Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Resumo
Este texto tem por objetivo contribuir com o estudo histórico das teorias administrativas
no Brasil e sua caracterização como ideologia, atuando na resolução de conflitos.
Concentrou-se especificamente na concreção do toyotismo na indústria nacional,
sobretudo no setor metalomecânico, e suas ressonâncias nas décadas finais do século XX.
Desse modo, constatou-se que diferentemente de outros complexos do pensamento
administrativo nas décadas anteriores como o taylorismo e o humanismo, o toyotismo
atuou dirimindo conflitos na particularidade brasileira. Isto se deu fundamentalmente por
intermédio da reestruturação produtiva e dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQ),
importantes para a regressão das pautas sindicais e enfraquecimento da luta sindical
evidenciada pela redução do número de greves num período que sucedeu o momento de
maior vulto do movimento sindical neste país, ao mesmo tempo em que outros elementos
como o direito (mais atuantes em outros momentos) diminuíram a participação nessa
resolução de conflitos.
Abstract
This text aims at contributing to the historical study of administrative theories in Brazil
and its characterization as ideology, actuating in conflicts resolution. It was concentrated
especially on toyotism concretion in national industry, mainly in the metalworking sector,
and its resonances on twentieth century final decades. Therefore, the research showed that
differently from other complexes of the administrative thought in past decades, as
Taylorism and humanism, toyotism did acted resolving conflicts in Brazilian
particularity. It happened, fundamentally, by means of productive restructuring and
Quality Control Cireless (QCC), which were very important in the regression of union
agendas and in the weakening of union struggle emphasized by a decrease in number of
strikes in a period that followed the most massive moment of union movement in this
country. At the same time other elements such as the law (important in other moments)
decreased its participation in this conflicts resolution.
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
Introdução
As recentes pesquisas acerca da investigação da atuação das teorias
administrativas como ideologia no Brasil, privilegiando as evidências históricas
probantes de sua efetividade (ou ausência delas) (cf. PAÇO CUNHA; GUEDES, 2015;
PAÇO CUNHA; GUEDES, 2017; PAÇO CUNHA, FRANCO, MENDES2017), têm
dado fôlego a este velho e sempre renovado problema, continuando o importante debate
iniciado pelos clássicos da crítica marxista da administração. Recuperar, historicamente,
o traçado dessas teorias é fundamental para situar sua disseminação e influência no Brasil
e articulá-las às determinações econômicas e sociais sem que se faça necessariamente
alguma generalização que distancie o problema das suas bases reais.
A questão candente é demonstrar pela pesquisa concreto-histórica a efetividade
ou não de tais teorias, particularmente sobre os conflitos sociais no Brasil. Como veremos
adiante, um conjunto de ideias se convertem em ideologia quando são acionadas por
classes sociais no esforço de dirimir e dirigir, por assim dizer, os conflitos sociais
provenientes das condições basilares da sociedade capitalista. A presente linha de
investigação não se realiza pela nomeação, num plano mais teórico, das teorias da
administração como ideologia pelo fato de serem ideias interessadas que distorcem a
realidade (Tragtenberg é o melhor exemplo desse tratamento, cf. Paço Cunha; Guedes,
2015), mas privilegia os elementos probantes da conversão de determinadas ideias em
força material capaz principalmente de dissuadir temporariamente, claro, o conflito que
emana dos antagonismos classistas fundamentais.
Especificamente na presente exposição, pretende-se inquirir se o assim chamado
toyotismo atuou, na realidade brasileira, como ideologia. Não somente atuando na prática
das empresas, portanto, mas sendo um importante instrumento para a resolução dos
conflitos sociais, especificamente entre capital e trabalho. Para isso, elegemos o período
das décadas de 1980 e 1990, que compreenderam a introdução e o amadurecimento desse
ideário administrativo nas indústrias do ABC paulista, como o escopo temporal da
pesquisa. Entende-se também o setor industrial como aquele em que a o modelo toyotista
de organização do trabalho é mais permeável e pode atuar de maneira mais profunda e o
ABC como a região mais prolífica da industrialização brasileira, logo um laboratório
prático da introdução dessas técnicas no período. Em se falando de conflitos sociais, é
possível analisar a efetivação prática do toyotismo em conjunto com o movimento das
lutas operárias que dão o tom dos conflitos e que se materializam através de suas
expressões mais claras: as greves. Portanto, falar-se-á do toyotismo enquanto ideologia
caso ele tenha atuado na contenção dessas greves por ser um critério mais objetivo ainda
que não inteiramente suficiente e, por isso, deve ser complementado com outros aspectos
do próprio período investigado. Dessa forma, o objetivo foi determinar em que medida o
toyotismo se efetivou como ideologia nas indústrias do ABC paulista entre 1980 e 1990,
utilizando como critério básico o comportamento quantitativo das greves para o mesmo
período.
