de obediência que
existia dada a estrutura do ie e das aldeias, ofereceu uma forma de controle tanto de
comportamento como de convencimento para a busca de novos objetivos fundamentados pelo
Estado Imperial.
A educação também fora moldada utilizando-se desse sistema de solidariedade e
obediência dentro da família. O Documento Oficial sobre a Educação no Japão de 1890
evidencia este caráter mantido na sociedade moderna em benefício dos objetivos imperiais e
de modernização do país.
Nossos Antepassados Imperiais fundaram Nosso Império sobre uma base
ampla e duradoura e implantaram a virtude com firmeza e profundidade;
Nossos súditos, sempre unidos em lealdade e respeito filia, ilustraram,
gerações após gerações, a beleza que daí deriva. É a gloria do caráter
fundamental de Nosso Império, de onde também reside a fonte de nossa
Educação. Sejais súditos Nossos, filiais com vossos pais, afetuosos com
vossos irmãos e irmãs; como maridos e esposas, conservai a harmonia e
como amigos, sejais verdadeiros; conduzi-vos com modéstia e moderação;
estendei a vossa benevolência à todos; prossegui a vossa aprendizagem e o
cultivo das artes e, a partir destes, desenvolvei as faculdades intelectuais e
aperfeiçoai as capacidades morai; sobretudo, promovei o bem público e
favorecei o interesse comum; Respeitai sempre a Constituição e observai as
leis; se alguma emergência se apresentar, oferecei-vos valentemente e
conservai e mantende assim a prosperidade do Nosso Trono Imperial,
coetâneo dos céus e da terra. De tal sorte que, não só sereis Nossos bons e
fiéis súditos, como também rendereis homenagens às melhores tradições de
seus antecessores. O caminho que aqui se indica é no fundo os ensinamentos
que nos legaram Nossos Antepassados Imperiais para que fossem observadas
tanto por Seus Descendentes como por seus súditos, infalíveis para todas as
idades e verdadeiros em qualquer lugar. Nosso Desejo é levar este legado no
coração com toda a reverência, em comum convosco, súditos Nossos, que
juntos poderemos alcançar a mesma virtude (SMITH, 1986, p. 20-21).
100

Como fica evidenciado neste documento, evoca-se a família e as relações familiares


tradicionais como sendo a base das relações sociais e como fundamento do comportamento
individual em relação ao governo, expresso na lealdade e no patriotismo. Segundo
(SUKEHIRO, 1989, p. 497), as emergências seriam as possíveis guerras em que o país se
envolveria e estar pronto e ser leal ao governo seria mais do que a obrigação do povo japonês.
Não se tem um rompimento com as tradições japonesas do período Tokugawa, tão enraizadas
na sociedade, ou seja, não se entrava em conflito com as crenças nem com a moral que
norteava a vida camponesa. E o Ministério da Educação uniformizou a educação de todo o
país de uma tal forma que “era esperado que as crianças de todo o país estivessem tendo as
mesmas aulas, através dos mesmos livros, no mesmo momento” (JANSEN, 1989, p. 4).
Assim, compreendendo a importância da absorção rápida das tecnologias ocidentais e
de noções individualistas para alguns aspectos da vida social, a família tradicional japonesa e
seus valores foram estabelecidos como instituição legal no código civil de 1898. O uso desses
valores foi de grande valia ao governo e seu projeto de rápido progresso nacional. Com forte
apelo patriótico, as noções de submissão e senso coletivo foram importantes para o
estabelecimento do Império japonês.

3.2 As revoltas camponesas do final do século XIX


Diante das inúmeras transformações que marcaram os primeiros anos da Restauração,
com os ajustes governamentais rumo à modernização, a deterioração das condições de vida do
pequeno camponês, notadamente com a Reforma do Imposto Territorial foram expressas nas
numerosas revoltas campesinas (TAKAHASHI, 1953, P. 94). De fato, apesar de a
Restauração marcar o momento de guinada rumo à sociedade moderna, essa revolução
política não foi feita pelos camponeses e nem pelas classes urbanas empobrecidas. Todo o
processo foi levado a cabo por uma ala da classe feudal representada por samurais e ricos
mercadores. Neste contexto, os camponeses não obtiveram nenhum benefício direto 73
(NORMAN, 1940, p. 71).
Como explicado na seção anterior, inúmeras revoltas camponesas do período
Tokugawa estavam ligadas às pesadas taxações em arroz que eram cobradas de seus senhores
e que deixavam muito pouco para a sobrevivência do camponês e sua família. Dado esse
histórico, o governo Meiji emitiu um edito com a promessa de redução da taxação para mais

