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LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS

POÉTICAS ATORAIS – ENTREVISTAS

Entrevista com a atriz Silvia Leblon, realizada por Mayara Gabaldi.

Revisão: Edilaine Dias


Arquivo: 07.PA.0003
Laboratório - Portal Teatro Sem Cortinas
Poéticas Atorais
07.PA.0003

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SILVIA LEBLON é atriz, palhaça, diretora e pesquisadora. Sua carreira
profissional se iniciou na década de 70, através de experiências nas áreas do
teatro, cinema e televisão. Em 1990, realizou um treinamento de ator junto a
Luiz Otávio Burnier e Carlos Simioni, atores pesquisadores do Lume (Núcleo
de Pesquisas Teatrais da Unicamp –SP), e desde então mudou o rumo de sua
carreira em busca de um aprofundamento na arte do ator criador e de sua
autonomia. Desde 1995 dedica-se ao estudo do palhaço e sua linguagem.
Entre seus mestres, além do Lume, podemos destacar Philippe Gaulier e Sue
Morrison. Em 1999 fundou o grupo Na Companhia Dos Anjos e desde então
desenvolve um trabalho de pesquisa e criação na linguagem do palhaço,
destacando-se o espetáculo Spirulina em SPATHÓDEA, dirigido por Ricardo
Puccetti e contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz.
Atrelado a sua criação artística, desenvolve um trabalho de formação de
palhaços, coordenando grupos de treinamento e oficinas. O seu workshop
“Corpo, estado e criação no jogo do palhaço” já foi ministrado em diversas
regiões do Brasil e também em Portugal.

Que um sonho bom, sem


fronteira, sem fim,
venha clarear em nós o eu
profundo
É preciso rir – ensina Piolin
e na alegria renovar o mundo

Carlos Drummond de Andrade

Mayara – Então como foi a sua trajetória. Como você chegou a ser palhaça?

Silvia – Eu nasci de pais pioneiros de rádio e TV: Paulo Leblon e Cidinha


Leblon. Meu pai não queria que eu fosse artista. Naquela época ainda tinha
essa coisa. A minha mãe era rádio-atriz, ela veio do interior para ser artista de
rádio.

Mayara – Sozinha?

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Silvia – Sim! Meu pai, com 18 anos, em São José dos Campos, pôs um alto
falante na praça e fez o primeiro rádio da cidade. Foi um pioneiro. Virou
redator. Ele fazia tudo no rádio e era humorista... Até hoje tem tipos no
humorismo aí que foi meu pai que criou. Eu nasci em (19)49 e a televisão é de
(19)50. A minha mãe morreu um ano antes da TV.

Mayara – Ela estava somente no rádio.

Silvia – Meu pai foi pra televisão. Ela morreu com 25 anos. Nova e já
trabalhava como rádio-atriz, e tudo aprendeu fazendo, ninguém ensinou. A
minha madrasta, que está com 86 anos hoje, conta que quando chegaram os
equipamentos para a televisão não veio nenhum manual. Eles foram
descobrindo como fazer. Tinha um programa chamado Câmera Um, seguravam
aqueles cabos pesados, tinha até o “cabo-man” para segurar o cabo, quando
caminhavam com a câmera, para dar os “chicotes” para mudar de direção.
Eram verdadeiros atletas. Não existia edição. Era tudo ao vivo.

Mayara – E você, criança, estava nesse meio.

Silvia – Eu ouvia sempre os relatos, essas histórias.

Mayara – E você com esta trajetória...

Silvia – Meu pai tinha medo. Mas a minha mãe que me criou, minha madrasta
(Alcina de Toledo), que era novelista de rádio também, ela falou: - “Até 18 anos
eu não vou deixar, porque seu pai me pediu, mas depois de 18...” E não teve
jeito! Já na escola comecei a fazer teatro. Eu tinha talento, mas talento não
quer dizer nada porque você pode não fazer nada com o talento que você tem.
Eu acredito em trabalho, isso eu ouvi do Luiz Otávio Burnier, criador do Lume.
Quem quer, pode não ter talento e conseguir pelo trabalho. Palhaço para mim
foi resultado de trabalho, porque eu não tinha o mínimo talento para palhaço.
Eu era uma atriz dramática, sensível, sempre fui sofredora, chorona, só sofria
na vida. E o palhaço me salvou, foi uma revolução. Hoje eu sou feliz. Hoje eu

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posso dizer: sou feliz! Devo isso ao palhaço.

Mayara – E você encontrou bem depois essa linguagem?