Como importantes recursos metodológicos, foram elementares para a realização
do estudo a avaliação qualitativa de materiais que contenham elementos da história desses
movimentos e da prática das indústrias no período estudado, bem como aqueles que se
debrucem sobre a própria atuação do toyotismo. Foi também importante a avaliação de
indicadores estatísticos acerca das movimentações operárias e dados macroeconômicos
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
que denotem marcas da atuação do toyotismo. Ambos deram elementos probantes para
as argumentações, podendo indicar, inclusive, fatores concorrentes nessa atuação como
ideologia ou mesmo consequências da sua atuação. Evidentemente, muitos elementos não
serão cobertos. Chegar-se-á a aproximações possíveis que atenderão ao problema aqui
proposto, deixando as limitações, ao final comentadas, para serem sanadas por outras
pesquisas necessárias.
Com efeito, o presente artigo está dividido em três partes. Num primeiro
momento, será feita uma avaliação dos antecedentes do período em debate lançando olhar
sobre os aspectos importantes do “novo sindicalismo” e das técnicas administrativas que
incidiam à época. Em seguida, procurar-se-á levantar os elementos gerais do toyotismo
enquanto prática particular. Depois será avaliada a década de 1980 em que aparecerão os
primeiros traços do modelo japonês no Brasil e por fim, acompanhar-se-á sua concreção
definitiva na década seguinte e os elementos decorrentes.
(...) verdade ou falsidade ainda não fazem de um ponto de vista uma ideologia. Nem um
ponto de vista individualmente verdadeiro ou falso, nem uma hipótese, teoria etc., científica
verdadeira ou falsa constituem em si e por si só uma ideologia: eles podem vir a tornar‑se
uma ideologia, como vimos. Eles podem se converter em ideologia só depois que tiverem se
transformado em veículo teórico ou prático para enfrentar e resolver conflitos sociais, sejam
estes de maior ou menor amplitude, determinantes dos destinos do mundo ou episódicos. Não
é difícil perceber isso no plano histórico (LUKÁCS, 2013, p. 467).
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
p. 57). Assim os sindicatos combativos perderam espaço para aqueles mais corporativos
e isso teve importantes ressonâncias nos conflitos de classe no Japão cujo objetivo é a
defesa do projeto da empresa. O toyotismo não apenas consolidou seu espaço em cima da
derrota do sindicalismo combativo, classista, mas garantiu as bases para o surgimento de
um sindicato pautado pela colaboração com os gestores, o que já se apresenta como índice
importante da potência para resolver conflitos. Ainda segundo a autora, esse vínculo do
sindicato ao toyotismo acontece não apenas nos momentos de inovação tecnológica, mas
também na inserção de novos trabalhadores e como uma forma de levar o operário a
participar das contínuas inovações tecnológicas.
Tendo evidenciado a exigência de uma investigação material para se chegar às
condições de possibilidade de efetivação de ideologia, é preciso considerar as
particularidades distintas que se estabelecem no desenvolver histórico do capitalismo. O
que mostra, por exemplo, que não se pode, peremptoriamente, aceitar a história das teorias
administrativas nos Estados Unidos refletida no Brasil (cf. cf. PAÇO CUNHA; GUEDES,
2017). O caso brasileiro exige um exame dedicado, centrado nos enlaces decisivos de
suas determinações particulares, compreendendo que a particularidade resulta da unidade
entre os traços gerais que identificam tanto os sistemas econômicos quanto a circulação
das ideias nos diferentes países e os traços singulares, muito específicos de cada formação
social. Sendo a história brasileira o plano principal deste trabalho, é primaz, portanto,
considerar a função, neste caso, do toyotismo na particularidade brasileira. Deve-se
considerar a tessitura sócio-histórica que condiciona a elaboração de uma ideologia e dá
as condições de possibilidade para efetuar-se atendendo o objetivo para o qual está
direcionada. A função, nesse contexto, dá conta do efeito prático da ideologia. As
consequências da sua atuação na condução dos conflitos podem dar o grau dessa
efetividade. Este é o elemento que sentenciará, de fato, algo como ideologia.