73
No entanto, o número de revoltas foi bem menor pois, como explica Takahashi (1976), existiu em um primeiro
momento, uma esperança de que o retorno do imperador traria mudanças drásticas que favoreceriam a toda
camada camponesa.
101

de 50% nos territórios pertencentes aos shogun, com palavras como “aliviar o sofrimento do
povo” ao eliminar as práticas do período Tokugawa (VLASTOS,1989). Afirmava-se também
que todas as terras do país seriam divididas entre os camponeses (NORMAN, 1940, p. 71).
Diante dessa expectativa de que o novo governo levaria a cabo drásticas mudanças, as
revoltas camponesas que vinham acontecendo em grande quantidade nas últimas décadas do
período Tokugawa deram lugar para um relativa paz (TAKAHASHI, 1976, p. 147)
No entanto, como explica Vlastos (1989), essa promessa de redução das taxações foi
apenas uma estratégia para fomentar levantes nas províncias do Shogun que ainda não tinham
aceitado a volta do imperador, para que essas revoltas enfraquecessem e evitassem que fosse
concentrados esforços contra o novo governo. Nas palavras do autor,
Depois da família Tokugawa e da maioria de seus vassalos Daimyo se
renderem na primavera de 1868 sem lutar uma única batalha, nada mais foi
dito sobre esse tema e com a vitória garantida, a necessidade mais urgente do
novo governo passou a ser o pagamento de suas contas (VLASTOS, 1989, p.
369)
Como já explicado anteriormente, manter o a base das finanças como sendo a taxação
sobre o camponês foi, a princípio, a única alternativa viável. E perder o apoio dos grandes
proprietários e dos camponeses enriquecidos não era uma opção aceitável, pois qualquer tipo
de revolta, por menor que fosse, poderia se generalizar e causar grandes danos à ordem
estabelecida. Por isso, o governo fez algumas concessões aos grandes proprietários, como
explicado no item 3.1.
No entanto, quando a Reforma do Imposto Territorial definiu uma taxação
basicamente idêntica ao que era cobrado pelo Shogun, essa situação “fez renascer uma
solidariedade entre todo o campesinato” (TAKAHASHI, 1976, p. 147). Sob liderança do
campesinato rico, o objetivo das revoltas era a redução da taxação sobre o solo. No entanto,
Vlastos (1989, p. 381) tem um olhar mais crítico que de Takahashi (1976) indicando que na
realidade, aqueles que mais se prejudicaram com a elevada taxação, ou seja, os pequenos
proprietários camponeses que foram à falência e os arrendatários sem direitos sobre a terra,
tinham muito pouco poder e normalmente não eram mobilizados por serem a classe “mais
volátil e potencialmente mais militantes” (VLASTOS, 1989, p. 381). Ou seja, mais do que
uma reorganização de todas as camadas camponesas, a clivagem que existia entre os ricos e
pobres foi de fato mantida e reforçada.
Na realidade, os grandes proprietários e camponeses ricos participaram do processo de
implementação da revisão das taxações sobre a terra juntamente com o governo em um
102

trabalho exaustivo de coleta de dados e de identificação de cada parcela de terra que deveria
ser registrada e, ao receberem como resultado a pesada taxação de 3% sobre o valor da terra
se sentiram injustiçados e se organizaram para protestar (VLASTOS, 1989). E o relativo
baixo número de revoltas nesse período se deu basicamente por conta da forma como os
líderes estabeleceram as negociações que eram feitas através de petições e processos legais,
ou seja, eram demonstrações de descontentamento realizadas dentro da lei. Como explica
Vlastos (1989),
Se o número de protestos e levantes nas aldeias é um indicador do grau de
agitação social, o Japão rural era pacífico no contexto da concretização da
Restauração Meiji. De acordo com os dados de Aoki Koji, existiram 343
incidentes entre 1868 e 1872. Os protestos de camponeses, que haviam
aumentando constantemente ao fiinal de Tokugawa atingiu um pico histórico
em 1869. A partir de 1870, no entanto, o número de incidentes declinou
rapidamente e em 1872 apenas 30 incidentes foram registados. (VLASTOS
1989, p. 368)
Inicialmente os protestos eram contra a forma como a reavaliação das terras eram
feitas pela comissão do governo. Na definição do valor da terra, para que se fosse cobrado 3%
de imposto sobre esse valor, muitos camponeses se sentiam injustiçados, pois muitas vezes
era atribuída às terras, um valor irreal e que penalizaria o camponês. Em um dos maiores
protestos, registrado em 1876 na província de Wakayama, os prefeitos enviaram petições
dentro da lei, pedindo por reavaliação do solo, pois os preços atribuídos eram excessivamente
elevados. Após uma redução de 5% do valor, quase metade do que havia sido pedido, muitos
prefeitos voltaram a pedir reduções. A ação do governo foi a de realizar punições e até mesmo
a prisão de alguns líderes do movimento. E mesmo diante de protestos e demonstrações contra
essa atitude, o governo agiu com autoridade, prendendo mais de 1000 pessoas e condenando
688 por encorajar distúrbios públicos (VLASTOS, 1989, p. 375). Vlastos (1989) explica que
em outras revoltas o governo também agiu de forma dura, com punições e prisões, sem dar
espaço para amplas mobilizações sociais. O pico de levantes camponeses foi em 1876, dado
que em 1875 foi estabelecida uma comissão de avaliação dos lotes que, seguindo o imperativo
de garantir os recursos necessários para financiar a modernização, foi bem menos generosa
nas avaliações, com inspeções in-loco para evitar qualquer tipo de queixa por parte dos
camponeses.
Após a redução do imposto de 3% para 2,5%, em 1877, que beneficiou principalmente
a camada mais rica, seus membros buscaram estruturar um pacto com o governo, diminuindo
103