Silvia – Sim, bem depois. Porque eu comecei a fazer teatro muito cedo.
Comecei na escola. A primeira lembrança que eu tenho foi aos nove anos,
fazendo a bruxa do João e Maria. Eu lembro que eu não dormi à noite; eu fiz
meu nariz de papelão. Eu peguei o xale da minha mãe, que estava de luto, que
meu pai tinha morrido. Fizemos o forno, eu caía dentro do forno. Nossa... Eu
ficava alucinada.

Mayara – Que intensa!

Silvia – É, fiz quase todas as peças da Maria Clara Machado na escola, porque
tinha uma professora incrível, a Prof.a Julia Margarida. Tinha ribalta, aquele
fosso do ponto. Era um palco italiano, no Colégio Sagrado Coração de Jesus,
na Pompéia.

Mayara – Você morava por aqui também?

Silvia – Sempre por aqui.

Mayara – É interessante ouvir você, porque eu também comecei na escola. E


eu não dormi uma noite porque eu fui fazer um cachorro, do Marcelo Marmelo
Martelo, e eu produzi o figurino daquele cachorro e ficava pensando e
pensando em várias coisas. Pensando nos trejeitos e sabe... Eu costurei meu
figurino!

Silvia – Eu fiz “O Boi e o Burro a Caminho de Belém” da Maria Clara Machado.


Fiz o boi. Minha mãe me ajudava, fizemos um figurino lindo, e ela me ensinou a
falar sem declamar. Porque se falava muito cantado, nas representações.
Minha mãe como era de rádio, tinha outra compreensão. Então ela me
ensinava a falar normalmente. Eu fui aprendendo. Eu lembro que uma vez a
gente montou um “Reisado” com a professora de folclore, e eu fiz um boiadeiro;

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me carregaram na escola como jogador de futebol, me colocaram no alto, eu
tinha uns doze anos. Eu ficava até assustada... eu ia me surpreendendo com o
que eu sabia, sem querer. Eu sabia falar muito bem, ler muito bem. Eu tinha
facilidade, ganhei prêmios na escola, e isso era surpreendente para mim.

Mayara – Você foi reconhecendo aos poucos.

Silvia – Fui me reconhecendo assim, e aí quando eu fui para o Colégio de


Aplicação da USP, para fazer o Clássico, logo no primeiro ano... na
apresentação de final do ano, o Chico de Assis (dramaturgo e professor de
dramaturgia), estava lá. O Chico foi assistir e me convidou para fazer parte de
um grupo amador que ele estava organizando, o grupo GENTE. Então com 16
anos, eu fui ter aula com o Chico de Assis. Depois da escola, nós íamos para a
casa dele e foi aí que eu ouvi falar de Stanislavski, de Brecht. O Chico foi
importantíssimo pra todos nós, que convivemos com ele. Ele queria fazer um
teatro de repertório. Começamos montando “À Margem da Vida”, do Tennessee
Williams. Eu fiz a Laurinha, a manquinha que colecionava bichinhos de vidro.

Mayara – Não li essa obra.

Silvia – É uma peça muito conhecida. Era Ditadura, o Chico era figura
marcada, e teve que se afastar, mas não paramos mais.

Mayara – Com esse grupo?

Silvia – Com esse grupo e outras pessoas que conhecemos, porque o Chico
nos apresentou para várias pessoas do mundo artístico. O maestro Carlinhos
Castilho tinha escrito a peça infantil “Aventuras no País do Som” e nós
acabamos participando dessa montagem, dirigida pelo Cláudio Mamberti. Era o
que chamavam de Teatro Marrom, que era semi-profissional.

Mayara – Nem amadores.

Silvia – Estávamos nos profissionalizando, porque o autor era profissional, o

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diretor era profissional. Carlinhos Castilho tinha criado o “Quarteto em Si”, que
tinha ido para os EUA, então, ele quis montar um novo quarteto feminino, e me
chamou. Fui trabalhar então como cantora no programa “Ensaio Geral”, na TV
Excelsior, Canal 9. Eram quatro produtores e o Chico era um deles.

Mayara – E você já tinha quantos anos?

Silvia – Eu tinha uns 17 anos nessa época. Era muita gente famosa: Caetano,
Bethânia, Cyro Monteiro, Toquinho, Vinícius de Moraes, Gilberto Gil... Fiz
backing vocal pra toda essa gente, no Quarteto “As Meninas”.

Mayara – Que lindo! Mas você já tinha entrado na faculdade?

