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O fato e o ato
Walter Santos Baptista
"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os
mortos, na sua vinda e no seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo,
admoesta, repreende, exorta, com toda a longanimidade e ensino. Porque virá tempo
em que não suportarão a sã doutrina; mas tendo coceira nos ouvidos, cercar-se-ão de
mestres, segundo as suas próprias cobiças; e se recusarão a dar ouvidos à verdade,
voltando às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um
evangelista, cumpre bem o teu ministério" (2 Timóteo 4.1-5).
Após haver exortado o jovem pastor Timóteo a ser firme e perseverante na chamada
que havia recebido; e após, igualmente, haver alertado sobre a corrupção que reinaria
nos dias finais; encorajado, ainda, a manter a doutrina, Paulo estimula seu jovem pupilo
a ser incansável na proclamação do evangelho. Isso o apóstolo o fará dentro de um
plano bem simples: fala acerca da pregação (vv.1 e 2) e acerca do pregador (v.5). Entre
esses dois fatos, utiliza ele o elo de uma nova descrição dos erros teológicos,
doutrinários e ideológicos , trazidos pelos profetas de um falso evangelho (vv.3 e 4). Diz
o apóstolo:
"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os
mortos, na sua vinda e no seu reino" (v.1).
Não é um novo apelo. O apóstolo já o havia feito com outras palavras em ocasiões
variadas desta mesma carta. Paulo chama a Deus Pai, e a Jesus Cristo como
testemunhas . É Jesus, o juiz de vivos e de mortos; é Jesus, o conquistador que
retorna; é Jesus, o Rei. E mencionando essas verdades, fala o apóstolo de Sua
epifania, de Seu juízo, da plenitude de Seu reino. É Jesus nosso alvo de vida, para
Quem Paulo encoraja Timóteo a olhar, como também para o mundo do seu tempo, e
para ele, Paulo, pastor mais experimentado, sofrido, calejado nas lides ministeriais.1
(vv.6-8)
A PREGAÇÃO (vv.2-4)
O Quérigma: "Prega a Palavra" (v. 2 a)
O ministro do evangelho não tem o direito de escolher o que pregar. A ordem é dada em
voz de comando, porque o pregador há de ser como o porta-voz do seu rei. Esse é o
padrão: o mesmo para o mensageiro deste fim de século. É o da pregação que nasce
da consciência de ser um arauto do Rei dos reis, do que anuncia, faz conhecido em
voz, razão porque a pregação cristã é igualmente chamada "proclamação" ou
"anúncio".
Prega-se a Jesus Cristo. Paulo o diz: "nós pregamos a Cristo crucificado"; anuncia-se o
evangelho; proclama-se o reino. Devemos pregar a "Cristo crucificado"; anuncia-se o
evangelho; proclama-se o reino. Devemos pregar a fé, a esperança e o amor; devemos
pregar o Calvário e o túmulo vazio; devemos anunciar a reconciliação e a inauguração
do reino do Senhor.
O pregador do evangelho não pode esquecer três relevantes e imprescindíveis
realidades: Jesus Cristo é o Senhor do universo, do cosmos; é o Senhor da igreja, Seu
corpo; e é seu Senhor, de sua vida, de sua esperança. Jesus Cristo é o começo da
proclamação, e o cumprimento desse abençoado anúncio e promessa de salvação para
todo o que crê.
Há, porém, espaço para essa pregação hoje? Radicais dizem que os pregadores
devem jogar fora as suas Bíblias. Igrejas existem que, ao invés de estudar as
Escrituras, preferem analisar nas suas "Escolas Bíblicas" (?!) documentos de conteúdo
político e teses outras! E já que o mundo de nossos dias tem se tornado tão exigente,
não seria melhor usar de formas outras para apresentar a mensagem? Que tal o teatro?
