Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
1
SILVIA LEBLON é atriz, palhaça, diretora e pesquisadora. Sua carreira
profissional se iniciou na década de 70, através de experiências nas áreas do
teatro, cinema e televisão. Em 1990, realizou um treinamento de ator junto a
Luiz Otávio Burnier e Carlos Simioni, atores pesquisadores do Lume (Núcleo
de Pesquisas Teatrais da Unicamp –SP), e desde então mudou o rumo de sua
carreira em busca de um aprofundamento na arte do ator criador e de sua
autonomia. Desde 1995 dedica-se ao estudo do palhaço e sua linguagem.
Entre seus mestres, além do Lume, podemos destacar Philippe Gaulier e Sue
Morrison. Em 1999 fundou o grupo Na Companhia Dos Anjos e desde então
desenvolve um trabalho de pesquisa e criação na linguagem do palhaço,
destacando-se o espetáculo Spirulina em SPATHÓDEA, dirigido por Ricardo
Puccetti e contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz.
Atrelado a sua criação artística, desenvolve um trabalho de formação de
palhaços, coordenando grupos de treinamento e oficinas. O seu workshop
“Corpo, estado e criação no jogo do palhaço” já foi ministrado em diversas
regiões do Brasil e também em Portugal.
Mayara – Então como foi a sua trajetória. Como você chegou a ser palhaça?
Mayara – Sozinha?
2
Silvia – Sim! Meu pai, com 18 anos, em São José dos Campos, pôs um alto
falante na praça e fez o primeiro rádio da cidade. Foi um pioneiro. Virou
redator. Ele fazia tudo no rádio e era humorista... Até hoje tem tipos no
humorismo aí que foi meu pai que criou. Eu nasci em (19)49 e a televisão é de
(19)50. A minha mãe morreu um ano antes da TV.
Silvia – Meu pai foi pra televisão. Ela morreu com 25 anos. Nova e já
trabalhava como rádio-atriz, e tudo aprendeu fazendo, ninguém ensinou. A
minha madrasta, que está com 86 anos hoje, conta que quando chegaram os
equipamentos para a televisão não veio nenhum manual. Eles foram
descobrindo como fazer. Tinha um programa chamado Câmera Um, seguravam
aqueles cabos pesados, tinha até o “cabo-man” para segurar o cabo, quando
caminhavam com a câmera, para dar os “chicotes” para mudar de direção.
Eram verdadeiros atletas. Não existia edição. Era tudo ao vivo.
Silvia – Meu pai tinha medo. Mas a minha mãe que me criou, minha madrasta
(Alcina de Toledo), que era novelista de rádio também, ela falou: - “Até 18 anos
eu não vou deixar, porque seu pai me pediu, mas depois de 18...” E não teve
jeito! Já na escola comecei a fazer teatro. Eu tinha talento, mas talento não
quer dizer nada porque você pode não fazer nada com o talento que você tem.
Eu acredito em trabalho, isso eu ouvi do Luiz Otávio Burnier, criador do Lume.
Quem quer, pode não ter talento e conseguir pelo trabalho. Palhaço para mim
foi resultado de trabalho, porque eu não tinha o mínimo talento para palhaço.
Eu era uma atriz dramática, sensível, sempre fui sofredora, chorona, só sofria
na vida. E o palhaço me salvou, foi uma revolução. Hoje eu sou feliz. Hoje eu
3
posso dizer: sou feliz! Devo isso ao palhaço.
Silvia – Sim, bem depois. Porque eu comecei a fazer teatro muito cedo.
Comecei na escola. A primeira lembrança que eu tenho foi aos nove anos,
fazendo a bruxa do João e Maria. Eu lembro que eu não dormi à noite; eu fiz
meu nariz de papelão. Eu peguei o xale da minha mãe, que estava de luto, que
meu pai tinha morrido. Fizemos o forno, eu caía dentro do forno. Nossa... Eu
ficava alucinada.
Silvia – É, fiz quase todas as peças da Maria Clara Machado na escola, porque
tinha uma professora incrível, a Prof.a Julia Margarida. Tinha ribalta, aquele
fosso do ponto. Era um palco italiano, no Colégio Sagrado Coração de Jesus,
na Pompéia.