Silvia – Eu estava na História na USP. Eu prestei ECA e História e não entrei


na ECA, então fiquei fazendo História. E eu não consegui acompanhar, porque
minha vida era uma loucura. Eu ficava acordada até de madrugada, não comia
direito... Eu não sabia direito me conduzir, exigiam muito da gente e eu fui
ficando doente e parei, saí do conjunto, não teve jeito. Eu fiquei doente de tanto
trabalhar.

Mayara – E o teatro?

Silvia – Eu estava cursando a faculdade, quando o Teixeira Filho, amigo dos


meus pais, que estava escrevendo a novela “A Pequena Órfã” para TV
Excelsior, me convidou para trabalhar na TV. O diretor era o Dionísio Azevedo.
Na Excelsior eu conheceria a Cleyde Yáconis e acabaria entrando para a Cia.
dela, para participar do coro em “Medéia” de Eurípedes. Corremos todo o Brasil
com a peça, no início dos anos 70. Paulo de Gramont, que era um dos
diretores da Excelsior, me sugeriu usar o sobrenome artístico do meu pai,
Leblon, em sua homenagem. Tinham muito carinho por mim, por causa da
morte de minha mãe, que foi muito chocante na época.

Mayara – Mas por quê?

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Silvia – Ela morreu aos 25 anos de idade! Quando eu nasci.

Mayara – E depois entrou você no “mesmo” cargo que sua mãe.

Silvia – Amigos do meu pai me levaram para a televisão, porque filho de peixe,
peixinho é. Isso continua acontecendo.

Mayara – E querendo ou não, a arte é um universo que brilha, ser


administrador ou artista? Vou ser artista!

Silvia – Você já nasceu naquele meio. Porque naquela época não tinha escola.
Tinha a EAD, que não era faculdade.

Mayara – Mas não tinha a ECA?

Silvia – Não, a ECA veio depois. Eu entrei em (19)68 na História. Era o


segundo ano da ECA. Antes disso você só tinha EAD, que era curso técnico.
Geralmente as pessoas entravam no teatro e na TV pela garra mesmo, pela
coragem, porque tinham talento, jeito.

Mayara – O que foi seu caso.

Silvia – Não entrei na ECA, não terminei a História porque aí eu comecei a


fazer televisão, cinema, teatro, era uma coisa atrás da outra e eu não segurei
mais.

Mayara – E o que aconteceu depois?

Silvia – Aí eu larguei e fiquei com o curso superior incompleto. Muito frustrada


com isso, a vida inteira eu me cobrei, até que me chamaram pra dirigir o
Projeto Teatral do fim de curso da ECA, e eu dirigi minha filha, Paula Lisboa,
que se formou na ECA, porque a turma dela escolheu fazer clown. Para o
projeto final podem chamar um diretor de fora. Alguns deles já estavam
fazendo aula de clown comigo no Parque da Água Branca e me escolheram. Aí

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eu fui dirigir minha filha. Que alegria!

Mayara – Foi como se você tivesse se formando.

Silvia – Aquela frustração que eu tinha de não ter acesso à universidade foi
quebrado. Foi muito bom o processo, eles gostaram muito. Montamos uma
peça linda, “Devidas Pílulas”, até quiseram que eu ficasse, mas não teve jeito.
Também percebi que eu não me encaixava muito na instituição. Eu sou muito
livre, eu não aguento ficar presa. Mesmo na televisão eu sofria muito. Porque é
difícil você administrar sua vida pessoal, você é escravo daquilo, é uma
máquina tão poderosa...Sabe, eu achava aquilo tudo muito esquisito. Tinha
alguma coisa que eu não entendia, algo que me incomodava, de vender a
imagem e não ser um trabalho realmente consistente. O que você precisa ser
para a pessoa te escolher? É muito esquisito esse negócio de fazer teste. Eu
vivi essa vida.

Mayara – (Rindo muito)

Silvia – Até que eu comecei a ter filhos, eu tive 4 filhas. Então isso foi mais
forte que a carreira, porque o fato de ter perdido minha mãe, fez da
maternidade uma coisa muito importante pra mim. Eu largava tudo para ficar
com minhas filhas. Fui super mãe. Trabalhei nos intervalos entre uma e outra.
Estava sempre trabalhando, pensando nas crianças, estava com as crianças e
querendo trabalhar. Eu agüentei a vida assim e criei minhas filhas.

Mayara – Você teve a última com quantos anos?

Silvia – Eu tinha 36 anos quando tive a última. Na primeira eu tinha 23.

Mayara – Então demorou um tempo.