1
As sanções, chegavam até a demissão, dando total liberdade para a empresa: Art. 3º Sem prejuízo das
sanções penais cabíveis, o empregado que participar de greve em serviço público ou atividade essencial
referida no artigo 1º incorrerá em falta grave, sujeitando-se às seguintes penalidades, aplicáveis individual
ou coletivamente, dentro do prazo de 30 (trinta) dias do reconhecimento do fato, independentemente de
inquérito: I - Advertência; II - Suspensão de até 30 (trinta) dias; III - Rescisão do contrato de trabalho,
com demissão, por justa causa (BRASIL, 1978).
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
demissões nas indústrias do ABC após a trégua de quarenta e cinco dias (MOURA, 2010),
mesmo havendo o acordo de que não haveria demissões durante a trégua. O desfecho de
1978, em verdade, também foi o que marcou a greve geral de 1979, que, embora tivesse
sido ainda maior, alcançando a mobilização nas ruas e mais de 200 mil trabalhadores,
significou, para estes, uma regressão na luta tendo em conta seus resultados negativos
como a obrigação que impeliu os trabalhadores a pagarem pelos dias parados, como parte
do acordo com o empresariado (MOURA, 2010). A resposta repressiva despontava cada
vez mais como uma força para conter os confrontos o que culmina na própria prisão dos
operários em greve e a proibição de manifestações públicas por parte dos grevistas, como
sublinhou o autor supracitado. Aqui também, o ponto conciliatório se apresenta de
maneira diferente, uma vez que comissões de fábrica independentes conseguem se impor
mais e rejeitar algumas propostas de encerramento da greve colocadas pelos sindicatos, o
que não evita o acordo ao final (MOURA, 2010). O mesmo autor ainda mostra que esse
panorama se repete também nas movimentações de 1980, sendo assim o aspecto mais
marcante desse período de retomada da mobilização operária no país.
A repressão policial atuou por diversos momentos durante essas greves, e foi
capaz de frear muitas movimentações dos trabalhadores, inclusive atuando
preventivamente nas fábricas a pedido dos empresários. Além de, evidentemente, existir
essa atuação policial a pedido dos empresários, havia também, nas empresas, guardas
armadas e numerosas não necessariamente mantidas pelas empresas, mas por elas
utilizadas para, por exemplo, obrigar trabalhadores parados a retomar o trabalho. Essas
ações também se davam no entorno das empresas
Em 1981, os operários e operárias da Ford decretam uma importante greve. Em 1983 tem-se
a primeira greve geral da década, a segunda greve geral é deflagrada em 1986, seguida por
uma terceira em 1987 e por fim a quarta greve geral em 1989. Em 1988 tem-se uma
importante greve com ocupação e enfrentamento armado com o exército na Companhia
Siderúrgica Nacional. Esta greve é seguida pelas greves com ocupações da Belco-Mineira e
da Mannesmann em 1989 (MOURA, 2010, p. 12).
a despeito do crescimento quantitativo das greves neste início de década como se viu no
gráfico 1, não se vê mais a força de concentração dos movimentos como no fim dos anos
1970.
É na segunda metade da década de 1980 que alguns aspectos ligados ao toyotismo
passam a se fazer presentes mais decisivamente nas indústrias do ABC. No contexto de
remonta do movimento sindical, as indústrias no ABC (sobretudo aquelas multinacionais)
viram-se mergulhadas num momento de tensão que exigia alguma reação mais imediata
(SILVA, 2004). Assim, passou-se a implementar métodos já difundidos
internacionalmente com o objetivo de reduzir essas movimentações operarias. Colocou-
se em prática os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ). Evidentemente, era clara a
intensão de estabelecer esses círculos e suplantar ou reduzir a força dos sindicatos, em
pleno vigor à época: “Se, de um lado, esses modelos admitiam como legítimas as
reivindicações dos trabalhadores; por outro, buscavam estabelecer outros canais de
comunicação com os trabalhadores fora da ação do sindicato”. (SILVA, 2004, p. 152).