4
me carregaram na escola como jogador de futebol, me colocaram no alto, eu
tinha uns doze anos. Eu ficava até assustada... eu ia me surpreendendo com o
que eu sabia, sem querer. Eu sabia falar muito bem, ler muito bem. Eu tinha
facilidade, ganhei prêmios na escola, e isso era surpreendente para mim.
Silvia – É uma peça muito conhecida. Era Ditadura, o Chico era figura
marcada, e teve que se afastar, mas não paramos mais.
Silvia – Com esse grupo e outras pessoas que conhecemos, porque o Chico
nos apresentou para várias pessoas do mundo artístico. O maestro Carlinhos
Castilho tinha escrito a peça infantil “Aventuras no País do Som” e nós
acabamos participando dessa montagem, dirigida pelo Cláudio Mamberti. Era o
que chamavam de Teatro Marrom, que era semi-profissional.
5
diretor era profissional. Carlinhos Castilho tinha criado o “Quarteto em Si”, que
tinha ido para os EUA, então, ele quis montar um novo quarteto feminino, e me
chamou. Fui trabalhar então como cantora no programa “Ensaio Geral”, na TV
Excelsior, Canal 9. Eram quatro produtores e o Chico era um deles.
Silvia – Eu tinha uns 17 anos nessa época. Era muita gente famosa: Caetano,
Bethânia, Cyro Monteiro, Toquinho, Vinícius de Moraes, Gilberto Gil... Fiz
backing vocal pra toda essa gente, no Quarteto “As Meninas”.
Mayara – E o teatro?
6
Silvia – Ela morreu aos 25 anos de idade! Quando eu nasci.
Silvia – Amigos do meu pai me levaram para a televisão, porque filho de peixe,
peixinho é. Isso continua acontecendo.
Silvia – Você já nasceu naquele meio. Porque naquela época não tinha escola.
Tinha a EAD, que não era faculdade.
7
eu fui dirigir minha filha. Que alegria!
Silvia – Aquela frustração que eu tinha de não ter acesso à universidade foi
quebrado. Foi muito bom o processo, eles gostaram muito. Montamos uma
peça linda, “Devidas Pílulas”, até quiseram que eu ficasse, mas não teve jeito.
Também percebi que eu não me encaixava muito na instituição. Eu sou muito
livre, eu não aguento ficar presa. Mesmo na televisão eu sofria muito. Porque é
difícil você administrar sua vida pessoal, você é escravo daquilo, é uma
máquina tão poderosa...Sabe, eu achava aquilo tudo muito esquisito. Tinha
alguma coisa que eu não entendia, algo que me incomodava, de vender a
imagem e não ser um trabalho realmente consistente. O que você precisa ser
para a pessoa te escolher? É muito esquisito esse negócio de fazer teste. Eu
vivi essa vida.
Silvia – Até que eu comecei a ter filhos, eu tive 4 filhas. Então isso foi mais
forte que a carreira, porque o fato de ter perdido minha mãe, fez da
maternidade uma coisa muito importante pra mim. Eu largava tudo para ficar
com minhas filhas. Fui super mãe. Trabalhei nos intervalos entre uma e outra.
Estava sempre trabalhando, pensando nas crianças, estava com as crianças e
querendo trabalhar. Eu agüentei a vida assim e criei minhas filhas.
8
Vida”, com Milionário e Zé Rico, que meu marido produziu. Fiz “Janete” do
Chico Botelho, fiz “A Próxima Vítima” do João Batista de Andrade, e
recentemente “Narradores de Javé”, da Eliane Caffé. Fiz bons filmes de bons
diretores e alguns curtas. Mas era uma coisa tão incerta, hoje eu vejo que fiz
muita coisa. São experiências que vão somando, mas realmente, peguei as
rédeas da minha vida quando eu encontrei o LUME.
Silvia – Era pulado, uma coisa não levava a outra, sabe? Parecia que eu
estava sempre sem nada, ficava com nada na mão.
Eu estava no elenco de “Pulomelu”, uma Ópera Popular, que montaram no
Sesc Pompéia, em 1990. Tínhamos um coro ensaiado. De lá, fomos cantar no
“Kelbilim”, a primeira montagem do Lume.
Mayara – Sim, eu estava pesquisando sobre o LUME antes de falar com você,
eu vi a trajetória deles também.