Silvia – Porque nos intervalos eu tentava trabalhar. Só que aí fecha Excelsior,


fecha Tupi e o que eu vou fazer? Meu marido, Guilherme Lisboa, era produtor
de cinema. Fiz alguns longas, um do Nelson Pereira dos Santos, o “Estrada da

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Vida”, com Milionário e Zé Rico, que meu marido produziu. Fiz “Janete” do
Chico Botelho, fiz “A Próxima Vítima” do João Batista de Andrade, e
recentemente “Narradores de Javé”, da Eliane Caffé. Fiz bons filmes de bons
diretores e alguns curtas. Mas era uma coisa tão incerta, hoje eu vejo que fiz
muita coisa. São experiências que vão somando, mas realmente, peguei as
rédeas da minha vida quando eu encontrei o LUME.

Mayara – Mas você sempre trabalhou muito!

Silvia – Era pulado, uma coisa não levava a outra, sabe? Parecia que eu
estava sempre sem nada, ficava com nada na mão.
Eu estava no elenco de “Pulomelu”, uma Ópera Popular, que montaram no
Sesc Pompéia, em 1990. Tínhamos um coro ensaiado. De lá, fomos cantar no
“Kelbilim”, a primeira montagem do Lume.

Mayara – Sim, eu estava pesquisando sobre o LUME antes de falar com você,
eu vi a trajetória deles também.

Silvia – Até hoje eu me lembro, eu entrando no corredor da Pinacoteca, uma


estátua na minha frente, e vindo lá do fundo o Carlos Simioni, com aquele olhar
lindo dele, luminoso. Somos grandes amigos até hoje. Era tudo muito diferente
de tudo o que eu já tinha visto. Eu fiquei admirada de ver a maneira como eles
trabalhavam, a postura, tudo. Eles iam dar um treinamento para atores na
Oficina Oswald Andrade e convidaram as pessoas do Coro. Não sabiam que
éramos atores.

Mayara – E lá foi você.

Silvia – E lá fui eu! Era muito puxado fisicamente... Ali pude entrar em contato
com os princípios de trabalho do Lume e me identifiquei totalmente com esses
princípios. Mas eu tinha quatro crianças, e aí ficou um namoro sem fim, eles
me chamavam e eu não podia ir. Não conseguia ir por causa das crianças e
ficamos assim durante 5 anos, até que em fevereiro de 1995, o Luís Otávio
Burnier morreu, aos 37 anos de idade, inesperadamente. Mesmo assim

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continuaram, e em julho desse mesmo ano, o Ric e o Simi organizaram o
“Retiro Para o Estudo do Clown”.

Mayara – Só os dois?

Silvia – Só os dois. Tudo eles faziam juntos, trabalhavam juntos, nunca vi


tamanha harmonia, sabe. Nunca vi grupo mais equilibrado, nunca vi um pití,
uma briga que arrebentasse com o trabalho, nunca! Faz 31 anos que eles
estão juntos; eles trabalham de uma forma muito evoluída. E eu não podia
imaginar o que ia acontecer. Fui porque era curiosa, eu nem sabia o que era
clown, achei que era uma coisa tipo Chaplin,...

Mayara – E lá vai a Silvia novamente.

Silvia – Fui e fiquei apaixonada pelo trabalho, pelo jeito que eles trabalhavam,
pelo método. Parecia que eu tinha vivido minha vida inteira para chegar ali. Eu
encontrei, finalmente, o que eu queria e aí colei neles. Mas esperei cinco anos.
Em (19)90 fiz o primeiro workshop, e só fui fazer outro em (19)95. Mas o
Burnier nunca me abandonou, eles me chamavam pra tudo, eu ia para
Campinas toda hora. Fui visitar o lugar em que trabalhavam... Uma amizade
que se tornou profunda e eterna. Fui e continuo indo ao encontro deles, e
acompanhei toda a trajetória deles. Em 95 eu fiz o clown. Não que eu tivesse
jeito, demorou 5 anos pra eu fazer o meu número, eu tinha muita dificuldade,
não tinha graça nenhuma, nada funcionava, você pensa que foi fácil? Nada
fácil! Mas como eu já estava muito madura, eu já sabia, como o Burnier
falava... Eu tive verdadeiras aulas com ele, dando carona para ele durante a
temporada deles em São Paulo.

Mayara – E o que ele tinha dito disso para o clown?

Silvia – Como ele tinha falado que acreditava no trabalho e não no talento, eu
peguei isso pra mim. Eu falei “eu quero fazer isso, eu vou fazer” e falei pro Ric,
porque ele é o responsável pela pesquisa do clown no LUME, e ele me
mandou fazer aulas com o Gaulier, que estava vindo para o Brasil.