sua participação aberta nos levantes populares. No final desse mesmo ano, mais uma
concessão foi feita, permitindo a redução do pagamento dos impostos em caso de perda de
mais de mais de 50% da plantação, por desastres naturais e adversidades climáticas. Além
disso, para distritos localizados em regiões distantes de mercados, foi permitido o pagamento
dos impostos em espécie (VLASTOS, 1989, p. 376) Por isso, as revoltas relativa à Reforma
do Imposto Territorial não foram quantitativamente elevadas e perdeu força ao longo do
tempo. Segundo Vlastos (1989, p. 378), entre 1874 e 1881, as revoltas estavam basicamente
relacionadas à taxação sobre o campo e o número registrado foi de 99 incidentes. Desse total,
37 conflitos foram entre proprietários e arrendatários, não envolvendo diretamente o Estado.
De uma certa forma, a reavaliação do solo foi bom para os ricos camponeses que não
eram mais taxados de forma arbitraria, como era feito pelo governo Tokugawa. Existia uma
norma no cálculo dos valores e em muitos casos, os próprios proprietários participavam do
processo de avaliação do solo. Além disso, a taxação fixa beneficiou os camponeses com
mais recursos, pois através de investimentos e inovações tecnológicas, foi possível a obtenção
de mais lucros com a taxação fixa. E com a redução da taxação e meio por cento, a camada
camponesa mais rica definitivamente abandonou os protestos.
Por outro lado, a classe de pequenos camponeses e arrendatários não tiveram os
mesmos benefícios. Essa classe marginalizada que não se ajustava aos interesses do governo
teve suas necessidades sociais sacrificadas em benefício da rápida acumulação de capital. E
no nível da classe camponesa, a privatização das propriedades e a eliminação da aldeia como
unidade fiscal fez com que a falência de alguns camponeses que não conseguiam pagar os
impostos monetários deixasse de ser um problema coletivo e passasse a ser individual, ou
seja, de cada família camponesa. Sem a mínima proteção comunitária que a aldeia do Período
Tokugawa fornecia, o pequeno camponês tornou-se livre das amarras feudais, mas se
empobreceu ainda mais. E como já evidenciado, aumentou o número de arrendatários e
daqueles que buscavam alternativas para sobreviver nas atividades fora da agricultura 74
(VLASTOS, 1989). O pagamento em dinheiro das taxações também dificultava a vida do
camponês que precisava ir ao mercado para transformar aproximadamente 30% da sua
produção em moeda, independentemente das condições de mercado e do nível de preço do
arroz. A classe arrendatária também mantendo-se na terra e pagando imposto em espécie para

74
A partir dos anos 1880 e ao longo das primeiras décadas do século XX, os embates seriam notadamente entre
os kosaku e os jinushi, ou seja, entre o camponês arrendatário e o grande proprietário em um contexto de maior
agitação social do país com a criação dos sindicados proletários que se expandiam nos centros industriais
(TAKAHASHI, 1976).
104