O balé? As artes plásticas? Por que não o debate em torno de filmes, a leitura de uma
peça? . É. São mil e uma as propostas para uma "apresentação contemporânea do
evangelho", mas, nada, nada mesmo substitui a pregação . Como bem colocou Emil
Brunner:
"Onde há verdadeira pregação; onde, em obediência a fé, é proclamada a palavra, ali,
apesar de todas as aparências contra, é produzido o acontecimento mais importante
que pode ter lugar na terra".
A pregação, em si, é o elemento central do culto. É um ato de adoraçào; é oferta feita a
Deus pelo pregador. Lutero chegou ao ponto de dizer ser o próprio cerne do culto
cristão, e que não haveria culto se não houvesse sermão. É essa palavra dinâmica (Hb
4.12), a palavra de Deus, a palavra do evangelho, que sempre é criativamente aplicada
em diferentes níveis. Essa é a pregação da esperança que a pregação de Jesus Cristo
anunciou e vem anunciando até a parousia do Senhor. O evangelho não só é sobre
Jesus, mas É Ele mesmo. Os primeiros pregadores declaravam
que a época do cumprimento das promessas, a plenitude dos tempos, havia
chegado;
que através da ressurreição, Jesus foi exaltado à destra de Deus;
que a presença do Espirito Santo na igreja é a evidência do poder e da glória de
Cristo;
que a era messiânica terá sua consumação na parousia.
Realmente a mensagem sobre o que o Senhor disse e fez pela salvação da pessoa
humana é a única sobre o único caminho de salvação que é Seu Filho: "Em nenhum
outro há salvação, pois também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os
homens, pelo qual devamos ser salvos".2 Para essa mensagem, a Bíblia usa
denominações variadas:
"o evangelho do reino de Deus" ("Depois disto andava Jesus de cidade em
cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de
Deus"3);
"a palavra de reconciliação" ("Deus estava em Cristo reconciliando consigo o
mundo, não imputando aos homens os seus pecados, e nos confiou a palavra da
reconciliação",4);
"o evangelho de Cristo" ("Deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho
de Cristo. Então, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós
que estais firmes em um mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo
ânimo pela fé do evangelho",5).
Sim, o pregador do evangelho está na linha de sucessão dos profetas que anunciam
esta extraordinária palavra que nunca volta vazia, razão porque não pode mutilá-la ou
modificá-la. Seu dever de obediência é comunicar a Palavra de Deus que lhe foi
confiada.
Há quem deseje um evangelho sem cruz, sem maiores compromissos, o evangelho da
facilidade e sem conflitos. É o evangelho do Cristo desfigurado. Diferente daquele que o
pregador cristão é convocado a anunciar, o do Cristo crucificado6. O evangelho do
Cristo desfigurado é o do "espetaculoso" (mistura do "espetáculo"com "horroroso"),
evangelho tão do gosto dos evangelistas e missionários de porta de esquina, o do povo
que pede sinais, o da-concupiscência-dos olhos. O evangelho do sucesso, o da
soberba da vida, da vitória sem cruz, da coroa sem sofrimento, dos valores materiais,
dos atalhos . O pregador evangélico, no entanto, é o que anuncia a palavra da cruz sem
a qual não pode existir proclamação de boas novas,
"porque nós não somos falsificadores da palavra de Deus, como tantos outros;
mas é com sinceridade, é da parte de Deus e na presença do próprio Deus que,
em Cristo, falamos" 7.A Didaquê
1."insta a tempo e fora de tempo"(v.2b)
A pregação da mensagem de Jesus Cristo não depende de circunstâncias. Haja ou não
perseguição, percam-se ou não vantagens pessoais, nada deve influenciar nosso
ministério. Paulo o pontua: "Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor,
acolhendo a palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar das numerosas
tribulações".8 A expressão básica da carta a Timóteo apresenta um bem feito jogo de
palavras: "fica de prontidão em tempo oportuno (eukairos) e, em sendo o caso, também
em tempo inoportuno (akairos)". Seja ou não em situações favoráveis. Kairos, ensinam
os léxicos, é o tempo oportunidade, o tempo de Deus. Atender a essa hora signifivativa
é abraçar a salvação; rejeitá-la é ruina. O pregador não pode perder a visão da
urgência. John Stott enfatizou muito bem ao pronunciar "O sermão deve dar descanso
após incomodar".