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Mayara – E como foi a experiência com o Gaulier?

Silvia – Então, como eu já tinha feito o retiro, eu entrei iniciada no workshop do


Gaulier, O Gaulier de cara, olhou para mim e falou: “você é muito sensível, isso
é bom para o seu clown”. Ele falava um inglês afrancesado que eu não
entendia nada e eu ficava olhando para a cara dele com uma cara de besta e o
pessoal ria, ria, ria e ele falava as coisas e eu não acreditava, porque ele
malhava todo mundo e as pessoas saiam chorando, não entendiam nada, só
que eu já tinha sofrido no retiro, eu já tinha descoberto o que era engolir, o que
era aguentar, o que era ficar na merda, eu já sabia de tudo isso, mas eu não
tinha graça, eu não entendia como tirar a graça disso, eu não entendia o jogo,
eu não entendia o prazer da brincadeira, eu não sabia brincar, eu ficava
naquele estado catatônico, mas o estado eu já entendia. Quem me deu o
estado básico do palhaço foi o LUME. O Gaulier me fez entender a graça. As
pessoas riam e eu não entendia o porquê e ele foi me dando retorno. Falava
“isso funciona”, “isso não funciona”... “Quando você faz cara de que não
entende funciona para você” e “você tem uma energia de criança, muito aberta,
isso é bom”. Foi me dando retorno, coisa que eu não sabia, eu não enxergava,
porque a gente não se enxerga. A gente precisa do outro, pra se enxergar. E
tudo depende da relação: se tem um idiota do seu lado, você se sente
inteligente. É básico isso na vida, e no jogo do palhaço. Isso é relação.

Mayara – É! (Rindo).

Silvia – É jogo de relação e o palhaço que me ensinou isso, e é maravilhoso.


É você entender o lugar onde você está. Só que o palhaço aceita estar por
baixo, senão não tem jogo, e ele descobre que ele sobrevive ali e que ele pode
ser feliz ali e não precisa estar por cima. E o público ama o palhaço que está
por baixo, ele ama o tonto, ele não gosta do branco. Com algumas exceções...
Tem palhaços brancos maravilhosos. Só que o Leris Colombaioni disse que
aqui no Brasil não tem branco!

Mayara – Ele disse isso?

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Silvia – Sim. Ele disse, que o que chamamos de branco, na verdade, não é. É
tão palhaço e tonto quanto o augusto, é o intermediário na verdade, é o que
briga com o Augusto, eles brigam entre si. O branco mesmo, diz ele, é aquele
que fica fora da briga, está acima do bem e do mal. Mas eu não entendo bem
isso, porque não vim do circo. Também não acho que palhaço é personagem.
Personagem é uma redução, tem vontade, contra-vontade e o porquê dele na
peça. O palhaço existe fora da peça, ele existe em qualquer lugar, e é o seu
ridículo, isso é o clown pessoal. Porque se você seguir a linha do circo, o
trabalho já foi feito por outro, você pega aquela gague e a rotina clássica,
aquele número do seu pai, do seu avô, faz igual e aos poucos você vai
dominando e vai achando o seu jeito de fazer, é tradição. Mas a essência é a
mesma, quando a gente entende as regras, e você observa um palhaço de
circo tradicional você vê que os princípios são os mesmos, só o método de
iniciação é que é diferente.

Mayara – Você teve contato com a Sue Morrison, não foi?

Silvia – Então, eu fiz vários mestres e continuo fazendo sempre que posso,
mas meus três pilares de trabalho hoje são: LUME, Gaulier e Sue Morrison. Eu
já tinha feito Gaulier e já estava feliz, já estavam rindo de mim, mas eu não
tinha número, só improvisava, saía, brincava, mas não tinha número e nem
ideia. 5 anos eu fiquei assim.

Mayara – Mas feliz!

Silvia – Feliz e dando aula já. Porque pediam pra eu dar aula e o LUME dava
assessoria. Eles pesquisam e passam, pesquisam e passam. Isso é a função
deles, porque eles são núcleo de pesquisas.

Mayara – E o seu contato com a Sue Morrison?

Silvia – O LUME trouxe a Sue Morrison. Aí montamos um grupo paralelo, que


estava em torno do LUME, para fazermos aula com ela. Primeiro foi o retiro, o

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Gaulier foi a alegria, a descoberta do jogo e da alegria, da graça, foi a coisa
mais feliz, só feliz, não teve sofrimento; aí vem a Sue Morrison, a canadense...
Jamais eu podia imaginar o que iria acontecer, porque aquela mulher me virou
do avesso. O clown xamânico, dos índios, não vem da tradição européia; é
muito mais antiga. Quem criou o método do clown através de máscaras foi
Richard Pochinko, um homem que viveu entre os índios norte-americanos e
desenvolveu esse método. Foi mestre da Sue Morrison.