o dono do lote não tinha nenhuma proteção do governo e nenhum tipo de regulação sobre a
exploração feita pelo proprietário.
De 1877 a 1881, 29 dos 49 incidentes registrados foram conflitos entre arrendatários e
proprietários (VLASTOS, 1989, p. 380). E os motivos estavam ligados aos pesados alugueis,
que se mantiveram elevados mesmo após a diminuição em meio por cento no imposto sobre a
terra. Mas nenhuma se mostrou efetiva, ou atingiu grandes proporções.
Através da análise feita acima, é possível concluir que apesar de ter colocado o fim no
sistema senhorial e shogunal dos Tokugawa, o governo levou a cabo uma a reforma agraria
(chiso-kaisei) de 1875-1882, que alterou o estatuto jurídico dos camponeses, mas não se
tomou nenhuma medida para que os mesmos efetivamente se tornassem livres. O novo
governo se limitou a transformar os impostos pagos em espécie aos senhores em impostos
territoriais (chiso) pagáveis em dinheiro ao novo governo, com carga praticamente idêntica ao
cobrado sobre os camponeses do período Tokugawa.
Legitimando a estrutura da propriedade que vinha se formando desde o período
anterior, o governo aumentou ainda mais a desigualdade que existia no campo, levando
pequenos camponeses proprietários à falência e mantendo os camponeses pobres como
arrendatários de parcelas minúsculas de terras. Ao não abolir as relações no campo existentes
no final do período Tokugawa, o governo Meiji introduziu-as e reforçou-as como sendo
elementos constitutivos do novo capitalismo japonês, ampliando ainda mais a diferenciação
entre a classe camponesa, em busca de uma rápida acumulação de capital para fazer frente às
necessidades da industrialização e modernização para enfrentar rapidamente o imperialismo
ocidental.
A situação do campo apenas seria transformada com a reforma agrária do pós Segunda
Guerra Mundial, feita pela força de ocupação denominada Comando Supremo das Forças
Aliadas (SCAP) e que tinha como objetivo eliminar as forças “feudais” que se mantiveram no
campo japonês. Para isso, a propriedade dos jinushi foram eliminadas, pulverizando as
grandes propriedades concentradas em pequenas propriedades cultivadas por camponeses
(TAKAHASHI, 1965).

3.3 A busca de novas terras agrícolas e o imperialismo japonês


Uma das facetas do imperialismo japonês na virada do século XIX tem a ver com a
questão da terra e da agricultura. Esta foi identificada pelo governo imperial, como sendo uma
questão estratégica, influenciando diretamente as políticas governamentais do período. Assim,
105

a compreensão da expansão colonial nipônica deve levar em consideração o contexto


internacional, a partir de meados do século XIX, bem como as especificidades geográficas do
país, tanto em relação ao seu pequeno território com relevo acidentado como a sua posição
estratégica no Oceano Pacífico.
O Japão tinha interesses econômicos na Ásia, dadas as oportunidades de acesso a
matérias primas e alimentos, diante da incapacidade da sua agricultura nacional em
acompanhar o crescimento da população na virada do século XX. Importar alimentos geraria
uma grande evasão de divisas e a solução seria o cultivo dos produtos mais demandados nas
colônias, como ocorreu em Taiwan e na Coréia, que se transformaram nos maiores
fornecedores de alimento para o Japão. Ademais, os territórios coloniais japoneses se
expandiram até a Segunda Guerra Mundial, mas neste item serão tratados apenas os territórios
conquistados no período Meiji, ou seja, Taiwan (1985) e Coréia (1905, quando se torna um
protetorado e 1910, quando se torna efetivamente uma colônia japonesa).
Como mostrado no capítulo 1, o Japão é um país pobre em recursos naturais, com um
território pequeno e bastante acidentado e onde consequentemente, a produção agrícola não
poderia se expandir acompanhando o ritmo do aumento populacional. Essa situação, no
contexto da expansão imperialista ocidental deixava o Japão em posição subserviente às
nações ocidentais para conseguir os recursos naturais necessários para continuar crescendo.
Neste contexto, desde os primeiros anos do Governo Meiji, os dirigentes japoneses tinham
consciência de que o Japão, ainda exportando seda e chá, só poderia sobreviver no mercado
mundial dominado pelas potências ocidentais caso se tronasse um exportador de produtos
manufaturados (DUUS, 1988; PEATTIE 1989). E essa mudança demandava o controle de
fontes de matérias primas para sustentar o setor manufatureiro e bélico que se expandia no
país, bem como para garantir a alimentação da população nacional. E assim, para superar
esses entraves naturais, o Japão precisou fazer os seus ajustes de modernização, sendo que a
sobrevivência como economia industrial passava a depender fortemente do seu
posicionamento no exterior que garantiria uma autonomia ao seu desenvolvimento.
Peattie (1983; 1989) destaca que a expansão imperial japonesa iniciou-se antes de seu
crescimento industrial e que o país era marcado não por um excesso, mas por uma falta de
capitais ainda nos anos 1890 75 . O que demanda ênfase, segundo o autor, é que tanto o