Silvia – E lá fui eu! Era muito puxado fisicamente... Ali pude entrar em contato
com os princípios de trabalho do Lume e me identifiquei totalmente com esses
princípios. Mas eu tinha quatro crianças, e aí ficou um namoro sem fim, eles
me chamavam e eu não podia ir. Não conseguia ir por causa das crianças e
ficamos assim durante 5 anos, até que em fevereiro de 1995, o Luís Otávio
Burnier morreu, aos 37 anos de idade, inesperadamente. Mesmo assim
9
continuaram, e em julho desse mesmo ano, o Ric e o Simi organizaram o
“Retiro Para o Estudo do Clown”.
Mayara – Só os dois?
Silvia – Fui e fiquei apaixonada pelo trabalho, pelo jeito que eles trabalhavam,
pelo método. Parecia que eu tinha vivido minha vida inteira para chegar ali. Eu
encontrei, finalmente, o que eu queria e aí colei neles. Mas esperei cinco anos.
Em (19)90 fiz o primeiro workshop, e só fui fazer outro em (19)95. Mas o
Burnier nunca me abandonou, eles me chamavam pra tudo, eu ia para
Campinas toda hora. Fui visitar o lugar em que trabalhavam... Uma amizade
que se tornou profunda e eterna. Fui e continuo indo ao encontro deles, e
acompanhei toda a trajetória deles. Em 95 eu fiz o clown. Não que eu tivesse
jeito, demorou 5 anos pra eu fazer o meu número, eu tinha muita dificuldade,
não tinha graça nenhuma, nada funcionava, você pensa que foi fácil? Nada
fácil! Mas como eu já estava muito madura, eu já sabia, como o Burnier
falava... Eu tive verdadeiras aulas com ele, dando carona para ele durante a
temporada deles em São Paulo.
Silvia – Como ele tinha falado que acreditava no trabalho e não no talento, eu
peguei isso pra mim. Eu falei “eu quero fazer isso, eu vou fazer” e falei pro Ric,
porque ele é o responsável pela pesquisa do clown no LUME, e ele me
mandou fazer aulas com o Gaulier, que estava vindo para o Brasil.
10
Mayara – E como foi a experiência com o Gaulier?
Mayara – É! (Rindo).
11
Silvia – Sim. Ele disse, que o que chamamos de branco, na verdade, não é. É
tão palhaço e tonto quanto o augusto, é o intermediário na verdade, é o que
briga com o Augusto, eles brigam entre si. O branco mesmo, diz ele, é aquele
que fica fora da briga, está acima do bem e do mal. Mas eu não entendo bem
isso, porque não vim do circo. Também não acho que palhaço é personagem.
Personagem é uma redução, tem vontade, contra-vontade e o porquê dele na
peça. O palhaço existe fora da peça, ele existe em qualquer lugar, e é o seu
ridículo, isso é o clown pessoal. Porque se você seguir a linha do circo, o
trabalho já foi feito por outro, você pega aquela gague e a rotina clássica,
aquele número do seu pai, do seu avô, faz igual e aos poucos você vai
dominando e vai achando o seu jeito de fazer, é tradição. Mas a essência é a
mesma, quando a gente entende as regras, e você observa um palhaço de
circo tradicional você vê que os princípios são os mesmos, só o método de
iniciação é que é diferente.
Silvia – Então, eu fiz vários mestres e continuo fazendo sempre que posso,
mas meus três pilares de trabalho hoje são: LUME, Gaulier e Sue Morrison. Eu
já tinha feito Gaulier e já estava feliz, já estavam rindo de mim, mas eu não
tinha número, só improvisava, saía, brincava, mas não tinha número e nem
ideia. 5 anos eu fiquei assim.
Silvia – Feliz e dando aula já. Porque pediam pra eu dar aula e o LUME dava
assessoria. Eles pesquisam e passam, pesquisam e passam. Isso é a função
deles, porque eles são núcleo de pesquisas.
12
Gaulier foi a alegria, a descoberta do jogo e da alegria, da graça, foi a coisa
mais feliz, só feliz, não teve sofrimento; aí vem a Sue Morrison, a canadense...
Jamais eu podia imaginar o que iria acontecer, porque aquela mulher me virou
do avesso. O clown xamânico, dos índios, não vem da tradição européia; é
muito mais antiga. Quem criou o método do clown através de máscaras foi
Richard Pochinko, um homem que viveu entre os índios norte-americanos e
desenvolveu esse método. Foi mestre da Sue Morrison.