Mayara – Mas para os índios existe o clown? Eles têm essa figura?

Silvia – Todas as culturas têm! Procura no YouTube os Hotxuás, o encontro do


palhaço do Ric com os Hotxuás. Quem fez esse filme foi a Letícia Sabatella,
ela tem ligação com os índios. Ela que foi buscar o Lume para fazer o encontro
do palhaço tradicional com os palhaços indígenas. E aí, nessa pesquisa, a
gente ficou sabendo que todas as culturas têm o palhaço.

Mayara – E na cultura desses índios norte-americanos, o clown é o xamã?

Silvia – O xamã, o mensageiro dos deuses, filho do trovão. Porque o cômico,


mesmo o bobo na Idade Média, têm a mesma função. Ao lado do cacique, ao
lado das autoridades, da coisa séria, sempre vem o clown para lembrar que a
gente é humano e imperfeito, é anti-prepotência, é o equilíbrio do mundo, se a
gente não acha graça e ri de si mesmo, a gente fica achando que é o dono do
pedaço. Todos os males do mundo têm origem na prepotência e no egoísmo.
Tem gente que se acha, os poderosos se acham, se acham no direito de
ganhar milhões, roubar milhões, quando tem milhões passando fome. Eles
acham que são merecedores da sua grana, que não devem nada a ninguém.
Devem à humanidade! Como um xamã me disse: - “Quando você ganha
alguma coisa, não é para você; quando você perde, é para você”.

Mayara – Então esse é o trabalho que a Sue Morrison “cava” de você?

Silvia – Ela faz isso a partir de máscaras, que correspondem aos seus lados,
que são seis direções. Eles dizem que se você conhece todos os seus lados,

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você pode espelhar o humano e rir de si mesmo. Isso é clown.

Mayara – São seis máscaras então?

Silvia – São seis máscaras, mas são 12 lados, porque cada máscara tem
inocência e experiência; porque para eles o palhaço é a inocência depois da
experiência. Você convence, quando você carrega a experiência por trás da
sua inocência, quando você mostra isso.

Mayara – Você passa por alguns rituais, é isso?

Silvia – É um método, de fazer as máscaras, vestir as máscaras, experimentar


as máscaras. Também é um trabalho que desenvolve a visão de dentro, isso é
maravilhoso e eu amo isso, eu me encontrei nisso. Ele desenvolve, ele mostra,
ele faz você olhar o que você enxerga dentro, a sua visão interior. Porque a
gente enxerga muita coisa dentro, mas não presta atenção, não se dá conta de
quantas imagens a gente tem dentro. Enquanto eu estou falando com você, o
tempo todo está rolando imagens, só que a gente não liga para isso. E o
método dela, ajuda você enxergar tudo o que está acontecendo lá dentro de
você. Meu solo hoje nasceu desse trabalho, essa fusão de tudo. Eu demorei 5
anos para fazer um número e 08 anos para fazer o solo. Foram 3 workshops
para fazer as seis máscaras.

Mayara – Mas quanto tempo separado?

Silvia – Foi em 1999, 2005 e 2006.

Mayara – Então ela faz sempre.

Silvia – Ela faz sempre. Ainda faz.

Mayara – Seria Norte, Sul e etc para cada workshop? Por exemplo, workshop
do Norte.

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Silvia – Não, você faz tudo junto. Tem gente que está fazendo as primeiras e
você está fazendo as segundas, e não tem nada a ver a do outro com a sua. É
um trabalho muito individual, você está junto, mas é seu, o processo é seu.
Você precisa da platéia, precisa do outro para se relacionar, mas é o seu
processo. O palhaço pode se relacionar com qualquer coisa. Ele diz sim para
tudo, ele não critica, ele não tem julgamento, ele se relaciona; e é ridículo. Você
não agüenta se colocar numa situação ridícula, então quando você vê o ridículo
no outro, você dá risada. Este é o nosso serviço.

Mayara – E como foi montar seu número?

Silvia – Quando eu terminei o primeiro encontro com a Sue Morrison, a Naomi


se ofereceu para me ajudar a criar um número. Como eu não tinha idéia
nenhuma, e já estava há 5 anos fazendo clown, pensei: “o que ela mandar eu
faço”. Quando eu apresentei meu primeiro número foi um impacto. Nova
surpresa para mim.