Coincidentemente, este método foi implementado no Japão no mesmo contexto de conter
movimentações operárias (LIMA, 2002). A propósito, nas décadas anteriores, também
era possível identificar, exiguamente, o incentivo à participação dos funcionários
conjugado com os incentivos econômicos como a participação nos lucros e outras
medidas nomeadas de co-gestão em países europeus devidamente explicitadas por Faria
(1982) e Tragtenberg (1980). O primeiro chamou a atenção também para elementos do
empresariado nacional, defendendo essas técnicas, munidos da influência europeia.
Inicialmente, no início da década de 1980, estes círculos não puderam ser
colocados em prática de maneira completa. Segundo (Freyssenet; Hirata, 1985), a forte
resistência sindical, as diferenças estruturais entre as empresas nacionais e as japonesas e
a baixa permissão por parte dos gestores da participação dos operários nos CCQs, além
da sua aplicação sem o acompanhamento de outras técnicas que compunham
originalmente o modelo japonês de gestão, foram os motivos mais importantes para essa
dificuldade inicial.
A primeira expressão mais clara da atuação das técnicas de gestão no Brasil como
ideologia, como conjunto de ideias e princípios convertidos em força material de
resolução de conflitos, acontece na metade final dos anos 1980, ao mesmo tempo em que
já se percebia menor combatividade por parte dos sindicatos. No ano de 1987, nota-se a
progressão do modelo japonês com a expressão de mais um aspecto: a reestruturação
produtiva – série de mudanças na produção que coincidiam com algumas técnicas
toyotistas e visavam à redução do número de empregados, sem que a produtividade
abaixasse. Isto ocorreu primeiro na Autolatina, “parceria da Volkswagen com a Ford, um
projeto de unificação entre as duas fábricas implementado em 1987, por meio dele as duas
fábricas compartilhavam operários, projetos e técnicas produtivas” (MOURA, 2010, p.
7). Como consequência dessa fusão, houve, neste ano, a demissão de mais de 10 mil
funcionários nessas fábricas. Dessa vez, esse fato não representou, contudo, uma
movimentação mais contundente por parte dos trabalhadores (SILVA, 2004). Na medida
em que se percebia um enfraquecimento da formulação de pautas de luta e a participação
cada vez mais tímida dos sindicatos, as comissões de fábrica, materializadas nos CCQs,
ganhavam espaço, mas tratavam-se de instâncias menores e portadoras de reivindicações
mais restritas, senão conservadoras, seja pela análise dos acontecimentos: “Os
trabalhadores manifestam-se menos críticos ao processo de reestruturação produtiva
desde que apresente duas características: seja negociado com a comissão de fábrica e
possibilite uma melhoria nas condições de trabalho” (SLVA, 2004, p. 161) seja pela
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
forma de encarar as novas técnicas sem desenvolver uma resistência mais organizada “as
comissões institucionalizam conflitos, permitindo a introdução negociada da
reestruturação produtiva” (SILVA, 2004, p. 164).
Como se viu no gráfico 1, o fim da década de 1980 demarca o início da queda do
quantitativo anual de greves no Brasil, compreendendo-se o ABC paulista como parte
desse contexto. Assim, tanto a baixa resistência oferecida pelas comissões representadas
no CCQs, quanto os ecos futuros que coexistem com o avanço da implementação de
técnicas japonesas de gestão no Brasil, configuram o primeiro momento em que a
administração, pôde, de alguma forma atuar diretamente nos conflitos entre capital e
trabalho, demarcando, também o início da atuação do toyotismo nesse mesmo sentido.