75
Os primeiros territórios fora do país adquiridos pelo Japão foram as ilhas Bonin, Ryukyu e Kurile, além de
fortalecer a sua presença e garantir a posse de Hokkaido, com amplo programa de colonização. No entanto, mais
do que uma expansão imperialista, essas conquistas territoriais estavam mais ligadas à uma reafirmação da
autoridade japonesa em uma região que tradicionalmente fazia parte da esfera de influência japonesa (PEATTIE,
1988, p. 224).
106

momento histórico como a grande preocupação do governo com a segurança nacional e


vulnerabilidade econômica foram os elementos básicos para a direção inicial da expansão
japonesa, não sendo a busca por mercados consumidores de sua produção manufatureira. Ou
seja, os territórios são extremamente estratégicos para continuar o crescimento e se proteger.
Apenas em um segundo momento é que essas áreas se tornariam interessantes como um
mercado para seus produtos manufaturados, com vantagens para o investimento nacional 76
(PEATTIE, 1988).
Outro fator que cabe ser destacado é que os limitados recursos políticos, econômicos e
militares fizeram com que o seu império fosse restrito a territórios relativamente próximos,
como pode ser observado no Mapa 5. Havia também uma preocupação com a segurança da
ilha em termos de localização, pois caso outros países imperialistas subjugassem os países
vizinhos, o Japão ficaria em situação delicada para garantir sua defesa. Assim, os territórios
coloniais japoneses foram obtidos por decisão deliberada de autoridades do governo central
que usaram a força para assegurar os espaços que contribuiriam para os interesses estratégicos
imediatos do Japão, quais sejam a industrialização e a manutenção de sua soberania em
relação aos países imperialistas Ocidentais.

76
Nesta nova fase do capitalismo, o Estado assume o papel de garantir a acumulação dos grandes capitais tanto
dentro do país, quanto fora, através das conquistas territoriais, dada a necessidade de novos territórios para
expandir e manter o processo de acumulação.
107

Mapa 6: O Império Colonial Japonês (1895-1945)

Fonte: Peattie (1989, p. 219)


Para esses empreendimentos, o governo elaborou um discurso que afirmava a
necessidade do Japão auxiliar os países vizinhos, dado que o país tinha a missão de
disseminar a organização política do país aos países menos afortunados. Afirmava-se que os
mais avançados deveriam governar os menos avançados (GUNNAR, 2004). Além dessa
noção de “papel a cumprir”, foram rapidamente aceitas no país também as noções de prestígio
e proeza que relacionava os impérios coloniais, governo constitucional, industrialização,
burocracia nacional, exército e marinha modernos com o sucesso de uma nação soberana e
desenvolvida (PEATTIE, 1988). Cabe destacar que uma outra forma utilizada pelo governo
imperial para justificar suas ações expansionistas fora a noção de “assimilação” que fora
108

criada pelo governo (PEATTI, 1988, p. 240). Uma das justificativas era o uso da noção de
“família imperial” que ligava todos os japoneses à família imperial, pela sua origem única,
como sendo todos filhos de Amaterasu 77 . Esse princípio poderia ser expandido para as
populações que passariam a fazer parte do império japonês, mas obviamente a relação
respeitosa entre membros da mesma família nunca veio a se concretizar.
Para tratar da relação econômica que foi estabelecida entre o Japão e suas duas
principais colônias, Coréia e Taiwan, é preciso compreender que o país foi capaz de investir
em uma ampla infraestrutura nas colônias que expandiu significativamente as suas produções
agrícolas e industriais. As autoridades coloniais do período exaltavam com grande satisfação
os seus feitos, chamando a atenção das nações ocidentais. No entanto, o imperialismo, mesmo
japonês, não deixaria de ser autoritário e fortemente explorador, deixando marcas na
sociedade local.
Os jornalistas japoneses nessas décadas (1900-1920), falavam com orgulho
das conquistas atingidas como um novo poder colonial e os japoneses nas
colônias construíram um estilo de vida e um ambiente estruturado sob o
privilégio, dinheiro e a autoridade, não sendo diferente dos Europeus nas
colônias tropicais. Por essa razão e por conta do sucesso de seus esforços,
dada a eficiência japonesa, os comentários ocidentais sobre o colonialismo
japonês este estágio era majoritariamente favorável. Visitantes britânicos e
americanos em Taiwan e Coréia, falavam do ‘incrível progresso’ de Taiwan
sob a administração japonesa e da ‘coragem, devoção e visão’ dos
administradores japoneses na Coréia após séculos de ‘decadência racial e
política’. Poucos observadores estrangeiros amenizaram esses elogios
notando que o colonialismo japonês era severamente autoritário e bastante
explorador, tanto que os taiwaneses tinham pouca afeição pelos governantes
coloniais e as atitudes dos coreanos para com os governantes era de ultraje e
desespero. Sem dúvida, essa visão benigna do exterior era em grande parte
moldada pelo fato de que, pelo menos por fora, o colonialismo japonês e seu
estágio eram bastante semelhantes ao das nações europeias (PEATTIE,
1988, p. 233).
De fato, o governo japonês realizou inúmeros investimentos nesses dois países,
desenvolvimento de infraestruturas básicas em diversas frentes, como transporte,
comunicação e educação, bem como de melhorias agrícolas. Segundo Peattie (1988), o