2."admoesta"
Há um crescendo nas palavras: insta, admoesta, repreende, exorta. Até podemos falar
em níveis de pregação. O apóstolo fala em admoestação, uma abordagem intelectual
usando-se a argumentação. Jesus Cristo ordenou que ensinássemos os crentes "a
guardar todas as coisas" que Ele havia mandado. A proclamação admoestadora é a
confrontação da pessoa com a realidade dinâmica da palavra anunciada; é a pregação
da esperança. Deve levar a confissão do pecado ou a sua convicção porque proclamar
o evangelho , instar em tempo oportuno, é confrontar. Hoje quando o antinatural é
vendido como natural, e o pecado parece ter desaparecido, a Igreja de Jesus Cristo
deve conduzir à salvação dos perdidos e a santificação dos salvos. É a didaquê.
3."repreende"
A repreensão tem pontuação moral. Jesus Cristo deixou-nos o mandamento sobre
promover a reconciliação de vidas, o perdão no aconselhamento com vistas ao
arrependimento. Dr. Wayne Oates, professor de Psicologia Pastoral do The Southern
Baptist Theological Seminary (em Louisville, EUA) ensina que como homem de Deus,
como representante divino, o pastor se torna uma consciência visível. E essa é a razão
porque pode admoestar, repreender e exortar com sabedoria e compaixão. A
repreensão movida pelo amor de Cristo Jesus e pelo calor do Espírito dá ao pregador
autoridade da qual o seu rebanho precisa.
4."exorta"
É encorajamento, é conforto. O ministério da paráclese tinha lugar destacado na Igreja
apostólica. Era uma missão especial dos profetas. É encorajamento à vida justa,
perfeita, à ética. As cartas paulinas trazem com muita freqüência passagens de
exortação.
O Modo De Fazer (v.2c)
"Com loganimidade e ensino", diz Paulo. Com paciência, com perseverança , sem
cansaço, sem irritação, apesar das tentações do aborrecimento e da impaciência com
certas ovelhas de cabeça dura e miolo mole.
O pregador há de ter boa doutrina, que é a base do ensino cristão.
Os mitos (v.4)
Paulo diz que "não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fabulas". A
propósito, Paulo encoraja outro jovem pastor a repreender com severidade objetivando
a saúde da fé, "não dando ouvidos a fábulas judaicas, nam a mandamentos de homens
que se desviam da verdade".16 Afinal, a função do quérigma inclui uma luta contra os
mitos, as "fábulas" das traduções bíblicas. Isso é o que diz Harvey Cox. Comblin,
referindo-se aos mitos do homem contemporâneo, menciona o que chama "mitos do
passado", os "sonhos da noite" de acordo com Ernest Bloch, e os "mitos do futuro", a
projeção da vida presente no futuro. Aliás, segundo alguns, o ser humano de nosso
tempo teria feito uma grande descoberta: que é possível viver sem Deus, dando como
conseqüência que a pessoa humana não tem necessidade de Deus para viver e
trabalhar. Aí pessoas com tal idéia na cabeça "...se desviaram, e se entregaram a
discursos vãos", e "...já... se desviaram, indo após Satanás". Por razões deste tipo,
necessário é que o pregador viva "não dando ouvidos a fabulas judaicas, nem a
mandamentos de homens que se desviam da verdade" .17
Verdade Viva
Senhor,faze-nos compreender que uma verdade é muito mais viva quando ela se move,
quando ela evolui e traz novos frutos em cada estação. Quando muda diante de nossos
olhos com a hora do dia, com a idade do homem, com o passo dos séculos, mas
permanece, em substância, para todos: séculos e homens, sempre iluminadora, sempre
vivificadora, alimentando-nos a cada dia e levando-nos à nossa perfeição! Senhor, dá-
nos a inteligência!