É preciso ressaltar que o desenvolvimento dessas técnicas de gestão não atuava
isoladamente, coexistindo, até o fim dos anos 1980, com importantes pontos do aparato
jurídico como a lei antigreve e o decreto que permitia punições a grevistas, revogados
após a Constituição de 1988. O fato de haver a diminuição de greves no ano subsequente,
sem a concorrência desses dispositivos importantes, abre mais espaço para a atuação das
técnicas do modelo japonês na resolução dos conflitos. A baixa participação dos
sindicatos nas lutas também é um fator concorrente, tendo em vista sua adesão mais
sistemática à conciliação com as empresas, como se verá, bem como a persistência da
força policial do Estado. Em verdade, isso não sofreu grandes mudanças, basta lembrar
que mesmo estando fora do contexto do ABC, a grande greve na Companhia Siderúrgica
Nacional em 1987 foi fortemente reprimida pelo exército (MOURA, 2010). O que se
depreende do movimento aqui demarcado é exatamente o início de uma inflexão que
passa a colocar as teorias de gestão, finalmente, como um elemento importante na
resolução de conflitos.
as empresas tentavam reajustar os salários e dar o aumento real apenas para os trabalhadores
dos grupos contemplados na câmara setorial, montadoras e autopeças, excluindo outros,
como máquinas e eletroeletrônicos. Embora tenham cedido reajustes até outubro de 1992,
somente trabalhadores das montadoras e da indústria metal-mecânica obtiveram o aumento
real. Coube ao SMABC apenas sugerir que os operários das outras indústrias mantivessem a
mobilização, para conseguirem semelhantes benefícios (SANTOS, 2015, p. 94-5).
os programas que visavam subsidiar a modernização das indústrias tinham como objetivo dar
as condições institucionais para que as empresas adotassem o novo modelo de produção,
espelhado nas novas formas de gestão da produção japonesa, que se difundira para os países
centrais, sendo responsável pela redução dos custos de produção e considerável aumento da
produtividade. (SANTOS, 2015, p. 87).
governamental, de tal forma que passa a acontecer a pulverização de polos industriais por
conta de guerras fiscais, havendo, por esse motivo, certa desconcentração no ABC
Paulista. As unidades que se espalham pelo Brasil, já munidas do caráter toyotista, passam
a ser modernas e, em termos de competitividade, atingem altos níveis de produtividade já
com custos de mão de obra mais reduzidos. Este processo se desencadeara no ABC em
um ritmo mais lento, tendo em vista a necessidade de adequação frente ao histórico.
A resistência dos sindicatos, apontada como um dos fatores que mais afetou o
desenvolvimento dos Círculos nas organizações brasileiras na década passada, não foi
considerada uma oposição relevante nos casos estudados. Mesmo outros fatores, como a crise
econômica e as demissões, citados na literatura como um impedimento à consolidação do
CCQ nas empresas durante a década de 80, parecem não se ter constituído em obstáculo ao
seu desenvolvimento na visão das empresas (FERRO; GRANDE, 1997, p. 84).
Considerações finais
A década de 1990 é o período em que, de fato, a organização do trabalho encontra
condições materiais amplamente favoráveis para penetrar profundamente as raízes da
indústria e do capital brasileiros, sob a forma toyotista. Os indicadores econômicos
apontavam a tendência para a acentuação da exploração do trabalhador, ainda que não
necessariamente concorrente com o aumento da taxa de investimento que se manteve
oscilante, sublinhando o caráter defensivo do toyotismo pelo capital produtivo nacional.
Os sindicatos e o movimento operário em geral perdem a força, principalmente pela
fragmentação das lutas, com as unidades fabris sendo pulverizadas, a produção
horizontalizada, desconcentrando a localização dos trabalhadores e ocorrendo a própria
diminuição do quantitativo de operários. Há também a opção de luta através de instâncias
de debates, evidentemente conservadoras e que permitem menor participação aos
trabalhadores. Esses pontos relacionados aos sindicatos configuram uma atuação do
toyotismo como ideologia, primeiramente por serem produto da atuação da reestruturação
produtiva no plano macroeconômico, que pressiona a força dos sindicatos, com a
diminuição do número de trabalhadores e influenciam na formação das câmaras setoriais,
também notadamente, há a difusão e atuação direta dos CCQs. Eles passam a ser o espaço
de participação dos trabalhadores para colocarem seus problemas em pauta, mas são
evidentemente um espaço aberto na empresa, com a participação de gestores e que
abrange problemas, eminentemente operacionais, que que dizem respeito aos problemas
da indústria. Restringem as querelas e enfraquecem a combatividade.