77
Amaterasu, a Deusa do sol ou da luz é considerada na mitologia japonesa como sendo a primeira ancestral da
dinastia imperial japonesa.
109

governo japonês estendeu ao Japão as suas experiências de sucesso em busca de


desenvolvimento econômico rumo à modernização do país. No entanto, em última instância,
os investimentos eram feitos para satisfazer as necessidades estratégicas do Japão, que com
um discurso de superioridade racial e missão de desenvolvimento asiático transformou as
colônias em áreas com vantagens para sua exploração, criando desajustes internos nas
colônias, com grande diferenciação com relação ao Japão. Ou seja, mesmo com a justificativa
de que os passos iniciais do imperialismo japonês tinham mais um impulso estratégico, o país
rapidamente tirou vantagens econômicas de suas colônias em uma relação de exploração e
benefício próprio. Passemos então para a análise da exploração econômica de Taiwan e
Coréia em termos agrícolas.
A primeira colônia importante do Japão foi Taiwan, que passou para o domínio
japonês em 1895 Neste país, o governo colonial japonês estruturou uma indústria açucareira
de sucesso entre 1900 e 1910. Como explica Peattie (1988, p. 254-255),
Como o governo Meiji, o Governo Geral de Taiwan determinou que o setor
agrícola deveria sustentar os custos da modernização. Para permitir isso, o
Governo Geral exerceu sua massiva autoridade para direcionar o
desenvolvimento agrário, alocando os gastos necessários, usando taxações
especiais sobre a renda para influenciar o comportamento dos produtores
agrícolas, disseminando a moderna tecnologia agrícola e estabelecendo
monopólios em certas industrias baseadas na agricultura de onde esperavam
ter rendimentos substanciais. Mais importante, o governo colonial devotou
as mais intensivas pesquisas e planejamento para desenvolver essas
commodities que ofereciam as maiores expectativas de rápido retorno do
investimento e que, ao mesmo tempo, fosse ao encontro das necessidades
domésticas do Japão. (...) Depois do açúcar, o Governo Geral voltou-se para
a expansão e modernização da produção do arroz em Taiwan, aplicando
tecnologias e técnicas modernas e na década de 1920, este se tornou a
segunda maior exportação para o Japão.
Assim, todo o investimento em infraestrutura e na modernização de Taiwan foram
direcionados a atender às demandas de sua metrópole, o Japão. Peattie (1988, p. 256) avalia
que a introdução de técnicas e tecnologias modernas em Taiwan foi benéfico, de uma forma
geral, para os cultivos nacionais, sendo que as exportações de arroz para o Japão não
chegaram a impactar negativamente na alimentação dos agricultores locais, até a década de
1930, quando os esforços de guerra alteraram essa situação. Segundo o mesmo autor, o
registro de terras que foi feito em Taiwan pelo governo japonês entre 1898 e 1903 não mudou
110

o tradicional sistema de propriedade da terra do país, sendo apenas uma forma de se ter uma
fiscalização melhor dos cultivos e dos impostos a serem coletados. Entretanto, é preciso
observar essas informações de forma crítica, pois o governo realizou políticas que
direcionaram os cultivos de acordo com os interesses do Japão, influenciando diretamente na
vida do agricultor. Passemos para o caso Coreano.
Explicando o caso da Coréia, Kimura (1995) utiliza dados que evidenciam como a
Coréia, de fato, não foi um importante mercado consumidor para os produtos manufaturados
japoneses, pois no início do século XX, o mercado nacional japonês já absorvia
aproximadamente 80% do total da produção, sendo que as exportações para a Coréia
representavam apenas de 1 à 3% do total da produção manufatureira do país, com destaque
para os tecidos em algodão 78 . Ou seja, a Coréia não tinha o papel de absorvedor dos
manufaturados japoneses.
Na realidade, o papel da Coréia estava relacionado à exportação de produtos primários
e notadamente do arroz, a base da alimentação japonesa, que representava a maior parte dos
envios ao Japão, em termos de valor (KIMURA, 1995). E o papel da Coréia como fornecedor
de alimento fora fundamental, pois como já fora ressaltado, na virada do século, o Japão
enfrentou graves problemas de insuficiência de produção do arroz nacional. Neste contexto o
governo tinha três alternativas para lidar com esse problema. Segundo Kimura (1995, p. 558)
estas opções seriam: “(a) aumentar a produtividade doméstica da agricultura, (b) importar
arroz estrangeiro (gaimai) do sudeste asiático e (c) importar arroz da colônia”. O autor explica
que a primeira opção seria a mais custosa, demandando investimentos significativos sem a
garantia de um retorno, enquanto a segunda opção geraria uma grande saída de recursos do
país e uma dependência da alimentação do país em outros países, o que aumentaria a
vulnerabilidade japonesa. Assim, os investimentos na Coréia para a produção do arroz
pareciam representar a alternativa mais vantajosa ao governo.
Assim, nas duas primeiras décadas do século XX, o governo japonês investiu e deu
apoio institucional ao cultivo de arroz na Coréia, expandindo terras agricultáveis com grandes
projetos de irrigação e introdução de novas técnicas para a expansão da produtividade do
cultivo do arroz. E assim, a Coréia se tornou principal fornecedor de arroz para o Japão neste
período (PEATTIE, 1988, p. 256).