A PREGAÇÃO E O PREGADOR II
O fato e o ato
Walter Santos Baptista
"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os
mortos, na sua vinda e no seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo,
admoesta, repreende, exorta, com toda a longanimidade e ensino. Porque virá tempo
em que não suportarão a sã doutrina; mas tendo coceira nos ouvidos, cercar-se-ão de
mestres, segundo as suas próprias cobiças; e se recusarão a dar ouvidos à verdade,
voltando às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um
evangelista, cumpre bem o teu ministério" (2 Timóteo 4.1-5).
A primeira parte deste estudo teve como tema central A PREGAÇÃO como missão
cristã, como proclamação e ensino autorizado das doutrinas, princípios e leis espirituais
deixados por Jesus Cristo. Nesta segunda parte, será analisada a figura do
Proclamador, do mensageiro da mensagem do evangelho.
Existe base bíblica para uma teologia do sofrimento. Romanos 5.3 menciona uma glória
nas tribulações, e essa glória decorre do fato de as aflições são vistas como a
experiência do dia a dia do cristão. É um sinal de que Deus considerava os que as
suportavam como dignos do Seu reino.12
Não há glória sem sofrimento, isso, porém, nào quer dizer qualquer dor, mas, sim, o
sofrimento com Cristo, não é uma enxaqueca, uma mialgia ou mesmo um malígno
câncer. Não é morbidez ou masoquismo do cristão. Assim, devemos sofrer com Cristo.
Como foi, então, o Seu sofrimento? Que ou quem O fez sofrer? Foram pessoas , suas
necessidades, tragédias, dores, resistência, má vontade e abandono. Jesus Cristo
sofria com as pessoas. Chorou quando elas choraram.13 Sofreu por elas.14 Do mesmo
modo, o pregador da Palavra há de sofrer com e pela igreja que lhe foi confiada, e pelo
seu apostolado no mundo:
"Agora me regozijai no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o
que resta das aflições de Cristo por amor do seu corpo, que é a igreja" .15
O ministro da palavra deve sofrer as aflições por causa da verdade, visto que a
pregação do evangelho sempre demanda exaustào e perseguição, e envolve a
participação nos sofrimentos do Salvador, como tão bem coloca o apóstolo:
"Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o
que resta das aflições de Cristo, por amor de seu corpo, que é a igreja; da qual eu fui
constituído ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para
convosco, a fim de cumprir a palavra de Deus".16
O pregador da palavra divina convive com qualidades variadas de problemas: solidão,
tensões familiares, dificuldades da obra, onde o pior é que, em muitos casos, o conflito
se desenvolve dentro do seio do povo de Deus (decepções, deslealdade, críticas
ferinas, incompreensão, indiferença) George Whitefield até exclamou: "Não estou
cansado da obra de Deus, mas, sim, na obra de Deus". É verdade , o cansaço pode
trazer experiências divergentes: o estresse espiritual (algo seriísimo!) ou maior
maturidade17. Que não se caia no pecado da reclamação contra o povo do Senhor, na
"Síndrome de Moisés", o qual exclamava,
"Concebi eu porventura todo este povo? dei-o à luz, para que me dissesses: Leva-o ao
teu colo..." ;18
nem no pecado da "síndrome de Elias" que à ameaça do perigo fugia e não confiava19.
Paulo, ao contrário dos seus colegas de vocação, escreve um verdadeiro "Hino ao
Apostolado" onde se humilha e posiciona diante do Deus Soberano que chama, habilita
e protege.20 O ministro da palavra há de ser veludo por fora e aço por dentro em todas
as circunstâncias, cordato e afetuoso não se deixando oxidar nem quebrar. Ou como
afirma o apóstolo,
"ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto
para ensinar, paciente; corrigindo com mansidão os que resistem, na esperança de que
Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade".21