A redução de salários, diminuição de postos de trabalho, aumento da taxa de
desemprego, desorganização de sindicatos e trabalhadores, acentuação da exploração do
trabalho, elementos macroeconômicos tendentes eram diretamente impactados pelas
técnicas toyotistas. O toyotismo agiu diretamente nesses aspectos, como uma expressão
prática e organizacional que viabilizava essas tendências e isto o coloca em posição mais
preponderante do que o “humanismo”, por exemplo, já que este não toca nessas questões.
O toyotismo age como ideologia definitivamente atuando em aspectos mais gerais
fundamentais para a redução das lutas dos trabalhadores de um modo geral. É assim que
atua nos conflitos. Mas essa mesma força não pode ser vista na contenção dos conflitos
em disputa: no caso da greve da Toyota em Indaiatuba, as ameaças, demissões e outras
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
estratégias advindas da direção não são exatamente técnicas desse modelo de gestão e
isso pode ser fundamental para determinar as possibilidades da organização do trabalho,
isto é, tem um potencial maior na prevenção dos movimentos, haja vista os dados
probantes do arrefecimento das lutas, do que na reação a eles como se vê nas análises
específicas das greves.
É preciso ponderar, por fim, que o que se viu aqui não é definitivo e a questão dos
conflitos pode ter visto o surgimento de outras forças de combate. Demarcou-se a
aproximação do que podem ser os limites da atuação da administração na história do
capitalismo brasileiro, esforço que deve ser continuado com a reunião de mais dados
decisivos e a compreensão de períodos outros, sobretudo os mais recentes.
Referências
ALVES, Giovanni Toyotismo como ideologia orgânica da produção capitalista. Revista
Org & Demo. Marília. vol 1.n. 1. Pp 3-15. 2000.
ALVES, Giovanni. Trabalho e Sindicalismo no Brasil: um balanço crítico da década
neoliberal (1990-2000). Rev. Sociologia Política, Curitiba, 19, p. 71-94, nov. 2002
ANDERSON, Patrícia. Câmaras Setoriais: histórico de acordos firmados 1991/1995.
IPEA. Rio de Janeiro. 1999
BONELLI, Roberto. Política econômica e mudança estrutural no Século XX. In IBGE.
Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro. 2006.
BRASIL. DECRETO Nº 1632, de 4 de Agosto de 1978. Dispõe sobre a proibição de
greve nos serviços públicos e em atividades essenciais de interesse da segurança
nacional.
CONCEIÇÃO, Jefferson. José. da. Quando o apito da Fábrica Silencia. Atores
sociais diante da reestruturação do parque industrial da Região do ABC. Tese de
Doutorado. USP/SP. 2006.
FARIA, José. Henrique. de. Co-gestão: uma nova instituição. RAUSP. Revista de
Administração, São Paulo, v. 17, n.1, p. 5-13, 1982.
FARIA, José. Henrique. de. A Questão do autoritarismo Organizacional: Estudo dos
movimentos dos metalúrgicos do ABC Paulista (1978-1979). Volume II. Dissertação
de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS. 1980.
FERRO, José. Roberto.; GRANDE, Maria. Mazzeo. Círculos de Controle da Qualidade
(CCQs) no Brasil: Sobrevivendo ao "modismo". RAE-Revista de Administração de
Empresas, v. 37, n. 4, out-dez, p.78-88, 1997.
FLEURY, Afonso. Carlos. Correa. Produtividade e Organização do Trabalho na
Indústria. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 20, n. 3, jul-set, 1980.
FREYSSENET, Michel; HIRATA, Helena. Sumiko. Mudanças tecnológicas e
participação dos trabalhadores: os Círculos de Controle de Qualidade no Japão. RAE
(Revista de Administração de Empresas). Vol 25 n 3. Rio de Janeiro. Jul-set 1985
GALVÃO Andréia. Os Metalúrgicos do ABC e a câmara setorial do setor
automobilístico. Revista de Sociologia e Politica, Curitiba, 10/11, 1998, pp. 83-101
GIAMBIAGI, Fábio. et al (organizadores). Economia brasileira contemporânea:
1945- 2010. 2º Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo:
Boitempo, 1999.