Mayara – Desde pequena, pelo jeito.

Silvia – Incrível! Sempre foi assim. Pensei: “sorte minha!” – (rindo). Eu fiquei
sócia do Alessandro Azevedo (o palhaço Charles) no Galpão Raso da Catarina,
na Vila Madalena, em São Paulo, tinha saraus uma vez por mês e tudo o que
eu fazia, as pessoas gostavam... Então eu fui me convencendo que meu
palhaço funcionava, que minha palhaça existia, as pessoas me davam esse
retorno “eu amo a Spirulina”, e tudo o que eu estudava da teoria do palhaço se
confirmava; porque palhaço não importa o que ele faz, importa o que ele é, e
ele cativa pelo coração, pela empatia. E tinha gente que gostava de mim! Que
bom, eu tenho meu público. Então eu continuava dando aula, eu sempre fui
muito inspirada para dar aula, eu acho que sou, porque na vida eu não tenho
muita certeza de nada... eu vou indo... E como professora eu sinto uma
segurança absurda, eu fico poderosa.

Mayara – É também um prazer ser Arte-Educadora?

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Silvia – É outra coisa que me surpreendeu. As pessoas me pediram pra eu dar
aula. Eu sempre precisei que as pessoas me dissessem, e eu penso que pode
ser assim também com outros, às vezes precisa que alguém olhe, e diga: “olha
como você é”, “olha como você sabe”, “olha como você é tonto, você é tonto!”
Como faz o Gaulier: - “você é simpático”, “você é antipático”. E as pessoas
ficam surpresas: -“Eeeu sou antipático?!” E ninguém morre disso.

Mayara – (Rindo muito).

Silvia – É muito legal isso, vai baixando o ego. Não é mal se não te acham
simpático, não importa, o importante é viver, é ficar feliz, é brincar... É VIVER! O
importante é SER! E o clown é do jeito que ele é, tonto, ridículo, bobo, burro,
idiota, e assim ele tem direito de viver, porque ele está vivo, simplesmente. Tem
direito de ser feliz, tem direito de se divertir. A verdade é que isso é a vida. Você
tem direito de viver, você não precisa ser o melhor, é mentira que precisa ser o
melhor. Esta cultura do melhor é muito desumana, porque todos têm direito à
vida, é isso que cria a injustiça social. Uns acham que merecem mais, e o que
não conseguiu nada, fica na rua. Todo o ser humano deveria ter direito ao
básico, por ser humano, moradia, alimentação, saúde, isso é direito humano.
Mesmo que ele não seja capaz de fazer nada. Ele tem direito simplesmente por
estar vivo, de ser cuidado, de SER, existir.

Mayara – Precisa ser muito bom...

Silvia – Então, estamos no meio do caminho. Quem sabe um dia a gente


chega lá... Um amor sem fronteiras.

Mayara – (Suspiros) Que bom te ouvir! Um dia eu ouvi de um índio que o amor
é a mais alta vibração que existe no Universo.

Silvia – É Deus, não é? Se a gente sai do amor, a gente sai de Deus, dessa
frequência.

Mayara – Da harmonia, do seu centro.

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Silvia – Exatamente, e a justiça humana está muito afastada disso, ainda. Se
não te dão chance de saber, se te mantêm na ignorância, você vai sofrer. Então
o que sabe mais, ganha mais, tem o que quer e quem não sabe fica cada vez
pior. Se para a gente que estuda é difícil ancorar, comer, ter saúde... Imagina
uma pessoa sem estudo! Como ela vai conseguir? É fácil falar: “- quem quer
consegue”.

Mayara – Entender esse discurso, de onde e de quem ele vem. O porquê que
ele existe.

Silvia – Claro, você pode ter tudo e não fazer nada com o que tem. Você pode
ter talento e desperdiçar, você pode nascer lá embaixo e conseguir... Tem as
exceções, mas... deixa para lá, eu sou muito crítica, não consigo deixar de
ser... Cresci lutando contra a ditadura, então eu tenho esse vício. Eu tenho
dificuldade às vezes de enxergar o positivo, de usufruir, por isso que o palhaço
me ajuda, porque eu sou muito crítica e vejo muita coisa errada; fico revoltada.
Fui criada no medo. Entrei na faculdade em (19)68, Colégio de Aplicação da
USP em (19)64, foi impossível não ter rebeldia, criada na resistência. Eu tenho
esse vício de revolucionária, não me conformo e não acredito nesse sistema
materialista, consumista. Hoje já admito que em qualquer lugar que a pessoa
esteja, pode fazer as suas escolhas. Quando se tem vários filhos, não dá pra
acreditar que se nasce como um livro em branco.