Mayara – Mas para os índios existe o clown? Eles têm essa figura?
Silvia – Ela faz isso a partir de máscaras, que correspondem aos seus lados,
que são seis direções. Eles dizem que se você conhece todos os seus lados,
13
você pode espelhar o humano e rir de si mesmo. Isso é clown.
Silvia – São seis máscaras, mas são 12 lados, porque cada máscara tem
inocência e experiência; porque para eles o palhaço é a inocência depois da
experiência. Você convence, quando você carrega a experiência por trás da
sua inocência, quando você mostra isso.
Mayara – Seria Norte, Sul e etc para cada workshop? Por exemplo, workshop
do Norte.
14
Silvia – Não, você faz tudo junto. Tem gente que está fazendo as primeiras e
você está fazendo as segundas, e não tem nada a ver a do outro com a sua. É
um trabalho muito individual, você está junto, mas é seu, o processo é seu.
Você precisa da platéia, precisa do outro para se relacionar, mas é o seu
processo. O palhaço pode se relacionar com qualquer coisa. Ele diz sim para
tudo, ele não critica, ele não tem julgamento, ele se relaciona; e é ridículo. Você
não agüenta se colocar numa situação ridícula, então quando você vê o ridículo
no outro, você dá risada. Este é o nosso serviço.
Silvia – Incrível! Sempre foi assim. Pensei: “sorte minha!” – (rindo). Eu fiquei
sócia do Alessandro Azevedo (o palhaço Charles) no Galpão Raso da Catarina,
na Vila Madalena, em São Paulo, tinha saraus uma vez por mês e tudo o que
eu fazia, as pessoas gostavam... Então eu fui me convencendo que meu
palhaço funcionava, que minha palhaça existia, as pessoas me davam esse
retorno “eu amo a Spirulina”, e tudo o que eu estudava da teoria do palhaço se
confirmava; porque palhaço não importa o que ele faz, importa o que ele é, e
ele cativa pelo coração, pela empatia. E tinha gente que gostava de mim! Que
bom, eu tenho meu público. Então eu continuava dando aula, eu sempre fui
muito inspirada para dar aula, eu acho que sou, porque na vida eu não tenho
muita certeza de nada... eu vou indo... E como professora eu sinto uma
segurança absurda, eu fico poderosa.
15
Silvia – É outra coisa que me surpreendeu. As pessoas me pediram pra eu dar
aula. Eu sempre precisei que as pessoas me dissessem, e eu penso que pode
ser assim também com outros, às vezes precisa que alguém olhe, e diga: “olha
como você é”, “olha como você sabe”, “olha como você é tonto, você é tonto!”
Como faz o Gaulier: - “você é simpático”, “você é antipático”. E as pessoas
ficam surpresas: -“Eeeu sou antipático?!” E ninguém morre disso.
Silvia – É muito legal isso, vai baixando o ego. Não é mal se não te acham
simpático, não importa, o importante é viver, é ficar feliz, é brincar... É VIVER! O
importante é SER! E o clown é do jeito que ele é, tonto, ridículo, bobo, burro,
idiota, e assim ele tem direito de viver, porque ele está vivo, simplesmente. Tem
direito de ser feliz, tem direito de se divertir. A verdade é que isso é a vida. Você
tem direito de viver, você não precisa ser o melhor, é mentira que precisa ser o
melhor. Esta cultura do melhor é muito desumana, porque todos têm direito à
vida, é isso que cria a injustiça social. Uns acham que merecem mais, e o que
não conseguiu nada, fica na rua. Todo o ser humano deveria ter direito ao
básico, por ser humano, moradia, alimentação, saúde, isso é direito humano.
Mesmo que ele não seja capaz de fazer nada. Ele tem direito simplesmente por
estar vivo, de ser cuidado, de SER, existir.
Mayara – (Suspiros) Que bom te ouvir! Um dia eu ouvi de um índio que o amor
é a mais alta vibração que existe no Universo.
Silvia – É Deus, não é? Se a gente sai do amor, a gente sai de Deus, dessa
frequência.
16
Silvia – Exatamente, e a justiça humana está muito afastada disso, ainda. Se
não te dão chance de saber, se te mantêm na ignorância, você vai sofrer. Então
o que sabe mais, ganha mais, tem o que quer e quem não sabe fica cada vez
pior. Se para a gente que estuda é difícil ancorar, comer, ter saúde... Imagina
uma pessoa sem estudo! Como ela vai conseguir? É fácil falar: “- quem quer
consegue”.