78
Segundo os dados analisados por Kimura (1995), antes da Segunda Guerra Mundial, os tecidos de algodão era
o carro chefe das manufaturas japonesas e uma grande parte era exportada. No entanto, o principal destino das
exportações eram a China e a Índia, bem como o sudeste asiático, não incluindo a Coréia.
111

Diferentemente de Taiwan, os impactos das políticas do governo na expansão da


produção de arroz no país contribuíram mais significativamente para piorar a vida do produtor
rural. Em primeiro lugar, a maciça entrada de imigrantes japoneses em busca de terra, bem
como o projeto de cadastramento das terras na Coréia (1906-1917) retirou inúmeros
camponeses pobres da terra que acabaram perdendo os seus títulos. Ademais, os camponeses
que continuaram cultivando a terra sofriam com as pesadas taxações e os arrendatários eram
fortemente penalizados pelos proprietários das terras, cuja participação de japoneses
aumentou durante o período. Por fim, além da maior exploração do camponês, todo o
excedente de arroz produzido na Coréia era despachado para o Japão e a partir dos anos 1920,
o camponês coreano fora obrigado a diminuir o seu consumo de arroz para que fosse possível
despachar o montante necessário para o Japão (PEATTIE, 1988, p. 257). A situação pioraria
no contexto da preparação para a Segunda Guerra Mundial.
Assim, em busca de terras agricultáveis e de fontes de matérias primas, o Japão
reorganizou a produção agrária da Coréia e Taiwan, estruturando as economias no sentido que
atendesse aos interesses da Metrópole, ignorando as tradições e os cultivos locais. Já na
Segunda Guerra Mundial, a exploração das colônias já atingira o nível do imperialismo
ocidental, funcionando como mercado consumidor de seus produtos manufaturados, bem
como de fonte de rendimento para os investimentos japoneses no esforço de guerra.
112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tentativa de compreender uma transição ao capitalismo que é específica, observou-


se as transformações na agricultura e na sua relação com o mercado, bem como na
propriedade da terra ao longo de três séculos no Japão. Cabe destacar que durante o período
Tokugawa, o Estado esteve sempre presente, estruturando políticas de controle social e de
organização da produção. Também na transição, não é uma classe burguesa ou camponeses
revoltosos que participaram ativamente do processo. Realizando a instituição de um novo
Regime Imperial, a partir de cima, o Estado se fez presente novamente, definindo os rumos do
desenvolvimento econômico do país, rumo à industrialização, com seu financiamento feito
com as pesadas taxações sobre o campo.
A estrutura social específica e que perpassa todo o período analisado é o sistema
familiar japonês, chamado sistema ie. E como pode ser observado ao longo do trabalho, este
sistema vai sendo colocado em confronto com o mercado e posteriormente como
individualismo ocidental que ganha espaço nas noções de propriedade. Esse é um conflito
essencial na compreensão da transição ao capitalismo no Japão, pois enquanto a noção de
solidariedade e dependência que existia no início do período Tokugawa se desarticulou,
muitos valores tradicionais do ie, como a responsabilidade com os membros da família,
obediência e lealdade foram utilizados pelo governo para a legitimação do novo Estado e para
justificar numerosas ações no sentido da modernização, industrialização e expansão imperial.
Utilizando-se de um discurso da mesma origem de todos os japoneses, argumentava-se que “a
família é um pequeno Estado e o Estado é uma grande família” (PYLE, 1989, p. 701). No
Código Civil japonês, adotou-se o sistema ie e a figura paterna como sendo o articulador de
todas as relações sociais internas e externas à família, mantendo-se a noção de dever para com
os seus superiores.
Utilizando-se da educação para difundir essas ideias, como fica claro no Documento
Oficial sobre a Educação no Japão, tem-se as instruções não apenas ao professor e ao
estudante, mas a toda nação que deve se organizar como uma grande família, em uma
lealdade filial ao governo. Dando um caráter nacionalista aos valores tradicionais, justificava-
se que havia uma ética nacional que não poderia ser desvinculada do povo japonês e que a
manutenção da moral e dos costumes era psicologicamente necessário à população, em meio à
tantas transformações e ameaças internacionais (PYLE, 1989).
113