Mayara – Nem eu...

Silvia – Tem um que nasce quase pronto, já sabendo tudo o que precisa e o
que quer.

Mayara – E os outros não...

Silvia – Outro tem maior dificuldade, você precisa cuidar, dar aquele apoio, vai
devagar, no tempo dele, e o tempo dele não é dessa vida, é a eternidade.

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Mayara – O tempo não existe!

Silvia – O tempo não existe, exatamente. Você consegue um passinho aqui e


que ótimo! Aí dá dois... E não adianta ter pressa. Porque Deus não tem pressa.

Mayara – E hoje, Silvia, como você está? Está feliz?

Silvia – Estou feliz, graças a Deus. Na luta, lutando agora com as limitações
físicas, com a idade... tentando me conformar...que meu corpo não aguenta
mais o que aguentava antes, a cabeça muito acelerada e o corpo não
acompanha. Tentando me adaptar a essa nova fase, qual é meu limite, o que
eu vou poder fazer.

Mayara – Encontrando as novas funções, não é?

Silvia – Mas cada vez melhor! Quanto mais a gente sabe, mais a gente pode
servir, mais a gente pode ser útil, mais a gente pode ajudar, mais a gente pode
aprender, mais a gente sabe o que não sabe. Então eu acho maravilhosa a
vida, você ir evoluindo e aprendendo, quando eu olho para trás e vejo o quanto
eu já mudei, ainda bem, o quanto que eu aprendi, essa vida aqui para mim,
minha filha! Se hoje eu passar para o outro lado... Já valeu! Eu fiz tanta coisa,
aprendi tanto, tive filhos, tenho netos... Claro que eu quero ficar, acho que eu
ainda posso fazer muita coisa... até ajudar, quem sabe? Às vezes eu estou
vendo alguma coisa, mas vejo que não é o momento de falar, então a gente
tem que aprender a guardar, ter paciência. Às vezes as pessoas também não
querem aprender.

Mayara – Mas essa é a grande sabedoria, de entender o outro e saber quando


plantar a sementinha. Porque A não é A.

Silvia – Hoje em dia estou aprendendo a aguentar as escolhas erradas. E ter


essa humildade de saber que por mais que você saiba, o outro sabe alguma
coisa que você não sabe. O seu julgamento não é perfeito, ninguém é capaz de
ter julgamento perfeito, ninguém sobre a terra. E a gente julga, acha que sabe.

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Sabedoria não é estudo.

Mayara – Meu avô, por exemplo, o velho sábio. Ele não fez nem o quarto ano
do primário e é incrível! De onde vem tanta sabedoria? Não é conhecimento,
universidade. Não! Está em outro lugar.

Silvia – É outro tipo de conhecimento.

Mayara – Isso! Não é esse conhecimento que chamam de conhecimento.

Silvia – É o que o Paulo Freire apontou. Todos sabem alguma coisa. O


pedreiro sabe do tijolo, você não sabe. O pedreiro sabe fazer um muro, e você
não sabe. Então ele precisa valorizar o conhecimento dele. A gente tem que
mostrar para as pessoas que elas têm conhecimento sim, e aproveitar o que
cada um tem para dar e trocar. Assim é a vida.

(Silêncio)

Mayara – Gratidão, isso foi muito especial para mim. Até me emocionei.

Silvia – Para mim também, eu estou emocionada. A gente vive o tempo todo
nessa linha de produção, e cuidando de coisas e mais coisas. O mais difícil
para o artista é achar o tempo para a criação. Parece que existe um complô pra
gente só fazer coisas chatas, e sem importância, e que são necessárias porque
o sistema exige. Quando que a gente cria? Essa é a maior dificuldade do
artista, eu acho. Uma vez eu ouvi um escritor português falando, em uma
entrevista na televisão, que é muito importante distinguir as coisas urgentes
das importantes, porque nem sempre o que é urgente, é importante.

Mayara – É complexo de entender mesmo, porque é um sistema muito


inteligente.

Silvia – Um dia desses, meu neto João, de 6 anos de idade, estava comigo no
supermercado. Eu reclamei com ele que ele queria tudo o que via. Ele

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respondeu: “- Mas também, eles põem tudo na frente da gente! A gente fica
com vontade!”
É isso aí. Temos que resistir o tempo todo, para não cairmos na armadilha do
consumismo, e da “burrocracia”. Isso gera um desperdício de energia. Nesta
realidade, acredito que o palhaço é fundamental para a nossa sobrevivência,
pela leveza e pela alegria.

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