Mayara – Entender esse discurso, de onde e de quem ele vem. O porquê que
ele existe.
Silvia – Claro, você pode ter tudo e não fazer nada com o que tem. Você pode
ter talento e desperdiçar, você pode nascer lá embaixo e conseguir... Tem as
exceções, mas... deixa para lá, eu sou muito crítica, não consigo deixar de
ser... Cresci lutando contra a ditadura, então eu tenho esse vício. Eu tenho
dificuldade às vezes de enxergar o positivo, de usufruir, por isso que o palhaço
me ajuda, porque eu sou muito crítica e vejo muita coisa errada; fico revoltada.
Fui criada no medo. Entrei na faculdade em (19)68, Colégio de Aplicação da
USP em (19)64, foi impossível não ter rebeldia, criada na resistência. Eu tenho
esse vício de revolucionária, não me conformo e não acredito nesse sistema
materialista, consumista. Hoje já admito que em qualquer lugar que a pessoa
esteja, pode fazer as suas escolhas. Quando se tem vários filhos, não dá pra
acreditar que se nasce como um livro em branco.
Silvia – Tem um que nasce quase pronto, já sabendo tudo o que precisa e o
que quer.
Silvia – Outro tem maior dificuldade, você precisa cuidar, dar aquele apoio, vai
devagar, no tempo dele, e o tempo dele não é dessa vida, é a eternidade.
17
Mayara – O tempo não existe!
Silvia – Estou feliz, graças a Deus. Na luta, lutando agora com as limitações
físicas, com a idade... tentando me conformar...que meu corpo não aguenta
mais o que aguentava antes, a cabeça muito acelerada e o corpo não
acompanha. Tentando me adaptar a essa nova fase, qual é meu limite, o que
eu vou poder fazer.
Silvia – Mas cada vez melhor! Quanto mais a gente sabe, mais a gente pode
servir, mais a gente pode ser útil, mais a gente pode ajudar, mais a gente pode
aprender, mais a gente sabe o que não sabe. Então eu acho maravilhosa a
vida, você ir evoluindo e aprendendo, quando eu olho para trás e vejo o quanto
eu já mudei, ainda bem, o quanto que eu aprendi, essa vida aqui para mim,
minha filha! Se hoje eu passar para o outro lado... Já valeu! Eu fiz tanta coisa,
aprendi tanto, tive filhos, tenho netos... Claro que eu quero ficar, acho que eu
ainda posso fazer muita coisa... até ajudar, quem sabe? Às vezes eu estou
vendo alguma coisa, mas vejo que não é o momento de falar, então a gente
tem que aprender a guardar, ter paciência. Às vezes as pessoas também não
querem aprender.
18
Sabedoria não é estudo.
Mayara – Meu avô, por exemplo, o velho sábio. Ele não fez nem o quarto ano
do primário e é incrível! De onde vem tanta sabedoria? Não é conhecimento,
universidade. Não! Está em outro lugar.
(Silêncio)
Mayara – Gratidão, isso foi muito especial para mim. Até me emocionei.
Silvia – Para mim também, eu estou emocionada. A gente vive o tempo todo
nessa linha de produção, e cuidando de coisas e mais coisas. O mais difícil
para o artista é achar o tempo para a criação. Parece que existe um complô pra
gente só fazer coisas chatas, e sem importância, e que são necessárias porque
o sistema exige. Quando que a gente cria? Essa é a maior dificuldade do
artista, eu acho. Uma vez eu ouvi um escritor português falando, em uma
entrevista na televisão, que é muito importante distinguir as coisas urgentes
das importantes, porque nem sempre o que é urgente, é importante.
Silvia – Um dia desses, meu neto João, de 6 anos de idade, estava comigo no
supermercado. Eu reclamei com ele que ele queria tudo o que via. Ele
19
respondeu: “- Mas também, eles põem tudo na frente da gente! A gente fica
com vontade!”
É isso aí. Temos que resistir o tempo todo, para não cairmos na armadilha do
consumismo, e da “burrocracia”. Isso gera um desperdício de energia. Nesta
realidade, acredito que o palhaço é fundamental para a nossa sobrevivência,
pela leveza e pela alegria.
20