A manutenção e reforço do papel da família e de seus valores tradicionais, em


contraposição com a introdução de elementos ocidentais nas leis e nas tecnologias da Segunda
Revolução Industrial, deixa claro o caráter conservador do governo Meiji que, apesar de trazer
inúmeras mudanças com o objetivo de fortalecer e modernizar o país no capitalismo, manteve
no poder alguns membros da classe samurai, que alinhados com os interesses dos grandes
proprietários de terras, perpetuou os valores e as estruturas produtivas no campo.
No período analisado, ocorreu a consolidação de uma nova estrutura agrária que veio
se conformando de forma mais acelerada a partir da segunda metade do Período Tokugawa.
Dada a Pax Tokugawa e os pequenos lotes de cultivo, o camponês pode concentrar esforços
no aumento da produtividade e também nas atividades paralelas ao plantio do arroz,
desenvolvendo uma indústria rural e cultivos comerciais que ajudavam a garantir a
sobrevivência, dada a pesada taxação e as eventuais dificuldades climáticas. Com a
penetração dos mercados, todo esse processo é acelerado e as novas relações com os
mercadores desarticulam as antigas noções de solidariedade que existia entre os ie, reforçando
o papel da família internamente em busca da perpetuação do seu próprio ie.
Os resultados dessas transformações são institucionalizados na Era Meiji, cujo
governo imperial se articula com os grandes proprietários de terras para garantir o
financiamento da sua modernização. Todas as restrições que existiam relativas à aquisição,
transferência e divisão das terras foram eliminadas e consagrou-se a relação proprietário-
arrendatário como forma de exploração do camponês. Não mexendo na estrutura da terra e
sem fazer uma reforma agrária, o governo não interferiu na gravosa exploração do
arrendatário que seguiu pagando pelo uso da terra em espécie, mantendo as mesmas relações
de subordinação e dependência do período Tokugawa, com o agravante de que não havia mais
nenhuma razão para manter um arrendatário improdutivo na terra, substituindo-o por outra
família quando fosse necessário. Ou seja, não havia mais a preocupação do dono da terra em
garantir a sobrevivência do produtor direto e nenhuma “benevolência” do governo. O
camponês estava livre das amarras do sistema shogunal e, independentemente de sua posição
social ou de seu ie, era considerado igual perante a lei. Mas as condições de sobrevivência do
pequeno camponês e do arrendatário foram deterioradas, com grandes ondas de expropriação
e êxodo rural enquanto o Estado se articulava com os grandes proprietários para garantir a sua
fonte de rendimento.
Dadas as transformações que ocorreram, as revoltas camponesas expressaram em cada
momento, as contradições que existiam na sociedade. Ao longo do período analisado, a
114

camada camponesa se uniu internamente para defender interesses comuns, mas também se
posicionou de lados opostos quando os interesses dos pequenos camponeses eram opostos aos
interesses dos camponeses e mercadores enriquecidos. Mas cabe destacar que as revoltas
ocorridas no Japão são marcadas por uma ausência de questionamento da ordem, ou seja, o
camponês, querendo se manter nesta condição e não aspirando uma posição acima, pediam
para que as taxações fossem amenizadas ou para que o processo de expropriação fosse
interrompido. Ao longo de séculos de luta, algumas concessões foram feitas, mas o pequeno
camponês viu suas condições de vida deterioradas em contrapartida ao enriquecimento de
alguns.
No período Meiji, o Estado se aliou aos proprietários de terra para garantir o
financiamento de modernização. Enquanto o Estado fazia concessões à essa camada mais
poderosa, os pequenos camponeses e arrendatários, que não se encaixavam nos planos de
modernização do governo, tiveram suas possibilidades de sobrevivência no campo limitadas,
com massiva exploração para o benefício da modernização. Outra expressão da questão da
terra no contexto da modernização foi o imperialismo japonês, que estruturando a produção
de arroz e açúcar na Coréia e em Taiwan, desarticulou a produção interna desses países em
benefício próprio. Mesmo em contexto de escassez de capitais, o Japão inicia sua expansão
colonial com o objetivo estratégico de se proteger das ameaças imperialistas ocidentais e
garantir o seu crescimento rumo à uma economia industrializada e moderna.
Assim, explorando internamente os pequenos camponeses e arrendatários que saindo
do campo vão ser duramente explorados nas grandes fábricas capitalistas como assalariados, o
Japão tambémse lança na expansão colonial para reorganizar a produção agrícola de outros
países visando o seu próprio benefício. E essa estrutura concentrada de terras e que manteve o
mesmo caráter “semi-shogunal” só serial alterada com aredistribuição de terras após a
Segunda Guerra Mundial.
115

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