IBGE. Índices anuais de produção industrial da produção industrial, segundo classes e
gêneros da indústria 1971-2000. Estatísticas do século XX. S/d. Disponível em:
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
https://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/economia/atividade_economica/setoriais/i
ndustria/7_25u_ind1971_00.xls Acesso em: 14 jul. de 2018.
IBGE. Índices anuais de pessoal ligado á produção industrial, segundo classes e gêneros
da indústria 1971-2000. Estatísticas do século XX. S/d. Disponível em:
https://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/economia/atividade_economica/setoriais/i
ndustria/7_34u_ind1972_00.xls. Acesso em 14 jul. 2018
IBGE. Formação bruta de capital fixo como porcentagem do PIB (1901-2000).
Estatísticas do século XX. S/d. Disponível em:
https://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/economia/contas_nacionais/2_fbkf.xls
Acesso em: 14 jul. 2018
LIMA, Erenice. de Oliveira. O Encantamento da Fábrica: Toyotismo e os Caminhos
do Envolvimento no Brasil. Tese de Doutorado. UNICAMP/SP, 2002.
LUKÁCS, Gyorgy. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo. 2013.
MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo. 2013.
MOURA, Alessandro. Movimento Operário e Sindicalismo em Osasco, São Paulo e
ABC Paulista: Rupturas e Continuidades. Tese de doutorado (Ciências Sociais).
Marília: UNESP (Faculdade de Filosofia e Ciências). 2015.
MOURA, Alessandro. Movimento operário no ABC: o caso da Volkswagen ABC. VII
Seminário do Trabalho. Anais. 2010
MOURA, Alessandro. O Movimento Operário no Brasil durante a década de 1980. VIII
Seminário do Trabalho. Anais. 2012
NORONHA, Eduardo. G. Ciclo de greves, transição política e estabilização: Brasil,
1978-2007. Lua Nova, nº 76. 2009.
PAÇO-CUNHA, Elcemir; FRANCO, S. O. M. ; MENDES, S. R. . Gênese do
Taylorismo como Ideologia: Acumulação, Crise e Luta de Classes. In: Encontro de
Administração Política, 2017, Ilhéus. VIII Encontro de Administração Política, 2017
PAÇO CUNHA, Elcemir.; GUEDES, Leandro. Theodoro. A ideologia nos clássicos
brasileiros da crítica marxista da Administração. In: Congresso Brasileiro De Estudos
Organizacionais, Iii, 2015. Anais.Vitória: SBEO, 2015.
PAÇO CUNHA, Elcemir; GUEDES, Leandro Theodoro. “Teoria das relações
humanas” como ideologia na particularidade brasileira (1929-1963). Farol-Revista de
Estudos Organizacionais e Sociedade, v. 3, no. 8, 2017, p. 925-986.
POGIBIN, Guilherme Gibran. Memórias de metalúrgicos grevistas do ABC Paulista.
Tese de Doutorado (Psicologia). São Paulo: USP (faculdade de Psicologia). 2009
RODRIGUES, Ivan. Jácome. Um laboratório das relações de trabalho: o ABC paulista
nos anos 90. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(1): 137-157, maio de 2002.
SANTOS, Fagner. Firmo. de Souza. (Des)sociabilidade e fragmentação: um estudo
sobre o refluxo das lutas operárias na região de Campinas nas décadas de 1990-
2000. Tese de Doutorado. Unicamp. Campinas/SP, 2015.
SILVA, Sílvio. César. Experiências das Comissões de fábrica na reestruturação
produtiva da Autolatina. Lutas sociais. São Paulo. N 2. 1997
TRAGTENBERG, Maurício. Administração, Poder e Ideologia. Editora Moraes: São
Paulo. 1980.
VAISMAN, Ester. A Determinação Marxiana da Ideologia. Tese de doutorado
(Educação). Belo Horizonte: UFMG/FAE. 1996.
VAISMAN, Ester. Ideologia e sua determinação ontológica. Verinotio, Belo Horizonte,
n. 12, ano VI: Outubro de 2010.
I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais